isonomia

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Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS 197.909 - SP (2011/0034474-3) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de habeas corpus com pleito liminar impetrado em benefício de Ailton Marcelino dos Santos, em que se aponta como órgão coator o Tribunal de Justiça de São Paulo. Foi o paciente denunciado em 25/9/2008 , por infração aos arts. 288, parágrafo único, e 159, § (por duas vezes), na forma do art. 69, todos do Código Penal. Em 29/7/2009 , o Juízo de Direito da 15ª Vara Criminal da comarca da Capital/SP, no Processo n. 050.08.078379-1 (Controle n. 1361/08), proferiu sentença condenando o ora paciente à pena de 42 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos fatos típicos descritos nos arts. 159, § 1º, por duas vezes, na forma do art. 69, e art. 288, parágrafo único, todos do Código Penal. Inconformada, a defesa interpôs Recurso de Apelação Criminal n. 990.09.293457-0 na Corte de origem, objetivando, em preliminar, a imprestabilidade das escutas telefônicas e, no mérito, a absolvição, com fundamento na fragilidade probatória. Subsidiariamente, buscou, ainda, o reconhecimento do concurso formal e a redução da pena. Em sessão realizada em 8/4/2010, os integrantes da Sexta Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitaram a preliminar e negaram provimento ao recurso (fls. 14/15): Art. 159, par. 1º, do CP, por duas vezes - Materialidade e autoria demonstradas - Réu, que em unidade de desígnios com seus comparsas, promoveu o sequestro de dois irmãos, que durou mais de 24 horas. Uma das vítimas foi libertada para arrumar o valor do resgate; a outra permaneceu em cativeiro por mais de 50 dias, sofrendo agressões físicas - Réu reconhecido por uma das vítimas e identificado em interceptações telefônicas legítimas. Documento: 30559703 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 19

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acórdão do STJ sobre aplicação do princípio da isonomia

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Page 1: isonomia

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 197.909 - SP (2011/0034474-3)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de

habeas corpus com pleito liminar impetrado em benefício de Ailton Marcelino

dos Santos, em que se aponta como órgão coator o Tribunal de Justiça de São

Paulo.

Foi o paciente denunciado em 25/9/2008, por infração aos arts. 288,

parágrafo único, e 159, § 1º (por duas vezes), na forma do art. 69, todos do

Código Penal.

Em 29/7/2009, o Juízo de Direito da 15ª Vara Criminal da comarca da

Capital/SP, no Processo n. 050.08.078379-1 (Controle n. 1361/08), proferiu

sentença condenando o ora paciente à pena de 42 anos e 8 meses de reclusão,

em regime inicial fechado, pela prática dos fatos típicos descritos nos arts. 159, §

1º, por duas vezes, na forma do art. 69, e art. 288, parágrafo único, todos do

Código Penal.

Inconformada, a defesa interpôs Recurso de Apelação Criminal n.

990.09.293457-0 na Corte de origem, objetivando, em preliminar, a

imprestabilidade das escutas telefônicas e, no mérito, a absolvição, com

fundamento na fragilidade probatória. Subsidiariamente, buscou, ainda, o

reconhecimento do concurso formal e a redução da pena. Em sessão realizada

em 8/4/2010, os integrantes da Sexta Câmara de Direito Criminal do Tribunal de

Justiça de São Paulo rejeitaram a preliminar e negaram provimento ao recurso

(fls. 14/15):

Art. 159, par. 1º, do CP, por duas vezes - Materialidade e autoria demonstradas - Réu, que em unidade de desígnios com seus comparsas, promoveu o sequestro de dois irmãos, que durou mais de 24 horas. Uma das vítimas foi libertada para arrumar o valor do resgate; a outra permaneceu em cativeiro por mais de 50 dias, sofrendo agressões físicas - Réu reconhecido por uma das vítimas e identificado em interceptações telefônicas legítimas.

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Art. 288, par. único, do Código Penal - Materialidade delitiva e autoria demonstradas - Réu que fazia parte de quadrilha armada de sequestradores.

Prova - Palavra das vítimas e dos policiais - Consideração - Ausência de motivos para incriminar um inocente.

Prova - interceptação telefônica feita com autorização judicial - validade, além de estar corroborada com as demais provas dos autos.

Penas corretamente fixadas, tendo em vista as particularidades dos delitos e a reincidência do réu.

Penas - Concurso material - Dolo de sequestrar duas pessoas e pedir resgate.

Recurso não provido.

Neste Tribunal, sustenta o impetrante, em suma, que (fls. 2/6):

[...]1- DAS DENÚNCIAS1.1. - Da denúncia contra o paciente (Ailton Marcelino)O Paciente foi denunciado como incurso no artigo 159, § 1º, por duas

vezes, e artigo 288, parágrafo único, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, sob a acusação de que entre setembro e novembro de 2007, associou-se em quadrilha ou bando armado com WELLINGTON THEODORO BERNARDES, REGINALDO SUTERO DO NASCIMENTO, DARCY JAVONI e INAJARA CAMPANHA DIAS.

Consta ainda da peça acusatória que o Paciente em concurso com os demais corréus sequestrou Walter Pistori e Wlamir Pistori, com o fim de obter, para todos, vantagem como condição ou preço do resgate, mantendo o primeiro como refém por dois dias e o segundo por cinquenta e nove dias.

1.2. - Da denúncia contra os corréusWELLINGTON THEODORO BERNARDES, foi denunciado como incurso

nas sanções dos art. 288, parágrafo único, art. 159, 1º, por duas vezes, ambos do Código Penal, art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03, e, art. 1º, da Lei 9.455/07, todos c.c. art. 69, caput , REGINALDO SUTERO DO NASCIMENTO, DARCY JAVONI e INAJARA CAMPANHA DIAS, como incursos nas sanções dos art. 288, parágrafo único, art. 159, 1º, por duas vezes, ambos do Código Penal, art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03, todos c.c. art. 69, caput , do Código Penal.

Narra ainda denúncia que os corréus juntamente com este Paciente a partir do dia 10 de setembro de 2007, em concurso de ação e unidade de desíginios, teriam sequestrados Walter Pistori e Wlamir Pistori, com o fito de obter para todos, vantagem como condição ou preço do resgate, mantendo o primeiro como refém por dois dias e o segundo por 59 dias.

