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Interdisciplinaridade no sistema nacional de Pós-Graduação
e desafios à avaliação1
Jalcione Almeida
Marlize Rubin-Oliveira
1. Introdução
A produção de conhecimento científico no Brasil está centrada principalmente
nas universidades, mais especificamente no quadro do Sistema Nacional de Pós-
Graduação (SNPG). E é a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), fundação do Ministério da Educação (MEC), que “desempenha
papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu
(mestrado e doutorado) em todos os estados da Federação” (CAPES, 2015a).
Ao longo dos anos, a CAPES tem desempenhado papel preponderante no
processo de avaliação e fomento à Pós-Graduação no País, função estruturante nas
diretrizes de produção e divulgação de conhecimento científico2. No que se refere à
ideia de interdisciplinaridade, é possível perceber que esta foi preenchendo e
consolidando espaços no contexto das políticas do SNPG, hoje ocupando lugar central.
A meta de produção de conhecimento interdisciplinar começa a se
institucionalizar no SNPG a partir dos primeiros programas de Pós-Graduação criados
em meados da década de 1990. A partir das proposições desses Programas, inicialmente
avaliados por pareceristas ah doc (não havia ainda um comitê multi ou interdisciplinar
instituído na CAPES), vários foram os movimentos que surgiram. Estes induziram a
realização de diversos seminários nacionais e internacionais para discussão e
aprofundamento do tema, a criação da Área específica de avaliação (já nos anos 2000
renomeada CAInter) e o Plano Nacional de Pós-Graduação – PNPG (BRASIL, 2010),
este apresentando em um dos seus cinco eixos estruturantes a meta da
interdisciplinaridade e a elaboração dos Documentos de Área de Avaliação, que
acabaram por influenciar os critérios de avaliação.
1 Publicado em: ALMEIDA, J.; RUBIN-OLIVEIRA, M.; Interdisciplinaridade no sistema nacional de
Pós-Graduação e desafios à avaliação. In: In: RODRIGUES, L.P; ALMEIDA; J; COELHO, G.B. (Org.).
Ciência, interdisciplinaridade e avaliação CAPES. 1ed.Jundiaí: Paco Editorial, 2019, v. 1, p. 45-70. 2 A CAPES foi fundada em 11 de julho de 1951.
2
Neste capítulo, tem-se o objetivo de refletir sobre a trajetória da
interdisciplinaridade no contexto do SNPG desde os primeiros Programas de Pós-
Graduação avaliados por pareceristas ah doc, ponderando e analisando os desafios
colocados à avaliação dos cursos e programas de pós-graduação nesta Área na CAPES.
O capítulo é organizado em três blocos: o primeiro situa a interdisciplinaridade a partir
da busca (necessidade?) de diálogos epistêmicos na geração de conhecimento científico;
o segundo momento trata da interdisciplinaridade no contexto do SNPG, destacando
suas principais marcas nas últimas décadas; e o terceiro momento trata da avaliação
interdisciplinar, de seus problemas e desafios.
2. Na busca de diálogos interdisciplinares
Os debates que se estabelecem hoje em torno da ciência e seus métodos têm
revelado a fragilidade de conceitos e teorias centradas na fragmentação e na dualidade
do conhecimento produzido. Esse processo tem levado alguns autores a se dedicar à
temática buscando caracterizar o momento atual da ciência. Em decorrência, várias
expressões e ideias surgem para denominar este período: “revolução intelectual”
(RAYNAUT, 2011), “transição paradigmática” (SOUSA SANTOS, 2006),
“complexidade” (MORIN, 2002), apenas para citar algumas. Entretanto, o debate está
longe de caracterizar um consenso, apenas demonstra a atualidade do tema e a
necessidade de convergências que visem à superação de conceitos pautados em ideias
fragmentadas e duais.
Ao longo das últimas décadas nasceu uma nova ciência, a física dos processos
de não equilíbrio. Esta ciência trouxe conceitos novos, como “auto-organização” e
“estruturas dissipativas”, que são hoje amplamente utilizadas nas áreas científicas. O
conceito de irreversibilidade não aparece apenas como fenômenos simples, estando na
base de inúmeros fenômenos novos, como a formação de turbilhões, das oscilações
químicas ou das radiações a laser. O mundo não é uniforme e não está em seu estado
mais provável. Vivemos num mundo improvável, e a “flecha do tempo, a possibilidade
de definir uma diferença entre o antes e o depois, é apenas a consequência desse fato”
(PRIGOGINE; STENGERS, 1992, p. 33).
A ciência clássica privilegiou a ordem, a estabilidade, ao passo que, em todos os
níveis de observação, começa-se a reconhecer o papel primordial das flutuações e da
instabilidade. Noções como a de caos se tornam frequentes e invadem todos os campos
3
da ciência. Prigogine (1996) defende a ideia de que não há necessariamente exclusão,
mas eventualmente complementaridade entre fenômenos desordenados e fenômenos
organizadores. A ordem da física clássica não é mais o contexto do universo. Assiste-se
ao surgimento de uma ciência que não mais se limita a situações simplificadas,
idealizadas, mas nos põe diante da complexidade do mundo real, uma ciência que
permite que se viva a “criatividade humana” (PRIGOGINE, 1996, p. 14) como a
expressão singular de um traço fundamental comum a todos os níveis da natureza.
Os modernos esperavam que o saber científico e o poder técnico por eles
conferidos proporcionassem a redenção e emancipação de toda a espécie aos
constrangimentos naturais e a superação de nossas fontes de insatisfação. Bourg (1997)
cita quatro exemplos para demonstrar que não estamos libertos da natureza e, sim,
temos de compensar os avanços reais do progresso com novos fardos e dificuldades: 1)
a substituição mais ou menos completa de certos serviços automaticamente prestados
pela natureza por atividades e regulações de obra humana; 2) a necessidade de respeitar
os grandes equilíbrios da biosfera; 3) a regulação da técnico-natureza, que não cessamos
de construir; e, 4) atentarmos a luta ancestral entre os seres humanos e a natureza.
