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Introdução à Filosofia da Economia Prof. Fabio Barbieri

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Page 1: Introdução à Filosofia da Economia Prof. Fabio Barbieri

Introdução à Filosofia da Economia

Prof. Fabio Barbieri

Page 2: Introdução à Filosofia da Economia Prof. Fabio Barbieri

Roteiro0. os problemas fundamentais da filosofia da Economia: por que os

economistas discordam tanto?1. filosofia da ciência em geral: um apanhado das visões alternativas   1.1.  a visão de senso comum e seus erros.   1.2. o racionalismo justificacionista: empirismo, apriorismo e

positivismo lógico. 1.3. o racionalismo crítico: o falibilismo popperiano e a epistemologia

evolucionária.   1.4. a contra-revolução justificacionista: "o wittgensteinianismo pop" de

Kuhn e a sociologia do conhecimento.   1.5. Lakatos: útil para organizar capítulo teórico das monografias.2. filosofia da economia: controvérsias sobre escopo e método    2.1. Alguns problemas fundamentais  2.2. Alguns autores importantes3. conclusão: a denúncia do falso pluralismo e a defesa de um 'mercado

de idéias' competitivo.

Page 3: Introdução à Filosofia da Economia Prof. Fabio Barbieri

0. O problema fundamental Dado que:

Existem escolas de pensamento econômicos que propõem teorias diferentes e pelo menos parcialmente incompatíveis.

Essas escolas interpretam os mesmos acontecimentos de forma diferente. A observação dos “fatos”, o realismo, abrangência ou a elegância dos

modelos não foram capazes de decidir sobre qual é a melhor opção.

Problema: como escolher em que acreditar?

Precisamos de uma teoria da escolha do consumidor de idéias. Solução errônea 1 (dogmatismo): pode-se provar que a teoria x é a melhor.

Mas ... nem todos os economistas de outras escolas são estúpidos. Solução errônea 2 (niilismo): não há como estabelecer a verdade com certeza.

Então a questão da racionalidade é ilusória e as escolhas são convencionais. Mas ... para que se dedicar à ciência se esta é apenas um jogo arbitrário? (ou: Vá

ganhar dinheiro no mercado financeiro, seu trouxa!!!)

Page 4: Introdução à Filosofia da Economia Prof. Fabio Barbieri

Problema fundamental Existe então visão alternativa? Queremos:

Uma teoria da racionalidade que explique o crescimento do conhecimento científico.

A discussão sobre a adequação de diversos métodos: o papel da observação, da lógica, da matemática, do realismo das hipóteses, da crítica, do convencimento retórico, entre outros pontos. Ou seja, o que devem fazer os cientistas para avançar o

conhecimento? Não é uma discussão que forneça um algoritmo inequívoco de

decisão entre teorias. Da mesma forma, a teoria econômica quer explicar o

funcionamento dos mercados e não gerar uma fórmula de ganhar dinheiro nos mesmos, a despeito da grande demanda por esse novo elixir da longa vida científico.

Page 5: Introdução à Filosofia da Economia Prof. Fabio Barbieri

1.Filosofia da Ciência em Geral:

algumas visões alternativas

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1.1. O Senso Comum Reformulação didática do problema:

Por que a Astronomia é ciência e a Astrologia misticismo? Resposta leiga:

A ciência é racional por que: Baseia-se na observação impessoal dos fatos; É capaz de “provar cientificamente” seus resultados: Quod

erat demonstrandum... Mas...

A astrologia não observa a posição dos astros? Os Xamãs não observam as vísceras dos animais?

Por que “prova-se” que o ovo faz bem a saúde e depois de um mês “prova-se” o contrário?

A teoria de Newton, “desprovada” por Einstein, não é científica?

Page 7: Introdução à Filosofia da Economia Prof. Fabio Barbieri

1.2 O Racionalismo Justificacionista Idade média: predominância do escolasticismo: pouca

observação e apelo às autoridades de Aristóteles e da Bíblia.

Revolução Científica: sucessos de Copérnico, Kepler, Galileu, Newton e outros.

