isa maria formaggio marques guerini · medirem esforços em me acompanhar por horas de entrevistas...
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UNIVERSIDADE ANHANGUERA – UNIDERP
ISA MARIA FORMAGGIO MARQUES GUERINI
AS RELAÇÕES SOCIAIS NO CULTIVO DA CANA-DE-AÇÚCAR NOS
MUNICÍPIOS DE MIRANDÓPOLIS, LAVÍNIA E VALPARAÍSO - SP
CAMPO GRANDE – MS
2014
ISA MARIA FORMAGGIO MARQUES GUERINI
AS RELAÇÕES SOCIAIS NO CULTIVO DA CANA-DE-AÇÚCAR NOS
MUNICÍPIOS DE MIRANDÓPOLIS, LAVÍNIA E VALPARAÍSO, SP
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional da Universidade
Anhanguera – Uniderp, como parte dos
requisitos para a obtenção do Título de Mestre
em Meio Ambiente e Desenvolvimento
Regional.
Orientação:
Prof. Dr. Sandino Hoff
CAMPO GRANDE – MS
2014
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3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela existência de todos e de tudo o que proporciona a
realização do meu projeto de vida.
Também agradeço meu orientador prof. Dr. Sandino Hoff pelas horas de
dedicação e o esforço desempenhado para me auxiliar no desenvolvimento
deste trabalho. Seu vasto conhecimento nas ciências sociais e a paixão que
demonstra pelo seu trabalho, me desperta admiração e serve de inspiração
para a minha formação profissional. Obrigada por não deixar que eu desistisse.
Um especial agradecimento ao meu esposo Clayton Guerini pelo apoio
nas horas de cansaço, por tolerar minha ausência nos finais de semana e por
me apoiar na conclusão do curso.
Agradeço meus pais, Luiz Carlos Burato Marques e Maria Antonia
Formaggio Marques, por me auxiliarem nas viagens realizadas e por não
medirem esforços em me acompanhar por horas de entrevistas e caminhadas
na zona rural.
Agradeço particularmente João Tamboreli, Ana Carla Tamboreli e
Antonio Zamboti por me atenderem inúmeras vezes e solucionarem minhas
dúvidas.
Dedico este trabalho à minha avó Yvone Aparecida Burato Marques e
aos meus pais, por terem dado o suporte necessário para que eu pudesse
alcançar esta realização.
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SUMÁRIO 1 Introdução Geral ................................................................................
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2 Revisão de Literatura .........................................................................
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3 Referências Bibliográficas ................................................................. 31
Artigo I - As Relações Sociais no Cultivo da Cana-de–Açúcar e os Novos Métodos Introduzidos no trabalho – Municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso – SP................................................
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Resumo .................................................................................................. 37 Abstract ................................................................................................. 37 1 Introdução .......................................................................................... 38 2 Procedimentos Metodológicos ......................................................... 39 3 Resultados e Discussão .................................................................... 41 4 Conclusão ........................................................................................... 64 5 Referências Bibliográficas ................................................................ 65
Artigo II - Os Contratos para a Produção da Cana-de-Açúcar e os Parâmetros para a Precificação nos Municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso - SP. .....................................................................
69
Resumo .................................................................................................. 69 Abstract .................................................................................................. 69 1 Introdução .......................................................................................... 70 2 Procedimentos Metodológicos ........................................................ 71 3 Resultados e Discussão ................................................................... 73 4 Conclusão ........................................................................................... 92 5 Referências Bibliográficas ................................................................
Artigo III - O Cultivo da Cana-de-açúcar, a Reestruturação Produtiva e suas Consequências Sociais nos Municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso – SP........................................................................
92 96
Resumo .................................................................................................. 96 Abstract .................................................................................................. 96 1 Introdução ........................................................................................... 97 2 Procedimentos Metodológicos ......................................................... 99 3 Resultados e Discussão .................................................................... 99 4 Conclusão ........................................................................................... 118 5 Referências Bibliográficas ................................................................ 118
Conclusão Geral .................................................................................... 122
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1 Introdução Geral
O objeto deste estudo são as relações sociais estabelecidas no cultivo
da cana-de-açúcar que destruíram o domínio do conhecimento do trabalhador
direto, modificaram o ambiente, e o tipo de capitalismo no região, exigindo
novas funções sociais assumidas pelo Estado. Por relações sociais entendem-
se as mediações que expressam a sociedade nacional e operam em escala
global e separam o capital do trabalhador. No dizer de IANNI (1996, p. 89), nas
relações sociais “globalizam-se perspectivas e dilemas sociais, econômicos,
políticos e culturais”.
O tema tem por fundamento a constatação de que na expansão
sucroenergética, ou na territorialização da cana-de-açúcar, o capital
internacional apoderou-se de parte das terras disponíveis nas regiões de
abrangência, mediante cultivo próprio, compra da cana de fornecedor e
mediante arrendamento/parceria. Com o domínio da terra, as empresas
impuseram, também, mudanças significativas nas relações de trabalho e no
ambiente físico para as demais formas particulares de cultivo. Assim, pequenas
glebas rurais, que eram exploradas pelo trabalho imediato, foram somadas em
extensão às demais pequenas propriedades e deram lugar a uma vasta lavoura
canavieira, regida por conglomerados e agências mundiais. Sítios e fazendas
passaram a ser arrendados pelas empresas sucroenergéticas, com a finalidade
de produzir matérias-primas às indústrias.
A expansão da lavoura de cana acarretou a disputa pelo território
disponível, sobrepondo-se a outras lavouras, como a soja, o milho e a
pecuária. Nos municípios do centro da Região Administrativa de Araçatuba,
São Paulo, a produção de cana ocupa considerável parte do território, sendo
que em um dos municípios analisados o cultivo de cana representa 58,1% do
território municipal (CANASAT, Valparaíso-SP, 2012). Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, “o Estado de São Paulo participa
com 55,6% da produção nacional, sendo o principal produtor” de cana do
Brasil. (Levantamento Sistemático de Produção Agrícola - IBGE, 2013, p. 9).
A razão da busca pela ocupação do solo é porque à indústria extrativa
“falta um dos elementos do capital constante, a matéria-prima” (MARX, 1980, p.
886), que deve ser apropriada. As empresas oligopólicas apoderaram-se das
terras de cultivo de cana, - de forma direta ou de maneira indireta, mediante
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contratos - para submetê-las à produção de matérias-primas para a
industrialização.
Consequentemente, está em curso, nos estados produtores de cana-de-
açúcar, um conjunto de reorganizações do trabalho, que necessita de
categorias analíticas para que seja apreendida corretamente a realidade em
mudança. A categoria singular/universal foi acionada para esta finalidade. De
acordo com ela, entende-se a necessidade de uma mudança na base técnica
do trabalho. Diante da necessidade do plantio e da colheita em larga escala, a
mudança no método de produção ocorre com a incorporação de máquinas no
processo de cultivo.
Pelas observações em locais de plantio, constatou-se que ainda há
regiões em que não houve a total substituição do trabalho do homem, adiada
por algum tempo. Como exemplo, cita-se que o trabalho braçal, feito por
aproximadamente 500 homens na colheita, foi substituído pelo labor de dois
homens, os quais operam a máquina colhedora e o transbordo. O plantio da
cana e a pulverização de herbicidas e defensivos, que eram realizados pela
mão humana, também já são executados por máquinas. A evolução das forças
produtivas garante maior volume de produção, realizado em menos tempo. O
trabalho no cultivo da cana, ao ser objetivado e especializado, também torna-se
simplificado. Para acompanhar as mudanças, buscou-se a historicização das
formas de trabalho no cultivo da cana.
O desemprego acompanha esse movimento produtivo. No campo, e
especificamente na lavoura de cana, por conta da mecanização - uma
necessidade para o desenvolvimento das forças produtivas e do rendimento da
lavoura – colocam-se desafios aos trabalhadores rurais, aos agricultores de
trabalho imediato e aos assentados. O Estado participa desse momento social,
apresentando-se como o estado do capital e não somente o estado dos
capitalistas. A ele cabe organizar o parasitismo social. O mundo de
desempregados, jogados fora das profissões condenadas pelas forças
produtivas, é a situação em que se dá a nova função do Estado: cuidar do
trabalho improdutivo. (ALVES, 2005, p. 180).
A produção da cana, intimamente ligada às usinas sucroenergéticas, e a
necessidade de força de trabalho especializada se fazem sentir. Assim,
averiguaram-se as modificações nas relações de trabalho ocorridas diante da
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alteração do método de produção da cana e as novas funções das empresas e
do Estado. As empresas, diante das necessidades, procuram capacitar seus
empregados, como tratorista, operador etc. e, normalmente, encarregam o
Estado de realizá-lo, mediante parcerias, justificadas pelas obrigatórias
contribuições às instituições e às associações de assistência.
Por outro lado, nem todo plantio de cana está vinculado à produção de
açúcar, álcool e energia. Desta maneira, verificou-se como a modernização do
cultivo ajustou-se às pequenas propriedades, onde se cultiva a cana com vistas
à alimentação animal. Ali está uma das alternativas de produção.
Para a realização da pesquisa elegeram-se como loci municípios
localizados na Região Administrativa de Araçatuba, São Paulo, onde a cana-
de-açúcar representa a principal produção agrícola.
Justifica-se o estudo pelo contexto histórico de produção agrícola
realizada com trabalho imediato que, ao passar dos anos, cede lugar à
exploração de monoculturas com trabalho assalariado, tornando-se a região
uma das mais desenvolvidas, em termos de forças produtivas no ramo da
cana. Também representa uma das áreas de forte expansão de usinas
sucroenergéticas, tendo em vista que o clima e o solo são favoráveis à referida
cultura, o que fornece boa renda fundiária. O movimento do capital
internacional, em forma oligopolizada, somado aos incentivos fornecidos pelo
Estado, é similar ou idêntico para várias regiões do cultivo de cana. Esta
universalidade presente na produção de cana manifesta-se de forma singular
em cada local de seu cultivo.
O estudo obteve maior proveito porque o levantamento de fontes
primárias, mediante questionários aplicados, foi viável pelo acesso aos
sindicatos dos trabalhadores e produtores da região e aos trabalhadores rurais
das usinas do local, o que permitiu concluir o estudo em tempo exigido pelo
Programa.
O objetivo geral da pesquisa consistiu em analisar o trabalho despendido
em todo o processo de cultivo da cana-de-açúcar a fim de verificar como,
historicamente, as relações sociais modificaram as formas de trabalho e
exigiram novas funções do Estado.
Os objetivos específicos desenvolvidos na pesquisa assim se definem:
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- Verificar o cultivo de cana que, mediante a modificação da base técnica
do trabalho com a introdução de máquinas, modificou o processo de trabalho,
destruiu o domínio do conhecimento do trabalhador direto e modificou o
ambiente.
- Entender as formas e características dos contratos de fornecimento da
cana-de-açúcar e os parâmetros da produção e precificação estabelecidas
pelas usinas sucroenergéticas, diante dos novos métodos de trabalho cultivo,
nos municípios localizados na região Noroeste Paulista (Mirandópolis, Lavínia e
Valparaíso).
- Analisar as relações sociais estabelecidas no cultivo da cana-de-
açúcar, que modificaram a estrutura fundiária e social, além de que instituíram
a força de trabalho adequada aos interesses das usinas.
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2 Revisão da Literatura
Analisando a história da colonização brasileira, observou-se que a cana-
de-açúcar foi trazida para o Brasil Colônia pelos portugueses, conforme o
Pacto Colonial estabelecido pelos países europeus para suas colônias. A força
de trabalho utilizada nos engenhos de cana foi indígena, primeiramente, até
que as tribos escravizáveis fossem desgastadas. Em segundo momento, os
negros africanos foram trazidos para o país a fim de incrementar a produção
açucareira e acabaram por compor o contingente fundamental da força de
trabalho sob a forma de escravização. (RIBEIRO, 1995). O ciclo de cana foi
cedendo lugar, historicamente, para o ciclo do café, permanecendo em grande
volume nos estados do Nordeste. Com a introdução do álcool como
combustível, a cana voltou a ser cultivada nacionalmente.
No século XX, o Estado começou a investir no potencial energético do
álcool. Vários estudos, como os do Instituto Nacional de Tecnologia – INT,
foram iniciados com o objetivo de utilizar o álcool como combustível. Em 1931,
através do Decreto 19.717, o governo brasileiro determinou a mistura de 5% de
álcool na gasolina importada pelo país e, mais tarde, por meio do Decreto Lei
737/1938 estendeu o referido percentual de mistura à gasolina nacional e
implantou a primeira refinaria de petróleo. Ainda em 1933 criou-se o Instituto do
Açúcar e do Álcool - IAA, o qual foi responsável pela organização das bases
para o aumento da produção alcooleira, momento em que financiou destilarias
nas usinas de açúcar. (BRASIL - Ministério da Ciência e Tecnologia -
Comunicação Nacional Inicial do Brasil à Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança Climática, 2004).
Na década de 40, a mistura de álcool à gasolina alcançou patamares
elevados, tendo em vista a dificuldade de abastecimento de petróleo gerada
pela II Guerra Mundial. Já na década de 1960, o Brasil se tornou importante
abastecedor açucareiro do Ocidente, tendo em vista o banimento de Cuba
(segundo maior produtor de cana da América na época) da Organização dos
Estados Americanos (OEA). Havendo aumento da demanda por produtos
derivados da cana, foi necessário o investimento e estímulo de inovações
tecnológicas, sendo que a década de 70 foi marcada pelo fomento à
modernização (PLEC et al., 2007).
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Outro ponto marcante dos anos de 1970 está relacionado com a queda
do preço externo do açúcar e aumento do preço do petróleo. Neste momento o
álcool combustível retorna à matriz energética do Brasil e há a determinação do
uso exclusivo do etanol como carburante. O impacto econômico dos choques
do petróleo despertou a necessidade de se adotar medidas para minimizar o
desequilíbrio da balança comercial brasileira e um dos programas adotados foi
investir em fontes alternativas ao petróleo importado. (BRASIL - Ministério da
Ciência e Tecnologia - Comunicação Nacional Inicial do Brasil à Convenção
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, 2004).
Assim, desenvolveu-se em 1975, o Programa Nacional do Álcool
(PROÁLCOOL) que incentivou a produção e uso do álcool como combustível
em substituição à gasolina. Desde este momento até meados da década de 80
o Brasil passou por expansão horizontal de áreas cultivadas com cana e, após,
houve a expansão vertical, importando em transformações tecnológicas do
processo de produção e organização do trabalho (PADRÃO, 1997).
Nessa conjuntura favorável, a região administrativa de Araçatuba
intensificou a produção de cana na década de 1980. FREITAS e SPAROVEK
(2006, p. 1) escrevem:
“A vitória do Brasil da Organização Mundial do Comércio
(OMC), contra subsídios europeus à exploração de
açúcar, o advento dos carros bi-combustíveis e a
necessidade de fontes de energia renováveis que venham
a substituir os combustíveis fósseis, são alguns dos
fatores que vem causando crescente demanda por
produtos sucroalcooleiros. Para atender tal demanda, no
estado de São Paulo está sendo realizada uma intensa
busca por novas áreas aptas para o plantio de cana de
açúcar”.
Atualmente o Brasil é líder mundial de produção de açúcar e etanol da
cana-de-açúcar. Conforme dados do Ministério da Agricultura (BRASIL, 2014) o
país deverá alcançar a taxa de 3,25% de aumento da produção até 2018/19.
Estima-se colher 47,34 milhões de toneladas do produto. Este dado revela que
a utilização de tecnologia e a fixação de preço depende do capital (da
produção) mundial.
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Para implementar a cultura de cana, destacam-se algumas instituições
que realizam importantes atividades no setor de pesquisa e ciência e amparo
aos produtores de cana. Neste sentido, citam-se algumas destas instituições:
Instituto Agronômico de Campinas (IAC) fundado em 1887 e que, desde 1892,
realiza pesquisas específicas com cana-de-açúcar; Cooperativa de Produtores
de Cana–de–açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo
(COPERSUCAR), criada em 1959; União dos Produtores de Bioenergia -
UDOP, fundado em 1985 pela necessidade das destilarias autônomas de
etanol, do oeste paulista, trocarem informações sobre o setor após o início do
PROÁLCOOL; Conselho Interministerial do Açúcar e Álcool – CIMA, instituído
em 1997 para direcionar as políticas do setor sucroalcooleiro, tendo em vista a
externalidade positiva do álcool.
As modificações econômicas e sociais, ocorridas no Brasil e no exterior,
proporcionaram o desenvolvimento de um importante nicho industrial, mas que
deu início a uma nova conjuntura de exploração do trabalho do homem.
Analisando os acontecimentos históricos, é possível identificar como a força de
trabalho e a mecanização foram empregadas na produção de cana.
O aprimoramento das máquinas, com o objetivo de obter apurada
eficiência e aumento da produção para atender o mercado interno e externo,
atinge diretamente o trabalho realizado pelo homem. Este trabalho e as
relações sociais provenientes das mudanças são abordados neste estudo.
2.1 Capital e Relações Sociais
Assim, agregando-se os eventos favoráveis e o financiamento dos
governos às necessidades do mercado, fez-se sentir a força dos oligopólios e o
poder do capital na organização da cultura canavieira. É preciso entender,
primeiramente, que o capital não é uma coisa.
“O capital não é coisa — ferramenta ou máquina. Nada
mais despropositado do que imputar ao arco-e-flecha do
índio tribal à natureza de capital. Tampouco basta afirmar,
como Ricardo, que o capital é “trabalho acumulado”. O
arco-e-flecha cristaliza trabalho acumulado e, todavia, não
serve a nenhuma finalidade de valorização capitalista, ou
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seja, de incremento do valor inicial adiantado”. (MARX,
1996, p. 33)
Capital é relação social. É a relação que separa o trabalhador do
proprietário e é instrumento de exploração do trabalho:
“A fim de que o trabalho acumulado nos bens de
produção assuma a função de capital é preciso que se
converta em instrumento de exploração do trabalho
assalariado. Em vez de coisa, o capital é relação social,
relação de exploração dos operários pelos capitalistas. As
coisas — instalações, máquinas, matérias-primas etc. —
constituem a encarnação física do trabalho acumulado
para servir de capital, na relação entre o proprietário
dessas coisas e os operários contratados para usá-las de
maneira produtiva”. (MARX, 1996, p. 33)
As usinas sucroenergéticas são oligopólios e expressam “um setor no
qual existe apenas um pequeno número de vendedores importantes. Estas
empresas produzem todo ou a maioria do produto do setor”. (FRANK, 1998, p.
429). A interação estratégica entre elas é de conluio, o que dificulta a adoção
de medidas para reduzir os impactos gerados por sua atuação no mercado e
no meio ambiente natural e do trabalho. As usinas convergem na precificação
padronizada da cana e algumas submetem os trabalhadores a condições
degradantes de labor, seguindo o preceito da monopolização do mercado. Elas
não estão inumes ao lucro, às custas da dignidade da pessoa humana e ao
saque desenfreado dos recursos naturais.
As relações sociais, presentes na agroindústria canavieira, têm-se
constituído um importante foco de investigações e estudos por parte de
especialistas de diversas disciplinas, que destacam o controle exercido pelo
capital sobre o trabalho. PADRÃO (1997, p. 132) escreve: “Ainda que o
controle sobre o processo de trabalho não conforme um objeto específico de
investigação, pode-se afirmar que análises em torno da questão têm permeado
parte considerável destes estudos”.
PADRÃO (1997, p. 133) ainda aponta que:
“[...] Estes estudos têm se mostrado consensuais no
estabelecimento de uma certa periodização acerca da
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trajetória recente da agroindústria canavieira,
considerando duas fases distintas. A primeira delas
corresponderia ao período compreendido entre os anos
de 1975 (momento de lançamento do Proálcool) até
meados da década de 80, e se caracterizaria por uma
significativa expansão horizontal da área cultivada com
cana-de-açúcar no país. O segundo momento, que
cronologicamente se sucederia ao primeiro, e que mais
nos interessaria, seria caracterizado por uma expansão
vertical desse cultivo, que implicaria importantes
transformações tecnológicas no processo de produção e
na organização do trabalho”.
A venda da imagem de produção de energia e combustível limpos é uma
das estratégias do capital para a expansão canavieira. Contudo, apesar de o
álcool ser considerado um combustível vegetal, renovável e limpo, as
condições de sua produção expressam um modelo destrutivo e marcado pela
degradação do meio ambiente, com uma paisagem “verde” que se estende por
quilômetros, e da situação social dos trabalhadores do campo e dos operários,
os quais atuam na cadeia produtiva do setor. (SANTOS, 2009).
2.2 Pesquisas Realizadas sobre a cana-de-açúcar
As condições de trabalho, especialmente as relacionadas ao corte
manual da cana e do cultivo mecanizado, foram levantadas por pesquisadores.
Tendo como foco o trabalho despendido pelo homem, os pesquisadores
demonstraram o processo de cultivo e a constante reestruturação do processo
produtivo que se relaciona com a quantidade de força de trabalho empregada e
a especialização deste trabalhador. (PADRÃO, 1997; ROSSINI, 2009; SILVA,
1999; OLIVEIRA, 2010; SANTOS, 2009; FREITAS e SPAROVEK, 2006;
LOPES, 1976).
O governo estadual de São Paulo investiu intensamente em pesquisas
aplicadas à produção, ao consumo e à distribuição do etanol e de seus sub-
produtos. A literatura, que correlaciona a tecnologia aplicada com o labor
humano, tem tido como enfoque a reprodução do capital e as condições de
trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar. Analisa o movimento do capital na
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expansão da indústria sucroenergética e os impactos ambientais e
socioeconômicos advindos desta realidade. A exploração do trabalho do
homem, as jornadas de trabalho exaustivas, as condições insalubres de
alojamentos e refeitórios foram estudados por pesquisadores como ALVES,
(2006), o qual expõe os motivos que levam um cortador de cana ao óbito e,
ainda, a polêmica sobre os pagamentos por produção e a migração de
trabalhadores do norte do país para o corte de cana no estado de São Paulo.
Outros pesquisadores que abordam o tema são: BACCARIN, ALVES e
GOMES, (2008); SPECIAN e FIGUEIREDO, (2010).
SANTOS (2009) faz um paralelo entre a expansão e acumulação do
capital no complexo canavieiro do Brasil frente aos impactos ambientais
advindos da monocultura de cana e as condições de vida e trabalho
degradantes nos canaviais. Analisa a queima da palha e os reflexos negativos
que as queimadas geram para o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores e
moradores do entorno dos plantios. Contudo, esta perspectiva abre espaço
para a discussão sobre o emprego de máquinas para realização da colheita da
cana crua, o que minimiza impactos ambientais, mas gera um significativo
impacto social, qual seja, o desemprego e a formação de exército de reserva
dos trabalhadores que outrora plantavam e colhiam a cana. Sobre o assunto
citam-se alguns pesquisadores: DELGADO (2012); VIEIRA e SIMON (2005).
A mecanização das lavouras também é objeto de análise para a
caracterização da mudança da base técnica do trabalho aplicado no preparo do
solo, plantio, manutenção e colheita da cana-de-açúcar. O retrospecto histórico
que aponta a substituição da enxada e do facão pela plantadora e colhedora e
considera as pessoas, que trabalham na produção da cana, como “apêndice”
da máquina altamente sofisticada. Segundo ROSSINI (2009, p. 2-3):
“A aceleração da substituição de trabalho de homens e
mulheres dedicados a atividade por máquinas é
significativo e não tem havido a contrapartida
correspondente e no mesmo nível de aceleração para o
preparo destas pessoas ou para exercerem outras
atividades remuneradas ou para assumirem o comando
das máquinas. A resposta tem sido a exclusão da mão-
de-obra volante e da mão-de-obra permanente dedicada
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às atividades do plantio, tratos culturais e colheita. (...) A
constatação da intensificação das relações capitalistas na
agricultura, o deslocamento da família operária do campo
para a “cidade”, sem, no entanto desvinculá-la da
atividade agrícola, torna-se parte essencial no trabalho de
campo realizado na mais importante área canavieira do
Estado de São Paulo - Ribeirão Preto”.
Faz parte deste estudo a descrição da sequência de tarefas realizadas
no cultivo da cana e as mudanças nas relações de trabalho introduzidas nos
últimos 30 anos. Assim, por ser o objeto de estudo as relações socais do
trabalho e do meio-ambiente, é preciso entender o trabalho abstrato e o
trabalho concreto, definidos por Marx. A necessidade desta discussão refere-se
a uma maior possibilidade de análise do estudo, visto que há uma distinção e
uma contradição entre trabalho concreto e trabalho abstrato. O trabalho
concreto tem a ver com a aparência, o empírico, o dado, o trabalho abstrato
com a universalidade do empírico. É impossível trabalhar o método
singular/universal sem essa distinção e esse entendimento.
2.3 Trabalho Abstrato e Trabalho Concreto
O trabalho abstrato e o trabalho concreto têm por base a categoria
denominada mercadoria. Toda a produção capitalista toma a forma de
mercadoria. A riqueza das nações provém da produção de mercadorias, que
satisfazem “o estômago ou a fantasia”. (MARX, 1996, p. 165).
A mercadoria, inicialmente, é um valor-de-uso por ser útil para satisfazer
necessidades dos homens. Mas, pode tornar-se o seu contrário: valor-de-troca
ou a que vai ser levada ao mercado para trocar, aspecto essencial para a
reprodução do capital. O valor-de-troca é uma relação qualitativa, que
pressupõe alguma substância comum a todos os trabalhos humanos e não é
perceptível empiricamente. Essa substância comum é o trabalho humano
abstrato, despido de suas especificidades e considerado como dispêndio de
energias humanas, físicas e intelectuais.
Assim, o trabalho tem duplo caráter: o trabalho concreto, que se
manifesta no valor-de-uso; e trabalho abstrato que se manifesta no valor-de-
troca:
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“No concernente à mercadoria, o valor-de-uso é o suporte
físico do valor. Não pode ter valor o que carece de valor-
de-uso. Que a mercadoria possua o caráter dúplice de
valor de uso e valor resulta do caráter também dúplice do
próprio trabalho que a produz: trabalho concreto, que
responde pelas qualidades físicas do objeto, e trabalho
abstrato, enquanto gasto indiferenciado de energia
humana. O trabalho abstrato, pelo fato de estabelecer
uma relação de equivalência entre os variadíssimos
trabalhos concretos, vem a ser a substância do valor”.
(GORENDER, 1996, p. 30)
Ao considerar a mercadoria como forma molecular do capital, o duplo
caráter do trabalho, nela contido, serve como hipótese-chave para o
entendimento dos fenômenos econômicos. Concisamente, o trabalho abstrato
aparece na produção de mercadoria como valor-de-troca, sendo que o trabalho
concreto aparece na produção da mercadoria como valor-de-uso. O dinheiro é
um exemplo de categoria que expressa o trabalho abstrato. É uma mercadoria
especial que serve de equivalente universal do valor-de-troca de todas as
mercadorias.
