internacionalizacao de empresas
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Este artigo sobre internacionalização de empresas foi publicado pela revista Ideias em Gestão, na sua edição número 14 (março 2014). A revista faz parte da Faculdade AIEC, ligada a UNB.TRANSCRIPT
8 IDEIAS EM GESTÃO | NO 14 | MAR/2014
Gestão da internacionalização
Quando nos propusemos a
escrever este artigo sobre
internacionalização de
empresas brasileiras, nos reunimos para
definir uma pauta. Decidimos aproveitar
a oportunidade para expressar um
sentimento que provavelmente outros
profissionais da área de comércio
internacional também compartilhem.
Nossas experiências de campo,
quando somadas, representam mais
de 30 anos de vivência internacional.
Envolvidos com essa área há tantos
anos, percebemos que grande parte
dos gestores não tem convicção plena a
respeito da importância estratégica de
internacionalizar suas empresas, ou tem
uma visão limitada a esse respeito.
Percebemos que muitos projetos de
internacionalização foram tratados
como uma mera oportunidade cambial.
Quando o dólar está valorizado e o
mercado interno pouco aquecido,
somos procurados por empresas
interessadas em exportar. Assim que o
cenário se inverte, via de regra, uma boa
parte dessas empresas acaba recuando
suas posições no exterior, quando não,
as abandonam completamente.
Defendemos que esse processo deve ser
encarado como uma corrida de longa
distância, que exige preparação prévia,
estratégia bem definida para enfrentar
as dificuldades que se apresentem e,
acima de tudo, obstinação, já que, sem
ela, o prêmio estará muito distante
de ser alcançado. Mudar totalmente
a estratégia cada vez que a variação
cambial desfavoreça não nos parece o
mais aconselhável.
Modelo adequado
No Brasil, quando se fala em
internacionalização de empresas, a
primeira coisa que vem à cabeça ainda
é exportar. Isso se deve ao fato de que,
durante muitos anos, o País priorizou
essa atividade. No início dos anos 70,
chegou a ser cunhada a expressão
“Exportar é o que importa”. Talvez a
ênfase na exportação tenha sido tão
forte que acabou atrasando a entrada
das empresas brasileiras no jogo da
globalização.
Apresentamos a seguir um exemplo
do que consideramos uma operação
internacionalizada adequada aos dias
atuais:
OS PROCESSOS DE
INTERNACIONALIZAÇÃO
DAS EMPRESAS
BRASILEIRAS DEVERIAM
SER CONSEQUÊNCIA
DAS CONVICÇÕES DOS
SEUS GESTORES E NÃO
UMA SIMPLES REAÇÃO
PROVOCADA POR
OSCILAÇÕES CAMBIAIS
RECORRENTES.
Carlos Altafini e Julio Négri
9FACULDADE AIEC
“
”
“Uma empresa com domínio de uma
tecnologia ou produto diferenciado,
uma marca forte ou de grande potencial
pode muito bem implementar um
negócio em que a sede esteja no Brasil
e o setor de desenvolvimento, por
exemplo, na Itália. Mercadorias sendo
produzidas em unidades brasileiras
e também em países da Ásia ou Leste
europeu. Produção ocorrendo através
de estruturas próprias ou de terceiros,
com um único padrão de qualidade.
Unidades produtivas apoiadas por
tecnologias desenvolvidas em locais
distintos e consumindo insumos
nacionais e importados. Clientes de
várias partes do mundo sendo atendidos
de forma customizada.”
Avaliar e planejar
O exemplo acima é muito próximo
de algumas poucas operações
que conhecemos, infelizmente
restrito às poucas “multinacionais
brasileiras” ou a um pequeno grupo de
empresas. A maioria dos processos de
internacionalização que acompanhamos
parte do desejo do empresário de
exportar seus produtos ou, mais
recentemente, de desenvolver um
fornecedor internacional.
Como atuamos como consultores na
área, sempre que temos a oportunidade
de participar do processo desde o início,
apresentamos propostas alinhadas com
a nossa visão sobre o assunto. Quando
estamos interagindo com gestores com
visão de longo prazo, temos tido sucesso.