Os filósofos procuraram explicar esse sucesso da ciência por uma teoria de racionalismo justificacionista: a capacidade de estabelecer a veracidade das proposições da ciência, em contraste com a “mera opinião” em outras áreas.

estabelecem-se verdades através do apelo à novas autoridades: dos fatos - Bacon da razão – Descartes.

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E agora: Bacon

Francis Bacon: o principal advogado da nova ciência e inimigo das idéias aristotélicas reinantes na época.

Obra: Novum Organum Parte da observação desinteressada dos fatos. Procede estabelecendo:

correlações entre fatos observados eliminando correlações espúrias

Chega-se na essências das coisas e nos conceitos mais abstratos.

A solidez da ciência é derivada de sua firme base nos fatos estabelecidos.

A ciência tem caráter acumulativo.

O filósofo, não o toucinho...

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Francis BaconÍdolos: as formas como as observações são afetadas pelo observador

Da tribo: inerentes à natureza humanaExemplo: esquecer fracassos, superestimar sucessos. Da caverna: derivados da formação individualreferência ao mito da caverna de Platão

Do mercado: derivados da linguagemexemplo: como é a matemática dos índios que contam até 3?

Do teatro: apelo à autoridadeexemplo: Aristóteles

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René Descartes O Discurso do Método

A observação não é confiável: os ídolos são inerradicáveis. Mais tarde: Duhem afirma que a observação é impregnada

de teoria. Método: questionar todo dogma.

Reduzir a realidade complexa a elementos simples. Estabelecer proposições básicas corretas sobre os mesmos. Reconstruir complexos por meio da composição desses

elementos, usando dedução. Listar todas as possibilidades de combinações possíveis.

Chega-se a verdade partindo-se de premissas indubitáveis (cogito, ergo sum) e derivando-se delas conseqüências lógicas. Um raciocínio dedutivo valido transmite a verdade das

premissas para a conclusão: quando as premissas são verdadeiras, a conclusão necessariamente o será.

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O Positivismo Lógico As concepções empiricistas e racionalistas se

desenvolveram desde então, inclusive combinadas de várias maneiras. No início do século vinte, imperava o positivismo lógico, mais próxima da primeira tradição.

Excessos da filosofia idealista alemã: "o som é a mudança verificada na condição de segregação das partes

materiais e na negação dessa condição; é meramente uma idealidade abstrata ou ideal, por assim dizer, dessa especificação. Mas essa mudança, em conseqüência, é imediatamente em si mesma a negação da subsistência específica e da coesão, isto é, o calor. O aquecimento de corpos sonoros assim como dos percutidos ou atritados, é a aparência de calor que se origina conceitualmente juntamente com o som." (Hegel)

O Positivismo Lógico, originado no Círculo de Viena, pretende expurgar a ciência de conceitos metafísicos.

Critério de significado: a ciência admite apenas proposições sintéticas (protocolos observacionais) e proposições analíticas (relações lógicas).

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O Positivismo Lógico a visão científica de mundo seria então caracterizada

pelo empiricismo, segundo o qual só existe conhecimento obtido por meio da experiência e pelo emprego da análise lógica ao material empírico.

Critério de demarcação: verificacionismo e confirmacionismo

Problemas: Átomo não é observável. Critério rígido demais: a Física não passaria no teste. É impossível verificação completa. Introduzir probabilidades não altera a natureza arbitrária do

critério. Não existe dados sem teoria. É impossível justificar logicamente a indução.

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O modelo de Hempel e Oppenheim (1948) Modelo Nomológico-Dedutivo

Explanandum: sentenças que descrevem aquilo que se quer explicar.

Explanans: a explicação, que deve conter proposições sobre as condições iniciais e pelo menos uma lei geral de comportamento (movimento).

condições de adequabilidade: (R1) o explanandum deve ser dedutível logicamente do

explanans; (R2) o explanans deve conter leis gerais necessárias para

deduzir o explanandum e (R3) o explanans deve ter conteúdo empírico, podendo ser

confirmado por observações. Condição empírica de adequabilidade:

(R4) as proposições do explanans devem ser verdadeiras.

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1.3. O Racionalismo Crítico A história que contamos mostra a inabilidade de

estabelecer verdades indubitáveis pela observação ou raciocínio.

