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Gado de Leite
Erick Fonseca de Castilho
Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)Em Bovinos Leiteiros
C A P Í T U L O
11. Introdução ao sistema IATF
1.1 Introdução
Atualmente, a pecuária brasileira ocupa uma posição de destaque na economia
do país. De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),
o PIB da pecuária cresceu 21 % no ano de 2011, em relação a 2010. Segundo o
MAPA (2011), o leite produzido no Brasil foi considerado como um dos produtos
que apresenta elevadas possibilidades de crescimento. A produção deverá crescer
a uma taxa anual de 1,9 %. Isso corresponde a uma projeção produtiva de 38,2
bilhões de litros de leite cru no final de 2012 (projeção 2011/2012). O consumo
crescerá a uma taxa praticamente igual a da produção. A taxa de crescimento
da produção é superior à observada para o crescimento da população brasileira.
Segundo com a Embrapa Gado de Leite, para a produção, o número inicial (proje-
ção 2011/12) parece um bom número, mas o número final foi considerado baixo.
Acredita-se que algo em torno de 40.000 a 42.000 seria um número melhor, o
que equivale a um crescimento médio em torno de 2,5 % ao ano (nos últimos 10
anos, o Brasil cresceu 4,3 % ao ano). O setor primário vai passar por importantes
transformações nos próximos anos em função do processo de reorganização e
Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)em Bovinos Leiteiros
16 IEPEC
consolidação do segmento de transformação (MAPA, 2011).
Apesar dos índices econômicos estarem favoráveis, o Brasil ainda apresenta uma
baixa eficiência produtiva por hectare (carne e leite), bem como uma baixa efici-
ência reprodutiva em rebanhos bovinos. Segundo o último relatório da Anualpec
(2011), a pecuária brasileira apresenta uma eficiência reprodutiva de aproxima-
damente 65 %, ou seja, para cada 100 fêmeas em idade reprodutiva, nascem por
ano aproximadamente 65 bezerros (0,65 bezerros/vaca/ano). Estes empasses
podem ser solucionados ou minimizados com o uso correto das técnicas de bem
estar animal, nutricionais, sanitárias e reprodutivas. Dentre as biotecnologias re-
produtivas empregadas no Brasil, a Inseminação Artificial (IA) é a mais utilizada
pelo seu baixo custo e maior impacto no melhoramento genético.
Com o uso IA, é possível promover o melhoramento genético e aumentar a
produtividade dos rebanhos, uma vez que possibilita usar sêmen de touros me-
lhoradores geneticamente. Atualmente, muitos países inseminam quase a totali-
dade de seus rebanhos bovinos. Calcula-se que mais de 106 milhões de fêmeas
sejam anualmente inseminadas em todo o mundo (CHUPIN e THIBIER, 1995). No
entanto, no Brasil, apesar de a venda de sêmen ter crescido 50 % nos últimos
10 anos, 23,55 % em 2011 (Figura 1) que corresponde a aproximadamente 11,9
milhões de doses de sêmen (Tabela 1), estima-se que tenhamos pouco mais de
9 milhões de vacas inseminadas, representando em torno de 10 % do total do
rebanho (ASBIA, 2011). Estes dados nos mostram que ainda existe a necessidade
de se investir em biotecnologias que visam eficiência reprodutiva e melhoramen-
to genético a fim de promover o crescimento da pecuária nacional.
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
17O portal do agroconhecimento
Figura 1: Evolução porcentual das vendas de doses de sêmen no Brasil. Fonte: ASBIA (2011).
0
2.000.000
4.000.000
6.000.000
8.000.000
10.000.000
12.000.000
18,01%
23,55%
Total geral
Corte
Leite
2009 2010 2011
23,19%
11,70%
26,81%
19,16%
0
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23,55%
Total geral
Corte
Leite
2009 2010 2011
23,19%
11,70%
26,81%
19,16%
Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)em Bovinos Leiteiros
18 IEPEC
Tabela 1: Evolução numérica e porcentual das vendas de doses de sêmen para a inseminação artificial no Brasil.
