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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão Região Sul 1 Interdisciplinaridade na formação de professores de música e teatro Teresa Mateiro Universidade do Estado de Santa Catarina [email protected] Melissa da Silva Ferreira Universidade do Estado de Santa Catarina - [email protected] Eixo temático: Conhecimento Interdisciplinar 1. Introdução Neste trabalho a interdisciplinaridade surgiu como uma alternativa pedagógica de formação para os estudantes matriculados nas disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado dos cursos de Licenciatura em Música e Teatro. A questão que tem norteado esta pesquisa é: como os procedimentos de ensino das áreas de música e teatro podem contribuir para a prática pedagógica dos estudantes em formação docente durante o período de estágio? Desde a década de 70 a interdisciplinaridade tem sido um tema recorrente na área da educação. Freitas e Neuenfeldt (2005) destacam a produção de 144 publicações 12 teses, 35 dissertações e 59 artigos , produzidas entre 1970 e 2000. Apesar disso, não há, entre os autores, um consenso sobre a definição do termo. O que há é o entendimento de que são necessárias ao menos duas disciplinas que se inter-relacionem e essa ação recíproca é essencial. Nesta proposta, a definição que tem sido adotada é a de “tro ca e cooperação”, conforme propõe Morin (2001). Para o autor os termos inter-multi-trans-disciplinaridade são “difíceis de definir, porque são polissêmicos e imprecisos” e, por isso, é necessário conservar as principais noções: “cooperação; melhor, objeto comum; e, melhor ainda, projeto comum” (p.115). Para tanto, é preciso romper com a lógica da organização disciplinar e hierárquica do conhecimento, da divisão do trabalho, da hiperespecialização do pesquisador e, consequentemente, da dispersão do saber. Fazenda (1998, p.13) reforça que são os aspectos pluridisciplinares e transdisciplinares que permitirão novas formas de cooperação, tornando-se imprescindível o abandono de posições acadêmicas prepotentes, unidirecionais e não rigorosas” para a aquisição conceitual interdisciplinar. O sentido da ambiguidade é o que permitirá o exercício da interdisciplinaridade, uma vez que o desafio está em manter o rigor disciplinar em meio ao “caos” e à “desordem”, aparentemente provocadas por essa prática pedagógica. Ir além das disciplinas, dos modelos convencionais e da ordem formal a que estamos habituados significa buscar outras posições educacionais e outros esquemas teórico-didáticos que poderão contribuir para organizações e estruturações diferenciadas do saber.

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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

1

Interdisciplinaridade na formação de professores de música e teatro

Teresa Mateiro Universidade do Estado de Santa Catarina – [email protected]

Melissa da Silva Ferreira Universidade do Estado de Santa Catarina - [email protected]

Eixo temático: Conhecimento Interdisciplinar

1. Introdução

Neste trabalho a interdisciplinaridade surgiu como uma alternativa pedagógica de formação para os

estudantes matriculados nas disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado dos cursos de Licenciatura em

Música e Teatro. A questão que tem norteado esta pesquisa é: como os procedimentos de ensino das áreas de

música e teatro podem contribuir para a prática pedagógica dos estudantes em formação docente durante o

período de estágio?

Desde a década de 70 a interdisciplinaridade tem sido um tema recorrente na área da educação.

Freitas e Neuenfeldt (2005) destacam a produção de 144 publicações – 12 teses, 35 dissertações e 59 artigos

–, produzidas entre 1970 e 2000. Apesar disso, não há, entre os autores, um consenso sobre a definição do

termo. O que há é o entendimento de que são necessárias ao menos duas disciplinas que se inter-relacionem

e essa ação recíproca é essencial. Nesta proposta, a definição que tem sido adotada é a de “troca e

cooperação”, conforme propõe Morin (2001). Para o autor os termos inter-multi-trans-disciplinaridade são

“difíceis de definir, porque são polissêmicos e imprecisos” e, por isso, é necessário conservar as principais

noções: “cooperação; melhor, objeto comum; e, melhor ainda, projeto comum” (p.115). Para tanto, é preciso

romper com a lógica da organização disciplinar e hierárquica do conhecimento, da divisão do trabalho, da

hiperespecialização do pesquisador e, consequentemente, da dispersão do saber.