Entretanto, até alguns anos atrás,
atuávamos somente na parte comercial
e, quando chegávamos à empresa,
o plano de ação já estava montado e
invariavelmente iniciava com uma visita
ao mercado-alvo, participação em
alguma feira setorial ou contato direto
com fornecedores ou clientes potenciais
em rodadas de negócios e outros
eventos similares.
Não foram poucos os casos em que
simplesmente fomos apresentados
ao produto, recebemos um catálogo
em português, uma lista de preços em
dólares e a missão de sair e vender, sem
qualquer avaliação do mercado-alvo.
Quando nos referimos a um “plano de
ação”, na maioria dos casos, esse plano
nada mais era do que o desejo de alguém,
assim expressado:
- Temos que vender lá fora!
Uma das características dos executivos
brasileiros é justamente planejar
pouco e agir muito, o que não é nada
recomendável, pois poderá obter algum
resultado quando atua no seu próprio
território, mas é extremamente perigoso
quando está no exterior.
A lição de casa
Em vários países, o conceito de contratar
serviços de consultores externos
especialistas já está bastante difundido
e, quando uma empresa pretende
internacionalizar-se, a sua primeira
atitude é buscar alguém que conheça
profundamente o mercado-alvo.
O PROCESSO DE
INTERNACIONALIZAÇÃO
DE UMA
EMPRESA EXIGE
PLANEJAMENTO,
ESTRATÉGIA BEM
DEFINIDA PARA
ENFRENTAR AS
DIFICULDADES QUE
SE APRESENTEM E,
ACIMA DE TUDO,
OBSTINAÇÃO.
MUDAR
TOTALMENTE
A ESTRATÉGIA
CADA VEZ QUE A
VARIAÇÃO CAMBIAL
DESFAVOREÇA NÃO
NOS PARECE
O MAIS
ACONSELHÁVEL.
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“
”
O empresário brasileiro normalmente
considera esse tipo de serviço como
um custo e não como um investimento,
optando por soluções mais econômicas e
algumas vezes improvisadas.
Essa postura faz com que algumas
premissas importantes como o registro
prévio de marcas e análise de aspectos
legais (jurídicos, tributários, trabalhistas)
sejam menosprezadas. O que a princípio
pareceu economia se transforma em
um custo inesperado quando a empresa
começa a deparar-se com situações não
previstas, como por exemplo, uma marca
já registrada por um terceiro ou um
contrato de representação mal feito.
É importante fazer a “lição de casa” antes
de sair pelo mundo fazendo parcerias
e fechando negócios. Introduzir uma
marca em um novo mercado exige tempo
e investimento. Qualquer gestor está
consciente de que todo investimento
deve dar retorno, mas parece que,
quando se trata de investimentos
intangíveis, como o tempo de dedicação
dos participantes ou gastos operacionais
com viagens, participação em eventos,
formação de equipes, esses números
deixam de ser considerados no momento
de tomar algumas decisões estratégicas.
Quando a marca está consolidada e a
estrutura de distribuição desenvolvida, o
grande desafio é atender esse mercado de
uma forma lucrativa e pelo período mais
longo possível, rentabilizando ao máximo
os investimentos.
O maior custo
O maior de todos os custos é o de deixar
de atender um mercado já conquistado. Já
estivemos envolvidos em um processo em
que levamos alguns anos para introduzir
e consolidar uma marca brasileira em
um país sul-americano e todo o trabalho
foi praticamente perdido a partir do
momento em que a oscilação do dólar
fez com que o fabricante deixasse de ser
competitivo com o produto produzido no
Brasil.
Essa empresa já trabalhava naquela época
em seu processo de internacionalização,
mas provavelmente por não se preocupar
em manter o mercado conquistado, optou
por subir unilateralmente os preços a
níveis inaceitáveis em qualquer parte do
mundo, deixando de ser uma opção viável
para o mercado.