2 - DAS SENTENÇAS2.1. - Da condenação e pena aplicada ao PacienteO MM. Juiz de primeiro grau entendeu que houve participação do Paciente

na extorsão mediante sequestro, bem como entendeu que configurou a organização criminosa entre ele e os corréus.

A pena-base para a extorsão mediante sequestro aplicável à espécie (art. 159, § 1º, do CP) é de 12 (doze) anos, já que os dois crimes perduraram por

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mais de 24 horas. Em relação ao crime praticado contra a vítima Wlamir, ocorreu a exasperação de 1/2 da reprimenda. A pena-base para o crime de quadrilha ou bando foi fixada em 02 (dois) anos de reclusão.

Na segunda etapa de fixação da pena foi aumentada em 1/3 da pena. Pena final: 16 (dezesseis) anos de reclus]ao em razão do crime praticado contra a vítima Walter; 24 (vinte e quatro) anos de reclusão em razão do crime praticado contra Wlamir; e 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão em função do delito de quadrilha ou bando.

TOTAL DE PENA 42 (QUARENTA E DOIS) ANOS E 08 (OITO) MESES DE RECLUSÃO

2.2. - Da condenação e pena aplicada aos corréusPara o delito de extorsão mediante sequestro de WLAMIR, foi fixada a

pena-base em 15 anos de reclusão.Para o delito contra WELLINGTON, foi considerado o concurso formal e

acrescida a pena de dois anos, reduzida de um ano pela confissão espontânea dele.

Para o corréu DARCY, foi acrescida a pena-base de dois anos pela reincidência e também reduzida em 1 ano pela confissão espontânea.

Para o corréu REGINALDO, sem antecedentes, foi diminuída em 1 ano pela confissão espontânea, atingindo a pena o total de 14 anos de reclusão.

Para INAJARA, foi mantida a pena-base na inexistência de agravantes ou atenuantes.

Penas finais em: WELLINGTON e DARCY: 18 anos e 8 meses de reclusão; REGINALDO, 16 anos e 4 meses de reclusão; INAJARA, 15 anos de reclusão.

3 - DO RECURSO DE APELAÇÃORecorrida, houve por bem a Douta 6ª Câmara de Direito Criminal, nos

autos da Apelação 990.09.293457-0, em manter a r. sentença nos exatos termos, quanto ao Paciente e nos autos da Apelação 990.09.072955-4 que tramitou perante a 8ª Câmara, a pena dos demais corréus foi mantida da mesma forma da R. Sentença.

4. DA IGUALDADE DE SITUAÇÕES OBJETIVAS E SUBJETIVAS - PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A situação fático-processual do Paciente é idêntica à dos demais corréus, na medida em que todos responderam ao processo penal pelo mesmo delito, em igual proporção e na exata medida.

[...]O caso é de aplicação da pena menos gravosa conhecida ao caso em

concreto, igualando à dos demais acusados pelo mesmo fato.Ao paciente foi aplicado o entendimento de que os fatos se subsumiam

em concurso material e a pena sobre dois delitos, o que determinou a altíssima pena de 42 anos de prisão. Aos demais acusados, foi reconhecido o concurso formal e reconhecido um só delito com um aumento pelo outro.

Assim, há de prevalecer a menor pena conhecida nos dois processos que julgou os fatos, por uma questão de isonomia.

[...]

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Ao final, requer (fls. 7/8):

[...] caracterizado e comprovado o constrangimento ilegal na pena aplicada, requer-se a concessão da liminar da ordem, estando patentes os pressupostos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora", determinando o cumprimento da lei, com aplicação do artigo 580 do Código Penal de acordo com a pena dos demais, oficiando-se a autoridade coatora para que preste as necessárias informações, bem como o DD. Representante da Procuradoria da União, acompanhando seus trâmites até final decisão.

[...]

Liminar indeferida pelo então Relator, Ministro Celso Limongi

(Desembargador convocado do TJ/SP), em 23/2/2011, à fl. 59.

Dispensadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pela

concessão da ordem (fls. 64/67):

Habeas Corpus . Extorsão mediante sequestro. Paciente denunciado pelos mesmos atos criminosos imputados a outros quatro corréus. Aplicação, quanto ao primeiro, da regra do concurso material, e, quanto aos demais, do concurso formal. Distinção não justificável.

Parecer pela concessão da ordem.

Às fls. 79/80, proferi o seguinte despacho:

Solicitem-se esclarecimentos ao Juízo da Décima Quinta Vara Criminal de São Paulo/SP, no prazo de dez dias, a respeito de:

a) os fatos criminosos imputados ao paciente Ailton Marcelino dos Santos nos autos do Processo n. 1361/08 serem, ou não, "idênticos" àqueles imputados aos condenados Wellington Theodoro Bernardes, Reginaldo Sutero do Nascimento, Darcy Javoni e Inajara Campanha Dias nos autos do Processo n. 1584/07;

b) o motivo da tramitação de dois Processos em separado (n. 1584/07 e 1361/08);

c) a razão da aplicação da regra do "concurso formal" aos condenados Wellington Theodoro Bernardes, Reginaldo Sutero do Nascimento, Darcy Javoni e Inajara Campanha Dias (Processo n. 1584/07) e do "concurso material" somente em relação ao paciente Ailton Marcelino dos Santos (Processo n. 1361/08);

Solicite-se, ainda, ao referido Juízo a juntada de cópia da denúncia oferecida contra Wellington Theodoro Bernardes, Reginaldo Sutero do Nascimento, Darcy Javoni e Inajara Campanha Dias (Processo n. 1584/07).

Solicitem-se, por fim, informações ao Tribunal de Justiça de São Paulo sobre eventual ajuizamento de revisão criminal em prol de Ailton Marcelino

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dos Santos, juntando-se documentos necessários.Após, venham os autos conclusos.

O Presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo,

em 27/6/2013, prestou estas informações (fls. 88/89 – grifo nosso):

[...] esclareço que a Apelação Criminal n. 9188888-82.2009.8.26.0000 (antigo número 990.09.293457-0) foi interposta pela Defesa contra a sentença proferida nos autos da Ação Penal n. 050.08.078379-1, Controle n. 1.361/08, da Décima Quinta Vara Criminal da Comarca de São Paulo, que condenou o ora paciente como incurso no art. 159, § 1º, por duas vezes (vítimas Walter Pistori e Wlamir Pistori), e no art. 288, parágrafo único, na forma do art. 69, todos do Código Penal, à pena de 42 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial fechado.

