irradiaÇÕes da proteÇÃo juslaboral no campo processual do …
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Direito
Graciane Rafisa Saliba
IRRADIAÇÕES DA PROTEÇÃO JUSLABORAL NO CAMPO PROCESSUAL DO TRABALHO: Sedimentação da isocrítica no Estado Democrático de Direito
Belo Horizonte 2017
Graciane Rafisa Saliba
IRRADIAÇÕES DA PROTEÇÃO JUSLABORAL NO CAMPO PROCESSUAL DO TRABALHO: Sedimentação da isocrítica no Estado Democrático de Direito
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Direito. Orientador: Prof. Dr. Vitor Salino de Moura Eça Área de concentração: Direito Privado
Belo Horizonte
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Saliba, Graciane Rafisa
S165i Irradiações da proteção juslaboral no campo processual do trabalho:
sedimentação da isocrítica no Estado Democrático de Direito / Graciane Rafisa
Saliba. Belo Horizonte, 2017.
297 f.
Orientador: Vitor Salino de Moura Eça
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito
1. Princípio da proteção. 2. Direito do trabalho. 3. Estado democrático de
direito. 4. Direito processual constitucional. I. Eça, Vitor Salino de Moura. II.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação
em Direito. III. Título.
CDU: 331.16
Graciane Rafisa Saliba
IRRADIAÇÕES DA PROTEÇÃO JUSLABORAL NO CAMPO PROCESSUAL DO TRABALHO: Sedimentação da isocrítica no Estado Democrático de Direito
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Direito.
______________________________________________________ Prof. Dr. Vitor Salino de Moura Eça – PUC Minas (Orientador)
______________________________________________________ Prof. Dr. Cleber Lúcio de Almeida – PUC Minas
______________________________________________________ Prof. Dr. Bento Herculano Duarte Neto - UFRN
______________________________________________________ Prof. Dr. Fabrício Veiga Costa – UIT
______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rúbia Zanotelli Alvarenga – UDF
Belo Horizonte, 07 de abril de 2017.
Dedico a presente pesquisa ao Prof. Dr. Vitor Salino de
Moura Eça, que, como grande Mestre que é, acreditou,
apoiou e incentivou, me oferecendo as mãos e me
conduzindo num caminho desconhecido e temeroso, me
dando segurança para superar a insegurança e o medo,
peculiares de uma eterna aprendiz.
AGRADECIMENTO Minha voz por muitas vezes parecia não emitir som, num período no qual as
lágrimas escorriam num mundo cinzento, em que a solidão insistentemente se fez
presente. Dias e noites em que o descobrimento e a pesquisa tornaram o meu riso
triste à inconformação com aquilo que não se pode mudar, sob os interesses que se
fizeram e se fazem presentes na sociedade, o desencantamento e o encantamento.
Me recolhi num casulo de livros e ideias, por necessidade de reflexão, num caminho
sem volta que a escrita me proporcionou...
O crescimento pessoal de uma pesquisa há de superar todos estes
momentos, em que minha ausência foi reiteradamente questionada por pessoas que
me enobrecem, que souberam, às vezes no silêncio, às vezes nas reclamações e às
vezes no incentivo, respeitar o sofrimento imperioso e a minha incansável dedicação
à vida acadêmica, por saber quão importante é para mim a realização de tal sonho.
E nesse caminho, tenho muito a agradecer ao Bernardo, meu companheiro de
vida, que tão ternamente soube me acalentar e me acalmar, com seu amor forte e
seguro de todos os momentos, com suas palavras e olhares de cumplicidade e sua
amizade sincera, que me faz ter a certeza que Deus me presenteia todos os dias, e
demonstra, através desse amor humano, que a vida a dois é construída e erguida
em base sólida quando sustentada pelo amor e pela fé.
Agradeço aos meus pais, Aziz e Maria das Graças, por me oferecerem
oportunidades que eles mesmos não tiveram, por fazerem dos meus sonhos os
deles, por me ensinarem a lutar com a certeza de que as derrotas serão amenizadas
com o amor e o colo, e que tanto se prestam para o meu crescimento na vida.
Sempre foram meus exemplos, por quem nutro uma admiração resplandecente.
Aos meus irmãos, Aziz Tuffi e Samir Tuffi, pelo afeto e amor, que me fazem
sentir mais segura, um porto de diálogo e carinho, com os abraços e sorrisos, fonte
permanente de conhecimento, cada um à sua maneira, e apoio, amor e proteção em
qualquer momento. Ao meu amado sobrinho, Samir Jr., que bem à sua maneira me
apoia tanto, e me faz sentir ter também a missão de mostrar que são a
responsabilidade e o esforço que nos conduzem às realizações. À Patrícia, pelo
carinho e ternura.
Ao meu grande Mestre, meu orientador, Prof. Dr. Vitor Salino de Moura Eça,
que acreditou no meu ideal, que me acolheu, incentivou, e com a sabedoria que lhe
dá o destaque, iluminou o meu caminho, me concedeu a oportunidade de ser por ele
orientada, de poder ouvi-lo e conviver por esses quatro anos, se tornando meu
referencial profissional e pessoal, sendo uma das pessoas mais iluminadas que já
tive a alegria de ver nessa vida.
Às amigas Márcia Regina e Eliane Rodrigues, por me permitirem aprender
com elas, pela consideração e carinho, e pela admiração por serem verdadeiras
guerreiras no mundo acadêmico.
As disciplinas cursadas me permitiram conhecer grandes amigas, da sala
para a vida, com quem caminharei sempre! Obrigada, meninas!
Ainda neste percurso, o apoio de líderes também foi fundamental, pois
souberam aceitar minha ausência e incentivaram com palavras e gestos. Ruperto
Vega e Sônia Cristina, que eu saiba retribuir a confiança e o carinho depositados,
muito além do profissional, souberam despertar em mim a vontade de buscar a
educação como a alternativa de mudar a realidade.
Aos professores, funcionários e aos alunos da Universidade de Itaúna, da
Faculdade Pitágoras de Divinópolis, da Faculdade de Pará de Minas e da PUC
Minas Betim, razão de toda a minha dedicação, meus incentivadores. Ainda que não
soubessem de sua importância nos meus dias de maiores temores, foram esses os
que alegraram as minhas noites e as manhãs, que me deram um carinho que não
tem como mensurar, com seus abraços, sorrisos, presentes, palavras.... Juntos nós
mudaremos o mundo, juntos realizaremos nossos sonhos e defenderemos nossos
ideais!
Aos professores do Programa de Pós-Graduação da PUC Minas,
especialmente Profa. Dra. Taisa Maria Macena de Lima e Cleber Lúcio de Almeida,
por me fazerem refletir nos momentos finais, todo o feito, cada palavra e equívoco,
por engrandecerem o meu conhecimento com críticas proferidas com ternura,
apesar da profundidade.
Aos meus amigos do time Premium Educacional, que se tornaram uma
família, e me fazem acreditar que, unidos pela educação, numa empreitada de
grande responsabilidade, conseguiremos mudar o rumo de muitas vidas de alunos!
À Camila Jorge, minha eterna monitora que incansavelmente me acompanha,
sofre com meu sofrimento, auxilia, acredita e incentiva, assim como Marina, Iasmim
e Karol, que, além de se tornarem amigas, estarão sempre na minha memória e no
meu coração, pois a gratidão será eterna.
Aos meus amigos que souberam respeitar a minha ausência e aos que
apoiaram, especialmente Fabrício, Maria Bueno e Marcelo Nunes, que deram força
nos momentos em que eu já não a encontrava, me ofereceram as melhores
palavras, abraços e sorrisos, e acompanharam passo a passo a elaboração desse
trabalho.
Seria injusta se não mencionasse uma pessoa muito especial, que foi
fundamental para a realização de diversos momentos dessa etapa, minha saudosa
avó Dulce, que abandonou o mundo terreno, mas desde o primeiro dia, quando fui
realizar o exame de seleção, ainda sem saber o que representava o curso, me fez
acreditar que era possível, e, ao despedir, me deu o melhor sorriso do mundo, que
se eternizou em minha memória, sendo o meu grande estímulo para buscar a
realização dos meus sonhos, que ela sempre comemorará comigo, onde quer que
esteja.
Enfim, faltam palavras, sorrisos e abraços para agradecer todos que me
fazem aprender, crescer e viver, e nada seria possível sem Deus na minha vida; que
eu saiba cumprir a missão por Ele dada!
“Não te poderás considerar um verdadeiro intelectual se não puseres a tua vida ao serviço da justiça; e sobretudo se te não guardares cuidadosamente do erro em que se cai no vulgo: o de confundir com a vingança. A justiça há-de ser para nós amparo criador, consolação e aproveitamento das forças que andam desviadas; há-de ter por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a distinguiremos do amor.”
Agostinho Baptista da Silva
RESUMO
As perspectivas crítico-epistemológicas incidentes na proteção jurídica dos sujeitos
hipossuficientes na relação de trabalho suscitam controvérsias no tocante à
abrangência, alcance e especialmente sua irradiação na seara processual
trabalhista. A busca incessante pela igualdade não meramente formal, mas material,
fez com que o Direito do Trabalho enveredasse, desde sua origem, pela formação
do princípio da proteção, e desde então questiona-se a autonomia deste ramo dada
sua peculiaridade de desigualdade das partes. No âmbito da processualidade
democrática, resguarda-se o direito de iguais oportunidades de argumentação fático-
jurídico-legal das questões que integram a demanda, com o resplandecimento de
embasamento principiológico, bem como a utilização da ponderação e do
sopesamento de princípios na seara da ciência justrabalhista, tendo como cume a
efetividade do processo trabalhista, sem olvidar os limites nos quais o julgador se
depara no Estado Democrático de Direito. Debate-se, pois, a inserção de um
processo constitucional, no qual as partes participam ativamente, juntamente com o
magistrado, num locus de discursividade ampla e participada dos sujeitos
interessados na construção do provimento final. Para percorrer o caminho dessa
busca, faz-se necessário vislumbrar a cientificidade do Direito, bem como a
importância da principiologia para o Direito e para as ciências, especialmente o
princípio da proteção, com suas vertentes, implicações e aplicações. A sua
irradiação no cenário processual deve ser acautelada para não constituir uma ofensa
ao princípio da igualdade das partes e ao tratamento isonômico e isocrítico. A
aplicação do direito e do processo do trabalho deve ser pautada em parâmetros
alinhados com as garantias constitucionais, ressaltando que a revisitação do
princípio da proteção, a partir da processualidade democrática, passa diretamente
pela desconstrução dogmática da ideológica concepção de que se trata de princípio
pontualmente voltado à proteção do empregado.
PALAVRAS-CHAVE: Princípio da proteção; Estado Democrático de Direito;
Processo constitucional.
ABSTRACT
The critical and epistemological perspectives which occurs in the legal protection of
hypo sufficient subjects in the employment relationship raises controversy regarding
the scope, especially its radiation in procedural laborite branch of study. The
relentless demand of not merely theoretical equality, but the material one, guided the
Labor Law since its origin to the construction of Protection Principle, and since then,
the autonomy of this branch has been questioned concerned its peculiarity of
inequality of the parties. Within the democratic processuality, the right of equal
opportunity to factual and legal arguments of the issues that are part of the demand
is protected, as a resplendent basic principle, as well as the use of weighting and
comparative principles in the Labor Law Science, with the summit of the
effectiveness of the labor process, without forgetting the limits within which the judge
is faced in the Democratic State. It is therefore argued that a constitutional process
should be inserted, in which the parties actively participate, together with the
magistrate, in a locus of wide and participant discursiveness of the interested parties
in the construction of the final provision. In order to seek this objective, it is necessary
to glimpse the scientificity of Law, as well as the importance of principiology for Law
and for sciences, especially the principle of protection, with its strands, implications
and applications. Its irradiation in the procedural scenario must be taken care of so
as not to constitute an offense against the principle of equality of the parties and to
the isonomic and isocritical treatment. The application of the law and the labor
process must be based on parameters aligned with the constitutional guarantees,
emphasizing that the revision of the principle of protection, from the democratic
process, goes directly through the dogmatic deconstruction of the ideological
conception that it is a matter of principle aimed at protecting the employee.
KEYWORDS: Protection principle; Democratic State; Constitutional process.
RÉSUMÉ
Les perspectives critiques-épistémologiques sur la protection juridique des sujets
hyposufficients dans la relation de travail soulève à des controverses quant à la
portée, à l'ampleur et en particulier à son rayonnement dans la récolte procédurale
du travail. La poursuite incessante de l'égalité non pas seulement formelle, mais
aussi matérielle, a fait que le droit du travail c'est devenu, depuis son origine, sur la
formation du principe de protection et, depuis lors, nous nous interrogeons sur
l'autonomie de ce secteur, compte tenu de sa particularité: les inégalités des parties.
Dans le domaine de la processualité démocratique, le droit de l'égalité des chances
est protégée aux arguments factuels et juridiques-judiciaires des questions qui font
partie de la demande, dans la base de l'émergence de principes et aussi l'utilisation
des principes de pondération et contre-balancement dans la récolte de la science de
droit du travail, ayant comme sommet l'efficacité du processus du travail, sans
oublier les limites dans lesquelles le juge est confronté dans l'État Democratique de
Droit. Il est débattu, par conséquent, l'inclusion d'un processus constitutionnel, dans
lequel les parties participent activement, ainsi que le magistrat, dans un lieu d'une
discursivité augmentée et participative des personnes concernées dans la
construction du jugement définitif. Donc, pour suivre le chemin de cette recherche, il
est nécessaire d'envisager le caractère scientifique de la loi, et l'importance des
principes pour le Droit et pour les Sciences en général, spécialement le principe de
protection, toutes ses dimensions, implications et applications. Son irradiation dans
le cadre de la procédure doit être sauvegardée pour ne pas constituer une violation
du principe de l'égalité des parties et le traitement isonomique et isocritique.
L'application du droit et du processus du travail devrait être basée sur les paramètres
alignés aux garanties constitutionnelles, en notant que la révisitation au principe de
protection, à partir de la processualité démocratique, passe directement par la dé-
construction dogmatique de la conception idéologique qu'il est d'abord un principe
ponctuellement dirigée à la protection des employés.
MOTS-CLÉS: Principe de protection; État Démocratique de Droit; Processus
constitutionnel.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
CC – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CP – Código Penal
CPC – Código de Processo Civil
CPC – Código de Processo Penal
EC – Emenda Constitucional
LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
NCPC – Novo Código de Processo Civil
OJ – Orientação Jurisprudencial
OIT – Organização Internacional do Trabalho
SDI-I – Seção de Dissídios Individuais I, do Tribunal Superior do Trabalho
SDI-II – Seção de Dissídios Individuais II, do Tribunal Superior do Trabalho
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 27 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E PROPOSIÇÕES JURÍDICAS DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO E COMPARADO ... 312.1 Direito como uma forma de conhecimento científico: noção e importância dos princípios .......................................................................................................... 322.1.1 Princípios para a ciência e para as ciências sociais aplicadas ................. 472.1.2 Princípios no Direito: força normativa e fundamento de evolução ........... 512.2 Proteção: a desigualdade combatida na diversidade dos campos .............. 622.3 O papel do Estado na proteção dos direitos dos trabalhadores .................. 762.3.1 Princípio da proteção no Direito do Trabalho brasileiro ............................ 962.3.2 Princípio da proteção: vertentes e abrangência ....................................... 1042.3.3 O entendimento da doutrina e jurisprudência brasileira sobre a proteção como princípio de Direito do Trabalho ............................................................... 1142.3.4 A CLT como locus de consolidação do princípio da proteção no Brasil 1242.4Princípio da proteção no Direito comparado ............................................... 1302.4.1 África do Sul ................................................................................................. 1312.4.2França ............................................................................................................ 1342.4.3Itália ................................................................................................................ 1362.4.4México ............................................................................................................ 1392.4.5 Portugal ......................................................................................................... 1402.4.6 Uruguai .......................................................................................................... 1432.5 Os reflexos do Direito comparado na sistematização jurídica do princípio da proteção do Direito brasileiro ......................................................................... 1462.6 Princípio da proteção, descoisificação do trabalhador e dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil de 1988 ........................ 1482.7 Análise comparativa do princípio da proteção no Estado Democrático de Direito ..................................................................................................................... 156 3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO VISTO SOB A ÓTICA DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO E DO MODELO DEMOCRÁTICO: implementação da isonomia processual ....................................................................................... 1633.1 A relação existente e as distinções teóricas entre princípio da isonomia e princípio da proteção ............................................................................................ 1773.2 O princípio da proteção visto sob a ótica do Direito Processual do Trabalho no Brasil: o diálogo das fontes ............................................................................ 1823.3 Isonomia processual como fundamento legitimante da construção participada do provimento judicial trabalhista ................................................... 1963.4 O papel do juiz no Direito Processual do Trabalho e a legitimidade das partes interessadas na construção do provimento final ................................... 2013.5 A dimensão jurídica da isocrítica processual como proposição teórica no Direito Processual do Trabalho ........................................................................... 228
4 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO, FINALIDADE SOCIAL E ISOCRÍTICA NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO ............................................................................ 2354.1 A proteção como um princípio legitimador da participação das partes na construção do provimento final ........................................................................... 2384.2 Compreensão jurídica da finalidade social no âmbito do Direito Processual do Trabalho ............................................................................................................ 2414.3 Isonomia processual como fundamento justificador da aplicabilidade da proteção como princípio do Direito do Trabalho ............................................... 2544.4 A ponderação e o sistema teleológico como norte de aplicabilidade do princípio da proteção no Direito Processual do Trabalho ................................ 2574.5 Direito Processual do Trabalho no Estado Democrático de Direito: a implementação da proteção como forma de efetivação da isocrítica e da isonomia processual ............................................................................................. 265 5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 275 0 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 281
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1 INTRODUÇÃO
O delineamento da aplicação e da limitação do princípio da proteção na seara
juslaboral, do direito material ao processual, na perspectiva do processo
constitucional democrático, compõe o cerne do debate contextualizado na
contemporaneidade.
A inserção do Direito como ciência social e a principiologia que o sustenta em
tal condição, bem como a evolução da hermenêutica sistêmica proveniente do
diálogo das fontes, leva à superação do modelo dogmático e eleva o processo à
possibilidade de argumentação e discursividade. Sendo assim, no contexto do
Estado Democrático de Direito vislumbra-se a revisitação do princípio da proteção, a
partir da processualidade democrática, como o instrumento de implementação fático-
normativo dos preceitos constitucionais.
A assimetria das relações laborativas, com condições díspares na formação
do contrato, diante da resplandecente fragilidade do trabalhador, fez com que
exsurgisse o postulado fundante do direito do trabalho da proteção ao
hipossuficiente, que deve ser reconstruída na contemporaneidade. A evolução do
viés contratual civilista para a autonomia privada conjugada com a função social e a
justiça contratual, além da boa-fé objetiva para atendimento do paradigma
constitucional democrático faz transparecer o reconhecimento da limitação dos
interesses individuais em searas além da trabalhista.
O enfrentamento da desigualdade de forças nos contratos de trabalho,
através da construção do princípio protecionista no sistema juslaboral, representou o
vanguardismo na criação do direito do trabalho, passando a distingui-lo e dando
autonomia ao ramo, diante das suas especificidades, delineado com princípios
próprios e peculiares, com perspectivas e desenvolvimentos diferenciados tanto no
âmbito interno, no Brasil, quanto em outros países.
Concomitantemente, há o reconhecimento de que as ordens econômica e
social caminham numa via de mão dupla com o direito, especialmente o trabalhista,
pois atuam como causa e consequência de atos que priorizam ou postergam a figura
do trabalhador, e fazem com que essa busca de equilíbrio das partes através da
proteção exerça um papel de cerne e possibilitador da manutenção do sistema do
capital e trabalho. É nesse viés que o princípio da proteção fundou suas raízes na
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etapa de criação do direito do trabalho e diante da qual se pretende realizar uma
releitura para que a evolução paradigmática não conduza ao enfraquecimento, mas
ao fortalecimento com o atendimento dos preceitos constitucionais democráticos.
A abrangência e a extensão desse princípio propiciam reflexos nas mais
diversas searas, ultrapassando os contornos laborais e demonstrando que a sua
aplicação possibilita a consistência também de outros ramos do direito, como o
direito do consumidor, o direito tributário e o direito penal, com especificidades, mas
com o mesmo propósito de igualdade efetiva.
Diante da ampliação da aplicação da proteção, questionam-se os limites e a
própria possibilidade de irradiação na seara processual trabalhista, em coexistência
com princípios constitucionais e com o modelo constitucional de processo proposto
no Estado Democrático de Direito, visto como um locus da ampla discursividade das
questões controversas que integram a demanda, e no qual os sujeitos participam
diretamente na construção do provimento final. É nesse contexto que foi delimitado o
objeto da presente pesquisa científica, qual seja, a compreensão do princípio da
proteção sob a ótica do modelo constitucional de processo, especificamente no que
atine à proposição teórica da isocrítica processual, haja vista que o processo não
deve ser visto como mero instrumento da jurisdição, mas sim como espaço de ampla
discursividade isonomicamente participada em que magistrado e partes
juridicamente interessadas são coautores do provimento final.
Sob uma perspectiva constitucional democrática, no Estado Democrático de
Direito as questões suscitadas pelas partes e as provas debatidas devem ser
isocriticamente analisadas, com oferecimento de condições equânimes de
manutenção no trâmite processual, confrontadas com as proposições técnicas e
dogmáticas do princípio da proteção na processualística juslaboral. O princípio da
imparcialidade é corolário da obrigatoriedade de fundamentação das decisões
judiciais; sendo que a legitimidade democrática do provimento final passa
diretamente pela efetivação da oportunidade conferida às partes de participarem da
construção do provimento final, ressaltando-se que o protagonismo judicial, decisões
solitárias, solipsistas e unilateralmente proferidas pelo magistrado comprometem
substancialmente a compreensão democrático-constitucionalizada do princípio da
imparcialidade.
Pretende-se, pois, evidenciar a relevância prática e teórica do tema objeto da
pesquisa, com a proposição da isocrítica, que representa a igualdade de
29
oportunidade de argumentação ampla, e não meramente assegura a igualdade
formal perante a lei, como parâmetro ao entendimento do tema, e para a
configuração de um processo constitucional com a efetiva igualdade das partes de
argumentação e participação na construção do provimento jurisdicional, com o
provimento final construído conjuntamente entre o magistrado e as partes, numa
análise jurídico-constitucional das questões controversas suscitadas no âmbito
processual.
Nesse contexto delineia-se a utilização da principiologia como base da
organicidade sistêmica de uma ciência circunscrita pelo Direito, com reconhecimento
das especificidades, no caso em tela, do Direito do Trabalho e do Direito Processual
do Trabalho. É relevante destacar que a nomenclatura Processo do Trabalho será
utilizada no decorrer do texto como representativa do Direito Processual do
Trabalho, para se referir não somente ao trâmite processual, mas aos princípios e
valores que regem essa seara.
Sob o intuito de buscar uma estruturação de procedimentos jurídicos que
implementem o Estado Democrático de Direito, o segundo capítulo deste trabalho
aborda a importância dos princípios, a sua força normativa e sua aplicabilidade ao
se propor a cientificidade do Direito, ressaltando que, para se constituir como tal,
deve ser observada uma metodologia de interpretação firmada num contexto de
organicidade do sistema. E nesta preponderância principiológica, destaca-se, com
enfoque especial, o princípio da proteção no Direito do Trabalho, desde sua gênese
até a sua importância no Brasil e em países como África do Sul, França, Itália,
México, Portugal e Uruguai.
No capítulo seguinte, o reflexo do princípio da proteção no direito processual
do trabalho é enfocado, sob a ótica de implementação de um modelo constitucional
de processo, no qual figura o juiz como facilitador da harmonização de conflitos e
condutor da relação na qual as partes, com observância da isocrítica processual,
com a igualdade de oportunidades de argumentação, numa superação da igualdade
formal perante a lei, participam diretamente para a construção do provimento final,
em consonância com a principiologia constitucional brasileira. O atendimento aos
preceitos técnico-jurídicos evidencia a superação de um modelo autocrático em que
o magistrado se via solitário na construção do provimento final.
A partir daí conjuga-se, no quarto capítulo, os princípios da proteção,
isonomia processual e a finalidade social, debatendo se há complementariedade ou
30
conflituosidade diante da ordem constitucional implementadora de um processo
constitucional democrático. No último capítulo, conclui-se esta tese.
Em suma, elenca-se a importância dos princípios na ciência, na qual debate-
se a inserção do Direito como tal, visto que atende os requisitos científicos para
resolução e desenvolvimento para, a partir daí, demonstrar a essencialidade dos
princípios na ordem jurídica, especialmente o princípio da proteção, princípio
formador e estruturante do Direito do Trabalho sob o qual recai o questionamento da
consistência da aplicação e influência do Direito Processual do Trabalho, numa
perspectiva atualista de desconstrução crítica das proposições técnicas e
dogmáticas na processualística juslaboral a partir da compreensão isocrítica de
modelo constitucional de processo.
Por fim, o cunho social do presente trabalho, com pesquisa bibliográfica e
documental, com análise de julgados, no método dedutivo, demonstra a
necessidade de repensar o Direito sob a ótica do Estado Democrático, com o
reconhecimento da importância do trabalhador para toda a ordem jurídica e
econômica. Ainda, sendo imperiosa a constitucionalização do processo brasileiro e o
reconhecimento das garantias individuais num locus de discursividade e interação
social, com subsídios técnico-científicos, alicerçados e interpretados na perspectiva
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
31
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E PROPOSIÇÕES JURÍDICAS DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO E COMPARADO
O termo princípio apresenta uma multiplicidade de significados e usos, desde
o enfoque de ponto de partida, de início, até uma utilização técnica e científica, ou
até mesmo para se referir a um pressuposto, uma base sobre a qual se estrutura um
determinado conhecimento.
A sua inserção nas searas filosófica e científica contribuíram para alcançar as
normas jurídicas que regulam a convivência humana, e, ainda persiste nesse locus,
a discussão sobre a sua abrangência e a exigibilidade diante de um conflito.
Sem deixar de reconhecer as diversas significâncias do vocábulo, nesse
trabalho parte-se da premissa de que os princípios são normas sob as quais se erige
um sistema, e, no caso do Direito, normas jurídicas que são imbuídas de um
conteúdo amplo e abrangente utilizado como parâmetro para nortear a interpretação
sistêmica integrativa do ordenamento jurídico. Ao adentrar na seara do direito do
trabalho, enfoca-se o princípio da proteção, que busca o nivelamento das partes
envolvidas no contrato de trabalho, de modo a viabilizar a inclusão, proteção e
igualdade jurídica no âmbito das relações juslaboralistas.
A partir da definição e do enfoque dado no decorrer dessa pesquisa, perquire-
se o surgimento e a importância dos princípios, reconhecendo-se que
desempenham papel relevante nas Ciências, nas mais diversas modalidades, e se
constituem o fundamento das normas jurídicas na Ciência do Direito, razão pela qual
se tornam objeto dessa.
Ao demonstrar a cientificidade do Direito, é necessária a evidenciação das
peculiaridades das ciências que lidam diretamente com o ser humano, e
especialmente na abordagem que deve ser analisada no viés do Estado
Democrático de Direito, com a prevalência da dignidade humana.
Inicialmente, deve ser esclarecido que, ao abordar o princípio como norma
jurídica que traz comando genérico e amplo utilizado como parâmetro para a
interpretação sistemático-constitucionalizada do ordenamento jurídico, denota-se
que é através da compreensão principiológica que se torna viável o entendimento
crítico-epistemológico da ciência do Direito vista sob a ótica da processualidade
democrática.
32
Nesse ínterim, destaca-se o Direito do Trabalho, que é um direito social,
apresenta princípios peculiares, especialmente o princípio da proteção, cerne do
sistema juslaboral, e tem sofrido modificações dignas de discussão no tocante à
abrangência e finalidade, para que não se perca o fim para o qual foi criado, ou seja,
para que permaneça em consonância com a principiologia científica que se
constituiu como seu sustentáculo.
O embasamento de todo o Direito sobre um princípio, dado como basilar,
fundamentou toda a construção teórica e social, influenciou a criação legislativa e
doutrinária brasileira e também de outros países que, da mesma forma, utilizam os
princípios como base jurídica normativa.
Para tanto, buscar-se-á a comparação da existência do princípio da proteção
em distintas legislações, após o entendimento do que é tratado como ciência, da
importância dos princípios para o que se considera ciência, e, ainda, em que parte
da ciência está alocado o Direito.
2.1 Direito como uma forma de conhecimento científico: noção e importância dos princípios
O conhecimento científico distingue-se do natural, adquirido sem premissas e
preconcepções, ou seja, o cientificismo a ele impingido advém de pressupostos
epistemológicos e de regras metodológicas, com pesquisas que abrem os limites e
as visões das diversidades existentes. As ciências naturais proveem da observação
da própria natureza, da simplicidade e da regularidade, assentadas na observação e
no isolamento das condições iniciais relevantes com o “pressuposto de que o
resultado se produzirá independentemente do lugar e do tempo em que se
realizarem as condições iniciais” (SANTOS, 2010, p. 29).
Afora isso, a ideia de ordem e estabilidade do mundo, com a formulação de
leis advindas do plano natural e que alcançaram o social, com a pretensão burguesa
não de compreender profundamente o real, mas pela capacidade de dominar e
transformar, possibilitou a ascensão das ideias de Newton, fazendo com que “as leis
simples a que reduzia toda a complexidade da ordem cósmica tenham convertido a
ciência moderna no modelo de racionalidade hegemónica que a pouco e pouco
transbordou do estudo da natureza para o estudo da sociedade” (SANTOS, 2010, p.
32).
33
O contexto econômico e social favoreceu o fortalecimento do modelo racional,
especialmente a partir do século XVI, e foi estendido às diversas áreas do
conhecimento como parâmetro, como explicado por Boaventura de Sousa Santos
(2010):
O modelo de racionalidade que preside à ciência moderna constitui-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais. Ainda que com alguns prenúncios no século XVIII, é só no século XIX que este modelo de racionalidade se estende às ciências sociais e emergentes. A partir de então pode falar-se de um modelo global de racionalidade científica que admite variedade interna mas que se distingue e defende, por via das fronteiras ostensivas e ostensivamente policiadas, de duas formas de conhecimento não científico (e, portanto, irracional) potencialmente perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos (em que se incluíram, entre outros, os estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos). (SANTOS, 2010, p. 21)
Duas principais vertentes exsurgiram dessa racionalidade e aplicação das
ciências naturais, “a primeira, sem dúvida dominante, consistiu em aplicar, na
medida do possível, ao estudo da sociedade todos os princípios epistemológicos e
metodológicos que presidiam ao estudo da natureza desde o século XVI” (SANTOS,
2010, p. 33), fundamentada na ideia de que, ainda que fossem grandes as
diferenças, seria sempre possível estudar conjuntamente os fenômenos sociais e os
naturais, as diferenças qualitativas poderiam ser relevadas; enquanto a segunda
vertente reivindica um estatuto epistemológico e metodológico específico para as
ciências sociais, a partir de suas peculiaridades.
No ideal de Durkheim (2007), constata-se a possibilidade do estudo da
ciência sobre a sociedade, sobrepondo às dificuldades, sendo possível quantificar os
fenômenos sociais assim como ocorreu com os fenômenos naturais. Sendo assim,
a importância é no tocante à delimitação do objeto de pesquisa, bem como durante
as suas demonstrações e aplicações, é essencial que se retirem todas as
implicações que o cercam e que se formaram fora da ciência, e, portanto, nada tem
de científico, as crenças políticas, religiosas e as práticas morais que tornam
passionais a investigação: [...] Mas a experiência de nossos predecessores nos mostrou que, para assegurar a realização prática da verdade que acaba de ser estabelecida, não basta oferecer uma demonstração teórica nem mesmo compenetrar-se dela. O espírito tende tão naturalmente a desconhecê-la que recairemos inevitavelmente nos antigos erros, se não nos submetermos a uma
34
disciplina rigorosa, cujas regras principais, corolários da precedente, iremos formular. 1) O primeiro desses corolários é que: É preciso descartar sistematicamente todas as prenoções. [...] 2) mas a regra precedente é inteiramente negativa. Ela ensina o sociólogo a escapar ao domínio das noções vulgares, par dirigir sua atenção aos fatos; mas não diz como deve se apoderar desses últimos para empreender um estudo objetivo deles. Toda investigação científica tem por objeto um grupo determinado de fenômenos que correspondem a uma mesma definição. O primeiro procedimento do sociólogo deve ser, portanto, definir as coisas de que ele trata, a fim de que se saiba e de que ele saiba bem o que está em questão. Essa é a primeira e a mais indispensável condição de toda prova e de toda verificação; uma teoria, com efeito, só pode ser controlada se se sabe reconhecer os fatos que ela deve explicar. Além do mais, visto ser por essa definição que é constituído o objeto mesmo da ciência, este será uma coisa ou não, conforme a maneira pela qual essa definição for feita. (DURKHEIM, 2007, p. 35)
A seleção do objeto deriva da expressão de fenômenos que tenham um
elemento semelhante integrante da natureza de determinado grupo, ou seja, os
agrupamentos decorrem de um critério de semelhança, com alguma característica
que possa distinguir esses indivíduos, como por exemplo, parte da sociedade
composta por indivíduos consanguíneos, “e que estão unidos entre si por laços
jurídicos. Fazemos dos fatos que se relacionam a ela um grupo particular; são os
fenômenos da vida doméstica” (DURKHEIM, 2007, p. 37).
O autor ressalta a impossibilidade de esgotamento dos objetos em estudo,
ante a infinitude de condições e formação dos indivíduos, mas, ainda assim, podem
ser obtidas conclusões, apesar de suspeitas, ou provisórias:
É inexato, com efeito, que a ciência só possa instituir leis após ter passado em revista todos os fatos que elas exprimem, ou só formar gêneros após ter descrito, em sua integralidade, os indivíduos que eles compreendem. O verdadeiro método experimental tende, antes, a substituir os fatos vulgares – que só são demonstrativos com a condição de serem numerosos e que, portanto, permitem apenas conclusões sempre suspeitas – por fatos decisivos ou cruciais, como dizia Bacon, que, por si mesmos e independentemente de seu número, têm um valor e um interesse científicos. É sobretudo necessário proceder deste modo quando se trata de constituir gêneros e espécies. Pois fazer o inventário de todas as características de um indivíduo é problema insolúvel. Todo indivíduo é um infinito e o infinito não pode ser esgotado. (DURKHEIM, 2007, p. 80)
Por outro lado, a segunda vertente enfoca as especificidades, para, a partir
daí se construir um estatuto próprio no tocante à epistemologia e à metodologia,
aplicável somente às ciências sociais, como afirma Santos:
35
[...] a segunda, durante muito tempo marginal, mas hoje cada vez mais seguida, consistiu um reivindicar para as ciências sociais um estatuto epistemológico e metodológico próprio, com base na especificidade do ser humano e sua distinção polar em relação à natureza. (SANTOS, 2010, p. 33)
À primeira vista as duas concepções são contrapostas e antagônicas. A
primeira se prende ao conceito positivista e determinado, tendo como pressuposto a
aplicação às ciências naturais de um modelo de conhecimento universalmente e
unicamente válido, aplicável aos fenômenos naturais e sociais, sobrepondo às
diferenças entre tais sistemas. Enquanto a segunda corrente confronta o monopólio
do conhecimento científico-social, reconhecendo as peculiaridades sistêmicas das
ciências sociais e dos próprios fenômenos que se sucedem na esfera social.
A diferenciação e a apresentação das especificidades fazem com que a
aplicação da primeira corrente encontre alguns obstáculos: a dificuldade de
estabelecimento de leis universais para os fenômenos sociais que decorrem de
fatores históricos e culturais, a diferença de comportamento dos seres humanos,
seja pelo conhecimento que adquirem e pelas experiências.
Para adentrar nessa segunda corrente, diante do reconhecimento das
especificidades de cada ciência, Ernest Nagel (1961) salientou a necessidade de
dividir em três segmentos para pesquisa, inicialmente sistematizando o
conhecimento científico para depois abordar os princípios aplicáveis aos elementos
de juízo e validação:
[...] o estudo da lógica da ciência pode ser dividido, por conveniência da análise e da exposição, em três partes principais. A primeira divisão compreende problemas relacionados, principalmente, à natureza das explicações científicas: com as suas estruturas lógicas, suas relações mútuas, as suas funções em matéria de investigação e formas de sistematizar o conhecimento. A segunda divisão abrange as questões relativas à estrutura lógica de conceitos científicos: com sua articulação através de diversas técnicas de definição e medição, suas ligações com os dados observacionais e as condições sob as quais eles são cientificamente significativos. A terceira divisão inclui problemas relacionados com a avaliação das pretensões de conhecimento de várias ciências: a estrutura da inferência provável, os princípios usados para estimar elementos de juízo e a validação de argumentos indutivos. (NAGEL, 1961, p. 12, tradução nossa)1
1 [...] el estudio de la lógica de la ciencia puede dividirse, para mayor conveniencia del análisis y de la exposición, en tres partes principales. La primera división comprende problemas que se relacionan, principalmente, con la naturaleza de las explicaciones científicas: con sus estructuras lógicas, sus relaciones mutuas, sus funciones en la investigación y sus medios para sistematizar el conocimiento. La segunda división abarca las cuestiones concernientes a la estructura lógica de los conceptos científicos: con su articulación por medio de diversas técnicas de definición e medición, sus vínculos con datos de observación y las condiciones en las cuales son científicamente significativos. La tercera
36
A metodologia proposta por Nagel advém da essencialidade em distinguir a
ciência do senso comum, ou sentido comum, que, dada as reiteradas afirmativas e
pela sobrevivência por longos períodos ou até séculos, muitas vezes se confundem
com soluções obtidas de análises científicas. Entretanto, é preciso ressaltar que
apesar de contarem com uma certa organização na criação, carecem de uma
classificação com bases lógicas, um caráter sistemático e fundadas em princípios
formulados pela própria ciência. Ou seja, o conhecimento científico pode propiciar
um desenvolvimento que não pode ser vislumbrado ante o mero senso comum, pois
se investiga e elenca as propriedades de determinados fatores ou situações, e, a
partir daí, aliado aos princípios e descobertas, pode haver o incremento e melhorias
para eliminar o defeito ou os percalços, por outro lado, na base não científica do
sentido comum se permanece inalterado:
É o desejo de encontrar explicações que sejam ao mesmo tempo sistemática e controlável por elementos de juízo fáticos que dá origem à ciência; e é a organização e a classificação do conhecimento com base em principios explicativos que constituí o objetivo distintivo das ciências. Mais especificamente, a ciência trata de descobrir e formular, em termos gerais, as condições em que ocorrem eventos de vários tipos, e as explicações se constituem os enunciados de tais condições determinantes. Somente é possível alcançar este objetivo distinguindo ou isolando certas propriedades no assunto estudado e distinguindo os esquemas de dependência reiterados que vinculam estas poucas propiedades umas com as outras. Consequentemente, quando a pesquisa for bem sucedida, proposições que até então pareciam totalmente desconectadas resultam entre si de determinadas maneiras em virtude do lugar que ocupam dentro de um sistema de explicações. Em alguns casos, é possível dar uma notável extensão para a investigação. Pode ser que se descubram os regimes de relações que abrangem grande quantidade de feitos, de modo que com a ajuda de um pequeno número de princípios explicativos pode ser demonstrado um número indefinidamente grande de proposições sobre esses fatos constituem um corpo de conhecimento logicamente unificado. (NAGEL, 1961, p. 18, tradução nossa)2
división incluye problemas que se refieren a la evaluación de las pretensiones de conocimiento de las diversas ciencias: la estructura de la inferencia probable, los principios empleados para estimar elementos de juicio y la validación de argumentos inductivos. 2 Es el deseo de hallar explicaciones que sean al mismo tiempo sistemáticas y controlables por elementos de juicio fácticos lo que da origen a la ciencia; y es la organización y la clasificación del conocimiento sobre la base de principios explicativos lo que constituye el objetivo distintivo de las ciencias. Más específicamente, las ciencias tratan de descubrir y formular en términos generales las condiciones en las cuales ocurren sucesos de diverso tipo, y las explicaciones son los enunciados de tales condiciones determinantes. Sólo es posible lograr este objetivo distinguiendo o aislando ciertas propiedades en el tema estudiado y discerniendo los esquemas de dependencia reiterados que vinculan esas propiedades unas con otras. En consecuencia, cuando la investigación es exitosa, proposiciones que hasta ese momento parecían totalmente desconectadas resultan entre sí de determinadas maneras en virtud del lugar que ocupan dentro de un sistema de explicaciones. En
37
Os resultados obtidos do processo científico, de cunho sistemático e
dissociado de emoções, são verificados e afirmados mediante bases lógicas e
apuradas, com explicação para cada fator, para cada solução proposta. Isso
significa que um determinado experimento, quando seguidas as normas e passos,
alcança uma resposta previamente aguardada. Já na seara das ciências sociais
depara-se com certa dificuldade para alcançar essa previsão certeira, pois há uma
impossibilidade de abstração da realidade para fins experimentais, ou seja, a própria
cultura, o conhecimento e as experiências vivenciadas por determinado grupo ou
indivíduo impossibilitam a total isenção no comportamento e nas próprias atitudes.
Há, assim, na visão de Santos (2010), a inserção do valor nas práticas e
experimentos das ciências sociais, ainda que haja aplicação de método controlado
com averiguações comprobatórias e sejam consideradas científicas:
Eis alguns dos principais obstáculos: as ciências sociais não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada; as ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenómenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados; as ciências sociais não podem produzir previsões fiáveis porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que sobre ele se adquire; os fenómenos sociais são de natureza subjectiva e como tal não se deixam captar pela objectividade do comportamento; as ciências sociais não são objectivas porque o cientista social não pode libertar-se, no ato da observação, dos valores que informam a sua prática em geral, portanto, também a sua prática de cientista. (SANTOS, 2010, p. 36)
Diante dessa especificidade de variação, a depender do grupo social, e até
mesmo a influência dos valores, há questionamentos sobre a cientificidade desse
ramo, ou seja, “[...] tem-se debatido repetidamente a conveniência de considerar
qualquer ramo atual de investigação social como uma “verdadeira ciência” (NAGEL,
1961, p. 405, tradução nossa)3, apesar das reconhecidas contribuições que são
trazidas pelos acontecimentos sociais, são aplicáveis a determinados grupos de
algunos casos, es posible dar notable extensión a la investigación. Puede ser que se descubran esquemas de relaciones que abarcan gran cantidad de hechos, de modo que con la ayuda de un pequeño número de principios explicativos pueda demonstrarse que un número indefinidamente grande de proposiciones acerca de tales hechos constituye un cuerpo de conocimiento lógicamente unificado. 3 [...]se ha puesto en duda repetidamente la conveniencia de considerar a cualquier rama actual de la investigación social como una “verdadera ciencia”.
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indivíduos e em localizações específicas, o que confere a impossibilidade da
formação de leis universais para os fenômenos sociais.
Entretanto, essa variabilidade e a limitação, com um âmbito de aplicação mais
restrito, não pode impossibilitar os feitos sociais de serem considerados ciência, já
que várias investigações da conduta humana, ao serem desenvolvidas com a
consistência e aplicação metodológica científica, possibilitaram conclusões sobre a
vida social e embasaram a criação de políticas sociais efetivas:
Sem dúvida, as leis ou generalizações concernentes aos fenômenos sociais que têm brindado a investigação social da atualidade têm uma área de aplicação muito mais restrita, estão formuladas de maneira muito menos precisa e somente são aceitáveis como faticamente corretas se forem consideradas restringidas por um número muito maior de reservas e exceções tácitas do que a maioria das leis comumente citadas das ciências físicas. Nesses aspectos, no entanto, as generalizações da investigação social não parecem diferir radicalmente de generalizações comumente expostas em domínios que são considerados, geralmente, como subdivisões sem dúvida respeitáveis da ciência natural, por exemplo, o estudo de fenômenos de turbulência e da embriologia. (NAGEL, 1961, p. 406, tradução nossa)4
As experimentações na seara das ciências sociais, diferentemente das
demais, não podem ser sempre testadas e reiteradas através de experimentos
controlados, ou seja, diante de fenômenos que são colocados em análise com
diversas variáveis, dos quais podem ser inferidas as conclusões e dependências de
cada variável. Para os fenômenos sociais há certa impossibilidade por muitos deles
não se repetirem, e ocorrerem uma única vez na história, como o surgimento do
capitalismo industrial e a sindicalização de trabalhadores norte-americanos durante
o New Deal (NAGEL, 1961, p. 408).
A crítica da inconsistência das ciências sociais pela impossibilidade de testes
através de experimentos controlados é combatida pela consideração da astronomia
e da astrofísica como ciências, e pelos seus próprios avanços sem que hajam
experimentos reais, baseadas em suposições e embasadas em outras disciplinas:
4 Sin duda, las leyes o generalizaciones concernientes a fenómenos sociales que ha brindado la investigación social de la actualidad tienen un ámbito de aplicación mucho más restringido, están formuladas de manera mucho menos precisa y sólo son aceptables como fácticamente correctas si se las considera limitadas por un número mucho mayor de reservas y excepciones tácitas que la mayoría de las leyes comúnmente citadas de las ciencias físicas. En estos aspectos, sin embargo, las generalizaciones de la investigación social no parecen diferir radicalmente de las generalizaciones comúnmente expuestas en dominios que se consideran, por lo común, como subdivisiones indiscutiblemente respetables de la ciencia natural, por ejemplo, en el estudio de los fenómenos de turbulencia y en la embriología.
39
A astronomia e a astrofísica não são ciências experimentais, embora ambas utilizem muitas premissas que se baseiam claramente nos resultados experimentais de outras disciplinas. Embora durante os séculos XVIII e XIX tenha sido considerado, com razão, a astronomia como superior a todas as outras ciências para a estabilidade da sua vasta teoria e pela exatidão de suas previsões, certamente não alcançou essa superioridade com a manipulação experimental de corpos celestes. (NAGEL, 1961, p. 408, tradução)5
Sendo assim, nota-se que no campo das ciências sociais, apesar das
limitações dos experimentos controlados, ao considerar certos parâmetros
determinados com diversas variáveis que são averiguadas e correlacionadas com os
resultados, ainda é possível a realização de investigações controladas. Para tanto, é
necessário que sejam feitas análises de diversas situações diferentes, em que os
fenômenos ocorrem de maneira semelhantes ou uniforme, e outras vezes distintas,
correlacionando os fatores que estavam presentes em cada situação, e o
correspondente comportamento que se sucedeu. E, dessa forma, com dados
empíricos e consistentes poderão ser constatados progressos científicos.
Nesse sentido, é possível inserir o campo social na seara das ciências,
apesar das limitações e das especificidades, sejam elas históricas ou culturais, e das
dificuldades enfrentadas para o estabelecimento de leis sociais gerais. Isso
acontece, pois, a conduta humana se modifica pelo complexo de instituições sociais
nas quais se desenvolve, sejam as experiências, os problemas fisiológicos ou as
condições sociais:
O comportamento humano, sem dúvida, se modifica em decorrência das instituições sociais no qual se desenvolve, apesar de todas as ações humanas envolverem processos físicos e fisiológicos cujas leis de funcionamento são invariáveis em todas as sociedades. Mesmo a forma como os membros de um grupo social satisfazem suas necessidades biológicas básicas - por exemplo, a maneira como ganham a vida ou como constroem suas casas – não é determinada unicamente pela hereditariedade ou pela natureza física do ambiente geográfico, pois a influência que esses fatores exercem sobre a ação humana varia segundo as tecnologias e as tradições existentes. (NAGEL, 1961, p. 415, tradução nossa)6
5 La astronomía y la astrofísica no son ciencias experimentales, aunque ambas utilicen muchas suposiciones que se basan manifiestamente en los hallazgos experimentales de otras disciplinas. Aunque durante los siglos XVIII y XIX se consideró, con razón, a la astronomía como superior a todas las otras ciencias por la estabilidad de su vasta teoría y por la exactitud de sus predicciones, ciertamente no logró esta superioridad manipulando experimentalmente cuerpos celestes. 6 La conducta humana, indudablemente, se modifica por obra del complejo de instituciones sociales en el cual se desarrolla, a pesar de que todas las acciones humanas suponen procesos físicos y
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Nessa linha de pensamento, portanto, a perspectiva de criação de leis sociais
gerais que sejam muito abrangentes é pequena, considerando as inúmeras variáveis
que envolvem os indivíduos, motivados por experiências culturais, históricas, ou até
mesmo por grupos de convivência, escolaridade e pretensões. Diante da
impregnação de valores sociais que influenciam inclusive a evolução e o
desenvolvimento dos elementos de juízo, constata-se que não há como o cientista
social se encontrar completamente livre de parcialidade.
De qualquer forma, na maioria dos domínios de investigação não é fácil de evitar que os nossos gostos, desgostos, esperanças e medos atinjam nossas conclusões. Foram necessários séculos de esforços para desenvolver hábitos e técnicas de pesquisa que protejam as investigações das ciências naturais contra a intrusão de fatores pessoais estrangeiros; e mesmo nessas disciplinas a proteção oferecida por esses procedimentos não é infalível, nem completa. (NAGEL, 1961, p. 440, tradução nossa)7
As presenças de fatores pessoais, tal como os juízos de valor, não podem
impedir a qualificação dos estudos da conduta humana como ciências sociais, sendo
importante, entretanto, que se reconheça, ainda que implicitamente, a existência
desses juízos apreciativos, que devem ser detectados para, durante a análise e a
investigação, conhecendo sua existência e atuação, buscar aproximar-se da
imparcialidade científica tanto quanto possível.
A diferenciação das ciências é elencada também por Thomas Kuhn, que
reconhece a existência das ciências sociais, mas ressalta a sua especificidade ao
explicitar que, nas demais, a formulação de princípios e de teorias sobre a estrutura
da matéria são aceitas sem que haja uma discussão por toda a comunidade
científica, e são a partir daí construídos os paradigmas, decorrentes de um
determinado grupo e que passam a ser aceitos pelos demais, mesmo por aqueles
que ficaram alheios à construção, e, já nas ciências sociais, não se consegue atingir
fisiológicos cuyas leyes de funcionamiento son invariables en todas las sociedades. Aun la manera como los miembros de un grupo social satisfacen sus necesidades biológicas básicas – p. ej., la manera como se ganan la vida o como construyen sus viviendas – no está determinada unívocamente por la herencia biológica o por el carácter físico del medio ambiente geográfico, pues la influencia que ejercen estos factores sobre la acción humana varía según las tecnologías y las tradiciones existentes. 7 Sea como fuere, en la mayoría de los dominios de investigación no es fácil impedir que nuestros gustos, aversiones, esperanzas y temores tiñan nuestras conclusiones. Se han necesitado siglos de esfuerzos para desarrollar hábitos y técnicas de investigación que protejan a las investigaciones de las ciencias naturales contra la intrusión de factores personales extraños; y aun en estas disciplinas la protección que ofrecen esos procedimientos no es infalible ni completa.
41
o consenso. Ou seja, Kuhn demonstra a evolução das ciências através dos
paradigmas, vislumbrados como modelos de interpretações, e os quais apresentam
soluções e patamares para a comunidade científica, ainda que não alcancem a
unanimidade:
A Física de Aristóteles, o Almagesto de Ptolomeu, os Principia e a Óptica de Newton, a Eletricidade de Franklin, a Química de Lavoisier e a Geologia de Lyell – esses e muitos outros trabalhos serviram, por algum tempo, para definir implicitamente os problemas e métodos legítimos de um campo de pesquisa para as gerações posteriores de praticantes da ciência. Puderam fazer isso porque partilhavam duas características essenciais. Suas realizações foram suficientemente sem precedentes para atrair um grupo duradouro de partidários, afastando-os de outras formas de atividade científica dissimilares. Simultaneamente, suas realizações eram suficientemente abertas para deixar toda a espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência. Daqui por diante deverei referir-me às realizações que partilham essas duas características como “paradigmas”, um termo estreitamente relacionado com “ciência normal”. (KUHN, 2005, p. 30)
A superação de um paradigma pressupõe uma evolução, uma transformação
do padrão usual, ou seja, o desenvolvimento da ciência. Diante das pesquisas
realizadas no passado, há o reconhecimento pela comunidade científica de
determinadas áreas, e, a partir desse momento, um grande número de cientistas se
baseia nessas descobertas, ou seja, giram em torno de uma atividade ou uma teoria,
o que leva então à abertura para problematizações a partir dessas realizações. E,
para os cientistas que partem do mesmo paradigma, depreende-se que são
comprometidos às mesmas regras e padrões.
A partir da apuração dos fatos considerados relevantes, e que são obtidos,
simultaneamente, a partir do paradigma, que serve como meio de ratificação do
mesmo, uma vez constatado que se prestou à resolução de problemas, de forma
atual e persistente, ou seja, utilizado reiteradamente, diante do seu destaque como
solução, é elevado à ciência normal e condição paradigmática. Nesse sentido, assim
explica Thomas Kuhn para justificar o que confere o status de paradigma a
determinado posicionamento:
Os paradigmas adquirem seu status porque são mais bem-sucedidos que seus competidores na resolução de alguns problemas que o grupo de cientistas reconhece como graves. Contudo, ser bem-sucedido não significa nem ser totalmente bem-sucedido com um único problema, nem notavelmente bem-sucedido com um grande número. De início, o sucesso de um paradigma – seja a análise aristotélica do movimento, os cálculos ptolomaicos das posições planetárias, o emprego da balança por Lavoisier
42
ou a matematização do campo eletromagnético por Maxwell – é, a princípio, em grande parte, uma promessa de sucesso que pode ser descoberta em exemplos selecionados e ainda incompletos. (KUHN, 2005, p. 44)
Apesar dos padrões de orientação da pesquisa, diante das observações de
Kuhn (2005), não se conclui obrigatoriamente que a interpretação será padronizada,
pois o empreendimento que se alcança não é unificado e monolítico, e, dada a
abertura e constante verificação nas ciências, que geram pequenas revoluções a
cada diferença, como sinal de evolução da mesma. As diferenças que são
encontradas sob a luz do paradigma não querem dizer abandoná-lo, mas
acrescentá-lo. Kuhn salienta que “o trabalho orientado por um paradigma só pode
ser conduzido dessa maneira. Abandonar o paradigma é deixar de praticar a ciência
que este define” (KUHN. 2005, p. 56).
Kuhn (2005) ressalta, ainda, a grande aplicabilidade dos paradigmas, dada a
elevada especificidade que não consegue abranger por completo todo o sistema,
entretanto as regras são mais facilmente combatidas: “Os paradigmas podem ser
anteriores, mais cogentes e mais completos que qualquer conjunto de regras para a
pesquisa que deles possa ser claramente abstraído” (KUHN, 2005, p. 71).
Por fim, ao abordar a importância e a interligação das ciências com os
paradigmas, evidencia o caráter dúplice, já que, ao mesmo tempo que serve como
base, os paradigmas possibilitam evoluções e transformações:
A ciência normal não se propõe descobrir novidades no terreno dos fatos ou da teoria; quando é bem-sucedida, não as encontra. Entretanto, fenômenos novos e insuspeitados são periodicamente descobertos pela pesquisa científica; cientistas têm constantemente inventado teorias radicalmente novas. O exame histórico nos sugere que o empreendimento científico desenvolveu uma técnica particularmente eficiente na produção de surpresas dessa natureza. Se queremos conciliar essa característica da ciência normal com o que afirmamos anteriormente, é preciso que a pesquisa orientada por um paradigma seja um meio particularmente eficaz de induzir a mudanças nesses mesmos paradigmas que a orientam. (KUHN, 2005, p. 77)
Nesse contexto, percebe-se que o surgimento de novidades relativas a teorias
ou a fatos implica a invalidação e consequente mudança de todo um conjunto
quando baseado puramente em regras, enquanto os paradigmas estruturam o
arcabouço, permitindo a evolução e superação através das crises, que fazem
emergir um novo modelo. E é através dessa transição, com a modificação dos
princípios basilares e norteadores que a ciência modifica o entendimento em
determinada área, com a consequente mudança de objetivos e concepções:
43
A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma. É antes uma reconstrução da área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações. Durante o período de transição haverá uma grande coincidência (embora nunca completa) entre os problemas que podem ser resolvidos pelo antigo paradigma e os que podem ser resolvidos pelo novo. Haverá igualmente uma diferença decisiva no tocante aos modos de solucionar os problemas. Completada a transição, os cientistas terão modificado a sua concepção da área de estudos, de seus métodos e de seus objetivos. (KUHN, 2005, p. 116)
A evolução traz, assim, a modificação dos princípios, que são a própria base
do sistema, e essa alteração, ao permear todo o paradigma, acarreta uma
reconstrução da área de estudos, do segmento que se pesquisa, fazendo com que a
ciência normal, como o autor supramencionado trata, conte com a emergência de
novas teorias e rompa com a tradição, introduzindo novas regras. Essa constatação
de desenvolvimento da ciência, com aplicação prática segmentada, mas advinda de
um sistema próprio de paradigmas a serem superados e emergidos diante de crises,
demonstra o pensamento de Kuhn, que enfatiza que os fracassos e a
inaplicabilidade de determinadas regras ao caso concreto colocado pela prática
científica favorecem o surgimento de um novo modo de encarar o campo de
estudos.
Contudo, Kuhn (2005) ressalta que “[...] o termo ciência está reservado, em
grande medida, para aquelas áreas que progridem de uma maneira óbvia. Mais do
que em qualquer outro lugar, nota-se isso claramente nos debates recorrentes sobre
a cientificidade de uma ou outra ciência social” (KUHN, 2005, p. 203).
Assim, a possibilidade de progressão é adstrita à prática científica, que conta
com pesquisas que não reexaminam os fundamentos e não competem e questionam
mutuamente os objetivos e critérios, pois partem de um paradigma comum. Apesar
da identidade de objetivos de desenvolvimento, há diferenciação de sistemática
entre as ciências:
[...] o contraste entre os cientistas sociais é instrutivo. Os últimos tendem frequentemente, e os primeiros quase nunca, a defender sua escolha de um objeto de pesquisa – por exemplo, os efeitos da discriminação racial ou as causas do ciclo econômico – principalmente em termos da importância social de uma solução. (KUHN, 2005, p. 208)
44
Nesse sentido, é possível notar que a ciência, ao ter como objetivo a
resolução de problemas como um quebra-cabeça, inseridos num paradigma, com
um padrão de racionalidade aceito por uma comunidade científica, caracteriza a
ciência normal. Por sua vez, quando o paradigma se torna insuficiente para sanar as
anomalias, fazendo com que surja outra visão de mundo, provocando a ruptura e a
substituição do paradigma, caracteriza a Ciência Extraordinária ou Revolucionária,
com a adoção de um novo modelo. Essa sistemática possibilita a progressão e a
superação, diante, muitas vezes de crises, prelúdio costumeiro que proporciona um
mecanismo de autocorreção, que fazem com que a ciência não permaneça para
sempre inalterada.
Retornando à análise de Santos (2010), que apresenta ainda uma segunda
vertente, que requer um estatuto metodológico próprio para as ciências sociais, ante
às especificidades que lhes tornam diferenciadas das ciências naturais. As ciências
sociais necessitam de compreensão dos fenômenos sociais e de análises com
métodos qualitativos, e não quantitativos, sob o argumento da subjetividade da ação
humana e do próprio comportamento humano, que deve ser atentamente verificado,
para obtenção de um conhecimento que realmente incremente a compreensão.
O argumento fundamental é que a ação humana é radicalmente subjetiva. O comportamento humano, ao contrário dos fenómenos naturais, não pode ser descrito e muito menos explicado com base nas suas características exteriores e objetiváveis, uma vez que o mesmo acto externo pode corresponder a sentidos de acção muito diferentes. A ciência social será sempre uma ciência subjectiva e não objectiva como as ciências naturais; tem de compreender os fenómenos sociais a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas acções, para o que é necessário utilizar métodos de investigação e mesmo critérios epistemológicos diferentes dos correntes nas ciências naturais, métodos qualitativos em vez de quantitativos, com vista à obtenção de um conhecimento intersubjectivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objetivo, explicativo e nomotético. (SANTOS, 2010, p. 38)
Afora isso, a subjetividade e até mesmo a imprevisibilidade das ações
humanas justificam a dificuldade de explicação para cada ato, que podem se originar
de diversas causas subjetivas, mas mesmo assim, o comportamento humano é
passível de estudo pelas ciências, que devem, continuamente, buscar a evolução, a
superação.
Entretanto, Santos (2010) apresenta uma revolução científica que é obtida
através da especulação pelos sinais de que há uma crise no paradigma atual, e que
45
o que emerge apresenta um “paradigma científico (o paradigma de um
conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social (o paradigma de
uma vida decente)” (SANTOS, 2010, p. 60). A esse respeito, apresenta quatro teses
de justificação, coloca todo o conhecimento científico-natural como científico-social;
o conhecimento como local e total; o conhecimento como autoconhecimento e a
constituição do conhecimento científico como senso comum.
Nesse novo paradigma emergente, segundo o autor, “a superação da
dicotomia ciências naturais/ciências sociais tende assim a revalorizar os estudos
humanísticos” (SANTOS, 2010, p. 70). A interligação e indivisibilidade das ciências
emerge nesse pensamento, numa imiscuidade entre os saberes, com interações e
intertextualidades que são organizadas em torno de projetos que consideram a
universalidade, que ao mesmo tempo podem ser adotados por grupos sociais, com
adaptações que atendam às especificidades e necessidades locais.
Ademais, é sabido que a ciência ultrapassa as fronteiras em prol do
desenvolvimento e abandona a divisão estanque de áreas, pois “é hoje reconhecido
que a excessiva parcialização e disciplinarização do saber científico faz do cientista
um ignorante especializado e que isso acarreta efeitos negativos” (SANTOS, 2010,
p. 74). Há, assim, uma junção dos saberes e das ciências, com o ser humano no
cerne do conhecimento:
A concepção humanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da progressiva fusão das ciências naturais e ciências sociais coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, no centro do conhecimento, mas, ao contrário das humanidades tradicionais, coloca o que hoje designamos por natureza no centro da pessoa. Não há natureza humana porque toda natureza é humana. É, pois, necessário descobrir categorias de inteligibilidade globais, conceitos quentes que derretem as fronteiras em que a ciência moderna dividiu e encerrou a realidade. A ciência pós-moderna é uma ciência assumidamente analógica que conhece o que conhece pior através do que conhece melhor. (SANTOS, 2010, p. 71)
Por conseguinte, constata-se que a ciência é o próprio conhecimento, e a
fragmentação, em ciências particulares e divididas, tem como intuito facilitar os
estudos e a pesquisa, e por isso foi segmentada em Ciências exatas, humanas,
biológicas e sociais. É importante dizer que se entende por ciências sociais a parte
que se dedica ao conhecimento sobre o comportamento humano, seja como o
indivíduo, seja grupo na sociedade, e assim, diz respeito às culturas humanas, sua
história, suas realizações, seus modos de vida e de comportamento,
46
contextualizando os hábitos e costumes, sem perder de vista que toda a busca tem
como foco o desenvolvimento humano.
Enfim, pode-se afirmar que “as ciências físicas, biológicas e sociais têm como
objeto os atos ou fatos concretos, ou potencialmente verificáveis. A Ciência do
Direito tem como objeto as normas jurídicas que permitem a convivência harmônica
entre os atores sociais” (ZANGRANDO, 2011, p. 45). Como fundamento dessas
normas advêm os princípios jurídicos, que também figuram como objeto da Ciência
do Direito.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior (CAPES),
entidade que regulamenta e normatiza a educação superior no Brasil, coloca no
grupo de Ciências Sociais Aplicadas os cursos de Administração, Arquitetura,
Ciências Contábeis, Ciência da Informação, Comunicação, Desenho Industrial,
Demografia, Direito, Museologia, Planejamento Rural e Urbano e Serviço Social, e já
as Ciências Humanas incluem Antropologia, Arqueologia, Ciência Política,
Educação, Filosofia, Geografia, História, Psicologia, Sociologia e Teologia, sendo
que tal divisão tem um cunho didático para estudo das áreas, sem um rigor
metodológico que as diferencie.
Assim, a consagração da ciência moderna materializa a explicação do real, e
faz com que o paradigma emergente assuma o caráter autobiográfico e auto
referenciável da ciência, com as trajetórias de vida pessoais e coletivas, os valores,
as crenças e os prejuízos moldando o conhecimento, já que, sem tais arquivos ou
investigações, os cálculos e os trabalhos de campo seriam apenas emaranhados de
diligências sem nexo com a realidade.
Nesse mesmo sentido, a quarta tese de justificação demonstra a necessidade
do conhecimento do senso comum, que supera a ciência moderna, enquanto na
ciência pós-moderna o conhecimento científico consegue retratar o conhecimento
advindo do senso comum, conforme explica Santos (2010):
[...] ruptura epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento do senso comum para o conhecimento científico”, enquanto “na ciência pós-moderna o salto mais importante é o que é dado do conhecimento científico para o conhecimento do senso comum. (SANTOS, 2010, p. 90)
Enfim, o conhecimento advindo da tecnologia não pode ser ignorado, mas
deve ter como base a aplicação na seara social, com o ser humano como cerne do
47
sistema, resplandecendo, pois, a importância do estudo do embasamento e
desenvolvimento das ciências sociais.
A metodologia utilizada como parâmetro para a sistematização do direito
enquanto ramo das ciências sociais aplicadas viabilizou a delimitação de seu objeto
de análise. Os princípios representam a força sustentadora das ciências e inclusive
das ciências sociais aplicadas, dentre as quais se insere o Direito. Dessa maneira,
os princípios adquirem status de norma jurídica que trazem comandos genéricos,
que são utilizados como referenciais lógico-científicos de entendimento sistemático-
constitucionalizado do direito e de suas especificidades.
2.1.1 Princípios para a ciência e para as ciências sociais aplicadas
As leis e os princípios, na ciência, são apresentados como hipóteses, num
primeiro momento com a característica da provisoriedade para aquilo que se
pretende provar. Há assim um sentido dúbio para o vocábulo princípio, pois pode ser
considerado um início, um primeiro passo, e também pode ser vislumbrado na
ciência como algo fundamental e basilar constante em todos os processos
semelhantes ao que se averigua.
Tais formulações são construídas em diversas áreas (sociais, jurídicas,
religiosas, éticas e morais), sendo a base inclusive para a formação de normas, num
caráter dúplice de uma sustentar a outra, com o intuito de delimitar as atitudes,
possibilitar a convivência e estabelecer os limites de atuação.
A noção de que a experimentação é a base de todo conhecimento é
conjugada com o raciocínio intuitivo ou transcendental, superando o positivismo
apurado nos séculos XIX e XX. Ao vislumbrar a unicidade da ciência, cuja divisão
em áreas tem por fim facilitar o estudo – e sendo a natureza única – as ideias são
complementares, sejam elas de física, química, paleontologia, geografia ou jurídicas,
em todas as searas as ideias surgem com o livre pensar, e após as
experimentações podem comprovar a sua utilidade ou irrefutabilidade. “Tanto as
religiões como a ciência tentam descrever a natureza. A diferença está na forma de
pensar. O cientista não aceita descrever o natural com o sobrenatural, para ele é
necessária a observação de provas que eventualmente destroem as ideias”
(RESENDE, BARBOSA, 2012, p. 26).
48
A formulação de hipóteses e as conjecturas sobre os objetos e os processos
são essenciais para a formação do conhecimento científico, e, para tanto,
pressupõem a utilização de uma metodologia, ordenada, que possibilite o teste e a
confirmação da ideia em diferentes situações, o que, então, ensejará a criação de
um princípio para a ciência.
Requer, pois, uma sistematicidade na análise dos fenômenos, o
estabelecimento de uma principiologia que retrate determinados segmentos, ou seja,
“o respeito, portanto, a um conjunto de procedimentos racionais que permitam à
reflexão científica descobrir e demonstrar a efetiva estrutura e dinâmica do
fenômeno analisado” (DELGADO, 2016, p. 87).
A maturação da ideia com a representação da realidade culmina na
sistematização do conhecimento e passa a orientar e simplificar as novas pesquisas,
alcançado resultados e também inspirando novas indagações, baseadas em
procedimentos alçados a métodos de solução:
A solução de problemas é o resultado da articulação de algum método, ou seja, de algum mecanismo instrumental que possa determinar os critérios de veracidade ou de falsidade. Formular e testar afirmações, previsões e explicações, descobrir meios de chegar a uma reflexão mais precisa e eficaz, tudo isso é a finalidade de qualquer método. (NASCIMENTO, 2002, p. 18)
Diante dessa procedimentalização exsurgem os princípios que orientam as
ciências e reduzem e simplificam o modus operandi para obtenção de resultados e
conclusões, pois tornam possível a investigação a partir de premissas e princípios
norteadores e sob os quais se assentam a ciência.
Mario Bunge acentua a diferenciação do que se trata como a própria ciência,
o que vai além de uma comprovação isolada e empírica, mas obtida mediante uma
sistematicidade com a finalidade de formação de estruturas gerais, ou seja,
principiológica, que embasarão todo o conhecimento daquela seara a partir dali.
Assim, ressalta inclusive que não se diferenciam as ciências especiais das demais,
pois ambas utilizam método científico para a formação de sua base:
Não há diferença de estratégia entre as ciênciais, as ciências especiais somente se diferem pelas táticas que usam para a resolução de problemas particulares; contudo todas compartilham o método científico. Ou seja, ao invés de ser uma verificação empírica, segue-se a seguinte definição: A
49
ciência é uma disciplina que utiliza o método científico, a fim de encontrar estruturas gerais (leis). (BUNGE,1972, p. 32, tradução nossa)8
Na seara científica, segundo Reale, o ordenamento se estrutura num tripé, ao
constatar que: “O certo é que, tanto no Direito, como nas demais ciências, o trabalho
da inteligência se desenvolve através destas três ordenações, que são os tipos, as
leis e os princípios, de cuja relação resulta a unidade de um sistema” (REALE, 2007,
p. 63).
Os tipos se configuram na categorização, que possibilita a formação de
princípios, ou seja, são criadas tipologias através da similitude de qualidades e
características de determinado grupo, e através dessa segregação exsurge a
composição de tipos sob os quais possibilita-se a incidência de princípios comuns,
inclusive no Direito:
Todo conhecimento científico implica certa tipologia, ou mais genericamente, uma categorização. A ciência não pode prescindir de categorias, de tipos, de espécies, de gêneros, de classes ou de famílias, adequadas a cada região da realidade. Não é só a Botânica ou a Mineralogia que classificam e tipificam. Todas as ciências albergam uma tipologia, que é sempre forma adaptável de categorização como momento essencial do saber científico. Observamos a realidade, verificamos os vários seres, e procuramos atingir tipos que reúnam as qualidades comuns a uma série de fenômenos ou de casos. O Direito também é uma ciência tipológica. Podemos dizer que o Direito é uma das ciências que mais dependem do elemento tipológico (REALE, 2007, p. 56).
O elemento tipológico compõe, assim, a classificação que pode ser utilizada
nas ciências, assim como as leis, tomadas em sua acepção mais geral, “abrangendo
tanto as leis que se enunciam no saber físico-matemático, como as possíveis no
plano das chamadas ciências culturais, em cujo âmbito se situa a Ciência do Direito”
(REALE, 2007, p. 58), na qual, inclusive, não se pode deixar de considerar “as leis
que enunciam a estrutura e o desenvolvimento da experiência jurídica, ou seja,
aqueles nexos que, com certa constância e uniformidade, ligam entre si e governam
os elementos da realidade jurídica, como fato social” (REALE, 2007, p. 58).
8 No hay diferencia de estratégia entre las ciencias; las ciencias especiales difieren sólo por las tácticas que usan para la resolución de sus problemas particulares; pero todas comparten el método científico. Esto, más que ser una comprobación empírica, se sigue de la siguiente definición: Una ciencia es una disciplina que utiliza el método científico con la finalidad de hallar estructuras generales (leyes).
50
Como componente desse tripé que sustenta o Direito na perspectiva
idealizada por Miguel Reale (2007), a lei é vislumbrada no sentido mais amplo, como
enunciadora e essencial, por se tratar de ciência:
O Direito, como ciência, não pode deixar de considerar as leis que enunciam a estrutura e o desenvolvimento da experiência jurídica, ou seja, aqueles nexos que, com certa constância e uniformidade, ligam entre si e governam os elementos da realidade jurídica, como fato social. (REALE, 2007, p. 58)
Também os princípios representam papel essencial e relevante na conjectura
da ciência do Direito, com o fundamento em pressupostos, assim como as demais
ciências, sendo os princípios definidos por Miguel Reale como juízos fundamentais,
proposições que evidenciam, de forma sintetizada, determinado conhecimento
específico:
Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários. (REALE, 2007, p. 60)
As proposições fundamentais que regem toda a ciência e abrange todas as
possibilidades de conhecimento são dadas como princípios universais, mas além
desses há também aquelas que alcançam somente parte de um grupo das ciências
ou até mesmo uma única área científica, de alcance regional, e outros
monovalentes, válidos apenas para determinado campo do mundo jurídico, por
motivos peculiares e especificidades de cada ramo:
Assim sendo, toda e qualquer ciência implica a existência de princípios, uns universais ou monovalentes (ou seja, comuns a todas as ciências); outros regionais ou plurivalentes (comuns a um grupo de ciências) e outros, ainda, univalentes, por só servirem de fundamento a um único campo de enunciados. (REALE, 2007, p. 60)
Nesse sentido, o elemento tipológico, conforme enunciado, possibilita a
configuração da norma jurídica por situações de fato, como uma feitura de grupos
dos aspectos da vida social – uma separação por categorias com observância das
similitudes e qualidades diante de uma série de fenômenos e casos, para aplicação
51
de normas e princípios. Ou seja, “os tipos são formas de ordenação da realidade em
estruturas ou esquemas, representativos do que há de essencial entre os elementos
de uma série de fatos ou de entes que nos interessa conhecer” (REALE, 2007,
p.57).
Nessa perspectiva os tipos são considerados elementos necessários à
caracterização de uma determinada situação ou aspecto da vida social. Sendo
assim, a análise de uma conduta, seja lícita ou ilícita, diante das experiências
humanas concretas, possibilita a ordenação da realidade com uma estruturação dos
componentes de cada grupo, com características que os diferenciam, ou ainda,
representam as suas especificidades, o que possibilita o estabelecimento de
princípios e estudos que fomentem a evolução dessa categoria.
Neste sentido, é possível vislumbrar a formação de princípios em cada ramo
das ciências jurídicas: “no campo do Direito Penal existe um princípio, segundo o
qual ninguém pode ser responsabilizado por ato que não tenha sido previamente
classificado em lei como crime. Nullius crime sine lege; - nenhum crime sem prévia
lei que o defina” (REALE, 2007, p. 57).
As ciências requerem, portanto, princípios que, ainda que conjugados com
outras modalidades, fundamentam e permeiam cada ramo para possibilitar a
manutenção e o próprio desenvolvimento específico de acordo com as
peculiaridades.
2.1.2 Princípios no Direito: força normativa e fundamento de evolução
O papel desempenhado pelos princípios no Direito decorre de uma formação
histórica e científica, oriunda da análise de fenômenos naturais e da própria
repetição dos fatos observados na natureza, o que leva à formulação de hipóteses, e
após reiterados acompanhamentos, embasam teorias científicas que, quando
confirmadas, contribuem para a formulação de princípios que enunciam
determinadas condutas ou procedimentos.
Surgem, a partir daí, na seara jurídica, diante das observações e formulação
de hipóteses, normas que possibilitam a convivência humana, com o intuito de
estabelecer limites de ação e omissão. Para tanto, essas normas se dividem em
espécies, inicialmente regras e princípios.
