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CAMPUS JOSÉ SANTILLI SOBRINHO
Coordenadoria de Jornalismo
Gleiciane de Gesso
O DIFERENCIAL NA CRÔNICA DE CARLOS HEITOR CONY
ASSIS
Novembro 2009
FICHA CATALOGRÁFICA
GESSO, Gleiciane O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony / Gleiciane Gesso. Fundação Educacional do Município de Assis – Fema : Assis, 2009 74p. Trabalho de Conclusão de Curso ( TCC ) – Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo – Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis 1.Crônica. 2. Leitura. 3. Educação. 4. Leitor CDD: 070 Biblioteca da FEMA
CAMPUS JOSÉ SANTILLI SOBRINHO
Coordenadoria de Jornalismo
O DIFERENCIAL NA CRÔNICA DE CARLOS HEITOR CONY
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis (IMESA), como requisito parcial para aprovação no curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. Aluna: Gleiciane de Gesso Orientadora: Professora Mestra Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira.
ASSIS
Novembro 2009
Agradecimentos
Agradeço a Deus, primeiramente, por ter me dado saúde, paz e discernimento.
A todos os professores e mestres desta instituição que, com carinho e atenção, me
passaram sabedoria. Em especial, ao Professor Eduardo Reis que aprimorou minha paixão
por jornalismo literário, aperfeiçoando a minha capacidade.
À Professora Mestra e Doutoranda Eliane Galvão que despertou meu interesse em
buscar os melhores resultados, o meu agradecimento especial pela dedicação, competência e
amizade com que me acompanhou em todas as etapas deste trabalho.
A todos os meus colegas de curso, em especial, as amigas: Aline, Conceição e Denise,
parceiras e protagonistas de incertezas e conquistas.
Aos amigos de longas datas que me apoiaram desde a escolha do curso até a
conclusão dele, provando ser possível alcançar esse sonho que se torna realidade.
A todos do Programa Escola da Família que me ajudaram nessa caminhada,
principalmente, a Marli e o Rafael, que serviram de ombro amigo nesta conquista.
Aos meus padrinhos que além de apoio pessoal, caminharam ao meu lado em todas as
horas de alegria e ardor.
Aos meus amados e queridos pais que, na sua simplicidade, me ensinaram a
importância do respeito ao próximo e me apoiaram desde o primeiro instante.
Aos meus Irmãos que me ajudaram a refletir com cautela em cada passo dado.
Às minhas avós, tias, tios e primos que não me deixaram desanimar. Em especial, ao
meu avô, Augusto, que, mesmo sem estar presente, foi fundamental para minha existência,
tornando-se, hoje, o meu exemplo de humildade e integridade.
E, em especial, à Gabriela, minha filha, que, na mais pura inocência de seu primeiro
aninho de vida, me mostrou o real sentido de amar, aperfeiçoando a inconstante mistura de
aprendizado e crescimento. E como aprendi com ela.
Dedicatória
À minha filha.
Aos meus pais e irmãos.
Aos apaixonados por Cony
Ao mundo irônico que Deus criou
Para os cronistas de plantão.
CAMPUS JOSÉ SANTILLI SOBRINHO
Coordenadoria de Jornalismo
Gleiciane Gesso
O DIFERENCIAL NA CRÔNICA DE CARLOS HEITOR CONY
______________________________ _______________________________
Eduardo Henrique Américo dos Reis Alcioni Galdino Vieira
______________________________
Eliane Ap. Galvão Ribeiro Ferreira
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 7
Resumo
O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por objetivo analisar crônicas
produzidas por Carlos Heitor Cony que foram, sob a forma de coletânea, recolhidas em
livros. Pretende-se observar se este tipo de texto é atraente para o jovem leitor. Para
tanto, desenvolveu-se uma pesquisa de campo com jovens alunos do ensino médio,
visando detectar se possuíam o hábito da leitura, sobretudo, de crônicas. Ainda objetivou-
se refletir e diagnosticar o porquê desses jovens lerem esse gênero e quais elementos
classificavam como mais atraentes nas narrativas.
Palavras-chave: crônica, leitura, educação, leitor.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 8
Abstract
This work of conclusion‟s course is to analyze chronicles produced by Carlos Heitor
Cony that were in the form of collection and collected in books. It is intended to observe
if this type of text is attractive for the young reader. To do so, has developed a field
research with students of high school, to detect the habit of reading, especially of chronic.
Although it was aimed to reflect and diagnose why these young people read this genus
and which are categorized as more attractive in the narratives.
Keywords: chronic, reading, education, reader.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 9
Tenho por norma achar que a
verdade é uma questão
de opinião e não de informação.
Pilatos perguntou a Cristo
o que era a verdade – e
olha que perguntava a quem
se declarava a própria Verdade.
Não teve resposta.
Mesmo assim, tomou
as providências necessárias.
Opinião X informação –
Carlos Heitor Cony
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 10
Lista de tabelas
Tabela l – Idade dos entrevistados................................................................................41
Tabela ll – Os motivos que levam os alunos a ler.........................................................42
Tabela lll – O que os entrevistados mais leem..............................................................43
Tabela lV – Os gêneros mais interessantes..................................................................44
Tabela V – Leitura da Folha de São Paulo....................................................................45
Tabela Vl – Caderno da Folha mais lido........................................................................46
Tabela Vll – Conceitos de crônica.................................................................................47
Tabela Vlll – Leitura de crônicas na Folha.....................................................................48
Tabela lX – Escritor mais lido na Folha..........................................................................49
Tabela X – As crônicas mais lidas de Cony...................................................................50
Tabela Xl – Opinião sobre as obras de Cony................................................................52
Tabela Xll – A crônica mais atraente entre as mencionadas.........................................53
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 11
Lista de gráficos
Gráfico l – Idade dos entrevistados...............................................................................41
Gráfico ll – Os motivos que levam os alunos a ler........................................................42
Gráfico lll – O que os entrevistados mais leem.............................................................43
Gráfico lV – Os gêneros mais interessantes.................................................................44
Gráfico V – Leitura da Folha de São Paulo...................................................................45
Gráfico Vl – Caderno da Folha mais lido.......................................................................46
Gráfico Vll – Conceitos de crônica................................................................................48
Gráfico Vlll – Leitura de crônicas na Folha...................................................................49
Gráfico lX – Escritor mais lido na Folha........................................................................50
Gráfico X – As crônicas mais lidas de Cony..................................................................51
Gráfico Xl – Opinião sobre as obras de Cony...............................................................52
Gráfico Xll – A crônica mais atraente entre as mencionadas........................................54
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 12
SUMÁRIO
Introdução.....................................................................................................................14
Capitulo I
A Crônica em suas origens
1. Breve história da crônica..........................................................................................18
1.1 A crônica no Brasil .............................................................................................19
1.2 A crônica e o jornalismo......................................................................................20
1.3. A diferença da crônica brasileira........................................................................22
2. Os grandes cronistas brasileiros..............................................................................24
3. A crônica e a formação do leitor..............................................................................25
3.1. A importância da biblioteca...............................................................................27
Capítulo Il
O autor em questão
1. Sua trajetória............................................................................................................. 30
1.1. Cony e a crônica.............................................................................................. 31
1.2. Cony e a política.............................................................................................. 33
1.3. Cony e a reflexão lírica.................................................................................... 36
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 13
Capítulo lll
A pesquisa
1. Resultados da pesquisa...........................................................................................41
2. O projeto: “Crônica na sala de aula.........................................................................56
Capítulo lV
A análise
1. Analisando a crônica “Romance da moça”..............................................................59
Conclusão.....................................................................................................................62
Referências bibliográficas...........................................................................................65
Referências Eletrônicas...............................................................................................66
Anexos...........................................................................................................................67
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 14
Introdução
Vinda do gênero literário, a crônica, produzida principalmente para veiculação na
imprensa, tornou-se uma seção da revista ou do jornal. Esse gênero tem como finalidade
própria a utilidade pré-determinada de agradar aos leitores dentro de um mesmo espaço e
estabelecer uma familiaridade entre o escritor e o ledor.
Publicada pela primeira vez no Jornal de Débatis, Paris, em 1799, a crônica surge
na forma de literatura produzida inicialmente por poetas e ficcionistas, transformando
fatos do dia-a-dia em fantasia.
A palavra crônica possui inúmeros significados, “todos, porém, implicam a noção
de tempo, presente no próprio termo, que procede do grego chronos.” (ARRIGUCCi,
1987, p.51). Tem a aparência de um texto curto e narrado em primeira pessoa com o
propósito de afunilar o vínculo de seu autor e fazer com que o mesmo “dialogue” com seu
leitor, apresentando uma visão mais pessoal do assunto, ou seja, a visão do cronista ao
relatar determinado tema.
No Brasil, o gênero crônica foi desenvolvido por grandes escritores como Carlos
Drummond de Andrade e Machado de Assis. Há, ainda, outros que se especializaram
nessa forma de narratividade e passaram a ser conhecidos como cronistas, entre eles
estão: Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Raquel de Queirós, Rubem Braga entre
outros.
O cronista utiliza-se de fatos e acontecimentos diários, dando-lhe um toque próprio,
envolvendo fantasia, ficção e criticismo, diferenciando assim, a crônica do texto
informativo dos repórteres. Sendo assim, segundo Jorge de Sá: uma crônica atinge o
nível de arte literária somente quando consegue superar os limites da transitoriedade
própria da notícia, colhendo o universal dentro do particular. (SÁ, 2002).
O objetivo deste trabalho é abordar a crônica como arte que supera os limites de
transitoriedade próprios do jornal, ou seja, a crônica recolhida em livro. Para tanto,
escolhemos a produção do escritor e jornalista Carlos Heitor Cony. Justifica-se essa
escolha, pois parte-se do pressuposto de que Cony atribui qualidades literárias aos seus
textos, graças à sua fantástica capacidade de abordar de forma poética fatos corriqueiros
do cotidiano.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 15
A crônica nasceu nos jornais, possui a mesma brevidade deste veículo, pois trata de
fatos cotidianos. Contudo, vale indagar: pode este gênero narrativo sobreviver à
efemeridade do jornal? Quando consegue suplantá-lo a que se deve esse feito?
As crônicas de Carlos Heitor Cony sobreviveram ao jornal e foram, ao longo de
vários anos, recolhidas em livros. Faz-se necessário, então, indagar sobre o porquê dessa
sobrevivência. Será que ela se deve ao fato de possuírem qualidades literárias que as
posicionam como capazes de se comunicarem com seus leitores mesmo depois de muito
tempo que já foram publicadas? Ou apenas constituem coletâneas organizadas para a
venda?
O trabalho tem por objetivo analisar crônicas produzidas por Carlos Heitor Cony que
foram, sob a forma de coletânea, recolhidas em livros. Durante as análises, pretendeu-se
observar se este tipo de texto era atraente para o jovem leitor. Para tanto, desenvolveu-se
uma pesquisa de campo com os alunos do ensino médio na Escola Estadual Maurício
Milani, da cidade de Echaporã (SP), visando detectar se possuíam o hábito da leitura,
sobretudo, de crônicas. Entre os que possuíam, buscou-se diagnosticar por que leem
esse gênero e quais elementos classificam como atraentes nele.
Mais especificamente, objetivou-se analisar as crônicas que perpetuaram no tempo
e, justamente por isso, foram recolhidas em livros. Para tanto, fez-se uso de suportes
teóricos sobre os elementos do discurso jornalístico e literário. As análises foram voltadas
para as crônicas de Carlos Heitor Cony.
Justifica-se a reflexão sobre o gênero crônica, uma vez que, próprio da área
jornalística, este tipo de narrativa consegue surpreender seus leitores, levá-los à reflexão
e, por isso, emancipá-los, por meio da ampliação de seus horizontes de expectativa.
