interacionismo simbÓlico

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signos e símbolos

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A intera«;ao simb6lica

A escola da intera<;iio simb61ica se reporta em origem aclassicos da sociologia do fim do seculo dezenove tais comoCharles Horton Cooley (1864-1929), W. I. Thomas (1863-1947)e George Herbert Mead (1863-1931)6, embora 0 termo intera-cionismo simb6lico tenha sido cunha do por Herbert Blumer em1937.7 Os pontos comuns aos tres envolvem as concep<;oes dasociedade como urn processo, do individuo e da sociedade comoestreitamente inter-relacionados e do aspecto subjetivo do com-portamento humano como uma parte necessaria no processo deforma<;iioe manuten<;iiodinamica do self social e do gropo social(Psathas, 1973:5). Alguns de seus conceitos ja se incorporaramit terminologia sociol6gica como a "introspecyiio simpatetica" de

6. Charles H. Cooley. Humall Nalure alld flie Social Order. Nova [orque, Schoken,1964 (originalmente publicado em 1902); Charles H. Cooley, "The Roots of SocialKnowledge", in The AlilericollJoumal of Sociology, vol. 32 Uul. 1926), p. 59-79; CharlesH. Cooley, "A Study of the Early Use of Self- Worcls by a Child", uIPsycliological Review,vol. 15 (nov. 1908), p. 339-357. William I. Thomas, Oll Social Orgallizarioll alld SocialPersonality: Selected Papers, com lima inlrodlll;iio de Morris Janowitz, University ofOlicago Press, Chicago, 1966; George Herbert Mead: ver nota sobre 0 autor, adiante.

7. Cf. B1llliler, H., 1969:1, nota de rodape.

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Cooley, a "definic;-iio de situil<;ao..8 de Thomas Oll "0 outrogeneralizado" de Me;1d A obra de Mead, entretanto, foi aqllelaque mais contribuiu para a conceptualiza<;ao da perspectivainteracionista. Por esta razao nos deteremos sobre ele p<1ralJmmelhor exame dos fllndamentos dest<1escola.

reduz 0 comportamento hllJl1<1nOaos mesmos mecanismos en-contrados ao nivel infr<1-humanoe onde <1dimensao social e vistacomo uma mera influencia externa sobre 0 individuo. Enqu<1ntoWatson insiste no estudo estritamente cientifico do comporta-mento aparente, Mead pennite uma instintiva investigayao com-preensiva de aspectos do comporl<1mento,ausente na perspectivade Watson. A logica natural do pensamento de Mead pareceindicar a precedencia da sociedade sobre 0 self e, par ultimo, amente, invertendo, assim, a ordem do titulo de sua principal obra:Mind, Self and society (Meltzer, 1972:5; Troyer, 1972:321).

2 - George Herbert Mead

Mead nao publicou uma obra com pIeta e sistematica sobresua teoria. Todos os seus quatro livros sac postumos e organiza-dos por editores a partir de palestras, aulas, notas e manuscritosfragmentarios. Seu sistema de psicologia social, entretanto, eapresentado de fonna completa em Mind, Self and Society9, urndos mais importilntes e influentes livros na area da intera<;:aosimbolica, onde 0 autor explora nao somente a complexil rela<;:aoentre a sociedade e 0 individuo, como expoe a genese do "self',o desenvolvimento de simbolos significantes e 0 processo decomportamento da mente. Apesar de sua obra como um todoexibir uma orienta<;:aofilosofica, ele preocupou-se em ilustrarsuas proposi<;oes a partir de fatos da vida cotidiana. Mead, 0

arquiteto por excelencia do interacionismo simbolico, ensinouna Universidade de Chicago no periodo de 1893 a 1931, quandofaleceu. Ele proprio se referia a sua teoria em termos de "beha-viorismo social"lO, entendendo por isto a descri<;:aodo compor-tamento do nivel humano cujo dado principal e 0 ato socialconcebido nao so como 0 comportamento "extemo" observavel,como tambem a atividade "encoberta" do ato. Neste senti do, suateoria se opoe ao behaviorismo radical de John B. Watson, que

8. Muito utilizada na litc.ralura especializada <!: a frase de Thomas: "Se os hOlllensdcfinem situar;6es como reais, <'ias sao reais nas silas conse.qiiencias".

9. As qualro obras publicadas sao: Philosophy of the Present (1932) que conI em aspalestras de Mead na Paul Carus f'oundallOn, sobre fllosofta da lustona dentro de l\l1laperspectiva pragnuilica; Mil/d, Self and Society. Chicago, University of Chicago Press,1934, que, apesar de ser a principal publicar;ao de Mead, represent a uma coler;ao de aulasministradas no curso de psicologia social un Universidack. de Chicago; MOl'elllelllS ofTllOught ill the 19 th celllury. Chicago: University of Chicago Press, 1936, foram anlasproferidas sobre a historia das iddas e., fjnalllll~nle, Philosophy of the Act. Chicago:University Chicago Press, 1938, qlle represenla afinna,oes sistnl\i;licas, sobre a lilosofiado pragmaiisillo (Meltzer, 1972:4).

10. Behaviorismo social, distinto do behaviorismo radical de John B. Watson,fundador do behaviorismo em psicologia.

De acordo com Mead, toda atividade grupal se baseia nocomportamento cooperativo. Embora algumas sociedades infra-humanas ajam conjuntamente, fazem-no levadas pelas caracte-risticas biologicas de seus membros. 0 comportamentocooperativo dos insetos, por exemplo, e detenninado fisiolo-gicamente sem que seus padroes de associa<;:aose alterem mesmoao longo de inumeras gera<;:oes,enquanto que a coopera<;:aohumana, com sua diversidade de padroes, atesta que os fatoresfisiol6gicos nao podem explica-Ia. A associayao humana surgesomente quando: a) cada ator individual percebe a inten~iio dosatos dos outros e, entao, b) constroi sua propria resposta baseadonaquela inten<;:ao.Isto significa que, para haver cooperayao entreseres humanas, e necessaria que alguns mecanismos estejampresentes de forma que cada ator individual: a) possa entenderas linhas de a<;:aodos outros e, b) possa direcionar seu propriocomportamento a fim de acomodar-se aquelas linhas de a<;:ao.0comRortamento humano nao e uma questao de resposta direta asat' v' dades dos outros, e v lye uma res120staas inten Desdosoutros, au se'a ao futuro e intencional coml2ortamento doso.uttos,Jliio somente as suas,.ay,- e.sIJ es_e eltzer, 1972:6).Estas inten<;:oessao transmitidas atraves de gestos que se tomamsimb6licos, isto e, passiveis de serem interpretados. A sociedadehumana se funda, pois, na base do consenso, de sentidos com-partilhados sob a forma de compreens6es e expectativas comuns.