A palavra-chave das relações humanas com a natureza já não é domínio
possessivo. Ela foi substituída por responsabilidade e cooperação. Com efeito, não
poderíamos ser responsáveis por coisas sobre as quais temos poder limitado. A nossa
responsabilidade começa e acaba onde começam e acabam os nossos poderes. Convirá
notar que nosso poder de nocividade e destruição ultrapassa largamente a nossa
capacidade de construir. Neste contexto, dois princípios são apresentados por Bourg
(1997): a precaução e a responsabilidade. O princípio da precaução convida-nos a agir
com cautela a despeito da incerteza científica. O princípio da responsabilidade exige a
renúncia à ação quando ela envolve o risco de pôr em perigo a possibilidade de vida
humana futura ou mesmo apenas a qualidade humana dessa vida.
A polêmica teórico-metodológica (epistemológica) em torno do modelo de
produção de conhecimento tem encontrado na ideia de “diálogos” um espaço de
consenso entre aqueles que buscam superar concepções fragmentadas e duais. O diálogo
de saberes, para Leff (2003), é um diálogo entre seres marcados pela heteronomia do ser
e do saber, por uma alteridade que não é absorvida pela condição humana em geral, mas
se manifesta no encontro de diferentes seres culturais, de seres feitos de conhecimento
que não podem ser reduzidos a conhecimentos objetivos e a verdades ontológicas,
totalizantes, mas se referem à justiça para os outros: justiça não se dissolve ou resolve
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em um campo unitário de direitos humanos, mas o direito de ter direitos diferentes de
seres diferenciados pela cultura. “El diálogo de saberes sólo es posible dentro de una
política de la diferencia, que no es apuesta por la confrontación, sino por la paz justa
desde un principio de pluralidad” (LEFF, 2003, p. 23).
O diálogo de saberes, para Leff (2004), acontece no encontro de identidades
conformadas por racionalidades e imaginários que configuram os referentes, os desejos
e vontades que mobilizam os agentes sociais e que transbordam a relação teórica entre
conceitos e processos materiais para um diálogo entre o real e o simbólico. Entretanto,
cabe atenção às tensões produzidas neste processo. O diálogo de saberes produz tensões
principalmente entre os saberes produzidos e as estruturas sociais hierárquicas. As
estruturas sociais díspares e os objetivos não compartilhados podem provocar disputas
inviabilizando o diálogo de saberes na produção de conhecimento interdisciplinar.
A ideia que parece se espraiar, a partir de diferentes perspectivas e espaços, com
diferentes iniciativas, é a da necessidade de encontrar alternativas ao modelo de
expropriação de diferentes saberes (conhecimentos). Dentro desta perspectiva, os
diálogos epistemológicos se ampliam e se enriquecem na busca por soluções que
exigem, cada vez mais, respostas dinâmicas de inclusão tanto da humanidade, quanto da
natureza, expropriadas e até mesmo negadas dentro da perspectiva da modernidade.
Assim, as tensões identificadas, nesse processo, devem ser enfrentadas como desafios
na produção de conhecimento científico.
Dentro desses pressupostos, o diálogo de saberes aparece como um dos
caminhos possíveis que leva a repensar a concepção disciplinar e fragmentária na
produção do conhecimento. Hoje, a necessidade histórica é de encontrar um método que
detecte e não oculte as ligações, articulações, solidariedades, implicações, imbricações,
interdependências e complexidades. Isso pressupõe que o observador seja reintegrado à
observação como sujeito conceituador. O ponto de partida parece ser a compreensão da
ciência como uma das formas de expressão humana. A busca de explicações dos
significados da existência individual e coletiva e as relações e explicações sobre a
natureza devem ser, no mínimo, (re)pensadas e (re)configuradas, tendo presente a
perspectiva de que tais explicações não são exclusivas, conclusivas e nem definitivas.
Diante disso, a ciência é por definição questionadora, reflexiva e crítica, e todos que
interagem com o conhecimento científico devem ter a dúvida, a reflexão e crítica como
pressupostos de observação, análise e síntese.
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Para Pombo (2004), não é o programa analítico que está em crise, mas, sim, o
fato de que ele surge hoje como insuficiente. Para a autora, estamos entrando em um
terceiro momento da história das relações cognitivas dos indivíduos com o mundo. O
primeiro teria sido anterior à ciência, anterior à análise. O segundo teria sido o da
fragmentação disciplinar, do pensamento analítico governado pelo princípio, hoje
insustentável na sua generalidade, de que o todo é igual à soma das partes. O terceiro
momento é “aquele que, justamente, reclama o contributo da interdisciplinaridade e
integração dos saberes” (POMBO, 2004, p. 19).
Parece fundamental explicitar o conceito que sustenta as práticas
interdisciplinares e o que se almeja com tais práticas. No entanto, tal explicitação deve
ser o pressuposto de qualquer prática científica, pois envolve opções teórico-
metodológicas muitas vezes não explicitadas. Vieira Pinto (1985) adverte que qualquer
que seja o campo de atividade no qual o pesquisador se aplique, a reflexão sobre o
trabalho que executa, os fundamentos existenciais, suportes sociais e finalidades
culturais e tantas outras questões que se referem ao processo da pesquisa científica,
enfim, a lógica da ciência não pode ficar à parte do campo de interesse do pesquisador.