TOTA
L G
ERA
L
Evol
%
9,45
18,0
1
23,5
5
Vend
as
7.46
0.95
9
8.16
6.21
2
9.63
7.33
7
11.9
06.7
63
COR
TE
Evol
%
20,7
9
23,1
9
26,8
1
Part
%
49,8
0
54,9
6
57,3
7
58,8
9
Vend
as
3.71
5.63
8
4.48
8.28
5
5.52
9.17
5
7.01
1.64
1
LEIT
E
Evol
%2
- 1,8
0
11,7
0
19,1
6
Part
%1
50,2
0
45,0
4
42,6
3
41,1
1
Vend
as
3.74
5.32
1
3.67
7.92
7
4.10
8.16
2
4.89
5.12
2
Ano
2008
2009
2010
2011
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
19O portal do agroconhecimento
Com o advento da Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) tornou-se possível
obter melhoramento genético associado à eficiência reprodutiva. Mas, o sucesso
da técnica depende de um controle preciso do crescimento folicular (BARUSELLI
et al., 2006) e da disponibilidade de mão de obra qualificada para a realização
dos protocolos hormonais e inseminações (RUSSI et al., 2009).
Tendo em vista este cenário, este curso tem como objetivos:
» Descrever aspectos anatômicos e fisiológicos do sistema reprodu-
tivo das fêmeas bovinas;
» Descrever os hormônios e respectivas funções envolvidas no con-
trole endócrino reprodutivo das fêmeas bovinas;
» Descrever e discutir as vantagens da IATF e os critérios de seleção
dos animais;
» Descrever e discutir os protocolos hormonais para a IATF;
» Avaliar da eficiência reprodutiva do rebanho;
» Calcular os custos do programa de IATF e seu retorno econômico.
1.2 Aspectos anatômicos do sistema reprodutivo das fêmeas bovinas e suas particularidades
Os órgãos reprodutivos femininos dos animais domésticos são compostos pela
genitália interna (ovários, ovidutos, útero, cérvix uterina e vagina) e pela genitália
externa (vestíbulo, lábios vulvares e clitóris) (Figura 2). Os órgãos internos são
Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)em Bovinos Leiteiros
20 IEPEC
sustentados pelo ligamento largo. Este consiste do mesovário, que suporta o
ovário; do mesossalpinge, que suporta os ovidutos e do mesométrio, que suporta
o útero. Nos bovinos, a união do ligamento largo é dorsolateral na região do ílio,
local onde o útero dispõe-se como os cornos de um carneiro, com a convexidade
dorsal e os ovários localizados próximos à pelve.
Figura 2: Sistema genital das fêmeas bovinas. 1) Vulva; 2) Clitóris; 3) Prega himenal; 4) Óstio uretral; 5) Vagina; 6) Entrada do cérvix; 7) Bexiga urinária; 8) Cérvix; 9) Corpo do útero; 10) Cornos uterinos; 11) Ovidutos ou Tubas uterinas; 12) Ovário; 13) Ligamentos.
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
21O portal do agroconhecimento
1.2.1 Embriologia
O sistema reprodutivo fetal consiste de duas gônadas indiferenciadas sexual-
mente; dois pares de ductos; um seio urogenital; um tubérculo genital e pregas
vestibulares. Este sistema origina-se primariamente de duas cristas germinativas,
na parede dorsal da cavidade abdominal, e diferencia-se em sistema masculino
ou feminino.
O sexo do feto depende dos genes herdados, da gonadogênese e da formação
e maturação dos órgãos reprodutivos acessórios.
Tanto os ductos de Wolff quanto os de Müller estão presentes no embrião sexual-
mente indiferenciado. Nas fêmeas, os ductos de Müller desenvolvem-se em um
sistema ducto-gonadal e os ductos de Wolff atrofiam-se, ocorrendo o oposto nos
machos. Os ductos de Müller femininos fundem-se caudalmente para dar origem
ao útero, à cérvix e à porção cranial da vagina.
No feto masculino, o andrógeno testicular age na persistência e desenvolvimento
dos ductos de Wolff e na atrofia dos ductos de Müller.
A Figura 3 mostra um esquema simplificado da diferenciação embrionária em
sistemas genitais masculino e feminino. Ao centro, o sistema indiferenciado com
longos mesonéfrons, ductos mesonéfricos, ductos de Müller e gônadas indife-
renciadas. Nota-se que os ductos de Müller e mesonéfricos cruzam antes de
entrar nos cordões genitais. À direita: o sistema feminino, em que o ovário e os
ductos de Müller se diferenciam enquanto os remanescentes dos mesonéfrons e
dos ductos mesonéfricos se atrofiam no epoóforo, paraóforo e ducto de Gartner.