52
Assim sendo, diversas definições foram construídas com o intuito de clarificar
e delinear tais categorias normativas e, sem pretensão de esgotar a infinitude delas,
algumas serão trazidas aqui à baila com o intuito comparativo e como fundamento
da força dada aos princípios na seara do Direito.
Vislumbrados como de grande relevância para o ordenamento jurídico por
Karl Larenz, os princípios foram por ele vistos como fundamentos normativos para a
aplicação e interpretação do Direito, e dos quais decorrem, portanto, as normas de
comportamento:
Para evitar contradições de valoração, é útil orientar a interpretação aos princípios ético-jurídicos, como o princípio da tutela da confiança e o princípio de responder pelas insuficiências do círculo negocial próprio. Tais princípios foram na verdade sujeitos nas regulações particulares a uma configuração distinta e nem sempre consequente; podem colidir com outros princípios ou fins jurídicos de idêntico escalão. Na interpretação é sempre necessário, por isso, examinar até que ponto a regulação legal deixa espaço a um ou outro princípio. Em relação ao alcance e à combinação dos princípios é determinante o sistema interno do Direito. (LARENZ, 2009, p. 474)
Nesse sentido, o supramencionado autor vislumbra os princípios como
diretrizes de uma regulação jurídica, mas ainda insuscetíveis de aplicação direta e
imediata, por carência do caráter formal de proposições jurídicas. Ou seja,
constituem-se como direcionadores dos passos para obtenção e feitura da regra,
sem que sejam utilizados como a própria prescrição normativa, mas considerados
mediante indicação contida em leis.
Já Canaris aborda a importância da unidade dos princípios como premissas
teorético-científicos e hermenêuticas, ou seja, se concatenam num prisma
metodológico para concretização de seus postulados. Possibilitam a existência do
direito como ciência por se harmonizar na formação de um sistema, ou seja,
constrói-se uma estrutura ordenadamente, a partir de um ponto unitário. Salienta
que “em última análise, o sistema jurídico é a tentativa de reconduzir o conjunto da
justiça, com referência a uma forma determinada de vida social, a uma soma de
princípios racionais” (CANARIS, 2008, p. 14). O autor ainda coloca como hipótese
fundamental de toda ciência, “uma estrutura racional, acessível ao pensamento,
domine o mundo material e espiritual” (CANARIS, 2008, p. 14).
Numa interpretação sistemática, o supramencionado autor vislumbra a
essencialidade da ordem principiológica como ordenadora e como possibilitadora da
53
unidade do sistema, sobre o qual se constrói a estrutura. Elenca os princípios gerais
e reconhece que há, em cada sub-ramo do direito, subsistemas, com princípios
específicos e, “em qualquer caso, uma parte dos princípios constituintes do sistema
mais pequeno penetra, como geral, no mais largo e, inversamente, o sistema mais
pequeno só em parte se deixa, normalmente, retirar dos princípios mais largos”
(CANARIS, 2008, p. 79).
Há, pois, uma estrutura basilar e geral que abrange todo o sistema jurídico, e
princípios específicos que tangem as subdivisões, atendendo às especificidades e
sempre mantendo o postulado de justiça, perante o qual se erige todo o
ordenamento.
Ressalta Canaris (2008) que os princípios explicitam a valoração, ou seja,
expressam a unidade valorativa do Direito, já que “no conceito (bem elaborado) a
valoração está implícita; o princípio, pelo contrário explicita-a” (CANARIS, 2008, p.
83). Nesse mesmo sentido, Ávila (2010) destaca a distinção entre os princípios e as
regras, o conteúdo axiológico e o modo de interação com outras normas, e evidencia
a “necessidade de complementação dos princípios para que possam efetivar
conteúdo, por serem abertos, e, ao contrário das regras, possuiriam um conteúdo
axiológico explícito e careceriam, por isso, de regras para sua concretização”
(ÁVILA, 2010, p. 36), além de que, “na interação com outras normas, os princípios,
ao contrário das regras, receberiam seu conteúdo de sentido somente por meio de
um processo dialético de complementação e limitação” (ÁVILA, 2010, p. 36).
Os princípios, na visão de Canaris, podem ser vislumbrados como base
fundante, e as complementações advém das especificidades das subdivisões, e sua
própria concatenação constitui a unidade do sistema:
O facto de, para vários institutos, os mesmos princípios serem, em parte, constitutivos – por exemplo para o da auto responsabilidade ou da proteção da esfera de liberdade – mostra que, na procura da unidade do Direito, se regressa, por último, sempre e de novo aos princípios gerais do Direito, – uma vez que o sistema não resulta da sua mera enumeração desconexa, mas antes é constituído através da sua concatenação e ordenação interna e desde que contenha uma componente relativamente aos institutos. (CANARIS, 2008, p. 95)
O autor ainda menciona que os princípios têm o condão de exprimirem os
valores, por apresentarem um grau de concretização maior; assim, por exemplo, o
valor da liberdade se consubstancia no princípio da autodeterminação negocial, e
54
nem sempre representa a totalidade do sistema, no momento em que reconhece a
aplicabilidade conforme as especificidades, podendo ser excepcionados, como no
caso do princípio da autonomia negocial, que sofre limitação, não sendo aplicado em
consonância com o Direito do Trabalho, no qual persiste a limitação da liberdade de
estipulação dos contratos obrigacionais. Ou seja, “os princípios não valem sem
exceção e podem entrar em oposição ou em contradição entre si” (CANARIS, 2008,
p. 88), mas isso não os invalida e nem mesmo coloca em xeque a cientificidade
jurídica que embasam. Reconhece ainda que nenhum sistema é hermético e
imutável, dada a provisoriedade e incompletude do conhecimento científico, e, para
tanto, o cientista jurídico deve estar preparado para alargar ou modificar o sistema,
assim como deve integrar e preencher lacunas, através dos princípios gerais:
De facto, o jurista, como qualquer cientista, deve estar sempre preparado para pôr em causa o sistema até então elaborado e para o alargar ou modificar, com base numa melhor consideração. Cada sistema científico é, assim, tão só um projecto de sistema, que apenas exprime o estado dos conhecimentos do seu tempo; por isso e necessariamente, ele não é nem definitivo nem fechado, enquanto, no domínio em causa, uma reelaboração científica e um progresso forem possíveis. Em consequência, nunca podem ser tarefas do sistema o fixar a ciência ou, até, o desenvolvimento do Direito num determinado estado, mas antes, apenas exprimir o quadro geral de todos os reconhecimentos do tempo, o garantir a sua concatenação entre si e, em especial, o facilitar a determinação dos efeitos reflexos que uma modificação (do conhecimento ou do objecto), num determinado ponto, tenha noutro, por força da regra da consequência interior. (CANARIS, 2008, p. 106)
A evolução do sistema advém da formação de novas bases, adaptadas às
necessidades e às próprias falhas, e, nesse processo de modificação deve-se
atentar ao seguimento da principiologia daquela seara, para que, durante a
aplicação da norma, não incorrer em violação do caráter teleológico dessa própria
norma, ou seja, para que não a utilize em desacordo com o fim para qual foi criada.
E nessa mutabilidade ou no próprio saneamento de lacunas, Canaris adverte que
mesmo com a descoberta de novos valores fundamentais, para a sua inserção e
para que não conflitem com os já existentes, assim como a sua utilização para
integração de lacunas, deve-se atentar para os princípios gerais que regem a seara
para que se mantenha o sistema estrutural.
Denota-se, assim, que os princípios constituem o cerne do sistema proposto
por Canaris, com relevância para toda a estruturação e para o próprio saneamento
de controvérsias e contradições.
55
A função dos princípios no ordenamento jurídico também é trabalhada, dentre
outros autores, por Ronald Dworkin e Robert Alexy, com a ponderação de princípios
como instrumento propulsor do equilíbrio no sistema. Diante do sopesamento e da
ponderação ao se deparar com o conflito de princípios jurídicos, eles podem ser
vislumbrados como mandados de otimização e com dimensões diferenciadas,
proporcionando direcionamentos para a resolução dos embates.
Ao analisar, de modo sintetizado, a teoria dos dois autores, no que tange à
demonstração de importância dos princípios, é essencial, a priori, esclarecer que
Dworkin, ao elencar três espécies, princípios, regras e diretrizes, das quais os dois
primeiros serão aqui enfocados, parte do positivismo para estabelecer a
diferenciação, e coloca a integridade do ordenamento como requisito essencial,
partindo do pressuposto que, assim, sempre haverá uma resposta correta, seja ela
propiciada pelas regras ou pelos princípios que, diante de ponderações, devem
corresponder à Constituição, às regras do Direito e aos precedentes, fidedignos à
coerência do sistema jurídico.
Elenca a importância, além das regras, dos princípios e das políticas que, no
caso brasileiro, seria melhor traduzido como políticas públicas, pois o autor, ao se
referir a políticas trata de “um tipo de norma que propõe um objetivo que deve ser
alcançado; geralmente uma melhora em algum traço econômico, político ou social
da comunidade” (DWORKIN, 1999, p. 22), tal como um objetivo estatal de diminuir
acidentes de automóveis ou melhorar os índices de alfabetização, enquanto os
princípios se ligam à dimensão moral do ponto de vista normativo, e cuja observação
deve ser considerada “não porque favoreça ou assegure uma situação econômica,
política ou social que considera desejável, mas porque é uma exigência da justiça,
da equidade, ou alguma outra dimensão da moral” (DWORKIN, 1999, p. 22).
Numa visão crítica do positivismo, Dworkin diferencia os princípios e as regras
no tocante às direções que indicam, colocando as regras como aplicáveis em um
modo de tudo ou nada, ou seja, se preenchidos os requisitos caberia a aplicação da
regra, caso contrário não caberia e não seria então válida, sem uma possibilidade
intermediária e flexível, enquanto os princípios proporcionam, entre eles, uma
concorrência, mas, considerado o peso relativo de cada, a apenas um deles
incumbe a resolução do conflito.
56
Há uma ampliação do modo de argumentação com os princípios. Num caso
citado por Dworkin na obra Taking rights seriously9, o sentido de princípio é
clarificado quando, durante a aquisição de um automóvel, em 1960, Henningsen, o
comprador, se deparou com uma cláusula no contrato que limitava a
responsabilidade do fabricante a reparar as partes defeituosas, sem considerar as
pechas que dali poderiam advir, tais como despesas médicas e ferimentos em
decorrência de tais defeitos: Henningsen comprou um carro, e assinou um contrato no qual se dizia que a responsabilidade do fabricante pelos defeitos estava limitada a reparar a as partes defeituosas – ‘esta garantia que expressamente substituía a todas as outras garantias, obrigações ou responsabilidades’. Henningsen argumentou que, pelo menos nas circunstâncias de seu caso, o fabricante não devia ficar protegido por tal limitação, e deveria ficar responsável pelos gastos médicos e das outras despesas das pessoas feridas no acidente. (DWORKIN, 1999, p. 23, tradução nossa)10
O caso foi suscitado no tribunal de New Jersey, conhecido como Henningsen
versus Bloomfield Motors Inc., com a controvérsia no tocante à limitação da
responsabilidade pelo fabricante no caso dos defeitos experimentados pelo
comprador do automóvel. O consumidor, autor da ação, sustentou o argumento de
que o fabricante não pode, mesmo diante de regras jurídicas, como a exposta na
cláusula contratual, ficar protegido e amparado contra os danos ocorridos em
decorrência de um defeito do automóvel. O tribunal foi favorável a Henningsen,
tendo os juízes se embasado, em vários momentos, em princípios – como, por
exemplo, a liberdade de contratação, mas não devendo esta ser acatada se utilizada
como instrumento de desigualdade e injustiça.
O exemplo é utilizado por Dworkin para sustentar a impossibilidade de fontes
formais serem exaustivas na interpretação da legalidade, uma vez que o
desenvolvimento dos sistemas inclui uma principiologia que norteia as decisões
judiciais, para que esteja presente a equidade e a justiça em conformidade com as
interpretações do disposto nas normas.
A distinção entre regras e princípios nem sempre é nítida na teoria de
Dworkin, mas a análise do caso concreto é fundamental para se definir qual tipo de
9 No original, Taking rights seriously, e traduzida no Brasil com o título de Levando os direitos a sério. 10 Henningsten bought a car, and signed a contract which said that the manufacturer’s liability for defects was limited to ‘making good’ defective parts. He argued that, at least in the circumstances of his case, the manufacturer ought not to be protected by this limitation, and ought to be liable for the medical and other expenses of persons injured a crash.
57
norma jurídica deve ser evidenciada como solução do caso, pois ela exsurge em
decorrência das especificidades, que requerem comportamentos diferenciados para
colocar fim à controvérsia.
Enfim, no caso de colisão entre regras, uma delas será considerada inválida,
enquanto os princípios não determinam exatamente a decisão, mas contêm
fundamentos que, quando conjugados, demonstram, por terem uma dimensão de
peso, na hipótese de colisão, que o princípio com maior peso se antepõe ao outro,
sem que ainda assim retire a validade de um sobreposto.
Enquanto isso, na teoria de Robert Alexy, os princípios jurídicos consistem em
uma constituição de normas por meio das quais são estabelecidos deveres de
otimização, aplicáveis em variados graus conforme as possibilidades normativas e
fáticas, ou seja, ao ser considerado o caso concreto.
Alexy expõe que “tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos
dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões
deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição” (ALEXY, 2012, p. 87).
Para diferenciação entre as regras e os princípios, há critérios que são
enfocados, além da generalidade, que também se prestam a referenciais:
“a determinabilidade dos casos de aplicação”, a forma de seu surgimento – por exemplo, por meio da diferenciação entre normas “criadas” e normas “desenvolvidas” –, o caráter explícito de seu conteúdo axiológico, a referência à ideia de direito ou a uma lei jurídica suprema e a importância para a ordem jurídica. (ALEXY, 2012, p. 88).
Os princípios colidentes, nessa teoria, não anulam um ao outro, mas têm sua
realização normativa limitada, diferentemente das regras, que, diante de colisão, têm
declaradas a invalidade de uma delas, ou requerem um caráter excepcional de
antinomia, já que instituem obrigações absolutas, que não podem ser relativizadas
ou superadas por normas contrapostas.
Apesar da multiplicidade de critérios, através da generalidade a divisão é mais
facilmente vislumbrada, pois os princípios apresentam um alto grau de generalidade
no tratamento da norma, enquanto as regras apresentam conteúdo literal e direto,
em forma ordenativa, com baixo grau de generalidade:
Um exemplo de norma de grau de generalidade relativamente alto é a norma que garante a liberdade de crença. De outro lado, uma norma de grau de generalidade relativamente baixo seria a norma que prevê que todo
58
preso tem o direito de converter outros presos à sua crença. Segundo o critério de generalidade, seria possível pensar em classificar a primeira norma como princípio, e a segunda como regra. (ALEXY, 2012, p. 87)
Há outras formas de divisão das normas, diversas dos princípios e das regras,
como a proposta por Von Wright, que as divide em regras constitutivas, regras
técnicas e prescrições:
Em “Norma e Ação”, ano de 1963, Georg Henrik Von Wright analisa as normas como abstrações lógicas. E afirma que se se põe em destaque os distintos sentidos com os quais é possível se contar com o vocábulo “norma”, teremos três tipos principais e outros três tipos secundários. Estes os três principais: 1) regras constitutivas; 2) regras técnicas; e 3) prescrições. (SGARBI, 2007, p.115)
Apesar das diferentes classificações, as normas divididas em regras e
princípios demonstram a peculiaridade das espécies, com finalidades distintas,
exsurgindo a principiologia como modus de otimização, ou seja, a sua aplicabilidade
é variável de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, além da variabilidade
do grau de utilização, ou seja, conforme explica Alexy, as regras constituem
mandamentos definitivos, e os princípios, mandamentos de otimização:
Regras são normas que, em caso de realização do ato, prescrevem uma consequência jurídica definitiva, ou seja, em caso de satisfação de determinados pressupostos, ordenam, proíbem ou permitem algo de forma definitiva, ou ainda autorizam a fazer algo de forma definitiva. Por isso, podem ser designadas de forma simplificada como “mandamentos definitivos”. Sua forma característica de aplicação é a subsunção. Por outro lado, os princípios são mandamentos de otimização. (ALEXY, 1997, p. 85)
Nesse sentido, o atendimento das regras restringe-se à satisfação direta ou
insatisfação, não havendo graus intermediários, enquanto a aplicação dos princípios
confere uma melhor adaptabilidade ao considerar o caso em tela e sua maior ou
menor aplicabilidade. No caso de conflitos entre regras, não há como uma delas
subsistir, dado que, se não ocorrerem casos excepcionais de inserção de cláusula
de exceção que elimine o conflito, pelo menos uma das regras tem que ser
declarada inválida. “Um exemplo para um conflito entre regras que pode ser
resolvido por meio da introdução de uma cláusula de exceção é aquele entre a
proibição de sair da sala de aula antes que o sinal toque e o dever de deixar a sala
se soar o alarme de incêndio” (ALEXY, 2012, p. 92). Num primeiro momento as
regras conduziriam a juízos contraditórios, mas ao vislumbrar a excepcionalidade, se
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compatibilizam para somente aquela determinada situação, já se não se refere a
uma situação de caráter excepcional, portanto uma das regras se declararia inválida.
Os princípios diferem das regras no momento em que, em caso de colisão,
não implica em invalidade de um deles, mas em aplicação de um deles em
determinado caso, e em outro pode ser que seja aplicado o princípio diverso, ou
seja, não são excluídos ou invalidados por não serem utilizáveis em um caso
concreto:
Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência. (ALEXY, 2012, p. 93)
Assim, ao tratar os princípios como mandamentos de otimização e vislumbrar
a diferenciação de graus, Alexy reconhece a importância das possibilidades reais e
jurídicas dos casos em que serão aplicados os princípios para então determinar
qual, em que grau, será utilizado, sem fixar ou excluir um deles da ordem jurídica.
Os princípios devem, pois, retratar a sociedade, se adequando às suas
necessidades e moldados de acordo com a realidade, para que se ajuste o direito à
vida social, guiando a intepretação do ordenamento jurídico de modo que atenda à
finalidade com a qual o direito foi criado e a pacificação, seja na fase de elaboração,
aplicação ou interpretação da norma. Maurício Godinho Delgado expõe as funções
diferenciadas que os princípios exercem no Direito, da construção à realização
social:
A fase de construção da regra – fase pré-jurídica, de natureza essencialmente política – corresponde ao estágio histórico de elaboração das regras de Direito. Aqui, os princípios já existentes no próprio universo jurídico agem, por influência teórico-ideológica, no processo de construção das novas regras. A fase jurídica típica, surgida desde que consumada a elaboração da regra, corresponde ao estágio histórico em que ela irá reger as organizações e condutas sociais. Certamente será aqui, nesta fase, que os princípios cumprirão seu papel mais relevante. (DELGADO, 2010, p. 15)
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Vistos como proposições gerais informadoras da estrutura e dinâmica, a partir
do momento em que assimilam o estágio histórico que rege as relações sociais,
revelam o norte e moldam a interpretação da norma jurídica, que passa então a ser
vislumbrada a partir de determinados entendimentos principiológicos. Não atingem
uniformemente todos os ramos, mas estabelecem pontos essenciais entre cada
ramo e o conjunto jurídico geral, o que confere coerência à ordem jurídica. Assim,
atua de modo dinâmico e decisivo sobre a conduta e a convivência social:
Os princípios atuam de modo decisivo na dinâmica de ajuste do Direito à vida social, moldando a interpretação da regra jurídica e se associando a ela no processo de suas incidências sobre a realidade dos seres humanos. Seja na antecipação de fórmulas de organização e conduta para serem seguidas na comunidade ou na absorção de práticas organizacionais e de conduta já existentes na convivência social, os princípios desempenham o papel fundamental de cimentarem a ordem jurídica aplicável aos valores mais essenciais do universo do Direito. (DELGADO, 2010, p. 14)
A dimensão valorativa se consubstancia nos princípios, que concentram os
valores da história social e traduzem as proposições fundamentais induzidas e
indutoras do Direito, como diretrizes do sistema jurídico, como comandos jurídicos
instigadores do ordenamento jurídico. Atuam, pois, como fontes, instigados pelas
forças econômicas, movimentos sociopolíticos e correntes político-filosóficas, em
papéis diferenciados.
Eis que os princípios desempenham tríplice função no ordenamento jurídico:
informativa, direcionada ao legislador, que deve, ao elaborar a norma, observar e
adequar aos princípios que regem aquela matéria, respeitando o curso daquele
ramo, a base fundante; a função interpretativa, voltada ao intérprete da norma, que
deve proceder a interpretação sob a perspectiva dos princípios norteadores; e a
função normativa, que representa a força de norma que os princípios têm.
Há, pois, uma valorização dos princípios como normas que regem o Direito, e
evidencia um sistema constitucional voltado para a tutela do ser humano e sua
dignidade, de forma a reconhecer as peculiaridades e especificidades individuais. A
dinamização impressa ao Direito através dos princípios possibilita a maleabilidade e
adaptabilidade das normas, para que se ajustem aos casos concretos.
A função normativa dos princípios, no Brasil, é positivada em alguns artigos,
dentre eles o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
61
(LINDB)11, que confere um caráter normativo supletivo, permitindo que se utilize os
princípios quando houver omissão da lei, e o art. 8º da CLT12, que também elenca o
mesmo papel para os princípios.
O jurista não precisaria, entretanto, estar autorizado pelo legislador para
invocar princípios, aos quais esse deve estar atento mesmo quando houver lei
própria e adequada ao caso, pois deve sua interpretação ser norteada por eles, pois
não há ciência sem princípios, e eles compõem a sua substância lógica,
consolidando o Direito. Celso Bandeira de Mello, nessa sistemática, coloca os
princípios como alicerce do sistema, disposição fundamental sobre a qual são
entendidas e interpretadas as normas do ordenamento:
Princípio [...], por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELLO, 2003, p. 817)
A interpretação ocorre, portanto, a partir dos princípios que norteiam a
ciência, e desempenham papel de efetivação da finalidade para a qual a seara foi
criada, sendo específicos e com fins distintos. Sendo assim, os princípios de direito
material não necessariamente coincidem com os de direito processual, haja vista
que enquanto os primeiros demonstram a finalidade das normas materiais criadas,
os segundos auxiliam no que tange aos procedimentos, metodologias e formas de
inserção das partes no processo.
Enfim, denota-se que a importância dos princípios vai além de uma mera
norma, sobressaindo-se como “uma diretriz, é um norte no sistema, é um rumo
apontado para ser seguido por todo o sistema. Regem toda a interpretação do
sistema e a eles se deve curvar o intérprete, sempre que se vai debruçar sobre os
preceitos contidos no sistema” (PORTANOVA, 1981, p. 11). E, ao vislumbrar o
11 Art. 4o, LINDB – Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 12 Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.
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Direito como ciência, depreende-se que são essenciais, já que, como define Rui
Portanova, a ciência é um “conjunto de conhecimentos ordenados coerentemente
segundo princípios” (PORTANOVA, 1981, p. 13), devendo ser preliminarmente
detectados quais os princípios que informam o direito, em cada seara, para, a partir
daí, serem estudadas as normas que compõem o ordenamento jurídico, inspiradas
pelos princípios e interpretadas à luz deles.
Conclui-se, pois, que apesar dos princípios não serem conteúdos decorrentes
diretamente do processo legislativo, se impõem como sustentáculo legitimador do
sistema, reconhecendo e regendo o ordenamento jurídico peculiar de cada ramo do
Direito, às vezes gerais e outros setoriais.
Os princípios ressaem, assim, para o Direito, como normas jurídicas imbuídas
de um conteúdo amplo e abrangente, ainda que atendam a ramo específico, por
terem aqueles que emanam da ordem constitucional e outros específicos que
atendem e constituem somente ramo determinado, são utilizados como parâmetro
para nortear a interpretação sistêmica integrativa do ordenamento jurídico.
E, adotando-se a premissa da teoria de Alexy, podem ser vislumbrados como
enunciadores de obrigações, não sendo estanques no sentido de aplicar-se ou não,
mas podem ser superados ou derrogados em função de outros princípios, ou seja,
não indicam precisamente o comportamento, sendo essencial a análise de aspectos
concretos e individuais para então, mediante a ponderação, e com a aplicação dos
significados preliminares dos dispositivos a que a espécie normativa se enquadra,
averiguar-se a aplicação e a prevalência de um ou outro princípio.
Eis que, assim, na seara do Direito do Trabalho, ao buscar o nivelamento das
partes envolvidas no contrato, no intuito de inclusão, proteção e igualdade jurídica, o
sistema foi erigido sobre o princípio da proteção, que apresenta aplicações com
intensidade e alcance variável diante de análise do caso concreto.
2.2 Proteção: a desigualdade combatida na diversidade dos campos
Os princípios reconhecem e delineiam as especificidades de cada ciência a
que pertencem e são sobre eles erigidos os fundamentos e experimentos. Neste
sentido, o ramo do Direito do Trabalho foi construído sob a perspectiva de uma
desigualdade de partes, num desequilíbrio de forças para o qual foi elaborada uma
normatização específica para atendimento das suas peculiaridades.
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Diante desse desequilíbrio, vislumbra-se a necessidade de proteção daquele
que é mais fraco, seja pela condição, seja pela subordinação ou pelo caráter
alimentar a que se submete na situação de relação de trabalho.
E essa proteção não é exclusiva do ramo do direito do trabalho, e nem
mesmo do Direito somente. Advinda do latim protectio, com a origem etimológica de
protectĭo, ōnis, de protegĕre, com o sentido de cobrir, esconder, apresentando
significados de amparo, revelando o cuidado com alguém ou algo mais fraco, de
defesa ou até mesmo de tratamento privilegiado, assim como é utilizado também
com o significado de dar abrigo, ou dar guarida.
A proteção é variável conforme a necessidade e o objeto a ser protegido, pois
é proporcional à vulnerabilidade da parte, como expresso no significado trazido em
dicionário jurídico, organizado por Jean Salmon (2001), colocando-a como uma
“ação para cuidar do interesse de uma pessoa ou instituição. Esta proteção toma
forma e assume aspectos diferentes, dependendo da pessoa ou objeto protegidos e
varia de acordo com os modos de proteção”13 (SALMON, 2001, p. 899, tradução
nossa).
O desequilíbrio de forças faz com que exsurja a proteção para possibilitar
uma efetiva aplicação do direito, em diversos ramos, até mesmo no Direito Civil,
especialmente no Estado Democrático de Direito, quando é possível vislumbrar o
reconhecimento e a busca da igualdade através da proteção.
Inicialmente baseado numa concepção jurídica individualista, calcada na
liberdade das partes, a construção do Direito Civil e também do Direito Processual
Civil se sustenta num plano de suposição de igualdade das partes, a princípio sem
interferência legal ou judicial em detrimento de uma das partes. Gustav Radbruch
ressalta essa visão individualista, especialmente no processo civil:
[...] é o processo civil no qual mais fortemente se destaca o estilo individualista do Direito. Se o Direito é o caminho da vida social, o Processo Civil é a forma dessa forma, a forma levada à sua potência máxima, e como tal, especialmente sensível aos acontecimentos que ensejam o espírito dos tempos. Uma característica do individualismo que governa processo civil é o rigor com o qual o princípio da negociação se aplica. Este princípio faz com que o processo seja um livre jogo de forças entre as partes em conflito, como se os litigantes eram dois jogadores de xadrez de forças equilibradas, dois adversários perspicazes, liderados por um egoísmo bem
13 Action de prendre soin des intérêst d’une personne ou d’une institution. Cette protection adopte des formes et rêvet des aspects distincts selon la personne ou l’object protégé ainsi que selon les modes de protection.
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compreendido, ambos localizados num plano de igualdade e que não necessitam da ajuda do juiz. (RADBRUCH, 1993, p. 158, tradução nossa)14
Essa visão, que permeou a formação do Direito no período liberal, foi sendo
substituída e reconstruída conforme a evolução da sociedade, superando as
necessidades e as demandas, começando a sofrer influência de um viés social até
alcançar a releitura no Estado Democrático de Direito. Antes mesmo de ressurgir um
novo paradigma, a valorização do ser humano e o incremento de um direito social
refletiu em alguns ramos jurídicos, apresentando a proteção como uma medida
essencial até mesmo no domínio do Processo Civil, conforme ressaltou Gustav
Radbruch:
O Direito social abriu sua primeira demonstração com a legislação contra a usura, cujo objetivo era proteger contra si mesmo, daquelas pessoas que o utilizavam para prejudicar os outros, aqueles que eram inexperientes ou que se encontravam numa posição mais fraca. O próximo passo na mesma direção foi a limitação da liberdade contratual através de uma série de providências destinadas a proteger contra a exploração da força de trabalho do indivíduo economicamente mais fraco. Assim, a legislação trabalhista protetora foi colocando limites e obstáculos ao trabalho de mulheres e crianças, limitando as horas de trabalho, introduzindo como obrigatório, nas indústrias, o descanso dominical, etc. Logo a ideia social fez o seu caminho também no domínio do processo civil. O processualista Franz Klein implementou, na Áustria, um pensamento socialmente orientado no processo civil; ou seja, um processo civil que não ficaria à mercê das partes e litigantes, mas com a participação do juiz, intervindo na lide, ajudando os litigantes e orientando-os. (RADBRUCH, 1993, p. 161, tradução nossa)15
14 [...] es el procedimiento civil donde con más fuerza se destaca esta forma individualista del estilo en el Derecho. Si el Derecho es la forma de la vida social, el procedimento civil es la forma de esta forma, la forma llevada a su máxima potencia, y, como tal, especialmente sensible a los campos operados en el espíritu de los tiempos. Un rasgo que caracteriza el individualismo que gobierna el procedimiento civil es el rigor con que se aplica el principio de negociación. Este principio convierte al proceso en un libre juego de fuerzas entre las partes contendientes, como si los litigantes fuesen dos jugadores de ajedrez de fuerzas equilibradas, dos adversarios ingeniosos, guiados por un egoísmo bien entendido, situados ambos en un plano de igualdad y no necesitan para nada de la ayuda del juez. 15 El Derecho social abrió su primera brecha con la legislación contra la usura, cuya finalidad era salvaguardar contra sí misma a la gente ligera, inexperta o que se veía en situación apurada. El siguiente paso dado en la misma dirección fue la limitación de la liberdad contractual mediante una serie de providencias encaminadas a proteger de la explotación a la fuerza del trabajo del individuo económicamente débil. De este modo, la legislación protectora del trabajo fue poniendo limites y trabas al trabajo de la mujer y del niño, limitando la jornada de trabajo, introduciendo como obligatorio, en una serie de industrias, el descanso dominical, etc. Pronto la idea social se abrió paso también en el terreno del procedimiento civil. El procesalista Franz Klein puso en práctica, en Austria, el pensamiento de um proceso civil socialmente orientado; es decir, de un proceso civil no confiado ya por entero, como hasta allí, a la libre contienda entre las partes litigantes, sino en que el juez intervenía en la lid, ayudando a los contendientes y guiándolos.
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A limitação da exploração da parte mais fraca foi ganhando força no cenário
jurídico, fazendo com que a proteção, inclusive, não fosse mais característica
peculiar do ramo justrabalhista, apesar de ser seu sustentáculo, já que se apresenta
de maneiras e intensidades diversas nos mais variados segmentos, em prol da
igualdade efetiva, ou substancial. Ainda assim defende-se a autonomia do Direito do
Trabalho, que apresenta especificidades e matéria delimitada, mas passa-se a
reconhecer a influência e interligação entre as diversas áreas, haja vista que a
finalidade do Direito se converge no indivíduo.
O Direito do trabalho tem uma autonomia assegurada pela especificidade das suas fontes, pela existência de um desenvolvido nível coletivo e pela proliferação de regras imperativas. Tudo isso exige um tratamento unitário e integrado, na base de pontos de vista unitários e tipicamente laborais. Chegamos, assim, a uma autonomia sistemática, rica em valores e em soluções adotadas, mas não a uma Ciência diferenciada. O Direito do Trabalho é, pois, uma relevante disciplina que integra a grande família unitária do Direito privado ou do ius civile: o Direito dos cidadãos. (CORDEIRO, 2002, p. 314)
Neste sentido, na perspectiva de unitariedade da ciência jurídica, infere-se a
função de proteção social, elencada por Paulo Otero que vislumbra no Direito a
finalidade de “restabelecer de um certo equilíbrio jurídico nas posições que os
membros mais fracos da sociedade detêm dentro das relações que estabelecem
com outros membros da sociedade, conferindo-lhes (através de diversos meios)
uma espécie de proteção jurídica” (OTERO, 1998, p. 166).
A conexão do Direito Civil com a matéria trabalhista, em períodos remotos,
vem desde a escravidão, no tratamento da propriedade, quanto nos contratos,
inclusive de teor laboral, eram por tal ramo tratado, mas questionou-se a autonomia
da esfera trabalhista quando houve o reconhecimento de uma parte mais fraca,
especialmente no tratamento contratual. Entretanto, é possível vislumbrar uma
proteção à parte mais fraca até mesmo na seara civilista, especialmente no
tratamento concedido no Estado Democrático de Direito.
Apesar do Direito Civil não ter sido constituído, na visão tradicional, com o
propósito de garantir a proteção, mas, pelo contrário, baseado na igualdade das
partes com a não interferência de terceiros, constata-se a existência e até mesmo a
necessidade de identificação da parte mais fraca numa relação contratual e sua
respectiva vulnerabilidade para, então, interpretar as normas e aplicar o direito,
especialmente na releitura dos institutos no Estado Democrático de Direito.
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A superação de paradigmas impende à uma ressignificação de institutos
tradicionais, e, no Estado Democrático de Direito tal revisitação, com fincas à
valorização e tutela da pessoa humana abarcou inclusive a propriedade e o contrato.
A pretensa autonomia da vontade, característica das ideias consagradas pelo
Estado Liberal, de individualismo e da vontade como dogmas, baseada na justiça
formal, com a mínima interferência estatal na esfera individual, ou seja, nas relações
contratuais os indivíduos detinham uma quase plena liberdade de negociação, tendo
em vista a quase nula ou restrita intervenção estatal, como expõe Francisco Amaral: Isso não significa, contudo, que não houvesse uma concepção de interesse público. Pelo contrário: da afirmativa de que o interesse público se realizaria automaticamente com a realização dos interesses individuais resulta uma ideia bem delimitada de interesse público, pura e simplesmente entendido como a somatória dos interesses individuais, em cuja realização se efetiva e se esgota. O interesse público materializar-se-ia justamente na garantia das condições de exercício dos interesses privados. A tarefa do Estado, portanto, era fixar e garantir as regras básicas do jogo econômico que se desenrolaria no mercado, mágico regulador de todas as relações (ALMEIDA GUILHERME, 2003, p. 288).
Vislumbra-se, assim, que a autonomia da vontade se revelou em decorrência
de um processo político e econômico baseado na liberdade e na igualdade formal,
com prevalência dos direitos subjetivos de propriedade e de liberdade de iniciativa
econômica. O crescente processo de industrialização, ocorrido principalmente na
Europa após a Primeira Guerra Mundial, e que fez exsurgirem diversas
transformações, especialmente na seara social, contribuiu para a substituição
paulatina da hegemonia da autonomia da vontade, e o Estado deixando de ser mero
garantidor das relações entre particulares, passando a intervir na esfera privada
gradualmente, em prol do interesse social e pela justiça material em detrimento da
liberdade individual, consagrando-se uma autonomia privada, que sofre limitações
inclusive de ordem social. O Estado não é mais apenas o garantidor da liberdade e da autonomia contratual dos indivíduos; vai além, intervindo profundamente nas relações contratuais, ultrapassando os limites da justiça comutativa para promover não apenas a justiça distributiva mas a justiça social (LÔBO, 1995, p. 42).
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Há, pois, uma releitura dos princípios que circundam as relações contratuais,
ganhando expressão a autonomia privada, a boa-fé objetiva, a função social do
contrato e a justiça contratual16.
Denota-se uma superação do princípio da autonomia da vontade em prol das
necessidades sociais, da justiça material, da valorização do ser humano, que ganha
o centro do ordenamento jurídico constitucional brasileiro, e por isso passa-se a
tratar de uma autonomia privada. Assim, a função social passa a ser requisito tanto
para a propriedade quanto para os contratos, não bastando a promoção da vontade
individual e da circulação de riquezas. Impinge-se uma releitura diante do paradigma
do Estado Democrático de Direito:
Emprestar ao Direito uma função social significa, portanto, considerar que os interesses da sociedade se sobrepõem aos interesses do indivíduo, sem que isso implique, necessariamente, a anulação da pessoa humana, justificando-se a ação do Estado pela necessidade de se acabar com as injustiças sociais. A expressão “função social” é, por isso mesmo, um princípio geral, uma diretiva mais ou menos flexível, uma indicação programática que não colide e nem torna ineficazes os direitos subjetivos, orientando-lhes o respectivo exercício na direção mais consentânea com o bem comum e a justiça social. (AMARAL NETO, 1999)
O ordenamento jurídico sob a perspectiva teleológica do Estado Democrático
de Direito passa a ter como cerne o valor da pessoa, e por isso o destaque, até
mesmo na seara civilista, de princípios, além da autonomia privada e da boa-fé, da
função social e da justiça contratual. Essa ressignificação dos institutos diante do
paradigma em questão perpassa todas as searas, e não pode ser enfraquecida na
interpretação justrabalhista, ou seja, a unidade axiológica do sistema jurídico deve
ser vislumbrada para que os princípios constitucionais democráticos sejam
efetivados. Não é possível, portanto, um discurso unitário sobre a autonomia privada: a unidade axiológica, porque unitário é o ordenamento centrado no valor da pessoa, mas é justamente essa conformação do ordenamento que impõe um tratamento diversificado para atos e atividades que em modo diferenciado tocam esse valor e regulamentam situações ora existenciais, ora patrimoniais, ora umas e outras juntas (PERLINGIERI, 2002, p. 276)
16 “A justiça contratual consiste, pois, numa justa distribuição de ônus e riscos entre as partes do contrato, exercendo além da função de controle da equivalência das prestações (ou seja, que a contraprestação), outra integrativa das questões que as partes deixaram de regulamentar no contrato, bem como, ainda, uma função de interpretação das normas contratuais em busca do bem comum e da igualdade material.” (SETTE, 2003, p.147)
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Ressalta-se, entretanto, que apesar da denotada preocupação com o
interesse coletivo presente na autonomia privada, ela não se constitui absoluta,
persistindo os traços de liberdade que demarcam a seara civilista, especialmente no
momento, como ressalta Taisa Maria Macena de Lima, em que “a intromissão do
Estado cede lugar à liberdade do ser humano para decidir o seu destino, com toda a
responsabilidade que ela traz” (LIMA, 2003, p. 248). Há que se conciliar a autonomia
privada com os outros valores do Estado Democrático de Direito, tais como a
igualdade, a solidariedade, a segurança e a democracia.
Há, pois, uma reestruturação da principiologia contratual decorrente da
aplicação das normas de ordem pública na esfera privada, decorrência da
despatrimonialização que se sucede até mesmo no Direito Civil para aplicação dos
preceitos constitucionais democráticos. Valores consagrados na Constituição
Brasileira de 1988 trazem um solidarismo social, alusivos à igualdade substancial,
justiça contratual, boa-fé e supremacia do interesse público e social sobre o
particular.
Assim sendo, os contratos assumem grande importância como meio de
promoção do bem comum, do progresso econômico e do bem-estar social, um
equilíbrio buscado para implemento dos valores do Estado Democrático de Direito.
Com um viés de promoção e proteção do ser humano e de sua dignidade, o contrato
supera a mera intenção de enriquecimento das partes contratantes, com exigências
de equilíbrio dos direitos e dos deveres e também de correção de desequilíbrios
existentes nas etapas contratuais. A necessidade de atendimento da função social,
com o asseguramento da realização de valores fundamentais constituem critério
limitativo da liberdade de iniciativa econômica, atenuando o caráter individualista e
trazendo uma visão de solidariedade social, numa relação de equivalência, no
sentido de obstar o mais fraco a ser obrigado a aceitar o que é imposto pelo mais
forte, e, para isso, reconhecendo inclusive os que figuram como vulneráveis nas
relações e tratativas contratuais.
A vulnerabilidade encontra ressonância em setores especializados, tais como
os idosos, deficientes, crianças e adolescentes, que demandam não só legislação,
mas tratamento específico e protecionista devido à sua condição ou situação em que
se encontram, assim como também ocorre com os consumidores, que, por se
encontrarem numa relação de desigualdade de forças com a outra parte, na relação
de consumo, demanda proteção jurídica para que seja efetivada a igualdade:
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Logo se conclui que o princípio da vulnerabilidade está diretamente relacionado com um outro princípio, que lhe é pressuposto, qual seja, o da igualdade. Aquele que é vulnerável, necessariamente se encontra numa relação desigual. Pode-se afirmar, portanto que o princípio da vulnerabilidade é subprincípio, derivado do princípio constitucional da igualdade, expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal. (CARPENA, 2004, p. 35)
Para atendimento da igualdade na esfera consumerista, portanto, denota-se
que a construção teórica se baseou na vulnerabilidade da parte consumidora frente
ao fornecedor, advindo de uma vulnerabilidade econômica e perpassando por uma
vulnerabilidade jurídica, por haver incapacidade de diálogo com o fornecedor acerca
das condições gerais propostas e por não ter acesso e controle das informações e
limites negociais.
O consumidor, contratante que se encontra em situação de vulnerabilidade
diante da outra parte, para que se sustente nas relações de direito privado, deve ter
assegurado, pela lei, as condições jurídicas necessárias para entabular
entendimentos com o mais forte, ou seja, o tratamento igualitário advém não por se
ignorar a diferença, mas pelo oferecimento de oportunidades.
Em outras palavras, tratar igualmente as pessoas não significa, mais, ignorar as diferenças, porque isso acarreta a prevalência dos interesses dos economicamente mais fortes. O tratamento isonômico das pessoas privadas consiste, na atualidade, na outorga de privilégios e no reconhecimento de preferências aos economicamente mais fracos, com vistas a dotá-los de meios indispensáveis para a negociação em condições equitativas. (COELHO, 2014, p. 222)
“Diante desse quadro, procura a legislação consumerista conceder aos
consumidores direitos que nivelem, pelo menos sob o ponto de vista jurídico, os
personagens da relação de consumo” (COELHO, 2014, p. 223). Busca-se, com a
proteção legal, um equilíbrio contratual manifestado através da invalidação de
cláusulas abusivas, incompatíveis com a boa-fé, com a equidade ou
exageradamente desvantajosa para os consumidores.
O artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) elenca hipóteses em
que pode haver nulidade de pleno direito, e outras que não são absolutas, tais como
as constantes nos incisos IV, IX, X, XI, XII e XIII do mesmo artigo, que podem figurar
como objeto de modificação judicial, para que sejam compatibilizadas com a regra
da equidade, com possibilidade de idênticas condições oferecidas para as partes, ou
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seja, pode o consumidor pleitear, com vistas nesse artigo, o direito de modificar
cláusulas desproporcionais.
Ressalta-se que a autonomia privada das partes, até mesmo no Direito do
Consumidor, depara com limites legais que, segundo Cláudia Lima Marques, advém
da movimentação para atendimento também da função social do contrato, que faz
com que haja a feitura de normas cogentes, que delineiem os limites.
Segundo a nova visão do direito, o contrato não pode mais ser considerado somente como um campo livre e exclusivo para a vontade criadora dos indivíduos. Hoje, a função social do contrato, como instrumento basilar para o movimento das riquezas e para a realização dos legítimos interesses dos indivíduos, exige que o contrato siga um regramento legal rigoroso. A nova teoria contratual fornecerá o embasamento teórico para a edição de normas cogentes, que traçarão o novo conceito e os novos limites da autonomia da vontade, com o fim de assegurar que o contrato cumpra a sua nova função social. (MARQUES, 2002, p. 222)
Nesse sentido, a proteção da parte mais fraca nos contratos consumeristas,
como implemento dos preceitos do Estado Democrático de Direito, foi criada para
atendimento de uma função social do contrato e da justiça contratual, com previsão
legal que atenda tal intuito, num viés de intervencionismo no direito material para
equiparação das oportunidades de discussão.
Além das relações consumeristas, diante da consideração de uma das partes
como mais vulnerável, devem ser analisadas também as situações para aplicação
de revisão dos contratos, bem como verificação da boa-fé e da supremacia da
ordem pública, com o intuito de confirmação de não prejuízo para a parte mais fraca.
Enquanto numa situação de igualdade, fortalece-se a autonomia das partes, que são
vinculadas pelo princípio do pacta sunt servanda à autossuficiência dos contraentes,
que terão suas vontades respeitadas, princípio advindo desde o direito romano, no
qual as pessoas são livres para contratar com quem quiserem, se quiserem e sobre
o que quiserem. Positivado no art. 421 e principalmente 425, ambos do Código Civil
brasileiro, publicado em 11 de janeiro de 2002, atingiu o auge na Revolução
Francesa, por estar em consonância com seus ideais, especialmente a liberdade,
mas deparou-se com limites a partir do entendimento da necessidade de observação
de valores constitucionais democráticos, que prezam a valorização humana e
requerem o atendimento à função social.
Assim, este princípio, apesar de existente, encontra limitações na aplicação
do Direito, não sendo, pois, absoluto nem mesmo nas questões de Direito Civil. A
71
ascenção do direito social e a limitação do individualismo que permeou o liberalismo,
fez com que a preocupação com o entorno, com o social, influenciasse os diversos
ramos, como ressaltou Gustav Radbruch: “já na era liberal do Direito foi sendo
compreendido de forma gradual, que nem todos os homens se reconhecem com
aquela imagem fictícia do individualismo”. (RADBRUCH, 1993, p. 161)17
Os ideais sociais foram se expandindo e permeando as instituições jurídicas,
colocando um viés de limites à exploração e intervenção em prol da igualdade
efetiva das partes, ainda que de maneira tímida, nos diversos ramos do Direito.
Neste sentido, conclui-se que a liberdade de contratação depara com limites
no momento em que há uma parte mais fraca na relação contratual, conforme
anteriormente enunciado, e especialmente quando há ausência de plena
consciência entre os contratantes, a autonomia privada encontra limitações, em prol
do atendimento da função social, da justiça contratual, e, da mesma forma quando
fere a ordem pública, a boa-fé objetiva e os bons costumes, ou quando uma das
partes impõe sua vontade arbitrariamente (art. 122, Código Civil brasileiro18).
Segundo o artigo 171, II do Código Civil brasileiro19, de 2002, são anuláveis os
contratos eivados de erros, dolo e outros defeitos.
Fábio Ulhoa Coelho demonstra uma evolução no tratamento dispensado aos
contratos, com três modelos distintos, diferenciados pelo aumento da intervenção
estatal na esfera privada:
Podem-se divisar, na evolução do tratamento que o direito dispensa aos acordos entre os agentes econômicos, três modelos fundamentais. O primeiro, em que prevalece sempre a vontade das partes, e a interferência do aparato estatal limita-se, basicamente, a garantir tal prevalência (modelo liberal); o segundo, em que a interferência do aparato estatal substitui, em determinadas situações, a vontade manifestada pelas partes por regras de direito positivo (modelo neoliberal); e, por fim, o terceiro, em gestação, em que se distingue o acordo feito por agentes econômicos iguais do contrato entre desiguais, com o intuito de prestigiar a vontade das partes naquele e tutelar o economicamente mais fraco neste (modelo reliberalizante). (COELHO, 2014, p. 23)
17 Ya en la época liberal del Derecho fue comprendiéndose, poco a poco, que no todos los hombres se ajustan a aquella imagen ficticia del individualismo. 18 Art. 122, Código Civil/2002. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. 19 Art. 171, Código Civil/2002. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
72
A perspectiva histórica influenciou diretamente na evolução desses modelos,
com um viés de nuance protecionista, reflexo do fortalecimento trabalhista, da luta
de classes, os recuos e avanços do Estado, especialmente no século XX.
A liberdade de contratação depara-se com limitações inclusive em caso de
vícios do consentimento, que podem propiciar invalidação, ineficácia ou
desfazimento do vínculo, especialmente quando o sujeito não se encontrava em
condições de manifestar a sua vontade.
A teoria dos vícios do consentimento reputa não constituída a obrigação nas hipóteses de erro, dolo ou coação, porque fatores exógenos à vontade do sujeito deturpam-na quando de sua manifestação num ato jurídico. A emissão da vontade, nesse caso, é defeituosa. A única limitação à vontade das partes é a ordem pública, concretizada nos ditames da lei. Pela teoria dos vícios sociais, a fraude ou a simulação podem comprometer a validade do ato jurídico, não porque a vontade do sujeito é deturpada, mas pela inadequação entre ela e o ordenamento jurídico. A vontade também é considerada defeituosa quando manifestada com o intuito de prejudicar legítimo interesse de terceiros. (COELHO, 2014, p. 26)
Denota-se, assim, que, no caso da autonomia privada, no ramo do Direito
Civil, a intervenção estatal ocorre quando há ofensa à ordem pública, o que se torna
inaceitável diante dos preceitos constitucionais e legais, ou quando a parte não está
no seu juízo, com a vontade distorcida ou com a vontade deturpada pelos vícios do
consentimento; é possível, também, uma intervenção com viés protecionista para
evitar o prejuízo à parte. Ressalta-se que abrange o direito material, importando em
conteúdo probatório na seara processual.
Fábio Ulhoa Coelho faz o contraponto da autonomia privada na esfera do
direito do trabalho, partindo da premissa que, na formação do contrato de trabalho,
na metade e no final do século XIX, dadas as limitações de vagas em oferta, e a
disparidade entre o empregado e o empregador, fazia com que a liberdade de
contratação fosse inexistente:
O operário, quando buscava o emprego, não era livre para contratar. Vender a força de trabalho ao industrial era, na verdade, condição de sobrevivência, uma vez que a vida não lhe dava nenhuma outra alternativa. Sua liberdade de escolher o patrão era também muito relativa, porque limitada às vagas em oferta e a fatores como localização da indústria, especialidade das funções disponíveis e outros que o operário não pode manipular ou controlar. Finalmente, não havia nenhuma margem para negociação dos direitos e deveres das partes. Premido pela impostergável necessidade de sobreviver, o operário tinha de aceitar as condições impostas pelo patrão, por mais aviltantes que fossem (aliás, o operariado somente passa a conquistar alguns poucos direitos na relação de trabalho
73
após muita luta e organização, já no século XX). Em suma, no contrato de trabalho, o princípio da autonomia da vontade é inteiramente inoperante: o empregado não contrata porque quer, com quem quer e do modo que quer; isso simplesmente não existe. (COELHO, 2014, p. 27)
Nesse contexto erige, a partir dos contratos de trabalho, a proteção material,
com a previsibilidade de diferenciação das partes no momento da contratação, com
a intervenção estatal para resguardar a igualdade inexistente, a priori.
Esta influência de busca de equiparação das partes – tentativa de igualá-los
pela legislação – irradiou sobre o Direito Civil ocasionando diferença no grau de
reconhecimento da autonomia privada, sendo vedado, em algumas modalidades, a
negociação entre as partes, com natureza cogente da norma legal.
No Brasil, a Lei n. 4.886, de 1965, no art. 32, parágrafo 7º, que trata da
representação comercial, proibiu alterações contratuais que importem em redução
da remuneração do representante, considerada para efeitos de cálculos a média do
último semestre de vigência do contrato. Fábio Ulhoa Coelho esclarece:
Se representado e representante assinam instrumento de alteração do contrato, reduzindo o percentual da comissão, o ato é nulo. Mesmo tendo expressado por escrito sua concordância com a diminuição, o representante pode reclamar em juízo a diferença, fundado na proibição da lei. (COELHO, 2014, p. 31)
Enfim, denota-se que a diferenciação das forças das partes cresceu com o
ideal de atendimento às desigualdades, abrangendo outros ramos, e norteando,
além do direito do consumidor, o próprio direito civil, que avança na
despatrimonialização e da valorização do interesse coletivo, sobrepondo o
individualismo e atendendo preceitos constitucionais democráticos próprios do
Estado Democrático de Direito.
No mesmo sentido, há uma forma de proteção também no Direito Penal, que
se expande e irradia na seara processual penal, no que tange à tentativa de igualar
as partes. Diante do processo penal, o réu, assim como o Estado, tem direitos e
ônus, mas o Código de Processo Penal tenta garantir a oportunidade de defesa e
contraditório do réu, não permitindo que faça sua própria defesa, a não ser que
tenha a devida habilitação técnica, mas pretende garantir a proteção do mesmo com
o devido processo legal. O réu detém, entretanto, direitos que lhes são peculiares,
desigualando para equilibrar, tais como protesto por novo júri, pedido de revisão
74
criminal em caso de condenação, proibição da reforma da sentença em seu prejuízo,
além do favorecimento da liberdade em caso de dúvida:
No processo, as partes, embora figurem em polos opostos, situam-se no mesmo plano, com iguais direitos, ônus, obrigações e faculdades. É uma consequência do princípio do contraditório. E o legislador procurou manter esse equilíbrio diante do Juiz. Note-se, por exemplo, que o réu não pode defender-se a si mesmo, salvo se tiver habilitação técnica. É como soa o art. 263 do CPP. Se fosse possível, o princípio da igualdade ficaria desequilibrado. Se há essa igualdade, por que apenas o réu pode protestar por novo Júri? Por que somente ele pode opor embargos infringentes ou de nulidade? Por que a revisão criminal só pode ser postulada em face de uma sentença condenatória? Por que o princípio proibitivo da reformatio in pejus? É que nesses casos há o princípio do favor rei ou favor libertatis, princípio eminentemente ético, para, de certa forma, contrabalançar a posição da parte que acusa. Na verdade, se o réu é a pessoa que suporta uma “limitação na própria esfera de liberdade jurídica”, ficando, assim, numa situação de desvantagem perante o titular do jus persequendi, deve ser favorecido pelo Direito. (TOURINHO FILHO, 2004, p. 41)
Verifica-se, assim, que há o reconhecimento dentro dos limites legais e
constitucionais da desigualdade, com aparato para oferecimento de oportunidades,
sendo que “no conflito entre o jus puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis
do réu, por outro, a balança deve inclinar-se em favor deste último se se quer assistir
ao triunfo da liberdade” (TOURINHO FILHO, 2004, p. 42).
Já no Direito Tributário adota-se procedimento semelhante com a aplicação
do princípio da capacidade contributiva, que reconhece a diferença das partes, com
o intuito de desigualar os desiguais para atender à pretensa igualdade jurídica. Ou
seja, o critério que mensura a igualdade ou a desigualdade, nesse ramo, é a
capacidade econômica do contribuinte. O atenuamento e o restabelecimento do
equilíbrio social advém da observância das desigualdades econômicas, com a
progressividade dos tributos no intuito de igualar as condições díspares. Pretende-
se, com a diferenciação, um desenvolvimento nacional em conformidade com os
objetivos constitucionais brasileiros.
O princípio da capacidade contributiva, expresso na primeira parte do
parágrafo 1º do art. 145 da CF/88, resguarda que “sempre que possível, os impostos
terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte” (BRASIL, 1988), emergindo daí a correlação entre impostos e a
capacidade individualizada.
75
O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pagie, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. (CARRAZA, 2009, p. 94)
O legislador atentou, portanto, para as desigualdades próprias das diferentes
categorias de contribuintes, refletindo inclusive no procedimento confiscatório, ou
seja, “o princípio da não-confiscatoriedade limita o direito que as pessoas políticas
têm de expropriar bens privados” (CARRAZA, 2009, p. 108). Os impostos não
devem recair sobre as fontes produtoras de riqueza dos contribuintes, os meros
sinais exteriores, sem que tenha aumentado a aptidão econômica.
Diante de lei que desatenda, nesse sentido, a ordem constitucional que traz
esta previsão de igualdade mediante a capacidade contributiva, com a não-
confiscatoriedade, o juiz pode, mediante análise, entender pela inaplicabilidade por
inconstitucionalidade:
A análise, porém, de cada caso concreto, tendo em conta os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana, tem força bastante para revelar se atingiu as raias do confisco, hipótese em que o Poder Judiciário, se devidamente provocado, declarará inconstitucional a lei irrazoável que criou o caso. (CARRAZA, 2009, p. 110)
Enfim, desvenda-se que a igualdade é perseguida nas diversas searas
jurídicas, através do reconhecimento de desigualdade, com a finalidade de proteção
da parte mais fraca e, a partir daí, mediante aplicação de principiologia desenvolvida
em consonância com as normas constitucionais, superando a diferenciação,
buscam-se meios que permitam que as partes alcancem uma igualdade, além da
formal, mas com as mesmas oportunidades para que, além do direito material,
possam também debater na esfera processual.
A proteção perpassa, assim, diversos ramos jurídicos, sendo peculiar por
reger a própria interpretação do Direito do Trabalho, mas não é excluvidade desse
ramo, e, inclusive, na seara civilista demonstra avanço considerável para
atendimento e consonância com os preceitos do Estado Democrático de Direito,
tendo sido feita uma releitura da própria teoria contratual e inserção de princípios
como a função social e a justiça contratual.
76
Constata-se, assim, que existe, de forma diferenciada, com intensidade
distinta, atendendo às especificidades próprias de cada um, figura em prol do
reconhecimento e da afirmação da pessoa como cerne do sistema normativo, com
vistas ao atendimento da igualdade jurídica, com permissivos legais e resquício de
um Estado de bem-estar social.
O status normativo do princípio da proteção, nos mais diversos ramos do
Direito, decorre do interesse do legislador em corrigir desigualdades factualmente
existentes no âmbito social, ou seja, a norma jurídica é vista com a finalidade de
corrigir essa desigualdade originária na estrutura da sociedade, conferindo aos
sujeitos iguais oportunidades de exercício de direitos e reconhecimento da
titularidade de bens jurídicos.
Vislumbra-se, daí, que o Direito é único, pois apesar das semelhanças e
permeabilidade de princípios nas diversas áreas, há uma unidade do sistema,
compatível com a autonomia de cada ramo, mas com vistas às peculiaridades dos
ramos jurídicos, e todos consonantes com os princípios constitucionais, norteadores,
que referendam a igualdade como propósito.
2.3 O papel do Estado na proteção dos direitos dos trabalhadores
A produção jurídica normativa é indissociável do contexto socioeconômico e
político. Há correlação lógico sistêmica entre o conteúdo das normas elaboradas e
os fins almejados, bem como os acontecimentos históricos, os cenários econômicos
e sociais delineiam a formação e a própria interpretação dessas normas, numa
relação simbiótica, ao mesmo tempo em que o panorama favorece a criação
normativa é também influenciado e modificado diante do conteúdo que foi elaborado,
podendo conduzir a grandes movimentos, acontecimentos econômicos e sociais.
Nesse processo dialético de confluência de interesses e formação de normas
decorrentes de condições políticas, sociais e econômicas, vislumbra-se a
diferenciação na intensidade da intervenção do Estado nas relações individuais e
laborais, assim como na própria formação dos paradigmas de direito, que delineiam,
na visão de Habermas, “um modelo de sociedade contemporânea para explicar
como direitos e princípios constitucionais devem ser concebidos e implementados
para que cumpram naquele dado contexto as funções normativamente a eles
atribuídas” (HABERMAS, 1997, p. 194). Ou seja, conjugando a importância dos
77
paradigmas trazidos por Kuhn, com viés de padronização científica, com soluções
modelares, torna-se possível interpretá-los nas ciências jurídicas como espectros a
partir dos quais são embasadas as interpretações jurídicas, tratando-se dos
paradigmas do Estado Liberal, do Estado Social e do Estado Democrático de Direito.
Em cada um diferencia-se, portanto, a maneira de vislumbrar o direito e o trabalho,
bem como não são coincidentes os valores defendidos e a gradação da intervenção
pelo próprio Estado.
O Estado absolutista nos séculos XVII e XVIII fez emergir na sociedade o
sentimento de busca de liberdade, de não intervenção estatal, na busca pelo fim de
privilégios de classe, e, concomitantemente, a priori a contrassenso, a tentativa, pela
classe burguesa, de uso do direito em prol da manutenção do seu poderio
econômico.
Denota-se que o crescimento do poder econômico da burguesia é um dos
principais fatores que contribuiu para o fortalecimento do ideal de liberdade, já que a
classe burguesa – apesar do poderio econômico que lhes foi trazido – não poderia
participar ativamente da vida política e nem mesmo ascender de classe na
sociedade instaurada na época. Hermética nos privilégios e status social, a
sociedade era segmentada e as regras eram ditadas pelo absolutismo monárquico.
E foi esse contexto que fez então emergir o Estado Liberal: O Estado constitucional, representativo ou de Direito surge como Estado liberal, assente na ideia de liberdade e, em nome dela, empenhado em limitar o poder político tanto internamente (pela sua divisão) como externamente (pela redução ao mínimo de suas funções perante a sociedade). (MIRANDA, 2002, p. 47)
A eclosão de tais ideais pode, sim, ser vislumbrada como a tentativa de
defesa de interesses individuais, tais como a defesa da propriedade e a contenção
do poder e da própria intervenção governamental, e a possibilidade de inserção na
sociedade mesmo para aqueles que não faziam parte das classes ditas como
nobres. Portanto, para que a burguesia pudesse participar da vida social e política,
essa defendia, assim, a igualdade formal.
[...] apesar de concebido em termos racionais e até desejavelmente universais, na sua realização histórica não pode desprender-se de certa situação socioeconómica e sociopolítica. Exibe-se também como Estado burguês, imbricado ou identificado com os valores e interesses da burguesia, que então conquista, no todo ou em grande parte, o poder político e económico.
78
As transformações registradas não se confinam ao campo da política, não nascem e também não se esgotam todas nesse domínio. As revoluções liberais são ainda de cunho social e, com os velhos governos, derrubam-se os velhos hábitos, atingem-se as classes, os estratos de classes e as respectivas zonas de influência ou de comunicação, há valores que se perdem e outros há que se adquirem. Uma organização do poder arrasta e é arrastada por uma nova organização da sociedade. (MIRANDA, 2002, p. 47)
Para tanto, os direitos fundamentais se resumiam às liberdades e à contenção
do poder, com um possível absenteísmo do Estado como forma de libertação das
classes. Nesse ínterim, o que se pretendia, portanto, era uma obediência à
Constituição e a fidelidade ao seguimento das leis, para não haver intervenção, para
que os indivíduos conhecessem quais eram os limites do Estado, sendo os juízes
meros aplicadores da Lei, apenas pronunciadores, com uma interpretação restritiva
e meramente executória.
Essa ideologia, capitaneada pelas ideias de Adam Smith (1723 – 1790),
Thomas Malthus (1766-1834), David Ricardo (1772-1823), Jeremy Bentham (1748-
1832), John Stuart Mill (1806-1873), entre outros, apesar de fortalecida após os
movimentos, já permeava a Revolução Francesa, nos meados de 1789, a
Independência das treze colônias americanas, e grande gama de documentos feitos
à época, como a Declaração do Estado da Virgínia, em 1776, a Constituição dos
Estados Unidos de 1787, e também o Bill of Rights, de 1878, contribuindo na defesa
e na garantia das liberdades individuais frente ao poder estatal e traduzindo a
afirmação de um espaço individual, com a preservação e aprimoramento de cada
um individualmente.
O liberalismo foi ganhando adeptos e novas correntes, e algumas passaram a
conduzi-lo e defende-lo de maneira extremada, enquanto outros formariam nova
versão com viés social.
Já na primeira metade do século XIX esta teorização econômica capitalista clássica evidenciaria importante cisão, dando origem a uma versão mais extremada de pensamento econômico, com rigorosa e insaciável lealdade aos estritos interesses do capital: trata-se da versão ultraliberal de teoria econômica, que desaguaria, no século XX, na escola austríaca, de Frederick Hayek, e na escola de Chicago, de Milton Friedman, “proponentes de um conservadorismo extremo e defensores rígidos e intransigentes do capitalismo laissez-faire”. (DELGADO, 2005, p. 75)
Ainda assim denota-se que o traço forte do período foi a individualidade,
conjugada com o liberalismo sem intervenção estatal, fruto da teorização econômica
79
vigente, que possibilitou a propagação de uma exploração dos trabalhadores pela
classe burguesa, com a busca de uma grande produção para conquista de mercado,
no que exigiam muitas horas de trabalho em busca da exacerbação dos lucros,
colocando crianças e mulheres em jornadas exaustivas, subjugando o proletariado a
condições desumanas, em situações extremadas de desigualdade social,
exploração e acidentes e que fizeram então emergir um novo paradigma. O cenário
construído no Estado Liberal, que se portava como mero espectador, garantindo a
liberdade de ação econômica, permitia a discrepância das condições dos
proprietários das indústrias e do proletariado, enquanto os primeiros acumulavam
riquezas e benefícios, os outros se encontravam em situação de pobreza e falta de
assistência:
No seu inframundo repululava a população operária: era toda uma ralé fatigada, sórdida, andrajosa, esgotada pelo trabalho e pela subalimentação; inteiramente afastada das magistraturas do Estado; vivendo em mansardas escuras, carecida dos recursos mais elementares de higiene individual e coletiva; oprimida pela deficiência dos salários; angustiada pela instabilidade do emprego; atormentada pela insegurança do futuro, próprio e da prole; estropiada pelos acidentes sem reparação; abatida pela miséria sem socorro; torturada na desesperança da invalidez e da velhice sem pão, sem abrigo, sem amparo. Só a caridade privada, o impulso generoso de algumas almas piedosas, sensíveis a essa miséria imensa, ousava atravessar as fronteiras desse inframundo, os círculos tenebrosos deste novo Inferno, para levar, aqui e ali, espaçada e desordenadamente, o lenitivo das esmolas, quero dizer: o socorro aleatório de uma assistência insuficiente. (SUSSEKIND, 2003, p. 35)
O cenário individualista que se configurou no Estado Liberal, a reiteração da
ausência de intervenção estatal sob o pretexto de liberdade, e a almejada igualdade,
que se limitou à formalidade, foi decorrente da confluência de interesses econômicos
e ideais liberais.
Entregue à sua fraqueza, abandonado pelo Estado, que o largava à sua própria sorte, apenas lhe afirmando que era livre, o operário não passava de um simples meio de produção. O trabalhador, na sua dignidade fundamental de pessoa humana, não interessava ou não preocupava os chefes industriais daquele período. Era a duração do trabalho levada além do máximo da resistência normal do indivíduo. Os salários, que não tinham, como hoje, a barreira dos mínimos vitais, baixavam até onde a concorrência do mercado de braços permitia que eles se aviltassem. (SUSSEKIND, 2003, p. 34)
A exigência de liberdade e a busca da igualdade formal, marcos desse
paradigma do Estado Liberal, a pequena ou até nenhuma intervenção estatal, a
80
escassez de leis trabalhistas que colocassem limite à fúria do capital, e a ânsia por
lucros fizeram com que muitos trabalhadores sofressem acidentes e fossem
colocados à margem do consumo. As jornadas exaustivas, a falta de informações e
de instrução, bem como a desqualificação profissional, eram constantes nas
empresas que, sem análise de importância dos trabalhadores como consumidores,
que eram vistos como mão de obra substituível e descartável.
Essas foram consequências do liberalismo e do próprio individualismo que
imperaram no Estado Liberal e que fizeram, então, exsurgir a presença do Estado,
para colocar limite à exploração e à própria condição degradante em que viviam os
trabalhadores. Muitos deles doentes, acidentados, e sem qualquer assistência dos
empregadores ou do Estado, com inclusive risco de contaminação para os demais,
além de ser inócuo o aumento da produção por não terem os trabalhadores como
consumirem, em virtude dos salários baixíssimos, das jornadas exaustivas que
consumiam praticamente todo o seu tempo, ainda com crianças sem estudo por
trocarem as escolas para trabalharem e tentarem ajudar em casa.
Esse individualismo dos séculos XVII e XVIII corporificado no Estado Liberal e a atitude de omissão do Estado diante dos problemas sociais e econômicos conduziu os homens a um capitalismo desumano e escravizados. O século XIX conheceu desajustamentos e misérias sociais que a Revolução Industrial agravou e que o Liberalismo deixou alastrar em proporções crescentes e incontroláveis. Combatida pelo pensamento marxista e pelo extremismo violento fascista, a liberal-democracia viu-se encurralada. O Estado não mais podia continuar se omitindo perante os problemas sociais e econômicos. (MAGALHÃES, 2002, p.44)
Tais condições foram fortes fatores para que, então, eclodissem movimentos
sociais no século XIX e XX, com o questionamento da ideologia que permeava a
sociedade, impregnada pelo liberalismo e pelo individualismo, bem como pela busca
exacerbada do lucro em detrimento das condições a que os trabalhadores eram
submetidos, a “mais valia”.
Esses movimentos sociais se tornaram, assim, reivindicações, e imperou-se a
necessidade de uma prestação positiva do Estado, no intuito de conter as
desigualdades, possibilitar o acesso à educação, à saúde e ao trabalho em
condições melhores. Reconheceu-se, assim, que o direito à vida decorre de uma
construção, e numa concepção ampla, só se alcança tal direito quando, além da vida
em si, acontece o respeito a outros direitos concomitantemente.
81
E essas reivindicações de interpretações amplas e direitos concomitantes se
transformaram em revoluções, como a Revolução Mexicana e a Revolução Russa,
com a pretensão ideológica de uma sociedade igualitária, com o fim dos privilégios
de classe e a desigualdade exacerbada da ordem liberal. Como resposta às
incitações e para contenção das mesmas e da exploração, Constituições
começaram a contar com conteúdo social.
A Constituição de Weimar de 1919 marcou o início do Estado Social alemão, servindo de modelo para diversos outros Estados europeus. A Primeira Guerra Mundial, reflexo de todas as tensões sociais internas causadas pela incontrolável miséria em vários países europeus, foi decisiva para a Revolução Russa em 1917 e, quase um ano depois, para o movimento popular de marinheiros, soldados e operários que proclamou a república na Alemanha. (MAGALHÃES, 2002, p.46)
A profunda crise, consequência do liberalismo na sociedade, especialmente
no âmbito social, colocou o capitalismo como alvo de críticas, e a desigualdade em
níveis extremos poderia representar um impulso para os trabalhadores lutarem pelo
poder para buscarem mudanças de condições de vida, no que urge, assim, a
necessidade de prestação positiva do Estado para manutenção do poder na mão
dos detentores do capital, com criação de normas mínimas de proteção, não só
como reflexo, mas essenciais para a continuidade e persistência do regime
econômico em vigor.
Vislumbra-se ainda que, com interesses secundários e movidos por
finalidades econômicas, nesse momento, se fez um avanço quanto aos direitos, com
o início de um processo de abandono da conduta abstencionista pelo Estado, com a
garantia de direitos sociais mínimos à população, para que conseguissem ao menos
usufruir dos direitos individuais.
A igualdade formal aparece como insuficiente para atender à demanda da
sociedade, e ergue-se então, para seu fortalecimento, a igualdade substancial, que
considera as diferenças de condições sociais, econômicas e até psicológicas entre
as pessoas, e, para que o direito seja usufruído, estas desigualdades são
observadas, caso contrário não representam uma real igualdade.
Substitui-se, assim, o modelo de Constituição defensiva, do Estado Liberal,
para Constituições com direcionamento e transformação social, instrumento de
implementação de políticas públicas e ascensora dos direitos sociais. Conteúdos
materiais são adotados através de princípios, diretrizes e valores, que permitem a
82
interlocução com a sociedade e o reconhecimento das especificidades culturais e
regionais. Direitos sociais passam a integrar o corpo de diversas Constituições,
como a Constituição Mexicana de 1917, a Declaração de Direitos do Povo
Trabalhador e Explorado da Rússia, de 1918, e a Constituição de Weimar, de 1919,
consequência da destruição da Alemanha na Primeira Guerra Mundial.
O auge da crise vem documentado pela Constituição de Weimar. As declarações de direitos, as normas constitucionais ou normas-princípios, não importa o teor organizativo ou restritivo que possam ter, se volvem basicamente para a Sociedade e não para o indivíduo; em outros termos, buscam desesperadamente reconciliar o Estado com a Sociedade, intento cuja consequência imediata estampa o sacrifício das teses individualistas. Logrou-se esse sacrifício numa batalha doutrinaria travada por duas teses constitucionais: uma, a do Estado liberal, em decadência; outra, a do Estado social, em ascensão. (BONAVIDES, 2007, p. 230)
Fruto de necessidade de expansão econômica e gerenciamento de crises
decorrentes do período vivenciado mundialmente, com a economia afetada pela
Grande Depressão e no período entre guerras, com um abalo econômico
internacional, propostas capitalistas intervencionistas surgem na Conferência de
Bretton Woods, com ampliação da proteção social pelos Estados e necessidade de
enfoque voltado para o emprego, a estabilidade e o crescimento, com a
responsabilidade de garantia de um bem-estar econômico aos cidadãos.
Ressalta-se que as crises são essenciais na ordem econômica,
especialmente no capitalismo, pois urgem pela reflexão e pela mudança de rumos, e
foi este o passo na Conferência supramencionada, fazendo com que fosse
modificado o papel desempenhado pelo Estado – com atuação positiva em prol do
pleno emprego e desenvolvimento nacional.
Neste sentido, na interlocução entre a concessão de direitos, o
intervencionismo estatal em prol do social, e a manutenção do sistema capitalista, o
Estado assumiu o papel de incentivador e garantidor de direitos sociais, inseridos
nas Constituições e nas políticas públicas.
A inserção de normas de natureza social em Constituições se justificou,
portanto, não porque a concretização de seus preceitos dependia meramente do
cumprimento de obrigações na esfera individual, mas da conjugação de diversos
fatores socioeconômicos de todo um corpo social, demonstrando-se, assim, a
interligação do Direito do trabalho como instrumento do capitalismo.
83
O Direito do Trabalho é produto do capitalismo, atado à evolução histórica desse sistema, retificando lhe distorções econômico-sociais e civilizando a importante relação de poder que sua dinâmica econômica cria no âmbito da sociedade civil, em especial no estabelecimento e na empresa. (DELGADO, 2016, p. 87)
Nesse contexto, o próprio Estado passou a atuar não como mero ente
coercitivo da ordem jurídica, mas como estimulador, financiador e promotor dos
direitos constitucionalmente assegurados. A fixação na Constituição de interesses
sociais representou, por assim dizer, um compromisso do Estado e da sociedade
com o implemento e satisfação de tais interesses, sendo o Estado até mesmo um
sujeito passivo obrigado a efetivá-los. Juridicamente, o Estado deixou de ser um
mero legitimador dos interesses dos dominantes e transfigurou-se em autêntico
Estado social (pelo menos do prisma do direito) (MAIOR, 2007, p.22).
Numa relação simbiótica, o Estado passou a promover direitos sociais à
sociedade, especialmente no caso em tela, direitos trabalhistas, como forma de
dominação da população, que seria dizimada com a exacerbada diferença social
que regia no paradigma precedente, e como forma de possibilitar a manutenção da
classe empregadora, interessante para a produção de trabalhadores e mercado de
consumo.
[...] o Direito do Trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia. (DELGADO, 2016, p. 87)
Caracterizado como interventor na ordem econômica, principalmente para
salvaguardar as questões sociais, exsurge um Estado Social que amplia o catálogo
de direitos fundamentais acrescentando direitos sociais relativos ao trabalho, à
saúde, à educação, à previdência, e também direitos econômicos, para que haja um
equilíbrio da economia com os interesses sociais.
Constituiu-se, assim, um Estado com viés social, com Constituições que
versavam sobre os direitos sociais, mas diferencia-se, entretanto, do Socialismo,
cujas propostas de Marx tinham como finalidade, através da Revolução, com a
ascensão dos trabalhadores ao poder, a obtenção do controle e a abolição dos
meios de produção, assim como da propriedade privada, com o coletivo
prevalecendo sobre o individual. Ressalta-se que, no Estado Social, os direitos
84
sociais são incorporados, e as liberdades não são extraídas, permanecem os
direitos e garantias individuais, sem excluir, portanto, a iniciativa privada e o
mercado.