O que ocorre com a introdução de máquinas nas lavouras é a
simplificação e a objetivação do trabalho, destituindo o trabalhador do
conhecimento total da produção naquele ramo específico. É o que se
caracteriza como alienação. Caracteriza, também, maior produção de valores,
que são criados pela atividade humana. MARX (1996, p. 318) exemplifica como
aparece o valor. O marceneiro, por exemplo, agrega,
“[...] valor a seu material mediante uma jornada de
trabalho. Agrega valor, portanto, mediante seu trabalho
não por ser trabalho de fiação ou de marcenaria, mas por
ser trabalho abstrato, social geral, e agrega determinada
grandeza de valor não por ter seu trabalho um conteúdo
particular, útil, mas porque dura um tempo determinado”.
Em virtude de o dispêndio de força de trabalho humano ser de
propriedade abstrata,
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“[...] o trabalho do fiandeiro agrega novo valor aos valores
do algodão e do fuso. Em virtude de sua propriedade
concreta, específica, útil, como processo de fiação,
transfere o valor desses meios de produção ao produto e
recebe assim seu valor no produto”. (MARX, 1996, p. 318)
O valor da mercadoria é o trabalho abstrato empregado em sua
produção e que representa, também, o trabalho alienado da sociedade
burguesa. Ou seja, a alienação econômica consiste em destituir o trabalhador
do controle do trabalho e do resultado de seu trabalho. A introdução das
máquinas na lavoura destitui o trabalhador do conhecimento total da produção
naquele ramo específico, mas também, diminui o trabalho necessário,
aumentando o trabalho excedente.
No processo da produção capitalista, em sua evolução mais avançada, a
da maquinaria, há uma inversão homem/coisa. Conforme MARX (1996), na
produção capitalista, por não ser apenas um processo de trabalho, mas
também um processo de valorização do capital, ao invés do trabalhador utilizar
as condições de trabalho, são as condições de trabalho que utilizam o
trabalhador.
O trabalho abstrato, que, no cultivo da cana, expressa os trabalhos
assalariados, imediatos, despendidos em várias propriedades rurais de
diversos tamanhos, traz o caráter de alienação, de exploração e de submissão
ao capital, direta ou indiretamente.
2.4 O Estado e a Ampliação do Capital
IANNI escreve que o Estado burguês garante seu domínio de classe e a
continuidade da acumulação do capital. Nesse processo, “continuam a
desenvolver-se as forças produtivas e as relações capitalistas de produção”.
“Justifica-se a necessidade do Estado forte, abrangente, ativo, repressivo, que
oprime o trabalhador, o operário e o camponês, segundo os interesses do
grande capital financeiro e monopolista” (IANNI, 1996, p. 187). O autor afirma:
“O Estado não é senão o poder total organizado das classes possuidoras, dos
proprietários de terras e dos capitalistas em face das classes exploradas, dos
camponeses e dos operários” (IANNI, 1996, p. 220).
18
Nessa perspectiva, o Estado participa do movimento social,
apresentando-se não somente como Estado dos capitalistas, mas também,
como Estado do capital. No primeiro caso, seu papel, como regulamentador e
normatizador da expansão do capital agroindustrial canavieiro, é dar apoio às
indústrias com suas políticas públicas, por meio dos créditos rurais, de
pesquisas agropecuárias, de instrumentos de regulação dos preços e dos
mercados, de estruturas de armazenamento e de outros. Como Estado do
capital, assume uma nova função, a de organizar o parasitismo sociológico e
cuidar do trabalho improdutivo, dos desempregados, jogados fora das
profissões do trabalho produtivo pelo desenvolvimento das forças produtivas.
Nessa situação, encontram-se os trabalhadores da cana-de-açúcar que foram
jogados fora do cultivo da cana, pois, as tarefas foram mecanizadas ou estão
em processo de mecanização total.
Sobre a nova função de cuidar do trabalho improdutivo, assumida pelo
Estado, ALVES (2005, p. 176) esclarece que “a fase monopolista do
capitalismo passa a ser a fase do domínio do capital financeiro, enquanto o
capitalismo competitivo havia sido a época dominada pelo capital industrial”. O
autor ainda afirma que uma das peculiaridades da nova fase de domínio do
capital financeiro é o das inovações tecnológicas:
“[...] Com o advento da máquina moderna e ao sabor das
inovações tecnológicas, a sociedade capitalista passou a
produzir imensa quantidade de excedente. Por força das
constantes inovações, em contrapartida, grandes
contingentes de trabalhadores produtivos foram liberados
pelas empresas, fazendo crescer o exército industrial de
reserva.
A outra peculiaridade é o caráter parasitário assumido pelo capitalismo:
“Contraditoriamente, esse processo, cuja tendência é se
exacerbar de forma progressiva, vem concentrando
extraordinariamente a riqueza social, de um lado, e o
número de ociosos e miseráveis, de outro. O parasitismo
reflete-se especialmente, na evidência de que esses
ociosos passam a ter a sua existência assegurada pelo
consumo de parcelas de mais–valia, segundo formas de
19
participação concedidas e controladas pelo capital, mas
com a mediação necessária do Estado”. (ALVES, 2005, p.
177).
O Estado assumiu uma política de intervenção na economia para conter
as crises cíclicas, tornando-se mantenedor de empresas ao lado das empresas
privadas. Para que isso fosse possível, o Estado aumentou a receita derivada,
através de arrecadação de impostos, venda de títulos públicos e empréstimos
internos e externos. “Todavia, esta tendência não se configurou lesiva aos
interesses das empresas privadas (...) pois, o estado investiu em indústrias de
base e em infra-estrutura para suprir a ausência de investimentos nessas áreas
prioritárias”. (ALVES, 2005, p. 177-178)
As empresas privadas, movida pela necessidade de lucro imediato, não
assumem voluntariamente a citada forma de apaziguamento social,
necessitando de apoio estatal. O compromisso do Estado na fase monopolista
e contemporânea é com o capital, motivo pelo qual investe em meios de se
garantir a reprodução do capital. (ALVES, 2005, p. 178).
2.5 A Propriedade Fundiária
O processo de desenvolvimento do capitalismo no campo é demarcado
pela relação entre indústria e a agricultura. Assim, acontece, também, no
cultivo da cana-de-açúcar. Numa primeira forma, o capital expande a produção
no campo, especificamente, sob a forma de latifúndio. Sendo proprietário
privado de canaviais, o capitalista industrial transforma a terra em geradora de
lucros, mediante exploração direta dos trabalhadores: “A propriedade fundiária
supõe que certas pessoas têm o monopólio de dispor de determinadas porções
do globo terrestre como esferas privativas de sua vontade particular”. (MARX,
1980, p. 707).
Uma segunda forma de cultivo da cana-de-açúcar é o arrendamento de
terras, que pertencem a algum proprietário agrícola, por parte do capitalista
arrendatário. Nessa ótica, “a renda fundiária se configura em determinada
quantia que o proprietário do solo recebe anualmente pelo arrendamento de
um pedaço do globo terrestre” (MARX, 1980, p. 714).
Aparentemente, a propriedade da terra é um obstáculo ao
desenvolvimento do capitalismo no campo, porque cobra um tributo do capital:
20
“Isso ocorre porque para o capitalista explorar a terra, ele precisa pagar renda
ao proprietário da terra, seja por meio da compra ou do arrendamento”
(ALMEIDA, 2009, p. 1). Em vez de gerar conflitos, há, ao contrário, um contrato
entre o capitalista e o proprietário da terra. Com a aliança, o capitalista gasta
uma parte do capital que possui. Transfere renda “ao proprietário da terra
(quando se trata de arrendamento), mediante exploração direta dos
trabalhadores” (ALMEIDA, 2009, p. 1). Extrai lucro, mediante exploração direta
dos trabalhadores, e paga renda ao proprietário que arrenda o solo a ele.
Assim, “parte da mais-valia produzida pelo capital cabe ao proprietário da
terra”. (MARX, 1980, p. 705).
Na forma de arrendamento, o capitalista disponibiliza a terra para a
produção. A aliança entre capitalista e proprietário da terra, afirma MARTINS
(1994, p. 153) “fragiliza enormemente os trabalhadores, em particular os
trabalhadores rurais”.
2.6 A Renda Fundiária Diferencial e a Absoluta
A renda fundiária divide-se em renda diferencial e em renda absoluta, e
tem, como condição, a propriedade privada da terra. De acordo com LENZ
(1981) a ocorrência da renda diferencial deve-se a fatores internos a esse ramo
e ocorre, sempre, dentro de um ramo específico de produção, como a
agricultura; a renda absoluta surge do confronto entre dois ramos distintos, a
agricultura e a indústria.
No caso da renda diferencial, os produtos são vendidos aos preços de
produção, como todas as demais mercadorias, pelo preço regulador do
mercado, ou, pelo tempo de trabalho socialmente necessário, ou ainda, pelo
preço de custo médio da mercadoria nas condições médias do capital em todo
o ramo de produção: “Os produtos que pagam essa renda são vendidos aos
preços de produção, como todas as outras mercadorias. Nesses produtos,
parte da mais-valia, e do preço global, se reduz à renda fundiária” (MARX,
1980, p. 734). Na explicação, MARX (1980, p. 727) afirma estar ali: “A
confissão de que os arrendatários retiram do salário uma fração que sob o
nome de renda fundiária transferem para o bolso do proprietário da terra”.
As condições naturais não causam a geração da renda diferencial, mas,
se constituem a sua base, pois, é a produtividade excepcionalmente acrescida
21
do trabalho humano sobre essa base natural, que gera essa renda. Assim, a “a
renda fundiária só é paga pelo solo que fornece o produto a preço individual de
produção abaixo do preço de produção que regula o mercado, surgindo, assim,
lucro suplementar que se converte em renda” (MARX, 1980, p. 860).
A renda fundiária absoluta atingirá a sua magnitude máxima quando o
preço do mercado atingir o valor da mercadoria. Ela se dá quando do
desenvolvimento da agricultura que está em confronto com a indústria. Para a
existência da renda fundiária absoluta, é necessário, então, que na agricultura
os valores dos produtos sejam superiores aos seus preços de produção,
calculados com a taxa média de lucro da economia.
Daí, a importância da propriedade fundiária, pois, como primeira
característica, a renda fundiária absoluta tem como condição necessária a
existência da propriedade privada da terra.
A indústria extrativa necessita da terra cultivada. A renda provém “do
valor, mais particularmente da mais-valia das mercadorias, a qual em vez de
caber à classe capitalista que a tirou dos trabalhadores, pertence aos
proprietários que a extraíram dos capitalistas” (MARX, 1980, p. 886).
O estudo da renda fundiária cabe na análise da transformação do
camponês, proprietário da terra, em assalariado dos oligopólios
sucroenergéticos. Com a elevada produção de cana, exigida pelo mercado, os
produtores passaram a atender às demandas propostas e a produção de suas
terras é destinada à indústria de açúcar, álcool e energia. Assim, no cultivo da
cana em pequena propriedade rural, ou há a venda direta do produto à
indústria ou há arrendamento/parceria da propriedade ao capitalista.
Entretanto, percebe-se que, mesmo com o aumento do domínio do
capital, não há, em todo o setor, a sujeição real do trabalho, porque ainda é
possível identificar pequenos proprietários que continuam donos das terras e
dos instrumentos do trabalho. Há, sim, controle e fixação de produção e
qualidade da cana e, principalmente, de preços e formas de pagamento por
parte do capitalista industrial.
2.7 A Valorização do Capital pelo Emprego da Maquinaria
Com a modernização da produção da cana–de-açúcar, houve a
necessidade de divisão do trabalho e o emprego de máquinas que otimizassem
22
os resultados. A força do capital e o fetichismo inerente à grande indústria
sucroalcooleira modificaram a natureza do trabalho e a visão que o homem
possuía sobre os meios de produção.
O trabalho vivo realizado pelos operários do açúcar é constantemente
absorvido pelo trabalho morto, pelos meios de produção, compondo o quadro
de intervenção entre o homem e a coisa que caracteriza o modo de produção
capitalista. (LOPES, 1976).
O capital valoriza-se originalmente com o prolongamento da jornada de
trabalho ou, o que é idêntico, com a produção de mais-valia absoluta. A
introdução de máquinas na produção diminui o tempo de trabalho necessário e
aumenta o tempo excedente, sem prolongar a jornada de trabalho.
MARX (1980, p. 425) esclarece: “A maquinaria consiste em três partes,
essencialmente, distintas: o motor, a transmissão e a máquina”. Motor: é a
força motriz de todo o mecanismo (máquina a vapor, a ar quente,
eletromagnética) que produz a sua própria força ou recebe impulso de uma
força natural externa (roda hidráulica, a força do vento). Transmissão: é
constituída de volantes, eixos, rodas dentadas, turbinas, barras, cabos, cordas,
dispositivos e engrenagens de transmissão. Regula o movimento e o
transforma conforme o fim desejado. Máquina-ferramenta: não são mais
instrumentos do homem e, sim, ferramentas de um mecanismo, instrumentos
mecânicos, que realizam o trabalho. A máquina-ferramenta é, portanto, um
mecanismo que, ao lhe ser transmitido o movimento apropriado, realiza com
suas ferramentas as mesmas operações que, antes, eram realizadas pelo
trabalhador com ferramentas semelhantes. (MARX, 1980, p. 426-427). A
revolução industrial apoderou-se primeiro da ferramenta.
No período manufatureiro e até antes, as ferramentas transformaram-se
em máquinas, mas, apesar disso, não revolucionaram o modo de produção
(MARX, 1980, p. 428). A própria máquina a vapor do século XVII, no período
manufatureiro, até começo do século XVIII, não provocou nenhuma revolução
industrial. A criação das máquinas–ferramentas tornou necessária uma
revolução na máquina a vapor. A máquina da revolução industrial substituiu o
trabalhador, que maneja uma única ferramenta, por um mecanismo que, ao
mesmo tempo, opera um determinado número de ferramentas idênticas e é
23
acionado por uma única força motriz, qualquer que seja sua forma. Temos,
então, a máquina (MARX, 1980, p. 429).
Historicamente, produziu-se uma máquina motriz ou um motor que
“pode agora impulsionar ao mesmo tempo muitas máquinas-ferramentas”.
(MARX, 1980, 431), resultando um produto inteiro feito por uma só máquina.
Na manufatura, isso não era possível, pois, realizava-se como o descrito na
fabricação de envelopes: um trabalhador dobrava o papel com a dobradeira,
outro passava a goma e um terceiro dobrava a aba do envelope na qual fica a
divisa que um quarto estampava etc. Cada envelope passava de mão em mão
nas operações parciais. Marx refere-se à feira industrial de Londres que, em
1962, expôs uma “máquina americana de fazer pacotes de papel, que corta o
papel, cola e dobra-o e faz o acabamento de 300 peças por minuto”. (MARX,
1980, p. 431). Marx cita Wyatt que inventou a máquina de fiar em 1735,
momento em que começou a revolução industrial. Ele disse: a “máquina para
fiar sem os dedos” (MARX, 1980).
2.8 Meio Ambiente do Trabalho e o Princípio Constitucional da Dignidade
da Pessoa Humana
O “meio ambiente do trabalho é aquele que está diretamente relacionado
com a segurança do trabalhador em seu local de trabalho” (SIRVINSKAS,
2003, p. 303). Ou seja, o local de trabalho é o ambiente onde o trabalhador
está diretamente exposto aos riscos dos produtos perigosos ou a uma atividade
insalubre.
Determinados setores possuem ambientes de trabalho naturalmente
agressivos, tendo em vista a natureza da atividade desenvolvida. Assim, é
preciso adotar medidas protetivas para que o meio ambiente de trabalho seja
adequado e sadio para o empregado.
Um dos princípios constitucionais de proteção ao indivíduo é o da
dignidade da pessoa humana. Este está expresso no art. 1º, inciso III da
Constituição Federal de 1988 (CF/88) nos seguintes termos:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
24
tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa
humana”. (BRASIL, 1988).
MENDES et al (2010, p. 216) contextualizam a normatização do princípio
da dignidade da pessoa humana, citando Peter Häberle, que afirma:
“[...] O conteúdo e os limites dos princípios constitucionais
concretos deduzem-se em primeira linha de suas
garantias textuais, e que a cláusula da dignidade humana
prevista no art. 1º, 1, da Lei Fundamental da Alemanha
não constitui uma particularidade dessa constituição, mas
um tema típico e atualmente central para muitos dos
estados Constitucionais integrantes da ‘Família das
Nações”, conforme revelam os respectivos textos
constitucionais. [...] no direito internacional. As referências
à dignidade humana encontram-se em diferentes
documentos, como no da Carta das Nações Unidas, de
26-6-1945; na programática Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 10-12-1948 [...] textos nos quais a
invocação desse valor [...] contém uma dimensão
prospectiva que aponta para a configuração de um futuro
compatível com a dignidade da pessoa”.
Estando o “Estado Democrático de Direito” brasileiro calcado no primado
do trabalho, é imperioso que se assegure a dignidade da pessoa humana em
qualquer circunstância e, principalmente, quando se trata das relações de
trabalho. Na CF/88 há disposição expressa sobre os direitos dos trabalhadores
no seu art. 7º, destacando-se a garantia ao meio ambiente de trabalho
saudável e seguro:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: [...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho,
por meio de normas de saúde, higiene e segurança”;
(BRASIL, 1988).
Ademais, o Ministério Público do Trabalho estabeleceu políticas de
combate a todas as formas de trabalho que degradam a vida do trabalhador,
como por exemplo:
25
a) Ênfase ao combate e à prevenção de doenças profissionais e
acidentes de trabalho, visando ao respeito e à dignidade do trabalhador, no que
tange às boas condições de segurança, saúde e higiene do trabalho;
b) Atuação preventiva, buscando reduzir e eliminar os danos à
integridade física, psíquica e moral dos trabalhadores
c) Atividade participativa dos interlocutores sociais, convergindo-se todos
os esforços na prevenção do meio ambiente do trabalho sadio, incluindo o
direito à formação profissional permanente e contínua. (MINISTÉRIO Público
do Trabalho - MS).
A degradação do ambiente de trabalho ainda representa uma realidade
preocupante em todo o território nacional. O Ministério Público do Trabalho e
outros órgãos de proteção à pessoa humana e relações trabalhistas,
constantemente flagram situações de trabalho análogo ao escravo, bem como
a utilização de força de trabalho infantil e indígena em condições insalubres e
degradantes.
No Brasil há uma crônica dificuldade material e sociocultural para tornar
efetivo o princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, não se pode
deixar influenciar pelos ditames legislativos e nem pelo romantismo do direito,
pois até mesmo a legislação existente é falha sob vários aspectos relacionados
à segurança e saúde do trabalho, conforme destaca FIORILLO (2009, p. 392):
“De uma forma geral, verificamos o empenho do estado
em regular as condutas para a preservação e
conservação do meio ambiente laboral, todavia, não se
pode deixar de criticar a ‘tarifação’ feita por conta dos
trabalhos insalubres e perigosos, atribuindo-se valores
ínfimos e que jamais compensariam os prejuízos
experimentados pelo trabalhador”.
A legislação brasileira caminha no seguimento sugerido pelo capitalismo,
tendo em vista que oferece uma parca remuneração para o trabalhador
inserido em atividades insalubres e de periculosidade com vistas a “corrigir” e
“remunerar” as condições ruins de trabalho e, ao mesmo tempo, não onerar o
empregador que necessita manter sua atividade econômica e obter o lucro
almejado. Em situações mais graves, em que a jornada de trabalho extrapola
os limites do organismo humano, a remuneração é tão ínfima e a subordinação
26
ao empregador é tamanha que faz refletir se realmente trata-se de um
trabalhador livre. Trabalho em condição degradante e insalubre deveria ser
rechaçado, a fim de evitar a distorção enunciada.
Estas condições de labor, guardada as devidas relações de contexto
histórico, remetem à forma de trabalho na América Latina Colonial em que, na
imensa maioria dos casos, o trabalho aparentemente livre, ao qual se ligava um
salário, quando examinado com cuidado revela encobrir relações de produção
que implicavam a dependência pessoal do trabalhador com o patrão. O salário
aparecia como um artifício contábil, que acentuava a dependência do
trabalhador para com a pessoa que o obrigava a trabalhar. (CARDOSO, 1995).
Neste sentido, mesmo que atualmente se tenha uma vasta legislação
sobre direitos dos trabalhadores e sobre segurança e saúde no trabalho, ainda
é possível identificar “trabalhadores livres” vivendo em situações desumanas e
sem perspectiva de melhoras.
2.9 Legislação Aplicada
As relações sociais, estabelecidas na região de estudo ocasionaram
impactos de degradação ambiental e a expulsão das famílias de pequenos
agricultores, apresentando uma nova paisagem antrópica, que demonstra o
“futuro” das regiões de cana mais recentes. Ali, há a natureza do capital; há
resultados de intensa intervenção humana.
A preservação dos recursos naturais e o desenvolvimento sustentável
passaram a ser o maior desafio do século XXI. Mundialmente se discutem
medidas que podem ser tomadas para recuperação de áreas degradadas, bem
como ações de prevenção de danos ambientais. A proteção do meio ambiente
tornou-se interesse e responsabilidade das nações, através de tratados e
convenções, tais como: Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano (Estocolmo, 1972); Protocolo de Montreal (1987); Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992. Agenda 21,
Convenção da Biodiversidade e Convenção sobre a Mudança do Clima. Rio de
Janeiro, 1992. ECO-92); Convenção de Viena para Proteção da Camada de
Ozônio; Protocolo de Kyoto; dentre outros.
Para tanto, a Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88)
assegura a defesa ao meio ambiente, dispondo no art. 225 que “todos têm
27
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações” (BRASIL, 1988).
As relações de trabalho na agroindústria estão regulamentadas na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para o trabalhador rural há
legislação específica, qual seja: Lei n. 5.889/73 e Decreto n. 73.626/74 (artigo
4, parágrafo único). Também lhe são aplicáveis a Lei n. 605/49 que versa sobre
o direito ao Repouso Semanal Remunerado, a Lei n. 8.036/90, que trata do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e a Lei n. 8.213/91, que dispõe sobre
a Previdência Social.
Contudo, no que se refere à segurança e saúde do trabalhador deve-se
observar a Norma Regulamentadora n. 31 de 04 de março de 2005, editada
pelo Ministério do Trabalho e Emprego (com as alterações da Portaria 2546 de
14 de dezembro de 2011), específica para o setor rural, a qual trata da
segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração
florestal e agricultura.
Ademais, através dos órgãos representativos da classe trabalhadora,
como associações e sindicatos, é possível pactuar condições de trabalho além
das já previstas em lei ordinária. Essa pactuação se dá mediante Convenções
Coletivas ou Acordos Coletivos de Trabalho. Os trabalhadores do corte de
cana, analisados no presente artigo, são representados pelo Sindicato dos
Trabalhadores Rurais.
Em termos ambientais, a produção da cana-de-açúcar, como as demais
culturas, deve respeitar os princípios constitucionais do meio-ambiente
sustentável e equilibrado, bem como as seguintes normas gerais
infraconstitucionais: Lei n. 6.938/81, a qual dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente; Lei n. 9433/97, Política Nacional de Recursos Hídricos; Lei n.
12.651/12, denominada Código Florestal, estabelecendo normas para a
proteção da vegetação, da exploração florestal, do controle da origem dos
produtos florestais e do controle e prevenção dos incêndios florestais,
prevendo, dentre outros pontos, os instrumentos econômicos e financeiros para
o alcance de seus objetivos; Resoluções CONAMA n. 01/1986 e n. 02/1984,
impondo a necessidade da elaboração de Estudos de Impacto Ambiental (EIA)
28
e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para a obtenção de licença
para atividades que possam alterar, significativamente, o meio ambiente;
Legislação brasileira sobre agrotóxicos está estabelecida pela Lei n. 7.802/89,
regulamentada pelo Decreto n. 98.816/90.
Especificamente, para o controle de incêndios e gradual eliminação da
queima da palha de cana, foram editadas as seguintes normas: Decreto do
Governo Federal n. 2.661 de 08/07/98; Resolução SMA n. 32, de 17 de maio
de 2012, dispondo sobre os procedimentos relativos à suspensão da queima
da palha da cana-de-açúcar; Lei Estadual (SP) n. 11.241/02, que estabelece
sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá
providências correlatas; Lei Estadual (SP) n. 10.547/2000; Decreto Estadual
(SP) n. 47.700, de 11 de março de 2003; Decreto n. 8.468/76 que
regulamentou a Lei Estadual n. 997/76; Resolução SMA n. 12/05; Resolução
SMA n. 33/07; Resolução SMA n. 42/07; Resolução SMA n. 32/12; Portaria
CPRN 02/08.
As pesquisas desenvolvidas no sentido de promover o melhoramento
genético da cana-de-açúcar e a promoção de plantas geneticamente
modificadas devem seguir estritamente a legislação brasileira específica, a qual
trata da produção de transgênicos e da sua liberação no meio ambiente. A Lei
n. 8.974/95 criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a
qual é responsável pela elaboração das instruções normativas relativas aos
transgênicos.
Há o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), criado
pela Lei n. 11.097/05, a qual dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz
energética brasileira, bem como altera dispositivos das Leis n. 9.478/97,
9.847/99 e 10.636/02.
Ademais, as empresas sucroenergéticas associadas à União da
Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e as associadas à Consecana – SP
Conselho dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo,
orientam-se com relação às safras, preço de produtos, mix de produção, dentre
outros assuntos, pelas circulares emitidas pelo referido conselho.
O Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) regulamenta a utilização
controlada de fogo. Assim, as normas estabelecem prazos, procedimentos,
regras e proibições que visam regulamentar as queimas em práticas agrícolas.
29
A Lei Estadual (SP) n. 11.241/2002 reforça a prática de preservação
ambiental trilhada na Constituição Federal e nas legislações
infraconstitucionais. O objetivo é extinguir tal prática até o ano de 2021, para
áreas mecanizáveis, e 2031 para áreas não mecanizáveis com porcentagem
de eliminação de declividade superior a 12% ou da queima menor de 150 ha.
Conforme disposto pela lei são áreas mecanizáveis as plantações em
terrenos acima de 150 ha (cento e cinqüenta hectares), com declividade igual
ou inferior a 12% (doze por cento), em solos com estruturas que permitam a
adoção de técnicas usuais de mecanização da atividade de corte de cana.
Áreas não mecanizáveis são as plantações em terrenos com declividade
superior a 12% (doze por cento) e em demais áreas com estrutura de solo que
inviabilizem a adoção de técnicas usuais de mecanização da atividade de corte
de cana.