Em sessão de julgamento realizada aos 08 de abril de 2010, a Sexta Câmara de Direito Criminal, por votação unânime, rejeitou a preliminar de nulidade das interceptações telefônicas realizadas na fase investigatória e negou provimento ao reclamo.

Opostos embargos de declaração pelos causídicos, aos 08 de julho seguinte, por unanimidade, foram eles rejeitados pela Turma Julgadora. O acórdão transitou em julgado.

Informo, ainda, que consultados os assentamentos eletrônicos da Secretaria da Seção Criminal deste Tribunal, não se verificou o registro de ajuizamento de revisão criminal em nome do ora paciente, com relação à Ação Penal n. 050.08.078379-1, Controle n. 1.361/08, da Décima Quinta Vara Criminal da Comarca de São Paulo.

Esclareço, outrossim, que a Apelação Criminal n. 0085197-26.2007.8.26.0050 (antigo número 990.09.072955-4) foi interposta pela Defesa de Darcy Javoni, Wellington Theodoro Bernardes, Reginaldo Sutero Nascimento e Inajara Campanha Dias contra a sentença proferida nos autos da Ação Penal n. 050.07.085197-2, Controle n. 1.584/07, da Décima Quinta Vara Criminal da Comarca de São Paulo, que condenou os dois primeiros a 18 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial fechado, o terceiro a 16 anos de reclusão, em regime inicial fechado, todos como incursos no art. 159, § 1º, c.c. o art. 70 (vítimas Walter Pistori e Wlamir Pistori), ambos do Código Penal, e a última a 15 anos de reclusão, em regime inicial fechado, por infração ao art. 159, § 1º, do mesmo Codex (vítima Wlamir Pistori).

Em sessão de julgamento realizada aos 12 de agosto de 2010, a Oitiva Câmara de Direito Criminal, por votação unânime, afastou a preliminar de nulidade da sentença por falta de fundamentação e negou provimento aos recursos. O aresto transitou em julgado.

[...]

Em 10/7/2013, a Juíza de Direito da 15ª Vara Criminal da comarca de Documento: 30559703 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 5 de 19

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São Paulo/SP assim noticiou (fls. 127/129 – grifo nosso):

[...]1) Perante este juízo, foi distribuída ação penal em que o Ministério

Público imputa ao paciente a prática do crime tipificado pelos artigos 288, § único e 159, § 1º, por duas vezes, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, em razão de, agindo em concurso com Wellington Theodoro Bernardes, vulgo "Gordo", "Boca" ou "Sombra", Reginaldo Sutero do Nascimento, Darcy Javoni, Inajara Campanha Diase e de outra pessoa conhecida apenas como Rafael Dias, se associaram para o fim de cometerem crimes, fatos estes ocorridos durante o ano de 2007, especialmente entre os meses de setembro e novembro (fls. 01d/04d).

2) De acordo com o narrado na denúncia, o paciente juntamente com os outros indivíduos acima mencionados sequestraram Walter Pistori e Wlamir Pistori, com o fim de obterem vantagem como condição ou preço do resgate, mantendo o primeiro como refém por dois dias e o segundo por cinquenta e nove dias. Após o segundo dia, a vítima Walter foi libertado, porém com a incumbência de providenciar o pagamento do resgate, sendo que após vários dias de investigação foi realizada a prisão em flagrante apenas dos réus Wellington Theodoro Bernardes, Reginaldo Sutero do Nascimento, Darcy Javoni e Inajara Campanha Diase, ensejando o processo 050.07.085197-2 (Controle 1584/07) (fls. 01d, 02d, 03d, 04d). Cabe salientar que a sentença referente ao processo, cujo controle é 1.584/07, e em que figuram como réus Wellington Theodoro Bernardes, Reginaldo Sutero do Nascimento, Darcy Javoni e Inajara Campanha Diase, foi proferida em 03 de outubro de 2008, ou seja, antes da distribuição do processo, cujo controle é 1.361/08, ou seja, em 07 de outubro de 2008, tendo por este motivo seu trâmite em autos separados.

3) Não tendo sido vislumbradas hipóteses que levassem à rejeição liminar da denúncia, determinou-se o processamento da ação penal, sendo naquela oportunidade decretada a prisão preventiva do paciente (fls. 101/103).

4) O paciente foi pessoalmente citado (fls. 237/238). A resposta escrita foi apresentada por defensor constituído, dentro do prazo legal e com rol de testemunhas, oportunidade em que a defesa requereu a revogação da prisão preventiva (fls. 140/153). Após manifestação desfavorável do Ministério Público, foi o pedido indeferido, diante da necessidade de se resguardar a ordem pública. A denúncia foi, formalmente recebida (fls. 161/163), designando-se audiência para o dia 17 de fevereiro de 2009 às 14:30 horas.

5) Em audiência, diante da ausência de uma testemunha, foi esta redesignada para o dia 17 de março de 2007 às 15:30 horas (fls. 235/236). Em audiência de continuação, após a produção da prova oral, foi concedido o prazo de 5 dias às partes para apresentação de memoriais (fls. 260).

6) Em 29 de julho de 2009, foi proferida sentença por este Juízo (Dr. Bruno Paes Straforini) para condenar o paciente como incurso nos

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artigos 159, § 1º, por duas vezes, na forma do artigo 69, e artigo 288, § único, todos do Código Penal, à pena de 42 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial fechado (fls. 335/341). Digno de realce, é que a sentença proferida nos autos do processo 050.07.085197-2, controle 1584/07, foi proferida por outro magistrado, ou seja, Dr. Marcelo Semer, sendo neste caso aplicado o concurso formal de crimes (fls. 479/489 autos 1584/07).

7) A defesa do réu interpôs recurso de apelação, o qual foi recebido (fls. 353 e 373/397).

8) Em 08 de abril de 2010 a 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgando a apelação 990.09.293457-0, negaram provimento ao recurso, por VU (fls. 429/439). A defesa do paciente interpôs Embargos de Declaração (447/449). Em 08 de julho de 2010 a 6ª Câmara de Direito Criminal do tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgando os embargos de declaração n. 990.09.293457-0, rejeitaram os embargos, por VU (fls. 452/460).

