informe c3 - ediÇÃo 07

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INFORME C3Edição 07 – Set/Out - 2009“Mais uma vez” é “Batata”Rituais/Crenças/Costumes/ValoresRituais podem ser formas de realizar algo acreditando que certos costumes e características “fundamentais” são responsáveis pela realização, a dita perfeição e concretização do que se pretende alcançar. Como são os rituais nas culturas urbanas contemporâneas? No que diferentes grupos sociais têm acreditado e reconhecido como importante? Ritual, repetição necessária ou T.O.C (transtorno obsessivo compulsivo)?

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  • www.processoc3.com

  • Mais uma vez Batata

    Rituais/Crenas/Costumes/Valores

    Rituais podem ser formas de realizar algo acreditando que certos costumes e caractersticas fundamentais so responsveis pela realizao, a dita perfeio e concretizao do que se pretende alcanar. Como so os rituais nas culturas urbanas contemporneas? No que diferentes grupos sociais tm acreditado e reconhecido como importante? Ritual, repetio necessria ou T.O.C (transtorno obsessivo compulsivo)?

  • Foto: Anderson de SouzaFoto: Anderson de Souza

  • Capa:Espetculo: Crpuscule des Ocans

    - Canad - durante o Porto Alegre em Cena/2009.

    Foto: Anderson de Souza

    Local:Porto Alegre/RS/Brasil

    Edio e criao:Anderson de Souza e

    Wagner Ferraz

    Bibliografia

    SOUZA, Anderson de; PRESSI, Francine; FERRAZ, Wagner (orgs.). Informe C3: Sem Barba, sem leno, sem documento - disponibilidade/desprendimento/visibilidade/pblicoxprivado. Canoas, RS: agosto de 2009. On line.

    Disponvel em: http://www.processoc3.com/informe_c3/edicao07/processoc3_edicao07.pdf

    www.processoc3.comano 01 - Edio 06 Setembro e outubro/2009

    Expediente

    Direo Geral e Coordenao Editorial: Wagner Ferraz

    Pesquisa e organizao: Processo C3 Grupo de Pesquisa

    Pesquisadores: Anderson de Souza, Francine Pressi e Wagner Ferraz

    Projeto grfico e Direo de Arte: Anderson de Souza e Wagner Ferraz

    Produo Grfica e Edio de Arte:Anderson de Souza e Wagner Ferraz

    Colaboradores/colunistas:Paulo Duarte - Coimbra/Portugal; Rodrigo Monteiro - Porto Alegre/RS/Brasil - www.teatropoa.blogspot.com; T. Angel - Frrrk Guys - So Paulo/Brasil- www.frrrkguys.com; Luciane Moreau Coccaro - Porto Alegre/Rio de Janeiro; Marta Peres - Rio de Janeiro/Brasil; Mrio Gordilho - Esprito Santo/Brasil.

    Conselho Editorial (em elaborao):Luciane Moreau Coccaro (UFRJ/RJ); Marta Peres - (UFRJ/RJ); Anderson L. de Souza (SENAC/Moda e Beleza - Processo C3); Francine Pressi (Processo C3); Wagner Ferraz (Processo C3 e Terps Teatro de Dana); Rodrigo Monteiro - Critica Teatral/Porto Alegre/RS

    Apoiadores/Espaos para divulgao:Wagner Ferraz

    Contato:Wagner Ferraz55-51-9306-0982wagnerferrazc3@yahoo.com.brwww.processoc3.comwww.processoc3.blogspot.comwww.processoc3.ning.com

    Informe C3Processo C3 Grupo de PesquisaPorto Alegre/Canoas/So Leopoldo

    Visualizao: Gratuita e ilimitada no site www.processoc3.com.

  • Sumrio

    Apresentao Wagner Ferraz11

    Ensaio 01 - Crer ou no crerWagner Ferraz14

    Ensaio 02 - Ser da Dana: A tradio e a inovaoLuciane Coccaro20

    Porto Alegre em CenaO Corpo apresentado na pea Senhora dos AfogadosWagner Ferraz39

    Porto Alegre em CenaTerps - O corpo que acredita, continua e tambm silenciaWagner Ferraz40

    Porto Alegre em CenaCrpuscule des Ocans - O que fala o corpo nu?Wagner Ferraz42

    Porto Alegre em CenaDimenti - O corpo que hipnotizaWagner Ferraz44

    Ensaio 03 - Rituais ContemporneosMarta Peres48

    Crtica TeatralRodrigo Monteiro54

    Em que voc acredita?62

    Ensaio 04 - Questes de F, Crenas e Culto... em abertoPaulo Duarte64

    Instruciones para dar cuerda al relojPriscilla Davanzo68

    Ensaio 05 - VII Frrrk Guys Party - 3 anosT. Angel74

    Ensaio 06 - Crenas - Pode cr!Francine Pressi82

    Voc acredita que a moda dialoga com a arte? Disneylndia - Desfile do estilista Ronaldo FragaFotos: Gro Imagem84

    Ensaio 07 - As ruas de Gois Velho eo CasaroNelci Rosa Moreira106

    Ensaio 08 - Vitrina: Marca no Espao UrbanoAnderson de Souza108

    Tempo de CuraMario Gordilho115

    Quem quem?Currculos colaboradores120

    Foto: Anderson de Souza

  • Terps Teatro de DanaPorto Alegre/RS/Brasil

    www.terpsiteatrodedanca.blogspot.com

    T. Angel - Frrrk GuysSo Paulo/Brasil

    www.frrrkguys.com

    Paulo DuarteCoimbra/Portugal

    Rodrigo MonteiroPorto Alegre/RS/Brasil

    www.teatropoa.blogspot.com

    Marta PeresRio de Janeiro/Brasil

    Luciane Moreau CoccaroRio de Janeiro/RJ/Brasil

    priscilladavanzoSo Paulo/Brasil

    Mrio GordilhoEsprito Santo/Brasil

    Andr LizzaSo Paulo/Brasil

    Gro ImagemSo Paulo/Brasil

    Ceclia LaszkiewiczSo Paulo/Brasil

    Rahel PatrassoSo Paulo/Brasil

    Mrcia Guedes dos SantosSo Paulo/Brasil

    Ricardo VieiraSo Paulo/Brasil

    AgradecimentosApresentao

    O Processo C3 Grupo de Pesquisa busca investigar os processos de construo do Corpo em diferentes contextos Culturais, relacionando com os discursos e prticas da Contemporaneidade. Tendo as artes, Moda e questes socioculturais como focos para tentar esclarecer e fortalecer interrogaes.

    Agradecemos tambm a todos que de forma direta ou indireta colaboraram com o Processo C3 Grupo de Pesquisa e com o Informe C3.

    Um abraoWagner Ferraz

    Chegamos a Edio 07, com tantas atividades e pouco tempo optamos por fazer as edies de 2 em dois meses, pelo menos at o fim deste ano. Nossa proposta experimental de uma publicao peridica digital tem rendido muito mais do que espervamos, e isso nos faz pensar em um planejamento mais focado para o ano de 2010. Estamos considerando esse imediato resultado algo bom, pois nosso projeto inicial ser finalizado com a edio de dezembro e o planeja era, aps dezembro analisar tudo e pensar se continuaramos ou no com o Projeto da Revista Digital Informa C3. Mas agora j est decidido que a Revista continuar durante o ano de 2010.

    Esta atual edio foi uma gestao longa e dolorida, mas de muita felicidade em conseguir linkar tantos assuntos que nos interessam. O Porto Alegre em Cena nos proporcionou idias que geraram a capa, pois acabamos utilizando uma frase dita nos espetculos da Cia Terps Teatro de Dana (RS) e o ttulo do espetculo do Dimenti (BA).

    Nossos fies colaboradores continuam conosco. um grande prazer e aprendizado t-los contribuindo e dividindo suas buscas com os leitores da Informe C3. Paulo Duarte (Portugal), Marta Peres (UFRJ), Luciane Coccaro (UFRJ), Rodrigo Monteiro (RS), Priscilla Davanzo (SP), T. Angel (So Paulo) e Mario Gordilho (ES) nossa agradecimento...

    Tambm temos o prazer de ter nesta edio as contribuies de Nelci Rosa Moreira (RS); dos fotgrafos Andr Liza, Ceclia Laszkiewicz, Rahel Patrasso com os modelos Mrcia Guedes dos Santos e Ricardo Vieira em Homem Urbano; da Gro Imagem com as fotos do desfile (Disneylndia) do estilista Ronaldo Fraga no So Paulo Fashion Week Primavera/Vero - 2009/2010;

    Chamo a ateno sobre a divulgao da Rede Social do Processo C3 Grupo de Pesquisa, http://www.processoc3.ning.com, onde qualquer interessado pode ingressar criando seu perfil, l podemos trocar idias, informaes, criar e participar de grupos, criar e participar de fruns de discusso, conversar no chat, divulgar eventos, postar notcias e imagens no blog, postar imagens e vdeos, fazer amizades e fazer parte dessa rede de troca de informaes.

    Assim, deixamos essa edio com nossa colaborao para que possam pensar nos rituais contemporneos, nas repeties dirias ou peridicas, na crena, em acreditar em algo e ter certeza de que este algo certo ou que vai acontecer. Mais uma vez algo vai se repetir. Mais uma vez seria um ritual, seria a insistncia, seria a crena? E acreditar que tudo pode dar certo, ter certeza, batata que algo vai acontecer. Seria ter certeza do inesperado?

    Mais uma vez estamos aqui trazendo colaboraes, e batata nossa contribuio com a prxima edio.

    11 - Informe C3

  • 12 - Informe C3 13 - Informe C3

    Qual a sua crena?Apresentao

    Foto: Anderson de Souza

  • 14 - Informe C314- Informe C3 15 - Informe C3

    Ensaio 01

    Crer ou no crer?Wagner Ferraz*

    *Wagner Ferraz - RS/BrasilGraduado em Dana (ULBRA/Canoas); Especializao em Gesto Cultural (SENAC) em andamento; Especializao em Educao Especial (Unisinos) em andamento; alunos especial do Curso de Cincias Sociais (UFRGS); Assessor da Coordenao de Cultura (ULBRA); bailarino e pesquisador; diretor do Processo C3 Grupo de Pesquisa e da Revista Digital Informe C3 - Corpo/Cultura/Artes/Moda; atuou como intrprete da Cia Terps Teatro de Dana (2006/2007); Assessor de Comunicao, Pesquisa e Projetos da Terps Teatro de Dana; Presta Assessoria de Projetos Culturais; Ministra palestras sobre: Processo Criativo, Expresso Corporal e Adaptaes para pessoas com deficincia, Dana e Adaptaes para pessoas com deficincia, Corpo e Territrio, Modificaes Corporais, Construo Social da Beleza e da Feira, Construo Socail de Corpo e Reales entre Corpo e Moda. Atua principalmente nos seguintes temas: dana, criao, coreografia, performance, corpo, corpo-moda, cultura e pesquisa. Endereo para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/7662816443281769 .

    E acreditarQue o mundo perfeitoQue todas as pessoasSo felizes...Renato Russo

    isso que diz Renato Russo na cano tambm de sua autoria intitulada ndios. O crer, o acreditar capaz de fazer com que se persista em diferentes situaes, capaz de fazer com que se tente mais uma vez e grite para uma multido: batata que isso vai dar certo.

    Acreditar seja em quem for ou no que for, possibilita que se permanea com uma postura e que ao mesmo tempo a abandone, talvez obrigatoriamente para se tentar mais uma vez. E assim se dar conta de que realmente batata.

    Durante a 16 edio do Porto Alegre em Cena foi possvel assistir os espetculos Ditos e Malditos A Instalao da Terps Teatro de Dana (RS) e Batata do Dimenti (BA). As duas obras apresentaram cenas, palavras, frases, estimularam sensaes que levaram a pensar em permanncias e certezas em crer ou no crer. Permanncias que no significam uma estagnao e sim o permanecer em um ritual de tentativas, tentativas envoltas em crenas e que ao fundo devem ter como mantra a frase: Mais uma vez (frase utilizada pela Terpsi no espetculo com base em uma das obras de Beckett).

