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REPRESENTAÇÕES DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA
DE 1932 NOS MANUAIS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PUBLICADOS EM
COLEÇÕES (1933-1945) Orlando José de Almeida Filho1 Universidade Federal de São João del – Rei ([email protected])
Apoio FAPEMIG
O saber que é poder não conhece nenhuma barreira, nem na escravidão da criatura, nem na complacência em face dos senhores do mundo. Adorno & Horkheimer
INTRODUÇÃO
Esta comunicação situada na perspectiva da História Cultural pensada por Roger
Chartier tem como objetivo continuar uma investigação que venho realizando em torno
de manuais voltado para a formação de professores e nesse caso, publicados no período
que vai de 1933 a 1945.1 Esses manuais espraiam saberes constituindo modelos
pedagógicos norteadores de práticas culturais e formas escolares e por meio de seus
dispositivos materiais e de leitura, organizam práticas de ensino aprendizagem.
(CARVALHO, 2003, p. 314-315). Os dispositivos de leitura voltam-se, pelo menos,
para dois atores sociais: o autor e editor.2 Os três manuais de História da educação que
selecionei, foram lançados em um período que apareceram, no Brasil, diversas
publicações em coleções.3 Os três manuais são portadores de representações que
disseminam as formalidades das práticas (CARVALHO, HANSEN, 1996, p. 14).
Selecionei os seguintes manuais: Noções de história da educação (1ª ed.) de
Afranio Peixoto, então professor da Universidade e do Instituto de Educação do Rio de
Janeiro, publicado em 1933, pela Companhia Editora Nacional na Coleção Atualidades
Pedagógicas da série III da Biblioteca Pedagógica Brasileira. O segundo manual,
Pequena história da educação (9ª ed.), publicado na coleção Biblioteca da Educação
pela editora Melhoramentos, em 1936, pelas madres Francisca Peeters e Maria A. de
Cooman, professoras do curso normal do Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Santo
André, no estado de São Paulo. O terceiro texto Noções de história da educação, (11º
ed.) de Theobaldo Miranda Santos, publicado, também, pela Companhia Editora 1 Doutor em História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Adjunto do Curso de História da UFSJ, Departamento de Ciências Sociais.
Nacional, a partir de 1945, em duas coleções: Atualidades Pedagógicas e no Curso de
Psicologia e Pedagogia. Santos foi professor de Filosofia da Educação do Instituto de
Educação do Rio de Janeiro e também editor/autor da coleção Curso de Psicologia e
Pedagogia.
Delimitei o estudo tendo em vista compreender três questões centrais: Quais
representações do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 estão presentes
nesses manuais? Como os autores delimitaram o tema sobre o Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova de 1932 no contexto discursivo dos manuais? Quais estratégias
foram utilizadas ao situar o Manifesto da Educação Nova de 1932 nesses compêndios?
Uma das expressões da cultura é o impresso e a leitura. Os dispositivos de
leitura, determinados pelo autor e editor, por meio do objeto material denominado livro
(divisão de capítulos, parágrafos, notas, capa, ilustrações, cores, diagramação, fotos,
etc.), por exemplo, representam um tipo de organização que têm como objetivo, dentre
outros, a compreensão do discurso do texto. Os dispositivos estão ancorados nos
suportes que permitem a leitura de um texto com possibilidades de múltiplas
interpretações. Os dispositivos são pensados na lógica dos interesses de, pelo menos,
dois atores sociais responsáveis por uma determinada publicação, ou seja, o autor e o
editor.4 Um dos pressupostos fundamentais de Chartier é justamente o de
[...] que não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor. Daí a necessária separação de dois tipos de dispositivos: os que decorrem do estabelecimento do texto, das estratégias de escrita, das intenções do autor; e os dispositivos que resultam da passagem a livro ou impresso, produzido pela decisão editorial ou pelo trabalho da oficina, tendo em vista leitores ou leituras que podem não estar de modo nenhum em conformidade com os pretendidos pelo autor (Chartier, 1990, p. 127).