uando os gestos ass u s 'do comu , ou seja, quandodes adquirem...unLelemento inguistLco, podem se designados

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.de "sjlnbQI S nificantes". 0 componente significativo de umatoll, que representa llma atividade mental, acontece atraves do"role-taking ": a individllo deve colocar-se na posiyao de outrapessoa, deve identificar-se com ela.12 Para Mead a relayao dosseres humanos entre si surge do desenvolvimento de sua habiJi-dade de responder a seus proprios gestos. Esta habilidade penniteque diferentes seres humanos respond am da mesma forma aomesmo gesto, possibilitando a compartilhar de experiencias, aincorporayao entre si do comportamento. O_cQmportamento e,gois social e nao meramente uma res osta aos outros. 0 serhumano responde a si mesmo da mesma forma que outraspessoas Ihe respondem e, ao faze-Io, imaginativamente compar-tilha a conduta dos outros (Meltzer, 1972:8). De acordo com ainterpretayao de Blumer (l969:82), sao estas as caracteristicasda amilise de Mead, baseada na interayao simbolica.13 Elaspressupoem:

"que a sociedade humana i Jeita de indivfduos que tern"selves" (isto i, queJazem indica foes para si mesmos); quea afiio individual i uma construfiio e niio um dado, erigidapelo indivfduo atravis da percepfiio (noting) e inter-pretafiio das caracterfsticas das situQl;oes nas quais eleatua; que a a9iio grupal ou coletiva consiste do alinhamentode afoes individuais trazidas pelas interpretafoes que osindivfduos alocam as afoes dos outros ou consideram emtermos da afiio de cada U1l1.. (T do A.).

"A sociedade humana deve ser vista como consistindo depessoas em afiio e a vida da sociedade deve ser vista comoconsistindo de suas afoes. As unidades atuantes podem serindivfduos separados, coletividades cujos membros ajem

cOlljllnralllente COllivisTas a 111/10 or;lio (quesT) COIIIIIIII,011

orgonizofi5es Gluonres elll beneficia de /IIl1aconsTilllcncio(constituency). RespecTivos exelllplos slio COIllProSindivi-duais em wn mercado, UIIIgmpo que joga ou Illno bandamissionaria, e uma cooperafao de negocios 0/1 uma asso-ciafao projissionalnQcional. Nao existe nenhwlla atividadeelllpiricalllente observavel elll Ulllasociedade hUIIlQnQqueniio surja de algullla unidade de afao" (T do A.).

A a9ao comum, contudo, ocon'e em rela9ao a urn lugar e auma situa9ao. Toda e qualquer unjdade de a930 - urn individuo,uma familia, uma escola, uma igreja, uma firma, urn sindicato,urn legislativo, assim por diante a a930 em si - e feita a luz deuma situayao especifica. Logo, a ay30 e construida atraves dainterpretayao da situayao, consistindo a vida grupal de unidad~sde ayao desenvolvendo ayoes para enfrentar situ390es nas qualselas estao inseridas (Blumer, 1969:85).14

II. Que Mead chama "meaning".12. Este processo ocorre ruio somente em termos da assunl'iio do papel de uma

pessoa especifica como do papel de um grupo, 0 que Mead chama "generalized other".Alem do conceito de "Taking the role of the other" Mead se refere "11conversation ofgestures" ou "conversa~ao de gestos", no mesmo sentido.

13. Ao fazer a explanal'iio do pensamenlo de Mead, Blumer critica a sociologiaconvencional par acreditar que 0 comportamenlo das pessoas como membros de umasociedade e uma expressiio do jogo de foryas societais sobre elas, como sistema social,eslrutura social, cultura, coslWlle, instituil'iio, nom13s, valores etc. Blumer alega que estaabordagem ignora que as al'6es socia is dos individllos numa sociedade siio conslruidaspar e1es alraves de wn processo de interpretal'iio.

14. Paralelamente ao trabalho de Mead, Willian!. Thomas elaborava 0 conceito de"definiyiio de silual'iio": "prelimil13r a qualquer alo de comportamenlo autodeterrninadoexiste sempre um estagio de exame e deliberal'iio que nos podemos chamar de 'defirtil'iiode situal'iio'. Na verdade, niio apenas os atos concretos silo dependenles da deflrul'~o desitual'iio, mas gradualmente ullla completa politica de vida e a personalidade do propnoindividuo seguem de uma serie de tais definil'oes". 71,e VI/adj/lsted Girl. Boston, LIttle,Brow and Company, 1931, p. 41.

15. Este aspecto foi desenvolvido concomilalllemente por Charles H. Cooleyatraves do conceilo "looking glass self': mUlla larga e interessante c1asse de caso~ areferencia socialtoll13 a fonna de algnma imaginayiio definida de como 0 self de alguem- isto e, qualquer ideia que ele se aproprie - aparece Illuna mente particular, e 0 tipo deauto-sentimento (self-feeling) que alguclll sente C detemtinado pela atitude dirigida a isto,atribuida par esta oulra mente. 0 self social desle tipo poderia ser chamado de vidrorefletido ou "looking-glass self'. Cf. C. H. Cooley. Looking-Glass Self. In J. G. Mansand B. N. Meltzer (org.) 1972. De acordo com Manford I-l. Kuhn (1972), Cooleyrepresent a um dos inlelectuais que anteccderlllll a "teoria do paper'.

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tomar-se objeto de suas propriCls Clc;oesdentro da sociedade que,de acordo com MeCld, precede a exis((~ncia do self. A sociedaderep- esenta pois, 0 contexto dentro do Qual 0 self surge e se.dese YO e. Este desenvolvimento tem inicio em um estagio deimitac;ao por parte da crianya, sem C]ualquer componente signi-ficativo. Em seguida ela passa a "assumir 0 papel de outros" emrelac;ao a si propria; exemplos destes papeis sao a "mae", a"professora", 0 "bandido", 0 "mocinho" etc. Quandoa crianc;a ecapaz de fazer 0 jogo de diferentes papeis ela ja constroi 0 queMead chama de "generalized other" ou papel coletivo, 0 que eleadquiriu no curso de sua associac;ao com os outros e cujasexpectativas ela intemalizou (Meltzer, 1972: 10). Meltzer, (idem)ao interpretar 0 pensamento de Mead, enfatiza que 0 self repre-senta urn processo social no interior do individuo envolvendoduas fases analiticas distintas:

"0 'Eu' e a tendencia impulsiva do illdivzduo. Ele e 0

aspecto inicial, espontaneo e desorgallizado da experienciahum ana. Logo, ele representa as tendellcias nao direcionaisdo indivzduo.