É IMPORTANTE
‘FAZER A LIÇÃO
DE CASA’ ANTES
DE SAIR PELO
MUNDO FECHANDO
NEGÓCIOS.
ENTRAR EM UM
NOVO MERCADO
EXIGE TEMPO E
INVESTIMENTO. EM
VÁRIOS PAÍSES,
QUANDO UMA
EMPRESA PRETENDE
INTERNACIONALIZAR-
SE, A PRIMEIRA
MEDIDA É
CONTRATAR
CONSULTORES QUE
CONHEÇAM O
MERCADO-ALVO.
11FACULDADE AIEC
“
”
Nesse caso em especial, atuávamos
somente como representantes
comerciais e não tivemos força
suficiente para convencer os gestores
da época da importância de priorizar
o desenvolvimento de outras fontes
de fornecimento. O mercado acabou
encontrando suas próprias soluções
e a marca foi perdendo importância
e competitividade. Atualmente não
estamos mais vinculados a essa empresa,
mas nos perguntamos:
- Será que essa marca conseguirá
retornar ao mercado? Quanto custará
recuperar aquele mercado?
Um bom planejamento deve prever a
possibilidade de mudanças cambiais
repentinas que possam comprometer o
abastecimento de um mercado cativo,
estabelecendo fontes alternativas de
fornecimento.
A melhor alternativa
Várias empresas brasileiras transferiram
parte da sua produção para o
exterior, principalmente para a Ásia.
Essas empresas continuam sendo
criticadas, mas, sob o ponto de vista da
internacionalização, estão totalmente
corretas, pois desde lá atendem a
mercados que não poderiam ser
abastecidos pela matriz brasileira.
Aquelas que transferiram totalmente
suas produções para o exterior talvez
já tenham passado por momentos de
arrependimento por não haver mantido
pelo menos uma parte da produção no
Brasil, pois já tivemos eventos recentes
de inversão da tendência favorável à
importação.
NÓS SOMOS
BRASILEIROS
E JAMAIS
DEFENDEREMOS A
DESINDUSTRIALIZAÇÃO
DO NOSSO PAÍS,
MAS TAMPOUCO
ESTAMOS DE
ACORDO COM
ALGUMAS TESES
QUE PROPÕEM UMA
‘POSTURA DEFENSIVA’
QUE PASSA POR
PROTEÇÕES DE
MERCADO.
Alguns setores da indústria, por sua vez,
limitaram-se a melhorar seus parques
fabris no Brasil, aproveitando-se dos
benefícios fiscais para a importação
de bens de capital. Esses setores estão
muito melhores do que antes, mas essas
ações não foram suficientes para evitar
que o setor siga sendo pressionado pela
chegada de produtos importados mais
competitivos.
O setor de máquinas, segundo a ABIMAQ
(Associação Brasileira da Indústria
de Máquinas e Equipamentos), no
segundo semestre de 2013, sofreu
com a escassez de recursos do Finame
(Financiamento para aquisição de
máquinas e equipamentos), que até então
vinham protegendo o setor em relação ao
produto importado e sustentando o seu
crescimento.
O jogo da globalização
É difícil identificar empresas que tenham
conseguido chegar a um volume equivalente
entre a importação e a exportação, o que
seria a situação ideal, pois criaria um “hedge
cambial” interessante. O famoso “Custo
Brasil” tem uma participação enorme no
problema, mas como não temos ingerência
sobre o tema, temos que focar em ações ao
nosso alcance.
Nós somos brasileiros e jamais
defenderemos a desindustrialização do
nosso país, mas tampouco estamos de
acordo com algumas teses que propõem
uma “postura defensiva” que passa
por proteções de mercado. Utilizando
uma máxima muito utilizada no futebol,
acreditamos que a melhor defesa é
o ataque e a única opção é participar
ativamente do jogo da globalização.
Carlos Altafini
Diretor Executivo da Marketplus. Bacharel
em Administração pela PUC-RS.
Julio Négri
Consultor de Desenvolvimento de Negócios
da Marketplus. Bacharel em Administração
pela Faculdade AIEC.