A descoberta de que a mecânica clássica estava errada nas condições indicadas por Einstein abalou ainda mais a crença no poder da ciência de estabelecer a verdade.

O Racionalismo Crítico é uma alternativa que identifica o racionalismo com o reconhecimento do caráter falível do conhecimento humano: Sócrates e o oráculo: “Só sei que nada sei.”

Se a ciência é falível, o crescimento do conhecimento ocorre quando estivermos dispostos a sujeitar nossas teorias à crítica e aprendermos com nossos erros.

O principal autor dessa tradição é Karl Popper.

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Karl Popper O problema de Hume: não existe justificação para inferências

indutivas. O sol se põe todo dia não garante que o mesmo ocorrerá amanhã. Expectativa sobre isso é baseada em crença na uniformidade do mundo, baseada por sua vez na observação diária. Isso envolve raciocínio circular.

Esse problema não tem solução, mas a ciência não precisa de indução. Veja a assimetria: Infinitas corroborações não provam uma teoria. Mas basta um único caso contrário para refutá-la.Modus tolens:

T -> P~P~T

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Popper A ciência parte de problemas, não da observação. Os problemas levam a formulação de hipóteses, cuja

origem não é relevante para a racionalidade da ciência. Critério falseacionista: uma teoria é científica se for

possível em princípio especificar uma situação que a contrarie. Compare: “Freud explica” com “Se a luz não fizer uma

curva durante a eclipse, então a relatividade está errada.” Uma boa teoria é ousada, ela proíbe, tem conteúdo

empírico não nulo. O cientista deve expor sua teoria à teste crítico. O

dogmático adiciona hipóteses ad hoc (do momento) para proteger sua explicação de críticas. Isso leva ao esvaziamento do conteúdo empírico da mesma.

A ciência progride por conjecturas e refutações.

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Ciência para Popper

Problema

Teoria hipotética

Conseqüência lógica deduzida

da teoria

observação

Concordam?s

N

corroboração

refutaçãoNovo teste

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TS2

P1 TS2 EE P2

. . .TSn

A Epistemologia EvolucionáriaEvolução na ciência, nos mercados, na biologia e nos demais contextos

podem ser descritos como um processo de evolução por tentativas (conjecturas, ação empresarial, mutação) e eliminação de erros (crítica, lucro/prejuízo, seleção).

P = problema

TS = tentativa de solução

EE = eliminação de erros

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1.4. A reação justificacionista Reação justificacionista: é impossível estabelecer se uma

teoria foi definitivamente refutada. A recuperação da tese de Duhem e Quine:

(T.a.b.c.d ...) -> P~P .

~ (T.a.b.c.d ...) . ~T ou ~a ou ~b ... .

Conclusão: não há como decidir com certeza entre teorias. Resta então à filosofia descrever as regras do jogo científico (Wittgenstein), a retórica da argumentação científica, a sociologia do conhecimento através do estudo da história da ciência.(Kuhn)

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Thomas Kuhn Busca de regularidades sobre a ciência obtidas

através da história da ciência = abordagem positiva, não normativa.

Paradigmas: ciência normal = resolução de quebra-cabeças com as ferramentas disponíveis.

Acúmulo de quebra-cabeças sem solução leva a ciência extraordinária = crítica aos postulados essenciais.

Geram-se as condições para a revolução científica. Progresso da ciência ocorre durante o reinado do

paradigma – desenvolve-se o potencial da teoria. Contraste Kuhn x Popper: argumento da indústria

nascente que requer proteção x competição entre idéias.

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Imre Lakatos Pretende oferecer síntese Popper x Kuhn O falibilismo aplicado a refutação se reduz quando avaliamos

o desempenho do programa de pesquisa ao longo do tempo. Programa de pesquisa é composto por:

Núcleo duro (proposições centrais, irrefutáveis) Cinturão protetor (hipóteses que se modificam)

O Programa é sujeito a conjunto de regras: Heurística negativa: o que não pode ser feito – proteção do núcleo

duro. Heurística positiva: o que pode ser feito – desenvolvimento do

programa O programa pode ser progressivo ou degenerativo:

desenvolvimento de novo conteúdo empírico.