9) O v. acórdão transitou em julgado para o Ministério Público em 10 de maio de 2010 e em 20 de agosto de 2010 para o paciente, sendo expedida a guia de recolhimento definitiva (fls. 462).

[...]

É o relatório.

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HABEAS CORPUS Nº 197.909 - SP (2011/0034474-3)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR):

Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal têm refinado o cabimento do habeas

corpus , restabelecendo o alcance aos casos em que demonstrada a necessidade

de tutela imediata à liberdade de locomoção, de forma a não ficar malferida ou

desvirtuada a lógica do sistema recursal vigente.

Verificada a hipótese de dedução de habeas corpus em lugar do

recurso próprio, imperioso o não conhecimento da impetração, impondo-se

ressaltar que, uma vez constatada a existência de ilegalidade flagrante, nada

impede que esta Corte defira ordem de ofício, como forma de coarctar o

constrangimento ilegal.

No caso que se apresenta, pretende-se a aplicação do princípio

constitucional da isonomia, ao argumento de que a decisão proferida pelo Juízo

da 15ª Vara Criminal da comarca da Capital/SP (Dr. Bruno Paes Straforini), em

29/7/2009, que condenou o paciente em concurso material nos autos da Ação

Penal n. 050.08.078379-1 (Controle n. 1.361/08 - fls. 40/45), conferiu a ele

tratamento desigual e injusto, porquanto idênticas as situações fático-processuais

dos demais réus - anteriormente julgados pela referida Vara (Dr. Marcelo

Semer), em 3/10/2008, nos autos da Ação Penal n. 050.07.085197-2 (Controle

n. 1584/07 - fls. 46/56), em que se decidiu pela aplicação do concurso formal .

Vejamos.

Estes foram os fatos típicos imputados aos réus Wellington Theodoro

Bernardes, Reginaldo Sutero do Nascimento, Darcy Javoni e Inajara Campanha

Dias (fls. 46/48 - grifo nosso):

[...]WELLINGTON THEODORO BERNARDES, qualificado nos autos, foi

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denunciado como incurso nas sanções dos art. 288, parágrafo único, art. 159, 1º, por duas vezes, ambos do Código Penal, art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03, e, art. 1º, da Lei 9.455/97, todos c.c. art. 69, caput , daquele codex , REGINALDO SUTERO DO NASCIMENTO, DARCY JAVONI E INAJARA CAMPANHA DIAS, como incursos nas sanções dos art. 288, parágrafo único, art. 159, 1º, por duas vezes, ambos do Código Penal, art. 16, parágrafo único, art. 159, 1º, por duas vezes, ambos do Código Penal, porque durante o ano de 2007, entre o mês de setembro até a presente data, nesta Capital, teriam, em concurso de ação e unidade de desígnios:

a) se associados entre si e com outras pessoas não identificadas, em quadrilha ou bando armado, com o fito de cometerem crimes;

b) a partir do dia 10 de setembro de 2007, nesta Capital, os acusados, em concurso de ação e unidade de desígnios com outros indivíduos não identificados, teriam sequestrados Walter Pistori e Wlamir Pistori, com o fito de obter para todos, vantagem como condição ou preço do resgate, mantendo o primeiro como refém por dois dias e o segundo por 59 dias;

c) entre os dias 10 e 12 de setembro de 2007, na rua Etervino Pedro dos Santos, 135, nesta Capital, os acusados, em concurso de ação e unidade de desígnios, estariam na posse e manteriam sob sua guarda uma submetralhadora, calibre 380, sem marca, numeração MDRA01, de uso restrito, com carregador e uma pistola Taurus, calibre 380, com numeração suprimida, além de 15 cartuchos (CBA) intactos e;

d) entre os dias 10 e 12 de setembro de 2007, na rua Etervino Pedro dos Santos, 135, nesta Capital, o acusado WELLINGTON teria constrangido Walter e Wlamir, com emprego de violência e grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico mental, com o fito de obter informações e para provocar ações.

Segundo a denúncia, o acusado WELLINGTON e outros dois comparsas teriam invadido, no dia 10 de setembro de 2007, por volta das 20h00, a sede da empresa TWU Comércio Serviços Importações e Exportações Ltda., na avenida Eng. Eusébio Stevaux, 1244, quando teriam dominados todos os presentes, ameaçando-os com emprego de armas de fogo, amarrando e trancando os empregados em um banheiro e sequestrando Walter e Wlamir, sócios proprietários daquela empresa e irmãos.

Assim, as vítimas teriam sido levadas para o cativeiro, sito a rua Etervino Pedro dos Santos, 135, nesta Capital, onde teriam sido acorrentadas e torturadas pelo acusado WELLINGTON que, as teriam ameaçado-as de morte, agredindo-as para que fornecesse informações acerca de seu patrimônio, causando-se-lhes profundos sofrimentos físico e mental. No cativeiro, os demais acusados se revezariam na vigilância e guardas dos reféns, quando para tanto, usariam as armas de fogo acima mencionadas, cuja posse e guarda dividiriam entre todos, sendo que a acusada INAJARA seria ainda, a responsável pela faxina do local e pela cozinha.

No dia 12 seguinte, Walter fora libertado com a incumbência de providenciar o pagamento do resgate, no importe de R$ 2.500.000,00, para

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livrar o irmão do cativeiro. A partir (sic) então, teria o acusado WELLINGTON, passado a telefonar insistentemente para a família das vítimas, exigindo o pagamento do resgate, sob pena de matar Wlamir. Um dos telefonemas teria orientado Walter a localizar um pacote na Rodovia Raposo Tavares, onde conteria fotos e vídeo com fotografia de Wlamir bastante ferido. Através de interceptações telefônicas, autorizadas, teria sido localizado o acusado WELLINGTON na posse do aparelho de telefonia celular n. [...], o qual seria utilizado para a extorsão, quando então, este teria confessado a prática delitiva e a localização do cativeiro. No cativeiro, teriam os policiais, prendido os demais acusados em flagrante, libertando a vítima, que ainda, estaria acorrentada.

[...]