Além das restrições da queima, com indicação de horários e área
máxima a ser atingida pelo fogo, a legislação determina a necessidade de
prévio aviso da população lindeira e de determinados seguimentos econômicos
e industriais que se encontram na proximidade. A sinalização das estradas e
acessos as áreas também são medidas exigidas pela legislação. Ademais, há
necessidade de autorização expressa concedida pelo órgão competente para
dar início ao procedimento, sob pena de sofrer a autuação com imposição de
multa.
O artigo 6º da lei em análise determina que “O requerimento de
autorização, para cada imóvel, independentemente de estar vinculado à
agroindústria, deve ser instruído nos termos do regulamento”. (BRASIL, 2002).
Conforme informações da CETESB - Companhia Ambiental do Estado
de São Paulo, na Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público Federal,
autuada sob nº. 0002726-51.2011.403.6107 e que tramita na 2ª Vara Federal
de Araçatuba, foi proferida, em agosto de 2012, sentença julgando
parcialmente procedente o pedido do autor para que a CETESB se abstenha
de conceder já a partir da próxima safra (2013/2014) autorizações para a
queima da palha da cana-de-açúcar nos municípios da Subseção Judiciária de
Araçatuba se não precedidas de apresentação de EIA/RIMA. (CETESB, 2012)
30
Contudo, em 11 de março de 2013, o juízo da 2ª Vara Federal de
Araçatuba reconsiderou a decisão disponibilizada no D.J. F. da 3ª Região.
Assim sendo:
“A medida de antecipação parcial de tutela concedida no
início do processo e confirmada na sentença
disponibilizada agosto de 2012, teve seus efeitos
reestabelecidos, conforme sentença publicada no D.J.F.
da 3ª Região, em 27 de março de 2013, tornando a valer
a determinação para que a CETESB se abstenha de
conceder novas autorizações para a queima da palha da
cana-de-açúcar nos municípios da Subseção Judiciária de
Araçatuba (...) (Guararapes, Lavínia, Lourdes, Luiziânia,
Mirandópolis, Muritinga do Sul, Nova Independência,
Penápolis, Piacatu, Rubiácea, Santo Antonio do
Aracanguá, Santópolis do Aguapeí, Turiuba e
Valparaíso) se não precedidas de EIA/RIMA. A CETESB
informa também que estão SUSPENSAS as autorizações
para os referidos municípios com data prevista a partir de
01/04/2013”. (CETESB, 2013).
A queima da palha não envolve apenas questões ambientais, mas
influenciam no trabalho dos cortadores de cana que ainda realizam o corte
manual. O fato de cortar a cana queimada gera problemas de saúde aos
trabalhadores que ficam em contato com a fuligem. Mas o corte de cana crua
também pode gerar acidentes com animais peçonhentos e o desconforto físico
pelo contato com a palha da cana.
Todas essas questões são ponderadas pela legislação. Contudo, os
pesquisadores do tema analisam as relações postas e as formas de minimizar
os impactos ambientais, sociais e da saúde dos trabalhadores e moradores da
região do entorno das lavouras de cana-de-açúcar.
31
3 Referências Bibliográficas
ALMEIDA, R. A. Aliança terra-capital em Mato Grosso do Sul: redefinições no
campo e na cidade. In: Silva, E. A.; Almeida, R. A. (Org.). Território e
Territorialdiades em Mato Grosso do Sul. Território e Territorialdiades em
Mato Grosso do Sul. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009. Disponível
em:<http://www.uff.br/vsinga/trabalhos/CC/Rosemeire%20A.%20de%20Almeid
a % 20- %20CC.pdf>. Acesso em 18 set.2012.
ALVES, F. Por que morrem os cortadores de cana?. Saúde e Sociedade. São
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37
ARTIGO I
As Relações Sociais no Cultivo da Cana-de–Açúcar e os Novos Métodos
Introduzidos no trabalho – Municípios de Mirandópolis, Lavínia e
Valparaíso – SP
Isa Maria Formaggio Marques Guerini
Resumo
As relações sociais estabelecidas no cultivo da cana-de-açúcar por meio de
novos métodos de trabalho constituíram o objeto de investigação. A análise
objetivou captar a alteração da base técnica no cultivo da cana, mediante o
aumento do capital constante e as consequências dessa mudança para o
trabalhador rural. O estudo se enquadra na linha de pesquisa Sociedade,
Ambiente e Desenvolvimento Regional Sustentável e foca os municípios de
Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso, SP. Os autores principais para a
fundamentação da pesquisa foram Alves (2005), Martins (1983), Ianni (1984),
Marx (1980) e Lênin (1980). Os instrumentos para levantamento de dados
empíricos foram questionários, aplicados aos trabalhadores das lavouras de
cana, aos produtores rurais e aos presidentes de sindicatos; observações em
situação de trabalho e captura de imagens fotográficas e do CANASAT. No
caso do setor sucroenergético, os resultados evidenciam o domínio dos
oligopólios sobre a terra e sobre a produção. Decorre desse domínio a
reorganização do trabalho no mundo rural, como condição e consequência do
tipo de reprodução do capital. Com a mudança da base técnica, o trabalhador
que usava as mãos e ferramentas tradicionais passou a ser operador de
máquinas. O movimento do capital no setor sucroenergético influenciou as
características do labor rural, a formação de exército de reserva e passou a
ditar, também, regras aos produtores independentes que fornecem cana às
usinas.
Palavras-Chave: Usina Sucroenergética; Instrumentos de Trabalho; Planta
Agroindustrial.
Abstract
The social relations established in the sugar cane cultivation by means of new
methods of work were the subject of investigation. The analysis aimed to
38
capture the change of the technique base on the cultivation of sugarcane, by
the increasing of the constant capital and the consequences of this change for
the rural workers. The study meets the research line, Society, Environment and
Regional Sustainable Development and focuses on Mirandópolis, Lavinia and
Valparaiso, (SP) municipalities. The main authors for the research basis were
Alves (2005), Martins (1983), Ianni (1984), Marx (1980) and Lênin (1980). The
tools for the collection of the empirical data were questionnaires applied to
employees of sugarcane, the farmers and the presidents of unions;
observations in a work situation and capturing images and from the CANASAT.
In the case of sugarcane industry, the results show the dominance of
oligopolies on the land and on the production. The reorganization of work in the
rural areas results from this area, as a condition and type of reproduction of
capital. With the change of technical basis, the worker who used his hands and
traditional tools has become a machine operator. The movement of capital in
the sugarcane industry influenced the characteristics of the rural labor, the
formation of reserve army and started to dictate rules to the independent
producers who supply cane to the plants.
Keywords: Sugarcane plant; Work tools; Agroindustrial Plant.
1 Introdução
O objeto deste estudo são as relações sociais no cultivo da cana-de-
açúcar que modificaram o processo de trabalho, minaram o domínio do
conhecimento do trabalhador direto e modificaram o ambiente e o tipo de
capitalismo na região. O objetivo: analisar a alteração da base técnica no
cultivo da cana, mediante o aumento do capital constante e as consequências
dessa mudança para o trabalhador rural. Por relações sociais entendem-se as
mediações que expressam a sociedade nacional operando em escala global e
separam o capital do trabalhador. No dizer de IANNI (1996, p. 89), nas relações
sociais “globalizam-se perspectivas e dilemas sociais, econômicos, políticos e
culturais”.
O tema tem por fundamento a constatação de que na expansão
sucroenergética, ou na territorialização da cana-de-açúcar, o capital
internacional apoderou-se de parte das terras disponíveis nas regiões de
abrangência, mediante cultivo próprio, compra da cana de fornecedor e
39
mediante arrendamento/parceria. As empresas oligopólicas apoderaram-se das
terras, - de forma direta ou de maneira indireta, mediante contratos - para
submetê-las à produção de matérias-primas para a industrialização.
Os conglomerados obtiveram o domínio sobre os produtos da terra e
impuseram, também, mudanças significativas nas relações de trabalho e no
ambiente físico, tanto nas terras próprias, quanto nas terras de fornecedores ou
na de arrendatários. Este estudo aborda o trabalho do fornecedor e do parceiro
no cultivo da cana a operar com a mecanização que modificou a base técnica
da produção da cana, gerando alterações no trabalho.
Justifica-se o estudo pelo contexto histórico de produção agrícola
realizada com trabalho imediato que, com o passar dos anos, cedeu lugar à
exploração de monoculturas com trabalho assalariado, tornando-se a região
uma das mais desenvolvidas, em termos de forças produtivas no ramo da
cana. A região abriga usinas sucroenergéticas, tendo em vista que o clima e o
solo são favoráveis à referida cultura, o que fornece boa renda fundiária.
Como loci da pesquisa elegeram-se municípios da região administrativa
de Araçatuba, São Paulo: Valparaíso, Mirandópolis e Lavínia – onde a cana
representa a principal produção agrícola.
2 Procedimentos Metodológicos
Os procedimentos metodológicos utilizados para a coleta e o
ordenamento dos dados consistiram em levantamento documental, com dados
colhidos nos sites das empresas; aplicação de questionários e entrevistas
realizados com funcionários de sindicatos, com pessoas que trabalham nas
lavouras de cana-de-açúcar, com pequenos e médios proprietários de terra,
que produzem ou já produziram cana-de-açúcar e com funcionários das
empresas, sendo que estes foram apenas inquiridos sobre as modificações
ocorridas na lavoura de cana, pois, as presenciaram. Utilizou-se, também, a
observação em situação de trabalho em seis visitas aos locais de trabalho, nas
propriedades que produzem cana, com registros das observações e dos
depoimentos de trabalhadores.
A representatividade dos entrevistados apoiou-se no seguinte
procedimento: quando o entrevistador, - o próprio pesquisador - depois de
realizadas as 20 entrevistas, verificou que as últimas não traziam mais dados
40
novos e nenhuma informação que já não estivesse registrado nas entrevistas e
nos questionários anteriores, considerou que os dados eram suficientes,
consistentes e fidedignos. A sistematização dos dados das entrevistas
obedeceu à análise temática dos conteúdos, cujo procedimento foi o seguinte:
primeiramente, uma leitura horizontal de todas as entrevistas para detectar
temáticas comuns, algumas perguntadas a cada entrevistado e outras surgidas
dos conteúdos das entrevistas. Depois, foram sistematizados todos os
conteúdos das entrevistas em temáticas e sub-temáticas, para fins de análise.
Os conteúdos das entrevistas foram analisados por variáveis: conhecimento da
totalidade do cultivo; mudanças ocorridas no trabalho; e conduta dos
trabalhadores diante das contínuas mudanças na base técnica e nos métodos
do trabalho na produção de cana.
Pela “observação em situação de trabalho”, realizada em seis visitas e
enriquecida com depoimentos, foram recolhidas informações sobre as
experiências e as habilidades que detêm os trabalhadores da atividade e que
foram adquiridas no trabalho real. Os depoimentos revelaram competências e
conhecimento das diversas etapas da produção.
Para a análise utilizou-se a categoria singular/universal, sendo o objeto
de estudo a singularidade da investigação, mediada pela universalidade que os
dados expressam. Segundo ALVES (2003, p. 11), “O singular é a
manifestação, no espaço convencionado, de como leis gerais do universal
operam dando-lhe uma configuração específica. Universal e singular, nessa
perspectiva, são indissociáveis”. O singular refere-se à situação do cultivo de
cana, realizada em terras próprias ou em terras arrendadas, cujas
representações as entrevistas e os questionários desvelaram. O universal
refere-se ao capital enquanto relação social, em mãos de poderosas usinas,
com base financeira para comprar terras ou arrendá-las, pagar renda ou
salários, a fim de obter os lucros desejados.
O movimento do capital internacional, em forma oligopolizada, somado
aos incentivos fornecidos pelo Estado, é similar ou idêntico para várias regiões
do cultivo de cana. Esta universalidade presente na produção de cana
manifesta-se de forma singular em cada local de seu cultivo. Ou, em outros
termos, a singularidade da produção foi a forma em que as leis gerais se
concretizaram.
41
3 Resultados e Discussão
A expansão da lavoura de cana acarretou a disputa pelo território
disponível, sobrepondo-se a outras lavouras, como a soja, o milho e a
pecuária. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, “o
Estado de São Paulo participa com 55,6% da produção nacional, sendo o
principal produtor” de cana do Brasil. (Levantamento Sistemático de Produção
Agrícola - IBGE, 2013, p. 9). Nos municípios do centro da região administrativa
de Araçatuba, São Paulo, a produção de cana ocupa considerável parte de seu
território, sendo que, em Valparaíso-SP, o cultivo de cana representa 58,1% do
município (BRASIL, CANASAT, Valparaíso-SP, 2012).
Os mapas de produção da cana identificaram as áreas de cultivo nos
municípios de Lavínia, Valparaíso e Mirandópolis, todos do estado de São
Paulo, nos últimos 10 anos. A fonte do monitoramento da cana-de-açúcar é o
Canasat, que fornece anualmente as imagens de satélite obtidas do Landsat
CBERS e Resoursat-I, disponibilizadas gratuitamente pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais – Divisão de Geração de Imagens (INPE/DGI). O
processamento e a interpretação das imagens foram realizados no software
Spring. (BRASIL, CANASAT). As áreas destacadas com a cor verde (cana
soca) e cor marrom (em reforma) correspondem às lavouras de cana cultivadas
nos municípios. Comparando as imagens da figura 1 com as da figura 2, é
possível identificar a expansão canavieira no município de Lavínia – SP entre
os anos de 2003 (Figura 1) e 2012 (Figura 2).
Figura 1. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Lavínia-SP no
ano de 2003. Imagem CANASAT.
42
A figura 2 apresenta a área 9 anos após o registro da imagem anterior:
Figura 2. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Lavínia-SP no
ano de 2012. Imagem CANASAT.
As figuras 3 e 4 que representam a expansão das áreas de plantio de
cana no município de Valparaíso-SP nos anos de 2003 e 2012,
respectivamente, podendo-se verificar a ocupação intensa com cana-de-
açúcar.
Figura 3. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Valparaíso-SP
no ano de 2003. Imagem CANASAT.
A seguir, a área com plantação de cana em 2012:
43
Figura 4. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Valparaíso-SP
no ano de 2012. Imagem CANASAT.
As Figuras 5 e 6 demonstram o cultivo de cana no município do
Mirandópolis-SP no intervalo de 9 anos, comportando a verificação do aumento
de áreas rurais destinadas a produção de matéria–prima para a indústria
sucroenergética.
Figura 5. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Mirandópolis-SP
no ano de 2003. Imagem CANASAT.
O terceiro município, Mirandópolis, e o aumento de cana:
44
Figura 6. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Mirandópolis-SP
no ano de 2012. Imagem CANASAT.
O tipo de solo, presente nos municípios de Mirandópolis e Lavínia, é
classificado como “Solos com B textural - Pml - Solos Padzolizados de Lins e
Marília - Variedade Marília”. Em Valparaíso o solo é classificado como “Solos
com B textural - Pln - Solos Padzolizados de Lins e Marília - Variedade Lins”
(SISTEMA de Informações para o Gerenciamento de Recursos Hídricos do
Estado de São Paulo – SigRH). Tais solos são normalmente férteis e
quimicamente ricos.
Os três municípios, onde o trabalho no cultivo da cana é estudado, têm
características comuns, como a origem e o crescimento a partir da instalação
da Ferrovia Noroeste do Brasil. Os dados coletados junto ao IBGE, Cidades,
(2010) revelaram que os três municípios – Valparaíso, Mirandópolis e Lavínia,
pertencentes à Região Administrativa de Araçatuba, São Paulo – produziram
5.290.000 toneladas de cana, no ano de 2010, numa área plantada de 70.000
hectares.
Valparaíso plantou cana em 58,1% de sua área rural; Lavínia possui
34,3% de área rural ocupada com cana; e Mirandópolis dedica 25,10% do
município à esta cultura. A diferença de áreas cultivadas com cana existente
entre os municípios, que possuem condições semelhantes para a produção
agrícola, é explicada pelo contexto histórico de ocupação. Valparaíso é
referência na produção de açúcar e álcool, tem tradição de cultivo de cana e
desenvolve, há 30 anos, atividades voltadas ao setor sucroenergético. Ali se
instalaram duas usinas e o seu território é ocupado por grandes proprietários
de terras que investem no setor. A razão da busca pela ocupação do solo é
45
porque à indústria extrativa “falta um dos elementos do capital constante, a
matéria-prima” (MARX, 1980, p. 886), que deve ser apropriada.
No município de Lavínia há grandes fazendas arrendadas para o cultivo
de cana. Boa parte destes proprietários de terra não reside na cidade e
arrendam suas propriedades rurais. Já no município de Mirandópolis, a maior
parte da área rural é de propriedade de médio e pequeno produtor. Ali, há
menor interesse na produção de cana, já que a rentabilidade e o custo-
benefício de pequenas áreas são baixos. Conforme OLIVEIRA (2010), em
pequena propriedade a plantação de cana não dá lucro.
Nos três municípios estudados, constataram-se quatro tipos de lavoura
de cana em uso: a produção de cana em terras próprias das indústrias, com
exploração direta dos trabalhadores; a produção realizada nas terras de
pequena e média propriedade, arrendadas e exploradas pela usina; áreas
arrendadas diretamente pela usina e repassadas para o cultivo e exploração de
pequenos e médios produtores; e, por fim, pequenos e médios proprietários
que exploram a cana com trabalho direto e fornecem o produto às empresas. A
pesquisa desenvolveu-se com a análise dos dois últimos tipos de lavoura
identificados na região de estudo, quais sejam: áreas que são arrendadas
pelas usinas e repassadas aos produtores locais e as lavouras dos pequenos e
médios proprietários que exploram a cana com trabalho direto. Tais relações
contratuais são denominadas pelas Usinas de Parceiros e Fornecedores,
respectivamente.
Constatou-se, em visita local, que ainda há regiões em que não houve a
total substituição do trabalho do homem, adiada por algum tempo. A realidade,
porém, é o uso generalizado da máquina para o plantio e a colheita da cana.
Assim, em depoimentos, que apresentaram cálculos gerais, soube-se que o
trabalho braçal, feito por aproximadamente 500 homens na colheita, foi
substituído pelo labor de dois homens, os quais operam a máquina colhedora e
o transbordo. O plantio da cana e a pulverização de herbicidas e defensivos,
que eram realizados pela mão humana, também já são executados por
máquinas. A evolução das forças produtivas garante maior volume de
produção, realizado em menos tempo. O trabalho no cultivo da cana, ao ser
objetivado e especializado, também torna-se simplificado. Para acompanhar as
mudanças, buscou-se a historicização das formas de trabalho no cultivo da
46
cana e se verificou como a mecanização ajustou-se às pequenas e médias
propriedades.
Está em curso, nos estados produtores de cana-de-açúcar, um conjunto
de reorganizações do trabalho. Diante da necessidade do plantio e da colheita
em larga escala, a mudança no método de produção ocorreu com a
incorporação de equipamentos e de máquinas no processo de cultivo.
Nesse contexto, as mediações que separam o capital do trabalhado,
estabelecidas no trabalho do canavial, ocasionaram impactos de degradação
ambiental e a expulsão das famílias de pequenos agricultores. O território
tornou-se um grande canavial, apresentando uma nova paisagem antrópica,
resultado de intensa intervenção humana. Nos últimos dez anos, modificou-se
o cenário, não somente da região, mas, também do trabalho agrícola. Em
épocas de plantio e da colheita de cana, observavam-se trabalhadores vindos
de toda parte para executarem as tarefas, em grande mobilidade social.
Mudavam, repentinamente, o espaço. Nas visitas ao local de trabalho, em
junho e julho de 2013, observei que no cenário vê-se o horizonte verde da cana
e se ouve o ronco das máquinas em operação. Bastam poucos trabalhadores
para as tarefas dos novos métodos de trabalho.
3.1 As Usinas e os Produtores da Matéria-prima
As usinas possuem áreas em que desempenham diretamente a
produção da cana (terras próprias, arrendadas e mediante parceria), ou
adquirem a matéria-prima dos produtores locais (fornecimento ou repasse de
áreas para que os agricultores cultivem e após executem a venda).
Os produtores de cana são associados à União da Indústria de Cana–
de-açúcar – UNICA, a maior organização representativa do setor de açúcar e
bioetanol do Brasil. Criada em 1997, a UNICA é uma fusão de diversas
organizações setoriais.
Em forma de fornecedores, dois médios produtores de cana
entrevistados informaram que possuem três tipos de contrato, sendo estes:
Eu tenho cana em terra própria; tenho cana em área que
arrendo para produzi-la e possuo produção em terras que
a usina arrenda e a repassa para eu plantar. Sou um
47
terceiro da usina. Tenho 3 tipos de trabalho. (Entrevistado
1)
Conforme informações disponíveis no seu site, a Usina Raízen possui
mais de 3.500 parceiros estratégicos na produção e no fornecimento de cana-
de-açúcar, os quais são responsáveis por 50% de toda matéria-prima
processada pela empresa. Ela estimula o desenvolvimento contínuo dos
parceiros, através do aprimoramento de processos e adequação às melhores
práticas do mercado. As demais empresas atuam da mesma forma.
A usina disponibiliza em seu site um e-mail para contatos de novos
parceiros que garantam o fornecimento da matéria-prima, diante da
concorrência interoligopólica entre as empresas sucroenergéticas, que não
favorece o produtor. OLIVEIRA (2010) identificou que, nas décadas de 70 e 80,
quando o produto era escasso, o preço da cana era imposto pelo produtor e se
pagava muito bem. Contudo, a situação mudou com a formação de grupos
econômicos e com a incorporação de usinas. Passou-se a remunerar a cana
pelo teor de sacarose e o valor da tonelada foi fixado pela indústria
sucroenergética. É o domínio dos oligopólios sobre a produção e a
comercialização.
Sem a concorrência de outrora, os fornecedores estão sujeitos à
comercialização de seu produto para os grupos econômicos. Na região
estudada, há usinas de um mesmo grupo e a situação de procedimentos
administrativos é semelhante. As diferenças anunciadas não são significativas.
3.2 O Maquinário no Cultivo e os Novos Empregos
Embora se constatasse que, em geral, o trabalho braçal de 500 homens
na colheita fosse substituído por apenas dois homens, operadores da máquina
e do transbordo, pelas observações em locais de plantio revelou-se que há
regiões em que ainda não houve a total substituição do trabalho braçal. A
dificuldade na compra de maquinário, como exemplo da colhedora, representa
um investimento elevado e que não compensa ao pequeno agricultor.
Enquanto ainda houver permissão de queima da palha, a colheita de cana
pode ser feita a facão. No corte manual da cana crua o rendimento é baixo, o
que encarece a força de trabalho braçal e delonga o período da colheita. No
plantio, ainda se constatam alguns proprietários que cortam os gomos de cana,
48
os lançam nos sulcos e retampam. Entretanto, tal procedimento pode ser
efetuado de forma totalmente mecanizada, havendo atenção apenas para
retampa (evitando perdas de brotação).
De forma resumida, o plantio mecanizado funciona da seguinte maneira:
A colhedora corta a cana, colocando-a no transbordo, o qual se dirige à área de
plantio e repassa a muda para plantadeira que sulca a terra, coloca a muda,
tampa a vala e pulveriza o agrotóxico necessário para controle de pragas. Este
plantio também pode ocorrer com a utilização de um trator que arrasta a
“casinha”, momento em que as mudas são colocadas nas valas e após há a
“tampa” ou “retampa”. (Entrevistados 5, 6 e 7).
Por parte das usinas, não há imposição para que o plantio seja
mecanizado. O que determina se realmente será eliminado o trabalho humano
é a condição econômica de o produtor investir em maquinários e tratores.
Contudo, no que se refere à colheita, com a imposição legislativa da extinção
da queima da palha, o corte manual será também, gradativamente, extinto.
Ao optar pelo maquinário, como a colhedora, o proprietário deverá ter
um capital e manter trabalhadores assalariados para o serviço. Dessa forma,
ele utiliza uma base técnica totalmente nova e, com ela, a mudança de método
de trabalho. (MARX, 1980, p. 373). Produz uma nova relação social: relação de
exploração do trabalho.
Com o maquinário, altera-se o método de trabalho (MARX, 1980, p.
373). Para aumentar a produtividade do trabalho, exige-se alteração no
instrumental ou mudança no método do trabalho e tem que ser revolucionadas
as condições de produção, as formas de produção e o processo do trabalho.
Essas são as condições necessárias e as consequências para quem opta por
comprar um maquinário para a lavoura. Nessa ótica, o capital produtivo deverá
recorrer ao capital financeiro e subordinar-se a ele. O preço que o produtor
paga não é somente o preço da máquina; paga, também, o preço da
subordinação ao capital financeiro.
A Usina Raízen, alocada na região de estudo, nos últimos 2 anos
mecanizou o plantio nas áreas onde ela própria realiza a produção. Os
pequenos produtores que não possuem estrutura e recursos financeiros para
investir no maquinário de plantio ainda o fazem de forma manual. As empresas
não têm uma preocupação imediata na mecanização da lavoura dos
49
fornecedores, porque, para elas, o importante é que a matéria-prima chegue
com qualidade às usinas e que tenha sido produzida de acordo com as
normatizações, não importando o quantum de dispêndio de trabalho exige.
Em situação de trabalho, observou-se que em algumas propriedades da
região o plantio da cana foi realizado, em 2013, por meio de empreita de
trabalhadores rurais, da seguinte forma: o trator abria as valas, os
trabalhadores diretos colocavam a cana e, após, o trator as tampava. Em
alguns casos, foi necessário efetuar a “retampa” (fechar as valas em locais que
o trator não operou a contento), o que foi feito manualmente pelos
trabalhadores.
Entretanto, conforme informado pelos entrevistados 1, 2, e 3, a partir de
2014, o plantio também será mecanizado. A expectativa dos produtores dirige-
se a um cálculo a ser feito para adquirir, individualmente ou através de
condomínio entre os produtores, o maquinário para o plantio ou realizar, se o
cálculo determinar, o serviço terceirizado, principalmente, para o plantio e a
colheita. Ou ainda, arrendar a terra.
Segundo o entrevistado 12, “a mão-de-obra é cara e está cada vez mais
difícil de encontrar trabalhadores”. Assim, até 2015, ele deverá mecanizar o
cultivo de cana. Manifestou, ainda, que a máquina realiza um trabalho melhor
que o executado pelo homem e que o plantio mecanizado é propicio para a
colheita por máquinas. Desta forma, “investir no maquinário é uma boa solução
para melhorar a produção”. (Entrevistado 10). A mecanização total do cultivo,
realizada nas terras próprias ou nas arrendadas pelas usinas, e a mecanização
pretendida pelos fornecedores autônomos, é uma base técnica totalmente
diferente da anterior, pois, acarreta um novo método de trabalho e se subordina
às relações sociais vigentes..