À esquerda: sistema masculino, no qual os testículos e os ductos mesonéfricos
(Wolff) se diferenciam e os únicos remanescentes dos ductos de Müller são o
apêndice testicular e o utrículo prostático (vagina masculina).
Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)em Bovinos Leiteiros
22 IEPEC
Figura 3: Diferenciação sexual embrionária. A, ampola; B, bexiga; C, cérvix; Co, córtex ovariano; Ep, epidídimo; D. Mül., ductos de Müller; O, ovário; T.S., túbulos se-miníferos; T, testículos; U, útero; S.U-G., seio urogenital; V.D., vaso deferente. Fonte: HAFEZ e HAFEZ (2004).
1.2.2. Genitália interna
1.2.2.1. Ovários
Os ovários, diferentemente dos testículos, permanecem na cavidade abdominal.
Eles desempenham funções exócrinas (liberação de óvulos ou oócitos) e endó-
crinas (esteroidogênese – estrógeno e progesterona). O tecido predominante dos
ovários é o córtex.
No nascimento, uma camada de células foliculares circunda os oócitos primários
no ovário para formar os folículos primordiais. O formato e o tamanho do ovário
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
23O portal do agroconhecimento
variam de acordo com a espécie animal (bovinos: formato de amêndoa) e com
a fase do ciclo estral (Figuras 4 e 5).
Figura 4: À esquerda (seta): ovário com folículo dominante pré-ovulatório repleto de líquido folicular (estro). FONTE: Arquivo pessoal.
Figura 5: À direita (seta): ovário com pequenos folículos em desenvolvimento e um corpo lúteo ativo (diestro). Fonte: Arquivo pessoal.
A porção livre do ovário, que não se encontra presa ao mesovário, fica exposta e
saliente na cavidade abdominal. O ovário, composto da medula e córtex, é en-
volto pelo epitélio superficial, conhecido comumente como epitélio germinativo.
A medula ovariana é constituída por tecido conjuntivo fibroelástico irregular-
mente distribuído e por nervos extensos e sistemas vasculares, que atingem o
ovário mediante o hilo. As artérias são distribuídas de forma espiralada. O córtex
ovariano contém folículos ovarianos e/ou corpos lúteos em vários estágios de
desenvolvimento e regressão.
A vascularização ovariana modifica-se de acordo com as diferentes situações
hormonais. As variações na arquitetura dos vasos permitem adaptações do su-
primento sanguíneo conforme as necessidades do órgão. A distribuição intraova-
riana de sangue é alterada durante o período pré-ovulatório.
Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)em Bovinos Leiteiros
24 IEPEC
O fluxo sanguíneo arterial para o ovário varia em proporção à atividade luteínica
(Figuras 6 e 7). As modificações hemodinâmicas parecem ser importantes no
controle da função e duração do corpo lúteo (CL). Assim, modificações no fluxo
sanguíneo precedem o declínio na secreção de progesterona, enquanto a regres-
são do fluxo sanguíneo ovariano causa a regressão do CL prematuro (luteólise)
por hipóxia.
O fluxo sanguíneo do ovário bovino é alto durante a fase luteínica, decresce com
a regressão luteínica e aumenta pouco antes da ovulação. O fluxo sanguíneo
aumenta com o desenvolvimento de um novo CL. Um declínio abrupto no fluxo
sanguíneo ocorre ao mesmo tempo em que há regressão do CL.
Figura 6: À esquerda: anatomia vascular do ovário de bovinos. FONTE: HAFEZ e HAFEZ (2004).
Figura 7. À direita (setas): fluxo sanguíneo intenso no corpo lúteo ativo. FONTE: Arquivo pessoal.
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
25O portal do agroconhecimento
1.2.2.1.1.Corpo Lúteo
O CL desenvolve-se após um colapso no folículo ovulatório. A cavidade rema-
nescente do folículo é preenchida posteriormente por células sanguíneas, ca-
racterizando o corpo hemorrágico (Figura 8). Após isso, a parede interna desta
cavidade desdobra-se em pregas macro e microscópicas, que penetram na ca-
vidade central. Essas pregas consistem de uma porção central do estroma e de
grandes vasos venosos que se distendem. As células desenvolvem-se poucos
dias antes da ovulação e regridem rapidamente. Após 24 horas da ovulação,
todas as células remanescentes da teca encontram-se em estado avançado de
degeneração. Inicia-se um processo hipertrófico e de luteinização das células
da granulosa após a ovulação (Figura 9). Estas células luteínicas irão produzir o
hormônio progesterona (P4), que será secretada em forma de grânulos.