A formac;ao do self, assim como 0 ate humClno, tern umafundamentac;ao social. Entretanto, nem 0 self nem 0 ate socialsao estaticos. Eles evoluem ou se modificam de acordo com asmudanc;as nos padroes e nos conteudos das interac;oes que 0

individuo experiencia, nao so com os outros, como consigomesmo. Q.ueo· ··d.o I2-OSSll' un . car-az_de ter umavida mental: ele p-ode faze ·J)djcay.oe..s- a si prop-no - 0 Queconstitui a ro ria mente. Por Que ele 120ssui wna mente, tern a

ossibilidade de dirigir e controlar seu coml2ortamento ao invesde tornar-se urn agente p'assivo dos iml2ulsos e estimulos.

Neste sentido, Mead (1936:389-390 citado por Troyer,1972) afirma que 0 organismo social

".../1{ioe um protoplasl/la sensilivo que esta simplesmenterecebendo estes estzmulos de fora e, entao, respolldendo aeles. Ele esta primariamente procurando certos estzmulos ...

Qualquer coisa que estejamos fazendo determina 0 tipo deestimulo que desencadeara certas respostas que estao me-ramente prontas para expressar-se, e i a atitude em termosde a~ao que nos determina que estzmulo sera" (T. do A.).

o 'Mim' representa 0 'outro' incorporado ao individuo.Logo, ele compreende 0 conjunto orgallizado de atitudes edefinir;oes, compreensoes e expectativas - ou simplesmentesentidos - comuns ao grupo. Em qualquer siruar;ao 0 'Mim'compreende 0 outro generalizado e, raramente, um outroparticular" (nao-grifo do A.).

"Todo ato comer;a naforma de um 'Eu' e geralmente tenni-na na forma de um 'Mim '. Porque 0 'Eu' representa ainiciar;aodo ato antes dele cair sob 0 controle das definir;oese expectativas dos outros (0Mim). 0 'Eu', pois, da propul-sao, enquanto 0 'Mim 'da dire~ao ao ato. 0 comportamentohumano, entao, pode ser vislO como uma serie perpitua deiniciar;oes de atos pelo 'Eu' e de ar;oes retroativas sobre 0

ato (isto e, direcionamento do ato) pelo 'Mim '. 0 ato e aresultante desta interar;ao ,,16 (T do A.).16. Meltzcr (1972:11, nota 3) discntc a aparclllc sClllclhan<;a cxistentc cnlrc os

conccilos do "Eu" e do "Mim", dc Mead, e aqnclcs do "10", "EGO" e "Superego" deFreud. Ele afirma que, enquanlo 0 Superego age dc fonna fmstrante e repressiva sobre 0

"ID", 0 "MIM" proporciona a dirc<;ao necessaria e, 1l1uilas vezes, grnlificallte aosimpulsos desordcnados do "EU". Oulras cOlllpara<;6cs IIIcnorcs sao e1abomdas.

Mead considera indispensavel 0 aparato fisiologico do orga-nismo para 0 desenvolvimento da mente (sistema nervoso centrale cortex). E atraves dele que a genese das mentes e dos selves setorna biologicamente possivel em individuos humanos atravesdos processos sociais de experiencia e comportamentos, dentrode uma matriz de relac;oes socia is e interac;6es. Q ce eb Q enecessario I2ara a emergencia da mente, mas ele sozinho nao faza mente. Ea sociedade-intera ao social Que, usando os cerebros,_forma a mente. 0 comportamento humano inteligente e "essen-cialmente e fundamentalmentesocial" (Troyer, 1972:324 - T. doA.).

17. Por considerannos os aspectos propriamenlc fisiologicos da mente fora dosprop<isitos da presente discussao, nao nos rcferirclllos a elcs. Remetcmos, entretanto, 0

Ieitora Mead (1936). 7

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"COIIIO 11111self pode slirgir SOlllellle elll Ul/W sociedade ondehajn cOllilinicac;do, dn ll/esl/wJoTlnn n ll/ellle so pode ell/er-gir ell/lIl11 self 011persona/idade detHro dn qllal esTa conver-sac;do de aTiTUdes ou panicipac;do social Toll/a Iligar. Ii esTaconversac;do, esTa illlerac;ao sill/bolicn, inTerpOSTacomo Ull/apane ilJTegral do aw, que consTiTUi a melJTe" (Mead,1936:384-385, ciTado por Troyer, 1972:324 - T doA.).

mente e concebida 120 Mead como urn I2rocesso ue sema . esta se 12reQue0 individuo inte a e consi 0 p'r6p.riousan-do simbolos significantes. Esta significancia ou sentido e tam-e social em ori em confonne ja referimos anterionnente. Da

mesma forma a mente e social tanto em sua origem como em suafunyao, pois ela surge do processo social de comunicayao. Den-tro deste processo, 0 organismo seleciona aqueles estimulos quesao relevantes para suas necessidades, rejeitando outros queconsidera irrelevantes. Todo comportamento implica em umapercep~ao seletiva de situa~oes. A percepyao nao pode, assim,ser concebida como uma mera impressao de alguma coisa doexterior no sistema do individuo.

Poroutro lado, 0 ser animal vive em um mundo de "objetos"que constituem seu ambiente circundante. Entretanto, 0 ser hu-mano, diferentemente do animal irracional, e capaz de "fonnar"seus pr6prios "objetos", ou seja, atraves de sua atividade eleestabelece seu ambiente e os objetos socia is que dele fazem parte.o "objeto" e destacado pela mente atraves da percepyao, possi-bilitando ao individuo planejar suas ayoes. A atividade me tn e' VQ sel1tidos que sao attibuidos aos objetos.,de nindo-os."O sentido de um objeto ou evento e simplesmemteuma imagem do padrao de ayao que define 0 objeto ou 0 evento"(Meltzer, 1972:18).

Finaimente, depois da apresentayao sumaria e, certamente,simplificada do pensamento de George Herbert Mead, pretende-mos ter mostrado a vinculas;ao e a unidade organica existentesentre os principais conceitos do autor, tais como a interayaosimb6lica, a assunyao de papeis, 0 sentido, 0 self e a mente quecaracterizam 0 ate humano.