Dentro do contexto atual, é possível observar o termo interdisciplinaridade ser
invocado como um conceito que cabe em qualquer lugar, principalmente quando se
reconhece o limite do saber disciplinar. A simples reunião de pessoas de diferentes
áreas ao redor de uma mesa para debater uma temática, muitas vezes é denominada de
“discussão interdisciplinar”. O conceito, no entanto, não é unívoco, e a expressão
aparece para designar os mais variados tipos de experiências. Para além das mais
significativas definições de interdisciplinaridade, os conceitos fazem parte de uma
família de palavras todas ligadas entre si pelo radical “disciplina”. Pombo (2004) chama
a atenção para que, assim como outros conceitos da mesma família,
interdisciplinaridade surge então como algo que designa diferentes modos de relações e
articulações, da redefinição constante de suas fronteiras; algo que visa recuperar a
compartimentação disciplinar que tradicionalmente configura as instituições de
produção e transmissão do conhecimento.
É possível perceber também a preocupação de Sousa Santos (2006) com a forma
de produção de conhecimento, pois, mesmo que se trabalhe no “território de fronteira”,
onde há a necessidade de se buscar outros conhecimentos que vão além das
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especialidades disciplinares estabelecidas, corre-se o risco de apenas demarcar novos
espaços disciplinares.3
A questão ora colocada é a da interdisciplinaridade como uma possibilidade de
enfrentamento das tensões entre o fazer científico e a fragmentação e a dualidade. É
necessário, pois, atenção especial ao grau de autonomia das diferentes disciplinas
envolvidas, para que, dessa forma, a questão não se reduza simplesmente à criação de
novas disciplinas (ou campos), mas que o diálogo se estabeleça entre e para além das
fronteiras disciplinares. Assim, as análises empreendidas nesta reflexão encontram no
conceito de interdisciplinaridade de Etges (1993) uma síntese possível: a
interdisciplinaridade, enquanto princípio mediador entre as diferentes disciplinas, não
poderá jamais ser elemento de redução a um denominador comum, mas elemento
teórico-metodológico e epistemológico da diferença e da criatividade; ela é o princípio
da ciência, da compreensão de seus limites, mas acima de tudo, é o princípio da
diversidade e da criatividade.
As práticas interdisciplinares que se propõem a diluir as especificidades de cada
área do saber (seja ele qual for) podem entretanto impor modelos e regras e, dessa
forma, não fomentar a inter-relação entre várias disciplinas na busca de estratégias de
ação desconhecidas. "Construir problemáticas de investigação conjuntas, compartilhar
metodologias, parece ser o caminho para sínteses que buscam enfrentar problemas e
tensões trazidos com a fragmentação e a dualidade” (RUBIN-OLIVEIRA, 2011, p. 54).
As práticas interdisciplinares passam a ocupar centralidade na produção científica que
visa ultrapassar as fronteiras da formação inicial disciplinar, pois permitem que se
estabeleça uma colaboração científica para estudar os objetos a partir de suas dinâmicas.
4 A visão linear e fragmentada não contempla a multidimensionalidade da vida e da
sociedade. Raynaut (2011) lembra que muitas das fronteiras e dos limites hoje
questionados o foram justamente por não serem intrínsecos à realidade do mundo e se
revelarem, cada vez mais, ligados a representações construídas dessa realidade. O
desafio fundamental, ao se adotar um enfoque interdisciplinar, é tentar restituir, ainda
que de maneira parcial, o caráter de totalidade e de complexidade do mundo real dentro
do qual e sobre o qual se pretende atuar.
3 O exemplo, entre tantos, de novas disciplinas, como a cristalografia, parece emblemático. 4 Neste sentido pode-se referir uma experiência bem sucedida de pesquisa acadêmica interdisciplinar no
interior de um Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Para mais
detalhes, ver Almeida et al. (2004), Beck et al. (2011), Miguel et al. (2014) e Gerhardt et al. (2015).
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Enfim, como sugere Etges (1993), interdisciplinaridade é instrumento
epistemológico de construção da ciência e de compreensão de suas atividades cotidianas
como ações construtivas de realidade ou de mundo. Aqui reside um dos argumentos que
sustenta a ideia de que a interdisciplinaridade pode (deve?) ocorrer pela pesquisa e na
pesquisa. Dito de outra forma, por um lado é a partir de disciplinas e métodos
estabelecidos, colocados dentro de outros contextos que o conhecimento poderá avançar
na direção de novas e diferentes questões em função das características da própria
Ciência. Por outro, as políticas, diretrizes e planos orientadores, a exemplo do PNPG
2011-2020 e Documentos de Área, podem ser delineadores de novos e diferentes
encaminhamentos nas dinâmicas dos Programas de Pós-Graduação e da pesquisa
acadêmica e consequentemente da produção de conhecimentos.5
3. Interdisciplinaridade no Sistema Nacional de Pós-Graduação: as marcas
das últimas décadas
As últimas décadas foram marcantes para a educação superior brasileira. As
mudanças que ocorreram foram, em sua maioria, produzidas a partir de concepções e
pressupostos situados no contexto de reformas do Estado e na reconfiguração do capital
mundial.
A década de 1990 trouxe como característica central um planejamento
econômico baseado em um modelo capitalista de mercado e de organizações
internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Nesse
contexto, de ascendência do neoconservadorismo político e do livre comércio nos
Estados Unidos e no Reino Unido, foram implantadas, em escala internacional, políticas
de privatização e regulação, dentro de um processo chamado de globalização. Os anos
2000 encontram-se também marcados pela chamada crise política mundial que tem a
Europa como centro. O aprofundamento de conflitos religiosos e políticos tem como
uma de suas consequências os avanços migratórios. Tais movimentos e conflitos,
aliados à chamada “crise ambiental” têm colocado à universidade e, consequentemente,
a produção de conhecimento, desafios principalmente no processo de tensionamento do
modelo de racionalidade tida como hegemônica, centrada na fragmentação e dualidade.