A crônica, enquanto narrativa, foge de categorizações, enquanto produção híbrida
permite ao estudante de Comunicação Social refletir sobre as formas, por meio das quais
se efetivam neste texto a dialogia entre linguagem literária e jornalística.
Como trabalho em campo, foram realizadas também, com alunos do ensino médio
da Escola Estadual Mauricio Milani, leituras reflexivas das crônicas de jornal. Para tanto,
foram eleitas crônicas pertencentes aos livros: “Da arte de falar mal” e “O Harém das
Bananeiras”, de Carlos Heitor Cony.
Através de levantamentos bibliográficos, do uso de suportes teóricos sobre os
elementos do discurso literário e jornalístico, analisou-se as crônicas eternizadas no
tempo, apontadas pelos sujeitos da pesquisa como as mais atraentes.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 16
Para a consecução de seus objetivos, este trabalho estrutura-se em quatro capítulos.
No primeiro, apresentamos a crônica, sua origem e desenvolvimento, fazendo assim, uma
breve comparação do gênero com o jornalismo e seus grandes escritores. No segundo,
realizamos um sucinto levantamento da vida e obra do autor em questão, Carlos Heitor
Cony. No terceiro, expomos os dados referentes à pesquisa de campo realizada com os
alunos da E. E. Mauricio Milani. No quarto capítulo, apresentamos a análise de uma
crônica de Cony, eleita como a mais atraente pelos sujeitos da pesquisa. Enfim, todos os
capítulos se completam e constituem um todo que culmina na conclusão. As referências
bibliográficas dispostas ao final do trabalho evitam as recorrências contínuas às notas de
rodapé.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 17
CAPÍTULO l
A Crônica em suas origens
(Fotos: Gleicy Gesso)
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 18
1. Breve história da crônica
Conforme Elaine G. Dias:
A crônica trata dos mais variados assuntos, não importando tempo, espaço ou personagem. Na efemeridade das páginas de um jornal ou na eternidade de uma página de livro, ela está sempre ensinando alguma coisa, fazendo o leitor refletir, prestar atenção naquilo que, a princípio, parecia menor; apresentando uma realidade recriada. (DIAS, 2009).
Considerado gênero “Menor” pela crítica literária, a crônica vem tomando seu
espaço e comprovando que este título é completamente equivocado. Arrigucci (1987,
p.51-2) lembra que a crônica está relacionada com o tempo, “de onde tira, como memória
escrita, sua matéria principal, o que fica do vivido – uma definição que se poderia aplicar
igualmente ao discurso da História, a que um dia ela deu lugar.”
O gênero crônica passa, então, por diversas transformações ao longo dos séculos.
Esse termo crônica, na época de Caminha, está relacionado à narrativa de
acontecimentos históricos. Já na Idade Média e no Renascimento, passa a ser utilizado
em toda a Europa. No século XVlll, o termo crônica começa a ser substituído por história,
parte do conhecimento que registra os acontecimentos e sua interpretação.
Os primeiros adeptos do gênero foram os ingleses Joseph Addison e Richard
Steele, com a criação do semanário The Tatler, em 1709 (In:
<http://geocities.yahoo.com.br/veluhdias/generoensaistico>, 2009). As crônicas típicas da
época eram os pequenos textos e artigos políticos e literários, que refletiam os gostos e
costumes morais do leitor burguês. Tamanho foi o sucesso que os escritores deram
continuidade a publicações da mesma espécie disseminando, assim, o gênero por vários
outros países da Europa.
O Journal des Débats, em Paris, deu início à sua publicação diária no ano de 1799,
mas foi em 1836 que a crônica teve o seu auge na cidade com a fundação do La Presse,
um jornal mais popular (por ser mais barato).
Em seguida, foi a vez de Viena com a produção dos folhetins, chamados de
feuilleton pelos parisienses ajudando na divulgação deste estilo de escrita.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 19
A primeira página inteira dedicada à crônica surgiu no fim do século XIX, nos
jornais italianos, tendo o cronista Edoardo Scarfoglio, como um de seus principais
escritores. É ainda neste século que o gênero chega ao Brasil e Portugal.
Nos dias atuais, encontramos inúmeras classificações para o gênero Crônica.
Dentre elas, está a Crônica geral, a Crônica local, especializada, analítica, sentimental,
narrativa, metafísica, entre outras.
Já Luis Fernando Veríssimo divide a crônica em: crônica, croniqueta, cronicão,
cronicaço:
Crônica é qualquer crônica, ou uma crônica qualquer. Croniqueta é o nome
científico da crônica curta, como pode parecer. (...) Cronicão é a crônica grande,
substanciosa, com parágrafos gordos. (...) Grande crônica é o cronicaço. O
cronicaço é consagrador. Seu autor sai na rua e deixa um rastro de cochichos –
É ele, é ele. (Apud VERÍSSIMO, 2003, p. 159).
Seja lá qual gênero cada autor atribua à sua crônica, a sua intenção será sempre a
mesma, a de fazer-se explodir e acordar as pessoas para o que acontece ao seu redor.
1.1. A crônica no Brasil
O nascimento da crônica é considerado por alguns autores sem uma data certa,
Machado de Assis (apud MACHADO, 1994, p.3-15) cita que existe antes de Esdras, antes
de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, e até antes mesmo de Noé. Outros citam o
fato de que a primeira crônica brasileira é a Carta de Pero Vaz de Caminha, o escrivão da
armada de Pedro Álvares Cabral que relata ao Rei D. Manuel os acontecimentos da
descoberta do Brasil. Pode-se notar pelo relato do cotidiano, observado por Caminha, que
seu relato contamina de subjetividade aquilo que descreve, rompendo, dessa forma, com
o texto frio e descritivo, próprio dos relatórios e inaugurando o gênero crônica:
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 20
(...) Estavam na praia, quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar lenha e metê-las nos batéis. E lutavam com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que faziam do que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer. (apud CAMINHA, 1963, p.19)
No Brasil e em Portugal, é a partir do século XlX que a crônica passa a ter
significação como texto literário. O ano fixado na historiografia literária é de 1852 para o
nascimento da crônica brasileira, no Rio de Janeiro. Considerada como iniciada por
Francisco Otaviano na coluna “A Semana”, no Jornal do Comércio.
Jorge de Sá (2002) classifica a palavra crônica, como proveniente do termo grego
Kronos, “tempo”, em duas categorias: a crônica científica e a literária. A primeira divide-se
em: crônica histórica (fatos arranjados conforme o tempo); crônica policial (registra a
ocorrência de fatos criminosos); crônica social (coloca em evidência a vida das pessoas
ilustres); crônica esportiva (comenta os esportes em geral) e a crônica de arte (critica os
eventos culturais). A crônica literária, por sua vez, é produzida por poetas e ficcionistas
que transformam a notícia do dia-a-dia em contos que pendem do gênero lírico ao gênero
narrativo.
1.2. A crônica e o jornalismo
A principal co-relação de crônica e jornalismo se dá por conta de sua divulgação que,
por excelência, vem a ser por meio dos jornais. Se na França a causa de sua propagação
foram as inovações tecnológicas mais baratas, isso fez com que houvesse uma facilitação
da produção em larga escala, surgindo, então, o folhetim. A função desse folhetim é a de
apresentar piadas, charadas, receitas, críticas de peças teatrais e livros, enfim, histórias
curtas que levassem ao entretenimento do público. Isso é que veio a transformar-se nas
crônicas que conhecemos no presente.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 21
Na coluna A Semana, de Francisco Otaviano no Rio de Janeiro, o Jornal do
Comércio data, em 1952, o nascimento da crônica brasileira. Os então folhetinistas da
época dividiam seus feitos entre romances ou capítulos e as crônicas.
Os escritores dessa época, não tinham como sustentar-se com a literatura,
recorrendo, assim, à imprensa para a própria sobrevivência.
Alastra-se, nesse período, então, a divulgação do gênero em jornais e revistas, já
que suas tiragens são mais baratas do que nos livros. Com isso, é possível afirmar “que o
jornal tem papel significativo no processo de profissionalização do escritor brasileiro”.
(BIGNOTTO; JAFFE, 2004, p.33).
O folhetim é impresso no espaço mais simples e mais barato do jornal, ou seja, fica
na parte inferior das páginas e, por esse motivo, a crônica é considerada um gênero
menor logo no seu aparecimento nos jornais. Porém, a forma com que os escritores usam
para informar e comentar os assuntos mais circunstâncias do dia-a-dia, fazem um grande
sucesso com o público que adora a novidade.
Da França, o folhetim se espalha para o mundo todo e tem seu modelo adotado por
vários paises, entre eles o Brasil.
Machado de Assis em 1959 comenta a novidade na crônica O Folhetinista:
(...) o folhetim nasceu do jornal, o folhetinista por consequência do jornalista. Esta última afinidade é que desenha as saliências fisionômicas na moderna criação. O folhetinista é a fusão admirável do útil e do fútil, o parto curioso e singular do sério consorciado com o frívolo. (...) Efeito estranho é este, assim produzido pela afinidade assinalada entre o jornalista e o folhetinista. Daquele cai sobre este a luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda. Pelo que toca ao devaneio, á leviandade, está tudo encarnado no folhetinista mesmo; o capital próprio. O folhetinista, na sociedade, ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a política. Assim aquinhoado pode-se dizer que não há entidade mais feliz neste mundo, exceções feitas. Tem a sociedade diante de sua pena, o público para lê-lo, os ociosos para admirá-lo, e a bas-bleus para aplaudi-lo. (apud MACHADO, 1994, p.958).
O cronista herda então do jornalista toda a reflexão, a seriedade e forma
aprofundada da observação do cotidiano. O folhetim-crônica do século XlX é mais longo
que a crônica atual. No folhetim, há uma viagem por todo o tipo de assuntos, abrangendo
assim um número de leitores muito maior.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 22
A crônica histórica é especificamente dirigida a pessoas mais nobres, enquanto a
jornalística busca um público mais amplo, de classes sociais mais variadas.
Essa divulgação da crônica em jornais e revistas tornou e torna mais rápido e mais
fugaz o seu destino na mídia, pois o jornal produzido hoje é descartado no dia seguinte.
Isso faz com que as crônicas de sucesso sejam recolhidas em livros garantindo assim,
sua durabilidade.
Jorge de Sá (2002) cita que a soma de jornalismo e literatura faz da crônica um
relato do narrador-repórter e é divulgada conforme o interesse do proprietário do veículo.
(...) dirige-se a uma classe que tem preferência pelo jornal em que é publicada (só depois é que irá ou não integrar uma coletânea, geralmente organizada pelo próprio cronista), o que significa uma espécie de censura ou, pelo menos, de limitação: a ideologia do veículo corresponde ao interesse dos seus consumidores, direcionados pelos proprietários do periódico e /ou pelos editores-chefes de redação. (SÁ, 2002, p. 8).
Assim como o jornalista, o cronista tem que manter diariamente a qualidade de sua
obra. A concorrência com a notícia de jornal é ter sempre um olhar novo para acrescentar
à formalidade e à neutralidade da mesma.
1.3. A diferença da crônica brasileira
No jornalismo brasileiro, a crônica tem seu estilo próprio e um gênero inteiramente
definido. É através do jeitinho brasileiro que ela evolui e transforma, não encontrando
igual na produção jornalística de outros países.
No jornalismo mundial, está vinculada ao relato cronológico, de narração histórica,
variando de país para país. Enquanto aqui, ela tornou-se o “embrião da reportagem”:
Uma narrativa circunstanciada sobre os fatos observados pelo jornalista num
determinado espaço de tempo. Muitas vezes essas matérias assumiam feição
epistolar, como por exemplo, as Cartas da Inglaterra, de Eça de Queiroz, que
continham a percepção do momento cultural e do país, transmitindo ao leitor de
língua portuguesa a vivência daqueles acontecimentos. Mas também
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 23
correspondem ao que depois chamaríamos no Brasil de Reportagem setorial,
cobertura jornalística de uma determinada instituição ou de uma esfera da
sociedade – crônica legislativa, crônica judiciária, crônica policial, crônica
esportiva, etc. (MELO, 2003, p. 149).