A obra de Mead, embora original e coerente, apresentaalgumas deficiencias e incompletudes, fruto da forma como 0

autor elaborou seu pensamento e da nao-intencionalidade depublicayao de seus escritos na epoca. Conforme ja referidoanterionnente, e!es representavam, na sua maioria, apontamen-tos fragmentarios e esquemas das aulas ou palestras que minis-trava e que foram selecionadas e editadas postumamente semmuita preocupay30 quanta a organizayao,justificando-se, assim,as repetiyoese e as ideias mal-acabadas ou vagas. Meltzer(1972: 18-21) empreende uma avaliayao critica detalhada, dentroda perspectiva da psicologia social, do pensamento de Mead,especialmente no que diz respeito aJalta de clareza e a ambigii.i-dade de certos conceitos relacionados com a natureza dos "im-pulsos"; falta de consistencia no uso dos conceitos de "senti do"e "mente"; ambigiiidade nos conceitos de "Eu" e "Mim", assimcomo de "self', simplificayao no uso do conceito de "outrogeneralizado,,18; 0 usa impreciso dosconceitos de "objeto" e"imagem", e, finalmente, a ambigi.iidade no usa dos conceitos de"atitude", "gesto" e "simbolo" ao tratar do comportamento in-fra-humano. Outra parte da critica de Meltzer se dirige as omis-soes da teoria de Mead: falta de poder explicativo pornegligenciar 0 "porque" da conduta e restringir-se ao "como";sua missilo quanta ao pape! dos elementos efetivos no surgimel').-to do "self' e da interayao social19

: omissao, tambem, quanta anatureza (ou ate existencia) do inconsciente ou subconsciente edos mecanismos de ajustamento. Finalmente, Meltzer chama aaten~ao para a ausencia de uma proposta metodol6gica na obrade Mead - 0 que sera retomado por Blumer e discutido maisadiante - e da falta de evidencia sistematica para seus posiciona-mentos.

Quanto as contribuiyoes, Meltzer (1969:21-22) relaciona ainfluencia de Mead na sociologia sabre Cooley Thomas Park, "Burgess, E. Faris e Blumer, alem de outros na area da psicologia

18. Limita~iio remediada, hoje, pel os trabalhos sobre "gmpo de referenda" quecriaram 0 conceito de "oulros significanlcs", aclarando a conce~iio de Mead de "outrogeneralizado" (Meltzer, 1969:20).

19. Problem.a superado por Cooley.

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social20; sua enfase nos aspectos encobertos, subjetivos do com-

portamento; sua crenya de que 0 comportamento humano ecomportamento em termos do que as situayoes simbolizam e deque a mente e 0 self sao sociais ao inves de biologicarnente dados;a importancia que ele aloca a linguagem como mecanismo deemergencia da mente e do self; sua definiyao de "self' como urnagente ativo; sua conceps:iio de "ato" enfatizando a tendencia dosindividuos de construir seu comportamento no curso da atividadee descobrir os objetos e seu ambiente circundante; sua discussaoda maneira como os individuos constroem seu mundo com urn;e, finalmente, a forma como ele ilumina 0 caniter da interas:aosocial, concebendo-a como 0 compartilhar de comportamentos,ao inves de ve-los como resposta passiva a um estimulo extemo.

Muitas das criticas, acima referidas brevemente, tern comoreferencial a psicologia social, perdendo, pois, seu impacto den-tro de uma avaliayao propriamente sociologica. Desta forma, naopodemos perder de vista que os insights de Mead foram de umaimportancia fundamental para 0 desmembramento do intera-cionismo simbolico em teorias subsidiarias tais como, entreoutras21

, 0 dramaturgismode Goffman e a etnometodologia deHarold Garfinkel que discutiremos mais adiante.

2.5 - A natureza da intera9ao simb6lica

Apesar da relevancia dos estudos classicos acima referidos,alem de outros, eIes nao exibem uma sistematica capaz derepresentar com clareza os pressupostos basicos da abordageminteracionista. Coube a Herbert Blumer faze-lo atraves de seusescritos iniciados em 1937, cuja maioria esta reproduzida em suamais importante publicayao, Symbolic Interactionism, Perspec-tive and Method (New Jersey: Prentice-Hall, Inc. / EnglewoodCliffs, 1969).

Blumer apresenta e discute os mais importantes aspectos dainteras:ao simbolica tentando ser fiel ao pensamento de Mead,abordando sobretudo a natureza da interas:ao simbolica, a natu-

20. Lindesmith e Slrauss, M. Sherif, T. Newcomb, W. Contu e H. Bonmer.21. Oulras vertentes do interacionismo simbOlico podem ser identificadas nos

lrabaUlOs sobre "teoria do pape!", "grupos de referencia" e "tcoria do self'.

reza da sociedade e da vida em grupo, a natureza dos objetos, daayao humana e a a<;30conjunta. Vejamos seus pontos basicos.De acordo com este autor, sao tres premissas basicas do intera-cionismo simbolico:

1. 0 ser humano age com relafao as coisas na base dossentidos que elas tem para ele. ESlas coisas incluem todosos objelos jisicos, outros seres humanos, categorias deseres humanos (amigos ou inimigos), instituifoes, idiiasvalorizadas (honestidade), atividades dos outros e outrassitua90es que 0 individuo encontra na sua vida cotidiana.

2.0 senti do destas coisas i derivado, ou surge, da interafaosocial que alguim estabelece com seus companheiros.

3. Estes sentidos sao manipulados e modificados atravis deum processo interpretativo usado pela pessoa £10 trataras coisas que ela encontra (nao-grifo do A.).

Ao contrario das posturas encontradas em muitas aborda-gens das ciencias psicologicas, 0 interacionismo simb6lico alocauma' po a cia u dental aQ e Jl'dQ Queas oisas tem garao com12ortamento humano. Ignorar isto significa "falsificar 0

comportamento em estudo" (Blumer, 1969:3). Por outro lade, 0

interacionismo simbolico tambem se diferencia de outras abor-dagens quando concebe 0 sentido como emergindo do processode interas:ao entre as pessoas, ao inves de percebe-Io seja comoalgo intrinseco ao ser, seja como uma expressao dos elementosconstituintes da psique, da mente, ou de organizas:ao psicologica.

A utiIiza<;ao de sentidos, entretanto, envolve urn processointerpretativo que acontece em duas etapas. rimeiramente 0 ateindica a si mes 0 s cQisas em dire~ao das quais ele esta agindo;e pont as' mes Qas coisas Q ( e (do sto representaum processo social intemalizado no qual 0 ator interage consigomesmo de uma maneira bem diversa daquela na qual interagemos elementos psicologicos - representando a instancia da pessoaengajada em urn processo de comunicayao consigo mesma. fupse uida, em virtude deste processo, a interpreta<;ao passa asignificar a forma de mani ula ao de sentidos ou seja, 0 atorseleciona checa sus12ende, reagrupa e transforma os sentidos it

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luz da situay30 na ual ele esta colocado e da dire 30 de sua a 30.A interpretay30 e, pois, wn processo formativo, e nao umaaplicayao sistematica de sentidos ja estabelecidos.

