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Revista SÍNTESE Direito Imobiliário ANO IV – Nº 20 – MAR-ABR 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO Tribunal Regional Federal 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Saletti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Afonso Celso F. de Rezende, Alexandre Barbosa Maciel, Aline Veiga Borges, Antonio Carlos Alencar Carvalho, Barbara Heliodora de Avellar Peralta, Ben-Hur Silveira Claus, Denis Donoso, Luiz Antonio Scavone Junior, Tércio Túlio Nunes Marcato ISSN 2236-1553

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Revista SÍNTESEDireito Imobiliário

Ano IV – nº 20 – MAr-Abr 2014

reposItórIo AutorIzAdo

Tribunal Regional Federal 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIretor executIVo

Elton José Donato

Gerente edItorIAl e de consultorIA

Eliane Beltramini

coordenAdor edItorIAl

Cristiano Basaglia

edItorA

Simone Costa Saletti Oliveira

conselho edItorIAl

Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho

colAborAdores destA edIção

Afonso Celso F. de Rezende, Alexandre Barbosa Maciel, Aline Veiga Borges, Antonio Carlos Alencar Carvalho, Barbara Heliodora de Avellar Peralta, Ben-Hur Silveira Claus,

Denis Donoso, Luiz Antonio Scavone Junior, Tércio Túlio Nunes Marcato

ISSN 2236-1553

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Imobiliário.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço: [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Imobiliário. – Vol. 1, n. 1 (jan./fev. 2011)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v.; 23 cm.

Bimestral. v. 4, n. 20, mar./abr. 2014

ISSN 2236-1553

1. Direito imobiliário.

CDU 347.453 CDD 342.1242

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, publicamos como Assunto Especial o tema ”Loteamento”. Sobre o tema escolhido selecionamos dois relevantes artigos: um do jurista Luiz Antonio Scavone Junior e outro do jurista Afonso Celso F. de Rezende.

E, ainda na Seção Especial, ”Com a Palavra, o Procurador”, artigo de Antonio Carlos Alencar Carvalho intitulado ”Anotações sobre os Loteamentos Irregulares”.

Loteamento é a divisão de glebas em lotes destinados à edificação, com aberturas de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolonga-mento, modificação ou ampliação das vias já existentes. O responsável é o loteador, que pode ser tanto uma pessoa física, como uma empresa privada, um órgão público ou uma cooperativa.

Mas ainda temos a figura do loteamento irregular e do clandestino. Con-sidera-se irregular aquele que possui algum tipo de registro no município. O responsável pode ter feito uma consulta prévia ou ter dado entrada com parte da documentação, mas não chegou a aprovar o projeto ou que tem projeto aprovado, mas o loteador deixou de executar previstas. O clandestino é aquele executado sem qualquer tipo de consulta à prefeitura e no qual o loteador não respeita nenhuma norma urbanística.

Na Parte Geral selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qua-lidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do direito, tais como: Barbara Heliodora de Avellar Peralta, Tércio Túlio Nunes Marcato, Alexandre Barbosa Maciel, Aline Veiga Borges e Ben-Hur Silveira Claus.

Ainda, na Seção “Em Poucas Palavras”, artigo de autoria de Denis Donoso intitulado “Liminar Possessória nos Contratos de Alienação Fiduciária de Imóveis”.

Não deixe de ver nossa seção “Bibliografia Complementar”, que traz su-gestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto EspecialLoteamento

Doutrinas

1. Loteamento, Loteamento Fechado e Loteamento IrregularLuiz Antonio Scavone Junior .....................................................................9

2. Loteamento e Desmembramento UrbanosAfonso Celso F. de Rezende ....................................................................34

Com a PaLavra, o ProCuraDor

1. Anotações sobre os Loteamentos IrregularesAntonio Carlos Alencar Carvalho ............................................................37

JurisPruDênCia

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ..........................................................................49

2. Ementário ................................................................................................54

Parte GeralDoutrinas

1. A Responsabilidade Civil do Incorporador e do Construtor sob o Ponto de Vista ConsumeristaBarbara Heliodora de Avellar Peralta ......................................................62

2. A Proteção dos Acionistas e Credores na IncorporaçãoTércio Túlio Nunes Marcato ....................................................................92

3. A Relação entre Corretores de Imóveis, Imobiliárias e o Mercado ImobiliárioAlexandre Barbosa Maciel ....................................................................115

4. Hipoteca Judiciária sobre Bens Não Elencados no Artigo 1.473 do Código Civil – A Efetividade da Jurisdição Como Horizonte HermenêuticoAline Veiga Borges e Ben-Hur Silveira Claus .........................................122

JurisPruDênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................133

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2. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................142

3. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .................................................148

4. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios ...............................158

5. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ......................................166

6. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ................................................179

7. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro .....................................184

8. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ..............................188

9. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ....................................200

10. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ...........................................204

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ..................................................................210

Seção Especial

em PouCas PaLavras

1. Liminar Possessória nos Contratos de Alienação Fiduciária de ImóveisDenis Donoso .......................................................................................234

Clipping Jurídico ..............................................................................................237

Bibliografia Complementar .................................................................................244

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................245

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebi-do e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. No caso de publicação dos artigos enviados, não serão devidos direitos autorais, remuneração ou qualquer espécie de contraprestação a seus autores, sendo apenas enviado um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, ficando, ainda, a critério do Editor a seleção e aprovação para publicação, a qual será comu-nicada ao autor.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pes-quisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Loteamento

Loteamento, Loteamento Fechado e Loteamento Irregular

LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIORAdvogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário da EPD, Professor de Direito Civil e Mediação e Direito Arbitral nos Cursos de Graduação da Universi-dade Presbiteriana Mackenzie e da FAAP. Autor de diversas obras.

SUMÁRIO: 1 O instituto do parcelamento do solo urbano; 2 Loteamento fechado – Noções gerais; 3 Lotea-mento fechado e vias e espaços públicos – Concessão administrativa; 4 A sociedade sem fins lucrativos como órgão administrativo do loteamento fechado – O regulamento interno; 5 O registro do loteamento fechado – A concessão, o contrato padrão e o registro do regulamento como fundamento para a poste-rior cobrança das despesas dos adquirentes; 6 Fórmulas mirabolantes no ato de parcelar o solo urbano; 7 Fechamento de loteamento comum já constituído.

1 O INSTITUTO DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO

O parcelamento do solo urbano é regido pela Lei nº 6.766/1979, que substituiu o Decreto-Lei nº 58/1937, que tinha por finalidade tutelar os compra-dores de lotes sem, contudo, preocupar-se com o aspecto urbanístico.

Em verdade, a lei nova não revogou a anterior, que continua em vigor para regular as promessas de compra e venda de imóveis não loteados, bem como o parcelamento do solo rural, devendo esse ser compreendido na exata medida da destinação e não da localização. Em outras palavras, o loteamento será urbano se destinado a fins habitacionais, ainda que em zona rural, e, para efeitos penais, nesse caso, submete-se aos arts. 50 e seguintes da nova lei, já que não se permite loteamento para fins urbanos em área rural (Lei nº 6.766/1979, art. 3º).

Parcelamento do solo urbano é gênero do qual são espécies o desmem-bramento, o loteamento e o desdobro. As duas primeiras espécies sujeitas e disciplinadas pela Lei nº 6.766/1979 e a última regulada exclusivamente pela Lei Municipal.

Mister se faz diferenciar loteamento e desmembramento de desdobro, exatamente porque as duas primeiras espécies aplicam-se as disposições da Lei nº 6.766/1979, que contém diversas normas que regulam a atividade de

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parcelamento do solo, com disposições civis, penais e, principalmente, admi-nistrativas.

De fato, os parágrafos do art. 2º da Lei nº 6.766/1979 definem o lotea-mento e o desmembramento.

O loteamento consiste na subdivisão de gleba em lotes destinados à edi-ficação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

O desmembramento, por outro lado, é a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem prolon-gamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Para que haja aplicação da Lei nº 6.766/1979, mister se faz, como dito, que se verifique um loteamento ou desmembramento, e, para o perfeito enten-dimento da matéria, se faz necessária a decomposição do conceito legal.

1.1 Diferença entre loteamento e Desmembramento – abertura ou não De vias e lograDouros públicos

O loteamento diferencia-se do desmembramento na exata medida em que, neste, não há falar-se em abertura ou prolongamento de vias de circulação e, tampouco, de logradouros públicos, tais como as praças.

Inicialmente, haverá loteamento no caso de subdivisão de glebas em lo-tes com abertura de ruas, vielas, praças e outros logradouros públicos.

Se a subdivisão da gleba em lotes aproveitar a malha viária e os equipa-mentos públicos já existentes, estaremos diante de desmembramento.

1.2 subDivisão De gleba em lotes

Verifica-se que, legalmente, só há loteamento ou desmembramento se da atividade de parcelar o solo urbano extrair-se uma subdivisão de gleba em lotes.

Assim, torna-se de fundamental importância a definição de gleba e de lote para o perfeito entendimento da definição trazida à colação pela Lei nº 6.766/1979.

Se não houver a subdivisão de gleba em lotes, não há falar-se em lotea-mento ou desmembramento.

Nesse sentido, criticava-se a Lei nº 6.766/1979 na exata medida em que não definia expressamente os conceitos, deixando tal tarefa à doutrina e à juris-prudência, gerando um verdadeiro imbróglio na aplicação da lei.

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Todavia, a Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999, acabou por definir o lote pela inclusão dos §§ 4º e 5º no art. 2º da Lei nº 6.766/1979.

Passaremos a defini-los de acordo com os parâmetros legais.

1.2.1 Gleba

Gleba é a porção de terra que não tenha sido submetida a parcelamento sob a égide da Lei nº 6.766/1979, o que equivale dizer que estaremos diante de uma gleba se a porção de terra jamais foi loteada ou desmembrada sob a vigência da nova lei.

Entretanto, mesmo que não tenha havido parcelamento do solo sob a re-gulamentação da Lei nº 6.766/1979 com as alterações posteriores, haverá lote e não gleba, se a porção de terra atenda, quanto à dimensão, os parâmetros da Lei Municipal ou do Plano Diretor, e, além disso, disponha de infraestrutura básica, assim considerada na exata medida da existência de equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública, rede de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar, além de vias de circulação, pavimentadas ou não (Lei nº 6.766/1979, art. 2º, §§ 4º e 5º, com a redação dada pela Lei nº 9.785, de 29.01.1999).

O resultado do parcelamento sob os auspícios do Decreto-Lei nº 58/1937, nos termos do § 1º do art. 4º e parágrafo único do art. 11 da Lei nº 6.766/1979, trata de gleba (aqui não há, tecnicamente, lote, embora, na prática, mesmo a subdivisão de glebas de acordo com o Decreto-Lei nº 58/1937 seja denomi-nado lote. Na verdade há uma gleba por força da inferência que se extrai do § 1º do art. 4º e parágrafo único do art. 11 da Lei nº 6.766), isso no caso desse parcelamento não ter destinado o mínimo de área pública, acorde com a Lei Municipal, e, também, não ter atendido aos requisitos dimensionais e de infra-estrutura dos §§ 4º e 5º do art. 2º da Lei nº 6.766/1979, quando se exige, para parcelamentos posteriores, que o Município ou Distrito Federal fixe as normas urbanísticas.

Nesse caso, é de se verificar a modificação do § 1º do art. 4º da Lei nº 6.766/1979, que, anteriormente, exigia, de forma indelével, o mínimo de 35% de áreas públicas (arts. 2º e parágrafos; 4º, § 1º; e 11, parágrafo único, da Lei nº 6.766/1979), cujo percentual, com as alterações legais, fica hoje a critério da Legislação Municipal.

Assim, somente não haverá falar-se em gleba na hipótese de parcelamen-to do solo urbano de acordo com o Decreto-Lei nº 58/1937, caso esse mesmo parcelamento tenha observado para os logradouros públicos o mínimo do § 1º do art. 4º da Lei nº 6.766/1979, exigível no momento do novo parcelamento, ou se enquadre no conceito de lote trazido à colação pelos §§ 4º e 5º da Lei nº 9.785/1999, hipótese em que estaremos diante de lote para os fins da Lei nº 6.766/1979.

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Concluindo, haverá gleba se a porção de terra:

– não sofreu, anteriormente, parcelamento de acordo com a Lei nº 6.766/1979, ou, tendo sofrido, a área não atenda as dimensões urbanísticas definidas no Plano Diretor ou na Lei Municipal ou não contenha a infraestrutura básica requerida pelos §§ 4º, 5º e 6º do art. 2º da Lei nº 6.766/1979;

– sofreu parcelamento sob a égide do Decreto-Lei nº 58/1937, cuja destinação de áreas públicas não atenda atualmente aos requisitos contidos na Lei Municipal (art. 4º, § 1º), ou cuja área não atenda as dimensões urbanísticas definidas no Plano Diretor ou na Lei Muni-cipal ou, ainda, não contenha a infraestrutura básica requerida (Lei nº 6.766/1979, art. 2º, §§ 4º, 5º e 6º).

1.2.2 Lote

Lote é o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões aten-dam aos índices urbanísticos definidos pelo Plano Diretor ou pela Lei Municipal para a zona que se situe (Lei nº 6.766/1979, art. 2º, § 4º).

Verifica-se que essa definição, trazida pela Lei nº 9.785/1999, não existia anteriormente, o que demandava enorme esforço exegético para se chegar à definição de lote.

Com efeito, anteriormente, considerava-se lote a porção de terra que resultasse de um desmembramento ou de um loteamento sob a égide da Lei nº 6.766/1979 ou legislação anterior, desde que, neste último caso, tenha sido destinada área pública mínima.

Nesse sentido, Toshio Mukai, Alaor Caffé Alves e Paulo José Villela Lomar (Loteamentos e desmembramentos urbanos. São Paulo: Sugestões Literá-rias, 1987) definiram lote como toda porção de terra resultante de parcelamento urbano de uma gleba, destinada à edificação.

Atualmente, com a definição de lote trazida pela Lei nº 9.785/1999, entendemos que não há mais falar-se em necessidade de loteamento ou des-membramento para que se verifique um lote.

Se a porção de terra se enquadra nos parâmetros dos §§ 4º, 5º e 6º da Lei nº 6.766/1979, haverá lote mesmo que a porção de terra não tenha sido, anteriormente, loteada ou desmembrada, vez que para loteamento ou desmem-bramento, nos termos dos §§ 1º e 2º, mister se faz a subdivisão de gleba em lote.

Ora, se já existe lote, não há falar-se em loteamento ou desmembra-mento.

É de se verificar, outrossim, que o art. 11, parágrafo único, da Lei nº 6.766/1979 descreve a necessidade de desmembramento para o caso de

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 13

lotes resultantes de parcelamentos cuja destinação de área pública tenha sido inferior à mínima prevista no § 1º do art. 4º da Lei nº 6.766/1979.

De fato, a lei exige desmembramento, entretanto, atecnicamente, se re-fere a lote.

Ora, o desmembramento, de acordo com o art. 2º, é a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públi-cos, nem prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Conclui-se, por conseguinte, que o art. 11, parágrafo único, da Lei nº 6.766/1979, quando fala em lote, na verdade, refere-se à gleba, já que não existe o desmembramento de lote.

Portanto, é possível concluir que é lote o terreno servido de infraestrutura básica, cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo Pla-no Diretor ou pela Lei Municipal para a zona que se situe (Lei nº 6.766/1979, art. 2º, § 4º), independentemente de ter sido ou não objeto de anterior parcela-mento do solo urbano (loteamento ou desmembramento).

A conclusão é importante na exata medida da definição legal de lotea-mento e desmembramento, contida que está nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 6.766/1979, implica, basicamente, na subdivisão de uma gleba em lotes. Se já existe lote não haverá, consequentemente, a adequação ao tipo legal e, assim, não haverá falar-se em loteamento ou desmembramento.

1.3 DesDobro

Desdobro é a subdivisão de lote sem alteração de sua natureza, desde que permitida por Legislação Municipal.

A Lei nº 6.766/1979 não disciplinou o desdobro, embora este ocorra e não seja por ela vedado. Entretanto, ressalte-se, só é possível se previsto na Legislação Municipal.

Em verdade, partindo do pressuposto da permissão e regulamentação da Lei Municipal, se não houver subdivisão de gleba em lote, não há nem lotea-mento e nem desmembramento, mas sim o denominado desdobro.

Nesse caso, se a porção de terra é lote, com essa natureza permanecerá.

Conclui-se, por conseguinte, que desmembramento ou loteamento não se confundem com o desdobro, vez que, neste, após a divisão, não há alteração da natureza em face do resultado; há lotes resultantes de outro já existente.

A importância da distinção se dá principalmente em função da necessi-dade ou não de observância de farta legislação disciplinadora dos loteamentos e desmembramentos urbanos, principalmente da Lei nº 6.766/1979.

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O desdobro de lote deve respeitar o limite legal de 125m2 (art. 4º, II), ou aquele maior da Lei Municipal.

Outro requisito, comum a qualquer desdobro, é a permissão por Lei Mu-nicipal, que trará à colação os parâmetros necessários e o procedimento a ser adotado.

Normalmente, observa-se que há necessidade de um projeto simples, uma planta que contenha a situação anterior, a atual e o resultado do desdobro, acompanhados da nova descrição dos lotes resultantes.

Este projeto, acompanhado da descrição, após a devida aprovação pela Prefeitura Municipal, é submetido a registro no Oficial de Registro de Imóveis competente, que procederá as novas matrículas.

Por fim, cabe ressaltar que a doutrina inadmite o desdobro de gleba e, da mesma forma, o de lote em que haja necessidade de abertura de novas vias de circulação.

Somos de opinião contrária – isolada, é verdade –, vez que se não houver subdivisão de gleba em lote, acorde com os parâmetros insculpidos nos pará-grafos do art. 2º da Lei nº 6.766/1979, não haverá falar-se em parcelamento do solo urbano.

Ora, se a Lei Municipal estabelece um limite máximo de lote, nada im-pede a subdivisão de glebas, sem que haja parcelamento do solo urbano, desde que resulte em novas glebas (com metragem acima do limite máximo do lote).

No caso, inexistirá a subdivisão de glebas em lotes, mas de gleba em glebas.

Da necessidade de abertura de vias de circulação não se extrai a infe-rência do loteamento ou desmembramento, desde que não haja subdivisão de gleba em lotes.