Em meados do século passado, os próprios jornalistas é que nomeavam as notícias
como crônicas, entusiasmados pelo gênero histórico-literário.
Em alguns países, como a França, Espanha e Itália, segundo José Marques de
Melo, o gênero crônica “assume caráter tipicamente informativo, mesclado porém de
elementos valorativos que revelam a percepção pessoal do redator.” Cita ainda, que se
trata de uma “narração direta e imediata de uma notícia com certos elementos valorativos
que sempre devem ser secundários a respeito da narração do fato de si. Procura refletir o
acontecimento entre duas datas.” (MELO, 2003, p. 150).
Esses países dão ênfase à importância dada pelo jornalista-repórter a certos fatos
ocorridos, utilizando-se da crônica como forma mais rápida e eficaz de chegar até o leitor.
Assim sendo, Jose Marques (2003, p.151) explica que “na Itália a crônica aproxima-se
mais do sentido que, no Brasil, atribuímos à reportagem. Na frança, oscila entre
reportagem setorial e nosso colunismo. Na Espanha, combina a notícia e o comentário.”
Já nos países hispano-americanos o jornalismo deixa de lado o estilo original da crônica e
copia a reportagem, segundo os padrões norte-americanos.
O mais próximo do jornalismo brasileiro é o português, no qual os fatos são somente
pretextos para o escritor da crônica, fazendo dela a “associação de ideias, o jogo de
palavras e conceitos, as contraposições”, misturando “o real e o imaginário como forma
de fazer realçar o primeiro” (MELO, p.152).
Outros gêneros parecidos com a crônica brasileira são os chamados action stories
e personal essay (Inglaterra), o primeiro equivale à forma de expressão e o segundo é um
relato poético do real.
Na Alemanha tem a glosa, definida como um breve comentário de fatos do
cotidiano.
Nos Estados unidos, embora seja uma compreensão muito ampla, possuem uma
familiaridade em alguns tipos de feature stories: a human story ou a color story.
Convém ainda, mencionar uma última comparação que demonstra paridade com a
brasileira. Trata-se de uma espécie espanhola que é um relato jornalístico, uma crônica
da vida diária, sendo também chamada de folhetim.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 24
Contudo, é no Brasil e exclusivamente que a crônica tem seu sentido mais amplo e
se consolidou como um gênero “bem nosso, cultivado por um número crescente de
escritores e jornalistas, com os seus rotineiros e os seus mestres.” (MELO, 2003, p. 153-
154).
2. Os grandes cronistas brasileiros
Para Machado de Assis:
Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica. (apud MACHADO, 1994, p.3).
Como se pode ver, Machado alerta para o fato de que a origem de uma crônica pode
ser trivial, mas o trabalho do escritor, ao contrário, profícuo, inteligente, e muitas vezes
irônico.
Entre os cronistas mais citados do século XIX, podemos destacar: Machado de
Assis, José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo e Raul Pompeia (considerados
Folhetinistas).
Os autores da época do folhetim traziam à tona um estilo marcado pelo romantismo,
fazendo dele a graça e o modo de falar de tudo, mas deixando sempre algo às
escondidas numa linguagem mais lúdica.
Nesse primeiro momento, a crônica tem um ar de novidade, um aprendizado que
misturava história do passado, a influência da burguesia europeia e a observação própria
do autor.
Os jovens escritores aprendiam a tratar com eventos de todo tipo:
convulsões de ministério e fofocas de alcova, a grande e a pequena historia, tudo de cambulhada, como se costumava dizer. E logo essa matéria mista e palpitante reaparecia trabalhada numa forma nova, sem cânon preciso, dada à paródia e à autocrítica, posta em contínuo contato com o presente e flexível a toda sorte de
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 25
transformações – uma forma agora nitidamente ficcional, capaz de ressurgir muitas vezes na própria imprensa, metamorfoseada em romance de folhetim. (ARRIGUCCI, 1987, p. 58).
Devemos lembrar também os grandes cronistas ligados à literatura como Olavo
Bilac, Mário e Oswald Andrade, Manoel Bandeira, Alcântara Machado, Carlos Drummond,
Vinícius de Moraes e as mulheres Eneida e Raquel de Queiroz que realizaram produções
no gênero. Como se vê, são autores completamente diferentes, porém ligados ao mundo
expressivo da crônica.
Segundo Arrigucci (1987), Machado de Assis é o escritor que “corta” esse estilo
romancista e passa a enxergar a crônica brasileira mais voltada para as minúcias do
habitual. Ele vê uma graça natural no povo, sua exposição da vida social, seus perfis
psicológicos, e seus costumes de cada dia.
No século XX e XXI, temos também excelentes cronistas que se destacaram, tais
como: Clarice Lispector, Mário de Andrade, Ledo Ivo, Marques Rebelo, Rubem Braga,
Inácio de Loyola, Mário Prata, Carlos Heitor Cony, Paulo Mendes Campos e muitos
outros. Esses tornaram o dia-a-dia mais informativo, já que estão mais próximos ainda de
cada assunto, de cada notícia ligada aos jornais. São esses que fazem do noticiário um
gostinho de piada e descontração, um ar mais sério ou mais natural, aproximando o leitor
do tema desejado.
3. A crônica e a formação do leitor
Na afirmação: “Chegamos ao ponto em que temos de educar as pessoas naquilo
que ninguém sabia ontem, e prepará-las para aquilo que ninguém sabe ainda, mas que
alguns terão que saber amanhã. (apud COELHO, 2004, p.9), pode-se notar que Margaret
Mead mostra que a formação do leitor representa um desafio, mesmo para os
educadores. Assim, justifica-se que neste tópico, tratemos da educação do leitor nas
escolas. Segundo Juvenal Zanchetta (2001, p.92), a tendência é tornar o incentivo da
leitura mais fácil, levando em conta o interesse do próprio aluno, criando uma nova vida
com o ato da leitura. Zanchetta cita ainda que:
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 26
Leitura da literatura, na melhor das hipóteses, passou a ser sinônimo de
comprar livros e enviar os alunos à biblioteca da escola. Em outro extremo, a leitura fruitiva exige limites complexos para condução, também devido à falta de referencial de análise mais concreto para a avaliação da leitura: ler em quantidade ou com qualidade? Ler clássicos ou literatura de consumo, quando e como efetuar a passagem de uns para outros? Desencadear a leitura prazerosa ou investir na análise estética e histórica? (ZANCHETTA, 2001, p. 93)
Como se pode perceber, o autor retrata a realidade de que a escola tem como
compromisso para a formação de bons ledores. Ele destaca ainda, que a leitura é uma
experiência individual do aluno, mas pode encontrar no professor um auxílio para a sua
compreensão e expansão sobre o texto.
Tendo, então, como princípio a formação na escola, o aluno passa a ser um
observador da leitura, adquirindo assim, uma característica de leitura mais específica,
melhorando os hábitos, gostos e gêneros diversos.
É ainda na escola, que o aluno passa a conhecer a crônica e pode, então, tornar-se
um apaixonado pelo gênero. Nessa fase, o leitor pode virar um exímio conhecedor dessa
linguagem informal e direta.
Acostumado a ler a Folha de São Paulo, o leitor de Carlos Heitor Cony já se habituou
a encontrá-lo na página dois do primeiro caderno do jornal. Ciente da estrutura da Folha,
ele já sabe que encontrará, nos textos de Cony, uma informação rápida, uma linguagem
figurada, um jogo de palavras e uma boa pitada de ironia.
Essa forma de escrita atrai o ledor que, em inúmeras circunstâncias, busca na
crônica o diferencial para o dia-a-dia da notícia.
O papel de Cony no mundo da crônica é exatamente situar um diálogo direto com o
seu leitor, postando suas ideias e reflexões.
Conforme Maria L. C. V. O. Andrade:
A partir dos comentários do cronista, o leitor passa a refletir também sobre
o papel da imprensa e dos meios de comunicação de modo geral: O que é informar? Qual a pertinência de certas informações? Qual o interesse do público em relação às informações pessoais? (ANDRADE, 2009).)
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 27
Em síntese, a crônica auxilia o leitor a se indagar sobre a própria produção literária,
refletindo sobre a forma como determinada informação, permeada de subjetividade do
escritor-cronista, chega até as suas mãos. Assim, ele desenvolve sua capacidade crítica.
Amplia, ainda, sua visão de mundo e o ajuda a encontrar possíveis saídas para os
problemas habituais (diferente do jornalismo meramente informativo, que só apresenta um
determinado problema).
3.1. A importância da biblioteca
A leitura tem inimigos como a televisão, histórias em quadrinho e até mesmo a
música, destaca-se a importância primordial de atividades que a façam mais dinâmica e
diferenciada. Saber que o gosto pelos livros pode ser conquistado através de práticas de
leitura, pode ajudar ao professor ou responsável a promover visitas constantes à
biblioteca da escola.
Segundo Regina Zilberman (1990, p. 102), para que o aluno possa se interessar
pelos livros é necessário que ele tenha uma repetição do hábito, um “procedimento
automatizado e impessoal como requer a norma industrial”, pois a criança não se
posiciona apenas em face do objeto (livro) que está a sua frente, mas diante do mundo
que ele lhe revela.
A implantação de visitas à biblioteca torna a prática, muitas vezes, automática, ao
invés de uma realidade mais agradável. Zilberman destaca que:
A noção de ruptura é particularmente nevrálgica no que diz respeito à
literatura infantil. Instaura o tipo de vanguarda que ela pode ser, assim como
consolida e reafirma a natureza de seu estatuto singular. Pois, se à criação para a
infância compete contrariar normas em vigor como vem sucedendo às obras de
inclinação modernista, ela só pode fazê-lo se se solidarizar com seu leitor,
endossando a perspectiva deste e dialogando com a percepção que ele tem do
mundo. (ZILBERMAN, 1990, p. 104).
Nesse trecho, percebe-se que é por intervenção da leitura que o seu ledor pode
libertar-se explorando sua visão de mundo, conciliando-a com o que lê.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 28
Temos, então, que o principal fator para a rejeição à leitura é de fato a carência de
um método mais democrático em sala de aula, impedindo até o diálogo entre pessoas e a
reflexão sobre obras.
Eliane A. G. R. Ferreira (2009, p.72) aponta que é necessário o conhecimento dos
professores e profissionais da biblioteca de todas as obras e saber “indicá-las de acordo
com a faixa etária do leitor e com seus interesses.” Cita também a importância de um
repertório cultural amplo e diversificado:
A interação com textos diversos permite ao leitor perceber que a leitura é
uma prática social que remete a outros textos e a outras leituras, ou seja, dialógica
(...). A necessidade de desenvolvimento das negociações de leitura, em sala de
aula e na biblioteca, advém da detecção de que a razão de ser da escola e dos
efeitos sociais não pode se reduzir na vontade de um indivíduo, o professor e/ ou o
profissional da biblioteca, ou na vontade dos alunos. (FERREIRA, 2009, p. 73-74).
Fica claro, no entanto, que no trabalho diário com a leitura o medianeiro deve propor
reflexão acerca de relações entre diversas obras, apresentando assim, outras leituras
subsequentes na ampliação do mundo literário dos alunos.