Esses dispositivos de leituras (do autor interessado que o seu texto seja
compreendido e esteja bem escrito) e os dispositivos de mercado (preocupação maior do
editor que procura desenvolver o designer do livro, sua forma aparente) são
representações concretas de interpretação dos atores sociais que atuam sobre a escrita e
a edição de um livro com o objetivo de ser decifrado pelos leitores. Chartier retoma um
dos pressupostos de De Certeau que é o de “estratégia” e de “lugar”. Um sujeito ao
tomar uma decisão circunscrita em um determinado lugar aponta para uma estratégia
que é justamente o cálculo (ou manipulação) das relações de forças que se torna
possível a partir do momento em que um sujeito de querer e de poder (uma empresa,
um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. (De Certeau,
1994, p. 99). Por exemplo, em uma empresa editorial o editor ocupa o lugar de poder
que determina as estratégias de edição. Autores, editores e leitores estão inseridos em
contextos que se esboçam naquilo que De Certeau denomina de “astúcias de interesses
e de desejos diferentes”. O editor decide como o livro ou o impresso deverá sair para o
mercado, tendo em vista atingir os interesses do maior número possível de leitores,
independentemente da vontade do autor. Ele representa o poder decisório e assim o
constitui. Dessa forma, a representação é institucionalizadora de estratégias e de
práticas. Por outro lado há, também, enfrentamentos denominados lutas de
representação que ocorrem no “lugar” em que as estratégias são esboçadas, pois é um
lugar de disputas de poder. Esse lugar reveste-se, portanto, de múltiplos significados de
poder e de dominação e, por isso mesmo, as [...] lutas de representação têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio. (CHARTIER, 1991, p. 17).
No caso do mundo da edição o lugar de poder e de saber dimensionam
representações e lutas de representações por meio de estratégias do texto escrito que
conformará uma prática de leitura. São as práticas que determinam as múltiplas
significações de um texto que depende, também, das formas por meio das quais é
recebido por seus leitores (os ouvintes). (Chartier, 1991, 178).5 Por isso mesmo a
história do impresso se constitui, também, como história de uma prática cultural. É
nessa perspectiva que os estudos sobre o impresso nos últimos 20 anos demonstram a
importância de levar em conta duas tradições fundamentais para as pesquisas
historiográficas. A primeira é antiga e lê os textos ignorando seus suportes. Os textos que se prestam para escrever a história são tomados como portadores de um sentido que é indiferente à materialidade do objeto manuscrito ou impresso através do qual ele se dá, constituído de uma vez por todas e identificável graças ao trabalho crítico. Uma história do ler afirmará contra esse postulado, que as significações dos textos, quaisquer que sejam, são constituídas, diferentemente, pelas leituras que apoderam deles. Daí, uma dupla conseqüência. Antes de mais nada, dar à leitura o estatuto de uma prática criadora, inventiva, produtora e não anulá-la no texto lido, como se o sentido desejado por seu autor devesse inscrever-se no espírito de seus leitores, com toda imediatez e transparência, sem resistência nem desvio no espírito de seus leitores. Em seguida, pensar que os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositados nos objetos lidos, não somente pelo autor que indica a justa compreensão de seu texto, mas também,
pelo impressor que compõe formas tipográficas, seja com um objetivo explícito, seja inconscientemente, em conformidade com os hábitos de seu tempo (Chartier, 1996, 78).
É importante observar que os significados do ato da leitura são plurais pelo fato
de envolverem diversas representações a partir do lugar em que o leitor está situado, do
seu repertório de leitura e de sua concepção de mundo que irá determinar
interpretações.6 A prática da leitura por meio de textos e impressos, portanto, estabelece
representações nas relações entre pertença social e produções culturais como afirma
Chartier. O lugar social de onde se lê determina representações de leituras de mundo e
todo sistema de pensamento está referido a “lugares” sociais, econômicos, culturais,
etc. (Certeau, 2002, p. 66),7 Ao contrário dos escritores “os leitores são viajantes” que
circulam por terras que não são suas. A escrita funda o lugar determinado dos escritores,
porém a leitura dissemina, espraia-se por diversos lugares entre diversos leitores e
reafirma-se por significados distintos, criando representações múltiplas pelos leitores
nômades; “consequentemente, um texto só existe se houver um leitor para lhe dar um
significado” (Chartier, 1999, p. 11). Partindo do lugar dos escritores, ao tornarem
comuns suas idéias por meio do impresso, provocam a comunidade de leitores a
formularem respostas e/ou questões permeadas por significados distintos e
representações por meio dos signos diversos que compõem o texto e a própria leitura
(ruído, som, letra, imagem, gestos, postura, etc.).
