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UM NEGRO NO GÓLGOTA Irenilson de Jesus Barbosa
1
IRENILSON DE JESUS BARBOSA
.
Salvador
2015
UM NEGRO NO GÓLGOTA Irenilson de Jesus Barbosa
2
2015
Título Original: Um Negro no Gólgota
Copyright©2015 por Irenilson de Jesus Barbosa
Publicado mediante acordo com a PerSe Editora
Todos os direitos reservados ao autor.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob
quaisquer meios existentes sem autorização por escrito do autor.
E-mail: [email protected]
Barbosa, Irenilson de Jesus.
Um negro no Gólgota / Irenilson de Jesus Barbosa. Salvador/São Paulo: Um negro no Gólgota / Irenilson de Jesus Barbosa. Salvador/São Paulo:
PerSe, 2015.
ISBN 978-85-8196-938-1
1. Teologia – 2. Fé Cristã – 3. Relações Etnicorraciais - 4. Igreja
I. Barbosa, Irenilson de J. II. Título
UM NEGRO NO GÓLGOTA Irenilson de Jesus Barbosa
3
A Deus, que, em seu Filho Crucificado, nos amou e nos deu vida,
através de sua morte e ressurreição, sendo nós ainda pecadores.
À memória de minha mãe, pessoa linda, que em sua simplicidade e
sabedoria me ensinou os primeiros passos da fé no Crucificado,
assim como o respeito pela pessoa humana e suas diferenças.
À memória de meu pai, homem experimentado no trabalho, que
soube carregar a sua cruz afrodescendente com o amor e a
dignidade que nos emprestou para seguirmos no mesmo caminho,
sem jamais perder a ternura e a alegria de viver.
À Luciene, minha companheira de todas as horas, que carrega a
cruz comigo, incondicionalmente, e com a qual compartilho as
melhores e maiores alegrias.
Aos meus filhos, Talita e Tarcísio, que dão um sentido especial à
minha vida e fazem com que a caminhada seja muito mais que o
levar de uma cruz.
Aos meus irmãos, irmãs e suas famílias, incentivadores e amigos
de toda a jornada.
Aos militantes da causa da igualdade racial que deixaram e
deixam suas marcas no caminho para que possamos seguir com a
esperança reservada aos que não se curvam diante da
discriminação racial, dos preconceitos e das injustiças sociais.
Aquele abraço negro e o meu cheiro rubro-negro de sempre!
Irenilson de Jesus Barbosa.
UM NEGRO NO GÓLGOTA Irenilson de Jesus Barbosa
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UM NEGRO NO GÓLGOTA Irenilson de Jesus Barbosa
5
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...................................................................... .6
INTRODUÇÃO
A IGREJA IMPLICADA COM A CRUZ DE SUA
HISTÓRIA.................................................................................... 7
CAPÍTULO I
UM NEGRO NO GÓLGOTA É UMA REVELAÇÃO DO
CHAMADO UNIVERSAL DE DEUS PARA A CRUZ.......... 31
CAPÍTULO II UM NEGRO NO GÓLGOTA REVELA UM
CONSTRANGIMENTO PARA ASSUMIR
RESPONSABILIDADES COM A CRUZ ............................... 55
CAPÍTULO III
UM NEGRO NO GÓLGOTA SIMBOLIZA UM CHAMADO
A ANDAR NO CAMINHO DA REDENÇÃO DOS
HOMENS..................................................................................... 91
CONCLUSÃO
UM NEGRO NO GÓLGOTA NOS CONSTRANGE À
AÇÃO......................................................................................... 103
REFERÊNCIAS 127
UM NEGRO NO GÓLGOTA Irenilson de Jesus Barbosa
6
APRESENTAÇÃO
Este livro nos apresenta uma análise biblico-teológica com
aplicação social e pedagógica da narrativa bíblica de
Marcos 15.20-22, retratando a presença de Simão, o cireneu,
no caminho de Cristo até o Gólgota, o qual foi constrangido
pelos soldados romanos a carregar a cruz do condenado até
o lugar de sua morte por meio da crucificação. O texto,
dividido em cinco seções, enfatiza as implicações da
presença de um judeu afrodescendente no relato evangélico
como analogia e ponto de partida para reflexões sobre o
papel da igreja e de todos os seus discípulos ao longo da
história, no que se refere ao trato com as questões
etnicorraciais, tanto do ponto de vista histórico-teológico
quanto bíblico-exegético e educacional. Reflete sobre o
chamado universal de Deus a todos os homens para
assumirem lugar sob a cruz do Messias, o constrangimento
que seu sacrifício traz ou deveria trazer aos homens
comprometidos com sua fé em todas as épocas, etnias e
lugares para fazê-los assumir responsabilidades éticas e
espirituais com o Evangelho e como isso se constitui em
chamado de Deus para que vivamos de forma redimida,
respeitosa e libertadora, diante dele e dos nossos
semelhantes. Utilizando dados históricos e informações de
pesquisas e outros trabalhos sobre o tema, o texto ainda nos
apresenta os desafios e consequências pedagógicas dessa
tomada de posição. Desejo-lhe uma proveitosa leitura!