5 Na última seção deste capítulo é tratada a avaliação interdisciplinar da Capes, buscando-se identificar as
dificuldades neste processo.
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Questões relacionadas ao gênero, etnia, linguagem, classe social, trabalho,
migração, aos financiamentos internacionais, meios de comunicação de massa e
sistemas internacionais de comunicação passaram a fazer parte do contexto educacional,
tanto nos aspectos do ensino quanto da pesquisa. A globalização e a economia mundial
voltaram-se à integração da economia do mundo, envolvendo capital, investimentos,
produção, venda e distribuição de mercadorias e serviços no mundo inteiro. Isso tem
implicado em mudanças na educação, especialmente na natureza dos currículos e na
formação profissional. Gradativamente, termos como mobilidade, internacionalização,
flexibilidade e avaliação passaram a integrar os fóruns de discussão e os espaços de
pesquisa.
Nesse processo, é criada a necessidade iminente de mudanças institucionais,
tanto na educação superior, de maneira geral, como na pós-graduação de maneira
específica, sendo esta a principal responsável pela pesquisa no Brasil. Na Europa, as
mudanças mais significativas do sistema de educação superior podem ser percebidas no
chamado Processo de Bolonha6. Suas principais características referem-se à reforma
curricular, adoção de formas de garantia de qualidade acadêmica, sistemas de avaliação
externa e acreditação, instrumentos essenciais de promoção da dimensão europeia de
“garantia de qualidade”.
Vários são os motivos que levaram o Sistema Nacional de Pós-Graduação
(SNPG) e o Sistema de Avaliação por ele implantado a ocupar lugar de destaque na
educação superior do País, servindo até mesmo de referência para outros países da
América Latina. Alguns dos principais motivos estão relacionados à expansão da pós-
graduação (Gráfico 1) e ao pioneirismo da CAPES, este vinculado principalmente à
legitimação obtida durante os governos militares. Entretanto, é importante perceber que
também no contexto das reformas do Estado, a CAPES assumiu um papel central para a
consolidação da pós-graduação como espaço de produção acadêmica. O número de
alunos titulados, que em 1990 era de 5.579 mestres e 1.410 doutores (MCT, 2010), em
2013 atingiu a marca de 45.067 mestres acadêmicos, 5.074 mestres profissionais e
15.287 doutores (CAPES, 2015b). A avaliação, neste contexto, tornou-se um importante
instrumento de consolidação das políticas propostas, que visavam expandir o Sistema a
partir de indicadores e parâmetros internacionais. Os dados são ilustrativos desse
processo (Gráfico 1).
6 Sobre o Processo de Bolonha, ver Wielewicki; Rubin-Oliveira (2010).
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Gráfico 1 - Expansão da Pós-Graduação 1998-2013.
Fonte: CAPES - GEOCAPES (2015b).
No Brasil, historicamente a educação superior, de maneira geral, e as
universidades, em especial, ocupam espaço de relevância na pesquisa e na produção de
conhecimento científico. Em detrimento às críticas dispensadas à produção acadêmica,
o ponto de consenso parece ser a função que as universidades têm desempenhado na
formação de profissionais, pesquisadores e líderes para atuar nas mais variadas áreas,
tanto no setor público, quanto no privado. Para tanto, o SNPG ocupa centralidade no
processo de formação ao definir diretrizes e encaminhar posturas. Ao se voltar o olhar
aos Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG), observa-se que foram reveladores dos
encaminhamentos dos respectivos programas.
Em termos de trajetória, o I PNPG, elaborado em 1975, pautou-se por uma
abordagem muito mais procedimental e estruturante do que propriamente pela definição
0
450
900
1350
1800
2250
M/D M MP D
1998 2013
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de políticas. Tal perspectiva, no entanto, foi assumida pelo II e III PNPG, com objetivos
claros de formação de quadros docentes e de pesquisadores para atuação no Ensino
Superior e na consolidação da universidade como espaço institucional de pesquisa
(FÁVERO, 1993). O IV PNPG, apesar de não chegar às vias de implementação, trazia
as marcas da nova Constituição Federal de 1988, enfatizando a autonomia, liberdade
acadêmica e financiamento público. O V PNPG (2005-2010) enfatizou os parâmetros
internacionais da qualidade com a perspectiva de expansão.
O atual Plano (PNPG 2011-2020) está organizado em cinco eixos: 1) expansão
do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), a primazia da qualidade, a quebra da
endogenia e a atenção à redução das assimetrias; 2) criação de uma nova agenda
nacional de pesquisa e sua associação com a pós-graduação; 3) aperfeiçoamento da
avaliação e sua expansão para outros segmentos do sistema de C, T & I; 4) multi e a
interdisciplinaridade entre as principais características da pós-graduação e
importantes temas da pesquisa; e 5) apoio à educação básica e a outros níveis e
modalidades de ensino, especialmente o ensino médio (BRASIL, 2010 – grifos
acrescidos).
