infografia etanol 2g

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Revolução no canavial Usina em Alagoas é a primeira do Brasil e terceira no mundo a produzir etanol celulósico em escala comercial Texto Cristina Vieira * Fotos Michel Rios, de São Miguel dos Campos (AL) O que era um resíduo da cana-de- açúcar acaba de assumir papel no- bre na produção de biocombustí- vel no Brasil. A palha que sobra no campo depois da colheita é a maté- ria-prima da primeira usina do pa- ís a fabricar o etanol celulósico, também conhecido como etanol de segunda geração (2G). A Usina Bioflex I, em São Miguel dos Campos (AL), a 60 quilômetros de Maceió, começou a funcionar em setembro deste ano e já produziu mais de 1 mi- lhão de litros de etanol anidro, aquele que é mistu- rado à gasolina. Por enquanto, a fábrica opera com 30% da capacidade. “Até o meio de 2015, estaremos funcionando a todo vapor, com condições de fabri- car 82 milhões de litros de etanol celulósico por ano”, afirma o vice-presidente de operações da empresa, Manoel Carnaúba. O Estado de Alagoas foi escolhi- do por ser um dos principais produtores de cana-de- açúcar do país e pela proximidade com o porto de Maceió, o que vai facilitar a exportação do produto. A tecnologia é nova não só no Brasil. A usina é a primeira do Hemisfério Sul e a terceira no mundo a operar em escala comercial. As outras duas estão nos Estados Unidos e na Itália. E foi na fábrica italia- na que a empresa brasileira Granbio buscou parte da tecnologia usada para implantar a unidade em Ala- goas. Levou um grupo de funcionários para um in- tercâmbio lá e agora conta com a ajuda de técnicos italianos para essa fase inicial de produção. “Estamos aprendendo dia a dia, com todos os processos”, diz Carnaúba, engenheiro químico que sempre se dedi- cou ao setor petroquímico e, pela primeira vez, tra- balha com o etanol. O etanol de segunda geração pode ser fabricado a partir da celulose presente em qualquer parte da planta. A Granbio está utilizando a palha, mas tem tecnologia para produzir também o etanol do bagaço da cana. O álcool combustível 2G, em sua formula- ção física e química, é idêntico ao etanol de primeira geração já conhecido no Brasil. O que muda é a ma- téria-prima e o processo de produção. Hoje, as usinas de cana produzem etanol a par- tir da fermentação da sacarose, que está no caldo da cana. É esse açúcar que vira álcool. Na segunda geração, é preciso encontrar os açúcares que es- tão nas fibras. Para isso, são quatro etapas. Primei- ro, a biomassa (palha) é pré-tratada. Ela é cozida e passa por um processo de explosão a vapor, para que a celulose e a hemicelulose sejam acessadas. Na etapa seguinte, a hidrólise enzimática, a celu- lose e a hemicelulose são quebradas em molécu- las de açúcares simples, como glicose e xilose, pela ação de enzimas. Na fermentação, esses açúcares são transformados em etanol com o uso de leve- duras. E, por fim, o produto passa para a destilação. Cada 5 toneladas de palha produzem, em média, 1 tonelada de etanol. Certificado dos EUA O processo é sustentável à me- dida que aproveita todas as subs- tâncias envolvidas. A lignina – o cimento da estrutura das fibras que garante a rigidez da planta – é separada e destinada à cogeração de energia elétrica. E a vinhaça, subproduto da destilação com- dezembro 2014 | GLOBO RURAL 55 ETANOL Manoel Carnaúba, vice-presidente de operações da Usina Bioflex I

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  • Revoluo no canavialUsina em Alagoas a primeira do Brasil e terceira no mundo a produzir etanol celulsico em escala comercialTexto Cristina Vieira * Fotos Michel Rios, de So Miguel dos Campos (AL)

    Oque era um resduo da cana-de- acar acaba de assumir papel no-bre na produo de biocombust-vel no Brasil. A palha que sobra no campo depois da colheita a mat-ria-prima da primeira usina do pa-

    s a fabricar o etanol celulsico, tambm conhecido como etanol de segunda gerao (2G).