Fazenda (1998, p.13) reforça que são os aspectos pluridisciplinares e transdisciplinares que

permitirão novas formas de cooperação, tornando-se imprescindível “o abandono de posições acadêmicas

prepotentes, unidirecionais e não rigorosas” para a aquisição conceitual interdisciplinar. O sentido da

ambiguidade é o que permitirá o exercício da interdisciplinaridade, uma vez que o desafio está em manter o

rigor disciplinar em meio ao “caos” e à “desordem”, aparentemente provocadas por essa prática pedagógica.

Ir além das disciplinas, dos modelos convencionais e da ordem formal a que estamos habituados significa

buscar outras posições educacionais e outros esquemas teórico-didáticos que poderão contribuir para

organizações e estruturações diferenciadas do saber.

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Frente ao exposto, esperamos que este estudo contribua para o desenvolvimento do conhecimento

interdisciplinar durante a formação docente em música e teatro, buscando correlações entre as disciplinas,

unindo ideias para a solução de problemas comuns e recuperando processos subjetivos, afetivos e criadores,

muitas vezes dissolvidos pelo isolamento disciplinar.

2. Interdisciplinaridade na escola

A escola, muito mais que a universidade, tem sido o espaço por excelência para o desenvolvimento

de experiências interdisciplinares. A interdisciplinaridade escolar tem concepções práticas e epistemológicas

diferentes da interdisciplinaridade científica. Segundo Lenoir (1998, p.52), enquanto a primeira tem por

finalidade favorecer a integração de aprendizagens e conhecimentos, tendo como sistema de referência o

sujeito aprendiz e sua relação com o conhecimento, a segunda visa a produção de novos conhecimentos e

respostas às necessidades sociais, tendo como sistema de referência o conhecimento. A interdisciplinaridade

escolar conduz ao estabelecimento de ligações de complementaridade entre as matérias escolares enquanto a

interdiciplinaridade científica tem como consequência a produção de novas disciplinas.

Revisando a literatura da área de educação musical sobre interdisciplinaridade1 encontraram-se:

trabalhos que relatam e refletem sobre experiências realizadas no ensino fundamental integrando música a

outras disciplinas (Jardim, 2010; Cordeiro, 2007; Campos; Ferreira, 2006); trabalhos desenvolvidos com

crianças e professores que atuam em escolas específicas de artes (Foly; Cruvinel, 2006; Geyer; Pecker,

2007); trabalhos sobre a formação do pedagogo (Schroeder, 2009); pesquisas sobre a interdisciplinaridade

no ensino do instrumento (Queiroz; Cruvinel, 2010; Póvoas, 2007); e, projetos de estágio relizados por e

com alunos de licenciatura (Hueblin, 2003; Giupato, 2011; Kleber; Cacione, 2009; 2010). Este último grupo

de trabalhos são os que mais estão relacionados a este estudo e, por isso, apresenta-se a seguir um breve

resumo de cada um deles.

Hueblin (2003) uniu música, artes visuais e teatro no projeto “O circo vem aí” que se desenvolveu

com uma turma de 2ª série do ensino fundamental de uma escola pública de Florianópolis (SC). O projeto

foi elaborado para a realização do estágio curricular supervisionado que teve como principal objetivo

proporcionar aos alunos o contato com composições brasileiras com temas circenses. As crianças realizaram

atividades de canto e execução instrumental ao mesmo tempo que vivenciaram atividades de expressão

corporal e criaram o cenário e o figurino para cada um dos personagens do circo. A autora declara que “unir

1 Foram consultadas as Revistas e os Anais da ABEM publicados nos últimos dez anos, assim como os números da Revista

Nupeart, selecionando-se apenas os trabalhos que uniam o tema da interdisciplinaridade com os estágios curriculares

supervisionados.