Para os produtores sujeitos à cláusula CCT (Corte, Carregamento e
Transporte), o corte é feito pela usina, de forma mecanizada, sendo que a
empresa que determina a programação de corte (áreas que serão cortadas e
quando). Dois anos atrás havia o corte manual nas áreas que hoje estão sendo
colhidas com a colhedora. (Entrevistado 19). A máquina colhedora
basicamente corta a cana, pica a palha (quando equipada com picador) e lança
a cana picada no transbordo, ou a cana inteira na grua.
50
Conforme depoimentos, atualmente as máquinas que efetuam o corte da
cana nas áreas tomadas pelos canaviais nos municípios analisados “são
disponibilizadas pela usina” contratante. A força de trabalho técnica e
qualificada “para operar a colhedeira e o transbordo também é fornecida pela
Usina”. (Entrevistados 2 e 9)
A orientação da usina é para que seja feita a sistematização da área, ou
seja, desde o preparo do solo é direcionado para a operação dos maquinários.
Em observação direta de trabalho, viu-se que são realizadas curvas de nível
para que a colhedora não precise realizar muitas manobras e, também, para
que não prejudique a rebrota da cana (“soca da cana”). Evidenciou-se que o
maquinário é muito pesado e as excessivas manobras podem “arrancar” a
cana, prejudicando a citada rebrota. Ainda há colheita manual nos locais onde
a máquina não pode operar por conta do relevo. Segundo depoimentos de
trabalhadores rurais, assalariados e contratados pela usina, são realizados
manualmente a “retampa” no processo de plantio e a abertura de “eitos” para
que o maquinário possa operar na colheita. Os resquícios próximos de
barrancos ou de relevo acidentado também são colhidos manualmente. Os
depoimentos colhidos reforçam a análise:
Faço o canudo que são as curvas, onde a máquina não
passa. (Entrevistada 8)
Trabalho no corte e no plantio só tem trabalho na
retampa, porque o restante é feito com máquina.
(Entrevistado 20)
As usinas não tomam em arrendamento propriedades muito pequenas
ou de difícil acesso, por ser inviável a utilização de maquinário. Seus
operadores de maquinário são capacitados pela própria usina empregadora.
Os cursos técnicos e de formação de operários do açúcar e álcool são
oferecidos pelas Usinas, assim como as capacitações dos profissionais. Sobre
o maquinário utilizado na colheita da cana, o entrevistado 3 informou:
“Colhedora e transbordo. Os caminhões e tratores são terceirizados e operados
por moradores da região”.
Em situação de trabalho, observou-se o trabalho de dois empregados
que realizavam as funções de tratorista e de “bituqueira”. Ambos são
moradores da cidade de Lavínia e contratados, respectivamente, para operar a
51
carregadora, que coloca a cana cortada no caminhão de transbordo, e para
recolher manualmente a cana que não foi “pinçada” pela carregadora.
Figura 7. Fotografia do trabalho realizado pelo motorista do transbordo, do
trator e pela “bituqueira” em uma área de plantação de cana no município de
Lavínia – SP.
A figura 7 mostra uma colheita semi-mecanizada, que, ainda, necessita
de alguma força de trabalho braçal, como a dos cortadores que trabalham nas
áreas de difícil acesso e da “bituqueira” que recolhe a cana, evitando
desperdício. Em uma colheita mecanizada a colhedora realiza todo o processo,
ou seja, efetua o corte da cana crua, lançando-a: a) picada, no transbordo que
acompanha sua operação; b) ou inteira, na grua acoplada à máquina. Neste
caso, o trabalho humano está evidenciado apenas na operação de máquinas.
O trabalho de “bituqueira” é uma categoria agonizante, pois, com a utilização
de implementos e da própria máquina colhedora, não há a necessidade de
recolher os colmos dispersos pela área.
O entrevistado nº 6 exerce a função de encarregado de campo em uma
das usinas da região e acredita que na cidade de Lavínia existam em média de
30 a 40 pessoas que operam maquinário, sendo que estes profissionais
tiveram a oportunidade de acompanhar a modernização do cultivo da cana.
Informou que o trabalho com máquinas é melhor remunerado e gera menor
desgaste físico do que o braçal, mas, acrescentou: as pessoas necessitam se
dedicar ao estudo para obter qualificação técnica e concorrer às vagas.
52
Afirmou ainda que a mecanização da colheita, em contrapartida, deixou muitos
desempregados:
Cortei muita cana queimada. Foi o meu primeiro emprego,
só tinha o conhecimento que os fiscais passavam.
Hoje como fiscal você conhece todo o processo do cultivo
da cana? Conheço o básico, antigamente como era
manual contratava 30 a 40 ônibus para corte de cana
queimada, mas isso foi diminuindo por conta do plantio
mecanizado direto. Tirou o emprego de 200 a 400
pessoas. (Entrevistado 6)
Com o passar dos anos e diante da necessidade de produção em larga
escala para suprir as necessidades da indústria do açúcar e do álcool, foram
desenvolvidas novas técnicas de preparo de solo, plantio, manutenção de
lavoura e colheita, nas quais se intensificou a utilização de maquinário. Desta
forma, no país há sistema de cultivo semi-mecanizado e mecanizado, não
existindo um sistema totalmente manual em nenhuma das etapas de produção.
Os quadros 1 e 2 relacionam o maquinário utilizado no sistema
mecanizado, as mudanças na base técnica do cultivo da cana em cada etapa
de produção e os benefícios aos trabalhadores ou produtores com o emprego
do maquinário.
Quadro 1. Apresentação das etapas de preparo do solo e plantio da cana e as
mudanças na base técnica do trabalho.
Etapas de Produ-ção
Maquinários / Implementos utilizados e suas funções.
Mudanças observadas na base técnica do cultivo da cana
Benefício (ou auxílio) ao trabalhador ou produtor.
Preparo do Solo
Grade aradora e niveladora (implemento).
Antes: Ações que, quando necessárias, eram realizadas manualmente e com tração animal. Exemplo: O arado de aiveca era utilizado com tração animal e atualmente é tratorizado. Utilizava-se a enxada e o enxadão para a construção de curvas de nível.
As mudanças ocorridas na preparação do solo, com auxílio das máquinas e dos tratores favorecem a saúde do trabalhador, simplificam e reduzem as jornadas de trabalho. Por outro lado, houve uma grande redução das frentes
Arado: de aiveca, de disco e escarificador (implementos)
Esteiras ou motoniveladora (máquina)
Agora: Há utilização de implementos acoplados em tratores de alta potência ou as máquinas são autopropelidas.
53
Calcariadeira (implemento)
Assim, facilita-se o preparo do solo, tornando a execução desta fase mais rápida e simplificando o trabalho. Também há o direcionamento para o plantio mecanizado e com a técnica de plantio direto, o que influencia na qualidade da cultura e na proteção do solo.
de trabalho, pois atualmente apenas se contratam operadores e motoristas para a fase de plantio.
Plantio
Sulcadores (implemento utilizado em plantio manual)
Antes: O antigo sulcador, com tração animal ou humana, era usado para abertura das valas de plantio. A cobertura dos sulcos era realizado com enxada ou cobridores, que também aplicava defensivo agrícola. O processo manual de plantio: as mudas são lançadas nos sulcos, corta-se a cana com facões e após tampam-se as valetas com enxadas.
A técnica mecanizada ou semi-mecanizada de plantio propicia maior eficiência e rapidez na atividade, bem como não expõe o trabalhador à longas jornadas de trabalho e exposição à toxidez dos agrotóxicos e herbicidas aplicados no ato do plantio.
Cobridor (implemento utilizado em plantio manual)
Implementos ou Máquinas autopropelidas utilizados no plantio. Apenas picam as mudas e as distribuem nos sulcos.
No sistema semi-mecanizado utiliza-se equipamentos mais simples, contudo ainda é necessário o auxílio de pessoas para alimentação da bica. Nas Plantadoras semi-mecanizadas duas pessoas trabalham sentadas sobre a carroceria do veículo e direcionam as mudas.
Plantadoras semi-mecanizadas (utilizada no plantio semi-mecanizado)
Agora: A Plantadora realiza a abertura do sulco, a distribuição das mudas, a adubação, aplicação de inseticida e cobertura do sulco em uma única operação. Pode haver o trabalho braçal na “retampa”. O plantio é mais rápido na técnica mecanizada e há uniformidade das linhas de plantio.
Plantadoras (Máquina. Plantio mecanizado)
Quadro elaborado pela pesquisadora
O método empregado para a colheita da cana, de forma mecanizada, foi
a modificação mais expressiva na base técnica da produção da cana, pois
houve a substituição de centenas de trabalhadores pela máquina colhedora.
Assim, as frentes de trabalho foram reduzidas e iniciou-se a especialização
técnica dos operadores de máquinas.
54
Quadro 2. Apresentação das etapas de manutenção da lavoura e colheita da
cana e as mudanças na base técnica do trabalho.
Etapas de Produ-ção
Maquinários / Implementos utilizados e suas funções.
Mudanças observadas na base técnica do cultivo da cana
Benefício (ou auxílio) ao trabalhador ou produtor.
Manu-tenção da Lavoura
Antes: A adubação era realizada de forma manual e a aplicação de herbicidas com máquina costal. A limpeza do canavial era feita com enxada.
Os benefícios: o menor contato com produtos tóxicos e a redução do esforço físico despendido pelos trabalhadores. A pulverização de herbicidas causa prejuízo a saúde de uma forma geral. A máquina costal, utilizada no plantio manual, causa prejuízos à saúde do aplicador, pelo peso do equipamento, esforço ao bombear, permanência da água fria nas costas e com a inalação do produto.
Cultivador (implemento)
Agora: Os defensivos agrícolas são pulverizados com implementos ou aviação agrícola. Quando o herbicida não é eficiente, faz-se a capina do canavial. Também há o controle biológico de pragas. Nestes casos reduz-se a utilização de produtos tóxicos.
Pulverizadores (implemento ou autopropelido) Aviação agrícola
Colheita
Antes: O corte manual é realizado com facão, sendo necessário um elevado número de empregados nas frentes de trabalho. A colheita pode ser realizada com cana crua ou queimada, tendo sido utilizado por anos o corte com cana queimada. No corte manual com cana crua a palha é separada dos colmos e deixada no solo. Assim, o trabalhador “baterá” o facão na base da cana e no topo da planta.
No corte mecanizado trabalham dois funcionário: um no transbordo e outro operando a colhedora. A atividade é realizada com rapidez e não expõe trabalhadores aos riscos presentes no corte manual, tais como: longas jornadas de trabalho; esforço físico excessivo com a atividade repetitiva de corte com facão e o carregamento diário de toneladas de cana para enleiramento; exposição a insetos e animais peçonhentos presentes nas lavouras (como cobras). Por isso, as novas técnicas favorecem a saúde do trabalhador.
Colhedoras (máquina)
Agora: A máquina colhedora executa as seguintes tarefas: a) Colhem a cana; b) picam a palha (quando equipada com picador) para posterior incorporação ao solo; c) lançam a cana picada no transbordo, ou a cana inteira na grua. A atividade é realizada pelo operador do maquinário e o motorista do transbordo.
Quadro elaborado pela pesquisadora
A fase final do processo é o carregamento e transporte da cana. No
método manual os trabalhadores carregam a cana cortada e formam o
enleiramento. Após, os feixes são recolhidos por carregadoras e colocados em
caminhões. Há o trabalho dos “bituqueiros” que recolhem a cana que não foi
apanhada pela carregadora, formando novo enleiramento. Já no método
mecanizado a cana colhida pela colhedeira é lançada diretamente no
55
transbordo, que armazena a cana colhida e depois a conduz até os caminhões
que a transportarão até a usina. O trabalho braçal na lavoura de cana é,
definitivamente, uma categoria desenganada.
Este processo da produção de cana já foi definido por IANNI (1984, p.
54): “Na agroindústria canavieira continuam a crescer os investimentos em
máquinas, equipamentos, fertilizantes e defensivos. Ao mesmo tempo, continua
a concentrar-se o capital agroindustrial investido no setor”.
A ação do Estado, por sua vez, “passou a orientar-se expressamente no
sentido da centralização ou concentração do capital agroindustrial” (IANNI,
1984, p. 54)
O trabalhador, diante do maquinário utilizado, passou a exercer outra
função, a de operador. A máquina substituiu o trabalhador braçal e utilizou
apenas um homem para que sua função seja desempenhada. Marx cita Wyatt,
que inventou a máquina de fiar em 1735, momento em que começou a
revolução industrial. Ele definiu: a “máquina para fiar sem os dedos” (MARX,
1980, p. 425).
3.3 Os Novos Métodos de Trabalho no cultivo da Cana-de-Açúcar
Os depoimentos dos trabalhadores rurais acentuaram que o trabalho por
hora e por dia, cujo pagamento é regulado pela quantidade produzida, está em
extinção. Os novos empregos são de trabalho assalariado, com registro na
Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS e renda mensal de, ao
menos, um salário mínimo. Os entrevistados expuseram que há acréscimo
salarial por produção (ruas, leiras, canudos ou hectares de cana cortada), mas,
caso a cota da produção solicitada não for alcançada, recebem o piso salarial.
Quando questionados sobre a carteira de trabalho assinada e a forma de
remuneração, os trabalhadores braçais assalariados responderam:
Tenho carteira assinada. Recebo por mês, calculado por
tonelada e cana cortada. O salário base é o salário
mínimo, quanto mais se produz mais ganha. (Entrevistado
5)
Trabalho para uma empresa que empreita serviço. Ganho
novecentos reais e mais a cesta básica, com carteira
assinada. Quando eu trabalhava diretamente para a
56
usina, também com carteira assinada o salário era fixo.
(Entrevistada 11)
O entrevistado 6 é encarregado de campo da usina e informou que no
tempo que trabalhava como cortador de cana e, aos 18 anos de idade,
“ganhava de vinte a trinta reais por dia, mas hoje ganha de setenta a oitenta
reais por dia, os trabalhadores compram carro, fazem casa”. Quando
questionado sobre sua remuneração atual como encarregado respondeu: “Sou
fiscal, recebo 9 reais e 33 centavos à hora. Tenho carteira assinada. Não existe
trabalho avulso nem menor de 18 anos trabalhando. Tudo na usina é selo 5S,
organização, preservação, tudo visa qualidade para exportação”. (Entrevistado
6)
O assalariamento do trabalho é o objetivo principal das relações sociais
da atualidade. Já LÊNIN (1980, p. 25) dizia que o capitalismo, que se
desenvolve na região rural, tem um indicador: “O indicador essencial do
capitalismo na agricultura é o trabalho assalariado”. A mecanização da lavoura
favoreceu este propósito.
A utilização da maquinaria, conforme destacou MARX (1982, p. 424),
tem como objetivo "[...] baratear as mercadorias, encurtar a parte do dia de
trabalho da qual precisa o trabalhador para si mesmo, para ampliar a outra
parte que ele dá gratuitamente ao capitalista. A maquinaria é meio para
produzir mais-valia". Dessa forma, o capital reproduz-se de forma ampliada. A
ciência e a tecnologia, aplicadas na produção da cana transformaram-se, no
dizer de MARX, (1982) “em forças produtivas, agentes da própria acumulação
do capital, aumentando a produtividade do trabalho humano”.
A máquina também necessita de reparos o que é feito na entressafra.
Alguns trabalhadores braçais e operadores, que trabalham na colheita,
desenvolvem atividades diversas na entressafra, tais como relataram os
entrevistados: “trabalho como seleiro” (Entrevistado 10); “faço serviço gerais e
trabalho de empregada doméstica” (Entrevistada 11); “trabalhei de empregada,
batia amendoim e catava algodão” (Entrevistada 12).
Durante a safra todos os diferentes tipos de operários e o trabalhador
rural estão laborando, mas no período de entressafra, há momento propício
para a reprodução dos meios de produção e tempo para aquisição de novas
especializações de trabalho. Segundo dados do relatório de Sustentabilidade
57
da Usina, na entressafra de 2011-2012 foram desenvolvidos programas e
cursos de requalificação dos trabalhadores rurais para atuarem em atividades
como auxiliares de manutenção automotiva, operadores de colhedora,
mecânico. Os cursos objetivam capacitar profissionais para atenderem às
novas demandas do mercado, relacionadas à operação e manutenção de
máquinas, seja como trabalho interno da usina ou como trabalhador no campo.
(USINA, Relatório de Sustentabilidade, 2012, p. 58).
A entressafra é um momento propício para renovação dos canaviais.
Frentes de trabalho são recrutadas neste período, direcionadas ao labor braçal
– onde ainda existem essas tarefas - ou como operador de maquinário e trator.
Assim, existem funcionários que mantém seus vínculos de emprego também
na entressafra (Entrevistado 5 e 6).
As diferenças internas encontradas em um grupo de trabalho revelam a
situação de uma determinada classe de trabalhadores. Essa condição de
classe se observa na situação de trabalho, pois, foram encontrados operadores
de máquina e de trator e controladores do trabalho, assalariados das
usinas. Há, também, os trabalhadores manuais. Entre eles há uma diferença no
que diz respeito aos salários recebidos. Observou-se que a modificação na
base técnica de trabalho acarretou diferenças de classe social e que os
trabalhadores braçais irão, gradativamente, desaparecer do cultivo da cana. Ao
desenvolver a divisão de trabalho, a “usina vai mobilizando uma massa ampla
de operários industriais e agrícolas, além de empregados de escritórios,
técnicos e engenheiros” (IANNI, 1984, p. 56).
Outra atividade que merece atenção é a do pequeno agricultor que
depende de quem lhe compra o produto. O mercado mais perene é o
agronegócio; em menor proporção, o mercado local. Para preservar a
propriedade e para produzir e reproduzir sua vida material, o dono de pequena
propriedade cai na dependência do capital: “Na medida em que o produtor
preserva a propriedade da terra, cresce sua dependência em relação ao
capital, onde o capital tende a se apropriar da renda da terra, ocorrendo, então,
a sujeição da renda da terra ao capital” (MARTINS, 1983, p. 170). Em
consequência da expropriação do trabalhador, tende a ocorrer a separação
entre ele e suas ferramentas de trabalho, sendo a maior delas a própria terra,
perdida para os que concentram as propriedades. Ou, mantendo a
58
propriedade, cai na dependência da usina que lhe compra o produto. O que é
mais comum, arrenda a terra ao produtor com mais posses ou à própria usina,
formando-se fornecedores ou parceiros.
Nessa condição, a denominada “reestruturação produtiva do capital” é
realizada com incentivos fiscais dos governos e o proprietário trabalhador terá
que cultivar a cana por sua conta e risco, ou arrendar sua terra, ou, ainda,
vender sua força de trabalho. Em todos esses casos, conforme MARTINS,
(1983), submete sua força de trabalho aos interesses e ao comando do capital,
no caso ao agronegócio. À medida que se expandia, o cultivo da cana
provocou “mudanças na composição da mão-de-obra agrícola, em geral”. Com
a reformulação da composição das forças produtivas, “a força do trabalho
também foi redefinida”. (IANNI, 1984, p. 42).
As famílias proprietárias fazem contratos com as empresas
sucroenergéticas, como fornecedoras, auferindo pagamento pelo produto, ou
como arrendatárias, recebendo renda fundiária. O entrevistado 1 é um
proprietário de terra que necessitou ampliar as áreas de plantio. Conforme
explicou, realizou contrato de arrendamento com outro proprietário de terra
para produzir volume maior de cana-de-açúcar do que produzia. Antes de
arrendar terra para cultivo, fez um contrato de fornecimento com a usina.
Recebeu da usina a remuneração padronizada do sistema CONSECANA em
unidade de quilo de Açúcar Total Recuperável (ATR). Com os devidos
descontos da cláusula contratual Corte, Carregamento e Transporte (CCT),
conforme ele, houve um lucro maior do que receberia pela pecuária e pela
produção de outras culturas.
A modernização gerou grave preocupação de ordem social referente a
demissões em massa de cortadores de cana. Segundo pesquisa efetuada por
VIEIRA E SIMON (2005, p. 2):
“Na Usina da Barra-SP, até o ano 2021, quando não
poderá haver mais queima de cana, serão dispensados
2.117 trabalhadores e contratados 177 trabalhadores
especializados. Na Usina Diamante-SP, serão
substituídos 411 trabalhadores e contratados cerca de 14
especializados”.
59
Ressalte-se que a mecanização é positiva no que se refere a não mais
expor o homem a trabalho exaustivo e a condições degradantes. O alto índice
de desemprego, porém, aparece. Há estudos, como o de desenvolvido por
FREITAS e SPAROVEK (2006, p. 1), propondo que a mudança de cultura pode
ser benéfica: “Pode vir a modificar as estruturas produtivas e os objetivos da
agricultura familiar nos assentamentos”.
Ao questionar sobre as atividades que desenvolveriam com a redução
ou a extinção das frentes de trabalho no campo, duas entrevistadas, com mais
de 50 anos de idade demonstraram não ter qualquer expectativa positiva de
localizar um novo emprego. Elas sempre desempenharam trabalho rural (na
roça) e que passariam dificuldades quando o trabalho acabar. Uma delas foi
decisiva: “eu preciso da roça, não estudei. Só sei trabalhar na roça, nunca
trabalhei de empregada. Não tendo o trabalho na roça vou ficar desempregada,
muita gente também” (Entrevistada 8). A entrevistada 19 considerou que a
realocação será “difícil, porque nós vamos ficando mais velhos e os jovens não
querem trabalhar na cana, só quem não tem estudo que corta cana; não sei o
que vou fazer, tenho que trabalhar em serviço temporário; Se eu aguentar, vou
trabalhar na cebola”.
A situação das entrevistadas é a de não vislumbrarem uma saída, o que
lhes trava qualquer possibilidade de fazer um projeto de vida. Serão,
provavelmente, candidatas ao parasitismo, conforme a teoria de ALVES:
“O parasitismo reflete-se especialmente, na evidência de
que esses ociosos passam a ter a sua existência
assegurada pelo consumo de parcelas de mais–valia,
segundo formas de participação concedidas e controladas
pelo capital, mas com a mediação necessária do Estado”.
(ALVES, 2005, p. 177).
Uma ex-trabalhadora do corte de cana afirma ter encontrado uma nova
atividade e está satisfeita com a mudança: “Cuido de pessoas de idade, e
doentes, cuido da casa dou remédio e acompanho no médico. Não tive
dificuldades, porque cuidava dos meus pais. Fiquei surpresa, mas estou
gostando, é um trabalho calmo”. (Entrevistada 13).
Os entrevistados têm planos para novas frentes de trabalho, tais como:
seleiro e comerciante (Entrevistado 10); tratorista e motorista (Entrevistados 5 e
60
7). Eles são de média idade e ainda estão trabalhando nas lavouras de cana.
Alguns já possuem planos para as próximas safras, mas entendem que haverá
dificuldades para desempenhar uma nova função ou conseguirem trabalho na
mesma atividade.
Outro ponto de atenção é a informação prestada pelos entrevistados de
que as usinas preferem os mais jovens, diante da mecanização em marcha na
lavoura, mas que uma parte dos jovens não se interessa pelo trabalho no
campo. O Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Lavínia-SP
apontou que futuramente os produtores encontrarão dificuldades para contratar
trabalhadores na região, devido ao desinteresse dos jovens pela atividade no
campo. Assim, para o entrevistado, a mecanização viria para solucionar um
problema latente. O raciocínio do presidente “desinteresse dos jovens leva à
mecanização” deve ser invertido: as relações sociais eliminam o trabalho braçal
porque a mecanização aparece como desempregadora, o que gera o
desinteresse de jovens que não vêem emprego rural no horizonte. O
entrevistado atém-se ao emprego de poucos especialistas treinados pela
empresa em parceria com o Estado. O que é insuficiente. Outra entrevista
compartilha com a inversão do raciocínio: “Os mais jovens não se preocupam
com desemprego ou emprego de máquinas, porque tem a casa dos pais para
morar. Quem se preocupa mesmo são os mais velhos que têm família para
tratar”. (Entrevistado 5)
A análise que se faz é de que a força de trabalho do jovem, que deseja
especializar-se numa profissão, é necessária para desempenhar o novo tipo de
trabalho proposto, operador de máquinas, e que muitos estão empregados
nesta função. Entretanto, reduziu-se a disponibilidade para trabalhar no
exaustivo trabalho braçal. Isto pode ser identificado com a dificuldade em
recrutar estes jovens para o trabalho nas lavouras, conforme apontam os
entrevistados 1 e 2.
A mudança na base técnica do trabalho – do arado, enxada e facão para
o maquinário - trouxe problemas sociais novos. O desemprego dos
trabalhadores rurais exigiu medidas públicas, como a necessidade de
capacitação dos jogados fora do sistema de produção. As relações sociais
eliminaram o trabalhador tradicional, introduziram o maquinário e, assim,
modificaram o método de trabalho. Novos fatores foram constatados: a grande
61
maioria ficou sem emprego e uma parte da população migrou para o trabalho
especializado nas usinas ou como operadores de máquinas.
3.4 O Trabalho Especializado e a Perda do Domínio do Conhecimento
sobre a Produção
O entrevistado 6 labora como fiscal de campo, portanto um assalariado
da usina. Destaca: “Para trabalhar na usina hoje você tem que ser excelente,
se for só bom será descartado”. Desta forma, é possível identificar a contínua
necessidade de capacitação dos profissionais o que acentua a especialização
técnica para desempenhar uma determinada atividade.
A especialização na divisão do trabalho e, com ela, a perda do
conhecimento do processo de produção já estava posta, antes da introdução
de máquinas. Os trabalhadores sazonais, contratados exclusivamente para
desenvolver a atividade de plantio e corte, realizavam tarefas especializadas e
delas tinham o conhecimento e habilidade específicos. Seu saber resumia-se
em colocar a cana na vala, separar os gomos e tampá-la, no caso do plantio.
Acentuou-se a divisão do trabalho e, consequentemente, a especialização das
tarefas.
O conhecimento da totalidade da produção foi-se, aos poucos,
extinguindo. O que se fez ou se faz antes ou após as tarefas realizadas? Qual
o destino da cana cortada? Qual o processo para transformação em energia,
álcool, açúcar? As respostas dos trabalhadores a essas questões foram as de
não conhecer. Os trabalhadores, especializados no corte ou no plantio,
obtinham algumas respostas prontas, colhidas nos cursos e nas instruções
fornecidos pelas usinas. A entrevistada 8 respondeu que conhece todo o
processo de cultivo da cana, mas, quando questionada se seria capaz de
produzir sozinha, afirmou que não conseguiria, que precisaria da ajuda de
técnicos. É uma falsa percepção do conhecimento da totalidade. Apenas dizer
como se faz de forma abrangente e superficial não pressupõe que realmente
domine a base técnica da produção, pois nunca a realizou como um todo.