Faz-se, desse modo, necessário o uso devido da biblioteca intermediado por um
responsável para que o leitor crie o hábito da leitura e crie sua própria visão de mundo
refletida em variados estilos e autores.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 29
CAPÍTULO Il
O autor em questão
(Fonte 1 In: <http://www.new.divirta-se.uai.com.br/arquivos/uai_noticia/20090414120024179.jpg>, 2009)
(Fonte 2 In: <http://www.orelhadolivro.com.br/wp-content/uploads/2009/08/carlos-heitor-cony.jpg> ,2009) (Fonte 3 In: <http://1.bp.blogspot.com/_RLuOb0Nw5Hs/SoA4neChbZI/AAAAAAAAAPQ/46XQLtKeWy8/s400/cony.jpg>, 2009)
(Fonte 4 In: http://www.objetiva.com.br/objetiva/cs/files/images/Cony_web_0.jpg, 2009) (Fonte 5 In: <http://www.itapedigital.com.br/rol/images/stories/carlos_heitor_cony.jpg>, 2009)
Fonte 6 In: <http://geraldofreire.uol.com.br/carlos_heitor_cony>, 2009)
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 30
1. Sua trajetória
Entre as crônicas contemporâneas, elegeu-se para objeto de estudo a produção de
Carlos Heitor Cony.
Membro da Academia Brasileira de Letras, desde 31 de maio de 2000, Cony ocupa a
cadeira de número três, na sucessão de Herberto Sales. Nasceu em 14 de março de
1926, em Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro. É o terceiro de quatro filhos do jornalista
Ernesto Cony Filho e Julieta de Moraes.
Até seus cinco anos de idade era considerado mudo, tendo sua fala descoberta num
grito de pavor ao ver um hidroavião.
A primeira experiência como orador o fez descobrir o quanto era bom com a escrita,
já que tinha uma disfunção que o fazia trocar algumas consoantes, como por exemplo, o
“g” pelo “d”, fazendo-o passar por chacotas dos amigos. Evitando constrangimentos na
escola, seus pais o ensinam a ler e escrever em casa. Foi assim então, que Cony
descobriu-se desenhista das letras.
Compreendeu assim que ali estava o seu destino. Se a língua (presa, dura)
transformava sua fala (falha, frágil) em motivo de chacota, a Língua (culta, bela) desenhada sobre uma página em branco (signo, símbolo) era capaz de abrigá-lo da crueza do mundo.(SANT‟ ANNA et al., 2001, p.5).
No ano de 1938 decide tornar-se padre e vai para o Seminário Arquidiocesano de
São José, em Rio Comprido, no Rio de Janeiro. Três anos depois, passa por uma cirurgia
e resolve seu problema de fala e, em 1945, abandona o seminário. (SANT‟ ANNA et al.,
2001, p.8-9).
Em 1946, ingressou na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil,
atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, e no ano seguinte estreou no Jornal do
Brasil, cobrindo as férias de seu pai. Nesse momento, iniciou a profissão de jornalista e
escritor.
Casou-se com Maria Zélia Machado Velho, em 1949, e teve duas filhas: Regina Celi
e Maria Verônica.
Tornou-se redator da Rádio Jornal do Brasil em 1952. Lançou o seu primeiro livro,
em 1956: O ventre. Este concorreu ao Prêmio “Manuel Antônio de Almeida”, mas não
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 31
ganhou com o discurso de a obra ser forte demais para vencer um concurso oficial. Um
ano depois, escreveu em apenas nove dias: A verdade de cada dia, e venceu o concurso
tão almejado.
Cony escreveu romances, contos, crônicas, ensaios bibliográficos, adaptações de
várias obras em parceria com outros autores. Suas crônicas foram recolhidas nos
seguintes livros: Da arte de falar mal (1963); O ato e o fato (1964); Posto seis (1965); Os
anos mais antigos do passado (1998), O Harém das bananeiras (1999), O suor e a
lágrima (2002) e, por fim, O tudo e o nada (2004).
Conforme Bueno, “Carlos Heitor Cony, que publica ficção desde o final da década
dos 50, é um escritor da modernidade, herdeiro de Machado.” (SANT‟ ANNA et al., 2001,
p.114).
O jornalista e escritor Zuenir Ventura classifica o amigo como muitos Conys em um
só:
Há, como todo mundo sabe, o Cony escritor, o Cony jornalista e o Cony
cronista. Mas há também o Cony seminarista, (...) o Cony casto, o hippie e o careta, o Cony das seis esposas e de um grande amor, o da sua Beatriz, o crente e o descrente que lamenta ter perdido a graça de crer, o militante político e o de saco cheio da política, o recluso e o exposto. O reflexivo e o ativista, o provocador e o quieto. O blasé e o indignado. O cheio de vida e o cheio de melancolia. Se alguns não existem mais, já existiram. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.26).
Fica claro que a produção de Cony sofre grande influência familiar, seja em livros ou
nas crônicas, o autor utiliza-se de acontecimentos rotineiros da própria vida como sua
inspiração.
1.1. Cony e a crônica
Sob o título de “Da arte de falar mal”, foi no ano de 1962 que Cony principiou a
escrever crônicas três vezes por semana no segundo caderno do Correio da Manhã,
revezando com Octavio de Faria. Os dois escreviam assuntos do momento, na maioria
das vezes temas culturais. Ruy Castro descreve Octavio nesse período, como um homem
sincero, compenetrado, mas opaco, enquanto “Cony era brilhante, engraçado, de um
deboche permanente, sem fazer o menor esforço para isso, e sua visão cética, irônica, iria
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 32
marcar muitos garotos predispostos ao ceticismo e à ironia – como eu.” (SANT‟ ANNA et
al., 2001, p.15).
Percebe-se, no entanto, que Cony já iniciou sua carreira de cronista com o pé direito.
Castro afirma, ainda, que o autor até aquele momento era apolítico, pois preferia falar
sobre ciclistas, São Cipriano, num país, segundo ele “politicamente tumultuado”. Sua
primeira crítica mais próxima da política foi à sua maneira quando falou abertamente
sobre o filme Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos. Declarou que largara o filme
aos vinte minutos porque a visão de uma vaca lhe dava tédio. Essa crônica lhe rendeu
muitas críticas, e recebeu o título de “alienado”.
Considerado rápido por muitos, o autor confessa ter medo de deixar um trabalho
para depois por não saber se irá terminá-lo. No caso das crônicas, Cony as escreve em
cinco minutos, segundo ele próprio o “negócio é o seguinte: ou eu faço rápido, ou não
faço nunca.” (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.50).
Nos anos de 1990, mais precisamente em 1993, iniciou sua crônica substituindo Otto
Lara Rezende na Folha de São Paulo. Cercada por expediente, colunistas e charges, as
crônicas do autor tornaram-se reconhecidas.
No site oficial do autor, há uma publicação da Edição número 100 da Revista Cult,
onde Carlos Haag afirma que o leitor inicia a leitura do jornal de baixo para cima.
Classifica o gênero “meio literatura, meio verdade, que é a crônica, antes de entrarmos no
mundo real das noticias, que não tem o mesmo sabor e nos fazem pensar bem menos”
(In: <http://www.carlosheitorcony.com.br>, 2009).
O autor em questão se diz ser um escritor sem contexto, diz que a “crônica é um
gênero tipicamente brasileiro. Em outros países, ela também existe, mas não tem as
nossas características, esse cronista sem assunto, como eu.” (2006 CARLOS HEITOR
CONY, 2009).
Cony completa comparando o gênero a um passageiro de trem, “um passageiro
aleatório que entra porque não tem nem opinião nem informação. O cronista não é
obrigado a ter nem uma nem outra. Desde que escreva bem, ele pode falar sobre o que
quiser”. (2006 CARLOS HEITOR CONY, 2009).
Bem se vê que a ironia e as comparações do dia-a-dia vêm realmente de suas
experiências vividas, tal qual se usa para a elaboração de uma boa crônica.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 33
1.2. Cony e a política
Muitos cronistas começaram a tratar de política e encontraram no gênero uma
maneira de refletir sobre as questões nacionais. Transformaram a crônica em escolta para
expressar-se. No texto A Arte de Conversar, de José de Alencar, encontramos elementos
que nos levam a uma cogitação do sério, mas com boa pitada de humor.
Aqui vejo-me obrigado a abrir um parêntese, e a trocar a minha pena de
folhetinista por uma pena qualquer de escritor de artigos de fundo. Não brinquem, o negócio é muito sério. Vou escrever uma tirada política... (apud ALENCAR, 1995, p.95).
O cronista manifesta-se sobre política ora de caráter mais contundente, ora mais
sutil, mas sempre de modo oblíquo, pois o tema, dada a sua seriedade, já não tem mais a
função de somente entreter o leitor, antes levá-lo à reflexão também. Passamos, então,
“das alfinetadas discretas de Machado e dos parênteses de Alencar [no século XIX] às
furiosas e viscerais manifestações dos cronistas brasileiros que vivem o período da
ditadura militar instaurada em 1964” (BIGNOTTO, JAFFE, 2004, p.37).
A estreia de Cony na política foi justamente em 1964, em meio ao regime militar. O
colunista saiu às ruas para ver a revolução de perto e escreveu uma crônica cujo título era
“Da salvação da pátria”. A partir daí, o escritor faz da coluna uma arma contra o novo
regime, defendendo jornalistas e intelectuais, que ele julgava serem perseguidos.
Fez crônicas memoráveis neste tempo, uma intitulada “Cipós para todos”, faz
comparação das disputas por cargos militares, outra questiona o que restaria do futuro
“Além da farda, que as traças roem”, pondo à prova o então ministro da Guerra: General
Costa e Silva.
Diferentemente dos escritores do século XlX, ele informa fatos importantes, como as
prisões das pessoas sem usar tom de conversa fiada. Um exemplo disso vê-se na crônica
“Herança”, publicada em maio de 1964:
Do 1º de abril até ontem, foram presas milhares de pessoas. Não sabemos
os nomes, as profissões e os pensamentos dessas pessoas. Sabemos apenas que estão presas em algum lugar – ou em qualquer lugar. Pelas cartas que nos chegam, pelas informações que subitamente colhemos numa entrelinha de noticiário, sabemos que a maioria desses presos nem sequer foi interrogada
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 34
ainda. Estão presos há mais de 30 dias e nem sabem por que estão presos. (apud CONY, 1964, p.51).
Revela-se aqui uma preocupação com pessoas comuns, o que fez com que Cony as
apresentasse recorrendo à ficção e criasse um João de Tal imaginário.
João de Tal, pardo, 35 anos, metalúrgico, na manhã do dia 10 de abril
chegou a seu local de trabalho e foi preso. (apud CONY, 1964, p.52).
Deduzimos, por meio desses trechos, que a crônica, quando trata de assuntos sérios
em lugar do fútil, pode não perder suas principais características: “a leveza de linguagem,
o foco no cotidiano e no homem comum, a subjetividade e o recurso à ficção que indicam,
em última instância, a natureza literária do texto” (BIGNOTTO; JAFFE, 2004, p.38).
O autor encontra-se sozinho nessa caminhada contra o regime, pois nem mesmo o
Correio se manifesta a seu favor, mas ganha a credibilidade de muitos. Castro defende:
Enquanto Cony dava essa demonstração de bravura, muitos dos que, antes, o acusavam de „alienado‟ estavam se escondendo em armários, incinerando livros „suspeitos‟ (como A capital, de Eça, e O vermelho e o negro, de Stendhal) e retirando seus nomes de manifestos publicados em tempos mais festivos. A direita passou a ver nele um homem de esquerda. Mas só quem conhecia Cony sabia que sua revolta não tinha nada de politica nem ideológica – era apenas humana. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.16).
Inocente ou não, o fato é que neste meio tempo Cony foi preso várias vezes, ficando
outras várias escondido em casa de amigos. Passa um período na Europa e em Cuba.
Numa das prisões teve como companheiros Flávio Rangel, Glauber Rocha, Antonio
Callado, Mário Carneiro, Jayme Azevedo Rodrigues, Márcio Moreira Alves, Thiago de
Mello e Joaquim Pedro de Andrade.