    A Usina Bioflex I, em So Miguel dos Campos (AL), a 60 quilmetros de Macei, comeou a funcionar em setembro deste ano e j produziu mais de 1 mi-lho de litros de etanol anidro, aquele que mistu-rado gasolina. Por enquanto, a fbrica opera com 30% da capacidade. At o meio de 2015, estaremos funcionando a todo vapor, com condies de fabri-car 82 milhes de litros de etanol celulsico por ano, afirma o vice-presidente de operaes da empresa, Manoel Carnaba. O Estado de Alagoas foi escolhi-do por ser um dos principais produtores de cana-de- acar do pas e pela proximidade com o porto de Macei, o que vai facilitar a exportao do produto.

    A tecnologia nova no s no Brasil. A usina a primeira do Hemisfrio Sul e a terceira no mundo a operar em escala comercial. As outras duas esto nos Estados Unidos e na Itlia. E foi na fbrica italia-na que a empresa brasileira Granbio buscou parte da tecnologia usada para implantar a unidade em Ala-goas. Levou um grupo de funcionrios para um in-tercmbio l e agora conta com a ajuda de tcnicos italianos para essa fase inicial de produo. Estamos aprendendo dia a dia, com todos os processos, diz Carnaba, engenheiro qumico que sempre se dedi-cou ao setor petroqumico e, pela primeira vez, tra-balha com o etanol.

    O etanol de segunda gerao pode ser fabricado a partir da celulose presente em qualquer parte da planta. A Granbio est utilizando a palha, mas tem tecnologia para produzir tambm o etanol do bagao da cana. O lcool combustvel 2G, em sua formula-o fsica e qumica, idntico ao etanol de primeira gerao j conhecido no Brasil. O que muda a ma-tria-prima e o processo de produo.

    Hoje, as usinas de cana produzem etanol a par-tir da fermentao da sacarose, que est no caldo da cana. esse acar que vira lcool. Na segunda gerao, preciso encontrar os acares que es-to nas fibras. Para isso, so quatro etapas. Primei-ro, a biomassa (palha) pr-tratada. Ela cozida e passa por um processo de exploso a vapor, para que a celulose e a hemicelulose sejam acessadas. Na etapa seguinte, a hidrlise enzimtica, a celu-lose e a hemicelulose so quebradas em molcu-las de acares simples, como glicose e xilose, pela ao de enzimas. Na fermentao, esses acares so transformados em etanol com o uso de leve-duras. E, por fim, o produto passa para a destilao. Cada 5 toneladas de palha produzem, em mdia, 1 tonelada de etanol.

    Certificado dos EUAO processo sustentvel me-

    dida que aproveita todas as subs-tncias envolvidas. A lignina o cimento da estrutura das fibras que garante a rigidez da planta separada e destinada cogerao de energia eltrica. E a vinhaa, subproduto da destilao com-

    dezembro 2014 | GLOBO RURAL 55

    ETANOL

    Manoel Carnaba, vice-presidente de operaes da Usina Bioflex I

  • A USINA RECEBEU CERTIFICADO DE COMBUSTVELDE BAIXA EMISSO DO GOVERNO DA CALIFRNIA

    ainda pequena. Acreditamos que, com o desenvol-vimento da tecnologia e a construo de novas f-bricas, vamos ter uma reduo no custo. Por outro lado, Manoel Carnaba explica que o custo de pro-duo baixo. Primeiro, porque a palha uma ma-tria-prima mais barata que a cana-de-acar. Se-gundo, porque estamos conseguindo uma eficin-cia muito boa na converso da biomassa em lcool, gerando assim um etanol cerca de 20% mais com-petitivo do que o etanol 1G.

    Para o consultor de emisses e tecnologia da Unio da Indstria da Cana-de-Acar (Unica), Al-fred Szwarc, a alavancada no setor industrial, com o avano tecnolgico e o apelo da sustentabilidade do etanol de segunda gerao, deve agregar valor ao produto brasileiro e, assim, abrir espao no mer-cado externo. Vamos produzir mais etanol a partir da mesma quantidade de matria-prima, sem ne-cessidade de abrir novas reas de plantio, o que gera uma economia no uso de implementos agrcolas.