1. O PÚBLICO E O PRIVADO: REPRESENTAÇÕES EDUCACIONAIS DO
MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA de 1932
Manifestos fazem parte da modernidade e sempre foram recorrentes na tradição
da história e no Brasil, sobretudo, a partir do final do século XIX foram muito
disseminados, definidos e fundamentados com objetivos políticos, econômicos ou
sociais. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 foi um desses
documentos que se tornou uma daquelas fontes à qual Lê Goff refere-se como um
documento monumento8 da história que sempre é lembrado como referência no processo
de desenvolvimento da educação brasileira. Esse Manifesto acabou se tornando o que
Xavier denominou como um monumento de nossa memória educacional. (Xavier, l.,
2002, P. 8). O discurso do documento traduziu uma vontade política, segundo Nagle, de
alavancar9 o Brasil para outra realidade social, política e econômica. A marca do
progresso técnico e científico é constante em sua narrativa.
Em seus 13 temas, o Manifesto constituiu-se em um documento que nos fornece
um panorama das lutas educacionais do período. Além da visão panorâmica sobre a
educação, o documento é um marco representativo na historiografia educacional pelo
fato de marcar e delinear um debate que estava ocorrendo pelos grupos organizados da
sociedade. O Manifesto foi um chamamento político e social, endereçado ao povo e ao
governo, para os “graves problemas educacionais do Brasil”.
No subtítulo está inscrito A reconstrução educacional no Brasil – ao povo e ao
governo. No próprio tema de abertura do Manifesto “ao povo e ao governo” já se impõe
algumas questões: a que “povo” está se referindo? Havia uma organização nacional de
discussão sobre a educação? A forma como o documento foi divulgado propiciou um
amplo debate popular sobre a questão educacional? A população estava acompanhando
as discussões propostas pelos Pioneiros da Educação? Qual foi o verdadeiro sentido que
os signatários quiseram dar ao documento ao se referirem a “povo”? O documento
possui um tom elitista (de cima para baixo) e a palavra “povo” aparece mais como uma
simbologia política do que uma representação participativa de decisão e/ou inserção no
debate sobre a questão educacional.
Outra questão importante a ser levantada é no que se refere aos signatários. São
26 signatários que não possuíam uma concepção homogenia sobre a questão
educacional, porém assinaram o documento. Paschoal Lemme e Roldão de Barros eram
simpatizantes do socialismo e mesmo Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, embora
fossem mais próximos, não eram defensores dos mesmos princípios. O Manifesto
traduziu alguns avanços consensuais que abarcaram diversos educadores, mesmo
defendendo posições diferenciadas. Uma das idéias era a defesa da criação de um
Sistema Educacional organizado pelo Estado com características próprias: escola única,
laica, pública, universal e sistêmica. A concepção de que a educação possuía um fim
social e por isso mesmo era função do Estado em promovê-la unia os signatários que
assinaram o documento.
O chamamento para um “Plano de reconstrução educacional” buscava levantar
uma discussão política sobre a questão, bem como uma revisão nos métodos
pedagógicos que deveriam ser norteados pela “nova educação”. Nesse sentido, o
documento fala em “Educação Nova” em oposição à “educação tradicional”. Havia
uma posição contra as tendências exclusivamente passivas intelectualistas e verbalistas
da escola tradicional no modelo jesuítico. Portanto, defendia uma reforma integral:
organização, método e sistema calcados, principalmente, na concepção da Educação
Nova norteada pelo educador norte americano John Dewey?
No final do texto, há uma diretriz geral para o plano de reforma educacional que
é a construção de um Estado democrático de direitos e deveres para os cidadãos e que a
ciência seria o pilar dessa Educação Nova que sustentaria uma nova civilização pela
educação pública e não privada.
2. REPRESETAÇÕES EDITORIAIS: VESTÍGIOS NOS MANUAIS
As lutas de representações e a produção de sentido pela materialidade e leitura
nos possibilitam compreender o discurso desses autores e colocá-los inseridos em dois
processos de modelos culturais10 em disputas pelo campo educacional: o católico e o
liberal escolanovista. O campo em disputa era o da educação, e os saberes escolares que
iriam conformar o campo11 das ciências educacionais seriam sistematizados pela
produção material de impressos.12 As coleções de Santos, voltadas para a formação dos
professores, sistematizavam esse campo, construindo modelos de saberes escolares na
perspectiva da pedagogia católica. Nesse sentido, as coleções eram modelares13, pois
organizavam o campo educacional, conformando a cultura escolar.