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saberes das diferentes áreas em prol da criatividade e da educação pôde romper com a concepção

fragmentária do conhecimento. Foi necessário unir as partes envolvidas para alcançar o todo, pois estas

isoladamente perderiam seu valor” (p. 111).

O caráter interdisciplinar da prática do conhecimento pressupõe um processo integrador do todo com

as partes, sem perder de vista as diferenças, ainda que para alcançar um mesmo fim, conforme aponta

Severino (1998). “É sempre uma articulação entre totalidade e unidade” (p.42). O trabalho conjunto é

indispensável, porém a performance individual permanece. O relato de Hueblin (2003) expressa exatamente

essa ideia interdisciplinar que se desenvolveu no âmbito de um projeto, uma prática com intencionalidade,

onde o aprender esteve relacionado ao construir e onde os meios estiveram articulados com os fins.

Giupato (2011) relata suas aulas de estágio que integraram conteúdos de música e artes visuais com

uma turma de 8ª série de uma escola pública, da cidade de Londrina (PR). Professores e alunos participaram

conjuntamente do processo da análise de obras de pintores e músicos de diferentes períodos, citando como

exemplo o estudo sobre o Impressionismo. Os alunos foram, ainda, direcionados a criar composições

musicais para instrumentos de percussão e xilofones respeitando as características do referido movimento

artístico. Esse trabalho fundamentou-se na pedagogia relacional, ou seja, uma abordagem onde o aluno

estabelece interconexões com os conteúdos e/ou materiais propostos, construindo o seu próprio

conhecimento por meio da ação e reflexão.

A pedagogia relacional é uma das opções epistemológicas apontadas por Lenoir (1998, p.51) quando

trata sobre a interdisciplinaridade científica e a interdisciplinaridade escolar. O autor afirma que a

interdisciplinaridade escolar privilegia tanto a abordagem radical (abordagens conceituais ou temáticas)

quanto a relacional, ficando a abordagem ampliativa para a emergência da criação de disciplinas científicas.

A abordagem relacional, mencionada no relato de Giupato (2011), é aquela onde o conhecimento é o

resultado do estudo das relações entre os conteúdos das diversas áreas, ou seja, a aprendizagem ocorre de

maneira integrada e não fragmentada. É dessa forma que é possível a percepção e a compreensão de visões

de mundo integradas (LENOIR, 1998).

Um projeto mais abrangente desenvolvido com as primeiras séries do ensino médio de duas escolas

públicas, envolvendo acadêmicos de oito licenciaturas da Universidade Estadual de Londrina, é apresentado

por Kleber e Cacione (2009; 2010). O tema do projeto foi “Diversidade” e o trabalho com a equipe de 15

professores da UEL, 18 professores das escolas, 18 estagiários e 220 alunos foi realizado por meio de:

seminários entre as licenciaturas (geografia química, história, ciências sociais, língua inglesa, biologia,

matemática e música); reuniões semanais e quinzenais entre a universidade e as escolas; oficinas com os

professores para a preparação de cadernos interdisciplinares; oficinas com cinco turmas de alunos; avaliação

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das oficinas e registros de experiências; elaboração de relatórios e publicação de resultados. Os resultados

apontaram para o avanço qualitativo dos cursos de graduação, uma vez que essa ação proporcionou estreitar

os laços com a educação básica e, consequentemente, influenciar a formação inicial dos futuros professores.

Por outro lado, as escolas foram contempladas com oficinas imbuídas pela metodologia interdisciplinar que,

certamente, contribuíram para as práticas pedagógicas escolares.

Apresentamos aqui apenas alguns exemplos de trabalhos interdisciplinares na área de artes. Contudo,

foi possível perceber nessas experiências a tentativa por alternativas metodológicas para “ligar o que está

isolado”, sem descartar o “isolar para conhecer”, como destaca Edgar Morin (2001, p.104). Essa intensidade

de buscas por outros modos de ensinar geram novos modos de aprender que, certamente, não concedem

lugar à formação em série, pois conforme Fazenda (1998, p.14) “exige a consideração do que é próprio de

cada um”.