    Ele lembra tambm que duas outras unidades no pas esto trabalhando para a produo do etanol da palha e do bagao da cana. A Razen, com sede em Piracicaba (SP), deve produzir 40 milhes de litros de etanol 2G por ano. A planta est sendo finalizada e deve operar comercialmente ainda em 2014, segun-do a assessoria de imprensa da empresa. Tambm no Estado de So Paulo, o Centro de Tecnologia Ca-

    navieira (CTC) montou uma fbrica demonstrativa de produo de etanol celulsico junto Usina So Ma-noel, com previso de licenciar a tecnologia at 2016.

    Matria-prima Num centro de distribuio de 40 hectares, pr-

    ximo usina em So Miguel dos Campos (AL), esto armazenadas 150.000 toneladas de palha em fardos. O montante o que foi colhido na safra 2013/2014, em reas de trs usinas de acar e lcool da regio.

    A Granbio fechou uma parceria com empres-rios e compra a palha que fica no campo, logo aps a colheita mecanizada. nesse momento que entram em cena as colheitadeiras importadas. Nos Estados Unidos e Europa, elas so usadas para a produo de feno. Nos canaviais de Alagoas, as mquinas fo-

    ram adaptadas. Uma delas, formada por discos en-leiradores, recolhe a palha, e a outra transforma a palhada em fardos. Mas o material no todo reti-rado do solo. As mquinas so reguladas para cap-tar apenas 50% dos resduos. A palha tem a funo de guardar a umidade. Ela muito benfica aqui no Nordeste, por isso no podemos aproveitar tudo, explica o gerente de matrias-primas da Granbio, Sergio Godoy.

    Os usineiros que entraram no projeto veem vanta-gens no recolhimento de parte desse material. A pa-lha ficava toda no campo. Em grandes reas, isso se tornava at perigoso, por causa dos incndios, afir-ma o diretor da Usina Caet, Aryl Lyra. O superinten-dente da Triunfo Agroindustrial S.A, Paulo Roberto Lira, diz que, com menos palha, aumenta a incidn-

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    posto por gua, matria orgnica e minerais, reu-tilizada como fertilizante para as lavouras de cana.

    A usina recebeu do governo da Califrnia (EUA) o certificado de bioetanol limpo, pela baixa emis-so de carbono desde a coleta da matria-prima, passando pelos insumos e consumo de energia, at o transporte e a distribuio. O ndice comprovado pelo Air Resources Board (ARB) de 7,49 g CO2/MJ, ou seja, a fbrica libera 7,49 gramas de carbono por unidade de energia produzida. A partir dessa certi-ficao, a empresa quer focar suas exportaes pa-ra o pas americano no segundo trimestre de 2015. At l, o biocombustvel ser comercializado na re-gio nordeste do Brasil.

    O investimento foi de US$ 190 milhes para a construo da fbrica e o desenvolvimento da tec-nologia, mais US$ 75 milhes para as caldeiras de cogerao de energia. A unidade teve financiamen-to de R$ 300 milhes pelo Banco Nacional de Desen-volvimento Econmico e Social (BNDES) por meio do programa PAISS (Plano Conjunto de Apoio Inova-o Tecnolgica Industrial dos Setores Sucroener-gtico e Sucroqumico).

    O custo fixo alto, principalmente por causa do processo que utiliza as enzimas para a quebra dos acares (hidrlise enzimtica), de acordo com o vi-ce-presidente. uma tecnologia pouco utilizada no mundo. Ento a escala de produo dessas enzimas

    Como se obtm o combustvel 2GPR-TRATAMENTOO bagao e a palha da cana passam por um reator, onde sua estrutura rompida para que a celulose e a hemicelulose sejam acessadas

    HIDRLISEA celulose e a hemicelulose so quebradas por enzimas para se transformarem em acares simples (glicose e xilose)