Portanto, havendo subdivisão de gleba em glebas (neste caso, só se a Lei Municipal estabelecer o limite máximo do lote) ou de lote em lotes, não haverá falar-se em parcelamento do solo que se subsuma à Lei nº 6.766/1979, mas, exclusivamente, à Lei Municipal.

2 LOTEAMENTO FECHADO – NOÇÕES GERAIS

O loteamento fechado nada mais é que o resultado da subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circu-lação e de logradouros públicos, cujo perímetro da gleba original, ao final, é cercado ou murado de modo a manter acesso controlado.

Nesse caso, os proprietários, mediante regulamento averbado junto à matrícula do loteamento, são obrigados a contribuir para as despesas decorren-

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tes da manutenção e conservação dos espaços e equipamentos públicos que passam ao uso exclusivo por contrato administrativo de concessão entre o Mu-nicípio e uma associação criada para esse fim.

Mister se faz acentuar que a aprovação do loteamento fechado em nada difere do loteamento comum, com o acréscimo de alguns elementos que adian-te veremos.

Todavia, a Lei nº 6.766/1979 nada dispôs acerca do loteamento fechado, até porque na década de setenta não havia tanta insegurança pública quanto a que existe atualmente.

É preciso observar que a fonte do direito é o fato dotado de relevân-cia. Portanto, o legislador não poderia se preocupar com a regulamentação do instituto naquela época em que a insegurança nos moldes atuais somente se esboçava.

Cumpre assinalar, também preliminarmente, que a espécie sub oculis não se confunde com vila e tampouco com condomínio fechado – loteamento horizontal ou deitado –, como querem alguns e como se verificará nas linhas a seguir.

Em verdade, a venda de fração ideal de terreno nos moldes do condomí-nio do Código Civil ou, ainda, da Lei nº 4.591/1964, sem a devida aprovação do parcelamento de acordo com a Lei nº 6.766/1979, tratar-se-á de crime tipi-ficado nos arts. 50 e 51.

O preclaro Elvino Silva Filho caracteriza o loteamento fechado (Lo-teamento fechado e condomínio deitado. Revista de Direito Imobiliário – IRIB, 14/20):

a) é aprovado exatamente como um loteamento comum;

b) os lotes são de exclusiva propriedade dos adquirentes, que nele construirão da forma que lhes aprouver, respeitados os requisitos municipais;

c) os lotes são tributados individualmente;

d) o perímetro da gleba é fechado por autorização municipal, sendo que o acesso é efetuado por entrada submetida a controle;

e) a Prefeitura Municipal, no ato da aprovação do loteamento, outorga concessão de uso aos proprietários precedida de lei;

f) o loteador deve apresentar minuta do regulamento de uso e manu-tenção dos equipamentos comunitários, obrigando-se, a partir de cada venda, fazer constar nas escrituras de compra e venda ou mes-mo no contrato de promessa de compra e venda, a obrigação do adquirente contribuir para a manutenção e assinar o regulamento.

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3 LOTEAMENTO FECHADO E VIAS E ESPAÇOS PÚBLICOS – CONCESSÃO ADMINISTRATIVA

Inicialmente, para a admissão do loteamento fechado, uma dificuldade surge: se o art. 22 da Lei nº 6.766/1979 determina que desde a data do registro do loteamento passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas aos edifícios públicos e outros equipamen-tos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, como pode haver a possibilidade de fechamento do perímetro de um loteamento, restringindo o uso dos bens públicos unicamente aos proprietários dos lotes?

A resposta nos dá José Afonso da Silva:

[...] um momento importante da atividade urbanística diz respeito à ordenação do solo, cujas normas estatuem sobre o parcelamento do solo urbano ou urba-nizável e sua distribuição pelos diversos usos e funções, gerando as instituições do arruamento e do loteamento, do reparcelamento (ou remembramento), do zoneamento de uso e da ocupação do solo.

São normas de competência municipal e se encontram, em geral, nas chamadas leis de zoneamento.

O parcelamento urbanístico do solo, em todas as suas formas, sujeita-se às nor-mas urbanísticas estabelecidas na legislação municipal. (Direito urbanístico bra-sileiro. São Paulo: RT, 1981. p. 379)

Assim, por Lei Municipal há possibilidade de se autorizar o fechamento do loteamento com a restrição de uso dos bens públicos aos seus proprietários através da concessão de uso.

Nem se diga que, de acordo com o art. 99, inciso I, do nosso Código Civil, tais bens seriam de uso comum do povo.

O que determina essa característica é a destinação do bem e não simples-mente o fato de tratar-se de praça ou rua.

De acordo com o Direito Administrativo, essa destinação é denominada afetação.

Para o preclaro José Cretella Junior, a afetação nada mais é do que a des-tinação e a consagração, e afetar é destinar, consagrar algo a um determinado fim.

Com efeito, para atingir os fins últimos que tem em mira, precisa a Ad-ministração utilizar bens, quer de sua propriedade, quer da propriedade dos particulares. Afetar é destinar, consagrar, carismar, batizar determinados bens que se acham fora do mundo jurídico, ou no mundo jurídico, mas com outra destinação e traços, para que, devidamente aparelhados, entrem no mundo do Direito Administrativo (CRETELLA JUNIOR, José. Dos bens públicos no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1969. p. 95-97).

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Não há como negar que as ruas, praças e demais espaços livres, no ato do registro do loteamento, passam para o domínio do Município, inferência que se extrai do art. 22 da Lei nº 6.766/1979.

Entrementes, através de ato administrativo, ou seja, através de contrato particular de concessão de uso de bens públicos e Lei Municipal dispondo acer-ca dessa concessão, pode o Município afetar seus bens, ou seja, destiná-los à categoria de bens de uso especial, nos moldes do art. 99, inciso II, do Código Civil.

Ao contrário dos bens de uso comum, em que a regra é a liberdade de todos para a utilização, nos bens de uso especial ou privativo, a liberdade desaparece por força das circunstâncias, convergindo e fixando-se na pessoa dos usuários que preenchamos requisitos estabelecidos para a referida outorga privilegiada. (José Cretella Junior, ob. cit., p. 73)

A concessão de uso é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que o explo-re, segundo sua destinação específica. [...] a concessão pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, mas deverá sempre ser precedida de autorização legal [...] Na concessão de uso, como, de resto, em todo contrato administrativo, prevalece o interesse público sobre o particular, razão pela qual é admitida a alteração de cláusulas regulamentares do ajuste e até mesmo sua rescisão antecipada, mediante composição dos prejuízos, quando houver motivo relevante para tanto. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995)

Qual seria o interesse público a ensejar a concessão dos bens públicos ao uso exclusivo dos proprietários dos lotes?

A resposta se dá com simplicidade. O fato de o Poder Público livrar-se da manutenção desses bens, assim como o fortíssimo argumento da segurança pú-blica do cidadão, são motivos mais que suficientes para admitir-se a concessão.

Não se pode olvidar que os Municípios, a rigor, vivem em constante es-tado de penúria financeira.

Por conseguinte, é benéfica a concessão, já que os bens passam a admi-nistração e conservação dos proprietários que continuam pagando o Imposto Predial e/ou Territorial Urbano, embora não seja possível, nessa eventualidade, a cobrança de taxas de limpeza, conservação e demais abarcadas pela respon-sabilidade dos particulares e estipuladas no instrumento de concessão.

Com isso, o Município pode aplicar seus parcos recursos na área social e em outras prioridades, enquanto os proprietários, por força da concessão, obrigam-se pela manutenção e conservação dos espaços livres, praças e ruas para que possam gozar de mais segurança, v.g., coleta de lixo, manutenção da pavimentação, das praças, etc.

Mas para quem é efetuada a concessão da qual tratamos?

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Dependerá do que estiver disposto na Legislação Municipal. Todavia, é aconselhável, e assim tem sido feito, que o contrato de concessão seja firmado com uma sociedade civil sem fins lucrativos constituída pelos proprietários da área com a finalidade de recolher os recursos para fazer frente às despesas, administrá-los e realizar a conservação e manutenção dos bens públicos.

4 A SOCIEDADE SEM FINS LUCRATIVOS COMO ÓRGÃO ADMINISTRATIVO DO LOTEAMENTO FECHADO – O REGULAMENTO INTERNO

A rigor, inicialmente, a sociedade é constituída pelo loteador, vez que o instrumento de concessão, precedido de Lei Municipal, é firmado antes do registro do loteamento, e, portanto, antes de qualquer venda dos lotes, corolário do que dispõe o art. 37 da Lei nº 6.766/1979.

Nesse sentido, é de fundamental importância um regulamento que rege-rá o uso dos espaços concedidos, forma de contribuição e demais obrigações dos proprietários, cuja minuta é apresentada juntamente com a aprovação do loteamento e registrado junto ao Oficial de Registro de Imóveis com os outros documentos do art. 18 da Lei nº 6.766/1979, o que se faz para a necessária publicidade a terceiros, adquirentes dos adquirentes originais.

É que, normalmente, o adquirente original, já na assinatura da escritura ou do contrato de compromisso de compra e venda, assina também o regula-mento referido nesses contratos.

Assim o é em virtude da obrigação assumida pelo loteador de colher as-sinatura de todos os adquirentes no aludido regulamento por força do encargo assumido em face da concessão dos bens públicos firmada entre a Prefeitura e a sociedade sem fins lucrativos que ele necessariamente integra.

Esse regulamento muito se assemelha com o regulamento do condomínio da Lei nº 4.591/1964, embora com este não se confunda.

Como dito alhures, não há condomínio da Lei nº 4.591/1964 em se tra-tando de loteamento fechado!

As vias de circulação, os espaços públicos e livres do loteamento, por força do art. 22 da Lei nº 6.766/1979 são de domínio público do Município.

O que não se pode negar é que há uma comunhão no uso dessas vias e espaços públicos.

Entretanto, por analogia, utilizando os conceitos da Convenção do Con-domínio da Lei nº 4.591/1964, nesse regulamento são fixadas as normas que regerão o uso e a manutenção dos bens públicos e daqueles comuns, tais como a portaria, os muros e as cercas, a forma do uso da propriedade, os serviços de vigilância e segurança, a forma de recolhimento das contribuições, etc., que serão a seguir tratadas.

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Marco Aurélio da Silva Viana enumera os requisitos desse regulamento (Loteamento fechado e loteamento horizontal. 1. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1991. p. 57/61), os quais adaptamos e, a título exemplificativo, citamos:

– das partes e frações comuns e as que foram objeto de concessão pelo Municí-pio bem como obrigatoriedade de contribuição para fazer frente a essas despe-sas, discriminando as ordinárias e extraordinárias bem como a forma e destino de fundos de reserva;

– disposição acerca da proibição da alienação em separado dos bens comuns;

– especificação da destinação das partes comuns, tais como piscinas, churras-queiras etc.;

– modo de uso dos bens públicos objeto de concessão;

– especificação da administração, fazendo referência a associação que exercerá a administração e que firmou o contrato administrativo de concessão;

– modo de escolha da direção do órgão administrativo, que é a associação que recebeu a concessão dos bens públicos, repetindo os seus termos;

– modo de destituição do administrador;

– determinação das assembléias ordinárias e extraordinárias dos proprietários, forma e data de convocação bem como o quorum para as diversas deliberações que também devem estar discriminadas;

– discriminação dos direitos e obrigações dos moradores e do órgão administra-tivo;

– criação de sanções civis para a transgressão do regulamento, bem como pela mora no pagamento das contribuições;

– transcrição da concessão de uso em seus exatos termos;

– estabelecimento de força obrigatória do regulamento, bem como a nulidade de qualquer negócio que não conste a submissão do adquirente aos seus termos.

5 O REGISTRO DO LOTEAMENTO FECHADO – A CONCESSÃO, O CONTRATO PADRÃO E O REGISTRO DO REGULAMENTO COMO FUNDAMENTO PARA A POSTERIOR COBRANÇA DAS DESPESAS DOS ADQUIRENTES

Como dissemos, o loteamento fechado se submete ao mesmo procedi-mento de registro de um loteamento comum. Todavia, acrescem alguns requi-sitos e documentos.

Com efeito, juntamente com os documentos do art. 18 da Lei nº 6.766/1979, ao Oficial de Registro de Imóveis apresentar-se-á o ato adminis-trativo de concessão de uso das vias de circulação, praças e demais logradouros públicos, além do regulamento de uso desses bens, sem contar a menção desses documentos no contrato-padrão exigido pelos arts. 18, inciso VI, e 26 da Lei nº 6.766/1979.

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No caso de loteamento fechado, além dos requisitos do art. 26, o contra-to-padrão deverá explicitar a existência da concessão outorgada pelo Município com todas as suas cláusulas, bem como a existência do regulamento e a concor-dância com todos os seus termos.

Em verdade, além desses requisitos necessários, não raro, observa-se a existência de partes comuns que não são integrantes dos bens que passam ao domínio do Município por força do art. 22.

É o caso da guarita, vestiário dos empregados, dependências administra-tivas, local para guarda de materiais, além dos muros.

Nessa eventualidade, haverá fração ideal sobre essas áreas comuns, aces-sória do lote, e, alienado este, alienada estará a fração das partes comuns na exata medida da acessoriedade.

Mas não é só. Mister se faz tornar público, também, o regulamento que regerá toda a vida no loteamento, principalmente quanto à obrigatoriedade de contribuição para fazer frente às despesas assumidas em face da concessão do uso dos bens públicos.

É certo que a concessão é efetuada a uma sociedade e que, de acordo com a Constituição Federal, ninguém é obrigado a se associar.

Entretanto, duas importantíssimas considerações devem ser tecidas.

A primeira é que a obrigação de contribuir para as despesas comuns não decorre do fato do adquirente estar ou não associado à sociedade sem fins lucrativos, que, a rigor, será o órgão administrativo do loteamento fechado. Em verdade, a obrigação de contribuir para as despesas de manutenção, conserva-ção, segurança e as demais no loteamento fechado decorre da publicidade dada ao regulamento pela averbação no Oficial de Registro de Imóveis onde estiver registrado o loteamento.

A segunda é que o regulamento previamente averbado junto à matrícula do loteamento fulmina de nulidade qualquer cláusula tendente a elidir a obriga-ção em venda posterior que não conste a submissão do adquirente às suas cláu-sulas. Não se trata de submissão ilegal da propriedade privada, mesmo porque o adquirente conhece a circunstância da necessidade de contribuir pela própria aparência do imóvel e pelo próprio registro.

Este regulamento, averbado junto à matrícula do loteamento, dará a ne-cessária publicidade aos adquirentes de lotes, futuros adquirentes nas aliena-ções dos originais, bem como credores na constituição de direitos reais.

Todos saberão de antemão as condições do uso dos bens públicos dentro do loteamento e, principalmente, a necessidade de contribuir para as despesas comuns.

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Aliás, os Tribunais vem considerando que só a circunstância de existir a despesa comum autorizaria a cobrança, o que se faz em face do princípio da vedação do enriquecimento ilícito:

Tribunal de Justiça de São Paulo

Ação de cobrança. Despesas de condomínio em loteamento. Comprovação da prestação de serviços, inclusive fornecimento de água pela entidade autora. Obri-gação do réu de efetuar o pagamento ainda que não filiado, sob pena de locuple-tamento ilícito. Sentença de procedência mantida. (Apelação Cível nº 251.226-2, São Paulo, 11ª Câmara Civil, Relator Cristiano Leite, 02.09.1996, v.u.)

Loteamento. Administração exercida por associação sem fins lucrativos. Presta-ção de serviços no interesse comum dos proprietários. Ação de cobrança ajuiza-da ante a recusa de pagamento da quota-parte por adquirente de lote. Ausência de motivos justificados para o não pagamento. Prestação devida, mesmo pelo não filiado, ante o efetivo aproveitamento dos serviços. Não demonstração, ade-mais, de irregularidades no âmbito da cobrança. Questões alheias ao mérito do pagamento a serem debatidas nas vias adequadas. Ação procedente. Decisão mantida. Recurso não provido. O fundamento do pedido deduzido é a própria prestação de serviços ao requerido, na qualidade de proprietário de um lote do loteamento “Campos da Cantareira”. Apesar disso, há que se considerar que a comunidade formada pelos proprietários dos lotes de um loteamento é, por sua própria natureza, uma associação intuitiva, natural, dada a forte comunhão de interesses que os ligam. (Apelação Cível nº 269.630-2, Mairiporã, 2ª Câmara de Direito Privado, Relator Vasconcellos Pereira, J. 10.12.1996, v.u.)

Cobrança. Loteamento. Despesas de manutenção de área e benfeitorias de uso comum. Encargos a que o réu se obrigou, perante a loteadora no compromisso de compra e venda. Validade da posterior cessão de direitos referentes à admi-nistração do condomínio. Responsabilidade reconhecida. Apelação não provida. (Apelação Cível nº 267.357-2, São Paulo, 5ª Câmara de Direito Privado, Relator Marcus Andrade, 24.10.1996, v.u.)

Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

Competência recursal. Condomínio. Despesas condominiais de loteamento fe-chado, referentes a conservação de vias e logradouros públicos por parte de as-sociação de moradores. Competência deste Tribunal reconhecida. Declaração de voto vencido.

Condomínio. Despesas condominiais. Loteamento fechado administrado por as-sociação de proprietários. Concessão de direito real de uso das vias, logradouros e áreas verdes. Lei nº 1.205/1992. Apelante que ao adquirir o lote passou a ser membro nato da associação, obrigando-se a participar do rateio das despesas de administração. Irrelevância, ademais, de se cuidar de loteamento fechado e não de condomínio por tratar-se de direito obrigacional decorrente da escritura pu-blica de compra e venda. Cobrança procedente. Recurso improvido. (Apelação nº 629908-9/00, São Paulo, 3ª Câmara Especial, Julho/95, Relator Carlos Paulo Travain, J. 29.08.1995, decisão por maioria)

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Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

Condomínio. Despesas condominiais. Loteamento irregular. Cobrança. Inade-quação da via. Prestação de serviços. Cabimento. É de ser ressalvado o direito dos proprietários assim organizados de cobrar do proprietário de lote as despe-sas dos serviços que, àquele título, fizerem em proveito dele, direta ou indireta-mente, pena de enriquecimento sem causa. (Apelação sem Revisão nº 495.732, 3ª Câmara, Relator Juiz João Saletti, J. 23.12.1997)

Ora, o proprietário se beneficia da segurança e da conveniência de se ter controle de acesso ao loteamento e, ainda que lá não tenha construído, tal circunstância valoriza sua propriedade.