Ao fundar-se nestas premissas, a interayao simbolica e leva-da necessariamente a desenvolver um esquema analitico dasociedade humana e da conduta humana que envolve certasideias basicas22 relacionadas com a natureza das seguintes mate-rias: grupos humanos ou sociedades, interay30 social, objetos, 0

ser humano como ator, a ayao humana e as interconexoes entreas linhas de ayao. Em uma visao de conjunto estas ideias repre-sentam a forma como 0 interacionismo simbolico ve a sociedadehumana e a conduta.

A sociedade human a ou a vida humana em grupo e vistacomo consistindo de pessoas que interagem, ou seja, pessoas emayao que desenvolvem atividades diferenciadas que as colocamem diferentes situayoes. 0 12rinci io fundamental e g~s gruposhwnanos, assim como a sociedade, "existem em a<;:ao"e devemser vistos em tennos de a ao. E atraves deste processo deconstante atividade que estrut';:;rase organizayoes sac estabele-cidas. Logo, a vida do grupo necessariamente pressupoe a inte-rayao entre os membros do. grupo ou, em outros termos, asociedade consiste de individuos interagindo uns com os outros,e cujas atividades ocorrem predominantemente em resposta deum a outro, ou em relayao de um a outro. Toma-se, pois, evidenteque a interayao nao pode ser tratada - embora adrnitida - mera-mente como um meio atraves do qual as deterrninayoes docomportamento passam a produzir 0 proprio comportamento.23

Tomando um outro aspecto do pensamento de Mead, Blumerdiscute a necessidade das partes interagentes "assumirem 0 papeldo outro", a fim de que as indicayoes dirigidas 3(S) outra(s)parte(s) sejam feitas a partir do ponto de vista desta outra parte,de modo que sua intenyao seja percebida. A mutua assunyao depapeis e uma condiyao sine qua non da comunicayao e da

interayao efetiva de simbolos. Quando lima pessoa faz indica-s;oes a outra, eJa 0 faz indicando objetos significativos para ela,que fazem parte de seu "mundo". Um objeto e visto, entao, comoqualquer coisa que pode ser indicada ou referida.

Os (0 dos ob'e os pauma pessoa surge fundamental-mente da maneira como eles Ihe sac definidos p-oroutras essoasque com ela intetag"em,~consistindo o.J11eiocj.tcundante de qual-que J;lessoa,UlliCQll j t s Gueesta p-essoareconhece.Assim, para que se compreenda a ayao das pessoas, e necessarioque se identifique seu mundo de objetos. Os objetos - em tennosde seus senridos - sac criacroes socia is, ou seja, sac formados apartir do processo de defin.iyao e interpretacrao atraves da intera-9ao humana. A vida de um grupo humano dentro da perspectivainteracionista representa um vasto processo de formayao, susten-tayao e transfonnayao de objetos, na medida em que seus senti-dos se modificam, modificando 0 mundo das pessoas.

Para ser capaz de interagir, 0 ser humano deve possuir urnself. Ele representa um organismo que nao somente responde aosoutros como a si mesmo, ou seja, 0 ser humano pode ser umobjeto de suas proprias ayoes. Co t o.soh' eJQSQ se urg~ckLp ocesso de 'nte a!j;-o ociaLno qua u r s pessoas estaodefinindo alguem ara si mesmo. A fim de tornar-se um objetoparasi mesma a pessoa deve ver-se a si mesma "de fora", ou seja,colocando-se no lugar ou no papel dos outros e vendo a si propriaou agindo para si mesma daquela posiyao. Conseqi.ientemente,nos vemos a nos mesmos atraves da forma como os outros nosveem ou nos definem.

no ife e do animaLp..QUJ e e aBaz de aze"indi&a~Qes"pa s .gnif ca que, ao confrontar 0

mundo de ob'etos Que° rodeia, ele deve "intergretii-Io" a fi dagir, construindo um" uia de ar;:ao"3 luz desta intemretar;:ao epao somente "resI2onder" aos fatores Quesobre ele atuam ..A ayaoda parte do ser humano "consiste em tomar em considerayao asvarias coisas que ele nota, construindo uma linha de conduta nabase de como ele as interpreta" (Blumer, 1969: 15).

A perspectiva interacionista, pois, esta em completo desa-cordo com certas visoes dominantes, tanto na psicologia comonas ciencias sociais que ignoram 0 processo de auto-intera9ao,

22. Ou "rool images", como prefcre Blulllcr (1969:6).23. Blumer (1969:7) critica ceI1as perspectivas psicologicas e sociologicas que

ignoram que a intera~ao lliio pode ser cOJlcebida como intera~ao de elementos psicolo-gicos ou societais, lais como: a interacao enlre atitudes, a intera~ao de papeis socia is oude componentes do sistema social. Ele enfatiza que a intera~ao social representa umainteracao entre mores e nao entre fatores que sobre eles atuam.

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atraves do qual a individuo manipula a seu muncio e constroi suaa~30. Ao contrario, est.asvisoes concebem a a~30 como originan-do-se de au combinando-se com (motivos, atitudes, complexosinconscientes, configura~30 de estimulos, demandas de slatus aude situa~30 etc.). Sumariando a processo de forma<;30da a<;30,Blumer (1969: 16) enfatiza:

"Nos devemos reconhecer que as alividades dos seres hu-manos consistem no en!rel1lall1elllOde uma seqiiencia desitua<;oes nas quais eles devem agir, eque suas a<;6essaoconstruidas d base do que eles notam, de como eles avaliame interpret.am 0 que eles nolall1, e do tipo de linhas de a<;aoprojelada.s que eles 1Ilapeiam ".

As normas de a<;30humana se aplicam tanto para a a930individual como para a a930 coletiva e, neste ponto, Blumerdiscute urn ultimo aspecto do process a de intera9ao simbolica,que se refere it "ay30 conjunta" (joint action) ou coletiva. Damesma forma que a a930 individual, a a930 conjunt.a pode seconstituir em objeto de estudo, n30 perdendo 0 carater de serconstruida atraves de um processo interpretativo, quando a cole-tividade enfrent.a situa90es nas quais e chamada a agir. A a930conjunt.a, apesar de ser composta da atividade de diferenteslinhas de a<;30dos individuos componentes, tem urn caniter suigeneris, isto e, urn carater que toma a articula<;30ou a vincula<;30das ayoes individuais diferellle do somat6rio destas ayoes.24 Eassim que se pode falar de casamento, de transa<;oes comerciais,de familia, de universidade ou de na~30. Apesar de seu caraterdistintivo, a ay30 conjunta tem sempre que operar atraves de umprocesso de "forma<;30", ou seja, embora certas ayoes conjunt.asaparentemente exibam formas estabelecidas e repetitivas dea<;30,cada uma de suas instancias deve ser formada novamente.Est.as formas decorrentes de a930 permitem ao individuo parti-!har sentidos comuns e preestabelecidos sobre as expectativas dea<;30dos participantes e, conseqiientemente, cada participante ecapaz de guiar seu pr6prio comportamento a luz destes sentidos.