Figura 8: Corpo hemorrágico com intensa irrigação sanguínea para a formação do corpo lúteo. Fonte: University of Georgia Athens (2006).
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26 IEPEC
Figura 9: Corte do corpo lúteo ativo (seta branca: tecido luteínico; seta verde: tecido ovariano). Fonte: Arquivo pessoal
1.2.2.1.2. Desenvolvimento, regressão e luteólise
O aumento do peso do CL é rápido no início. Geralmente, o período de cres-
cimento ultrapassa a metade do ciclo estral. Na vaca, o peso e conteúdo de
progesterona do CL aumentam rapidamente entre o terceiro e o 12º dia do ciclo
estral, e permanecem relativamente constantes até o 16º dia do ciclo, quando se
inicia a regressão. O diâmetro do CL maduro é maior que o do folículo de Graaf
maduro, exceto na égua.
Caso não ocorra a fertilização, o CL regride, permitindo a maturação de outros
grandes folículos ovarianos. À medida que essas células degeneram, todo o ór-
gão diminui de tamanho, tornando-se branco ou castanho claro e passando a
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
27O portal do agroconhecimento
se chamar de corpo albicans (corpus albicans). Depois de dois ou três ciclos,
permanece apenas uma visível cicatriz do tecido conjuntivo. Remanescentes do
corpus albicans bovino persistem durante vários ciclos sucessivos. O CL bovino
começa a regredir de 14 a 15 dias após o estro (cio), e seu tamanho diminui pela
metade em 36 horas.
A luteólise induzida por estrógenos durante o ciclo estral, provavelmente media-
da pela prostaglandina uterina (PGF2α), é responsável pela regressão normal do
CL. Um embrião deve estar presente no útero de 12 a 13 dias após o acasala-
mento, para que o CL seja mantido. Esse período representa o estado em que o
útero inicia as primeiras providências que levarão à luteólise.
1.2.2.2. Ovidutos ou Tubas Uterinas
Há uma íntima relação anatômica entre o ovário e o oviduto. Em mamíferos
domésticos, o ovário situa-se em uma bolsa ovárica aberta, ao contrário dos
roedores (rata e camundongo), em que ele se instala dentro de uma bolsa fe-
chada. Nos animais domésticos, essa bolsa é uma invaginação, que consiste de
uma fina prega peritoneal do mesossalpinge, ligada em uma alça suspensa na
porção superior do oviduto. Na vaca e na ovelha, a bolsa ovárica é larga e aberta.
O comprimento e o grau de circunvoluções do oviduto variam nos mamíferos do-
mésticos. O oviduto pode ser dividido em quatro segmentos funcionais (sentido
ovário -> útero): as fímbrias, com formato de franjas; o infundíbulo, uma abertura
abdominal próxima ao ovário e com formato de funil; a ampola dilatada mais
distalmente; e o istmo, uma estreita porção proximal do oviduto, ligando-se ao
lúmen uterino (Figura 10 e 11).
Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)em Bovinos Leiteiros
28 IEPEC
As fímbrias são livres, exceto num ponto no pólo superior do ovário, que assegura
sua aproximação da superfície do ovário (Figura 12). A ampola, que corresponde
a cerca da metade do comprimento do oviduto, funde-se com a porção contrita
conhecida como istmo, que está conectado diretamente ao útero.
Figura 10: Principais segmentos do oviduto. AIJ, junção ampola-istmo; UTJ, junção útero-tubárica. Na UTJ, tem-se várias camadas musculares em diferentes disposi-ções para facilitar o peristaltismo e anti-peristaltismo no transporte de gametas e embriões. Fonte: HAFEZ e HAFEZ (2004).
Figura 11: Anatomia do ovário e ovidutos. A, ampola; F, fímbrias; In, infundíbulo; I, istmo; M.o., mesovário; O, ovário; A.o., artéria ovariana; B.o., bolsa ovárica; U, útero. Fonte: HAFEZ e HAFEZ (2004).