As capas de livros fazem parte de um dos pressupostos fundamentais refletidos
por Chartier que [...] não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há
compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através
das quais ele chega ao seu leitor. (CHARTIER, 1990, p. 127). A análise da
materialidade das capas dos manuais permite localizar não só o público leitor a quem se
destina a obra, mas, também, as estratégias editoriais de cada volume das coleções no
sentido de chamar atenção pelas cores e informações da obra. Portanto, a materialidade
dos impressos no interior dessa perspectiva historiográfica é fundamental para se
compreender o que Chartier denomina de sentido das formas.14
Averiguando as capas dos três volumes que selecionei (Fig. 1, 2 e 3) é possível
fazer as seguintes observações: O padrão dos três volumes investigados possui formatos
diferentes; o de Santos e Peixoto – 14 X 21 e o de Peeters e Coman - 16 X 23. O que
chama mais atenção nas capas dos três volumes é o título que está em negrito,
maiúsculo e maiores que as demais letras, a coleção a que pertence o volume, os nomes
dos autores e lugar de atuação revelando a autoridade da autoria. Ao relacionarmos o
título (Fig. 1,2 e 3) com o índice (Fig. 4,5 e 6) percebemos a proposta metodológica dos
volumes: trabalha com a perspectiva do tempo histórico cronológico, universal e linear,
onde as diversas temporalidades são sucessões de acontecimentos.
O volume de Peeters e Coman não traz o lugar onde atuavam, porém indica que
são religiosas com o título “MADRES”. Ainda em relação ao título no volume de
Santos o nome da coleção se destaca (letras maiores) embora o título (letras um pouco
menores) também é destaque. Os livros de Santos e Peixoto trazem o número do volume
e o das madres não. Os dispositivos que indicam a editora também estão em lugares
diferentes: o volume de Peeters e Coman aparece bem em cima da capa como primeira
informação destacada “Edições Melhoramentos” e os de Santos e Peixoto em baixo
como última informação. (ver figuras 1, 2 e 3).
Olhando para a capa (Fig. 1, 2 e 3), os dados constitutivos de leitura já mostram
que se trata de volumes de uma coleção voltada para a educação. As estratégias
pretendem indicarem ao leitor de qual assunto trata cada volume, chamando a atenção
para a especificidade do produto em um mercado competitivo, pois o mercado do livro,
voltado para a educação na década de 1930, já era muito significativo e continha muitos
outros títulos sobre Psicologia da educação, Didática, Psicologia Sociologia da
educação, entre outros. As capas possuem todas as informações em uma seqüência
(nome da coleção, volume, autor, título e editora) em que o leitor visado percebe
imediatamente se o volume lhe interessa, visto que faz parte de seu campo de atuação.
Com isso, podem ser despertados o interesse e desejo da posse do produto. É uma
produção que induz muito rapidamente ao esclarecimento do leitor da importância do
volume para a sua profissão e/ou formação. Além disso, esse produto faz parte de um
conjunto maior que é a coleção e, por isso mesmo, se diferencia de uma obra publicada
isoladamente. Os autores são autoridades reconhecidas pela sua trajetória na educação.15
Observa-se que as cores de fundo, em cores variadas, são de tonalidades leves e
claras, favorecendo o realce das informações escritas. O editor pretende, de fato, chamar
a atenção para os dispositivos de leitura do volume.
Fig. 1 Capa do manual de Santos Fig. 2 Capa do manual de Peeters e Cooman
Fig. 3 Capa do manual de A. Peixoto
Os índices (Figs. 4, 5 e 6) possibilitam localizar as representações do Manifesto
no contexto das diversas temporalidades marcadamente positivistas, privilegiando uma
história cronológica, onde os sucessivos acontecimentos constroem o que os autores
denominam “História da educação”. Inserido em um contexto narrativo de uma história
universal, percebe-se que os autores trabalharam com a idéia de summa, ou seja, são
textos sumários/sínteses de cada temporalidade situada historicamente.
O índice da obra de Santos representa a estrutura da obra do autor: Prefácio e
introdução, dividido em oito assuntos temáticos e cada um deles subdivididos em
subtemas; no final um apêndice sobre a educação no Brasil. O volume possui
quatrocentas e trinta e uma páginas (431), das quais apenas vinte e uma páginas (21)
correspondem à História da educação no Brasil totalizando apenas 4.7 % da obra.