Essa prisão se deu por uma manifestação de intelectuais em frente ao Hotel Gloria e
foi um grande motivo para a concretização de grandes amizades. O grupo ficou conhecido
como os „Oito do Glória‟ e marcou para sempre o afeto entre eles, especialmente na
história de Marcio Moreira Alves.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 35
Foi na cadeia que estreitei a amizade com Cony. O convívio forçado, 24 horas por dia, ou torna os prisioneiros amigos íntimos ou inimigos pela vida toda. No nosso grupo não houve desavenças e todos nos mantivemos amigos enquanto duraram nossas vidas. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.22).
Os jornais passam a ser impressos em escala industrial nos anos 1960, o que torna
Cony mais lido que Machado e Alencar. Seu posicionamento nessa política é marcante e
cria um espaço definitivo na crônica para a “militância e o exercício da cidadania”,
enfrentando com bravura a censura, a perseguição, os processos e a prisão.
Foi na política e por conta dela que Cony conquistou muitos de seus leitores,
incluindo outros escritores. Não se pode deixar de mencionar Luis Fernando Veríssimo
que visualizou no cronista um entrincheiramento da moralidade nos tempos do regime
que era então chamado provisório:
Lembro que naqueles tristes dias ler o Cony no Correio da Manhã era, ao
mesmo tempo, um ato de rebeldia seguro, pois era o que todos estavam fazendo, e um tônico contra o sentimento generalizado de impotência. O Cony dizia o que queríamos dizer. O Cony era nossa barricada moral. Foi através do Cony que não ficamos quietos. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.30).
Veríssimo vai além do regime militar que viera para ficar espalhando a censura e
proibindo as críticas, inclusive as de Cony:
Afinal, ele não era um homem de esquerda. Sua posição, enquanto pôde
mantê-la, fora a de um intelectual revoltado com a burrice prepotente, ou com a prepotência burra, e, embora parecesse que se escrevia e dava pau nos militares por nós, sua insurgência ia só até o ponto final dos seus artigos. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.31).
As crônicas de Cony produzidas no período da ditadura estão reunidas no livro O
Ato e o Fato, publicado em junho do mesmo ano do golpe militar. É na política que o
cronista revela o seu lado mais humano, relatando o homem comum, da situação de toda
uma população diante da exceção:
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 36
Os textos cronísticos podem iniciar aparentando tematizar algo menor, quem sabe a vida de um indivíduo ordinário; mas quando o cronista é bom, transcende a aparente (e questionável) pequenez anunciada. Seja usando de recursos comuns à ficção, seja apelando a recursos típicos da poesia, ele termina por tocar o que há de mais alto e sublime para a vida humana: temas como a liberdade, a solidariedade, a redenção, a ética. (BIGNOTTO, JAFFE, 2004, p.42).
1.3. Cony e a reflexão lírica
Jorge de Sá aponta:
Em todos os cronistas há um certo lirismo, pois é através dos seus estados de alma que eles observam o que se passa nas ruas. Entretanto já vimos que a aparência de leveza da crônica revela, quase sempre, o acontecimento captado sob a forma de uma reflexão, mesmo quando se trata de alguma coisa afetivamente ligada só ao escritor. (SÁ, 2002)
É o caso de Carlos Heitor Cony que tem nos acontecimentos caseiros o ponto de
partida para seus textos, sem preocupar-se com o intimismo. O sentimentalismo está
presente em seus livros, contos e crônicas. Ao narrar duas mortes consideráveis em sua
vida, a de seu pai e de sua cachorra, Cony nos dá a impressão de angústia, mas ao
mesmo tempo, é apaixonante. Zuenir Ventura expõe intensamente:
Se não é sentimentalismo, eu não sei o que é o espetáculo de padecimento afetivo que ele ofereceu ao país quando sua cadela Mila morreu. O obituário que lhe dedicou numa crônica que comoveu até desafetos políticos foi tão pungente, tão sentido quanto o que dedicou a seu pai. (...) Nos dois réquiens, dois Cony aparentemente inconciliáveis convivem no sentimento e na sua expressão literária. Na crônica ao pai, a contenção, o pudor e a economia de emoções. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.27).
Nesta crônica dedicada ao pai, Cony usa um texto em terceira pessoa, buscando,
como narrador um distanciamento de alguém que acaba de morrer: “Ele contempla as
mãos do homem. (...) Mãos que começaram a ficar mais brancas e mais quietas: dentro
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 37
delas, o nada cheio de tudo o que ele fora. Mãos que, antes que se apagassem
definitivamente, foram beijadas pelo filho.” (apud SANT‟ ANNA et al., 2001, p.27).
O lirismo e a reflexão de cada detalhe estão presentes em crônicas que falam do
trivial e se transformam em poesia para aqueles que se deixam levar pelas palavras. Esse
teor lírico acrescenta ao texto uma grande carga emocional. Tem que haver um mergulho
interior do artista/escritor para o resultado final. Certa vez, Paulo Mendes Campos disse:
“São seis os elementos: ar, terra, fogo, água, sexo e morte. Não, são sete: e lirismo”.
(apud CAMPOS, 2001, p.9).
O gênero literário aparece nas crônicas ora empregando recursos poéticos, ora
misturando recursos comuns à ficção. Essa aproximação dos gêneros estabelece uma
semelhança entre a crônica, o conto e o poema.
Essa proximidade com o corriqueiro presente nos texto de Cony é sua
particularidade. Aí está o lirismo, transformar o banal em algo que o leitor podia ter
pensado, mas só quando lê se dá conta de tal importância. Em “O crime sem cadáver”, o
autor consegue expor-se e fala da fragilidade do adulto que se transformou ao narrar a
proximidade do dia dos pais, no qual descobre o presente das filhas Regina Celi e Maria
Verônica:
Cruel será manter a cara enxuta, os olhos apenas sonolentos, ásperos, sem direito às lágrimas. E o peito encouraçado, sem pretexto para o soluço. E doloroso será abraçá-las sem poder revelar a fragilidade do adulto escuro e medonho em que me transformei e com o qual, aos poucos, estou me habituando. (1973 CONY, Quinze anos apud SÁ, 2002, p.58).
O trecho mostra a fragilidade de um pai que separado da esposa tem que fazer a
dupla função de pai e mãe.
Nessa fragilidade da convivência própria, o lirismo crítico vai existindo, tornando,
assim, sua condição básica. Uma estratégia, não só de Cony, mas de muitos outros, é
confrontar o passado com que são hoje, “outro procedimento - este puramente ficcional –
é transformar aquilo que nos aconteceu em fato relacionado com outras pessoas” (SÁ,
2002, p.59).
A diferença dos dois procedimentos se dá pela forma de narração, quando o autor
se mostra, ele usa a primeira pessoa, e na tática de fugir do seu eu, prefere usar a
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 38
terceira pessoa, alcançando o sentimento de mais pessoas que possam ter passado pelo
mesmo drama.
Transformar a infância em situação corriqueira é talvez a melhor atitude para
confrontar as épocas. O texto Dos infusórios, mostra o amargor e a ameaça dos remédios
caseiros e os compara com o atual:
Hoje, os tempos são outros. Minhas filhas tomam remédios com sabor de
groselha, de morango, de pêssego, os laboratórios servem à vontade e ao paladar do doente. Mas elas temem que o mundo acabe sob o impacto de uma bomba atômica, dessas que a televisão mostra periodicamente. (1973 CONY, Quinze anos apud SÁ, 2002, p.58).
Assim, Cony segue muitas de suas crônicas, umas comparando com o anterior,
outras refletindo a coexistência, deixando o leitor mais próximo de cada detalhe. Jorge de
Sá define:
Como o lirismo reflexivo é predominante nas crônicas de Cony, ele se mantém fiel à visão crítica do mundo, sempre buscando o necessário distanciamento para melhor avaliar determinado aspecto. A ficcionalidade de pessoas e fatos é sua estratégia mais constante, mudando o foco narrativo da primeira pessoa para a terceira e acrescentando um tom de paródia. (SÁ, 2002, p. 62)
Tema predileto de autores e leitores, não poderia faltar aqui o amor. Cony relata
muitas mortes marcantes em sua vida: a de seu pai, a de sua cachorra Mila, a de um
menino atropelado e a sua, que define como “morto” o menino de infância que foi
cedendo espaço para o adulto pessimista citado em Chorinho para o menino morto. Mas
o amor prevalece e contra tudo está presente até nessas narrativas dramáticas já citadas.
A narrativa mais marcante faz um retorno às dificuldades amorosas através de
preconceitos sociais e desigualdades econômicas. O texto, considerado longo demais
para ser crônica é O amor, outra vez, no qual Cony escreve para sua ex-esposa, contrária
ao namoro da filha.
Nada disso importa. Deixarei este bilhete junto de tua cama. Quando despertares, saberás toda a fragilidade de um homem que conseguiu ser na vida
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 39
somente aquilo que o amor obteve dele e nele gerou esta felicidade, esta fortaleza e – agora sim – esta humildade feita de vitoria, de ternura e de sofrimento. (1973 CONY, Quinze anos apud SÁ, 2002, p.58).
Esse é Carlos Heitor Cony, um só revestido em muitos outros, Cony jornalista, Cony
escritor, Cony marido, Cony pai, Cony filho, Cony amigo e Cony cronista.
Para finalizar este capítulo nada melhor do que uma citação de Jorge de Sá, pois
deixa claro o “eu lírico” reflexivo do autor em questão:
Portanto, seja na primeira ou na terceira pessoa, fale de suas filhas ou de
personagens meramente ficcionais, Carlos Heitor Cony aproveita a leveza da crônica para buscar a leveza do espírito, na imagem do amor eternamente retornando ao homem e lhe devolvendo o sentido pleno da humanidade. (SÁ, 2002, p.64)
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CAPÍTULO lll
A Pesquisa
(Fotos: Gleicy Gesso e Rafael Franco Lobo )
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 41
1. Resultados da Pesquisa
Neste capítulo apresenta-se o resultado de uma pesquisa aplicada por meio de um
questionário, contendo nove questões. Entre elas, quatro são fechadas, objetivas, e cinco
abertas, dissertativas (vide anexo 1). Este questionário foi aplicado a 25 alunos do ensino
médio, da Escola Estadual Maurício Milani, em Echaporã (SP), no ano de 2009.
Considerando que 32 alunos são da 7ª série e 21 da 8ª, num total de 53, o número de
entrevistados corresponde a uma amostragem de 47%. Especificamente, entrevistou-se
20 alunos da primeira sala e 05 da segunda. Desses, 44% (11) dos entrevistados são
meninas e 56% (14) meninos. As idades variam de 13 a 16 anos, sendo 72%, de 13 e 14
anos; e 28% de 15 e 16 anos. Seguem tabela e gráfico que comprovam os dados:
Tabela l – Idade dos entrevistados
Idade dos entrevistados fi %
de 13 e 14 18 72
de 15 e 16 7 28
total de entrevistados 25 100
Gráfico l – Idade dos entrevistados
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 42
A primeira questão tratou de saber quais os motivos que levam os alunos à leitura.
As respostas foram várias e mais de uma resposta por entrevistado. Numa frequência de
resposta (28), predominaram as seguintes: 48% (12) leem para obter conhecimento e
cultura, 32% (8) para manter-se informados, 20% (5) pretendem prazer e entretenimento
com a leitura e 12% (3) não responderam. Veja esses dados na tabela e gráfico
subseqüentes:
Tabela ll – Os motivos que levam os alunos a ler
motivos que levam à leitura fi %
Obter conhecimento e cultura 12 48
Manter-se informado 8 32
Prazer e entretenimento 5 20
Em branco 3 12
Frequência de respostas 28 112
Gráfico Il – Os motivos que levam os alunos a ler
Neste ponto, vale refletir sobre os três alunos que não responderam, pois certamente
não têm o hábito ou não encontram motivos para procurar objetos de leitura.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 43
Para sabermos que objeto/produto os alunos mais leem, fizemos uma lista
diversificada e num total de 62 respostas prevaleceram: as revistas e os livros empatados
com 72% (18) dos votos; seguidos dos jornais com 44% (11); os gibis com 40% (10) dos
votos e, por último, 20% (5) gostam dos blogs na internet.