3. Projeto Interdisciplinar de Estágio

O Projeto nasceu da nossa inquietação enquanto professoras orientadoras dos estágios curriculares

dos cursos de Licenciatura em Música e Teatro. Pelo menos duas razões justificam essa inquietação: a busca

por procedimentos de ensino e aprendizagem que proporcionem vivências diferenciadas e estimuladoras aos

estudantes que enfrentam o período de estágio curricular nas escolas públicas de educação básica; e, a

tentativa de motivar aqueles acadêmicos que não se sentem atraídos pela formação docente, pois desejam,

em primeiro lugar, ser músicos ou atores. Essa é uma questão que prepassa tanto a discussão sobre o status

acadêmico e social quanto a identidade profissional – discussão extremamente relevante que já tem sido

levantada por alguns autores como, por exemplo, Bouij (2003), Froehlich (2007) e Mateiro (2007).

As disciplinas de estágio curricular ocorrem na segunda metade dos cursos. Os estudantes de música

que participaram deste projeto foram os matriculados nas disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado I

e II, e os estudantes de teatro foram os matriculados nas disciplinas de Teatro na Escola (Estágio III e IV).

Essas disciplinas tem como foco a prática de ensino no contexto escolar. As aulas ocorrem uma vez por

semana na universidade e a atuação no campo de estágio, ou seja, em escolas de educação básica, tem uma

previsão de 30 horas por semestre. As orientações acontecem tanto na universidade quanto nas escolas,

podendo ser individuais, em dupla ou em grupo, envolvendo inclusive o(a) professor(a) da escola.

Em 2011 iniciamos o planejamento das referidas disciplinas escolhendo como tema “Educação para

a autonomia. Uma utopia possível”. As discussões e reflexões giraram em torno à realidade das escolas

públicas: o modelo de aula tradicional, a motivação dos alunos, a cultura e a gestão escolar, a organização

disciplinar, a disciplina de artes no currículo, o espaço escolar para as atividades de música e teatro, a

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obrigatoriedade do conteúdo de música desde 2008 com a Lei 11.769, as condições de trabalho, a

infraestrutura, os materiais didáticos, o salário, a carreira do professor, entre outros tantos aspectos.

A Escola da Ponte foi o exemplo estudado como um modelo para uma escola possível. A maioria dos

estudantes em formação não conhecia e assim, sentimos que, de alguma forma, conseguimos despertar o

interesse pelo assunto. Repensar os modelos da escola pública a partir do estudo do Projeto Fazer a Ponte

era um dos objetivos das disciplinas. Assistimos a vídeos que tratavam sobre a referida escola e lemos e

debatemos sobre alguns textos, entre eles: “Fazer a Ponte, construir a memória” de José Pacheco

(CANARIO; MATOS; TRINDADE, s/d); os textos do livro de Rubem Alves (2002) e do livro de José

Pacheco (2000). Para culminar o semestre os estagiários tiveram a oportunidade de ter uma aula e uma

palestra com o professor José Pacheco sobre os diversos temas debatidos durante o semestre.

Em 2012 demos continuidade ao projeto e escolhemos como fundamentos teóricos a pedagogia de

Paulo Freire e as teorias do cotidiano. Naquele ano a nossa ideia foi a de despertar a curiosidade sobre

conhecimentos teóricos e experiências já estabelecidas e reconhecidas que pudessem auxiliar a prática

pedagógica dos nossos alunos no contexto escolar. Para tanto, antes de lermos ou discutirmos os temas em

sala de aula, convidamos o professor Lourival José Martins Filho (UDESC) para falar sobre o trabalho de

Paulo Freire e a professora Jusamara Souza (UFRGS) para expor sobre as teorias do cotidiano com ênfase

nas pesquisas realizadas na área da sociologia da educação musical. Recomendamos a leitura das obras de

Paulo Freire (1967; 2011) e de Jusamara Souza (2000; 2008).