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
29O portal do agroconhecimento
FIGURA 12: Contração das fímbrias em relação à superfície ovariana, um meca-nismo pelo qual os óvulos são captados pelo infundíbulo. FONTE: HAFEZ e HAFEZ (2004).
Os ovidutos são responsáveis pelo transporte do óvulo e sua desnudação até o
sítio de fertilização e transporte do embrião formado para o útero por meio de
ligamentos, musculatura lisa, células ciliadas (peristaltismo) e não ciliadas (secre-
ção de fluidos, hormônios etc.) (Figura 13). Estes fluidos secretados apresentam
as funções de capacitação e a hiperativação do espermatozoide, a fertilização e
o desenvolvimento precoce do embrião na pré-implantação.
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30 IEPEC
Figura 13: Células ciliadas (à direita). Células secretoras não-cicliadas (à esquerda) mostrando biossíntese, empacotamento, estocagem, liberação e distribuição do material secretório, que é o principal componente do fluido luminal no oviduto e útero. Fonte: HAFEZ e HAFEZ (2004).
1.2.2.3. Útero
O útero é composto de dois cornos uterinos (cornuado), um corpo e uma cérvix
(colo). A proporção relativa de cada parte, assim como o formato e a disposição
dos cornos, varia entre as espécies. Na vaca, na ovelha e na égua, um útero
bipartido é típico (Figura 14). Esses animais apresentam um septo que separa os
dois cornos de um proeminente corpo uterino. Nos ruminantes, o epitélio uterino
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
31O portal do agroconhecimento
apresenta diversas carúnculas. Ambas as margens uterinas são unidas à parede
pélvica e abdominal pelo ligamento largo.
O endométrio e seus fluidos têm grande relevância no processo reprodutivo. O
útero apresenta uma série de funções: a) transporte dos espermatozoides do
até o local de fertilização; b) regulação da função do corpo lúteo; c) início da
implantação, gestação e parto.
Figura 14. Suprimento sanguíneo no trato reprodutivo da vaca. As artérias são mostradas à direita e as veias, à esquerda. 1, artéria ovariana; 1’, ramo uterino; 2, artéria uterina; 3, artéria vaginal; 4, veia ovariana; 5, veia uterina; 6, veia vaginal. Fonte: HAFEZ e HAFEZ (2004).
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32 IEPEC
1.2.2.3.1. Glândulas endometriais e fluido uterino
As glândulas endometriais são estruturas tubulares ramificadas e espiraladas,
forradas por epitélio colunar. Nos ruminantes, elas se abrem na superfície do
endométrio, exceto nas áreas carunculares. As glândulas apresentam-se relativa-
mente retas durante um estro, e crescem, secretam e tornam-se mais espiraladas
e complexas à medida que aumenta o nível de progesterona produzido pelo CL
em desenvolvimento. Elas começam a regredir quando são notados também os
primeiros sinais de regressão luteínica. As células epiteliais do endométrio ficam
relativamente altas e passam por um período de secreção ativa durante o estro,
tornando-se baixas e cuboides 2 dias após esse período.
O volume e a composição bioquímica do fluido uterino mostram variações signi-
ficativas durante o ciclo estral. Geralmente, há maior quantidade de fluido ute-
rino durante o estro. O fluido endometrial contém proteínas séricas e pequenas
quantidades de proteínas uteroespecíficas. Na coelha, uma proteína denominada
blastoquinina (uteroglobulina) pode influenciar a formação de blastocisto a partir
de mórula. Secreções uterinas fornecem um ambiente favorável para a sobrevi-
vência e a capacitação espermática, bem como para a clivagem no blastocisto
jovem antes da implantação.
Durante o ciclo estral, a frequência das contrações do miométrio atinge seu grau
máximo durante e imediatamente após o estro. Durante o estro, as contrações
uterinas originam-se da porção caudal do trato reprodutivo e são mais predo-
minantes nos ovidutos. Durante a fase luteínica, a frequência das contrações é
reduzida e somente uma pequena porcentagem move-se em direção ao oviduto.
O estradiol aumenta a frequência das contrações uterinas, por outro lado, a pro-
gesterona reduz essa frequência.