Tabela lll – O que os entrevistados mais leem
Produtos fi %
Revista 18 72
Livro 18 72
Jornal 11 44
Gibis 10 40
Blogs na internet 5 20
Frequência de respostas 62 248
Gráfico Ill – O que os entrevistados mais leem
Pudemos notar que os livros e as revistas ainda predominam entre os leitores,
mesmo sendo os meios de leitura mais tradicionais. Vale lembrar que Cony é um dos
escritores mais completo e capaz de tramar excelentes histórias e publica em diferentes
gêneros: além das crônicas, possui vários livros publicados, aborda diferentes temas
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 44
como: romance, conto, adaptação e livros infanto-juvenis como: Luciana Saudade, O laço
cor-de-rosa, Uma história de amor, etc.
Em seguida, questionou-se na pesquisa quais os gêneros de leitura os alunos
acham mais interessante. Os gêneros apresentados foram muitos e entre os preferidos
com mais de uma resposta por aluno, sobressaíram na freqüência de citações (total de
85): 80% (20) histórias em quadrinhos; 68% (17) romances; 60% (15) poesias; 48% (12)
contos; 40% (10) as crônicas ficaram em quinto lugar dos votos sendo seguidas pelos
livros de aventura, com 36% (9) e os de terror, com 8% (2).
Tabela lV – Os gêneros mais interessantes
Gêneros fi %
Histórias em quadrinhos 20 80
Romances 17 68
Poesias 15 60
Contos 12 48
Crônicas 10 40
Aventura 9 36
Terror 2 8
Frequência de respostas 85 340
Gráfico lV – Os gêneros mais interessantes
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 45
Nesse caso, a crônica não foi bem votada, apesar de ter obtido 40% do resultado.
Isso mostra que o gênero perde por ter um número maior de meninos, ficando, em
primeiro lugar, as histórias em quadrinhos já que eles somam 56% da pesquisa.
Visando detectar a leitura em jornal no âmbito da escola, perguntarmos aos
entrevistados se liam o jornal Folha de São Paulo. Verificamos que 60% (15) não liam e
somente 40% (10) afirmaram ler esse jornal. Talvez, seja por falta de acesso ao meio, já
que não é muito comum a prática de leitura com esse tipo de veículo em sala de aula.
Esses dados surpreendem, tendo em vista que a escola tem a assinatura, não só deste
jornal, como também do Estadão e de revistas em geral.
Tabela V – Leitura da Folha de São Paulo
Respostas fi %
Não 15 60
Sim 10 40
Frequência de respostas 25 100
Gráfico V – Leitura da Folha de São Paulo
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 46
Aproveitamos, então, para saber dos dez alunos que afirmaram ler esse jornal, quais
cadernos os atraíam. Lembrando que dos 40% (10), todos afirmaram ter visto mais de
um. No total de 24 respostas, destacam-se: Esporte, com 80% (8); Ilustrada, com 60%
(6); Folhateen, com 50%; Caderno 1 e economia, com 20% (2) cada um e, por último, um
aluno admitiu ler cotidiano, ficando com 10%.
Tabela Vl – Caderno da Folha mais lido
Caderno da Folha fi %
Esporte 8 80
Ilustrada 6 60
Folhateen 5 50
Caderno 1 2 20
Economia 2 20
Cotidiano 1 10
Frequência de respostas 24 240
Gráfico Vl – Caderno da Folha mais lido
Nesse ponto, faz-se necessário refletir sobre a urgência do trabalho de leitura em
salas de aula e biblioteca, principalmente, com os alunos de escola pública, já que não
têm acesso aos meios de comunicação impressos em suas casas.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 47
A pesquisa revelou que, entre os meninos, os interesses de leitura referentes ao
jornal dirigem-se para os cadernos de esportes e ilustrada. Justifica-se o interesse pelo
Folhateen, por conta da idade desse público entrevistado.
Indagamos o que esses alunos entendem por crônica e surpreendentemente,
apenas uma aluna respondeu a mais de uma alternativa. As respostas totalizaram uma
freqüência de 26 itens e entre eles, apareceram como definição de crônica: Reflexão do
cotidiano, com 24% (6); Temas do dia-a-dia, com 20% (5); Texto engraçado, com 16%
(4); Pequenos contos reais, com 16% (4); Texto criativo, com 12% (3); Texto triste, com
8% (2); e duas pessoas confessaram que não se lembravam do que se tratava.
Pode-se notar que, se a escola não incentiva a leitura de jornal, consequentemente,
não trabalha com crônica. É comum entre os alunos da 7ª série o convívio com esse
gênero, já que a escola trabalha com crônicas desde a 5ª série do ensino médio, fazendo
com que os alunos leiam e produzam este estilo de texto, no entanto, o trabalho deixa a
desejar, pois não se fixa na memória dos alunos. Pode ser também que esses dois alunos
não se lembrem, pois não são leitores, nem têm motivação para ler, fazendo-o somente
por obrigação em sala de aula.
Tabela Vll – Conceitos de crônica
Conceitos de crônica fi %
Reflexão do cotidiano 6 24
Temas do dia-a-dia 5 20
Texto engraçado 4 16
Pequenos contos reais 4 16
Texto criativo 3 12
Texto triste 2 8
Não se lembram 2 8
Frequência de respostas 26 104
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 48
Gráfico Vll – Conceitos de crônica
Vale enfatizar que os conceitos citados não estão equivocados. Talvez até falte uma
melhor especificação de cada aluno, mas no geral, as definições não fogem à regra do
gênero crônica, já que o mesmo assume as características presentes nas respostas.
Cony, por exemplo, consegue unir todas essas em seu estilo, transformando um tema
diário em reflexão criativa, podendo assumir graça ou tristeza em pequenos contos reais.
Questionados quanto à leitura de crônicas na Folha, o resultado não surpreendeu já
que 60% (15) dos entrevistados já haviam mencionado o fato de não ler jornal. Sendo
assim, a resposta foi igualmente negativa por 60% (15) dos entrevistados e afirmativa por
40% (10). Assim, pode-se deduzir que não se pode obter um resultado positivo em
relação à leitura de crônica, se a maioria dos entrevistados não costuma ler jornais.
Tabela Vlll – Leitura de crônicas na Folha
Leitura de crônicas na Folha fi %
Não 15 60
Sim 10 40
Frequência de respostas 25 100
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 49
Gráfico Vlll – Leitura de crônicas na Folha
Pediu-se, a partir daí, que os alunos, com respostas positivas, citassem um escritor
que possivelmente tivessem lido na Folha e, mais uma vez, o resultado foi surpreendente:
50% (5) dizem ter lido, mas não se lembram do autor; 40% (4) citou Carlos Heitor Cony e
apenas 10% (1) lembrou de Luís Fernando Veríssimo.
Esses dados mostram que, na nossa cultura, os autores normalmente ficam em
segundo plano, ou seja, fica mais fácil lembrar da obra do que do autor.
Tabela lX – Escritor mais lido na Folha
Escritor mais lido fi %
Não se lembram 5 50
Carlos Heitor Cony 4 40
Luis Fernando Veríssimo 1 10
Frequência de respostas 10 100
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 50
Gráfico lX – Escritor mais lido na Folha
Cony foi bem citado, ficando com 40% dos votos lembrados pelos alunos. Dando
sequência a isso, questionamos quem já havia lido alguma obra do jornalista e nas
respostas obteve-se duas crônicas e, por incrível que pareça, nenhuma tirada do jornal e,
sim, da internet. Mesmo os entrevistados que não se lembraram do nome do autor
anteriormente, confirmaram já ter lido ou ouvido as duas histórias que se seguem: “O
Menino das meias vermelhas”, com 32% (8); “Romance da moça”, com 20% (5) e em
branco, com 48% (12).
Tabela X – As crônicas mais lidas de Cony
Crônicas lidas de Cony fi %
O menino das meias vermelhas 8 32
Romance da Moça 5 20
Em branco 12 48
Frequência de respostas 25 100
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 51
Gráfico X – As crônicas mais lidas de Cony
A quantidade de votos deixados em branco confirma a tese de que o autor fica
esquecido em meio as suas obras, pois exatamente neste ponto da pesquisa
apresentamos aos alunos quatro crônicas do autor: “O menino das meias vermelhas”, “A
mãe e o pêssego”, “Romance da Moça” e “Sou Contra”. As duas primeiras foram
encontradas apenas na internet (In: <http://www.comamor.com.br/cron_cony.htm>, 2009),
a terceira está no livro “O Harém das Bananeiras” (1999) e a quarta no livro “Da arte de
falar mal” (1963).
Após ler os quatro textos, alguns alunos se lembraram de tê-los lido anteriormente,
mas não sabiam o nome do autor, enquanto outros, as leram pela primeira vez.
De posse desses dados, segue-se a opinião de cada aluno sobre os textos.
Lembrando que cada aluno escreveu apenas uma ideia sobre a leitura, ficando a seguinte
decorrência: a narrativa de Cony é inteligente e interessante, com 32% (8); sua obra faz
refletir, com 24% (6); de fácil compreensão, com 20% (5); apresenta um texto criativo,
com 12% (3); seu enredo é triste, mas bonito, com 8% (2); e suas histórias são
engraçadas 4% (1).
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 52
Tabela Xl – Opinião sobre as obras de Cony
Opiniões fi %
Inteligente/ interessante 8 32
Fazem refletir 6 24
Fácil compreensão 5 20
Texto criativo 3 12
Triste/ bonita 2 8
Engraçada 1 4
Frequência de respostas 25 100
Gráfico Xl – Opinião sobre as obras de Cony
Lembrando que o intuito é fazer uma análise após a pesquisa, pediu-se então, que
os entrevistados mencionassem a crônica mais atraente entre as quatro que foram lidas.
A eleita foi uma das crônicas recolhidas no livro O Harém das Bananeiras em meio às
publicadas na Folha de São Paulo e em outros jornais, e revistas dos anos de 1997 a
1999.
Para os vinte e cinco entrevistados, a crônica “Romance da moça” foi a escolhida
como a mais atraente, com 80% (20) dos votos, porque mostra sensibilidade do autor,
possui título cativante e retrata um momento vivido pela maior parte dos alunos, já que é a
idade do romance, do namorico adolescente.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 53
Em segundo lugar, a obra “O menino das meias vermelhas” obteve 60% (15) dos
votos, pois além da linguagem poética, o autor mostra uma realidade acompanhada por
alguns dos alunos (o fato de o pai ou a mãe ter abandonado o lar), tornando-se um estilo
atraente e cativante.
Em terceiro, ficou o texto “A mãe e o pêssego” com 16% (4) que também cativa pela
sensibilidade da mãe em lidar com os problemas do dia-a-dia e o carinho que ela
demonstra ao realizar um desejo do filho.
E em quarto e último colocado, está a crítica “Sou contra”, com 12% (3) dos votos,
que impressiona pelo estilo diferente, no qual o autor utiliza-se de paradoxos para analisar
a atual situação política.
Pelos depoimentos, pode se notar que os leitores agem mais pela emoção do que
razão. Lembrando que todos os textos são baseados em fatos reais, os adolescentes
preferem o que mais se parecem com sua própria situação atual, seja ela o romance, o
fato de ter sido abandonado pelo pai/mãe ou, simplesmente, pela história bonita e
atraente. Entretanto, é válido destacar que Cony prende seu leitor de forma ardilosa,
usando a realidade como principal fonte de referência. Enfim, ele captura o leitor pela
fantasia em apreciar detalhes que se parecem com sua própria identidade.