Salvador, 16 de abril de 2015.
Irenilson de Jesus Barbosa
UM NEGRO NO GÓLGOTA Irenilson de Jesus Barbosa
7
INTRODUÇÃO
A IGREJA IMPLICADA COM A cruz de
SUA HISTÓRIA
E, havendo-o escarnecido, despiram-lhe a púrpura, e o vestiram
com as suas próprias vestes; e o levaram para fora a fim de o
crucificarem. E constrangeram um certo Simão, cireneu, pai de
Alexandre e de Rufo, que por ali passava, vindo do campo, a que
levasse a cruz. E levaram-no ao lugar do Gólgota, que se traduz
por lugar da Caveira. (Marcos 15.20-22)
No dia 4 de abril de 1968, um negro de trinta e nove anos de
idade, pastor titular da Primeira Igreja Batista da Avenida
Dexter, estava hospedado em Lorraine Motel, em Memphis
(EUA), aonde chegara para apoiar a greve dos trabalhadores
dos serviços sanitários e se preparava para o jantar na casa de
um amigo, quando saiu à varanda e uma bala o atingiu no
queixo e perfurou sua medula espinhal. Ele foi declarado
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morto ao chegar ao hospital local. Subitamente, a trajetória de
uma bala havia interrompido uma das mais brilhantes
trajetórias de um homem no século vinte! Seu nome? Martin
Luther King Jr.
O jovem pastor Martin Luther King sucedera ao experiente
reverendo Dr. Vernon Johns no pastorado, pois este último
havia sido demitido pela liderança da igreja porque se tornara
incômodo a muitas pessoas por seus sermões contundentes
em defesa dos negros e contra a segregação racial. Mas, o Pr.
King, especialmente nos últimos meses, estivera cada vez
mais preocupado com as desigualdades raciais e econômicas
nos EUA e, nos meses anteriores, organizara um movimento
denominado a Campanha do Povo Pobre. Em março de
1968, fora a Memphis apoiar a greve dos trabalhadores dos
serviços sanitários, majoritariamente afro-americanos. Oito
dias antes, em 28 de março, viu uma marcha de protesto dos
trabalhadores, liderada por ele, terminar em violência, com a
morte de um adolescente afro-americano. Martin deixou a
cidade, mas prometeu voltar em princípios de abril para
encabeçar outra manifestação. Ele estava decididamente
envolvido nisso. Como prometera, em 3 de abril, regressara a
Memphis, pronunciando o que seria o seu último sermão.
Exímio orador, na sua derradeira prédica, ele havia
destacado:
“Tivemos algumas dificuldades, há dias atrás. Porém,
nada importa para mim agora, porque estive no alto da
montanha… E Ele permitiu que eu subisse a
montanha. Olhei ao redor e avistei a Terra Prometida.
Não irei até lá convosco, mas quero que esta noite
saibam que nós, como povo, chegaremos à terra
prometida” (KING JR. apud ANDRÉ, 2015).
No dia seguinte a pronuncia dessas palavras, Pr. King foi
assassinado por um franco-atirador. Assim que a notícia se
espalhou, a população saiu às ruas em várias cidades do país.
A Guarda Nacional foi deslocada para Memphis e
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Washington, mas no dia 9 de abril, o corpo negro foi
enterrado em Atlanta (Geórgia – EUA) sua cidade natal com
um cortejo formado por milhares de pessoas que se alinharam
nas ruas para ver passar o caixão colocado sobre uma simples
carroça rural, para prestar-lhe o que se acreditava até então
ser o seu último tributo.
Apesar de controvérsias que perduram até o dia de hoje sobre
a autoria do assassinato, gerando as mais diversas teorias –
tendo em vista a enorme quantidade de pessoas e instituições
que teriam interesse na morte do pastor batista – as
investigações apontaram para um único suspeito: James Earl
Ray.
O suspeito era um criminoso comum, que fugira de uma
prisão no Missouri, em abril de 1967, onde cumpria uma
sentença por assalto. Segundo diversos documentários, em
maio de 1968, começou uma intensa caçada a Ray. Por fim, o
FBI constatou que ele tinha obtido um passaporte falso e em
8 de junho, a Scotland Yard o prendeu no aeroporto de
Londres, quando tentava voar para a Bélgica com o objetivo
de chegar à Rodésia, um país que tinha um governo de
minoria branca, opressor e internacionalmente condenado.
Ray foi extraditado para os EUA e declarou-se culpado
perante um juiz de Memphis, em março de 1969, para evitar a
cadeira elétrica. Foi sentenciado a 99 anos de prisão. Três
dias depois, tentou retirar a sua declaração de culpa,
afirmando-se inocente. Era mais um branco acusado de
assassinar um negro, declarando a sua inocência.
1. Uma igreja sem memória de boas referências
Infelizmente, a igreja batista da qual Martin Luther King
Junior era pastor, assim como a quase totalidade da igreja
evangélica contemporânea tem copiado desse episodia apenas
a declaração de inocência do criminoso! Mas preciso lhe
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dizer uma coisa: Embora se declare inocente em relação às
questões etnicorraciais, a igreja que se diz cristã nesta
geração continua culpada dessa terrível omissão!
Espantosamente, a causa da segregação e do genocídio
histórico dos povos afrodescendentes que se observa no
mundo não comove e nem mesmo suscita debates no meio
evangélico tradicional, exceto em casos isolados, e isso é um
tanto pior nos segmentos pentecostais e neo-
pentecostalizados.
Eu diria que a
quase
totalidade do
cristianismo
institucionaliza
do no Brasil –
incluindo-se o
catolicismo,
que teve
influência
marcante da
Teologia da
Libertação na sua atuação, a partir dos anos 60 e 70, mas
agora vive como se retornasse a seu triste período medieval –
tem-se mostrado refratário às questões etnicorraciais. Mesmo
assim um parte dos católicos, luteranos e metodistas estão a
léguas de vantagem sobre os demais ditos evangélicos – e
mais especificamente os batistas, entre os quais me incluo
com apreensão e muitos questionamentos. Alguns destes
questionamentos pululam em minha mente e na mente de
muitos que não se conformam com tal indiferença.
Porque a igreja batista brasileira, igualmente afrodescendente
em sua maioria, se esqueceu ou finge ter esquecido até que
Martin Luther King era um dos seus líderes no século
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passado e que deu sua vida pela causa da justiça e da
igualdade racial?
Porque agimos como se não tivéssemos referências para
tratar desta questão com a maturidade e o engajamento que
ela nos exige, entregando-a nas mãos de abnegados líderes
das religiões de matriz africana - que sentem na pele a
opressão e a discriminação, inclusive com diversas situações
que refletem a nossa intolerância ora religiosa, ora racial?
Porque ainda encontramos tantos pastores fazendo vistas
grossas para os problemas sociais, alienados das causas que
afligem ao povo ao qual ministram e repetindo discursos
opressores das elites que manipulam a este mesmo povo, em
absurda subalternidade, inclusive ideológica?
Porque insistem numa teologia eurocêntrica, desprovida de
cuidados hermenêuticos e exegéticos sérios, escondendo o
contexto africano das narrativas; desde um Egito onde a única
coisa que associam com os negros é a escravidão até um
Jesus nórdico de olhos azuis ou verdes?
Porque abdicamos da honestidade exegética que nos revela
um Cristo identificado com os problemas do povo,
compassivo com os oprimidos pelas mazelas sociais, como se
isso preservasse o significado escatológico de sua missão?
Porque não nos incomoda a discriminação racial dominante
na sociedade e até nas igrejas brasileiras, onde apenas
brancos ou “quase brancos” ocupam os postos mais
representativos, incluindo-se pastorados de grandes igrejas?
São muitas as perguntas, e ainda não consegui alistar todas,
mas alguém precisa fazê-las! É certo também que não poderei
responder a todas, se é que responderei a alguma, mas tirar o
leitor da indiferença ao tema e provocar a reflexão a respeito
já será um ganho enorme, dadas as minhas pretensões.
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Assim, no lastro das inquietações vinculadas a essas
perguntas e tantas outras surge o texto que abre este opúsculo
e apresenta uma narrativa bíblica que mexe com as estruturas
de nossas compreensões cristalizadas numa teologia
eminentemente eurocêntrica! Ele nos desafia a considerações
e reflexões que vão muito além do cenário do Gólgota, o
local da crucificação de Jesus Cristo!
2. Uma história dissociada da teologia bíblica
Estranhamente, a igreja contemporânea age como se a Bíblia
nada dissesse sobre negros e sobre discriminação racial. Mas,
até na cena da crucificação de Jesus um negro está presente.
Sim! Simão, o cireneu, conforme todas as evidências textuais,
internas e externas, era um afrodescendente e, considerando a
geografia e a geopolítica dos tempos bíblicos, em contraste
com a atual, podemos dizer até que Jesus também o era.
Nossa teologia tradicional, acertadamente, diz que Jesus é o
único Mediador entre Deus e os homens (1 Timóteo 2:5) e
que somente ele realizou a nossa salvação da qual o marco
principal foi sua morte expiatória na cruz do Gólgota
(Hebreus 12.24). Contudo, para nosso espanto geral e
necessária inquietação, essa mesma teologia, naquilo que se
popularizou, inexplicavelmente, esconde ou foge de um
debate sobre as relações etnicorraciais ao longo dos tempos,
chegando ao absurdo de aceitar que alguns de seus exegetas
apregoem que a marca da maldição de Caim (por ser o
assassino de seu irmão Abel) e a expressa maldição de Cão
(por se divertir com a embriaguez de Noé) seria a
transformação de sua pele – supostamente branca – em pele
negra. O que esses intérpretes convenientemente esqueceram
é que o sinal em Caim – que evidentemente nada tinha a ver
com pele negra – era uma espécie de proteção para que
ninguém o ferisse e não uma licença para escravizá-lo e aos
seus descendentes:
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Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me
esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que
todo aquele que me achar, me matará. O Senhor, porém,
disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes
será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o
não ferisse qualquer que o achasse. E saiu Caim de diante da
face do Senhor, e habitou na terra de Node, do lado oriental
do Éden. (Gênesis 4:14-16)
No caso de Cão (ou Cam), sequer se menciona qualquer sinal
físico ou a cor da pele (Gn 9.20-26). O que acho curioso
nesta interpretação, é que falta muito discernimento e pelo
menos uma pergunta aos preconceituosos:
Se Cão era filho de Noé e era negro, a ponto de nele se
justificar teologicamente a escravidão contra os povos negros
africanos, de que etnia ou qual era a cor da pele de Noé, seu
pai? Ou poderia se perguntar: Se Cão tornou-se negro depois
do episódio da embriaguês de Noé e posteriormente se tornou
o pai de Canaã (Gn 10.6), isso significa que a terra prometida
para a qual Moisés foi orientado a levar o povo de Deus era
também na África (Nm 34.2)?
Ou ainda: Noé teve três filhos (Gn 6.10) da mesma mãe (Gn
6.18); pode-se acreditar que dois eram brancos e um era
negro e por isso este último deveria ser oprimido pelos
primeiros?
A estas interpretações seguem outras sandices do mesmo
naipe. Os mais “sensíveis”, por sua vez, tem se limitado a
usar frases de efeito ou repetições de jargões bíblicos sobre a
igualdade racial, negligenciando que as indicações bíblicas
são bem mais contundentes ao situar até mesmo o jardim do
Éden entre rios que existem ainda hoje em território africano
e árabe (Gn 2.10-15).
O historiador Flávio Josefo, identifica o rio Pison com o
Ganges, situado na atual Índia e o rio Ghiom com o Nilo,
conhecido rio do Egito (JOSEFO, 93-94 d.C.).
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O rio Tigre é o mais oriental dos dois grandes rios que
delineiam a Mesopotâmia, junto com o Eufrates, que corre
desde as montanhas de Anatólia através do Iraque. De fato, o
nome "Mesopotâmia" significa terra entre os rios.
O rio Tigre tem 1.900 km de extensão. Nasce nos montes
orientais da Turquia e corre geralmente para sudeste até unir-
se ao rio Eufrates, próximo a Al Qurna, no sul do Iraque. Os
dois rios formam o canal de Shattal-Arab, que desemboca no
Golfo Pérsico. O Eufrates é o mais longo e um dos mais
historicamente importantes rios da hoje denominada Ásia
Ocidental com cerca de 2.780 quilômetros de extensão.
Juntamente com o Tigre, é um dos dois rios que definem a
Mesopotâmia (entre dois rios). Originário no leste da
Turquia, o Eufrates flui através da Síria e do Iraque até o
canal já mencionado.
O Reino de Cuxe, ou apenas Cuxe, ou ainda Reino de
Kush, foi um antigo reino africano situado ao sul de Assuão,
entre a primeira e a sexta catarata do Rio Nilo, onde hoje se
localiza a república do Sudão. Ele foi estabelecido após o
colapso da Era do Bronze e da desintegração do Novo
Império Egípcio, tinha como centro a cidade de Napata, em
sua primeira fase. Após a invasão do Egito pelo rei Kashta,
no século VIII a.C., os reis cuxitas reinaram também
como faraós da 25ª. Dinastia do Egito por um século, até que
foram expulsos por Psamético I, em 656 a.C.
Sabe-se que, durante a Antiguidade clássica, a capital do
império cuxita foi Meroé. Para os geógrafos gregos antigos, o
império meroítico era conhecido como Etiópia. O império
cuxita, tendo Meroé como capital, persistiu até o século IV
d.C., quando perdeu força e se desintegrou devido a rebeliões
internas. (MOKHTAR, 2010)
Ao ler sobre Cuxe, não esqueça que ele era filho de Cão (Gn
10.6) e que Moisés tomou para si uma esposa cuxita (Nm
12.1); que entre os filhos de Cuxe estava Sebá, em cuja terra
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reinou a riquíssima rainha que se encantou com a sabedoria e
riqueza de Salomão, vindo a fazer aliança com ele (1 Reis
10.1-13).
Pois é! Você percebe a abundância de informações? Não acha
esquisito que não se releve que o relato bíblico começa na
África? Assim também, descobertas arqueológicas têm
confirmado e os exames dos fósseis mais antigos dos quais a
ciência tem notícia, indicam que o primeiro homem – para
nós, um ser criado por Deus, à sua imagem e semelhança -
era um africano. Convenhamos, acha que ele teria feito
tantos descendentes negros naquele continente se a sua pele
fosse desprovida de melanina?
Ainda que esse tema da criação e de seus desdobramentos
seja tão fascinante, o que me chama a atenção para este
momento é que, quando abro a minha Bíblia na narrativa da
crucificação de Cristo, nos quatro evangelhos que compõem
o nosso Novo Testamento, lá encontro também um
personagem africano carregando a cruz de Cristo!
Veja isso! Apenas uma pessoa na história da humanidade
ajudou o Salvador do mundo a carregar a sua cruz e essa
pessoa era um homem afrodescendente. Aleluia!
Prestemos muita atenção nisto e tente responder para si
mesmo: Quando você considera que “Deus estava em Cristo,
reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus
pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação (2 Co 5:19),
não lhe parece que estamos deixando de fazer algo em
relação à reconciliação das pessoas implicadas em questões
etnicorraciais?
3. Uma igreja com ausências e omissões históricas
Essa introdução de alguma maneira me remete ao dia 21 de
março do ano de 1960, em Johanesburgo, na África do Sul.