Ao fixar tais diretrizes, o PNPG atual desafiou à elaboração pelas Áreas de
considerações sobre a multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. As Áreas também
publicaram "diretrizes orientadoras" visando a multi e interdisciplinaridade, culminando
nos respectivos Documentos de Área e Comissão da Trienal 2013. Além disso,
seminários nacionais e internacionais têm sido promovidos no intuito de refletir sobre
experiências multi e interdisciplinares.7
Além dos eixos propostos, outras orientações foram apresentadas por Guimarães
(2011), principalmente no que diz respeito à consideração sobre a diversificação dos
modelos institucionais no âmbito da Pós-Graduação e as decorrências para a interação
com a sociedade por meio da atenuação da distância entre produção do conhecimento e
a apropriação pública, a criação de agendas de pesquisas compartilhadas, bem como a
7 Inicialmente pela iniciativa da CAInter, posteriormente a partir dos resultados do “Encontro Academico
Internacional Interdisciplinaridade no Ensino, Pesquisa e Extensão”, realizado em 2012, na CAPES, o
Forum de Pro-Reitores de Pesquisa e Pos-Graduação (FOPROP) assumiu, em conjunto com a CAPES, o
compromisso de discutir, propor e estabelecer medidas que possam contribuir para a internalização e
institucionalização da interdisciplinaridade nas universidades e nos orgãos de fomento do pais. Neste
contexto, em 2014, ocorreu o 3º Encontro Acadêmico Internacional – Interdisciplinaridade nas
Universidades Brasileiras – Resultados e Desafios (CAPES, 2104).
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participação de instituições universitárias e as relações estabelecidas para a formulação
e implementação das metas articuladas ao projeto de desenvolvimento nacional.
O que se verifica, é que ao fixar as diretrizes com o destaque concedido às
temáticas multi e interdisciplinares, o PNPG parece reconhecer a importância crescente
de segmentos do conhecimento e da pesquisa que, em razão da sua dinâmica interna e
complexidade incessante, exige o concurso de variadas metodologias e conceitos
disciplinares para o enfrentamento dos diferentes problemas, os quais deverão se
aproximar e interagir, compartilhando métodos e processos.
Nos diferentes períodos da estruturação, consolidação e expansão da Pós-
Graduação brasileira sempre existiram marcos regulatórios que definiram rotas e
construíram programas localmente. Entretanto, dentro da dinâmica de construção de
conhecimento também é possível perceber o papel prospectivo da Pós-Graduação, como
locus privilegiado para este fim. No contexto de expansão da Pós-Graduação é possível
observar que a década de 1990 também foi marcada por um movimento de criação de
novos programas e cursos dentro da perspectiva multi-interdisciplinar. Tal movimento
teve origem em diversos grupos de pesquisadores, a maioria vinculados inicialmente a
programas disciplinares (RUBIN-OLIVEIRA, 2011). A Grande Área Multidisciplinar,
criada em janeiro de 2008, acabou por alterar a configuração original da Tabela de
Áreas do Conhecimento. Este foi considerado um marco na consolidação dos
Programas Interdisciplinares e a publicação do PNPG parece espraiar a perspectiva da
multi e interdisciplinaridade na produção de conhecimento no contexto do Sistema.
Guimarães (2011) enfatiza que o PNPG 2011-2020, no que tange às concepções
norteadoras acerca da (multi)interdisciplinaridade, visa dar atenção às questões como a
diversidade curricular nos programas de formação, contemplar a não linearidade dos
conhecimentos e a criação de centros de excelência em pesquisas de padrão
internacional, bem como a temáticas vinculadas ao desenvolvimento, economia, saúde e
educação em diálogo com as características culturais e naturais das populações
envolvidas. Quanto aos parâmetros, os estímulos têm se pautado pela instauração de
programas, áreas de concentração e linhas de pesquisa convergentes em temáticas,
pesquisadores com sólida ancoragem disciplinar e formação diversificada, a dupla ou
tripla orientação de discentes, além da flexibilização curricular.
Um dos reflexos da presença da interdisciplinaridade como eixo estruturante do
PNPG pode ser observado nos Documentos de Área. Em 2012, das 48 Áreas, 39
definiram e publicaram suas considerações sobre a multidisciplinaridade-
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interdisciplinaridade. No ano seguinte, todos os Documentos de Área8 trouxeram em
seus textos um ponto específico dedicado à interdisciplinaridade. Quando da análise,
esses Documentos foram organizados e produziram uma nuvem de palavras, que pode
ser observada abaixo.
8 Naquele momento a avaliação dos Programas era realizada por intermédio do sistema denominado
Coleta/CAPES, alimentado anualmente para avaliação no triênio (2010-2012).
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Frequência Palavras
269 interdisciplinaridade/interdis-
ciplinar/interdisciplinares
192 conhecimento
138 disciplinas/disciplinar/disci-
plinares
123 programas
100 pesquisa
70 multidisciplinar/multidisci-
plinaridade/mutidisciplinares
43 desenvolvimento
18 metodologias
Figura 1 - Nuvem de palavras mais frequentes nos 48 Documentos de Área da Capes
A presença da interdisciplinaridade nos Documentos de Área reflete a trajetória
crescente do tema no contexto do SNPG. Um tema inicialmente presente como proposta
de programas que, por não estarem vinculados a nenhuma Área, foram avaliados por
pareceristas ad doc muitas vezes com dificuldades de compreensão de conceitos,
cresceu de forma a conquistar uma Área de Avaliação, compor um dos eixos
estruturantes do PNPG, chegando aos Documentos de Área. O que se verifica é um
processo de amadurecimento e consolidação de conceitos em torno da
interdisciplinaridade. Há uma clara convergência entre os documentos que orientaram a
criação da Comissão de Área de Avaliação Interdisciplinar (CAInter), em 2008, com os
documentos posteriores (PNPG e Documentos de Área), bem como publicações
oriundas dos Seminários.
A dinâmica em relação a tal processo tem apontado um campo propício para o
aprofundamento em torno das concepções de interdisciplinaridade elaboradas em cada
Área, a partir de suas singularidades e estratégias de consolidação ou desenvolvimento.