    FERMENTAOAcares so transformados em etanol pela ao de leveduras

    DESTILAOEtanol separado de resduos edas leveduras,tornando-se puro

    PRODUTO FINALO etanol de segunda gerao tem as mesmas caractersticas do etanol de primeira gerao

    34

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    250% o potencial ganho de produtividade por hectare de canavial

    REATOR

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    Como se obtm o combustvel 2GPR-TRATAMENTOO bagao e a palha da cana passam por um reator, onde sua estrutura rompida para que a celulose e a hemicelulose sejam acessadas

    HIDRLISEA celulose e a hemicelulose so quebradas por enzimas para se transformarem em acares simples (glicose e xilose)

    FERMENTAOAcares so transformados em etanol pela ao de leveduras

    DESTILAOEtanol separado de resduos edas leveduras,tornando-se puro

    PRODUTO FINALO etanol de segunda gerao tem as mesmas caractersticas do etanol de primeira gerao

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    250% o potencial ganho de produtividade por hectare de canavial

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    Como se obtm o combustvel 2GPR-TRATAMENTOO bagao e a palha da cana passam por um reator, onde sua estrutura rompida para que a celulose e a hemicelulose sejam acessadas

    HIDRLISEA celulose e a hemicelulose so quebradas por enzimas para se transformarem em acares simples (glicose e xilose)

    FERMENTAOAcares so transformados em etanol pela ao de leveduras

    DESTILAOEtanol separado de resduos edas leveduras,tornando-se puro

    PRODUTO FINALO etanol de segunda gerao tem as mesmas caractersticas do etanol de primeira gerao

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    250% o potencial ganho de produtividade por hectare de canavial

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    56 GLOBO RURAL | dezembro 2014 dezembro 2014 | GLOBO RURAL 57

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    Fardo de palha sendo recolhido na lavoura e descarregado na Usina Bioflex I

  • cia de ar e luz no solo, o que acelera a brotao. Alm disso, uma forma de controlar a cigarrinha da raiz da cana-de-acar, praga que encontra na umidade da palha um ambiente propcio para proliferar. Isso mais compensador do que o retorno financeiro.

    Cana-energiaPara no depender apenas da palha e do bagao

    da cana, a Granbio pensou numa maneira de pro-duzir mais matria-prima para a produo de eta-nol 2G. No municpio de Barra de So Miguel (AL), a empresa montou uma estao experimental para desenvolver uma nova variedade de cana. a cana- energia, chamada de Vertix, uma planta melho-rada geneticamente para ser mais fibrosa do que a cana convencional.

    O agrnomo Jos Bressiani, diretor agrcola da empresa, um dos coordenadores do programa. O paulista, criado em Piracicaba (SP), trabalha h 20 anos com melhoramento gentico de cana-de-a-car e agora lidera essa nova fase de experimentos. Estamos voltando a pesquisa em 120 anos, diz, re-ferindo-se aos melhoramentos que foram feitos ao longo do tempo para agregar mais acar cana. Agora, queremos resgatar a rusticidade das esp-cies mais antigas.

    Mais de 300 variedades de cana foram importadas dos Estados Unidos e formam um banco de germo-plasma. So espcies ancestrais, originrias da sia, que esto sendo cruzadas com variedades comer-ciais. Em operao desde o incio de 2012, a estao

    PARA SE OBTER UMA PLANTA MAIS FIBROSA, FORAM IMPORTADAS 300 NOVAS VARIEDADES

    experimental produz 100 mil mudas por ano, que vo a campo para anlise. As amostras passam por v-rias etapas de testes. S permanecem na pesquisa as que tiverem potencial para se tornar cana-ener-gia. Alguns clones j esto na fase final de avaliao.

    Visualmente, a cana-energia tem colmos mais finos e em maior quantidade, que se espalham pe-las touceiras. A ideia produzir o dobro de biomas-sa numa mesma rea. Estamos falando numa fibra de 25%, 30%, enquanto na cana convencional essa fibra de 12%, descreve Bressiani. J a quantida-de de acar deve ser bem menor: a metade do que produz uma cana convencional.