    Dessa forma, acreditando que mais uma tentativa, mais uma vez, possa permitir alcanar os desejos, as vontades, as solicitaes... Acreditar que a cada dia deve-se recomear, tentar, permanecer, mesmo que seja permanecer tentando. E assim ter certeza e poder gritar que batata (expresso utilizada pelo Dimenti

    Porm, o que ser que mais perturba, crer que no se tem certeza e nem lembrana de ter trancado a porta, ou crer que a qualquer momento algo inesperado pode acontecer por no ter ido verificar a tranca da porta? Ser que o ritual da porta uma hiptese impossvel de se acreditar? Ser que o que permanece a falta de crena em algo que possa garantir a segurana dentro de casa?

    batata que algo muito desagradvel pode acontecer se no for verificar se a porta est trancada. E mais uma vez o caminho que leva a porta percorrido, o caminho que leva a crer que se vai chegar ao local onde est o motivo da perturbao. Mais uma vez...

    Ento possvel pensar que a vida feita de crenas e descrenas, de rituais, de T.O.C, de permanncias, de certezas, de inseguranas? Ou no se pode crer em tudo isso que foi citado. Crer nisso tudo seria crer em algo que no oferece certezas? So palavras soltas, jogadas, frases de um texto que no est embasado por nenhum autor. Ento ser que possvel acreditar? Quem leu at este momento leu porque acreditou em algo ou em algum? Ou leu por ter como ritual ler algo todos os dias como quem l o jornal todas as manhs? Mas isso seria um ritual? Voc acredita nisso?

    Mais uma vez perguntas so lanadas e batata que essas perguntas no sero respondidas neste texto. Quais os autores que voc acredita que podem embasar ou contrapor essas idias? Nem autores so citados neste texto... Ser que no se acredita em nenhum, ou ser que quem escreveu acredita muito em suas percepes? So certezas? Ou so incertezas aguardando respostas?

    E assim permanecem muitas questes, firmes nas certezas que levam muitas vezes para incertezas que acabam com o estado de permanncia mostrando infinitas possibilidades de tentativas de se crer, de se tentar, de se ritualizar algo, de se repetir, de abandonar e sempre no jogo do crer e do descrer.

    O que vocacredita queisto significa?no espetculo Batata com base no universo de Nelson Rodrigues) que algo vai acontecer, que se vai conseguir algo...

    Foi possvel acreditar em tudo o que foi escrito anteriormente? Foi possvel ter certeza de que as idias lanadas anteriormente so grandes verdades? Se foi ou no, o papel de cada um fazer suas escolhas para acreditar e iniciar mais uma vez cada dia tentando.

    Na edio 06 do Informe C3 Revista Digital foi apresentada uma imagem intitulada A abra, com legenda que indicava como autores Janana Vasconcelos e Diogo Bezzi. Junto com a imagem havia a seguinte pergunta: O que voc acredita que isto significa?

    Muitas poderiam ser as leituras sobre a obra, porm a pergunta apontava para o que cada um poderia acreditar que o contedo daquela imagem poderia significar. O significado de a obra pode ser construdo por quem olha. Mais uma vez o que est em jogo o que se acredita, quem sabe tentar despertar uma determinada certeza em cada um. E a partir disso poder pensar se essa certeza to necessria assim? Ser que essa certeza que pode levar a uma permanncia to fundamental? Ficar tentando vrias vezes a mesma coisa sinal de fora ou quem sabe pode levar a pensar em Transtorno Obsessivo Compulsivo? Como uma pessoa que antes de dormir vai 8, 10 ou quem sabe at 15 vezes at a porta principal de sua casa para ter certeza que ela foi trancada.

    Mais uma vez se vai at a porta para conferir se est trancada ou no, pois se precisa desta certeza para ficar tranqilo. Mas batata que pelo menos 5 vezes se v at a porta conferir... Talvez isso possa ser intitulado de o Ritual da Porta.

  • 16 - Informe C3 17 - Informe C3Foto: Wagner Ferraz

    O que vocacredita queisto significa?

    Ttulo: A obra.

    Criao:Diogo BezziJanana Vasconcellos Santos

  • 18 - Informe C3 19 - Informe C3

    Ser da dana: A tradio e a inovao

    Foto: Anderson de Souza

  • Ensaio 02

    Ser da dana: A tradio e a inovao

    Luciane Coccaro*

    *Luciane Coccaro - Rio de Janeiro/Porto Alegre/BrasilMestre em Antropologia Social/UFRGS; Bacharel em Cincias Sociais/UFRGS; Professora Assistente do curso de Bacharelado em Dana Departamento de Arte Corporal UFRJ; Foi Professora Adjunta do Curso de Graduao Tecnolgica de Dana/ULBRA; Foi Professora Adjunta da Faculdade Decision de Administrao de Empresa/FGV; Foi Professora do Curso de Ps-Graduao em Enfermagem/IAHCS; Bailarina Prmio Aorianos 2000; Atriz Prmio Volkswagen 2003; Coregrafa de dana contempornea; Diretora da Cia LuCoc e do Grupo Experimental de Dana da ULBRA de 2006 at 2008; Diretora e intrprete do Espetculo Estados Corpreos em 2009.

    O que significa pertencer, fazer parte, ser de dentro de algum grupo? Que valores esto envolvidos quando somos parte de um coletivo e nos reconhecemos nele? O que nos faz dizer ns em oposio aos outros? Tais questes fazem parte de uma reflexo, compartilhada aqui, sobre pertencer a uma rea profissional artstica, que vem se constituindo cada vez mais como um campo de estudo acadmico: o universo da dana.

    Quem da dana, muitas vezes j deve ter se deparado com a seguinte questo, normalmente vinda de algum outro - que no pertence rea da dana:

    - E a, o que tu faz? - Eu dano! - T, mas em que tu trabalha?

    Muitos bailarinos j devem ter passado pela situao (constrangimento) acima descrita. Ainda, para os outros de fora da dana, no somos reconhecidos com uma profisso. A dana parece ser vista ainda como entretenimento, diverso, hobby, algo complementar e sem status profissional.

    Apesar de estarmos experimentando uma nova configurao no campo da dana, sua entrada nas universidades(1) antes tarde do que nunca as implicaes deste processo no meio profissional talvez ainda precisem de mais tempo para um reconhecimento coletivo em nossa sociedade.

    O conceito de territrio traz embutida a idia de espao na sua dimenso simblica. Maffesoli (1987) define o territrio em funo da prpria identidade do grupo. Pertencer o resultado de uma fora onde a sociabilidade est misturada com o prprio lugar. Um espao social nas suas diferentes camadas de tempo constituindo um viver

    compartilhado e coletivo. Territrio e memria coletiva necessitam da adeso afetiva das pessoas envolvidas para existirem.

    Se a dana est sendo repensada e com isso nos apresenta sua nova roupagem no territrio da formao acadmica - em parte graas ao dilogo mais e mais ruidoso dentro das universidades que ao nos acolher, legitimaram assim a dana como foco de anlise e carreira profissional. E esse acolhimento, ainda que tardio, em nossa longa histria de dana em cursos livres o que pode conferir efetivamente mudana na configurao do campo artstico e suas possibilidades profissionais.

    Na prtica est sendo formado um corpo docente de dana na universidade, e em contrapartida um nmero cada vez mais elevado de profissionais formados em dana. Provamos haver demanda, tanto de alunos que ingressam nas universidades de dana, cuja grande maioria j era artista com trajetria reconhecida no meio, quanto de outros desprovidos de experincia ou carreira anterior, mas que vieram somar com seu frescor e suas distintas vises de mundo.

    Essa diversidade toda poderia terminar em guerra, no entanto estamos na universidade aprendendo com as diferenas. O lugar da dana na universidade o local do encontro de vrias formas de dana. Afinal parto do pressuposto de que danar e coreografar so jeitos de pensar o mundo, de explicitar vises e valores. E no h nada mais universal no ser humano do que a possibilidade de se diversificar. E essa possibilidade de variedade, modos diversos, o que nos constitui.

    O n que ainda deve ser desatado no parece estar em torno da definio de quem so os melhores bailarinos ou as suas magnficas obras, pois sabemos tratar-se de

    um plano absolutamente relativo, um terreno movedio. Seguramente a disputa faz parte de qualquer profisso, mas apesar da luta estar presente, assistimos a um forte movimento migratrio de alunos de outros cursos para a dana, ou de no bailarinos que ingressam na dana.

    Apesar de ainda perdermos tempo nos enredando em velhos juzos de valor sobre nossas prticas de dana e a dos outros, pelo menos uma contribuio a nova configurao dana em universidades parece apontar, a de que talvez nos livremos do dilema que oscila opondo o trabalho e a dana.

    Esto sendo formados novos coregrafos, bailarinos, pensadores, pesquisadores, diretores de dana etc. Esse novo campo profissional nos faz voltar para o foco principal dessa reflexo: o papel das universidades junto dana.

    Segundo Strazzacappa (2006) em 2002 a CBO Classificao Brasileira das Ocupaes escolheu o uso do termo artista da dana para englobar as atividades: professor, estudante, bailarino, pesquisador, produtor, ensaiador, diretor e coregrafo. Para romper com as distines, pois todos so considerados artistas da dana. Essa classificao um prato cheio para uma investigao com olhar antropolgico sobre as representaes de ser artista da dana e a formao acadmica em dana.

    Focando na formao nos perguntamos: De que forma os conhecimentos so selecionados at se tornarem Os mais valorizados dentro de uma instituio educacional? E quem ou que grupo legitima esses saberes como os mais importantes dentro da formao curricular em dana?

    Uma maneira mais caracterstica da nossa sociedade a falta de rituais e regras sociais explcitas. D pra se pensar num mundo ordenado por regras? Sim, agora, quanto a saber conscientemente quais so elas e de que modo elas atuam em ns e os seus efeitos, j outro papo.

    Falar sobre um curso de dana um pouco pensar numa necessidade nossa de carnificar os mitos atravs do rito. E assim, propor no evento social formao acadmica em dana - uma reflexo sobre o papel do mito e do rito hoje. Entendo aqui rito como a representao presentificada do mito a partir de nossas crenas. E, de um jeito sutil, uma profisso como a dana cumpre o seu papel de rito de passagem e vai nos dando pistas de algumas dessas regras internalizadas.

    Se pararmos para pensar nesse assunto, vamos perceber a estreita relao entre sociedade e educao, na qual a educao um poder. Todo o ensino, as matrias, ou os conhecimentos cientficos esto presos aos valores dos grupos que lhes deram origem. Ser que podemos achar um novo caminho para dizer aquilo que j foi dito?

    Foto: Anderson de Souza

    Foto: Anderson de Souza

    20 - Informe C3 21 - Informe C3

  • 22 - Informe C3 23 - Informe C3

    Pensar no grupo de origem falar de tradio. Uma determinada maneira de se relacionar com o conhecimento vem sido repetida gerao aps gerao de uma mesma forma. E essa tradio quanto ao aprendizado e a sua forma o que ser discutido nesse texto dando nfase a inovao versus a tradio.

    A inovao proposta nesse estudo se refere a uma atitude frente ao conhecimento. Conhecimento no visto como algo acabado e estanque. Todo conhecimento contextualizado e relativo aos valores da poca. Portanto passvel de dvidas e rupturas.

    A inovao um processo ligado desconstruo/reconstruo de sentidos. Onde o aprendizado se d mais nas incertezas e na capacidade de levantar questionamentos sobre as matrias pesquisadas do que propriamente seguir a tradio de aceitar o conhecimento como algo pronto para ser digerido e reproduzido sem crtica.