Tabela Xll – A crônica mais atraente entre as mencionadas
Crônica mais atraente fi %
Romance da moça 20 80
O menino das meias vermelhas 15 60
A mãe e o pêssego 4 16
Sou contra 3 12
Frequencia de respostas 42 168
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 54
Gráfico Xll – A crônica mais atraente entre as mencionadas
Diante dos resultados, pode-se notar que há necessidade e urgência de um trabalho
constante a longo prazo com leitura nas escolas que privilegie textos diversos, sobretudo,
os literários e jornalísticos. Essa constatação motivou-nos a desenvolver um projeto de
trabalho com a leitura, embora este não fosse o objetivo desta monografia (vide em
anexo).
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 56
2. O projeto: “Crônica na sala de aula”
Este projeto teve o propósito de esclarecer, aos alunos envolvidos na pesquisa, o
real significado da importância de leituras, seja ela cômica ou triste, conto ou poesia, ou
simplesmente um e-mail ou blogs na internet. Que não importa idade, preferência ou
estilo para fazê-la e que para aprender é preciso criar o hábito de procurar qualquer que
seja o seu objeto de estudo: jornais, revistas, gibis e livros.
Visando à melhor compreensão desses dados impactantes da pesquisa,
desenvolvemos algumas tarefas de ordem prática com duração de seis semanas, na qual
obedeceram as seguintes etapas:
a) O primeiro passo foi discutir e avaliar o conhecimento de cada aluno. Para isso
conversamos e trocamos informações com o intuito de uma proximidade mais
humanizada, criando assim, uma confiança de aluno e pesquisador.
b) Apresentação da crônica: sua origem, significado, os principais cronistas brasileiros
e sua seriedade em meio aos gêneros de literatura existentes.
c) Apresentação do principal objeto desse trabalho, Carlos Heitor Cony: Sua vida,
suas obras e seu estilo de escrita. Havendo aqui uma descoberta de que alguns
alunos já conheciam alguns de seus livros, porém, como confirmado nos dados
anteriores, não se recordavam de seu nome.
d) Analisamos e discutimos as crônicas referentes na pesquisa (vide anexo ll). Aqui
foi o momento de reafirmação dos variados gostos por um tipo de assunto,
prevalecendo o romance e a semelhança de casos parecidos com que cada aluno
vive no seu dia-a-dia, fazendo-os a se identificarem com as histórias contadas por
Cony.
e) Apresentação e leitura de crônicas do escritor na Folha de São Paulo,
desmistificando o medo de abrir esse veículo tão necessário para a formação de
alunos em todas as etapas de suas vidas.
f) Por último, fizemos uma visita à biblioteca da escola e identificamos inúmeros livros
do autor como: O piano e a orquestra, A casa do poeta trágico, O Ventre, Quinze
anos, O irmão que tu me deste, O mistério das aranhas verdes, etc.
Finalizando essa pequena amostragem do que pode ser feito para que os alunos se
interessem pela leitura, fica evidente a falta de incentivo para com os mesmos. O projeto
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 57
mostrou que não é imprescindível um local específico para isso e, sim, força de vontade.
A escola tem todos os meios físicos para que se faça uma boa qualificação de seus
alunos, pois deixa à disposição uma biblioteca muito bem equipada, com livros das mais
variadas espécies, revistas de todas as épocas e até enciclopédias como suportes de
apoio ao professor.
Nesse curto intervalo de tempo, junto das salas de 7ª e 8ª série, foi extremamente
compensador saber que ainda há como salvar a nossa educação e encaminhar os jovens
para uma viagem no mundo da leitura, basta educá-los para isso.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 59
1. Analisando a crônica “Romance da Moça”
Tendo como base a crônica mais votada “Romance da moça”, esta pesquisadora
propôs-se a analisar esta obra de Cony, por ser então, uma das melhores na opinião de
nossos jovens entrevistados e por estar dentro de uma das propostas estabelecidas para
este trabalho, o de analisar as obras recolhidas em livros e que comprovam perpetuarem
no tempo e sobreviveram além dos jornais, sendo este o diferencial do autor em questão:
Carlos Heitor Cony.
O texto “Romance da moça” foi divulgado no livro O Harém das Bananeiras, em
1999. Nesse livro, Carlos Heitor Cony reuniu crônicas publicadas na Folha de São Paulo e
em outros jornais e revistas, nos anos de 1997, 98 e 99.
Por se tratar de uma leitura fácil e gostosa, essa crônica foi a escolhida pela maioria
dos jovens entrevistados na pesquisa. Mas foi a identificação com o “eu” que chamou a
atenção. O enredo traz um misto de suspense, curiosidade e romance, em fim, tudo que
apela para os sentimentos da adolescência.
A impressão de que o enredo principal seja ou não real fica exclusivamente, por
conta de deduções do leitor, pois o autor faz aqui, uso de uma história que nos deixa com
a sensação de ter acontecido com ele próprio, lembrando que é uma das características
mais marcante de Cony. Isso fica implícito já no prefácio do livro onde há a indicação de
memória do autor: “Em O Harém das Bananeiras, a prosa de Carlos Heitor Cony reúne
lembranças, diálogos silenciosos, tramas, viagens ao encontro do mundo e de volta para
casa.“ (PREFÁCIO, s/a, 1999, p.1).
Por se tratar de uma crônica, mantém todas as características necessárias para a
sua identificação. Trata-se de um texto híbrido, no qual Cony conta um breve episódio,
mantendo o texto curto, leve e abordando algo que parece de seu convívio diário.
Narra um fato que vem acontecendo há alguns dias até o seu desfecho, no qual
deixa-nos a desejar saber um pouco mais da história e questionarmos de quem realmente
se trata, já que demonstra conhecer a mãe da moça. Porém, Cony não deixa clara a
verdadeira identidade das duas, não revela o nome da moça e deixa-nos a imaginar se
Martha fora sua esposa, sua namorada ou somente um caso amoroso, tomando por base
o título que revela ser de um romance. Assim, a narrativa possui um narrador
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 60
protagonista/personagem, pois narra uma história que pertence a ele próprio,
posicionando seu discurso em primeira pessoa.
Inicia o episódio contando que, por alguns dias, a moça estava sempre na garagem
do prédio, à espera de alguém sem fazer nenhuma narração de características físicas ou
roupas que ela usa. Esse fato faz com que não haja pistas para a imaginação do leitor
constituir como possa ser, tanto a moça, quanto ele.
Em parte alguma da escrita Cony faz menção de narrar detalhes dos episódios, mas
apresenta os dois espaços onde ocorrem as cenas. O primeiro na garagem do prédio,
onde conhece a moça e o segundo na sala do apartamento dele.
Também não há uma clareza de fatos que levem o autor à identificar o tempo
preciso em que se passa o ocorrido, mas aceita uma assimilação do tempo presente, ou
seja, a qualquer que seja o momento da leitura, nos faz idealizar que seja hoje. No
entanto, faz-se achar que o encontro com a filha de alguém conhecida se revele anos
mais tarde da data em que se passou o romance do escritor com a mãe que já se
encontra morta. Isso é revelado quando a moça se apresenta: “Sou filha de Martha. Você
deixou este original com ela. Antes de morrer, pediu-me que o entregasse.” (O Harém das
Bananeiras, CONY, 1999, p.29).
O tempo na narrativa é cronológico e está ligado ao enredo linear. Mesmo não
declarando, exatamente, a quantidade de dias em que os acontecimentos da trama
ocorrem, o autor cita uma falha em sua memória quanto a essa lembrança: “Não sei se na
mesma semana, ou na seguinte, ela entrou na minha sala.” (O Harém das Bananeiras,
CONY, 1999, p.28).
Cony menciona de forma primorosa o dia em que a filha dessa suposta Martha lhe
procura para devolver o rascunho de um romance que tentara, em tempos remotos,
escrever e não chegara ao fim.
Depois de dias o esperando, ou até, o espiando, talvez para ter certeza de que era o
homem que deveria procurar ou simplesmente sem saber como chegar e se anunciar,
deixando o leitor intrigado do porque dessa espera. Nesse caso, a descrição remete-nos a
uma imprecisão na caracterização do ambiente, tornando-o incógnito. Mas vale lembrar
que se trata de dois personagens que não se conhecem pessoalmente, mas que tem uma
relação forte um com o outro, sendo o ponto chave a terceira personagem já falecida.
Tendo por base que o tema da história é o romance (não o do autor com Martha),
mas o romance que a moça o entrega e que ele vem a descobrir que se tratava de um
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 61
escrito seu. Podemos diagnosticar como assunto o encontro da moça com o autor. E fica
como forte apelo à mensagem subentendida no roteiro: O importante é tudo o que
cativamos na vida, as amizades, o carinho e o amor, podendo perpetuar nas pessoas que
estão ao nosso redor, mesmo depois de mortos, fazendo valer uma boa recordação do
ente querido.
Cony realiza um fascinante desfecho que pode ser interpretado como uma possível
aproximação dele com a suposta moça, provavelmente até conhecida de outros tempos,
já que ele enfatiza a aceitação da carona que havia lhe oferecido dias antes da
descoberta de sua existência: “Naquele dia, a moça aceitou a carona.”
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 63
Conclusão
Ao cabo de tudo, pergunta-se de que é que o cronista
fala mal. Ai de nós, só das flores e dos pássaros!
(Da arte de falar mal – Fausto Cunha – Prefácio)
A crônica não foi escrita por profissionais específicos desse gênero, mas ganhou
escritores que se tornaram especialistas no assunto. Sabe-se que seus primeiros adeptos
foram os ingleses Joseph Addison e Richard Steele. Feita inicialmente só para a
burguesia, a crônica conquistou seu espaço e ganhou o mundo.
No Brasil, ela chegou com o Folhetim e com o mesmo intuito dos ingleses de
produzir textos voltados para o entretenimento.
Em 1952, a crônica ocupa seu espaço na coluna A Semana, de Francisco Otaviano
no Rio de Janeiro e passa a ser dividida com os romances e as notícias dos jornais.
Possui a mesma concisão deste veículo, tratando de fatos cotidianos. Seu maior
precursor foi Machado de Assis que transformou e renovou o gênero literário e as formas
irônicas e engraçadas de se contar algo corriqueiro do dia a dia. Seus sucessores foram
muitos e entre eles, o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony.
Com tantos autores, Cony se destaca por ser um escritor de vários gêneros, vários
estilos e muitas publicações. Pode-se notar que as crônicas desse escritor sobreviveram
ao jornal e foram, ao longo de vários anos, recolhidas em livros, tornando-se referência
para os estudantes de jornalismo.
O gênero sobrevive, portanto, à efemeridade do jornal, tornando-se contemporâneo
quando atinge o estatuto de texto literário, pois, desse modo, consegue transcender no
tempo e permitir que o leitor reflita sobre seus temas e ideias em qualquer época.
A razão dessa sobrevivência está na forma da escrita, a simplicidade das falas, a
semelhança da história contada com que o leitor está vivenciando. Isso se deve ao fato de
possuírem qualidades literárias que as posicionam como capazes de se comunicarem
com seus leitores mesmo depois de muito tempo que já foram publicadas. Constituem,
ainda, coletâneas organizadas para a venda, assim, como os livros que a mídia lança,
deixando-os mais acessíveis ao público.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 64
Analisando as crônicas produzidas por Carlos Heitor Cony, observou-se que este
tipo de texto é atraente para o jovem leitor. Mesmo, após a descoberta, por meio de
pesquisa, de que há restrição de leitura entre os jovens, diagnosticou-se que o gênero
possui elementos que os atraem, tais como: a linguagem, o estilo e a sensibilidade com
que escreve.
Usando suportes teóricos sobre os elementos do discurso jornalístico e literário. As
análises voltadas para as crônicas de Carlos Heitor Cony, levam-nos à reflexão sobre o
gênero, uma vez que, próprio da área jornalística, este tipo de narrativa consegue
surpreender seus leitores, levá-los a indagações e, por isso, emancipá-los, por meio da
ampliação de seus horizontes e expectativa.