    Outra caracterstica apontada pelo agrnomo a capacidade da cana-energia de produzir rizomas, que, associada a um sistema radicular vigoroso, per-mite que a planta brote com mais rapidez. Bressiani acredita que o canavial de cana-energia vai ter uma longevidade muito maior. Deve suportar at 15 co-lheitas, segundo ele. Na cana convencional, a cultu-ra resiste, em mdia, a cinco cortes.

    A expectativa da empresa que, at o fim de 2015, a cana-energia esteja pronta para ser comercializa-da. Jos Bressiani afirma que a nova variedade pode-r ser plantada at mesmo em solos de baixa fertili-dade, por ser mais resistente. No queremos com-petir com a cana-de-acar nem com a produo de alimentos. Queremos explorar reas degradadas do pas e incentivar a produo de biomassa.

    *Cristina Vieira reprter do Programa Globo Rural

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    Jos Bressiani, diretor agrcola da Granbio, e a cana melhorada geneticamente

  • Ochamado setor sucroenergtico, que engloba as indstrias que pro-duzem etanol e geram energia el-trica a partir da moagem do bagao da cana-de-acar, enfrenta uma das piores crises desde a criao, em

    1975, do Programa Nacional do lcool (Proalcool). O cenrio atual contrasta com a euforia que tomou conta do setor h dez anos, quando grandes companhias as-sumiram o comando das empresas e investiram pe-sado na expanso da capacidade instalada, apostando no potencial de crescimento tanto do mercado interno como das exportaes brasileiras de etanol e acar.

    O setor reclama que foi abandonado pelo governo e acabou sendo penalizado pelas medidas adotadas para controlar a inflao, como a limitao da alta de preos dos combustveis, alm da reduo gradual, desde 2008, e do fim da cobrana, em 2012, da taxa de Contribuio de Interveno no Domnio Econmico (Cide), que garantia a competividade do combustvel de fonte renovvel. Por isso, nos ltimos anos, os pro-dutores de etanol tm convivido com o descompas-so entre os custos de produo ascendentes e a de-fasagem do preo, que atrelado ao da gasolina, com base em 70% de eficincia energtica em relao ao derivado de petrleo.

    A frota de veculos flex continua crescendo, abas-tecida pelo etanol produzido pelas dezenas de usinas

    e destilarias construdas na dcada passada, mas a maioria das empresas enfrenta dificuldades finan-ceiras, devido s margens estreitas e ao alto nvel de alavancagem. A Unio da Indstria de Cana-de-Au-car (Unica) calcula que o endividamento do setor est em R$ 77 bilhes, valor 10% superior ao faturamento de R$ 70 bilhes estimado para esta safra. Segundo a Unica, atualmente existem 375 usinas em operao, e destas pelo menos 30 devem paralisar as atividades na prxima safra por causa da falta de dinheiro. Nos lti-mos seis anos, entre 60 e 70 usinas encerraram suas atividades por problemas financeiros e outras 70 ope-ram em regime de recuperao judicial.

    Capital a custo zeroO setor est quebrado e a situao somente ser

    resolvida com injeo de capital a custo zero, com o in-vestidor apostando no risco, diz o consultor Eduardo Carvalho, do alto da experincia vivida no comando da Unica entre 2000 e 2007. Na gesto do executivo, o carro flex se tornou uma realidade e hoje representa 94% das vendas nacionais de veculos leves, assegu-rando no ano passado o consumo de 10,7 bilhes de li-tros de etanol hidratado e mais 10,4 bilhes de litros de anidro misturado gasolina. Em 2003, quando o carro flex foi lanado, o Brasil consumia pouco mais de 8 bi-lhes de litros de etanol, dos quais 5 bilhes eram de anidro e 3 bilhes de hidratado.

    Unica diz que endividamento do setor est em R$ 77 bilhes, superior ao faturamento de R$ 70 bilhes estimado nesta safraTexto Venilson Ferreira

    Dvida assombra O diretor comercial do banco Ita BBA, Alexandre Figliolino, reconhece que a estagnao do preo do etanol um fator importante para explicar a crise, mas observa que, a exemplo da queda de um avio, nunca existe uma causa s. Na avaliao do exe-cutivo do Ita, por mais que a total ausncia de de-finio de polticas pblicas tenha sido fundamental para a deteriorao do setor, sem dvida as questes climticas e a mecanizao acelerada das atividades de colheita e plantio, aliadas m gesto e planeja-mento numa parte significante do setor, tambm tm seu papel de responsabilidade no tamanho da crise que vivemos.