    A histria pessoal do aluno e suas vivncias entram na construo de sentido dos temas abordados em aula. A matria estudada deve ser entendida na relao com a poca e o contexto social de sua apario. Relacionar o contexto analisar os valores dos conhecimentos.

    A possibilidade de um conhecimento relacional permite perceber a tradio como algo datado historicamente e no como A verdade, mas apenas a verdade relativa aquele momento e produzida naquelas condies sociais.

    Os conhecimentos tradicionais tm uma aura de verdades absolutas e inquestionveis, mas no o so de fato. Podemos questionar e desconfiar de tanta certeza. O pensamento relacional chave para esse problema entre tradio e inovao.

    Uma postura desconfiada inovadora em relao ao ensino e a prpria cincia. A dvida move pensamentos e explicaes que tendem a relativizar as certezas intocveis. E assim, antigos paradigmas vm sendo historicamente desconstrudos e dando espao desconfiana como forma de conhecimento.

    A breve reflexo sobre a dicotomia tradio/inovao no facilmente explicada. O ponto levantado no desenvolvimento do trabalho com destaque foi a postura inovadora no aprendizado arraigada premissa bsica da desconfiana como forma de conhecimento.

    A desconfiana e a dvida podem ser vistas como maneiras de investigar a chamada tradio, pois podemos perceber a universidade como momento de rito de passagem para o aluno. Local de investigao e descobertas, lugar do contato com a tradio e as novidades na rea.

    Ensaio 01 Ser da dana: A tradio e a inovao

    Todo o ensino, suas matrias, ou seus conhecimentos cientficos so poderes presos aos valores dos grupos que lhes deram origem. Origem legitimada pelo que chamamos tradio. Tradio como limite a ser desconstrudo pela inovao da dvida.

    A problemtica entre o tradicional e o inovador, o permanente e o transitrio, no aqui examinada como contradio, mas como via de mo dupla: enquanto uma experincia prpria da dinmica social. A tradio um conjunto de orientaes valorativas consagradas pelo passado (Oliven, 1992).

    No caso dos saberes em dana, diz respeito aos conhecimentos passados oralmente pelos mestres da tradio da dana nos cursos livres, fora da universidade.

    Padres culturais sobrevivem na medida em que persistem as situaes que lhe deram origem, ou alteram seu significado para expressar novos problemas (Durham,1977:33).

    Que novos problemas e questionamentos esto sendo colocados nos cursos de dana nas universidades? Estamos lidando com inovaes do conhecimento j conhecido?

    Voltamos assim relao entre mito e rito. Mito como aquilo que est em nosso imaginrio, nossos valores, nossas crenas, os pensamentos nos quais nos reconhecemos como ns, nos conferindo um territrio de pertencimento.

    Nossas vises sinalizam uma tradio com suas regras implcitas. E, rito nesse texto encarado como um momento de atualizao dos nossos mitos. Instante de colocar em xeque, em dvida, tantas certezas.

    Nessa dialtica entre mito e rito, tradio e inovao respectivamente, acredito estar o espao mesmo da construo de uma saber-fazer-sentir dana na universidade. No como uma mera reproduo dos saberes em dana legitimados na tradio de dana em cursos livres, fora da universidade, mas um terreno de desestabilizao das arraigadas certezas.

    Lidar com incertezas e dvidas como procedimento cognitivo significa desmobilizar afetividades, desestabilizar e sair do lugar conhecido e seguro da tradio, mas esse passo pode ser uma escolha e - a meu ver - a dana na universidade deveria permitir isso aos artistas da dana.

    Nota:- (1): Cursos superiores de dana no Brasil: na UFBA (1956) o primeiro, na UFRJ, na Faculdade Angel Viana (RJ), na UniverCidade (RJ), na Universidade de Cruz Alta (RS), em Montenegro - UERGS, na Ulbra (Canoas RS), na UFRGS (RS), na Unicamp (Campinas), na FGF - Faculdade Gama Filho de Fortaleza, na Universidade Metropolitana de Santos UNIMES, na Faculdade Paulista de Artes- FPA, na Universidade Anhembi Morumbi (SP), na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo - PUC/SP, na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), na Universidade Federal de Viosa (UFV) e na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), ltima instituio a implantar o curso de dana, em 2007. Alm de cursos de Ps-Graduao em dana.

    Referncias bibliogrficas

    - ALTHUSSER, L. Sobre a reproduo. Petrpolis: Vozes, 1999.- DEMO, Pedro. Introduo. In: Conhecer e aprender: sabedoria das limites e desafios. Porto Alegre: ArtMed, 2000. - DURHAM, Eunice R. A Dinmica Cultural na Sociedade Moderna. In: Ensaios de Opinio, n.2-2, 1977.- GADOTTI, M. Histria das leis pedaggicas. So Paulo: tica, 1993.- AFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos. O declnio do individualismo nas sociedades de massa. RJ: Forense, 1987.- OLIVEN, Ruben G. Antropologia de Grupos Urbanos. Petrpolis: Vozes, 1992.- OLIVEN, Ruben G. A Parte e o Todo. A diversidade Cultural no Brasil-Nao. Petrpolis: Vozes, 1992.- STRAZZACAPPA, Marcia. A dana e a formao do artista. In: Entre a arte e a docncia: a formao do artista da dana. Campinas, SP: Papirus, 2006.

    Foto: Anderson de Souza

    Foto: Anderson de Souza

    Foto: Anderson de Souza

  • 25 - Informe C3

    Ser da dana: A tradio e a inovao

    Voc acredita no que v?

    24 - Informe C3

  • 26 - Informe C3 27 - Informe C3

    Foto: Andr Liza

    Ceclia LaszkiewiczRahel Patrasso

    Modelos:Mrcia Guedes dos Santos

    Ricardo Vieira

    Homem Urbano

  • 28 - Informe C3 29 - Informe C3

  • 30 - Informe C3 31 - Informe C3

  • 32 - Informe C3 33 - Informe C3

  • 34 - Informe C3 35 - Informe C3

  • 36 - Informe C3 37 - Informe C3

  • 38 - Informe C3 39 - Informe C3

    16 Edio

    O ritual da cena....Acreditar na arte faz com que este evento se repita a cada ano.

    Como o corpo foi apresentado em algumas obras na

    16 Edio do Porto Alegre em Cena.

    Wagner Ferraz

    O corpo apresentado na pea Senhora dos Afogados

    Wagner Ferraz

    Um pedao de mim... Assim se iniciava a pea, com todos contando: um pedao de mim.... Um pedao, ou pedaos que so lembrados ou anunciados durante alguns momentos do espetculo.

    A saudade foi descrita como uma situao que tira algo de ns. A saudade pode tirar um pedao do corpo simbolicamente, a saudade corta, fere, enclausura, prende, sufoca... O pedao arrancado indicado pela sensao de saudade, de vazio. O corpo com saudade um corpo que falta algo, que sente um espao que precisa ser preenchido, a saudade anuncia um corpo onde os limites so percebidos na delimitao desses espaos. Espaos esses que no podem ser medidos em extenso, centmetros, ou lguas, mas sim em sensaes angustiantes ou simplesmente pela sensao de falta.

    Um dos personagens carregava nomes, de prostitutas, tatuados no corpo. Nomes so palavras que definem sujeitos, que definem corpos, palavras que so apresentadas marcando esses corpos e que s podem ser materializadas pela interveno de outro que feri com agulha e tinta o sujeito que carrega as tatuagens.

    O pai descrito na pea foi acusado de matar uma prostituta que foi sua amante. O corpo apresentava na cena, a dor, a tristeza, o peso e o amargo de ter tirado a vida de outro, e passou sua vida toda com vises sobre este corpo morto. At quando olhava para sua legitima esposa via no corpo dela o corpo da prostituta assassinada. E isso ficou claro no momento em que o pai diz que mesmo que rasgasse o vestido de sua esposa no veria seu corpo e sim o corpo da mulher que assassinou.

    Essa tristeza tambm era apresentada por outras prostitutas que choravam no porto onde ocorreu o assassinato h 19 anos. O corpo morto est muito vivo na lembrana, nas recordaes, na saudade e nas angustias.

    A esposa teve suas mos descritas como muitas vezes como lindas, como elemento que pode realizar o pecado, a traio, pois como foi dito por ela mesma, as mos podem percorrer todo o corpo do outro, tocam, sentem... E no final da obra suas mos foram cordatas, amputadas por seu marido, o que levou-a a morte.

    Ficha tcnicaAutor: Nelson RodriguesDireo: Z Henrique de PaulaAssistncia de direo: Fabrcio PietroElenco: Joo Bourbonnais, Einat Falbel, Marcella Piccin, Thiago Carreira, Marcelo Ges, Lourdes Gigliotti, Alexandre Meirelles, Elber MarquesPreparao de atores: Ins AranhaCenografia e figurinos: Z Henrique de PaulaIluminao: Fran BarrosMsicos: Fernanda Maia (piano) e Luciana Rosa (violoncelo)Produo: Firma de Teatro/ coordenao de produo: Cludia MirandaDurao: 110 minFaixa etria recomendada: 14 anos

    Foto: Roberto MouroDivulgao: POA Em Cena

    Segundo o marido, ele no a matou, apenas matou suas mos, levantando as ideias de que as mos seriam praticamente algo a parte, como se pudessem ser dissociadas do restante do ser. E assim, segundo ele, a esposa morreu de saudade das prprias mos.

    E ao final pode-se ouvir todos cantando: o que ser que ser? Que no tem limite? Seria o corpo territrio sem limite? Ou seria o corpo territrio a definir todas as intervenes e manifestaes que podem ser realizadas ou sentidas nele mesmo? Seria o corpo o prprio limite?

  • 40 - Informe C3 41 - Informe C3

    TerpsO corpo que acredita,

    continua e tanbm silenciaWagner Ferraz

    A Terps Teatro de Dana esteve com sua Instalao Coreogrfica Intitulada Ditos e Malditos na 16 edio do Porto Alegre em Cena. A proposta busca referncias nos ditos populares e nas obras de artistas considerados transgressores os malditos. Esta Instalao foi criada para servir de laboratrio, experimento e exerccio na busca de se poder olhar para o que estava sendo desenvolvido e a partir disso iniciar o processo de criao de um novo espetculo.

    Para quem teve a oportunidade de assistir vrias vezes este processo coreogrfico no ano de 2008, pode perceber que a cada apresentao esse processo apresentado sofria modificaes. E nesses momentos se percebia o quanto existe pesquisa, tentativas e experimentaes nos trabalhos da Terps. Pois como a obra estava em processo, e ainda est, seria impossvel se acomodar nas estruturas e imagens j criadas. Nesta Cia de Dana a cultura construda, e que vive em constante construo, estabelece um fluxo onde no se percebe uma dinmica de trabalho, mas sim o transito por diferentes dinmicas. Automaticamente, as obras e processos desenvolvidos pela coregrafa Carlota Albuquerque, pelos intrpretes e por toda a equipe esto sempre sofrendo modificaes que podem ser identificadas como buscas por uma coerncia entre as idias, e o que possvel realizar de acordo com tudo que est disponvel ou acessvel.

    Falar da dana da Cia Ters falar de movimento, mas no apenas de um mover de estruturas sseas e musculares, mas um mover claro de intenes e ideias que aparecem na cena. claro que o mover de estruturas sseas e musculares tambm pode ser compreendido como um mover de ideias, pois corpo e mente devem ser compreendidos como nicos, se opondo ao legado dualista cartesiano onde corpo e mente so estruturas separadas.

    Os corpos, falando-se de corpo enquanto indivduo, que apresentam e compe as obras da Terps esto em constante alterao, mas no como as alteraes realizadas por adeptos do body modification e outros movimentos culturais que buscam alteraes, e assim como o corpo modificado por uma cultura especifica, pela cultura descrita anteriormente que faz parte do sistema que rege a Terps.

    E isto pode ser percebido por quem assistiu Ditos e Malditos a Instalao no ano de 2008 e tambm assistiu em setembro de 2009. Muitas mudanas aconteceram, mudanas que podem ser percebidas nos corpos e automaticamente na cena.