Para conciliar esses interesses econômicos e sociais, que, após a crise de
1929 que se espalhou pelo Ocidente e urgiu por novas medidas, “estruturou-se a
hegemonia cultural de nova vertente explicativa do funcionamento capitalista,
consubstanciada na escola neoclássica intervencionista ou reformista” (DELGADO,
2005, p. 77), exsurge a contribuição da teoria keynesiana, elaborada pelo
economista John Maynard Keynes, que expandia o intervencionismo não para
controle dos meios de produção pelo Estado, mas como uma forma de intervenção
para a garantia do pleno emprego, prestando-se como uma base do Estado Social.
Embora essa teoria indique ser de importância vital o estabelecimento de certos controles sobre atividades que hoje são confiadas, em sua maioria, à iniciativa privada, há muitas outras áreas que permanecem sem interferência. O Estado deverá exercer uma influência orientadora sobre a propensão a consumir, em parte através de seu sistema de tributação, em parte por meio da fixação da taxa de juros e, em parte, talvez, recorrendo a outras medidas. Por outro lado, parece improvável que a influência da política bancária sobre a taxa de juros seja suficiente por si mesma para determinar um volume de investimento ótimo. Eu entendo, portanto, que socialização algo ampla dos investimentos será o único meio para assegurar uma situação aproximada do pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas de toda a espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada. Mas, fora disso, não se vê razão evidente que justifique um Socialismo do Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da nação. Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. Se o Estado for capaz de determinar o montante agregado dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa básica da remuneração aos seus detentores, terá realizado o que lhe compete. (KEYNES, 1988, p. 248)
A ordem econômica sob o olhar de Keynes traz uma intervenção em prol do
social, através de um sistema de tributação, com interferência na taxa de juros e nas
políticas bancárias. O Estado busca o pleno emprego, sem a propriedade dos meios
de produção e socialização dos mesmos, com o próprio incentivo da iniciativa
privada para a melhoria, e considerando o consumo a principal força motriz do
sistema capitalista, com condições melhores de qualidade de vida e saúde para o
trabalhador, e remuneração adequada, o que possibilita a inserção do trabalhador
no mercado consumidor, configurando o ciclo virtuoso do Direito do Trabalho.
O Estado, nesta perspectiva, desempenha também funções de movimentação
e incremento da empregabilidade, voltado a políticas públicas de estabilização
85
macroeconômica, com o intuito de buscar o equilíbrio, a estabilidade e o crescimento
econômico. A participação dos trabalhadores no mercado seria recompensada com
a divisão dos ganhos de produtividade, de maneira que as classes, a princípio
opostas, empregados e empregadores, caminhariam juntos no sentido de serem
ambos beneficiados com as benesses da produtividade.
Noutras palavras, uma política pública intervencionista, apta a garantir o equilíbrio, a estabilidade e o crescimento econômico, assegurando o ganho empresarial em face da combinação de fatores como a ampliação permanente do mercado, a renovação tecnológica e o financiamento a custo razoável, tudo permitindo a contrapartida empresarial e de todo o conjunto do sistema no sentido de assegurar a participação consistente dos trabalhadores nos benefícios conquistados pelo sistema econômico. Um círculo virtuoso, portanto, de crescimento e distribuição de renda à base do emprego e da correspondente retribuição material e cultural assegurada a este. (DELGADO, 2005, p. 79)
Esse modelo intervencionista propiciou, onde foi instaurado, a vivência de
anos de abundância, melhoria das condições de trabalho, aumento do número de
empregados e inserção dos trabalhadores no mercado consumidor e no quadro
social. “Keynes se preocupava com a clara suposição de o sistema capitalista ser
incapaz de gerar demanda apta a promover empregos para parcela expressiva dos
trabalhadores” (TEODORO, 2011, p. 56), e, para isso, o próprio Estado
desempenhava o papel de assunção da responsabilidade de geração de emprego,
da movimentação econômica para fazer girar o ciclo supramencionado, conhecido
como virtuoso.
Apesar das limitações que podem ser carreadas na aplicação exacerbada do
ciclo virtuoso, o incremento do emprego e, a longo prazo, das melhorias nas
condições de trabalho, consequência do próprio aumento do número de vagas com
o aumento da produção, proporciona o desenvolvimento de um capitalismo social
que, ao menos, não afronte diretamente a dignidade humana. Keynes inclusive
abordou a possibilidade de oscilações no decorrer da aplicação de sua teoria, ao
afirmar que “as flutuações podem começar de repente, mas parecem atenuar-se
antes de chegar a extremos, e o nosso destino é a situação intermediária, não
propriamente desesperada e tampouco satisfatória” (KEYNES, 1983, p. 173), mas,
apesar das dificuldades, sua aplicabilidade ainda parece estar mais próxima de um
ponto de equilíbrio, o respeito aos direitos trabalhistas e a busca do pleno emprego,
86
o que permite a inserção e a possibilidade de consumo do trabalhador para a
manutenção do sistema para o qual o direito do trabalho, inicialmente, foi criado.
Ressalte-se que a teoria de Keynes, dentro da sistemática capitalista, ainda
proporciona a busca de uma dignidade humana, sem adentrar, nesse momento, nas
outras vertentes, de tamanha relevância, que questionam o regime do capital,
superando-o por alternativas que em muito ganhariam o empregado, em condições
de trabalho, em poder e altruísmo, como a vertente teórica capitaneada por Marx e
Engels, mas diante da qual o Direito do Trabalho é inteiramente modificado por não
mais representar um contraponto entre as partes do contrato de trabalho.
Entretanto, à luz da crítica é possível vislumbrar que as concessões de
direitos, àquela época, tinham como pano de fundo a resistência ao socialismo, para
que não fossem os indivíduos acometidos pelas benesses de uma revolução em prol
da sociedade, mas se mantivessem no regime capitalista. Ou seja, se baseia na
ideia de conciliação social e adequação ao modelo econômico.
Fato é que, para permanência e subsistência da ordem do capital, a
resistência às propostas de um novo paradigma, fundado no Estado Social, foram
retraídas, com rumos mais intervencionistas pelo Estado e com um viés mais social.
Verifica-se, pois, que a questão social assumiu uma nova feição, atingindo até
mesmo os Estados Unidos, com o New Deal, porém sob um olhar criterioso, pode
ser ali vislumbrado o sustentáculo do capitalismo, com a concessão de direitos que
possibilitariam ao empregado trabalhar por mais tempo, se qualificar na educação
para, inclusive, poder produzir mais e melhor, além de poder consumir com o que
lhe seria pago a título de remuneração. Mas, além dessa face perversa dos direitos
sociais, há de considerar o avanço que esses promoveram para o indivíduo, para o
trabalhador.
Não há uma justificativa geral aplicável a todos os Estados que passaram por esse processo, mas, em geral, a mudança de comportamento do Estado perante as questões sociais e econômicas teve em menor ou maior grau, como motivação, a pressão dos trabalhadores e dos movimentos sociais e das internacionais socialistas; a pressão dos liberais pela necessidade de se preservar a concorrência comprometida pela concentração econômica; a grave crise social, e a ameaça socialista, vindo, de certa forma, o intervencionismo estatal evitar a continuidade do processo de concentração, mas, ao mesmo tempo, preservar o modelo de repartição econômica de riquezas e, portanto, privilégios econômicos, construídos durante o século XIX. (MAGALHÃES, 2002, p. 65)
87
Fundados na busca de uma igualdade mais efetiva, e não meramente formal
e resumida à prática de atos civis, os direitos foram agregados, repensados à luz da
vertente social.
Dessa forma, alega-se a presença de liberdade no Estado Social, não
meramente a liberdade de fato ou a liberdade jurídica, mas para o exercício dos
direitos, para a correção das desigualdades para que, assim, permita a sustentação
da defesa e da promoção dos próprios direitos, reconhecendo a limitação dos
grupos e exsurgindo, pois, a necessidade de proteção para o efetivo exercício da
liberdade.
Nos direitos de liberdade parte-se da ideia de que as pessoas, só por o serem, ou por terem certas qualidades ou por estarem em certas situações ou inseridas em certos grupos ou formações sociais, exigem respeito e protecção por parte do Estado e dos demais poderes. Nos direitos sociais, parte-se da verificação da existência de desigualdades e de situações de necessidade – umas derivadas das condições físicas e mentais das próprias pessoas, outras derivadas de condicionalismos exógenos (económicos, sociais, geográficos, etc.) – e da vontade de as vencer para estabelecer uma relação solidária entre todos os membros da mesma comunidade política. (MIRANDA, 2011, p. 3)
Constata-se, pois, a concomitância de direitos, tornando tal conteúdo
irredutível, com a limitação jurídica do poder, os direitos, as liberdades e as
garantias, que tangem a esfera de autodeterminação do indivíduo, e os direitos
sociais, nos quais figuram a proteção e a confluência para o desenvolvimento das
potencialidades e a promoção de direitos para que a efetiva liberdade possa fluir.
Direitos como segurança social, assistência à saúde, educação, políticas de
pleno emprego e garantia do mínimo existencial são alguns que devem estar
presentes no Estado Social com a prestação positiva do Estado.
Ressaem os direitos sociais como um novo paradigma, uma nova vertente de
direitos, que agregam em prol do indivíduo como componente central do
ordenamento e do próprio Direito, e permeiam e influenciam todo o sistema jurídico,
como expõe Gustav Radbruch: “A ideia do Direito social não é simplesmente a ideia
de um direito especial destinado às classes mais baixas da sociedade, mas envolve
88
um escopo muito mais amplo. Trata-se realmente de uma nova forma estilística do
Direito em geral” (RADBRUCH, 1993, p. 157, tradução nossa)20.
Vislumbrado na Europa, principalmente de 1945 à década de 1980, os direitos
sociais se adaptaram aos fatores variáveis de cada Estado, com configurações
diversas, e também fora desse continente demonstrou-se o seu fortalecimento,
ainda que timidamente em relação ao modelo europeu (MIRANDA, 2011).
Fora da Europa, entre os países anglo-saxónicos ou de influência anglo-saxónica, muito nítido é o contraste entre os Estados Unidos (onde só muito recentemente se tenta estabelecer um sistema de saúde universal), de uma parte, e a Austrália e a Nova Zelândia, de outro lado, e de outro lado ainda, a África do Sul (onde graças ao Tribunal Constitucional, se têm conseguido alguns avanços sociais). Não menos significativas são as concretizações muito variáveis nos países da América Latina. Já em quase todos os países asiáticos e africanos são ainda tímidas as realizações de Estado social. No tocante a Portugal e ao Brasil remontam às Constituições, respetivamente, de 1933 e de 1934, as primeiras normas definidoras de direitos sociais, acompanhadas de instituição de previdência. Mas, em rigor, o Estado social apenas se irá desenvolver por força e na vigência das novas Constituições democráticas de 1976 e 1988, tendo vindo a jurisprudência constitucional a desempenhar um relevante papel (mais no Brasil do que em Portugal). (MIRANDA, 2011, p. 5)
O cenário internacional também contribuiu para o fortalecimento dos direitos
sociais e a própria exigibilidade de aplicação no âmbito interno dos Estados, por
documentos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 22), o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos e Sociais, o Pacto de São José da Costa Rica,
ou Convenção Interamericana de Direitos Humanos, além de outros instrumentos
internacionais, o que ainda favoreceu a ambientalização desses direitos, e favoreceu
a inserção nos Estados, apesar de que em níveis aquém do desejável.
A internacionalização desses direitos se tornou essencial, pois o capitalismo
atual ultrapassa fronteiras, há uma transnacionalidade, e os indivíduos carecem de
proteção frente ao trato laboral, nos movimentos de exploração por migração e
prevalência dos interesses financeiros e econômicos, que afetam diretamente o
cenário trabalhista.
Daí vislumbra-se, portanto, o incremento da proteção exercida pelo Estado e
a intervenção estatal em direitos trabalhistas como meio de garantia de liberdade e
possibilidade de igualdade, para que os trabalhadores pudessem participar das
20 La idea del Derecho social no es simplesmente la idea de un Derecho especial destinado a las clases bajas de la sociedade, sino que envuelve un alcance mucho mayor. Se trata, en realidad, de una nueva forma estilística del Derecho, en general.
89
relações contratuais, apesar do desequilíbrio de força entre as partes, de modo a
não serem prejudicados, com a prestação positiva do Estado, com respaldo em
Constituições e instrumentos internacionais.
Correntes neoliberais insistem em ressaltar o fim do Estado Social, revelando
pontos de fracasso do sistema e o colocando como o pivô da crise econômica
existente em vários países. Afirmam a existência de demandas excessivas de
grupos sociais com uma cultura de subsídio e dependência frente ao Estado,
concorrência desleal de um mercado global, com países permitindo a produção com
mão de obra barata e desprovida de proteção social, o que acarretou, inclusive, a
transferência de empresas transnacionais para esses locais, além de privatizações e
até mesmo desregulamentação de setores da economia, retornando à lei da oferta e
da procura.
Entretanto, medidas e consequências como as elencadas pela corrente
neoliberal não podem ser atribuídas ao Estado Social, e muito menos para insistir no
fim do mesmo, pois a implementação e o desvirtuamento da proteção não podem
ser os culpados pela manipulação de interesses e mudança de enfoque conforme
interesses de determinadas categorias. A reiteração de momento de crise permitiu
uma maior participação do Fundo Monetário Internacional (FMI), com medidas de
contenção de gastos pelos Estados, liberalização de setores, aumento de taxas e
tarifas do setor público, o que, a longo prazo, pode inclusive agravar a crise social,
com a precarização de empregos e de condições de trabalho, o que acarretará
aumento da criminalidade e afastamento ainda maior dos trabalhadores do mercado
consumidor, deixando muitos à margem do consumo e sem qualquer chance de
dignificação profissional. Jorge Miranda alerta para o risco das medidas reiteradas
pelo Fundo Monetário Internacional (FMI):
Os anos de 2010 e 2011 marcam o auge da crise, agravada pelo endividamento das famílias e pelo endividamento público dos Estados Unidos e de grande parte dos países europeus, juntamente com a recessão e, noutras partes do mundo, com o sobreaquecimento da economia. Resta saber até́ onde os remédios trazidos pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Central Europeu – cortes orçamentais, aumento dos impostos, liberalização dos contratos de trabalho, aumento das taxas e tarifas dos serviços públicos – atingem a economia real e se, por isso – por previsível diminuição das receitas tributárias – não vão acarretar o arrastamento da crise por mais e mais tempo [...]. (MIRANDA, 2011, p. 9)
90
Verifica-se, pois, a exacerbação de críticas pelos que não se interessam pela
permanência do Estado Social, por vislumbrarem-no como uma impossibilidade de
exploração e de exaltação de liberdades como no paradigma anterior. Mas essa
intervenção do Estado com viés social se revelou, naquele momento, como
integradora e propulsora de crescimento econômico, sua supressão acarretaria
instabilidade e incremento dos conflitos sociais e até individuais, por embate de
interesses e falta de limites no que tange à animosidade exploradora do indivíduo.
Apesar das variadas críticas ao assistencialismo e endividamento do Estado
por políticas de subsídios, é inegável o avanço que os direitos trazidos pelo Estado
social representou, os direitos fundamentais, a superação do Estado abstencionista
e a possibilidade do indivíduo conseguir usufruir os direitos individuais, pois somente
alcança a liberdade com o acesso aos direitos sociais, para ter capacidade, meios e
condições para expressar sua consciência, e, para lograr êxito nesses direitos, a
proteção do Estado, fortaleceu-se a proteção do trabalhador, a proteção que impera
e permeia o Direito do Trabalho:
No que diz respeito ao direito do trabalho, foi visto que no período do Estado liberal as normas existentes visavam conter abusos perpetrados pelos capitalistas contra direito dos trabalhadores. Mas, quando o direito do trabalho é inserido no contexto do Estado social, ele ganha maior prestígio. Esse modelo de Estado se preocupa amplamente com a questão social e, consequentemente, com as condições de vida dos trabalhadores. (TEODORO, 2011, p. 71)
O Estado Social aprimorou e intensificou os serviços públicos. José Luiz
Quadros de Magalhães ressalta que, em diversos Estados, “a educação é
inteiramente pública e gratuita, assim como a assistência médica de qualidade, em
vários Estados europeus” (MAGALHÃES, 2002, p. 70).
Entretanto, o crescimento e o consumo acima da oferta, que iniciou um
período de inflação, uma nova orientação da política macroeconômica, com
profunda mudança no sistema financeiro e cambial mundial nos meados de 1971,
com o início das taxas de câmbio flutuantes, e o fim da sistemática de
conversibilidade do dólar e da regra orientadora de câmbios fixos, que havia sido
estabelecida na Conferência de Bretton Woods, em 1944, concomitantemente com a
eclosão de duas crises mundiais de petróleo, no período de 1973/74, fez abalar as
estruturas do sistema vigente, pois acarretou a diminuição da arrecadação tributária,
91
diminuindo a capacidade do Estado de satisfação da demanda social e deixando
brecha ao suscintamento de críticas.
Uma conjugação de fatores verificou-se nessa época. De um lado, uma crise econômica iniciada alguns anos antes, entre 1973/73 (a chamada crise do petróleo), que não encontrou resposta eficaz e rápida por parte das forças políticas então dirigentes. A crise abalava a higidez do sistema econômico, fazendo crescer a inflação e acentuando a concorrência interempresarial e as taxas de desocupação no mercado de trabalho. A par disso, agravava o déficit fiscal do Estado, colocando em questão seu papel de provedor de políticas sociais intensas e generalizantes. (DELGADO, 2016, p. 103)
A resistência a crises tem limites de enfrentamento pelos Estados, e a crise
nos meados da década de 1970 não favoreceu o crescimento econômico, e,
consequentemente, a arrecadação tributária, dificultando a expansão e até mesmo a
manutenção do Estado Social, reduzindo a capacidade do Estado de responder à
crescente demanda social. Uma profunda renovação tecnológica, envolvendo
inclusive o campo da informática e a robotização, com o deslocamento dos postos
de trabalho para postos mais qualificados, e redução em segmentos como na
indústria, criaram a impressão de uma sociedade sem trabalho, além das novas
formas de labor que incluem o teletrabalho e o trabalho à distância. Esse contexto,
envolvendo o cenário tecnológico e empresarial, provocou uma modificação também
no cenário econômico, e favoreceu a ascensão de governos como de Margaret
Thatcher na Inglaterra, em 1979, Ronald Reagan, nos Estados Unidos, em 1980, e
Helmut Kohl, em 1982, na Alemanha, guinados “em prol da desregulação das
políticas sociais e das regras jurídicas limitadoras do mercado econômico”
(DELGADO, 2016, p. 103).
A penetração da proposta neoliberal, num contexto de crítica ao Estado Social
no período pós-guerra, foi maior por oferecer condições para acumulação e
expansão do capital, com criação de riquezas e empregos, numa análise superficial,
a curto prazo. Medidas para expansão do setor privado, em setores nos quais
apenas o Estado investia, abrangendo também as prestações de serviços públicos
pertinentes a direitos sociais, fundamentais, enfraquecimento de sindicatos com
políticas econômicas motivadas pela substituição do trabalho humano por máquinas,
com aumento do desemprego, o que acarreta a diminuição dos salários, além do
achatamento dos direitos sociais, foram passos dados por vários Estados com
política neoliberal, e cujas consequências só podem ser vislumbradas a longo prazo,
92
contidas pelo direito do trabalho, que não pode sucumbir diante da pressão
falaciosa.
Maurício Godinho Delgado sintetiza as consequências dessas medidas, sem
adentrar nas perdas sociais que causaram à população:
Em síntese, o afinamento, por cerca de década e meia, destas lideranças ultraliberais dos países líderes do sistema capitalista no Ocidente permitiu a pavimentação de larga estrada a serviço do capitalismo desenfreado, com todas as suas mais recorrentes e perversas características, tais como a hegemonia do capital financeiro-especulativo, a elevação genérica dos juros, a contração monetária e creditícia, a desconstrução da atividade econômica estatal, a mitigação do potencial de investimento do Estado, a tibieza dos níveis de desenvolvimento econômico, a exacerbação dos índices de desemprego, a desvalorização contínua do emprego e do trabalho. (DELGADO, 2005, p. 106)
Entretanto, ainda assim a evolução e o avanço dos direitos e da dignidade
humana proporcionados ao trabalhador no Estado Social ou Estado de Bem-Estar
Social não deixam dúvidas quanto à relevância das políticas sociais na economia
capitalista, sedimentaram ideias e direitos que, além de terem sido relevantes como
instrumento de pacificação, refletindo posteriormente, em etapas ulteriores que
seguem em prol de princípios constitucionais democráticos.
[...] passadas mais de três décadas do início da crise do ramo juslaborativo, não se tornaram consistentes as catastróficas predições de uma sociedade sem trabalho. Não se tornaram também consistentes as alardeadas predições de uma sociedade capitalista com intensas relações laborativas subordinadas e pessoais, mas sem algo como o Direito do Trabalho. Houve, sem dúvida, uma acentuada desregulação, informalização e desorganização do mercado de trabalho, especialmente nos países semiperiféricos ao capitalismo central (Brasil, incluído, especialmente na década de 1990), porém, sem que se criassem alternativas minimamente civilizadas de gestão trabalhista, em contraponto com o padrão juslaborativo clássico. (DELGADO, 2016, p. 104)
Desponta, pois, o Direito do Trabalho, com sua característica busca da
igualdade efetiva, reconhecida perante a diferenciação dos componentes que
participam da ordem econômica, um patamar mínimo para a convivência na
realidade social, que ultrapassa, na atualidade, a esfera individual e coletiva, e
alcança os direitos difusos para o equilíbrio das relações sociais e reconhecimento
dos direitos fundamentais.
Apesar das modificações que tocam o Direito do Trabalho, a tentativa de
exterminá-lo ou extinguir a sua base fundamental de proteção não são exitosas,
93
medidas de flexibilização e desregulamentação, influenciadas pela globalização,
persiste o primado do trabalho na evolução do Direito, e aprimora-se, cada vez mais,
a preferência pela dignidade do trabalhador.
Por tudo que estudamos até aqui, percebemos que permanece uma grande interrogação: para onde ir? O neoliberalismo não é capaz de responder às necessidades de trabalho e bem-estar social da população mundial; o socialismo real está ameaçado de desaparecimento, assim como muito o liberalismo clássico morreu para não mais voltar; e o Estado social está em crise de difícil solução, pois que mergulhado num mundo globalizado. Para onde ir? A resposta está na construção da sexta fase de evolução do Estado, uma alternativa de uma democracia participativa que deve ser construída em nível local, na cidade – espaço da cidadania –, encontrando um novo papel para o Estado e para a Constituição. (MAGALHÃES, 2002, p. 76)
O tempo e as necessidades fazem o direito avançar no propósito de atender a
sociedade, de amenizar os conflitos e pacificá-los. As especificidades dos grupos
passam a ser observadas, para que a individualidade seja conservada, e
concomitantemente, os direitos coletivos e difusos expandem sua atuação e sua
defesa funciona como instrumento de conservação dos princípios constitucionais,
dos valores e objetos perseguidos pela sociedade. Com a presença do elemento
democrático, e com a participação dos interessados na formação das políticas
públicas, um novo paradigma é erigido, sem abandonar os direitos conquistados, e
fazendo a Constituição ser colocada como uma garantia de processos democráticos,
reflexo das mudanças na sociedade, e com respeito aos direitos humanos.
Para José Luiz Quadros de Magalhães, os municípios representam papel
fundamental nesse novo paradigma, pois conseguem reconhecer as especificidades
de cada sociedade e têm como norte a observância dos princípios universais de
direitos humanos.
No lugar desse Estado reacionário, nas suas formas liberal, socialista, social-liberal, social-fascista e neoliberal, devemos propor um Estado democrático, onde a Constituição nacional garanta os processos democráticos de constante mudança da sociedade, com respeito aos direitos humanos universais não culturais, deixando que cada Município estabeleça na sua Constituição, de forma livre e democrática, o seu próprio modelo de sociedade, de economia, de repartição de riquezas e de convívio social, desde que respeitados os processos democráticos da Constituição nacional, e que sejam respeitados os princípios universais de direitos humanos. (MAGALHÃES, 2002, p. 78)
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A força da municipalidade, no caso do Direito do Trabalho, não interfere no
rumo das normas, eis que a competência para criação de normas, pela Constituição
Brasileira de 1988, é da União, nos termos do art. 2221, I, entretanto os estados da
Federação poderão legislar sobre questões específicas, mediante autorização
prevista em lei complementar. O que deve ser ressaltado diante da citação
supramencionada, é a proposição de um Estado no qual as vozes populares são
ouvidas, com um viés democrático sem, no entanto, perder de vista a importância do
social e da dignidade humana e consequentemente a dignidade do trabalhador
como finalidades teleológicas das normas existentes nos instrumentos normativos
vigentes.
Exsurge, assim, uma conciliação do Estado Social, com a sua reinvenção
com enfoque democrático, sem retirar os direitos conquistados e os avanços sociais
galgados, com cooperação e uma articulação do Direito com a economia, guiados
pela dignidade humana e a igualdade substancial. O Estado persiste no papel de
assegurador de direitos fundamentais mediante preceitos constitucionais, agregada
a democracia e a representatividade, ideais no paradigma do Estado Democrático
de Direito.
Denota-se, pois, que o intervencionismo em nome da solidariedade,
substituindo “a igualdade pura pela igualdade jurídica, como regra de direito que
impõe o interesse geral sobre o particular sem que, entretanto, se anule o indivíduo”
(SUSSEKIND, 2003, p. 39), foi fruto do Estado Social, ou Estado de Bem-Estar
Social, no qual imperou a participação positiva do Estado em prol dos valores
fundamentais da pessoa, e a ação do Estado fez-se sentir de maneiras diversas,
seja regulamentando a iniciativa privada, seja fomentando-a e vigiando-a, ou até
mesmo substituindo-a em benefício do interesse coletivo.
A plenitude dos ideais do Estado de Bem-Estar Social, ou Estado Social, não
foi vivenciada em todos os Estados, mas influenciaram de maneira incisiva no
contexto e nas relações laborais. Ou seja, a perspectiva do paradigma incidiu no
Direito do Trabalho e nas normas elaboradas no seu seio, fazendo com que o
intervencionismo incrementasse a possibilidade de proteção ao hipossuficiente nas 21 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (…) Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. (BRASIL, 1988)
95
relações empregatícias, vivenciando um momento de ampliação da seara de
atuação estatal, e aumento da gama de normas trabalhistas e viés protetivo, com
novos fins econômicos e sociais.
E, num processo de superação paradigmática, a ascensão da democracia,
conjugada com a centralização do ser humano na estrutura jurídica, política e social,
a preponderância de valores como a valorização do trabalho e a existência digna
demonstraram a exsurgência do paradigma do Estado Democrático de Direito.
Pautado num sistema que almeja a igualdade de condições entre os
socialmente desiguais, reconhecendo as especificidades e não apenas trazendo um
arcabouço generalista baseado na igualdade formal, as concepções das normas
contemporâneas devem ser erigidas e elucidadas a partir dos valores que levam à
centralização do indivíduo e supremacia da dignidade humana, construídos num
debate democrático. Há um equilíbrio das liberdades e das garantias fundamentais e
dos direitos sociais com o princípio democrático, assim explicado por Canotilho e
Moreira:
A articulação das duas dimensões do princípio democrático justifica a sua compreensão como um princípio normativo multiforme. Tal como a organização da economia aponta, no plano constitucional, para um sistema econômico complexo, também a conformação do princípio democrático se caracteriza tendo em conta a sua estrutura pluridimensional. Primeiramente, a democracia surge como um processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático da ordem política, econômica, social e cultural. Depois, o princípio democrático recolhe as duas dimensões historicamente consideradas como antitéticas: por um lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria democrática-representativa (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes); por outro lado, dá guarida a algumas das exigências fundamentais da teoria participativa (alargamento do princípio democrático a diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural, incorporação de participação popular direta, reconhecimento de partidos e associações como relevantes agentes de dinamização democrática). (CANOTILHO, MOREIRA, 1991, p. 195)
A atuação do poder público conjugada com a dos particulares em
reconhecimento das diferenças democraticamente reconhecidas expressam a
Estado Democrático de Direito.
Na Constituição Brasileira de 1988, o artigo 1º, inciso III, demonstra a
importância da dignidade humana, elencando-a como fundamento da República e do
Estado Democrático de Direito. A partir daí deve ser interpretado todo o sistema de
direitos e garantias fundamentais, como meio de implementação e concretização
96
daquele fundamento, com status de norma jurídica nos dizeres de Ingo Wolfgang
Sarlet: “[...] a Carta Constitucional Brasileira não traz apenas uma declaração de
conteúdo ético e moral, mas uma norma jurídica – positiva com status constitucional,
transformando a dignidade humana em um valor jurídico fundamental da
comunidade” (SARLET, 2002, p. 89).
Esse viés consolida a mudança na forma de se interpretar o Direito do
Trabalho, reconstruído em pilares democráticos e tendo como cerne a dignidade
humana, pela qual se torna imperiosa a proteção do trabalhador, ratificando suas
especificidades no trâmite negocial de uma relação de emprego.
Há, pois, reflexos da cogência das normas e da interferência estatal no Direito
do Trabalho brasileiro, mas há que se reconhecer que é essencial conhecer os fins e
os propósitos a que se dirigem o Estado, para atender e aplicar conforme o que se
coloca como primordial. A construção de um locus democrático perquire a igualdade
com um viés constitucional, indo além da igualdade formal ou material, mas diante
de oportunidades de discursividade, o que refletirá, inclusive, no entendimento
processual trabalhista, sem, entretanto, ultrapassar os limites principiológicos de um
novo paradigma no qual impera a democracia, a liberdade, e, concomitantemente, a
superação de uma igualdade formal, com o reconhecimento das diferenças para
que, assim, haja uma possibilidade das partes se sustentarem no processo.
A superação de paradigmas demonstra a perspectiva em que se erigem as
normas e a interpretação do direito, sendo correlacionada a proteção dos
trabalhadores nas distintas fases vivenciadas pelo Estado, com influência das
condições políticas, sociais e econômicas. No Estado Democrático de Direito busca-
se o equilíbrio das partes, sendo a proteção do trabalhador uma base
fundamentadora do Direito do Trabalho, e levada ao Direito Processual do Trabalho
como a possibilitadora do locus de discursividade para a construção de um processo
democrático.
2.3.1 Princípio da proteção no Direito do Trabalho brasileiro
O sistema justrabalhista adveio da própria necessidade de manutenção do
sistema capitalista, para o qual se tornou um sustentáculo, um instrumento de
concessão de direitos com vista ao fortalecimento do cenário econômico.
97
Nesse contexto, em decorrência da ordem liberal vivenciada, com a
exploração exacerbada do trabalhador, fortaleceu-se a necessidade de proteção do
trabalhador, que, em regra, se encontra em disparidade de forças com o
empregador numa relação de emprego, e, para tanto, normas cogentes, elaboradas
no seio estatal, também foram mais incisivas, provenientes do direito social. As
condições existentes poderiam levar à derrocada do sistema capitalista, e incitações
poderiam levar os trabalhadores a questionarem o sistema e se unirem em prol da
tomada do poder. Para tanto, normas trabalhistas se proliferaram, como um ato de
conquista dos trabalhadores, apesar de muitas vezes ocultar um objetivo maior, a
manutenção das classes empregadoras como dominantes e dirigentes.
As normas juslaborais foram desenvolvidas e ampliadas, erigidas sob o
sustentáculo do Direito do Trabalho, o princípio da proteção, que se faz presente nas
relações contratuais entre empregado e empregador, ou ao menos, em que haja
uma relação de trabalho subordinado, no qual há desequilíbrio de forças.
Qual a categoria central do Direito do Trabalho, a categoria sem a qual esse ramo jurídico especializado não existiria? Obviamente, está-se falando do trabalho subordinado, mais propriamente da relação empregatícia. O núcleo fundamental do Direito do Trabalho situa-se, sem dúvida, na relação empregatícia de trabalho, construindo-se em torno dessa relação jurídica específica todo o universo de institutos, princípios e regras características a esse específico ramo jurídico. (DELGADO, 2016, p. 90)
E para sobreviver nesse sistema em que as partes são díspares, com um dos
lados mais fraco para enfrentamento de alteração de contrato ou exigência de
direito, o princípio jurídico da proteção do trabalhador foi alçado a princípio
fundamental do ramo justrabalhista, traduzindo os escopos teleológicos do próprio
Direito do Trabalho, tornando-se norteador e permeando toda a construção
normativa.
O Direito do Trabalho brasileiro foi assim erguido, diferentemente do ocorrido
em outros países ocidentais, decorrente de um movimento de criação descendente
(SUSSEKIND et al., 2003, p. 55), concebido muito mais de cima para baixo do que
como ocorreu em outros países, nos quais se obedeceu a um movimento
ascendente, ao ser construído a partir de manifestações populares e sociais oriundo
dos trabalhadores organizados que demandavam os direitos. No Brasil os direitos
foram elaborados com uma participação ativa do Estado para incorporação às
relações individuais justrabalhistas.
98
A primeira fase do Direito do Trabalho brasileiro estendeu-se de 1888 a 1930,
quando culminada a Revolução de 1930 e iniciada uma segunda fase, com a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder político nacional (GOMES; GOTTSCHALK,
2002, p. 6), mas identificada também uma fase pré-histórica, da independência
política do Brasil em relação à Portugal até a abolição da escravatura, em 1888, na
qual ainda não se falava sequer em trabalho livre, já que o trabalho escravo se
apresentava como a regra na produção, predominantemente agrícola. Já na primeira
fase, apesar de esparsa e mínima, foi elaborada legislação trabalhista, como a Lei
sobre Caixas e Pensões e Aposentadoria, de 1923 e a Lei sobre férias, de 1925. A
Constituição Republicana de 1891 e o Código Civil de 1916, também elaborados no
período, inspirados pelo individualismo do Estado Liberal, tratavam especialmente
da garantia de direitos individuais e políticos dos cidadãos, sem adentrar no contexto
social e econômico, ignorando a desigualdade que se desenhava no panorama
brasileiro.
A atividade econômica preponderante ainda era agrária, não existindo, ainda,
a concentração de grandes massas proletárias no país, se comparado à Europa,
mas já era possível vislumbrar a formação incipiente dessa classe, pelo menos em
grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo, formando-se movimentos
reivindicatórios:
A situação altera-se rapidamente durante o início do século XX, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo. Grupos internacionais passam a investir no Brasil (a Light & Power instala-se em 1904) e a indústria têxtil se expande. Movimentos operários crescem, mas o tratamento dado à questão será́ ainda repressivo. Em 1917, na greve geral de São Paulo, coloca-se na pauta das reivindicações não só́ o aumento de salários, como também o problema do trabalho de menores e mulheres, do descanso remunerado, garantia de emprego, direito de associação. (LOPES, 2000, p. 376).
A partir daí passou-se ao desenvolvimento do ramo do Direito do Trabalho no
cenário brasileiro, especialmente após a subida de Getúlio Vargas ao poder, por
meio da Revolução de 1930. Baseado na proteção do trabalhador, dada a sua
hipossuficiência e a subordinação jurídica, e que, contextualizada na
contemporaneidade, ainda se denota que o enfraquecimento dessa proteção
consistiria na afronta à igualdade defendida na Constituição Brasileira de 1988 na
perspectiva do Estado Democrático de Direito.
99
Assim, a principiologia protecionista que permeia o Direito do Trabalho
brasileiro está em compasso com a ideia trazida por Plá Rodriguez, “o fundamento
deste princípio está ligado à própria razão de ser do Direito do Trabalho” (2000, p.
85).
Originário, no cenário internacional, da crise do liberalismo, com a mínima
intervenção do Estado diante das precárias condições de trabalho, o propósito de
manter as classes no poder fez com que algo fosse dado aos trabalhadores para
que não se insurgissem contra o Estado e contra os empregadores. Decorreu daí a
necessidade de regulamentação e proteção dos trabalhadores, para compensação
das desigualdades, ainda que fosse criado com o intuito de ser uma proteção
contida em determinados limites.
Historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como consequência de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração. Inclusive, mais abusivas e iníquas. O legislador não pôde mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.85)
Advindo da seara civilista, do tratamento contratual igualitário, do cuidado
com a posse e propriedade, desde o período escravocrata em que se cuidava das
relações de propriedade sobre os escravos, que sequer tinham tratamento de
trabalhadores, mas de bens, o desenvolvimento das relações de trabalho passaram
a requerer uma diferenciação, e foi constituído, assim, pelos fatos e pela história que
proporcionaram o seu desenvolvimento, entretanto, ainda se depara com
questionamentos sobre a sua autonomia, especialmente do Direito Civil.
A autonomia dogmática do Direito do Trabalho advém da especificidade sobre
o qual é erigido o sistema normativo no qual se reconhece a diferenciação das
partes enquanto ligadas por um contrato de trabalho, no qual uma das partes recebe
verba de caráter alimentar, essencial à sua subsistência. E, ainda, decorrente de
direito fundamental que confere dignidade e liberdade para a independência de
escolhas e modo de vida.
Os conceitos de hipossuficiência econômica e de subordinação jurídica,
consectários à relação de emprego favoreceram o reconhecimento da diferenciação
do ramo trabalhista, dedicado a proteger os trabalhadores com tais atributos,
100
elencando o princípio da proteção como diferencial dessa seara. Ainda assim há
quem defenda que o ramo trabalhista fica adstrito ao Direito Civil, especialmente ao
tratar de direito das obrigações:
Como postulados do direito do trabalho há a evidenciar um princípio de tutela do trabalhador, de modo a garantir que a eventual desigualdade factual não conduza a uma dependência jurídica do prestador de trabalho, concretizado, designadamente, na proibição de despedimentos ad nutum, por um lado, e no valor atribuído à autonomia coletiva [...] na fixação de regras laborais, por outro lado. A estes dois aspectos importa acrescentar que no direito do trabalho se detecta uma estreita conexão entre os parâmetros individual e coletivo da intervenção jurídica. Mas mesmo estes princípios não pressupõem uma alteração dos parâmetros gerais civil. A autonomia do direito do trabalho advém da sua especialidade, sendo, pois, imprescindível o seu estudo integrado nos parâmetros do direito civil, em especial do direito das obrigações. (MARTINEZ, 2013, p.58)
Em seguida, o supramencionado autor conclui que “a autonomia do direito do
trabalho é meramente sistemática” (MARTINEZ, 2013, p.59).
Há também autores que chegam a entoar o desfacelamento do princípio da
proteção no Direito do Trabalho brasileiro, coro, inclusive, que também faz fortalecer
a negação da autonomia dogmática do Direito do Trabalho. Nesse sentido expõe
Arion Sayão Romita, para quem a exacerbação do princípio da proteção confronta
com a tendência renovadora, que traz a flexibilização e outras noções com o intuito
de equiparação das partes para uma maior e mais ampla possibilidade de
negociação direta entre eles, sem intervenção estatal, já que, para ele, a perspectiva
protecionista constitui-se uma visão conservadora e resistente às mudanças.
Em contraponto, por outro lado, Maria do Rosário Ramalho sustenta que a
autonomia do Direito do Trabalho resulta da existência de “princípios subjacentes ao
sistema normativo mais vasto do qual ele se afastara (no caso, o direito civil), para
se erigir num corpo regulativo autónomo” (RAMALHO, 2001, p. 961). Assim, o
Direito do Trabalho cresce com princípios específicos, ganha importância no cenário
social e incrementa a ordem normativa no sentido de possibilitar a valorização do
trabalhador.
A discussão quanto à autonomia e a própria importância do princípio da
proteção advém do seu surgimento e até mesmo dos interesses mediante os quais
foi construído, podendo ser constatado que a pretensão de igualdade preponderou
sobre a liberdade de autonomia na contratação. Infere-se que o caminho de
101
perseguir a igualdade, que passou a ser colocada como meta e aspiração da ordem
jurídica, foi através do nivelamento das desigualdades (RADBRUCH, 1955, p. 162).
Como meio de proteção da classe empregadora ou dos empregados, os
interesses se convergiram no momento em que o princípio da proteção é erigido
como um instrumento de concessão aos empregados de direitos que lhe
proporcionassem melhorias na condição de vida e de trabalho, para que não se
insurgissem, e para os empregadores conseguirem manter suas atividades
produtivas mediante exploração de mão de obra, conferindo à classe obreira
vantagens e direitos que os possibilitaria manter a produção e sobreviver por maior
tempo. Ainda assim, com interesses sob a penumbra, o Direito do Trabalho
representou, com o princípio da proteção, um passo para a emancipação do
indivíduo, para o alcance da dignidade humana e a sua centralização na ordem
jurídica.
Nessa ótica, Plá Rodriguez menciona a visão de Montalvo Correa, que, num
olhar crítico, em consonância com o pensamento marxista, expressas as limitações
e os avanços proporcionados pelo Direito do Trabalho, erigido sobre o princípio da
proteção:
[...] à luz de perspectiva marxista, a interpretação de que o Direito do Trabalho é um meio defensivo da classe burguesa que preferiu limitar as injustiças e proteger o trabalhador, com o objetivo de conservar as vantagens do sistema. Mas em seguida distingue as normas tuitivas dirigidas a agasalhar as reivindicações concretas e as de sentido emancipador, que são as tendentes a promover a autonomia coletivo. Sem prejuízo de assinalar que admitir a existência desta última categoria de normas tira a coerência de sua tese e sem entrar naturalmente no exame da concepção ideológica que o inspira, deve-se particularizar que, de qualquer sorte, se reconhece no Direito do Trabalho um sentido protetor. Qualquer que seja a motivação última que haja originado esse sentido protetor, o importante é reconhecer que ele existe, com o que se confirma a amplitude do reconhecimento. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 89)
A condição de inferioridade do trabalhador na relação jurídica, com uma
posição de superioridade hierárquica do empregador, de forma diversa ao que
acontece nos demais contratos, nos quais se pressupõe a igualdade do ponto de
vista jurídico, quando o teor não é afeto à área trabalhista, faz resplandecer a
especificidade da seara trabalhista, e constata-se, pois, que o surgimento do
princípio protetor decorre, como já reiterado, da própria formação histórica do Direito
do Trabalho, fruto de acontecimentos e épocas como a da Revolução Industrial, em
102
meados do século XVIII e o começo do século XIX, com o surgimento da máquina a
vapor, aumento de produtividade, necessidade de mercado consumidor para que se
lograsse êxito na obtenção de lucro, o que trouxe grande exploração de
trabalhadores, inseridos em ambientes de trabalho insalubres e arriscados, mas
ditados pelo empregador e sua ânsia lucrativa:
A consequência foi um quadro dantesco de miséria da classe operária, que então surgia. Os padecimentos já mencionados puseram em perigo, como se costuma dizer, a própria existência física dos trabalhadores. Provocaram verdadeiro estado de alarme nos países industrializados as denúncias neste sentido, muitas vezes por médicos depois de realizarem inquéritos ou inspeções de saúde em convocados para o serviço militar. Isolados e desorganizados, não podiam os trabalhadores, por seus próprios meios, reagir contra o estado de penúria em que chafurdavam e conseguir melhores condições de trabalho e de vida. (SILVA, 1999, p.28)
Diante desse cenário foi construído o Direito do Trabalho, baseado no
princípio da proteção, mola propulsora da defesa dos hipossuficientes, vislumbrado
como o critério fundamental que o orienta, já que, “ao invés de inspirar-se num
propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial
a uma das partes: o trabalhador” (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 83), corresponde na
produção de uma igualdade material por meio de leis protecionistas para com os
mais fracos.
Nem sempre conhecido como princípio da proteção, como tratado neste texto,
apresenta denominações diversas, apesar de aproximadas, tais como princípio
tutelar ou tuitivo ou protetivo, ou ainda, tutelar-protetivo (DELGADO, 2016, p. 200).
Há autores que enfocam e criam a nomenclatura pela sua aplicação, como os que
“empregam denominações como princípio pro operario ou princípio mais favorável
ao trabalhador” (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 83), outros pelos efeitos que ocasiona,
como favorecimento a determinada parte, mas o intuito de equilíbrio entre partes que
se encontrariam diante de um contrato desequilibradas, persiste em todos os
conceitos.
Dentro do que poderíamos chamar denominações genéricas podemos mencionar Menéndez Pidal, que fala do princípio tutelar, embora admita que a evolução do direito vai substituindo paulatinamente a noção de tutela, que evoca a ideia de menoridade, pela mais ampla, de proteção pelo que se poderia agora denominar princípio tutelar protetor; Russomano alude ao princípio de proteção tutelar; Kaskel-Dersch utilizavam a expressão princípio protetor; Barassi emprega a expressão favor ao trabalho; a Monteiro
103
Fernandez, que fala do princípio do favorecimento, e a Adomeit, que o chama de princípio de favorabilidade. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 84)
Independentemente da nomenclatura, em todas as suas versões o princípio
versa sobre a busca da igualdade substancial, a equiparação de forças pelo
reconhecimento da desigualdade entre as partes no contrato de trabalho,
considerando que o trabalhador, sujeito do vínculo sociojurídico, isoladamente não é
capaz de discutir ou questionar as condições. E, diante dessa disparidade, os
métodos, princípios e regras buscam o reequilíbrio, sendo o princípio da proteção o
cerne do sistema normativo para atendimento da função teleológica do Direito do
Trabalho.
De forma abrangente e transversal, permeia todo o Direito do Trabalho, dada
a sua essencialidade na própria formação desse ramo, presente em diversas
situações, marca distintos períodos na relação do contrato de trabalho, desde a
negociação inicial até a extinção do mesmo:
[...] momentos que marcam a execução do contrato de trabalho – ela surge ao nível do processo de formação negocial, quer dizer, nos preliminares da formação do negócio; no domínio da execução dos contratos, isto é, durante a respectiva vigência; e quando da sua extinção, ou seja, a propósito da cessação do contrato de trabalho. (DRAY, 2015, p. 25)
Há classificações distintas e divisões diversas no que tange ao princípio da
proteção, às vezes em decorrência da sua não expressão explícita no ordenamento
nacional, ficando a cargo da doutrina se enveredar por suas vertentes, suas faces,
ocultas para alguns autores, que defendem a unicidade do princípio, e desvendadas
para os que optam por dividi-lo, sem, entretanto, retirar-lhe a força que inspira as
demais fontes e integra o sistema normativo trabalhista.
No Brasil, o princípio da proteção, cerne do Direito do Trabalho, se
apresentou no seio das normas cogentes oriundas do Estado, conforme exposto,
decorrente muito mais de um processo descendente do que ascendente como em
outros países. Pode-se inclusive verificar que o objetivo imediato do respectivo
princípio não foi garantir a inclusão dos trabalhadores que se encontravam em
posição socialmente desigual em relação aos empregadores (detentores dos meios
de produção); a normatização do princípio da proteção teve como objetivo mediato a
manutenção do poder dos governantes no controle estatal, bem como da classe
empregadora em sua condição e status, pois, como já reiterado, a exploração
104
exacerbada poderia favorecer a insurreição popular com manifestações
questionadoras inclusive do poderio estatal.
Assim, considerando-se o contexto social, político e econômico brasileiro em
que adveio o princípio da proteção torna-se necessário buscar sua ressignificação
sob a ótica da processualidade democrática, ou seja, tal princípio precisa ser lido na
sociedade contemporânea a partir do texto da Constituição Brasileira de 1988, que
tem como um de seus objetivos imediatos garantir a inclusão dos excluídos por
fatores socioeconômicos. Ao Direito do Trabalho cabe a finalidade de corrigir essa
desigualdade estrutural mediante a implementação do princípio da proteção, que,
para tanto, não pode ser enfraquecido, sob risco das relações empregatícias se
esvaírem como meio de desvalorização do trabalho humano e afronta à dignidade
humana, mas deve ser reconstruído no contexto democrático.
2.3.2 Princípio da proteção: vertentes e abrangência
O núcleo justrabalhista basilar, que incorpora a essência da função
teleológica do Direito do Trabalho, tem potencial vinculante e indutor, sendo que o
princípio tutelar influi em todos os segmentos e normas desse sistema. Desde a
feitura das leis até a interpretação dada a cada parte ou da aplicação no caso
concreto, deve ser realizada à luz do princípio que orienta e norteia o presente ramo.
Há, pois, uma influência do princípio em tela em todos os demais que
constituem o Direito do Trabalho, os quais, segundo Maurício Godinho Delgado, se
desvelam em nove princípios especiais:
a) princípio da proteção (conhecido também como princípio tutelar ou tuitivo ou protetivo ou, ainda, tutelar-protetivo e denominações congêneres); b) princípio da norma mais favorável; c) princípio da imperatividade das normas trabalhistas; d) princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas (conhecido ainda como princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas); e) princípio da condição mais benéfica (ou da cláusula mais benéfica); f) princípio da inalterabilidade contratual lesiva (mais conhecido simplesmente como princípio da inalterabilidade contratual; merece ainda certos epítetos particularizados, com princípio da intangibilidade contratual objetiva); g) princípio da intangibilidade salarial (chamado também integralidade salarial), h) princípio da primazia da realidade sobre a forma; i) princípio da continuidade da relação de emprego. (DELGADO, 2016, p. 200)
105
Apesar de não haver uma unicidade no elenco desses princípios, vislumbra-
se que as diferenças de divisões e nomenclaturas não revelam ideologias ou
finalidades distintas, levam a um mesmo propósito e revelam um núcleo
justrabalhista baseado na ideia protetivo-retificadora.
Daí exsurge o debate de todos eles se resumirem a um único princípio, o
protetivo, ou se esse se desdobraria em três ou menos dimensões, também
chamadas de vertentes, que se aplicam em distintas situações no cotidiano
trabalhista.
Consoante com a ideia de divisão, o princípio da proteção, no viés do Direito
do Trabalho material, é ramificado, inicialmente, em três princípios, da norma mais
favorável, da condição mais benéfica e do in dubio pro operario. Há divergências
sobre a divisão elencada, apesar de amplamente adotada, há autores que
contestam a necessidade de separação do principio in dubio pro operario, que já
estaria inserido nos demais. Maurício Godinho Delgado acentua essa divergência,
elencando a inclusão de vários princípios na tutela retificadora da desigualdade, o
princípio da proteção:
Na verdade, a noção de tutela obreira e de retificação jurídica da reconhecida desigualdade socioeconômica e de poder entre os sujeitos da relação de emprego (ideia inerente ao princípio protetor) não se desdobra nas três citadas dimensões. Ela abrange, essencialmente, quase todos (senão todos) os princípios especiais do Direito Individual do Trabalho. Como excluir essa noção do princípio da imperatividade das normas trabalhistas? Ou do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas? Ou do princípio da inalterabilidade contratual lesiva? Ou da proposição relativa à continuidade da relação de emprego? Ou da noção genérica de despersonalização da figura do empregador (e suas inúmeras consequências protetivas ao obreiro)? Ou do princípio da irretroação das nulidades? E assim sucessivamente. Todos esses outros princípios especiais também criam, no âmbito de sua abrangência, uma proteção especial aos interesses contratuais obreiros, buscando retificar, juridicamente, uma diferença prática de poder e de influência econômica e social apreendida entre os sujeitos da relação empregatícia. (DELGADO, 2016, p. 202)
Nesse sentido, pode-se vislumbrar o princípio da proteção, como já
comentado, inspirador de todo o complexo justrabalhista, envolvendo desde outros
princípios e regras até os próprios institutos.
Adentrando nas vertentes, pode-se vislumbrar a proteção em algumas
perspectivas, a primeira delas de vedação à negociação, ou alteração que
prejudique o trabalhador, representam normas cogentes que devem ser
106
obrigatoriamente observadas, entretanto, são excepcionadas quando substituídas
por melhores condições, para ampliação dos benefícios do trabalhador, ainda que
com instrumentos de hierarquia diferente. Tema característico do Direito do
Trabalho, pois, na vertente da concessão de benefícios, não importa a hierarquia da
fonte, quando mais benéfica, ela pode, a priori, ser utilizada.
Possui relevância no exame da hierarquia das fontes a prevalência da norma mais favorável ao empregado, a qual torna maleável a hierarquia apresentada. Isso significa que deve ser aplicado o instituto que proporcione melhores condições para o empregado, ainda que contidos em norma de hierarquia inferior. Esse é o traço da originalidade que marca o Direito do Trabalho. (BARROS, 2016, p. 92)
Nesse sentido, há uma gama de normas que orientam as condutas laborais, o
que pode-se dar através da própria Constituição Federal, leis complementares,
ordinárias, delegadas, decreto legislativo, regulamentos, portarias, sentença
normativa, laudo arbitral, convenção coletiva, acordo coletivo, regulamento interno
da empresa, contrato de trabalho e até mesmo por costume, além de outras
elencadas no artigo 8º da CLT e, a princípio, não há que se observar a ordem para
aplicação de uma ou outra, pois não são sucessivas. A hierarquização tradicional,
com fundamento de validez na teoria de Kelsen, é substituída pela prevalência da
norma ou condição mais favorável.
A aplicação da norma mais favorável pressupõe, pois, que mediante
comparativo de duas ou mais normas, será aplicada a norma mais favorável,
independentemente de sua hierarquia.
Ressaltando que se aplica tal situação desde que a norma erigida como a
mais benéfica não viole norma de ordem pública.
Asseveram os autores que a aplicação da norma mais favorável não significa eliminação do princípio da hierarquia das leis. O que ocorre é que a própria lei deixa espaço para ser sobrepujada por uma norma de hierarquia inferior, por exemplo, a convenção coletiva. A norma mais vantajosa não viola a de categoria superior, exatamente porque estão sendo respeitados os limites mínimos por esta fixados. A lei atua, portanto, como norma mínima superável, e a convenção coletiva é uma maneira de aprimorá-la, a menos que haja uma lei de interesse público que contrarie a regra mais favorável, como se infere do art. 623 da CLT22. (BARROS, 2016, p. 93)
22 Art. 623, CLT - Será nula de pleno direito disposição de Convenção ou Acordo que, direta ou indiretamente, contrarie proibição ou norma disciplinadora da política econômico-financeira do Governo ou concernente à política salarial vigente, não produzindo quaisquer efeitos perante autoridades e repartições públicas, inclusive para fins de revisão de preços e tarifas de mercadorias e serviços. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, a nulidade será declarada, de ofício ou mediante
107
As convenções e os acordos coletivos de trabalho representam uma
adaptação da lei às especificidades e demandas de cada categoria, dispostos no
artigo 611 da CLT23. A expressão convenção coletiva, trazida para o Brasil no
Decreto nº 21.761, de 1932, por influência da lei francesa de 1919, e tendo sido
levada ao texto constitucional de 1934 e em todas as Constituições seguintes,
inclusive a Constituição Brasileira de 1988, que reconhece ambos os instrumentos,
convenções e acordos coletivos de trabalho, e demonstra viés democrático e
propício ao debate com manutenção dos entes sindicais representativos e
propiciadores de ampliação da gama de direitos através das negociações. Tais
instrumentos têm caráter normativo, são celebrados entre dois ou mais sindicatos
(representativos de áreas econômicas e profissionais; ou ainda, celebrados entre
sindicatos representativos de categorias profissionais com uma ou mais empresas
da correspondente categoria econômica) para estipularem condições de trabalho
aplicáveis para cada categoria representada e sempre que trazem alguma norma
mais benéfica prevalecem, não podendo preponderar sobre determinada condição
que tem interesse público, ou que representa uma norma de ordem pública ou
imperativa no que tange à saúde e segurança do trabalhador. Ao sustentar que os
sindicatos se constituem como representativos dos direitos das categorias, com
participação na feitura das convenções e acordos coletivos, denota-se um
reconhecimento da legitimidade e representatividade dos mesmos nas negociações,
sem interferência estatal, propiciando às próprias partes uma busca de solução para
seus conflitos e adaptabilidade dos direitos para os casos específicos, sem deixar de
observar o cumprimento de direitos que tangem a saúde e a segurança do
trabalhador, bem como quando a manutenção da ordem pública.
representação, pelo Ministro do Trabalho e Previdência Social, ou pela Justiça do Trabalho em processo submetido ao seu julgamento. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) 23 Art. 611, CLT - Convenção Coletiva de Trabalho é o acôrdo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) § 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais emprêsas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da emprêsa ou das acordantes respectivas relações de trabalho. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) § 2º As Federações e, na falta desta, as Confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no âmbito de suas representações. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
108
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DE CUMPRIMENTO - DESPROVIMENTO. VALIDADE DE CLÁUSULA DE CONVENÇÃO COLETIVA - VEDAÇÃO DE FUNCIONAMENTO DE PADARIAS E VENDA DE PÃES AOS DOMINGOS. Sendo questão de relevante interesse público, o funcionamento dos setores referentes a panificação - indústria e comércio - não pode ser tratado por convenção coletiva. Correta a decisão do Tribunal Regional que decretou a nulidade de cláusula proibitiva constante de convenção coletiva. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (AIRR 3239401120035010244 323940-11.2003.5.01.0244 – TST. 3ª turma. Relatora Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. DJ 29/06/2007)
As convenções e os acordos coletivos podem tratar de assuntos que tangem
a uma categoria, acrescentar direitos e benefícios, adaptar carga horária com
jornada de 12x36, exigir o pagamento de plano de saúde, determinar o número de
uniformes que serão oferecidos, entre tantos outros direitos, mas não podem
extrapolar a competência que lhes é concedida para as relações de trabalho e
passar a normatizar interesses que dizem respeito a toda a população, e daí advém
as limitações.
Da mesma forma, não podem ser utilizadas para redução de direitos
indisponíveis, tais como o intervalo intrajornada para repouso e alimentação. Nesse
caso prevalece a norma mais benéfica da própria CLT em detrimento de cláusula
que contenha redução desse intervalo, conforme posicionamento do TST expresso
na Súmula n. 43724, divulgada em setembro de 2012.
24 Súmula nº 437 do TST INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I - Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração. II - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. III - Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais. IV - Ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, obrigando o empregador a remunerar o período para descanso e alimentação não usufruído como extra, acrescido do respectivo adicional, na forma prevista no art. 71, caput e § 4º da CLT.
109
Assim, diante de duas normas aplicáveis ao trabalhador, deve-se optar pela
mais favorável, não podendo, jamais, ofender a ordem pública. A CLT já estabelece
normas que podem ser vislumbradas inclusive como um patamar mínimo, no cenário
brasileiro, e as convenções e acordos coletivos devem aprimorar e melhorar as
condições laborais, com normas mais benéficas.
A ingerência prejudicial trazida nos instrumentos coletivos deve ser invalidada
pelos tribunais, através dos meios judiciais próprios. O Tribunal Superior do Trabalho
demonstrou seu posicionamento de impossibilidade de utilização dos instrumentos,
ainda que coletivos, para sobrepujarem norma estabelecida em prol da saúde e
segurança dos trabalhadores, ao modificar a súmula 364, do próprio TST, que
possibilitava a fixação do adicional de periculosidade em percentual inferior ao legal
e proporcional ao tempo de exposição ao risco, quando pactuado em acordo ou
convenção coletiva25, contrariando norma mais benéfica fixada na própria legislação.
Assim, em julgamento, foi proferida a invalidade do ajuste em negociação coletiva
com teor prejudicial ao previsto em lei:
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. PAGAMENTO EM PERCENTUAL INFERIOR AO PREVISTO EM LEI, AJUSTADO EM NEGOCIAÇÃO COLETIVA. INVALIDADE. CANCELAMENTO DO ITEM II DA SÚMULA Nº 364 DO TST. Verifica-se, do acórdão recorrido, que o acordo coletivo em debate estabeleceu o pagamento de adicional de periculosidade em percentual inferior àquele previsto em lei. O adicional de periculosidade
25 Súmula 364, TST (antiga redação): Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 - cancelado o item II e dada nova redação ao item I Redação original - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 Nº 364 Adicional de periculosidade. Exposição eventual, permanente e intermitente (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 5, 258 e 280 da SBDI-1) I - Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 05 - inserida em 14.03.1994 - e 280 - DJ 11.08.2003) II - A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos. (ex-OJ nº 258 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002) (grifo nosso) Súmula 364, TST (nova redação): Súmula nº 364 do TST ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE (inserido o item II) - Res. 209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016 I - Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 05 - inserida em 14.03.1994 - e 280 - DJ 11.08.2003) II - Não é válida a cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho fixando o adicional de periculosidade em percentual inferior ao estabelecido em lei e proporcional ao tempo de exposição ao risco, pois tal parcela constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantida por norma de ordem pública (arts. 7º, XXII e XXIII, da CF e 193, §1º, da CLT). (grifo nosso).
110
constitui direito vinculado à saúde e à segurança do trabalho, assegurado por norma de ordem pública, nos termos dos artigos 193, § 1º, da CLT e 7º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal, o direito ao seu pagamento integral (isto é, pelo percentual de 30% do valor mensal da base de cálculo salarial devida) , não podendo ser objeto de nenhuma redução ou limitação por negociação coletiva, diante do seu caráter indisponível. Exatamente por isso, os Ministros componentes do Tribunal Pleno desta Corte, em decorrência dos debates realizados na denominada "Semana do TST", no período de 16 a 20/5/2011, decidiram, em sessão realizada no dia 24/5/2011 e por meio da Resolução nº 174, da mesma data (DJe de 27/5/2011, p. 17 e 18), cancelar o item II da Súmula nº 364, que permitia a possibilidade de fixação do adicional de periculosidade em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, quando pactuado em acordo ou convenção coletiva. Dessa forma, considerando que a norma legal vigente assegura ao empregado exposto a condições perigosas o pagamento do adicional de periculosidade de 30% sobre o seu salário, o que não pode ser objeto de negociação coletiva, não há falar em violação dos artigos 7º, inciso XXVI, da Constituição da República e 611, § 2º, da CLT. (RR 2856004720095090411, 2ª Turma. TST. Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta. DEJT 18/03/2016)
Ressalte-se que uma norma na qual à primeira vista é concedido algum
benefício financeiro que possa parecer vantajosa, mas que retira direito que tem o
condão de preservar a saúde ou a segurança do obreiro, essa não pode prosperar.
Por fim, o último exemplo que clareia a vertente da norma mais benéfica,
diante da comparação do inciso III do art. 473, CLT, que prevê um dia de licença
paternidade em caso de nascimento de filho, contraposto com o §1º do art. 10 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê o prazo de cinco dias
para licença-paternidade, deve prevalecer o segundo, mais benéfico ao trabalhador,
e caso sobrevenha cláusula constante em convenção ou acordo coletivo de trabalho,
com concessão de prazo maior para a licença-paternidade, deve essa prevalecer
sobre as demais, independentemente da hierarquia, mas pelo fato de ser mais
benéfica para o trabalhador.
Assim, constata-se que a primeira vertente do princípio da proteção, a da
prevalência da norma mais benéfica, depara com limitações diante da ofensa à
ordem pública, segurança e saúde do trabalhador, mas em outras questões, a
hierarquia tradicional é substituída pela norma que mais oferecer benefícios ao
trabalhador, independentemente de sua classificação.
A segunda vertente traz a prevalência da condição mais benéfica, ou seja, as
situações mais vantajosas se incorporam aos direitos do empregado, sejam elas
criadas por força do contrato, expresso ou tácito, regimento interno, norma coletiva
ou decorrente da própria atitude, estas devem prevalecer sobre condição anterior e
incorporam aos direitos do trabalhador. Ou seja, “assegura-se ao empregado a
111
manutenção, durante o contrato de trabalho, de direitos mais vantajosos, de forma
que as vantagens adquiridas não podem ser retiradas nem modificadas para pior”
(GARCIA, 2010, p. 101).
Entretanto, há requisitos para a aplicação do princípio da condição mais
benéfica ao trabalhador, o que é detalhado por Vólia Bomfim Cassar:
Para se aplicar o princípio da condição mais benéfica ao trabalhador é necessário: a) existência de uma condição concreta anterior ou de uma norma anterior aplicável àquela situação concreta; b) situação ou norma nova, distinta da anterior e aplicada voluntariamente, de forma habitual pela empresa, e que seja mais vantajosa que a anterior para aquele mesmo trabalhador, desde que inexista lei proibindo a incorporação da benesse ou que não contrarie norma de ordem pública. (CASSAR, 2014, p. 172)
O art. 46826 da CLT expressa essa incorporação da condição mais vantajosa,
ao postular que só será considerada lícita quando tiver o consentimento das duas
partes e que não acarrete prejuízo para o empregado, em caso contrário é
considerada nula.
Da mesma forma, as súmulas 5127 e 28828 do TST expressam essa vertente
ao colocar a condição mais vantajosa como direito adquirido. Com conteúdo material
26 Art. 468, CLT – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. 27 Súmula 51, TST - NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973) II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1 - inserida em 26.03.1999). 28 Súmula 288, TST - COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA (nova redação para o item I e acrescidos os itens III e IV em decorrência do julgamento do processo TST-E-ED-RR-235-20.2010.5.20.0006 pelo Tribunal Pleno em 12.04.2016) - Res. 207/2016, DEJT divulgado em 18, 19 e 20.04.2016 I - A complementação dos proventos de aposentadoria, instituída, regulamentada e paga diretamente pelo empregador, sem vínculo com as entidades de previdência privada fechada, é regida pelas normas em vigor na data de admissão do empregado, ressalvadas as alterações que forem mais benéficas (art. 468 da CLT). II - Na hipótese de coexistência de dois regulamentos de planos de previdência complementar, instituídos pelo empregador ou por entidade de previdência privada, a opção do beneficiário por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do outro. III – Após a entrada em vigor das Leis Complementares nºs 108 e 109, de 29/05/2001, reger-se-á a complementação dos proventos de aposentadoria pelas normas vigentes na data da implementação dos requisitos para obtenção do benefício, ressalvados o direito adquirido do participante que anteriormente implementara os requisitos para o benefício e o direito acumulado do empregado que
112
similar, as mencionadas súmulas concedem aos trabalhadores condições mais
benéficas, mesmo aquelas que foram aplicadas depois da entrada na empresa, por
outro lado se as condições revogarem ou alterarem os direitos do trabalhador, essas
só serão válidas para aqueles ingressarem posteriormente.
Alice Monteiro de Barros explicita ainda que as condições mais favoráveis
podem ser causais ou concessivas:
As condições mais favoráveis podem ser causais, concedidas em face de uma qualidade especial do empregado, e concessivas, outorgadas pelo empregador, sem o cunho sinalagmático. Estas últimas poderão ser compensadas com norma legal ou convencional posterior, como ocorreu com a gratificação natalina, que já era paga por algumas empresas quando da edição da Lei 4.019, de 13 de julho de 1962, instituidora do 13º salário (Súmula n. 145, hoje cancelada, e n. 87, do TST). O mesmo já não ocorre com as condições mais favoráveis causais, pois, dada a sua especificidade, não poderão ser absorvidas por normas gerais. A homogeneidade das vantagens é um requisito necessário à compensação. (BARROS, 2016, p. 123)
Enfim, a vertente da condição mais benéfica propicia a alteração do contrato
mediante concessões de vantagens, com melhorias para o trabalhador.
Há ainda a terceira vertente do princípio da proteção, que, inclusive, é alvo de
divergência quanto à sua existência. Há quem defenda que ela apresenta uma
autonomia, ou seja, é uma subdivisão autônoma do princípio da proteção, e há
quem defenda que ela já se encontra implícita nas demais vertentes, trata-se do in
dubio pro operario, perante o qual, diante de uma disposição jurídica com
possibilidades diversas de interpretações, ou até mesmo em caso de dúvida na
interpretação, adota-se aquela que é mais favorável para o empregado.
No mesmo sentido, Cesarino Jr. fala sobre a vertente do in dubio pro operario,
ao elencar o Direito do Trabalho como direito social, explica que no sistema legal de
proteção – dos economicamente fracos e os hipossuficientes – deve ser a
interpretação em favor do empregado:
[...] quanto ao seu método, máxime na parte da interpretação, exige regras especialíssimas, tendo em vista o seu caráter de conjunto de normas protetoras dos hipossuficientes, o que leva a aplicar quase sempre, ou mesmo sempre, em se tratando do Direito Social, o “benévola ampliada, odiosa restringenda” (CESARINO JR., 1957, p.100)
até então não preenchera tais requisitos. IV – O entendimento da primeira parte do item III aplica-se aos processos em curso no Tribunal Superior do Trabalho em que, em 12/04/2016, ainda não haja sido proferida decisão de mérito por suas Turmas e Seções.
113
No mesmo sentido, Plá Rodriguez enfatiza a funcionalidade desse princípio,
tratando-o como uma regra, em que estabelece o critério de que “no caso de que
uma norma seja suscetível de entender-se de vários modos, deve-se preferir a
interpretação mais favorável ao trabalhador” (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 107).
No entanto, não há alteração do significado de uma norma, já que consiste
apenas em adotar a interpretação mais benéfica para o trabalhador. Tem cunho de
direito material, devendo ser interpretado com extrema cautela na esfera processual,
pois o princípio consiste numa aplicação no direito do trabalho. A utilização desse
princípio em normas processuais pode acarretar uma extrapolação dos contornos
constitucionais democráticos, como ressalta Gustavo Garcia:
Por se tratar de princípio inerente ao Direito (material) do Trabalho, o in dubio pro operario não apresenta caráter processual, uma vez que o Direito Processual do Trabalho possui disposições específicas e próprias, como a avaliação da qualidade das provas produzidas e a aplicação das regras de ônus da prova. (GARCIA, 2010, p. 99)
A adoção do princípio in dubio pro operario, se aplicada ao Direito Processual
do Trabalho terá o condão de alterar significativamente o cenário processual, pois
influencia no convencimento do julgador na análise das provas e pode favorecer
uma das partes mesmo diante da insuficiência de provas. Por isso, há grande
divergência quanto à utilização de tal princípio na seara processual, já que no
processo a igualdade das partes deve ser basilar e fundamental.
Ademais, Maurício Godinho Delgado coloca em xeque a existência do
princípio in dubio pro operario, o qual prefere chamar de in dubio pro misero. O autor
mostra que a plausibilidade de geração de controvérsias no entendimento do
princípio, pode consistir numa proposição jurídica que pode, equivocadamente, ser
levada no exame dos fatos da causa. Sendo assim, ao analisar as provas, caso
restem dúvidas, o juiz deveria optar pela decisão mais benéfica ao trabalhador, o
que afrontaria o princípio constitucional e civilizatório do princípio do juiz natural.
Assim explica:
Ora, o caráter democrático e igualitário do Direito do Trabalho já conduz ao desequilíbrio inerente às suas regras jurídicas, a seus princípios e institutos, sendo que o Direito Processual do Trabalho também já produz a necessária sincronia entre esse desequilíbrio e a teoria processual do ônus da prova e demais presunções sedimentadas favoráveis ao obreiro, características
114
desse ramo jurídico. Não se estende, contudo, obviamente, o mesmo desequilíbrio à figura do juiz e à função judicante – sob pena de se comprometer a essência da própria noção de justiça. (DELGADO, 2010, p. 78)
Nesse sentido, o autor afirma que dimensão da interpretação in dubio pro
operario já está sedimentada e englobada em outro princípio – o da norma mais
favorável – perdendo a utilidade científica de uso da expressão.
Portanto, há o enredo da perspectiva de três vertentes que partem e retornam
ao princípio da proteção, nuclear e estruturador, que paira sobre as normas
trabalhistas, apesar de algumas diferenças.
As diversas nuances na compreensão crítico-epistemológica do princípio da
proteção no Direito do Trabalho é reflexo da hermenêutica constitucional dos
Direitos Fundamentais, cuja finalidade imediata é a inclusão dos excluídos e a
proteção daqueles sujeitos que se encontram socialmente em posição de
desigualdade em relação aos detentores dos meios de produção. O texto da
Constituição de 1988 é o referencial teórico utilizado para a compreensão
sistemática do princípio da proteção no âmbito juslaborista. É importante destacar
que a norma ou condição mais benéfica e o in dubio pro operario são leituras
construídas juridicamente, não sendo pontuais pois dependem da interpretação do
jurista.
2.3.3 O entendimento da doutrina e jurisprudência brasileira sobre a proteção como princípio de Direito do Trabalho O caráter interpretativo dos princípios, bem como a visão de representarem
diretrizes de orientação das normas, é reconhecido na doutrina brasileira. Esse foi,
entretanto, sendo delineado e insculpido ao longo do desenvolvimento do Direito do
Trabalho.
O princípio da proteção foi tratado esparsamente, de maneira esporádica e
dispersa, sem uma definição clara, em vários manuais de Direito do Trabalho no
Brasil, tal como em Direito Social Brasileiro (CESARINO JÚNIOR, 1957), que o autor
tratou do in dubio pro operario, reconhecendo a proteção implicitamente, assim
como em outros manuais, nos quais as referidas obras abordaram sinteticamente a
115
norma mais favorável ou a condição mais benéfica, ao tratarem de fontes,
interpretação ou integração.
A estrutura norteadora do Direito do Trabalho brasileiro foi construída a partir
do princípio protetor, que permeia toda a seara, e em decorrência dessa iminência,
os demais princípios trabalhistas são elencados como consequência daquele.
Como expõe Arnaldo Sussekind (2003), “os fundamentos jurídico-políticos e
sociológicos do princípio protetor geram, sem dúvida, outros, que dele são filhos
legítimos” (SUSSEKIND et al., 2003, p. 145), como o princípio “in dubio pro
operario”, o princípio da norma mais favorável, o princípio da condição mais
benéfica, o princípio da primazia da realidade e os princípios da integralidade e da
intangibilidade do salário. Todos esses constituem, na visão do autor, o núcleo de
proteção do empregado, além dos que vislumbra como consagrados, na
Constituição Brasileira de 1988, o princípio da não-discriminação, o princípio da
continuidade da relação de emprego e o princípio da irredutibilidade do salário.
Ressaltou Arnaldo Süssekind que, apesar do protecionismo, algumas
medidas flexibilizatórias foram sendo incorporadas ao contexto brasileiro, para
adaptação à conjectura econômica e tecnológica, mediante tutela sindical:
Pondere-se, neste passo, que se vem desenvolvendo a tese de flexibilização, que a Constituição brasileira adotou, ainda que timidamente, capaz de proporcionar a adaptação de condições de trabalho, mediante tutela sindical, a situações conjunturais ou a exigências de nova tecnologia, assim como a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais. (SUSSEKIND et al., 2003, p. 145)
O caráter flexibilizatório que menciona se refere à possibilidade de redução
salarial mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, conforme previsão do
inc. VI do art. 7º da CF/88, e não deixa de refletir, a priori, em redução de benefícios
para o empregado.
Outras medidas desse cunho foram sendo incorporadas ao Direito do
Trabalho brasileiro, no qual se possibilita a redução ou minoração dos direitos do
trabalhador, mas desde que ocorram com a devida tutela sindical, como a utilização
da modalidade de banco de horas através de negociação coletiva, permitindo a
feitura de horas além da carga horária e compensadas posteriormente, conforme
exposto no § 2º do artigo 5929 da CLT.
29 Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número
116
Nessa mesma linha pode-se vislumbrar alguns julgamentos evidenciados em
posicionamento sumulado do TST, como expressado na Súmula 44430 do TST, que
possibilitou a fixação da jornada de trabalho de doze horas de trabalho por trinta e
seis horas de descanso, sem pagamento extra pela 11ª e 12ª horas, desde que
ajustada por convenção ou acordo coletivo de trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho enfatizou o posicionamento permissivo,
entendendo, entretanto, que é consonante com os princípios justrabalhistas, ao
possibilitar que a jornada do turno de revezamento fosse estendida a oito horas
diárias, sem pagamento de horas extras quando acertado em negociação coletiva, o
que veio expresso na Súmula 42331, TST.