Fig. 4 - Índice do manual de Santos. Noções de História da educação.
No volume das madres, Peeters e Coman, apenas no último capítulo (cap. XIX)
as autoras realizam, em onze páginas (11), uma narrativa sobre a educação no Brasil que
sumariamente traduz a educação da Colônia à República. O volume é constituído de
dois prefácios (primeira e segunda edição), introdução, dezenove capítulos e um
apêndice sobre a educação da mulher, totalizando cento e cinqüenta e cinqüenta e quatro
páginas, portanto as onze páginas correspondem a 7.1 % da obra
Não há no índice, da segunda edição, nenhuma referência ao Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova de 1932. O manual que me debrucei foi a nona edição
publicada em 1969, período este em que o Manifesto já havia se consolidado como um
documento importante para entender a educação brasileira antes e após os anos 1930.
Fig. 5 - Índice do manual de Peeters e Cooman. Pequena história da educação.
O texto de Peixoto constituído de vinte capítulos traz representações
significativas, pois introduz três temas (América Latina, Educação no Brasil e Escola
Nova) que em um primeiro olhar o leitor localiza muito rapidamente e percebe sua
importância para o debate educacional no contexto daquele período. O volume é
constituído de duzentos e sessenta e quatro páginas (264) das quais sessenta e três
páginas é dedicado à Educação na América Latina (cap. XVI), Brasil (caps. XVII,
XVIII e XIX) e Escola Nova (cap. XX) o que corresponde a 23.8% da obra. Observam-
se as páginas dedicadas à educação no Brasil corresponde a 19% do total das páginas do
volume. Essa representação é importante, pois tanto Santos, como Peeters e Coman,
não trazem uma discussão sobre América Latina e Escola Nova destacado como
Peixoto. Além disso, a Escola Nova é tema central no Manifesto dos Pioneiros da
Escola Nova e 1032. Há uma representação clara do posicionamento de Peixoto no
sentido de chamar a atenção sobre o tema. Embora, no índice, o tema do Manifesto não
apareça descrito, o mesmo, contrariamente dos volumes de Santos e Peeters/Coman é
citado constantemente. Ainda, citações dos nomes dos pioneiros e escolanovistas como
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho são recorrentes no texto de
Peixoto. Também são recorrentes autores internacionais ligados à Educação Nova:
Decroly, Bovet, Claparède, Maria Montessori, Decroly John Dewey, entre outros.
Fig. 6 – Índice do manual de A. Peixoto. Noções de história da educação.
Considerações Finais
As representações do Manifesto a Educação Nova de 1932, constituídas nas edições
desses manuais, demarcam os lugares antagônicos em que os dois grupos se posicionaram no
decorrer da década de 1930. O objetivo era o de conquistar o professor, pela edição e
prescrições que normatizavam e orientavam a sua ação pedagógica. Esses modelos
ultrapassaram o período da produção desses materiais e, de certa forma, ainda estão muito
presentes na concepção de muitos professores e profissionais da educação. Muitos discursos
ainda disseminam a idéia de missão, idealismo, valores espirituais, valores democráticos,
educar fazendo, formação global, profissionalização, verbas públicas para a educação, etc.
Editores publicam diariamente títulos que discutem essas temáticas, cujo plano simbólico,
ainda, representam a amplitude das disputas educacionais e dos debates dos anos 1930 que
perpassaram as décadas seguintes em um processo de mudanças e permanências históricas
calcadas no campo do debate sobre a educação brasileira.