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
33O portal do agroconhecimento
1.2.2.4. Cérvix
A cérvix é uma estrutura semelhante a um esfíncter, que se projeta caudalmente
na vagina (Figura 15). Ela é um órgão fibroso composto predominantemente por
tecido conjuntivo com pequenas quantidades de tecido muscular liso, caracteri-
zada por uma espessa parede e por um lúmen constrito. Embora haja diferenças
de detalhes na cérvix dos mamíferos domésticos, o canal cervical é caracterizado
por várias proeminências. Nos ruminantes, a cérvix possui o formato transverso e
espiralado, com saliências fixas denominadas anéis, que apresentam vários graus
de desenvolvimento nas diferentes espécies. São especialmente proeminentes
na vaca, geralmente com a presença de 4 anéis cervicais.
No processo reprodutivo, a cérvix apresenta várias funções: a) facilita o transporte
espermático através do muco cervical para o interior do útero; b) atua como reser-
vatório de espermatozoides; c) pode tomar parte na seleção de espermatozoides
viáveis, impedindo a passagem de células espermáticas inviáveis e defeituosas
(Figura 15).
Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)em Bovinos Leiteiros
34 IEPEC
Figura 15: Esquema anatômico e funcional da cérvix bovina. Fonte: HAFEZ e HAFEZ
(2004).
A cérvix permanece compactamente fechada, exceto durante o estro, quando
relaxa levemente, permitindo a entrada dos espermatozoides no útero. O muco
que sai da cérvix é expelido pela vulva.
O muco cervical consiste de macromoléculas de mucina, de origem epitelial, que
são compostas de glicoproteínas (particularmente do tipo sialomucina) contendo
25 % de aminoácidos e 75 % de carboidratos.
As modificações cíclicas qualitativas do muco cervical durante o ciclo estral e as
variações cíclicas na disposição e na viscosidade das macromoléculas provocam
alterações periódicas na penetrabilidade dos espermatozoides no canal cervical.
As alterações mais favoráveis nas propriedades do muco cervical – como aumento
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
35O portal do agroconhecimento
na quantidade, viscosidade, cristalização e pH, assim como diminuição da viscosi-
dade e do conteúdo celular – ocorrem durante o estro e a ovulação, e se invertem
durante a fase luteínica, quando a penetração dos espermatozoides na cérvix é
inibida. Sob a influência dos estrógenos, as macromoléculas de glicoproteínas do
muco ficam de tal modo orientadas que o espaço entre elas mede de 2 a 5 µm.
Na fase luteínica, os espaços da rede de macromoléculas tornam-se cada vez
menores. Assim, durante o estro e a ovulação, o grande tamanho das malhas
permite o transporte de espermatozoides através da rede de filamentos e do
canal cervical.
1.2.2.5. Vagina
A parede vaginal consiste de uma superfície epitelial, de uma camada muscular e
de uma serosa. A camada muscular da vagina não é tão bem desenvolvida como
as partes externas do útero. Ela consiste de uma espessa camada circular interna
e de uma fina camada longitudinal externa; esta última estende-se por certa
distância para dentro do útero. A túnica muscular é suprida por vasos sanguíneos,
feixes nervosos, grupos de células nervosas e tecido conjuntivo denso e frouxo.
Existem diferenças interespecíficas nas alterações vaginais durante o ciclo estral
que se refletem, provavelmente, em diferentes níveis de secreção de estrógeno,
progesterona e gonadotrofinas. No entanto, quando utilizados isoladamente, os
esfregaços vaginais não são seguros para o diagnóstico das fases do ciclo estral
ou de disfunções hormonais.
As funções da vagina na reprodução são múltiplas. É um órgão copulatório onde
o sêmen é depositado e coagulado até que os espermatozoides sejam transpor-
tados através das macromoléculas da coluna de muco cervical. A vagina, dilatada
com um bulbo, atua como reservatório de sêmen para fornecer espermatozoides
Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)em Bovinos Leiteiros
36 IEPEC
aos depósitos cervicais. As dobras vaginais e a estrutura muscular de forma rom-
boide permitem a distensão da vagina durante o acasalamento e o parto. Embora
a vagina não possua glândulas, suas paredes são umedecidas por transudatos
do epitélio do epitélio vaginal (incorretamente chamado de mucosa), por muco
cervical e por secreções endometriais.