Entretanto, é necessário que nas agendas de discussão o tema seja trazido não apenas
como reflexo de marcos regulatórios, mas como necessário às dinâmicas do
conhecimento contemporâneo que colocam às Áreas a necessidade de discutir e
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produzir conhecimento a partir de bases sustentadas pelos diálogos entre e para além
das disciplinas. Outro ponto que parece fundamental é o avanço na direção efetiva de
práticas interdisciplinares na pesquisa, para que as ideias possam ultrapassar a barreira
de meras propostas.
Percebe-se que nesse contexto, o atual PNPG parece propor uma postura de
diálogo entre diferentes disciplinas, o que também se reflete nos Documentos de Área.
Estas orientações surgem em um dos momentos de maior expansão e interiorização da
educação superior no País, em que a Pós-Graduação cada vez mais ocupa lugar de
destaque na produção de conhecimento. A busca pela qualidade por intermédio de
indicadores internacionais tem se tornado meta central, no entanto, a introdução da
interdisciplinaridade parece delinear, de forma oficial, um novo cenário para a Pós-
Graduação no Brasil no que tange à produção de conhecimento. O processo de
avaliação, centrado em parâmetros quantitativos disciplinares, é outro aspecto a ser
enfrentado diante da orientação para a multi e interdisciplinaridade.
4. A avaliação frente aos desafios da interdisciplinaridade
Ao final da segunda seção deste capítulo foi afirmado que o PNPG 2011-2020 e
os Documentos de Área poderiam ser delineadores de novos e diferentes
encaminhamentos nas dinâmicas dos Programas e consequentemente na produção de
conhecimento, a CAPES – via Sistema de Avaliação – tendo um papel preponderante
neste processo. Mas, enfim, a pergunta que se impõe é: está-se caminhando nesta
direção?
Cabe salientar que os pressupostos explicitados nos Documentos de Área (aqui
particularmente o que refere à CAInter) foram construídos em uma trajetória de debates
e experiências que já duram quase duas décadas9. Este processo, aliado à trajetória
construída pelos programas e cursos na área multi-interdisciplinar, foi decisivo para
aquilo que a própria CAInter hoje denomina de “amadurecimento” (RUBIN-
OLIVEIRA; ALMEIDA, 2011).
Entretanto, cabe ressaltar que os programas e cursos avaliados pela CAInter
estão submetidos ao Sistema Nacional de Avaliação, que tem ainda na sua base, apesar
9 Faz-se referência, como a gênese desta discussão, o breve tempo que antecedeu a criação da Comissão
de Área Multidisciplinar (CAM) na CAPES, em 1999.
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das orientações do PNPG 2011-2020, uma orientação fortemente disciplinar. Mesmo se
constituindo em um importante avanço para as propostas interdisciplinares, no que
tange à avaliação eles se encontram geralmente subordinados a indicadores que têm na
sua gênese a disciplinaridade e que constroem, dessa forma, um padrão de qualidade
também nela pautado. Os itens avaliados neste processo são10: a) proposta do programa;
b) corpo docente; c) corpo discente, teses e dissertações; d) produção intelectual; e e)
inserção social. É importante perceber que, apesar dos critérios procurarem avaliar os
programas em suas diferentes dimensões, há um privilegiamento quantitativo com
relação à produção docente e discente ao tempo de permanência no curso/programa e
aos alunos titulados. Dessa forma, os critérios estabelecidos, na maioria das vezes, não
captam a diversidade dos diferentes programas e cursos; dito de outra forma, os critérios
estimulam a homogeneização e padronização.11
Os caminhos propostos pela CAInter ainda não estão coadunados ao modelo de
avaliação do Sistema de Avaliação e alinhados ao que propõe o PNPG sobre a
importância e necessidade da interdisciplinaridade.12 O Sistema de Avaliação, como já
afirmado, tem na sua gênese a disciplinaridade, alicerçado no modelo de construção de
conhecimento das ciências exatas e naturais, que estrutura e configura uma lógica de
avaliação centrada nos ditames da produtividade. Assim, tende-se a privilegiar a relação
entre o número de trabalhos publicados (e de teses e dissertações defendidas) no tempo
de permanência dos alunos nos programas e cursos13. Quanto às novas diretrizes do
PNPG, elas ainda são mais intenções do que propriamente práticas em diferentes áreas
de avaliação.
Klein (1996) observa que os critérios utilizados na avaliação interdisciplinar,
quer no ensino ou na pesquisa, se constituem em um dos aspectos menos compreendi-
dos da interdisciplinaridade, em parte porque a questão tem sido ainda pouco estudada,
e por outra porque a multiplicidade de tarefas parece não apontar para um padrão único.
10 Referente à última avaliação trienal (2010-2012). 11 Para a grande maioria dos cursos fora da CAInter não há ainda critérios específicos e explícitos
relacionados à interdisciplinaridade. 12 Vide especialmente o que propõe o PNPG em seu quinto eixo, já mencionado anteriormente, sobre a
multi e interdisciplinaridade como uma das “principais características da pós-graduação e importante
tema da pesquisa”. 13 Como já reconhecemos em Rubin-Oliveira; Almeida (2011), ressalta-se, no entanto, o esforço da
CAPES em qualificar a produção intelectual (artigos científicos), readequando o Sistema Qualis nos
últimos anos. Quanto ao Qualis capítulos/livros/publicações em eventos, já existem sistemas implantados
e testados de forma mais abrangente em algumas Áreas, destacando-se o sistema aplicado pela CAInter
no último triênio. Já em relação às teses e dissertações, a CAPES ainda não encontrou forma adequada
para uma avaliação qualitativa.