BIBLIOGRAFIA
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CARVALHO, Marta Maria Chagas. A escola e a República e outros ensaios. Bragança Paulista, São Paulo: EDUSF, 2003. CARVALHO, Marta Maria Chagas, HANSEN, João Adolfo. Modelos culturais e representação: uma leitura de Roger Chartier. Revista VARIA HISTÓRIA, Belo Horizonte, nº 16, set/1996. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. arte de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. CHARTIER, Roger (Org.) Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. ________________. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. ________________. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1990. ________________ Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Editora da UNESP, 2004. FOUCAUT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996. NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001 PEETERS, Madre Francisca, COOMAN, Madre Maria Augusta. Pequena história da educação. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1969. PEIXOTO, Afrânio. Noções de História da educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de história da educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965. TOLEDO, Maria Rita de A. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981). Tese de doutorado. PUC-SP, 2001. XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo do manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932. Bragança Paulista, São Paulo: EDUSF, 2002. 1 Trabalho apresentado no IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: rituais, Espaços e Patrimônios Escolares em que discuti as concepções dos liberais e católicos no processo de disputas pelo campo educacional nos anos 1930 tendo como objeto de investigação os manuais voltados pra a formação de professores das escolas normais e faculdades de pedagogia. Cf. ALMEIDA FILHO, Orlando José. Produção editorial e formação de professores: disputas entre católicos e liberais pelo campo educacional. IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: rituais, Espaços e Patrimônios Escolares. Lisboa: Porto Editora, 2012. 2 Em mina tese de doutorado discuto essa questão mais detalhadamente. Cf. ALMEIDA FILHO, Orlando José. A estratégia da produção e circulação católica do projeto editorial das coleções de Theobaldo Miranda Santos (1945-1971. Tese de doutorado. PUC-SP, 2008. 3 Toledo em sua tese de doutorado ao se debruçar sobre estudos da Companhia Editora Nacional discute o surgimento de publicações em coleções no Brasil e afirma que na década de 1920 são perceptíveis as diversas coleções que apareceram nessa década com assuntos e gêneros vaiados. Cf. TOLEDO, Maria Rita de A. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981). Tese de doutorado, PUC/SP, 2001. 4 Id. 2008. 5 Chartier aponta que nesse processo há três períodos decisivos no que se refere às formas de leitura no Antigo Regime: “o do século IX-XI, que viram as scriptoria manásticas abandonarem os antigos hábitos da leitura e da cópia oralizada; o do século XIII, com a difusão da leitura em silêncio no mundo universitário; e enfim, o da metade do século XIV, quando a nova maneira de ler alcança, tardiamente, as aristocracias laicas” (Chartier, 2001, p. 82). 6 Quero tomar o termo “interpretação” como mecanismo não apenas de entendimento do texto ou da relação do leitor com as mensagens elaboradas pelo autor, que busca tornar seu discurso compreensivo, mas todas as formas de interações da pessoa que lê a partir dos seus conhecimentos de mundo e de suas experiências existenciais. É por meio dessa dupla relação (mensagem lida e estar no mundo) que o leitor interpreta e constrói representações de mundos, reais e possíveis. 7 Em seu livro “A escrita da história”, Michel de Certeau dialoga com diversos autores e, sobretudo, com a Escola dos Annales, determinando que o historiador fala de um lugar peculiar que é o seu campo de atuação. O capítulo II trata do tema “Um lugar social” definindo os limites dos estudos historiográficos. Sobre esse tema conferir: CERTEAU, Michel. A Escrita da história. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forence, 2002. pp. 65-76.
8 Cf. Le Goff, Jacques. História e memória. 4 ed., Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994 9 Cf. NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 10 Cf. CARVALHO, Marta Maria Chagas, HANSEN, João Adolfo. Modelos culturais e representação: uma leitura de Roger Chartier. Revista VARIA HISTÓRIA, Belo Horizonte, nº 16, set/1996, pp. 7-24. 11 Refiro-me ao sentido dado por Bourdieu de “campo”, enquanto conceito de habitus, como sendo conjunto de possibilidades que permitem ações e práticas em situações reais do cotidiano e da própria cultura. Cf. (Bourdieu, 1996, p. 64). 12 O investimento na produção editorial com o objetivo de conformar o campo educacional, por meio da formação de professores, foi uma estratégia utilizada por todos aqueles que militavam nesse campo: católicos e liberais. De um lado os liberais convictos da necessidade de difusão das novas concepções educacionais e de outro, os católicos defensores de uma depuração dos princípios que não correspondiam aos seus interesses. O que se pode afirmar sobre as convicções dos dois grupos em relação ao impresso foi a percepção que tiveram sobre a importância desse meio de divulgação como estratégia comunicacional que poderia conformar idéias e concepções de modelos pedagógicos e educacionais. 13 op. cit. 1996, pp. 7-24. 14 Cf. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1990. 15 Em minha tese de doutorado no capítulo II – Estrutura e Descrição da Coleção discuto mais detalhadamente os dispositivos de capas de edições de livros. op. cit. pp. 125-194.