24. Percebe-se aqui a semclhan~a entre a perspccliva iuteracionista com rcla~ao iI"a~iio conjW1ta" e os conceitos de "Illullidiio" de MalUlhein e de "conscicncia coletiva"de Durkheim, no sentido de consicterar seu canilcr sui generis.

Aqui, Blumer novamente critica as visoes dominantes naliteratura de ciencias sociais que entendem est.as formas repeti-tivas da a<;30conjunta como a essencia ou a forma natural da vidahurnana em grupo. Elas acreditam que a sociedade humana existesob a forma de uma ordem estabelecida de vida atraves daaderencia a um conjunto de regras, nomlas, valores e san<;oesque especificam como os individuos devem agir em situa<;oesespecfficas. Exempos disto S30 os conceitos de "cultura" e de"ordem social". 0 fato e que, por detras da fachada da a<;30conjunt.a percebida objetivamente, 0 conjunto de sentidos quesustem est.a a<;aoconjunta tem sua vida propria. Nao e verdadeque sao as regras que crialll e suslellla1ll a vida em grupo, mas,ao contrdrio, e 0 processo social de vida grupal que cria emantem as regras.

As instituiyoes, por exemplo, representam uma rede que naofunciona automaticamente por causa de certa dinamica intemaou sistema de requerimentos; funciona porque as pessoas, emmomentos diferentes, fazem alguma coisa, como um result.adoda forma como definem a situa<;aona qual sao chamadas a agir.Por outro lade, a a<;ao conjunta necessariamente surge e seconfigura a partir das a90es previas de seus participantes quesempre se utilizam de seu "mundo de objetos", de seu "conjuntode sentidos" e de seus "esquemas de interpreta<;ao" que japossuem. A a<;ao conjunta, pois, representa n30 somente um"vinculo horizontal" com as atividades dos participantes, comourn "vinculo vertical" com suas a<;oesconjuntas previas.

Apesar de basear-se sobretudo em Mead na formula<;ao eexplicit.a<;30dos principios da intera<;30simbolica, Blumer cha-ma a aten<;aopara 0 fato de que um posicionamento metodol6-gico definido esta ausente nos escritos daqueles que represent.ama tradi<;30 intelectual do interacionismo simb6lico, t.ais comoMead, Dewey, Thomas, Park, James, Cooley, Znaniecki, Bald-win, Redfield e With. Assumindo inteira responsabilidade ele sepropoe a identificar os principios norteadores da metodologia nocaso da ciencia empirica ea tratar especificamente com a posturametodol6gica do interacionismo simb6lico.

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Sua perspectiva, ao inves de filosofica, pretende-se empirica,ou seja, designada a prover UIl1 conhecimento verificrivel sobrea vida humana em grupo e sobre a conduta humana. Conseqiien-temente, algumas exigencias devem ser preenchidas. 0 primeiropressuposto basico, que, na verdade, representa uma redund~n-cia, e que uma ciencia empirica pressupoe a existencia de urnmundo empirico disponivel para observac;:ao, estudo e analise.Este mundo empirico deve representar sempre 0 ponto central depreocupac;:ao do pesquisador, 0 ponto de partida e 0 ponto dechegada da ciencia empirica. A "realidade", para a ciencia em-pirica, existe somente no mundo empirico e somente 13pode serprocurada e verificada. Entretanto, e necessario que nao seconfunda esta posic;:aocom outras de corte positivista. Ao con-trario delas, esta postura se aproxima e aceita urn dos postuladosidealistas de que "0 mundo da realidade" existe somente naexperiencia humana e que ele aparece somente sob a forma decomo os seres humanos "veem" este mundo. A ciencia empiricatern por fim captar imagens do mundo empirico sob estudo etesta-las atraves do escrutinio acurado do proprio mundo empi-rico. Assim sendo, a metodologia se refere aos principios queestao subjacentes e que direcionam 0 processo global de estudodo carater persistente de detenninado mundo empirico. Estaconcepc;:aode metodologia implica em tres importantes pontos:1) a metodologia compreende a inteira busca cientifica e naoapenas alguns aspectos selecionados desta busca; 2) cada parteda busca cientifica, assim como 0 ato cientifico completo em si,deve ajustar-se ao carater persistente do mundo empfrico sobestudo; logo, os metodos de estudo estao subservientes a estemundo e devem ser testados por ele; 3) 0 mundo empirico sobestudo, e nao os modelos da investigac;:ao cientifica, prove aultima e decisiva resposta a este teste (Blumer, 1969:24).

Percebe-se que esta concepc;:aode metodologia se distanciadaqueias comumente usadas pelas escolas quantitativistas paraquem a metodologia se resume na discussao de metodos etecnicas.

Blumer (1969:24-26) identifica os 6 pontos mais importan-tes da investigac;:ao cientifica que sac indispensaveis a cienciaempirica e que merecem ser conhecidas na sua inteireza:

"a) A possessao e 0 uso de uma visao previa ou esquema domundo empirico sob estudo. Represellta Ii/IIpre-requisitoillevitdvel,jd que e esra visao que orielltord afonllulor;aode problemas, 0 escolho dos tipos de dados, e 0 identi-ficor;ao das premissas que carocterizolll 0 Illulldo emestudo.

b) A elaborac;:aode questoes do mundo empirico e a conver-sac das questoes em problemas. Este eo posso que caTQC-teriza proprialllenre 0 ato da illvestigar;ao, pois sao ostipos de questi5es e os tipos de problemas colocados queIlortearao 0 desenrolar da pesquisa.

c) A detenninac;:ao dos dados a serem coletados e os meiosque serao utilizados para faze-Ios. Ii 6bvio que eo proble-ma que define 0 tipo de dados a sere1l1coletados, e que osmeios usados dependem da natureza dos dados.

d) A determinac;:ao das relac;:oes entre as dados. Pode-sechegar a isto seja atraves de um processo de reflexaoacuradasobre as conexi5es existentes entre os varios tiposde dados, seja atraves de procedimentos estatfsticos me-canicos como a analise de fator all. urnesquema de corre-lar;iio.

e) A interpretac;:ao dos resultados. Ii nesta fase final que 0

pesquisador extrapola 0 ambito dos resultados empiricospropriarnente ditos e se debrur;a sobre 0 referendal te6-rico 011. sobre concepr;i5es que transcendern 0 ambito deurn estudo, atentando para 0 fa to de que se 0 referendalte6rico for falso 011. nao comprovado, suas interpretar;6estarnbem 0 serao.

f) 0 uso de conceitos. Os conceitos sao fundamentais parao ato de investigar;do e devem ser definidos a partir dacolocar;ao dos problemas. Sao eles que guiarao a buscade dados, a tentativa de relaciona-los, assim como ainterpretar;ao dos resultados ".