Mais uma vez, estávamos propondo e tentando proporcionar a integração das aprendizagens e dos

conhecimentos. Entretanto, assim como Lenoir (1998, p.54) ressalta, sabíamos que não basta somente o

ponto de vista do professor (articulação curricular, plano didático e intervenção educativa), sendo necessário

o ponto de vista do formado (inserção do aprendiz nos processos mediadores e nas etapas da aprendizagem)

e, por fim, o produto, definido como a integração de conhecimentos, ou seja, o resultado da aprendizagem.

Segundo o autor a “integração é como um processo interno, de construção de produtos cognitivos, processo

que interessa ao sujeito e que exige a ajuda apropriada de um terceiro que age a título de mediador

momentâneo (o educador), colocando em prática as condições favoráveis às orientações de integração”.

Este ano o tema abordado foi a “Afetividade na educação”. Humanizar o conhecimento e

compreender como os processos afetivos podem ser construídos no cotidiano escolar foram os principais

objetivos que permearam as aulas dos estagiários no primeiro semestre de 2013. A troca de ideias permeou

assuntos como: a função social da escola; o papel dos pais e professores diante dos problemas de

aprendizagem; os valores como elementos constituintes da dimensão afetiva; a diferença entre sentimentos,

emoções e afetividade; os laços afetivos necessários aos processos educacionais; ética e moral; a resolução

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de conflitos interpessoais; as influências das emoções nas funções cognitivas e conportamentais; a violência

e o fracasso escolar.

Ana Maria Borges de Sousa (UFSC) foi a professora convidada que falou aos estudantes sobre a

educação a partir da Ética do Cuidado. Para ela a ética pedagógica tem por base a afetividade qualificadora e

o aprender deve ser um direito prazeroso que encanta e dá liberdade. Não é um dever moral. A professora

diz que “a escola, orientada pela gestão do cuidado na formação humana e na capacitação de sua

comunidade, rejeita qualquer processo que produza exclusão, nega qualquer manifestação de desrespeito,

porque pratica, pelo exemplo, o desenraizamento das indiferenças” (SOUSA, 2002, p.186). Além da roda de

conversa com os estudantes de música e teatro, Ana Maria propos e orientou vivências fundamentadas nos

princípios da Educação Biocêntrica e da Biodanza (ver SOUSA, 2006).

Durante os três anos de realização do Projeto Interdisciplinar de Estágio, os procedimentos

metodológicos foram alternados entre leituras e debates, palestras e minicursos, mostra de vídeos e

propostas práticas para o ensino de música e para o ensino de teatro. A seguir descreveremos com mais

detalhes as aulas que chamamos de interdisciplinares.

3.1 Aulas interdisciplinares – música e teatro

Uma aula por mês foi dedicada às aulas interdisciplinares, envolvendo os estudantes dos dois cursos

e os respectivos professores. Os estudantes preparavam atividades possíveis para a sala de aula e, assim, os

estagiários de música tiveram contato com algumas metodologias teatrais, como o Drama (VIDOR, 2010) e

o Teatro Playback (SALAS, 2000), enquanto os estagiários de teatro experimentaram atividades musicais

fundamentadas em pedagogias de educação musical como, por exemplo, as propostas de Schafer (1991). As

aulas foram gravadas em vídeo e registradas em protocolos escritos. Ao final de cada semestre foi realizada

uma avaliação com os estudantes, por meio de questionários e entrevistas.

Na opinião dos licenciandos essas aulas constituíram um espaço de troca de ideias pedagógicas, pois

durante o período de estágio o planejamento é uma das tarefas que mais ocupa e preocupa os estudantes.

Muitas são as perguntas: Como devo iniciar a aula? Qual a atividade mais adequada para trabalhar tal

conteúdo? Onde posso tirar ideias para planejar a minha aula? Maurício escreveu: “As aulas de estágio

foram produtivas no sentido de compartilhar as experiências vividas em sala de aula, tanto do pessoal da

música e do pessoal de teatro. Inclusive as aulas integradas no meu ponto de vista contribuíram

imensamente na nossa prática como estagiários”. A maioria dos colegas foi unânime em afirmar o mesmo.