São medidas advindas da jurisprudência brasileira que têm permitido a
modificação das condições para o trabalhador, mas obtidas mediante negociação
coletiva, na qual os sindicatos realizam o papel de representantes da classe, e que
não possibilitariam a minoração de direitos. Vislumbra-se, nesse ponto, uma
ponderação da proteção mediante a tutela dos sindicatos, que devem analisar as
vantagens e desvantagens especialmente para a classe obreira.
Nesse ponto, não se pode, entretanto, dizer que há uma crise do princípio da
proteção ou se está num caminho de derrocada do mesmo, o que se verifica é um
fortalecimento da figura sindical, com parâmetros de representação coletiva insertos
não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. (…) § 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001) (…) 30 Súmula nº 444 do TST - JORNADA DE TRABALHO. NORMA COLETIVA. LEI. ESCALA DE 12 POR 36. VALIDADE. - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 - republicada em decorrência do despacho proferido no processo TST-PA-504.280/2012.2 - DEJT divulgado em 26.11.2012 - É valida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas. 31 Súmula nº 423 do TST - TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. FIXAÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO MEDIANTE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 169 da SBDI-1) Res. 139/2006 – DJ 10, 11 e 13.10.2006): Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não têm direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras.
117
no plano constitucional, ou seja, dentro do permissivo expresso na Constituição
Brasileira de 1988.
Arion Sayão Romita apresenta uma visão diferenciada, reafirma a autonomia
do Direito do Trabalho, mas enfatiza que o Direito do Trabalho atual “não é mais
aquele que, durante o Estado Novo (1937-1945), regulava as relações individuais e
coletivas de trabalho em um Brasil de incipiente industrialização, submetido a um
regime político caracterizado pelo autoritarismo e pelo corporativismo” (ROMITA,
2002, p. 11).
Diante das mudanças que se sucederam no país, Arion Romita vislumbra a
construção de uma superestrutura jurídica, a qual deve se adaptar às novas
realidades, e não ficar atrelada a uma visão que considera conservadora e
enrijecida, e, por isso, assim expõe: “A visão conservadora e resistente às
mudanças se esmera na supervalorização do princípio de proteção, opondo-se à
tendência renovadora, pregoeira de “novidades” como flexibilização e noções afins”
(ROMITA, 2002, p. 11). Nesse sentido, analisa que a exsurgência do princípio da
proteção se deu em razão da manutenção de um regime político autoritário e
corporativista, não se constituindo o trabalhador como o verdadeiro núcleo almejado:
Dito “princípio da proteção”, na realidade, não existe nem pode ser afirmado sem desconhecer os fundamentos históricos e sociopolíticos do ordenamento trabalhista brasileiro. Em regime político autoritário e corporativista, não há como aceitar a tese de uma suposta proteção que o Estado dispensaria aos trabalhadores. O ordenamento corporativo, longe de proclamar o primado de qualquer dos fatores da produção, cuida de preservar, privilegiar e proteger os “superiores interesses da produção nacional”, tarefa que incumbe ao Estado. A própria índole do ordenamento repele a noção de proteção dos trabalhadores, pois estes atuam no espaço político a serviço daqueles “superiores interesses”, de sorte que os destinatários da “proteção” vêm a ser, em última análise, os detentores do poder estatal, econômico e sindical. (ROMITA, 2002, p. 11)
Ao inserir o protetivismo num contexto político de autoritarismo e
corporativismo, o afasta como cerne do ordenamento jurídico trabalhista,
substituindo-o, no tratamento, como cerne do Direito do Trabalho, pelo princípio da
liberdade de trabalho, e ainda acrescenta que, no Brasil, além da liberdade de
trabalho, vige na seara laboral o princípio da democracia.
Afasta do Direito a função primordial de proteção, pois elenca a realização do
ideal de justiça como o cume do ordenamento, independentemente do ramo, assim
elencando:
118
Não constitui função do direito – de qualquer dos ramos do direito – proteger algum dos sujeitos de dada relação social. Função do direito é regular a relação em busca da realização do ideal de justiça. Se para dar atuação prática ao ideal de justiça for necessária a adoção de alguma providência tendente a equilibrar os polos da relação, o direito concede à parte em posição desfavorável alguma garantia, vantagem ou benefício capaz de preencher aquele requisito. (ROMITA, 2002, p. 12)
Ressalta-se que, apesar da discordância no tocante ao posicionamento do
autor Arion Romita, vislumbrado no trecho, o princípio da proteção é justamente a
concessão do direito de preenchimento da igualdade, com garantias, para equilíbrio
dos polos, não se constituindo tratativa de agigantar uma das partes, mas apenas
possibilitar a busca do ideal de justiça.
Para tanto, pode-se dizer que a realização do ideal de justiça somente pode
ser vislumbrado na esfera judicial quando há uma possibilidade de enfrentamento de
interesses, pelas partes, assim como a busca em caso de violação de direitos, com
a igualdade das partes, para que, além de conseguir realizar o questionamento
através de um processo, consiga ali se manter ao longo do trâmite, e, para isso, a
proteção em caso de desequilíbrio de forças se torna essencial, função exercida
pelo princípio da proteção para realização do então ideal de justiça.
A perspectiva vislumbrada por Arion Romita é de equilíbrio das partes para
atendimento à função social, e, assim, defendendo que o Direito do Trabalho não
deve existir em benefício do empregado, mas com caráter sinalagmático, com dose
de proteção também concedida ao empregador. Nesse sentido, elenca a função
social do Direito do Trabalho:
Para exercer sua função social, ao reconhecer a inicial posição de desvantagem em que se encontra o trabalhador quando celebra um contrato subordinativo, o Direito do Trabalho equilibra as posições econômicas dos respectivos sujeitos por meio da concessão de garantias ao mais fraco, com o intuito não de protege-lo, mas de realizar o ideal de justiça. Repugna ao ideal de justiça a proteção de um dos sujeitos de certa relação social. O ideal de justiça se realiza quando o direito compensa desigualdades iniciais pela outorga de garantias aptas a igualar posições (ou, pelo menos, atenuar a desigualdade inicial). (ROMITA, 2002, p. 12)
Assim, constata-se que, na visão do autor supramencionado a função
norteadora do Direito do Trabalho é o equilíbrio de posições, para que atenda à sua
finalidade social e atinja o ideal de justiça, o que, nas demais visões, vislumbra-se
119
através do princípio da proteção, através do qual se busca o restabelecimento do
equilíbrio das partes no contrato de trabalho.
Há ainda aqueles que defendem a supressão do princípio da proteção, como
já mencionado, o retorno a uma regulamentação civilista, baseada na igualdade das
partes, com a preponderação da flexibilização, num discurso liberal, como se fosse
essa a alternativa para estabelecimento de economia forte para subsistência no
capitalismo globalizado, como expõe Otávio Souza:
Urge rever, sim, o montante da proteção ou mesmo sua efetiva necessidade, podar seus excessos de normatividade, reconhecer que a mesma comporta graus, selecionar seus destinatários. Reconstruir o Direito do Trabalho implica, nesta medida, na sua desconstitucionalização parcial e re-regulamentação em nível infraconstitucional, a simplificação das suas disposições e a redução de sua interferência como modo de obter maior efetividade. (SOUZA, 2002, p. 63)
Nesse sentido, a defesa pelo desfacelamento da proteção no direito do
trabalho se justificaria sob o argumento de que uma supervalorização desse
princípio se constituiria num entrave à tendência renovadora que comporta a
flexibilização e outras noções que têm o intuito de equiparação das partes para uma
maior e mais ampla possibilidade de negociação direta entre eles, sem intervenção
estatal, já que, para ele, a perspectiva protecionista constitui-se uma visão
conservadora e resistente às mudanças.
Na mesma linha, os autores Luiz Carlos Robortella e António Galvão Peres
(2009, p.22) enxergam o Direito do Trabalho da atualidade como um ramo destinado
a incrementar a produção da riqueza e a regulação do mercado de trabalho, o que
superaria, portanto, a destinação de proteção do empregado.
Apesar dessa visão que não coloca o princípio da proteção como um viés de
busca da igualdade substancial, de equilíbrio de forças através de tratativas legais
que criem tais condições, que urge pelo fim do princípio da proteção, deixando o
desequilíbrio das partes pairar sobre o direito social, cedendo às pressões
econômicas e liberais, há ainda o ponto de vista de fortalecimento da proteção, num
atributo à dignidade humana, à prevalência do indivíduo sobre as relações
econômicas, numa luta de conjugação de interesses, mas sem atentar para o lado
humano, em consonância com os ditames constitucionais, numa interpretação
ampliativa e que pode ser pivô de consequências inclusive na esfera dos conflitos.
120
Neste sentido há julgados proferidos no Tribunal Superior do Trabalho que
reconhecem a importância do princípio, exprimindo uma de suas vertentes, como no
caso de adoção da norma mais benéfica, para condenação ao pagamento do
adicional de horas extras no percentual de 100% conforme previsão em acordo
coletivo que assim trazia, em detrimento do previsto na legislação trabalhista, do
percentual de 50%:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE HORAS EXTRAS - PERCENTUAL 100%. FERIADOS TRABALHADOS. COMPENSAÇÃO. Acórdão proferido em recurso ordinário a traduzir, quanto ao adicional de horas extras, a aplicação do princípio da norma mais favorável, derivação do mega princípio da proteção que informa o Direito do Trabalho. Ademais, o exame das razões esgrimidas na revista exigiria revisita ao conjunto fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula 126/TST. Revista desfundamentada, quanto à compensação requerida, à luz do art. 896 da CLT, a inviabilizar por qualquer ângulo o seu trânsito. Agravo de instrumento conhecido e não-provido. (AIRR - 27700-76.2002.5.03.0064 , Relatora Ministra: Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Data de Julgamento: 21/05/2008, 3ª Turma, Data de Publicação: DJ 13/06/2008)
O norteamento dado pelo princípio da proteção também pode ser vislumbrado
em julgados de terceirização que envolvem o pagamento dos encargos trabalhistas
pela Administração Pública, contratante, decorrentes de uma fiscalização omissa ou
irregular do contratado que deixou de cumprir as obrigações. A responsabilidade
subsidiária, pela culpa in vigilando, impõe à Administração Pública o dever de arcar
com o ônus, especialmente com os trabalhadores, pelo arcabouço jurídico de
proteção ao empregado, não causando prejuízo a terceiro, numa aplicação da
norma mais favorável ao emprego, como se depreende do julgado proferido no TST:
Embora o artigo 71 da Lei nº 8.666/93 contemple a ausência de responsabilidade da Administração Pública pelo pagamento dos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, é de se consignar que a aplicação do referido dispositivo somente se verifica na hipótese em que o contratado agiu dentro de regras e procedimentos normais de desenvolvimento de suas atividades, assim como de que o próprio órgão da administração que o contratou pautou-se nos estritos limites e padrões da normatividade pertinente. Com efeito, evidenciado, posteriormente, o descumprimento de obrigações, por parte do contratado, dentre elas as relativas aos encargos trabalhistas, deve ser imposta à contratante a responsabilidade subsidiária. Realmente, nessa hipótese, não se pode deixar de lhe imputar, em decorrência desse seu comportamento omisso ou irregular, ao não fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo contratado, em típica culpa in vigilando, a responsabilidade subsidiária e, consequentemente, seu dever de responder, igualmente, pelas consequências do inadimplemento do
121
contrato. Admitir-se o contrário, seria menosprezar todo um arcabouço jurídico de proteção ao empregado e, mais do que isso, olvidar que a Administração Pública deve pautar seus atos não apenas atenta aos princípios da legalidade, da impessoalidade, mas sobretudo, pelo da moralidade pública, que não aceita e não pode aceitar, num contexto de evidente ação omissiva ou comissiva, geradora de prejuízos a terceiro, que possa estar ao largo de qualquer corresponsabilidade do ato administrativo que pratica. Registre-se, por outro lado, que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade objetiva da Administração, sob a modalidade de risco administrativo, estabelecendo, portanto, sua obrigação de indenizar sempre que causar danos a terceiros. Pouco importa que esse dano se origine diretamente da Administração, ou, indiretamente, de terceiro que com ela contratou e executou a obra ou serviço, por força ou decorrência de ato administrativo. Trata-se, por conseguinte, da aplicação do princípio da hierarquia das normas e, ainda, da aplicação da norma mais favorável ao empregado, não havendo falar em declaração de inconstitucionalidade do artigo 71 da Lei nº 8.666/93." (Proc. TST - AIRR-82340-33.2009.5.03.0145 - Rel. Min. Dora Maria da Costa - DEJT 20/08/2010).
Nesse mesmo sentido foi julgado, tendo como fundamento o princípio da
proteção, caso semelhante de responsabilização subsidiária da Administração
Pública, em decorrência de terceirização, com a inadimplência de contratada dos
créditos devidos ao trabalhador. Constatada a culpa in vigilando, e considerando a
necessidade de observação do princípio da proteção, assim foi decidido:
EMENTA: RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ENTE PÚBLICO. Configura-se a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, tomadora dos serviços, pelos créditos devidos ao trabalhador, quando evidenciado que o ente público manteve comportamento omissivo, irregular ou insatisfatório na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais assumidas pela prestadora de serviços por ele contratada. Nessa hipótese, o ente público incorre em culpa in vigilando, tendo a sua responsabilidade assento nos arts. 186 e 927 do Código Civil. Nesse sentido, a diretriz do item V da Súmula 331 do TST. (Proc. n. 0001950-75.2014.5.03.0024 RO. TRT 3ª Região. 4ª turma. Relator Desembargadora Denise Alves Horta. Publicado em 12/09/2016)
No decorrer da decisão, em seu inteiro teor, a relatora expressamente
manifestou que os contratos de prestação de serviços devem ser examinados e
interpretados “em consonância com as normas estabelecidas nos arts. 37 e 173,
§1º, da CR/88, bem como à luz do princípio da proteção do valor social do trabalho
(art. 1º da CR/88). ” E, diante disso, procedeu, então, à responsabilização da
Administração Pública.
Em decisão com perspectiva semelhante, no seio do TRT 3ª região, o Juiz
Cleber Lúcio de Almeida enfatizou a necessidade de pagamento das obrigações
trabalhistas pela tomadora de serviços, tendo em vista que não foram adimplidas
122
pela contratada, sob o fundamento de aplicação do princípio da proteção ao
trabalhador, com aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, por ter o
tomador de serviços se beneficiado do trabalho prestado pelo trabalhador
demandante:
In casu, ficou demonstrado o inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte da 1ª ré, efetiva empregadora do demandante, insurgindo daí a responsabilidade subsidiária da recorrente, tomadora dos serviços. O princípio da proteção ao trabalhador e a teoria da responsabilidade subjetiva permitem responsabilizá-la, subsidiariamente, pelo pagamento das verbas objeto da condenação, atraindo a incidência da Súmula 331 do c. TST. Nos exatos termos do item IV da referida Súmula, o tomador dos serviços, desde que tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial, responde, subsidiariamente, por todas as obrigações trabalhistas que foram objeto de inadimplemento por parte do efetivo empregador. A referida responsabilidade decorre tão somente do fato de o tomador dos serviços ter se beneficiado do trabalho prestado pelo autor da empresa prestadora dos serviços. (Proc. n. 0010153-91.2016.5.03.0012 ED, TRT 3ª Região. 7ª turma. Relator Juiz Convocado Cleber Lúcio de Almeida. Publicado em 16/09/2016).
Em um contexto de aplicação da principiologia e do caráter teleológico
trabalhista, Vitor Salino de Moura Eça, em julgamento no qual participou como
relator, no TRT 3ª região, analisou o panorama da licitude e dos efeitos da
terceirização à luz da Súmula 331 do TST, ratificando que não é permitida a
contratação de trabalhadores por empresa interposta para a execução de atividades-
fim da tomadora dos serviços. Aventa, assim, o princípio da proteção como núcleo
essencial do Direito do Trabalho, e o qual não deve, juntamente com as demais
normas trabalhistas, ser aniquilado ou esvaziado no sentido prático:
Por isso mesmo, a questão da licitude e dos efeitos da terceirização devem ser decididos por esta Especializada com base nos princípios e nas regras que norteiam o Direito do Trabalho, de forma a interpretá-la e, eventualmente, aplicá-la de modo a não esvaziar de sentido prático ou a negar vigência e eficácia às normas trabalhistas, com a aniquilação do próprio núcleo essencial do Direito do Trabalho - o princípio da proteção do trabalhador. Desta feita, não se deve, ao interpretar o § 1º do artigo 25 da Lei nº 8.987/95, que trata da possibilidade de contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes ao serviço, expressão imprecisa e com significados diversos, concluir pela existência de autorização legal para a terceirização de quaisquer de suas atividades-fim. Entendimento contrário não encontra respaldo constitucional, à medida que ofende o já mencionado princípio da valorização do trabalho humano. Ademais, as regras do direito do trabalho, nesse aspecto, constituem norma de ordem pública, além de configurarem regra especial, que prevalecem sobre a geral, segundo os princípios de hermenêutica. (Proc. n. 0011990-14.2015.5.03.0176 (ROPS).
123
TRT 3ª Região. 10ª turma. Relator Juiz Convocado Vitor Salino de Moura Eça. Publicado no DEJT em 09/09/2016)
Decisão pertinente, também fundamentada no princípio da proteção, foi
relatada pela Desembargadora Taísa Macena, ao analisar o caso de intervalos de
trabalhadores em minas, conforme previsto no art. 298 da CLT, de quinze minutos a
cada três horas, com uma interpretação favorável ao trabalhador para,
concomitantemente, aplicar, além daquele previsto no art. 71 da CLT, também um
intervalo de uma hora para aqueles cuja jornada extrapolar seis horas. Com a
adoção de uma interpretação consoante com o princípio, concedeu uma hora-extra
por dia, em decorrência da não concessão do intervalo intrajornada de uma hora,
que deve ser concomitante com o previsto no art. 298, CLT:
Acrescenta que, conforme a jurisprudência transcrita no recurso, o regime previsto pelo art. 298 da CLT seria compatível com o repouso previsto no art. 71, bem como que seria incoerente com o princípio da proteção do trabalho a concessão deste intervalo aos trabalhadores comuns em detrimento dos empregados que atuam em minas de subsolo. Ao exame. De fato, o art. 298 da CLT, que dispõe sobre a concessão do intervalo intrajornada de 15 minutos a cada 3 horas de trabalho para os que laboram nas minas de subsolo, como era o caso do reclamante, é compatível com o art. 71 da CLT, que prevê a concessão do intervalo intrajornada de 01 hora nas hipóteses em que a jornada laboral diária supere 6 horas. Como salientou o reclamante, a interpretação inversa afronta o princípio da proteção ao trabalho, uma vez que impõe àquele que trabalha em minas de subsolo, que enfrenta condições laborais ordinariamente mais severas que em outras atividades, um regime de repouso mais restritivo do que aquele aplicável aos demais trabalhadores. Como a finalidade das disposições do art. 71 da CLT é assegurar descanso ao empregado durante a execução do trabalho, é incoerente não as aplicar aos casos em que o labor provoca maior fadiga, como na hipótese dos que atuam em minas de subsolo. Nesse sentido, destaca-se a jurisprudência deste Tribunal e do TST, transcrita pelo reclamante em seu recurso, conforme a qual o art. 71 da CLT também se aplica aos que trabalham em minas de subsolo. (…) Por isso, considerando que os mencionados registros de jornada não indicam a concessão do repouso de 01 hora, são devidas horas extras em razão da inobservância deste intervalo. Destarte, dou provimento para acrescer à condenação o pagamento de 01 hora extra por dia trabalhado, em decorrência da não concessão do intervalo intrajornada de 01 hora previsto no art. 71 da CLT, com os adicionais convencionais estabelecidos nos ACT e os mesmos reflexos e critérios de cálculo das demais horas extras deferidas nesta ação. (0010917-91.2015.5.03.0148 (RO). TRT 3ª região. 10ª turma. Relatora Desembargador Taisa Maria M. de Lima. Publicado no DEJT em 27/09/2016)
124
Denota-se, assim, que o Tribunal Superior do Trabalho, e também Tribunais
Regionais, como o TRT 3ª região, tem analisado, sob a ótica do princípio da
proteção, a aplicação de normas e condições mais benéficas para o empregado, nos
casos mencionados e em outras situações que versam sobre o direito material do
trabalho.
E, nesta linha, deve ser acentuada a importância do Direito do Trabalho, e
especialmente do princípio da proteção, ao confrontar a ideia de necessidade do fim
do protecionismo, diante de críticas de que, em casos individuais, a proteção acaba
por dar guarida a empregados que não cumprem adequadamente o seu papel, que
utilizam o direito trabalhista em prol de seu benefício frente ao empregador, mas
com o intuito de desvirtuar a norma para o que ela foi criada. A proteção dada à
parte mais fraca não pode ser retirada por um caso individualizado em que a
disparidade entre as partes não se revela pulsante, como o caso de empresas de
pequeno porte, deve ser contextualizada com a aplicação e análise do contexto
apresentado em juízo, com o debate entre as partes de forma que possibilite o
melhor entendimento e um provimento final que corresponda aos fins teleológicos do
direito. Reitera-se que a análise em relação à ciência jurídica não pode ser feita com
casos isolados e esparsos, dada que a integralidade da aplicação de algo sempre é
impossibilitado quando se trata de uma ciência que lida com sentimentos e pessoas.
Enfim, apesar de divergências no tocante à intensidade e delimitação do
princípio da proteção, sua aplicação vem sendo reiterada nos tribunais brasileiros,
no momento de interpretação de normas existentes no ordenamento jurídico, como
meio de instrumentalizar a igualdade substancial buscada pelo Direito do Trabalho.
Em vários julgados vislumbra-se a preocupação em analisar a interpretação mais
benéfica para que se aplique o princípio norteador do ramo justrabalhista. Não há,
pois, uma derrocada ou uma extinção preeminente nos julgados, mas, pelo
contrário, apesar das adversidades e questionamentos quanto à sua persistência,
tem sido reiterado em julgamentos nos quais, inclusive, se constitui fundamento para
a concessão de direitos.
2.3.4 A CLT como locus de consolidação do princípio da proteção no Brasil
No ordenamento jurídico brasileiro, além do instrumento constitucional, há a
legislação trabalhista, além de leis esparsas, a Consolidação das Leis Trabalhistas,
125
que é inspirada pelo princípio da proteção e apresenta normas que vislumbram a
importância de se estabelecer um equilíbrio intervencionista nas relações, a fim de
configurar uma igualdade substancial.
Dadas as razões delineadas que formaram uma base de justificação para a
implementação do princípio da proteção na seara justrabalhista, as peculiaridades
desse ramo foram explicitadas na CLT como meio de regulamentar o elemento de
produção, o trabalho, na dinâmica das empresas.
Há, pois, momentos de intervenção nas relações de trabalho para superação
do ideal liberal de igualdade meramente formal. Consubstancia-se, para
compensação dos desequilíbrios socioeconômicos e de poder existentes na relação
entre empregados e empregadores, em artigos que limitam as exigências e os
poderes do polo contratante, com, ainda, exigência de adoção da norma mais
favorável em caso de conflito:
A prevalência da norma mais favorável é um corolário do princípio da proteção que norteia o Direito do Trabalho brasileiro, como se infere do caput do art. 7º, da Constituição vigente, e dos art. 44432 e 46833 da CLT, dos quais se constata que a lei atua assegurando um mínimo de garantias sociais para o empregado, passível de tratamento mais benéfico pela vontade das partes ou por outra fonte do Direito. Essas novas condições aderem ao contrato de trabalho por força de ajuste tácito ou expresso. O fundamento da adesão da condição mais benéfica ao pacto laboral é o direito adquirido. (BARROS, 2016, p. 92)
Ressalta-se que as normas insculpidas na CLT podem, conforme já
expressado, serem alteradas por outros instrumentos normativos quando mais
benéficos para o trabalhador, independentemente de sua hierarquia, e sem que se
constate prejuízo para ele.
Os diplomas legais no Brasil continuam sendo inspirados no princípio da proteção ou da tutela, como se infere do próprio caput do art. 7º da Constituição da República de 1988, o qual, ao arrolar os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, prevê “outros que visem à melhoria de sua condição social”. Isso demonstra uma técnica legislativa direcionada ao princípio da tutela. Outra manifestação do princípio da proteção encontra-se nos arts. 444 e 620 da CLT. O primeiro faculta às partes estipular as
32 Art. 444, CLT - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. (BRASIL, 1943) 33 Art. 468, CLT - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. (BRASIL, 1943)
126
condições contratuais, desde que não contravenham às disposições de proteção ao trabalho, às convenções coletivas que lhe sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. Já o art. 620 preceitua que as condições estabelecidas em convenções coletivas, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em acordo, desde que não contrariem o interesse geral da coletividade. (BARROS, 2016, p. 124)
Há, pois, um viés protecionista que impõe limites inclusive à vontade das
partes, com sanção de nulidade caso um ajustamento substitua um anterior com
prejuízo para o trabalhador, mesmo se esse assim o desejar. Não se vislumbra,
assim, liberdade e autonomia do empregado para aceitar condições que lhe sejam
prejudiciais.
Além do mais, as normas trabalhistas têm caráter imperativo, cogente,
dotados de obrigatoriedade, não podendo ser afastadas por ajuste de vontade das
partes, principalmente se acontece em contrato individual.
A indisponibilidade dos direitos trabalhistas também se constata como uma
forma de proteção, inviabilizando a abdicação de direitos por ato unilateral do
empregado, o que configuraria renúncia, bem como impõe limites inclusive à
transação.
O entendimento segue no sentido de que a transação extrajudicial fica
restrita, por exemplo, no caso de programa de demissão voluntária, às parcelas e
aos valores especificados no recibo de quitação, conforme previsto no § 2º do art.
477, da CLT, que deixa claro que o empregado não pode ser prejudicado atingindo
outros direitos que ali não foram detalhadamente expressos e, diante desse artigo, a
própria jurisprudência assim interpreta, à luz da proteção:
O instituto da transação extrajudicial deve ser interpretado com reservas, no âmbito do Direito do Trabalho, em face à predominância do princípio protecionista ao hipossuficiente nesse ramo do direito, quando configurar prejuízo aos direitos do trabalhador. Assim, a transação extrajudicial decorrente de adesão de empregado a programa de incentivo à demissão abrange somente as parcelas e os valores constantes do recibo, não podendo atingir outros direitos decorrentes do contrato de trabalho, não especificados no recibo de quitação, nos termos do artigo 477, § 2º, da CLT. A v. decisão regional está em consonância com a jurisprudência pacífica desta Corte Superior, sufragada na Orientação Jurisprudencial nº 270 da SBDI-1 e na Súmula nº 330. (Processo: RR - 195100-77.2000.5.02.0464 Data de Julgamento: 17/11/2010, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/11/2010).
A continuidade do contrato de trabalho, com a presunção de indeterminação,
também se constitui como uma modalidade de proteção para o trabalhador. A
127
continuidade das relações empregatícias se verifica inclusive quando há contrato
tácito, sendo mais vantajoso para o empregado no momento em que, caso a outra
parte, o empregador, queira encerrar o contrato, devendo seguir os trâmites e os
direitos para tanto, como o aviso prévio, a multa fundiária de 40% do FGTS,
liberação de guias de seguro desemprego e Termo de Rescisão do contrato de
trabalho, além do pagamento de férias vencidas, simples e proporcionais e a
gratificação natalina. A predeterminação do prazo do contrato de trabalho somente
pode ser verificada em hipóteses tratadas e permissivas pela legislação, como
exposto no art. 44334, parágrafo 2º da CLT, bem como contratos especiais como do
desporto, para o atleta profissional, nos termos da lei n. 9.615/1998, artistas e
técnicos em espetáculos, tratados na lei n. 6.533/1978, trabalho temporário em
empresas urbanas, especificado na lei n. 6.019/74, e nos contratos provisórios
tratados na lei n. 9.601/98.
Nesse sentido, corroborando a previsão da CLT, o próprio TST elaborou a
Súmula 212 que explicita tal proteção ao empregado, dispondo que “o ônus de
provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e
o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de
emprego constitui presunção favorável ao empregado”.
Ainda presente em outros artigos, o princípio da proteção irradia, inserto na
CLT, sobre a seara processual, em artigos que lidam diretamente com a relação
entre as partes no âmbito da Justiça, além do direito material.
Inicia-se, assim, na análise do art. 844 da CLT35, que expressa um viés
protecionista ao diferenciar as consequências para a ausência do reclamante e do
reclamado à audiência, enquanto para o primeiro aplica-se o arquivamento,
possibilitando que nova demanda seja ajuizada em momento imediatamente 34 Art. 443, CLT – O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado. § 1º - Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada. (Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) § 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando: (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) b) de atividades empresariais de caráter transitório; (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) c) de contrato de experiência. (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) 35 Art. 844, CLT – O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. (BRASIL, 1943)
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posterior, para o empregador aplica-se à revelia, com confissão quanto à matéria de
fato.
A busca de equilíbrio e manutenção das partes na relação processual, pela
CLT, reflete na diferenciação de direitos e deveres também expresso na fase
recursal. A obrigatoriedade do depósito recursal, previsto no parágrafo 4º do art.
89936, da CLT, é exigido somente do empregador, mesmo que ainda caiba
questionamento e possa ser devolvido posteriormente, tem um cunho de proteção
para o trabalhador, um tratamento legal diferenciado sob o pretexto de necessidade
de ser dada uma garantia de recebimento posterior.
A diferenciação persiste também na fase de execução, com o impulso oficial.
Expressamente o art. 87837, da CLT possibilita, ao fim da fase de conhecimento, a
atuação ex officio do juiz, para dar início à execução em prol do reclamante,
trabalhador.
A concessão de justiça gratuita, que pode ocorrer até mesmo de ofício,
também é uma emanação da proteção ao trabalhador, pois o parágrafo 3º do art.
79038 da CLT faculta aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do
trabalho de qualquer instância, concederem o benefício da justiça gratuita, o que
pode ocorrer a requerimento da parte ou até mesmo de ofício, sendo que, para
tanto, devem ser preenchidos os requisitos de percepção de salário igual ou inferior
36 Art. 899 - Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora. (Redação dada pela Lei nº 5.442, de 24.5.1968) § 1º Sendo a condenação de valor até 10 (dez) vêzes o salário-mínimo regional, nos dissídios individuais, só será admitido o recurso inclusive o extraordinário, mediante prévio depósito da respectiva importância. Transitada em julgado a decisão recorrida, ordenar-se-á o levantamento imediato da importância de depósito, em favor da parte vencedora, por simples despacho do juiz. (Redação dada pela Lei nº 5.442, 24.5.1968) (…) § 4º - O depósito de que trata o § 1º far-se-á na conta vinculada do empregado a que se refere o art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966, aplicando-se-lhe os preceitos dessa Lei observado, quanto ao respectivo levantamento, o disposto no § 1º. (Redação dada pela Lei nº 5.442, 24.5.1968) 37 Art. 878, CLT – A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior. 38 Art. 790, CLT – Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 10.537, de 27.8.2002) (…) § 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. (Redação dada pela Lei nº 10.537, de 27.8.2002)
129
ao dobro do mínimo legal, ou mediante declaração de que o pagamento das custas
do processo prejudicaria o seu sustento ou de sua família.
No mesmo sentindo, o art. 790-B39 da CLT responsabiliza a parte sucumbente
na pretensão que foi objeto de perícia, arcar com os honorários periciais, mas
excepciona se essa parte for beneficiária de justiça gratuita. Constitui-se, assim,
uma maneira de isentar o reclamante do pagamento, quando sucumbente na
perícia, possibilitando que ele utilize desse meio de prova mesmo com o risco de
não ser exitoso, e, nem por isso, teria então que arcar com os custos. A súmula 457
do TST inclusive pacificou o entendimento que, nesse caso, a União arcará com o
pagamento dos honorários periciais.
Também como irradiação do princípio da proteção, vislumbra-se a garantia de
que as custas serão pagas pelo vencido, após o trânsito em julgado da decisão, e,
em caso de recurso, deverão ser pagas dentro do prazo recursal, nos termos do art.
78940, CLT. Assim, o reclamante, a priori, não tem o ônus de pagamento das custas
para ingresso na justiça, e, ainda, se beneficiário da justiça gratuita não arcará,
mesmo que vencido, nem ao final.
Enfim, ressalta-se que não se aborda aqui uma aplicação ampla e irrestrita,
mas pontos que existem na própria CLT para conferir o equilíbrio das partes, com
proposições diferenciadas para as partes desigualadas, no intuito de se buscar, pois,
uma justiça social.
Assim, constata-se que o próprio ordenamento jurídico trabalhista permite a
conclusão de que há diversas normas processuais que visam a compensação da
hipossuficiência do trabalhador, ou seja, o legislador não deixou de atentar para a
realidade social, e contemplou diretrizes que propõem um caráter protecionista para
o trabalhador no plano do processo. A CLT se configura, pois, como um locus de
implementação do princípio da proteção, em momentos contratuais e também pós
contratuais.
39 Art. 790-B, CLT – A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiária de justiça gratuita. 40 Art. 789. Nos dissídios individuais e nos dissídios coletivos do trabalho, nas ações e procedimentos de competência da Justiça do Trabalho, bem como nas demandas propostas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição trabalhista, as custas relativas ao processo de conhecimento incidirão à base de 2% (dois por cento), observado o mínimo de R$ 10,64 (dez reais e sessenta e quatro centavos) e serão calculadas: (Redação dada pela Lei nº 10.537, de 27.8.2002) (…) § 1o As custas serão pagas pelo vencido, após o trânsito em julgado da decisão. No caso de recurso, as custas serão pagas e comprovado o recolhimento dentro do prazo recursal.
130
2.4 Princípio da proteção no Direito comparado
A globalização e interligação entre os Estados possibilita e impõe a influência
dos direitos estrangeiros no direito pátrio, e, além disso, permite o desenvolvimento
e uma nova interpretação mesmo diante de velhas normas. A criação do princípio da
proteção como cerne do Direito do Trabalho não foi fruto de inovação do
ordenamento jurídico brasileiro, mas fenômeno mundial, especialmente no sistema
capitalista, como meio de manutenção dessa ordem, com a tentativa de
harmonização dos cenários econômico e social.
Vitor Salino de Moura Eça ressalta a importância do comparativo entre os
ordenamentos e, muito além disso, a facilidade trazida pelos meios eletrônicos que
propiciam a aproximação das culturas e o encurtamento das distâncias:
Nunca foi tão exato falar-se em aldeia global quanto agora, quando os meios eletrônicos encurtam tanto as distâncias e aproximam as culturas. E naturalmente surge a inquietação de examinarmos como está, então, o nosso posicionamento diante dos fatos jurídicos. (EÇA, 2012, p. 17)
Foram vários os sistemas que contribuíram para a formação do ordenamento
jurídico brasileiro e para a estruturação da organização judiciária como se encontra
nos moldes atuais.
Para tanto, alguns países foram selecionados para que se possa vislumbrar a
existência do princípio da proteção, em diferentes formas e intensidade, em outras
culturas e condições, com o intuito de que, mediante o exemplo, possam ser
interpretados e analisados os limites de tal princípio no ordenamento brasileiro.
Diante de trechos da legislação dos seguintes países: França, Itália, México,
Portugal e Uruguai, selecionados pela influência na construção no direito brasileiro
ou pelas características semelhantes de produção e de mercado, e, ainda, um breve
comparativo com a África do Sul, pretende-se demonstrar a incidência do princípio
da proteção em outras legislações. No tocante à África do Sul, há o intuito de
demonstrar a diferença do viés protecionista nas normas juslaborais daquele país,
dada a sua história recente de diferenciação de pessoas até mesmo pela cor da
pele, e no qual a proteção trabalhista ainda é incipiente, com o trâmite judicial
reservado a casos específicos enquanto os demais são analisados
131
administrativamente ou por via de conciliação e arbitragem, o que já denota,
inclusive, um aparato estatal alcunhado pelo teor liberal. Desde já se ressalta que
não foram os únicos países importantes para a formação do direito brasileiro,
existindo outros que inclusive possam ter influenciado até com maior força, mas pela
similitude de condições ou de evolução histórica, ou pela própria diferenciação, e a
título exemplificativo. O processo histórico revolucionário dos países em tela, com
exceção da África do Sul, fizeram com que fossem pioneiros na inserção dos direitos
dos trabalhadores, guiados pela consciência e demanda pelos direitos sociais, ainda
que fossem concessões de direitos por governos autoritários, representam um
marco para a seara juslaboral, embora, em cada um desses, o desenvolvimento e a
evolução dos direitos trabalhistas se deu de forma distinta e em períodos distintos, o
que, consequentemente, leva ao entendimento e aplicação do princípio da proteção
de maneira e intensidade distintas.
2.4.1 África do Sul
Para que possa ser entendido a proteção no Direito do Trabalho da África do
Sul, é importante entender o fato histórico pelo qual o país passou entre 1948 e
1994, notabilizando-se por ter legalizado um sistema de segregação racial em que
uma minoria branca controlava a maioria negra e mestiça, sistema esse conhecido
por Apartheid, assim entoado por Celso Lafer: “O Apartheid, na África do Sul,
enquanto perdurou, foi um paradigma da segregação institucionalizada e do que há
de mais nefasto na herança racista do colonialismo europeu” (LAFER, 2005, p. 60).
Diante desse contexto, em 1993 foi adotada na África do Sul uma
Constituição Interina que previu para o ano seguinte as primeiras eleições
democráticas na África do Sul. Em 27 de abril de 1994, Nelson Mandela foi eleito
presidente do país com a promessa de trazer a África do Sul para uma nova era em
que todos teriam direitos iguais independentemente da cor da pele:
[...] Mesmo que poucas pessoas se lembrarão o 03 de junho de 1993, foi um dia histórico para a África do Sul. Naquele dia, depois de meses de negociações, uma data foi marcada para as primeiras eleições democráticas do país. Ela deveria ocorrer 27 de Abril de 1994. Os eleitores elegeriam 400 representantes para uma assembleia constituinte. A assembleia iria escrever uma nova constituição e formar um parlamento. Logo após a meia-noite no dia 18 de novembro de 1993, houve acordo sobre uma constituição provisória. Esta seria a lei do país até que uma
132
constituição final fosse escrito. Nós estávamos à beira de uma nova era. (MANDELA, 1994, p. 146, traduçao nossa)41
Em dezembro de 1996 foi escrita a nova Constituição sul-africana –
Constituição da República da África do Sul –, entrando em vigor em fevereiro do ano
seguinte, representando formalmente o fim do Apartheid.
Em seu preâmbulo, a Constituição Sul-africana de 1996 deixa de forma muito
explícita o reconhecimento do passado, e busca, num viés democrático e social,
promover a igualdade, ratificando esse propósito no seu preâmbulo:
Nós, o povo da África do Sul, Reconhecemos as injustiças do nosso passado; Honramos aqueles que sofreram por justiça e liberdade em nossa terra; Respeitamos aqueles que trabalharam para construir e desenvolver o nosso país; e Acreditamos que a África do Sul pertence a todos os que nele vivem, unidos na nossa diversidade. Por isso, através de nossos representantes livremente eleitos, adotamos esta Constituição como a lei suprema da República de forma a- Curar as divisões do passado e estabelecer uma sociedade baseada em valores democráticos, da justiça social e dos direitos fundamentais; Lançar as bases de uma sociedade democrática e aberta, em que o governo se baseia na vontade do povo e todos os cidadãos sejam igualmente protegidos pela lei; Melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos e libertar o potencial de cada pessoa; e Construir uma África do Sul unida e democrática capaz de tomar seu lugar de direito como um estado soberano na família das nações. (SOUTH AFRICA, 1996, tradução nossa)42
41 [...] Althought few people will remember 3 June 1993, it was a historic Day for South África. On that Day, after months of negotiations, a date was set for the country’s first democratic elections. These would take place on 27 April 1994. Voters would elect 400 representatives to a constituent assembly. The assembly would write a new constitution and serve a parliament. Just after midnight on 18 November there was agreement on an interim constitution. This would be the law of the land until a final constitution was written. We were in the brink of a new era. 42 We, the people of South Africa, Recognise the injustices of our past; Honour those who suffered for justice and freedom in our land; Respect those who have worked to build and develop our country; and Believe that South Africa belongs to all who live in it, united in our diversity. We therefore, through our freely elected representatives, adopt this Constitution as the supreme law of the Republic so as to- Heal the divisions of the past and establish a society based on democratic values, social justice and fundamental human rights; Lay the foundations for a democratic and open society in which government is based on the will of the people and every citizen is equally protected by law; Improve the quality of life of all citizens and free the potential of each person; and Build a united and democratic South Africa able to take its rightful place as a sovereign state in the family of nations.
133
Tendo em vista todo esse passado de diferenciação, principalmente devido à
cor da pele, em 1998 é criada a Lei de Igualdade no Trabalho, Lei número 55, cujo
objetivo é buscar a equidade no local de trabalho pela igualdade de oportunidades e
tratamento justo no emprego através da eliminação de discriminação injusta e
implementação de medidas de ação afirmativa para corrigir as desvantagens no
emprego. Em geral estas desvantagens sempre foram direcionadas para certos
grupos devido à cor da pele ou local de proveniência. Em suma, essa lei garante
uma representação equitativa em todas as categorias ocupacionais e níveis da força
de trabalho.
A Lei de Igualdade no Trabalho tem seu início reconhecendo os tempos
sombrios do apartheid e busca, sabendo do passado desigual, um meio de
igualdade de condições.
Reconhecendo - que, como resultado do apartheid e outras leis e práticas discriminatórias, existem disparidades no emprego, ocupação e renda no mercado de trabalho nacional; e que essas disparidades criaram tais desvantagens acentuadas para certas categorias de pessoas que não podem ser corrigidas simplesmente por revogar leis discriminatórias, Por conseguinte, a fim de promover o direito constitucional da igualdade e do exercício de uma verdadeira democracia; eliminar a discriminação injusta no mercado de trabalho; assegurar a implementação da equidade de emprego para a correção dos efeitos da discriminação; alcançar uma força de trabalho diversificada amplamente representativa de nosso povo; promover o desenvolvimento econômico e eficiência no mercado de trabalho; e dar cumprimento às obrigações da República como um membro da Organização Internacional do Trabalho [...]” (SOUTH AFRICA, 2011, tradução nossa)43
E quando se fala no propósito para essa lei, mais uma vez fica evidenciado de
forma bem clara como se deve proceder na busca de ações afirmativas para corrigir
as desvantagens e desigualdades tais como promover a igualdade de oportunidades
e o tratamento justo.
O objetivo desta lei é o de alcançar a igualdade no local de trabalho por- (A) promover a igualdade de oportunidades e de tratamento justo no emprego
43 Recognising - that as a result of apartheid and other discriminatory laws and practices, there are disparities in employment, occupation and income within the national labour market; andthat those disparities create such pronounced disadvantages for certain categories of people that they cannot be redressed simply by repealing discriminatory laws, Therefore, in order to promote the constitutional right of equality and the exercise of true democracy;eliminate unfair discrimination in employment; ensure the implementation of employment equity to redress the effects of discrimination; achieve a diverse workforce broadly representative of our people; promote economic development and efficiency in the workforce; and give effect to the obligations of the Republic as a member of the International Labour Organisation,
134
através da eliminação de discriminação injusta; e (B) aplicação de medidas de ação afirmativa para corrigir as desvantagens em termos de emprego vivida por grupos designados, a fim de assegurar a sua representação equitativa em todos os níveis profissionais no mercado de trabalho. [O parágrafo (b), alterada pela seção 2 da Lei No. 47 de 2013]” (SOUTH AFRICA, 1998, tradução nossa)44
Enfim, tendo em vista que a Lei de Igualdade Trabalhista Sul-africana foi
escrita em 1998, dois anos após o fim do apartheid, constata-se uma diferente
perspectiva de aplicação do princípio da Proteção na seara trabalhista, com o
objetivo primordial de conferir igualdade de condições ao trabalhador, colocando fim
à diferenciação por cor de pele e, a partir daí, proteger o empregado durante o
contrato de trabalho para que consiga se manter no vínculo sem discriminação e
com concessão de direitos. Este ponto é elucidado quando se fala no ônus da prova:
“Sempre que houver uma discriminação injusta conforme os termos desta lei, o
empregador contra o qual a alegação é feita deve provar que tal discriminação é
justa” (SOUTH AFRICA, 2011, tradução nossa)45.
Verifica-se, pois, uma proteção diferenciada, elevada ao direito material e
processual quanto tange à prova de discriminação, mas não em todos os direitos
trabalhistas.
2.4.2 França
O arcabouço jurídico laboral francês é esparso, com abordagem
constitucional restrita, tendo sido a Constituição aprovada por referendo em
setembro de 1958, e já tendo sofrido diversas modificações, ainda assim enfoca
principalmente a organização da estrutura do Estado e do governo, bem como suas
relações e atribuições.
Entretanto, a partir do viés democrático e social insculpido na Constituição
francesa, busca-se alcançar, por meio dos princípios, as regras de proteção do
labor, com legislação infraconstitucional e entendimento jurisprudencial. Edilton
Meireles ressalta que “As referências ao direito do trabalho, no entanto, são 44 The purpose of this Act is to achieve equity in the workplace by – a) promoting equal opportunity and fair treatment in employment through the elimination of unfair discrimination; and b) implementing affirmative action measures to redress the disadvantages in employment experienced by designated groups, in order to ensure their equitable representation in all occupational levels in the workforce. [Paragraph (b) amended by section 2 of Act No. 47 of 2013]. 45 Whenever unfair discrimination is alleged in terms of this Act, the employer against whom the allegation is made must estabilish that it is fair.
135
extraídas em sua maior parte do Preâmbulo da Constituição de 1946. Nele é que se
encontra, na França, enfim, uma consagração efetiva, mas tímida, por assim dizer,
dos direitos trabalhistas” (MEIRELES, 2014, p. 82).
O Preâmbulo menciona o dever de trabalhar e o direito ao trabalho, o
princípio da igualdade no trabalho, o acesso à formação profissional, a liberdade
sindical, o direito de greve, a negociação coletiva e a participação na gestão da
empresa. Persiste ainda garantindo a proteção da saúde, da segurança material, do
descanso e da recreação, limitando, para isso, a jornada de trabalho.
Nesse sentido, houve a inspiração para a construção de um arcabouço
infraconstitucional de intervenção e de proteção:
O mundo do trabalho e do emprego dificilmente podem ser dissociados das intervenções públicas. Políticas públicas de emprego têm um vasto campo de ação: disposições regulamentares do contrato de trabalho, a criação de empregos públicos, subsídios de desemprego, etc. Os objetivos são também diversos: regulação quantitativa e qualitativa do emprego, mas também exigência de eficácia econômica e de paz social, controle de baixos salários, redução das desigualdades salariais, etc. A existência dessas finalidades, provavelmente, foram em decorrência dos efeitos de uma crise econômica que começou nos meados de 1975 e levou as autoridades a concentrar-se no problema do emprego tanto no que respeita às instituições que cuidam dessa causa, quanto as ações e despesas. (FAVENNEC-HERY; VERKINDT, 2014, p. 323, tradução nossa)46
Foi nesse contexto que erigiu a formação de um princípio bem específico,
tratado como Principe de Faveur, que tem um cunho protecionista, ao
consubstanciar a aplicação da norma mais benéfica, considerando que, apesar de
uma suposta hierarquia de normas entre lei, acordos coletivos e contrato individual,
o direito do trabalho não pode aceitar que uma norma menos benéfica seja aplicada
ao trabalhador.
A negociação coletiva, que culmina em acordos setoriais, se presta a
acrescentar direitos e benefícios aos trabalhadores, assim, acordos ou convenções
coletivos não podem ser menos favoráveis aos trabalhadores do que a lei ou
regulamentos, nem Constituição, decretos, entre outros. E, da mesma forma, os
46 Le monde du travail et de l’emploi peut assez difficilement être dissocié des interventions publiques. Les politiques publiques de l’emploi ont un domaine d’action très vaste: dispositions réglementaures sur le contrat de travail, la création d’emplois publics, indemnisation des chômeurs, etc. Les objectifs son tout aussi divers: régulation quantitative et qualitative de l’emploi, mais aussi exigences d’efficacité économique et de paix sociale, contrôle des bas salaires, réduction des inégalités salariales, etc. Entre ces finalités parfois les effects d’une crise économique commencée dans les années 1975 ont conduit les pouvoirs publics à mettre l’accent sur le problème de l’emploi s’agissant tant des institution concernées que des actions et dépenses engagées.
136
contratos de trabalho não podem ser menos favoráveis do que as convenções e
acordos coletivos.
Há a aceitação de uma pluralidade de fontes na seara trabalhista, sendo que
a aplicação se dá pela mais favorável, como ressalta Canut:
O direito do trabalho, mais do que outras áreas do direito, é caracterizado pela pluralidade de suas fontes. A especificidade do direito do trabalho a este respeito é, em primeiro lugar, a importância da expressão fontes negociadas, que denota as convenções e os acordos coletivos de trabalho. (CANUT, 2007, p. 1, tradução nossa)47
O caráter de ordem pública social que é vislumbrado se dá pela obrigação de
adoção do regramento mais benéfico, independentemente da modalidade e da
hierarquia, não sendo possível autonomia das partes para adoção diversa, o que
constituiria afronta ao princípio.
O favorecimento é entendido como próprio da norma, ou seja, advém do
Direito Material do trabalho e, diante de análise judicial, o julgador deverá se atentar
para qual instrumento se constitui mais benéfico para decidir qual será aplicado,
sem, entretanto, estar apto para ir além do previsto nas normas.
2.4.3 Itália
O fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, fez emergir um cenário que
transpareceu os princípios liberais e democráticos, entretanto logo o território
europeu foi assolado por uma crise social e econômica. As propostas
governamentais foram insuficientes para controlar e sanar as dificuldades,
especialmente na Itália, que foi tomada pela inflação, pela alta dos preços e pelo
crescente desemprego decorrente do fechamento de indústrias (BARROS, 2008).
Diante desse contexto, greves foram promovidas pela Confederação Geral do
Trabalho, e a classe empregadora, dirigente, ameaçada, passou a demandar a
instauração de um regime autoritário, com uma autoridade centralizadora, para
controlar, proteger os interesses e impedir o avanço socialista. O ideal foi
encampado por Benito Mussolini, que, em meados de 1922, foi convocado pelo rei
Vittorio Emmanuele III para chefiar o governo. 47 Le droit du travail, davantage que les autres branches du droit, se caractérise par la pluralité de ses sources. La spécificité du droit du travail à cet égard tient, au premier chef, à l’importance des sources negociées, expression qui designe les conventions et accords collectifs de travail.
137
O regime fascista italiano, que perdurou até o 1945, apresentava viés
capitalista e praticava grande intervenção estatal nas relações entre empregados e
empregadores. Assim, foi elaborada a Carta del Lavoro, promulgada em 1927,
instrumento de controle dos trabalhadores italianos, na qual foi estabelecido regime
de partido único, e a organização do trabalho fundada numa lógica produtivo-
corporativa, com os empregados e empregadores organizados em corporações a
partir de 1934.
Constata-se que, apesar do autoritarismo que regeu as relações, o direito
trabalhista italiano apresenta um viés histórico e desenvolvimentista avançado, que,
praticou a intervenção, com controle do direito coletivo do trabalho, mas, em
contrapartida, concedeu, através de leis, direitos aos trabalhadores, influência que
atingiu diretamente o direito brasileiro.
Após o período fascista, houve no país uma evolução significativa do direito
do trabalho, com a sua constitucionalização, sendo a Constituição italiana
promulgada em 27 de dezembro de 1947 e em vigor a partir de 1º de janeiro de
1948, uma das que, no mundo, dá maior destaque ao trabalho.
A Constituição de 1948 destacou o direito do trabalho inclusive diante do
direito civil e do direito comercial. Advindo da seara privatística, a transcendeu,
apresentando também um viés público, com intervenção estatal em prol da
dignidade social, com a função de proteção do trabalhador, conforme exposto por
Ghera:
Nesta perspectiva, pode-se dizer que a relação privada de maior relevância no plano constitucional é a relação de trabalho, na sua qualidade de relação típica de produção e, que se constitui uma fonte de condição de desvantagem e, reciprocamente, vantagem para os trabalhadores e empregadores. Tal situação não é garantida somente por meio de uma atividade administrativa, se tratando de uma função do Estado, mas é regulada como uma função de proteção do trabalhador, no que tange à autonomia privada, tanto em suas organizações coletivas ou como indivíduos. (GHERA, 2013, p. 15, tradução nossa)48
A relevância e diferenciação do direito do trabalho frente às demais searas,
no direito italiano, foi uma das maneiras que o legislador demonstrou a proteção do
48 In questa prospettiva, si può dire che il rapporto interprivato di maggior rilievo sul piano costituzionale è ormai il rapporto di lavoro nella sua qualità di tipico rapporto di produzione e, pertanto, come fonte di situazioni di svantaggio e, reciprocamente, di vantaggio per i lavoratori e per i datori di lavoro. Tale rapporto non viene tutelato soltanto per mezzo di un'attività amministrativa, riconducibile ad una funzione dello Stato, ma viene disciplinato in funzione protettiva del lavoratore anche al livello dell'autonomia dei privati, sia nelle loro organizzazioni collettive che come singoli.
138
trabalhador, expressando a premissa de que ele é a parte mais fraca num contrato,
excetuando a regra geral da igualdade contratual, e também demonstrando a
diferença pela sua capacidade, que acaba tendo a autonomia da vontade cerceada,
e requer, então, a proteção do trabalhador pelo Estado para que possa alçar uma
posição profissional e social.
Do exposto, é evidente que o caráter predominante originário da legislação é a proteção do trabalhador, por ser a parte contratante mais fraca: a diferença está no fato de que o elemento, primeiro de excepcionalidade e depois de capacidade – próprio da legislação do Estado liberal e, sucessivamente, de cunho corporativo – foi, por assim dizer, exaltado e colocado no fundamento ideológico da Constituição. A proteção do trabalhador como um indivíduo pertencente a uma categoria particular (ou, mais genericamente, classe social) não é mais uma expressão de um favor excepcional ou especial, sempre privilegiado, vai além, tratando-se de uma transformação da posição profissional e social do trabalhador mesmo com as condições que o circundam (a partir do local de trabalho para o sistema econômico). (GHERA, 2013, p. 15, tradução nossa)49
A expressão da proteção constitucionalizada se materializa, por exemplo, no
art. 35 da Constituição italiana, que expôs: “A República tutela, cuida e promove o
trabalho em todas as suas formas e aplicações. [...]” (ITÁLIA, 1948, tradução
nossa)50.
A previsão do mencionado artigo transparece um caráter introdutório para os
demais direitos sociais ali previstos, como um indicativo para a interpretação dos
artigos seguintes, especialmente na preocupação estatal de tutelar o trabalho em
todas as suas formas e aplicações, ou seja, além do contrato de trabalho, os pós
contrato, o que enseja um judiciário também protecionista, característica evidenciada
no direito material e processual italiano.
49 Da quanto detto è evidente che il carattere prevalente della normativa della ma teria è quello originario della protezione del lavoratore come soggetto-contraente più debole: la differenza è nel fatto che l'elemento di eccezionalità prima e di specialità poi – proprio della normativa dello Stato liberale e successivamente di quello corporativo – è stato, per così dire, sublimato e posto a fondamento ideologico della Carta costituzionale. La protezione del lavoratore come singolo appartenente ad una determinata categoria (o, più in generale, classe) sociale non è più espressione di un favor eccezionale o speciale, pur sempre privilegiato, bensì di un'istanza di trasformazione della posizione professionale e sociale del lavoratore stesso nel con testo che lo circonda (dal luogo di lavoro al sistema economico 50Articolo 35 - “La Repubblica tutela il lavoro in tutte le sue forme ed applicazioni. Cura la formazione e l'elevazione professionale dei lavoratori. Promuove e favorisce gli accordi e le organizzazioni internazionali intesi ad affermare e regolare i diritti del lavoro. Riconosce la libertà di emigrazione, salvo gli obblighi stabiliti dalla legge nell'interesse generale, e tutela il lavoro italiano all'estero.”
139
2.4.4 México
A relevância dos direitos sociais no direito mexicano foi demonstrada
especialmente quando a Constituição Mexicana de 1917 foi a precursora na
constitucionalização desses direitos.
Nestor Buen, ao tratar sobre o direito mexicano, reconheceu a diferenciação
das partes na dinâmica material e processual trabalhista, e enfatizou que “uma nova
política processual que destaca os princípios e rompe de forma dramática com a
tese da igualdade que agora, em vez de ser um ponto de partida, é simplesmente o
objetivo a cumprir através de um processo claramente tutelar”. Nesse sentido,
evidencia ainda a interligação entre os princípios de direito material e processual,
pensamento transcrito nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento:
Em primeiro lugar, é óbvio que tanto o direito substantivo como o processual intentam a realização da justiça social. Para esse efeito ambos estimam que existe uma evidente desigualdade entre as partes, substancialmente derivada da diferença econômica e, como consequência, cultural, em que se encontram. Em virtude disso a procura da igualdade como meta. O direito substantivo, estabelecendo de maneira impositiva, inclusive acima da vontade do trabalhador, determinados direitos mínimos e certas obrigações máximas. O direito processual, reconhecendo que o trabalhador deve ser auxiliado durante o processo pela própria autoridade julgadora, de maneira que, no momento de chegar o procedimento ao estado de solução, a aportação processual das partes permitida uma solução justa. (NASCIMENTO, 1994, p. 60)
A justiça social, que foi elencada por Nestor Buen, com aplicação ampla e
irrestrita da proteção no direito processual do trabalho, não representa uma visão
pacífica e homogênea no direito mexicano. Apesar do favorecimento dos direitos
sociais desde a Convenção Mexicana de 1917, ficam sob o pálio do direito material,
não sendo a desigualdade transferida para o trâmite processual. E é nesse sentido
que Mario de La Cueva ressaltou a impossibilidade, inclusive da Suprema Corte de
Justiça, em implementar uma melhoria de condições de vida sem norma que preveja
benefícios para o trabalhador, estando o judiciário extrapolando, a seu ver, seu
papel:
Não é o papel do Supremo Tribunal rivalizando com as Juntas de Conciliação e Arbitragem o desenvolvimento de melhoria das condições de vida dos trabalhadores; interpretar o direito do trabalho de acordo com sua natureza não significa criá-lo, se isso é possível no direito civil, quando existem lacunas na lei, não pode ser no trabalho pela diferenciada função já
140
desempenhada pelas fontes formais desse direito. E note-se que o desconhecimento desta regra tem causado muitas mudanças na jurisprudência, uma vez que a Corte, pretendendo substituir, e às vezes antecipar-se às Juntas, mudou a maneira de pensar para conceder aos trabalhadores vantagens econômicas que não haviam sido encontradas em nenhuma norma. O direito do trabalho é um mínimo de garantias para o benefício dos trabalhadores, nem tudo o que eles têm direito, podem decorrer de outros procedimentos e da jurisprudência, que não representam meios legítimos de evolução. (LA CUEVA, 1949, p. 401, tradução nossa)51
Nesse sentido, La Cueva esclarece a aplicação da proteção no direito do
trabalho mexicano, explicando que, “em caso de dúvida a controvérsia deve ser
resolvida em favor do trabalhador, posto que o direito do trabalho é eminentemente
protecionista” (LA CUEVA, 1949, p. 402, tradução nossa)52, mas ressaltando que a
sua aplicabilidade ficava, desde então, restrita ao direito material, não sendo
adequada sua fundamentação para criação de direitos no ramo processual, pois “o
julgamento do direito do trabalho deverá ser conforme a sua natureza, mas não
pode ser função da jurisprudência impor obrigações que nenhuma norma consigna”
(LA CUEVA, 1949, p. 402, tradução nossa)53.
Dessa maneira, desde então, a proteção existe no Direito do Trabalho
mexicano, se restringindo à esfera material, com a interpretação de normas e
criação de direitos e benefícios através de contratos-lei, ou seja, convenções e
acordos coletivos, mas não há previsão de sua aplicação no Direito Processual do
Trabalho.
2.4.5 Portugal
A Constituição da República Portuguesa (CRP) de 2 de abril de 1976 deu
maior relevo aos direitos dos trabalhadores, insertos no próprio texto constitucional.
51 No es papel de la Suprema Corte de Justicia rivalizar con las Juntas de Conciliación y Arbitraje en el mejoramiento de las condiciones de vida de los obreros; interpretar el derecho del trabajo conforme a su naturaliza no quiere decir crearlo y si esto último es posible en el derecho civil cuando existen lagunas en la ley, no puede hacerse en el de trabajo por la ya marcada diferente función de las fuentes formales del derecho. Y nótese que el desconocimento de esta regla ha sido causa de multitud de cambios de jurisprudência, pues la Corte, pretendiendo substituirse y, a veces, adelantarse a las Juntas, ha mudado de manera de pensar para conceder a los trabajadores ventajas económicas que las Juntas no encontaban consignadas en ninguna norma. El derecho del trabajo es un mínimo de garantías en beneficio de los obreros, no todo a lo que tienen derecho, pero otros procedimentos y no la jurisprudencia son los vehículos de su evolución. 52 en caso de duda debe resolverse la controversia en favor del trabajador, puesto que el derecho del trabajo es eminentemente protecionista 53 “juzgar al derecho del trabajo conforme a su naturaliza, no puede ser misión de la jurisprudencia imponer obligaciones que ninguna norma consigna”
141
Ocorrida a denominada Revolução dos Cravos, golpe militar ocorrido em 1974, com
um período marcado por lutas sociais e políticas, logo após foram realizadas
eleições democráticas, que concedeu vitória ao Partido Socialista, o que refletiu
diretamente no texto constitucional. Como explica Edilton Meireles, os conflitos
políticos e a movimentação popular foram essenciais na definição do conteúdo e
elaboração dos artigos:
Importante, porém, relembrar e destacar que os trabalhos constituintes se desenvolveram ao lado de fortes tensões decorrentes dos embates políticos. Foi, assim, pois, diante de intensos conflitos políticos e movimentação popular que se desenrolaram os debates e trabalhos na Assembleia Constituinte. Neste sentido, vale lembrar que o originário art. 51 da CRP (atual art. 58), que assegurava o direito ao trabalho, foi aprovado em setembro de 1975, quando corriam negociações para o VI Governo Provisório, em plena crise política, que conduziria, semanas depois, ao sequestro de deputados durante a realização de uma greve pelos trabalhadores da construção civil. (MEIRELES, 2014, p. 90)
Diante de uma pressão popular-revolucionária, fortaleceu-se o viés social,
assegurou a liberdade de escolha da profissão e, com título específico para direitos,
liberdades e garantias dos trabalhadores, dos arts. 53 a 57, expressou a proibição
dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos,
garantiu a liberdade de criação de comissões de trabalhadores para defesa de seus
interesses e intervenção democrática na vida da empresa, o direito de greve e a
vedação ao lockout. Além disso, no título que trata sobre direitos e deveres
econômicos, sociais e culturais, assegurou, no art. 58, o direito ao trabalho,
colocando para o Estado a incumbência de executar políticas de pleno emprego,
igualdade de oportunidades, formação cultural e técnica, e valorização profissional
dos trabalhadores.
Persistiu ainda, no art. 59 da Constituição, enfatizando a igualdade,
assegurando aos trabalhadores retribuição do trabalho, ou seja, salário compatível
com uma existência condigna, exigência de condições de higiene, segurança e
saúde para a prestação do trabalho, e repouso, com descanso semanal e férias
remuneradas, assistência em caso de desemprego involuntário, e assistência e justa
reparação nos acidentes de trabalho ou doença profissional.
Pode-se notar que a evolução histórica da sociedade portuguesa já não
permite que a interpretação seja a essencialmente a mesma do texto originário, mas
o status constitucional dos principais direitos dos trabalhadores revela uma
142
priorização dos direitos laborais, com expressão de uma proteção da liberdade e da
autonomia daqueles que, através da luta social, ascenderam a uma integral
cidadania, os trabalhadores. Exsurge, pois, a proteção do trabalhador subordinado e
a configuração dos direitos dos trabalhadores com uma intervenção democrática e
participativa na gestão pública e na elaboração legislativa, com o reconhecimento
dos trabalhadores como os atores principais de um projeto constitucional de uma
ordem social assentada na dignidade humana e na prevalência dos direitos
fundamentais.
Assim, a importância dada pela Constituição portuguesa ao direito do trabalho
influenciou a legislação infraconstitucional e o entendimento doutrinário, com o
assentamento da proteção através do princípio civilista do contraente mais débil, que
configura uma proteção ao hipossuficiente, ao trabalhador.
O princípio civilista do contraente mais débil, tratado no direito português, é
para alguns, como por exemplo Pedro Romano Martinez (2013) e Menezes Cordeiro
(2002), o que propiciou o próprio desenvolvimento e a emancipação do Direito do
Trabalho, por demonstrar que, nesse ramo, tal princípio constitui o cerne, e sob o
qual se erige todo um ordenamento, de forma extremamente específica para atender
à desigualdade existente entre as partes.
Essa proteção na seara trabalhista foi transcrita no Código de Trabalho de
Portugal, Guilherme Dray (2015) enfatiza a sua importância como cerne de todo o
sistema juslaboral, e enfatiza a permeabilidade desse princípio, sendo ponto chave
para o prosseguimento do Direito do Trabalho ao longo do tempo:
O “princípio da proteção do trabalhador”, concretizando-se através de diversos subprincípios operativos e estando espelhado em diversas regras jurídicas, a maioria das quais com assento no Código do Trabalho, é maior do que a soma dos mesmos. Ele encerra a principal valoração do subsistema laboral e contém, por si só, uma consistência interna que extravasa as suas derivações e ultrapassa a soma das mesmas. E é absolutamente crucial para o futuro do Direito do trabalho. (DRAY, 2015, p. 22)
O questionamento da autonomia do Direito do trabalho, entretanto, ainda
assim se faz presente em Portugal, na defesa de que esse ramo fica adstrito ao
direito civil, separado apenas por questões didáticas. E essa visão, na
contemporaneidade, apesar de persistirem os ideais constitucionais, tem sustentado
143
uma tentativa de firmamento de igualdade formal, o que reflete no enfraquecimento
do trabalhador, como Guilherme Dray especifica:
Assistimos a um paradoxo – o Direito civil, enquanto Direito privado comum, que tem como pressuposto a igualdade das partes no âmbito das situações jurídicas privadas, tende cada vez mais, num fenómeno de apropriação, a assumir uma feição social e a chamar a si a tarefa de proteção do contraente mais débil, quando é certo que, no polo oposto, o Direito do trabalho, inicial e especialmente vocacionado para a tutela da parte mais fraca – o trabalhador – tem vindo paulatinamente a caminhar no sentido do reforço dos poderes de gestão empresarial da parte mais forte, o empregador, em detrimento da proteção da parte mais fraca. (DRAY, 2015, p. 30)
É, portanto, um fenômeno de tentativa de diminuição do trabalhador frente ao
poder econômico, ou seja, a submissão ao capital em detrimento da valorização do
ponto central de toda a cadeia produtiva. Esse rumo que vem sendo tomado pelo
direito português, conforme explicitado pelo autor supramencionado, se constitui
numa ameaça aos direitos fundamentais trabalhistas, já que o ofuscamento da
proteção põe em xeque até mesmo a tutela trabalhista.
Decorre esse achatamento de direitos em submissão à economia, da crise
vivenciada em vários Estados do continente europeu e também ao redor do mundo,
mas não se pode perder de vista a criticidade de quem pode ser beneficiado com os
efeitos famigerados de uma crise como a colocada em cena e enfatizada
reiteradamente pelo setor empresarial, a retirada de direitos e a flexibilização
favorece o fortalecimento de apenas um dos polos.
Pode-se até compor uma reinvenção do Estado Social em um passo para a
agregação de direitos, a cooperação e a articulação do Direito com a seara
econômica, mas sem que haja, com a suposta crise, o aviltamento de direitos e a
relegação da dignidade humana.
2.4.6 Uruguai
Incorporado ao direito positivo uruguaio, no texto constitucional, na Carta de
1934, o princípio da proteção apresentou um viés amplo de proteção ao trabalho,
englobando, já naquela época, a promoção da organização de sindicatos, tribunais
144
de conciliação e arbitragem e fundando bases com tom protetor para institutos de
direito coletivo do trabalho.
O jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez explicita o olhar ampliativo da
proteção contido no art. 53 da Carta de 1934, que permearia, então, pelo
ordenamento constitucional:
A norma básica nesse sentido é a consubstanciada no art. 53, que reza: “O trabalho está sob a proteção especial da lei”. Advirta-se a ênfase que decorre do qualificativo utilizado: proteção especial da lei. O constituinte não se limitou a dizer, como no caso de outros bens e valores, que devem ser protegidos pelo legislador. Agregou esta palavra singela, porém deveras significativa – especial – para dar a entender a intensidade, a força, a amplitude, a profundidade dessa proteção. É difícil consagrar com maior clareza e de maneira mais incisiva esse princípio de proteção. Por outro lado, a fórmula utilizada tem o mérito de sua brevidade e simplicidade. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 105)
Diante dessa interpretação, Plá Rodriguez vislumbrou a expressão do
princípio da proteção em três formas distintas, a regra in dubio pro operario, a regra
da norma mais favorável e a regra da condição mais benéfica.
A acepção ampla, proveniente inclusive da perspectiva de Plá Rodriguez,
influenciou a reforma do processo trabalhista ocorrida no Uruguai, que culminou na
aprovação da lei n. 18.572, de 2008, posteriormente alterada pela lei n. 18.847, de
2011. Foram criados dois procedimentos para trâmite dos casos trabalhistas, antes
regidos pelo Código Geral de Processo, tratativo de processo civil.
Logo no capítulo inicial houve o estabelecimento dos princípios que regem os
processos trabalhistas, regidos pelo princípio norteador do Direito do Trabalho
uruguaio e também dos princípios específicos do processo trabalhista, permeando o
Direito Processual do Trabalho, o princípio da desigualdade compensatória.
Esse princípio, entendido como a proteção, constitui uma forma de equilibrar
a disparidade de poderes entre as partes, e, na visão de autores uruguaios (PASCO
COSMOPÓLIS, 2007), se faz presente no vínculo trabalhista e também na fase
processual.
Assim, constata-se que persiste a visão de que a desigualdade entre os
litigantes perpassa o processo trabalhista uruguaio, ultrapassa o plano econômico e
atinge a instrução probatória. No conceito de Plá Rodriguez, dada a dificuldade do
trabalhador para obter a prova de suas afirmações, alguns critérios e procedimentos
devem ser considerados, e da mesma forma Gustavo Gauthier assim elenca:
145
Em matéria probatória, a maior dificuldade do trabalhador para obter a prova de suas afirmações tem levado à aceitação de uma série de critérios ou procedimentos que podem ser resumidos em três: a) avaliação ampla ou benevolente quando se trata de determinar se o trabalhador cumpriu ou não sua obrigação probatória; b) redistribuição da prova, que não chega a significar a inversão do ônus da prova, já que não pode ser aplicada sem uma norma expressa e se manifesta por meio do que a jurisprudência uruguaia chama de “princípio da disponibilidade da prova”, segundo o qual a parte que dispõe dos documentos nos quais consta a prova dos fatos controversos deve apresentá-los ao processo, e, se não o fizer, considera-se que os documentos dão razão à tese da contraparte; e c) atribuição de poderes inquisitórios ao juiz trabalhista em matéria probatória. (GAUTHIER, 2013, p. 151)
Já Pasco Cosmópolis, por sua vez, enumera algumas manifestações que
considera comprobatórias da aplicação do princípio da proteção, ou da desigualdade
compensatória, no Direito Processual:
1. Início do processo de ofício; 2. Privilégios processuais do trabalhador; 3. Redistribuição do ônus da prova; 4. Relatividade de certas provas; 5. Ampliação dos poderes do juiz: processo quase inquisitório, em que se ressaltam o relevamento da reclamação, a sentença imediata, a faculdade de julgamento ultra e extra petita e em que também se incluem manifestações indiretas ou paraprocessuais do princípio protetor: a) as regras pro operario (in dubio pro operario, norma mais favorável e condição mais benéfica); b) indisponibilidade de direito; c) outras normas de proteção. (PASCO COSMÓPOLIS, 2007, p. 82, tradução nossa)54
A base que possibilita tal entendimento advém da interpretação e inspiração
do princípio protetor, e a partir do qual analisam o artigo 1º da lei n. 18.572, que
estabeleceu que “os processos trabalhistas se ajustarão aos princípios da oralidade,
celeridade, gratuidade, imediatidade, concentração, publicidade, boa-fé e efetividade
da tutela dos direitos substanciais”. Esses princípios são analisados sob a
perspectiva de meios ou ferramentas para implemento do princípio da desigualdade
compensatória, diante de uma ótica da indisponibilidade dos direitos substanciais.
Enfim, a legislação uruguaia apresenta uma ampla inserção do princípio da
proteção, que extrapola o direito material e abarca também o direito processual do
trabalho.
54 1) Iniciación de oficio del proceso. 2) Privilegios procesales del trabajador. 3) Redistribución de la carga de la prueba. 4) Relatividad de ciertas pruebas. 5) Ampliación de facultades del juez: proceso quasi inquisitivo, donde resalta la suplencia de la queja, el fallo inmediato, la facultad de fallo ultra y extra petita; y también da cuenta de las manifestaciones indirectas o para procesales del principio protector: 1) Las reglas pro operario (in dubio pro operario, norma más favorable y condición más beneficiosa). 2) Indisponibilidad de derecho. 3) Otras normas de protección.
146
2.5 Os reflexos do Direito comparado na sistematização jurídica do princípio da proteção do Direito brasileiro
O direito estrangeiro reflete diretamente na construção e no desenvolvimento
do direito brasileiro, especialmente no Direito do Trabalho, a influência italiana,
alemã e francesa foram marcantes para a luta e a demanda pelos direitos, e,
posteriormente, para a estruturação da justiça do trabalho no Brasil.
Antes mesmo dos processos migratórios decorrentes das guerras mundiais, o
Brasil se constituía um local que recebeu grande fluxo, em 1877 recebeu várias
famílias de imigrantes italianos (BARROS, 2008), que apartaram em Santos, Rio de
Janeiro e na região sul do país.
Muitos alemães se estabeleceram no Brasil, principalmente nos estados do
Rio Grande do Sul e Santa Catarina, nos meados de 1824, e se espalharam também
por outras regiões.
Com a assinatura do armistício, que marcou o fim da Primeira Guerra
Mundial, em 11 de novembro de 1918, parecia preponderar os princípios liberais e
democráticos, entretanto, como exposto anteriormente, o ideal liberal, diante dos
problemas sociais e da carência populares por direitos fundamentais, foi sendo
substituído, ao longo do tempo, pela urgência de um Estado de Bem-estar Social,
que se fortaleceu após a Segunda Guerra Mundial.
Os acontecimentos mundiais, tal como o fim da Primeira Guerra e também da
Segunda Guerra, favoreceram a emigração de europeus para o território brasileiro,
assim como diversos conflitos internos, que também incitaram a vinda de
estrangeiros, além de crises econômicas e sociais internas naqueles Estados.
Nesse contexto, o Brasil se tornou um dos destinos dos imigrantes, sendo que
até 1913, segundo o Memorial do Imigrante, foi registrada a entrada de 1.291.280
(um milhão, duzentos e noventa e um mil, duzentos e oitenta) imigrantes (BARROS,
2008), sendo que vários habitaram as fazendas, cuidaram de plantio de café e
grãos. Após a Segunda Guerra novo êxodo de imigração para Brasil ocorreu, com a
vinda de pessoas com qualificação profissional, ferramenteiros, pedreiros,
carpinteiros, mecânicos, padeiros, motoristas, engenheiros, técnicos especializados,
entre outros, submetidos a prévia seleção do governo, que prezava o incentivo à
industrialização.
147
A ascensão de Getúlio Vargas ao poder fez emergir a Constituição e a
ideologia do Estado Novo em 1937.
A influência cultural dos imigrantes no Brasil foi muito grande, especialmente
por já contarem com um direito mais estruturado, que refletiu diretamente no direito
brasileiro.