A entrevistada 9, porém, entendeu a divisão do trabalho especializado e
a perda do conhecimento da totalidade: “Não conheço, (o processo) porque
tem as pessoas que arrumam o solo, outras que plantam; cada turma trabalha
numa etapa e eu corto cana”. A entrevistada 13 também apresentou resposta
62
semelhante: “Só conheço a parte do serviço manual. O que as máquinas fazem
eu não sei. A parte de preparo do solo é feito pelo tratorista, quando prepara a
terra faz curva de nível. Eu pegava só o plantio e o corte”.
O entrevistado 5 tem 55 anos e há 17 anos trabalha no campo. Disse no
depoimento: “Para o plantio é preciso ter acompanhamento dos engenheiros da
usina para a análise da terra, mas a função de plantar eu consigo. Os novos,
de menos de 55 anos, não sabem. Conheço todo o plantio manual”.
Por outro lado, os entrevistados 1 e 7, por serem pequenos proprietários
de terra e por terem trabalhado com suas famílias nas propriedades,
declararam que sabem todo o processo de cultivo da cana, sendo capazes de
produzi-la, mesmo sem a ajuda de técnicos. Já os entrevistados 4, 14, 15, 16,
17 conhecem o modo tradicional de cultivo da cana e o realizavam em suas
propriedades há anos para consumo interno.
Quem não teve mais lugar no trabalho de cultivo de cana e se
especializou como operador de máquina perdeu o conhecimento da totalidade
da produção, prevalecendo as normatizações da gerência das usinas, havendo
pouca oportunidade para a renormatização do trabalho real.
O trabalho braçal no cultivo da cana, mesmo que ainda consiga subsistir,
deve ser entendido como categoria desenganada, porque a base técnica do
trabalho na produção é, agora, a mecanização, modificando-se, conforme
MARX (1980) o método de trabalho. O entrevistado 5 pondera que houve uma
drástica redução nas frentes de trabalho e a realocação destes trabalhadores
está sendo feita para uma pequena parcela de trabalhadores rurais. “O plantio
direto é mais barato e fácil. Com isso, vai diminuindo a força de trabalho. Na
“carpa” eram 300 pessoas; hoje, passa o veneno com o trator e menos de 100
pessoas faz o restante do serviço”. (Entrevistado 5).
A lógica do desenvolvimento capitalista é a marcante ampliação do
capital constante. Essa ação “explicita, também, o seu oposto, isto é, a redução
relativa do capital variável e a consequente liberação da força -de- trabalho que
irá constituir-se no exército industrial de reserva”. (AUED. 1981, p. 23). Isso
quer dizer que o desenvolvimento capitalista se realiza às custas da liberação
de força de trabalho. É a lógica do capital que “amolda a geração/extinção do
nível de emprego” (AUED, 1981, p. 27). Nesse sentido, o trabalho vivo,
realizado pelos trabalhadores da cana, é constantemente absorvido pelo
63
trabalho morto, pelos meios modernos de produção. (LOPES, 1976). A
expansão do capital busca controle e valorização na produção da matéria-
prima e na constituição do trabalhador coletivo, pois, o capital, pouco a pouco,
molda as formas individuais de produzir riqueza à sua imagem e semelhança.
O entrevistado 5 assim o entende: “Na carpa eram 300 pessoas; hoje, passa o
veneno com o trator e menos 10 pessoas faz o restante do serviço”.
No processo do trabalho especializado, a apropriação do saber
historicamente acumulado passa ao completo domínio do capitalista. O
trabalhador é destituído de seu saber, de suas ferramentas de trabalho e da
decisão sobre o que, como, quando e para que produzir. O trabalhador é
transformado, de uma vez por todas em fator de produção, porque possui a
capacidade de produzir mais do que o necessário para a sua subsistência, ou
seja, detém a capacidade de produzir mais-valia.
O saber do trabalhador se transporta totalmente para as máquinas. A
maquinaria é instrumental de trabalho automatizado. Segundo MARX (1982, p.
484), no complexo de máquinas autômatas, confirma-se a "[...] separação entre
as forças intelectuais do processo de produção e o trabalho manual e a
transformação delas em poderes de domínio do capital sobre o trabalho". Os
trabalhadores rurais constataram esse processo. Quando “uma massa ampla
de operários agrícolas, empregados, técnicos” ocupa o espaço que mera deles,
é do novo mundo social que falam.
O desemprego acompanha esse movimento produtivo. No campo
colocam-se desafios aos trabalhadores rurais, aos agricultores de trabalho
imediato e aos assentados. O Estado participa desse momento social,
apresentando-se como o estado do capital e não somente o estado dos
capitalistas. A ele cabe organizar o parasitismo social. O mundo de
desempregados, jogados fora das profissões condenadas pelas forças
produtivas, é a situação em que se dá a nova função do Estado: cuidar do
trabalho improdutivo. (ALVES, 2005, p.190)
A produção da cana está intimamente ligada às usinas sucroenergéticas
e a necessidade de força de trabalho especializada se faz sentir. Assim,
averiguaram-se as modificações nas relações de trabalho ocorridas diante da
alteração do método de produção da cana e as novas funções das empresas e
do Estado. As empresas, diante das necessidades, procuram capacitar seus
64
funcionários, como tratorista, operador etc. e, normalmente, encarregam o
Estado de realizá-lo, mediante parcerias, justificadas pelas obrigatórias
contribuições às instituições e às associações de assistência.
A impotência de conseguir obter novo emprego aumenta com o princípio
detectado por MARX (1980, p. 747): ARX (1980, p. 747): “A magnitude relativa
do Exército industrial de reserva cresce com as potências das riquezas. [...]
Essa é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista”.
4 Conclusão
As relações sociais, estabelecidas na produção de cana-de-açúcar, e as
consequências advindas do emprego de máquinas nas fases de cultivo,
modificaram os aspectos econômicos, sociais e políticos, ao impor uma forma
determinada de produção capitalista, com que o capital agroindustrial explora
não somente a terra, mas também o trabalho produtivo dos trabalhadores que
gera a mais-valia oriunda das lavouras canavieiras.
Com a alteração da base técnica de produção da cana, a substituição do
trabalho braçal pelo uso de maquinário criou uma nova categoria de
trabalhador, o operador de máquinas, o tratorista, o mecânico etc. O que antes
era realizado com a ajuda de facão e máquina costal, hoje, é desempenhado
por uma máquina-ferramenta. As relações sociais extinguiram o trabalho braçal
no cultivo da cana e impuseram ao trabalhador a especialização do trabalho e,
com ela, a perda do conhecimento do processo de produção.
Mas, não foi apenas a alteração do trabalho que contou com a
introdução das usinas. Desenvolveu-se nova divisão social do trabalho. A
extinção das profissões tradicionais causou desemprego e a reprodução
ampliada do capital criou outros empregos rurais, como empregados agrícolas,
operadores de máquinas, técnicos agrícolas, pessoal da gestão, engenheiros,
químicos e outras categorias profissionais que, agora, atuam na região rural.
“Este é o novo mundo social nesse núcleo da agricultura canavieira” (IANNI,
1984, p. 56). Um mundo com características sociais, econômicas e políticas
diferentes das tradicionais profissões rurais.
Com o usineiro, as relações sociais também modificaram a burguesia
local: criaram-se lojas, oficinas, imobiliárias e outras instituições que se
adequaram ao tipo de capitalismo que o usineiro instalou nos três municípios.
65
Os trabalhadores rurais e os proprietários agrícolas adaptaram-se à usina:
introduziram as parcerias, os arrendamentos, os fornecedores. A vida social
tornou-se urbana para os trabalhadores rurais e para os pequenos e médios
produtores, consequência dos arrendamentos e das parcerias. Como corolário,
o trabalhador perdeu o conhecimento da totalidade da produção, confiscado
pelo usineiro e por seus tecnocratas.
Os fornecedores, portanto, são as únicas exceções a esse movimento;
mantendo, ainda, um relativo conhecimento do cultivo, posto que sujeito às
normas e às práticas impostas pela usina contratante.
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69
ARTIGO II
Os Contratos para a Produção da Cana-de-Açúcar e os Parâmetros para a
Precificação nos Municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso - SP.
Isa Maria Formaggio Marques Guerini
Resumo
O objeto de estudo é o cultivo de cana e o tipo particular de organização das
relações de produção, que criaram formas de contratações junto aos
fornecedores e parâmetros de precificação do produto. O estudo se enquadra
na linha de pesquisa Sociedade, Ambiente e Desenvolvimento Regional
Sustentável e foca os municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso, SP. Os
autores de referência foram: Alves (2003), Ianni, (1993 e 1984), Picanço Filho e
Marin (2012), (Marx, 1996), Lopes (1976) e (Quintino Leal (2008). Para o
levantamento de dados empíricos foram aplicados questionários aos
trabalhadores das lavouras de cana, aos produtores rurais e aos presidentes
de sindicatos, realizadas observações em situação de trabalho e captura de
imagens, sobretudo, do CANASAT. Os resultados evidenciaram que, nessa
região do estado de São Paulo, foi adotada uma sistemática de pagamento dos
fornecedores de cana que tem por base a precificação através do índice de
sacarose presente na planta. Em que pese o arcabouço jurídico que regula as
disposições contratuais, torna-se evidente a disparidade no poder de barganha
entre a usina e os fornecedores de cana.
Palavras-Chave: Contrato de Parceria e Arrendamento. Precificação. Usina
Sucroenergética.
Abstract
The object of study is the sugarcane cultivation and the particular organization
type of the production relations, which created hiring forms along with the
suppliers and product pricing parameters. The study meets the research line;
Society, Environment and Sustainable Regional Development and focus
Mirandópolis, Lavínia and Valparaíso (SP) municipalities. The reference
authors are Alves (2003), Ianni, (1993 and 1984), Picanço Filho and Marin
(2012), (Marx, 1996), Lopes (1976) and (Quintino Leal (2008). Questionnaires
70
were applied to the employees of sugarcane cultivation, to the farmers and to
the presidents of unions for the collection of the empirical data; observations in
a work situation and capture of images held, mainly, from the CANASAT. The
results showed that it was adopted a systematic payment of the cane suppliers
on this area in the state of São Paulo, in which it prices through the index of
sucrose present in the plant. Notwithstanding the legal framework to regulate
the hiring arrangements, it becomes clear the disparity in the bargaining power
between the power plant and the sugarcane suppliers.
Keywords: Partnership and lease agreement. Pricing. Sugar-energy plant.
1 Introdução
O objeto de estudo é o cultivo de cana e as formas jurídicas, criadas
pelas usinas sucroenergéticas, para a contratação de fornecedores da matéria-
prima e para a precificação do produto. Para obter a matéria-prima junto aos
produtores, os oligopólios firmam contratos de garantias de comercialização e
de qualidade do produto junto aos fornecedores, arrendadores e parceiros–
proprietários dos municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso, São Paulo.
Essas formas singulares são a expressão, neste ramo determinado, das
relações sociais que regem a sociedade capitalista. São, também, o material de
estudo neste artigo.
As empresas oligopólicas do setor sucroenergético apoderaram-se de
parte das terras disponíveis nos três municípios e impuseram mudanças
significativas nas relações de trabalho. Pequenas glebas rurais, que eram
exploradas pelo trabalho imediato, deram lugar a uma vasta lavoura canavieira.
Sítios e fazendas passaram a ser arrendados pelas empresas com a finalidade
de produzir matéria-prima para a industrialização, que é o elemento do capital
constante que causa a disputa pela ocupação do solo. Consequentemente,
está em curso um conjunto de reorganizações no método de trabalho, com a
incorporação de recursos tecnológicos no processo de cultivo.
Justifica-se este estudo pelo contexto histórico de produção agrícola
realizada com trabalho imediato que, ao passar dos anos, cede lugar à
exploração de monoculturas, cultivadas com trabalho assalariado. O
movimento do capital internacional, em forma oligopolizada, somado aos
incentivos fornecidos pelo Estado, é similar ou idêntico para várias regiões do
71
cultivo de cana. Cada cultivo da cana em determinado lugar manifesta no
concreto a universalidade das relações sociais vigentes na produção geral. Nos
municípios paulistas, para se apreender a singularidade dos novos métodos de
trabalho e de suas consequências sociais e econômicas, há que se investigar
os contratos de produção, o controle sobre a qualidade da cana, as
normatizações para o cultivo, o pagamento por tonelada imposto pelo usineiro,
e analisar as disparidades contratuais presentes na relação obrigacional
estabelecida entre a usina e os produtores de cana.
2 Procedimentos Metodológicos
Os loci da pesquisa foram os municípios localizados na Região
Administrativa de Araçatuba, São Paulo, em que a cana-de-açúcar representa
a principal produção agrícola, que passou, de mero plantio para suprir as
necessidades dos moradores da zona rural, a lavouras para abastecimento das
usinas sucroenergéticas.
A caracterização dos municípios de Lavínia, Valparaíso e Mirandópolis
seguem os dados publicados pelo Institui Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, colhidos no censo de 2010. O município de Lavínia produziu, no ano de
2010, 1.640.000 toneladas de cana. (Fonte: IBGE – Cidades, 2010). A região
destinada para produção de cana consiste em 34,3% da área municipal.
(Imagens de Satélite CANASAT). O município de Valparaíso produziu, em
2010, 2.779.200 toneladas de cana. (IBGE , Cidades, 2010), representando
58,1% da área municipal. (Imagens de Satélite CANASAT). Mirandópolis
colheu 870.870 toneladas de cana, em 2010. (IBGE, Cidades, 2010), sendo a
área agrícola do município ocupada em 25,1 com cana-de-açúcar. (Imagens de
Satélite CANASAT).
A escolha destes municípios se justifica pelo fato de ser uma região de
canaviais e de existir trabalhadores que presenciaram a mudança da produção
de cana nos últimos 30 anos.
O tipo de solo presente nos municípios de Mirandópolis e Lavínia é
classificado como “Solos com B textural - Pml - Solos Padzolizados de Lins e
Marília - Variedade Marília”. No município de Valparaíso o solo é classificado
como “Solos com B textural - Pln - Solos Padzolizados de Lins e Marília -
Variedade Lins” (Sistema de Informações para o Gerenciamento de Recursos
72
Hídricos do Estado de São Paulo – SigRH). Tais solos são normalmente férteis,
quimicamente ricos e provenientes de arenito Bauru com cimento calcário.
Os procedimentos utilizados para a coleta e ordenamento dos dados
consistiram em levantamento documental, com dados colhidos nos sites das
três usinas que atuam na região, aplicação de questionários, realização de
entrevistas com trabalhadores do cultivo da cana de açúcar, funcionários de
sindicatos, médios e pequenos proprietários de terra. Além disso, utilizou-se a
metodologia de observações em situação de trabalho. Esta foi realizada com
seis visitas aos locais de trabalho, nas lavouras de cana-de-açúcar, com
registros de observações e de depoimentos.
A representatividade dos sujeitos da pesquisa apoia-se no seguinte
procedimento: quando o entrevistador, o próprio pesquisador, percebeu que,
depois de realizadas as entrevistas em número suficiente e que as últimas não
traziam mais dados novos e nenhuma informação que já não estivesse
registrado nas entrevistas anteriores, considerou que os dados eram
suficientes, consistentes e fidedignos. A apresentação dos resultados e a sua
discussão foram feitos por meio da análise temática dos dados colhidos. A
temática envolveu a análise das relações sociais estabelecidas no cultivo da
cana-de-açúcar, que, com a transformação do território em canavial e com a
introdução das máquinas e do trabalho especializado, estabeleceram, também,
parâmetros de contratação de produtores e precificação do produto. A pesquisa
utilizou, também, imagens de satélite – CANASAT.
A sistematização dos dados qualitativos foi feita da seguinte forma:
primeiramente, uma leitura horizontal de todas as entrevistas para detectar
temáticas comuns, algumas perguntadas a cada entrevistado e outras surgidas
dos conteúdos das entrevistas. Depois, foram sistematizados todos os
conteúdos das entrevistas nas temáticas e as sub-temáticas, para fins de
análise.
A abordagem desenvolvida pelos pressupostos teórico-metodológicos do
estudo da atividade humana - a pesquisa em situação de trabalho - recolheu
informações e experiências que detêm os trabalhadores da atividade e que
foram adquiridas no trabalho real.
Para a análise dos dados, utilizou-se a categoria singular do objeto de
estudo, mediada pela universalidade que os dados expressam. Segundo
73
ALVES (2003, p. 11): “O singular é a manifestação, no espaço convencionado,
de como leis gerais do universal operam dando-lhe uma configuração
específica. Universal e singular, nessa perspectiva, são indissociáveis”. Na
utilização da categoria singular/universal na análise dos dados colhidos por
meio de questionários e entrevistas, entende-se a categoria da seguinte
maneira: O singular refere-se à situação do cultivo de cana, realizada em terras
próprias ou em terras arrendadas, cujas representações as entrevistas e os
questionários desvelam. O universal refere-se ao capital, enquanto relação
social, em mãos de poderosas usinas, com base financeira para comprar terras
ou arrendá-las, pagar renda ou salários, a fim de obter os lucros desejados.
Como tais, seguem o movimento do capital e buscam produzir mercadorias e,
para isso, determinam os contratos da normatização e os preços do produto.
Nas palavras de IANNI, (1993, p. 173): “O universal é o infinitamente concreto,
que compreende todas as coisas, que está presente em todas as partes”.
3 Resultados e Discussão
Nos municípios estudados, constataram-se quatro tipos de lavoura em
uso para o cultivo da cana: a produção de cana em terras próprias das
indústrias, com exploração direta dos trabalhadores; a produção realizada nas
terras de pequena e média propriedade, arrendadas e exploradas pela usina;
áreas arrendadas diretamente pela usina e repassadas para o cultivo e
exploração dos pequenos e médios produtores; e, por fim, pequenos e médios
proprietários que exploram a própria cana com trabalho imediato, estes
denominados fornecedores. Este estudo investiga os dois últimos tipos, porque
atingem diretamente a parte mais fraca das contratações e da precificação.
As formas de contratação apresentam peculiaridades e efeitos sócio-
econômicos e jurídicos diferenciados, principalmente no que diz respeito à
remuneração dos contratantes. A sistemática largamente empregada para
precificar a cana-de-açúcar é a desenvolvida pelo Conselho dos Produtores de
Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do estado de São Paulo (CONSECANA - SP)
e leva em consideração o teor de sacarose presente na cana produzida. Isso
significa dizer que o pagamento não se dá pela tonelada de cana bruta colhida.
Algumas disparidades contratuais entre usina e produtores ou
arrendador/parceiro foram tratadas no estudo para demonstrar a força e
74
domínio do oligopólio sucroenergético ao adquirir matéria-prima e expandir o
cultivo de cana. A presença do usineiro modificou o cenário, não somente da
região, mas, também do trabalho agrícola e da possibilidade da sobrevivência
do trabalhador, especialmente de quem desempenha trabalho braçal nas
lavouras.
3.1 Infraestrutura dos Municípios
Constatou-se que a infraestrutura dos municípios é deficiente. As vias
públicas não são adequadas para atender às necessidades da mecanização da
produção. Um dos produtores entrevistados relata que:
O que se percebe é que antigamente os caminhões eram
pequenos. Hoje são altos e as redes elétricas estão
baixas em relação aos caminhões. Não há investimento
para melhorias. O asfalto é fraco e os caminhões são
pesados e acabam com as estradas e ruas da cidade.
Não se vê interesse em arrumar o asfalto nem as redes
elétricas, sendo assim, os produtores estão desanimando,
podendo acarretar a diminuição da produção no futuro.
Precisamos do apoio das Associações e das
Cooperativas para resolver estes problemas. Os
produtores sozinhos não conseguem e estão ameaçados
de não plantar nas próximas safras. Os direitos de ir e vir
são constitucionais, a população tem seus direitos à
circulação de mercadoria e também há o direito do
produtor. (Entrevistado 2)
Há visível desgaste das estradas que não são asfaltadas; deterioração
de pontes de madeira, que na maioria das vezes são improvisadas e
consertadas de forma paliativa para a passagem do maquinário e dos tratores;
a rede elétrica, há anos construída, dificulta a passagem e manobra das
colhedoras e os maquinários de grande porte; as estradas vicinais que
interligam os municípios de Mirandópolis e Lavínia e Valparaíso não
comportam o peso dos veículos; a própria via pública urbana de Lavínia não é
adequada à passagem do maquinário.
75
Figura 1. Fotografia da Ponte de Madeira na Divisa do Sítio São José com
a Área de Plantação de cana do agricultor Antonio Zambotti, município de
Lavínia - SP.
Diante de tantos pontos de atenção, constatou-se que as usinas não
possuem interesse em comprar a cana plantada em áreas de difícil acesso. Um
dado observado nas entrevistas é o argumento de que haveria a proibição legal
de transitar com maquinário nas cidades, motivo pelo qual a usina estaria
reduzindo a negociação com os produtores locais. Mas o próprio entrevistado 2
averiguou a alegação da usina e identificou que não há lei que proíbe o tráfego
dos caminhões ou maquinário no município. Segundo ele:
Além do meio ambiente tem outra polêmica. Dizem que as
cidades não gostam que passem os caminhões com cana
nas vias porque arrebenta a fiação de energia elétrica,
afunda o asfalto, faz buracos e tudo fica por conta da
usina. Solicitamos ao sindicato rural para saber se tem lei
que proíbe a passagem dos caminhões nas cidades e
entorno e foi investigado e constatado que não há lei que
proíbe e é a própria usina que não quer passar nas
cidades com difícil acesso e utiliza desse argumento.
(Entrevistado 2).
O que se percebe é que a infraestrutura dos municípios do interior não
acompanhou o desenvolvimento tecnológico empregado nas lavouras. As vias
não são adaptadas para passagem de grandes maquinários e o asfalto não é
76
reforçado o bastante. Com caminhões e máquinas cada vez maiores e mais
altos, acidentes se tornam comuns. Para uma solução, o entrevistado 2 diz ser
necessário o apoio das Associações e das Cooperativas para resolver os
problemas, pois os produtores sozinhos não conseguem mudar o cenário. O
direito à circulação de mercadorias deve ser assegurado pelo estado, já que é
salvaguardado constitucionalmente, mas as prefeituras abstêm-se da tarefa.
Os moradores, evidentemente, associam os desgastes da infraestrutura
das cidades à atividade canavieira e à usina. Esta procura evitar uma possível
imagem negativa, a fim de manter as certificações que garantem o acesso ao
mercado internacional sucroenergético, aos recursos fornecidos pelo Estado e
às parcerias firmadas com o governo. Há que se afirmar, por fim, que as
prefeituras culpam as usinas pelos estragos da estradas. O usineiro, por sua
vez, não é afetado por estes obstáculos ao transporte. Se as estradas
prejudicassem sua empresa, há tempos teria tomado providências junto às
autoridades. A usina já comunicou que não fará a disponibilização de
maquinário aos fornecedores nas safras futuras. Quem realmente toma
prejuízo é o produtor.
3.2 O Trabalho do Fornecedor Independente
O fornecedor de cana cultiva a terra de sua propriedade ou, se for o
caso, cultiva as terras arrendadas pela usina e a ele repassadas. Caracteriza-
se para o fornecedor uma certa liberdade de proprietário da terra ou da cana
cultivada, em termos de gestão autônoma, de trabalho imediato despendido
nas tarefas e de livre contratação de empregados rurais para manutenção da
lavoura, preparo do solo e, até mesmo, efetuando contratação de empresas
terceirizadas, as quais “fornecem trabalhadores para o plantio da cana
(retampa) e corte (cortes das áreas onde o maquinário não pode operar por
conta do relevo)”. (Entrevistado 2).
Conforme exposto por PICANÇO FILHO e MARIN (2012, p. 195), a
indústria repassa ao agricultor o compromisso da produção da matéria-prima,
mas não transfere, totalmente, a autonomia com relação à maneira de produzir,
“ficando o integrado obrigado a uma padronização das condições técnicas,
para serem atingidos o padrão da racionalidade e o nível de acumulação que a
empresa se propõe, visando obter o controle de todo o processo produtivo”.
77
Não transferindo a total autonomia da produção da cana, o produtor,
muitas vezes, não possui o maquinário e, com os instrumentos braçais, fica,
simbolicamente, com o arco e flecha na mão, sem serventia. Ou como escreve
MARX: “Nada mais despropositado do que imputar ao arco e flecha do índio
tribal a natureza de capital. [...] Não serve a nenhuma finalidade de valorização
capitalista”. (MARX, 1996, p. 33). Às usinas pertence o comando sobre a
relação social, enquanto separação entre o trabalhador do proprietário: A fim
de que o trabalho acumulado nos bens de produção assuma a função de
capital é preciso que se converta em instrumento de exploração do trabalho
assalariado. Em vez de coisa, “o capital é relação social”. (MARX, 1996, p. 33).
No caso do fornecedor autônomo, que, originalmente, possui o domínio
do conhecimento da totalidade da produção de cana, tem a obrigação de,
paulatinamente, submeter-se ao conhecimento técnico e tecnológico das
empresas para poder operar com produtividade. Dessa maneira, também, vai
se submetendo à normatização dos especialistas das empresas.
A usina disponibiliza técnicos para acompanhar o preparo do solo, o
plantio, controle de pragas e o labor no campo é vistoriado por fiscais para
garantir a segurança do trabalho, como por exemplo, a correta utilização de
Equipamentos de Proteção Individual (EPI). (Entrevistados 1, 2, 3 e 6) e,
evidentemente, para garantir a qualidade do produto.
Quando questionado sobre o recebimento de orientações da usina para
o plantio da cana, o entrevistado 2 informou: “Tem os técnicos da usina que
orientam; é interesse deles que as áreas sejam bem cuidadas. Inclusive pagam
uma parte das despesas com construção de curvas de nível para conter
erosões e proteger as bacias”.
O suporte oferecido pela usina, dependendo do tipo de contrato firmado
e da situação específica, consiste em: oferecimento de tecnologia, maquinário,
fiscal de campo para os trabalhadores rurais e oferecimento de força de
trabalho qualificada para operação do maquinário.