Após a ejaculação, o plasma seminal não é transportado para o útero, a maior
parte é expelida ou absorvida pelas paredes vaginais. Alguns dos componentes
bioquímicos do plasma seminal, quando absorvidos pela vagina, exercem respos-
tas fisiológicas em outras partes do sistema reprodutivo feminino.
O pH da secreção vaginal não é favorável aos espermatozoides. Uma complexa
interação do muco cervical, da secreção vaginal e do plasma seminal induz um
sistema de tampão que protege os espermatozoides até que eles sejam trans-
portados através das micelas do muco cervical. Condições patológicas que resul-
tem em tampões insuficientes ao acúmulo seminal (como pequeno volume de
ejaculado, porções escassas de muco cervical espesso e escoamento de sêmen)
podem ocasionar rápida imobilização dos espermatozoides. A vagina serve como
um ducto excretor das secreções cervicais, endometriais e tubáricas, bem como
de via natural durante o parto. Essas funções são cumpridas por várias caracte-
rísticas fisiológicas, principalmente contração, expansão, inovulação, secreção e
absorção.
1.2.2.5.1. Respostas fisiológicas
As contrações vaginais representam um importante papel nas respostas psicos-
sexuais e possivelmente no transporte espermático. A contração da vagina, do
útero e do oviduto é ativada pelo fluido secretado na vagina durante o estímulo
pré-coital.
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
37O portal do agroconhecimento
Quanto a sua resposta imunológica, parece que a vagina é o melhor local para
a reação antígeno-anticorpo por estar mais exposta ao antígeno espermático do
que o útero e ovidutos. A produção local de anticorpos aos antígenos espermá-
ticos pode ocorrer dentro dos tecidos vaginais.
O fluido vaginal é composto primariamente por transudato da parede vaginal,
misturado com secreções vulvares das glândulas sebáceas e sudoríparas e conta-
minado com muco cervical, fluido endometrial e tubárico e células esfoliadas do
epitélio vaginal. À medida que se aproxima do estro, aumenta a vascularização
da parede vaginal e o fluido vaginal torna-se mais fino.
Um odor específico e distinto é percebido no trato urogenital de vacas durante
o estro. Durante o diestro, esse odor aparentemente desaparece ou é bastante
atenuado. Cães podem ser treinados para detectar e responder a esses odores
associados com o cio em bovinos.
A flora microbiana vaginal é composta de uma mistura dinâmica de microrganis-
mos aeróbicos, sendo constantemente introduzidas novas linhagens. Esta flora
microbiana é variável durante o ciclo vital e várias de suas populações apresen-
tam enzimas que lhes permitem sobreviver e multiplicar-se no ambiente vaginal.
1.2.3. Genitália externa
1.2.3.1. Vestíbulo
A junção entre a vagina e o vestíbulo é marcada pelo orifício uretral e frequen-
temente por uma saliência (o hímen vestigial). Em certas vacas, o hímen é tão
proeminente que interfere na cópula.
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38 IEPEC
O vestíbulo da vaca estende-se internamente por aproximadamente 10 cm, onde
o orifício uretral externo se abre em sua superfície ventral. Os ductos de Garner
(resquícios dos ductos de Wolff) abrem-se no vestíbulo caudal. As glândulas
de Bartholin, que secretam líquido viscoso, mais ativamente durante o estro,
apresentam estrutura tuboalveolar similar às glândulas bulbouretrais no macho.
1.2.3.2. Lábios vulvares (maiores e menores)
O tegumento dos lábios maiores é ricamente dotado de glândulas sebáceas e
tubulares. Ele contém depósitos de gordura, tecido elástico e uma camada fina
de músculo liso, apresentando a mesma estrutura superficial externa da pele. Os
lábios menores têm um tecido conjuntivo esponjoso no centro.
1.2.3.3. Clitóris
A comissura ventral do vestíbulo encobre o clitóris, que tem a mesma origem
embrionária do pênis. Ele é composto de tecido erétil, coberto por um epitélio es-
camoso e estratificado, sendo bem suprido por terminações nervosas sensitivas.
Na vaca, a maior parte do clitóris está oculta na mucosa do vestíbulo.
Capítulo 1Anatomia e hormônios reprodutivos da fêmea bovina
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Material Complementar
Brasil Projeções do Agronegócio 2010/2011 a 2020/2021.
capitulo-1-arquivo-1.pdf
Importação, exportação e comercialização de sêmen.
capitulo-1-arquivo-2.pdf
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