E estes foram os fatos típicos imputados ao paciente Ailton Marcelino

dos Santos (IP n. 050.07.085197-2 – fls. 9/11):

[...] durante o ano de 2007, especialmente entre os meses de setembro e novembro, AILTON MARCELINO DOS SANTOS, vulgo "Coiote" e "Neguinho" (qualificado a fls. 09) associou-se em quadrilha ou bando armado, com as pessoas de WELLINGTON THEODORO BERNARDES, vulgo "Gordo", "Boca" ou "Sombra", REGINALDO SUTERO DO NASCIMENTO, DARCY JAVONI e INAJARA CAMPANHA DIAS, e outra pessoa conhecida apenas como "Rafael Dias", para o fim de cometer crimes.

Consta ainda dos autos que a partir do dia 10 de setembro de 2007, nesta cidade e Comarca, AILTON MARCELINO DOS SANTOS, vulgo "Coiote" e "Neguinho", previamente ajustado com as pessoas de WELLINGTON THEODORO BERNARDES, vulgo "Gordo", "Boca" ou "Sombra", REGINALDO SUTERO DO NASCIMENTO, DARCY JAVONI e INAJARA CAMPANHA DIAS, e outra pessoa conhecida apenas como 'Rafael Dias", previamente ajustados e com unidade de propósitos e desígnios, sequestrou Walter Pistori e Wlamir Pistori, com o fim de obter, para todos, vantagem como condição ou preço do resgate, mantendo o primeiro como refém por dois dias e o segundo por cinquenta e nove dias.

Segundo se apurou, o já denunciado WELLINGTON e outros dois comparsas invadiram, no dia 10 de setembro de 2007, por volta das 20h00min, a sede da empresa TWU Comércio Serviços Importação e Exportação Ltda., na Av. Engenheiro Eusébio Stevaux, n. 1244, dominaram todos os presentes, ameaçando-os com armas de fogo, amarrando e trancando os funcionários em um banheiro e sequestrando Valter (sic) Pistori e Wlamir Pistori, sócios proprietários daquela empresa e irmãos, levando-os até um cativeiro situado na Rua Etervino Pedro dos Santos, 135 nesta Capital.

No dia 12 seguinte, Walter foi libertado com a incumbência de providenciar pagamento de resgate no valor de R$2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) para livrar o irmão do cativeiro.

A partir de então, o já denunciado WELLINGTON se afastava da sede do cativeiro, dirigindo-se a regiões mais centrais da cidade (para impedir o

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restreamento das ligações via ERB'S), ocasiões em que a vítima permanecia acorrentada e sob a vigilância dos demais denunciados.

O ora denunciado AILTON MARCELINO DOS SANTOS, vulgo "Coiote" e "Neguinho" estava sempre presente por ocasião das ligações que exigiam o pagamento de resgate. Utilizava-se do telefone n. [...] o qual também foi interceptado com autorização judicial.

No dia 04 de outubro de 2007, durante uma das ligações exigindo o pagamento, policiais perceberam o som de outra ligação ao fundo, identificando através de ERB'S que o número era o referido [...].

Durante o monitoramento, constatou-se que o ora denunciado mantinha contato frequente com os demais denunciados, especialmente WELLINGTON THEODORO BERNARDES, através do telefone [...], utilizado também para a extorsão.

O denunciado WELLINGTON foi preso em flagrante delito na posse do aparelho celular [...], indicando o local do cativeiro.

Após a libertação do cativeiro, os áudios gravados da linha [...], foram apresentados à vítima Wlamir Pistori, que os identificou como a voz da pessoa que por vezes ia até o cativeiro, a quem os demais denunciados chamavam pelo apelido de "Neguinho".

[...]

A seguir, a fundamentação da sentença condenatória proferida pelo

Juízo da 15ª Vara Criminal da capital/SP (Dr. Marcelo Semer), na data de

3/10/2008, em relação aos réus Wellington Theodoro Bernardes, Reginaldo

Sutero do Nascimento, Darcy Javoni e Inajara Campanha Dias (Processo n.

050.07.085197-2 – controle n. 1584/07 – fls. 48/54 – grifo nosso)

[...]A ação é procedente, em parte.Inicio com os delitos de extorsão mediante sequestro.A prática do crime é segura.Walter narrou como, dentro da empresa em que trabalhavam, ele e o

irmão foram arrebatados, por vários sequestradores armados, após subtraírem inúmeros pertences do local. Depois, foram ambos colocados à força em um automóvel (Walter no porta-malas) até chegarem no cativeiro, onde passaram à noite sem comida, sem água e amarrados. Posteriormente, foi solto, depois de um dia e meio no cativeiro, não sem antes sofrer inúmeras agressões, inclusive para fornecer os dados patrimoniais, além de seguidas ameaças de ter seu corpo retalhado. Foi solto para continuar a negociação do sequestro do irmão Wlamir. Recebia telefonemas do chefe do grupo, com quem tomara contato no dia em que esteve sequestrado, e avisou a polícia, de quem recebeu orientação para agir. Conta que chegaram a receber um CD com imagens do irmão agredido e sangrando, para impressionar - somente depois souberam que o sangue era produto de maquiagem (fls. 274).

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Wlamir relatou que ficou por 59 dias sequestrado, após ter sido arrebato juntamente com seu irmão, da empresa onde trabalhavam, por três homens armados. Foi obrigado a passar por dois cativeiros, o primeiro por 14 dias, e o restante no último, que veio a ser descoberto pelos policiais que o libertaram, sem pagamento de resgate. Durante todo o tempo, sofreu agressões (juntamente com o irmão, para obtenção de informações), privações (nos primeiros dias, ficou sem água, sem comida e sem local para fazer necessidades fisiológicas) e outros sofrimentos físicos, como o fato de ter sido, em ambos os cativeiros, amarrado junto a uma cama e depois um sofá. Foi seguidamente ameaçado com arma, por todos os sequestradores que cuidavam de seu cativeiro, inclusive pelos três que vieram a ser presos quando a polícia o descobriu. Relatou como foi obrigado a fazer imagens enquanto era agredido, e ensanguentado, para impressionar a família, que, depois soube, fora poupada pela polícia de ver o filme, em razão da expressividade das imagens (fls. 258).