16
O ideal convencional de excelência [acadêmica], ainda se baseia na suposi-
ção de um corpo padrão de conhecimentos ou de um corpo fixo de conteú-
dos. A base do trabalho interdisciplinar é diferente. O trabalho interdiscipli-
nar reconfigura o conhecimento disciplinar e profissional e as comunidades
de conhecimento. Devido ao trabalho ser sui generis, os critérios têm aplica-
bilidade limitada (KLEIN, 1996, p. 210-211 – grifos acrescidos).
O modelo centrado principalmente em parâmetros e indicadores disciplinares e
quantitativos, em que avaliação e financiamento têm vinculação direta, são reveladores
de um modo de fazer e pensar a ciência e o conhecimento que, na maioria das vezes, é
contraditório às propostas que buscam ultrapassar fronteiras impostas pelas formas
disciplinares.
A exigência do tempo cada vez menor de permanência dos alunos nos
programas também tem sido um fator de limitação ao trabalho interdisciplinar,
principalmente quando se busca, como a própria CAInter incentiva, “trocas teóricas e
metodológicas, geração de novos conceitos e metodologias, e graus crescentes de
intersubjetivação” (CAPES, 2009 p. 2). Este objetivo demanda um tempo maior de
amadurecimento na construção de linhas de pesquisa e projetos de dissertação e tese.
Isso implica a busca de conceitos e metodologias, muitas vezes novos aos pós-
graduandos e até mesmo aos orientadores, exigindo um tempo que não corresponde ao
estabelecido pelo processo avaliativo.
A meta a ser atingida por meio da pesquisa interdisciplinar pressupõe
construções coletivas tanto nos grupos de alunos como na forma de orientação – há
várias experiências em curso de orientações coletivas. Essas práticas demandam tempos
distintos aos modelos disciplinares, não apenas para elaboração do projeto, mas também
para coleta e análise de dados. As experiências de coleta e análise de dados
compartilhados, por um lado, têm gerado riqueza de resultados por meio de diferentes
olhares e, pelo outro, acabam produzindo dificuldades à conclusão dos trabalhos devido
ao tempo imposto aos cursos.
O objetivo de fazer “surgir um novo profissional com um perfil distinto dos
existentes, com formação básica sólida e integradora” (CAPES, 2009, p. 2), a partir de
uma proposta de formação interdisciplinar da qual se espera “que o produto final, em
geração de conhecimento e qualidade de recursos humanos formados, seja
qualitativamente superior às contribuições individuais das partes envolvidas” (CAPES,
2013, p. 12), esbarra nos determinantes da avaliação, que, ao estabelecer indicadores
centrados em dados quantitativos, limita as múltiplas possibilidades de integração, não
apenas de conhecimentos científicos, mas de outros saberes sobre a realidade. E essa é
17
uma realidade mais dura ainda quando se trata dos programas fora da área indisciplinar
e a prática da interdisciplinaridade nestes contextos.14
As contradições evidenciadas estabelecem limites entre os objetivos propostos
pelo PNPG 2011-2020 e pela CAInter, que foram estabelecidos a partir das várias
experiências e do amadurecimento dos programas, cursos e grupos envolvidos, e os
critérios estabelecidos pela avaliação, que, em última instância, estabelecem notas que
se vinculam diretamente ao financiamento da pós-graduação. Tais contradições e limites
são constituidores e constitutivos das propostas interdisciplinares, sejam elas na
CAInter ou em outra Área da Capes.
Esse desafio induz ao desenvolvimento de critérios que ajudem a estimular o en-
sino e pesquisa interdisciplinares a superar obstáculos para a prática da interdisciplina-
ridade nos Programas, que parecem ser muitos e de peso. Mas que esses não se apresen-
tem como soluções padronizadas de como conduzir uma proposta ou um cur-
so/programa de pós-graduação, e que se abram às oportunidades potencializadoras da
criatividade e da inovação.
Para tanto, concordando com Moreira e Strauhs (2013), é necessário que a avali-
ação interdisciplinar possa identificar e valorizar alguns dos objetivos centrais no ensi-
no e pesquisa interdisciplinares, quais sejam, os de (i) ajudar os estudantes a ver pro-
blemas complexos e soluções a partir de uma perspectiva holística e global; (ii) identifi-
car resultados específicos que ilustram o pensamento interdisciplinar e resolução de
problemas; (iii) planejar atividades em torno de uma questão ou problema particular e
ter tempo para identificar as disciplinas que podem oferecer insights, respostas e solu-
ções; (iv) dar um tempo para identificar as questões centrais e periféricas para o pro-
blema ou questão; (v) explorar a forma de como abordá-las para melhorar o processo de
resolução de problemas; (vi) explorar como as várias disciplinas envolvidas poderão
ajudar a resolver um problema; (vii) analisar os conceitos centrais da disciplina e as
teorias ao investigar o sucesso de suas aplicações e comparar e contrastar diferentes
abordagens multidisciplinares; (viii) auxiliar os alunos com a análise de conteúdo de
fontes desconhecidas que podem representar documentos fora da área de estudo esco-
14 Convém salientar um outro elemento de dificuldade nas avaliações da CAInter: o número de cursos e
programas credenciados recentemente pela CAPES. Na última trienal (2010-2012) foram quase 300
cursos avaliados (CAPES, 2013). Um número também crescente de avaliadores é necessário para atender
a essa necessidade, criando dificuldades do ponto de vista logístico e financeiro para tal, além de contar
com a disponibilidade de avaliadores minimamente qualificados para a tarefa de avaliação em um prazo
exíguo.
18
lhida, que lhes permitam avaliar a credibilidade das fontes por meio de discussão em
pequenos grupos; (ix) enriquecer o pensamento crítico e as habilidades de escrita dos
alunos, no sentido de proporcionar amplas oportunidades para refletir sobre o processo
de resolução de problemas e suas percepções sobre a relação entre a base de conheci-
mento e habilidades de disciplinas diferentes; e, por fim, (x) incentivar a aprendizagem
interdisciplinar com o objetivo de desenvolver um projeto com membros de outros cur-
sos, programas e departamentos.