Outros aspectos foram também destacados como, por exemplo, a oportunidade que cada um teve de

desenvolver habilidades e/ou comportamentos, como se pode observar no depoimento de Luiza: “Nestas

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aulas consegui me soltar um pouco mais e ter mais coragem de me expor de outra maneira, além de ter

aumentado o repertório de atividades em sala de aula”. Esse “soltar um pouco mais” está relacionado às

atividades corporais que foram mais desafiantes para os alunos de música do que para os de teatro.

Para ilustrar, selecionamos dois trechos extraídos dos protocolos elaborados pelos estudantes durante

e após as aulas interdisciplinares. O primeiro, refere-se a uma atividade proposta pelos estagiários de música

e, o segundo, pelos estagiários de teatro.

Cada grupo tinha um notebook, no qual havia um arquivo de vídeo de um trecho de desenho animado, sobre o qual deveriam compor uma trilha sonora. Havia vários instrumentos disponíveis para a

utilização dos grupos como flautas-doce, tamborins, chocalhos e até materiais do cotidiano, como um

galão de água vazio para ser usado como tambor. Os grupos ficaram aproximadamente 15 minutos

compondo. Por proporcionar um momento muito interessante que é a composição de uma trilha

sonora e a sua execução ao vivo, a atividade envolveu a todos. E, ela tem um impacto musical

abrangente, pois “abre os nossos ouvidos” para uma consciência maior das ligações existentes entre

som e imagem nos filmes, desenhos animados, novelas... nas nossas vidas. Além de abrir portas para

criamos outras possibilidades de ligação (Protolo de Beatriz, Maurício e Roveli).

Fotos: Teresa Mateiro

O terceiro exercício, assim como o primeiro, foi em roda. Desta vez um aluno começava a fazer um

movimento que envolvia o colega do lado (como por exemplo: cutucar as costas) e todos os outros

tinham que repetir o mesmo movimento. Aos poucos iam sendo acrescentados novos gestos. No fim a

atividade ficou um pouco confusa, pois eram muitos gestos misturados e nem todo mundo conseguia

observar tudo o que acontecia na roda para repetir. Mas, ainda assim, foi interessante por exigir

concentração e por ter que observar o outro, trabalhando assim em conjunto (Protocolo de José,

Juliana e Luíza).

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Foto: Teresa Mateiro

4. Considerações finais

Este trabalho procurou apresentar e discutir ideias acerca da formação de professores sob a

perpectiva da interdisciplinaridade. As experiências relatadas resumem três anos de propostas didático

pedagógicas com grupos de estudantes dos cursos de Licenciatura em Música e Teatro. Respondendo à

questão de pesquisa pensada para este estudo podemos afirmar que os procedimentos de ensino na

perspectiva adotada de “troca e cooperação” (Morin, 2001) “contribuíram imensamente” – como assim foi

definido por um dos estudantes – para a prática pedagógica dos estagiários. Observamos que os

procedimentos compartilhados de ensino tem proporcionado aos estudantes um desafio global e complexo

quando são convidados a pensar nos conhecimentos de forma integrada e não fragmentada.

Este ano foi possível acompanhar um estágio curricular integrando música e teatro, como parte dos

resultados deste projeto. Os licenciandos desenvolveram um trabalho integrado com uma turma de crianças

na faixa etária entre quatro e cinco anos, do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI/UFSC). Por meio da

metodologia teatral do Drama, onde as atividades, inseridas em um contexto ficcional, se desenvolveram por

episódios e com a mediação do professor-personagem, as aulas foram permeadas de vivências teatrais e

musicais. A temática estava relacionada ao respeito pela diversidade, onde experiências com elementos de

culturas estrangeiras tornaram-se o foco dos processos de ensino e aprendizagem.

Para os próximos semestres vislumbram-se trabalhos interdisciplinares com as artes visuais e com os

estagiários de Pedagogia. Por um lado, acredita-se que olhar para outras práticas é fundamental para se obter

uma visão sobre a própria prática e, por outro, romper com o isolamento das disciplinas, considerando o que

lhes é contextual, pode contribuir para modificar e alterar os procedimentos de ensino das aulas de arte.

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