Com referencia ao segundo aspecto de sua concepc;:ao demetodologia - de que cada parte da busca cientifica, assim como

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do ato cientifico com wn todo, deve moldar-se ao carliter persis-tente do mundo empmco sob estudo e de que, consequentemente,os metodos de estudo devem submeter-se a este mundo devendotambem ser testados por ele -, Blumer critica a metodologiac.onvencional Ror utilizar meios de estabelecer a validade empi-nca de certos estudos atraves de esquemas inadequados paraca~tar 0 caniter especifico do objeto de estudo. Estes meiossenam: a) a aceitacyaodo protocolo cientifico; b) a desenvolvi-~e~to de estudos baseados em replicas; c) a crencyano teste dehip~teses; d) 0 emprego de procedimentos operacionais. A utili-zacyaodeste ~rocesso, diz ele, nao oferece qualquer segurancyadeque as premlssas, os dados, as relacyoes,as conceitos e as inter-pretacyoes sejam empiricamente validos. Estes procedimentosmostram, a priori, que as premissas estabelecidas sobre a natu-reza do mundo empirico realmente 0 refletem, sem que urnexame acurado destas premissas seja empreendido. A tarefa doestudo cientifico, ao contrario, deveria se limitar a "Ievantar 0

veu" que cobre a area ou a vida do grupo que alguem se propoea estud,ar. Isto so pode ser efetuado mediante uma aproximacyaocom a area e de uma "escavacyao" profunda atraves de urn estudocuidadoso. Esquemas metodologicos, que encorajam au penni-tern a~u~le tipo de procedimento, traem 0 principio cardeal derespelto a natureza do mundo empirico.

Blumer (1969:40) tenta fundamentar sua opiniao perguntan-do:

em voga. A explorarao, diz Blumer, e, por definicyao,urn proce-dimento flexivel, no qual 0 estudioso passa de uma a outra formade investigacyao\adota novos pontos de observacyao,a proporyaoque seu estudo progride, toma novos direcionamentos previa-mente nao pensados e muda seu reconhecimenlo do tipo de dadosmais relevantes quando ele adquire mais informacyao e melhorcompreensao. Ja a inspe~ao representa um exame mais intensivoe focal do conteiido empirico de lodos os elementos analiticosusados para fins de analise, assim como 0 mesmo tipo de exameda natureza empirica das relacyoes entre estes elementos. Aexploracyaoe a inspeyao representam, pais, as elementos cardeaisda investigarao naturalista do mundo, au seja, a investigacyaodirigida para 0 mundo empirico tal qual ele se apresenta, ao invesde simulayoes ou abstracyoes au, ainda, substituiyoes atraves deimagens preconcebidas.

o interacionismo simbolico, cujos fundamentos metodol6-gicos foram discutidos acima, vale a pena insistir, e uma aborda-gem "terra-a-terra" do estudo cientifico da vida humana emgrupo e da conduta humana. Mas como e possivel entende-Ios?Varios sao os procedimentos que tem sido utilizados para faze-Ioe que consideram de uma forma ou de outra as dais processos deexplorayao e inspeyao, como a observayao direta, 0 trabalho decampo, a observayao participante, 0 estudo de caso, a entrevista,a usa da historia de vida, a usa de cartas e diarios assim comode docurnentos publicos, paines de discussao e conversas. Blu-mer, embora reconheya a realidade destes procedimentos, estamais preocupado em ressaltar as implicayoes metodol6gicas davisao interacionista sobre 0 gropo humano e a acyaosocial queele surnariza em quatro concepyoes centrais:

"1) as pessoas, individualou coletivamente, estao prepara-das para agir d base dos sentidos dos objetos que compreen-dem seu mundo; 2) a associa~fio das pessoas se da,necessariamente, sob ajorma de processo no qual elas estfiojazendo indica~i5es uma d outra e interpretando as indica-roes uma da outra; 3) os atos sociais, nao importa seindividuais ou coletivos, sao construidos atraves de urnprocesso no qual os atores notal1l, interpretam e avatiam assitua~oes que eles conjrontam; e 4) a intervincula~ao com-

"Como pode alguem aproximar -se da area e escava-la? Istonao e uma questfio simples de aproximar-se de determinadaarea e olhar para ela. It Ullltrabalho exaustivo que requeruma ordem elevada de (probing) tentativa cuidadosa e ho-n~~ta, imagina~fio criativa e disciptinada, recursos eflexi-billdade no estudo, uma pondera~ao dos resultados e umaconstante disposiffio para testar e reorganizar as visoes eimagens da area ".

Este processo nao e especifico das ciencias socia is mastambem das ciencias naturais, como atestam os trabalh~s deDar:v~. Suas.p~rtes fundamentais sac a "exploracyao" e a "ins-pecyao .que dlstmguem clara mente as formas de investigacyaonaturahsta do mundo, daquelas caracteristicas das metodologias

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p/eXQ dos alos que cOlllpreendelJl orgQniza~oes, insritu i~oes,divisfio de rrabaLho e redes de illlerdependencia sao ques-roes Illoventes e niio-esrQricas" (1969:50).

Finalmente, podemos dizer com Blumer que 0 intera-cionismo simb61ico luta pelo respeito a natureza do mundoempirico e pela organiza<;ao de procedimentos metodol6gicosque reflitam este respeito.

que a realidade social nao pode ser percebida atraves de "con-ceitos definitivos", mas sim atraves de "conceitos sensibi-lizantes" que sac mais capazes de expressar 0 caniter processualda realidade.

Nos dizeres de Meltzer e Petras (1972:49):

"EnquQlllo a illlagem de Blumer sobre 0 homem levou-o auma merodologia particuLar, as prediLe~i5es metodol6gicasde Kuhn Levaram-l1o a uma imagem particular do homem ".