Ao reconhecer os desafios apresentados acima, a avaliação interdisciplinar nos
programas de pós-graduação deve, segundo Field; Stowe (2002), a) ser fundamentada
no entendimento de que a avaliação deve ser usada para melhorar o processo ensi-
no/aprendizagem; b) ser desenvolvida localmente e refletir o entendimento do corpo
docente sobre a interdisciplinaridade que frequentemente está em evolução; c) ter o cor-
po docente envolvido na avaliação; e d) estar constantemente em um "estado de fluxo".
Para finalizar, é importante estar atento ao fato de que o espaço das propostas
interdisciplinares é também o espaço para se pensar e propor alternativas à avaliação
hoje em curso. Há, portanto, a necessidade urgente de discutir e construir alternativas ao
atual modelo, levando à efetividade o que propõe o PNPG 2011-2020, sob pena de
inviabilizar propostas que buscam a interdisciplinaridade no processo de construção de
conhecimento e formação de profissionais para o desafio das questões complexas de
hoje e do futuro.
5. Considerações finais
O capítulo teve como objetivo pontuar e refletir sobre a importância da
interdisciplinaridade no contexto de produção do conhecimento atualmente, os
movimentos e trajetórias percorridas pela interdisciplinaridade no interior do SNPG e os
desafios para a avaliação interdisciplinar. Para tanto, foram analisados alguns
documentos reconhecidos como marcos regulatórios e de avaliação dentro do Sistema.
O conhecimento produzido no contexto do SNPG representa um espaço legítimo
de poder, definindo limites e prioridades para os que o dominam. Assim, a produção de
conhecimento que visa à resistência – esta aqui entendida como reflexividade sobre as
visões dominantes – pode encontrar nesse lugar um terreno fértil para debate e
enfrentamento de algumas das tensões e dificuldades provocadas pelos processos
homogeneizadores e padronizadores da avaliação na pós-graduação brasileira. As
19
mudanças no modo de produção de conhecimento e aquelas decorrentes da criação de
novos saberes têm, nos espaços das universidades, a potencialidade de gerar saberes
críticos, propositivos e prospectivos.
A tentativa de ultrapassar as lógicas reducionistas de compreensão da produção
de conhecimento dentro dos espaços universitários requer, por um lado, reconhecer o
espaço da Pós-Graduação como um locus privilegiado de produção de conhecimento
científico e admiti-lo como não neutro. Dessa forma, este espaço passa a ser legitimador
de modelos de fazer ciência, nem sempre explicitados. Essa aspiração requer, por outro
lado, reconhecer que, neste espaço, há lugar também para movimentos e práticas que
buscam mudanças no fazer e pensar a ciência.
As trajetórias de institucionalização percorridas pela interdisciplinaridade, no
contexto no SNPG, podem ser interpretadas como a conquista de espaços legitimados
pelas necessidades materiais de pensar e fazer ciência a partir de diálogos
epistemológicos entre e para além das disciplinas. E por outro, refletem esforços
coletivos de tensionamento de modelos considerados hegemônicos nas dinâmicas dos
chamados marcos regulatórios. Isso determina que a Avaliação seja reintegrada ao
processo de produção científica com objetivo de ser mais um elemento na construção de
alternativas aos modelos consolidados de exclusão. E o entendimento da
interdisciplinaridade e a experiência prática neste sentido são fundamentais.
A complexidade, tanto das novas relações que se estabelecem no cotidiano da
vida da humanidade quanto na produção de conhecimento científico, implica
necessariamente em alternativas aos processos de avaliação no qual o conceito de
qualidade tem como alicerce apenas padrões disciplinares, oferecendo pouca ou
nenhuma flexibilidade quando se pretende mudanças nas formas de agir, pensar e
produzir o conhecimento (científico). Algumas das experiências interdisciplinares em
curso por vezes são vistas pelas áreas disciplinares com ressalvas, muito subjetivas e de
difícil enquadramento disciplinar. Isso tem levado muitas vezes a incompreensões e
erros na avaliação que dificultam o reconhecimento de formas interdisciplinares e
intersubjetivas de construção do conhecimento e tendem a dificultar também a adoção
de novas proposições como as contidas no atual Plano Nacional de Pós-Graduação
(2011- 2020).
Os programas e cursos de pós-graduação interdisciplinares e as poucas e
recentes experiências interdisciplinares em outras áreas estão, de certa forma, abrindo
espaços na construção de formas diferenciadas de organização curricular, de formatos
20
de orientação, de estrutura e ingresso nos diferentes cursos e outros tantos pontos
inerentes aos diferentes programas de pós-graduação, enfim, potencializando formas de
pensar e fazer ciência de uma forma diferente, não disciplinar. Assim, a discussão de
alternativas à forma de avaliação disciplinar também deverá fazer parte das agendas de
todos os implicados, inclusive daqueles nas áreas disciplinares, sob pena de inviabilizar
as possibilidades de construção de conhecimento interdisciplinar mais apropriado à
dimensão complexa de muitos problemas e situações no mundo atualmente.
Uma das mais importantes formas de superação dos desafios e obstáculos para
fomentar e apoiar o ensino e a pesquisa interdisciplinares é utilizar a literatura atual
sobre a interdisciplinaridade, pois sem definições atualizadas e entendimentos da teoria
e da prática, a produtividade de todos os projetos e programas será questionável. Os
programas interdisciplinares podem ser avaliados em grande parte em termos de quão
bem os alunos dominam a prática da interdisciplinaridade e como elas se aplicam a
questões relevantes para os respectivos programas.
21
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