As leis trabalhistas eram esparsas no Brasil, fragmentadas, inclusive porque,
até 1888, predominava o trabalho escravo e a Constituição do Império (1824) se
limitou a assegurar a liberdade de trabalho, com a abolição das corporações de
ofício para “aqueles que eram livres”. Grande passo foi dado com a criação do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, pelo Decreto n. 19.435, de 26/11/1930,
que deveria então zelar pela implementação de uma política social. Dentre as leis
elaboradas em seu seio, foi erigida a lei dos Dois Terços, que colocava como
exigência a proporção de 2/3 dos trabalhadores serem brasileiros. E, a partir daí,
foram sendo elaborados vários decretos, para dispor sobre o horário do comércio e
da indústria, a criação da carteira profissional, e a criação das Comissões Mistas de
Conciliação e toda a estrutura judiciária brasileira.
A criação dos decretos, bem como dos órgãos administrativos e
posteriormente judiciário, para litigância e questionamento dos direitos trabalhistas,
tiveram grande contribuição das insurgências dos imigrantes, muitos que já haviam
convivido com tais recursos em seus países, e difundiram no Brasil suas ideias,
impressões e experiências.
Assim, para suavizar os conflitos e evitar insurreições, procurou-se
implementar uma política de integração e convivência entre empregado e
empregador com intervenção estatal. Foram criadas, inclusive, as categorias
econômicas e profissionais, bem como a representação sindical formalizada, com os
sindicatos atuando como colaboradores do Estado.
Diante do fluxo migratório, denota-se uma influência dos instrumentos e do
direito estrangeiro no direito brasileiro, especialmente da Carta del Lavoro na
legislação trabalhista brasileira, no momento em que a Declaração II da Carta,
intitulada “O valor do trabalho e da produção”, trouxe que o trabalho, desde sua
organização até a execução, é um dever social, e por isso deve ser tutelado pelo
Estado e, praticamente, foi repetido no art. 136 da Constituição Brasileira de 1937,
que também trouxe o trabalho como um dever social, com direito à proteção e
148
solicitude especiais do Estado, sendo que, para tanto, caberia ao Estado assegurar
as condições favoráveis e os meios de defesa para a proteção.
Vislumbra-se também a inspiração estrangeira na proibição de distinção entre
o trabalho intelectual, técnico e manual, nas organizações sindicais, e também na
organização judiciária.
Enfim, além dos direitos e da influência sobre a criação dos princípios que
norteiam, especialmente, o Direito e o Processo do Trabalho, objeto desta tese, a
jurisprudência também sofre alterações, com a aplicação do direito comparado e de
interpretações diferenciadas.
Assim, o Direito brasileiro, nos moldes atuais, foi insculpido numa conjugação
da realidade pátria nacional com os acontecimentos mundiais e o direito estrangeiro.
Verifica-se pelo que fora exposto uma direta influência do direito italiano e
romano-germânico na sistematização jurídica do direito do trabalho no Brasil,
ressaltando que mesmo sem tradição histórico-revolucionária no Brasil tal ramo do
direito atendeu imediatamente a finalidade de garantir a manutenção do poder de
regimes totalitários, tal como o Estado Novo de Getúlio Vargas.
2.6 Princípio da proteção, descoisificação do trabalhador e dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil de 1988
O sistema constitucional se volta para a tutela do ser humano e sua
dignidade, sobressai e centraliza o indivíduo, que, valorizado, torna-se o centro do
sistema jurídico. E, diante dessa relevância, destacam-se os direitos sociais, na
mesma intensidade dos direitos individuais, e a prestação positiva do Estado é
destacada como meio de efetivação dos preceitos fundamentais da República
Federativa do Brasil conforme elencado na Constituição de 1988.
Tanto os chamados direitos individuais, quanto os sociais, serão relevantes na vida de um país na medida em que cidadãos e Governo se empenhem pelo seu exercício efetivo. A legislação deverá reconhece-los, pois são naturais e inalienáveis. Mas todos os cidadãos conscientes deverão trabalhar para que as formulações legais sejam sempre aperfeiçoadas e traduzidas na vida prática. Ninguém pode inibir-se nesta matéria. Tolerar a violação dos direitos humanos, quer da parte das autoridades quer da parte dos particulares, será como renunciar à própria condição humana. Por todas estas razões, a Constituição Brasileira de 1988 é entendida não meramente como um sistema de ordenações jurídico-formais, mas como “Constituição Cidadã” (NASCIMENTO, 2002, p. 77).
149
A Constituição Brasileira de 1988 deflagra, após mais de vinte anos de regime
militar ditatorial, um processo de democratização, lento e gradual, mas essencial
para a consolidação das liberdades fundamentais e das instituições democráticas no
país. O destaque dos direitos humanos na agenda da ordem jurídica interna
possibilitou o olhar para as minorias, para os desiguais, como ressalta Flávia
Piovesan, “a Carta de 1988 institucionaliza a instauração de um regime político
democrático no Brasil. Introduz também indiscutível avanço na consolidação
legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores
vulneráveis da sociedade brasileira” (PIOVESAN, 2011, p.76).
Instrumento destinado a assegurar o exercício dos direitos individuais e
sociais, dentre eles a liberdade, a igualdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento e a justiça, elenca os mesmos como os valores supremos de uma
sociedade pluralista, fraterna e sem preconceitos. A Constituição da República
Federativa do Brasil projeta a construção de um Estado Democrático de Direito, com
fundamentos alicerçados na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa
humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político
(art. 1º, incisos I a V55). A inserção da dignidade humana surge como o ápice e o
elemento principal do sistema, devendo todos os demais serem interpretados à sua
luz e sob a sua perspectiva:
Considerando que toda Constituição há de ser compreendida como unidade e como sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como valor essencial, que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular. (PIOVESAN, 2011, p. 80)
Diante desses fundamentos vislumbra-se a relevância dada aos direitos
fundamentais, que assumem um papel democratizador e integrador, e destaca-se
que a pessoa foi colocada como fim da sociedade e do Estado, o que deve
55 Art. 1º, CF/88 – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 1988)
150
perpassar todo o instrumento constitucional, conferindo unidade e sentido aos
direitos ali presentes, como exposto por Jorge Miranda, “a Constituição confere uma
unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos
fundamentais. E repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção
que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado” (MIRANDA, 1988,
p.166), o ponto de partida e de chegada para a hermenêutica constitucional.
A Constituição brasileira de 1988 representou um marco no cenário social,
inaugurou uma nova fase no constitucionalismo brasileiro, com a inclusão de um
extenso catálogo de direitos sociais e da proteção da ordem social, inspirada na
ótica da cidadania, priorizou os direitos e garantias fundamentais, sob a perspectiva
da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Assim, ao elencar a
dignidade humana como o cerne do sistema, proporciona uma descoisificação do
trabalhador, com a cogência dos direitos ali elencados para dar suporte axiológico
ao indivíduo em suas diversas esferas, pessoal e profissional, buscando inseri-lo na
sociedade e conferir o reconhecimento da importância e essencialidade do labor
para a conferência da implementação da dignidade.
Trata-se da primeira Constituição brasileira a inserir na declaração de direitos os direitos sociais, tendo em vista que nas Constituições anteriores as normas relativas a tais direitos encontravam-se dispersas no âmbito da ordem econômica e social, não constando do título dedicado aos direitos e garantias. Desse modo, não há direitos fundamentais sem que os direitos sociais sejam respeitados. Nessa ótica, a Carta de 1988 acolhe o princípio da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, pelo qual o valor da liberdade se conjuga com o valor da igualdade, não havendo como divorciar os direitos de liberdade dos direitos de igualdade. (PIOVESAN, 2011, p. 86)
Nesse sentido, os direitos trabalhistas destacam-se no texto constitucional, ao
possibilitarem a implementação dos fundamentos da República Federativa do Brasil,
especialmente os valores sociais do trabalho, a dignidade e a cidadania, e
concomitantemente atendendo aos objetivos elencados no artigo 3º56, a promoção
do bem de todos, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das
56 Art. 3º, CF/88 – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
151
desigualdades sociais e regionais, o desenvolvimento nacional e a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária.
Para a consistência desses objetivos, a consagração da dignidade humana
como espinha dorsal do sistema deve ser vislumbrada, e todos os dispositivos legais
à sua luz interpretados, como um princípio, estruturador e abrangente:
O princípio abrange não só os direitos individuais, mas também os de natureza econômica, social e cultural, pois, no Estado Democrático de Direito a liberdade não é apenas negativa, entendida como ausência de constrangimento, mas liberdade positiva, que consiste na remoção de impedimentos (econômicos, sociais e políticos) que possam embaraçar a plena realização da personalidade humana. (CARVALHO, 2011, p.582)
Para tanto, constata-se que a Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 avançou e adentrou no campo social e econômico, com o intuito de que a
dignidade humana seja realçada, e para que isso aconteça, todo o sistema deve ser
interpretado com o propósito do direito servir ao indivíduo, para lhe proporcionar
melhores condições de vida com status de direito positivo, garantindo os
pressupostos materiais para o exercício da liberdade.
Para possibilitar a congruência do sistema, e colocar em prática os
fundamentos e objetivos, portanto, é essencial que os direitos pertinentes sejam
efetivados. Para tanto, a Constituição da República Federativa de 1988 trouxe um rol
de direitos sociais, com tratamento especial do art. 7º ao 11, com o intuito de
ressaltar a cogência dessas normas, além de artigos esparsos que limitam a
patrimonialização dos direitos, como expresso no artigo 5º57, bem como no art.
17058, que, ao abordarem as garantias individuais e a ordem econômica, estipulam
um delineamento social expondo que se deve atuar em conformidade com o
princípio da função social da propriedade.
Fica evidente uma preocupação social do constituinte.
57 Art. 5º, CF/88. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- -se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII – a propriedade atenderá a sua função social. 58 Art. 170, CF/88. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] III - função social da propriedade;
152
Discute-se, ainda assim, a possibilidade de modificação ou supressão dos
direitos ali previstos por contratos individuais ou instrumentos coletivos, dado o
questionamento do ramo a que pertence o Direito do Trabalho, se privado ou
público.
A ótica do Direito do Trabalho como ramo do direito privado deve ser
interpretada com críticas quando hermética a divisão em público e privado, pois ao
colocá-lo como direito fundamental, inclusive com tratamento constitucional,
apresenta um viés de normas cogentes, com situações jurídicas que devem receber
tratamento de obrigatoriedade pelo Estado, sem liberdade negocial e sem
possibilidade que sejam atos meramente volitivos e ajustados entre as partes.
Aldacy Rachid Coutinho ressalta a importância de não se vislumbrar a
constitucionalização do direito do trabalho como uma permissibilidade para as
relações obrigacionais de ordem patrimonial, o que acarretaria a derrocada do
cumprimento da função social intrínseca ao trabalho:
No trilhar da reconstrução da emergência de um direito do trabalho constitucionalizado há uma pedra, que no caminho foi atirada pelos juslaboralistas que ainda pensam pequeno, vislumbrando a contratualidade na perspectiva de uma desde muito superada autonomia da vontade, como relação obrigacional de ordem exclusivamente patrimonial. Cada um, no nervoso e irritadiço mercado, segundo sua capacidade, manifestando sua livre vontade em uma perene luta de todos contra todos é a prolação de uma sentença de morte. (COUTINHO, 2006, p. 170)
Apesar da essencialidade do trabalho, e o tratamento diferenciado que
permite caracterizá-lo como o cerne nuclear dos direitos fundamentais, diante da
complexidade da sociedade contemporânea nota-se que ainda há um embate na
sociedade capitalista, que, dimensionada pela propriedade, coloca o Direito do
Trabalho numa perspectiva de favorecimento do trabalhador, sem analisar que,
diante de um tratamento democrático constitucional, deve ser colocado como uma
regulamentação de uma relação de emprego, com regras estatuídas também em
favor do capital, para que o trabalhador com direitos persista na ordem econômica
para a continuidade do próprio sistema capitalista, com um processo hermenêutico
recontextualizado, de construção e projeção de sentido a partir da descoisificação do
trabalhador, elevando a sua dignificação como protagonista do cenário produtivo.
Reitera-se, assim, que a centralidade do indivíduo requer que o Direito seja
voltado ao seu bem-estar, sob prevalência da dignidade humana e um tratamento
153
igualitário e isonômico. Assim, somente é possibilitada quando ele tem autonomia
para poder negociar, ou seja, tem que apresentar condições de paridade de forças
com a outra parte, para que então seja livre e tenha realmente autonomia da
vontade, sem vícios que atentem contra a sua própria formação da vontade.
Diferencia-se, assim, o direito público e o privado, sem perder de vista a importância
da cogência das normas para manter o indivíduo como cerne do ordenamento, com
tratamento igualitário para ter condições de negociar:
[...] se é certo que o que marca essencialmente o Direito privado é o facto de este se ocupar de situações jurídicas privadas em que as atuações das partes se pautam pela liberdade e pela igualdade, ao passo que o que caracteriza o Direito público é o facto de este ter por objeto situações jurídicas marcadas segundo regras de autoridade e competência, em que uma das partes pode, unilateralmente, provocar alterações na esfera jurídica da contraparte, não deixa de ser verdade que o Direito do trabalho, não obstante ser um ramo de Direito privado, é marcado também, tal como nas situações públicas, por uma desigualdade material e jurídica entre as partes, dado que uma delas – o empregador – e investido de poderes de direção e disciplinar que o colocam numa posição de supremacia perante o trabalhador, que se encontra numa situação de subordinação jurídica. (DRAY, 2015, p. 24)
A natureza jurídica do Direito do Trabalho suscita controvérsias pelas próprias
funções que lhe são peculiares, e pela importância que lhe foi atribuída na
Constituição de 1988. As normas trabalhistas têm cunho protecionista face ao
detentor do poder econômico, elaboradas pelo Estado ou por meio de poderes que
restringem a autonomia individual, como os sindicatos, com o intuito de que a
vontade do trabalhador não seja fruto da pressão exercida pelo empregador. E, para
tanto, constata-se o dirigismo estatal, ou seja, a intervenção do Estado nesse
processo de restrição da autonomia da vontade, em que as normas são imperativas,
o que resulta na limitação da liberdade de contratação e dos direitos negociáveis
diretamente dos empregadores com os trabalhadores.
A postura positiva do Estado tem o cunho de manter a igualdade das partes, é
uma proteção em prol dessa pretensa igualdade, presumida pela condição
subordinativa do trabalhador diante do empregador, motivo pelo qual as normas, em
regra, são imperativas e impossibilitadas de serem alvo de negociação direta entre
as partes, para, assim, buscar reduzir os efeitos que a autonomia da vontade, livre e
pura, poderia ocasionar diante de uma desigualdade jurídica decorrente de uma
desigualdade de fato existente.
154
Há, pois, uma contenção do impulso individualista dos detentores dos meios
de produção com normas cogentes, que apresentam um viés público para
conferência de um tratamento isonômico.
Há, pois, quem entenda que a classificação do Direito do Trabalho deveria
ocorrer como ramo do direito público, para outros do direito privado, e para outros de
um novo ramo, o direito social, decorrente da imperatividade das suas normas,
especialmente aquelas ditas como mínimas, elencadas na própria Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, e que servem como balizadoras e para
aplicação dos fundamentos e objetivos trabalhados nos artigos 1º e 3º da CF/88.
Os que sustentam enquadrar-se o Direito do Trabalho no direito público utilizam-se do argumento de ter sido ele fruto do intervencionismo estatal nas relações de trabalho, quer no tocante ao conteúdo de suas normas, predominantemente imperativas, quer no tocante à fiscalização de seu cumprimento, feita pelo Ministério do Trabalho, que é um órgão da Administração. Já os adeptos do Direito do Trabalho como um segmento do direito privado afirmam que as normas legais que lhe correspondem surgiram dos Códigos Civis e seu instituto básico é o contrato individual de trabalho. [...] Outros autores entendem que o Direito do Trabalho integra um terceiro gênero, o direito social. Para os defensores do terceiro gênero, o fundamento básico é a socialização do direito em oposição ao direito individual, com a supremacia ou o primado do direito coletivo sobre o individual. É inegável a tendência socializadora, contudo ela concerne a relações jurídicas dos mais diversos matizes, inclusive àquelas quer pertencem ao Direito Civil e que ainda o integram. (BARROS, 2016, p. 72)
Diante da diversidade de perspectiva em que podem ser vislumbradas as
normas trabalhistas, sem uma unidade conceitual, há quem o elenque como “um
conjunto de regras mistas” (BARROS, 2016, p. 73), mas logo outra corrente refuta
essa teoria defendendo o direito unitário:
[...] surge a corrente que situa o Direito do Trabalho como um direito unitário, fruto de estudos dos juristas alemães, para os quais o trabalho não corresponde apenas a uma relação individual, mas também a uma relação social. Por isso, o Direito do Trabalho compreende as normas individuais e sociais, pois somente nessa concepção unitária pode ser reconhecida a ordem jurídica real do trabalho. E assim estão presentes no Direito do Trabalho tanto o direito privado como o direito público, em uma situação de mescla indissolúvel. (BARROS, 2016, p. 73)
A dinamicidade e a própria interlocução dos direitos trabalhistas, que figuram
nas searas públicas e privadas, convivendo a autonomia da vontade em
determinados momentos e a cogência e a imperatividade digna de direito
155
fundamental elencado na Constituição, com o cunho de proteção da parte mais
fraca, para que seja o tratamento isonômico garantido nas relações laborais, faz o
Direito do Trabalho apresentar características ambíguas, mostrando, pois, a unidade
do Direito, a indissolubilidade.
Neste sentido, a inserção de normas trabalhistas na Constituição da
República Federativa de 1988, com um capítulo dedicado especificamente ao
tratamento de direitos fundamentais de Direito do Trabalho, tem o cunho de conferir
ao trabalhador, especialmente, no caso, o empregado, o mínimo de direitos para que
não seja ignorado durante uma negociação com o empregador, numa aplicação do
princípio da liberdade negocial. Ou seja, constituem-se tais direitos como barreiras a
tal princípio, o qual “faculta às partes a liberdade de se regularem e de regerem
livremente a sua vida negocial” (DRAY, 2015, p. 24), o que seria viabilizado diante
da existência de uma parte mais fraca em um dos polos. Diante da pressuposição de
inexistência dessa condição igualitária na seara material trabalhista, a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 tutela, mesmo com mecanismos
contrários à vontade das partes, com o intuito de proteger os indivíduos que se
encontram em condição subordinativa, ou seja, dependem da manutenção de
contratos trabalhistas para sua subsistência, com situação de subordinação jurídica,
social ou econômica diante do empregador.
A inserção de tais normas, com o cunho de proteção da parte mais fraca
constitui, portanto, a busca de descoisificação do trabalhador e o atendimento e
aplicação da dignidade humana como fundamento da República Federativa do
Brasil. A cogência e imperatividade das normas constitucionais trabalhistas
possibilita o tratamento isonômico e a valorização do trabalho, fundamentos
elencados no instrumento constitucional brasileiro de 1988.
Por fim, é relevante ressaltar que, a inserção do indivíduo no cerne do
ordenamento faz imperar também a conjugação do arcabouço constitucional, sem
que seja viável uma análise descontextualizada que provoque a modificação de
valores e objetivos. O sistema visa a emancipação do indivíduo, o que não se pode
constatar somente pela existência do protecionismo no Direito do Trabalho, mas
através do empoderamento do trabalhador para que consiga ter acesso à justiça e
se manter durante o trâmite processual.
A partir da tradição advinda de tratados e convenções internacionais o Brasil
despatrimonializou as relações jurídico-privado no momento em que se verifica a
156
descoisificação da pessoa humana, ou seja, deixa-se de priorizar a proteção jurídica
de objetos de cunho pecuniário com o condão de prevalecer a proteção da pessoa
humana como objeto central de todos os contratos decorrentes de relações de
emprego e de trabalho.
2.7 Análise comparativa do princípio da proteção no Estado Democrático de Direito
A garantia de pré-condições e a limitação pelas leis e pelo Direito, com a
finalidade de concretizar os interesses da coletividade, bem como com políticas de
redistribuição e reconhecimento que ampliam a implementação de direitos
econômicos, sociais e culturais. Desse modo, representam um passo além do
paradigma do Estado Social para alcançar o pretenso Estado Democrático de
Direito, que é construído sobre três pontos fundamentais: a) supremacia da vontade
popular; b) preservação da liberdade e c) igualdade de direitos (DALLARI, 1998).
A proteção às minorias e aos mais fracos se fortalece ao expressar o objetivo
de igualdade presente nesse paradigma. Há uma combinação de liberdade, direitos
individuais, direitos sociais e democracia, num envolvimento de um ciclo de
sustentabilidade, que possibilita a exaltação da dignidade humana e a centralização
do indivíduo como o cerne de todo o sistema.
A formação do próprio Direito do Trabalho pode ser interpretada como um
fenômeno coletivo, que veio como resposta a problemas de classes, sustentado pela
tentativa de conciliação social e adequação ao modelo econômico, com viés
intervencionista e social. Nesse sentido, a emancipação do trabalhador foi contida
pela pretensão de autorregulação das relações privadas nas bases contratuais. O
objetivo é a proteção do trabalhador com a delimitação da subordinação, o que
configurou a exclusão de outros trabalhadores, mas, no período de criação, foi o
meio plausível para que a sobrevivência do capitalismo não fosse ameaçada com os
acontecimentos sociais.
Nesse sentido, como uma exceção de princípios cristalizados do Direito Civil,
o Direito do Trabalho se compôs como uma variante, pois seu objeto é corrente das
transformações sociais, diverso do individualismo persistente na seara civilizatória,
como adverte Giovanni Cazzetta:
157
[...] O desenvolvimento econômico, as transformações sociais, as novas relações industriais complicam, sobretudo o direito privado, tornam mais amplo o seu objeto tradicional, pondo em paralelo e em contraste com os seus lúgubres princípios individualistas normas jurídicas atentas à complexidade das relações entre indivíduo e sociedade. (CAZZETTA, 2007, p. 88, tradução nossa)59
A legislação social carregou um caráter publicista e intervencionista, com o
reconhecimento diante de uma “maior visibilidade das desigualdades e o
crescimento da luta entre capital e trabalho impõem, para esses juristas, novas
formas de sociabilidade e novas atividades de caráter “moderador e pacificador” pelo
Estado” (CAZZETTA, 2007, p. 87, tradução nossa)60.
Assim, representou os primeiros indícios de exigências sociais, com a
participação do Estado e a imposição de limites ao direito individualista, para que a
liberdade nos mercados de trabalho não resultasse na destruição da sociedade.
Portanto, houve uma autopreservação, que conduziu ao protecionismo sem a devida
emancipação do indivíduo.
Foi nesse contexto que a proteção modificou e permeou todo o ordenamento,
no momento em que a facticidade supera a formalidade, os próprios valores
ressaem como fonte crucial para legitimação do Direito, numa busca de “um ideal de
perfeição moral dentro do contexto das normas jurídicas” (ZANGRANDO, 2011, p.
45). Ou seja, na ciência do Direito a principiologia advém de uma concretização de
valores que retratam a sociedade para o qual se aplica, e, dentro do Estado
Democrático de Direito, a representação deve resplandecer a vida social dos
destinatários, sendo a regra jurídica moldada e interpretada diante dos valores
essenciais de determinada comunidade:
Num Estado Democrático de Direito, a escolha dos valores e interesses prevalecentes em cada caso deve, primeiramente, ser da responsabilidade de autoridades cuja legitimidade repouse no voto popular. Apenas os mandatários políticos da Sociedade se encontram por ela autorizados a proceder a essa escolha. Por isso, o Poder Judiciário tem, em linha geral, de acatar as ponderações de interesses realizadas pelo legislador, só as desconsiderando ou invalidando quando se revelarem manifestamente desarrazoadas ou quando contrariarem a pauta axiológica subjacente ao
59 [...] Lo sviluppo economico, le trasformazioni sociali, le nuove relazioni industriali complicano soprattutto il diritto privato, ne rendono più ampio l’oggetto tradizionale, ponendo affianco e in contrasto ai suoi logori principi individualistici delle norme giuridiche attente alla complessità delle relazioni tra individuo e società. 60 “La maggiore visibilità delle diseguaglianze, l’accrescersi della lotta tra capitale e lavoro impongono, per questi giuristi, nuove forme di socialità e nuovi compiti di carattere “moderatore e pacificatore” per lo Stato.
158
texto constitucional, como sói acontecer, por exemplo, durante os períodos de exceção. (ZANGRANDO, 2011, p. 44)
O direito conjuga os valores e os princípios, que se imiscuem e servem de
fundamento um ao outro, já que os princípios jurídicos se prestam à retratação dos
valores humanos no ordenamento, possibilitando que o legislador e o intérprete da
norma consigam aplicar de maneira decisiva e eficaz, como um ajuste do direito à
vida social.
Logo, os princípios jurídicos devem refletir a sociedade para o qual se
aplicam, e num caráter dúplice, são dali oriundos e para eles mesmos aplicáveis. A
ideia de ordenar a convivência, para o qual o Direito foi criado, deve ser levada em
conta, sobressaindo o caráter instrumental e o objetivo maior de pacificação social,
com uma ordem jurídica aplicável aos valores essenciais.
Nesse sentido, o princípio da proteção, que representa exatamente valores
sociais como a igualdade, com o reconhecimento das diferenciações e
especificidades, apontando para a necessidade de proteção da parte mais fraca, no
caso em tela, especialmente do trabalhador. Entretanto, a mera imposição estatal
não confere a pretensa igualdade efetiva, que tem bases de interação e inserção no
processo democrático de construção, com paridade de oportunidades.
É importante que no Estado Democrático de Direito o cerne de todo o
ordenamento jurídico seja voltado para a pessoa, com atendimento aos princípios
constitucionais, para que se configure a dignidade humana. Nesse sentido, o próprio
Direito Civil tem sofrido modificações no que tange ao foco da sua normatividade:
[...] o Direito civil, enquanto ramo de direito privado comum, não estando inicialmente vocacionado para este desiderato, tem sofrido ele próprio um forte impulso renovador, em termos dogmáticos. A dogmática civil de estruturação liberal, própria das codificações civis que marcaram os séculos XIX e XX, tem dado paulatinamente lugar a um ramo de Direito suscetível de intervir no sentido do reequilíbrio das prestações, da promoção da igualdade substancial, da procura da justiça contratual comutativa e da tutela da parte mais fraca. (DRAY, 2015, p. 29)
O tratamento de igualdade entre as partes no âmbito das relações privadas
sempre foi marco do Direito Civil, direito privado por excelência, mas há uma
influência social no tocante à proteção da parte mais fraca, como expressão do
paradigma democrático que se vivencia.
159
Numa visão paradoxal, Rosemiro Pereira Leal faz uma análise revigorante do
trabalho fundamentada na superação do trabalho meramente por subsistência,
diante do qual não se constata a participação na eficiência social, e,
consequentemente, não se concretiza como um meio transformativo da sociedade
política:
O trabalho, na concepção de atividade de subsistência, é óbice frontal ao exercício da cidadania, já que tal atividade não é conjugada com a possibilidade existencial de quem trabalho decidir sobre a eficiência social do sistema econômico participa. A busca desatinada para inserção num mercado de trabalho, que dispensa a avaliação política dos que trabalham para aferirem sua eficiência social, implica aceitação de uma forma de escravatura ainda mais perversa do que a que foi ficticiamente abolida em 1888 no Brasil. (LEAL, 2005, p. 156)
Nesse viés, a proteção do trabalhador exercida pelo Estado, sem o
oferecimento de oportunidade de desenvolvimento e emancipação, faz com que
persista a alienação, o distanciando cada vez mais do processo social democrático.
O sistema de ensino é fundamental nesse processo, haja vista que nos
moldes contemporâneos, prezam pela “adaptação do homem à realidade
naturalmente excludente (inserção no mercado) e não a construção de uma
realidade pela lucidez operosa da organização social do trabalho” (LEAL, 2005, p.
159). Assim, somente pelo caminho da educação, com a conscientização da
sociedade dos problemas jurídico-econômicos, seria o trabalho um meio
transformativo.
Nas democracias autênticas, seria absurdo que a atividade instituinte das Constituições se desenvolvesse na esfera representativa de um povo ausente. Somente no trabalho interativo ao longo das estruturas vigentes, como pressuposto democrático de legitimidade da criação ou reconstrução fundamental compartilhada das instituições políticas, a Sociedade Jurídico-Política teria como elaborar um modelo constitucional pré-decidido no espaço político do trabalho em regime de escolhas em que todos, como agentes da cidadania, fossem autores da estrutura e do plano de ação governamental a ser formalizado em Lei Constitucional. (LEAL, 2005, p. 160)
Desse modo, o trabalho é instrumento de transformação, não é parte de uma
realidade excludente, com a imposição de vínculo empregatício sem emancipação
social e cultural que privilegiam uma patronalização da consciência política.
No Estado Democrático de Direito busca-se a igualdade substancial, a
superação do favorecimento intervencionista e inibidor de participação social. Para
160
atender a Ciência do Direito diante do Estado Democrático de Direito, ressai o
atendimento ao princípio da igualdade, com o tratamento igual para os iguais e
diferente para os diferentes, atendendo às especificidades e sobressaindo a questão
social, intrínseca ao Direito do Trabalho e a sua própria gênesis, dado que se
constitui, desde a sua formação, como um parâmetro para alcance da dignidade e
direito fundamental.
É “atual”, face aos constrangimentos que têm marcado a evolução mais recente do Direito do trabalho, em especial, desde a crise financeira mundial de 2008, que acelerou uma evolução que se vinha acentuando desde o último quartel do século XX – desde então, o Direito do trabalho tem avançado no sentido exatamente oposto ao da recente socialização do Direito civil, ou seja, tem caminhado no sentido de sua flexibilização e desregulamentação, o mesmo é dizer, no sentido da “desproteção” do trabalhador, o que em certa medida se afigura paradoxal; ao passo o que o Direito civil, tradicionalmente neutral e de estruturação liberal, vem evoluindo no sentido da respectiva socialização e da criação de esquemas de proteção de certas categorias de contraentes mais débeis, ao arrepio da liberdade negocial, o Direito do trabalho, inicialmente concebido com o desiderato de proteção da parte mais fraca, vem caminhando no sentido da diminuição dessa proteção e da criação de novos instrumentos de gestão empresariais mais flexíveis, que apontam para a diminuição dos custos do trabalho e para o reforço dos poderes de gestão empresarial. (DRAY, 2015, p. 23)
Constitui o princípio da proteção que é base fundante da legislação trabalhista
e pilar para a efetividade do Estado Democrático de Direito, que atua de forma
essencial para igualar partes que são nitidamente desiguais no trato contratual.
É pela norma jurídica trabalhista, interventora no contrato de emprego, que a sociedade capitalista, estruturalmente desigual, consegue realizar certo padrão genérico de justiça social, distribuindo a um número significativo de indivíduos (os empregados), em alguma medida, ganhos do sistema econômico. (DELGADO, 2005, p. 122)
Os padrões e valores trazidos pela Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, especialmente a justiça social é implementado pela norma jurídica
trabalhista. No momento em que a justiça efetiva a existência do mesmo e exige o
cumprimento dos direitos e, através das condenações submete o poderio econômico
à função social que deve desempenhar, proporcionando uma distribuição das
riquezas através da exigência do cumprimento de nada mais do que os próprios
direitos.
161
Com a centralidade do trabalho, e especialmente, do emprego – e de seu ramo normativo regente especializado – conseguia-se submeter o moinho implacável da economia a certa função social, ao mesmo tempo em que se restringiam as tendências autofágicas, destrutivas, irracionais e desigualitárias que a história comprovou serem inerentes ao dinamismo corrente deste sistema econômico. (DELGADO, 2005, p. 121)
Como salienta Maurício Godinho Delgado, “o que despontara, no início, para
alguns, como crise para a ruptura final do ramo trabalhista, tem-se afirmado, cada
dia mais, como essencialmente uma transição para um Direito do Trabalho
renovado” (DELGADO, 2016, p. 104).
Nessa seara, o princípio da proteção no Estado Democrático de Direito deve
ser lido, compreendido e estudado a partir do princípio da isonomia e da dignidade
humana, de modo a garantir a inclusão dos socialmente desiguais, daqueles que
não detêm os meios de produção e que no sistema capitalista são vistos como
instrumento de acumulação de capital.
163
3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO VISTO SOB A ÓTICA DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO E DO MODELO DEMOCRÁTICO: implementação da isonomia processual
A base desigualitária sobre a qual foi construída o Direito material do
Trabalho, sustentada pela hipossuficiência e pela subordinação do empregado,
contempla modificações de aplicação e entendimento no decorrer da evolução
paradigmática. Ao adentrar num viés democrático e inclusivo, o conjunto normativo é
delineado pelos princípios constitucionais e devem ficar a eles adstritos. Nesse
sentido, se fortalece a discussão sobre a viabilidade da aplicação do princípio da
proteção no âmbito processual, baseado na ótica do processo constitucional
democrático, como um locus de discursividade, resguardado o direito de iguais
oportunidades para empregado e empregador exercerem argumentação fático-
jurídico-legal, naquelas questões que são controversas e fazem parte da demanda.
Assim, são conectados o direito material e o processual, é necessário
compreender que o segundo tem o condão de aplicar e efetivar o primeiro, visto que,
um direito material sem um meio de aplicação e coerção não seria viável. Cleber
Lúcio de Almeida ressalta esse enlace:
Daí a relação entre meio e fim que é estabelecida entre direito processual do trabalho e direito do trabalho: o direito processual do trabalho tem por fim principal a realização concreta do direito do trabalho, consistindo em esta realização a sua função social. (ALMEIDA, 2014, p. 90)
Para que essa estreita relação entre o direito material e o direito processual
do trabalho seja consistente, é essencial que o segundo esteja em harmonia com o
primeiro, em consonância com suas peculiaridades, para que se estabeleça um
processo equitativo e com as condições propícias para a concretização dos
princípios do direito do trabalho.
Não é possível afirmar que há, entretanto, coincidência dos princípios do
direito material e do direito processual, mas o último deve se prestar ao
reconhecimento das especificidades para o alcance de um processo democrático.
Há, assim, posicionamentos diversos que colocam o princípio da proteção como
princípio que se restringe ao direito material, no momento de criação, interpretação,
entendimento das normas e com a devida expressão legal. Todavia, ele não seria
164
aplicável de maneira ampla e irrestrita na esfera processual, apesar de irradiações
que se fazem presentes de acordo com a própria legislação. Por outro lado, há
aqueles que defendem a sua aplicação como execução do princípio da igualdade,
interpretando como essencial desigualar os desiguais, para que, assim, tenham
condições equânimes de litigarem em juízo.
Ademais, o trâmite processual envolve não meramente os atos praticados,
mas toda a estrutura que proporciona, desde o ajuizamento, a condição de acesso à
justiça e a manutenção durante o trâmite, até o provimento final, ou seja, a entrega
do bem aos demandantes ao fim do litígio. Não se restringe, pois, ao procedimento,
que “é a formalidade que obrigatoriamente se deve assumir na prática de um ato do
processo; é o modelo pelo qual a lei determina que o ato, ou a atividade processual
seja realizada” (PAIXÃO, 2002, p. 94), ou seja, a ordem de atos que deve ser
seguida para a formação do processo. Trata-se, pois, de uma visão mais ampla,
que envolve todo o contexto e a oportunidade de inserção das partes numa disputa
leal e equânime, com os passos delineados pelo procedimento para obtenção da
solução que mais se aproxima da verdade, sempre considerando as peculiaridades
das partes.
A natureza jurídica do processo é fonte de surgimento de diversos
posicionamentos, neste trabalho, apenas pontos principais de algumas correntes
serão enfocadas, para que se mantenha o propósito de verificação da aplicação ao
ramo processual trabalhista, independentemente da natureza jurídica a que se filia a
corrente, demonstrando, pois, o caráter teleológico e finalístico do processo em
geral.
As principais teorias perpassam pela liberalidade, pela socialização e pela
democratização do processo, não de maneira hermética, mas numa consonância
com os paradigmas e as matrizes teóricas que influenciava a figura do legislador a
cada época e região, distintamente.
A provocação da atividade jurisdicional do Estado, retirando-o de sua inércia,
culmina na formação de uma relação processual, na qual autor, juiz e réu têm a
oportunidade de participarem do desenvolvimento até o provimento jurisdicional
final.
Vislumbra-se uma interligação entre a formação processual e o paradigma
através do qual se erigem e interpretam as normas jurídicas, ou seja, a partir da
função desempenhada pelo Estado em dado contexto histórico e social, há
165
influência sobre as próprias concepções desempenhadas, alcance e limitações do
processo. Sem adentrar no período pré-liberal, e comparando a partir do contexto,
no decorrer do Estado Liberal, ainda que sinteticamente, pode-se caracterizar um
processo marcado pela autonomia e liberdade das partes, detentoras de todos os
instrumentos processuais necessários para o desenvolvimento de um embate que
se dava na frente do juiz, o qual se resguardava na função de somente assegurar o
respeito às regras da competição. Com perspectiva privatista, ao legislador ficava
incumbida a exclusiva elaboração da lei, enquanto o juiz se restringia a aplicá-la. Ou
seja, consistia na limitação do Estado como meio de garantir o desenvolvimento da
burguesia no sistema capitalista.
O juiz, assim como o Estado liberal Clássico, deve antes de tudo assegurar a não interferência no livre mercado das relações individuais; deve, portanto, assegurar que todos os indivíduos tenham as mesmas possibilidades e que o jogo não seja prejudicado pela incorreta aplicação de suas regras. Essas diretrizes inspiram diretamente um modelo ideológico. (TARUFFO, 2008, p. 164, tradução nossa)61
Denota-se, assim, no decorrer do liberalismo, um sistema processual erigido
pelas partes, considerada a igualdade formal das mesmas e a análise de um juiz de
comportamento passivo e adstrito à análise em consonância com a lei. Entretanto,
essas maneiras de solução dos conflitos, assim como o sistema liberal,
demonstraram fragilidades que provocaram a incidência de novos parâmetros
processuais e paradigmáticos.
Iniciou-se uma passagem para uma linha pautada no reforço do papel e nos
poderes do juiz, iniciando-se pela atribuição de autonomia do direito processual,
separando-o do direito material. Ou seja, a dissociação entre direito material e
processual, para se conseguir a distinção tal como vivenciada na
contemporaneidade, perpassa pela concepção dos pressupostos processuais que
tiveram origem na obra de Oskar von Bülow, com a sustentação da autonomia do
estudo do direito processual em relação ao direito privado, entretanto, a relação
jurídico-processual ali vislumbrada se lastreava principalmente na figura do juiz,
sendo as partes meros colaboradores nessa formação.
61 El juez, como el Estado liberal clássico, debe ante todo garantizar su no interferência en el juego del libre mercado de las relaciones individuales; debe por tanto garantizar que todo individuo tenga las mismas possibilidades, que el juego sea turbado por incorreciones en la aplicación de sus reglas. Estas por lo demás se inspiran diretamente en el modelo ideológico.
166
Bülow se logrou como precursor do Movimento do Direito Livre, em que
imperava a ideia basilar de que a lei não seria sempre satisfatória para todos os
problemas concretos. Sendo assim, a determinação jurídica advém de uma
pluralidade de significações e interpretações do texto normativo, conjugadas com o
primado da vontade, do sentimento ou da intuição, com aplicação livre e subjetiva do
direito pelos juízes, que realizariam então a função judicante com sensibilidade, não
apenas na aplicação de uma norma já existente, mas na própria criação do direito no
caso concreto.
Esse embasamento e protagonismo do juiz serviu de base para a exsurgência
do modelo social de processo, com a adoção de técnicas que possibilitavam a
desvinculação dos julgadores das abordagens formalistas ou legalistas na realização
da aplicação do direito, visão exponenciada por Menger e Franz Klein. Com um
discurso socializador de processo, constitui-se como uma superação da lógica
liberal, com novos contornos para a desigualdade constatada na relação processual.
Dessa maneira, guiado pela precípua busca de equilíbrio, com a igualdade
das partes, preponderaria, assim, o juiz social, com o acolhimento do processo como
instituição estatal de bem-estar social, com o cume de proporcionar à sociedade
uma jurisdição célere, com uma técnica procedimental que sustenta o protagonismo
decisório. A missão de fazer justiça, a partir de experiências e valores pessoais, se
prestou a evidenciar a jurisdição como um instrumento a serviço da paz social, com
a figura do magistrado com poderes privilegiados de direção e participação ativa no
processo. Bernardo Fernandes explicita a razão e o momento de surgimento desse
modelo processual:
Sua origem histórica está na crise do Estado Liberal e na consagração do paradigma do Estado Social de Direito, que, rompendo com os padrões formalistas de igualdade e de liberdade do paradigma anterior, vão buscar mecanismos mais concretos de redução das desigualdades socioeconômicas dentre os membros da sociedade. (FERNANDES, 2011, p. 465)
Nesse contexto, percebe-se que esse modelo processual busca o
saneamento das desigualdades existentes no direito material através do direito
processual, com a inserção em questões sociais, sem limites expressamente
delineados de aplicação e extensão das decisões, influenciadas por valores e
experiências pessoais.
167
A partir disso, é configurado um socialismo jurídico num rebate à lógica liberal
de liberdade das partes, subjugadas a forças políticas e econômicas, e com apreço
pela intervenção legislativa, o que foi levado, inclusive, aos institutos jurídicos
processuais.
Isso é reflexo de uma crítica à passividade judicial, que privilegiava os mais
fortes economicamente, sob a ótica da igualdade formal, foram propostas alterações
ao aparato jurisdicional, com um exaltamento do papel do juiz, que seria incumbido
tanto do exercício de esclarecimento, quanto da defesa da efetividade dos direitos:
Caberia ao juiz a assunção de um duplo papel: a) de educador: extraprocessualmente, este deveria instruir todo cidadão acerca do direito vigente, de modo a auxiliá-lo na defesa de seus direitos; b) de representante dos pobres: endoprocessualmente, o juiz deveria, em contraste com a imparcialidade e com o princípio dispositivo, assumir a representação da classe mais pobre. (NUNES, 2012, p. 80)
Aliás, numa postura compensadora dos déficits de igualdade material entre as
partes, o juiz ficava como responsável por restabelecer um equilíbrio ante a
disparidade de força econômica e política. Um dos principais expoentes dessa
corrente do discurso processual social, Menger (1947) afirmava:
[...] quando o demandante houvesse proposto sua demanda e o demandado a houvesse contestado, o juiz deveria proceder no litígio de ofício. Uma vez concedido ao rico o direito de fazer-se representar por um advogado, o juiz deveria estabelecer um equilíbrio entre as partes, assumindo a representação da parte mais pobre. (MENGER, 1947, p. 69, tradução nossa)62
A ideia de um papel compensador foi levada à expressão legislativa,
abordada na Ordenança processual civil do império austro-húngaro, de 1895,
considerada a primeira legislação tipicamente socializadora. Preconizadas por Antón
Menger e Franz Kleinz63, em que a atribuição de um papel social do juiz visava o
combate ao processo antiliberal e autoritário.
62 […] cuando el demandante hubiera producido su demanda y el demandado le hubiera contestado, el juez deberia proceder en el litigio de oficio. Una vez concedido al rico el derecho de hacerse representar por abogado, el juez deberia establecer un equilibrio entre as partes 63 Klein foi aluno de Menger, “nascido em 24.04.1854, em Viena, advogado e professor de Direito Processual Civil e Romano, fora nomeado secretário ministerial do Ministério da Justiça, em 1891, e se dedicara desde o início de seu múnus, à criação de uma legislação processual com novos perfis, com um embasamento doutrinário na obra de Menger”. (NUNES, 2012, p. 82)
168
Logo, diante de provocação das partes, caberia ao juiz clarear os
requerimentos obscuros, com o preenchimento de detalhes incompletos, para que
não ocorresse o engano ou desconhecimento que inviabilizasse o julgamento,
assim, o juiz participava de maneira essencial na busca de provas e alegações.
Desse modo, o processo tem um significado político, econômico e social, com
uma atuação efetiva do Estado em todas as fases, numa perspectiva socializadora,
como instituição estatal de bem-estar social.
Portanto, há um rompimento com os modelos liberais, passando o processo a
ter caráter assistencial, função desempenhada pelo juiz no âmbito processual. O que
surgiu do modelo de Klein, que Cappelletti acentua como uma atitude pioneira do
Código da Áustria:
A grande inovação proporcionada pelo Código austríaco foi a acentuação da função ativa do juiz, uma função entendida seja para assegurar ordem e rapidez do procedimento, seja para promover a finalidade social da igualdade efetiva das partes no processo. (CAPPELLETTI, 1974, p. 44, tradução nossa)64
Ressalta-se que o viés social impingido ao processo foi proveniente da crítica
ao modelo liberal de processo, no qual se focava na aplicação pura e seca da
norma, que foi sustentada numa base ideológica-jurídica autoritária, compondo o
quadro do nazismo e do período fascista. Por outro lado, o discurso de socialização
no âmbito legislativo alcançou os latinos, por intermédio de ideias capitaneadas por
Chiovenda, que indicava a técnica da oralidade e da concentração como alternativas
legislativas, propugnando o modelo estruturado por Klein.
No Brasil, o regime, instituído em 1937 e comandado por Vargas, caminhava
no sentido de intervenção em domínios que viessem a revestir-se de caráter público,
para buscar garantir o gozo da fruição dos bens, assegurado na Constituição da
época. Aliás, essa tendência de protagonismo judicial foi implementada pelo Código
de Processo Civil de 1939 conforme mostra Nunes (2012):
Na exposição de motivos do aludido CPC, o ministro Francisco Campos deixou clara a adoção do modelo processual de reforço do papel do Estado, encontrando indiscutível respaldo do Estado Novo, implementado no Brasil
64 La gran innovación aportada por el código austriaco la representaba su acentuación de la function active del juez, una función entendida sea para assegurar orden e rapidez del procedimiento, sea para promover la finalidad social de la igualdad efectiva de las partes en el proceso.
169
por Getúlio Vargas, com nítida vocação totalitária, populista e paternalista. (NUNES, 2012, p. 97)
Afora isso, paralelamente ao fenômeno de socialização do processo, que
serviu de base para o fomento das ideias socializadoras, na Alemanha, a linha
teórica propugnava pela autonomia do estudo do direito processual, com base
científica, que era vislumbrado como uma relação jurídica, sob a influência da
interpretação da doutrina de Bülow65. No Brasil, por sua vez, autores como Moacyr
Santos Amaral, Frederico Marques, Lopes da Costa, entre outros, defendem que o
processo cria um laço que une o autor, juiz e réu. A partir daí surgem os direitos,
bem como deveres funcionais para o órgão julgador, com ônus e encargos para as
partes, até que seja proferida a sentença para colocar fim ao elo que mantém o
vínculo entre eles, mediante previsão legal do que seria formado e desfeito nessa
relação jurídica, que se configura também como uma relação legal.
Bülow (1968) apresenta a Teoria dos Pressupostos Processuais e das
Exceções Dilatórias, já havia sido apontada por outros autores, e, “segundo alguns,
nas próprias Ordenações do Reino já se vislumbrava, ainda que sem muita nitidez, a
intuição de uma relação jurídica ligando partes e Estado-juiz (trata-se da “instância”
ou “juízo”, de que falam as Ordenações Filipinas)” (CINTRA, GRINOVER,
DINAMARCO, 2014, p. 304). Ainda nesse sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco
afirmam que:
O grande mérito de Bülow foi a sistematização, não a intuição da existência da relação jurídica processual, ordenadora da conduta dos sujeitos do processo em suas ligações recíprocas. Deu bastante realce à existência de dois planos de relações: a de direito material, que se discute no processo; e a de direito processual, que é o continente em que se coloca a discussão sobre aquela. Observou também que a relação jurídica se distingue da de direito material por três aspectos: a) pelos seus sujeitos (autor, réu e Estado-juiz); b) pelo seu objeto (a prestação jurisdicional); c) pelos seus pressupostos (os pressupostos processuais). (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2014, p. 304)
Apesar da grande evolução trazida pela teoria de Bülow (1968), ao evidenciar
que o processo não se reduz a mero procedimento, nem a mero regulamento das
formas ou ordem dos atos do juiz e das partes, e muito menos uma mera sucessão 65 “Essa doutrina é devida a Bülow, que a expôs em 1868 em seu famosíssimo livro Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias, unanimemente considerada como a primeira obra científica sobre direito processual e que abriu horizontes para o nascimento desse ramo autônomo na árvore do direito e para o surgimento de uma verdadeira escola sistemática do direito processual civil.” (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2014, p. 304).
170
de atos, a teoria recebeu muitas críticas. Tais críticas diziam respeito à inexistência
de sanções processuais pelo descumprimento das obrigações pelo juiz, bem como à
posição de sujeição à autoridade do órgão jurisdicional, sem evidência de suas
obrigações como formadoras do processo.
A partir das críticas à teoria de Bülow, que colocava o processo como uma
relação jurídica, Goldschmidt dá um passo à frente na proposta e mostra que uma
situação jurídica, na qual o direito se deflagra em chances, se baseia em
expectativas e possibilidades quando iniciado um processo.
Observa inicialmente o que sucede na guerra, quando o vencedor desfruta de situações vantajosas pela simples razão da luta e da vitória, não se cogitando de que anteriormente tivesse ou não esses direitos. Depois faz um paralelo com o que ocorre através do processo. E diz que quando o direito assume uma condição dinâmica (o que se dá através do processo) opera-se nele uma mutação estrutural: aquilo que em uma visão estática era um direito subjetivo agora se degrada em meras possibilidades (de praticar atos para que o direito seja reconhecido), expectativas (de obter esse reconhecimento), perspectivas (de uma sentença desfavorável) e ônus (encargo de praticar certos atos, cedendo a imperativos ou impulsos do próprio interesse, para evitar a sentença desfavorável). (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2014, p. 305)
Paixão (2002) rebate veemente a natureza do processo como relação jurídica
e bem como situação jurídica. O autor enfoca a formação de elos jurídicos a partir do
momento em que há a protocolização da peça inicial, ou até mesmo uma atermação,
o que é possível no Direito Processual do Trabalho, quando a própria parte
comparece em secretaria para reduzir os seus pedidos a termo, o que é feito por um
representante estatal designado para tal função na Vara do Trabalho.
O autor enfatiza que os elos jurídicos ultrapassam inclusive a sentença, que
não os extirpa, tendo em vista que, dependendo da natureza da decisão, se
declaratória, condenatória ou constitutiva, ainda possibilita a persistência dos elos.
O processo não tem a natureza de relação jurídica, nem a de situação jurídica. Não. Ocorre é que, ao se iniciar o processo, com a protocolização da peça inicial ou a atermação da reclamatória, forma-se um primeiro elo jurídico e, da existência mesma do processo, outras relações novas, outras situações vão-se formando internamente e outras extinguindo-se, até que, da sentença, originam-se relações jurídicas de direito material, ou ainda de direito processual, relativas ao mesmo processo que se está a julgar, quando a sentença recai sobre o próprio processo, para extingui-lo. Por todo o exposto, percebe-se que o processo é uma fonte inesgotável de elos jurídicos que forma imensa corrente endoprocessual e, ao final da sentença, ainda nascem outras tantas relações que variam em intensidade
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e natureza, na conformidade dos efeitos imediatos do julgado, quer seja a decisão declaratória, condenatória ou constitutiva. (PAIXÃO, 2002, p. 101)
Sendo assim, são contestadas em diferentes modos, a discussão da natureza
do processo, seja ele civil, trabalhista ou penal, perpassa por pensamentos que se
combatem e se complementam, com enfoques distintos e posicionamentos diversos,
assim como as funções que devem ser desempenhadas pelo Estado, suas
limitações e necessidades. Nesse paradoxo surgiu um outro enfoque do processo,
tendo como exponente Elio Fazzalari, que o define como um procedimento debatido
através do contraditório, com a relação jurídica como elemento do processo para
que, com a abertura da participação das partes, cumpra o que é constitucionalmente
garantido com o exercício do contraditório. Para tanto, enfatiza a participação
essencial do Estado, que, através dos juízes, tutela um interesse público
fundamental, com a observância das leis e também na formação das mesmas.
Assim detalha Fazzalari:
[...] o Estado “executa” a lei: de fato, também quando legisla, o Estado procede conforme diretrizes da lei, que lhe conferem o poder de legislar por meio de órgãos próprios e respeitando a Constituição; e também quando reage à violação de uma norma, por meio do mister do juiz, o Estado obedece à lei que lhe impõe a obrigação de fazê-lo: todavia, o atributo de “função executiva” é usualmente empregado para o conjunto de atividades do Estado acima identificadas com tal nome. Fala-se também de “administração” da justiça para indicar a atividade “jurisdicional”: pois, de fato, por meio dos juízes, o Estado tutela um interesse público fundamental, que é o de assegurar a observância das leis e de tutelar os direitos. Por fim, também por meio dos órgãos legislativos, o Estado realiza um interesse básico, qual seja, o relativo à formação e atualização das leis. (FAZZALARI, 2006, p. 29)
O desempenho estatal realizado através da formação e atualização das leis
possibilita a atuação do juiz, já que, a partir do momento em que há uma violação de
uma norma, pode ser acionado para então participar e guiar o processo. Segundo
Fazzalari, “é óbvio que o juiz não pode emitir, sic et simpliciter, um provimento
jurisdicional. Assim, para emitir uma sentença penal de condenação, o juiz deve ser
solicitado por alguém” (FAZZALARI, 2006, p. 138), e diante da participação das
partes, e explicitados os acontecimentos e suas respectivas provas, possa emanar
um provimento. Ou seja, ao juiz cabe uma análise detida das circunstâncias em que
deve buscar a norma para, após participação não somente sua, solitária, mas dos
172
seus auxiliares e especialmente dos sujeitos cuja medida jurisdicional se destinará,
mediante o contraditório e o debate, seja emitido o provimento.
Essa atividade de conhecimento dos pressupostos do provimento jurisdicional, isto é, a atividade por meio da qual o juiz verifica que ocorrem, no caso concreto, as circunstâncias em presença das quais deve ser acionada a norma que lhe impõe o dever de emanar aquele provimento, é longa, fatigosa, custosa; dela participam não somente o juiz, mas também seus auxiliares (o escrivão, o oficial de justiça, eventualmente o perito) e, sobretudo, os sujeitos em cuja esfera jurídica a emanada medida jurisdicional é destinada a incidir, em contraditório entre eles. A atividade em discussão é constituída por uma série de atos, desenvolvidos em uma certa ordem e culminantes no provimento final, isto é, no provimento jurisdicional em sentido estrito (que será emanado pelo juiz quando ele tiver declarado que ocorrem as circunstâncias previstas pela lei par tal emanação), ou mesmo o juiz, ao recusar-se a dar a procedência do procedimento no refutar, por parte do juiz, do provimento jurisdicional (quando o juiz mesmo terá acertado que não ocorrem aquelas circunstâncias). (FAZZALARI, 2006, p. 138)
Nesse sentido, ao transpor para o cenário brasileiro, constata-se que, essa
perspectiva permite o vislumbramento do processo como um procedimento realizado
mediante o desenvolvimento da relação entre seus sujeitos, todos submetidos ao
contraditório. Gonçalves (2012) propõe uma estrutura de processo desenvolvida
então pelo contraditório estabelecido entre as partes, guiados pelo juiz, para que a
ele se atenha, “adote as providências necessárias para garanti-lo, determine as
medidas adequadas para assegurá-lo, para fazê-lo observar, para observá-lo, ele
mesmo” (GONÇALVES, 2012, p. 105).
A compreensão do processo com viés democrático perpassa pela teoria de
Fazzalari, dada a inclusão do contraditório como parte do conceito de processo, e é
complementada pelo olhar de Aroldo Plínio com o enfoque na figura do juiz como
não contraditor, dada a formação do provimento jurisdicional se dar principalmente
pelos argumentos fornecidos pelas partes.
O debate também foi ponto crucial no posicionamento de Eduardo J. Couture,
que, apesar de analisar o processo como um instrumento da jurisdição, esboçou um
direito processual constitucional, calcado na ideia de estruturação do processo por
meio de um método dialético, com a participação das partes e do juiz. Ressalta,
ainda, a necessidade de consonância com os valores constitucionais:
O regime do processo deve ser determinado pela lei. Ela concede ou nega os poderes e as faculdades dentro das diretrizes estabelecidas na Constituição. O espírito dessa é transferido àquele, que deve ser inspirado
173
nas valorações estabelecidas pelo constituinte. (COUTURE, 1948, p. 21, tradução nossa)66
Na teoria, também defendida por autores como José Alfredo de Oliveira
Baracho, Ítalo Andolina e Héctor Fix-Zamudio, o processo constitucional tem o
condão de inserir parâmetros e delineamentos constitucionais que regem o
processo, consagrando-o com valores da sociedade e da organização do Estado,
com parâmetros referenciais em defesa das liberdades fundamentais.
Nesse sentido, ressalta-se que a defesa da Constituição implica na integração
de todos os instrumentos jurídicos e processuais que foram estabelecidos para
conservar a própria normatividade constitucional e prevenir e reprimir sua violação,
e, principalmente, possibilitar o desenvolvimento da efetividade dos dispositivos
constitucionais. Héctor Fix-Zamudio acentua a abrangência desse controle
constitucional ressaltando a extensão além de tribunais:
O controle constitucional também é bastante amplo, posto que abrange instrumentos jurídicos e políticos de resolução de conflitos derivados da aplicação das normas fundamentais, tanto que jurisdição constitucional é o conceito menos extenso, enquanto compreende as decisões desses conflitos por meio dos tribunais, em sentido estrito. (FIX-ZAMUDIO, 2002, p. 27, tradução nossa)67
O desenvolvimento na perspectiva constitucional trouxe a igualdade
processual das partes de maneira diferenciada, superando a mera formalidade para
atingir a igualdade substancial, de participação das partes no processo. Em outras
palavras, diferentemente da igualdade advinda do liberalismo, de cunho
individualista, essa perspectiva contém orientação social no momento em que busca
a efetividade dessa igualdade, a paridade de oportunidades e condições,
reconhecidas as peculiaridades, assim como também explicou Héctor Fix-Zamudio:
Esta igualdade processual das partes era diferente no regime individualista, liberal e predominantemente dispositivo do processo civil tradicional, em comparação com o sentido que se pretende estabelecer a corrente contemporânea do processualismo científico com forte orientação social,
66 El régimen del processo lo debe determinar la ley. Ella concede o niega poderes y facultades dentro de las bases establecidas en la Constitución. El espíritu de ésta se traslada a aquélla, que debe inspirarse en las valoraciones establecidas por el constituyente 67 El control constitucional también es bastante amplio, puesto que abarca instrumentos jurídicos y políticos de resolución de conflictos derivados de la aplicación de las normas fundamentales, en tanto que jurisdicción constitucional es el concepto menos extenso, en cuanto comprende la decisión de dichos conflictos por medio de tribunales en sentido estricto.
174
que persegue a superação das situações formalistas que têm predominado na maioria dos códigos processuais de caráter tradicional (FIX-ZAMUDIO, 2002, p. 54, tradução nossa).68
Essa preocupação com a consonância e com a dinâmica dos princípios
constitucionais não foi objeto de debate na teoria de Fazzalari, mas, ainda assim,
serviu de base a essa estruturação. Todo o contexto do processo e seus delineamentos, bem como a sua
natureza são importantes para delimitar a atuação e os poderes que são
sustentados pelo juiz na condução do processo, o qual vale-se do poder estatal e
não da autonomia da vontade, bem como também é importante para se entender a
finalidade do processo e a que se presta no Direito.
O Direito processual, na clássica divisão entre direito público e privado, situa-
se no primeiro campo, “pois cuida de viabilizar o exercício do poder jurisdicional, de
superlativa relevância na tríplice aliança da divisão das atividades estatais”
(PAIXÃO, 2002, p. 94), e com a uniformização de procedimentos tem o cunho
teleológico e “procuram caminhar para o aperfeiçoamento do princípio isonômico,
zelando pela igualdade das partes” (PAIXÃO, 2002, p. 95).
Diante de todo o delineamento que se propõe para o processo, infere-se que,
ao exercer a jurisdição, o juiz fica adstrito à exigência da legalidade, mas na medida
em que se efetive o contraditório durante o procedimento, mediante regras
conhecidas pelas partes, seja um preparatório para o julgamento final, com respeito
ao devido processo legal.
[...] só tem sentido essa preocupação pela legalidade na medida em que a observância do procedimento constitua meio para a efetividade do contraditório no processo. É assegurado às partes os caminhos para participar e meios de exigir a devida participação do juiz em diálogo que o procedimento estabelecido em lei recebe sua própria legitimidade e, ao ser devidamente observado, transmite ao provimento final a legitimidade de que ele necessita. (GRINOVER, CINTRA, DINAMARCO, 2014, p. 310)
Note-se, pois, que os princípios constitucionais devem delinear todo o
processo, desde sua formação, assim presentes a isonomia, legalidade e
contraditório. As peculiaridades, porquanto, devem ser consideradas para que seja 68 Esta igualdad procesal de las partes era diferente en el régimen individualista, liberal y predominantemente dispositivo del proceso civil tradicional, respecto de la que pretende establecer la corriente contemporánea del procesalismo científico con fuerte orientación social, la que persigue la superación de las situaciones formalistas que han predominado en la mayoría de los códigos procesales de carácter tradicional.
175
possível a formação equânime, a participação e a manutenção das partes durante o
processo. Para possibilitar o contraditório, a lei deve trazer a previsão que explicita o
procedimento, com o cunho de legitimar o provimento final obtido mediante o
material recolhido e elaborado durante a fase instrutória.
Nesse contexto, diante da Constituição Brasileira de 1988, que preza pela
formação de um método contemporâneo e democrático do processo, em
consonância com os valores do Estado Democrático de Direito, dirige-se ao
vislumbramento de uma nova metodologia, com uma forte garantia dos direitos e
garantias fundamentais das partes no processo, como salienta Daniel Mitidiero:
Essa ideia de processo como polo metodológico central da teoria do processo civil contemporâneo bem responde ao caráter essencialmente problemático assumido pelo direito hoje, para cuja solução concorrem, argumentativamente, todos aqueles que participam do feito. A propósito, a passagem da jurisdição ao processo corresponde, em termo de lógico, à passagem da lógica apodítica à lógica dialética: do monólogo jurisdicional ao diálogo judiciário. Ademais, a democracia participativa, tida mesma como um direito fundamental de quarta dimensão, sugere a caracterização do processo como um espaço privilegiado de exercício direto de poder pelo povo. Nessa quadra, potencializa-se o valor participativo no processo, incrementando-se as posições jurídicas das partes no processo, a fim de que esse constitua, firmemente, como um democrático ponto de encontro de direitos fundamentais. (MITIDIERO, 2009, p. 46)
O delineamento constitucional e participativo impende a utilização do
processo, não apenas como instrumento para a realização do direito material, mas
para a construção de soluções jurídicas justas, conjuntamente. Os modelos
processuais do liberalismo e da socialização processual, apesar das crises
vivenciadas, contribuíram para uma nova perspectiva, em consonância com os
valores do Estado Democrático de Direito, como esclarece Bernardo Fernandes:
O chamado Estado Democrático de Direito é também denominado pelos autores de tradição alemã como Estado Constitucional, uma vez que as aquisições históricas deixaram claro que não é a submissão ao Direito que justificaria a limitação quer do próprio Estado quer dos Governantes, mas necessariamente uma subjugação total à Constituição. Para muitos autores, o Estado Democrático de Direito seria a união de dois princípios fundamentais, o Estado de Direito e o Estado Democrático. Todavia, mais que uma junção, o produto desses dois princípios acaba por formalizar e revela-se como um conceito novo que, mais que adicionar um no outro, equivale à afirmação de um novo paradigma de Estado e de Direito. Na realidade, o Estado Democrático é muito mais que um princípio, configurando-se um verdadeiro paradigma – isto é, pano de fundo de silêncio – que compõe e dota de sentido as práticas jurídicas contemporâneas. Vem representando, principalmente, uma vertente distinta
176
dos paradigmas anteriores do Estado Liberal e do Estado Social. Aqui a concepção de direito não se limita a um mero formalismo como no primeiro paradigma, nem descamba para uma materialização totalizante como no segundo. (FERNANDES, 2011, p. 206)
Ao tratar do Direito Processual do Trabalho, é necessário que se faça uma
releitura na perspectiva do Estado Democrático de Direito, tornando-o consentâneo
dos valores imbuídos na Constituição Brasileira de 1988. A aplicação dos modelos
processuais do liberalismo ou da socialização não estão a contento do Estado
contemporâneo. É preciso interpretar a legislação processual trabalhista em
conformidade com o delineamento dos princípios e valores constitucionais
contemporâneos. Para que se configure a isonomia processual é essencial o
reconhecimento da desigualdade das partes, criando condições de que ambos se
façam presente em paridade de forças e oportunidades no exercício do contraditório.
Eduardo Couture elenca o “procedimento lógico de corrigir as desigualdades”
como princípio fundamental do processo trabalhista, para que, assim, atenda ao fim
a que se propõe. O autor postula que o direito processual trabalhista “é elaborado
totalmente com o propósito de evitar que o litigante mais poderoso possa desviar e
entorpecer os fins da Justiça” (COUTURE, 1989, p. 272).
A observância dos limites para que não haja afronta entre a igualdade e a
excessiva proteção torna-se essencial, para não frustrar a imparcialidade, sendo que
os princípios exercem no ramo processual as funções informativa, interpretativa e
normativa, do mesmo modo que ocorre no direito material.
A participação de todos no trâmite processual, sem transformar o processo
em meio de proteção exclusivo de uma das partes, com uma construção legítima
com aplicação dos princípios constitucionais da isonomia, ampla defesa e do
contraditório, efetiva os parâmetros insertos no Estado Democrático de Direito.
O magistrado em posição hierarquicamente superior às partes, com uma
legitimidade pressuposta no que tange ao poder de decidir de forma solitária,
unilateral, solipsista, sem permitir a participação das partes interessadas na
construção do provimento final, em consonância com o modelo de processo
preconizado por Oskar von Bülow, Chiovenda, Carnelutti e outros expoentes da
escola italiana, deve ser reinterpretado com o modelo constitucional de processo,
proposto inicialmente por Eduardo Couture, Fix-Zamudio, Andolina e Baracho. E,
assim se estaria consoante com o Estado Democrático de Direito, prezando pelo
177
cumprimento das normas constitucionais, concretizadoras dos valores e regras
fundamentais de um Estado.
Note-se que os valores presentes na Constituição Brasileira de 1988, ao
elencar a dignidade humana como o cerne do sistema, asseguram a aplicação dos
direitos fundamentais e impedem a opressão das minorias e dos mais fracos,
prezando pela isonomia das partes e tornando a construção participada da decisão
judicial, pilar de um sistema jurisdicional democrático.
3.1 A relação existente e as distinções teóricas entre princípio da isonomia e princípio da proteção
A igualdade perante a lei é fundamento para a igualdade no tratamento
judicial. Estatuído no artigo 5º, caput, da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, ao afirmar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade” (BRASIL, 1988), o princípio da igualdade impõe um tratamento sem
favorecimentos ou privilégios a quem quer que seja, igualitário perante a lei, e daí
advém o princípio da igualdade processual.
O princípio da igualdade está consagrado no art. 5º, caput, da CF, segundo a qual todos são iguais perante a lei. É importante notar que a igualdade aqui mencionada é apenas a formal. Todavia, essa norma constitucional deve se amoldar ao figurino das normas-princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre-iniciativa, bem como aos objetivos fundamentais da República, consubstanciados, dentre outros, na erradicação da pobreza e da marginalização e na redução das desigualdades sociais e regionais (CF, arts. 1º e 3º). (LEITE, 2015, p. 69)
Portanto, a igualdade de condições no plano fático carece do reconhecimento
das diferenciações, ou seja, o tratamento igual para os iguais e desigual para os
desiguais. Apesar da proibição da desigualdade, insculpida no supramencionado
artigo, a diferenciação é imperiosa em situações a fim de corrigir as disparidades
fáticas, ou seja, para atender às normas-princípios constitucionais, que expressam
direitos fundamentais para alcance da dignidade da pessoa humana (LEITE, 2015).
178
Nessa desigualdade para igualar, há quem distinga a igualdade da isonomia,
enquanto a primeira possibilita um tratamento igualitário, a segunda exige a
observação das desigualdades materiais para promover uma compensação.
A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2014, p. 73)
Nesse viés, a isonomia processual confere às partes a possibilidade de iguais
condições no trato processual, reconhecendo, entretanto, as diferenciações e as
necessidades de cada um para que, efetivamente, se coloquem nas mesmas
condições. Dessa maneira, há uma aparente excepcionalidade da isonomia, dentro
e fora do processo, com o intuito de obedecer “exatamente ao princípio da igualdade
real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para
que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial” (CINTRA;
GRINOVER; DINAMARCO, 2014, p. 73).
Como corolário do devido processo legal, o princípio da isonomia supera a
mera igualdade formal, prevista no art. 5º da CF/88 que enuncia que “todos são
iguais perante a lei”. A ideia de processo justo, em que deve haver um tratamento
equilibrado entre os sujeitos, permeia o processo constitucional com o
reconhecimento das diversidades existentes entre todas as pessoas e que devem
ser respeitadas para que haja a igualdade substancial.
Para a compensação da desigualdade fática é feita uma diferenciação
processual, com expressões legais explícitas, ou seja, criam condições que atendam
às especificidades das partes sem que prejudique a participação de ambas, para
formação de um processo equânime e justo, com atendimento aos princípios
constitucionais democráticos.
Logo, percebe-se que a proteção existente no plano processual é delineada
por artigos e possibilidades constantes na própria CLT, a fim de se configurar a
isonomia. A diferenciação de consequências e de obrigações não pode ser vista
como uma aplicação ampla e irrestrita do princípio da proteção na seara processual
179
do trabalho, mas como meio de implementação do acesso à justiça e do tratamento
igualitário.
A proteção não se confunde com o princípio da isonomia. Advindo do Direito
material do Trabalho, o princípio da proteção se baseia na desigualdade fática, “ao
invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de
estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador” (PLÁ
RODRIGUEZ, 2000, p. 83). Há uma compensação para suprir as desigualdades,
tanto jurídicas quanto econômicas, com uma proteção jurídica que ampara o
trabalhador. E, nesse sentido, o próprio legislador expressa e indica a interpretação:
Em certo sentido, isto se limita a estabelecer uma interpretação coerente com a ratio legis. Se o legislador se propôs a estabelecer por meio da lei um sistema de proteção ao trabalhador, o intérprete desse direito deve colocar-se na mesma orientação do legislador, buscando cumprir o mesmo propósito. Sob este aspecto, o princípio não aparece como estranho aos critérios que se aplicam em qualquer ramo do direito, nos quais o intérprete deve sempre atuar em consonância com a intenção do legislador. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 86)
Essa proteção jurídica, originária do direito material, irradia na seara
processual, com pontos e momentos em que as partes são visivelmente
diferenciadas, com direitos e deveres distintos, desde o não comparecimento na
primeira audiência até a gratuidade judiciária. A partir daí as condições de discussão
no processo serão as mesmas, ou seja, há uma paridade de armas em condições
equilibradas, o que possibilita a ocorrência da isonomia processual.
O princípio da proteção advém da disparidade de forças na relação entre
empregado e empregador, distintos pelo capital, que diferencia as partes colocando
o detentor com maior poderio na relação laboral. Leonardo Gênova acentua essa
disparidade ao enfocar na função do princípio da proteção:
Com o aparecimento das reivindicações dos operários e com o fortalecimento no campo ideológico, apareceram as primeiras proteções aos empregadores, proporcionando uma igualdade mais justa entre os atores da relação laboral. Sabe-se que, no direito do trabalho, o empregado é parte inferior no contrato laboral, sendo, por outro lado, o empregador a parte superior, pois é o detentor do capital, não podendo assim, tratar a igualdade de uma maneira formal; por isso, nesse ramo do direito, existe o princípio protetor do empregado, não só para pacificar o desequilíbrio e a desigualdade do contrato de trabalho, bem como pacificar os conflitos sociais. (GÊNOVA, 2009, p. 28)
180
Nesse contexto se destaca o princípio da proteção como basilar, como núcleo
do Direito do Trabalho, estando intimamente ligado à sua própria existência, sem o
qual, inclusive, não haveria razão de ter uma ciência própria. Há, pois, uma proteção
no trâmite da relação de emprego, desde a contratação até o fim do pacto laboral,
com a autonomia de negociação das partes sendo limitada pelos preceitos
intervencionistas que impossibilitam a imposição da vontade de uma parte sobre a
outra. A proteção cerceia a livre negociação, adere as condições mais benéficas ao
contrato, com exceções previstas na legislação, além de trazer a aplicação da norma
mais benéfica ao contrato, quando há duas disposições normativas que tratam sobre
o mesmo assunto, sem análise de hierarquia entre as mesmas.
Essas condições, que favorecem a parte que se encontra em posição de
inferioridade na relação contratual laboral, têm o cume de equiparação das partes
para que atinjam a pretensa igualdade, não só a formal, mas também a material,
alcançando a isonomia. Ou seja, concede uma diferenciação para que tenham
ambas as partes uma condição isonômica
A isonomia preconiza o reconhecimento das adversidades e diferenças, não
concede vantagens a uma ou outra, função desempenhada pelo princípio da
proteção, e tem o intuito de que as partes tenham as mesmas condições e
oportunidades, e assim, possam dialogar no processo, uma interação processual
participativa e democrática. Alexandre Freitas Câmara sintetiza que, “em outras
palavras, o princípio da isonomia só estará sendo adequadamente respeitado no
momento em que se garantir aos sujeitos do processo que estes ingressarão no
mesmo em igualdade de armas, ou seja, em condições equilibradas” (CÂMARA,
2014, p. 50).
Desse modo, a proteção processual que for além da previsão legal e além
dos parâmetros constitucionais inviabiliza a igualdade das partes no processo. O
que leva à atuação oficiosa do magistrado, numa situação de imprevisibilidade para
as partes, o que impossibilita o desenvolvimento do debate processual.
Numa concepção democrática constitucional do processo, passou então a se
vislumbrar uma nova dinâmica das partes no processo, na formação do mérito, com
a paridade de chances e oportunidades, alavancadas pelo reconhecimento das
peculiaridades e adversidades de cada parte, supera-se a estrutura
monologicamente dirigida pela perspectiva unilateral de formação do provimento
pelo juiz, na qual o debate e o contraditório eram relegados “a uma mecânica
181
contraposição de direitos e obrigações ou, como se tornou costumeiro afirmar, tão-
somente como um direito de bilateralidade da audiência, possibilitando às partes a
devida informação e possibilidade de reação” (THEODORO JÚNIOR, NUNES, 2009,
p. 117), para buscar uma moderna concepção isonômica de contraditório, com a
participação ativa e protagonista das partes.
O delineamento dessa moderna concepção isonômica do contraditório se inicia de modo mais efetivo a partir desse momento, mediante a percepção da doutrina processual germânica de que este não poderia mais ser analisado tão-somente como mera garantia formal de bilateralidade da audiência, mas, sim, como uma possibilidade de influência sobre o conteúdo das decisões e sobre o desenvolvimento do processo, com inexistentes ou reduzidas possibilidades de surpresas. (THEODORO JÚNIOR, NUNES, 2009, p. 122)
Nesse ínterim, o juiz que “passa a ter que provocar de ofício o prévio debate
das partes sobre quaisquer questões de fato ou de direito determinantes para a
resolução da demanda” (THEODORO JÚNIOR, NUNES, 2009, p. 122), participa
conjuntamente com as partes, que, a partir da proteção material no ramo
justrabalhista, podem participar com a prevalência da igualdade de chances e a
igualdade de armas, numa garantia simétrica, configurando a isonomia processual e
tornando o processo um locus de discursividade.