    A Instalao Coreogrfica vista em 2008 mantm a mesma idia em 2009, porm se percebe mudanas que esclarecem o movimento, o trnsito, o percurso traado pela Terps.

    Ditos e Malditos - a Instalao leva a pensar no corpo dito, descrito, apresentado, o corpo indicado e colocado em cena, um corpo que fala por si s quando constri esta cena. Mas ao mesmo tempo fala de um corpo maldito que transita entre limites e oposies, onde muitas vezes se arrisca para ter o prazer que provocar o outro, vai at o seu considerado limite para realizar seu desejo influenciando, provocando ou interagindo como o outro.

    um corpo que, como organiza Carlota Albuquerque, busca referncias em BECKETT quando diz MAIS UMA VEZ e em ALLAN POE quando diz NUNCA MAIS. Um corpo de limites extremos, que enquanto de um ponto de visto um acredita e se propor o exerccio ritualstico da repetio, o outro firma a descrena e desistncia pensando e declarando nunca mais.

    Foto: Claudio Etges

    Foto: Claudio Etges

    Ficha tcnica:Direo: Carlota Albuquerque / Criao e direo coreogrfica: Carlota Albuquerque / Elenco: ngela Spiazzi, Gabriela Peixoto, Raul Voges, Dbora Wegner, Edson Ferraz, Cesar Campos e Gelson Farias / Participao especial: Simonne Rorato / Cenotcnico: Paulinho Pereira / Figurino: Coletivo Terps / Iluminao: Guto Grecca / Trilha sonora: colagem de cirandas, musicais de cinema, Coco e Rosie / Produo: C3 e Ana Essarts / Crdito fotos: Cludio Etges / Durao: 50min

  • 42 - Informe C3

    CRPUSCULE DES OCANS (Canad)

    O que fala o corpo nu?Wagner Ferraz

    O espetculo Crpuscule ds Ocans dirigido e coreografado pelo canadense Daniel Lveill, que esteve na programao da 16 edio do Porto Alegre em Cena durante os dias 12 e 13 de setembro no Teatro Renascena, deixou parte do pblico eufrico e outros um pouco insatisfeitos. claro, isso est sendo dito com base em comentrios ouvidos no final do espetculo.

    Essa dita euforia se deu ao fato de em alguns momentos do espetculo os intrpretes danarem sem roupas. Pois isso mexeu de diferentes formas com diferentes pessoas levando a questionar: O que esse corpo disse na forma em que foi apresentado?

    Levando em considerao que o corpo em movimento dentro deste contexto e dentro desta cena repetia frases de movimentos que no exploravam diferentes dinmicas, porm, apresentavam muita fora e muita disponibilidade para o que estavam executando. Os intrpretes entravam em cena hora vestidos, hora nus... Saiam e entravam como quem diz: j falei o que tinha para dizer, ou fiz o que havia de fazer, agora me retiro. Ou... Entravam e se colocavam em cena como quem diz: Cheguei, olhem para mim, estou sem roupa agora vou mostrar o que posso fazer.

    Era possvel se perguntar o tempo todo... Ser que o corpo apresentado sem roupa tem a inteno de mostrar o que a roupa esconde? Tem a inteno de mostrar os msculos, a bunda, o pnis ou a vagina, os plos, o suor, ou pretendia construir uma cena? Mas que cena estava sendo construda? Poderia essa cena ser construda com os corpos vestidos ou a roupa atrapalharia?

    Havia uma grande diferena entre os mesmo movimentos executados pelos mesmos intrpretes vestidos e executados pelos mesmos sem roupas. Seria essa a propostas, apresentar um sujeito vestido, e quando esse sujeito se despe, mesmo que execute os mesmos movimentos pode ser identificado praticamente como outro, como diferente? Ser que sem roupa os intrpretes acabam parecendo outras pessoas? Mas seria esta a proposta?

    De acordo com o release do espetculo disponvel no material impresso do 16 edio do Porto Alegre em Cena este espetculo foi bastante elogiado por seus raros movimentos, baseados nos mecanismos mais simples do corpo humano, sem qualquer teatralidade, mas nem por isso mais fceis de executar. O coregrafo optou por corpos musculosos onde cada movimento pode ser percebido. Talvez isso explique bem a obra apresentada, pois foi possvel ver corpos msculos, que repetiam vrias vezes os mesmo movimentos como se estivessem firmando o que estava sendo dito. Mas o que ser que estava sendo dito? Talvez no seja algo to declarado, pois o corpo por si s j estava declarando muita coisa. Ou ser que estava declarando um corpo biolgico esculpido por uma cultura?

    O corpo o lugar da cultura, vestido ou nu. Mas de que cultura estava-se falando neste espetculo. A cultura do corpo biolgico, mas que apresenta resultados de costumes e valores legitimados pelo dito universo da dana, ou de prticas em dana que se preocupam extremamente com uma fisicalidade?

    Mas alm de perguntar o que o corpo nu disse, deixo a dvida da questo que foi levantada anteriormente. Por quais motivos ser que alguns se diziam insatisfeitos com a obra apresentada? Teria algo a ver com o que o corpo apresentado nu disse, ou ser que foi com o que no foi dito?

    Ficha Tcnica:Direo e coreografia: Daniel Lveill / Direo tcnica: Armando Rubio Gomez / Elenco: Frdric Boivin, Mathieu Campeau, Justin Gionet, Esther Gaudette, Caroline Gravel, Emanuel Proulx, Gatan Viau / Produo: Daniel Lveill Danse / Iluminao: Jean Jauvin/ Trilha Sonora: Laurent Masl / Diretor de ensaio: Sophie Corriveau / Figurinos: Carr Vert / Crdito fotos: Denis Farley / Durao: 1h

    Foto: Anderson de Souza

  • 44 - Informe C3 45 - Informe C3

    Ficha tcnicaTextos: Adelice Souza, Cludia Barral, Elsio Lopes Jr., Fbio Rios, Ktia Borges e Paula Lice / Intrpretes criadores: Daniel Moura, Fbio Osrio Monteiro, Jorge Alencar, Lia Lordelo, Mrcio Nonato, Paula Lice, Vanessa Mello / Direo e dramaturgia: Jorge Alencar / Diretores assistentes: Mrcio Nonato e Jacyan Castilho / Superviso artstica: Hebe Alves / Direo musical e trilha sonora original: Jarbas Bittencourt / Cenografia: Miniusina de criao e Dimenti / Projeto de luz: Fbio Esprito Santo e Mrcio Nonato / Figurino: Dimenti

    DimentiO Corpo que hipnotiza

    Wagner Ferraz

    O Dimenti da Bahia marcou presena no Poa em Cena com uma estratgia cnica diferenciada. As obras deste grupo de modo geral apresentam escolhas estticas que quebram determinados padres muitas vezes aguardados na cena. possvel perceber uma despreocupao, que vejo como algo muito interessante, com o agradar ou se parecer com um formato cnico considerado por muitos adequado. Assim, esse grupo se apresenta de forma singular, como se dissessem: Estamos aqui para lanar algumas idias, questes e propostas, estamos aqui para brincar com certos clichs e avisar que o simples pode ser complexo e vice-versa.

    Atravs da obra Batata (2008), o Dimenti cria uma atmosfera onde o corpo que est em cena confundi o espectador durante grande parte do espetculo. possvel falar que chegaram a uma dosagem onde quem assisti hipnotizado pelos corpos que direcionam o olhar enquanto outros constroem a cena. Algo admirvel e encantador.

    Enquanto muitos grupos de teatro e dana apresentam em cena infinitas possibilidades de acontecimentos para o espectador direcionar o seu olhar, o Dimenti cria possibilidades e ao mesmo tempo jogo com o pblico. Pois quando se hipnotizado por um dos corpos os outros continuam discretamente em busca de determinados objetivos, e quando paramos para observar o que esses outros iro fazer, nos surpreendemos, pois eles j fizeram e no demos conta.

    Os corpos que compes o elenco so diversos, e isso faz com que cada um tenha particularidades especificas para hipnotizar e confundir o espectador na hora do jogo. Por mais que se acredite que ser possvel ver os momentos em que certos acontecimentos vo sendo elaborados e planejados, dificilmente se consegue ver.

    batata que a cada cena, seremos hipnotizados, confundidos e at enganados (num bom sentido) por esses corpos que no apresentam preocupao com virtuosismo, mas sim com a certeza de estar prendendo a ateno de quem assiste.

    Foto: Joo Meirelles - Divulgao: POA Em Cena

    Foto: Maurcio Concatto - Divulgao: POA Em Cena

    Foto: Joo Meirelles - Divulgao: POA Em Cena

    Foto: Maurcio Concatto - Divulgao: POA Em Cena

    Foto: Maurcio Concatto - Divulgao: POA Em Cena

    Foto: Maurcio Concatto - Divulgao: POA Em Cena

  • 46 - Informe C3

  • 48 - Informe C3

    Ensaio 03

    Rituais ContemporneosMarta Peres*

    *Marta Peres - Rio de Janeiro/BrasilProfessora Adjunta do Departamento de Arte Corporal EEFD-UFRJ, Doutora em Sociologia (UnB) com Ps Douturado em Antropologia, fisioterapeuta e bailarina. Endereo para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5570019500701293.

    Rituais Cariocas O Rio de Janeiro a cidade mais feliz do mundo. Assim concluiu pesquisa realizada pela empresa norte-americana GfK Custom Research. Dentre 50 cidades concorrentes, o resultado atribudo tolerncia e multiplicidade racial e cultural, simpatia do povo carioca e, obviamente, praia. Segundo Paulo Senise, superintendente do Rio Convention Bureau, uma imensa sala de estar em que todos so iguais.

    Ressaltando o paradoxo do convvio de uma poltica de segurana desastrosa e violenta com uma alegria contagiante, a antroploga Alba Zaluar recorda que na parisiense Place de Vosges ocorrem apresentaes de msica clssica, mas os msicos no interagem com o pblico e faz um frio danado. O Brasil est associado a bom humor e idia de bem viver. O carnaval muito importante, porque transmite a imagem clssica de felicidade que as pessoas tm da cidade (...) um lugar para onde todo mundo gostaria de ir, afirma Simon Anhyolt, consultor da GfK (O Globo, 04/09/2009).

    Por outro lado, embora contemplada por seu exuberante cenrio natural e por uma simpatia inigualvel, certamente, nem mesmo a Cidade Maravilhosa escapa da crena vigente nas sociedades modernas de que o indivduo um fim em si prprio. Os compromissos, a urgncia e o stress dos cariocas no diferem de qualquer outra metrpole. A diferena que, se for possvel uma escapulida, o mar est ao alcance e em fevereiro tem carnaval...

    Momentos de relaes humanas com maior grau de entrega, solidariedade, compartilhamento coletivo, presentes na descontrao de ir praia ou de pular num bloco de rua, representam valiosas oportunidades de ruptura com um cotidiano de rdua solido que marca a vida no Rio, So Paulo, Porto Alegre, Nova Iorque.

    Sociedades Holistas e Sociedades Individualistas

    A predominncia dos valores de uma dada configurao scio-histrica torna-se evidente em seus

    rituais. Estes consistem, nada mais nada menos, em maneiras de se colocar em ao os mitos da cultura, seja por meio de danas, oraes, sacrifcios, crenas comuns, dentre outras prticas corporais (como se fosse possvel pensar em alguma espcie de ritual que prescinda do corpo...).

    Em conformidade com seus mitos, imaginrio coletivo, ideais, valores, os respectivos rituais podem ser compreendidos segundo a noo, estabelecida por Louis Dumont, de sociedades individualistas as modernas e holistas ou sociedades tradicionais.