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2. Filosofia da Economia

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2.1. Alguns Problemas Unidade do método

Inspiração mecanicista? Biologia como Meca Marshaliana?

Formalismo. Importância da corroboração empírica. Validade da introspecção.

Subjetivismo x objetivismo Categorias mentais não observáveis:

preferências, expectativas, planos de ação. Historicismo x similitude formal Individualismo x holismo metodológico

Explicação bottom-up ou up-down Uso de relações agregadas e microfundamentos

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2.2. Algumas doutrinas metodológicas Apriorismo (Mises) Positivismo (Hutchinson) Operacionalismo (Samuelson) Instrumentalismo (Friedman) Falseacionismo (Blaug) Historicismo (Veblen) Dialética (Marx) Pós-modernismo retórico(McCloskey)

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Lionel Robbins Escopo: a lógica da escolha, a alocação de

recursos escassos a fins alternativos. Negação do Homo economicus: ciência de

meios, não de fins. Distinção entre problema econômico e problema

técnico de escolha. Método

Mesmo dedutivismo de Mill

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O Positivismo em Economia Hutchinson x Machlup Tentativa de expurgar idéia de

utilidade como conceito metafísico – Cassel.

Operacionalismo de Samuelson: a preferência revelada

controvérsia: introspecção x behaviorismo.

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Milton Friedman Instrumentalismo:

Toda teoria é irrealista. Hipótese precisa ser irrealista para ser útil.

Realismo das hipóteses x capacidade de gerar previsões corretas.

Debate da teoria da firma: Lester x Alchian – o argumento do “AS IF”

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Falseacionismo em Economia Unidade do método Defensor: Blaug A arrogante picareteologia: conseqüência de falseacionismo

sem falibilismo. Perigo de eliminar subjetivismo das expectativas, planos de

ação, conceitos derivados da introspecção em geral como não falseáveis.

Mas veja Popper: Não me agrada nada a tentativa, feita em campos fora das ciências físicas, de

imitar as ciências físicas, praticando os ditos "métodos" destas – a medição e a "indução a partir da observação". A doutrina segundo a qual há tanta ciência num assunto quanta matemática nele houver, ou quanta medição ou "precisão" houver nele, assenta numa total incompreensão. Pelo contrário, a seguinte máxima é valida para todas as ciências: "Nunca se pretenda mais precisão do que a que é exigida pelo problema que se tem em mãos." POPPER, K R. O realismo e o objectivo da ciência, pg. 41

Questão da complexidade do objeto: piada do poste Grau de falseação diminui com complexidade.

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3. Conclusão Várias escolas de pensamento acreditam em metodologias

diferentes. Má prática retórica: reduzir o argumento teórico e

metodológico adversário em termos da própria teoria, tornando-o trivial ou absurdo. Exemplo: individualismo metodológico - atomismo reducionista

ou negação de animismo cultural? Remédio: cultura econômica

Caridade: não supor autor estúpido. Leitura de várias abordagens. Esforço hermenêutico: entender a situação problema do autor

para buscar traduzir o que foi dito de forma fidedigna Inteirar-se das controvérsias. Resultado: geração de visão de mundo mais rica, consciente dos

limites e potenciais da teoria que trabalha. Não basta pluralismo: além da diversidade, é

necessária a crítica e o debate.

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Moral da HistóriaOs cientistas fazem planos para capturar a verdade...Mas ela sempre escapa!

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Moral da História Mas isso não pode demover o cientista de sua busca pela

verdade. Temos a esperança de que, apesar de tudo, aprendemos algo

ao longo da busca. O bom cientista a cada passo deve ser mais consciente sobre

sua ignorância, do contrário, o seu dogmatismo destrói o progresso da ciência.

Devem então valorizar o pluralismo como parte do processo de aprendizado e ao mesmo valorizar a crítica de uma concepção a outra, inexistentes sem convicções.

Embora a “competição de idéias” possa levar ao progresso, nunca teremos certeza se isso ocorre em cada caso específico.

A situação do cientista pode ser comparada como uma busca quixotesca pela verdade.

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