Há, também, o auxílio de técnicos das usinas para orientar a utilização
de adubos e herbicidas. Conforme informado pelo entrevistado 1, “a Usina não
capacita os produtores de cana, ou seja, não há oferecimento de cursos”;
prefere orientá-los diretamente por meio de técnicos, para haver melhor
aplicação dos insumos e garantir o controle da qualidade do produto. As
78
instruções superficiais oferecidas em formas parceladas pelos técnicos de
campo não habilitam o fornecedor a obter o conhecimento da totalidade da
produção. A expansão implicou uma ampla e complexa mobilização de forças
produtivas, desenvolvendo-se a divisão social do trabalho. A usina mobiliza
uma ampla massa de operários agrícolas, de técnicos, fiscais e de outras
categorias profissionais. Em certo sentido, pode-se dizer que o mundo social
habitado por pequenos e médios agricultores de trabalho imediato cedeu o
cenário para um profissional urbano que atua na lavoura mecanizada. Este
novo cenário aumenta o poder do usineiro. Tudo está organizado “segundo as
exigências da reprodução do capital agroindustrial, da divisão social do
trabalho, das hierarquias das posições e mandos, das formas e dos níveis de
participação no produto do trabalho coletivo dos operários agrícolas e
industriais”. (IANNI, 1984, p. 59-60)
Os produtores também contam com a assistência por parte de técnicos
da Associação dos Fornecedores de Cana da região Oeste Paulista - AFCOP,
a qual representa os fornecedores independentes. Assim, a associação tem
cunho assistencial e promove trocas de conhecimento e adaptações às regras
do setor. Os produtores se socorrem dela para apoio tecnológico e para
realização de cursos de capacitação. (Entrevistado 1). Recebem orientações
de agrônomos, representantes de defensivos agrícolas e adubos, os quais
“indicam os melhores produtos a serem utilizados” e os que “se encaixam no
nosso orçamento”. (Entrevistado 4). O produtor defronta-se com as
normatizações de um grupo de tecnocratas no campo. Conforme Ianni: “Surge
uma categoria social nova. Não é uma classe, mas é uma categoria que
merece atenção: é a tecnocracia que se expande no campo”, que exerce
“numa escala crescente, atividades no mundo rural”. (IANNI, 1984, P. 152).
3.3 Os contratos para produção da cana
Os contratos realizados entre os produtores, proprietários/possuidores
de terras e a Usina apresentam suas particularidades e atendem aos
interesses das partes. O conteúdo dos contratos não foi revelado durante a
pesquisa de campo, pois, os produtores entrevistados não os disponibilizaram.
Cumpre salientar que as dificuldades em ter acesso a dados detalhados, por
parte de usinas e contratantes, já fora preconizado por LOPES (1976) ao
79
produzir a obra O Vapor do Diabo: o trabalho dos operários do açúcar. Apesar
desta dificuldade, foi possível colher, mediante a metodologia empregada, as
informações essenciais da pesquisa.
Pelas informações prestadas por trabalhadores rurais em situação de
visitas e pelos sites das três empresas da região, a remuneração dos
produtores de cana dá-se, em termos gerais, em valores por tonelada de cana
produzida. Contudo, essa forma é detalhada em novas modalidades. As formas
de remuneração podem variar de acordo com tipo de contrato firmado entre o
produtor e a usina. Os contratos são, basicamente, firmados na forma de
parceria agrícola, arrendamento ou fornecimento. Os produtores de matéria-
prima são denominados Parceiros Integrados, conforme se depreende das
informações postadas nos sites das usinas com o título “Seja um Parceiro da
Usina”, mas as espécies de contratos firmados podem variar.
O contrato de arrendamento se caracteriza legalmente por:
“Contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder
à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de
imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não,
outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo
de nele ser exercida atividade de exploração agrícola,
pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista [...]”. (BRASIL.
Art. 3º do Estatuto da Terra, BRASIL, 1966)
Na modalidade de contratação, o valor da contraprestação dada pelo
arrendatário é líquida e certa, não variando de acordo com a produção, bem
como há limitações impostas pelo Estatuto da Terra, tais como: prazo mínimo
de contratação, direito de preferência na aquisição do imóvel, direito à
indenização por benfeitorias necessárias e úteis, dentre outros. Um exemplo da
precificação de contratos de arrendamento utilizada por usinas é a pré-fixação
do preço do Kg de ATR por tonelada de cana produzida; assim, independente
do teor de sacarose da planta, o valor a ser pago será aquele estabelecido no
contrato.
Já a parceria rural, prevista no art. 4º do Decreto – Lei nº 59.566/66 e §
1º do art. 96 do Estatuto da Terra, com a nova redação dada pela Lei
11.443/07, consiste na modalidade pela qual o parceiro-proprietário cede ao
parceiro-produtor o uso da terra, partilhando com este os riscos do caso fortuito
80
e da força maior, os frutos do produto da colheita e as variações de preços.
(BRASIL, 1966).
Destacam-se as seguintes formas de parceria agrícola: parceria por
tonelada de cana (valor do Kg de ATR – Açúcar Total Recuperável); parceria
por percentual de produção; parceria por valor fixo por hectare corrigido pela
inflação (modalidade pouco utilizada pelo risco de variação do valor de
mercado da cana e da terra); parceria para recebimento em equivalência em
produto que não a cana; parceria com opção para receber em açúcar e/ou
álcool anidro e/ou álcool hidratado. (CONFEDERAÇÃO da Agricultura e
Pecuária do Brasil – CNA).
Na modalidade de contrato de fornecimento, o produtor utiliza os seus
próprios meios para produzir a cana, em suas terras ou em áreas arrendadas,
a fim de entregar o produto na usina. Os tipos de fornecedores são:
fornecedores de cana na esteira, que possuem toda a estrutura de produção da
cana, desde o plantio até a entrega do produto na usina; e fornecedores de
cana em pé, que necessita do auxílio da usina ou de equipe terceirizada para
realizar algumas etapas da produção como, por exemplo, a colheita
mecanizada. (CONFEDERAÇÃO da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA).
Por sua vez, a forma de remuneração mais utilizada nos contratos
firmados com os produtores de cana é o pagamento pelo valor do Kg de
Açúcar Total Recuperável (ATR), através do cálculo da média acumulada da
safra, o qual é ponderado pela Usina do grupo ou estado.
Para zelar pelo relacionamento entre as Indústrias de Açúcar e Álcool e
os plantadores de cana, em 1999, fundou-se o Conselho dos Produtores de
Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do estado de São Paulo (CONSECANA-SP),
que criou um sistema de pagamento da cana pelo teor de sacarose, com
critérios técnicos para avaliar a qualidade da cana-de-açúcar entregue pelos
plantadores às indústrias e para determinar o preço a ser pago pela matéria-
prima. (CONSECANA-SP). O sistema criado consiste justamente em basear o
valor da cana no ATR, que corresponde à quantidade de açúcar disponível no
produto fornecido, subtraídas as perdas no processo industrial, bem como aos
preços do açúcar e etanol vendidos no mercado interno e externo.
(www.unica.com.br/consecana/).
81
Segundo o Regulamento do Conselho, o preço médio acumulado do kg
do ATR servirá como referência para o faturamento e para o cálculo dos
adiantamentos (parcela do valor faturado) que a unidade industrial pagará ao
produtor de cana-de-açúcar. Expõe como metodologia para a formação do
preço final da cana:
“Art. 1º – O preço da cana-de-açúcar será calculado
utilizando-se os seguintes parâmetros: I – Qualidade da
cana-de-açúcar expressa em kg de ATR (Açúcar Total
Recuperável); II – Preço médio dos produtos acabados,
açúcar e álcool, livre de tributos e frete, na condição
PVU/PVD por produtores do Estado de São Paulo, em
relação ao mercado externo e interno; III – Participação
do custo da cana-de-açúcar (matéria- prima) no custo do
açúcar e do álcool, em nível estadual; e IV – Mix de
produção e de comercialização do ano-safra de cada
unidade industrial. (Conselho dos Produtores de Cana-de-
Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo.)
O modelo de gestão implementado pelo Conselho, o qual é de adoção
voluntária, começou a ser utilizado na safra 1998/1999 e atingiu 85% dos
produtos da cana com comercialização nos preços de marcado. O Anexo I do
Regulamento, emitido pelo CONSECANA-SP, apresenta as Normas
Operacionais de Determinação da Qualidade da Cana–de–açúcar, onde se
estabelece a fórmula de cálculo do Açúcar Total Recuperável (ATR). Por sua
vez, o Anexo II apresenta a formação do preço da cana e a forma de
pagamento, sendo que as regras podem ser aplicadas em qualquer região do
estado de São Paulo. Destaca:
“Art. 3º – A determinação da concentração de ATR, tanto
para a cana da unidade industrial como do produtor, para
fins de cálculo do ATR Relativo, deve observar a seguinte
equação, além das normas operacionais expressas no
Anexo I deste Regulamento e nas normas
complementares expedidas pelo CONSECANA-SP: ATR
= 10 x PC x 1,05263 x (1 - 0,01 x PI) + 10 x ARC x (1 –
0,01 x PI), onde:
82
PC = pol da cana, que determina a quantidade de
sacarose aparente na cana-de-açúcar (vide o Anexo I); PI
= a perda industrial média dos açúcares contidos na cana-
de- açúcar em função dos processos industriais e
tecnológicos utilizados no Estado de São Paulo; ARC =
açúcares redutores, que determina a quantidade conjunta
de frutose e glicose contida na cana-de-açúcar (vide o
Anexo I); 1,05263 = coeficiente estequiométrico de
transformação da sacarose em açúcares redutores”.
(Manual de Instruções - Regulamento do CONSECANA-
SP).(grifo nosso)
No Anexo III do Regulamento citado acima há disposição das regras
contratuais mínimas para pactuar compra e venda de cana–de–açúcar, as
quais devem ser adotadas pelos integrantes do setor da agroindústria
canavieira que optarem pela adoção do sistema CONSECANA-SP. A título de
informação, o preço médio do ATR do mês de abril correspondeu a R$
0,4470/kg de ATR, conforme a circular nº 03/13 de 30 de abril de 2013. Abaixo,
apresentada-se um quadro de precificação do ATR, emitida pelo
CONSECANA-SP.
Quadro 1 - Os valores de ATR aplicados nas safras de 2007/2008 a
2011/2012.
Preço médio pago para cana-de-açúcar entregue pelos fornecedores no Estado de São Paulo
Valores médios calculados a partir dos dados e metodologia adotada pelo Consecana-SP1
Safra
Concentração de açúcares na
cana2 (Kg ATR/t )
Preço final do ATR (R$/kg ATR)
Preço médio da cana entregue
pelos fornecedores
(R$/t)
2007/2008 146,57 0,2443 35,81
2008/2009 143,25 0,2782 39,85
2009/2010 132,75 0,3492 46,36
2010/2011 143,36 0,4022 57,66
2011/2012 140,17 0,5018 70,34
83
1 O Consecana-SP é um modelo voluntário que estabelece parâmetros e procedimentos para a definição do preço da cana-de-açúcar entregue pelos fornecedores. Para maiores informações consultar o manual do modelo, disponível em www.unica.com.br/unicadata. ²ATR - Açúcares Totais Recuperáveis
Fonte: Site da União da Indústria de Cana-de-açúcar – UNICA.
Há dois fatores importantes a serem destacados em relação à
remuneração dos produtores. A primeira é a falta de controle do fornecedor
sobre a aplicação da fórmula do ATR; a segunda consiste na dedução dos
gastos que a usina possui com a disponibilização de maquinário, força de
trabalho (operador da colhedeira e transbordo) e transporte – Cláusula CCT
(corte, carregamento e transporte).
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA lista a
importância e as vantagens dos fornecedores de cana produzirem e
administrarem sua lavoura:
“[...] A probabilidade de obterem lucro maior por área
utilizada: aproveitamento racional da infra-estrutura de
veículos, máquinas e equipamentos existentes;
aproveitamento da mão-de-obra familiar e de
empregados efetivos e formalizados; (...) Pulverização
das compras de insumos e produtos em geral no
comércio local e regional; (...) Participação ativa no
processo de evolução do setor em todos os aspectos.”.
(CONFEDERAÇÃO da Agricultura e Pecuária do Brasil –
CNA).
A utilização da sistemática do CONSECANA – SP foi confirmada pelo
entrevistado 1. Ele informou que se aplica a fórmula do ATR (Açúcar Total
Recuperável) para o pagamento da produção, pois os contratos com as usinas
são realizados pelo sistema da CONSECANA. Disse, ainda, ter conhecimento
da existência de contratos com valor de ATR pré-fixado por tonelada de cana
produzida. Contudo, o mais comum, em média 90% dos contratos, é
estabelecer o pagamento do ATR referente ao mês de pagamento.
Um fator importante, que influencia diretamente no cálculo da
remuneração a ser paga ao fornecedor de cana, é a cláusula contratual
chamada Corte, Carregamento e Transporte - CCT, oriunda de um acordo
entre as usinas e as associações que representam a classe dos produtores.
84
Esta prevê os descontos referentes às despesas com o corte mecanizado, a
utilização do transbordo e do transporte da cana até a usina. O custo do corte é
padronizado, fixo. A despesa com transporte, porém, é calculado de acordo
com a distância existente entre a propriedade rural e a usina. A título de
exemplo, o produtor entrevistado 1 pagou CCT equivalente a R$ 23 reais por
tonelada colhida em maio/2013, com distância equivalente a 30 km de trajeto.
Como a colhedora e o transbordo são de grande porte, as áreas de
aclive ou declive acentuado, bem como as regiões de difícil acesso, são
recusadas pela usina. Esta não fará contratos de fornecimento com
proprietários que possuam imóveis nestas condições. (Entrevistado 1).
Segundo informações dos produtores entrevistados e do Presidente do
Sindicato dos Produtores Rurais de Lavínia, estima-se que a usina não
disponibilizará o maquinário para safras futuras. Nesse sentido, os agricultores
necessitarão organizar-se em forma de associações ou cooperativas para
aquisição do maquinário. O cálculo, estimado por um agrônomo especializado
na cultura de cana, é ser proprietário de no mínimo 13 mil alqueires plantados
para adquirir e manter uma colhedora sem prejuízo econômico.
Dentre várias questões contratuais controvertidas, o entrevistado 2,
médio fornecedor de cana, destaca que:
Um dos fatores é que a usina está querendo que a cana
seja entregue lá dentro. Assim eles recebem a cana,
moem e produz o álcool e o produtor tem que arcar com
todo esse processo. Acredito que futuramente a usina não
vai mais plantar cana. O plantio, o corte e o transporte
ficará por conta do produtor.
Na visão do entrevistado a usina buscará, cada vez mais, a contratação
de fornecedores e parceiros rurais, por ser mais rentável a ela a cana ser
entregue na esteira sem que o usineiro necessite ter um primeiro capital para
adquirir terras e um segundo para fazê-las produzir. É bem mais barato e
simples fazer o controle para obter qualidade na produção e comprar
diretamente de quem cultiva, considerando-se que o produtor está sujeito às
normatizações que tem que observar no trabalho real.
A Usina X informa, através do seu site, que possui mais de 3.500
parceiros estratégicos, os quais são responsáveis por 50% de toda a matéria-
85
prima produzida pela empresa. (http://pt.raizen.com.br/pt-br/a-raizen). O
número de parceiros das demais usinas deve ser semelhante.
A imagem de satélite revela que em alguns municípios as áreas
agricultáveis foram totalmente “abocanhadas” pelas usinas. Com a saturação
de áreas tradicionais no cultivo de cana, como Ribeirão Preto e Piracicaba, a
indústria implementa novas usinas ou compra usinas menores em região não
tradicionais no cultivo, como a região Administrativa de Araçatuba, mas que
atenderão aos anseios por matéria prima. Observa-se a expansão de cana no
Município de Valparaíso – SP entre os anos de 2003 e 2012. As cores verde e
marrom identificam as áreas de plantio de cana:
Figura 2. Áreas de cana em Valparaíso-SP - 2003. Imagem CANASAT.
Abaixo a imagem que corresponde à safra de 2012:
Figura 3. Áreas de cana em Valparaíso-SP - 2012. Imagem CANASAT.
86
Para auxiliar as usinas e os produtores na escolha de áreas com melhor
rentabilidade na produção de cana, há metodologias de catalogação de áreas
feitas por pesquisadores (BRANCO, 2013), indicando fatores agronômicos
(como o tipo de solo propício para o desenvolvimento da cana, o preço da terra
arrendada e a infraestrutura de transporte para escoar a produção) para a
tomada de decisão no momento de efetuar a compra de áreas e firmar
contratos de arrendamentos. (http://www.brasilagro.com.br).
Os objetivos estão sempre voltados à expansão canavieira determinada
pela força do capital. De fato, a produção sucroenergética, com capital
estrangeiro e nacional, aumentará significativamente nos próximos anos;
assim, a busca por áreas agricultáveis também aumentará. “O capital
estrangeiro está no campo”, escreve Ianni. (1984, p. 153).
3.4 A Disparidade Contratual entre a Usina e os Produtores de Cana
Analisando o conteúdo das entrevistas realizadas e correlacionando-o
com as informações sobre custos de produção apresentados por outros
pesquisadores da matéria (OLIVEIRA, 2010; PICANÇO FILHO E MARIN, 2012;
BELLINGIERI E FERNANDES, 2009, identificou-se a disparidade entre os
fornecedores de matéria-prima e a usinas na formação dos contratos de
arrendamento, fornecimento ou parceria, ocasionada pela hipossuficiência do
produtor em relação ao poderio do setor sucroenergético.
As usinas possuem o aparato tecnológico, mercadológico, econômico
financeiro e administrativo para a formação de um contrato de compra de cana
que atenda aos seus anseios e lhes garanta a lucratividade esperada. Em
contrapartida, os fornecedores de cana, ainda que assistidos por sindicatos,
associações e profissionais da área jurídica e contábil, não alcançam o mesmo
status da indústria canavieira no que diz respeito à discussão das cláusulas.
Segundo os entrevistados 1, 2 e 4 os fornecedores subordinam-se aos
regramentos impostos pelas usinas, sendo que muitos deles são padronizados
e não há possibilidade de modificação. Um exemplo citado foi a programação
de corte mecanizado,feita pela Usina, momento em que determina quando e
quais propriedades serão submetidas as colheitas, mesmo que, em algumas
situações, a cana pudesse permanecer por mais tempo no campo para
aumentar sua produtividade, o produtor se submete a aplicação de maturador e
87
o corte é realizado. Há pouco espaço para que o trabalho real possa
renormatizar-se face ao trabalho prescrito.
O Estado vislumbrou a necessidade de intervir por meio de legislações e
regulamentos, na tentativa de equiparar as partes contratantes1. Atualmente os
contratos são regidos, também, pelas disposições do Código Civil de 2002, o
qual regulamenta as espécies de contratos previstos no ordenamento jurídico e
estabelece princípios gerais para a sua formação, estabelecendo no art. 425
que “é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais
fixadas neste Código”. (BRASIL, 2002).
Dentre estes princípios e normas gerais do Código Civil destaca-se o da
função social do contrato que “somente será cumprida quando a sua finalidade
– distribuição de riqueza – for atingida de forma justa, ou seja, quando o
contrato representar uma fonte de equilíbrio social”. (GONÇALVES, 2012, p.
26).
A forma de remuneração da cana foi criticada pelo entrevistado 2
durante seu depoimento. Ele dá, primeiramente, a informação:
Uma das grandes polêmicas é o aproveitamento do
bagaço da cana. A usina paga para o produtor o caldo da
cana, o bagaço gera energia, serve de adubo, forragem.
Se transformado pode ser feito ração animal e esse
bagaço fica na usina. Do bagaço dá para tirar etanol que
antes era extraído do eucalipto. Visitei uma fazenda em
Campinas há 30 anos, que após tirado a garapa da cana
eles jogavam o bagaço no campo para enriquecer o solo,
matéria orgânica.
A seguir, expõe a sua ideia:
Deveria ter interesse por parte das associações de
produtores de cana e do sindicato a procurar nas
universidades projetos que estão com certeza lá parados
de pesquisadores como você, que fabricassem
maquinários, para na roça extrair a garapa da cana e já
1 As primeiras medidas estatais foram: em 1933, criou-se o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA); elaborou-se o Estatuto da Lavoura Canavieira, Decreto-Lei nº 3.855 de 21 de novembro
88
deixar o bagaço no campo, porque já que a usina não
paga para o produtor o bagaço então deixa na roça.
O bagaço da cana comercialmente pode ser utilizado para fabricação de
ração animal, para geração de energia da própria usina e para transformar em
adubo orgânico. Há anos, as usinas utilizam o bagaço para produção de
energia, a qual é consumida internamente, reduzindo gastos com energia
fornecida pelas concessionárias de energia elétrica. Com o aprimoramento da
técnica, a produção gerou excedente, o qual, na região centro-oeste, passou a
ser comercializado pelas indústrias na entressafra. (ALVES, 2006)
Estudos demonstram a evolução deste processo, os ganhos e reduções
de gastos das usinas, bem como o empenho das associações e centros
tecnológicos em acelerar os estudos para otimização do aproveitamento
energético de algumas usinas, ao ponto de torná-las autossuficientes em
energia. Segundo ALVES (2006, s/p):
“A energia gerada por co-geração, produção simultânea
de energia térmica, mecânica e elétrica, proveniente da
queima do bagaço em caldeiras, permite um
aproveitamento de cerca de 15% da energia total do
bagaço”.
Dessa forma, o interesse pelo bagaço da cana está ligado ao ganho, ao
lucro que a usina possa angariar com a sua transformação em mercadoria.
Para se ter uma noção da quantidade de bagaço que pode ser utilizado na
produção de energia, a moagem de cana-de-açúcar na safra de 2012/2013
correspondeu a 329.923 mil toneladas no estado de São Paulo. Também foram
produzidas 23.289 mil toneladas de açúcar, 5.600 mil m3 de Etanol Anidro,
6.230 mil m3 de Etanol Hidratado e 11.830 mil m3 de Etanol Total. (UNIÃO da
Indústria e Cana de Açúcar – ÚNICA e UNICADATA).
A questão não é a falta de destinação do subproduto, as opções
disponíveis são variadas, o cerne da discussão está na rentabilidade que este
pode gerar à indústria, ou seja, o aproveitamento que a Usina dará ao bagaço.
Convém adotar soluções que aumentem a rentabilidade dos oligopólios. E o
Estado, como interessado em formas alternativas de produção da energia,
de 1941; o Decreto – Lei nº 6.969 de 19 de outubro de 1944; o Estatuto da Lavoura Canavieira; e o Estatuto da Terra - Lei n° 4.504 de 1964.
89
potencialmente apoiará as indústrias do setor, ao menos já debate esta
questão com os usineiros e donos de destilaria desde a década de 90. (ALVES,
2006).
Tem-se claramente um duplo significado nas palavras do produtor de
cana, (Entrevistado 2): a questão da ciência da Universidade e dos
pesquisadores, cujos resultados investigativos não favorecem o agricultor; e a
questão do aproveitamento do bagaço da cana.
A referência que faz o entrevistado 2 consiste numa crítica à ciência que
se coloca a serviço do capital: “procurar nas universidades [...] pesquisadores
como você, que fabricassem maquinários que na roça extrairia a garapa da
cana e já deixava o bagaço no campo”. Tendo dito anteriormente que as
universidades criam novas possibilidades de aproveitamento do bagaço,
“cutuca” agora os pesquisadores que não criam uma máquina que favorece o
produtor. Isso, porque a usina “não paga para o produtor o bagaço”. Da análise
feita sobre a posição do entrevistado 2, há clara indicação de que a ciência não
é do trabalhador, pois, para ele, o saber é dominado e controlado pelos que
detêm o capital. O entrevistado afirma que o trabalhador também quer
apropriar-se dos resultados científicos ou que os pesquisadores criem um
maquinário em favor dos produtores rurais. A questão é: quem se apropria dos
resultados da ciência e a utiliza de forma privada?
Ele tem razão ao comentar que “a usina paga para o produtor o caldo da
cana. O bagaço gera energia, serve de adubo, forragem. Se transformado,
pode ser feito ração animal e esse bagaço fica na usina. O bagaço não é
pago”. Há anos, as universidades públicas e particulares do país desenvolvem
pesquisas no sentido de aperfeiçoar a produção sucroenergética, aproveitando
todos os produtos e subprodutos da cana. Até mesmo a palha da cana que era
queimada para facilitar o corte já é utilizada como geradora de energia. Assim,
otimizar o processo de aproveitamento do bagaço da cana, obter energia
elétrica e gerar excedente, é uma meta que visa à redução dos impactos
ambientais da cultura da cana e à sustentabilidade na produção e fornecimento
de eletricidade às indústrias do setor sucroenergético e ao consumidor comum.
No pensamento do entrevistado 2 as usinas deixam de pagar uma parte
do produto, cujo trabalho foi despendido por ele. O entrevistado explicita o
significado de uma cultura histórica do trabalhador rural, que se desenvolve a
90
partir do trabalho real, que acumulou experiências e habilidades. Ele pensa
uma divisão entre o caldo da cana e o bagaço. Historiciza a questão: antes, a
usina não aproveitava o bagaço e a cana tinha o mesmo preço; agora, o
usineiro aproveita o bagaço como energia de sua empresa, mas, não paga esta
parte ao fornecedor. Paga a sacarose e não paga o bagaço.
Tem-se aqui um senso crítico muito forte, que teve origem na prática do
trabalho real. O fornecedor pensa o valor que o seu trabalho acrescenta ao
produto e este valor agregado não é pago. Revela a parte não paga. Desmonta
a aparência de que “cana é cana”, tanto em décadas passadas quanto na
produção atual. O argumento do fornecedor é historicizado porque, antes, na
distribuição, a cana escondia sua dupla produção de valor e, agora, o bagaço
revela-se um valor produzido pelo trabalho do fornecedor: o bagaço, agora, é
valor-de-uso, transformado em valor-de-troca, cujo trabalho, despendido para o
produzir, não é pago. O aproveitamento do bagaço - que, na opinião do
entrevistado, não é pago - está exposto na mudança de denominação, de
“sucroalcooleiras”; passaram a ser “sucroenergéticas”.
O fornecedor não considera nefasta a ciência que está em poder do
capital, porque entende os resultados científicos do pesquisador, a quem ele
cutuca, não estão em seu próprio domínio, mas em domínio do usineiro. Ao
“cutucar” a pesquisadora, solicita que a ciência descubra, também, aspectos de
seu interesse, que ele próprio possa apropriar-se de resultados investigativos,
fato que lhe estão sonegados. Como se percebe, ele entende que a ciência é
universal e seus resultados são universais que devem situar-se também no
domínio do trabalhador. O seu entendimento adquire o significado de denúncia:
por que os pesquisadores não inventam algo que favoreça o trabalhador?
É o que SAVIANI afirma quando solicita que se trilhe “um caminho sem
retorno no processo de reapropriação, por parte das camadas trabalhadoras,
do conhecimento elaborado e acumulado historicamente”. (SAVIANI, 2005, p.
64). No fundamento de tudo está o trabalho que produz valor, o que aparece
escondido: “O capital se torna sumamente místico, pois, todas as forças
produtivas sociais do trabalho parecem provir, brotar dele mesmo e não do
trabalho como tal” (MARX, 1980, p. 92).
A legislação visa coibir a disparidade econômica das partes, restaurando
o equilíbrio contratual e favorecendo a parte mais fraca na relação jurídica.