    Embora tenha diferenciado individualismo de egosmo, na primeira metade do sculo XIX, Alexis de Tocqueville, j acusava o primeiro de enfraquecer at destruir a vida pblica, transformando-se num egosmo total (Tocqueville, 2001). O holismo, por sua vez, consiste numa ideologia que valoriza a totalidade social, qual est subordinado o indivduo humano. Tendo se debruado profundamente sobre o sistema de castas da sociedade hindu, os termos cunhados por Dumont, entretanto, aplicam-se aos contrastes entre os modos de vida e viso de mundo das civilizaes moderna e todas as demais, inclusive a medieval (Dumont, 1992. Dumont, 1993). Nas comunidades humanas de tipo holista reina uma espcie de identidade de substncia homem-mundo, em que homem no se distingue de seu corpo nem o mundo se distingue do homem. Delumeau chama de cristianismo folclorizado a mistura de tradies populares locais e referncias crists do medievo, presente nas relaes entre homem, meio social e natureza. Nesta con-fuso entre a pessoa e a multido de semelhantes, sua singularidade no a torna um indivduo, no sentido moderno do termo. A festa popular medieval representa, portanto, um exemplo emblemtico de como cada homem participava de uma efuso coletiva, instituindo-se a regra da transgresso. Os prazeres do carnaval celebram o fato de existir, viver junto, diferentes, desiguais, frgeis, fortes, alegres, tristes ... Separaes homem, corpo, meio, sociedade, cosmos, seriam introduzidas nos primrdios da modernidade pelo advento do individualismo (Le Breton, 2003:29-30).

    Estas categorias so relevantes para melhor compreendermos as subseqentes descries de alguns rituais contemporneos que incluem os cuidados com o corpo e a atividade fsica. Realizando um gigantesco salto daqueles tempos at nossos dias...

    Os trs espritos do capitalismo

    Luc Boltanski e ve Chiapello (1999), a partir da expresso weberiana, classificam historicamente o capitalismo por meio de trs espritos: segundo ele e ela, o esprito do capitalismo que animou o burgus protestante, asctico

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    Ensaio 03 Rituais contemporneos

    e empreendedor descrito por Weber consistiria no primeiro.

    A passagem destes tempos hericos da Revoluo Industrial do sculo XIX, da pr-histria das fbricas - reino das grandes mquinas sujas, e suas relaes sociais, com jornadas de trabalho de dezesseis horas dirias, imundos bairros operrios, do carvo at o advento do automvel para o segundo esprito traduz-se na entrada em cena da qumica sinttica, da eletrnica e da televiso. Nos anos 1930, o asctico seria substitudo pela figura-chave do diretor-gerente, ou capito de indstria. Ocupando o centro da sociedade ps-industrial, grandes empresas voltam-se para a produo em massa. Em resposta s reivindicaes dos movimentos de trabalhadores, a fim de legitimar o sistema, so criados os planos de carreiras, a associao do capitalismo privado com o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) e expresses meritocrticas por meio de julgamento de competncia e diplomas.

    Por volta da dcada de 1980, o terceiro esprito relaciona-se abolio do modelo fordista da economia industrial do sculo XX, baseado na eletricidade e produo fabril em torno da linha de montagem: instaura-se a flexibilizao das relaes de trabalho e a absoro das crticas dos movimentos contestatrios dos anos 1960-70. Acusado de carecer de criatividade, o capitalismo abraa novos valores, alm de passar a levar em conta segmentos sociais at ento considerados minoritrios. Novas etapas traduzem adaptaes e a habilidade do sistema em se transformar, a fim de justificar sua continuidade, aproveitando inclusive elementos da crtica de que foi alvo (Boltanski e Chiapello, 1999:8).

    Inaugura-se o modelo da produo flexvel, das indstrias de ponta da revoluo tecnocientfica, e mercadorias adaptadas a nichos de mercados. O chamado toyotismo assistiu ampliao do leque pela passagem do consumo massificado para a abertura de uma grande diversidade de gostos e estilos, em todos os campos, do vesturio s tcnicas de construo do corpo. As prticas de atividade fsica vm se multiplicando, a fim de alcanar estilos de vida mais variados. Essa idia pode ser ilustrada pela observao de que a prtica da malhao, em aparelhos de musculao e aula de ginstica localizada, convive lado a lado, tanto nas academias quanto nos espaos livres pblicos, com prticas corporais consideradas no-convencionais, tal como o yoga, alongamento, atividades desportivas ldicas. A cada vero surgem novas modalidades que podem se tornar uma febre, como indica a recente proliferao do Pilates(01), alis, uma tcnica muito interessante e saudvel.

    Fbulas contemporneas e seus personagens

    Contrapostos ao amontoamento presentes no carnaval,

    ou na festa popular medieval, no pice da separao decorrente do extremado individualismo contemporneo ps-tudo, o percurso de um personagem fictcio de Aug fornece uma bela descrio de rituais contemporneos:

    X insere carto magntico, saca dinheiro do caixa eletrnico, ouve saudao da mquina (obrigada volte sempre!), atravessa Paris em seu carro, paga pedgio com carto de crdito, guarda bilhete do estacionamento, estaciona no subsolo do aeroporto, realiza check-in livrando-se das bagagens, desiste de comprar no duty-free-shop, embarca no avio e l resenha de livro em revista de companhia area:

    A homogeneizao das necessidades e dos comportamentos de consumo faz parte das fortes tendncias que caracterizam o novo ambiente internacional da empresa... Com base no exame da incidncia do fenmeno de globalizao (...) inmeras questes so debatidas. (Aug, 1994: 11).

    Aug considera a supermodernidade produtora de no-lugares, espaos que no so em si lugares antropolgicos nem integram os antigos (idem:73). Embora desprezem o sagrado, promovem rituais de compra, busca de boa aparncia, sucesso. Espaos de passagem - aeroportos, hospitais, shopping-centers, lojas de departamentos e mega-academias , exalam uma intensa carga de significados em seus ritos de consumo. SantAnna observou semelhanas na decorao e arquitetura presentes em seus jardins artificiais, quadros, salas de televiso, cabeleireiros, lanchonetes, salas de espera com jornais e revistas (SantAnna, 2001:31), ps direitos gigantescos, vidros espelhados, grandes tubos aparentes de climatizao do ar no teto, pisos asspticos, funcionrios uniformizados, eventualmente de patins, roletas eletrnicas. A impessoalidade reluzente por eles compartilhada fornece um palco adequado para o solitrio protagonista do terceiro esprito.

    Acompanhando cmeras, cmeras e cmeras, o enunciado SORRIA, VOC EST SENDO FILMADO dirigido a voc. No entanto, no se trata mais do sujeito soberano do Iluminismo. Onipresentes canteiros de obras concretizam na paisagem o sentimento de permanente insatisfao, motor da destruio criativa que marca a modernidade desde seus primrdios. Se o cercamento dos campos serve de metfora ao advento do indivduo - cercas, caladas, paredes e muros constituem limites entre corpos, semelhantes, domnios, coisas, mundo - no terceiro esprito, ao rudo repetitivo das mquinas, emoldurados por avenidas, viadutos, arranha-cus, passagens subterrneas das megalpoles, soma-se o odor fresco dos no-lugares.

    Alm de mera demarcao, como se o cerco fosse se apertando at se tornar uma sufocante camisa-de-fora que prenuncia o ocaso do prprio indivduo. Uma presso crescente atinge as fronteiras da pele, seu

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    Rituais contemporneos

    envoltrio corporal, ensaiando uma espcie de exploso, colapso, apontada por autores recentes como uma suposta crise do sujeito moderno (Hall, 1997).

    Seria a obsesso pela boa forma o pice de uma concepo de mundo que se iniciou com o advento do indivduo, e que expressa sua mxima sofisticao no atual culto ao corpo? No holismo, o ritual coletivo. Na sociedade individualista, trajetrias solitrias. O sentimento de insatisfao moderno adquire novos contornos. Para alguns, um ponto de inflexo, sabe-se l o que vir depois. No mago da crise, as feies atuais do culto ao corpo e todos os seus ritos: cabeleireiro, pistas de caminhada, academia...

    Elemento crucial na construo da identidade individual e afirmao de posio no espao social, enquanto mito, o corpo , literalmente, posto em ao, pelo rito, mas, desta vez, ainda que praticado em conjunto, nas aulas de ginstica, solitariamente. No por acaso, abarcando elementos de continuidade e rupturas, individualismo, entremeado nostalgia pelo holismo, nas escapulidas para a praia, para o bloco de carnaval, as prticas corporais tornaram-se objeto de estudo privilegiado.

    descrio de Aug, poderamos acrescentar o personagem de outra fbula, habitante de uma metrpole e freqentador de uma globalizada mega-academia: Y sai dirigindo de seu condomnio residencial murado, cancela aberta por controle remoto, com carto magntico de cliente vip estaciona no shopping, sem sair ao ar-livre, ultrapassa portas automticos e roleta eletrnica, o sistema de ar condicionado central da academia mantm a temperatura em exatos 22 graus, mas ele est aquecido por seu agasalho de Therma-Fit adquirido em viagem ao exterior, adentra o vestirio, troca de roupa, deixa tudo em armrio com cadeado personalizado, levando somente garrafa dgua e toalhinha de rosto ( proibido deixar marcas de secreo fisiolgica) e chave do registro computadorizado de programa de musculao e atividade aerbica nos aparelhos ergomtricos. Aps duas horas de malhao, se dispuser de alguns minutos, relaxa na sauna, esboa breve dilogo, entre iguais, pois, pelo alto preo, a condio scio-econmica dos outros freqentadores homognea, toma banho, destroca de roupa, despede-se das elegantes recepcionistas do balco de entrada, dirige at sua empresa, cuja entrada liberada por crach funcional magntico.

    Ah, me esqueci de um detalhe: na lanchonete da academia, ele abre seu notebook e acaba um artigo que ficou de enviar para a revista virtual de um amigo que no conhece pessoalmente...

    Nota1 - Pilates: tcnica de movimento de origem alem em que so utilizados exerccios de contraes e alongamentos musculares, em colcho e em aparelhagem prpria com cabos de trao.

    Ensaio 03 Rituais contemporneos

    Referncias Bibliogrficas

    - Aug, Marc. No-lugares. Introduo a uma antropologia da supermodernidade. Campinas, SP. Papirus, 1994.

    - Boltanski, Luc. & Chiapello, ve. (1999), Le nouvel esprit du capitalisme. Paris, Gallimard, 1999.

    - Dumont, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropolgica da sociedade moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

    - Dumont, Louis. Homo Hierarquicus. So Paulo, UNESP, 1992.

    - Hall, Stuart. Identidades culturais na ps-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A: 1997.

    - Le Breton, David. Anthropologie du corps et modernit. Paris: Quadrige/PUF, 2003.

    - Peres, Marta Simes. Corpos em Obras: Um olhar sobre as prticas corporais em Braslia. 2005. 347 folhas. Tese (Doutorado em Sociologia) - Departamento de Sociologia. Universidade de Braslia. Brasilia, 2005.

    - Peres, Marta. A mega-academia enquanto um no-lugar (filmado) disponvel em http://www2.pucpr.br/ssscla/anais.htm.

    - SantAnna, Denise Bernuzzi. Corpos De Passagem. Ensaios Sobre A Subjetividade Contempornea. So Paulo: Estao Liberdade, 2001.

    - Tocqueville, Alexis de. A Democracia na Amrica. liv 1. leis e costumes. So Paulo: Martins Fontes, 2001. jornal O Globo, 04/09/2009.

  • Crtica TeatralRodrigo Monteiro*

    Pea: A mar aberto16 Porto Alegre em Cena

    Me ensina a fazer tarrafa?O Capito chega para o Seu Z Tarrafeiro e pede que lhe ensine a fazer tarrafas visto que no voltar ao mar. A mar aberto conta o que aconteceu no mar que fez com que, do capito, apenas sua rede fosse se banhar.

    Eu agradeo a oportunidade do Coletivo de Atores Deriva, do Rio Grande do Norte, para refletir sobre o meu blog, que completa nesse ms um ano e dez mil acessos. Um dia, numa Oficina da Maria Lucia Raimundo e num ensaio de Bailei na Curva, senti que preferia olhar o mar ao invs de me aventurar nele. Teatro quer mesmo dizer Lugar de onde se v e, na platia, ningum pode me dizer que eu no fao teatro. Apenas, enquanto sentado na poltrona do Cmara, no divido com ningum os instrumentos para a construo do espetculo, recebendo-os apenas. So os atores e, antes deles, a concepo quem mos d. E, no caso A mar aberto, recebo com muito carinho cada diviso s porque com muito carinho que me dada.

    Antes de comear, todas as luzes so apagadas. Todas: escurido total. Hora de desligar as lamparinas do juzo para a histria que comea. Voc pode sonhar de olhos abertos, mas, quando fechados, seus olhos vem apenas voc mesmo. Quando se d o incio, voc quem est construindo o espetculo, embora no caso dessa produo dramtica em-tudo-aquilo-que-se-possa-dizer-sobre-drama, o espectador seja embalado num bero bem seguro.

    Ficha tcnicaTexto e encenao: Henrique FontesElenco: Alex Cordeiro, Bruno Coringa, Doc Cmara, Paulo Lima, Joo VictorDireo e preparao musical: Danbio GomesCenrio e figurinos: Thiago VieiraIluminao: Daniel RochaProduo: Cristina Simon

    Foto: Divulgao Poa em Cena

    Foto divulgao: Paul Antoine Taillefer

    Pea: Kiss Bill 16 Porto Alegre em Cena

    Emerso e submersoH um sistema chamado Kill/Kiss Bill que se atualiza num/dois filmes de Quentin Tarantino e num espetculo de teatro/dana dirigido por Paula de Vasconcelos / Yan Lee Chan.

    * Rodrigo Monteiro - Porto Alegre/RS/BrasilLicenciado em Letras, atuando profissionalmente como professor de Lngua Portuguesa, Lngua Inglesa e Literatura. Leciona desde 1997, quando concluinte do Curso de Magistrio. Bacharel em Comunicao Social - Habilitao Realizao Audiovisual, com especialidade em Direo de Arte e em Roteiro. Foi aprovado em primeiro lugar no processo de seleo 2009 para o Mestrado em Artes Cnicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escreve dramaturgia desde 2000. Endereo para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/7379695337614127

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    Henrique Fontes, que assina como dramaturgo e encenador, ocupa o espao e o tempo da narrativa propondo uma coleo de signos que celebram o teatro, engrandecendo-o. H um tempo atrs, numa outra crtica, falei sobre o que teatro e o que no teatro. Longe de chegar perto do esgotamento dessa discusso sem fim, em A mar aberto esto dispostas dispostas vrias questes que podem trazer luz a essa reflexo. Fontes usa da linguagem teatral para tornar teatral aes e objetos existentes fora do universo fictcio-narrativo.

    Cordas caem do teto, duas caixas, uma placa isopor, roupas rasgadas e cabelos desgrenhados. Com a boca e as mos, os atores produzem sons que marcam o ritmo, colorem a cena. Refletores iluminam partes e nunca o todo do palco: cada espao marcado no tempo como um momento que se relaciona a outros. Os cinco homens se movimentam em harmonia: passado e presente, barco e terra, sonho e realidade. Os tons das vozes, o olhar pontual, a boca de cada um compe um desenho em que tudo encontra lugar nesse carro que carrega o sentido, que nos embala como disse acima. O resultado a paralisao: ficamos tomados pela histria bem contada.

    Para mim, teatro sempre sinnimo de homenagem. Voc no est saindo de casa para ver um quadro, nem ligando um rdio do carro para ouvir uma msica, ou acertando o microondas e escolhendo a legenda antes de assistir ao filme. O que h de teatral num concerto musical, num espetculo de dana e numa pea justamente a presena de seres humanos, tais quais os que se sentam na platia, produzindo sementes de imaginao no palco. Quem apenas v pegou guarda chuva, enfrentou fila, marcou encontro para assistir quem no s v, mas faz. Quem apenas v faz tarrafa para os pescadores que se aventuram no mar, trazendo de l alimento para os daqui.

    A mar aberto, reconhecendo o trocadilho com o Amar aberto, merece a homenagem que o pblico que lhe faz. Aproximando os dois Rios Grandes, um dos atores se despede de todo mundo e de uma forma enternecedora d boa noite inclusive para os tcnicos. Aps ver bolinhas de gude caindo do cu, mudanas de planos que beliscam o cinema (e Dias Gomes), um tom de voz que lembra o bom Riobaldo de Guimares Rosa, escrever sobre isso tudo um privilgio.

    No mar, os peixes no so vistos, no tm nome, no tm espcie. Quando a tarrafa jogada e alguns deles vm superfcie, o tarrafeiro, novo ou velho, se contenta.

    De to contente que est, escreve.

  • 56 - Informe C3

    Crtica Teatral 16 Porto Alegre em Cena

    Formalizar a construo de um todo significativo existente anterior ao filme e ao espetculo facilita a anlise porque explica as pontes que se faz entre um e outro. Quem viu o filme lembrou dele ao assistir pea at porque como uma releitura que ela vendida no programa do festival. Quem for ver o filme lembrar da pea a partir de agora. Embora filme e pea existam em separado, Kill/Kiss Bill visto nas duas atualizaes, estando aos nossos sentidos disponvel todo o universo simblico composto pela juno de um, de outros e de terceiros que ainda, talvez, no conhecemos. Em midos, falar de um falar de outro.

    Ausncia de humanidade que se reduz palavra sarcasmo; Ritmo acelerado nos cortes, nos dilogos, nos movimentos dentro e fora dos quadros/cenas; Redundncia, recorrncia, reforo; Repaginao do faroeste e dos filmes orientais de ninja, kung fu, anime;

    Destaquei acima alguns dos sistemas que destaco na formalizao Kill/Kiss Bill lembrando que existem sistemas que s emergem no filme e no na pea e vice-versa. Os que trago so aqueles que encontro na superfcie dos dois. E gosto!

    Os gestos secos, a reproduo da frieza do deserto em oposio ao sol escaldante que faz sair de buracos fechados animais discretos e perigosos. A coreografia de Kiss Bill preenche o palco em busca desse sarcasmo absurdo que s encontra lugar onde a humanidade j foi embora. Os personagens da pea s se tocam quando se ferem, embora firam sem se tocar. O beijo mortal, o abrao cnico. As aranhas (?) um dos melhores momentos so egostas, rpidas, discretas: comem quietas.

    A personagem de Sylvie Moreau fala sem parar, sem parar, sem parar. A coreografia de abertura a troca contnua de gestos nervosos de homens que se impem para mostrar o que j vemos. As cenas so rpidas como os cortes o so em Tarantino.

    A trilha se repete. Se renova. Renova a cena. A ao retorna sempre: uma lista de mortes se sucede, uma lista de movimentos se repete. Um ciclo se fecha e outro reinicia.

    A esttica oriental com ninjas aparecendo do cu e do inferno, bem como o extremo oposto da dureza do cowboy e sua pistola e chapu se encontram na vitria de um contra duzentos mil. Tarantino/Vasconcelos pincelam a atualizao do sistema trazendo dois gneros para falar mal deles. H um motivo para traz-los e est exposto: Kill/Kiss Bill veio construir em cima da desconstruo. A ausncia sobre a presena. O liminar do ciclo fim e do

    novo.

    Falando em novo, de Bang Bang pra diante s encontramos Vasconcelos e no mais Tarantino. A pea pra de atualizar o sistema e vive s do estabelecimento de uma nova organizao. E afunda. O ritmo cai, a humanidade retorna, os ninjas e cowboys vo embora. O personagem de Alexandre Goyette se mostra apaixonado pela de Natalie Zoey Gauld e o que nutria a configurao de sentido j no existe. Tentamos e tentamos reconstru-lo, mas a direo prope um conceito camalenico resistente aos nossos antivirais. No apreendemos o sentido e um tdio imenso emerge, fazendo submergir o cenrio do jardim, as coreografias finais, a trilha.

    Atualizar um sistema significa re-hierarquizar sentidos a partir do dispositivo. Tarantino fez isso usando a linguagem cinematogrfica. Vasconcelos usando a dana. Em cada ato, alguns significados emergem outros submergem. Kiss Bill, l pelas tantas, dorme e bate num iceberg. O transatlntico canadense, lindo e badalado, afunda.

    E lembramos, com saudade, do bom e velho assobio da enfermeira Ellen Driver (Daryl Hannah).

    Ficha tcnica:Direo e coreografia: Paula de Vasconcellos / Direo tcnica: Yan Lee Chan / Elenco: David Rancourt, Sylvie Moreau, Laurence Ramsay, Natalie Zoey Gauld, Alexandre Goyette, Edward Toledo / Cenrio: Paul-Antoine Taillefer, Paula de Vasconcelos, Raymond Marius Boucher / Figurino: Anne-Marie Veevaete / Iluminao: Paul-Antoine Taillefer, Michel Beaulieu / Trilha Sonora: Paula de Vasconcelos / Produo: Paul-Antoine Taillefer / Crdito fotos: Paul-Antoine Taillefer / Durao: 1h45min

    Pea: Mulheres fortes em corpos frgeis [lado b]

    16 Porto Alegre em CenaRecorte

    Voc pode at nunca ter ouvido falar da Anlise do Discurso e de Michel Pcheux, mas sabe que veste por dia muitas roupas.

    Quando com uma amiga, com a vizinha desconhecida, com o ator canadense, com o mestre em biologia, com a atriz da sua pea, com atriz ganhadora

    Foto: Angela AlegriaPOA Em Cena/Divulgao PMPA

    do prmio no ano passado, com sua me, com seu ex-namorado, com seu gato, com sua professora da terceira srie, com a coordenadora do seu ps-graduao, com seu chefe, com o estagirio, com a atual namorada do seu ex-marido...

    Quando em casa, na sua rua, numa rua desconhecida, num parque uma da manh, num bar onde voc vai sempre, no MSN, no Orkut, no Twitter, numa mensagem de celular, ao microfone de um videok, na frente do padre, na casa da talvez futura sogra, no escritrio da talvez futura chefe, na frente do talvez futuro orientador, no ouvido de algum que voc ama, s costas de quem voc odeia...

    Quando ao acordar, ao vestir-se, ao banhar-se, ao comer, ao comer-se, ao fumar, ao sair e esquecer as chaves, ao chegar e esquecer o guarda-chuva em algum momento do passado prximo, ao dormir, ao morrer, ao morrer-se...

    Mulheres fortes em corpos frgeis [lado b], produo do Grupo Gaia, me fala de manequins expostos visivelmente s vrias roupas da estao. Presos em poses, olham o mundo alm do vidro. Ento, algum lhe despe e muda-lhe um brao de posio. A nova tendncia chegou, novos gostos a atender.

    Trs bailarinas expem suas referncias num programa. Tentei esquecer delas. E esqueci. Elas no me importam mesmo porque o bom desse tipo de espetculo que o que importa o que eu leio. E eu leio isso: sou lido. A noo de que at mesmo quando sou sujeito, sou objeto captado pelo outro. O homem s existe como diferente do outro.

    Daniela Aquino, Roberta Sauvian e Alessandra Chemello so intrpretes dessa interpretao de mundo. Tm movimentos pr-definidos e que se repetem em cada

    novo ritmo, em cada nova moda da estao. O universo popular, da Rdio Aliana Rdio Amizade, do jeans saia balo, da Ciderella ao (Hugo) Chaves: o tema sempre a passagem, a mudana.

    A mim, Diego Mac e Alessandra Chemello, os diretores, quiseram me falar sobre o que fica entre esse e aquele corte de cabelo, esse e aquele cinto ou cadaro de All Star. Quem fica o olhar do outro. esse que nos observa, que nosso inferno. E o cu das temporadas de vero e de inverno.

    Um espetculo baseado em cima da novidade cansa. E ... [lado b] cansa vrias vezes. Em momentos diferentes, o ritmo cai e levanta, cai e levanta reproduzindo, talvez, as liquidaes de inverno e vero que antecedem as novas modas. No tem incio, nem fim porque usamos coisas que usvamos h dez anos com uma cor nova e tudo se repete.

    O cenrio de lcio Rossini, sem dvida, nosso melhor cengrafo, realmente parte de um conceito muito bem amarrado. A mim, placas brancas pareceram giletes. H uma gilete na capa do programa e talvez tenha sido por isso que essa imagem me veio cabea: recortes. A vitrine, a roupa, a modelo um recorte do sonho, do ideal, do plano.

    Como tambm somos recortes de ns mesmos quando no churrasco da turma, no fim da festa, na fila dos crachs. Quando acabo de comer e esqueci minha escova de dentes, quando acordo e j no penso em tanta coisa, quando digo no...

    Ficha tcnica:Direo: Alessandra Chemello e Diego Mac / Coreografia: Alessandro DallOmo, Diego Mac e Paulo Guimares / Elenco: Alessandra Chemello, Daniela Aquino Roberta Savian / Coordenao tcnica: Sandra Santos / Cenrio: lcio Rossini / Figurino: Lourdes DallOnder (especialmente convidada) / Iluminao: Liliane Vieira / Trilha sonora: Alessandro DallOmo, Diego Mac e Ticiano Paludo / Produo: Grupo Gaia / Crdito fotos: Cintia Bracht / Durao: 1h10min

    Pea: La Douleur16 Porto Alegre em Cena

    S Ok, Porto Alegre! Eu gosto muito do teu teatro com vdeos, com bonecos em cena, com msicas, gaita e

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  • 58 - Informe C3 59 - Informe C3

    16 Porto Alegre em Cena Crtica Teatral 16 Porto Alegre em Cena

    Foto: POA Em Cena/Divulgao

    Em circunstncia nenhuma, um monlogo fcil. Pra mim, monlogo covardia. Uma pequena multido no So Pedro e uma nica pessoa no palco. Alm dela, as janelas do nosso teatro olhando pra atriz e pra ns.

    E ae, queridona, viemos te assistir. O que que tu tem pra mostrar?

    La Douleur fala de luto. A dor de uma separao, a dor da convivncia com a ausncia. Quando amamos de verdade como uma parte de ns vivesse em corpo alheio. A personagem no sabe, durante boa parte da pea, onde est esse corpo, se est vivo, se est bem, se est. luto pela vergonha do feito algo errado. O extermnio dos judeus faz calar qualquer europeu. Quando amamos de verdade, nossos erros ganham imensas propores. Luto uma saudade cabisbaixa de olhos molhados e sem esperana.

    O luto acaba quando a saudade acaba. E ela acaba quando ele volta.

    A febre baixou, a luz tambm. Dominique Blanc contou o que tinha pra contar.

    E vai deixar saudades.

    Ficha tcnicaLa douleur, de Marguerite Duras / Interpretado por Dominique Blanc / Direo de Patrice Chreau e Thierry Thie Niang / Produo e Promoo: Les Visiteurs du Soir / Durao: 1h15min

    Pea: Quartett16 Porto Alegre em Cena.

    As coisas no ditas

    As coisas que ficam por dizer no desaparecem. Empedram. Esfriam. Endurecem. Mas esto ali. Quartett, como tambm Ligaes Perigosas, me lembra sempre das coisas que no foram ditas, talvez, porque no precisavam ser ditas; talvez, porque no poderiam ou, quem sabe, porque no mesmo deveriam. Como aquilo que no , o dito tambm no desaparece, embora nem sempre endurea, empedre, ou esfrie. Quartett fala do frio. E frio.

    O espao permanece amplo j sendo. A ausncia de cenrio confere pontualidade da luz a tarefa de delimitar de espaos e os seres. Luz o contrrio de sombra e s isso. Vai e vem num apertar de boto e qualquer barreira simples a transforma. O mesmo se diz sobre o som. O som o contrrio de silncio. Tanto um como o outro sensvel ao tempo, ao ritmo, s barreiras da mente e dos ouvidos. No palco, vemos amplas zonas escuras que valorizam os pequenssimos espaos iluminados, como tambm somos recebidos por quase quinze minutos de ausncia de dilogos. Potentes focos coloridos e flashes sonoros nos fazem entrar numa caverna cheia de estalactites, sem vida tranqila, mas bastante ardilosa e escorregadia. Quem, depois de muito tempo guardando para si, encontra-se na oportunidade de dizer o at agora no dito, encontra-se no meio do iceberg cuja pontinha, porque a mar baixou, v o sol do oceano. A proteger-se, o gelo fica ainda mais gelado. hora do iceberg falar.

    Robert (Bob) Wilson um dos diretores de teatro mais conhecidos no mundo, pelo menos, ocidental. E, trabalhando com a sntese que lhe caracterstica nos seus trabalhos h quarenta anos vanguardistas, impe ao texto de Heiner Mller as mesmas ordens dadas s outras linguagens trazidas Quartett: frieza, marcas pontuais, frivolidades meramente ilustrativas, ausncia corporal. O elenco liderado por Isabelle Huppert e Ariel Garcia Valds

    Foto: Divulgao POA Em Cenaviolo. Gosto muito de banda e coro, cenario e figurino, barracos, lutas, coreografias pantufsticas. Mas ah! Como bom ver, tambm, um teatro sem nada: uma mulher, umas cadeiras, uma mesa e uma luz geral. S. E se tirar a mesa e as cadeiras, fica bom tambm. S ela e uma boa histria pra contar. S a atriz e uma boa histria pra ela contar.

    Em circunstncia nenhuma, ser ator fcil. Lindas as palavras de Tatiana Cardoso no Seminrio A arte do Ator, promovido pela Coordenao de Artes Cnicas, dias atrs. Dizia a Mestre, trazendo Eugnio Barba e muitos outros pensadores pensantes, que o ator aquele que anda contra a mar, contra a corrente, contra o fluxo. Tem como obrigao, como trabalho, como parte de si ser especial. Dominique Blanc especial!

    to plastificado como tudo nessa produo. No h movimentos, mas valorizao dos gestos, esses muito especficos. As vozes so quase sempre expelidas no mesmo tom, a exceo, como nos gestos, de arrebates emocionais. Pequenos gritos, grandes risadas, e lamentos incluem-se como a ilustrao de um comportamento exterior ao iceberg que ora vive dentro desses outrora amantes. A tela inicial (Concerto Campestre, Frans Wouters), as cadas e voltas de Valmont, os giros de Merteuil so exemplos no sonoros de materializao da mesma concepo.

    A qualidade plstica de Quartett pode ser enaltecida a partir de vrios aspectos: cores fortes reagem contra a escurido e pontuam o encontro do iceberg contra seu inimigo, o calor. Wilson comea falando de oposio pelos tons que emprega em sua encenao e pela prpria cena da moeda em que vemos cada um de seus lados. Mas avana luz de Mller que faz Merteuil falar por Valmont e ele por ela, seja colocando uma tela entre Valmont e seu duplo num jogo de espelhos, seja manipulando o casaco vermelho no palco, ou jogando com cores contrastantes ou trazendo cena um peixe a nadar num aqurio. Se as

    linhas so contrrias no incio, misturam-se no fim sem perder suas idiossincrasias. O sol derrete o iceberg, mas a nuvem que se forma lhe impede de ver a terra. Chove e da gua mais gelo feito.

    O espetculo de encerramento do XVI Porto Alegre em Cena chama a ateno por proporcionar ao pblico, atravs de uma experincia sonoro-visual de grande impacto, uma distribuio de potncias significativas que eu tenho a impresso de serem difceis de recuperar. Durante a assistncia, me peguei vrias vezes pensando em outras coisas, distrado com minhas prprias lembranas e reflexes, mas longe de estar entediado, cansado ou mesmo desatento. No senti passarem-se quase duas horas e me surpreendi comigo mesmo, na volta catrtica a que Wilson parece rejeitar com todo o seu aparate pouco cnico, mas muito plstico, a permanecer com a sntese viva nos meus sentidos. Quartett subverte as relaes como reao a elas, no contra elas. E isso faz com que, mesmo aps o fim, sempre sobra algo para se dizer.

    Algo que esfria e endurece.

    Ficha tcnicaQuartett de Heiner MllerTraduo de Jean Jourdheuil e Batrice PerregauxDireo, cenografia e design de luz: Robert WilsonComposio original da msica: Michael Galasso

    comIsabelle Huppert - MerteuilAriel Garcia Valds - ValmonteRachel Eberhart, Philippe Lehembre, Benot Marchal

    Figurino: Frida ParmeggianiColaborao direo: Ann-Christin RommenColaborao cenografia: Stephanie EngelnIluminao: AJ WeissbardMaquilagem e penteados: Luc VerschuerenMsicos: Cyril Atef, Jeffrey Boudreaux, Michael Galasso, Vincent Sgal e David TaebSom: Jean-Louis Imbert e Thierry JousseAssistente de maquilagem: Sylvie CaillerAssistente de penteados: Jocelyne MilazzoE a equipe tcnica do Odon-Thtre de lEurope

    Produo: Odon-Thtre de lEurope, La Comdie de Genve, Thtre du Gymnase/Marseille

  • 60 - Informe C3 61 - Informe C3

    Em que voc acredita?

    Foto: Anderson de Souza

  • 62 - Informe C3 63 - Informe C3

    Eu acredito num futuro melhor, num Brasil mais justo com menos desigualdades pois as pessoas esto mais politizadas e mais cidads.Aldo Freitas

    Em mim!Ana Paula de Miranda

    Acredito na inteno, que a inteno de uma ao determina o resultado. Acredito no amor, na fora Divina, na f. Que todas as pessoas esto conectadas entre si e com toda natureza, todos os reinos, todo o universo, ou seja, suas aes interferem no todo.Camila Arioli

    Em que o homem possa acorda dessa turbulncia em forma de pesadelo coletivo e veja o quanto tempo est perdendo em destruir a natureza com lixo, descondensar a natureza humana com a ausncia da tica, do convvio, da conversa e do respeito pelo outro, pelo ser e no se dando conta que a fsica j provou que toda ao tem uma reao.Acredito na descoberta de novos lderes, novas pesquisas para minimizar e curar doenas do sculo da Semana da Arte Moderna.Bem, acredito na beleza da descoberta de uma melhoria na construo de uma catarse nica. ZIZI

    Em que voc acredita?

    Em deus, na sua energia, na proteo que ele nos fornece, e na vida terrena que ele nos proporciona e que um dia se esvair. penso que dessa maneira vamos passando por um estgio de aprimoramento da alma, para um dia chegarmos um clmax espiritual. Isso o verdadeiro sentido da vida, na minha concepo.Mario Gordilho

    Acredito no Outro que me faz ser livre. Gera em mim o confiar que me faz dar o que tenho e sou, em passos que se constroem no partir-me e levam-me a partir. Acredito no sonho, na criatividade que dada ao humano de se unir em comunho, na descoberta de cada um e dos outros. Acredito em Deus, feito Homem, que convida cada humano em ser com, como e nEle, por Amor. Acredito no dilogo que abre portas do conhecimento mtuo, que leva ao respeito pela integridade do ser, da cultura, da Vida. Sou um homem de f, sem contabilizaes... Acredito!Paulo Duarte

    Acredito que haver um depois. Bom, igual ou ruim, no importa. Para mim, sempre haver uma continuidade.Rodrigo Monteiro

    Na humanizao do sujeito!Rose Mari Ribeiro da Silva

    Foto: Anderson de Souza

  • 64 - Informe C3 65 - Informe C3

    Ensaio 04

    Questes de F, crenas e culto em aberto!

    Paulo Duarte*[email protected]

    *Paulo Duarte - Portugal/ CoimbraJesuta. Licenciado em Filosofia, pela Faculdade de Filosofia de Braga Universidade Catlica Portuguesa. Professor de Religio e bailarino. Tem como interesse de estudos a relao entre o corpo/dana e a espiritualidade. J actuou em espectculos de dana contempornea e em performances.

    A f mobiliza. Seja ela religiosa, seja ela futebolstica, seja ela partidria. O ser humano vive uma crena de fundo quase inexplicvel. No entanto, a f religiosa, quando bem vivida, leva-o mais longe. Talvez porque leva ao questionamento, ao no querer ficar submetido ao que est, e impele a mais... As outras exemplificadas tambm podero levar o ser humano mais longe, mas no o conseguiro levar dimenso transcendental que a Vida, em si, comporta. Pode ter-se f no jogador ou na tctica, at mesmo neste ou naquele candidato, mas no se consegue ir mais alm que a simples relao com o humano. Agora a F, mais do que uma confiana, um estado de vivncia interior que eleva o humano divinizao com todos os outros, em que, sem dvida, entra o campo do perdo, do respeito, da integridade - no simplesmente moral, mas totalizante - do Humano. Da que a mensagem divina seja uma mensagem de Vida e no meramente doutrinal.

    No entanto, na dimenso do religioso h muita confuso. Misturam-se mitologias, com crenas religiosas. Misturam-se medos, receios, com temor e respeito pelo Sagrado. E, depois, h uma tentativa ultra-racionalista de se explicar algo - ou algum - que mais do que a razo humana.

    Para se viver o respeito pelas vrias crenas, formas de encarar a F, h a surgir mais que um dilogo, aquilo que Hans-George Gadamer designa de fuso de horizontes. De forma bastante simples, passa por uma escuta atenta do outro, numa atitude comunicativa, no rejeitando partida o que ele me diz ou , mas tentando ir ao fundo do que me possa dar. Porque a pessoa, tal como podemos encontrar no campo da F, tem uma histria que, em si, tem algo para dizer, mesmo que mnimo.

    Gadamer, no seu texto A Universalidade do Problema Hermenutico, afirma que precisamente

    atravs da nossa finitude, da particularidade da nossa essncia, que se detecta toda a variedade de linguagens e o dilogo infinito abre-se na direco da verdade que somos. A complexa questo da F passa pelo dilogo entre aqueles que a vivem de formas diferentes. Da que se abre na direco de uma relao entre um ns e no simplesmente um eu. De modo que nenhum ser humano que possa dizer: eu tenho a verdade da F.

    Crena e Ritual

    De forma simplificada pode dizer-se que o ser humano vive uma crena em relao a um objecto ou sujeito, ao qual presta culto. Diariamente, do levantar ao deitar, o sujeito passa por uma srie de movimentaes que tocam o ritual. Seja o simples cumprimento, passando pela orao ou celebrao litrgica, d-se a manifestao de f, de crena, de confiana, em quem se cumprimenta, ou divindade que se celebra. Contudo, a vivncia desses momentos pode ser de abertura ou de fechamento.

    Maurice Blondel afirma que o objecto [que se venera], sendo finito e insuficiente como os demais, no tem por si s a capacidade de receber a venerao que se pretende dar-lhe, mas que, justamente por causa dessa pequenez, satisfaz a dupla necessidade que tem o ser humano de criar e dominar o seu deus(01).

    Rapidamente se recordam as imagens religiosas que no sendo Deus, muitas vezes so tomadas como sendo e a carga de venerao que lhes colocada tem um peso imenso na vida das pessoas. Mais do que uma relao humana, h uma idolatria de uma imagem. Isto no se aplica apenas imagem ligada a alguma religio, pode aplicar-se tambm a outras formas de idolatria ligadas sociedade, dando como exemplos a msica, o desporto, a moda. De facto, muitas dessas imagens,

    ou personalidades, acabam por ser veneradas como um deus, algumas das quais tm uma carga simblica muito forte, com aces concretas em favor da sociedade, ou de um povo(02).

    Para Ren Girard, o aparecimento da cultura surge sobre um fundo religioso. No entanto, pode especificar-se que o fundo religioso se inicia quando est exposto sobre o cadver da vtima sacrificial tornando-se o mesmo cadver objecto de venerao.

    A partir da dupla transferncia malfica e benfica operada sobre a vtima [especificamente o cadver da vtima], o pensamento religioso acentua mais um trao ou outro frequentemente de forma puramente aleatria, simplesmente porque ele no pode reter todos os elementos contrrios que o sagrado contm. () Diferentes prticas rituais, obrigaes e interditos que at podem ser opostos, vises mticas contraditrias, constituem, para Girard, passos sucessivos de um processo de elaborao religiosa e cultural que deriva de uma origem comum(03).

    O rito uma das formas de como o ser humano vai ao encontro do sagrado, mas que pode cair na dimenso supersticiosa. O culto o encarnar da religiosidade, mas que mal entendido pode tornar-se mais do que promotor de vida e liberdade, sinal de opresso. De facto, h uma srie de ritos que cercam a pessoa: o nascimento, as decises solenes, os perigos que fazem brotar um voto ou uma orao, os contratos, a palavra comprometida, a morte , para enumerar apenas alguns. A dimenso religiosa transmitida pelos mais velhos, conforme a cultura em que est inserida. Os ritos, os cultos, so transmitidos de gerao em gerao, adaptando-se, ou no, s novas realidades sociais e culturais.

    A propsito do culto, Girard aborda a questo do sacrifcio no bode expiatrio . Os grupos humanos tiveram de lidar com a real possibilidade da auto destruio, ento, o culto sacrificial da vtima arbitrria torna-se o rito encontrado para, de alguma forma, acabar com a violncia.

    O crculo vicioso da violncia endmica e selvagem foi espontaneamente, miraculosamente, substitudo por uma violncia focalizada e contida, orientada contra um nico adversrio, uma vtima arbitrria, nem mais nem menos culpada que os outros, e que ter sido morta por todos os combatentes, trazendo a salvao aos sobreviventes. O esquema todos contra todos d assim lugar ao todos contra um ()(06)

    Atravs da expiao o grupo humano encontra novamente a estabilidade. De facto, acaba por haver um ritualismo como forma de libertao da violncia. Ainda assim, haver a libertao do humano? Se o rito for pura superstio, sem dvida que no haver. O ser humano, tendo como alicerce a dimenso do religioso e do sagrado, Foto: Anderson de Souza

  • 66 - Informe C3 67 - Informe C3

    Ensaio 04 Questes de F, crenas e culto em aberto!

    deve encontrar a liberdade de si e dos outros dentro da relao que estabelece com a restante humanidade e com a divindade. Assim, o maior servio que se pode render ao ser humano o de fazer desaparecer uma aps outra, diante dos seus olhos, todas as supersties, para que obtenha o sentimento puro da esfera religiosa(07).

    Notas:

    1 - BLONDEL, Maurice. La Accin. Madrid: BAC, 1996, p. 553.

    2 - Fazendo a distino, uma coisa ter o Maradona como dolo, ao ponto de ser literalmente venerado como deus, nalgumas partes da Argentina, outra coisa o sofrimento das pessoas diante do assassinato da Benazir Buttho, ou de Mahatma Ghandi.

    3 - COSTA, Jos Miguel Dias. O Desejo como Histria O Sentido da Cultura Humana em Ren Girard. Braga: Publicaes da Faculdade de Filosofia, 2005, p. 125.

    4 - BLONDEL, op. cit., p. 357.

    5 - No Yom Kippur, uma das celebraes judaicas, o sacerdote coloca as mos sobre o bode, transmitindo assim os pecados do povo, como forma de expiao dos mesmos. De seguida o bode largado no deserto. Ren Girard alarga esta concepo de bode expiatrio a todas as vtimas que so escolhidas arbitrariamente para expiar os males do grupo a que pertencem. 6 - DIAS COSTA, op. cit, p. 109.

    7 - BLONDEL, op. cit., p.364.

    Bibliografia

    BLONDEL, Maurice. La Accin. Madrid: BAC, 1996.

    COSTA, Jos Miguel Dias O Desejo como Histria O Sentido da Cultura Humana em Ren Girard. Braga: Publicaes da Faculdade de Filosofia, 2005.

    GADAMER, Hans-George A Universalidade do Problema Hermenutico, In: Hermenutica Contempornea, Lisboa: Edies 70, 1980.

    Foto: Anderson de Souza

  • 68 - Informe C3 69 - Informe C3

    Foto: Thiago MarzanoArtista: priscilladavanzzo

  • 71 - Informe C370 - Informe C3

    Artista: priscilladavanzzo

  • 72 - Informe C3 73 - Informe C3

    Artista: priscilladavanzzo

    VII Frrrk Guys Party 3 anos

  • 74 - Informe C3 75 - Informe C3

    Ensaio 05

    VII Frrrk Guys Party 3 anos

    T. Angel*www.frrrkguys.com

    Depois de um longo intervalo, eis que surge a oportunidade de se fazer uma outra edio da Frrrk Guys Party, dessa vez com um peso extra, a celebrao de 3 anos do projeto. Foi tudo muito rpido, grosso modo, num dia tinha a data e noutro j era a festa. Mais do que nunca a ansiedade era muito grande, talvez numa breve comparao, sentia como se fosse a primeira vez. Em alguns momentos aquele sentimento de e agora? rondaram a minha cabea, mas era uma festa de aniversrio e tomei pra mim que qualquer que fosse a falha, esta deveria ser encarada com descontrao e bom humor. Reduziu a ansiedade e nervosismo? No. Ao menos foi importante pensar assim em alguns momentos.

    As 23:00 abriam-se as portas do udio Delicatessen - casa que sediou a festa comemorativa - e a multi artista e hostess Muse From Hell dava as boas vindas aos convidados. A casa dividida em dois andares, um mais aconchegante para quem gosta de bater um papo e outro com a pista. No primeiro andar estava montada a Expo ART.ficial 6.9, que traziam trabalhos expostos durante os trs anos de projeto. Telas dos artistas Jlio Csar, Fernando Fefs, Aline Torchia, T. Angel, Jullye Poslednik e Aline Aiba preenchiam o espao, junto com algumas fotos das edies passadas. A dupla de Djs Jeff e Zez abria a discotecagem da noite, convidavam os primeiros que chegavam para conhecer a pista e a se familiarizarem com a casa. Aos poucos o espao foi sendo preenchido por sorrisos, gargalhadas, abraos e beleza.

    Passando da meia noite, eram feitos os ltimos ajustes do pocket show da banda Diva Muffin. As primeiras batidas misturadas com os vocais digitalizados do vocalista Droee, foram suficientes para que todos os olhares fossem atrados para a banda. A msica que abria o show era

    *T. Angel - So Paulo/BrasilTcnico em moda pelo SENAC e graduando em Histria pela Universidade FIEO, atualmente integra o staff do site argentino Piel Magazine e diretor geral do website Frrrk Guys, que aborda as temticas da modificao corporal e da beleza masculina oriunda dessa prtica. Alm disso, desde 2005 vem atuando no cenrio da performance art. Nos ltimos anos, Thiago Ricardo Soares vem colaborando com artigos para diversas revistas nacionais e internacionais. Tem experincia na rea de Histria, atuando principalmente nos seguintes temas: body art, performance e modificao corporal. Como pesquisador histrico, interessa-se pelos seguintes temas: body art, performance e modificao corporal. Endereo para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/2319714073115866

    The world fails down e os minutos sequentes reservavam surpresas diversas para o pblico presente. Surge na frente da banda, sentando num banco um dos integrantes, o performer T. Angel. Face pintada e trajando um longo sobretudo azul, iniciava sua performance. A msica era Canibalismo e a performance fez jus ao nome. Por baixo do sobretudo o performer vestia uma roupa construda no prprio corpo, feita de papel e plstico. Em poucos minutos as estilistas Jullye Poslednik e Aline Torchia viram a roupa que construram sendo literalmente d