O argumento comum daqueles que não possuem construção nos lotes é logo rechaçado pelo simples fato de que os serviços são colocados à sua dis-posição, e que, de antemão, conheciam a obrigatoriedade de contribuição em face da publicidade do registro.

Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro

Condomínio. Despesas. Convenção. Validade. Partes comuns. Contribuição. Condomínio instituído por adquirentes de lotes validade e oportunidade da convenção perante terceiros, ainda que não tenham participado da avença, se registrado o instrumento no registro imobiliário correspondente. Existência, no loteamento, de partes objeto de propriedade individual, e de partes comuns do uso de todos, a justificar regime legal assemelhado ao do condomínio horizontal, estejam ou não edificados os lotes que o compõem. Desinfluência do retarda-mento do credor em proceder a cobrança de seu credito. Incidência da correção monetária a partir dos vencimentos de cada prestação devida. Procedência da cobrança de cotas de rateio das despesas comuns, e improvimento do apelo. (Apelação Cível nº 6087/96, Reg. 2860-2, Cód. 96.001.06087, 1ª Câmara, Juiz Nascimento A. Povoas Vaz, J. 13.08.1996, por maioria)

Voto vencido: Vi-me compelido a discordar da douta maioria por entender que a forma de constituição do pretenso condomínio, que não se assemelha a formação do condomínio horizontal, fere, frontalmente o direito de propriedade daquele que não participou da avenca para instituir a referida comunhão. (Juiz Paulo Lara)

Tribunal de Justiça de São Paulo

Loteamento fechado. Despesas comuns. Cobrança de quota-parte. Admissibili-dade. Hipótese em que a cobrança dos serviços de manutenção dos logradouros área de lazer está prevista em contrato. Todos os proprietários devem contribuir para a cobertura da totalidade dos gastos. Não residência no loteamento. Irrele-vância. Contribuição devida. Recurso não provido. (Apelação Cível nº 282.126-1, São Paulo, 9ª Câmara de Direito Privado, Relator Franciulli Netto, 11.11.1997, v.u.)

Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro

Condomínio. Despesas. Loteamento fechado. Condomínio atípico. A falta de jurisdicialização do condomínio não libera a parte de cumprir obrigação que

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livremente aceitou quando aderiu, na aquisição de sua propriedade, ao rateio das despesas comuns. Condomínio atípico. Eficácia do registro. Efeitos entre partes e ante terceiros. (Apelação Cível nº 1823/89, Reg. 2304, Cód. 89.001.01823, 7ª Câmara, Juiz Pedro Fernando Ligiero, J. 19.04.1989, unânime, número da ementa: 32102)

Mas como se dá o registro do regulamento? Poderia ele ser efetuado no Registro de Títulos e Documentos? A resposta nos dá Elvino Silva Filho:

A publicidade propiciada pelo registro de um contrato ou de uma convenção no Registro de Títulos e Documentos é extremamente relativa, principalmente quan-do esses Registros estão separados do Registro de Imóveis ou são vários Registros de Títulos e Documentos em uma comarca de grande porte ou movimento.

Assim, sem violentar a expressão “convenções de condomínio”, prevista no nº III do art. 178 da Lei de Registros Públicos, pois no loteamento fechado inexis-te condomínio, como já afirmamos diversas vezes, determinamos a juntada do regulamento de uso das vias e espaços livres no processo de loteamento fechado e efetuamos uma averbação na matrícula onde o loteamento foi registrado. Essa averbação, a nosso ver, encontra pleno apoio na expressão “outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro”, constante da parte final do art. 246 da Lei de Registros Públicos.

Se o regulamento ou a convenção de uso das vias e espaços livres dos loteamen-tos fechados não chega a constituir ato que altere o registro do loteamento, ele é, indubitavelmente, ato que complementa seu registro e que, pela sua necessária e imprescindível publicidade, merece ser acolhido no Registro de Imóveis. (Elvino Silva Filho, ob. cit., p. 22)

Em verdade, a contribuição devida pelo proprietário do lote tratar-se-á, em virtude do registro e da publicidade, de obrigação propter rem, ou seja, vinculada à propriedade.

As obrigações propter rem podem ser definidas como aquelas em que o titular de um direito real sobre determinada coisa passa a ser devedor de uma prestação, sem que, para tanto, tenha havido qualquer manifestação de vontade sua nesse sentido.

No entendimento de Giovanni Balbi, é a obrigação que se transmite ou se extingue na exata da transmissão ou extinção da qualidade do direito real do seu titular (Le obligazioni propter rem. Memorie delle institute Giuridici della Universitá di Torino, 1950, série II, p. 111).

Para Paulo Carneiro Maia, a obrigação propter rem é um tipo de obriga-ção ambulatória, a cargo de uma pessoa, em função e na medida de proprietá-rio de uma coisa ou titular de um direito real de um uso e gozo sobre a mesma coisa (Obrigação propter rem. Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 55, p. 360).

O que faz de alguém o devedor na obrigação propter rem é a circunstân-cia de ser o titular, em regra, de um direito real (ABERKANE, Hassen. Essai d’une

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theórie génerále de l’obligation “propter rem” en droit positif français. Paris, 1957, nºs 21, 28, 29 e 36), de tal sorte que se livra da obrigação se renunciar ao direito.

São exemplos deste tipo de obrigação:

a) dever de colaboração do proprietário de imóvel confinante com as despesas de demarcação entre os prédios (Código Civil, art. 569);

b) dever de pagamento da hipoteca que grava um imóvel, que a ele adere, independentemente de quem seja o proprietário ou titular;

c) obrigação do condômino em concorrer, na proporção de sua par-te, para as despesas de conservação ou divisão da coisa comum e suportar, na mesma proporção de sua quota-parte, os ônus a que a coisa estiver sujeita (Código Civil, art. 624; Lei nº 4.591/1964, art. 12).

A obrigação propter rem está indelevelmente ligada ao titular de um di-reito real em face da coisa, e não dele.

Portanto, verifica-se que, alienada a coisa sobre a qual recai a obrigação propter rem, o devedor libera-se da dívida, já que esta adere ao bem e não ao seu titular, de tal sorte que acompanhará as mutações subjetivas de titularidade do direito real.

Verifica-se, também, que os direitos reais, sejam perpétuos ou tempo-rários, principais ou acessórios, implicam, via de regra, em uma situação de permanência em relação ao seu titular (GATTI, Edmundo. Teoria General de Los Derechos Reales. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, p. 68).

Diferente disso, nos direitos pessoais o pagamento extingue a relação jurídica obrigacional que, por natureza, é transitória.

Posta assim a questão, segundo nos ensina Planiol, o adquirente do di-reito real assume a obrigação que de forma indelével grava o direito real (Traité élémentaire de droit civil. 7. ed. Paris, v. 1, n. 2.368, 1915. p. 735-6).

6 FÓRMULAS MIRABOLANTES NO ATO DE PARCELAR O SOLO URBANO

Muitas vezes, movidos por fórmulas mágicas, maus empresários empre-gam meios não muito ortodoxos para conseguir, por via oblíqua, aquilo que não conseguiriam pelo meio normal.

Todas essas fórmulas, tratando-se da subdivisão de uma gleba em lotes para fins habitacionais, nos termos do art. 2º da Lei nº 6.766/1979, implicam em crime dos arts. 50 e seguintes úteis do mesmo Diploma Legal.

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O hoje brilhante advogado Dr. José de Mello Junqueira, quando Juiz da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo, redigiu precioso parecer acerca do tema, o qual transcrevemos em parte:

A imaginação fértil de inescrupulosos encontrou, para fugir às exigências urba-nísticas e protetivas da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, a forma de retalha-mento por condomínio ou através das próprias prefeituras, pelo expediente da desapropriação de faixas de ruas.

Ficaram comprovados, nos autos, os registros de diversas frações ideais, em nú-mero de 2.430, junto à matrícula 56.797 do Cartório de Registro de Imóveis da comarca de Itanhaém.

Destarte, devem os Cartórios de Registro de Imóveis estar atentos a essas arti-manhas e ardis, negando-lhes seguimento toda vez que se propiciar qualquer fundamento para a recusa do registro.

Inúmeros serão os casos de condomínios que se instituem e que de uma forma ou de outra burlam as normas de sua própria constituição e, assim, os dispositivos da Lei nº 6.766/1979.

Entendo, pois, que os Oficiais do Registro de Imóveis não podem coonestar tais situações; pelo contrário, vigilantes, devem afastá-las de pronto.

Proponho, destarte, a edição de provimento, inserindo nas Normas de Serviço uma proibição a que se proceda a registros de venda de partes ideais e institui-ções de condomínios que derroguem as normas do Código Civil sobre a matéria.

Exemplos dessas situações foram apontadas nesses autos, como a venda de fra-ções ideais, mas localizadas, numeradas e com metragem certa, constando, in-clusive, planta e memorial descritivo.

Todo condomínio ordinário terá que observar as regras dos arts. 623 e seguintes do CC e qualquer desvio revela forma oblíqua de se obter um loteamento. (José de Mello Junqueira. RDI 11/152)

Passamos a exemplificar esses meios oblíquos, alguns até curiosos.

6.1 conDomínio Da lei nº 4.591/1964 – vila; conDomínio De casas (horizontal ou DeitaDo)

Não se pode negar a existência de condomínio de casas, as chamadas “vilas”, que encontram sustentáculo nos arts. 8º e 68 da Lei nº 4.591/1964, e que também se tem chamado de condomínio horizontal ou deitado.

Entretanto, trata-se de instituto completamente diverso do loteamento e do desmebramento, regulados pela Lei nº 6.766/1979.

A atividade de parcelar o solo urbano, de acordo com a definição do ato trazida à colação pelo art. 2º da Lei nº 6.766/1979 deve, necessariamente, submeter-se às normas desta lei.

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Essa atividade, caracterizada pelo ato de subdividir uma gleba em lotes destinados à edificação, jamais pode ser confundida com a de incorporar e construir estabelecida pela Lei nº 4.591/1964.

Ora, o art. 28 da Lei nº 4.591/1964 determina que é considerada incor-poração imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para a alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

Da atividade de parcelar o solo urbano não surge a necessidade de edificar, mas, tão somente, a finalidade de edificação, inferência que se ex-trai do termo destinados à edificação contido nos parágrafos do art. 2º da Lei nº 6.766/1979.

Por si só, essa circunstância já seria bastante para inadmitir-se “condo-mínio de lotes” ou condomínio deitado sem que haja construção pelo incorpo-rador.

Entretanto, com supedâneo nos arts. 8º e 68 da Lei nº 4.591/1964, há quem admita o loteamento por condomínio ou loteamento horizontal, subme-tido à Lei nº 4.591/1964.

De fato, algumas semelhanças existem entre o loteamento fechado e o condomínio deitado, o que explica, em parte, a confusão operada:

– o perímetro de ambos os empreendimentos é cercado e o acesso ao interior controlado;

– em ambos há comunhão de uso das vias internas e espaços livres;

– nos dois tipos de empreendimento há a necessária aprovação pela Prefeitura Municipal.

Entretanto, as semelhanças param por aí, começando as diferenças de-terminantes:

– Regulamentação da vida interna. No condomínio deitado ou hori-zontal, a vida interna é regulada pela Convenção nos moldes dos arts. 9º e seguintes úteis da Lei nº 4.591/1964, enquanto que no loteamento fechado deve ser observado o regulamento de uso, que apenas subsidiariamente utiliza os ditames da Lei nº 4.591/1964;

– Objeto. No condomínio deitado ou horizontal o objeto é uma casa térrea ou assobradada – unidade autônoma –, bem como fração ideal dos espaços livres, enquanto que no loteamento fechado é um lote de terreno, sem construção.

– Espaços livres internos e vias de circulação. No condomínio deita-do, as vias de circulação e os espaços internos que não compõem a unidade autônoma são frações ideais de uso comum e propriedade

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dos condôminos. No loteamento fechado, por força do art. 22 da Lei nº 6.766/1979, os espaços internos e as vias de circulação são bens públicos, apenas concedidos por ato administrativo ao uso ex-clusivo dos proprietários de lotes, podendo tal ato ser revogado.

– Registro. O condomínio deitado submete-se aos trâmites da Lei nº 4.591/1964, inclusive, às vezes, com prévio registro da incorpo-ração, enquanto que o loteamento fechado submete-se ao disposto na Lei nº 6.766/1979, especificamente no seu art. 18.

Notáveis decisões, referidas no artigo do grande registrador de Campinas, Elvino Silva Filho, identificam as diferenças:

Na verdade, pretende em imóvel do qual é proprietária, subdividi-lo em quadras, com “frações ideais” variando de 250 a 324, 06m2, perfazendo um total de 66, sem se propor à construção de casas térreas ou assobradadas, que, segundo afir-ma, “caberá a cada condômino, de acordo com a sua livre iniciativa, dentro de sua fração ideal, especificada e delimitada nos compromissos de compra e venda das partes ideais constituídas dos lotes de terreno, cabendo a aprovação da cons-trução ao Poder Executivo, representado pela Prefeitura local”. [...]

Para melhor entendimento da questão em debate, é importante que se faça uma análise das disposições contidas na Lei nº 4.591, de 16.12.1964, notadamente da parte que trata do condomínio e das incorporações. Ficou patente nessa le-gislação que o condomínio será em edificações e os arts. 1º ao 7º traçam regras a esse respeito.

Já o art. 8º, embora admita a possibilidade de condomínio em terreno onde não houver edificação, pressupõe o plano para a construção das mesmas.

Nesse particular, faz-se um parêntese para lembrar a bem elaborada Lei de Vilas do Município de São Paulo (Lei Municipal nº 11.605, de 12.07.1994), que exata-mente encampou o art. 8º da Lei nº 4.591/1964, permitindo o condomínio desde que, nos seus exatos termos, seja aprovado juntamente com o condomínio deita-do, o projeto das casas que serão construídas, mesmo que não sejam edificadas de imediato, permitindo o “habite-se” parcial das obras mínimas, ou seja, das instalações comuns (guarita, muros, estacionamento de visitas etc.).

Seguem as decisões nesse sentido:

Essas normas legais, em se tratando de empreendimentos futuros, devem ser en-tendidas em consonância com o art. 28 da mesma legislação, que define as incor-porações imobiliárias, ou seja, “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção para a alienação, total ou parcial, de edificações ou conjun-to de edificações compostas de unidades autônomas” (art. 28, parágrafo único).

Perante o Cartório Imobiliário as situações podem ser delineadas sob dois prismas.

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O primeiro atine ao condomínio em edificações puro e simples, com o proprie-tário construindo as casas térreas ou assobradadas e, posteriormente, providen-ciando a averbação das construções e a instituição.

O segundo refere-se à incorporação, isso quando houver interesse na alienação total ou parcial de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, mesmo antes de ser efetuada a construção.

A conclusão inafastável é, portanto, no sentido de que a Lei nº 4.591/1964 não permite o condomínio de lotes sem vinculação à edificação.

A instituição pretendida pela recorrida não trata da construção de casas. Não há vinculação entre as frações ideais do terreno e as edificações. Ausentes os pressupostos contidos nos arts. 7º e 8º da Lei nº 4.591/1964, é evidente que o condomínio a que se refere o título não tem a ver com o regulamento neste di-ploma legal. [...]

Decidiu com acerto o Magistrado sentenciante ao asseverar que “a suscitada deixou realmente de atender às exigências previstas na lei sobre parcelamen-to do solo urbano, deixando igualmente de obedecer aos requisitos da Lei nº 4.591/1964, e, em conseqüência, o registro não pode ser obtido”. Não estan-do a hipótese dos autos enquadrada na Lei nº 4.591/1964, se a apelante insistir no empreendimento deverá obedecer aos ditames da Lei nº 6.766/1979, já que, na realidade, com a venda de lotes, pretende a toda evidência, parcelar o solo urbano.

Como já frisou a douta Procuradoria-Geral da Justiça, “o ato jurídico de lotear, que a apelante quer praticar, só pode estar sujeito à sua lei específica”. (Apelação Cível nº 2.002-0, Taubaté, DJe de 13.07.1983, caderno 1, p. 8. Apud Elvino Silva Filho, ob. cit., p. 31 e 32)

Outras decisões seguem essa mesma linha:

A instituição da Lei nº 4.591/1964, posto que não se aplique somente a edifícios, tem sua existência subordinada à construção de casas térreas, assobradadas ou de edifícios. Sem a vinculação do terreno às construções não há condomínio que se sujeite à lei especial.

A instituição pretendida pela recorrida não trata da construção de casas. Não há vinculação entre as frações ideais do terreno e as edificações. Ausentes os pressu-postos contidos nos arts. 7º e 8º da Lei nº 4.591/1964, é evidente que o condomí-nio a que se refere o título não tem a ver com o regulado neste diploma legal. [...]

Resta mostrar outros inconvenientes que, embora de ordem prática, não podem ser desprezados pelo intérprete em hipótese em que a lei é omissa ou falha.