A crônica, enquanto narrativa, foge de categorizações, enquanto produção híbrida
permite ao estudante de Comunicação Social refletir sobre as formas, por meio das quais
se efetivam neste texto a dialogia entre linguagem literária e jornalística.
O fato de o autor ser jornalista e usar uma linguagem rápida e de fácil entendimento
o torna admirado, demonstrando a preferência por suas obras. O que reforça na técnica
utilizada por ele em narrar, na maioria das vezes, casos ocorridos na sua própria vida,
deixando o leitor mais próximo de sua produção, pois sente-se como que um cúmplice de
segredos revelados.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 65
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SÁ, Jorge de. A crônica. 6.ed., 4.reimpr. São Paulo: Ática, 2002.
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SOARES, Angélica. Gêneros literários. 6.ed., 2.impr. São Paulo: Ática, 2000.
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______.Biblioteca escolar e práticas educativas: o mediador em formação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009.
ZANCHETA, Juvenal. Leitura de narrativas juvenis na escola. In: SOUZA, Renata
Junqueira (org.). Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004, p.91-110.
ZILBERMAN, Regina (org.). A produção cultural para a criança. 4.ed. Porto Alegre,
Mercado Aberto, 1990.
Referências eletrônicas
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<www.fflch.usp.br/dlcv/lport/pdf/maluv008.pdf>. Acesso em: 20 maio 2009.
DIAS, Elaine Gonçalves. Crônica, apenas um bate-papo. Trabalho de Conclusão de
Curso em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Disponível em:
<http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=artigos/docs/cronicaelaine>.
Acesso em: 14 jul. 2009.
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<http://www.academia.org.br/>. Acesso em: 05 jul. 2009.
MADEIRA, Ana Maria Gini. Da Produção à recepção: Uma análise discursiva das crônicas de Luis Fernando Veríssimo. Dissertação de mestrado de Pós-graduação em
Letras. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ALDR-
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SPINOLA, Patrícia. Carlos Heitor Cony. Disponível em:
<http://www.carlosheitorcony.com.br>. Acesso em: 22 mar. 2009.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 68
ANEXO l - PESQUISA
NOME: (não é obrigatório preencher) __________________________________________
SÉRIE: ________
IDADE:________
SEXO:
( ) M ( )F
1. Você gosta de ler?
( ) sim ( ) não
Por quê? ________________________________________________________________
2. O que você costuma ler?
( ) livro
( ) revista
( ) jornal
( ) outros:____________________________
3. Quais são os gêneros que você acha mais interessante?
( ) contos
( ) poesias
( ) histórias em quadrinhos
( ) crônicas
( ) romances
( ) outros:____________________________
4. Você já leu o jornal Folha de São Paulo?
( ) sim ( ) não
Se respondeu afirmativamente, qual caderno?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 69
5. O que você entende por crônica?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
6. Você já leu alguma crônica na Folha?
( ) sim ( ) não
Se respondeu afirmativamente, qual e/ou de qual escritor?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
7. Você já leu alguma crônica do jornalista e escritor Carlos Heitor Cony?
( ) sim ( ) não
Se respondeu afirmativamente, qual(s)?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
8. O que achou da(s) crônicas de Cony? Por quê?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
9. Das crônicas de Cony qual o atraiu mais?
_______________________________________________
Por quê?
( ) era engraçada
( ) demonstrava sensibilidade do escritor
( ) possuía assunto de meu interesse, como:___________________________________
( ) a linguagem é poética
( ) o estilo do escritor é atraente, porque_______________________________________
( ) outros motivos:________________________________________________________
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 70
ANEXO ll – CRÔNICAS 1. Romance da moça
Pensei que fosse coincidência. Sempre que descia à garagem, ela estava por ali,
aparentemente à espera de alguém. Com o tempo, passei a cumprimentá-la.
Num dia de chuva, ofereci carona. Ela recusou. Um amigo viria buscá-la. Em sinal de
gratidão, avisou-me que um dos pneus do meu carro estava baixo. Aí fui eu que agradeci.
Não sei se na mesma semana, ou na seguinte, ela entrou na minha sala. Anunciou-se à
secretária de forma estranha: "É a moça da garagem." Sim, era ela, com uma pequena
pasta à mostra.
Resumindo: fizera um romance. Não conhecia ninguém na área editorial ou literária.
Perguntou se podia deixar os originais, não tinha pressa, queria uma opinião.
Com pequenas variantes, isso já aconteceu outras vezes e acontece com todos nós, que
de alguma forma fazemos parte da tribo que se dedica a esse tipo de ofício.
Ofereci-lhe um café e abri o original. Não havia indicação de autor ou autora. O título era
uma charada "S.O.S". Havia uma epígrafe de São João da Cruz, falando da escura noite
da alma, e uma estrofe de Bandeira: "Mas para quê/ tanto sofrimento/ se lá fora o lento/
deslizar da noite".
Elogiei as epígrafes e abri a primeira página. Começava assim: "Salve a minha alma!".
Levei um susto. Como início de romance, era péssimo. Mesmo assim, senti alguma coisa
de íntimo naquele grito ou naquele desespero. Fora esse o início de um romance que não
cheguei a terminar.
Ia perguntar onde ela encontrara aquele original tão perdido que nunca mais me lembrara
dele. Não foi preciso. Ela se identificou: "Sou filha de Martha. Você deixou este original
com ela. Antes de morrer, pediu-me que o entregasse."
Naquele dia a moça aceitou a carona.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 71
2. O menino das meias vermelhas
Todos os dias, ele ia para o colégio com meias vermelhas.
Era um garoto triste, procurava estudar muito mas na hora do recreio ficava afastado dos
colegas, como se estivesse procurando alguma coisa. Os outros guris zombavam dele,
implicavam com as meias vermelhas que ele usava.
Um dia, perguntaram porque o menino das meias vermelhas só usava meias vermelhas.
Ele contou com simplicidade:
- “No ano passado, quando fiz aniversário, minha mãe me levou ao circo. Botou em mim
essas meias vermelhas. Eu reclamei, comecei a chorar, disse que todo mundo ia zombar
de mim por causa das meias vermelhas. Mas ela disse que se me perdesse, bastaria
olhar para o chão e quando visse um menino de meias vermelhas saberia que o filho era
dela”.
Os garotos retrucaram:
- “Você não está num circo! Porque não tira essas meias vermelhas e joga fora?”
Mas o menino das meias vermelhas explicou:
- “É que a minha mãe abandonou a nossa casa e foi embora. Por isso eu continuo usando
essas meias vermelhas. Quando ela passar por mim vai me encontrar e me levará com
ela”.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 72
3. A mãe e o pêssego
“O pai reuniu a mulher, os dois filhos e comunicou:
“Perdi o emprego. A partir de amanhã, nossa vida será diferente. Para manter o essencial,
teremos de cortar o supérfluo”.
O filho mais moço perguntou o que era “supérfluo”. O pai deu um exemplo: “Você gosta
de pêssegos. Pois cortaremos os pêssegos. Sobremesa, agora, é goibada e pronto!”
O garoto ficou pensando que todos os dias comeria goiabada, e ele não gostava de
goiabada. Para azar dele, era tempo dos pêssegos, aveludados, doces como mel.
Passou a primeira semana sem sobremesa. Preferia morrer a comer a goiabada que
parecia eterna: quando acabava uma, logo aparecia outra. Até que um dia a mãe voltou
da feira com o carrinho quase vazio. Mesmo assim, em lugar de destaque, por cima de
todas as compras, lá estava a lata de goibada. O menino teve um engulho.
Mas, logo que o pai saiu para procurar emprego, a mãe chamou o guri. Para não
despertar suspeita no filho mais velho, falou com autoridade: “Venha cá!”. O menino
pensou que fizera alguma coisa errada e que ia levar uma bronca. A mãe levou-o para o
banheiro e fechou a porta.
Mostrou um enorme pêssego, vermelho e amarelo, a penugem aveludada, doce como o
mel: “Olha o que eu trouxe para você!”. O menino nem gostou do pêssego. Preferiu gostar
mais daquela mãe.”
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 73
4. Sou contra
Sou contra as reformas de base e contra a erradicação da malária. Contra o fomento da
agricultura e contra a conjuntura nacional. Contra a livre determinação dos povos e contra
as injunções de ordem político-social. Contra as reivindicações do proletariado e contra os
sagrados postulados de nossa civilização cristã. Contra os imperativos de justiça social e
contra as inalienáveis prerrogativas da pessoa humana.
Sou contra os simpósios de agricultura e contra a recuperação de nossa lavoura. Contra
as objurgatórias indeclináveis e contra as mais legítimas tradições do povo brasileiro.
Contra as ofensivas contra o câncer e contra as campanhas de orientação vocacional.
Contra os lídimos representantes das classes produtoras e contra os autênticos
interesses de nossa soberania.
Sou contra o impostergável dever de consciência e contra a exata compreensão dos
meus deveres de cidadão. Contra os sadios princípios que norteiam as nossas Forças
Armadas e contra as pressões de cúpula com que se procura oprimir o operariado. Contra
a voz do dever, contra o tato político, contra o gosto da glória, contra o cheiro de
santidade e contra os pagamentos à vista.
Sou contra a ampla pesquisa ao eleitorado e contra o desenvolvimento de nosso parque
industrial. Contra o ruidoso sucesso e contra o festejado autor. Contra o lúcido ensaísta e
contra o rigoroso critico teatral. Contra o promissor poeta e contra o fino humorista. Contra
o competente historiador e contra o agudo filósofo. Contra o hábil cronista e contra o
paciente pesquisador. Sobretudo, contra o vibrante jornalista.
Sou contra a arregimentação das consciências e contra arbítrio das decisões apressadas.
Contra os pontos de estrangulamento de nossa economia e contra as infra-estruturas
superadas. Contra a evasão de nossas divisas e contra a inversão de capitais opressores.
Contra a livre-tramitação das emendas e contra o esgotamento dos prazos legais. Contra
o aumento de nossa dívida externa e contra os males intestinos de nossa política interna.
Contra a descentralização administrativa e contra os males da burocracia. Contra a
recuperação dos delinquentes e contra as fontes produtoras de riquezas.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 74
Sou contra a integração do vale amazônico e contra a mecanização da lavoura. Contra a
sangria em nossas finanças e contra o imediato socorro às regiões desamparadas. Contra
a vacinação em massa e contra os óbices que entravam o nosso progresso. Contra as
decisões de cúpula e contra os alicerces de nossa nacionalidade.
Sou contra o mais fino ornamento da sociedade e contra o Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Contra o decreto das urnas e contra o quadro de nossas
importações. Contra os estudos afro-asiáticos e contra os distúrbios do vago-simpático.
Contra a subversão das massas e contra o esvaziamento de nossas tradições. Contra a
hierarquia de valores contra a perquirição sociológica. Contra as ideologias insólitas e
contra o transplante de idéias alienígenas. Contra a flora intestinal, contra a eclosão de
entusiasmo, contra a equipe magiar, contra a preservação de nossas reservas florestais,
contra o colóquio de física nuclear, contra o abastardamento de nossas instituições,
contra a política cafeeira, contra a etapa de desenvolvimento e, sobretudo, contra as
mulheres que fazem os poetas sofrerem, os governantes roubarem, os comerciantes
falirem, os filósofos meditarem e os pecadores pecarem.
O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 75
FICHA CATALOGRÁFICA
GESSO, Gleiciane O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony / Gleiciane Gesso. Fundação Educacional do Município de Assis – Fema : Assis, 2009 74p. Trabalho de Conclusão de Curso ( TCC ) – Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo – Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis 1.Crônica. 2. Leitura. 3. Educação. 4. Leitor CDD: 070 Biblioteca da FEMA