Estas diferentes perspectivas nos encaminham para a segun-da diferen<;a entre as duas escolas. Trata-se da questao sobre anatureza do comportamento humano em termos de liberdade oudetermina<;ao, ou, em outras palavras, sobre a questao: e 0

comportamento humano determinado ou indeterminado? Obvia-mente, a compreensao de Blumer a respeito do carater processualda intera<;aoleva-o a conceber este comportamento como impre-visivel e indeterminado. Em contraste, a Escola de IOWA rejeitanao s6 0 indeterminismo da conduta humana como a explica<;aoda inova<;aosocial baseada nos elementos emergentes e criativosda ayao humana. Consequentemente, 0 comportamento e vistocomo determinado pelas definiyoes do autor, inclusive suasautodefini<;oes que, por sua vez, podem ser previstas na base dasexpectativas intemalizadas.

A terceira divergencia diz respeito ao aspecto mais ample daconcepyao do "self' e a da sociedade, como processo ou comoestrutura. Aqui tambem e evidente a predileyao de Blumer pelaconcepyao dinamica tanto do "self' como da sociedade, enquan-to que, para Kuhn, os dois representam estruturas cujos padroessao estaveis e previsiveis.

Finalmente, Blumer e Kuhn diferem quanta aos niveis dainterayaO humana. Blumer, fiel a Mead, admite a existencia dainrera~iio simb6lica, caracteristica dos humanos e da inrerar;iioniio-simb6lica, ou "conversayiio de gestos", de carater essencial-mente baseado em estimulo-resposta, caracteristica tanto dosinfra-humanos como dos humanos. A Escola de IOWA ignoraeste ultimo tipo de intera<;ao, tratando apenas dos aspectos cog-nitivos e nao-afetivos do comportamento humano.

2.7 - Varia~6es na orienra~iio imeraciol1ista25

Embora tenhamos apresentado de forma rnais extensiva aperspectiva de Blumer, devemos esclarecer que os deslocamen-tos tornados pelos seguidores dos classicos - Cooley, Mead,Thomas - levaram 0 surgimento de duas orienta<;oes diferentes:a Escola de Chicago e a Escola de IOWA. A prirneira tern em H.Blumer seu mais renomado expoente, enquanto que a segundasegue a orientayao de Manford Kuhn, faleciso em 1963. Ambos,entretanto, aceitam os principais postulados do interacionisrnosimb6lico discordando, especialmente, com relayao aos pontosque passarnos a discutir brevernente.

A divergencia fundamental entre as duas escolas e, prova-velmente, no campo metodol6gico. Enquanto Blumer insiste nanecessidade de uma metodologia distinta no estudo do hornern,confonne vimos anteriormente, Kuhn enfatiza a comunalidadedo metodo em todas as disciplinas cientificas. Trata-se, aqui, daintenninavel e nao acabada oposiyiio entre os pontos de vistahumamstico e cientifico. Blumer procura tomar a sociedademodema inteligivel, enquanto Kuhn busca as previsoes univer-sais?a .~onduta h~ana. atrav6s da tentativa de operacionalizayaod~s ld.elas c~nt~als do lfiteracionisrno simb6lico. Urn exemplodlsto e sua tecmca de captayao das auto-atitudes (self-attitudes)

~ 'o teste TST- , ou 0 "Teste das vinte afirmayoes". Kuhn acreditana possibilidade de transfonnar os conceitos interacionistas emvariaveis empregadas para testar proposiyoes empiricas. Ja Blu-mer faz objeyiio a este tipo de operacionalizayao por acreditar

25. Este topico e baseado em Mehzer e Pelras (1972:43-57).26. "Twenty Statement Test", 0 mais 1I5<1doteste para identificar e mensurar as

alito-atillides.

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Reconhecendo a magnitude destas divergencias, Kuhn deci-de dar urn outro nome a sua orienta<;ao, no sentido de distingui-lodo interacionismo simb6lico, passando a chama-lo de "teoria doself'. Ao analisar as principais tendencias do interacionjsmosimb6lico, Kuhn (1972:57 -76) esc larece:

"Ate 0 mome11lo,tratamos das subteorias que exibemlimites1Iluitoa1llbiguos. 0 mesmo e certame11leverdadeiro sobre ateoria do self com a qual tellho ide11lificado1Ilinhaspr6priaspesquisas. Era millha i11len~aoem 1946 ou 1947 empregarum termo que nao divergisse lIluito de um ponto de vistaemergente das ideias mais ou menos ortodoxas da i11lerar;aosimb6lica epudesse, por outro lado, possibilitar uma distin-r;ao entre um corpo de orientar;ao conjectural e dedutivocomo representado por Cooley, Dewey e Mead - e umconjunto de generalizar;6es derivado, mas em desenvolvi-me11lO,testado pela pesquisa emp{rica. Achei, mais ou me-nos na mesma epoca, que Carl Rogers havia denominadosuas nor;6es na cldssica psicol6gica como teoria do self,tratando as wirias discrepdncias entre 0 self real ou perce-bido e 0 self ideal. Desde entao, 0 teTlno tern sido usado deforma variada, muitas vezes como nome guarda-chuva, paracobrir vdrias ou todas as subteorias consideradas aqui ",

"0 trabalho empreendido pelos estudiosos da interar;aosimb6lica na Universidade Estadual de IOWA seguiu emmuitos aspectos as proposir;6es programdticas do sumtiriomonogrdfico em psicologia social dos anos 30 por LeonardCottrell e Ruth Gallaglier e do discurso presidencial deCottrell na Sociedade Americana de Sociologia; isto e, temhavido uma atenr;ao considerdvel com relar;ao ao 'self' emsi, e ao 'role taking' " (tomar 0 papel do outro) (p. 65-66).

No mesmo artigo, Kuhn critica 0 modelo dramaturgico deGoffman por nao permitir "generaliz3c;oes testaveis" (p. 67).

Pelo expos to ate 0 presente, e evidente a existencia de umazona de intera9ao significativa entre os trabalhos desenvolvidossob a 6tica da psicologia social e aquela do interacionismosimb6lico, especialmente aquelas que tratam da forma9ao doself, dos papeis sociais, da linguagem e, ate certo ponto, dos

grupos de referencia. Percebe-se assim a fluidez e a artificial ida-de dos limites entre certas disciplinas ou areas de conhecimento,ao mesmo tempo em que se e chamado a refletir sobre a neces-sidade de evitar certos chavoes na sociologia como "psicolo-gismo" ou "reducionismo psicol6gico" ao se trata~ d.ocomportamento humano ou a<;aosocial que nao pode prescmdlrdo aparato psicol6gico do ser humano e, como tal, deve serlevado em considerac;ao.