[...]A ocorrência da extorsão mediante o sequestro dos dois irmãos,

portanto, é segura, com farto elemento probatório. Por este motivo, não é de se acolher a tese de desclassificação para cárcere privado - o sequestro estava motivado pela extorsão, o que é evidente pelos telefonemas de cobrança do dinheiro como resgate.

A participação dos acusados não é menos segura.As investigações da Polícia Civil se dirigiram, primeiro, à

identificação das vozes do sequestrador-negociador. A partir daí, com interceptações telefônicas autorizadas judicialmente (no apenso, o material colhido, bem ainda as autorizações), descobriu-se o telefone do suspeito Boca, conseguindo-se realizar a prisão deste através da oitiva de suas conversas (relatório de fls. 309/13). Com as informações fornecidas pelo acusado WELLINGTON, chegou-se ao local do cativeiro, onde a vítima foi encontrada e os três corréus INAJARA, DARCY e REGINALDO presos, enquanto tomavam conta do sequestrado. No local, apreenderam-se duas armas de fogo devidamente periciadas (fls. 157/8 e 176/7).

WELLINGTON, ouvido em juízo, admitiu a participação no sequestro, afirmando que foi contratado para levar comida ao cativeiro e contratar faxineira, por que seria essa uma forma de ganhar dinheiro fácil (fls. 194).

DARCY também admitiu, em juízo, ter participado do sequestro, estando no cativeiro, atribuindo a WELLINGTON a posição de negociador. (fls. 196).

REGINALDO confirmou ter sido preso no cativeiro, junto com os demais réus, e admitiu que havia sido contratado para tomar conta do cativeiro (fls. 200).

Por fim, INAJARA disse ter apenas aceito ser faxineira no local, sem aderir ao sequestro. Quando deu conta de que era um sequestro, foi impedida de sair, ficando no cativeiro por mais de dez dias. Afirmou que WELLINGTON é que deixava comida no local (fls. 198).

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[...]Identificou WELLINGTON como o chefe do grupo, atribuindo-o não

só o papel de negociador, como, ainda, aquele que agredia e incentivava as agressões pelos demais - o fato foi também corroborado pela vítima WALTER, indicando que era o próprio WELLINGTON o autor dos telefonemas. Tais versões casaram integralmente com as suspeitas da polícia acerca da liderança de WELLINGTON (razão pela qual acabou sendo interceptado) e, por fim, culminaram em sua prisão e por seu intermédio, a identificação do cativeiro.

[...]A vítima WLAMIR também relatou que além de INAJARA todos os demais

réus se revezavam na posse da arma, de modo que a adesão de todos aos propósitos delituosos é segura - nenhuma delas é de menor importância.

Duas condutas, no entanto, devem ser diferenciadas nestes delitos.A de WELLINGTON, pelos elementos colhidos, o chefe, o organizador do

sequestro, tanto contratava pessoas para o cativeiro, quanto cuidava da negociação, sem desperdiçar momentos para mostrar sua liderança, agredindo primeiro e de forma mais significativa as vítimas.

INAJARA, segundo a vítima WLAMIR, foi a única dos sequestradores que não estava no primeiro cativeiro - portanto, não há provas de que tenha aderido à extorsão em relação à vítima WALTER.

A extorsão mediante sequestro é qualificada pelo tempo de duração: mais de 24 horas, tanto em relação a WALTER, quanto em relação a WLAMIR (este com 59 dias de cativeiro).

Os crimes devem ser tido em concurso formal, tendo em vista que tanto a arrebatamento quanto o cativeiro foram comum em relação às duas vítimas.

Afasto, outrossim, as demais imputações, de tortura, formação de quadrilha e posse ilegal de arma de fogo.

[...]

As penas, aqui, foram assim fixadas:

[...]Para o delito paradigma, extorsão mediante sequestro de WLAMIR,

mais grave pelo maior tempo de duração, fixo a pena-base em 15 anos de reclusão. Aqui, computo para majorar a pena o longo tempo de duração (muito mais do que 24 horas), os maus-tratos (inclusive a falta de alimentação), as agressões sofridas pela vítima, e a forte pressão psicológica a que foi submetida, com ameaças contínuas e perisistentes. Não à toa, a vítima foi encontrada fragilizada, fraca e com sequelas psicológicas, conforme o relato das testemunhas. A consequência do fato é, portanto, mais gravosa.

Para WELLINGTON, acresço de dois anos pela circunstância

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agravante prevista no art. 62, inciso I: promoveu e organizou a cooperação no crime, dado seu papel de liderança indicado desde a inicial e comprovado em juízo. Reduzo de 1 ano pela confissão espontânea. Pena final em 16 anos de reclusão.

Para DARCY, acresço de dois anos pela reincidência comprovada por certidões (fls. 189 e 414), que descrevem ainda seus péssimos antecedentes. Reduzo de 1 ano pela confissão espontânea. Pena resultante em 16 anos de reclusão.

Para REGINALDO, apenas diminuo de 1 ano pela confissão espontânea, atingindo a pena o total de 14 anos de reclusão.

Para INAJARA, mantendo a pena íntegra, à guisa de circunstâncias modificadoras - ela não foi confessa.

A esses totais, acresço 1/6 pelo crime menos grave, em relção à vítima WALTER (mas também extorsão qualificada), com exceção de INAJARA, que somente tomou parte do sequestro de WLAMIR.

[...]ISTO POSTO, julgo a ação penal PROCEDENTE EM PARTE para

CONDENAR como incursos nas sanções do art. 159, § 1º, c.c. art. 70, ambos do Código penal:

a) WELLINGTON THEODORO BERNARDES E DARCY JAVONI ao cumprimento de 18 (DEZOITO) ANOS E 8 (OITO) MESES DE RECLUSÃO, iniciados em regime fechado e;

b) REGINALDO SUTERO DO NASCIMENTO ao cumprimento de 16 (DEZESSEIS) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO, iniciados em regime fechado e;

CONDENAR INAJARA CAMPANHA DIAS como incursa nas sanções do art. 159, § 1º, do Código Penal, ao cumprimento de 15 (QUINZE) ANOS DE RECLUSÃO, iniciados em regime fechado, absolvendo a todos das imputações remanescentes, nos termos do art. 386, III e VII, do Código de Processo Penal.

[...]