    Outra questo apontada por Figliolino a falta de dilogo do setor com o governo, que foi interrompi-do desde que a presidente Dilma Rousseff assumiu a Presidncia da Repblica, em 2010. Faltam dilogo, inteligncia e vontade para resolver as coisas, diz o executivo, alertando para o risco de destruio do parque produtivo e desperdcio do investimento fei-to pelas usinas, o que compromete tambm a inds-tria de bens de capital fornecedora de equipamentos para o setor, o que pode dificultar, no futuro, a reto-mada do crescimento.

    Na avaliao de Eduardo Carvalho, a mudana no comando das empresas foi um fator que contribuiu para dificultar o dilogo com o governo. Ele conta que, no tempo em que comandou a Unica, as empresas eram familiares, comandadas pelos homens de ter-no de linho branco, que, apesar das diferenas de in-teresses, conseguiam tomar decises de consenso. A partir do momento em que as corporaes passaram a comandar o setor, as decises ficaram mais com-plicadas e muitas das empresas preferiam falar di-retamente com o governo, o que tornava difcil o in-vestimento. Os problemas na poltica de represen-tao do setor foi um fator que tambm contribuiu para agravar a crise, diz ele.

    Para retomar a conversa com o governo, a Unica escolheu o ex-ministro Roberto Rodrigues, um pro-fundo conhecedor do setor. Logo que assumiu a pre-sidncia do conselho da entidade, em junho deste ano, Rodrigues se reuniu com o ministro-chefe da Casa Ci-vil, Alosio Mercadante, para apresentar os pleitos do setor, como a volta da incidncia da Contribuio de Interveno no Domnio Econmico (Cide), que era de R$ 0,28 sobre o preo do litro da gasolina quando foi zerada pelo governo, em 2012. O executivo Alexandre Figliolino calcula que a reduo gradual da Cide des-

    de maio de 2008 at zerar em 2012 representou uma perda de receita para o setor de R$ 16 bilhes.

    Retorno da CidePor isso Rodrigues defende o retorno da tributao

    sobre a gasolina, lembrando que a taxa leva em conta o reconhecimento das chamadas externalidades po-sitivas do etanol no monetizadas, como os ganhos na sade pblica e na rea ambiental, alm da gerao de renda e emprego. O setor tambm pede ao gover-no medidas tributrias, como a desonerao da inci-dncia do PIS/Cofins e a harmonizao da cobrana do ICMS pelos Estados, que hoje impe diferenciados nveis de alquotas para taxar o etanol.

    As perspectivas para o setor ainda so nebulosas, mas Alexandre Figliolino prev que o primeiro movi-mento em relao retomada do crescimento ser de pequenas ampliaes e otimizao nas unidades j existentes, com investimento em cogerao de ener-gia eltrica e outros que agreguem valor e aumentem a competitividade das empresas em relao aos pro-dutos principais acar e etanol.

    Figliolino acredita que um movimento de consoli-dao tambm pode ocorrer, medida que h uma enorme disparidade de resultados e nvel de endivi-damento no setor, o que far com que empresas bem estruturadas e com capacidade de alavancagem fi-nanceira absorvam outras em dificuldade. Ele no descarta a entrada de novos players no setor, basi-camente investidores estrangeiros em parcerias com grupos j estabelecidos. Na opinio do executivo, se-r por meio da tecnologia, sobretudo as adotadas nas atividades agrcolas, que o etanol ir recuperar sua competitividade em relao gasolina.

    A derrocada do setor Nmero de usinas abertas e fechadas no perodo 2007-2015

    2007/08 2008/09 2009/10 2010/11 2011/12 2012/13 2013/14 2014/15*

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    Fonte: Unica *Projeo

    USINAS ABERTAS

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