91
Contudo, com o oligopólio da produção sucroenérgica, aliada ao conhecimento
tecnológico monopolizado pelas indústrias do setor, os produtores rurais que
firmam contratos com as usinas ficam a mercê das disposições jurídicas.
Outro ponto de controvérsia na remuneração dos produtores é a
cláusula que estabelece os custos com a colheita da cana-de-açúcar, chamada
de Corte, Carregamento e Transporte – CCT. O que se discute é o valor
estabelecido que pode variar de 35% a 60% da receita bruta da produção, por
estar relacionada com a distância da lavoura até a usina e a média de ATR do
produto. PICANÇO FILHO e MARIN (2012, p.197) destacam que:
“A agroindústria canavieira monopoliza essa etapa da
produção, uma vez que detém os recursos logísticos,
financeiros, científicos e tecnológicos, materializados nos
equipamentos necessários para os serviços de colheita.
Detendo ainda os conhecimentos econômicos,
mercadológicos, jurídicos e contábeis, a usina elabora, à
revelia dos produtores, as respectivas planilhas de preço
que servirão de base para cobrança pela execução
desses serviços. Aos fornecedores de cana resta mesmo
acatar a decisão”.
Nas entrevistas realizadas com os produtores de cana, confirmou-se a
fixação desta cláusula e a variação dos custos com relação ao transporte e a
necessidade de se submeter à programação de corte mecanizado de cana
imposto pela usina (Entrevistados 1 e 2). Esta possui todo o aparato
tecnológico (maquinário) para execução das atividades no campo. O ideal,
conforme narrado neste trabalho, é que o produtor detivesse seu próprio
maquinário e tecnologia necessária para o cultivo, pois a rentabilidade da
produção seria maior, tendo em vista que não haveria os descontos da cláusula
de CCT. Contudo o investimento é elevadíssimo, o que inviabiliza que os
pequenos e médios fornecedores façam suas aquisições.
Apesar das fórmulas intrincadas de cálculo da remuneração dos
produtores, das pesquisas realizadas no estado de São Paulo e das queixas
apresentadas pelos produtores, o entrevistado 01, médio produtor de cana,
declarou que a produção de cana está mais rentável que a pecuária, motivo
pelo qual optou pela produção desta cultura e acata as determinações da
92
Usina. Ou seja, ainda que haja a inconformidade dos produtores, eles se
submetem ao movimento do capital, o qual está interligado aos fatores
econômicos e de valoração dos bens e serviços. Ainda que a remuneração
imposta não seja o ideal esperado, a produção ocorre, pois a rentabilidade é
assegurada neste cenário de expansão do setor sucroenergético.
4 Conclusão
O estudo investigou contratações firmadas entre usinas e fornecedores
para obtenção de matéria-prima e os impactos socioeconômicos advindos
desta relação obrigacional.
As usinas acumulam capital utilizando vários tipos de exploração do
trabalho. Um deles é o trabalho do proprietário fornecedor. Coerente com as
relações sociais, a conduta expropriatória, assumida pelos oligopólios
sucroenergéticos, no que diz respeito ao trabalhador braçal e aos
fornecedores, garante o fornecimento de matéria-prima, abastecendo as usinas
com o produto empregado na produção de açúcar, álcool e energia. Daí a
necessidade de disposições contratuais. O que se percebeu é que elas estão
postas a serviço do capital e, como tais, o fornecedor se beneficia, garantindo-
lhe a venda de sua produção. Coloca-se no primeiro plano, tanto para os
contratos como para as precificações, a eficiência e o lucro das usinas: maior
produtividade com menor custo.
A partir de sua situação de trabalho, o produtor interpreta a realidade
objetiva e a precificação imposta pelas usinas e a reinterpreta ao constatar a
sua subordinação às normas do cultivo e à remuneração imposta pelo usineiro,
além de detectar que a ciência, no caso específico, só favorece o capital.
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96
Artigo III
O Cultivo da Cana-de-açúcar, a Reestruturação Produtiva e suas
Consequências Sociais nos Municípios de Mirandópolis, Lavínia e
Valparaíso – SP
Isa Maria Formaggio Marques Guerini
Resumo
As consequências sociais decorrentes das modificações na estrutura fundiária
dos municípios que instalaram usinas sucroenergéticas são objeto deste artigo.
O objetivo foi analisar o desemprego oriundo da substituição do trabalho braçal
pelo maquinário no cultivo da cana, que impôs, também, uma nova função
social do Estado. O estudo foca os municípios de Mirandópolis, Lavínia e
Valparaíso, SP. Os autores principais para a fundamentação da pesquisa foram
Alves (2003 e 2005), Ianni (1984), Marx (1980 e 1985), Silva (1999), Meszáros,
(2011) e Vieira e Simon (2005). Os instrumentos para levantamento de dados
empíricos foram questionários, aplicados aos trabalhadores das lavouras de
cana, aos produtores rurais e aos presidentes de sindicatos; observações em
situação de trabalho e captura de imagens fotográficas e do CANASAT. No
caso do setor sucroenergético, os resultados evidenciaram que a instalação de
usinas implicou um tipo particular de organização técnica do trabalho, que
readequou a burguesia local e realizou o rearranjo da estrutura social. Houve o
desenvolvimento das forças produtivas, o fechamento de postos de emprego e
mudanças nas relações de produção. A introdução do maquinário substituiu o
trabalho braçal, causando o desemprego e a tensão social. O Estado, além de
financiar a produção, passou a exercer, também, a função de realocar os
trabalhadores desempregados em atividades improdutivas.
Palavras–chave: Oligopólio. Usina Sucroenergética. Funções do Estado.
Trabalho Improdutivo.
Abstract
The social consequences resulting from the changes in the land ownership of
the municipalities which have installed sugarcane plants are the subject of this
article. The aim was to analyze the unemployment derived from the
97
replacement of the manual labor by machinery in the cultivation of sugarcane,
which also imposed a new social function of the state. The study focuses
Mirandópolis, Lavínia and Valparaíso, SP municipalities. The main authors for
the research justification were Alves (2003 and 2005), Ianni (1984), Marx (1980
and 1985), Silva (1999), Meszáros, (2011) and Vieira and Simon (2005). The
tools for the empirical data collection were questionnaires, applied to the
sugarcane workers, to the farmers and to the presidents of the unions;
observations about work situation and capture of photographic images and from
CANASAT. In the case of the sugarcane sector, the results showed that the
installation of the power plants involved a particular type of technical
organization of the labor, which readjusted the local bourgeoisie and made the
rearrangement of the social structure. There was the development of the
productive forces, the shutdown of employment creation and changes in the
production relations. The introduction of the machinery replaced the manual
labor, causing the unemployment and the social tension. The State, besides
financing the production, also started acting the function of relocating the
unemployed workers in unproductive activities.
Keywords: Oligopoly. Sugarcane Plant. State Functions. Unproductive work.
1 Introdução
O objeto deste estudo são as modificações da estrutura fundiária e
social, ocorridas na produção da cana-de-açúcar, em três municípios paulistas,
com a instalação de usinas sucroenergéticas que pressionaram os pequenos e
médios proprietários de terra e os fazendeiros a reorganizar ou dinamizar seus
empreendimentos e obrigaram o Estado e exercer uma nova função social em
relação aos trabalhadores desempregados. A formação da economia
açucareira nos municípios provocou modificações no campo e na cidade. As
usinas instalaram um tipo particular de organização capitalista de produção,
adequada aos seus interesses econômicos; e, dessa forma, mudaram a
estrutura fundiária dos municípios, além de associar, absorver e subjugar a
burguesia local, no dizer de Ianni, (1984, p. 40) “aos interesses do capital
aagroindustrial comandado pelo usineiro”.
98
A modificação dos métodos de cultivo da cana, com a introdução de
maquinário e de equipamentos a substituir o trabalho braçal, acarretou o
desemprego. Como decorrência do desemprego dos trabalhadores rurais, o
Estado, permanecendo no seu papel de financiar a produção, exerceu,
também, a função de assumir o trabalho improdutivo.
O tema teve por fundamento a situação de desemprego dos
trabalhadores rurais que, antes, eram empregados no cultivo da cana-de-
açúcar. O poder público participou do momento social, apresentando-se como
o Estado do capital e não somente o Estado dos capitalistas. A ele coube
organizar o parasitismo social. O mundo de desempregados, jogados fora das
profissões condenadas pelo desenvolvimento das forças produtivas, é a
situação em que se dá a nova função do Estado: cuidar do trabalho
improdutivo. De um lado, o Estado, diante das necessidades das empresas,
procurou capacitar os operadores de máquinas, mediante parcerias e cursos
técnicos e, de outro, começou a cuidar dos trabalhadores desempregados que
não foram aproveitados nas empresas, ou seja, cuidou do capital improdutivo.
Para a realização da pesquisa elegeram-se como loci três municípios
localizados na Região Administrativa de Araçatuba, São Paulo, onde a cana-
de-açúcar representa a principal produção agrícola: Mirandópolis, Lavínia e
Valparaíso. A região abriga usinas sucroenergéticas, com clima e o solo
favoráveis à referida cultura. A expansão do cultivo de cana e das usinas é
realizada pelo capital oligopolizado e pelos incentivos fornecidos pelo Estado,
manifestou-se de forma singular nos três municípios, seguindo as relações da
sociedade capitalista.
Justifica-se o estudo pelo contexto histórico de produção agrícola
realizada com trabalho imediato que, ao passar dos anos, cedeu lugar à
exploração de monoculturas com trabalho assalariado, tornando-se a região
uma das mais desenvolvidas, em termos de forças produtivas no ramo da
cana.
O objetivo do estudo foi analisar o desemprego oriundo da substituição
do trabalho braçal pelo maquinário no cultivo da cana, - rearranjo técnico e
social - que propiciou o exercício da nova função social do Estado.
99
2 Procedimentos Metodológicos
Os procedimentos metodológicos empregador para a coleta e o
ordenamento dos dados consistiram em levantamento de documentos, com
dados colhidos nos sites das empresas. Consistiram, ainda, na aplicação de
um questionário e na realização de entrevistas com presidente do sindicato dos
trabalhadores rurais; com presidente do sindicato dos produtores rurais; com
trabalhadores que cultivam/cultivaram a cana-de-açúcar; e com empregados
das usinas, estes, inquiridos sobre as modificações ocorridas na lavoura de
cana. Utilizou-se, também, a metodologia de observação em situação de
trabalho, em seis visitas realizadas nos locais de trabalho, nas lavouras de
cana-de-açúcar, com registros de observações e de depoimentos.
Para a análise aplicou-se a categoria singular/universal, sendo o objeto
de estudo a singularidade da investigação, mediada pela universalidade que os
dados expressavam. Segundo ALVES (2003, p. 11), “O singular é a
manifestação, no espaço convencionado, de como leis gerais do universal
operam dando-lhe uma configuração específica. Universal e singular, nessa
perspectiva, são indissociáveis”.
3 Resultados e Discussão
Antes o trabalho nas lavouras de cana era realizado por pequenos e
médios produtores em regime de economia familiar. Também existiram
fazendeiros de diversos cultivos. A transformação do modo de vida do
trabalhador agrícola ocorreu com a expropriação de suas terras, com o
arrendamento ou com o assalariamento do trabalhador rural. Nos três casos,
expropriou-se o conhecimento da totalidade do cultivo da cana.
Durante a expansão da produção de açúcar e álcool, as frentes de
trabalho no campo aumentaram e as tarefas de produção passaram a ser
desempenhadas por diversos trabalhadores que provinham de todo o país em
busca de atividades de safras. Conhecidos como “bóias-frias”, os trabalhadores
temporários sujeitavam-se ao trabalho degradante, insalubre e ao máximo da
exploração de sua força de trabalho. Os relatos dessas situações são
conhecidos há décadas e analisados por vários pesquisadores da área, como
D´Incao (1984): não recebiam os valores combinados pela produção ou pelo
100
dia de trabalho; excediam as jornadas de trabalho para melhorar o ganho; e os
salários acabavam por bancar suas despesas nos alojamentos fornecidos
pelos próprios empregadores. Na região não foi diferente. Mas, na nossa
pesquisa observou-se que a mecanização do processo de cultivo da cana e a
proibição da queima da palha reduziram os postos de trabalho. Observou-se
que, no plantio e no corte da cana, não existem mais trabalhadores temporários
oriundos de outros estados brasileiros.
A mecanização da lavoura ocorre o que escreve IANNI (1984, p. 94):
“Ao mesmo tempo, “despovoa-se” e urbaniza-se o campo.
À medida que se expande o capital agroindustrial, que
aumenta a composição orgânica do capital nos negócios
da cana, reduz-se o contingente de trabalhadores
residentes nas áreas dos canaviais”.
Pelas entrevistas realizadas nos loci da pesquisa, apresenta-se um
contingente de trabalhadores diversos no cultivo da cana, como empregados
que possuem Carteira de Trabalho e Previdência registrada e com contrato de
trabalho por prazo indeterminado; trabalhadores temporários, os quais são
contratados para realização de determinada atividade na produção da cana,
como plantio ou corte e depois são dispensados; trabalhadores autônomos que
prestam serviços, tendo como exemplo os motoristas de caminhão ou trator
que recebem pela empreitada e não possuem contrato de trabalho.
Os trabalhadores entrevistados, que residem na região estudada, ou
são empregados de três usinas alocadas na região, ou são contratados por
médios produtores de cana que fornecem a matéria-prima para as usinas.
Identificou-se também a terceirização do trabalho, localizada no plantio da cana
e na manutenção da lavoura.
Observando-se o movimento que está em curso, foi reduzido o número
de trabalhadores, principalmente com o término dos trabalhadores temporários
vindos de outros estados, e, a partir de 2014, as frentes de trabalho braçal do
plantio diminuirão ainda mais, diante da inserção de máquinas que realizam
plantio, manutenção e colheita nas lavouras de cana-de-açúcar. Conforme
informação prestada na entrevista de um encarregado de campo (Entrevistado
6), os trabalhadores são: “De Lavínia e Mirandópolis, os quais trabalham em
101
Valparaíso. Até 2013, tinha mineiro, mas diminuiu as pessoas porque não
queima mais a palha da cana. Neste ano só corta cana na palha”.
A nova base técnica do trabalho utiliza “dimensões novas do capitalismo
no campo”. Tem-se, também, “uma crescente rearticulação das antigas formas
de produção com a nova estrutura econômica brasileira”. (IANNI, 1984, p.148).
A usina ou a empresa terceirizada cultivam a cana. Plantam, zelam pela
planta, aplicam os nutrientes e os agrotóxicos e, por fim, colhem a cana. Só
necessitam de terra disponível, que conseguem na disputa pelo solo, em
termos de sua propriedade particular ou de parcerias e arrendamentos.
Depoimentos coincidem com a ideia da inutilidade do emprego agrícola, pois o
cultivo da cana não necessita mais do trabalho direto do pequeno proprietário.
Isso porque o trabalho real é totalmente objetivado pelas normatizações e
pelas forças produtivas novas. A produção, em nova escala crescente,
necessita de agentes especializados, “uma categoria social nova. Não é uma
classe, mas, é uma categoria que merece atenção: é a tecnocracia que se
expande no campo” (IANNI, 1984, p. 152). A transformação de alguns
agricultores em operadores de máquinas agrícolas é fato, posto que em
quantidade pequena. Tem-se, agora, a realidade de engenheiros agrônomos,
economistas, contadores, administradores, supervisores, “exercendo, numa
escala crescente, atividades no mundo rural”. (IANNI, 1984, 152). No caso
deste estudo, o pequeno e médio proprietário arrenda a terra e nela atua,
agora, a nova tecnocracia do campo, enquanto ele próprio tem o direito do não-
trabalho ou da renda da terra, por menor que seja, mudando-se, geralmente,
para os arredores da cidade.
Depoimentos feitos em situação de trabalho afirmaram que as usinas
sucroenergéticas não cresceram, de pequenas para médias e, depois, para
grandes empresas. Surgiram instaladas em pouco tempo, com capital e
tecnologia importados. Essa afirmação coincide com a de Ianni (1984, p.42s)
que estudou a origem das usinas em Sertãozinho, na década de 1970,
definindo que elas, atualmente, não nascem mais de pequenos produtores de
aguardente e de açúcar, que, no passar dos tempos, ampliavam suas
instalações industriais e aumentavam sua produção até chegar a uma usina
moderna, como foi o caso das usinas modernas de Sertãozinho. O autor
escreve que na atualidade a usina tem sua origem no grande capital
102
internacional e nacional, nas forças produtivas desenvolvidas e na ação do
Estado. Este conjunto de esforços instala, de forma imediata, a usina mais
moderna onde há interesse.
Quando se instala numa região, o usineiro não transforma apenas a
estrutura fundiária, a estrutura social e as forças produtivas. O usineiro
transforma, também, as relações sociais, subordinando as burguesias locais à
forma capitalista por ele introduzido nos municípios. É o que se observou com
o crescimento de lojas, serviços públicos e particulares, oficinas, um aumento
exigido pelas novas necessidades da usina.
Além de eleger as terras mais propícias para o plantio da cana e
desapropriar o pequeno e médio produtor do conhecimento da totalidade da
produção, a usina também seleciona a força de trabalho que lhe interessa. Ao
selecionar, dispensa um grande número de trabalhadores que se tornarão um
exército de reserva, sob a custódia do Estado que cuidará do trabalho
improdutivo.
3.1 A Relação do Produtor Rural com a Usina
O capitalismo não descansa enquanto não tiver convertido todo o
trabalho em trabalho assalariado. Ou seja, ele necessita do trabalho produtivo
para a geração de mais-valia. Com isso, converte a matéria em riqueza
almejada pela burguesia e transforma o trabalhador rural em proletário ou
submete o agricultor à forma de pensar, de ser e de produzir da usina. Nesse
sentido, TEDESCO (1999, p. 194) denomina o trabalho imediato e
independente do proprietário rural como “assalariado disfarçado”, quando o
trabalhador rural ainda detinha os meios de produção e trabalhava em
economia familiar. Como proprietário e assalariado disfarçado. Isso ocorria nas
pequenas e médias propriedades dos três municípios da região em estudo. À
medida que se desenvolveram as forças produtivas, por meio da tecnologia e
da mecanização da lavoura do campo (maquinário), o trabalho na região rural
mudou sua base técnica.
O trabalho do pequeno produtor, utilizando as antigas ferramentas de
trabalho, como o facão no cultivo manual, foi superado por nova base técnica.
O pequeno e médio proprietário rural ainda permanece em algumas regiões do
país, executando determinadas atividades com os meios de produção que
103
possui. Mas, se não tiver ligação direta com a cooperativa e o agronegócio, a
agricultura familiar pode se tornar uma categoria desenganada, fadada ao
desaparecimento no cultivo da cana.
O que se observou nos municípios produtores de cana foi a direta
ligação e a submissão da produção ao modo de ser do capitalismo instituído
pela usina. O trabalhador rural passou a ser subordinado ao capital, destinando
sua propriedade rural para a forma de produção desejada pelas empresas
oligopólicas do açúcar, do álcool e da energia.
MARX (1985, p. 706) aponta o que foi uma tendência no século XIX e
está em vigor na economia atual:
“O modo capitalista de produção desapropria o
trabalhador das condições de produção, e do mesmo
modo na agricultura subtrai a propriedade ao trabalhador
agrícola e subordina-o a um capitalista que explora a
agricultura para conseguir lucro”.
Aos poucos os pequenos e médios lavradores dos três municípios foram
se deslocando para as cidades em busca de novos recursos financeiros para a
manutenção de suas famílias, visto que a produção ditada pelo capital, por
vezes, não supre as despesas para mantença.
Ou seja, o capital conduz ao empobrecimento do produtor imediato.
Nesse sentido, o entrevistado 7 narrou que, mesmo possuindo uma pequena
propriedade rural, atualmente trabalha como empregado e tratorista, a serviço
de um médio produtor de cana da região e cultiva uma pequena área de cana
apenas para alimentar as poucas cabeças de gado que possui. É o caso de
quem resiste à total proletarização e de quem não consegue extrair os recursos
necessários da agricultura familiar. Relatou também:
Na década de 80 e 90 eu produzia cebola, feijão, milho,
algodão, arroz e criava gado de corte, mas com o passar
do tempo essas atividades ficaram economicamente
inviáveis pela falta de marcado e o alto custo de produção.
Hoje só tenho algumas cabeças de gado. (Entrevistado 7).
O pequeno produtor rural não consegue concorrer com o preço dos
produtos que circulam no mercado. Dessa forma, a diversificação da lavoura
104
somente favorece a quem estiver ligado à cooperativa e subordinado ao
agronegócio.
O depoimento de um proprietário rural referiu-se a sua produção,
quando contava com a ajuda de 6 familiares e 10 empregados no serviço. A
produção atual conta com apenas 1 familiar. Seus filhos, com idades de 18 e
16 anos, estudam em colégios da cidade e nunca executaram qualquer
atividade no meio rural e não pretendem fazê-lo.
O entrevistado 3 trabalhou por vários anos na sua propriedade (décadas
de 80 e 90), mas, hoje, é empregado rural e trabalha na cana. Durante a
entrevista informou o que segue:
Estou trabalhando com cana há 5 anos. Fui pequeno
produtor rural. Plantava cana só para o consumo, para
alimentar o gado e animais. Trabalhava com agricultura
familiar. Eu fazia de tudo no cultivo da cana, desde o
plantio, passar herbicida até a colheita.
O trabalho qualificado, que engloba o conhecimento de todo o processo
da lavoura, ainda persiste, mas, não tem mais valor no cultivo que, atualmente,
é realizado com a divisão do trabalho e com o consequente trabalho
especializado. O mundo social no cultivo de cana é “um mundo em que domina
e predomina o usineiro” (IANNI, 1984, p. 62)
Outros pequenos proprietários, que foram entrevistados, sobrevivem,
atualmente, com os ganhos da aposentadoria, do arrendamento de suas terras,
da criação de rebanho reduzido de gado, ou possuem algum comércio na
cidade.
A modificação na estrutura social, a partir da presença do usineiro,
alcançou também os médios produtores de cana que foram entrevistados:
possuem, também, outras formas de renda, ligadas às atividades urbanas,
como posto de combustível e loja de material de construção. A pequena
burguesia urbana transmutou-se e adequou-se à nova forma de capitalismo
que a usina instalou nos municípios. Assim, observou-se que na área urbana
surgiram oficinas elétricas, mecânicas, retíficas de motores, oficinas de
reparos, lojas de venda de equipamentos de trabalho e comércio em geral.
Generalizaram-se as relações de trabalho, gerando o assalariamento e o
considerável aumento da população operária. Neste novo cenário, o campo
105
assistiu a grandes mudanças. SILVA (1999, p. 35-36) constatou este fenômeno
social ainda nas décadas do século passado:
“A partir da década de 70, o assalariamento generalizou-
se largamente na agricultura brasileira. De um contingente
de 15 milhões de trabalhadores em 1976, 4,9 milhões
eram assalariados, sendo a maior parte, 3,3 milhões,
composta de trabalhadores temporários ou “bóias-frias” e
1,6 milhões era permanente. Enquanto isso, cerca de 10
milhões de camponeses dividiam-se entre minifundiários
(4 milhões); pequenos posseiros (2,4 milhões) e rendeiros
e parceiros (4 milhões). Uma realidade nova,
principalmente no Sudeste e no centro – oeste, era a
expansão dos “bóias-frias”, trabalhadores agrícolas
formados, em sua parte, por população não-rural. Ou
seja, pessoas que trabalham no campo – são cortadores
de cana-de-açúcar, colhedores de café ou laranja, por
exemplo – mas moram em regiões urbanas, nas periferias
de grandes cidades ou em entroncamentos rodoviários”.
O processo de ocupação dos centros urbanos acentuou-se ainda mais
com a substituição da força de trabalho pelo maquinário no setor agrícola.
Merecem atenção os proprietários rurais que arrendam suas terras para
as empresas sucroenergéticas. O capitalista arrendatário paga ao arrendador
uma quantia estabelecida contratualmente para a exploração da terra. Esse
valor pago, denominado por MARX (1985, p. 710) de “renda fundiária”, é uma
forma que produz o capital para o arrendador e valoriza a propriedade fundiária
ao arrendatário. Dessa forma, observou-se a relação social entre o usineiro e o
proprietário da terra. Este fornece a terra e aquele explora o solo e obtém a
matéria-prima. Isso se dá mediante contratos de arrendamento entre o
proprietário da terra e, no caso das parcerias, o fornecedor, dono da terra,
“entrega” o produto, realizado de acordo com as normatizações da usina. Ele
necessita de boa renda capitalizada em terras, instrumentos e maquinário.
106
3.2 As Relações de Produção e o Trabalho Rural
Na sociedade civil, o capital impõe as condições de realização do
trabalho. O produto deste trabalho, no entanto, não é distribuído de forma
igualitária. A alienação do trabalhador resulta em que ele não é mais dono dos
meios de produção; nesta condição o trabalhador fica alienado do produto que
ele realizou.
Para o capitalismo o exército de reserva – também o rural – é saudável
porque, entre outros fatores, tem o poder de diminuir os salários. Para
MESZÁROS, há um exército de desempregados que nunca será resolvido,
pois, o desemprego é algo funcional a ele. O desemprego crônico assola
nações inteiras e toma proporções irreversíveis. Segundo o autor:
“No entanto, foi sistematicamente ignorado o fato de que
a tendência da “modernização” capitalista e o
deslocamento de uma grande quantidade de trabalho não
qualificado, em favor de uma quantidade bem menor de
trabalho qualificado, implicavam em última análise a
reversão da própria tendência: ou seja, o colapso da
‘modernização’ articulado a um desemprego maciço”.
(MESZÁROS, 2011, p. 1004-1005)
O autor acrescenta que o desemprego: “adquire o caráter de um
indicador do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo atual”. E que o
“problema não mais se restringe à difícil situação dos trabalhadores não
qualificados, mas atinge também um grande número de trabalhadores
altamente qualificados”. (MESZÁROS, 2011, p. 1004-1005)
A realidade anunciada pelos que estudam as relações sociais e a
influência do capital pode ser visualizada na evolução técnico-científica das
indústrias do setor sucroenergético, no que se refere à exclusão da força de
trabalho e à formação de exércitos de reserva. Segundo pesquisa efetuada por
VIEIRA e SIMON (2005, p. 2) “na Usina da Barra-SP, até o ano 2021, quando
não poderá haver mais queima de cana, serão dispensados 2.117
trabalhadores e contratados 177 trabalhadores especializados. Na Usina
Diamante-SP, serão substituídos 411 trabalhadores e contratados cerca de 14
especializados”.
107
A entrevista com o Presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de
Valparaíso – SP (Entrevistado 21, junho de 2013), abordou o desemprego da
população. O entrevistado informou que os moradores da região não estão
sofrendo o desemprego, pois eles têm seus empregos nas usinas e que houve,
sim, redução das frentes de trabalho no cultivo da cana – no plantio e no corte.
Uma grande parte (o entrevistado não soube precisar os dados numéricos) foi
capacitada através de cursos, oferecidos pelas usinas ou por convênios com o
estado e, hoje, desempenham funções de tratorista, motorista, operador de
máquina e trabalho interno da usina. Contudo, nestas funções são
aproveitados apenas aqueles que possuem maior nível de escolaridade e os
mais jovens.
Destacou que houve redução na contratação de trabalhadores oriundos
de outros estados, como mineiros e nordestinos, tradicionalmente presentes
nas colheitas. O presidente do sindicato estima que tenha ocorrido a redução
de 70% a 80% das contratações de pessoas que se deslocam de seus
estados. Contudo, alertou para a preocupação para com a situação dos
trabalhadores no próximo ano (2014), quando (possivelmente) todo o processo
estiver mecanizado. Naquele ano, a redução do emprego na região será
sentida e as medidas para realocar os trabalhadores deverão se intensificar.
Os dois sindicatos que representam os trabalhadores rurais da região
pesquisada, - Sindicato dos Empregados Rurais de Valparaíso e o Sindicato de
Mirandópolis e Lavínia - não possuem dados precisos sobre a quantidade de
trabalhadores rurais empregados, pois não dispõem de um serviço estatístico
que detecta o número de desempregados ou de realocados em outras funções.
Confirmam os presidentes que, apesar de haver projetos governamentais,
estes ainda são incipientes e não asseguram efetivamente a realocação do
trabalhador nas indústrias, usinas ou demais setores agrícolas. Em entrevista
ao jornal Correio do Estado, o então diretor-geral da Funtrab afirmou:
“Através destes cursos, atendemos essa demanda pontual,
oferecendo aos trabalhadores que já estão atuando no
setor, por exemplo, no corte de cana, que é uma função
que já tem data para acabar e que provoca um desgaste
muito grande. A chamada vida útil destes trabalhadores na
função é de no máximo 15 anos, é uma oportunidade de se
108
qualificar para atuar em outra atividade dentro da própria
usina”. (CORREIO DO ESTADO, março de 2011).
A usina não é capaz de absorver todo o corpo técnico que é capacitado
em cursos. Os cursos, oferecidos pelo Estado em parceria com as usinas, não
conseguem realocar todos os trabalhadores rurais desempregados. Os mais
jovens e com maior facilidade em compreender o funcionamento do maquinário
têm maiores chances de serem empregados para operar máquinas,
transbordo, tratores etc. Contudo, o trabalho, que antes era executado por mil
homens, atualmente necessita apenas de um motorista de transbordo e de um
operador da colhedora.
MARX (1996, p. 525), ao analisar a superpopulação fluente, que crescia
com o tamanho da indústria já demonstrou a tendência de atrair ou repelir
trabalhadores conforme as necessidades das fábricas:
“Se o acréscimo natural da massa trabalhadora não
satisfaz às necessidades de acumulação do capital e,
ainda assim, simultaneamente as ultrapassa, é uma
contradição de seu próprio movimento. Ele precisa de
massas maiores de trabalhadores em idade jovem, de
massas menores em idade adulta. A contradição não é
mais gritante do que a outra, a de que haja queixas
quando à carência de braços, ao mesmo tempo que
muitos milhares estão na rua, porque a divisão de
trabalho os acorrenta a determinado ramo de atividades”.
Entrevistados desta pesquisa já acenam planos para as próximas safras,
pois têm consciência de que, em dois ou três anos, seus empregos rurais serão
extintos ou reduzido significativamente na região estudada.
Os entrevistados, que estão na meia idade têm a preocupação maior
com a possibilidade de serem realocados no mercado do trabalho. Esgotados
pelo trabalho braçal realizado no campo e sem recursos financeiros para
investimentos, nos depoimentos colhidos pôde-se avaliar suas expectativas
para o futuro.
Duas entrevistadas do sexo feminino e com mais de 50 anos de idade
demonstraram não ter qualquer expectativa positiva de localizar um novo
109
emprego. Narraram que sempre desempenharam trabalho rural e que passarão
dificuldades quando o trabalho acabar. Quando questionadas, informaram que:
Eu preciso da roça, não estudei. Só sei trabalhar na roça,
nunca trabalhei de empregada. Não tendo o trabalho na
roça vou ficar desempregada, muita gente também.
(Entrevistada 8)
Fazia de tudo na roça. Plantava cebola, quebrava milho, o
que tivesse para trabalhar. Difícil saber o que vou fazer
quando não tiver mais a roça. Não sei o que vou fazer,
tenho que trabalhar em serviço temporário. Se eu
aguentar, vou trabalhar na cebola. (Entrevistada 19)
Uma ex-trabalhadora do corte de cana afirmou ter encontrado uma nova
atividade e está satisfeita com a mudança: “Cuido de pessoas de idade, e
doentes, cuido da casa, dou remédio e acompanho no médico. Não tive
dificuldades, porque cuidava dos meus pais. Fiquei surpresa, mas estou
gostando, é um trabalho calmo”. (Entrevistada 13). Substituindo um trabalho
formal por um emprego informal, ele atua agora sem soleiras, serenos ou frios
de inverno, mas, também sem previdência social.
Dentre os entrevistados do sexo masculino há, pelo menos, planos para
novas frentes de trabalho:
Trabalho como seleiro na entressafra e como motorista de
trator durante a safra. Não quero mais trabalhar na cana.
Quero abrir um comércio e trabalhar com couro, gosto de
artesanato. (Entrevistado 10)
Quando acabar a época de trabalho na cana eu pretendo
ficar na minha cidade, sei trabalhar com trator, sou
motorista. (Entrevistado 5)
Não sei o que vão fazer quando acabar o trabalho braçal.
Vão procurar outras coisas. Os jovens vão tirar carteira de
motorista, vão se virando, fazendo cursos. Os mais de
idade não sei o que vão fazer. Eu ainda posso trabalhar
no meu sítio, de tratorista, motorista. (Entrevistado 7)
O site da União da Indústria de Cana-de-Açúcar - UNICA noticiou, em
2012, que as Indústrias do setor sucroenergético, com base no Projeto
110
RenovAção, estão promovendo suas próprias ações para requalificação de
trabalhadores para atuarem em outras áreas. Cita-se como exemplo uma
trabalhadora, ex-cortadora de cana, que passou a exercer a função de
assistente elétrica automotiva. Segundo a entrevista postada no site, “apenas o
Projeto RenovAção, coordenado pela UNICA e pela Feraesp, já requalificou
4.550 trabalhadores em 83 usinas de processamento de cana localizadas no
Estado de São Paulo desde sua criação em 2009”. (Notícias UNICA, 2012). No
entanto, não revela o volume de trabalhadores que obtiveram um novo
emprego.
Na região de estudo também há o exemplo de uma moça de 30 anos
que atualmente opera máquina agrícola na lavoura de cana e que, durante
anos, trabalhou no plantio e no corte de cana. (Entrevistada 20).
Os casos narrados geralmente beneficiam os mais jovens e com maior
escolaridade. Todos os entrevistados possuem a percepção de que a usina
prefere os trabalhadores mais jovens, diante da mecanização em marcha na
lavoura. Nem todos os trabalhadores braçais possuem condições de operar
maquinário ou trabalhar em setores internos da indústria, tendo em vista as
limitações físicas, da idade e baixo nível educacional.
Entretanto, os mesmos entrevistados afirmaram que parte dos jovens
não se interessa pelo trabalho no campo. O Presidente do Sindicato dos
Produtores Rurais de Lavínia-SP apontou que futuramente os produtores
encontrarão dificuldades para contratar trabalhadores na região, devido ao
desinteresse dos jovens pela atividade no campo. Assim, para o entrevistado, a
mecanização teria solucionado um problema latente, mas o jovem não cogita
trabalhar na lavoura. A realidade é que a mecanização emprega poucos
especialistas treinados pela empresa em parceria com o Estado e contrata
somente os melhores. O entrevistado 5 destacou que “os mais jovens não se
preocupam com desemprego ou emprego de máquinas, porque tem a casa dos
pais para morar. Quem se preocupa mesmo são os mais velhos que têm
família para tratar”.
A mudança na base técnica do trabalho – do arado, enxada e facão para
o maquinário - trouxe problemas sociais novos. O desemprego dos
trabalhadores rurais exigiu medidas públicas, como a necessidade de
capacitação dos trabalhadores jogados fora do sistema de produção. As
111
relações sociais eliminaram o trabalhador tradicional, introduziram o maquinário
e, assim, modificaram o método do processo de trabalho. Novos fatores
derivaram da modificação do método de trabalho: a grande maioria ficou sem
emprego e uma parte da população migrou para o trabalho especializado nas
usinas ou como operadores de máquinas.
3.3 A Função Social do Estado
BRAVERMAN (1987, p. 242) aponta que o poder do Estado é
empregado para estimular o desenvolvimento do capitalismo, principalmente na
fase monopolista do capitalismo. Complementa dizendo que “o Estado é o
penhor das condições, das relações sociais, do capitalismo, e o protetor da
distribuição cada vez mais desigual da propriedade que este sistema enseja”.
O Estado assumiu a função de regulador da sociedade burguesa, no
último terço do século XIX, e fez emergir o Estado do Bem–Estar Social.
Passou a financiar a produção para acumulação de capital. No tocante ao
trabalho, assumiu a responsabilidade de gerar e administrar as atividades
improdutivas e as políticas sociais foram estabelecidas no sentido de custear a
produção da força de trabalho. (ALVES, 2005).
Ao analisar a relação do estado com o trabalhador rural, IANNI (1984, p.
230) aponta que:
“O relacionamento entre o Estado e o trabalhador rural
aparece, de forma relativamente clara, em alguns
momentos da história social da agricultura brasileira. [...] É
descontínuo e contraditório. [...] Os principais momentos do
relacionamento entre o Estado e o trabalhador rural são
aqueles nos quais ocorrem o desenvolvimento das forças
produtivas e relações de produção na agricultura”.
Há que se considerar que o domínio do conhecimento, das leis, da
produção e de seus aspectos tecnológicos, são fatores que o Estado, em seu
aparato administrativo, não consegue acompanhar ou dominar. Ele legisla à
medida que os descontentamentos se manifestam. Ele próprio, porém, não
consegue obter o conhecimento da produção que está encerrado nos cofres
das empresas. O Estado e os trabalhadores não têm essa ciência. Por isso,
atém-se o governo à legislação com princípios gerais da cidadania.
112
O Estado-nação não controla mais o que acontece na produção de
empresas internacionais. “Que nação controla a tecnologia desenvolvida por
empresas mundiais?”, pergunta IANNI, (1993, p. 42). O Estado nacional
começa a debilitar-se frente às obrigações e regras estabelecidas por
empresas internacionais. A capacidade de atuar na prática e de intervir é
limitada. “Só pode manifestar-se praticamente e de modo eficaz quando as
nações mais poderosas estão de acordo”. As grandes empresas “jamais
atrelam as razões de organização, essencialmente global, a razões deste ou
daquele Estado-nação”. Este se debilita, “devido ao alcance e à intensidade do
processo de globalização”. (IANNI, 1993, p. 51).
Nesse sentido, o Estado tem a função de auxiliar as empresas privadas
expandir em sua produção. Uma das formas de financiamento estatal são os
recursos provindos do Banco Nacional do Desenvolvimento - BNDES. Também
há o apoio oferecido pela política do Sistema “S” (Serviços Sociais
Autônomos), o qual tem por objetivo qualificar e promover o bem-estar social
através da atividade de suas instituições: SESI, SENAI, SEBRAE, IEL, SENAC,
SESC, SENAR, SENAT, SEST, SECOOP. Estas instituições são oficializadas
pelo Estado e trabalham ao seu lado, sob seu amparo.
A Usina X, com filiais em Mirandópolis e Valparaíso - SP, por exemplo,
firma parcerias com o Senai e Senac para requalificação de cortadores de
cana. Em seu Relatório de Sustentabilidade 2011- 2012, dispõe que:
“Durante a safra 2011-2012, 430 alunos participaram dos
cursos profissionalizantes, abertos para pessoas de até
30 anos e realizados em parceria com instituições de
renome, como o Senac e o Senai.
Em outro curso elaborado junto com o Senai, cerca de
300 jovens de comunidades próximas às instalações da
Empresa aprendem a desempenhar a função de
auxiliares mecânicos de manutenção agrícola”. (2012, p.
58).
Por sua vez, a Usina Y, estabelecida em Valparaíso – SP também firma
parcerias com o Sistema S. Em seu site obteve-se as seguintes informações:
“A usina atua incansavelmente para desenvolver a
comunidade que a cerca, priorizando os jovens dos
113
municípios da AID (Área de Influência Direta). Em
parceria com o SENAI de Araçatuba, a Da Mata implantou
o projeto: “Formando para o Futuro”. A iniciativa oferece
formação técnica profissional, visando colocar mão-de-
obra jovem e qualificada no mercado de trabalho”.
(disponível em <http://www.damata.ind.br/p.php?ID=
Acesso em: 22 jul.2013).
A função do Estado não é somente a de financiar a produção; sua
função vai mais além. O estado de São Paulo oferece constantemente cursos
para nova qualificação profissional de cortadores de cana, sendo que estes são
desenvolvidos em parceria firmada com Unidade de Formação Inicial e
Continuada do Centro Paula Souza (Autarquia Estadual) e as Usinas
Sucroenergéticas. O objetivo é controlar as demissões causadas pela
mecanização da lavoura canavieira, garantindo postos de trabalho para
aqueles que se matricularem nos cursos. Em 2011 formou-se 840
trabalhadores e em 2012 foram ofertadas 2.520 vagas para qualificação de
trabalhadores de 10 usinas. (CENTRO Paula de Souza-Governo do Estado de
São Paulo, 2012).
O Programa Estadual de Qualificação (PEQ), coordenado pela
Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo –
SERT, também desenvolve cursos de qualificação de trabalhadores
desempregados e em situações de vulnerabilidade social, dentre eles
empregados do setor sucroenergético. A SERT efetuou parceria com usina
sucroalcooleira do noroeste paulista em 2009, procedendo o levantamento
qualitativo e estatístico dos resultados do projeto. (LAVOS et al. 2010).
O poder público libera recursos para garantir a formação ou
“profissionalização” do contingente de desempregados ou do “exército de
reserva”, através de parcerias firmadas com as grandes empresas privadas e
com o oligopólio sucroenergético. Há um aporte de recursos para implantação
de Escola de Jovens e Adultos (EJA) e cursos de formação técnica dos
trabalhadores que trabalham nas usinas. Numa análise mais profunda, os
cursos oferecidos servem como forma de preservação do parasitismo, pois,
somente poucos trabalhadores especializados são contratados. As usinas,
entretanto, aproveitaram uma mínima parcela dos indivíduos capacitados pelos
114
cursos oferecidos. A maioria das pessoas forma o exército industrial de reserva
e faz parte do grupo de beneficiários das políticas sociais públicas, como o
auxílio-desemprego, salário-família. ALVES (2005, p. 190) afirma que os
desempregados “passam a ter a sua existência assegurada pelo consumo de
parcelas de mais-valia, segundo formas de participação concedidas e
controladas pelo capital, mas, com a mediação necessária do Estado”. Para
que o processo de reprodução do capital possa funcionar, “tornou-se
indispensável o seu controle”. Esse controle foi assumido pelo Estado que
“organizou o parasitismo a partir da transferência, por meio de impostos, de
parte dos ganhos dos capitalistas para a atividade improdutiva”. (ALVES, 2005,
p. 190).
Tendo em vista a expressiva produção de açúcar e álcool no país, há um
grande desafio para as usinas do setor sucroenergético, referente à redução
dos impactos ambientais, sociais e econômicos que a atividade ocasiona.
As relações sociais do país determinaram a mecanização nas atividades
agrícolas, a qual favorece a produção de cana e reduz impacto ambiental, mas
elimina postos de trabalho. Assim, as usinas atuantes na área de estudo
investem na “requalificação” dos trabalhadores para exercer as novas
atividades provenientes da mecanização. O oferecimento de cursos
profissionalizantes e de capacitação técnica tem o objetivo proclamado de
auxiliar o trabalhador a continuar inserido no mercado, seja na própria indústria
sucroenergética, seja em outros setores da economia. Assim,
“Por meio do Programa Brotar, foram realizados
treinamentos durante a safra 2011-2012 para que os
trabalhadores exerçam funções como operação de
máquinas e colhedoras, manutenção automotiva e
aplicação de herbicidas. Por outro lado, a Fundação X
promoveu cinco cursos de formação que atingiram 430
pessoas das comunidades no entorno das usinas da
Companhia”. (RELATÓRIO de Sustentabilidade 2011-
2012, p. 27).
A Usina X potencializa sua contribuição social através de parcerias com
instituições de ensino e de sua fundação, que atua através de “programas
contínuos de educação e qualificação profissional, realizados nos seis núcleos
115
da instituição, localizados nos municípios paulistas de Piracicaba, Barra Bonita,
Dois Córregos, Jaú e Valparaíso”. Relata cerca de 90 mil pessoas que
participam de suas atividades, todos os anos. (RELATÓRIO de
Sustentabilidade 2011-2012, p. 54).
Especificamente para os cortadores de cana, a usina ofereceu cursos
em 5 atividades: formação de operadores de colhedora, formação de auxiliares
de manutenção automotiva, operador mantenedor, capacitação de mecânicos e
escola de líderes. “O curso possui carga horária teórica de 60 horas e 320
horas de prática, com acompanhamento. Essa formação é realizada 100%
interna, por multiplicadores de treinamento, visando valorizar o conhecimento
dos profissionais da Companhia”. (RELATÓRIO de Sustentabilidade 2011-
2012, p. 30).
Os entrevistados confirmam o oferecimento dos referidos cursos:
Na usina, dão bastante curso para trabalhar com
maquinário. Depende do interesse das pessoas
acompanharem o crescimento do setor onde trabalha. Se
eu parar vou ser descartado. Para a usina o funcionário
tem que mostrar que sabe mais. No corte de cana tem
outras atividades que precisa saber fazer. Vai diminuindo
o serviço manual e quando tem curso os interessados
podem participar. A usina dá oportunidade, mas tem que
ter estudo até o 9º ano. As vagas são disputadas de
acordo com grau de escolaridade dos funcionários. Para
operar as máquinas deve ter habilitação de categoria C.
Se não tiver qualquer nível de escolaridade é difícil
trabalhar na usina. (Entrevistado 7)
Tem para tratorista e operadores de colhedora. Em
Valparaíso tem casa para estudo, para os profissionais e
outras pessoas da comunidade. Tem projeto social para
os trabalhadores que ainda não possuem a quinta série.
O curso é aberto para todos que queiram frequentar.
(Entrevistado 6)
116
Vários cursos, quando você vai trabalhar antes do
trabalho tem reunião para as orientações como a empresa
quer, como ela exige o trabalho. (Entrevistado 5)
Os cursos são oferecidos pela Usina Y e pela Fundação X. Também são
firmadas parcerias com Senac e Senai para requalificação e formação
profissionalizante dos empregados e moradores da região.
Observando o balcão de empregos e os sites das empresas, encontram-
se disponibilidade de vagas, mas falta o trabalhador especializado e com
experiência. A formação tecnológica através de instituições de nível superior é
uma solução que demanda investimento considerável por parte do trabalhador
e não há garantia de que terá trabalho após a conclusão do curso. Em verdade,
tem-se uma contradição que se refere ao número de desempregados em
relação à existência de vagas por falta de capacitação técnica da mão-de-obra
disponível. Este fato aparentemente justifica o investimento das usinas em
capacitação dos profissionais e oferecimento de cursos gratuitos ou de baixo
custo, utilizando, por vezes, os empregados da usina para capacitar os demais
ou se valendo das parcerias indicadas.
A própria Usina explicita que a “a escolha da formação profissionalizante
como foco de atuação prioritário é um movimento estratégico”. O setor sofre
com a carência de profissionais qualificados, “seja para a operação agrícola,
cada vez mais automatizada, seja na operação industrial”. Por isso há
formação de profissionais “de acordo com as necessidades do setor produtivo”.
(RELATÓRIO de Sustentabilidade 2011 – 2012 Usina X, p. 57).
Analisando as entrevistas e as certificações das usinas, depreende-se
que as empresas promovem cursos de capacitação e treinamentos de acordo
com seus interesses, ou seja, para suprir suas necessidades. Do contingente
treinado, a usina seleciona os trabalhadores que atendem às demandas e os
demais são alocados como força de trabalho reserva.
Essa reserva desempregada gera desequilíbrio social o que pode
interferir na reprodução do capital. Assim, o Estado exerce uma segunda
função: cuida do trabalho improdutivo, o qual não gera mais-valia, mas
assegura a existência parasitária de uma parcela significativa do referido
contingente.
117
Através de dados fornecidos pelas Secretarias de Assistência Social dos
loci, mediante entrevistas com profissionais do Serviço Social, identificou-se a
concessão dos seguintes benefícios:
Quadro 1. Apresentação dos benefícios assistenciais concedidos nos três
municípios paulistas.
Municípios Auxílios concedidos
Valparaíso Renda cidadã: 160 beneficiados
Ação Jovem: 100 beneficiados
Bolsa família: 800 beneficiados
Lavínia Renda cidadã: 230 beneficiados
Ação Jovem: 109 beneficiados
Bolsa família: 230 beneficiados
Mirandópolis Renda cidadã: 265 beneficiados
Ação Jovem: 260 beneficiados
Bolsa família: 1080 beneficiados
Fonte: Secretaria de Assistência Social dos Municípios
Destaca-se que parte dos entrevistados desta pesquisa, estão
recebendo algum dos benefícios acima elencados. Assim, o Estado não só
administra o parasitismo, como também subsidia a força de trabalho, pagando
uma parcela da remuneração do trabalhador. O Estado complementa a renda
dos empregados, favorece as empresas sucroenergéticas e reduz os custos
deste seguimento.
Com a mecanização, a construção histórica de renormatizações passa
para outro patamar, pois, o trabalho manual é extinto. Agora, a análise se
desloca para o trabalho real do operador da máquina, os tratoristas, os
mecânicos e os controladores do trabalho, personagens do novo método de
trabalho. Os trabalhadores remanescentes caem na superpopulação relativa
flutuante ou exército industrial de reserva”.
Retorna-se ao papel do Estado, que assume a função de regulador da
sociedade burguesa. Além de financiar a produção para acumulação de capital,
também assume o compromisso de administrar as atividades improdutivas.
(ALVES, 2005, p. 121).
118
4 Conclusão
O rearranjo da estrutura fundiária nas terras localizadas nos três
municípios de estudo tomou a afeição do usineiro. A instalação das usinas
implicou um tipo particular de organização capitalista de produção, adequada
aos interesses econômicos das empresas; implicou, também, na readequação
da burguesia local e, principalmente, no rearranjo da estrutura social, que
significou fechamento de empregos e abertura de novas forças produtivas e de
novas relações de produção.
A estrutura produtiva foi redefinida com a instalação das usinas,
acarretando o êxodo para as cidades grandes; a diversificação da lavoura do
pequeno proprietário; a reorganização das forças produtivas, modificando a
estrutura social do pequeno arrendatário e do operador de máquinas na
lavoura. O espaço rural, agora, é ocupado por novos agentes, uma nova
categoria social – engenheiros, operadores, agrônomos, supervisores, etc., que
“exercem atividades no mundo rural” (IANNI, 1984, p. 152).
O exército de reserva fica a disposição do capital para atender às suas
necessidades, especificamente, para os empregos temporários. A
profissionalização de trabalhadores tem duas funções: atender aos anseios das
indústrias e solucionar a questão do desemprego. O Estado, o qual assume o
papel de pacificador social, dá, juntamente com a iniciativa privada, suporte
para os trabalhadores, que antes realizavam trabalho braçal, e agora são
empregados como operadores de máquinas.
A reorganização e a dinamização da burguesia local frente à presença
do usineiro causaram pouco crescimento da força de trabalho nos três
municípios. O ponto mais preocupante é a constatação de que parte dos
trabalhadores entrevistados demonstrou não saber o que fazer quando as
frentes de trabalho no plantio e na colheita forem extintas.
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regional. In ALVES, G. L. Mato Grosso do Sul: o universal e o singular.
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122
Conclusão Geral
As relações sociais estabelecidas pelo movimento do capital evidenciam
a exploração do trabalho do homem até que este seja útil à produção da mais
valia almejada. Quando o trabalho pode ser substituído por máquinas que
desempenham a atividade de forma mais eficiente, o trabalhador é posto na
categoria de operador. O fato é que poucos trabalhadores braçais serão
empregados como operadores. Assim, formar-se-á um contingente de exército
de reserva explicitado por Marx.
Mesmo tendo uma vasta legislação sobre os direitos da pessoa humana
é preciso fazer um exercício de artesanato e encontrar a causa de situações
díspares. O exercício inicia com o pensamento burguês. Ele considera o capital
como uma posse ou uma entidade ou uma coisa, sendo o lucro concebido
como o retorno pela iniciativa e o empreendimento, realizado dentro das
normas e leis. Trata-se de uma “dignidade possível” do trabalhador. Isso está
no direito e nos economistas.
A ciência da história, porém, apresenta uma perspectiva diferente: a
produção de mais-valia realiza a riqueza e o capital; revela, ainda, como a
realização de lucros e a acumulação de capital colocam as pessoas em conflito
entre si e geram oposição entre interesses dos capitalistas e dos trabalhadores.
A apropriação da terra e a sua exploração também são visíveis no modo
de produção capitalista. A expansão canavieira revela esta tendência. Alguns
municípios foram tomados por plantações de cana, não restando espaço para
outras culturas.
Os camponeses, que antes residiam no campo e trabalhavam em
regime familiar forma uma categoria extinta, pois saíram do campo para
exercer o trabalho assalariado. Perderam o controle e o conhecimento sobre a
totalidade da produção e passaram a ser assalariados do capitalista. Isto
também revela a alienação do trabalhador sobre os meios de produção.
Restará ao trabalhador a realocação em trabalhos improdutivos e
especializados, financiados pela nova função social do Estado de apaziguador
social.
O que se evidenciou nos três artigos apresentados são as análises
temáticas da relações sociais dispostas em todo o processo de produção da
matéria-prima do setor sucroenegético, destacando-se a exploração do
123
trabalho do homem, a apropriação das áreas de cultivo, a imposição das
normatizações das usinas, os reflexos do emprego de máquinas, o impacto da
infraestrutura dos municípios que alocam a atividade canavieira e a função
social assumida pelo Estado neste cenário.