Já quanto ao paciente, esta foi a fundamentação da sentença

condenatória proferida pelo Juízo da 15ª Vara Criminal da capital/SP (Dr. Bruno

Paes Straforini), na data de 29/7/2009 (Processo n. 050.08.078379-1 – controle

n. 1.361/08 – fls. 41/43 – grifo nosso):

[...]O réu negou a prática delitiva, afirmando que não teve qualquer

envolvimento com a extorsão mediante sequestro aqui tratada.Todavia, a prova colhida nos autos contraria tal versão.As vítimas foram regularmente inquiridas e narraram com riqueza de

detalhes o ocorrido. Confirmaram que foram arrebatadas na empresa em que trabalham e posteriormente encaminhadas a um cativeiro.

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Descreveram as ameaças e agressões sofridas e contataram (sic) que Walter ficou no cativeiro por dois dias e Wlamir por longos cinquenta e nove dias. Informaram, ainda, que durante o período descrito na denúncia diversas foram as exigências de compensação financeira para a libertação dos sequestrados.

Os policiais ouvidos também descreveram de maneira minuciosa a investigação realizada e as interceptações telefônicas feitas - com autorização judicial - e que permitiram a elucidação da autoria delitiva.

A documentação acostada aos autos deixa claro que as conversas telefônicas interceptadas se referiam à extorsão mediante sequestro aqui tratada. Além disso, como relataram os policiais, o telefone utilizado pelo réu foi interceptado porque identificada a sua proximidade com o telefone utilizado para exigir o pagamento de dinheiro da família das vítimas.

Através de tal diligência chegou-se à pessoa do réu, que teve - como se comprova dos relatos colhidos - intensa participação na empreitada delitiva.

A pueril negativa do réu é frontalmente contrariada pelo depoimento da vítima Wlamir , que contou que, nos quase sessenta dias em que ficou acorrentado no cativeiro, era frequentemente agredido, xingado e espancado por um indivíduo que conhecia pela alcunha de 'neguinho'. Disse, por fim, que 'neguinho' era é o réu AILTON, devidamente reconhecido em audiência.

É certa, assim, a ativa participação do acusado na extorsão mediante sequestro, tendo ele, segundo verossímil relato da vítima, estado no cativeiro em diversas oportunidades, tendo, inclusive, a agredido brutalmente.

Além disso, ele estava com o comparsa WELLINGTON quando este negociava o pagamento do resgate com a família, deixando clara a sua importância na organização criminosa.

Demais disso, o delito do art. 288 do CP também se caracterizou, uma vez que nítida a grande organização criminosa formada pelo réu e seus comparsas, com complexa divisão de tarefas e atribuições para o fim de reiterada e continuamente, praticar delitos.

Duas foram as vítimas sequestradas pelo réu e sua quadrilha, sendo claro o desígnio autônomo na prática de cada um dos crimes. Os agentes estiveram na empresa das vítimas e lá arrebataram os dois, demonstrando o dolo - autônomo - de praticar dois sequestros e, posteriormente, as extorsões. Nítida, destarte, a existência de concurso material de delitos.

[...]

E a pena:

[...]A pena-base para a extorsão mediante sequestro aplicável à espécie (art.

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159, § 1º, do CP) é de 12 (doze) anos, já que os dois crimes perduraram por mais de 24 horas.

Em relação ao crime praticado contra a vítima Wlamir imperiosa a exasperação de 1/2 da reprimenda, em razão do longo período da privação de liberdade (59 dias) e em função das inúmeras agressões relatadas pela vítima, o que demonstra as deletérias consequências do crime praticado e as extraordinárias e gravosas circunstâncias em que se desenvolveu a prática do crime.

A pena-base para o crime de quadrilha ou bando é fixada em 02 (dois) anos de reclusão, em função do seguro relato das vítimas de que seus integrantes estavam armados.

Na segunda etapa de fixação da pena deve haver aumento de 1/3 da pena, pois o réu é reincidente específico no delito em análise.

Pena final em: 16 (dezesseisi) anos de reclusão em razão do crime praticado contra a vítima Walter; 24 (vinte e quatro) anos de reclusão em razão do crime praticado contra Wlamir ; e 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão em função do delito de quadrilha ou bando.

[...]Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar o réu

AILTON MARCELINO DOS SANTOS, qualificado nos autos, como incurso nos artigos 159, § 1º, por duas vezes, na forma do art. 69, e art. 288, parágrafo único, todos do Código Penal à pena de 42 (quarenta e dois ) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado.

[...]

Esclarecido o contexto fático-processual, entendo que razão assiste ao

impetrante.

Como já dito, a insurgência está fundada na violação do princípio

constitucional da isonomia, porque ao paciente, diversamente dos demais

réus, foi reconhecida a regra do concurso material em relação ao crime de

extorsão mediante sequestro (art. 159, § 1º (por duas vezes), do Código Penal –

Ação Penal n. 050.08.078379-1 – Controle n. 1.361/08 – 15ª Vara Criminal da

comarca de São Paulo/SP).

Como é sabido, desde que as situações fático-processuais sejam

idênticas e não estejam fundadas em motivos de caráter eminentemente

pessoal, deve a decisão judicial proferida em favor de um acusado ser estendida

aos demais.

Da fecunda densidade normativa do princípio constitucional da

isonomia extrai-se primordialmente o dever do Judiciário de dar tratamento Documento: 30559703 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 16 de 19

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jurisdicional igual para situações iguais (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito

Constitucional Positivo. 16ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1999, pág. 221;

BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade, tradução de Carlos Nelson Coutinho.

Rio de Janeiro: Ediouro, 1996, pág. 25; CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição

Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1982, pág.

380; SILVA, Celso de Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e

aplicação. Ed. Lumen Juris, pág. 85). É dizer: a mensagem deixada pelo

constituinte é no sentido de que o Poder Judiciário deve laborar buscando a

aproximação entre os valores do jurídico e do justo, de tal arte propiciando

que o princípio da igualdade se realize em toda sua plenitude.

O fato de a jurisdição singular realizar-se, em cada caso concreto,

pela subsunção do fato à norma não implica a conclusão de que, na ausência de

motivos ponderosos que justifiquem tal diversidade, o jurisdicionado deva se

conformar com a prolação de respostas judiciárias discrepantes.

Ora, não há como negar que a decisão que reconheceu, em período

anterior – dada a prisão em flagrante –, a regra do concurso formal de crimes aos

demais réus Wellington Theodoro Bernardes, Reginaldo Sutero do

Nascimento, Darcy Javoni e Inajara Campanha Dias também deva ser

estendida ao ora paciente.

O caso dos autos é típico: como justificar que, com exceção do

paciente, todos os demais envolvidos (agentes) – e aqui destaque para o

condenado Wellington, tido como "líder" e "negociador" da ação delituosa –, em

idênticas condições, no mesmo período, com atos que compuseram tal

ação criminosa e dela fizeram parte – como um "todo" – foram submetidos a

concurso de crimes diferenciados? Sob esse foco, em meu sentir, chancelada

está a situação de discriminação, ofensiva ao princípio da isonomia.

Dito de outra forma: fixados os limites na identidade do bem jurídico,

entendo haver homogeneidade das condutas concorrentes, não podendo,

somente a conduta do ora paciente, isoladamente, servir como elemento Documento: 30559703 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 17 de 19

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diferenciador, conforme se percebe, aliás, sem necessidade de aprofundamento

na prova, pela simples leitura da denúncia e das decisões hostilizadas.

Outro não foi o entendimento do Ministério Público Federal (fls. 65/67 –

grifo nosso):

[...]A ordem deve ser concedida.Com efeito, os crimes imputados ao paciente e aos corréus foram

narrados na denúncia da seguinte forma:

[...]Consta ainda dos autos que a partir do dia 10 de setembro de 2007,

nesta cidade e Comarca, AILTON MARCELINO DOS SANTOS, vulgo "Coiote" e "Neguinho", previamente ajustado com as pessoas de WELLINGTON THEODORO BERNARDES, vulgo "Gordo", "Boca" ou "Sombra", REGINALDO SUTERO DO NASCIMENTO, DARCY JAVONI e INAJARA CAMPANHA DIAS, e outra pessoa conhecida apenas como "Rafael Dias", previamente ajustados e com unidade de propósitos e desígnios, sequestrou Walter Pistori e Wlamir Pistori, com o fim de obter, para todos, vantagem como condição ou preço do resgate, mantendo o primeiro como refém por dois dias e o segundo por cinquenta e nove dias.

Segundo se apurou, o já denunciado WELLINGTON e outros dois comparsas invadiram, no dia 10 de setembro de 2007, por volta das 20h00min, a sede da empresa TWC Comércio Serviços Importação e Exportação Ltda., na Av. Engenheiro Eusébio Stevaux, n. 1244, dominaram todos os presentes, ameaçando-os com armas de fogo, amarrando e trancando os funcionários em um banheiro e sequestrando Valter (sic) Pistori e Wlamir Pistori, sócios proprietários daquela empresa e irmãos, levando-os até um cativeiro situado na Rua Etervino Pedro dos Santos, 135 nesta Capital.

No dia 12 seguinte, Walter foi libertado com a incumbência de providenciar pagamento de resgate no valor de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) para livrar o irmão do cativeiro.

(e-STJ fls. 9/10).

Ao proferir a sentença que condenou o paciente, o Magistrado asseverou: 'Duas foram as vítimas sequestradas pelo réu e sua quadrilha, sendo claro o desígnio autônomo na prática de cada um dos crimes. Os agentes estiveram na empresa das vítimas e lá arrebataram os dois, demonstrando o dolo - autônomo - de praticar dois sequestros e, posteriormente, as extorsões. Nítida, destarte, a existência de concurso material de delitos" (e-STJ fl. 43).

Na sentença proferida em desfavor dos corréus - Wellington Theodoro Bernardes, Reginaldo Sutero do Nascimento, Darcy Javoni e Inajara Campanha Dias -, contudo, afirmou: "Os crimes devem ser tidos em concurso formal, tendo em vista que tanto o arrebatamento

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quanto o cativeiro foram em comum em relação às duas vítimas" (e-STJ fl. 53).

O Tribunal paulista, por sua vez, ratificou as sentenças condenatórias do paciente e dos corréus, asseverando, nos acórdãos, respectivamente:

[...]Não há que se falar em concurso formal, mas concurso material, tendo

em vista o dolo de praticar dois sequestros autônomos e, posteriormente, as extorsões (e-STJ fl. 23).

[...]As penas, de resto foram muito bem dosadas, com reconhecimento de

todas as circunstâncias subjetivas e objetivas dos acusados e dos crimes, inclusive o concurso formal, tendo em vista que foram duas as vítimas, considerando também que Inajara não estava presente no primeiro sequestro (da vítima Walter ). (e-STJ fl. 31)

Ora, o paciente e os corréus foram acusados em razão dos mesmos atos criminosos, como se viu do trecho destacado da denúncia - que afirma o ajuste entre eles para o fim de sequestrar Walter Pistori e Wlamir Pistori, visando obter, para todos, vantagem como condição ou preço do resgate -, de forma que é inadmissível a aplicação da regra do concurso material para um e do concurso formal para os outros, sem que haja qualquer outra circunstância fática ou regra de direito que justifique o tratamento desigual.

Assim, sem apreciar o mérito dessas decisões, afirmando o acerto ou erro no reconhecimento de um ou outro tipo de concurso de crimes, é necessário que se reconheça a identidade da situação processual entre o paciente e os corréus, no que diz respeito à acusação do crime de extorsão mediante sequestro.

[...]

Nessa linha de entendimento, fácil, portanto, compreender o sentido

lógico da situação: igualdade de tratamento havia de ser assegurado a todos,

porque todos concorreram para os mesmos crimes – mesmos fatos criminosos –,

crimes que foram praticados, segundo apurado nos autos, sob as mesmas

condições, e condições, então, quanto a todos os réus, tendentes ao

reconhecimento da regra do concurso formal.

Em face do exposto, em homenagem ao princípio da isonomia, a fim de

preservar o tratamento igualitário entre as partes, não conheço do habeas

corpus , porém concedo a ordem de ofício, de forma que, relativamente ao ora

paciente, o Juiz do processo refaça o cálculo da pena considerando a regra do

concurso formal (Ação Penal n. 050.08.078379-1 – Controle n. 1.361/08).Documento: 30559703 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 19 de 19