Em suma, a proteção é uma construção jurídica decorrente do direito material,
pautada em proposições advindas da intenção do legislador em corrigir no âmbito
das relações jurídico-contratuais-laborativas desigualdades fáticas existentes no
âmbito das relações empregatícias, ou seja, trata-se de disposições voltadas a
assegurar ao empregado a descoisificação e a inclusão enquanto sujeito cuja
dignidade humana efetivamente é protegida. Os reflexos do princípio da proteção no
âmbito da processualística laboral são evidenciados na discursividade e
dialogicidade com a isonomia processual, cuja finalidade consiste em oportunizar de
forma efetiva a igualdade jurídica de debate de provas e questões controversas que
integram a demanda judicial.
182
3.2 O princípio da proteção visto sob a ótica do Direito Processual do Trabalho no Brasil: o diálogo das fontes
A interpretação dos limites de aplicação do princípio da proteção, para
atendimento dos fins constitucionais precípuos não deve ser realizada sob a
unicidade de um instrumento normativo, mas de forma holística, dentro de um
sistema normativo composto por diversos instrumentos. A leitura de forma isolada
pode conduzir à feitura de uma decisão anacrônica, às avessas do caráter
teleológico proposto pelo sistema e que comporta o caráter científico. Nesse sentido,
em teoria criada pelo jurista Erik Jayme, professor da Universidade de Helderberg, e
trazida ao Brasil por Cláudia Lima Marques (2012), apresenta a ideia de que o
Direito deve ser interpretado de maneira unitária, sistemática e coordenada para que
sejam evitadas as decisões conflitantes com os propósitos do sistema.
Diante do Processo do Trabalho, consolidado como ramo autônomo do
Direito, que tem a pretensão de efetivar o direito material do trabalho de forma célere
e eficaz, em atendimento ao princípio constitucional insculpido no inciso LXXVIII do
art. 5º da CF/88, é necessário que se realce a estreita relação entre o direito material
e o direito processual do trabalho.
É inegável a interdependência existente entre ambos, tratados no mesmo
instrumento legislativo, a CLT. Carlos Henrique Bezerra Leite vislumbra essa
conexão expondo que:
Já a teoria geral do direito processual do trabalho tem objeto mais delimitado, porquanto investiga setores específicos do processo do trabalho, as suas estruturas peculiares, os conceitos próprios e os valores especiais almejados pelo direito material do trabalho. Sua finalidade primordial reside, portanto, na realização dos escopos social, político e jurídico do processo, sob a perspectiva do direito material do trabalho, bem como, por força da EC n. 45/2004, no que couber, de outros ramos do direito material, como o direito civil, o direito administrativo, o direito penal etc. (LEITE, 2015, p. 58)
Ao ter as fontes como a pedra fundamental de todos os estudos jurídicos, de
onde emana o Direito e a solução para os conflitos, pode-se inferir que dali parte a
interligação de todos os ramos, especialmente no que tange à utilização da
Constituição, o que torna o direito único e sistematizado, sendo imperiosa a sua
interpretação holística.
183
Nessa ótica, a partir de uma perspectiva constitucional, debate-se a
interferência do princípio da proteção, construído na seara material do direito do
trabalho e no direito processual do trabalho, com a conjugação das fontes
contemporâneas que se prestam à solução dos conflitos e litígios trabalhistas.
Busca-se, pois, a utilização do método de diálogo das fontes aplicável ao processo
do trabalho, com base na superação da dicotomia entre direito público e privado,
com a conjugação dos princípios de direito do trabalho.
No diálogo das fontes, a adoção de uma norma jurídica não excluiria a
aplicação de outra, o que ocorre é um jogo de interdependência e conectividade. Há
uma coordenação entre as fontes do Direito, em que há uma complementariedade
para a construção da solução no caso concreto.
Erik Jayme, precursor da teoria do diálogo das fontes, ressalta que “[...] a
existência de múltiplas fontes, característica dos sistemas jurídicos atuais, necessita
de uma pesquisa dentre as possíveis soluções de conflitos, para que seja possível
averiguar o que pode advir do conjunto” (JAYME, 1996, p. 60)69 Não há uma
subordinação, mas a aplicação de fontes de diversas emanações para suprir
lacunas e construir soluções a partir da unidade axiológica e teleológica na qual
estão inseridas.
Nesse sentido, o intuito é propiciar um instrumento hermenêutico, que tutele e
concretize os ideais, observando que as regras e os princípios constitucionais
devem nortear todo o percurso de aplicação e conferimento da solução, para que
seja consoante aos valores ali insculpidos.
Cláudia Lima Marques explicita a nova coordenação a que deve se submeter
o sistema legal: [...] um novo paradigma de coordenação e coerência restaurada de um sistema legal, sistema hoje de fontes plúrimas, com diversos campos de aplicação, a criar, na era da pós-descodificação, uma grande complexidade no antes simples fato – ou ato – de o aplicador da lei “escolher” entre as fontes (em aparente conflito) a lei ou leis a serem aplicadas no caso concreto. (MARQUES, 2012, p. 27)
O diálogo das fontes consiste em um método de interpretação, integração e
aplicação das normas, assegurando a coerência e a efetividade do direito que se dá
a partir do projeto e dos valores constitucionais. A solução advém não dos métodos
clássicos, tais como especialidade, temporalidade ou hierarquia das normas, mas 69 [...] l’existence de plusieurs sources, caractéristique des systèmes juridiques actuels, nécessite la recherche de solution des conflits qui peuvent naître entre elles.
184
ocorre com uma aplicação coordenada de diversas fontes, através do cotejo de
normas incidentes no caso concreto, diante da análise da situação fática. A exclusão
de uma norma em detrimento de outra é substituída pela aplicação simultânea,
deixando de se adotar unicamente a solução monolítica.
Nesse sentido, ao trazer subsídios para a coerência do ordenamento
juslaboral, verifica-se que a aplicação na seara processual do trabalho deriva de
irradiação do direito material do trabalho, e também de variadas fontes, tais como o
Código de Processo Civil, o Código de Defesa do Consumidor, leis esparsas e
princípios processuais.
Assim, é preciso delimitar a atuação do Direito Processual do Trabalho, que
como já mencionado, é essencial para a efetivação dos direitos materiais do
trabalho, um instrumento de concretização desses direitos. A conexão entre os dois
ramos é tamanha, que um chega a interferir no outro, caminham juntos, com o
respaldo da Constituição, devem ambos ter como diretrizes as normas mais
favoráveis ao indivíduo, ou seja, o trabalhador, como afirma Wânia Almeida:
O diálogo entre as fontes, além de ter a Constituição e a realização concreta dos direitos fundamentais trabalhistas como norte, deve ter diretrizes, ainda, os princípios pro homine (próprio do direito internacional dos direitos humanos) e o da norma mais favorável (próprio do direito do trabalho e do direito processual do trabalho). (ALMEIDA, 2015, p. 184)
A organicidade do sistema normativo confere a ele uma interdependência
entre as normas, enquanto a análise isolada do Direito do Trabalho, pura e
simplesmente, denota uma impossibilidade de sua exigibilidade. Para tanto, a
interpretação sistêmica torna-se essencial para sua exequibilidade diante de uma
justiça especializada. Ou seja, de nada adiantaria uma gama imensa de direitos se
não houvesse como exigi-los perante o juízo, que verifica, analisa e executa. E,
como ressalta Humberto Theodoro Júnior, o Direito material reflete no Direito
Processual do Trabalho: “Naturalmente, como o direito processual é sempre
instrumento de atuação do direito material, aquilo que dá personalidade e
caracterização ao primeiro haverá de refletir, de alguma forma, sobre o último”
(THEODORO JÚNIOR, 2002, p. 62)
Nesse contexto de aplicação e efetivação, a Justiça do Trabalho exerce um
papel fundamental para a manutenção e exigência dos direitos, para tanto, seus
princípios devem ser consonantes e viabilizadores da implementação do Direito do
185
Trabalho. Com o intuito de promoção da justiça, o Direito Processual do Trabalho
compensa a desigualdade da relação de trabalho, sendo, por exemplo, mais
simples, menos burocrático e mais célere que a Justiça comum. A simplicidade, a
celeridade e a informalidade devem pairar sobre todos os institutos do processo
trabalhista, já que sem elas não seria viável uma demanda que zela pelo
cumprimento de direitos fundamentais. A burocratização e a morosidade tornam
inviável o pleito judicial, que onera o trabalhador, que não conseguiria se sustentar
financeiramente, nem mesmo nos gastos do trâmite judicial, nas idas e vindas de
audiências.
Para o devido cumprimento da finalidade da Justiça do Trabalho, é essencial
que o princípio cerne do direito do trabalho considere as normas e os entendimentos
elaborados para e no processo do trabalho. Ou seja, numa comparação com o
Direito do Consumidor, que também apresenta a vulnerabilidade de uma das partes
e com o Direito Ambiental, verifica-se que a elaboração de normas de proteção ao
próprio consumidor ou ao meio ambiente não seriam eficazes se, quando levadas à
Justiça fossem reduzidas e diminuída a proteção desejada, que, inclusive, ensejou a
criação de tais normas.
Nesse sentido, a aplicação do princípio da proteção no Direito Processual do
Trabalho e sua utilização no decorrer do trâmite processual, deve considerar que
Direito material e processual devem caminhar juntos, um servindo ao outro, na
mesma direção, como acentua Manoel Antônio Teixeira Filho:
Sucede, porém, que o processo tende a refletir a natureza da lide a que se destina a solucionar. Daí poder-se falar, sem receio de estar-se a perpetrar uma falta contra a sua unidade ontológica e teleológica, por exemplo, em processo civil, em processo penal, em processo do trabalho e o mais. Todos, em essência, são processo, conquanto apresentem expressivas peculiaridades, que, de certo modo, emanam do próprio direito material que dá conteúdo aos conflitos de interesses a serem dirimidos por meio desse instrumento estatal. (TEIXEIRA FILHO, 2009, p. 104)
As relações processuais trabalhistas podem ser vislumbradas como
autônomas em relação ao Direito material do Trabalho, mas o princípio da proteção,
sob o qual é erigido tal direito, atua também na esfera processual, como um filtro
pelo qual os demais princípios são observados, e quando representam uma
afrontam à essa proteção, que propicia a igualdade e a isonomia, podem não ser
186
aplicados integralmente ou serem aplicados mediante adaptações, no ensejo do fim
proposto pelo Direito Processual do Trabalho.
Para a aplicação e implementação da principiologia presente no Direito
material do Trabalho através do Direito Processual do Trabalho, é essencial que a
base na qual se sustenta o ordenamento seja realmente a ótica sob a qual se
vislumbra cada parte, cada artigo e cada interpretação que decorra desse ramo,
resguardando a cientificidade.
Para tanto, no Direito Processual do Trabalho, parte-se da necessidade de
correção de desigualdades, conforme trazido por Carlos Henrique Bezerra Leite:
O princípio da proteção processual, portanto, deriva da própria razão de ser do processo do trabalho, o qual foi concebido para efetivar o Direito do Trabalho, sendo este ramo da árvore jurídica criado exatamente para compensar ou reduzir a desigualdade real existente entre empregado e empregador, naturais litigantes do processo laboral. (LEITE, 2013, p. 80)
O princípio da proteção surgiu do Direito do Trabalho e permeia todo o
sistema juslaboral, acarretando consequências na sua aplicação na solução de
conflitos. Assim, paira sobre as interpretações e as decisões judiciais, como ressalta
Plá Rodriguez, constitui não um método especial de interpretação, mas um princípio
geral “que inspira todas as normas de Direito do Trabalho e que deve ser levado em
conta na sua aplicação. Cada fonte deverá ser interpretada de acordo com sua
natureza e característica; mas esse princípio preside a atuação em cada uma das
fontes” (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 100).
A irradiação e a aplicação da proteção são vistas como uma implementação
do acesso à justiça, muito mais do que proteger uma das partes, no debate
processual o tratamento igualitário é concedido através da diferenciação legal que
tem respaldo que são os princípios constitucionais democráticos elencados na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Há que se reconhecer os limites de aplicação, sob pena de frustrar todo o
embasamento sobre o qual se funda o próprio direito do trabalho e sob risco de se
incorrer em desigualdade e desproporcionalidade contra a outra parte.
Na demonstração de como irradia o princípio da proteção, e na perspectiva do
diálogo das fontes que possibilita a conjugação dessas, é possível perceber o
condão modificador e pragmático do princípio da proteção no Direito Processual do
Trabalho, além das hipóteses já mencionadas.
187
O artigo 818, CLT70 traz a aplicação do princípio do ônus da prova,
incumbindo a quem alegar, provar o fato. Entretanto, diante da dinâmica processual
trabalhista, e em consonância com os princípios que permeiam essa seara, nota-se
que o Tribunal Superior do Trabalho vem assumindo posicionamento diverso, o que
pode ser vislumbrado inclusive através de suas súmulas, especialmente a 33871 e a
21272. Muito antes do novo Código de Processo Civil trazer em seu artigo 37373 a
distribuição dinâmica do ônus da prova já possibilitava a inversão do ônus da prova
no Direito Processual do Trabalho, com a aplicação da busca da verdade real,
guiada pela liberdade do juiz74 na busca de provas e atos que permitam alcançar os
acontecimentos que se sucederam no cotidiano laboral.
Nesse ínterim, a aplicação do princípio da proteção em conformidade com a
distribuição dinâmica do ônus da prova, quando o julgador verifica que são
preenchidas as hipóteses para modificação da regra, torna se possível com a
utilização da inversão do ônus da prova. A confirmação, pelo Tribunal Superior do
Trabalho, através da Resolução nº 203, de 15 de março de 2016, em seu artigo 3º, 70 Art. 818, CLT - A prova das alegações incumbe à parte que as fizer. 71 Súmula 338, TST – JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 234 e 306 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. (ex-OJ nº 234 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001) III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003) Disponível em < http://www.tst.jus.br/sumulas >. Acesso em 26 de julho de 2016. 72 Súmula 212, TST - DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado. Disponível em < http://www.tst.jus.br/sumulas >. Acesso em 26 de julho de 2016. 73 Art. 373, CPC - Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. (…) 74 Art. 765, CLT - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.
188
VII, sobre a plausibilidade de utilização do artigo 373, parágrafos 1º e 2º do Novo
Código de Processo Civil vêm apenas corroborar o princípio norteador da seara
trabalhista.
Nesse sentido, a súmula 212 do TST75 demonstra o reconhecimento de
adoção do princípio da aptidão para a prova ao determinar como ônus do
empregador provar o término do contrato, quando negados a prestação de serviço e
o despedimento, diante do princípio que impera nas relações de trabalho da
continuidade da relação de emprego.
Da mesma forma, a súmula 338 do TST76, que implica no ônus de prova do
empregador que conta com mais de dez empregados, a apresentação dos registros
de jornada de trabalho, e, caso não o faça, aplica-se uma presunção relativa,
tornando necessária a apresentação então de prova em contrário.
Diante de outro contexto sumulado pelo TST, a negociação coletiva é
expressada na Súmula 277 do TST que postula que “as cláusulas normativas dos
acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de
trabalho e somente poderão ser modificados ou suprimidas mediante negociação
coletiva de trabalho”. Desse modo, possibilitando a ultratividade para as convenções
e acordos, que demonstram a irradiação da proteção é a possibilidade de
instauração do dissídio coletivo, conforme o art. 114, § 2º da CF/88. Nesse caso, o
poder normativo manterá os ajustes convencionados anteriormente, como um
patamar de limite mínimo, o que resplandece a absorção da ultratividade da norma
coletiva, ou seja, as cláusulas ajustadas anteriormente passarão a integrar a
sentença normativa proferida no dissídio coletivo.
Por outro lado, decisões judiciais trabalhistas demonstram a conjugação do
75 Súmula nº 212 do TST - DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 - O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado. 76 Súmula nº 338 do TST - JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 234 e 306 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. (ex-OJ nº 234 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001) III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003)
189
Código de Defesa do Consumidor para a desconsideração da personalidade jurídica,
e, assim, afastando-se o Código de Processo Civil:
EMENTA: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, por meio da qual se afasta a autonomia patrimonial da sociedade para responsabilizar o sócio por obrigação da empresa, é plenamente aplicável ao Processo do Trabalho. (Proc. 0127800-28.2008.5.03.0129 AP, Rel. Desembargadora Maria Laura Franco Lima de Faria. TRT 3ª região. 9ª turma. Publicado em 28/09/16)
No julgado acima, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, na
qual se afasta a autonomia patrimonial da sociedade, para trazer à baila o
patrimônio de sócio, foi dada como aplicável ao processo do trabalho. Por conferir
efetividade com a possibilidade de satisfação do crédito trabalhista, a conduta
benéfica ao trabalhador é aplicável, uma vez que concretiza princípios
constitucionais e o princípio da proteção, conforme mencionado no aresto:
[…] Tal conduta confere efetividade à execução ao possibilitar a satisfação do crédito trabalhista, que, por sua natureza eminentemente alimentar, concretiza, de uma só vez, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho e, ainda, o princípio da proteção, que deve informar sobremaneira o Processo do Trabalho, a fim de assegurar a efetividade ao direito material. Assim, infrutíferas as tentativas executórias contra a sociedade empregadora, plenamente válida a constrição de bens do sócio, independentemente de sua participação societária ou da função exercida na sociedade, pois incide na hipótese a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, consagrada no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, diante da compatibilidade principiológica com a seara trabalhista, afastando a aplicação do art. 50 do CCB, por força do artigo 15 do CPC c/c os arts. 769 e 889 da CLT. (Proc. 0127800-28.2008.5.03.0129 AP, Rel. Desembargadora Maria Laura Franco Lima de Faria. TRT 3ª região. 9ª turma. Publicado em 28/09/16)
Em sentido semelhante foi a decisão proferida para desconsideração da
personalidade jurídica, na qual a Desembargadora Cristiana M. Valadares Fenelon,
do TRT 3ª região, ressaltou a possibilidade de ampliação das hipóteses, além das
elencadas no art. 50 do Código Civil: EXECUÇÃO FRUSTRADA. SUSPENSÃO. NECESSIDADE PRÉVIA DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Frustradas as tentativas de localização do devedor e de bens passíveis de penhora, faz-se necessária a desconsideração da personalidade jurídica com novas pesquisas eletrônicas antes da remessa dos autos ao arquivo provisório. (…) A desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho não se restringe às hipóteses do art. 50 do Código Civil, quais sejam, abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
190
confusão patrimonial (teoria maior). Aqui, privilegia-se o princípio da proteção ao trabalhador, exigindo-se tão somente a inadimplência do devedor e a ausência de bens que possam garantir a satisfação do crédito em execução (teoria menor). Aplica-se, por analogia, o art. 28, §5°, do Código de Defesa do Consumidor. (…) E nem se diga que a hipótese em estudo, com a edição do CPC de 2015, exigiria da parte interessada suscitar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica aludido no artigo 133 da lei processual civil. Como já demonstrado acima, o artigo 878 da CLT permite a determinação aqui contida ex officio. Ademais, a declaração conta com o respaldo do Código de Defesa do Consumidor e, especialmente, sustenta-se nos princípios da despersonalização das obrigações decorrentes da relação de emprego, da proteção e da busca pela melhoria da condição social dos trabalhadores. O princípio da simplificação das formas e procedimentos informa o direito processual do trabalho e torna incompatível os dispositivos do NCPC que determinam a instauração do incidente aludido no artigo 133 do CPC de 2015, principalmente à vista da possibilidade de suspensão do processo, hipótese que extrapola as disposições contidas no artigo 799 da CLT, segundo o qual somente as exceções de suspeição, impedimento e incompetência em razão do lugar geram essa consequência. (Proc. n. 0000439-23.2015.5.03.0019 (AP). Relatora Desembargora Cristiana M. Valadares Fenelon. TRT 3ª região. 7ª turma. Publicado em 26/09/2016)
Outra situação em que se verifica a irradiação protecionista é a caracterização
de grupo econômico com uma interpretação ampliativa, em que não são exigidos os
requisitos da legislação civil e comercial, basta a integração entre as empresas, um
elo, como o exercício de atividades no mesmo empreendimento. Tal conduta facilita
a execução das verbas pelo trabalhador:
GRUPO ECONÔMICO. CARACTERIZAÇÃO. O artigo 2º, §2º, da CLT dispõe que, para caracterização do grupo econômico, é necessária a vinculação de uma empresa a outra, o que se verifica quando estiverem sob a mesma direção, controle ou administração. Contudo, a caracterização de grupo econômico no Direito do Trabalho não se reveste das mesmas características e exigências comuns da legislação civil/comercial, bastando que haja elo empresarial e integração entre as empresas, a concentração da atividade empresarial em um mesmo empreendimento, ainda que sejam diferentes as personalidades jurídicas. (Proc. n.0010056-14.2015.5.03.0146. Relator Desembargadora Maria Lucia Cardoso Magalhães. TRT 3ª região. 4ª turma. Publicado no DEJT em 23/09/2016)
Vislumbra-se, assim, que a aplicação do princípio da proteção ao trabalhador
garante uma interpretação ainda mais ampla do tratamento do tema grupo
econômico, de modo a majorar a base patrimonial que assegura a satisfação dos
créditos laborais, pelo que se admite no Direito do Trabalho, tanto a forma tradicional
de grupo econômico (a do consórcio), que se caracteriza por uma estrutura
organizacional piramidal, na qual uma empresa líder comanda, dirige, vigia ou
controla as demais lideradas na maioria das vezes, por meio do controle acionário,
191
quanto por outras formas, como no caso da existência de relação de coordenação
ou elo interempresarial, concentrando-se a atividade empresarial num mesmo
empreendimento, independentemente da diversidade das pessoas jurídicas.
Para tanto, a caracterização de grupo econômico no Direito do Trabalho não
se reveste das mesmas características e exigências comuns da legislação civil e
comercial, bastando que haja elo empresarial e integração entre as empresas, a
concentração da atividade empresarial em um mesmo empreendimento, ainda que
sejam diferentes as personalidades jurídicas, o que ficou caracterizado no caso em
apreço. Esse cuidado se presta a buscar a efetivação dos direitos fundamentais
trabalhistas, para que não sejam afrontados por burocracias e trâmites formais, com
um Direito Processual que possibilita o reconhecimento mais célere e em
consonância com a realidade e com o viés protecionista, sem adentrar nas
exigências previstas em outros ramos do direito.
A impossibilidade de declaração da prescrição, de ofício, também revela
ponto de irradiação do princípio da proteção. Ante a falta de previsão legal para tal
ocorrência, a interpretação que se tem verificado é que o artigo do Código de
Processo Civil é inaplicável na seara trabalhista, por incompatibilidade
principiológica, já que acarretaria prejuízo ao trabalhador:
PRESCRIÇÃO. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 219, § 5º, DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO HIPOSSUFICIENTE. A prescrição é a perda da pretensão do direito de agir, ocasionada pela inércia do titular do direito, no prazo que a legislação estabelece para o exercício do direito de ação. Entretanto, o § 5º do artigo 219 do CPC, acrescentado pela Lei nº 11.280/206, passou a dispensar a arguição de prescrição pela parte interessada, ao estabelecer que -o juiz pronunciará de oficio, a prescrição-. No entanto, o dispositivo da legislação processual não se aplica ao Direito do Trabalho, pois é incompatível com os princípios que norteiam o Direito do Trabalho, notadamente o princípio tuitivo ou de proteção ao hipossuficiente. Nesse sentido, firmou-se a jurisprudência desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido para afastar a prescrição bienal decretada de ofício pela Vara de Trabalho de origem em relação ao primeiro contrato de trabalho do reclamante, e determinar o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem para que prossiga no exame dos pedidos elencados na inicial em relação a esse contrato de trabalho, como entender de direito, ficando SOBRESTADA a análise dos demais temas do recurso, devendo estes autos, oportunamente, retornar a esta Turma para que sejam apreciadas as matérias ali constantes, com ou sem a interposição de novos recursos pelas partes quanto ao tema objeto deste provimento. (Processo: ARR - 539-21.2010.5.09.0072 Data de Julgamento: 08/10/2014, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/10/2014)
192
Outro tema que tem suscitado debate é o que tange à competência territorial,
o qual pode, à luz do diálogo das fontes, alcançar soluções consoantes com a
finalidade do processo do trabalho, e, ainda, ser um meio de implementação do
princípio da proteção. Para tanto, é importante vislumbrar a época e o contexto de
feitura da norma constante no art. 65177 da CLT, que dispõe sobre o local da
prestação de serviços no qual o trabalhador, reclamante, laborou, como o local onde
deve ser ajuizada a ação trabalhista.
Tratando-se de competência relativa, leva em consideração o limite territorial
da competência de cada órgão que compõe a Justiça do Trabalho. Apesar de
disposta expressamente na CLT, configura interesse da parte, o que faz com que o
juiz não possa conhece-la de ofício. Caso não seja impugnada pelo reclamado com
a apresentação da exceção de incompetência, nos termos do art. 799, CLT,
prorroga-se a competência, mas não pode o juiz suscitar, conforme entendimento da
Orientação Jurisprudencial n. 149, da SDI – 2, ainda que o local do ajuizamento
divirja do exposto no art. 651 da CLT, inclusive em seus parágrafos. Assim expõe a
orientação mencionada:
Orientação jurisprudencial 149 da SDI – 2. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. HIPÓTESE DO ART. 651, § 3º, DA CLT. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE OFÍCIO DE INCOMPETÊNCIA RELATIVA. (DEJT divulgado em 03, 04 e 05.12.2008)Não cabe declaração de ofício de incompetência territorial no caso do uso, pelo trabalhador, da faculdade prevista no art. 651, § 3º, da CLT. Nessa hipótese, resolve-se o conflito pelo reconhecimento da competência do juízo do local onde a ação foi proposta.
O dispositivo legal determina, como já explicado, a competência territorial
determinada pelo local da prestação de serviços do reclamante, sendo que a
finalidade desse critério seria facilitar o acesso do trabalhador à Justiça, pois nesse
77 Art. 651 - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro. § 1º - Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima. (Redação dada pela Lei nº 9.851, de 27.10.1999) § 2º - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário. § 3º - Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.
193
local, presumisse-se que o empregado conseguiria mais facilmente um maior
número de testemunhas para a produção de provas, evitaria o depoimento por carta
precatória e o processo seria mais célere. Mauro Schiavi assim defende o critério:
A finalidade teleológica da lei ao fixar a competência pelo local da prestação de serviços consiste em facilitar o acesso do trabalhador à Justiça, pois no local da prestação de serviço, presumivelmente, o empregado tem maiores possibilidades de produção das provas, trazendo suas testemunhas para depor. Além disso, neste local, o empregado pode comparecer à Justiça sem maiores gastos com locomoção. (SCHIAVI, 2015, p. 299)
Ao analisar a regra do art. 651 da CLT, Mauro Schiavi explica que ela
“consagra característica protetiva do processo trabalhista ao trabalhador e não ao
empregador ou ao tomador de serviços. Desse modo, havendo dúvida na
interpretação, deve-se prestigiar a interpretação que favoreça o acesso à justiça do
trabalhador” (SCHIAVI, 2015, p. 301). E é nesse sentido que a interpretação
ampliativa, adotada em decisão no TRT 3ª região, do art. 651 da CLT possibilitou a
proposição da demanda no local que oferece melhores condições para a produção
de provas, facultando o ajuizamento no foro da celebração do contrato de trabalho
ou no da prestação dos respectivos serviços, numa aplicação do parágrafo 3º do art.
651 da CLT em uma gama maior de situações:
EMENTA: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DIVERSO DO INERENTE À CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. ARTIGO 651, § 3º, DA CLT. As normas sobre competência territorial visam facilitar o acesso do trabalhador à Justiça, sendo uma decorrência do princípio da proteção ao hipossuficiente. O objetivo é que o empregado possa propor a demanda no lugar em que tenha condições de melhor produzir sua prova, fazendo com que não tenha gastos excessivos para ajuizar e instruir a ação, sendo-lhe facultado ajuizar a reclamatória no foro da celebração do contrato de trabalho ou no da prestação dos respectivos serviços (CLT, art. 651, § 3º), quando o empregador realiza atividades fora do local do contrato. (Proc. n. 0010636-24.2016.5.03.0012 (RO). TRT 3ª Região. 8ª turma. Relator Desembargador Marcio Ribeiro do Valle)
No mesmo sentido, a competência territorial prevista no art. 651 da CLT foi
interpretada com o propósito de acesso à justiça, consoante o teor do artigo 5º,
inciso XXXV da Constituição Federal do Brasil de 1988, e aplicação do princípio da
proteção, peculiar ao Direito do Trabalho, conforme aresto de decisão proferida no
Tribunal Superior do Trabalho, que possibilitou o ajuizamento da ação no domicílio
do reclamante, numa possível aplicação da exceção prevista no § 1º do artigo 651
194
da CLT à hipótese, por melhor corresponder ao princípio constitucional do acesso à
justiça:
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DO LUGAR. AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. No processo do trabalho, ao contrário do processo civil, as regras de competência relativa têm como destinatário principal o empregado, na sua presumida qualidade de hipossuficiente econômico. O legislador visou a garantir o pleno acesso do obreiro ao Judiciário Trabalhista, consoante o teor do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, assegurando-lhe o princípio da proteção, ínsito ao Direito do Trabalho. Dessa forma, é possível aplicar à hipótese a exceção prevista no § 1º do artigo 651 da CLT, que atribui competência à Vara do Trabalho do domicílio do reclamante, quando inviabilizado o ajuizamento da reclamação trabalhista no foro da celebração do contrato ou da prestação dos serviços. Essa interpretação, além de melhor corresponder à letra e ao espírito do artigo 651, caput e parágrafos, da CLT, mostra-se mais consentânea com o princípio constitucional de acesso à Justiça e com a constatação prática de que, em muitos casos, a exigência legal de que o trabalhador que ajuizasse a reclamação no lugar em que prestou serviços acabaria por onerar, excessivamente, o exercício do direito de ação pela parte hipossuficiente. Por outro lado, em se tratando de arguição de incompetência relativa, era necessário que a reclamada demonstrasse manifesto prejuízo a justificar o deslocamento da competência para a Vara do Trabalho de Uberlândia, local da contratação do reclamante e sede da reclamada, o que não ficou comprovado nos autos, como afirmado pelo Tribunal a quo. Conclui-se, portanto, que o Regional, ao rejeitar a exceção de incompetência para processar e julgar esta demanda trabalhista, atendeu aos fins sociais a que a norma se dirige e garantiu o livre acesso do reclamante ao Judiciário, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, permanecendo incólume o artigo 651, § 3º, da CLT. (Processo: RR - 134700-12.2008.5.23.0051 Data de Julgamento: 11/12/2013, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2013).
Nessa perspectiva de proteção do hipossuficiente para acesso à justiça é
permitido ajuizamento da ação no local do domicílio, ainda que fosse um local
distinto do local onde prestou os serviços, por atender a finalidade precípua das
regras de competência territorial para beneficiar a parte hipossuficiente. No caso em
concreto, aguçou-se por ter deparado com a problemática da observância literal do
artigo 651 da CLT que poderia ser causa, inclusive, de denegação do próprio acesso
à justiça. Assim, o Tribunal Superior do Trabalho confirmou a decisão do Tribunal a
quo, da 12ª região, em Santa Catarina, que não acolheu exceção de incompetência
territorial arguida pela reclamada, por entender que diante da situação de
hipossuficiência do autor, o ajuizamento no local de domicílio é considerado
possível, em observância às normas de proteção do empregado, para privilegiar a
localidade mais acessível ao trabalhador, conforme aresto:
195
RECURSO DE REVISTA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. ART. 651 DA CLT. RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. POSSIBILIDADE. O eg. TRT manteve a r. sentença que não acolheu a exceção de incompetência territorial arguida pela reclamada, ao fundamento de que, em face da situação de hipossuficiente do autor, é perfeitamente possível o ajuizamento da ação no local de domicílio (Mafra), distinto daquele onde prestou serviços (Rio Negro). Registrou que São José dos Pinhais (Unidade Judiciária de Rio Negro) é distante do local de domicílio do autor e que houve notícia de fechamento do Posto de Rio Negro e, ainda que assim não fosse, seu funcionamento tem sido como Posto Itinerante, o que dificulta o acesso à Justiça. Ressaltou, por fim, que, apesar de pertencerem a estados diferentes, as cidades Rio Negro e Mafra são circunvizinhas. Em estrita observância às normas de proteção do empregado, basilar no direito do trabalho, deve-se privilegiar o juízo da localidade que seja mais acessível ao trabalhador, beneficiando a parte mais hipossuficiente economicamente. Isso porque a finalidade precípua das regras de competência territorial, no âmbito da Justiça do Trabalho, é beneficiar o empregado, parte hipossuficiente, sob pena de negar-se acesso à Justiça. Daí a observância literal do artigo 651 da CLT, pode possibilitar, em determinados casos, a denegação do próprio acesso à justiça, como se denota no caso em apreço. Ora, se o reclamante reside atualmente na cidade de Mafra/SC, local distante de São José dos Pinhais e, como alega em sua petição inicial (fl. 7), não tem condições de arcar com as custas e despesas processuais, impor a fixação da competência para o local em que foi contratado e prestou serviços (Rio Negro/PR), é fixar como competente local de difícil acesso para o reclamante, tornando inexequível o seu acesso à Justiça. Arestos inespecíficos. Recurso de revista não conhecido. (Processo: RR - 839-96.2012.5.12.0017 Data de Julgamento: 12/2/2014, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/2/2014).
A subseção de Dissídios Individuais II, do TST, corrobora esse sentido
protecionista que reflete em normas processuais de fixação de competência, tal
seção é especializada em dissídios individuais, também proferiu decisão que tange o
conflito de competência territorial, no caso de empresa de grande porte, com
prestação de serviços em âmbito nacional, emitindo posicionamento favorável
quanto ao ajuizamento no domicílio do reclamante, local diverso de onde foi
contratado ou de onde prestou serviços:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA NO FORO DO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. LOCAL DIVERSO DA CONTRATAÇÃO E DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESA DE ÂMBITO NACIONAL. POSSIBILIDADE. Admite-se o ajuizamento da reclamação trabalhista no domicílio do reclamante quando a reclamada for empresa de grande porte e prestar serviços em âmbito nacional. Trata-se de interpretação ampliativa do art. 651, caput e § 3o da CLT, em observância ao princípio constitucional do amplo acesso à jurisdição e ao princípio protetivo do trabalhador. No caso, a ação fora ajuizada em Ipiaú́/BA, domicílio do reclamante, embora a contratação e a prestação de serviços tenham ocorrido em Porto Velho/RO. Sob esses fundamentos, a SBDI-II, por maioria, acolheu o conflito negativo de competência e declarou competente para processar e julgar a ação a
196
Vara de Ipiaú/BA, domicílio do reclamante. Vencidos os Ministros Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, relator, Emmanoel Pereira e Ives Gandra da Silva Martins Filho. TST-CC-54-74.2016.5.14.0006, SBDI-II, rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, red. p/ acórdão Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 27.9.2016 (Publicado no Informativo TST – nº 146. Período: 27 de setembro a 3 de outubro de 2016).
Ademais, o princípio da proteção não se caracteriza diretamente como
princípio do Direito Processual do Trabalho, mas irradia do direito material,
perpassando por vários pontos na legislação, e em alguns casos de interpretação da
própria lei, ainda que não esteja tão explícita. E os casos de aplicação não se
enquadram em rol exaustivo, mas meramente exemplificativo, decorrendo da
interpretação e da própria conjugação das fontes, sem jamais contradizer o
processual constitucional democrático.
Enfim, a irradiação das fontes consiste na dialogicidade normativa (regras e
princípios) e sistemática de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que o
magistrado deverá se basear para compreender analiticamente o caso concreto e, a
partir de proposições hermenêuticas decorrentes da constitucionalidade
democrática, decidir em consonância com os propósitos e valores elencados pelo
sistema juslaboral de maneira holística. Constata-se, assim, que o diálogo das
fontes é uma importante ferramenta para a implementação dos valores e princípios
do Estado Democrático de Direito, pois a aplicação simultânea, coerente e
coordenada de diversas normas proporciona uma solução adequada para o caso
concreto, aplicando os fins teleológicos normativos.
3.3 Isonomia processual como fundamento legitimante da construção participada do provimento judicial trabalhista
A jurisdição constitucional sob a égide do Estado Democrático de Direito se
sustenta numa aplicação sistemática, em conformidade com os valores e princípios
que permeiam a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Um direito à vida não produzida no exercício linguístico da instância sígnica do instituto jurídico do contraditório (integração no discurso de produção e aplicação dos sentidos normativos) conceberia vida no plano exclusivamente vegetativo ou biológico (zoé-bios). Direito à dignidade sem o prévio correlativo de uma auto-ilustração sobre os fundamentos da própria fala (ampla defesa) recepcionaria o absolutismo da ostentação de uma consciência formada numa relação intimidante do outro reconhecedor (Hegel). Direito à igualdade-liberdade sem antes instituir fundamentos
197
linguístico-jurídicos postos como autoprivação para todos (isonomia) da livre vontade de uns sobre a fala de outros, seria o exercício da barbarização das minorias pelas maiorias opulentas, mediante o livre-arbítrio da autotutela centrada no poder da autoridade legal ou carismática. É premente esclarecer que ao se falar num direito à vida, dignidade e igualdade-liberdade, sem explicitar a característica do direito construtor dessas dimensões humanas, há o risco ideológico de se vedar o que se pretende garantir como estampado no Estado Liberal ou Social de Direito. (LEAL, 2006, p. 11)
Consubstanciado na Constituição Brasileira de 1988, o direito de igualdade
consiste em afirmar que todos são iguais perante a lei, impedindo que haja distinção
de qualquer natureza. Esse princípio norteia todo o ordenamento e o arcabouço
jurídico, constando no preâmbulo como um valor supremo do Estado brasileiro. Essa
perseguição da igualdade deve ser vislumbrada, entretanto, não somente de
maneira formal, mas substancial, e nas diversas esferas do direito, seja ele material
ou processual.
Além da igualdade, a Constituição adotou o princípio da isonomia, que, frente
ao legislador, ou ao próprio executivo, na edição de leis, impinge um tratamento
isonômico, sem diferenciação que gere tratamento abusivo, diferenciado, e, do outro
lado, direciona o intérprete, ou a autoridade pública, a aplicar a lei e demais atos
normativos de maneira igualitária, sem discriminação ou distinção. Impede, pois, a
concessão de benefício de uns em detrimento de outros em idêntica situação.
Ressalta-se, entretanto, que a atuação legal, que mediante uma
desigualdade, concede proteção à parte, não configura uma afronta ao tratamento
igualitário, pelo contrário, é a concessão ou benefício para que a parte consiga
alcançar a igualdade. Mediante uma justificativa e proporcionalidade desse
tratamento desigual, concomitantemente com a explicitação da finalidade da medida,
o tratamento normativo diferenciado se compatibiliza com a Constituição Federal.
Nesse sentido, a proteção conferida ao trabalhador no direito material tem a
pretensão de oferecer tratamento igualitário e isonômico, já no direito processual,
diante da constitucionalização do processo, com inserção de normas constitucionais
em assuntos que anteriormente era objeto exclusivo de regulamentação
infraconstitucional, proporcionou o debate diante do seu caráter finalístico e
teleológico.
O princípio do contraditório, expresso no inciso LV, art. 5º da CF/88, implica
na consubstanciação da igualdade formal perante a lei, com a igualdade das partes
perante o juiz. Essa igualdade, no entanto, pressupõe um procedimento que garanta
198
chances iguais às partes, e não meramente a possibilidade de um tratamento
formalmente igual, mas o tratamento efetivo, o que, portanto, espaira no acesso à
justiça mesmo aos que comprovem insuficiência de recursos.
Na construção participada do provimento judicial, o contraditório tem que se
fazer presente, eis que consubstancia o tratamento igualitário das partes, e consiste
na oportunidade de expressão do envolvido, para que seja ouvido diante da decisão
que será proferida, sendo-lhe garantido o direito de defesa e debate durante todo o
curso do processo, sem privilégios processuais a qualquer das partes.
Diante de todas as questões examináveis e debatidas no trâmite processual,
o juiz tem o dever de oportunizar às partes a produção dos fatos que alegam como
fundamento de suas pretensões, pois a decisão somente pode ser proferida após
serem conferida oportunidade às partes. Nesse viés, além da chance de ser ouvida,
o princípio do contraditório também prevê a oportunização de produção de provas,
para que, a partir do discurso e do envolvimento das partes, seja o processo
construído.
Ressalta-se que às partes deve ser conferida a oportunidade de produção da
prova, mas não são obrigadas a fazê-lo, apesar do risco de não ter acolhida a sua
pretensão se não realizar esse ônus, como acentua Cleber Lúcio de Almeida:
As partes têm o ônus, e não a obrigação, de provar os fatos que alegam como fundamento de suas pretensões. A prova deve ser produzida não porque a parte esteja obrigada à sua produção, mas porque, se não o fizer, corre o risco de não ter acolhida a sua pretensão. Dito de outra forma, a parte não tem a obrigação de produzir a prova, mas a necessidade de fazê-lo, visto que a ausência da prova poderá comprometer o seu êxito na demanda. (ALMEIDA, 2013, p. 55)
O que se pretende, pois, é que o Direito Processual do Trabalho possibilite
igualitariamente às partes a apresentação das provas, em uma atuação
concomitante do Direito do Trabalho, que, ao ter a incidência do princípio da
proteção, oferece condições para que essas provas sejam apresentadas no trâmite
processual, ou conferindo a obrigação a quem tem condições de fazê-lo.
Pretende-se, pois, o asseguramento da isonomia no exercício das faculdades
processuais, ou seja, um tratamento igualitário além da formalidade de partes serem
iguais, para terem as mesmas oportunidades para discussão e participação no
processo. Para tanto, como ocorre no art. 4º, I do Código de Defesa do
199
Consumidor78, lei n. 8.078/90, explicita a vulnerabilidade do consumidor, colocando-
o como a parte mais fraca na relação de consumo. E, para se estabelecer o
tratamento isonômico ali requerido, foi elencada a possibilidade de inversão do ônus
da prova, conforme expresso no art. 6º, VIII do CDC79. Portanto, tal conduta permite
o acesso à justiça, com tratamento igualitário, sem privilegiar uma parte.
A aplicabilidade desse instituto é elencada por Bento Herculano utilizando-se
do tratamento de um diálogo das fontes, sustentando que:
[...] não vemos o porquê de não se aplicar a regra insculpida no art. 6º do CDC (Código de Defesa do Consumidor), que estabelece que, “a critério do juiz, poderá ele inverter o ônus da prova quando verificar a verossimilhança do consumidor ou a sua hipossuficiência”. Leia-se empregado no lugar de consumidor e teremos uma frequente inversão do ônus da prova no processo trabalhista. (HERCULANO, 2009, p. 2)
Nesse caso, vislumbra-se a medida de tratamento desigual aos desiguais,
mas, ressalta-se, que é a própria legislação que confere a desigualdade, não se
trata de benefício concedido isoladamente, mas concedido a todos que preenchem
as condições elencadas pela lei.
Dessa feita, medidas trabalhistas que são vistas como protetivas, se dão em
razão da própria vulnerabilidade do trabalhador, como já foi dito, na qual, por
exemplo, as consequências para a ausência do reclamante e do reclamado à
audiência são distintas, conforme previsto no art. 844, CLT, com o arquivamento
quando o reclamante não comparece à primeira audiência, enquanto à ausência do
empregador aplica-se à revelia, com confissão quanto à matéria de fato.
Nesse sentido, Bento Herculano ressalta o favorecimento do empregado
previsto no próprio ordenamento jurídico:
O próprio ordenamento jurídico processual favorece o empregado, a exemplo da regra da gratuidade na Justiça do Trabalho. Em uma perspectiva judicial também ocorre o citado protecionismo, seja a partir do sistema de presunções favoráveis ao trabalhador, invertendo o ônus da
78 Art. 4º, CDC - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;(…) 79 Art. 6º, CDC - São direitos básicos do consumidor: (…) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
200
prova, seja quando da interpretação da norma, tanto a material quanto a processual, mas sempre com lentes em favor do trabalhador. (HERCULANO, 2009, p. 3)
Da mesma forma, a obrigatoriedade do depósito recursal, previsto no
parágrafo 4º do art. 89980, da CLT, exigido somente do empregador, e a concessão
de justiça gratuita, que pode ocorrer até mesmo de ofício, conforme parágrafo 3º do
art. 79081, da CLT.
Assim, é possível constatar que as medidas, a priori protetivas, que sucedem
no Direito Processual do Trabalho, previstas em lei, delimitam uma situação de
vulnerabilidade que demanda a diferenciação, a qual proporciona a isonomia e a
oportunização de acesso à justiça, sem que prejudique ou desnivele as partes com
tratamento abusivo. É um meio de alcançar a igualdade substancial, com o processo
sendo igualitário e justo.
A desigualdade de forças, acentuada no ramo juslaboral, conduz à
necessidade de utilização de uma multiplicidade de fontes, tratada como o diálogo
das fontes, para que se alcance o equilíbrio com um tratamento isonômico. Cleber
Lúcio de Almeida expõe essa disparidade com uma interpretação diferenciada
proporcionada pelas próprias condições fáticas, que se torna o meio de conferência
da igualdade perquirida:
Não se pode olvidar, contudo, a desigualdade de forças, decorrente de desigualdades socioeconômicas, entre as partes do processo do trabalho, que, embora não conduza, necessariamente, ao abandono da possibilidade
80 Art. 899 - Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora. (Redação dada pela Lei nº 5.442, de 24.5.1968) § 1º Sendo a condenação de valor até 10 (dez) vêzes o salário-mínimo regional, nos dissídios individuais, só será admitido o recurso inclusive o extraordinário, mediante prévio depósito da respectiva importância. Transitada em julgado a decisão recorrida, ordenar-se-á o levantamento imediato da importância de depósito, em favor da parte vencedora, por simples despacho do juiz. (Redação dada pela Lei nº 5.442, 24.5.1968) (…) § 4º - O depósito de que trata o § 1º far-se-á na conta vinculada do empregado a que se refere o art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966, aplicando-se-lhe os preceitos dessa Lei observado, quanto ao respectivo levantamento, o disposto no § 1º. (Redação dada pela Lei nº 5.442, 24.5.1968) 81 Art. 790, CLT – Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 10.537, de 27.8.2002) (…) § 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. (Redação dada pela Lei nº 10.537, de 27.8.2002)
201
de recurso ao Código de Processo Civil como fonte subsidiária do direito processual do trabalho, deve ter os seus efeitos afastados ou reduzidos por outros meios, a serem aplicados previamente, quais sejam: a) aplicação de presunções favoráveis ao trabalhador, estabelecidas com base nos princípios de direito do trabalho, na obrigação legal de o empregador pré-constituir a prova de determinados fatos e em máximas ou regras de experiência, com a consequente inversão do ônus da prova; b) valoração diferenciada da prova produzida pelo trabalhador. (ALMEIDA, 2013, p. 66)
A isonomia processual é o princípio que garante a igualdade jurídica de
oportunidade conferida as partes juridicamente interessadas na argumentação de
pontos controversos e de provas produzidas no plano processual. No Direito
Processual do Trabalho a incidência do princípio da proteção, cerne do Direito do
Trabalho, irradia na interpretação fática para que se configure essa pretensa
isonomia. Todavia, ressalta-se que o processo constitucional democrático é o
espaço de amplo debate e de construção participada do provimento jurisdicional que
não mais decorre do protagonismo e solipsismo judicial, haja vista que magistrado e
as partes interessadas encontram-se no mesmo plano argumentativo e dialógico.
Há, pois, uma interação das partes e do juiz na construção do provimento
jurisdicional, respeitadas as especificidades de cada parte, em aplicação da
isonomia.
3.4 O papel do juiz no Direito Processual do Trabalho e a legitimidade das partes interessadas na construção do provimento final
Os movimentos revolucionários consagraram uma vertente de liberdade
individual a ponto do Estado ser omisso, exercendo uma função de mero
espectador, e assim, ideais liberais prevalecerem sobre os interesses sociais, com a
construção de uma realidade de impotência diante da classe empresarial, impingida
inclusive à jurisdição, que, no final do século XIX, revelava os valores do Estado
Liberal e do positivismo jurídico, priorizando os direitos subjetivos privados através
de um processo dispositivo.
A liberdade levou a uma realidade díspare entre as classes de trabalhadores
e empregadores, com a fraqueza laboral submetida às intempéries e voracidade dos
empregadores, conforme mostra Silva:
São sobejamente conhecidos os efeitos dos ideais liberais, instituindo a liberdade individual quase fanática a ponto de o Estado omitir-se como mero
202
espectador de um quadro tétrico e de uma realidade nua e crua que logo se instalou, deixando os trabalhadores inermes e impotentes perante a voracidade da classe empresarial, notadamente dos industriais, tudo isso em nome ou pretexto da liberdade de trabalho. (SILVA, 2002, p. 27)
As disparidades no período se deram principalmente em decorrência do
excesso de liberdade, a não intervenção estatal na esfera privada. Entretanto, diante
das consequências exsurgiu uma reação contra a passividade vivenciada no
processo dispositivo, expandiram as ideias publicísticas, com características mais
sociais, com ampliação dos poderes do Estado através da figura do juiz.
Conforme já foi dito, Franz Klein e Antón Menger apresentaram o processo
como um locus social, em que o juiz era o responsável pelo estabelecimento do
equilíbrio, atuando como representante dos pobres e assumindo, inclusive, a sua
representação, com o distanciamento do princípio dispositivo e da imparcialidade.
Portanto, era um processo social, que refletia nas mais diversas esferas,
judiciais e administrativas. No Brasil, por sua vez, o direito do trabalho iniciou nas
instâncias administrativas, com os primeiros órgãos tendo surgido em 1907, com
previsão de composição paritária e mista, os Conselhos Permanentes de
Conciliação e Arbitragem, previstos pela Lei n. 1.637, de 05.11.1907., esses lugares
eram onde as controvérsias eram discutidas. Entretanto, sequer foram devidamente
implantados.
Posteriormente foram criados os Tribunais Rurais em São Paulo, através da
lei estadual n. 1.869, de 10 de outubro de 1922, compostos pelo juiz de direito da
comarca e de dois outros membros. “Um deles era designado pelo locador de
serviço (trabalhador) e o outro pelo locatário (fazendeiro). As controvérsias
resolvidas eram principalmente de salários, mas também decorrentes da
interpretação e execução de contratos de serviços agrícolas, até o valor de
“quinhentos mil réis”” (MARTINS, 2010, p. 14).
Baseado no sistema italiano, Sérgio Pinto Martins esclarece que “nosso
sistema foi criado copiando-se literalmente, em muitos aspectos, o sistema italiano
da Carta del Lavoro, de 1927, de Mussolini, adotando-se o regime corporativista”
(MARTINS, 2010, p 14). Emergido em virtude das transformações sociais e
demanda popular, foram criadas, âmbito nacional, as Juntas de Conciliação e
Julgamento, pelo Decreto n. 22.132, de 25-11-1932. Tais Juntas eram ligadas ao
Departamento Nacional do Trabalho, integrante do Ministério do Trabalho, Comércio
203
e Indústria, pertencente ao Poder Executivo, com competência para resolver os
dissídios individuais. As Juntas eram compostas de um juiz presidente, estranho aos
interesses das partes, sendo de preferência um advogado e dois vogais, um
representando os empregados e outro o empregador, além de dois suplentes, que
eram escolhidos com base nas listas que eram enviadas pelos sindicatos e
associações ao Departamento Nacional do Trabalho.
Para se iniciar o procedimento, a reclamação era apresentada aos
procuradores do Departamento Nacional do Trabalho ou órgãos regionais, sendo
que a audiência era comunicada às partes por carta. Caso o reclamado criasse
embaraços ou não fosse encontrado era notificado pela polícia ou por edital. Era
obrigatório o comparecimento das partes à audiência, com suas provas e
testemunhas; e, em caso de não comparecimento do reclamado ocorreria à revelia.
Já os conflitos coletivos eram dirimidos pelas Comissões Mistas de
Conciliação, instituídas pelo Decreto n. 21.364, de 4-5-32, principalmente para
questões relativas às convenções coletivas. Sua composição se dava por um
presidente, alheio aos interesses profissionais das partes envolvidas, que poderia
ser um advogado, um magistrado ou um funcionário federal, estadual ou municipal e
representantes de empregados e empregadores, em igual número (seis), escolhidos
de acordo com as listas enviadas pelos sindicatos ou associações.
Ressalta-se que tais órgãos pertenciam ao Poder Executivo, Sérgio Pinto
Martins enfatiza que sequer tinham “autonomia administrativa ou jurisdicional, pois
eram anexos ao Ministério do Trabalho, Comércio e Indústria” (MARTINS, 2010, p.
15).
Prossegue o autor explicando o exercício e desempenho da função pelo juiz
nessas Comissões:
Os juízes eram demissíveis ad nutum não tendo, portanto, qualquer independência para o julgamento das questões que lhes eram submetidas. Entretanto, a maioria da doutrina da época entendia que os referidos órgãos tinham natureza judiciária. As referidas decisões tinham natureza de título executivo, sendo executadas no Cível, mediante o procedimento de execução de sentença, em que a parte poderia alegar apenas nulidade, pagamento ou prescrição da dívida. (MARTINS, 2010, p. 15)
Concomitantemente, outros órgãos que decidiam questões trabalhistas foram
criados, mas também não pertencentes ao Poder Judiciário, como as Juntas das
204
Delegacias de Trabalho Marítimo (1933), o Conselho Nacional do Trabalho (1934) e
uma jurisdição administrativa relativa a férias (1933).
Um grande passo para a formação da Justiça do Trabalho foi dado com a
Constituição de 1934, que apesar de ter instituído a Justiça do Trabalho para dirimir
questões entre empregados e empregadores, sob a égide da legislação social.
Entretanto, a Justiça do Trabalho ainda não era considerada órgão do Poder
Judiciário.
A Constituição de 1937, por sua vez, manteve a solução de controvérsias
decorrentes das relações entre empregados e empregadores na Justiça do
Trabalho, mas a exclui da aplicação da competência, recrutamento e prerrogativas
da justiça previstas na Lei Maior. Ou seja, persistia como órgão administrativo.
O Decreto-lei n. 1.237, de 2-5-39, regulamentado pelo Decreto n. 6.596, de
12-12-40, organizou a Justiça do Trabalho que, a partir daquele momento foi
considerada órgão autônomo, independente tanto do Executivo, quanto da Justiça
Comum, mas sem pertencer, ainda, ao Poder Judiciário. É importante notar que a
Justiça do Trabalho exercia função jurisdicional, com as decisões sendo executadas
no mesmo processo, sem necessidade de ingresso perante a Justiça Comum para
proceder à execução.
Finalmente, a Constituição de 1946 incluiu a Justiça do Trabalho como órgão
do Poder Judiciário, através do art. 94, inc. V. Estabelecia o art. 122 da referida
norma que eram órgãos da Justiça do Trabalho: o Tribunal Superior do Trabalho, em
substituição ao Conselho Nacional do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho,
substituindo os Conselhos Regionais do Trabalho, e as Juntas de Conciliação e
Julgamento (MARTINS, 2010).
Desde esse momento, a Justiça do Trabalho recebeu tratamento
constitucional, como parte do Poder Judiciário, sendo atualmente tratada nos artigos
111 a 117 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, além de leis
esparsas que tratam sobre procedimentos e competência dos processos no Tribunal
Superior do Trabalho. Duas Emendas Constitucionais alteraram significativamente a
Justiça Trabalhista, a EC 24, de 1999, que extinguiu a figura dos juízes classistas
em todos os tribunais trabalhistas, e a EC 45, de 2004, que ampliou a competência
da Justiça do Trabalho, além de criar órgãos e instrumentos destinados a possibilitar
o acesso à Justiça.
205
Enfim, as normas e práticas decorrentes de controvérsias trabalhistas foram
criadas a partir de órgãos administrativos, ligados ao Poder Executivo. Diante do
descumprimento de normas de direito material do trabalho, era instaurado um
procedimento em instâncias administrativas, para aplicação das normas, a priori,
comuns do processo civil, nos primeiros órgãos especiais criados para essa
finalidade
E, diante das especificidades que foram sendo vislumbradas, bem como o
desenvolvimento dessa seara, algumas adaptações se sucederam, com a inserção
da Justiça do Trabalho como Poder Judiciário na Constituição de 1946 e ainda com
aplicação de uma versão publicista do processo, que apresentava as seguintes
características:
a) ampliação do âmbito dos poderes do Estado, através do juiz, com um sentido tutelar e protecionista dos interesses das classes fracas; b) essa socialização do direito vai, em geral, se mostrando pela criação de ramos jurídicos especiais como o direito do trabalho, influenciando, igualmente, outros setores e matérias no campo jurídico; c) muitas das vetustas e centenárias instituições de direito civil sofrem o impacto das novas correntes e atenuação do individualismo, visando a uma maior proteção da coletividade, do interesse e da ordem pública; d) o juiz já não é mais um simples espectador da contenda, mas assumo uma atitude de auxílio ao débil e inábil, frente ao poderoso e hábil; e) procura de obtenção da verdade material sobre a verdade formal ou ficta a que podem dar lugar certas construções processuais; f) princípio da “prova para melhor prover”, o que significa que as faculdades dos tribunais em matéria de prova devem ser ampliadíssimas; g) substituição do pedido ou da argumentação (suplencia de la queja), o que significa a possibilidade de o juiz ou tribunal trazer ao processo argumentos ou fundamentos não aduzidos por uma parte mais fraca. (SILVA, 2002, p. 27)
Assim, destacou-se uma feição publicista, com a superação da concepção
privatista, sob influência da doutrina de Chiovenda, que em 1903 proferiu uma
conferência sobre a autonomia da ação frente ao direito subjetivo material. Colocou
o processo como um sucedâneo de atos coordenados que objetivam a atuação da
vontade da lei, com um bem garantido por ela, através dos órgãos da jurisdição
ordinária.
Num ordenamento jurídico, se irrompe contenda entre dois indivíduos acerca da atribuição de um bem da vida, não se admite que os litigantes provejam com suas próprias forças a dirimi-la. Tal acontencia nas origens. Com o tempo, entretanto, até nos povos primitivos o poder público, a que impende assegurar a paz social, e eliminar os conflitos que a perturbam, intervém, já simplesmente para regular-lhes as formas exteriores, já para verificar se os bens, a que o promotor do conflito aspira, de fato lhe
206
pertencem. A luta material transforma-se, dessarte, em luta jurídica. (CHIOVENDA, 2000, p. 56)
Nos seus dizeres ressalta que a supressão da autodefesa constitui um
importante passo para a evolução do processo, tornando-se um instrumento de
justiça nas mãos do Estado e reprimindo a violência privada. Elenca, assim, o
reforço da organização política para, além da criação das normas, assegurar a sua
observância:
Quanto mais se reforça a organização política, tanto mais se restringe o campo da autodefesa, não, por certo, em virtude de um contrato entre os poderes públicos e o indivíduo, mas pela natural expansão da finalidade do Estado. Enquanto, de um lado, se regulam as relações entre os indivíduos por meio de normas de lei sempre mais numerosas e precisas, do outro se provê com o processo a assegurar a observância das normas. (CHIOVENDA, 2000, p. 57)
O autor, também apresentou a atuação do juiz que deveria ser norteada pela
vontade concreta da lei em relação às partes. No entanto, “jamais desejou dizer que
o juiz cria a norma individual ou a norma do caso concreto, à semelhança do que
fizeram Carnelutti e Kelsen” (MARINONI, 2011, p. 36). Adepto da doutrina inspirada
no iluminismo e nos valores da Revolução Francesa, distinguia as funções do
legislador e do juiz, atribuindo ao legislador a criação do direito, enquanto ao juiz
cabia sua aplicação. Conforme elencado por Marinoni (2011, p. 36), na doutrina do
Estado Liberal, “aos juízes restava simplesmente aplicar a lei ditada pelo legislador.
Nessa época, o direito constituía as normas gerais, isto é, a lei. Portanto, o
legislativo criava as normas gerais e o judiciário as aplicava” (MARINONI, 2011, p.
36). O judiciário se resumia, portanto, a um corpo de profissionais sem poder de
criação. Chiovenda assim explicava:
Juridicamente, a vontade concreta da lei é aquilo que o juiz afirma ser a vontade concreta da lei. O erro eventual do juiz não autoriza nem a sustentar que o direito efetivo, mas desconhecido, sobreviva ao estado de obrigação natural (o que equivaleria a destruir a coisa julgada), nem a afirmar de modo geral que antes do processo não exista direito. Isso não corresponde ao pensamento das partes e do juiz: nem aquelas querem do processo um direito novo, nem este o afirma, senão, respectivamente, aquelas reclamam e este concede a atuação de um direito existente. E esse é o pensamento comum: porque todos encaram o processo de seu ponto de vista individual, como meio de conseguir bens da vida, através da atuação da lei que lhos garante. (CHIOVENDA, 2000, p. 64)
207
O processo é visto, na teoria de Chiovenda, como uma relação jurídica em
que o juiz se encontra em posição hierarquicamente superior às partes, entretanto,
diferentemente do que entendia Büllow, a obra de Chiovenda trabalha o princípio da
legalidade como fundamento limitador do exercício da atividade jurisdicional.
Destaca-se ainda, no contexto da presente pesquisa, a contribuição do jurista
supramencionado no que atine ao princípio da oralidade, utilizado como parâmetro
para permitir que o juiz se aproxime das partes com o propósito de perquirir com
maior clareza e objetividade a pretensão deduzida.
Ademais, o grande avanço proporcionado pela doutrina de Chiovenda,
especialmente no tocante à desvinculação do processo com o direito material, com
uma formação inspirada no modelo de Estado Liberal, representou uma
continuidade do pensamento dos juristas do século XIX, mas modificou a visão de
natureza do processo, “antes concebido como algo posto a serviço dos particulares,
e depois visto como meio através do qual se exprime a autoridade do Estado”
(MARINONI, 2011, p. 37). Porém, a ideologia liberal persistiu, e não adentrou na
dimensão social do processo civil, e nem mesmo no acesso dos cidadãos ao Poder
Judiciário, ou ainda na efetividade dos procedimentos para inserção e atendimento
dos direitos das classes menos privilegiadas.
Por sua vez, Francesco Carnelutti apresentou a justa composição da lide
como a função da jurisdição, a qual só existe a partir da presença da própria lide. E,
nesse sentido, somente ao existir a lide, o juiz desempenha uma atividade
jurisdicional. Quando não há conflito de interesses ou uma lide, portanto, não é
constatada a jurisdição. Vislumbra-se uma perspectiva privatista da relação entre os
conflitos, a lei e o juiz, o qual figura como essencial para a solução do conflito de
interesses apresentado pelas partes. E prestando-se o processo para servir ao
direito e reciprocamente sendo servido pelo direito:
Enquanto o processo é um método para a formação ou para a atuação do direito, serve ao direito; por outra parte, quando essa formação ou atuação, em razão dos conflitos de interesses que visam a regular, e, também dos outros em que se resolve o próprio processo, está regulada pelo direito, o processo é servido pelo direito, pelo que a relação entre direito e processo é dupla e recíproca. (CARNELUTTI, 2000a, p. 72)
Além da correlação entre o processo e o direito, Carnelutti aborda uma
perspectiva privatista da relação entre a lei, os conflitos e o juiz. Preocupado com a
208
finalidade das partes, vislumbrava o processo a partir de um interesse privado, sem,
entretanto, deixar de apresentar um fim público:
Quando as ideias sobre a função do processo ainda não eram claras, e nele não se via a não ser um instrumento colocado à disposição do titular do Direito subjetivo para o poder exercitar, a consequência foi que suas normas atendiam à utilidade dos particulares e, portanto, que pertenciam ao Direito privado. O relevo cada dia mais pronunciado das finalidades públicas do processo civil retirou mais tarde fundamento a este modo de pensar, mas sem contribuir para si apenas a solução do problema. Repito que todas as normas jurídicas, e não apenas as processuais, tendem a um fim público, e se por este fim tivesse de se arguir seu caráter público, isso equivaleria a suprimir a categoria do Direito privado. (CARNELUTTI, 2000a, p.139)
Concede ao Direito Processual um caráter instrumental, elencando como a
finalidade das normas processuais a composição dos conflitos de interesses.
Francesco Carnelutti enfatiza uma diferenciação entre jurisdição e processo,
expondo que “A realidade é que entre jurisdição e processo não apenas não se
encontra uma relação de coincidência, mesmo nem sequer a continência e nem
apenas a interferência” (CARNELUTTI, 2000b, p. 222). O autor prossegue
demonstrando a utilização de ambos os institutos separadamente:
Se, por um lado, existe, com efeito, um processo não jurisdicional, por outro há que se admitir uma jurisdição não processual. À luz do bom sentido aparece indubitável que ius dicit não apenas o juiz quando e mediante a sentença decidir uma questão para compor um litígio, como também o legislador, quando formar uma lei e inclusive, por outro lado, os contratantes [...] façam do contrato lei entre eles. Em resumo, esse poder corresponde, não apenas ao juiz, como a toda a pessoa cuja declaração possua o caráter de fonte do Direito. (CARNELUTTI, 2000b, p. 222)
O ângulo visual de Carnelutti apresenta diferenciações da compreensão de
Chiovenda, que coloca a essência da jurisdição dentro do quadro das funções do
Estado. Com posicionamentos diversos no que tange à jurisdição, ambos destacam
a relevância do papel do juiz, seja para aplicar a lei no caso concreto, criando a
norma no caso individual, através da sentença, que tem a função de declarar a lei
sem alterar ou complementar o ordenamento jurídico, como exposta sob a ótica de
Chiovenda, ou ainda, como na visão de Carnelutti, em que o juiz ressai como
essencial para a composição da lide, elaborando uma sentença que integra o
ordenamento jurídico e transforma a norma abstrata em concreta:
209
Quando, por não existir uma norma material, uma norma instrumental permita ao juiz o poder de compor um conflito de interesses, a finalidade a que serve o processo é muito diferente: então não se acerta (accerta) um estado jurídico preexistente, e sim que se forma ex novo um mandato concreto para a composição de um conflito que não está diretamente regulado pelo Direito. Aqui, portanto, o juiz não declara, e sim, cria Direito. (CARNELUTTI, 2000b, p. 224)
Assim, ao trabalhar o processo como relação jurídica, Francesco Carnelutti
imputa ao juiz a justa composição da lide, reconhecendo amplos e irrestritos poderes
na atuação do magistrado, para que desempenhe o papel de garantir a justiça nas
decisões e inclusive possibilita a criação do direito para a composição do conflito
quando inexistente o prévio acertamento em um estado jurídico preexistente, ou
seja, quando já inexiste uma solução exatamente aplicável e previamente prevista.
Por sua vez, Hans Kelsen aponta o juiz como produtor de uma norma jurídica
concreta, ou seja, uma norma individual do caso concreto. Ao proferir a sentença, o
direito é criado pelo juiz, podendo até mesmo criar uma norma individual que não
tenha base em nenhuma norma jurídica já existente.
A teoria de Kelsen se fundamenta na criação de normas gerais pelo legislador
como aplicação da Constituição, o juiz como criador de norma individual ao aplicar a
norma geral, sustentando todo o seu sistema na ideia de que “toda norma tem como
base uma norma superior, até se chegar à norma fundamental, que estaria no ápice
do ordenamento” (MARINONI, 2011, p. 39).
Assim, a norma individual fixada na sentença passa a fazer parte do
ordenamento ou, ainda, teria apenas natureza constitutiva, individualizando a norma
superior, à qual fica adstrita, para as partes. Desse modo, na teoria de Kelsen a
norma é declarada pelo juiz ao ser individualizada no caso concreto, enquanto na
visão de Carnelutti ocorre apenas um processo de adequação da norma existente,
na lei, para o caso concreto. Kelsen expôs, assim, a natureza constitutiva da decisão
em sua teoria:
Uma decisão judicial não tem, como por vezes se supõe, um simples caráter declaratório. O juiz não tem simplesmente de descobrir e declarar um direito já de antemão firme e acabado, cuja produção já foi concluída. A função do tribunal não é simples “descoberta” do Direito ou juris-“dição” (“declaração” do Direito) neste sentido declaratório. A descoberta do Direito consiste apenas na determinação da norma geral a aplicar ao caso concreto. E mesmo esta determinação não tem um caráter simplesmente declarativo, mas um caráter constitutivo. (KELSEN, 1998, p. 264)
210
O caráter constitutivo possibilita que o juiz crie uma norma individual para o
conflito concreto, com base e validade no instrumento constitucional, ou seja, Kelsen
encontra o fundamento de validade de uma ordem normativa na norma fundamental,
uma norma superior. Explica que “Todas as normas cuja validade pode ser
reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas,
uma ordem normativa” (KELSEN, 1998, p. 271). Essa superioridade da norma
fundamental faz com que todas as demais normas pertencentes ao sistema
encontrem nela o seu fundamento de validade, assim como todas as normas
pertencentes ao mesmo sistema. Todas são elaboradas e criadas à luz da norma
fundamental, como se fossem o seu reflexo em cada caso:
Ela é o ponto de partida de um processo: do processo da criação do Direito positivo. Ela própria não é uma norma posta, posta pelo costume ou pelo ato de um órgão jurídico, não é uma norma positiva, mas uma norma pressuposta, na medida em que a instância constituinte é considerada como a mais elevada autoridade e por isso não pode ser havida como recebendo o poder constituinte através de uma outra norma, posta por uma autoridade superior. (KELSEN, 1998, p. 222)
A norma fundamental embasa todo o sistema, desde sua criação, é o
pressuposto norteador que permeia a elaboração da própria Constituição em sentido
jurídico-positivo. O fundamento de validade de uma Constituição que nasce como a
primeira, ou seja, que não adveio como fruto de mudança de uma anterior, nasce de
uma autoridade que tem competência para tanto ou até metajurídica, e embasa
todas as normas de uma ordem jurídica, elaboradas sob um ato especial de criação,
que encontram, pois, respaldo na própria norma fundamental que ensejou e
embasou a feitura da Constituição.
[...] se se pergunta pelo fundamento de validade de uma Constituição estadual que foi historicamente a primeira, quer dizer, de uma Constituição que não veio à existência pela via de uma modificação constitucional de uma Constituição estadual anterior, então a resposta – se renunciamos a reconduzir a validade da Constituição estadual e a validade das normas criadas em conformidade com ela a uma norma posta por uma autoridade metajurídica, como Deus ou a natureza – apenas pode ser que a validade desta Constituição, a aceitação de que ela constitui uma norma vinculante, tem de ser pressuposta para que seja possível interpretar os atos postos em conformidade com ela como criação ou aplicação de normas jurídicas gerais válidas, e os atos postos em aplicação destas normas jurídicas gerais como criação ou aplicação de normas jurídicas individuais válidas. (KELSEN, 1998, p. 224)
211
Nesse sentido, a aplicação do direito no caso concreto pelo juiz é possível até
mesmo para criação de uma norma jurídica individual, tendo como base o
pressuposto de validade na norma fundamental e nos preceitos constitucionais.
Quando o juiz se vê diante de um caso não exatamente tipificado pelo direito posto,
ele tem a possibilidade de elaboração, ou seja, a própria norma jurídica confere ao
juiz a possibilidade de criação de uma norma para o caso individual, concreto, válida
somente para aquele caso em tela. Quando da aplicação da norma geral não
positivada, mas com respaldo e em conformidade nos preceitos constitucionais e em
consonância com a ordem jurídica, não é criada uma norma descabida e conflitante
com o sistema, como expõe o próprio Kelsen:
Mas também é possível que a ordem jurídica confira ao tribunal o poder de, no caso de não poder determinar qualquer norma jurídica geral que imponha ao demandado ou acusado o dever cuja violação o demandante privado ou o acusador público alegam, não rejeitar a demanda ou não absolver o acusado, mas, no caso de ter por injusta ou não equitativa, quer dizer, como não satisfatória, a ausência de uma tal norma geral dar provimento à demanda ou condenar o acusado. Isto significa que o tribunal recebe poder ou competência para produzir, para o caso que tem perante si, uma norma jurídica individual cujo conteúdo não é de nenhum modo predeterminado por uma norma geral de direito material criada por via legislativa ou consuetudinária. Neste caso, o tribunal não aplica uma tal norma geral, mas a norma jurídica que confere ao tribunal poder para esta criação ex novo de direito material. Costuma-se dizer que o tribunal tem competência para exercer a função de legislador. Isto não é completamente exato quando por legislação se entenda a criação de normas jurídicas gerais. Com efeito, o tribunal recebe competência para criar apenas uma norma individual, válida unicamente para o caso que tem perante si. Mas esta norma individual é criada pelo tribunal em aplicação de uma norma geral tida por ele como desejável, “justa”, que o legislador positivo deixou de estabelecer. Somente enquanto aplicação de uma tal norma geral não positiva é possível afirmar como justa (correta) a norma individual estabelecida pelo tribunal. (KELSEN, 1998, p. 271)
Ressalta-se que, nesse enfoque, a norma jurídica geral não consegue prever
todas as situações e peculiaridades do caso concreto, mas pode o juiz, mediante
autorização da Constituição e da norma jurídica geral, elaborar a norma individual
levando em consideração os padrões do ordenamento e da política jurídica. Já
quando há uma lacuna, não existindo sequer norma geral que adentre no tema, não
há como o juiz criar a norma jurídica individual por falta de respaldo do sistema, e
isso ocorre também quando a norma geral existente no sistema afronta a política
judiciária e vai de encontro aos seus preceitos quando aplicada no caso real.
212
Portanto, a sentença elaborada pelo juiz tem o condão de fazer lei entre as
partes, ou seja, ficam a ela adstritos. Ressalta-se que na visão dos destes autores,
ela deve ter sido elaborada em consonância com a lei que preexiste ao processo.
Nesse sentido, Calamandrei defendeu que “a lei abstrata se individualiza por
obra do juiz” (CALAMANDREI, 1970, p. 156). Ou seja, o juiz é responsável por
elaborar a lei no caso concreto, considerando, pois, que a sentença é a lei.
Calamandrei limita a norma de direito material a criadora de uma expectativa
de direito, o qual, entretanto, somente surge com a sentença do juiz, quando os
direitos subjetivos são vislumbrados como possibilitadores da resolução do litígio.
Eis que o direito objetivo não exaure todos os conflitos de interesses, carecendo,
muitas vezes, do processo para complementação e implementação da lei. Assim, o
processo se torna fundamental para a criação de direitos subjetivos e obrigações,
que só se efetivam através de uma sentença.
Por seu lado, Chiovenda acentua a função criadora da norma material, que
cria o direito, enquanto a jurisdição fica limitada a declará-la, expressando à vontade
já contida na norma.
Apesar das concepções distintas, cada teoria representou uma contribuição
para o desenvolvimento do processo e da figura do juiz no seu desenrolar, que tem
mais ou menos para atuar e conduzir o processo, e pode, inclusive, proceder à
criação de norma individual integrante que passa a integrante do ordenamento
jurídico:
Deixe-se claro, portanto, que as concepções de Carnelutti e Calamandrei, apesar de filiadas à teoria unitária do ordenamento jurídico, não se desligaram da ideia de que a função do juiz está estritamente subordinada à do legislador, devendo declarar a lei. Na verdade, a distinção entre a formulação de Chiovenda e as de Carnelutti e Calamandrei está em que, para a primeira, a jurisdição declara a lei, mas não produz uma nova regra, que integra o ordenamento jurídico, enquanto, para as demais, a jurisdição, apesar de não deixar de declarar a lei, cria uma nova regra individual que passa a integrar o ordenamento jurídico. (MARINONI, 2011, p. 41)
Assim, a possibilidade de o juiz atuar no caso concreto criando uma norma,
foi levada ao contemporâneo Estado Democrático de Direito, que, adstrito aos
preceitos constitucionais, sofreu influência dessas teorias e contribuiu para alcançar
a visão e o papel do juiz numa perspectiva constitucional democrática.