Ressalte-se, de início, que todas as formas de loteamento que têm sido feitas à margem da Lei nº 6.766/1979 acabam por causar grandes transtornos aos Mu-nicípios. Os loteamentos fechados, que se tem formado, no mais das vezes, à revelia das Prefeituras, acabarão mais cedo ou mais tarde, entravando a expansão da zona urbana, pela impossibilidade de integração das vias internas ao sistema viário do Município. (Apelação Cível nº 2.349-0, Patrocínio, DJe de 24.11.1983, caderno 1, p. 23. Apud Elvino Silva Filho, ob. cit., p. 32 e 33)

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O preclaro José Afonso da Silva assim se manifestou acerca do tema, em relação ao art. 8º da Lei de Condomínios e Incorporações:

Esse dispositivo, na real verdade, tem sido usado abusivamente para fundamentar os tais loteamentos fechados. Fora ele estabelecido, certamente, não para tal fina-lidade, mas para possibilitar o aproveitamento de áreas de dimensão reduzida no interior de quadras, que, sem arruamento, permitam a construção de conjuntos de edificações, em forma de vilas, sob o regime condominial. Em situação como essa, a relação condominial é de grande utilidade, como na chamada “proprie-dade horizontal”, quando, no entanto, a situação extrapola desses limites, para atingir o parcelamento da gleba com verdadeiro arruamento e posterior divisão das quadras em lotes, ou quando se trata apenas da subdivisão de quadra inteira em lote, com aproveitamento das vias de circulação oficial preexistentes, então aquele dispositivo não pode mais constituir fundamento do aproveitamento, em forma de condomínio, porque aí temos formas de parcelamento urbanístico do solo, que há de reger-se pelas leis federais sobre loteamento e pelas leis munici-pais sobre a matéria urbanística, aplicáveis a esse tipo de urbanificação. Temos tido “loteamentos fechados” até com mais de 1.000 casas de residência , com ar-ruamentos e tudo o mais que é próprio do processo de loteamento. As prefeituras deverão negar autorização para esse tipo de aproveitamento do espaço urbano, exigindo que se processe na forma de plano de arruamento e loteamento ou de desmembramento, que não se admite sejam substituídos por forma condominial, como se vem fazendo. Vale dizer, os tais “loteamentos fechados” juridicamente não existem; não há legislação que os ampare, constituem uma distorção e uma deformação de duas instituições jurídicas: do aproveitamento condominial de es-paço e do loteamento ou desmembramento. É mais uma técnica de especulação imobiliária, sem as limitações, as obrigações e os ônus que o Direito Urbanístico impõe aos arruadores e loteadores do solo. (Ob. cit., p. 403 e 404)

Resume Marco Aurélio da Silva Viana:

a) não se pode falar em loteamento porque esse vocábulo exprime a divisão de uma gleba com o aparecimento de unidades menores;

b) inexiste disciplina legal específica, não se aplicando o Código Civil ou a Lei nº 4.591/1964;

c) o art. 8º só tem aplicação a áreas de dimensão reduzidas no interior de quadras;

d) à míngua de disciplina específica, a Administração Pública fica ini-bida de permitir o parcelamento;

e) o art. 8º só se aplica em havendo vinculação à construção. (Ob. cit., p. 111)

6.2 conDomínio orDinário

Tampouco há que se confundir o loteamento e o parcelamento com a formação de um simples condomínio estipulado nos arts. 1.314 e seguintes do

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Código Civil, já que, pelo princípio da especialidade, ocorrendo a atividade tipificada no art. 2º e parágrafos da Lei nº 6.766/1979, jamais haverá a possibi-lidade de apenas vender-se frações ideais de um todo.

Não que esteja revogado o condomínio do Código Civil, longe disso.

O que existe no caso é uma tentativa de burlar as exigências da Lei nº 6.766/1979 de tal modo que, desde que não haja a intenção de subdividir uma gleba em lotes para fins habitacionais, e que de fato não ocorra o tipo do art. 2º e parágrafos da Lei nº 6.766/1979, nada impede a venda de uma gleba para duas ou mais pessoas em condomínio, aquele estipulado no Código Civil.

Preleciona Diógenes Gasparini:

No condomínio do Código Civil o comunheiro não detém uma porção certa e determinada do imóvel mas, tão só, uma parte ideal. Não há um misto de áreas exclusivas e comuns, não se lhe atribuindo, por isso, o domínio e o uso privativo de áreas destacadas, e o condomínio de áreas comuns. Assim, não se pode fun-dar, como querem alguns, tais “loteamentos” no condomínio romano ou tradicio-nal, previsto e regulado pelo Código Civil, nos arts. 623 usque 641 [atualmente, arts. 1.314 a 1.330 do novo Código Civil], dado ser essencial a essas urbanizações a individualização das áreas autônomas ou “lotes” e a indicação das “áreas co-muns”. (Loteamento em condomínio. O Estado de São Paulo, p. 59, 25 abr. 1982)

6.3 clubes De recreio

Nessa modalidade, o “loteador” cria um clube de recreio e aliena um título de sócio.

Esse título vem “acompanhado” de um lote de terreno devidamente indi-vidualizado e localizado em quadra numerada, além da participação nas áreas comuns do “clube”.

Por evidente que não há qualquer registro dessa venda, já que a proprie-dade imobiliária da gleba é da associação que forma o clube. Só por essa cir-cunstância já haveria irregularidade consubstanciada na sonegação do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, sem contar o crime tipificado no art. 50 da Lei nº 6.766/1979.

6.4 associações

Outra modalidade teratológica de parcelar o solo urbano é aquela pela qual o “loteador” aliena a sua gleba a uma Associação que ele incentiva, que, por seu turno, “vende” participação a diversas pessoas que dividem a gleba para fins habitacionais.

Nesse caso, os adquirentes são “associados” de uma pessoa jurídica que é proprietária da gleba ou, então, adquirem pura e simplesmente dessa associa-ção uma fração ideal “devidamente individualizada”.

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Esta modalidade ilegal muito se assemelha ao clube de recreio do qual falamos, mas, na prática, de forma criminosa, é método mais utilizado para lotes populares.

Por óbvio que se trata de um meio ingênuo de driblar todas as exigên-cias urbanísticas inerentes à atividade de lotear e desmembrar e, por tal ra-zão, deve ser prontamente repelida pelos órgãos municipais e estaduais, sem contar o Ministério Público, cuja função é de fiscalizar a correta aplicação Lei nº 6.766/1979.

Nem se fale da hipótese de dissolução dessa sociedade nos termos dos atos constitutivos. Como ficariam, nessa eventualidade, os “associados”?

A respeito, recentemente, no ABC paulista, diversos compradores incau-tos foram rechaçados de suas humildes residências exatamente por conta de prática desse jaez. Ocorre que, no caso, as autoridades competentes demora-ram a agir, e, quando agiram, havia uma situação de fato consolidada, o que tornou violenta a remoção de inúmeras pessoas, terceiros de boa-fé.

Outra região bastante atingida é a Cantareira, em São Paulo, e, para ilus-trar, transcrevemos trecho de reportagem do Estado de São Paulo a respeito:

Um dos mais novos loteamentos clandestinos na Cantareira é o Brasil Novo [...]. A área, que até a década de 60 era conhecida como Sítio Piqueri, começou a ser desmatada e dividida em 700 lotes de apenas 132 metros quadrados, há menos de dois meses.

Cada lote de 6 metros por 22 metros está sendo vendido por R$ 12.000, que po-dem ser pagos com uma entrada de R$ 2.100,00 e 76 prestações no valor de dois salários mínimos. A responsável pelo empreendimento, a “Cooperativa” [...], co-bra ainda uma taxa de contrato de R$ 250,00 que dá direito a uma planta-modelo e a assessoria de um arquiteto para a construção da casa. Se vendesse todos os lotes em seis anos, que é o prazo para quitação do negócio, a falsa associação faturaria R$ 8,4 milhões.

Quem adquire o lote recebe apenas um contrato de compra e venda e a promes-sa de uma escritura no futuro, quando o loteamento for regularizado – fato que, informam os corretores, é garantido.

Continua o repórter, fazendo-se passar por comprador em conversa com o ven-dedor da “cooperativa”:

Estado – Esse terreno é invadido?

Rivelino – Não, o terreno é legal. Nós temos a escritura do terreno registrada em cartório.

Estado – Quer dizer que vou ter a escritura do meu lote?

Rivelino – Não, você vai receber um contrato de compra e venda assinado pelo presidente da Cooperativa [...], o [...]. O terreno é legal, mas o desmembramento total ainda não foi autorizado.

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Estado – Então isso é que chamam de loteamento clandestino?

Rivelino – É. A cooperativa é uma associação sem fins lucrativos, criada para fazer o loteamento [...].

Estado – Mas a associação tem fins lucrativos, não é?

Rivelino – É, tem. (O Estado de São Paulo, p. C3, 27 set. 1998)

A reportagem relata, ainda, diversos loteamentos clandestinos em forma de associação. Na verdade, em muitos casos, o proprietário da gleba coloca um “testa de ferro” como presidente dessa associação que se encarrega da venda dos “lotes”.

6.5 incentivo à invasão

Verifica-se que a mente dos loteadores clandestinos é demasiadamente fértil.

Chegam ao ponto de combinar e incentivar a invasão de uma gleba com o fim de não observar os preceitos da Lei nº 6.766/1979.

Incentivada a invasão, com os “invasores” já ocupando a propriedade, ingressam com ação de reintegração de posse.

Com respaldo da coisa julgada, efetuam acordo com os “invasores” nos autos dessa ação.

Por óbvio que haverá a necessidade de se provar essa intenção, tarefa difícil para o Ministério Público, com o que contam os que assim procedem de forma criminosa.

7 FECHAMENTO DE LOTEAMENTO COMUM JÁ CONSTITUÍDOAté agora só nos referimos ao loteamento fechado constituído desde a

aprovação e o registro.

Todavia, uma questão inevitavelmente surge. Seria possível o fechamen-to de um loteamento que originalmente não possuía essa característica?

Entendemos que sim, e assim pensamos na exata medida dos argumentos que passaremos a aduzir.

O que caracteriza o loteamento fechado é a concessão do uso dos bens públicos do art. 22 da Lei nº 6.766/1979, firmada com associação de morado-res, precedida de Lei Municipal, bem como o precitado regulamento devida-mente averbado junto à matrícula do loteamento.

Nada impede que os moradores se cotizem para fechamento do lotea-mento. Inicialmente, mister se faz que criem uma associação sem fins lucrati-vos, com a participação da totalidade dos moradores.

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A unanimidade é fundamental, sem o que não haverá possibilidade de fechamento.

Nesse ponto diferirá do loteamento fechado desde a aprovação, vez que neste a sociedade sem fins lucrativos, inicialmente, é formada somente pelo loteador, que é o único proprietário. Na exata medida da venda dos lotes, os terceiros adquirentes estarão necessariamente vinculados a esse órgão admi-nistrativo por força do regulamento averbado junto ao Oficial de Registro de Imóveis, independentemente do adquirente se associar.

Criada a associação, esta deve firmar contrato administrativo de conces-são com o Poder Público Municipal devidamente autorizado por lei.

É também necessária a averbação do regulamento junto à matrícula do loteamento para que terceiros, adquirentes dos proprietários que promoveram o fechamento, se vinculem aos seus termos, seguindo os mesmos conceitos do loteamento já fechado.

Se ainda restarem lotes de propriedade do loteador, também será ne-cessária a alteração e o registro do novo contrato-padrão, de acordo com os arts. 18, inciso VI, e 26 da Lei nº 6.766/1979.

Neste deverá constar transcrição do contrato de concessão, bem como menção ao regulamento e necessidade de fazer constar sua existência em ces-sões e futuras alienações, muito embora só por cautela, já que terceiros adqui-rentes estarão vinculados pela publicidade conferida pela averbação do regu-lamento junto à matrícula do loteamento, e não pela sua menção nas escrituras e promessas de compra e venda ou associação ao órgão administrativo do lo-teamento.

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Assunto Especial – Doutrina

Loteamento

Loteamento e Desmembramento Urbanos

AFONSO CELSO F. DE REZENDEAdvogado, Escritor em Campinas/SP.

O loteamento e desmembramento urbanos são regidos pela Lei nº 6.766, de 19.12.1979, legislação que detalha, clara e explicitamente, quais as pro-vidências necessárias à legalização. Trata-se de preceito de grande alcance social, tendo sido preparado com detalhes mais abrangentes com relação ao Decreto-Lei nº 58, de 10.12.1937, este ainda em vigência, todavia orientado somente para loteamentos de áreas rurais.

Quanto à primeira, passaram-se mais de 20 anos da data que entrou em vigor e, sem dúvida, veio “acalmar” sobremaneira a situação, à época, em que apenas vigia o citado decreto. Com esse seccionamento de 1979, muitas questiúnculas ficaram ao largo e a história do que seria urbano ou rural não ficou simplesmente alinhavada. “A 6.766”, assim popularizada, forneceu mais resistência ao adquirente, ao empresário, mais coerência, o clima menos tenso, apesar de que muitas questões envolvendo esse setor ainda sobrecarregam os Tribunais, principalmente pelo fato de existirem pessoas que continuam a não acreditar na lei, “regra geral de conduta, justa e permanente, estabelecida por vontade imperativa do Estado, não podendo ser afastada por simples delibe-ração dos particulares, pois vem estabelecer limites para uma ação não bem intencionada”.

À primeira vista, quem não está habituado ao manuseio e preparo de documentação imobiliária, visando-se ao registro cartorário para fins de explo-ração comercial de algum empreendimento, poderá pensar que exista excesso de preocupação, preciosismo legal ou exagero nas exigências para se alcançar a legalidade. Quem trilha essa linha jamais pensou em termos de futuro e, sem exagero, um ato preconceituoso, absolutamente sem razão.

Em princípios de 1999, depois de percuciente análise visando-se mais harmonia social, a Lei nº 6.766 sofreu importantes alterações via Lei nº 9.785, de 29 de janeiro, patente se tornando a seriedade com que o legislador pátrio ainda enfrenta a questão. Deixou-a mais completa e abrangente, retirando ou acrescentando vários tópicos, dilatando prazo, que já não era minguado, cla-ramente continuando a prestigiar o lado social da nação, e, principalmente, as camadas mais carentes da sociedade. E não poderia ser de maneira diversa.

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Dos seus 55 artigos, 18 foram afetados pelo novo preceito, em um total de 28 modificações, atingindo, assim, quase 1/3 da sua estrutura, inclusive uma delas dispensando até mesmo

título de propriedade quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação (art. 18, § 4º).

Nota-se que o legislador está atento às mudanças, às solicitações da so-ciedade, às vezes veladas, ou em demonstrações públicas de assenhoreamento forçado.

Como a lei determina que todo projeto desse tipo, “antes” de qualquer negociação com interessados à aquisição, deve ser aprovado pela Prefeitura Municipal ou Distrito Federal, quando for o caso, e legalizado junto ao Regis-tro de Imóveis competente, os senhores empresários-loteadores ficam absoluta-mente impedidos de veicular propostas e procedimentos de venda, seja ela de qualquer natureza. Além do mais, como bem afirmou o Dr. Luís Mário Galbetti, emérito professor de Direito Notarial e Registral, Juiz assessor da 3ª Vice-Presi-dência do Tribunal de Justiça de São Paulo,

a prévia aprovação municipal permite ao Poder Público, ao lado das exigências cabíveis ao loteamento ou desmembramento, a fixação de diretrizes, a escolha de áreas fisicamente adequadas para o desenvolvimento urbano, percentuais de áreas necessárias à formação do sistema viário, áreas verdes e institucionais lote mínimo, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento e recuos dimensiona-mento de quadras e lotes, que também determinam uma adequada proteção à paisagem urbana, evitando, assim, o adensamento demográfico de certas zonas.

INFRAÇÃO PENAL NO LOTEAMENTO OU DESMEMBRAMENTODesatendida a legislação em questão, o que de amiúde se vê pelo Brasil

afora, os responsáveis pelo empreendimento estarão passíveis de pena de reclu-são de 1 a 4 anos, mais multa de 5 a 50 vezes o maior salário-mínimo vigente no País, com possibilidade ainda de ser aumentada em determinadas condições qualificadoras, sendo, assim, considerado crime contra a Administração Públi-ca. Desta forma, urge cuidar-se.

A legislação, sendo inflexível, dura e mesmo intransigente nesta maté-ria, não está com a medida restringindo as iniciativas de ninguém, mas, sim, visando à proteção da sociedade, bem mesmo porque, em uma forma ampla, são pessoas de pequenas posses que vêm adquirir parte desses loteamentos ou desmembramentos, muitas vezes à custa de enormes sacrifícios. Os empre-endedores não poderão sequer dar início ao negócio, fazer propaganda, dis-tribuir panfletos, prospectos e impressos anunciando a “mercadoria”, afirmar

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falsamente sobre a sua legalidade, finalmente, qualquer tipo de atitude, sem a autorização do órgão público competente e em desconformidade com a Lei nº 6.766, de 19.12.1979, agora alterada.

Há, portanto, a possibilidade de o crime ser considerado qualificado se houver um contrato de promessa com reserva de lote, ou, ainda, se a “venda” for baseada em título de propriedade ilegítimo, também pela dissimulação ou ocultação fraudulenta de fato a ele relativo, quando a pena poderá ser amplia-da. Ao infringir essa lei, não apenas o loteador estará sujeito a essas penas, uma vez que, se ocorrer um registro de loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, o oficial cartorário responsável poderá in-correr em pena de detenção, cumulada com multa, em separado das sanções administrativas (arts. 50 e 52 da lei em questão). Na realidade, o que mais vale é providenciar toda a documentação seguindo as determinações legais, pois vencer e progredir ao lado da lei é mais animador e “seguro”. Sem dúvida.

Vou pelo pensamento do Professor Carlos Dalmiro Silva Soares, “longe de nós a pretensão de exaurir o tema, método inadequado ao Direito, que se caracteriza, precipuamente, pela incidência no mundo dos fatos, pela dinâmica social e que está a exigir, a cada momento, um ajustamento mais adequado à realidade”.

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Assunto Especial – Com a Palavra, o Procurador

Loteamento

Anotações sobre os Loteamentos Irregulares

ANTONIO CARLOS ALENCAR CARVALHOProcurador do Distrito Federal, Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Insti-tuto Brasiliense de Direito Público (IDP), Advogado em Brasília/DF.

Um dos problemas mais graves estudados no direito urbanístico e no direito municipal, muitas vezes com reflexo no direito ambiental, é o dos lo-teamentos irregulares, que proliferam nos grandes centros urbanos, à conta da especulação e da carência de oferta imobiliária e, lamentavelmente, também por força da grilagem de terras públicas.

Com efeito, as consequências das obras de implantação de parcelamen-tos irregulares do solo têm causado, em alguns casos, graves danos ao meio ambiente, dada a execução de todo tipo de terraplanagem e congêneres sem o inafastável e prévio licenciamento ambiental, além da inexistência de condi-ções mínimas sanitárias, o que incentiva o lançamento de detritos sólidos e es-gotos nos rios e lagos naturais, sem mencionar a falta de rede de coleta de águas pluviais e o correlato risco de enchentes e desabamentos nesses locais, cujas atividades, em geral, representam prejuízos à fauna, à flora e a toda a biota ali existente, às vezes de forma irreparável.

Em meio a esse torvelinho de irregularidades, sob a ótica urbanística e ambiental, surgem as controvérsias pelo fato de os adquirentes dos lotes desses parcelamentos clandestinos exigirem do Município ou do Distrito Federal a re-gularização do empreendimento ilícito, haja vista que os compradores desses lotes, em vez de buscar o ressarcimento dos prejuízos junto ao loteador que lhes vendeu as parcelas, pressionam o Poder Público e o demandam em juízo para resolver situações de fato tormentosas.

A questão não é desconhecida da doutrina, como verbera o Professor José Afonso da Silva1:

Esses loteamentos (sentido amplo) ilegais são de duas espécies: a) os clandes-tinos, que são aqueles que não foram aprovados pela prefeitura municipal... o loteamento clandestino constitui, ainda, uma das pragas mais daninhas do urba-nismo brasileiro. loteadores parcelam terrenos de que, não raro, não têm título

1 Direito urbanístico brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 307.

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de domínio, por isso não conseguem a aprovação de plano, quando se dignam apresentá-lo à prefeitura, pois, o comum é que sequer se preocupem com essa providência, que é onerosa, inclusive porque demanda a transferência de áreas de logradouros públicos e outras ao domínio público. Feito o loteamento, nessas condições, põem-se os lotes à venda, geralmente para pessoas de rendas modes-tas, que, de uma hora para outra, perdem seu terreno e a casa que nele ergueram, também clandestinamente, porque não tinham documentos que lhes permitissem obter a competente licença para edificar no lote.

Na verdade, o loteamento tem implicações sobre o bem-estar da co-letividade em geral e não pode ser conceituado como simples exercício do proprietário do solo em dividir a sua propriedade em várias parcelas, com o inequívoco fito de lucro, como se não repercutisse sobre o plano urbanístico do território do Município ou do Distrito Federal. É essa a lição de José Osório de Azevedo Júnior, citado pelo Jurista e Mestre em direito ambiental, o emérito Paulo Affonso Leme Machado2:

O loteamento não pode e não deve ser entendido apenas como um acontecimen-to jurídico pelo qual se fraciona a propriedade e se criam direitos decorrentes dos contratos bilaterais entre o loteador e o adquirente do lote. O loteamento é um fato da mais alta relevância na vida das comunidades e deve ser tratado como um todo, isto é, deve ter um ordenamento jurídico tal que atenda às exigências urbanísticas ou rurais da região, da segurança aos compradores e da atividade lucrativa do proprietário.

O que é, afinal, o parcelamento do solo? É a atividade do proprietário que subdivide uma gleba de terra em parcelas menores, transformando a gleba original parcelada em lotes novos. Parcelamento é gênero de que são espécies o loteamento e o desmembramento.

A própria Lei Federal nº 6.766/1979 (parcelamento do solo urbano) con-ceitua as duas figuras. Dispõe o § 1º do art. 2º da Lei Federal nº 6.766/1979 (Lei do Parcelamento do Solo para fins urbanos):

Dispõe o art. 2º da Lei Federal nº 6.766/1979 (Lei do Parcelamento do Solo para fins urbanos):

Art. 2º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e das legislações estadu-ais e municipais pertinentes.

§ 1º Considera-se loteamento a subdivisão da gleba em lotes destinados à edi-ficação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não im-

2 Direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 258.

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plique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Registre-se que a União tem competência para editar normais gerais, en-quanto os Estados e os Municípios podem estabelecer suas regras, desde que não conflitem com as disposições gerais de lei federal, haja vista tratar-se de competência concorrente sobre direito urbanístico (art. 24, I e §§ 1º a 4º, Cons-tituição Federal de 1988).

A diferença básica entre loteamento e desmembramento é que, no pri-meiro, abrem-se novas vias e logradouros públicos, enquanto que no segundo não. No presente artigo, contudo, ater-se-á à figura dos loteamentos, particular-mente os irregulares.

O interessado em promover um loteamento do solo urbano deve, desde que não sujeito o terreno a ser parcelado às restrições impeditivas dos incisos I a V do art. 3º da Lei nº 6.766/1979, apresentar projeto à Prefeitura Municipal ou ao Distrito Federal, com a obediência dos requisitos dos arts. 4º, 5º e 6º da Lei do Parcelamento do Solo Urbano.

O projeto será aprovado pelo Distrito Federal ou Município (art. 12 da Lei nº 6.766/1979) e pelos Estados nos casos excepcionais previstos nos incisos I a III do art. 13 da Lei nº 6.766/1979.

É requisito básico que o parcelador ou loteador, evidentemente, seja o proprietário da gleba original, pois a ninguém é dado parcelar solo de proprie-dade alheia. Outra consideração relevante é que, ainda que nominado “con-domínio” ou “rural”, se a atividade se enquadrar na previsão legal alusiva ao loteamento, deste será a natureza jurídica do empreendimento.

Note-se que o instituto de direito civil denominado condomínio pressu-põe uma copropriedade dividida em frações ideais, mas, quando efetivamente dividida uma gleba em lotes fisicamente individualizados, objeto de proprie-dade individual exclusiva e distinta, resta prejudicado o rótulo de propriedade condominial. Como abertas novas vias dentro da gleba original, parcelada a gleba em lotes perfeitamente definidos e fisicamente individualizados, objeto de domínio exclusivo pelo adquirente do lote, está-se falando de uma modali-dade de parcelamento do solo denominada loteamento, por força de expressa disposição legal (art. 2º, § 1º, Lei Federal nº 6.766/1979).

O loteamento não é rural, ainda que assim denominado, se não se des-tina à exploração agrícola, agropastoril ou extrativista mineral. Se se volta à ocupação nitidamente urbana, reger-se-á pelos ditames da Lei nº 6.766/1979. O título “Condomínio Rural” geralmente é empregado pelo loteador com o pro-pósito de evadir-se às exigências da Lei nº 6.766/1979, quando encobre nítida finalidade urbana.

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Podem-se resumir as providências necessárias para a regularização ou a implantação legal de um loteamento urbano, conforme as exigências da Lei Federal nº 6.766/1979: o loteador deve submeter o projeto do parcelamento à prévia aprovação do Distrito Federal ou Município, obter o licenciamento ambiental, se o caso, e, depois de aprovado, promover o registro do loteamento no Cartório do Registro de Imóveis, quando, e somente a partir desse momento, poderão ser alienados os lotes a terceiros, como segue dos seguintes preceitos.

Reza o art. 12 da Lei nº 6.766/1979 (Lei de Parcelamento do Solo): “O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal...”.

Dispõe o art. 18 do mesmo estatuto: “Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo a registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta dias), sob pena de caducidade da aprovação...”.

Já o art. 37 do mesmo diploma legal assevera: “É vedado vender ou pro-meter vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado”.

Prevê ainda o art. 50, I, da Lei Federal nº 6.766/1979:

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública:

I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios.

[...].

Ainda reza o art. 52 da Lei nº 6.766/1979:

Art. 52. Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de compra e venda de lote-amento ou desmembramento não registrado.

Pena: detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções admi-nistrativas cabíveis.

No mesmo compasso, o art. 167, I, 19, da Lei nº 6.015, de 31.12.1973 (registros públicos), dispõe: “No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos [...]: I – o registro [...]; 19) dos loteamentos urbanos e rurais”.

Interessante ponderar equívoco que normalmente é cometido e lesa os interesses dos consumidores adquirentes dos lotes. O loteador ou um terceiro comprador das frações apresenta a escritura do registro de imóveis em que fi-gura a gleba ou área original, objeto de parcelamento. Assim, o terreno que foi loteado é apresentado como regular.

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Para a celebração da compra e venda dos lotes, todavia, o loteador lavra escritura pública junto a Cartório de Ofícios e Notas, declarando transferir os direitos de lote da gleba original. O comprador desavisado é enganado neste momento.

É que o loteador está a vender, de regra, frações de loteamento sem regis-tro no cartório de imóveis, ainda não aprovado pelo Distrito Federal ou Municí-pio, às vezes mesmo área pública, a conhecida e criminosa grilagem de terras.

Esclareça-se: o loteamento é o resultado da subdivisão do terreno origi-nal, formando-se lotes. Antes de o projeto de loteamento aprovado ser registra-do no cartório de imóveis, só existe, no plano jurídico, a própria gleba original não parcelada. Quando registrado o próprio loteamento, a área originária lo-teada deixa de existir para, em seu lugar, no registro de imóveis, constarem o parcelamento e os seus respectivos lotes.

Assim, se se cuidasse de um loteamento regular, com registro no cartório de imóveis, o loteador venderia os lotes junto ao cartório imobiliário competen-te, e não o de ofício de notas.

A lei exige, para efeito de regularização, o registro imobiliário do projeto do loteamento como um todo e não em suas frações, mesmo assim somente depois de aprovado pelo Distrito Federal ou Município. Antes do registro global do projeto de parcelamento aprovado (não da gleba de terra original) junto ao Registro de Imóveis, o loteamento é considerado juridicamente irregular. Todo loteamento, para efeito de regularização, deve ser levado a registro no cartório de registro de imóveis, após a aprovação do projeto pelo Distrito Federal, por-quanto o registro imobiliário é condição sine qua non da regularidade de todo loteamento, seja urbano ou rural.

A 2ª Turma Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Fede-ral, no julgamento da Apelação Criminal nº 15.108-95/DF, ocorrido em 29 de junho de 1995 (publicado no Diário da Justiça de 06.09.1995, na Seção 3, p. 12643), pela nobre relatoria do Desembargador Carlos Augusto Pingret, foi considerado crime o ato de parcelamento de solo rural, sito em área de prote-ção ambiental, sem prévio registro do desmembramento ou loteamento como um todo no registro de imóveis e sem a autorização do Distrito Federal, cuja ementa merece ser transcrita: “Constitui-se em crime contra a Administração Pública o desmembramento de gleba rural, localizada em área de proteção am-biental, sem prévio registro no cartório de imóveis e sem autorização do órgão governamental competente”.

Quando não aprovado pelo Distrito Federal ou Município, sem registro do parcelamento como um todo no Cartório do Registro de Imóveis, o lotea-mento é considerado ilegal e clandestino e os seus lotes não poderão ser vendi-dos, a teor do disposto no art. 37 da Lei nº 6.766/1979.

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A prova da propriedade do lote não poderá ser feita por meio de instru-mento particular de contrato de compra e venda ou mesmo escritura lavrada no Cartório do Registro de Notas, porque insuscetíveis de transferir o domínio. A titularidade do domínio sobre imóvel depende de escritura pública e mesmo assim registrada em Cartório do Registro de Imóveis, único competente para a transferência da propriedade imóvel segundo o Direito brasileiro.

Preceitua o art. 530, I, do Código Civil brasileiro em vigor: “Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel [...]: I – pela transcrição do título de transfe-rência no registro de imóvel”.

No caso do Distrito Federal, a existência legal de um loteamento depen-de da observância dos seguintes requisitos de lei: o loteador deve apresentar ao Distrito Federal, para aprovação, um projeto urbanístico do parcelamento, devidamente acompanhado de prova de domínio da gleba a ser parcelada e outros documentos (art. 12 da Lei Federal nº 6.766/1979); deve requerer o licen-ciamento ambiental do projeto de parcelamento e apresentar Estudo e Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA (§ 1º do art. 289 da Lei Orgânica do Distrito Federal e art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal de 1988). Se aprovado o projeto urbanístico do loteamento pelo Distrito Federal, depois de obtido o li-cenciamento ambiental, deverá o loteador promover o registro do loteamento no competente Cartório de Registro de Imóveis (art. 3º, XIV, Lei Distrital nº 992, de 28 de dezembro de 1995; art. 18 da Lei Federal nº 6.766/1979; e art. 167, I, 19, Lei Federal nº 6.015/2013 – Lei dos Registros Públicos);

Se o loteamento nem mesmo projeto urbanístico aprovado pelo Distrito Federal ou Município possui, também não tem registro no Cartório de Registro de Imóveis, o que torna a venda dos lotes e os contratos particulares respecti-vos ilegais e, portanto, nulos de pleno direito. De fato, se o loteamento não foi aprovado pelo Poder Público, nem apresenta licenciamento ambiental, nem tão pouco dispõe do indispensável registro no Cartório de Registro de Imóveis, o empreendimento não tem existência de direito, é ilegal e clandestino. Se o principal (o loteamento) não goza de existência à luz da ordem jurídica, o aces-sório (os lotes resultantes da subdivisão da gleba original e do loteamento) resta eivado do mesmo vício de ilegalidade.

Os contratos particulares de compra e venda dos lotes ou das frações ide-ais, bem como todos os demais negócios de alienação das parcelas de um lote-amento ilegal, são nulos de pleno direito, por contrariedade aos arts. 82, 145, II e III, e 530, I, do Código Civil em vigor. Com efeito dispõem os preceitos legais:

Art. 82. A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, n. I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 129, 130 e 145).

Art. 145. É nulo o ato jurídico:

[...]

II – quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto;

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III – quando não revestir a forma prescrita em lei.

Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:

I – pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel.

[...].

A lei proíbe a venda de lotes de loteamento sem registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 37 da Lei Federal nº 6.766/1979). Os negócios jurídicos de compra e venda de frações ideais ou lotes do loteamento Privé Lago Norte I e II, portanto, porque celebrados expressamente contra vedação legal, são atos jurídicos nulos, porque possuem objeto ilícito (art. 145, II, do Código Civil). Como se cuida da compra e venda de imóveis, a lei prescreve forma especial: o contrato deve ser mediante instrumento público e a propriedade imóvel somen-te se transmite por meio de transcrição do título de transferência no Cartório de Registro de Imóveis (art. 530, I, do Código Civil). Como os contratos geralmente são celebrados por instrumento particular e como não operada a transcrição do título no Cartório de Registro de Imóveis competente, os atos jurídicos são nulos também porque não revestem a forma prescrita em lei (art. 145, III, do Código Civil).

O ponto é: o direito federal pátrio não permite a venda de lotes de lo-teamento não registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Todo loteamento, seja com finalidade urbana ou rural, somente passa a existir no mundo jurídico depois de registrado e inscrito no Cartório de Registro de Imóveis competente, porquanto o registro imobiliário é condição sine qua non da própria existên-cia legal de qualquer loteamento. Antes do registro do próprio loteamento no Cartório de Imóveis, o empreendimento ainda não é reconhecido pela ordem jurídica.

Ora, se o loteamento (principal) não existe no plano jurídico, os lotes dele resultantes (acessório), ipso facto, também não gozam de existência legal. Se os lotes ou as parcelas não existem no mundo jurídico, como poderiam ser objeto de compra e venda? Ademais, se os lotes, assim como o loteamento do qual se originaram, não têm registro no Cartório de Registro de Imóveis, como seria possível admitir a respectiva alienação, desde que a propriedade imóvel somente se transfere por meio da transcrição do título no cartório imobiliário, nos termos do art. 530, I, do Código Civil? Não se pode tolerar a venda daquilo que não existe.

Lecionando sobre os loteamentos com finalidade rural, o eminente juiz de direito do Estado do Rio de Janeiro e estudioso do direito agrário, Dr. Arnaldo Rizzardo, aduz3:

3 O uso da terra no direito agrário. 2. ed. Aide, 1983. p. 75 e 155/156.

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Proibida a venda de lotes sem a aprovação pelo Incra e o registro imobiliário do loteamento...

Efetuado o registro do loteamento, a lei confere ao imóvel o estado de proprie-dade loteada. Faculta-se ao loteador publicar anúncios e outros meios de propa-ganda de venda dos lotes a prestações, mencionando sempre o número e a data do registro imobiliário.

No mesmo diapasão, acentua o também professor de direito agrário e nobre juiz de direito do Estado de São Paulo, Dr. Álvaro Erix Ferreira, em lição sobre os loteamentos rurais4:

Já se falou que é a inscrição no registro de imóveis que produz a juridicização do loteamento. Cabe transcrever aqui a lição nesse sentido do renomado Pontes de Miranda: “Juridicamente, o loteamento somente começa de existir, para todos os efeitos, isto é, completa e perfeitamente, depois – no instante imediato – da inscrição; com o registro, cessa a unidade anterior do terreno loteado; em vez dele, exsurge, no plano jurídico, a pluralidade de terrenos (lotes) [...]” (Tratado de direito privado, Parte especial, t. XIII, Borsoi, Rio de Janeiro, 1971, p. 21) [...].

[...]

Serpa Lopes mais adiante reitera: “Sem a inscrição, nenhuma operação de venda de lotes de terrenos a prestação pode ter lugar e a escritura que se fizer, com preterição dessa formalidade legal, não pode ser transcrita”.

Então, vê-se que é pacífico, não somente no direito positivo, mas também na doutrina, que não se pode, até mesmo por lógica, vender lotes de um lotea-mento não registrado no Cartório de Registro de Imóveis, justamente porque, in casu, como é a inscrição que dá existência no mundo jurídico ao loteamento (principal), o loteamento, por não estar registrado no Cartório de Registro de Imóveis, não existe no plano jurídico. Consequentemente, se o principal (o lo-teamento) não tem existência legal, como poderia ser vendido o acessório (os lotes), que também não existe para o universo jurídico? Ora, se o direito não reconhece a validade do próprio loteamento enquanto não registrado, como admitir, por provimento judicial declaratório, que os lotes dele originários po-deriam ser vendidos? Accessio cedit principale.

Não é a toa que o art. 37 da Lei Federal nº 6.766, de 19.12.1979, dispõe: “É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembra-mento não registrado”. Não pode ser vendida uma parcela ou parte (lote) de um empreendimento (loteamento) que não existe, pois só tem existência perante o direito a partir do registro do projeto de loteamento no Cartório de Registro de Imóveis. Admitir o contrário significa, por absurdo, o mesmo que se permitir que sejam vendidos apartamentos de um condomínio em propriedade horizon-

4 Configuração dos loteamentos urbanos e rurais. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, n. 28, v. 8, p. 114 e 129, abr./jun. 1984.

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tal, sem que o empreendimento nem esteja registrado no cartório imobiliário competente, o que, a propósito, também é proibido pela Lei Federal nº 4.591, de 16.12.1964, em seu art. 32, caput e alíneas a a p, e §§ 1º a 12, sob o mesmo fundamento.

Pois bem: um lote que integre um loteamento não registrado no Cartório de Registro de Imóveis não pode ser alienado porque inexistente para o direito. Daí o motivo de a regra da proibição de venda de lotes de loteamento urbano não registrado no cartório imobiliário (art. 37 da Lei Federal nº 6.766/1979) e da venda de unidades de incorporação imobiliária também sem registro imo-biliário (art. 32 da Lei Federal nº 4.591/1964) aplicar-se, por igual fundamento, no tocante à venda de lotes de loteamento rural não registrado no Cartório de Imóveis (art. 167, I, 19, Lei Federal nº 6.015/1973; art. 89 do Decreto Federal nº 59.428, de 27.10.1966; item 4.7.2 da Instrução Normativa Incra nº 17.b, de 09.12.1980; e art. 61, caput, da Lei Federal nº 4.504/1964).

Parece não socorrer o loteador a inovação do direito de usar, gozar e dispor enquanto faculdades inerente ao direito de propriedade. A tese indivi-dualista de interpretação do direito de propriedade, segundo a qual se defendia ao proprietário as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa como lhe aprou-vesse, foi concepção em vigor no século XVIII, mas atualmente se mostra de todo repelida pelo ordenamento jurídico das nações civilizadas, que elegeram a propriedade em função social.

De fato, o inciso XXII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 dispõe que “é garantido o direito de propriedade”. Mas o inciso XXIII do mesmo artigo da Lei Fundamental reza que “a propriedade atenderá a sua função social”.

Comenta, com o brilho contumaz, o emérito constitucionalista José Afonso da Silva5:

[...] Demais, o caráter absoluto do direito de propriedade, na concepção da De-claração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, [...] foi sendo superado pela evolução, desde a aplicação da teoria do abuso de poder, do sistema de limitações negativas e depois também de imposições positivas, deveres e ônus, até chegar-se à concepção da propriedade como função social...

[...] Pois, em verdade, o regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que ela atenda a sua função social (art. 5º, XXII e XXIII)...

[...] Essa dicotomia fica superada com a concepção de que o princípio da função social (Constituição Federal, art. 5º, XXIII) é um elemento do regime jurídico da propriedade, é, pois, princípio ordenador da propriedade privada, incide no conteúdo do direito de propriedade, impõe-lhe novo conceito... A função social, assinala Pedro Escribano Collado, “introduziu, na esfera interna do direito de pro-priedade, um interesse que pode não coincidir com o do proprietário e que, em

5 Direito urbanístico brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 62-63.

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todo caso, é estranho ao mesmo”, constitui um princípio ordenador da proprie-dade privada e fundamento da atribuição desse direito, de seu reconhecimento e da sua garantia mesma, incidindo sobre o seu próprio conteúdo.

No mesmo compasso, leciona o saudoso Professor Hely Lopes Meirelles6:

Tais limitações constituem legítimo condicionamento do direito de proprieda-de, e especialmente do de construir, aos superiores interesses da coletividade, expressos nos regulamentos administrativos a que alude o art. 572 do Código Civil...

[...] Superado o conceito absolutista do direito de propriedade – jus utendi, fruendi et abutendi –, que teve o seu apogeu no individualismo do século XVIII, o do-mínio particular se vem socializando ao encontro da afirmativa de Léon Duguit, de que “a propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor de riqueza”. Com essa característica contemporânea, já não se admite o exercício anti-social do direito de propriedade, nem se tolera o uso anormal do direito de construir.

A atividade de lotear ou desmembrar a sua gleba original não isenta o proprietário do dever de observância das normas legais e regulamentares disci-plinadoras do parcelamento do solo, tanto para fins urbanos como rurais, haja vista que o Distrito Federal e os Municípios não estão, sob hipótese alguma, a negar o exercício do direito de propriedade, mas conformando-o aos interesses do bem-estar coletivo e da sua função social, em consonância com a lei e com o bom direito.

A constituição de loteamentos ilegais e clandestinos configura mau exer-cício do direito de propriedade privada, haja vista que a divisão de uma gleba original em diversas parcelas, com vistas à formação de lotes, atividade reputa-da como parcelamento do solo, determina adensamento populacional, despe-sas para o Poder Público com a instalação de equipamentos urbanos (serviços de utilidade pública, como luz, telefonia, esgotamento sanitário e congêneres), além de inevitável impacto ao meio ambiente.

É evidente que atividade de tamanha repercussão urbanística e ambien-tal, como é o caso do parcelamento do solo, não pode ser exercida à revelia de qualquer controle do Poder Público, mas, ao contrário, sobre ela incidem, por força de lei, diversas limitações administrativas, além da imperatividade da aprovação dos projetos de loteamento ou desmembramento pelo Município ou Distrito Federal.

O fato é que, conquanto titulares do domínio sobre a gleba original, não assiste aos proprietários o direito de parcelar o solo rural ou urbano, sem que antes promovam a regularização do loteamento como um todo, colhendo a aprovação do Distrito Federal, sobretudo no que tange à tutela do meio am-

6 Direito de construir. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 24.

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biente e urbanística, além de providenciar o registro imobiliário da modalidade de parcelamento do solo, exigível por força de lei. Antes disso, fica terminan-temente proibido o registro dos lotes ou das parcelas junto aos Cartórios do Registro de Imóveis.

O tema do parcelamento do solo já refoge da classificação de mero exer-cício do direito de propriedade, mas, ao contrário, a questão insere-se, hoje, nos lindes do direito urbanístico e na perspectiva da função social da propriedade, desde o advento das Leis Federais nºs 4.504/1964 e 6.766/1979, ainda mais em se tratando de loteamentos irregulares, porquanto o intento de lucro indivi-dual sobrepuja, egoisticamente, toda e qualquer perspectiva de ordenação da atividade de urbanização no Distrito Federal, causando gravíssimos problemas sociais e urbanos, notadamente porque, depois de alienadas as parcelas da di-visão da gleba original irregularmente loteada, fica ao Estado o dever de, de-pois de atendidos os requisitos legais e regulamentares, instalar equipamentos públicos e infraestrutura nos loteamentos, dos quais resultam, com frequência, danos irreversíveis ao meio ambiente, devido à localização destes em unidades de conservação ambiental, a par da inexistência de sistema de esgotamento sanitário e de coleta de águas pluviais, de que resulta a eleição de lagos e rios para despejo de esgotos e efluentes.

Ainda que se admita tratar-se, de fato, de parcelamentos de fins rurais e que, no seu desenvolvimento, não sofrerão distorções tendentes à implanta-ção de loteamentos urbanos (o que se tem verificado com enorme frequência), constata-se que os proprietários se julgam no suposto direito de alienar as suas parcelas a terceiros, de construir as edificações que bem lhes aprouver nos seus lotes (independentemente de autorização edilícia da Administração), de rece-berem todas as regalias do Estado mediante a prestação de serviços de utilidade pública, à revelia das vedações das normas legais e regulamentares, federais e distritais. Não lhes interessam, por igual, as danosas repercussões causadas ao meio ambiente. Consideram-se, assim, no direito de sobrepor-se às exigências da lei e dos regulamentos, instaurando uma pretensa supremacia do interesse privado sobre o interesse público, em frontal violação da perspectiva vigente no ordenamento jurídico pátrio.

A questão urbanística (na qual se inclui a figura do parcelamento do solo urbano ou rural) alçou-se em nível de previsão constitucional, dada a relevância da matéria para o bem-estar de toda a coletividade, haja vista o célere cresci-mento dos aglomerados urbanos, o que impôs foros de excepcional interesse público ao ordenamento urbanístico, mormente em razão do imperativo de se regulamentar a ocupação do solo urbano e rural.

Tanto assim que o art. 30, inciso VIII, da Lei Suprema de 1988 preceitua que: “Compete aos Municípios [...]; VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parce-

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lamento e da ocupação do solo urbano”. Competência extensiva ao Distrito Federal por força do dispositivo do art. 32, § 1º, da Lei Fundamental.

É dever do Poder Público ordenar a ocupação, o uso e o parcelamento do solo urbano e rural do seu território, no superior interesse de preservação do meio ambiente, das florestas, da fauna, da flora e dos bens que compõem o patrimônio histórico, estético, turístico, paisagístico e cultural, cuja defesa incumbe à Administração por missão constitucional e para cujo cumprimento o Estado exerce o seu legítimo e legal poder de polícia.

Essas as anotações que pareceram oportunas se consignasse acerca do extenso tema.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Loteamento

1428

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.184.084 – SP (2010/0037368‑0)Relator: Ministro Sidnei BenetiRecorrente: Marino Francesco GaiofattoAdvogado: Carlos Antonio David e outro(s)Recorrido: Associação Residencial Vale da Santa FéAdvogados: Vera Lúcia Machado Franceschetti

Bruna Machado Franceschetti Ferreira da Cunha e outro(s)

ementa

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – LOTEAMENTO FECHADO – CONTRIBUIÇÕES PARA MELHORAMENTOS E MANUTENÇÃO – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – IMPOSIÇÃO A QUEM NÃO É ASSOCIADO – OBRIGAÇÃO ASSUMIDA CONTRATUALMENTE – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA

1. Na linha de reiterados pronunciamentos da Segunda Seção desta Cor-te: “As taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo” (EREsp 444.931/SP, 2ª Seção, Rel. p/ Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 01.02.2006).

2. Recurso Especial provido, determinando-se o retorno dos autos à ori-gem para que se julgue novamente a causa com base nos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência desta Corte.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

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Dr(a). Vera Lucia Machado Franceschetti, pela parte Recorrida: Associa-ção Residencial Vale da Santa Fé.

Brasília, 22 de outubro de 2013 (data do Julgamento).

Ministro Sidnei Beneti Relator

relatÓrio

O Exmo Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator):

1. Marino Francesco Gaiofatto interpõe Recurso Especial com fundamen-to nas alíneas a e c do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Relator o Desembargador Oscarlino Moeller, assim ementado (e-STJ fl. 549):

COBRANÇA – IMÓVEL INSERIDO EM LOTEAMENTO FECHADO – SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO EFETUADOS POR SOCIEDADE DE PROPRIETÁRIOS – COBRANÇA DE TAXA DE CONTRIBUIÇÃO RELATIVAS A ADMINISTRAÇÃO E MANUTENÇÃO DE ÁREA COMUM – VALORES APROVADOS EM ASSEM-BLÉIA GERAL – CABIMENTO – EXISTÊNCIA DE COMUNHÃO DE INTERESSES – OBRIGAÇÃO TIDA COMO PROPTER REM, QUE ACOMPANHA O DESTINO DO IMÓVEL – IRRELEVANTE O FATO DE SER ASSOCIADO OU NÃO A ASSO-CIAÇÃO QUE REALIZA A MANUTENÇÃO E MELHORIA DO LOTEAMENTO – ADEMAIS, APLICAÇÃO DO PRINCIPIO JURÍDICO QUE VEDA O ENRIQUECI-MENTO ILÍCITO – ART. 884 DO NOVO CÓDIGO CIVIL – ARCABOUÇO PRO-BATÓRIO DEVIDAMENTE APRECIADO PELO JUÍZO SENTENCIANTE – PRE-CEDENTES DESTA CÂMARA REFERENTES AO MESMO LOTEAMENTO – TESE SUFRAGADA PELO DO STJ – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO

2. Os Embargos de Declaração interpostos foram rejeitados (e-STJ fl.580).

3. O recorrente alega, em síntese, que o Acórdão recorrido teria violado o art. 5º, XX, da Constituição Federal, em razão de supostamente não ter reco-nhecido o livre exercício de associar e manter-se associado. Ademais, sustenta afronta ao art. 131, do Código de Processo Civil, em razão de o Acórdão ter decido com espeque em meras suposições. Por fim, invoca dissídio jurispruden-cial acerca licitude da cobrança de contribuições por parte de associações de moradores a proprietário de lote não associado.

4. O Recurso Especial, inicialmente, foi parcialmente provido por deci-são monocrática (fls. 762/765), mas, em seguida, sobreveio Agravo Regimental (fls. 769/781), provido pela 3ª Turma, deste Tribunal, a fim de incluir o recurso em pauta, para novo julgamento (fl. 798).

É o relatório.

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ����������������������������������������������������������������������������������������� 51

votoO Exmo Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator):

5. Trata-se, na origem, de uma ação ordinária proposta por Marino Francesco Gaiofatto contra Associação Residencial Vale da Santa Fé, com o objetivo de ver declarada a inexistência de relação jurídica e a inexigibilida-de de cotas destinadas à melhoria de áreas comuns de loteamento imobiliário (fls. 03/08).

6. A sentença (fls. 457/462) e o acórdão que a confirmou (fls. 542/568) indeferiram esses pedidos, argumentando, em síntese, que o Autor estava obri-gado a contribuir para as melhorias comuns, sob pena de enriquecimento ilícito.

7. O Recurso Especial colhe êxito em parte.

8. A alegação de ofensa ao art. 5º, XX, da Constituição Federal não tem passagem em sede de recurso especial, voltado ao enfrentamento de questões infraconstitucionais, apenas.

9. A alegação de ofensa ao art. 131 do Código de Processo Civil não vem demonstrada de forma analítica. Com efeito, as razões do recurso especial não esclarecem qual seria, precisamente, a conclusão alcançada pelo Tribunal de origem com base em prova insuficiente, nem qual seria, precisamente, o elemento probatório cujo valor probante teria sido erroneamente considerado pelas instâncias de origem. Incidência da Súmula nº 284/STF.

10. Na linha de reiterados pronunciamentos da Segunda Seção desta Corte, as taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não po-dem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – AGRAVO REGIMEN-TAL – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – LOTEAMENTO FECHADO – PRESTA-ÇÃO DE SERVIÇOS – CONTRIBUIÇÃO – INEXIGIBILIDADE DE QUEM NÃO É ASSOCIADO – MATÉRIA PACÍFICA – FUNDAMENTO INATACADO – SÚMU-LAS NºS 168 E 182/STJ

I – “As taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo (2ª Seção, EREsp 444.931/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Humber-to Gomes de Barros, DJU de 01.02.2006).” (AgRg-EREsp 1034349/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 2ª Seção, DJe 17.06.2009)

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – COBRANÇA DE TAXA DE MANUTENÇÃO – PROPRIETÁRIO NÃO-ASSOCIADO – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 168/STJ – RECURSO NÃO PROVIDO

1. A existência de associação congregando moradores com o objetivo de defesa e preservação de interesses comuns em área habitacional não possui o caráter de

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condomínio, pelo que, não é possível exigir de quem não seja associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo, o pagamento de taxas de manutenção ou melhoria. Precedentes. (AgRg-EAg 1385743/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, 2ª Seção, DJe 02.10.2012)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – LOTEAMENTO FECHADO – CONTRI-BUIÇÕES PARA MELHORAMENTOS E MANUTENÇÃO – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – IMPOSIÇÃO A QUEM NÃO É ASSOCIADO – OBRIGAÇÃO ASSUMIDA CONTRATUALMENTE – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBA-TÓRIA – MULTA E INDENIZAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – DESCABI-MENTO NO CASO CONCRETO

1. Na linha de reiterados pronunciamentos da Segunda Seção desta Corte: “As ta-xas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impos-tas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo. (EREsp 444.931/SP, 2ª Seção, Rel. p/ Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 01.02.2006)” (REsp 1325068/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., DJe 04.02.2013)

No caso dos autos, o Tribunal de origem, como assinalado, está funda-mentado, basicamente, no princípio da vedação do enriquecimento ilícito, não tendo levado em consideração as circunstâncias fáticas que, de acordo com a jurisprudência desta Corte, é essencial para o desfecho da questão.

11. Muito embora o Tribunal de origem tenha afirmado não haver prova de que o Recorrente houvesse se filiado à Associação Civil ora recorrida, não esclareceu se, de alguma outra forma, anuiu ele ao ato que estabeleceu a co-brança das taxas de melhoria.

Nesse sentido, vale ressaltar, a Recorrida destaca em contrarrazões de Recurso Especial, que a escritura pública de compra e venda do imóvel adqui-rido pelo Recorrente estabelece a obrigação do adquirente de pagar uma taxa mensal de manutenção, na qual estariam incluídos os serviços de conservação das ruas, das galerias de águas pluviais, da rede de água domiciliar da portaria e vigilância.

Mas essa matéria não foi apreciada pelo Tribunal de origem, tanto que sustentada apenas no âmbito de Recurso Especial.

12. Em sede de recurso especial, não é possível examinar a prova dos autos, para saber se o Recorrente, de alguma forma anuiu com a cobrança das contribuições cobradas pela Associação recorrida, matéria que deve ser julgada primeiro pelo Tribunal de origem.

13. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, determinan-do-se o retorno dos autos ao Juízo de 1º Grau, para que julgue novamente a causa, com base nos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência desta Corte Superior e dirimindo a questão atinente à anuência supra referida.

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Ministro Sidnei Beneti Relator

certiDão De Julgamento terceira turma

Número Registro: 2010/0037368-0

Processo Eletrônico REsp 1.184.084/SP

Números Origem: 13742000 42131542 4213154401 99405075801050001

Pauta: 22.10.2013 Julgado: 22.10.2013

Relator: Exmo. Sr. Ministro Sidnei Beneti

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Bonifácio Borges de Andrada

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Recorrente: Marino Francesco Gaiofatto

Advogado: Carlos Antonio David e outro(s)

Recorrido: Associação Residencial Vale da Santa Fé

Advogados: Vera Lúcia Machado Franceschetti Bruna Machado Franceschetti Ferreira da Cunha e outro(s)

Assunto: Direito civil – Coisas – Propriedade – Condomínio

sustentação oral

Dr(a). Vera Lucia Machado Franceschetti, Pela Parte Recorrida: Associa-ção Residencial Vale da Santa Fé

certiDão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

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Assunto Especial – Ementário

Loteamento

1429 – Loteamento – ação de cobrança – associação de moradores ou administradora – taxas de manutenção ou de qualquer outra espécie – inviabilidade de cobrança

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Ação de cobrança. Associação de mo-radores ou administradora de loteamento. Taxas de manutenção ou de qualquer outra espécie. Inviabilidade de cobrança a proprietário de imóvel não associado. Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 1. É inviável a cobrança de taxas de manutenção ou de qualquer outra espécie por associação de moradores ou administradora de loteamento a proprietário de imóvel que não seja associado nem tenha aderido ao ato que fixou o encargo. Precedentes do STJ. 2. Assentado nas instâncias ordinárias tratar-se de imposição do rateio de despesas a terceiro. Proprietário ou morador. Não vinculado à administração do loteamento e que não tenha anuído à cobrança, não é razoável a remessa dos autos ao Tribunal a quo para nova análise do acervo probatório, tampouco oportuno aferir o acerto ou desacerto de tais conclusões, por envolver a interpretação de cláusula contra-tual e o reexame de prova, medidas vedadas pelas Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.184.563 – (2010/0041825-4) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 07.03.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental contra decisão assim ementada:“Processual civil. Recurso especial. Ação de cobrança. Art. 535, II, do CPC. Arguição de ofensa. Improcedência. Normas Infraconstitucionais. Prequestionamento. Súmula nº 282/STJ. Associa-ção de moradores ou administradora de loteamento. Taxas de manutenção ou de qualquer outra espécie. Cobrança A proprietário de imóvel não associado. Inviabilidade. 1. Improcede a arguição de ofensa ao art. 535, II, do CPC quando o Tribunal a quo se pronuncia, de forma motivada e suficiente, sobre os pontos relevantes e necessários ao deslinde do litígio.2. Ausente o indispensável prequestionamento das matérias suscitadas, aplica-se a Súmula nº 282/STF.3. É inviável a cobrança por associação de moradores ou administradora de loteamento de taxas de manutenção ou de qualquer outra espécie a proprietário de imóvel que não seja associado nem tenha aderido ao ato que fixou o encargo. 4. Recurso especial conhecido e provido.”Na presente via recursal, a agravante faz o relato da lide e, como razões para reforma do decisum ora questionado, suscita que: “Da análise da sobredita decisão, infere-se que o in-signe Relator tratou o caso vertente como sendo ação de cobrança de taxa de manutenção de loteamento proposta por associação de moradores. Ocorre que, a autora não é associação de moradores, mas, sim, empresa contratada pelos loteadores do empreendimento para adminis-trar o loteamento e prestar os serviços de manutenção constantes do contrato de alienação dos lotes, contrato esse registrado no serviço registrário competente. [...] Além de conter restrições urbanísticas convencionais, o contrato padrão previu também que os loteadores poderiam, por si ou por quem viessem a indicar, executar no loteamento obras e serviços e cobrar um rateio das despesas de administração dos proprietários que, em última análise, são os beneficiários da conservação e manutenção do empreendimento”.Com a afirmativa de que a cláusula contratual é admitida pela jurisprudência, a agravante aduz, em síntese, que os loteadores indicaram-na para administrar o loteamento; que presta serviços há mais de 35 anos; que o registro imobiliário do contrato padrão e as obrigações dos agravados estão em conformidade com a Lei nº 6.766/1979; que os agravados, na condição de beneficiários desses serviços, devem concorrer com os demais proprietários para o pagamento proporcional das despesas, pois, admitir procedimento diferente, seria compactuar com o enri-quecimento ilícito dos agravados.Postulou, ao final, a reconsideração da decisão monocrática agravada ou submissão do presente recurso a julgamento da Turma julgadora.

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������� 55

Caso assim não se entenda, requer que seja aplicado o mesmo entendimento adotado pelo Mi-nistro Massami Uyeda na decisão proferida no REsp 1.100.322/SP, determinando-se a remessa dos autos à Corte de origem a fim de que se proceda ao reexame do acervo probatório e se declare, expressamente, se houve ou não adesão dos agravados à cláusula que prevê a prestação dos serviços no loteamento Jardim Acapulco mediante rateio de despesas entre os proprietários. O STJ negou provimento ao agravo regimental.O Relator aduziu que a interpretação fixada pelo Tribunal a quo não encontra amparo na juris-prudência do STJ, tendo em vista que é inviável a cobrança por associação de moradores ou ad-ministradora de loteamento de taxas de manutenção ou de qualquer outra espécie a proprietário de imóvel que não seja associado nem tenha aderido ao ato que fixou o encargo.Oportuno trazer julgados neste sentido:“LOTEAMENTO – AÇÃO DE COBRANÇA – DESPESAS RELATIVAS A SERVIÇOS DE INTERESSE COMUM – ‘Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Ação de cobrança. Lotea-mento. Despesas relativas a serviços de interesse comum. Proprietários não filiados. Impossibili-dade. Precedentes. 1. Consoante entendimento firmado pela 2ª Seção, ‘as taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo’ (EREsp 444.931/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. p/o Ac. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 01.02.2006). 2. Agravo regimental a que se nega provimento’. (STJ, AgRg-REsp 1.045.900, (2008/0070643-4), 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, DJe 01.08.2012)CIVIL E PROCESSUAL – LOTEAMENTO – AÇÃO DE COBRANÇA – RITO SUMARÍSSIMO ADO-TADO INDEVIDAMENTE – NULIDADE AFASTADA – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A DEFESA – ILEGITIMIDADE ATIVA DE PARTE NÃO CONFIGURADA – MULTA APLICADA PELA INSTÂN-CIA A QUO – EXCLUSÃO – SÚMULAS NºS 5, 7 E 98 STJ – I – Inobstante a inadequação da via eleita – ação sumaríssima – pelo não enquadramento da hipótese no elenco previsto no art. 275 e incisos do CPC, é de se afastar a nulidade do processo se não se configurou prejuízo à defesa do réu, que expressamente se manifestou pela desnecessidade de produção de novas provas. II – Reconhecimento da legitimidade ativa ad causam pela instância ordinária com base na prova dos autos e na interpretação do contrato de aquisição do terreno em loteamento, tudo de conformidade, ainda, com os fatos apresentados na inicial, aos quais o direito foi aplicado. III – ‘Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório’ (Súmula nº 98/STJ). IV – Recurso especial conhecido em parte e pro-vido para exclusão da multa. (STJ, REsp, 35895/SP, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU 29.10.2001, p. 00207)DIREITO CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – LOTEAMENTO – NÃO OBRIGA-TORIEDADE DE PAGAMENTO DE QUOTA-PARTE MENSAL DE PROPRIETÁRIO NÃO FILIADO À ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – PRINCÍPIO DA LIBERDADE PARA ASSOCIAR-SE – PRE-CEDENTES DO STJ – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NÃO CONFIGURADO – AUSÊNCIA DE CONTEÚDO PROBATÓRIO – RECURSO CONHECIDO A QUE SE NEGA PROVIMENTO – 1. Para que o proprietário de imóvel pertencente a loteamento fechado seja obrigado a efetuar o paga-mento das contribuições para manutenção das áreas comuns, é necessário que esteja filiado à associação responsável, ou, ao menos, que tenha anuído com a sua constituição. Nesse sentido, é dominante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; 2. Inobstante a possibilidade de se criar associação com fins de constituir condomínio, para que possa exigir, de todos os proprietários, o pagamento de taxas condominiais, isso deve ser feito com a observância da Lei nº 4.591/1964. Não basta, portanto, que seja constituída uma sociedade civil, a exemplo da apelante (fls. 9/10); 3. Atente-se ao fato de que a apelante absteve-se de comprovar não só a fi-liação do recorrido à entidade, bem como que o mesmo usufruiu dos serviços prestados por esta, não havendo que se falar em enriquecimento ilícito; 4. Recurso conhecido a que se nega provi-mento por maioria de votos. AGRAVO REGIMENTAL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RE-CURSO ESPECIAL – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – CONDOMÍNIO ATÍPICO – COBRANÇA DE NÃO-ASSOCIADO – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO ENUNCIADO SUMULAR Nº 168/STJ – 1. Consoante entendimento sedimentado no âmbito da eg. 2ª Seção desta Corte Superior, as taxas de manutenção instituídas por associação de moradores não podem ser impostas a proprie-tário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que fixou o encargo (Precedentes: AgRg--Ag 1179073/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe de 02.02.2010; AgRg-Ag 953621/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, DJe de 14.12.2009; AgRg-REsp 1061702/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho, 4ª Turma, DJe de 05.10.2009; AgRg-REsp 1034349/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, DJe 16.12.2008). 2. À luz da inteligência do Verbete Sumular nº 168/STJ, ‘não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado’. 3. Agravo regimental a que se nega provi-mento (AgRg-EREsp 961927/RJ, Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso

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Especial nº 2010/0095033-7, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJRS). Órgão Julgador S2 – 2ª Seção, Data do Julgamento: 08.09.2010) (sem grifo no original). Loteamento. Associação de moradores. Cobrança de taxa condominial. Precedentes da Corte. 1. Nada impede que os moradores de determinado loteamento constituam condomínio, mas deve ser obedecido o que dispõe o art. 8º da Lei nº 4.591/1964. No caso, isso não ocorreu, sendo a autora sociedade civil e os estatutos sociais obrigando apenas aqueles que o subs-creverem ou forem posteriormente admitidos. 2. Recurso especial conhecido e provido (REsp 623274/RJ, Recurso Especial nº 2004/0007642-4, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Órgão Julgador T3 – 3ª Turma, Data do Julgamento: 07.05.2007) (sem grifo no original). Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]. XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.” (TJAL, AC 2010.006773-3, (1.1401/2011), Rel. Des. Alcides Gusmão da Silva, DJe 25.11.2011, p. 56) (Disponível em: iobonlinejuridico.com.br)

1430 – Loteamento – competência – conflito – parcelamento irregular do solo urbano – terras da União – esbulho – Justiça Federal

“Processual penal. Parcelamento irregular de solo urbano. Imóvel de propriedade da União. Ques-tão competencial decidida pelo STJ. 1. Tendo o Superior Tribunal de Justiça decidido, em conflito de competência alusivo ao presente caso, que a prática de loteamento irregular, instaurado em terras de propriedade da União, traduz a ocorrência de esbulho sobre bem imóvel desta enti-dade pública, atraindo a competência da Justiça Federal, não pode a questão competencial ser rediscutida pela instância ordinária. 2. Provimento do recurso em sentido estrito.” (TRF 1ª R. – RCr 2002.34.00.010473-1/DF – 3ª T. – Rel. Juiz Olindo Menezes – DJU 03.09.2004)

1431 – Loteamento – compra e venda – inadimplemento de prestações – ação buscando rescisão contratual e reintegração da posse

“Apelação cível. Direito civil. Compra e venda. Loteamento. Inadimplemento de prestações. Ação buscando rescisão contratual e reintegração da posse. Edificação de residência. Acessão artificial. Direito de indenização e retenção. Possibilidade. Boa-fé do adquirente. Reforma parcial da senten-ça. 1. Caracterizada de modo inequívoco a realização de acessões no imóvel objeto do contrato de compra e venda, bem como a boa-fé do adquirente quanto à construção de uma casa para fixar residência no local, impõe-se o deferimento da pretensão de indenização e da possibilidade de retenção, ex vi das regras prescritas no art. 1.255 c/c art. 1.219 do Código Civil, precedentes do STJ; 2. Recurso provido. Reforma parcial da sentença.” (TJAM – AC 0240847-94.2008.8.04.000 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Paulo Lima – DJe 20.02.2014)

1432 – Loteamento – construção em lote situado em área de reserva ambiental – projeto arquite-tônico e hidrossanitário aprovados pelo Município

“Direito ambiental e direito administrativo. Remessa ex officio e apelação voluntária. Loteamento. Construção em lote situado em área de reserva ambiental. Projeto arquitetônico e hidrossanitário aprovados pelo Município recorrente. Alvará de habite-se. Autorização do Ibama para construção em área não superior a 40% (quarenta por cento) de lote situado em área de preservação ambien-tal. Regularidade comprovada nos autos. Art. 15 da Lei Federal nº 9.985/2000. Remessa ex officio e apelação voluntária conhecidas e improvidas. I – Consoante disposto no art. 15 da Lei Federal nº 9.985/2000 (que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza), que ‘a Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabili-dade do uso dos recursos naturais. § 1º A Área de Proteção Ambiental é constituída por terras públicas ou privadas. § 2º Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas

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e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma Área de Proteção Ambiental’. II – Na hipótese vertente, a despeito de o Município recorrente afirmar que o imóvel dos recorridos, compreende área de uso não consolidado, portanto, insuscetível de edificação, por ser reconhecida como área de reserva ambiental (Parque Estadual de Setiba), os recorridos comprovaram a regularidade na construção de sua residência, tendo, inclusive, apresentado os projetos arquitetônico e hidrossanitário aprovados pela Municipalidade, bem como, apontando o cumprimento do acordo, formalizado com o Ibama, de edificar até o limite de 40% (quarenta por cento) da respectiva área. III – O Município recorrente concedeu aos recorridos, posteriormente, o Alvará de Habite-se nº 020/2005 (fl. 92), atestando que o imóvel sub judice fora construído em atenção à Legislação local e atendendo às exigências previstas pelo Município para a aprovação de projetos, mostrando, portanto, comportamento contraditório, no que tange às alegações trazi-das nos autos. IV – A Área de Preservação Ambiental (APA) de Setiba, abrangendo a área do Par-que Estadual de Setiba, não enseja o reconhecimento da inviabilidade absoluta da edificação, na forma do art. 15 da Lei Federal nº 9.985/2000. Desta forma, restou reconhecida que a construção dos recorridos atendeu às exigências da Municipalidade para construção e, também, não violou qualquer norma ambiental de proteção ao ecossistema, devendo, portanto, ser mantida a Sentença a quo, não se descurando do fato de que, embora tenha limitado o exercício da propriedade, certo é que a obra restou concluída, devendo permanecer, contudo, a restrição, caso haja a intenção dos recorridos na modificação do projeto original, sujeita à aprovação do Município recorrente. V – Remessa ex officio e apelação voluntária conhecidas e improvidas.” (TJES – Ap-RN 0037986-24.2003.8.08.0021 – Rel. Des. Namyr Carlos de Souza Filho – DJe 06.03.2014)

1433 – Loteamento – desapropriação – utilidade pública – implantação – estação – tratamento de esgoto – indenização

“Direito administrativo. Processual civil. Recurso especial. Desapropriação. Utilidade pública. Implantação. Estação. Tratamento de esgoto. Indenização. Loteamento. Suspensão processual. Prejudicialidade. Demanda externa. Limite. Prazo ânuo. Dissídio jurisprudencial. Ausência. Co-tejo analítico. Súmula nº 284/STF. Violação. Art. 437 do CPC. Falta. Prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Loteamento. Irregularidade. Ausência. Registro imobiliário. Projeto aprovado. Impos-sibilidade. Consideração. Fator. Indenização. Distinção. Escritura pública. Compra e venda. Vio-lação. Art. 42 da Lei nº 6.766/1979. 1. À suspensão processual de que trata o art. 265, inciso IV, alínea a, do CPC, aplica-se o prazo ânuo previsto no seu § 5º, hipótese legal à qual se amolda o presente caso concreto em que determinada a suspensão primeiramente em 24.09.2008 e, depois, em 03.08.2011. 2. Inadmissível o recurso especial que se fundamenta na existência de divergência jurisprudencial, mas se limita, para a demonstração da similitude fático-jurídica, à mera transcri-ção de ementas de outros precedentes judiciais. Hipótese, por extensão, da Súmula nº 284/STF. 3. Não cumpre o requisito do prequestionamento o recurso especial para salvaguardar a higidez de norma de direito federal não examinada pela origem. Óbice da Súmula nº 211/STJ. 4. In casu, em que pese o Tribunal da origem haver decidido pela correção do trabalho pericial mediante o exame dos elementos e métodos utilizados pelo técnico do juízo, não apresentou a fundamenta-ção legal relativamente a isso, que, para o caso específico, tanto pode ser a codificação processual civil quanto, por exemplo, o Decreto-Lei nº 3.365/1941, tornando inviável reconhecer o preques-tionamento implícito. 5. Para fins de indenização decorrente de desapropriações, não serão consi-derados como loteados ou loteáveis os terrenos ainda não vendidos, ainda não compromissados, ou aqueles que sejam objeto de loteamento ou desmembramento não registrado. Inteligência do art. 42 da Lei nº 6.766/1979. 6. A esse registro não é equivalente o simples contrato de parceria para estudo da viabilização do loteamento, ainda que celebrado perante tabelião e mediante es-critura pública, pois a regra do art. 42 da Lei nº 6.766/1979 deve ser interpretada conjuntamente com o restante do texto legal, de forma que a validade do loteamento está atrelada ao registro imo-biliário, no prazo de cento e oitenta dias, do projeto de loteamento ou desmembramento devida-

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mente aprovado por órgão público municipal competente (art. 18). 7. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa extensão, provido.” (STJ – REsp 877.489 – (2006/0096984-3) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 28.02.2014)

1434 – Loteamento e desmembramento – desapropriação – justa indenização

“Direito administrativo. Processual civil. Agravo regimental em agravo em recurso especial. De-sapropriação. Loteamento e desmembramento. Justa indenização. Ofensa a normas de direito fe-deral. Ausência de indicação. Súmula nº 284/STF. Julgamento. Validade. Ato de governo local contestado em face de lei federal. Repetição da deficiência. Inexistência. Indicação. Ato governa-mental e lei federal. Súmula nº 284/STF. Lei nº 6.766/1979 e Decreto-Lei nº 271/1967. Descum-primento. Prequestionamento. Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. Fundamento inatacado. Súmula nº 283/STF. 1. Tanto pela alínea a, quanto pela alínea b, é dever do recorrente redigir a sua petição de apelo extremo indicando precisamente qual ou quais foram os preceitos legais federais violados pelo Tribunal local, assim como, especificamente para esta última hipótese de cabimento, qual ato de governo local foi julgado válido em face de lei federal. 2. Assim não ocorrendo, contudo, no caso concreto, impõe-se o óbice da Súmula nº 284/STF, vez que a sua fundamentação não permite a exata compreensão da controvérsia. 3. Por outro lado, as únicas dis-posições legais federais meramente mencionadas no recurso especial não foram objeto de tratativa pela origem, tampouco ocorrendo a oposição de embargos de declaração, razão por que descor-tinada a ausência de prequestionamento. Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 4. Por derradeiro, nota-se carente de impugnação os fundamentos indicados pela instância ordiná-ria (arts. 15-A, 15-B e 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, e art. 20 do CPC). Súmula nº 283/STF. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 439.921 – (2013/0390384-9) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 18.02.2014)

1435 – Loteamento fechado – associação – contribuições – exigibilidade

“Associação. Loteamento fechado. Contribuições. Exigibilidade. Enunciado nº 89 da I Jornada de Direito Civil. Art. 1.336, inciso I, do CC. Para cuidar do loteamento, a autora-apelante necessita de contribuições dos proprietários das casas, sendo legítima a exigência dessa participação pecuniária, independentemente de o dono do lote ser associado, ou não, à entidade coletiva. Vedação ao enri-quecimento sem causa. Precedentes desta Câmara. O réu-apelado arcará com as taxas em aberto, aí incluídas tanto as mencionadas na planilha quanto as vencidas e não pagas no curso do processo até a satisfação da obrigação, tudo com correção monetária e juros moratórios. Multa, contudo, que fica excluída. Recurso provido em parte, com alteração do ônus da sucumbência.” (TJSP – Ap 0013632-55.2005.8.26.0152 – Cotia – 10ª CDPriv. – Rel. Roberto Maia – DJe 27.03.2014)

1436 – Loteamento fechado – cobrança – taxa de manutenção

“Apelação. Cobrança. Taxa de manutenção. Loteamento fechado. Legalidade da cobrança por associações ou sociedades constituídas para prestar serviços de interesse do loteamento fechado. Orientação jurisprudencial prevalente a deferir sua cobrança a todos os donos de lotes, indistinta-mente, mesmo aos não associados, desde que a associação tenha sido criada em momento anterior à aquisição do lote e a ela o condômino não tenha aderido. Não há nos autos prova de que o imóvel tenha sido adquirido em data posterior a constituição da associação. Ônus que competia à autora. Art. 333, I, do CPC. Cobrança das mensalidades em atraso indevida. Sentença de impro-cedência mantida. Recurso improvido.” (TJSP – Ap 9194406-87.2008.8.26.0000 – Caraguatatuba – 8ª CDPriv. – Rel. Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho – DJe 20.03.2014)

1437 – Loteamento irregular – ação civil pública – responsabilidade do loteador e subsidiária da municipalidade

“Agravo. Apelação cível. Direito público não especificado. Ação civil pública. Loteamento irre-gular. Responsabilidade do loteador e subsidiária da municipalidade. Havendo a comprovação

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de que houve a alienação de lotes em loteamento irregular, responde o loteador pela respectiva regularização. Responsabilidade subsidiária imputada à municipalidade pela ausência da devida fiscalização do loteamento irregular, do qual tinha ciência. Precedentes do TJRS e STJ. Agravo desprovido.” (TJRS – Ag 70058392614 – 22ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro – J. 27.02.2014)

1438 – Loteamento irregular – ação de reintegração de posse c/c demolitória – construção de imóvel

“Ação de reintegração de posse c/c demolitória. Construção de imóvel em loteamento irregular. Inexistência de elementos que demonstrem tratar-se de área pública e sim particular. Precariedade do lastro probatório que não permite decisão diversa da improcedência. Decisão mantida. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 0008295-18.2011.8.26.0268 – Itapecerica da Serra – 2ª CDPúb. – Relª Vera Angrisani – DJe 26.03.2014)

1439 – Loteamento irregular – área de preservação permanente – zona urbana

“Ação civil pública. Loteamento irregular. Área de preservação permanente. Zona urbana. Córrego canalizado, isolado da natureza. Circunstâncias que recomendam postura mais flexível a respeito do uso da área. Entendimento majoritário da Câmara. Sentença reformada. Recursos providos para julgar a ação improcedente.” (TJSP – Ap 0072975-47.2011.8.26.0224 – 1ª C.Res.MA – Rel. Moreira Viegas – DJe 20.03.2014)

1440 – Loteamento irregular – competência – inquérito policial – terras da União

“Constitucional. Inquérito policial. Loteamento irregular. Terras da União. Competência. Justiça Federal. Em sede de investigação criminal em que se apura a prática de loteamento irregular instaurado em terras de propriedade da União, tem-se como presente a ocorrência de esbulho sobre bem imóvel desta entidade pública, atraindo a competência da Justiça Federal. Conflito conhecido. Competência da Justiça Federal.” (STJ – CC 35.766/DF – 3ª S – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 19.05.2003)

Observação Editorial SÍNTESEÍntegra do voto do Relator:

“Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal (Relator):

A questão posta em destaque tem sido debatida em sucessivos conflitos agitados perante esta Seção.

Em diversos julgamentos, proclamou-se a competência da Justiça local para processar e julgar crimes de parcelamento irregular do solo urbano, previsto na Lei nº 6.766/1979, porque as conseqüências de tal delito situam-se no âmbito do interesse de particulares e da Administração Municipal ou do Distrito Federal.

Todavia, o Ministério Público Federal com assento nesta Seção, em longo e judicioso parecer, tem sustentado que, no caso, ocorre lesão direta ao patrimônio da União.

Registre-se, a propósito, o seguinte excerto do parecer, verbis:

‘Contudo, a questão que coloca é outra. O crime administrativo (menor) é crime-meio para a espoliação e o esbulho de bem público, que é o crime-fim, maior. O objetivo final é a fraude mediante a alienação de coisa alheia própria – art. 171, inciso I, do Código Penal – e o esbulho de área pertencente à União – art. 20 da Lei nº 4.947/1966. Portanto, o crime do art. 50 da Lei nº 6.766/1979, não é o objetivo final do autor do delito, mas o meio inescusável para que ele possa obter lucros vendendo o patrimônio da União.

Mesmo que essa venda seja a non domino as conseqüências para a União são terríveis. Perde a posse, é obrigada a indenizar, em último caso, o adquirente de boa-fé, mormente as benfeitorias feitas no terreno sob essa condição, além de haver situações de fato, que importam em definitiva perda do patrimônio público. Ora, se há prejuízo com a posse e venda de terrenos particulares, que, por exemplo, residentes em São Paulo, vierem a tomar conhecimento de suas terras, no

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Distrito Federal, estavam sendo alienadas em loteamento irregular por terceiros, há, conseqüen-temente, interesse da União, na mesma situação, quando as terras lhe pertencem.

Além disso, não é possível vender terras da União – venda de coisa alheia como própria (art. 171, I, do CP), mediante parcelamentos ou loteamento irregular, sem cometer os crimes--meio, previsto na Lei nº 6.766/1979.

Ocorre, portanto, a subsunção ou absorção ou consunção do crime-meio pelo crime-fim. Adotar o entendimento da eg. 3ª Seção, neste caso, implica em dizer que o crime-meio absorve o crime--fim, o que soa totalmente absurdo’ (fls. 221).

E afirma, conclusivamente, que o crime a ser apurado é o de esbulho de terreno da União, da competência da Justiça Federal, ex vi do art. 109, IV, da Constituição Federal.

Nesta fase investigatória, o tema apresenta-se na linha do pensamento expedido pelo Ministério Público Federal.

Isto posto, conheço do conflito e declaro a competência do Juízo Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal.

É o voto.”

1441 – Loteamento irregular – promessa de venda de terrenos – crime contra a Administração Pública – parcelamento de solo urbano – qualificadora – estelionato – absorção

“Penal. Estelionato. Crime contra a Administração Pública. Venda de terrenos em loteamento ir-regular. Configuração. Absorção do estelionato pelo crime especial do art. 50, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 6.766/1979. Incorre nas sanções do art. 50, I, e parágrafo único, inciso I, da Lei de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979), aquele que promove a alienação de terrenos em loteamento não aprovado pelo Poder Público competente, mediante o emprego de artifício fraudulento, qual seja, a promessa de entrega dos referidos terrenos, de cuja irregularidade da venda tinha plena consciência, em prejuízo do patrimônio dos adquirentes, na mesma proporção do locupletamento ilícito do agente. Por se tratar de crime de ação múltipla e tendo em vista a variedade complexa de condutas relativas ao mesmo parcelamento, há um único delito e não crimes em concurso. Hipótese de absorção do estelionato pelo crime especial do art. 50 da Lei nº 6.766/1979. Recurso parcialmente provido.” (TJMG – ACr 270373-4/00 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Luiz Carlos Biasutti – J. 29.08.2002 – DJ 02.04.2003)

1442 – Loteamento – plano diretor – irregularidade – ação cautelar

“Agravo. Direito público não especificado. Plano diretor. Loteamento. Irregularidade. Ação cau-telar. Ausência de juntada de cópia da certidão de intimação. A parte agravante, em suas razões recursais, não trouxe qualquer argumentação nova e capaz de mudar o entendimento acerca do caso em tela. Ressalto que a certidão de juntada do mandato de citação é peça idônea a com-provar a tempestividade nas hipóteses em que o réu não foi citado. Nem poderia ser diferente, pois tomar a certidão de intimação pura e simplesmente como marco inicial do prazo recursal impossibilitaria, na maior parte dos casos, a interposição tempestiva de recurso pelo réu. Con-tudo, nem por isso a parte ré está desincumbida de demonstrar a tempestividade do recurso, na forma da fundamentação da decisão monocrática. Caso em que os agravantes não trouxeram aos autos documentos idôneos a comprovar a tempestividade do recurso. Agravo desprovido.” (TJRS – AgRg 70058029968 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Leonel Pires Ohlweiler – J. 27.02.2014)

1443 – Loteamento urbano – ação de cobrança – compromisso de compra e venda – sentença

“Apelação cível. Ação de cobrança. Compromisso de compra e venda. Loteamento urbano. Sen-tença. Procedência. Agravos retidos. Alegação de conexão, necessidade de suspensão do proces-so, pedido juridicamente impossível e cerceamento de defesa ante o indeferimento de perícia de corretagem do valor do imóvel. Teses não acolhidas. Apelação. Pleito de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. Impugnação ao pedido não conhecida porque não formulada em autos apartados. Inexistência de fundadas razões em contrário. Benefício concedido. Preen-

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������� 61

chimento dos requisitos legais. Alegação de abusividade das cláusulas contratuais e consequente onerosidade em razão do desequilíbrio do contrato de adesão firmado pelas partes. Inocorrência. Liberdade contratual. Não ofensa ao sistema jurídico de tutela do consumidor. Apelação Cível nº 978.855-6. 6ª CCV. Abusividade e onerosidade não verificadas. Contrato celebrado por livre iniciativa das partes. Inexistência de qualquer vício do consentimento. Preço inicial do imóvel constante no contrato. Interferência do judiciário que não se admite mesmo diante das regras protetivas do consumidor. Preço do bem é elemento fundamental da avença. Revisão do contrato realizada. Abuso contratual não encontrado. Pedido de redução da verba honorária. Não aco-lhimento. Valor fixado (R$ 800,00) razoável e adequado ao trabalho realizado pelo profissional. Agravos retidos conhecidos e não providos. Apelação conhecida e parcialmente provida.” (TJPR – AC 0978855-6 – 6ª C.Cív. – Rel. Juiz Conv. Subst. João Antônio de Marchi – DJe 17.03.2014)

1444 – Registro de imóveis – dúvida – loteamento – venda a várias pessoas – DL 58/1937 – regis-tro especial

“Registro de imóveis. Dúvida. Parcelamento do solo, com abertura simultânea de vias públicas, efetuado na vigência do Decreto-Lei nº 58/1937. Loteamento. Assentamento no fólio real de um compromisso de venda e compra de um dos lotes com pagamento do preço a prazo, em prestações sucessivas e periódicas. Venda dos lotes a várias pessoas. Oferta pública. Necessidade de registro especial do loteamento nos termos do Decreto-Lei nº 58/1937. Irrelevância do cadastramento dos lotes na Municipalidade e sua tributação. Recurso a que se nega provimento.” (TJSP – AC 66.728-0/5 – Rel. Des. Luís de Macedo – DJ 11.10.2000)

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Parte Geral – Doutrina

A Responsabilidade Civil do Incorporador e do Construtor sob o Ponto de Vista Consumerista

BARBARA HELIODORA DE AVELLAR PERALTAAdvogada atuante no Contencioso Cível, Família e Sucessões, Doutoranda em Direito pela Uni-versidade Federal Lomas de Zamora, Buenos Aires/AR, cursando Especialização em Processo Civil pela Universidade Federal Fluminense.

RESUMO: Este artigo faz abordagens sobre o atraso na entrega das unidades, as multas, os danos morais e materiais decorrentes da inexecução ou a mora do contrato, as cláusulas abusivas e jurisprudências relacionadas.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A responsabilidade do construtor; 2 A responsabilidade do incorporador; 3 Soli-dariedade do incorporador e do construtor; 4 Incidência do CDC no contrato de incorporação imobiliária; 5 Da inversão do onus probandi – Artigo 6º, VIII, da Lei nº 8.078/1990; 6 Da responsabilidade objetiva do incorporador e construtor de unidades; 7 Da antecipação da tutela no caso de mora do incorporador/cons-trutor na entrega da obra – Artigo 273, I, do CPC; 8 O dano moral decorrente desta relação; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOInicialmente, pretendo abordar, no trabalho em pauta, alguns aspectos

da responsabilidade civil do incorporador e do construtor devido ao grande desenvolvimento da atividade no mercado imobiliário.

A contratação parece envolvente, pois, ao adquirir um imóvel na planta, estamos aparentemente realizando um excelente negócio que, em sua grande maioria, é bastante proveitoso do ponto de vista econômico.

A rentabilidade em voga é mais palpável se estamos diante de uma em-presa confiável e segura no mercado, onde os riscos são calculados. No entan-to, mesmo diante de tais características, podemos nos deparar com situações de empresas que não respeitam os seus clientes, bem como a função social do contrato, e são desleais no decorrer da execução destes tratos.

Assim, baldadas as previsões abusivas contratualmente diante da prote-ção consumerista aplicável em nossas relações.

1 A RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTORInicialmente, cumpre assinalar que a responsabilidade do construtor de-

corre do contrato de empreitada, onde uma das partes, denominado empreitei-

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ro, se obriga a realizar uma obra por intermédio de terceiros ou pessoalmente, recebendo uma remuneração que é fornecida pelo proprietário da obra.

A obrigação derivada de tal contrato é a de resultado, onde a obrigação principal é executar a obra, como contratualmente pactuada.

Assim, deve ser certo e determinado o resultado, onde, do contrário, gera o inadimplemento ou mora contratual.

A responsabilidade do construtor é de resultado, como já assinalado, porque se obriga pela boa execução da obra, de modo a garantir sua solidez e capacidade para atender ao objetivo para qual foi encomendada. Defeitos na obra, aparentes ou ocultos que importem sua ruína total ou parcial configuram violação do dever de segurança do construtor, verdadeira obrigação de garantis (ele é o garante da obra), ensejando-lhe o dever de indenizar independentemente de culpa. Essa res-ponsabilidade só poderá ser afastada se o construtor provar que os danos resulta-ram de uma causa estranha – força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro, não tendo aqui, relevância o fortuito interno.1

Tendo em vista que a maioria dos defeitos de obra são ocultos, não seria razoável que a responsabilidade do construtor cessasse com a entrega desta.

Por sua vez, estabelece o art. 618 do CC/2002:

Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções con-sideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.

Assim, verificamos que o prazo do caput é um prazo de ordem pública devido a sua atenção ser voltada à coletividade, e não somente às partes envol-vidas, bem como verificamos se tratar de um prazo irredutível.

No que tange ao prazo do parágrafo único, o mesmo é decadencial, fa-zendo referência ao dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro em 180 dias decorrente ao aparecimento do vício.

Temos que observar ainda que terceiros, estranhos ao contrato principal, podem vir a sofrer danos decorrentes desta relação. Neste caso, nós teremos a responsabilidade extracontratual do construtor, onde, diante de danos acarreta-dos a este terceiro, incidirá também a responsabilidade civil.

1 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, p. 344.

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Tratando-se de danos pelo fato da obra, surge a responsabilidade inde-pendente da comprovação de culpa, bastando que se comprove o dano e o nexo causal.

Saliente-se que há a possibilidade de inversão do ônus da prova, como será analisado mais adiante.

Urge frisar que, diante do dano ocorrido, torna-se imperiosa a responsa-bilidade solidária do incorporador e do construtor, sendo a responsabilidade do construtor abalizada pelo art. 618 do CC/2002 e a do incorporador no art. 937 do CC/2002.

2 A RESPONSABILIDADE DO INCORPORADOR

Cumpre notar que a incorporação é toda atividade destinada a alienar frações ideais de um terreno, vinculando-se a unidades autônomas, sem edifica-ções a serem construídas ou em construção sob regime condominial, podendo ou não o incorporador também efetivar a construção do prédio (arts. 28 e 29 da Lei nº 4.591/1964), in verbis:

Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se-ão pela presente Lei.

Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alie-nação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

Inicialmente, a lei que rege a obrigação do incorporador é a Lei nº 4.591/1964, e a responsabilidade pelos danos advindos da relação contratual está expressa no art. 43 da referida lei.

Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:

[...]

II – responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários, dos prejuízos que a êstes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão das obras, cabendo-lhe ação regressiva contra o construtor, se fôr o caso e se a êste couber a culpa;

[...].

Frise-se que a demora na entrega da obra configura a mora do devedor e, consequentemente, este estará obrigado a indenizar aquele que sofreu prejuízos decorrentes da mora ou do inadimplemento.

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Uma das obrigações do incorporador está prevista no art. 32 da lei em comento, o qual estabelece que o incorporador tem a obrigação de entregar o prédio de acordo com o projeto de construção e o memorial descritivo. Assim, podemos observar, com maior clareza, a obrigação de resultado decorrente do contrato de empreitada.

Art. 32. O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos:

[...]

d) projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes;

[...]

g) memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modelo a que se refere o inciso IV do art. 53 desta Lei.

Outras obrigações também decorrem do art. 32; no entanto, não apresen-tam complexidades de interpretações ou não são objetos de análise do presente trabalho, in verbis:

I – informar obrigatoriamente aos adquirentes, por escrito, no mínimo de seis em seis meses, o estado da obra;

[...]

III – em caso de falência do incorporador, pessoa física ou jurídica, e não ser possível à maioria prosseguir na construção das edificações, os subscritores ou candidatos à aquisição de unidades serão credores privilegiados pelas quantias que houverem pago ao incorporador, respondendo subsidiariamente os bens pes-soais destes;

IV – é vedado ao incorporador alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados ou exigência legal;

V – não poderá modificar as condições de pagamento nem reajustar o preço das unidades, ainda no caso de elevação dos preços dos materiais e da mão de obra, salvo se tiver sido expressamente ajustada a faculdade de reajustamento, procedendo-se, então, nas condições estipuladas;

VI – se o incorporador, sem justa causa devidamente comprovada, paralisar as obras por mais de 30 dias, ou retardar-lhes excessivamente o andamento, poderá o juiz notificá-lo para que no prazo mínimo de 30 dias as reinicie ou torne a dar-lhes o andamento normal. