iniciação

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CAPÍTULO III A INICIAÇÃO Dentre os aspectos comuns às diversas formas de culto, distinguimos o fenômeno da possessão pelos Orixás, de forma ordenada e pressupondo sempre um processo de iniciação com características definidas. A iniciação não é feita por simples vontade do adepto mas sim, por determinação de seu Orixá, o que ocorre quase sempre de maneira inesperada: ou a pessoa começa a sofrer diferentes tipos de perturbações em sua vida, sejam de ordem psíquica ou de qualquer outra ordem, mas que servem sempre de sinal para que se constate a chamada da divindade, ou a entidade se apossa violenta e repentinamente de seu filho, lançando-o ao solo, absolutamente inconsciente, fenômeno que é conhecido, dentro das casas de candomblé como "bolação". A partir desse momento, sob pena de vários problemas que poderão advir, o indivíduo escolhido deverá submeter-se à iniciação no culto, sob a orientação do chefe do terreiro denominado Babalorixá (pai-de-santo) ou Iyalorixá (mãe-de-santo). A iniciação tem por finalidade, além de estabelecer um vínculo definitivo e irreversível entre o Orixá e o iniciando, desenvolver a capacidade de desdobramento da personalidade deste último que deverá, a partir de então, ser eventualmente substituída pela da Divindade a que tenha sido consagrado, que se manifestará através de incorporação ou possessão. A possessão deverá ser plenamente assumida e, no período de enclausuramento exigido pelo processo iniciático, os eleitos aprendem, sob a orientação de um iniciado de cargo sacerdotal, técnicas corporais estereotipadas, danças representativas de seu Orixá, rezas, cânticos e posturas procedimentais adequadas à sua nova condição religiosa. "...O Deus pode, desde logo, apoderar-se do corpo de sua filha, cuja personalidade desaparece momentaneamente para ser substituída pela do Orixá individual. O ser humano

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CAPTULO III

CAPTULO III

A INICIAO

Dentre os aspectos comuns s diversas formas de culto, distinguimos o fenmeno da possesso pelos Orixs, de forma ordenada e pressupondo sempre um processo de iniciao com caractersticas definidas.

A iniciao no feita por simples vontade do adepto mas sim, por determinao de seu Orix, o que ocorre quase sempre de maneira inesperada: ou a pessoa comea a sofrer diferentes tipos de perturbaes em sua vida, sejam de ordem psquica ou de qualquer outra ordem, mas que servem sempre de sinal para que se constate a chamada da divindade, ou a entidade se apossa violenta e repentinamente de seu filho, lanando-o ao solo, absolutamente inconsciente, fenmeno que conhecido, dentro das casas de candombl como "bolao". A partir desse momento, sob pena de vrios problemas que podero advir, o indivduo escolhido dever submeter-se iniciao no culto, sob a orientao do chefe do terreiro denominado Babalorix (pai-de-santo) ou Iyalorix (me-de-santo). A iniciao tem por finalidade, alm de estabelecer um vnculo definitivo e irreversvel entre o Orix e o iniciando, desenvolver a capacidade de desdobramento da personalidade deste ltimo que dever, a partir de ento, ser eventualmente substituda pela da Divindade a que tenha sido consagrado, que se manifestar atravs de incorporao ou possesso.

A possesso dever ser plenamente assumida e, no perodo de enclausuramento exigido pelo processo inicitico, os eleitos aprendem, sob a orientao de um iniciado de cargo sacerdotal, tcnicas corporais estereotipadas, danas representativas de seu Orix, rezas, cnticos e posturas procedimentais adequadas sua nova condio religiosa.

"...O Deus pode, desde logo, apoderar-se do corpo de sua filha, cuja personalidade desaparece momentaneamente para ser substituda pela do Orix individual. O ser humano possui, portanto, desde que iniciado, feito, duas personalidades aparentadas. A primeira aquela que deriva da famlia imediata, do ambiente em que o indivduo nasceu e cresceu. A segunda a de um antepassado mtico, de um pai sobrenatural que se desenvolve a partir da iniciao e se manifesta na possesso" 1.

Segundo Pierre Verger: "A iniciao no comporta essencialmente a revelao de um segredo; ela cria no novio uma segunda personalidade, um desdobramento mstico inconsciente" 2.

Ex quem, representando a coletividade dos Orixs, ir promover a transformao desejada, ensejando o surgimento da personalidade do iniciado em substituio personalidade do ser profano.

A verdadeira iniciao h de ser, de certa forma, uma experincia dolorosa, durante a qual, a personalidade profana permanece como morta, ressuscitando em seguida j dotada das caractersticas que distinguem o iniciado. Por este motivo os adeptos costumam referir-se ao processo de iniciao utilizando-se do termo "passar pelo sacrifcio" o que sem dvida revelador das condies s quais so submetidos durante o processo.

Conta um itan do Odu Oxefun, que certo dia, Oxun recebeu de Obatal, a ordem de iniciar o primeiro ser humano no culto aos Orixs.

Havendo selecionado entre muitos, aquele que viria a ser o primeiro iniciado, Oxun tratou de seguir as orientaes fornecidas pelo grande Orix-Funfun, contando para isto com o auxlio de Elegbara e Osaiyn, alm das orientaes de Orunmil.

Todos os preceitos foram seguidos risca e era Orunmil, atravs da consulta ao orculo, quem traduzia as orientaes emanadas de Obatal.

Ao fim da cerimnia, verificou-se uma total mudana na personalidade do iniciado que, de pessoa comum, transformou-se num ser excepcional, dotado de profundo sentimento religioso e plena dedicao ao culto para o qual havia sido preparado.

Diante deste fato, Oxun, percebendo que jamais seria possvel a obteno de um ser humano de tantas qualidades, intercedeu junto ao Grande Orix para que o sacerdote fosse preservado do toque de Iku.

Obatal, em sua imensa sabedoria, no querendo interferir na lei natural que determina que todos os seres vivos devem um dia ser entregues aos cuidados de Iku, admitiu a possibilidade de eternizar, apenas simbolicamente, aquele a quem foi confiada a propagao de sua prpria religio e desta forma, ordenou que sobre sua cabea fosse colocado o ox, transformando-o, imediatamente, numa ave a que deu o nome de Et (galinha d'Angola) .

Quando o iyawo recolhido, depois dos preceitos obrigatrios Egun e Ex, que no nos cabe descrever no presente ensaio, ser ento colocado em contato direto com os primeiros procedimentos litrgicos que visam o processo de transmisso do Ax.

Durante a cerimnia de iniciao, procede-se a um ritual denominado Sasaiyn, em louvor do Orix Osaiyn, dono e senhor de todos os vegetais e, por conseguinte, das folhas sagradas, indispensveis em qualquer procedimento litrgico, o que confirmado pela mxima yoruba: "Kosi ew, kosi Orix", (sem folhas, sem Orix), o que ocorre no terceiro dia de enclausuramento do iniciando.

A seleo das folhas litrgicas utilizadas neste cerimonial varia de casa para casa, o que significa dizer que, embora seja estritamente obrigatria a presena das folhas do Orix que est sendo feito, alguns sacerdotes acrescentam tambm as folhas de seu prprio Orix, outros juntam a, as folhas do junt do iyawo, como tambm folhas especficas de Obatal.

Os Orixs so invocados e seus poderes individuais so catalisados em forma de Ax, que Ex, em sua funo de elemento transportador, ir direcionar em favor do iyawo, para que a metamorfose possa se concretizar plenamente.

O ritual divide-se em duas partes distintas. Na primeira parte somente as energias geradoras so invocadas, com exceo de Oxal, que embora sendo um Orix gerador, por uma questo de hierarquia, invocado e saudado no final da segunda parte, quando os Orixs provedores so homenageados e tm seus poderes invocados em favor do iyawo. 3 Ex no cria nem se intitula pai de nada nem de ningum, limitando-se, outrossim, a promover transformaes em todos os sentidos.

Alguns Orixs, por acumularem as funes de provedores e geradores, so invocados nas duas etapas do rito. Para melhor compreenso das funes especficas de cada Orix, os sacerdotes do culto dividiram-nos em duas categorias, nas quais no so considerados seus posicionamentos hierrquicos. (Nestas categorias so classificados como Orixs geradores e Orixs provedores).

Como Orixs geradores so considerados todos aqueles que, de alguma forma, possuem o poder de gerar qualquer tipo de manifestao de vida, e dentre eles encontramos: Iyemanj, Nan, Ogun, Omol, Oxal, Oxun, Oy e Xang

Os Orixs provedores so todos aqueles que tm, como atribuio, suprir, em todos os aspectos, as necessidades dos seres gerados pelas entidades anteriormente relacionadas. So eles: Ex, Iyemanj, Loguned, Nan, Ob, Ogun, Omol, Osaiyn, Oxal, Oxssi, Oxumar, Oxun e Yew.

Como podemos observar, Ogun, Iyemanj, Nan, Omol e Oxun, por acumularem as duas funes, so relacionados nas duas categorias.

O Olor do iyawo ser sempre invocado nas duas partes do ritual, independente de pertencer a qualquer dos dois aspectos.

A primeira parte do rito precede ao "or do lab", durante o qual, o iniciando submetido raspagem de cabea, alm de outros procedimentos indispensveis sua consagrao ao Orix.

A finalidade, como afirmamos acima, obter-se o consentimento dos Orixs geradores, para que possa ocorrer o surgimento de uma nova personalidade, dotada de um carter religioso que dever sobrepor-se, definitivamente, personalidade anterior. necessrio que as entidades invocadas emprestem seu Ax ou fora propulsora, para que o fenmeno possa se verificar com pleno sucesso e sem a interferncia de outros seres espirituais, como Egun e Aj que, por qualquer motivo, queiram interferir no processo o que, sem sombra de dvidas, resultar num fracasso total, cujas conseqncias podem ser altamente negativas.