213
Nesse viés, a visão intervencionista e solipsista do juiz ao sentenciar, no
momento em que a Constituição da República Federativa do Brasil erige como
norteadora inclusive do sistema processual, surge com preceitos democráticos e
valores que enaltecem a dignidade humana.
Ademais, a influência principiológica da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988 na construção do provimento final confere um modelo decisional
equânime e democrático. Nesse contexto, a isonomia processual representa um
fator legitimador da decisão e oportuniza a participação do cidadão na construção do
provimento.
O processo passa a representar não apenas a produção de normas jurídicas
no caso concreto e o saneamento de conflitos, mas a realização do direito material
alinhado aos preceitos constitucionais e o asseguramento do exercício da soberania
estatal à luz do direito fundamental ao processo justo, com decisões legítimas,
adequadas, ratificadoras do ordenamento e consonantes com a equidade,
evidenciando um caráter publicista formalista-valorativo do processo, instrumento
para o exercício da pretensão à justiça.
Destaca-se que o início da ação fixa o contorno da res in judicata deducta, e a
partir daí haverá a formação do processo, para que as partes discutam o que foi
pedido e exposto na inicial pela parte. A atividade jurisdicional encontra parâmetros
delineados no instrumento constitucional, exsurgindo o processo como um locus de
dissertividade. Cleber Lúcio de Almeida salienta a essencialidade da participação
das partes no processo, especialmente no que tange ao ônus da alegação ou da
fundamentação, para participarem da própria formação do objeto:
O Estado examina o pedido de tutela jurisdicional dos direitos por meio dos órgãos jurisdicionais, no exercício da jurisdição. Jurisdição é, nessa ordem de ideias, a atividade estatal voltada a fazer valer os direitos subjetivos assegurados pela ordem jurídica, quando não observados espontaneamente. A atividade jurisdicional é exercida por meio do processo, constituindo este, sob este prisma, instrumento voltado à realização concreta dos direitos subjetivos assegurados pela ordem jurídica. Nesse contexto, quem requer em juízo a confirmação ou a negativa da existência de um direito deve informar ao juiz os fatos que fundamentem a sua pretensão. Por essa razão, na fase processual destinada ao estabelecimento das pretensões das partes (fase postulatória) do autor da demanda, é exigida a indicação dos fatos que lhes servem de fundamento e do réu ou demandado a exposição, na contestação das razões de fato com que impugna o pedido do autor. Trata-se do denominado “ônus da alegação ou da fundamentação”, do qual decorre às partes do processo judicial cumpre alegar os fatos nos quais baseiam as suas pretensões. (ALMEIDA, 2013, p. 20)
214
Como meio de garantir a efetividade dos direitos subjetivos, assegura-se ao
titular do direito recorrer à força do Estado para que seja exercida a jurisdição
mediante normas, cuja validade é concedida pela Constituição da República
Federativa de 1988, sendo a interpretação realizada em um processo hermenêutico
e integrado, em consonância com a finalidade do Estado Democrático do Direito.
O exercício da jurisdição pelo Estado é realizado com a preservação e
proteção dos direitos e das liberdades asseguradas no instrumento constitucional, o
processo constitucional democrático é o meio de efetivo alcance da relação
processual como um locus de discursividade, indo além das normas
infraconstitucionais. Baracho expõe, inclusive, a legitimidade de uma lei quando
verificada sua conformidade com a Constituição:
O Processo Constitucional move-se em abstrato, não para regular um direito, mas sim estabelecer a legitimidade de uma lei, fonte mesma do direito. Não fixa uma situação constitutiva, não realiza uma composição jurídica, comum às sentenças do juízo ordinário, mas limita-se a verificar a conformidade de uma norma vigente com a Constituição. No Processo Constitucional não existe uma controvérsia que possa alternar-lhe a substância. Ela pode surgir por ocasião de um processo ordinário, mas como um incidente do processo, cujo conteúdo não se comunica com o Processo Constitucional. (BARACHO, 1984, p. 347)
As normas infraconstitucionais sempre devem estar circunscritas e
delimitadas pelos preceitos constitucionais. Essas normas são guiadas por princípios
peculiares e erigidas com as reconhecidas especificidades de cada ramo, como
advém o protecionismo que permeia o direito material do trabalho e até irradia pela
seara processual trabalhista em vários momentos, com o intuito de conferir a
isonomia.
É, portanto, através do processo que o Estado exerce a função jurisdicional,
inserido no Estado Democrático de Direito, e com observância dos objetivos e da
principiologia expostos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Ronaldo Brêtas explica a função jurisdicional e salienta a importância de
manifestação estatal ser exercida em nome do povo, com a estrita observância da
disciplina constitucional principiológica:
[...] essa manifestação do poder do Estado, exercido em nome do povo, que se projeta no pronunciamento jurisdicional, é realizada sob rigorosa disciplina constitucional principiológica (devido processo constitucional), só
215
podendo agir o Estado, se e quando chamado a fazê-lo dentro de uma estrutura metodológica construída normativamente (devido processo legal), de modo a garantir adequada participação dos destinatários na formação daquele ato imperativo estatal, afastando qualquer subjetivismo ou ideologia do agente público julgador (juiz), investido pelo Estado do poder de julgar, sem espaço para a discricionariedade ou a utilização de hermenêutica canhestra, fundada no prudente (ou livre) arbítrio ou prudente critério do juiz, incompatível com os postulados do Estado Democrático de Direito. (BRÊTAS, 2004, p. 86)
O exercício da função jurisdicional deve ocorrer à luz dos princípios
democráticos, superando o julgamento solipsista do juiz, e, para realizar o debate no
processo, colocando-o como um locus de participação e discursividade. É
importante a superação dos modelos anteriores, tanto a figura do juiz como mero
externador da lei quanto a figura do juiz livre e isolado, que decidia conforme sua
consciência, sem qualquer necessidade de fundamentação e participação das
partes.
O direito deve fundar-se tão somente no princípio democrático, não mais compreendido como mecanismo liberal de decisão majoritária ou a partir de uma pretensa “vontade geral” republicana, mas como institucionalização de processos estruturados por normas que garantam a possibilidade de participação discursiva dos cidadãos no processo de tomada de decisões. (LEAL, 2002, p. 16)
Para tanto, nesse viés, ao tratar de direitos fundamentais, a participação ativa
do juiz é essencial, aliada à dinamicidade, celeridade e simplicidade do Direito
Processual do Trabalho, conjugada com a participação das partes na formação do
provimento final.
O papel do juiz não se restringe a mero aplicador da lei, mas “se reafirma
como um garantidor do sistema constitucional-processual e, por conseguinte, dos
direitos fundamentais dos cidadãos como partes” (EÇA, 2015, p. 25).
Não deve a arbitrariedade reger o processo, deve-se atentar à finalidade de
justa composição do litígio, a qual somente pode ser obtida quando prevalece a
verdade material ou real, e não meramente presumida por prévios padrões de
avaliação dos elementos probatórios.
A formação do provimento advém da participação e do debate das partes, que
viabilizam os seus argumentos com as provas trazidas ao processo e submetidas à
análise. Ao juiz cabe a decisão com a devida fundamentação que é construída por
216
essa argumentação e com as provas pertinentes, discutidas ao longo do trâmite
processual.
Essas provas não podem, na perspectiva do Estado Democrático de Direito,
serem embasadas por fatores religiosos ou místicos, e sim guiadas por técnicas
processuais constitucionais, diferentemente do que acontecia nos primórdios, como
exposto por Márcio Túlio Viana, numa breve recapitulação histórica, ele apresenta
as origens da prova e mencionada a sua ligação com a religião, quando essa se
entremeava com o direito, na crença de que o castigo era imposto por Deus:
[...] entre os gregos, já se praticava a prova de uma maneira racional. Mas não era assim entre os outros povos antigos. Em geral, naqueles tempos, religião e direito se fundiam: acreditava-se que Deus se envolvia nas coisas terrenas, apontando culpas e impondo castigos. Era a época das ordálias. A prova fugia ao controle do juiz, que na verdade não julgava: apenas controlava a obediência ao ritual. Era assim, por exemplo, no Código de Hamurabi. (VIANA, 2002, p. 336)
Por seu lado, no direito romano, as ordálias não eram utilizadas, somente
retornando com os bárbaros. Entende-se por ordália um tipo de prova utilizado para
determinar a culpa ou a inocência através de elementos da natureza, interpretados
como um juízo divino, e, para o qual se submetia os acusados a provas duras e
testes de resistência que hoje seriam considerados tortura. Márcio Túlio Viana
exemplifica a aplicação das ordálias em diversos períodos e locais, como em caso
de homicídio, quando “o réu que se dizia inocente devia jurá-lo tocando as feridas ou
o umbigo do morto. Se este recomeçasse a sangrar, espumasse ou esbravejasse,
sua sorte estaria selada. Era a prova pelo cadáver” (VIANA, 2002, p. 336).
O autor destaca, ainda, outras ordálias como a “prova do fogo, que obrigava o
acusado a andar em brasas ou a tocar com a língua um ferro quente. A prova do
pão e do queijo, que forçava o acusado a engoli-los em quantidade. E a prova das
serpentes, que o lançava no meio de víboras venenosas” (VIANA, 2002, p. 336). As
mais variadas provas que levavam à inocência ou confirmação da acusação, sem
qualquer inferência racional, como “a prova das bebidas amargas. A mulher acusada
de adultério bebia uma certa mistura. Se o seu rosto se contraísse e os seus olhos
se injetassem de sangue, era tido por culpada” (VIANA, 2002, p. 336).
As ordálias foram substituídas pelo sistema legal ou positivo, cujas provas
tinham um valor inflexível ou rígido, atuando o juiz como um contabilizador diante
dos depoimentos de testemunhas, conforme pode ser e observado no trecho do
217
texto de Márcio Túlio Viana que conta que “o depoimento de uma só testemunha era
um nada; o de duas, prova plena. Se um testemunho era fidedigno, valia meia prova;
se duvidoso, menos de meia prova... Testemunhas oculares, bastavam duas; de
ouvir dizer, eram sete” (VIANA, 2002, p. 338).
De tempos remotos vem outro meio de prova: o juramento, que apresentava
um conteúdo religioso carregado, pois se constituía na “invocação da divindade
como testemunha da verdade do fato que se alega” (SANTOS, 1952, p. 30). O autor
destacou que a inclusão do juramento como um sistema probatório, sobretudo na
Antiguidade e na Idade média, se deu especialmente pela influência exercida pela
religião sobre os homens e a dificuldade de se colher provas testemunhais numa
época em que a escrita não existia.
Prestava-se o juramento respeitadas certas formalidades que variavam no tempo e no espaço. Em Atenas faziam-no perante o Aerópago, sobre as vísceras de um javali, de um carneiro, ou de um touro, imolado às Eumênides; em Roma, invocando-se um dos deuses tutelares; os judeus, na presença do rabino, pondo a mão direita sobre o Talmud. Já sob a influência do cristianismo, na Idade Média, jurava-se sobre armas consagradas; depois sobre relíquias santas ou sobre o Evangelho, nas igrejas e, somente muito mais tarde, no próprio tribunal e perante os juízes. No sistema longobardo-franco, para jurar se concedia ao litigante doze noites, prazo prorrogável por outras tantas, em caso de doença ou outro impedimento. (SANTOS, 1952, p. 32)
O instituto não surtiu os efeitos esperados, foi corrompido, caiu em descrédito
e, assim, fez com que fosse substituído por outras modalidades, entre elas o
combate judiciário ou duelo, que era acompanhado pelos juízes e auxiliares da
Justiça. Nesse caso, convidados podiam ficar presentes, desde que não prestassem
auxílio às partes mesmo em caso de morte, ao contrário sofreriam penas severas.
Havia diferenciação conforme a classe ocupada, com os vilões combatendo com
escudo e bastão, “os nobres com as armas que lhes eram próprias; no combate
entre um vilão e um nobre, este devia ficar em pé e em mangas de camisa; tratando-
se de vários acusadores e um só acusado, àqueles acordavam entre si qual devia
bater-se” (SANTOS, 1952, p. 37), na ausência de consenso o juiz escolhia.
A modalidade também foi considerada inadequada e, com a abolição das
ordálias e do duelo de fins comprobatórios no princípio do século XIV, foi necessário
um novo meio de prova que substituísse e se prestasse à correção dos vícios e
abusos, contexto que motivou a existência da prova testemunhal.
218
A prova testemunhal é conhecida desde a infância dos povos. É ela antiga, efetivamente, como o próprio homem, porque seu aparecimento coincidiu com os primeiros surtos para afirmação do direito individual e todos os seus passos vieram acompanhando a infância, a adolescência a idade viril de todas as civilizações do mundo. Por séculos sem conta, desconhecida a escrita, apenas a palavra falada podia servir como prova dos atos e fatos que constituíam objeto das questões judiciárias. Mesmo com o evolver dos tempos e o ingresso na prática judiciária da prova escrita, as testemunhas continuaram, como persistem em continuar, no desempenho de prova, em juízo, dos fatos litigiosos. (SANTOS, 1952, p. 38)
Seguida à prova testemunhal, foi desenvolvida a prova escrita, que em
processos contemporâneos ainda sofre restrições dadas as peculiaridades do ramo,
espacialmente na área trabalhista. Uma prova documental ou uma prova
testemunhal podem ter seu uso relegado pelas condições em que foram elaboradas.
Com a evolução das provas e da escrita também evoluíram o convencimento
e o embasamento ou motivação das decisões. Antes, o sistema com influência
religiosa contava com a fixação de valor das provas estabelecido pelo legislador,
cabendo ao juiz, ainda que a prova produzida contrariasse a verdade dos fatos,
deveria mesmo assim julgar com base nela, desconsiderando os valores racionais.
Houve uma variação de intensidade e conveniência, conforme a época e o povo,
mas as regras de análise das provas do sistema legal se baseavam nas ordálias ou
juízos de Deus supramencionadas, com conteúdo preponderamente irracional. Na
evolução desse sistema positivo, as emanações divinas foram sendo substituídas
pelas provas humanas, com valor pré-determinado. Um exemplo é o
estabelecimento de quantas testemunhas seriam necessárias, sendo diferenciado
inclusive com a classe social do depoente, ressalta-se, com previsão legal. O juiz,
nesse método, apresentava pouca ou nenhuma liberdade na análise, ou seja, era
aplicador da tabela de valores estabelecida pelo legislador.
Da mesma maneira, em outra época e contexto persistiu a interpretação de
limitação através das normas, como o que ocorreu com o positivismo jurídico, que
provocou um intenso movimento de codificação do direito, especialmente na Europa
a partir do século XIX. Nesse período houve uma substituição das normas de caráter
religioso pelas leis estatais, reforçando a monopolização do poder político pelos
aparelhos estatais, atentando apenas ao direito positivo, legislado, enquanto norma
emanada do Estado, assim procedia a Escola francesa da Exegese, e tantas outras
que seguiram no mesmo caminho.
219
Nesse contexto, para contraponto ao positivismo jurídico, surgiu então uma
reação que apresentava outras possibilidades ao julgador. Além de aplicador de leis,
o juiz passa de aplicador de leis a ser responsável a interpretar a lei, as provas, pois
nesse sistema a apreciação das provas para alcançar a verdade dos fatos era dada
conforme a consciência do juiz, e mesmo os fatos que chegaram a conhecimento do
juiz extrajudicialmente, ou decorrente de impressões pessoais, se constituem como
base para a formação da convicção do juiz, cujas decisões prescindiam de
fundamentação.
Com grande contribuição de Oskar von Bülow, que segundo Karl Larenz
(1991) foi um dos precursores do movimento, juntamente com Kantorowicz, não se
formou organizadamente uma teoria precisa, mas pensadores que seguiram essa
linha. É configurado assim um movimento do Direito livre, com a pretensão de
alcance de um conteúdo finalístico, com a permissibilidade de não utilização de uma
lei posta quando provocasse um desvirtuamento ou quando não atendesse ao
próprio fim para que a mesma foi construída, assim acentua Gustav Radbruch:
O movimento do Direito livre significa – não menos no estrangeiro do que na Alemanha – completo e sistemático desenvolvimento de seu pensamento que a todos arrebata – sem excluir aqueles que o combatem. O conteúdo metodológico há de proteger esta nova forma de finalismo do destino de seus predecessores escolásticos e racionalistas, porque permite reconhecer as fronteiras e os perigos do finalismo, e, desta forma, ensina a proteger seu fecundo conteúdo como duradoura realização. (RADBRUCH, 1993, p. 67)
Nessa perspectiva, como Karl Larenz destacou, cada decisão judicial se
constituía em uma criação do direito, indo além da aplicação direta da norma, ou
seja, “cada decisão judicial não se tratava apenas da aplicação de uma norma já
pronta, mas também uma atividade criadora de direito” (LARENZ, 1991, p. 78), para
atender ao fim do Direito, ou seja, visava a finalidade sem se prender ao conteúdo
da norma.
O juiz era colocado como um porta-voz avançado do sentimento jurídico,
sendo o protagonista autorizado pelo Estado a criar o direito, conforme exposto nos
dizeres de Bülow:
[...] qual seja o justo, não é lei a dizê-lo. É ao juiz que é entregue a atribuição de colocar em evidência uma íntima unidade naquela multiplicidade, vale dizer, de escolher a disposição normativa que a lhe pareça a mais justa. E ainda que analise com formalismo e metodologia,
220
utilizando os expedientes tradicionais hermenêuticos, pode ser que não encontra uma disposição de lei que lhe seja suficiente, e não lhe serão colocados limites jurídicos. Qualquer resultado ao qual ele chegue estará sendo autorizado antecipadamente pelo Estado como aquele justo, revestido de força da coisa julgada. (BÜLOW, 2003, p. 34, tradução nossa)82
Nesse ensejo, Bülow possibilitava ao juiz ir além do conteúdo normativo,
criando uma decisão soberana, ainda que afrontasse a lei, se melhor aplicável ao
caso poderia ser implementada. Ou seja, “o poder de determinar o direito por parte
do juiz alcança o fim de surgir soberanamente, até contradizendo significados
normativos consolidados, até opondo-se ao querer e ao desejo do legislador. ”
(BÜLOW, 2003, p. 36, tradução nossa)83
Era, pois, uma fase oposta ao sistema anteriormente vigente, com uma
liberdade judicial imperiosa no processo, com a livre convicção íntima do juízo, que
inclusive poderia se afastar do julgamento em caso de provas demasiadamente
conflitantes, que inviabilizavam a convicção.
As exacerbações e as interpretações extremadas, tanto do positivismo
jurídico, da liberdade do movimento de direito livre, quanto da socialização
processual, não são suficientes para atender aos preceitos de um Estado
Democrático de Direito.
Assim, busca-se um novo sistema de valoração das provas, numa reação que
consolida uma nova posição, baseado na persuasão racional, com a análise das
provas mediante exame do processo, com motivos que embasam e motivam sua
decisão. Conecta, pois, o direito, já conhecido do juízo, ao fato concreto, ou seja,
relaciona-se o fato da vida com a norma jurídica correspondente, que deve ser
aplicada ao caso. Para tanto, deve buscar não apenas a verdade formal, mas a
verdade real, o juiz tem que conhecer os fatos, e essa é a finalidade das provas, que
se constituem como o pilar da sentença.
82 Welche von ihnen die richtige ist, darüber spricht sich das Gesetz nicht aus. Dem Richter bleibt es überlassen, aus jener Vielheit eine innerliche Einheit herauszustellen oder vielmehr diejenige Rechtsbestimmung zu wählen, die ihm als die durchschnittlich richtgste erscheint. Und so pflichtmäβig und sorgsam er hierbei auch alle zugänglichen Auskunnftsmittel zu Rathe zieht, so ist ihm hierfür dorch keine Gesetzesanweisung gegeben und bei der Wahl keine Rechtsschranke gesetz. Jedes Ergebniβ, zu dem er gelangt, ist in voraus vom Staate als das Richtige genehmigt, mit Rechtskraft bedacht. 83 Die selbstänge Rechtsbestimmungsmacht des Richteramts vermag aber endlich sogar im Widerspruch zum wirklichen, fest bestimmten Gesetzssinne, im Gegensatz zum Wollen und Hoffen des Gesetzgebers siegreich zum Durchbruch zu kommen.
221
Torna-se necessária uma ressignificação na interpretação das provas na
perspectiva do Estado Democrático de Direito, sem os pré-conceitos místicos ou
religiosos mencionados. Para a construção do provimento final, a apresentação das
provas com fundamentação na verdade, com participação ativa das partes e do
magistrado tem especial importância. Cleber Lúcio de Almeida destaca essa
importância probatória:
Em suma, no contexto do processo judicial, a prova permite, a um só tempo, realizar concretamente o Direito Subjetivo e conferir efetividade ao Direito Objetivo, sendo relevante mencionar que a justiça da decisão tem por pressuposto a sua fundamentação na verdade, que é revelada no processo pela prova, e conduz à verdadeira pacificação social, o que vincula a prova à justiça e, por meio desta, à pacificação social: a prova permite chegar à verdade; a verdade torna justa a decisão; a justiça da decisão conduz à paz social. (ALMEIDA, 2013, p. 26)
A mudança de paradigma conduz à sedimentação de preceitos que se tornam
essenciais para a análise e interpretação, nesse caso, das provas. O pretenso
debate entre as partes, para a construção do provimento, tem o cunho de erigir um
processo democrático, que não seja conduzido e realizado isoladamente pelo juiz.
Os ditames constitucionais delineiam, além da ampla defesa e o contraditório,
o direito à efetividade da jurisdição e do processo, para o qual o direito à prova é
basilar, pois sua inexistência pode impossibilitar o alcance da decisão que
represente a realidade. Cleber Lúcio de Almeida expõe:
Do direito à efetividade da jurisdição e do processo decorre o direito à prova. É que, sem a demonstração dos fatos de que decorre o direito deduzido em juízo, não será possível a sua confirmação e tutela jurisdicional, ao passo que a não concessão da tutela a direito assegurado pela ordem jurídica, inclusive por deficiência na demonstração da sua existência, impede a jurisdição e o processo de alcançarem o fim a que se destinam, afetando, com isso, a sua efetividade. (ALMEIDA, 2013, p. 127)
A formação democrática de um conteúdo probatório atende aos valores do
Estado Democrático de Direito, e possibilita a inserção do processo com um locus
de discursividade, e configurando-se uma persuasão racional para o provimento
final.
Vitor Salino de Moura Eça acentua que esse papel de garantidor dos
preceitos constitucionais foi institucionalizado inclusive no Brasil, pelo Novo Código
de Processo Civil (2015), que tem utilização subsidiária no Direito Processual do
222
Trabalho, com os direitos requeridos pelos litigantes sendo considerados e
aplicados, com a preservação de direitos inerentes à cidadania expressos na
Constituição Brasileira de 1988:
O sistema que agora se instaura socializa o processo, exige um diálogo intenso entre todos os atores processuais, alicerça-se no mais amplo contraditório e ainda redefine o instituto da persuasão racional. Espera-se que doravante o processo seja um espaço de discursividade, cujo aprofundamento dos debates possa ensejar a própria legitimação dos provimentos judiciais, porquanto estes passam a contar com a participação ativa de todos os interessados, e não apenas do magistrado. (EÇA, 2015, p. 25)
O acesso à justiça oportuniza as partes o comparecimento em juízo e a
apresentação de provas que fundamentem as suas pretensões, o que se constitui
como a manifestação de liberdade das partes. E é para esse sentido que os
instrumentos jurídico-processuais adequados são disponibilizados para as
manifestações e produção de provas dos fatos, com o debate das partes e o
convencimento motivado do próprio juízo:
O processo cumprirá sua função na medida em que permitir a participação das partes na construção do direito no caso concreto, o que exige ampla liberdade na produção da prova como condição para alcançar a verdade e, por meio desta, a justiça. Qualquer limitação a essa liberdade que não encontre respaldo no ordenamento jurídico implicará violação do direito à prova. (ALMEIDA, 2013, p. 145)
As provas devem ser apresentadas pelas partes, que devem provar o que
alegam como fundamento de sua pretensão, sendo que, em determinadas situações
há o abandono da regra geral de distribuição do ônus da prova, para aquele que
tenha maior aptidão para produzi-la. Cleber Lúcio de Almeida acentua que as regras
de distribuição do ônus da prova perdem relevância na perspectiva do princípio da
aquisição da prova, que fundamento o processo, e deixa de ser de uma das partes
no momento em que é integrada:
As regras de distribuição do ônus da prova, todavia, perdem relevância com a adoção do princípio da aquisição da prova, no sentido de que o juiz formará a sua convicção sobre a veracidade dos fatos controversos à luz da prova existente nos autos, independentemente da parte que as produziu, com a consequente redução para a parte do risco decorrente da sua incapacidade ou impossibilidade de produzir prova do fato que alega como fundamento de sua pretensão, e, também, em razão da atribuição de poderes instrutórios do juiz. (ALMEIDA, 2013, p. 70)
223
No Brasil, na processualística trabalhista atual, o artigo 765 da CLT84
expressa que “os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção
do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar
qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas” (BRASIL, 1943). Isso é
feito, sem deixar de observar o princípio do contraditório e da ampla defesa, pelo
qual as partes têm o direito fundamental de se manifestarem sobre todas as provas
durante o trâmite processual. O juiz do trabalho pode determinar a realização das
provas que entender necessárias para a instrução do processo, na busca da maior
aproximação possível da realidade fática, com a participação democrática das
partes.
Na formação processual, essa permissiva enuncia a colaboração do juiz com
as partes para que seja alcançada a decisão mais próxima possível da realidade,
para atuar no sentido de julgar acertadamente, sem, entretanto, realizar a função
das partes na produção das prova. Nesse sentido, Almeida (2013) diz que o “juiz
não tem o dever de produzir prova, mas está autorizado a determinar a sua
produção, quando necessária à sua intervenção para o esclarecimento de fatos
controversos e relevantes para a decisão do conflito de interesses” (ALMEIDA, 2013,
p. 85). Há uma complementação em prol da aproximação da condição de decisão do
conflito, com harmonização do interesse privado das partes e do interesse público,
na busca da realização concreta do direito assegurado pela ordem jurídica
democrática.
A liberdade é delimitada pelos princípios constitucionais, dentre eles o due
processo of law, que precede aos demais, contornando cada ato processual e
protegendo o bem de vida que se pretende alcançar ou resguardar no processo.
Não pode o juiz, em qualquer esfera da jurisdição, abstrair-se tal princípio, resguardado pelo art. 5º85, incisos LIV e LV, da Constituição Federal de
84 Art. 765, CLT - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas. 85 Art. 5º, CF/88 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
224
1988, que no processo de trabalho, é tutelado ou por medidas correicionais (CLT, arts. 68286, inciso XI, e 70987, inciso II), que expressamente alude à “boa ordem processual” ou à não subversão procedimental. (VILHENA, 2002, p. 148)
Os atos se conectam para tornar possível o advento do ato final, que é obtido
pela própria participação e apresentação do conteúdo pelas partes, e, conforme
ressalta Aroldo Plínio Gonçalves, “não só o ato final, em sua existência, mas a
própria validade desse ato e, consequentemente, sua eficácia, dependerão do
correto desenvolvimento do procedimento” (GONÇALVES, 1992, p. 109).
Além disso, ressalta-se que o processo não representa um caso pessoal do
juiz, que deve “postar-se objetivamente ante os atos coligidos ou acontecidos no
processo e daí extrair sua lição julgadora” (VILHENA, 2002, p. 147), atento a cada
detalhe e diálogo estabelecido pelos envolvidos, com vistas a alcançar a busca da
verdade real e a tutela dos direitos fundamentais em xeque.
Assim, é importante ressaltar que o art. 765, CLT, que concede uma
titularização ao juiz para o comando do processo, o que cria condições para tal
exercício, mas sem desvincular os “poderes dos princípios básicos ordenadores da
instrumentalidade procedimental e das garantias genérica ou especificamente
predispostas seja na Constituição Federal, seja na própria legislação ordinária
(VILHENA, 2002, p. 149).
Logo, a participação e possibilidade de contraditório e ampla defesa
concedida às partes possibilitam a real formação do processo, que deve ser guiado
pelo juiz, com a busca das diligências necessárias, mas sempre com a participação
democrática da parte. Após o colhimento de depoimentos, quando essenciais à
matéria em debate, com a liberdade do magistrado na apreciação das provas,
86 Art. 682, CLT - Competem privativamente aos Presidentes dos Tribunais Regionais, além das que forem conferidas neste e no título e das decorrentes do seu cargo, as seguintes atribuições: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 8.737, de 19.1.1946) (…) Xl - exercer correição, pelo menos uma vez por ano, sobre as Juntas, ou parcialmente sempre que se fizer necessário, e solicitá-la, quando julgar conveniente, ao Presidente do Tribunal de Apelação relativamente aos Juízes de Direito investidos na administração da Justiça do Trabalho (Redação dada pelo Decreto-lei nº 8.737, de 19.1.1946). 87 Art. 709, CLT - Compete ao Corregedor, eleito dentre os Ministros togados do Tribunal Superior do Trabalho: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) (…) II - Decidir reclamações contra os atos atentatórios da boa ordem processual praticados pelos Tribunais Regionais e seus presidentes, quando inexistir recurso específico; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
225
norteado pelos institutos e ditames constitucionais, especialmente a busca e
aplicação dos direitos fundamentais, assim ressalta Paulo Emílio Vilhena:
Se ao juiz não é dado obstacular a produção da prova e até, como participante do processo, pode ordenar diligências independentemente do requerimento das partes, configurando-se o non liquet, por não estar o processo suficientemente instruído, muito menos poderá ele permitir que o processo se transforme em um entulho de papéis inúteis, de depoimentos superpostos ou mesmo editado por uma perícia em torno de fato susceptível de apuração por outro meio menos oneroso e mais simples. (VILHENA, 2002, p. 150)
As provas devem ser pertinentes ao processo, sem delongas que
prejudiquem os princípios e as características do Direito Processual do Trabalho,
que preza pela celeridade e atendimento da finalidade processual, com respeito à
liberdade do juiz que deve conduzir em consonância aos ditames constitucionais e
com observância dos direitos fundamentais.
Ressalta-se que apesar da liberdade de condução do processo e
possibilidade de determinação de qualquer diligência que entender necessária, o juiz
concede, em cada ato, o exercício do contraditório e da ampla defesa às partes.
Nesse passo, o juiz agirá não com arbitrariedade, mas em busca da verdade real, e
mesmo assim, com a sua liberdade na obtenção de provas, ainda pode se revelar
uma deficiência do sistema quando a decisão não se coadunar com o que se provou
nos autos (THEODORO JÚNIOR, 2002).
É verdade que, devendo o juiz sentenciar apenas com base nos elementos dos autos, pode o julgamento, em alguns casos, afastar-se da verdade, principalmente quando a parte não for feliz na obtenção e produção de suas provas. Isto, porém, não infirma o princípio. Apenas revela as deficiências e imperfeições de toda obra humana. Certo, porém, é que o sistema está compromissado com a verdade real e só quando esta não for, de fato praticável, é que se contenta com os mecanismos da presunção (verdade formal). (THEODORO JÚNIOR, 2002, p. 57)
Assim, prova-se o fato que é objeto da lide, mas há exceções a essa regra,
pois, “não dependem de prova os fatos confessados, os incontroversos e os que a
lei presume existentes – já que, em todos esses casos, as versões do autor e do réu
se reduzem a uma só, e o juiz pode aplicar desde logo o direito” (VIANA, 2002, p.
340).
Ao vislumbrar que a finalidade da sentença “decorre não só das posições
jurídicas antagônicas que as partes assumem na relação processual, mas da própria
226
visão política que o Estado tem do processo, como método oficial de solução de
conflitos de interesses” (TEIXEIRA FILHO, 1996, p. 291), Manoel Antônio Teixeira
Filho delimita o objeto que poderá ser tratado na decisão judicial, dando-lhe a tarefa
de satisfazer uma pretensão e harmonizar o conflito.
Há momentos em que para a consecução da finalidade processual, a atuação
do juiz, na condução do processo se torna essencial, para que os pontos
controversos sejam estabelecidos e delimitados com a discussão pelas partes,
diante disso, não pode a decisão inovar sem que haja pedido e debate, conforme
explicitado em caso julgado no Tribunal Superior do Trabalho: RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014. [...] 4. JULGAMENTO "EXTRA PETITA". HORAS EXTRAS. AUSÊNCIA DOS REGISTROS DE FREQUÊNCIA. COMPENSAÇÃO. SEGURO-DESEMPREGO. FGTS SOBRE AVISO PRÉVIO. Respeitados os limites da lide, não há que se cogitar de julgamento "extra petita". Recurso de revista não conhecido. 5. JULGAMENTO "EXTRA PETITA". MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT. Seguindo a diretriz traçada nos arts. 128 e 460 do CPC, não pode o juiz prolatar decisão que extrapole os limites do pedido do autor e da resposta do réu, devendo compor a lide dentro dos estritos parâmetros estabelecidos pela "litis contestatio". Assim, na hipótese vertente, resta configurado o julgamento "extra petita", uma vez que o posicionamento adotado pelo Regional não se limitou ao pedido formulado na inicial. Recurso de revista conhecido e provido. 6. DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS. O Regional consignou expressamente que, "diante da confissão ficta da primeira demandada, bem como em razão da inexistência de qualquer documento em sentido contrário, correta a sentença ao determinar a devolução dos descontos ilegais". Assim, não há ofensa ao art. 348 do CPC. Recurso de revista não conhecido. [...] ( RR - 59200-08.2009.5.04.0382 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 24/02/2016, Tribunal Superior do Trabalho, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/03/2016)
Não há que se falar em julgamento extra petita quando a obrigação imposta
pelo juiz é uma decorrência lógica do que foi debatido nos autos, como a anotação
da Carteira de Trabalho e Previdência Social no caso de declaração de vínculo
empregatício: RECURSO DE REVISTA. 1. NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. Quando a decisão se mostra bem lançada, com estrita observância das disposições dos arts. 93, IX, da Constituição Federal, 458 do CPC e 832 da CLT, não se cogita de nulidade, por negativa de prestação jurisdicional. Recurso de revista não conhecido. 2. JULGAMENTO "EXTRA PETITA". INOCORRÊNCIA. Reconhecido o vínculo de emprego apenas judicialmente, não se caracteriza a violação dos
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arts. 12888 e 46089 do CPC, na decisão que determina, como consequência lógica, a anotação da CTPS, tendo em vista o art. 29 da CLT constituir norma de ordem pública. Recurso de revista não conhecido. 3. COOPERATIVA. FRAUDE. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DE SERVIÇOS. SÚMULA Nº 126/TST. Não viola a literalidade do parágrafo único do art. 442 da CLT a decisão regional que, com esteio da prova dos autos (art. 131 do CPC), reconhece relação de emprego entre pretenso associado e tomador de serviços da cooperativa - assim criada com intuito de burlar a legislação trabalhista -, quando, efetivamente, preenchidos os requisitos essenciais ao negócio jurídico (arts. 2º, 3º e 9º da CLT). Impossibilidade de revolvimento de fatos e provas em esfera extraordinária. Inteligência da Súmula 126/TST. Recurso de revista não conhecido. [...] (RR - 771180-17.2001.5.03.5555, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 03/09/2008, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/10/2008)
No julgado, a anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS),
foi entendida como uma consequência material do direito concedido, decorrente da
relação de emprego. Desse modo, para cumprimento de direito fundamental o
magistrado não incorre em julgamento fora dos pedidos, já que os princípios
constitucionais e processuais foram devidamente respeitados. O artigo 29 da CLT
expressa a obrigatoriedade de anotação da CTPS, que deve ser apresentada ao
empregador, que no prazo de até 48 horas registrará as informações básicas do
contrato de trabalho, tais como data de admissão, remuneração e condições
especiais, se houver. E no caso cima, como foi comprovado no decorrer do trâmite
processual, os requisitos para formação de um vínculo empregatício estavam
presentes na relação, a anotação da CTPS se dá como consequência lógica, e,
inclusive, norma de ordem pública, que deve, portanto, ser deferida pelo juiz como
busca da efetividade do direito. Para que os demais direitos de uma relação de
emprego sejam concedidos, o mínimo que o trabalhador faz jus é a anotação da
CTPS.
88 Esclarece-se que o art. 128 do Código de Processo Civil a que se refere a ementa trata-se do CPC de 1973, que constava: “Art. 128, CPC/1973 – O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, e cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes. Já o Novo CPC, de 2015, traz redação com teor parecido, mas deixando expresso da seguinte forma: “Art. 141, CPC/2015. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”. 89 O art. 460 do Código de Processo Civil a que se refere a ementa trata-se do CPC de 1973, que constava: “Art. 460, CPC/1973 – É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. Já o Novo CPC, de 2015, taz redação com teor parecido, no mesmo sentido, mas deixando expresso da seguinte forma: Art. 492, CPC/2015. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.
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As instituições judiciárias exercem papel central no desempenho dos deveres
e da responsabilidade do Estado, indispensável para a efetivação dos direitos
sociais, eis que, a Justiça do Trabalho está no cerne da ordem econômica e social e
deve prezar pelo cumprimento dos princípios e valores elencados na Constituição
Brasileira de 1988. Barros (2016) acentua o significado da justiça almejada:
O princípio da justiça é o da equidade, segundo o qual se deve dar a cada um aquilo que lhe pertence. É esse o princípio que rege o estabelecimento das leis. Sucede que a vida sociojurídica não é composta de casos gerais, mas de diversos casos concretos, não sendo suficiente para atendê-los a simples justiça que se encontra na lei. Outro significado baseia-se na ideia aristotélica, segundo a qual a justiça corresponderia a uma régua rígida e a equidade a uma régua maleável, capaz de adaptar-se às saliências de um terreno a ser medido. No campo do Direito, o magistrado, sem quebrar a régua, ao medir a igualdade nos casos concretos, em muitas situações deverá adequá-la a circunstâncias não previstas na lei, do contrário, incorrerá numa injustiça e comprometerá o próprio espírito do Direito. (BARROS, 2016, p. 111)
Enfim, o juiz, ao exercer a função de representante estatal e com a missão
precípua de implementar os direitos trabalhistas, ao ser provocado pelas partes,
delimitados os pedidos, deve discutir cada ponto, para que os argumentos críticos e
racionais componham a decisão. Ademais, para que o processo se constitua um
locus de discursividade racional e democrático, servindo ao direito material ao
próprio conteúdo, e não o contrário, deve haver uma coincidência de finalidades e
preservação para implemento dos institutos constitucionais.
3.5 A dimensão jurídica da isocrítica processual como proposição teórica no Direito Processual do Trabalho
O tratamento igualitário deve reger todo o processo, em todas as suas fases,
com as mesmas oportunidades para as partes e os procuradores apresentarem em
juízo os fatos e fazerem valer as suas razões. Para tanto, constitui-se como
tratamento igualitário o reconhecimento das disparidades das condições fáticas
entre as partes envolvidas na demanda, e que devem ser levadas ao processo para
a participação democrática de ambos.
Nesse sentido o artigo 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos,
também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que ingressou no
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ordenamento jurídico brasileiro através do decreto 678, de 6/11/1992, deixa
expresso que:
8.1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
O Pacto de São José da Costa Rica (1992) ratifica a obrigatoriedade de
concessão do direito de participação das partes perante o juízo, e, para que esse
direito seja exercido, é essencial que o tratamento igualitário seja conferido ao
processo, não meramente formal, mas igualdade nas oportunidades que serão
oferecidas às partes, consideradas suas especificidades e dificuldades para a
prática dos atos processuais.
Assim, há que se ressaltar que o princípio da igualdade deve ser trazido no
seu sentido amplo, englobando não só a igualdade formal, mas também a igualdade
substancial, para que seus efeitos surtam conforme os princípios constitucionais e
os valores ali consubstanciados.
Em aplicação do princípio da igualdade substancial, o próprio sistema legal,
sob a guarida da ordem constitucional, cuida de estabelecer exceções ao princípio
da igualdade, como por exemplo “as normas que outorgam prerrogativas materiais e
processuais a certas instituições, como a Fazenda Pública, o Ministério Público e a
Defensoria Pública, as quais foram instituídas em nome do interesse público e em
razão da natureza e organização do Estado” (LEITE, 2015, p. 69). Assim
vislumbrado no art. 183 do Código de Processo Civil de 2015, que expõe que “A
União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e
fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas
manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal”
(BRASIL, 2015).
Ressalte-se que tal artigo foi trazido pela lei 13.015, que apresenta o Novo
Código de Processo Civil, datado de 2015, e reitera a intenção de diferenciar os
desiguais, reconhecendo, pois, as diferenças e as peculiaridades, nesse caso,
admitindo a necessidade de prerrogativas desses entes diante da complexidade dos
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serviços estatais e das formalidades burocráticas dos mesmos, o que acarreta maior
dificuldade, inclusive, no recolhimento de provas para instrução processual.
Além da dilação do prazo, há também outras formas de mitigação do princípio da isonomia formal ou substancial, como o caso da dispensa de custas aos necessitados e carentes, desde que beneficiários da justiça gratuita, assim declarados na decisão judicial; a isenção de caução para os trabalhadores; o duplo grau de jurisdição, obrigatório nas causas em que as pessoas jurídicas de direito público são vencidas total ou parcialmente etc. (LEITE, 2015, p. 70)
Com o fim de efetivar a igualdade substancial, outros institutos comportam
diferenciações conforme o ente ao qual se aplica. A concessão de justiça gratuita,
dispensa de custas, em conformidade com a situação dos assistidos, também é uma
das formas de aplicação do princípio. O novo Código de Processo Civil (2015), nos
artigos 98 a 102 trata do tema, e coaduna-se com o princípio insculpido no art. 5º,
LXXVII90 da CF/88 e implementa o próprio caput do art. 5º da CF/88, ao buscar a
implementação da igualdade substancial, com o reconhecimento das especificidades
de cada um.
Além da igualdade e da isonomia, a aceitabilidade e o acesso da parte à
justiça parte da “história dos sistemas de pensamento, a história dos modos de
seleção dos discursos socialmente legítimos” (WOLFF, 1996, p. 68). Ou seja,
exsurge a razão como uma prática discursiva, realizada pelos mestres e poetas do
século V a.C., que ultrapassam as tradições, com os mitos e a religião, para
alcançarem o lado lógico e debatido, com argumentos universais e construídos a
partir do reconhecimento. Nesse sentido o autor afirma que:
Sabemos que foi tal ruptura que ocorreu na Grécia do século V a.C. Essa ruptura é chamada às vezes a “passagem do mito à razão”. Designa-se assim o aparecimento de uma nova ordem do saber que organiza conjuntamente novos campos de conhecimentos, que supõem, implicitamente, novos modos de validação e reconhecimento dos discursos verdadeiros, entre os quais se contam a demonstração matemática, que se formaliza com Tales por volta de 600 A.C, a investigação física e cosmológica, que na mesma época se afasta do mito entre os físicos da Jônia, a investigação histórica, que rompe com a lenda e adquire um caráter sistemático com Heródoto. (WOLFF, 1996, p. 68)
90 Art. 5º, CF/88 - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
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Foi a partir dessa ruptura que se elaborou um sistema de Direito Civil e Penal
além dos valores religiosos e dos mitos, com a exsurgência e destaque das provas
judiciárias como instrumento norteador da decisão. A razão passou a ser relevante,
a prática discursiva assumiu o papel do convencimento embasado, com provas que
a sustentassem, com mestres e poetas como os autorizados a falar em discursos,
como detentores da verdade.
O aparecimento da democracia abalou a prática discursiva ao incluir o direito
de oratória para outras pessoas, o direito à persuasão e ao convencimento. Assim,
supera-se o discurso que representava meramente um dispositivo de enunciação, o
prosseguimento de um ritual e passa a um discurso construído e debatido, com a
verdade erguida como uma consequência, não alcança o status de verdade por ser
dita por um mestre, mas por ser dita como tal pelos fatos analisados, reais.
E, por fim, a diferenciação do destinatário, enquanto no discurso arcaico a
figura do destinatário é passiva, apenas recebe a decisão e se submete, no discurso
racional a verdade é obtida mediante a ponderação e confrontamento dos
argumentos e provas debatidos:
O terceiro traço de oposição entre os dois tipos de práticas discursivas diz respeito à relação do discurso verdadeiro com seu destinatário. O do discurso arcaico é puramente passivo na constituição da verdade: ele escuta a palavra e a admite como verdadeira porque se submete ao mestre. Ele não precisa nem opinar nem mesmo crer. Nas práticas racionais do discurso, ao contrário, não há verdade possível sem a concordância, em geral explícita, daquele a quem nos dirigimos. [...] Dizer a verdade é antes de tudo poder fazer com que aqueles a quem nos dirigimos também admitam como verdadeira o que dizemos. No tribunal, por exemplo, entre dois discursos, é tido por verdadeiro aquele que é reconhecido como verdadeiro pela maioria. (WOLFF, 1996, p. 71)
Portanto, há nas práticas racionais, uma legitimidade do discurso, enquanto o
discurso arcaico se fundava em dogmas e crenças, o racional se estrutura na crítica
científica, insistentemente testado e verificado a todo tempo.
Dessa maneira é superado o conceito de mestre da verdade, o conhecedor
de tudo, para se propor o diálogo, uma racionalidade discursiva. A partir daí, há uma
democratização das instituições políticas, norteada pela razão determinante do
conhecimento, com as verdades construídas numa discussão aberta, com a
confrontação explícita das posições das partes presentes.
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Assim, é construída no momento em que as partes são iguais, aptas ao
debate, alcançada a isonomia, uma democracia discursiva, que consiste num
“regime de discurso que obedece, como corolário, ao que podemos chamar o
princípio da substitutibilidade infinita dos lugares dos locutores e dos ouvintes”
(WOLFF, 1996, p. 73). E, para sua existência, dois aspectos se constituem
basilares, sustentados no pensamento de Francis Wolff: a isegoria locutiva e a
isocrítica interlocutiva.
Enquanto a isegoria consiste no direito igual das partes de interpretarem a lei
e exporem seus pontos de vista diante de todos a fim de persuadi-los, ou seja, a
todos é franqueada a palavra para se expressarem, baseada na isonomia, a
isocrítica vai além, possibilitando a crítica advinda do entendimento e da razão, ou
seja, mediante os assuntos apresentados e debatidos, cada parte poderá exercer o
contraditório e apresentar seus argumentos, sendo-lhes concedida a oportunidade
de participar no intuito de fazer, poder alterar mediante os argumentos ou até
substituir a lei, ou, no caso do processo, do provimento final. Há, pois, um
convencimento das partes, a verdade deixa de ser obtida mediante o convencimento
somente de um terceiro, há uma persuasão racional dada a oportunidade de
participação das partes no provimento.
Rosemiro Pereira Leal apresenta esse espaço democrático de participação
das discussões e formação dos argumentos, definindo como o espaço político de
criação do direito:
O espaço-político de criação do direito só será continente democrático se já assegurados os conteúdos processuais dialógicos da ISONOMIA, ISEGORIA e ISOCRÍTICA em que haja, portanto, em sua base decisória, igualdade de todos perante a lei (isonomia), igualdade de todos de interpretar a lei (isegoria) e igualdade de todos de fazer, alterar ou substituir a lei (isocrítica). Essa situação jurídico-processual devida é que permitirá a enunciação das DEMOCRACIAS como governo da totalidade social concreta, isto é: povo concretizador e criador da sua própria igualdade jurídica pelo devido PROCESSO CONSTITUCIONAL. (LEAL, 2000, p. 279)
Para que se configure esse espaço de discussão tem que haver a
participação das partes na interpretação e até mesmo na criação da norma, para
que possam exercer, através da autonomia de liberdade jurídica, a construção do
procedimento. A legitimidade e a eficácia da norma, seja ela legal ou judicial, advém
da validação do povo, e no caso da demanda judicial, das partes que constroem o
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provimento final. Rosemiro ressalta a importância assumida pelas partes no
processo constitucional:
Parte não é mais um elemento procedimental que se completa por outro, mas, como agente procedimental legitimado, exerce autonomia de liberdade jurídica construtiva do procedimento. A parte tem seus limites de liberdade procedimental na jurisdição constitucional e não na equivocada “jurisdição” do juízo judicial que também se jurisdicionaliza (em suas origens de legitimidade) na Jurisdição Constitucional. Esta é que se faz pelo devido processo constitucional instituído pelo povo para validar, legitimar e eficacizar a atuação de direitos em todo o arcabouço jurídico do discurso constitucional. (LEAL, 2000, p. 280)
A atuação das partes, tornando o espaço processual democrático e
participativo, implementa os preceitos do Estado Democrático de Direito. A
isocriticiedade confere a oportunidade de participação das partes no provimento
final, como proposição teórica decorrente da interpretação da obra de Francis Wolff,
sendo que, para que ocorra esse debate é necessário que haja isonomia das partes,
igualdade perante a norma. A efetividade dessa construção democrática torna o
espaço da judicância um locus de discursividade, abandonando os moldes da
judicatura isolada e hierarquicamente superior, como expõe Rosemiro Pereira Leal:
Daí é que o espaço da judicância (aplicação) do direito há de se fazer, nas democracias, pelo devido processo legal, que é prolongamento do processo constitucional e de suas expansividades procedimentais, e não pelo imperium de uma justiça interdital em moldes corretivos ou reconstrutivos do direito vigente ou externa ao direito pela clarividência do aplicador da lei. A hermenêutica, nas democracias, é dada na base popular construtiva da lei, não podendo ser uma teoria (ciência ou técnica) de interpretação por uma inteligência superestrutural e privilegiada (diálogo de especialistas) da judicatura como porta-voz dos valores e princípios estruturais da sociedade à margem ou ao fundo imperscrutável do direito popular legislado. (LEAL, 2000, p. 280)
A interpretação não pode ser monopolizada pelo magistrado solipsista, mas
há de ser debatida também com as partes, para uma democratização da
participação hermenêutica.
A autoridade que era detida pelos mestres foi substituída, assim, pelas
técnicas argumentativas, pelo princípio da isegoria, com as partes podendo
apresentar seus discursos e suas razões, e “o princípio da obediência do
destinatário é substituído pelo princípio da isocrítica: supõe-se que cada um seja
dotado de uma faculdade de julgar o verdadeiro e o falso” (WOLFF, 1996, p. 75).
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Enfim, a conjugação dos dois princípios, isegoria e isocrítica, supera o
julgador solipsista e permite a participação e interlocução das partes, a construção
da verdade mediante a apresentação de argumentos e provas, o que confere ao
percurso processual um viés democrático e se abre a um espaço de discursividade,
garantindo, pois, a legitimidade e a legitimação democrática do discurso, com a
racionalização das decisões.
Nessa perspectiva, a isonomia é um princípio que estabelece a igualdade
perante a norma, partindo do pressuposto de que existe uma desigualdade estrutural
entre os indivíduos no plano fático. Sob a ótica da processualidade democrática, a
igualdade entre as pessoas não pode se restringir apenas ao plano normativo, haja
vista que a efetivação dessa igualdade no plano fático é condicionante para garantir
a implementação da norma jurídica. A isocritica é um conceito jusfilosófico utilizado
para explicar a implementação e efetivação da igualdade normativa, de modo a
viabilizar a todos os indivíduos os Direitos Fundamentais explicitamente previstos no
plano constituinte.
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4 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO, FINALIDADE SOCIAL E ISOCRÍTICA NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO
A interpretação sistêmica e finalística a partir da perspectiva constitucional
contemporânea possibilita que se vislumbre um Direito Processual do Trabalho
estruturado numa principiologia que sustenta as peculiaridades do ramo juslaboral,
considerando as especificidades e necessidades dessa seara.
A proteção e a isonomia processual se entremeiam e entrelaçam na
consubstanciação da didática processual trabalhista, numa superação do caráter
dogmático e exegético. Nesse contexto, a finalidade social é debatida, se incípita,
superada ou essencial diante de um processo constitucional democrático, em que as
partes têm participação ativa, resguardado o direito de iguais oportunidades de
argumentação fático-jurídico-legal das questões que integram a demanda, num
locus de discursividade ampla e participada dos sujeitos interessados na construção
do provimento final.
Advindo do direito material, o princípio da proteção foi inegavelmente o
sustentáculo da criação do Direito do Trabalho, através do qual foi reafirmada a
autonomia científica desse ramo, realçadas as peculiaridades que o diferenciam e
diante das quais se edificou um sistema próprio, com características e princípios
específicos. Sua permeabilidade em temas e artigos demonstram a preocupação do
legislador em buscar a paridade de forças para que não impere a diferenciação
opressora e impossibilitadora de um processo justo e democrático.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 possibilitou uma
revisitação do princípio da proteção na perspectiva de um Estado Democrático de
Direito, com uma desconstrução dogmática da concepção ideológica meramente de
parcialidade autocrática, e possibilitou uma concepção processual democrática.
Luís Roberto Barroso ressalta a importância dessa nova interpretação
constitucional, que, como destaca, não importa em desprezo ou abandono do
método clássico subsuntivo, através do processo silogístico de subsunção dos fatos
à norma, no qual a lei é a premissa maior, os fatos compõem a premissa menor e a
sentença é obtida mediante a conclusão, desempenhando o juiz o papel de
revelador da vontade da norma, sem qualquer criação para o caso concreto, mas
vai-se além, mediante a constatação de que, diante da insuficiência desse método,
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por não terem as normas sentido único e objetivo, exsurgem a principiologia como
um meio de abrandar a aplicação, que, moldada pela norma, deve ser adaptada ao
caso concreto mediante o reconhecimento das especificidades:
A grande virada na interpretação constitucional se deu a partir da difusão de uma constatação que, além de singela, sequer era original: não é verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral – e as normas constitucionais em particular – tragam sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem. E que, assim, caberia ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo pré-existente na norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização. A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido. (BARROSO, 2006, p. 332)
A interpretação constitucional democrática requer uma compreensão da
normatividade dos princípios, a possibilidade de ponderação de valores mediante a
argumentação e o debate, não se restringindo, pois, ao conhecimento convencional
e solipsista do magistrado. Há, assim, uma agregação de novos conceitos e valores
mediante uma evolução científica, dado o reconhecimento de que as bases
principiológicas sustentam o Direito, conforme parâmetro científico, sem que haja
ruptura desfundamentada e inconsequente, há que se seguir um padrão e, como
qualquer ciência social, com reconhecimento de peculiaridades e exceções em
casos concretos.
A aproximação entre os preceitos constitucionais, bem como seus princípios,
e os direitos sociais trabalhistas, direitos fundamentais, e o instrumento processual é
essencial para que se promova a concretização de tais direitos no plano judicial, em
consonância com as normas constitucionais.
A igualdade perseguida pela Constituição Brasileira de 1988 alcança o
contexto das relações de trabalho, não aquela defendida no modelo de Estado
Liberal, a igualdade formal, mas a substancial, efetiva, com o reconhecimento das
diferenças entre os indivíduos, com o tratamento igual para os iguais e desigual para
os desiguais, um tratamento isonômico que implica, em determinadas situações, na
intervenção do Estado para sua garantia. A perspectiva constitucional supera, pois,
237
a igualdade meramente substancial para buscar a efetivação da igualdade de
oportunidades para discussão no processo, para que o debate das partes possibilite
a discussão dos pontos controvertidos da demanda, tornando o processo um locus
de discursividade. A proteção, inicialmente construída no direito material, causa
reflexos na esfera processual para viabilizar a convivência social numa conjectura
econômica e social, com o intuito de que os direitos constitucionais sejam efetivos.
A conciliação dos princípios da proteção e da isonomia perpassam por uma
análise sistêmica do Direito material e processual do trabalho, com uma distinção
entre as diferenciações legais e principiológica trazidas na seara material, com a
possibilidade de criação e interpretação do direito do trabalho de modo a beneficiar a
parte hipossuficiente – a que, juridicamente, fica relegada às ordens e
determinações da parte que tem o condão de selecionar e dirigir a prestação dos
serviços, com poderes, inclusive, diretivo e disciplinar, enquanto na seara processual
é trazida a necessidade de oportunizar a participação igualitária das partes, em
condições paritárias para que possam sustentar os argumentos isonomicamente,
situação viabilizada em alguns momentos pela diferenciação legal e em outros pela
interpretação mais benéfica do próprio direito material.
A pretensão é que essas normas tenham efetividade, ou seja, proporcionem a
realização do Direito com o desempenho concreto de sua função social; não se
trata, pois, de um desequilíbrio processual, mas que alcancem a eficácia jurídica,
dada pela vigência da regra e pela aptidão formal para reger a vida, com a
capacidade e condições da norma de atuação, de exequibilidade para a consecução
dos fins pelo qual foram construídas. Há, pois, uma finalidade social não na
perspectiva de parcialidade ou pendencionismo judicial, mas busca-se a efetividade
das normas, que têm, notadamente, um cunho de viabilização de direitos sociais e
instrumento normativo da realidade social.
Vislumbra-se, assim, um processo com técnicas, valores e personagens que
ganham destaque, e passam então a participar do cenário da relação processual de
forma equânime e efetiva, superando a primazia do papel de um magistrado
solipsista e autoritário, que já não mais desfruta da onipotência de outros tempos,
passa-se à inserção do discurso e do convencimento mediante argumentos e
ponderações.
238
4.1 A proteção como um princípio legitimador da participação das partes na construção do provimento final
A participação das partes na construção do provimento final decorre da
acessibilidade e paridade de condições para apresentação das provas e
possibilidade de demonstração dos argumentos debatidos.
A revisitação teórica das condições da ação na perspectiva do Estado
Democrático de Direito pretende assegurar ao jurisdicionado o amplo acesso ao
Judiciário, e, mais do que o acesso, a inserção no plano processual de discussão
analítica da pretensão deduzida.
A democratização do processo supera o modelo técnico-autocrático, baseado
na centralização do julgador que apresenta a solução para o litígio. O entendimento
crítico-constitucionalizado para o provimento jurisdicional demanda um debate
isonômico. E, para tanto, é essencial a oportunização do discurso e a possibilidade
das partes de se manterem na relação, com condições equânimes para
apresentação dos argumentos. Como expõe Fabrício Veiga Costa, “o processo na
teoria do direito democrático deve ser visto como um sistema de institucionalização
do discurso que oportunizará a legitimação do provimento pela participação das
partes juridicamente interessadas na argumentação da pretensão deduzida”
(COSTA, 2012, p. 199).
Nesse sentido, a hipossuficiência do trabalhador demanda proteção jurídica
para que, além dos momentos vivenciados no decorrer do contrato de trabalho, em
que fica sujeito às ordens e intempéries do empregador, também seja possibilitado,
em situações pré e pós contratuais, o acesso enquanto jurisdicionado, no plano
processual, em condições igualitárias de interpretação e debate das questões
judicializadas.
As diferenciações de condições e consequências, irradiações do princípio da
proteção, já mencionadas neste trabalho, têm cunho democrático pois têm o condão
de oportunizar a participação das partes. Perspectiva essa que evidencia as
alterações paradigmáticas pelas quais se vislumbra o processo no campo do Estado
Democrático de Direito, conforme enuncia Fabrício Veiga Costa:
O Estado Democrático de Direito trouxe para o direito processual substanciais alterações paradigmáticas, especialmente no sentido de compreender o processo, a jurisdição e a ação sob o enfoque
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constitucional. Nessa seara, o processo passa a ser visto como uma garantia constitucional que viabiliza o exercício da cidadania por meio da concretização dos Direitos Fundamentais expressamente previstos no plano constituinte. A superação do modelo autocrático de jurisdição, centrado essencialmente no poder conferido aos julgadores de decidir unilateralmente as pretensões a eles submetidas, ocorrer com o advento da coparticipação de todos os interessados na construção do provimento jurisdicional. (COSTA, 2012, p. 197)
A proteção oferecida às partes como meio de equilíbrio de forças, para
paridade de armas, é um meio que viabiliza o exercício da cidadania, para a
concretização dos direitos fundamentais, especialmente, os direitos trabalhistas. Ou
seja, a efetiva possibilidade de participação no processo, na construção do
provimento final, se constitui como corolário do exercício da cidadania, a partir do
momento em que os sujeitos se encontram isonomicamente no mesmo plano
processual de argumentação fático-jurídica da argumentação, o que se torna
possível mediante a proteção processual, mediante meio legal e constitucional, da
parte que se encontra fragilizada no processo.
A desigualdade estrutural que existe na relação de emprego reflete na
atuação processual, situação que demanda proteção estatal para oferecimento das
condições para o debate. No entanto, isso não significa atuação parcial ou incisiva
do julgador em prol de uma das partes, mas o saneamento da desigualdade para a
oportunização da apresentação dos argumentos e dos elementos comprobatórios.
O ramo do processo no qual se iniciou esta nova orientação da igualdade real das partes foi o direito processual do trabalho, que surgiu precisamente devido à comprovação de que nos conflitos entre trabalhadores e empregadores há uma parte fraca: o trabalhador. A este respeito, destacam as reflexões profundas do processualista uruguaio Eduardo J. Couture sobre a "igualdade por compensação" para o equilíbrio das partes no direito processual do trabalho mencionado, mas também tem aplicação no processo penal, por meio de um princípio semelhante denominado in dubio pro reo, tanto no conteúdo como no procedimento. Outro princípio do equilíbrio entre as partes nos mesmos processos penais é a presunção de inocência consagrado na maioria das constituições contemporâneas e nos instrumentos internacionais e que têm importantes repercussões processuais. (FIX-SAMUDIO, 2002, p.55, tradução nossa)91
91 La rama del proceso en la cual se inició esta nueva orientación de la igualdad real de las partes fue en el derecho procesal laboral, que surgió precisamente debido a la comprobación de que en los conflictos obrero patronales existe una parte débil: el trabajador. Al respecto, destacan las profundas reflexiones del procesalista uruguayo Eduardo J. Couture sobre la "igualdad por compensación", para lograr el equilibrio de las partes en el mencionado derecho procesal del trabajo, pero también tiene aplicación en el proceso penal, por medio de um principio similar denominado in dubio pro reo, tanto en el contenido del fallo como en el procedimiento. Otro principio de equilibrio de las partes en el mismo proceso penal es el relativo a la presunción de inocencia que consagran la mayoría de las
240
Nessa perspectiva, Héctor Fix-Samudio diferencia a incidência de uma
compensação no Processo do Trabalho com o viés igualitário, ou seja, para que as
partes tenham a oportunidade de participar e debater em equilíbrio no diálogo
processual. Isso não implica em diferenciação probatória, mas em diferenciação das
partes dadas as suas peculiaridades fáticas e econômicas.
A participação das partes num diálogo isonômico, com condições de
participarem do provimento final, demanda a aplicação do princípio protecionista,
que, como ressaltou Américo Plá Rodriguez, advém do Direito material do Trabalho:
O fundamento do princípio protetor está ligado à própria razão de ser do Direito do Trabalho. Historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como consequência de que a liberdade do contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração. Inclusive as mais abusivas e iníquas. O legislador não pode mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável. O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar desigualdades. (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 85)
Assim como explicitado acima, exsurgiu a proteção como meio de
desnivelamento das desigualdades no plano material, e sua causa de surgimento
refletiu no plano processual, em momentos determinados, para manter a paridade
de armas, entretanto, sem constituir um princípio no qual se baseia todo o processo
trabalhista. Ressalta-se que entre os doutrinadores brasileiros há divergência, como
já exposto, no tratamento do princípio da proteção no direito processual.
As normas processuais nas quais incidem a proteção têm um cunho de
sustentação do direito material e possibilidade de equilíbrio entre as partes para a
sustentação e dialogicidade no processo. Entretanto, apesar de permearem, não
constituem o cerne processual. As normas que apresentam diferenciação de
consequência, como a ausência do empregado e do empregador na primeira
audiência, expressa no art. 844 da CLT, a obrigatoriedade de depósito recursal pelo
empregador, conforme parágrafo 4º do art. 899 da CLT, que visa uma garantia para
o trabalhador, ainda que em fase recursal possa o conteúdo e o valor serem
modificados, o impulso oficial existente na fase de execução, expresso no artigo 878
constituciones contemporáneas, así como los instrumentos internacionales y que tiene importantes repercusiones procesales.
241
da CLT, com a atuação ex officio do juiz para dar início à execução em prol do
reclamante, trabalhador, e concessão de justiça gratuita que também pode ser
concedido até mesmo ex officio pelo juiz, além de outras situações em que há
diferenciação expressa em lei com direitos e deveres distintos para as partes.
Para Sérgio Pinto Martins, o princípio da proteção é aplicado distintamente no
Direito material e processual, mas ainda assim sustenta sua aplicação no processo
com um aspecto instrumental. Ressalta que “o verdadeiro princípio do processo do
trabalho é o protecionista” (MARTINS, 2010, p. 66), o que resplandece nas decisões
da Justiça do Trabalho:
Não é a Justiça do Trabalho que tem cunho paternalista ao proteger o trabalhador, ou o juiz que sempre pende para o lado do empregado, mas a lei que assim o determina. Protecionista é o sistema adotado pela lei. Isso não quer dizer, portanto, que o juiz seja sempre parcial em favor do empregado, ao contrário: o sistema visa a proteger o trabalhador. (MARTINS, 2010, p. 66)
Nesse sentido, há na posição de Sérgio Pinto Martins, uma proteção da
própria lei e as decisões proferidas na Justiça do Trabalho, que acabam destacando
essa característica protecionista do sistema juslaboral. Entretanto, a posição do
autor de que todo o sistema, inclusive processual, visa a proteção do trabalhador,
pode incorrer em desequilíbrio das partes. Há determinados momentos em que a
proteção legal é imperiosa para a paridade de forças e para alcance da isonomia
processual, com iguais oportunidades de discussão e argumentação de provas e
pontos controversos no processo, com as partes num diálogo isocrítico, mas a
afirmação de que todo o sistema processual trabalhista se sustenta na proteção
constitui risco de afronta à isonomia.
As características protetivas em aspectos da relação jurídica processual
trabalhista são reconhecidas por Mauro Schiavi, que explica a utilização da proteção
com viés de compensação de eventuais entraves de acesso à justiça:
De nossa parte, entendemos que o processo do trabalho tem característica protetiva ao litigante mais fraco, que é o trabalhador, mas sob o aspecto da relação jurídica processual (instrumental) a fim de assegurar-lhe algumas prerrogativas processuais para compensar eventuais entraves que enfrenta ao procurar a Justiça do Trabalho, em razão de sua hipossuficiência econômica e, muitas vezes, da dificuldade em provar suas alegações, porque, em regra, os documentos da relação de emprego ficam na posse do empregador. (SCHIAVI, 2014, p. 130)
242
Depreende-se do contexto juslaboral, que há a irradiação da proteção com o
viés igualador, consubstanciado na igualdade substancial para correção do
desequilíbrio inclusive processual, com esteio, assim, nos princípios constitucionais.
Para tanto, configura-se uma diferenciação entre as partes no processo trabalhista,
com previsões essenciais para que alcancem a dialogicidade necessária para o
debate, com igualdade de oportunidades e condições de apresentar os argumentos,
para o que a figura do juiz também é essencial como norteador, na perspectiva de
um processo constitucional democrático, com a participação das partes na
construção do provimento final. Há uma compensação com prerrogativas
processuais em determinadas situações, com a finalidade de possibilitar o acesso do
trabalhador, com a redução de entraves e reconhecimento das suas limitações
probatórias.
A interpretação desse protecionismo alcança, sob o fundamento da busca da
isonomia real das partes no processo trabalhista, entendimentos diferenciados no
tocante à questão do in dubio pro operario na análise da prova no processo do
trabalho. Nesse tema, Mauro Schiavi adota um posicionamento de favorecimento do
trabalhador ao expor que: “se o juiz do trabalho estiver em dúvida quanto ao alcance
de determinada norma trabalhista, poderá aplicar o sentido que favoreça o
trabalhador, uma vez que a sistemática do Direito Processual do Trabalho é
direcionada a facilitar o acesso do trabalhador à justiça” (SCHIAVI, 2014, p. 132).
Entretanto, esse posicionamento de utilização da proteção no caso de dúvida
não encontra respaldo no tratamento de Maurício Godinho Delgado, que demonstra
a materialidade do in dubio pro operario:
Ora, o caráter democrático e igualitário do Direito do Trabalho já conduz ao desequilíbrio inerente às suas regras jurídicas, a seus princípios e institutos, sendo que o Direito Processual do Trabalho também já produz a necessária sincronia entre esse desequilíbrio e a teoria processual do ônus da prova e demais presunções sedimentadas favoráveis ao obreiro, características desse ramo jurídico. Não se estende, contudo, obviamente, o mesmo desequilíbrio à figura do juiz e à função judicante – sob pena de se comprometer a essência da própria noção de justiça. (DELGADO, 2010, p. 78)
A adoção do in dubio pro operario deve ser analisada sob a ótica
constitucional e democrática, com o reconhecimento de diferenciação das partes e
das necessidades, para que oportunidades de apresentação dos argumentos e das
provas sejam concedidas com vistas à formação do convencimento, mas sem o pré-
243
conceito de hipossuficiência como argumento do julgador. A desigualdade de forças
no processo do trabalho é latente, decorrente de desigualdades socioeconômicas
entre as partes, mas isso não afasta a necessidade de comprovação dos
argumentos debatidos no processo, e pode ser que, em determinados momentos, a
inversão do ônus da prova seja adotada quando uma das partes tenha maior
facilidade para produzi-la, ou até mesmo por detê-las em seu poderio, o que não
configura uma proteção, mas o reconhecimento da vulnerabilidade de uma das
partes.
Nesse sentido, Cleber Lúcio de Almeida destaca que ao ser o Direito do
Trabalho construído em decorrência da reação contra as condições de trabalho a
que foram submetidos os trabalhadores no contexto do liberalismo econômico e
político, leva à proteção como diretriz fundamental, e ressalta alguns momentos de
incidência no direito material:
a) o trabalhador tem na sua força de trabalho a fonte de sua subsistência própria e familiar, sendo essencial para a sua garantia a configuração e permanência da relação de emprego. Por essa razão, o direito do trabalho adota como princípios a presunção de existência da relação de emprego na presença do trabalho humano prestado em favor de outrem, a presunção de ter sido o contrato de trabalho firmado por prazo indeterminado ou a presunção de indeterminação do contrato de trabalho, a criação de dificuldades para a extinção da relação de emprego (favorecimento da manutenção da relação de emprego) e a presunção de que o trabalhador não deu causa ao rompimento da relação de emprego (presunção de continuidade da relação de emprego e de sua extinção de forma menos gravosa para o trabalhador); b) o trabalhador não pode renunciar aos direitos que a ordem jurídica estabelece em seu favor, notadamente os de natureza fundamental, o que autoriza presumir a ocorrência de vício de vontade em qualquer ato praticado pelo trabalhador e do qual resulte prejuízo ao acesso aos direitos que asseguram a ordem jurídica (irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas); c) a realidade se sobrepõe sobre a forma: as condições de trabalho observadas ao longo do contrato se sobrepõem sobre o que foi formalmente estipulado (primazia da realidade sobre a forma ou contrato realidade); d) a condição mais benéfica estabelecida pelo empregador incorpora-se ao contrato de trabalho, com força de direito adquirido para o trabalhador (condição mais benéfica). (ALMEIDA, 2014, p. 788)
Através dos princípios informadores do Direito do Trabalho mencionados pelo
autor, revela-se, portanto, que o próprio direito material cuida expressamente de
buscar o equilíbrio das partes, diante de uma decisão, o magistrado deve ter em
mente essa principiologia diante dos fatos, para que consiga debater as ocorrências
244
no mundo fático e então dirigir o debate processual para sanar as questões
processuais com a discursividade das partes.
Assim, ainda como uma decorrência e reflexo daqueles princípios de direito
material, concomitantemente com o princípio da proteção, a CLT impõe ao
empregador a constituição da prova documental de alguns fatos, tais como:
a) pagamento de salário (art. 464, CLT); b) celebração de acordo para prorrogação de jornada de trabalho (art. 59, §1º); c) prorrogação do contrato a termo (arts. 447, 451 e 452); d) jornada de trabalho (art. 74, §2º); e) labor externo incompatível com a fixação de horário de trabalho (art. 62, I); f) concessão de férias (art. 135); g) pedido de demissão (art. 477, §1º); e h) quitação de verbas rescisórias (art. 477, §§1º e 2º). (ALMEIDA, 2014, p. 789)
As previsões legais expressam o reconhecimento da vulnerabilidade do
trabalhador quando submetidos ao poder diretivo do empregador, detentor de tais
documentos, e diante da obrigação trabalhista de que ele documente tais fatos, a
ausência dessa pré-constituição da prova exigida pelo legislador, possibilita a
aplicação da presunção de veracidade se não se desincumbir. Salienta-se que,
nesse caso, não há aplicação do in dubio pro operario, mas o descumprimento, pelo
empregador, de exigência legal que tem cunho protetivo no campo material, e, por
isso, a incidência reflexa na seara processual.
Portanto, a adoção ampla e irrestrita do princípio in dubio pro operario não se
coaduna com o processo constitucional democrático, já que aplicável quando o
contraditório e a participação das partes foi insuficiente para a formação do
convencimento, bem como para a demonstração de suas razões. A proteção
concedida para o alcance da isonomia não tem interpretação de parcialidade do
julgador em prol de uma das partes, mas o oferecimento de condições para que seja
proporcionada às partes a participação e discussão para a formação do provimento
final, por isso tem os limites e delineamentos traçados pelos princípios
constitucionais.
Conclui-se então que a proteção não se constitui em parcialidade do julgador,
sendo devidamente delineada nos parâmetros legais e constitucionais, para que as
partes não sejam surpreendidas com decisões inesperadas que afrontem a ampla
defesa e o contraditório. A proteção se encontra na própria formação do Direito e
resplandece em interpretações sob a luz dos princípios constitucionais, sem poder
245
ser exercida de maneira isolada pelo julgador, que não tem o condão, per si, de
proteger uma das partes sem o fundamento legal.
Portanto, a incidência da proteção é irradiada do direito material do trabalho,
em momentos de reconhecida vulnerabilidade, não podendo ser interpretada de
maneira ampla no direito processual do trabalho, apenas revelada no sentido de
oportunização das partes participarem e debaterem no processo, tornando-o um
locus de discursividade, e para que construam o provimento final, em igualdade de
condições.
4.2 Compreensão jurídica da finalidade social no âmbito do Direito Processual do Trabalho
O caráter civilizatório e democrático do Direito do Trabalho constitui
importante passo para o atendimento dos fundamentos da República Federativa do
Brasil, consagrando tanto os valores sociais do trabalho quanto a possibilidade de
alcance da cidadania e da dignidade da pessoa.
Conforme já foi mostrado, diante do desnivelamento das partes e
reconhecimento das peculiaridades das relações laborais se ergueu o sistema
trabalhista, tendo o princípio da proteção como a coluna espinhal, princípio que
reflete tanto no processo trabalhista quanto na atuação da Justiça do Trabalho.
O próprio surgimento e a recenticidade da inserção dessa Justiça como parte
do Poder Judiciário fazem com que haja uma imiscuidade de procedimentos
administrativos com o processo judicial, revelando a necessidade de se discutir a
função do processo no contemporâneo e pretenso Estado Democrático de Direito
consagrado na Constituição Brasileira de 1988.
A Justiça do Trabalho foi instituída no Brasil por meio da legislação trabalhista fixada no país durante o Primeiro Governo Vargas. O objetivo do governo ao regulamentar o direito do trabalho e estabelecer uma instituição destinada a intermediar as relações de trabalho era promover colaboração das classes e, por conseguinte, a paz social considerada necessária ao desenvolvimento urbano e industrial do país. (LOBO, 2013, p. 437)
A necessidade de transformar o proletariado numa força de cooperação com
o Estado foi essencial para a constituição da Justiça do Trabalho, destacada pela
246
maior informalidade e utilização da oralidade, além da dispensa de advogados para
ajuizamento e acompanhamento das ações.
Incumbida da realização de uma justiça social e tendo como resquício a sua
criação inicial junto ao Ministério do Trabalho, apresentou, desde então, uma
atuação ativa do magistrado, no intuito de aplicação da legislação trabalhista e
aplicação da principiologia inclusive de direito material, haja vista que era a única
instância à qual os trabalhadores poderiam recorrer para defender seus direitos e
cujo papel social foi então corporificado pelos magistrados.
O surgimento do Direito do Trabalho no mundo, como instrumento de
contenção das flagrantes explorações, advém do individualismo e do liberalismo
econômico e político, que causava consequências tenebrosas no campo social. Sob
a ótica da doutrina liberal, para uma igualdade formal, apenas uma liberdade
abstrata e formal regia as relações, e esse pensamento foi sendo então substituído,
diante da demanda social, pela intervenção estatal com uma normatividade protetora
e com o estabelecimento de condições para assegurar ao trabalhador uma
existência compatível com a dignidade humana.
Nesse sentido, Cleber Lúcio de Almeida esclarece a mudança de função do
Estado no tocante às liberdades quando do surgimento do Direito do Trabalho:
[...] o Estado deixa a condição de guardião das liberdades individuais (defesa do individualismo ou da esfera da ação individual) e passa a atuar ativamente contra as desigualdades sociais, assumindo o papel dirigente na relação entre capital e trabalho, protegendo a dignidade humana do trabalhador e atuando no sentido de melhoria da sua condição social. (ALMEIDA, 2014, p. 50)
O cunho assecuratório de um catálogo de direitos para os trabalhadores,
ainda que mínimos, para a diminuição das desigualdades sociais e a realização de
uma liberdade efetiva dos trabalhadores e voltada à dignidade humana, foi o cerne
da seara trabalhista.
Enquanto isso o Direito Processual do Trabalho, em íntima relação com o
direito material, cria as condições necessárias para a realização prática do direito do
trabalho, ou seja, como aduz Cleber Lúcio de Almeida, “o direito processual do
trabalho tem por função criar as condições necessárias para a máxima efetividade
da jurisdição e do processo do trabalho, por ser esta uma exigência da efetividade
do direito do trabalho” (ALMEIDA, 2014, p. 27).
247
Dada a própria gênese juslaboral de busca de uma diminuição da
desigualdade social, o discurso socializador de processo ganhou força no âmbito da
Justiça do Trabalho, idealizado para superação da lógica liberal, como meio de
redução das desigualdades geradas no processo. A busca da igualdade e do
equilíbrio estaria, então, como função do juiz social, que ao acolher o processo como
um meio de proporcionar bem-estar à sociedade, deveria fazer através de uma
jurisdição célere e embasada no protagonismo decisório.
Marcou o final do século XIX a concepção de uma jurisdição que expressou
uma visão socializadora, o processo como instrumento técnico de resolução de
conflitos de interesses, numa construção baseada não na ordem isonômica, mas
numa ordem assimétrica, decorrente da autoridade e da hierarquia diferenciada das
partes no caso concreto.
Pautou-se, nesse modelo de processo socializador, no senso inato de justiça
do decisor, com desvalorização do contraditório, com a certeza de que a verdade
seria alcançada pelo juiz ativo, munido de poderes para a condução de um processo
centrado na sua figura, sob o respaldo de sua sensibilidade na busca solitária do
bem comum, com o ideal monológico que lhe assegurava o privilégio cognitivo na
formação do provimento de resolução dos conflitos a ele submetidos. Marcelo
Andrade Cattoni de Oliveira detalha a concepção desse Estado Social no qual
impera esse modelo socializador de processo:
O Estado Social, que surge após a Primeira Guerra e se firma após a Segunda, intervém na economia, através de uma proposta de bem-estar (Welfare State) que implica uma manutenção artificial da livre concorrência e da livre iniciativa, assim como a compensação das desigualdades sociais através da prestação estatal de serviços e da concessão de direitos sociais. Tal ruptura paradigmática vem redefinir os clássicos direitos da vida, liberdade, propriedade, segurança e igualdade. É a chamada “materialização” do direito. O cidadão – proprietário do Estado Liberal passa a ser encarado como cliente de uma Administração Pública garante de bens e serviços. O direito passa a ser interpretado como sistema de regras e princípios otimizáveis, consubstanciadores de valores fundamentais (“ordem material de valores”, como entendeu a Corte Constitucional Federal Alemã) bem como de programas de fins, realizáveis no “limite do possível. (CATTONI DE OLIVEIRA, 2001. p. 59)
O sistema de administração da justiça se voltou para o reforço do papel
judicial, cabendo ao juiz a assunção do papel de educador, com o dever de instruir
os cidadãos acerca do direito vigente, auxiliando na defesa de seus direitos, e o
papel de representante dos pobres. Menger explicou que:
248
[...] quando o demandante houvesse proposto sua demanda e o demandado houvesse contestado, o juiz deveria proceder no litígio de oficio. Uma vez concedido ao rico o direito de se fazer representar por um advogado, o juiz deveria estabelecer um equilíbrio entre as partes, assumindo a representação da parte mais pobre. (MENGER, 1947, p. 69, tradução nossa)92.
Segundo Menger (1947), para evitar as desigualdades o juiz assumiria uma
postura compensadora do desequilíbrio das partes, decorrente da inexistência da
igualdade material. Nessa mesma linha o pensamento de Klein, que ressaltava a
necessidade de auxílio das partes pelo juiz, na busca do clareamento dos
requerimentos obscuros, sendo possível que realizasse, inclusive, o preenchimento
de detalhes incompletos, para que a incompletude ou o desconhecimento não se
constituísse um impedimento para elaboração do julgamento.
Construíram-se as normas que regem o processo trabalhista e a própria
cultura social imperou na Justiça do Trabalho. Para tanto, essa atuação do juiz no
caso concreto fez ser vislumbrado o princípio da finalidade social, no qual se salienta
o atendimento ao interesse social, fazendo-o prevalecer sobre os interesses
individuais, o que foi transposto para o artigo 85093, parágrafo único, que menciona
que a decisão proferida deve atender ao cumprimento da lei, com justo equilíbrio dos
votos divergentes e atendendo ao interesse social. O que também é expresso no art.
852 – I, § 1º94 da CLT, que expõe sobre o poder do juiz de adotar a decisão que
reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e exigências do
bem comum.
A construção da finalidade social no processo do trabalho como princípio
elencado por doutrinadores, adveio, inicialmente da interpretação depreendida do
art. 5º do Decreto-Lei n. 4.657/1942, anteriormente conhecida como Lei de 92 […] cuando el demandante hubiera producido su demanda y el demandado le hubiera contestado, el juez deberia establecer un equilibrio entre as partes, asumiendo la representación de la parte pobre. 93 Art. 850, CLT – Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 (dez) minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão. Parágrafo único - O Presidente da Junta, após propor a solução do dissídio, tomará os votos dos vogais e, havendo divergência entre estes, poderá desempatar ou proferir decisão que melhor atenda ao cumprimento da lei e ao justo equilíbrio entre os votos divergentes e ao interesse social. 94 Art. 852-I, CLT – A sentença mencionará os elementos de convicção do juízo, com resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório. (Incluído pela Lei nº 9.957, de 2000) § 1º O juízo adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum. (…)
249
Introdução ao Código Civil, e posteriormente denominada como a Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro, que prescreve: “na aplicação da lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela de dirige e às exigências do bem comum”, a finalidade
social impinge um caráter teleológico de cada seara do direito.
Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior sustenta que a finalidade social
consiste, inclusive, num princípio primordial do processo trabalhista, reconhecendo a
desigualdade das partes para igualá-los, em franca aplicação da isonomia:
O primeiro e mais importante princípio que informa o processo trabalhista, distinguindo-o do processo civil comum, é o da finalidade social, de cuja observância decorre uma quebra do princípio da isonomia entre as partes, pelo menos em relação à sistemática tradicional do direito formal. (THEODORO JÚNIOR, 2002, p. 62)
No mesmo sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite elencou o princípio da
finalidade social como a própria razão de ser do Direito Processual do Trabalho,
ressaltando que é através dele que se concretiza a justiça social.
O princípio pode ser visualizado também em alguns outros artigos além dos
mencionados, como na inversão do ônus da prova, quando este se tornar excessivo
para o empregado; na busca do máximo aproveitamento da petição inicial, evitando-
se a declaração de sua inépcia, chegando a se falar até em princípio da restrição à
inépcia da petição inicial; e na facilitação do acesso à justiça pelo trabalhador, na
interpretação das regras de competência territorial constantes do art. 651 da CLT,
além da desnecessidade de provar a comunicação da gravidez ao empregador.
Reconhecida a vulnerabilidade da parte com menor potencial probatório e
enfraquecida pelas próprias circunstâncias do contrato de trabalho, o juiz é elevado
ao cumprimento da instrumentalidade do Processo do Trabalho, que deve se propor
à efetivação dos direitos trabalhistas e também dos princípios que regem o direito do
trabalho. Vislumbra-se a incidência da finalidade social no ramo processual no
momento em que o juiz atenta para a busca de uma solução justa, com a aplicação
da proteção da parte hipossuficiente, assim como para a observância da
indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Há o reconhecimento das peculiaridades
pelo juiz, com atuação até mesmo oficiosamente:
EMENTA: JUSTIÇA GRATUITA - FUNDAMENTOS. A processualística do direito do trabalho, de cunho especial, tem direção ao princípio da finalidade social, que permite ao juiz uma atuação mais ativa, na medida em que
250
auxilia o trabalhador em busca de solução justa. Esta vertente diferenciada é a mesma que tenta igualar ao processo partes que outrora tinham, pela natureza do contrato de trabalho, condições naturalmente desiguais. Não pode prevalecer o trabalhador chamar a Justiça para que faça valer seu direito, e este mesmo direito - reconhecido - ser o empecilho para outro, tão pouco rigoroso pela própria lei, como o da Justiça gratuita. (TRT 3ª Região. Proc. 00354-2006-020-03-00-6 RO. 8ª turma. Relator Desembargador Paulo Maurício Ribeiro Pires. Publicado no DEJT em 23/09/2006.)
A justificativa da atuação ativa em casos pontuais se baseia na tentativa de
igualar as partes no processo, advindas no mundo fático do contrato de trabalho, de
condições desiguais.
Possibilita, assim, a diferenciação para conduzir à igualdade, uma maneira de
proteção da parte mais fraca, uma irradiação do princípio de direito material, da
proteção. Carlos Henrique Bezerra Leite os diferencia por ser a proteção conferida
pela lei e a finalidade social pelo juiz:
A diferença básica entre o princípio da proteção processual e o princípio da finalidade social do processo é que, no primeiro, a própria lei confere a desigualdade no plano processual; no segundo, permite-se que o juiz tenha uma atuação mais ativa, na medida em que auxilia o trabalhador, em busca de uma solução justa, até chegar o momento de proferir a sentença. (LEITE, 2015, p. 96)
Os princípios da proteção e da finalidade social se interligam e harmonizam-
se, entremeados pelo caráter teleológico do processo trabalhista. Ao consubstanciar
o papel do juiz de, ao aplicar a lei, atentar para a finalidade a qual ela deve almejar,
bem como possibilitar a correção de uma injustiça que poderia decorrer da mera e
pura aplicação da lei, o princípio da finalidade social requer a reformulação “a partir
das próprias contradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dos sistemas
legais vigentes” (LEITE, 2015, p. 97).
Em decisão também afirmadora da finalidade social, Manoel Carlos Toledo
Filho, atuando como Desembargador relator, demonstrou a conexão com a
isonomia, a fim de que fossem realizadas as adaptações necessárias do código de
processo civil para a justiça do trabalho, diante do reconhecimento da atuação mais
incisiva do magistrado no Processo do Trabalho, para que pudesse proporcionar ao
trabalhador uma solução justa:
Ademais, rege o processo do trabalho o princípio da finalidade social, que permite ao magistrado uma atuação mais incisiva com o escopo de proporcionar ao trabalhador uma solução justa, de forma a buscar a
251
igualdade material não apenas com o cumprimento das regras processuais, mas proporcionando a manutenção da isonomia com as adaptações que se mostrarem necessárias, sendo inadequada a transposição ipsis literis do artigo 273 do CPC, ao processo laboral, sem a devida modulação. (TRT 15ª Região. Proc. 4ª CÂMARA (SEGUNDA TURMA) 0001321-03.2012.5.15.0133 RO. Relator Manoel Carlos Toledo Filho. Publicado em 12/05/2014)
Nesse contexto, denota-se uma finalidade de proteção do trabalhador no caso
concreto no papel do juiz, com o intuito de preencher as lacunas e aplicar a
proporcionalidade entre a ponderação de interesses individuais e sociais,
prevalecendo o segundo em atendimento também à pretensão de bem comum.
A atuação em prol do bem comum possibilita a diferenciação no tratamento
das empresas que reiteradamente descumprem os direitos trabalhistas, com
condenações apuradas mediante processo judicial com ampla defesa e
contraditório, em situações que persistem descumprindo a incidência de verbas
trabalhistas, apesar do conhecimento da ilegalidade. As condenações se prestam a
impingir um caráter não meramente ressarcitório, mas passam a ter caráter
pedagógico:
Nesse contexto, o processo do trabalho não se volta apenas à solução do conflito no caso concreto, aplicando a norma ao fato. Impingi-lhe a obrigação de implementar uma política judiciária destinada à correção da realidade, de modo a impedir que novas agressões jurídicas, com mesmo potencial ofensivo, se realizem, valendo lembrar que o Direito do Trabalho não é um direito individual (ainda que a doutrina, de forma inadvertida lhe tenha cunhado esse título), constituindo, isto sim, um arcabouço de regulação do modo de produção capitalista. O descumprimento reiterado dos direitos trabalhistas desestabiliza toda a sociedade em detrimento da própria economia. Assim, impõe-se ao processo do trabalho não apenas conferir ao trabalhador o que é seu por direito, na perspectiva individual, mas também gerar desestímulo às práticas ilícitas (reincidentes) que promovam desajuste na concorrência, geram vantagem econômica indevida ao agressor, agridam a dignidade humana do trabalhador e tenham o potencial de provocar o rebaixamento da relevância social da classe trabalhadora. Neste sentido, aliás, são expressos os artigos 832, § 1º. e 652, “d”, da CLT. (SOUTO MAIOR, 2015, p. 4)
A pretensão é que essas normas tenham efetividade. No entanto, há a
necessidade de adaptação às peculiaridades do caso concreto, e segundo Luiz
Guilherme Marinoni, o legislador concedeu ao juiz o poder de concretizar e
estruturar um processo consoante com o direito material:
252
[...] o processo, no Estado contemporâneo, tem de ser estruturado não apenas consoante as necessidades do direito material, mas também dando ao juiz e à parte a oportunidade de se ajustarem às particularidades do caso concreto. É nesse sentido que se diz que o direito fundamental à tutela jurisdicional, além de constituir uma garantia ao titular do direito à tutela do direito material, incide sobre o legislador e o juiz. De modo que o processo, atualmente, é o próprio procedimento. Mas não apenas, como quer Fazzalari, o procedimento realizado em contraditório – até porque essa exigência é óbvia e inegável –, mas igualmente o procedimento idôneo às tutelas prometidas pelo direito material e à proteção do caso concreto. Aliás, para que o processo seja capaz de atender ao caso concreto, o legislador deve dar à parte e ao juiz o poder de concretizá-lo e estruturá-lo. Ou seja, o processo não apenas deve, como módulo legal, atender às expectativas do direito material, mas também deve dar ao juiz e às partes o poder de utilizar as técnicas processuais necessárias para atender às peculiaridades do caso concreto. (MARINONI, 2011, p. 429)
Nesse contexto, depreende-se que a atuação do juiz no caso concreto deve
ser norteada pelo princípio da finalidade social, fazendo prevalecer o interesse social
sobre os interesses individuais.
Apesar da essencialidade da finalidade social, é importante salientar que no
Estado Democrático de Direito há uma mudança de perspectiva delimitadora da
atuação ativa do juiz, por encontrar entraves à execução de papel de representante
da parte mais fraca, como vislumbrado no processo socializador, característico do
Estado Social.
Ao se deparar com o processo baseado na dialogicidade das partes há um
confronto com a figura do juiz atrelada ao dever de fazer justiça a partir de
experiências e conhecimentos pessoais, bom senso e prudente arbítrio, concebido
como o verdadeiro protagonista e como instrumento da jurisdição a serviço da paz
social, figura descaracterizada no processo constitucional democrático. O
julgamento solipsista do magistrado, à luz de suas convicções é substituído pela
ampla discursividade das questões controversas que integram a demanda, e no qual
os sujeitos participam diretamente na construção do provimento final. O processo
deixa de ser entendido como mero instrumento da jurisdição e possibilita a inserção
dos argumentos e provas combatidas pelas partes, com iguais oportunidades, diante
da proteção já existente no direito material e refletida em pontos do direito
processual, atuando concomitantemente magistrado e partes juridicamente
interessadas como coautores do provimento final.
Assim, o magistrado fica impossibilitado de formar sua convicção a partir de
experiências e convicções pessoais, cabendo-lhe a análise do que foi debatido no
253
locus processual, manifestando sobre os pontos controversos e provas produzidas
pelas partes no âmbito processual.
Ressalta-se que a atuação judicial não deixará de ter um cunho de
cumprimento e implemento dos direitos sociais, mas há que se debater e
fundamentar, com a participação inclusiva das partes na formação do provimento
final.
Ademais, ao possibilitar a efetivação dos direitos sociais constitucionalmente
previstos para os trabalhadores subordinados, o direito processual do trabalho exige
que o juiz tenha em mente a função social que desempenha, muito mais que um
mero aplicador de leis, ele deve buscar a implementação dos direitos fundamentais,
zelar pela sua efetivação e sob a perspectiva dos princípios norteadores do Estado
Democrático de Direito.
Diante de lacuna dos demais princípios, com uma conduta pautada pelos
princípios constitucionais democráticos, a busca pela igualdade substancial no
processo trabalhista deve guiar a interpretação e a condução feita pelo magistrado,
como salienta Vitor Salino de Moura Eça, a função do juiz extrapola a positivação,
revelando uma maior complexidade diante da necessidade de uma interpretação
holística do conjunto normativo:
A função do juiz torna-se mais complexa, pois não mais se insere apenas na positivação. A normatividade está composta de princípios e regras, refinando a teoria da decisão judicial, chancelando a monumental obra de Ronald Dworkin. Para esse importante autor, cabe ao intérprete eleger a norma aplicável a partir de argumentação lógico-normativo, ou seja, partindo de um ideal de justiça consagrado em determinado sistema normativo, o julgador busca no sistema positivado aquela mais apropriada. E se não a encontrar, volta sua pesquisa ao conjunto normativo, ficando autorizado a decidir segundo a principiologia axiológica. (EÇA, 2015, p. 27)
A função do juiz, portanto, na ótica do Estado Democrático de Direito não se
restringe ao papel educador, quando era incumbido de instruir os direitos às partes,
esclarecia os direitos, e nem ao papel de representante dos pobres, auxiliando-os na
defesa de seus direitos, pelo contrário, ele deve se prestar ao diálogo com as partes
para que de maneira isonômica e isocrítica se consiga aproximar do mundo fático
com vistas à aplicação lógica-normativa do ideal de justiça.
Supera-se a positivação, a normatividade passa a ser composta de princípios
e regras, com a necessidade de, diante da discursividade e participação das partes,
a atuação magistral deve sopesar a adequação, a necessidade e a
254
proporcionalidade a fim de identificar a norma aplicável ao caso, de maneira
fundamentada e exaustivamente debatida para a formação do provimento final.
Assim, a finalidade social, com a interpretação com a qual foi criada, depara
com limites processuais constitucionais quando aplicada no Estado Democrático de
Direito, pois deixa de ser um conceito aberto de cunho metajurídico, ou seja,
axiológico, que fortalece o poder discricionário do juiz no ato de decidir, com
ausência de cientificidade jurídica para explicar, sob o ponto de vista hermenêutico,
para passar a meio de implementação da proteção conjugada com o princípio da
isonomia processual, com a participação das partes no debate.
Por fim, é importante destacar que a própria compreensão hermenêutica do
princípio da proteção sob a égide dos princípios da isonomia e da dignidade humana
já são fundamentos jurídicos suficientes para garantir o julgamento racional e
participado do mérito processual.
4.3 Isonomia processual como fundamento justificador da aplicabilidade da proteção como princípio do Direito do Trabalho
O tratamento isonômico, como já mencionado, advém da busca da
consubstanciação da igualdade real, substancial, configurada no art. 5º, caput da
CF/88 e concomitantemente com a paridade de armas das partes no processo, com
as mesmas oportunidades, asseguradas pelo juiz como diretor do processo, que
deve “assegurar que o litigante mais forte não entorpeça o litigante mais fraco no
processo” (SCHIAVI, 2015, p. 100).
Para tanto, os julgamentos devem ser feitos sob à égide da lei, mas sem
deixar de sobressair a isonomia, com padrões igualitários proteção, ou seja, o
reconhecimento da vulnerabilidade, independente de qual parte seja, merece
tratamento especial, assim como a acessibilidade aos tribunais deve ser ampla, não
podendo ser restringida por condições econômicas ou circunstanciais. Amauri
Mascaro Nascimento ressalta a necessidade do tratamento econômico nas mais
diversas condições:
Perante a lei e o direito, todos são iguais; quer dizer, não existe acepção de pessoas. Isto significa que: a) todos os que estão submetidos à lei gozam da sua proteção na medida em que cumprem; b) não podem influir na sentença considerações que nada tenham a ver com o caso; c) a sentença deve aplicar a todos o mesmo padrão objetivo; d) ninguém deve ficar
255
desamparado perante um tribunal por ser pobre ou miserável. Por outro lado, os tribunais devem julgar segundo a sua livre responsabilidade. Só esta independência garante uma reta administração da justiça: a) o juiz deve ser totalmente inacessível a qualquer influência indevida, especialmente o suborno público ou privado; b) o Estado, em cujo nome se administra a justiça, não pode fazer pressão sobre os juízes. Não há dúvida de que tem a faculdade de impedir as irregularidades profissionais, inclusive por meio da destituição, mas um juiz que vacile em pronunciar determinada sentença, por receio de ser prejudicado na sua carreira, perde o imprescindível equilíbrio de ânimo para poder servir à justiça “a tempo e fora de tempo” (NASCIMENTO, 2002, p. 75)
Nesse sentido, há normas processuais trabalhistas que, com um cunho de
tratamento isonômico e reconhecendo as peculiaridades, estabelecem prerrogativas
a uma das partes, especialmente o trabalhador, por advir do direito material como o
litigante mais fraco na relação jurídica, o que, no âmbito processual, como já
discutido, acarreta reflexos para possibilitar então a satisfação da igualdade de
forças. Tais diferenciações se prestam, inclusive, a implementar o princípio da
isonomia processual.
A relação jurídica decorrente do contrato de trabalho impõe um caráter
subordinativo, com o poder de direção e aplicação de sanções por descumprimento
de cláusulas obrigacionais advindas do contrato pelo empregador, bem como a
posse de documentos por parte dele. Assim, ciente dessas condições sociais e
econômicas que diferenciam as partes, o legislador cuidou de diferenciá-las no
direito material e também em alguns pontos já demonstrados no decorrer do
processo trabalhista, reconhecendo o desnivelamento de forças.
Ao conferir o tratamento diferenciado para as partes, como uma irradiação da
proteção do direito material no processual, o que se almejou foi o alcance da
isonomia processual, para dar efetividade ao processo. José Roberto dos Santos
Bedaque salienta que “em princípio, não há efetividade sem contraditório e ampla
defesa” (BEDAQUE, 2010, p. 49), e para que haja a efetivação de tais princípios é
essencial a paridade de armas alcançada somente com a igualdade substancial.
A implementação da igualdade substancial através da diferenciação das
partes depara-se com questionamentos, pois há autores que a vislumbram como
uma aplicação da proteção, a qual deveria ficar restrita ao direito material, não
sendo um princípio aplicável no Direito Processual do Trabalho. Rodolfo Pamplona
Filho e Tércio Souza ressaltam a inadmissibilidade da diferenciação quanto se trata
de questões processuais, por entenderem como afronta à isonomia:
256
No particular é relevante se fazer o destaque no sentido de que, em essência, em nossa opinião, o direito processual deve estar calcado na simetria entre as partes. Daí porque não se poderia dizer que a Justiça do Trabalho ou o processo do trabalho seja protetor de qualquer das partes, em homenagem ao princípio da isonomia. Em verdade, em nossa opinião, a legislação de direito material do trabalho traz presunções favoráveis ao trabalhador, sendo justamente esse o mecanismo apto a retirar o estado de desnível entre o trabalhador e o tomador de seus serviços. Daí porque, em que pese autorizadas posições em sentido contrário, ao que nos parece, não se pode aplicar no direito processual do trabalho preceitos que afastem a indicada isonomia, já que não se poderia fixar tratamentos processuais essencialmente distintos, um para o trabalhador e outro para o empregador. (PAMPLONA FILHO; SOUZA, 2013, p. 45)
Apesar das considerações relevantes e que elevam o debate, a
permeabilidade da proteção, originária do direito material, ressai no campo
processual no momento em que se revela essencial para a constatação da
isonomia. Como destacado pelo processualista uruguaio Eduardo J. Couture, há
necessidade de uma igualdade por compensação para se alcançar o equilíbrio entre
as partes, inclusive no direito processual do trabalho. Há, ainda, a aplicação da
fórmula da desigualdade compensada com outra desigualdade, para se evitar o
entorpecimento dos fins da justiça:
O procedimento lógico para corrigir as desigualdades é a criação de outras desigualdades. Se a injustiça no direito dos menores consiste na que o pai, mediante atrasos e desvios do processo, pode especular com o tempo e conseguir que a fome chegue antes da sentença de alimentos, essa injustiça se repara criando um princípio da desigualdade: acelerar o processo para o benefício da criança, removendo a proteção do direito comum, e estabelecendo para ele prerrogativas que não são concedidas ao pai. Esta fórmula - "desigualdade compensada com outra desigualdade" - parece ser a primeiro na ordem lógica frente ao fenômeno em estudo. (COUTURE, 1948, p. 275, tradução nossa)95
Ressalta-se que o princípio da isonomia processual deriva do princípio da
igualdade e da isonomia material, enquanto a legislação diferencia as partes
protegendo no direito material, para igualá-las, no aspecto processual os litigantes
95 El procedimiento lógico de corregir las desigualdades es el crear otras desigualdades. Si la injusticia en el derecho de los menores consiste en que el padre, mediante dilaciones y desviaciones del processo, pueda especular con el tiempo y obtener que el hambre llegue antes que la sentencia de alimentos, esa injusticia se repara creando un principio de desigualdad: acelerar el proceso en beneficio del hijo, sacándolo del cauce del derecho común, y estableciendo para él prerrogativas que no están dispensadas al padre. Esta fórmula – “desigualdad compensada con otra desigualdad” – parece ser la primera en el orden lógico frente ao fenómeno en estudio.
257
têm o direito de receber tratamento idêntico pelo juiz, com ambas as partes com as
mesmas faculdades e oportunidades processuais. E, para tanto, deve-se atentar
para a diferenciação reconhecida pelas peculiaridades, não pelo juiz e suas
convicções, mas pelo tratamento legal conferido ao processo para que as
oportunidades sejam efetivas e concretizadas.
Nessa perspectiva da utilização do protecionismo para atendimento da
igualdade, Bento Herculano enfatiza a necessidade de um para a configuração do
outro, expondo que:
Quanto ao óbice levantado por aqueles que recusam o protecionismo no âmbito do processo, no sentido de que o mesmo não implicaria em violação ao princípio da igualdade, especificamente importando em parcialidade na qual o magistrado incorrerá ao proteger o empregado, é cediço que ser desigual é tratar desigualmente os iguais e, nesse diapasão, ao se tratar igualmente os desiguais nada mais resultará senão no aprofundamento do foço da desigualdade. A proteção ao trabalhador, pois, visa o estabelecimento de uma igualdade material, em detrimento da paridade meramente formal. Assim, o argumento de que o protecionismo expressado no processo quebrantaria o princípio da imparcialidade do magistrado, cai por terra na medida que o juiz, ao proteger quem está protegido, apenas propicia um equilíbrio entre os litigantes, com pressuposto para o julgamento justo. (HERCULANO, 2009, p. 2)
Assim, constata-se que a proteção foi uma construção do direito material para
garantir uma igualdade normativa de pessoas desiguais faticamente, e irradia no
campo processual, no momento em que o Processo do Trabalho passa a ser
vislumbrado na perspectiva da constitucionalidade democrática, tornando possível a
incidência da isonomia e da isocrítica.
4.4 A ponderação e o sistema teleológico como norte de aplicabilidade do princípio da proteção no Direito Processual do Trabalho
Os princípios são norteadores das decisões, e além de terem função
inspiradora, interpretativa e normativa, ainda indicam o fundamento para encontrar a
regra a ser aplicada no caso concreto. Constituem-se como diretrizes, e a aplicação
depende da possibilidade normativa e fática a ser verificada no processo de
aplicação.
Enquanto as regras se colocam no sistema de tudo ou nada, carecendo do
preenchimento de uma hipótese de incidência para serem dadas como aplicáveis, o
258
que a tornará válida ou não, os princípios, na visão de Dworkin (1999), contêm
fundamentos que devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de
outros princípios. Há uma imiscuidade na formação da interpretação,
proporcionando uma decisão no caso concreto mediante a conjugação, sem que
algum princípio tenha que ser excluído no caso de colisão. Diante da dimensão de
peso que se exterioriza no caso de colisão, o princípio com maior peso relativo se
sobrepõe ao outro, ressalta-se, entretanto, que não há invalidação diante de tal
ocorrência, há uma ponderação dos princípios, e com o maior peso relativo será
aplicável ao caso.
Humberto Ávila enfatiza a medida de contribuição dos princípios para as
decisões, diferenciando-os, inclusive, da forma como se encontram as regras:
As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como contribuem para a decisão. Os princípios consistem em normas primariamente complementares e preliminarmente parciais, na medida em que, sobre abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes, para uma tomada de decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão. Por exemplo, o princípio da proteção dos consumidores não tem pretensão monopolista, no sentido de prescrever todas e quaisquer medidas de proteção aos consumidores, mas aquelas que possam ser harmonizadas com outras medidas necessárias à promoção dos outros fins, como livre iniciativa e propriedade. (ÁVILA, 2010, p. 76)
O autor coloca os princípios como norteadores, possíveis de serem
conjugados e harmonizados, para atendimento das finalidades elencadas no
instrumento normativo, tal como na Constituição Federal Brasileira de 1988.
A importância dos princípios não é inferior na visão de Alexy, visto como
enunciadores de obrigações, que podem ser superadas ou derrogadas em função
de outros princípios. Não indicam precisamente o comportamento, sendo
imprescindível a análise de aspectos concretos e individuais, para que o intérprete
justifique, mediante a ponderação, e com a aplicação dos significados preliminares
dos dispositivos, a que espécie normativa se enquadra. Ou seja, em caso de colisão
entre os princípios, não se requer a imediata prevalência de um sobre o outro, mas,
diante da ponderação entre ambos, averígua-se, nas circunstâncias concretas, qual
recebe a prevalência.
O princípio cedente não é declarado inválido, e nem mesmo deve ser aplicado
a ele uma cláusula de exceção, pois a precedência de um em face do outro em
259
determinadas condições é averiguada no caso concreto, mas não quer dizer que a
resposta obtida será sempre a mesma a depender da facticidade in casu.
Nesse contexto, ao vislumbrar o Direito como ciência, reconhece-se que, para
tanto, deve ser estruturado em princípios que fomentam e permeiam cada seara de
acordo com suas especificidades. Além disso, por se tratar de ciências sociais
aplicadas, deve-se atentar para a perspectiva constitucional democrática que deve
ser impingida à relação processual trabalhista.
A interpretação advinda das normas trabalhistas e das normas processuais
trabalhistas devem ser sopesadas pela adequação, pela necessidade e pela
proporcionalidade, com o cunho de se identificar a norma aplicável ao caso
concreto, em consonância, inclusive, com a finalidade para a qual cada o direito foi
erigido.
Ou seja, ao tratar os princípios como mandamentos de otimização e
vislumbrar a diferenciação de graus, além da aplicação de mais de um no caso
concreto, e algumas vezes princípios opostos, exsurge a necessidade de
ponderação para averiguação de qual e como será aplicado. As normas que
compõem um ordenamento, inclusos os princípios, devem ser averiguados sob a
ótica da facticidade, e interpretados, sempre sob a perspectiva constitucional. A
partir daí constrói-se a ponderação, para que se estabeleça o comportamento
necessário à promoção do fim, ou seja, diante dos preceitos constitucionais, qual
seria o caminho mais viável para a implementação.
O aparente confronto entre o princípio da proteção e a isonomia processual
carece de análise para identificação da norma aplicável, tendo como norte o
atendimento ao caráter teleológico no qual foi construído o Direito do Trabalho e o
Processo do Trabalho. Há, no caso do Direito Processual do Trabalho, num primeiro
momento, a necessidade de comparação e ponderação desses princípios, proteção
e a isonomia, mas denota-se que deve ser analisado conjuntamente com o Direito
material do Trabalho, para que atenda aos fins precípuos daquele ramo, ou seja, um
meio de buscar a máxima efetividade da jurisdição e do processo do trabalho para a
consequente efetividade do direito do trabalho. Para tanto, se reconhece a aplicação
da ponderação, proposta por Robert Alexy e discutida em tópico anterior, adotando-
o como um marco teórico para a pesquisa e para os provimentos almejados no
processo do trabalho, considerando que, além de ser sua teoria dos princípios,
pertinente como um todo, ainda demonstra a possibilidade de um direito
260
interveniente, em que a constituição interfere positivamente nas relações sociais,
políticas e econômicas.
A positivação de todos os assuntos se torna impossível diante da
complexidade das relações contemporâneas, e os princípios exsurgem como
saneadores de conflitos, possibilitando a permeabilidade entre eles, se
complementando e incrementando as soluções jurídicas. Cavalcante (2008) ressalta
essa dificuldade de assunção de todo o conteúdo na positivação:
A impossibilidade de se legislar sobre tudo numa sociedade altamente complexa e pluralista como a de hoje é a primeira justificativa. Esgotar as mais diversas hipóteses em que é necessária uma normatização, se desde sempre foi uma tarefa insuperável, neste momento em que as complexidades intersubjetivas se multiplicam a cada fração de tempo passou a ser algo ainda mais distante de se vislumbrar. O hiato se alongou. Nesse sentido, a estrutura ampla da norma princípio permite ao aplicador do direito contemplar casos que não foram disciplinados pelo legislador. Atrelada a essa, outra questão justifica a incorporação do sistema de regras e princípios: a igual possibilidade de as respostas legislativas serem dadas em tempo hábil. O argumento anterior estava ligado ao aspecto de alcance das proposições legislativas – e da incapacidade de tudo ser positivado –, aqui o entrelaçamento diz com o tempo de resposta do Estado para as mais diversas e crescentemente novas demandas sociais, políticas e econômicas. (CAVALCANTE, 2008, p. 77)
A utilização da ponderação de Alexy permite também o desenvolvimento do
Direito através da interação e conjugação dos princípios, haja vista que não se
configuram excludentes, não sendo exigida a escolha entre um ou outro, mas há a
possibilidade de um incrementar o outro, o que se vislumbra no Direito Processual
do Trabalho. Ou seja, a igualdade e a isonomia processual somente podem ser
vislumbradas quando detectada a igualdade de oportunidades, reconhecida a
diferença de forças das partes e interpretando a norma de maneira a tornar possível
o debate das partes para a construção de um processo baseado na discursividade e
apresentação de argumentos, com a participação das partes na construção do
mérito e do provimento final, e, para tanto, a irradiação do princípio da proteção em
momentos processuais torna-se relevante.
Nesse sentido, vislumbra-se o Direito como um solucionador de casos
concretos, nem sempre com as soluções findadas em regras pré-determinadas ou
pré-determináveis, com perspectivas metodológicas diferenciadas, mas que devem
ser adaptadas à realidade conjectural e sistêmica do ordenamento jurídico vigente.
Na verdade, são necessárias a adaptação para atendimento do caráter teleológico
261
do Direito, com observância das normas em sentido lato, quer sejam regras quer
sejam princípios. Canaris (2008) sintetiza em duas ideias fundamentais para
aplicação de tais perspectivas:
A natureza cultural do Direito, herança irrepudiável da escola histórica, coloca a ordem jurídica na categoria das criações humanas, configuradas por evolução paulatina e por uma complexidade causal que as torna imprevisíveis e insubumíveis em modelos rígidos de lógica formal. Nesta dimensão, o Direito é um fenómeno pré-dado: o jurista deve apreendê-lo, do exterior, tal como ele se encontra, de acordo com coordenadas históricas e geográficas. A fenomologia jurídica não se esgota, porém, no fator de irracionalidade que a sua natureza cultural necessariamente postula: ela assenta em decisões que se querem previsíveis e que devem variar de acordo com uma certa adequação, em função do princípio tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença. (CANARIS, 2008, LXII).
A evolução paulatina da ordem jurídica, advinda das mudanças ao longo do
tempo como uma forma de adaptação, passa a destacar a mutabilidade das
decisões e das próprias soluções conforme o grupo e a categoria a que se aplica,
numa adequação para a igualdade.
O mesmo autor reitera a igualdade obtida mediante o reconhecimento de
desigualdade das partes, apesar de considerar necessária a previsibilidade
mediante um conjunto de estruturas que permitam a consistência do sistema, pelo
qual entende-se “a concatenação interior que liga todos os institutos jurídicos e as
regras de Direito numa grande unidade” (CANARIS, 2008, p. 10). Ou seja, um
conjunto de conceitos jurídicos interligados e perpassados por um ponto comum que
os conecta, como a matéria a que se referem ou a própria base principiológica e
estrutural que sustenta o arcabouço jurídico em determinado assunto.
Conforme já foi dito, a igualdade seria obtida mediante uma ordem de
tratamento igual para os iguais e diferente para os diferentes, na medida da
diferença, mas com a solução erigida dentro de um sistema consistente dessa
ordem, que se caracteriza pela adequação racional, e, concomitantemente aplica-se
a adequação valorativa, retirada do próprio princípio da igualdade:
Assim, a exigência de ordem resulta diretamente do reconhecido postulado da justiça, de tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida de sua diferença: tanto o legislador como o juiz estão adstritos a retomar consequentemente os valores encontrados, pensando-os, até ao fim, em todas as consequências singulares e afastando-os apenas justificadamente, isto é, por razões materiais, - ou, por
262
outras palavras: estão adstritos a proceder com adequação. Mas a adequação racional é, como foi dito, a característica da ordem no sentido do conceito de sistema, e por isso a regra da adequação valorativa, retirada do princípio da igualdade, constitui a primeira indicação decisiva para a aplicação do pensamento sistemático na Ciência do Direito. (CANARIS, 2008, p. 18)
No tocante à estrutura sistêmica das normas jurídicas, que tem como cume a
importância de se alcançar a igualdade tornando a solução aplicada ao caso
adequada, requer uma hermenêutica no momento de inserção da norma no conflito.
Ou seja, para uma decisão em consonância com os fins a que se propõe o sistema,
não é possível a utilização de uma norma de maneira isolada sem a devida
observância do fim a que todo o conjunto normativo no qual está inserida se propõe.
Vai-se, agora, mais longe. Para além da finalidade do Direito, a consignar condignamente nos modelos de decisão, há que lidar com as consequências dessa própria decisão. Na verdade, a sequência da decisão – domínio, em princípio, fora já da esfera do julgador – pode sufragar ou inviabilizar os objetivos da lei e do Direito. Ignorá-lo, enfraquece a mensagem normativa; incluí-lo no próprio modelo de decisão permite, em definitivo, superar estádios meramente formais no domínio da aplicação do Direito. Nessa linha, surge a sinépica: trata-se de um conjunto de regras que, habilitando o intérprete-aplicador a pensar em consequências, permitem o conhecimento e a ponderação dos efeitos das decisões. (CANARIS, 2008, CXI)
Nesse caso, há muito mais do que uma ponderação dos princípios em xeque,
mas uma ponderação dos efeitos das decisões, diante de uma análise sistêmica,
com uma averiguação do fim teleológico buscado pelo conjunto de normas
elaborado naquele propósito, e para o qual se deve buscar uma solução em
consonância com todo o arcabouço constitucional.
O delineamento do direito pressupõe o cumprimento dos princípios
específicos, que sempre requerem a sua análise e interpretação sob uma
perspectiva dos princípios trazidos pela Constituição Brasileira de 1988. Tal análise
deve ser feita sob um paradigma constitucional democrático no sentido de definir
dentro do ordenamento jurídico, como deve ser aplicada determinada norma, seja
ela regra ou princípio, mas deve ser sob o prisma constitucional no qual foi
construída:
Essas ponderações têm por finalidade demonstrar que a diferença entre princípios e regras não está no fato de que as regras devam ser aplicadas no todo e os princípios só na medida máxima. Ambas as espécies de normas devem ser aplicadas de tal modo que seu conteúdo de dever-ser
263
seja realizado totalmente. Tanto as regras quanto os princípios possuem o mesmo conteúdo de dever-ser. A única distinção é quanto à determinação da prescrição da conduta que resulta da sua interpretação: os princípios não determinam diretamente (por isso prima-facie) a conduta a ser seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes, cuja concretização depende mais intensamente de um ato institucional de aplicação que deverá encontrar o comportamento necessário à promoção do fim; as regras dependem de modo menos intenso de um ato institucional de aplicação nos casos normais, pois o comportamento já está previsto frontalmente pela norma. (ÁVILA, 2010, p. 63)
A unidade interna do sistema requer uma adequação da ordem jurídica com
observância dos “valores fundamentais mais profundos, portanto, até dos princípios
gerais duma ordem jurídica; trata-se, assim, de apurar, por detrás da lei e da ratio
legis, a ratio iuris determinante” (CANARIS, 2008, p. 77). Os princípios constitutivos
devem permear todo o entendimento e a interpretação advinda do ordenamento em
tela, sem, entretanto, buscar a qualquer custo pelo senso individual de justiça.
[...] não é tarefa do pensamento teleológico, tanto quanto vem agora a propósito, encontrar uma qualquer regulação justa, a priori no seu conteúdo – por exemplo no sentido do Direito Natural ou da doutrina do Direito justo – mas apenas, uma vez legislado um valor (primário), pensar todas as suas consequências até o fim, transpô-lo para casos comparáveis, solucionar contradições com outros valores já legislados e evitar contradições derivadas do aparecimento de novos valores. Garantir a adequação formal é, em consequência também a tarefa do sistema teleológico, em total consonância com a sua justificação a partir do princípio formal da igualdade. (CANARIS, 2008, p. 77)
A aglutinação das normas para compor um sistema coerente e abrangente, é
feita pelos princípios, e os que são fundamentais compõem de forma a serem
através deles que é visto e analisado todo o direito dali decorrente.
Constata-se, assim, que um sistema somente de regras não responde
satisfatoriamente, já um “sistema de conceitos gerais de Direito, este seria, por certo,
pensável não apenas como um puro sistema formal de conceitos fundamentais
gerais, mas também como um sistema teleologicamente preenchido de uma
determinada ordem jurídica” (CANARIS, 2008, p. 81).
A conceituação que delineia o sistema advém dos seus princípios
fundamentais e sob os quais se erige o ordenamento em determinada seara, a partir
daí sobressai a interpretação sempre vislumbrada através da janela de tais
princípios, sobre os quais se construiu aquele determinado ramo. Os princípios
suavizam os conflitos entre normas, diminuem a aspereza e a abstração das
normas, e informam o fim teleológico do sistema.
264
Nesse sentido, o princípio da proteção permeia as normas e a interpretação
da seara trabalhista, a parte material e irradia sobre pontos do direito processual,
repensando e criando o Direito do Trabalho com um viés constitucional democrático.
Para realizar concreta e efetivamente o direito material não atuado espontaneamente, o processo deve ser adaptado às especificidades daquele direito. No processo não podem ser olvidadas as especificidades do direito material que por meio dele deve ser atuado. (ALMEIDA, 2008, p. 45)
O direito material do trabalho cuidou de aplicar a proteção, para conferir a
igualdade que, num segundo momento passou à busca da isonomia, para a partir
daí consistir na oportunização no debate. Desse modo as partes se sustentam no
processo à luz dos princípios constitucionais democráticos, com a isocrítica
processual, para que o Direito seja aplicado numa base científica, sustentado no
entendimento constitucional.
Conclui-se assim que, diante da técnica de ponderação dos princípios, ou
ainda que seja diante da aplicação da prevalência por dimensão de peso, os
princípios aplicáveis ao Direito Processual do Trabalho devem ser comparados em
caso de colisão, e averiguada a possibilidade e consequência de aplicação de cada
um, para, então, enfatizar a manutenção e prevalência, para, a partir daí, averiguar
qual será aplicável no caso concreto, em consonância com os fins do processo do
trabalho e o caráter teleológico das normas trabalhistas.
A proteção deve ser levada em consideração em momentos de desigualdade,
não se pode dizer que é excluída, mas aplicável diante de hipóteses fáticas de
disparidade de forças no trâmite processual, inclusive em situações previstas pela lei
princípios da isonomia processual e concomitantemente com a finalidade social.
A utilização ampla e irrestrita do princípio da proteção constituiria a criação de
uma nova desigualdade diante dos princípios delineados pelo processo
constitucional democrático. Assim, levaria à inviabilização da manutenção de
igualdade processual e isocrítica no processo, as demandas apenas para uma das
partes provocaria o desequilíbrio teorético e fático.
Os fatos subjacentes e as consequências práticas da interpretação,
notadamente nas hipóteses de colisão de normas e de direitos constitucionais, não
consegue apurar, em tese, expressa no sistema, haja vista que depende da análise
dos elementos do caso concreto. A discricionariedade do intérprete é limitada pela
265
interpretação constitucional e envolve a integração subjetiva de princípios, normas
abertas e conceitos indeterminados. Porém, a discricionariedade judicial nesse
sistema constitucional democrático há de ser contida pela demarcação de
parâmetros para a ponderação de valores e interesses, com demonstração de
racionalidade e participação isocrítica das partes, e assim, se possibilite a formação
do provimento final.
Enfim, há a permeabilidade da proteção em prol da efetividade do processo e
do próprio caráter teleológico a que se destina, irradiada nos insculpidos teóricos e
legais das normas trabalhistas e essa utilização restrita advém de uma ponderação
que deve ser considerada ante a concomitância de aplicação e finalidade. Para
tanto, devem ser respeitadas as delineações constitucionais, a que se insere a
ciência do Direito, tanto o Direito do Trabalho quanto o Direito Processual do
Trabalho.
Essa ponderação não pode ser vista como um argumento de fortalecimento
da jurisdição autocrática decorrente de argumentos axiologizantes utilizados pelo
magistrado para justificar o seu decisionismo e protagonismo judicial, mas para
fundamentar a própria participação e dialogicidade das partes.
4.5 Direito Processual do Trabalho no Estado Democrático de Direito: a implementação da proteção como forma de efetivação da isocrítica e da isonomia processual
Até aqui foi mostrado que o Direito material do Trabalho buscou privilegiar a
tutela do ser humano, fazendo preponderar a dignidade e colocando o cidadão no
cerne de todo o sistema e revelando uma atitude de despatrimonialização do direito,
de humanização. Esse sentido permeia também o Processo do Trabalho, que requer
interpretações e aplicações voltadas às necessidades dos cidadãos, com atenção à
dignificação e justiça da decisão nas aplicações do direito no caso concreto,
buscando a máxima efetividade da jurisdição e do processo do trabalho para a
consequente efetividade do Direito do Trabalho (ALMEIDA, 2014).
Constata-se que o ordenamento jurídico se presta à implementação de tais
preceitos, ao estabelecer “a realização de fins, a preservação de valores e a
manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essenciais à realização
daqueles fins e à preservação desses valores” (ÁVILA, 2010, p. 34).
266
Ademais, a inserção de princípios e regras processuais na Constituição
Federal do Brasil de 1988 implica no Direito constitucional processual que delineia a
aplicação e interpretação de todos os sistemas processuais. Entretanto, as
especificidades e finalidade de cada sistema, que dão a tônica e norteiam, devem
ser observados para que o resultado apresente a efetividade do processo. Por seu
lado, no processo trabalhista, a igualdade de oportunidades e o reconhecimento de
disparidade das partes é essencial para que se propicie um processo justo e
equilibrado.
Logo, deve-se atentar para uma interpretação em consonância com os
valores trazidos no bojo constitucional, como expõe Humberto Ávila, “o intérprete
deve interpretar os dispositivos constitucionais de modo a explicitar suas versões de
significado de acordo com os fins e os valores entremostrados na linguagem
constitucional” (ÁVILA, 2010, p. 35).
O direito brasileiro deve ser visto sob a ótica do Estado Democrático de
Direito, com a preponderância do respeito aos direitos humanos e centralização do
indivíduo inserido na ordem social, com o bem comum sendo elevado ao status
preferencial, com a reconhecida fundamentalidade. Ou seja, “A justiça se reduz à
realização do bem comum, ou, mais precisamente: é o bem comum “in fieri”, como
constante exigência histórica de uma convivência social ordenada segundo os
valores da liberdade e da igualdade” (REALE, 2006, p. 239).
O Direito tem como objetivo final o alcance da Justiça, constituída pela
formação histórica e cultural, e que atenda ao pleito social, às demandas e
valorações advindas da própria convivência. Desse modo, as especificidades,
experiências, a centralidade da pessoa são o cerne do ordenamento jurídico:
A Justiça que, como se vê, não é senão a expressão unitária e integrante dos valores todos de convivência, pressupõe o valor transcendental da pessoa humana, e representa, por sua vez, o pressuposto de toda a ordem jurídica. Essa compreensão histórico-social da Justiça leva-nos a identificá-la com o bem comum, dando, porém, a este termo um sentido diverso do que lhe conferem os que atentam mais para os elementos de “estrutura”, de uma forma abstrata e estática, sem reconhecerem que o bem comum só pode ser concebido, concretamente, como um processo incessante de composição de valorações e de interesses, tendo como base ou fulcro o valor condicionante da liberdade espiritual, a pessoa como fonte constitutiva do mundo cultural. (REALE, 2006, p. 236)
O interesse individual não deve prevalecer sobre o social, pois o Direito e a
Justiça devem ser regidos pela centralidade da pessoa, conciliados os interesses e
267
as valorações advindas da própria formação do processo histórico-cultural. A
definição de bem comporta controvérsias e distinções, mas, para atendimento da
finalidade a que se propõe o Direito, especialmente o direito do trabalho, é
importante a análise do homem perante a sociedade em que ele está inserido, e o
atendimento aos fins sociais da norma:
Não basta que, ao procurar o bem que nos atrai, não causemos dano a outrem, consoante concepção individualista e cômoda que consagra o isolamento ou a autonomia de cada homem como centro de uma trajetória social indiferente à sorte dos demais. Já o dissemos e vale a pena repetir: o homem deve ser apreciado segundo o prisma do indivíduo, e segundo o prisma da sociedade em que ele existe. São duas formas ou maneiras fundamentais de apreciar-se o problema do bem, marcando, efetivamente, dois momentos de um único processo, visto como a colocação de um envolve, necessariamente, a colocação do outro. É nesse sentido que podemos distinguir, mas não separar, o estudo do bem em duas grandes órbitas: a do bem enquanto individual e a do bem enquanto social. A Moral estuda o bem enquanto individual, ou seja, polarizando tudo em relação ao problema do indivíduo, enquanto que o Direito põe a tônica, o acento caracterizador, sobre aquilo que é social. (REALE, 2006, p. 237)
Para tanto, para se alcançar a Justiça o processo evolutivo requer a
adaptação às contingências culturais e sociais, o que provoca uma intersecção no
sistema jurídico, que ultrapassa a fase hermética de legislação sem qualquer
interferência principiológica. Desse modo, é possível constatar a importância e
relevância da ponderação de princípios para aplicação do Direito. E todo esse
contexto deve encontrar respaldo no processo constitucional democrático
sustentado, no caso brasileiro, pela Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988.
O conceito de modelo constitucional de processo, com a introdução realizada
pelos autores italianos Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera (1997), apresenta um
processo com uma base principiológica uníssona aplicável a todo e qualquer
processo, por se tratar de um modelo constitucional, ou seja, no qual todos os
processos devem se basear. Para tanto, três características são inseridas por
Andolina e Vignera: a expansividade, baseada na capacidade de condicionar a
formatação de qualquer procedimento jurisdicional criado pelo legislador; a
variabilidade, com a possibilidade de assumir formas diversas, adaptando-se aos
mais variados tipos de procedimento exigidos pelas situações jurídicas específicas;
e a perfeiçoabilidade, com a possibilidade de ser sempre aperfeiçoado pelo
legislador infraconstitucional.
268
Ao assegurar ao cidadão direito fundamental ao processo, a Constituição
Federal de 1988 demanda uma metodologia para garantia de direitos fundamentais,
para que não haja um surpresamento das partes. Sendo assim, implica no
seguimento de um procedimento compatível com o modelo constitucional, que deve
ser observado pelo legislador infraconstitucional e também pelo magistrado e pelas
partes.
Destaca-se que a concepção de modelo constitucional de processo, apesar
de contar com o procedimento em contraditório, vai além dessa concepção, pois
requer a ampla defesa com participação das partes, em dialogicidade com o
magistrado, que abandona a figura de julgador solipsista e autocrático, além da
necessidade de fundamentação das decisões em consonância com o debate
realizado no processo.
Para que essa oportunidade de debate entre as partes seja efetiva, supera-se
a igualdade formal e passa-se à isonomia, tanto material quanto processual, de
maneira isocrítica, ou seja, dotando as partes de capacidade de interpretação e
criticidade nos pontos do julgamento, participando e apresentando seus
entendimentos, e não submetidas à obediência do destinatário por um juízo
autocrático e solipsista. Isso ocorre, pois a autoridade detida pelo julgador de um
processo nos moldes liberais ou um processo socializador deve ser substituída pelas
técnicas argumentativas, como a proposição teórica da isegoria, com as partes
podendo apresentar seus discursos e suas razões, e pela isocriticidade, que permite
a participação e a interlocução das partes, de maneira crítica, ou seja, com a
concessão da oportunidade às partes de exercerem o contraditório com a
possibilidade de, através da razão, conseguir alterar a norma aplicável
demonstrando para o julgador e colocando em debate os próprios argumentos
colocados pela outra parte.
Francis Wolff trouxe essa ideia de isegoria e isocriticidade, ressaltando a
importância das partes poderem participar e utilizarem a razão para criticar a
apresentação do outro, dos argumentos e conteúdo probatório trazidos ao processo.
Propõe, pois, o debate interlocutor do processo, e não apenas a mera apresentação
diante do juízo, mas para o juízo e para a parte concomitantemente, com a
possibilidade de discussão e esclarecimento crítico. Assim explica a isegoria:
269
De maneira mais geral, podemos considerar a isegoria como o reconhecimento da equivalência dos locutores, ou seja, a indiferença a priori do enunciado quanto à qualidade ou ao estatuto do enunciador; é, em suma, o princípio segundo o qual a palavra adquire autoridade apenas pelo fato de pertencer à comunidade dos locutores possíveis. [...] supõe o direito rigorosamente igual das partes de expor seu ponto de vista diante de todos a fim de persuadir a todos. (WOLFF, 1996, p. 73)
A isegoria é complementada pela isocrítica para alcance de um processo
constitucional que seja democrático, que possibilite a inserção e participação efetiva
das partes na formação do provimento, sem figurarem meramente como
apresentadoras do conteúdo, mas podem apresentar e criticar o que foi levado pela
outra parte:
A democracia supõe, com efeito, não apenas que todos os locutores têm igual direito a falar, mas também, como corolário, que todos os interlocutores têm igual direito a julgar o que os outros dizem. Decidir, em democracia, se faz em dois tempos: o tempo em que se fala (discussão) e o tempo em que julga. E este último supõe não mais a coletividade dos locutores possíveis, mas a dos interlocutores possíveis, que se confunde com a primeira somente em extensão. Do ponto de vista do regime da verdade, isso implica que o estabelecimento de uma verdade depende não apenas de um poder de enunciação – o direito de falar – mas de um poder judicativo ou “crítico” – o direito de julgar se o que é dito é verdadeiro. (WOLFF, 1996, p. 74)
O exercício da autocrítica pressupõe, além da possibilidade de apresentação
do argumento, a possibilidade de contradizer a apresentar suas razões acerca do
trazido pela outra parte, do conteúdo apresentado pelo interlocutor. Poderia ser
vislumbrado como “o contraditório do contraditório”. E, a partir dessa oportunidade
concedida à parte, essa poderá exercer o seu voto, ou seja, apresentar a sua razão
ou esclarecimento, configurando um processo democrático.
Para detalhamento, Francis Wolff apresenta ainda um exemplo desse
exercício democrático, o qual deve ser levado ao processo para a construção
participada do provimento. Explica o autor:
[...] a administração racional da prova em matéria judiciária supõe o direito, rigorosamente igual para todos os ouvintes, de julgar a verdade do que foi afirmado pelas partes. Uma boa parcela das regras formais da instituição judiciária tem a função de garantir essa igualdade e essa independência das funções: princípio do júri popular, direito de voto igual para todos os ouvintes, passividade e mutismo absoluto dos juízes (que não participam sequer da condução do debate) etc. O que alguns afirmaram, outros, e inclusive todos, de maneira coletiva e igual, devem julgar. Do mesmo modo, a administração racional da prova em matemática resulta também do reconhecimento de que cabe ao destinatário, ao aluno, se quiserem,
270
estabelecer como verdadeiro o que diz o professor, e que nada do que diz é verdadeiro, a não ser aquilo que o aluno não puder deixar de reconhecer indiscutivelmente como tal, no estado em que se encontra seu próprio saber. (WOLFF, 1996, p. 74)
Esse debate entre os interlocutores é trazido com proposições teóricas que
visam o incremento das discussões e o alcance de um provimento jurisdicional que
seja delineado democraticamente, com a participação efetiva das partes. A isegoria,
configurada na possibilidade de participação, e a isocrítica que vai além da mera
participação, mas a criticidade dela, com a apresentação das razões e do
julgamento de cada um acerca do que foi debatido. Ou seja, possibilita a crítica
advinda do entendimento e da razão mediante os assuntos apresentados e
debatidos. Cada parte poderá exercer o contraditório e apresentar seus argumentos,
sendo-lhes concedida a oportunidade de participar no intuito de fazer, poder alterar
mediante os argumentos ou até substituir a lei, ou, no caso do processo, do
provimento final. Há, pois, um convencimento das partes, a verdade deixa de ser
obtida mediante o convencimento somente de um terceiro, há uma persuasão
racional dada a oportunidade de participação das partes no provimento.
Busca-se alcançar a verdade mediante a apresentação de argumentos e
provas, o que confere ao percurso processual um viés democrático e se abre a um
espaço de discursividade, garantindo, pois, a legitimidade e a legitimação
democrática do discurso, com a racionalização das decisões.
Na perspectiva da legislação trabalhista contemporânea, o reconhecimento da
vulnerabilidade e da necessidade de proteção com o intuito de equiparação de
forças das partes possibilita a inserção isonômica. Os princípios e valores
sustentados do Estado Democrático de Direito demandam um processo
democrático, como explicado anteriormente, com a aplicação dos preceitos da
isegoria e da isocrítica, o que confronta com a parcialidade autocrática judicial. O
magistrado não pode mais agir conforme sua livre convicção, nos moldes do
processo liberal, e nem conduzir parcialmente como defensor da parte mais fraca
como no processo socializado, mas guiado pelos permissivos legais e interpretativos
que possibilitam o tratamento isonômico para um processo constitucional
democrático, marcado pela isocriticidade.
Ergue-se, no Direito, uma interpretação sistêmica, cuja solução não decorre
pura e simplesmente de uma norma isolada, mas da organicidade do complexo
271
jurídico, com as exigências de uma Ciência, no caso jurídica, capaz de responder a
uma realidade em evolução permanente, consoante com um conhecimento
hermenêutico e com as exigências de maleabilidade em decorrência das
especificidades da pessoa.
O Direito Processual do Trabalho se entremeia com o Direito material do
Trabalho para conter a tendência autofágica e desigualitária própria do sistema
capitalista. Para tanto a função social do trabalho e da Justiça do Trabalho se
destacam, na implementação das normas, dando efetividade ao propósito pelo qual
se constituíram em um processo democrático.
Diante de um processo constitucional, há que se reconhecer os limites de
cada seara, a confluência do direito material e do direito processual do trabalho, sua
irradiação e os reflexos, são interpretados à luz da Constituição, que delineia essa
intereferência para que haja a realização da democracia e a efetivação dos direitos e
garantias assegurados. Sendo assim, há uma superação dos preceitos do
paradigma liberal e também do paradigma de bem-estar-social, o que leva à
reconstrução da jurisdição constitucional na perspectiva do Estado Democrático de
Direito.
Maurício Godinho Delgado ressalta a influência histórica que deu origem à
criação do direito do trabalho, e a partir daí o intuito finalístico que deve ser buscado:
A ordem jurídica como um todo, na qualidade de instrumento de regulação de instituições e vínculos entre pessoas, atende a fins preestabelecidos em determinado contexto histórico. Sendo as regras e diplomas jurídicos resultados de processos políticos bem-sucedidos em determinado quadro sociopolítico, tendem a corresponder ao estuário cultural hegemônico ou, pelo menos, importante no desenrolar de seu processo criador. Todo Direito é, por isso, finalístico, à proporção que incorpora e realiza um conjunto de valores socialmente considerados relevantes. (DELGADO, 2006, p. 121)
A aplicação da principiologia da isonomia processual, atenta à finalidade
social na perspectiva constitucional democrática, de efetividade processual, vem
coroar a irradiação do princípio da proteção. Há, assim como no Direito Processual
Civil, uma diferenciação para igualar, em determinados momentos que são, como
abordados em tópico anterior, trazidos pela própria Consolidação das Leis
Trabalhistas. Ao ser vislumbrada a disparidade de armas, devem ser utilizadas
medidas com vistas a retomar o reequilíbrio, o que, em vários momentos, pode ser
272
verificado no instrumento normativo trabalhista, a CLT, que diferencia as
consequências e as partes:
No processo civil legitimam-se normas e medidas destinadas a reequilibrar as partes e permitir que litiguem em paridade em armas sempre que alguma causa ou circunstância exterior ao processo ponha uma delas em condições de superioridade ou de inferioridade em face da outra. Mas é muito delicada essa tarefa de reequilíbrio substancial, a qual não deve criar desequilíbrios privilegiados a pretexto de remover desigualdades. (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2014, p. 73)
Eis que a permeabilidade do princípio da proteção é vislumbrada durante
diversos momentos da relação contratual trabalhista, da negociação à extinção, e se
sustenta perante o trâmite do processo trabalhista. Desse modo, com o cunho de
diferenciação das partes que, na verdade, visa a implementação da isonomia e da
possibilidade da inserção isocrítica das partes na interpretação, para ter o
julgamento dos argumentos e bem como dos princípios constitucionais
democráticos.
Este trabalho já demonstrou que o princípio da proteção constitui base
fundante da legislação trabalhista, pilar para a efetividade do Estado Democrático de
Direito. Ao possibilitar o incremento e a melhoria das condições de trabalho tem um
caráter modernizante e progressista, e assim desempenha um papel civilizatório no
contexto do Direito material do Trabalho que reflete nas normas processuais.
Enfim, a complexidade que norteia as relações humanas, especialmente as
sociais, impõe ao Direito do Trabalho, e concomitantemente ao Direito Processual
do Trabalho, o acompanhamento das transformações da sociedade, mas com a
persistência de manter a paz social e o bem-estar comum. O tratamento
individualizado nos processos trabalhistas possibilita a busca de uma solução justa e
o implemento dos direitos, princípios e valores trazidos pela legislação trabalhista,
incluindo tratados e outras fontes, e coroados pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988.
Num contexto de Estado Democrático de Direito, firmado pelo próprio
instrumento constitucional brasileiro, o Estado desempenha uma função
pacificadora, ao exercer a jurisdição não meramente como impositor de determinada
norma, mas solucionador de conflitos mediante a discursividade e debate dialógico
das partes e do juiz, o que apenas um processo democrático pode proporcionar.
273
Conforme foi discutido, é através do processo judicial trabalhista que o Estado
poderá fazer cumprir cada um dos valores sociais constitucionais, sem perder de
vista a fundamentalidade dos direitos trabalhistas, efetivando não só o acesso à
justiça, mas constituindo a efetiva isonomia processual, com as irradiações do
princípio da proteção, que foi construído no Direito material do Trabalho.
Em suma, a proteção se constitui como o fundamento racional do direito
material, que robustece a aplicabilidade do princípio da isonomia como fundamento
legitimador de democraticidade e construção participada do provimento final.
275
5 CONCLUSÃO
Neste trabalho foi analisada a complexidade das relações sociais, o que não
inviabiliza o tratamento do Direito como uma ciência, com seus princípios e
fundamentos que devem permear todo o sistema. O Direito do Trabalho apresenta
princípios peculiares que norteiam todo o seu embasamento e sua estrutura, erigida
sobre o princípio da proteção, e irradiam no Direito Processual do Trabalho,
tornando-os complementares e interconexos.
A ciência comporta mudanças, rumos diferentes, como superação de
paradigma, o que acarreta em mudança de objetivos e concepções. O contexto
interpretativo contemporâneo, no qual se deve interpretar o Direito do Trabalho e o
Direito Processual do Trabalho é o Estado Democrático de Direito, sob o manto da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com seus valores e
fundamentos elencados, que impingem uma ressignificação das relações de
emprego em razão do advento da dignidade humana.
Denota-se que mesmo no contexto democrático, o intervencionismo estatal é
de profunda relevância no entendimento da efetivação dos direitos fundamentais
sociais, e utiliza-se da necessidade de proteção aos vulneráveis para a aplicação de
normas jurídicas cogentes que implementem os valores insculpidos na ordem
constitucional. Ainda pode ser verificado como uma confluência da ordem civil com a
ordem trabalhista, no momento em que a autonomia da vontade, peculiar aos
contratos civis, e que justificava a liberdade das partes nas relações privadas, cujo
caráter era demarcadamente patrimonialista, foi substituída pela autonomia privada,
que destaca a despatrimonialização dessas relações, insculpindo a dignidade
humana como eixo central de todas as discussões.
Nesse sentido, destaca-se a superação do individualismo típico de ideais
liberais, uma vez que o Estado, por meio do dirigismo contratual passou a ter
legitimidade no que atine a implementação dos princípios da função social e da boa-
fé objetiva. O princípio da autonomia privada, que prima por uma liberdade de
construir relações jurídico contratuais que não contrariem normas jurídicas cogentes,
tais como os direitos fundamentais e os direitos da personalidade. No mesmo
seguimento, a justiça contratual decorre da intervenção estatal como limitador da
liberdade dos indivíduos no ato de contratar, haja vista que o papel assumido pelo
276
Direito, nesse contexto, foi a proteção dos hipossuficientes, tais como os
empregados, consumidores, idosos, crianças e adolescentes. Há, pois, uma
confluência do Direito Civil com os ideais do Direito do Trabalho no sentido de
prevalência da dignidade humana.
Assim, a utilização do texto legislativo como parâmetro para corrigir a
desigualdade estrutural existente entre empregado e empregador, as proposições
atinentes ao ambiente de trabalho que prioriza a pessoa humana, a liberdade do
trabalhador como fundamento de participação na construção discursiva de decisões
até então unilateralmente tomadas pelo empregador, são algumas das contribuições
trazidas pelo texto constitucional brasileiro contextualizadas no Estado Democrático
de Direito.
A efetividade dos preceitos que colocam o indivíduo como cerne do sistema,
com valorização do trabalho e respeito à dignidade humana delineiam um viés social
que deve ser impingido numa interpretação sistemática, e que impossibilitam a
aplicação isolada do princípio da proteção no Direito do Trabalho sem que irradie e
influencie o Direito Processual do Trabalho.
Para tanto, é importante salientar que os princípios desempenham papel
fundamental nas ciências, além de serem sobre eles erigidos, sendo considerados,
no Direito e no sentido apresentado neste trabalho, normas jurídicas imbuídas de um
conteúdo amplo e abrangente utilizado como parâmetro para nortear a interpretação
sistêmica integrativa do ordenamento jurídico.
O nivelamento das partes envolvidas no contrato de trabalho, sentido trazido
pelo princípio da proteção, visa a inclusão e a configuração da igualdade no âmbito
das relações juslaboralistas. Essa proteção permeia a legislação trabalhista, a
metodologia de escolha da norma, com a assunção da norma mais benéfica e a
condição mais benéfica em prol do trabalhador hipossuficiente, além de implementar
os preceitos constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade humana.
A discussão trazida na presente pesquisa, em torno da incidência do princípio
da proteção na seara do Direito Processual Trabalhista, na perspectiva do processo
constitucional democrático, remete à finalidade desse direito processual, que deve
propiciar as condições necessárias para a realização da prática do Direito do
Trabalho, com a máxima efetividade.
Assim, ao buscar o fim teleológico do sistema juslaboral, vislumbra-se que,
apesar do princípio da proteção ser criado e constituído no âmbito do Direito material
277
do Trabalho, tendo em vista uma interpretação holística e sistematizada, ele irradia
no Direito Processual do Trabalho, em pontos que diferenciam o tratamento das
partes, já elencados na própria legislação, como por exemplo a diferença de efeito
decorrente da ausência das partes na audiência e a necessidade de apresentação
de cartões de ponto pelo reclamado, dada a impossibilidade da feitura da prova pelo
trabalhador, e ainda pode ser vislumbrado diante da interpretação das provas, após
debate e contraditório.
Desse modo, o diálogo das fontes possibilita a conjugação das fontes para
uma aplicação sistemática e consonante com os fins teleológicos das normas
trabalhistas. Norteada pelos princípios constitucionais, a decisão deve representar
uma verdadeira pacificação social, para o que as provas são de extrema relevância,
haja vista que incrementam a possibilidade de se alcançar uma decisão mais
condizente com a verdade e justa.
Para tanto, a sustentabilidade com tratamento isonômico das partes no
processo é fundamental, com necessidade de se oportunizar a participação
igualitária da apresentação das provas e argumentos em condições paritárias.
Assim, o que em princípio poderia ser vislumbrado como um conflito entre o princípio
da isonomia e o princípio da proteção, na perspectiva da teoria da ponderação,
proposta por Alexy, em que um princípio não implica necessariamente a eliminação
do outro, mas podem ser conjugados para melhor atender à finalidade que se
propõe, é possível delinear o entrelaçamento e compatibilidade entre ambos. A
proteção possibilita, portanto, a igualdade das partes, reconhecendo suas
especificidades e vulnerabilidades, para que participem isonomicamente do
processo, e tenham condições de apresentar seus argumentos e os discutam
isocriticamente.
Neste trabalho, ressaltou-se que não se trata de uma adoção ampla e
irrestrita do princípio in dubio pro operario, que não se coaduna com o processo
constitucional democrático, já que aplicável quando o contraditório e a participação
das partes foi insuficiente para a formação do convencimento, bem como para a
demonstração de suas razões. A proteção concedida para o alcance da isonomia
não tem interpretação de parcialidade prévia do julgador em prol de uma das partes,
mas o oferecimento de condições para que seja proporcionada às partes a
participação e discussão para a formação do provimento final.
278
No mesmo sentido, a ponderação de princípios aplicáveis ao processo
trabalhista não pode ser vista como um argumento de fortalecimento da jurisdição
autocrática decorrente de argumentos axiologizantes utilizados pelo magistrado,
com o objetivo de justificar o seu decisionismo e protagonismo judicial, com amplos
poderes para influir ativamente no acertamento dos fatos levados a seu
conhecimento, mas para fundamentar a própria participação e dialogicidade das
partes, consistente em um modelo processual democrático inserto no Estado
Democrático de Direito. Dessa maneira é garantida a função jurisdicional exercida
nos limites da lei e com observância das garantias fundamentais do devido processo
legal, contraditório, isonomia, ampla defesa e fundamentação dos atos decisórios.
A isonomia se consubstancia e é efetivada quando, conforme proposição
teórica de Francis Wolff, há a configuração da isegoria e da isocrítica. Enquanto a
isegoria consiste no direito igual das partes de exporem seus pontos de vista diante
de todos a fim de persuadi-los, ou seja, de participarem ativamente, por seu lado, a
isocrítica vai além ao possibilitar a crítica advinda do entendimento e da razão,
mediante os pontos apresentados e debatidos, cada parte poderá exercer o
contraditório e apresentar seus argumentos mediante o que foi levado ao processo,
possibilitando esclarecimentos e ponderações.
De fato, pretende-se um convencimento das partes, e não somente do
terceiro, que representaria a figura do juiz solipsista. Há a construção do provimento
final pelas partes concomitantemente com o magistrado. Mediante a igualdade de
oportunidade das partes de debaterem o processo, não deixando apenas a
condução isolada pelo juiz, mas tornando-o um locus de discursividade no qual se
sobressai uma solução democrática e consonante com os preceitos constitucionais.
A superação de paradigmas conduz à uma ressignificação de institutos
tradicionais, e no Estado Democrático de Direito essa revisitação se sustenta na
valorização da pessoa humana e da formação democrática com a participação dos
interlocutores inclusive no debate processual. Assim, a participação ativa das partes,
resguardado o direito de iguais oportunidades de argumentação fático-jurídico-legal
das questões que integram uma demanda devem ter como base um locus de
discursividade ampla e participada dos sujeitos interessados na construção do
provimento final.
Ademais, a irradiação da proteção, sustentáculo do Direito do Trabalho, no
Direito Processual do Trabalho, propicia a paridade de forças para que não impere a
279
diferenciação opressora e impossibilitadora de um processo justo e democrático.
Nesse contexto vislumbra-se que a Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 possibilitou uma revisitação do princípio da proteção, com uma
desconstrução dogmática da concepção ideológica de parcialidade, e possibilitou
uma perspectiva processual democrática.
Constata-se que a interpretação do Direito do Trabalho e do Processo do
Trabalho não pode ser conduzida de maneira fragmentada, deve-se estabelecer
uma unidade axiológica e teológica. Nessa perspectiva metodológica, o juiz deve
estar atento à finalidade social da norma, inserida numa construção sistemática,
atendendo aos fins teleológicos do sistema jurídico, para que o processo atenda
então aos fins democráticos proposto no processo constitucional, com justo debate
entre as partes, sem que a desigualdade de forças na disputa prejudique a formação
da decisão, atendendo aos fins consagrados inclusive na Constituição da República
Federativa de 1988. E, para tanto, é importante ressaltar que a implementação do
princípio da proteção não pode ser enfraquecida, sob risco das relações
empregatícias se esvaírem como meio de desvalorização do trabalho humano e
afronta à dignidade humana.
Por fim, conclui-se que o Direito do Trabalho e o Direito Processual do
Trabalho tratam-se de ciências, que devem ser erigidos sobre princípios norteadores
que configuram essa cientificidade, e conexos, devem atender aos fins precípuos
para os quais foram criados, sendo o primeiro erigido sobre a proteção do
hipossuficiente na relação de emprego, e o segundo devendo buscar a máxima
efetividade para a sua implementação na jurisdição e no processo de maneira
integral. Para tanto, devem ser delineados com bases rigorosas e não surpresáveis,
reconhecendo as diferenças e propiciando tratamento isonômico, cuja proteção deve
propiciar, para que a paridade das partes propicie, além da participação, a
isocriticidade, que atenda a valorização do trabalho humano e a dignidade humana,
e propicie a formação de um processo democrático com respaldo nos contornos
constitucionais.
281
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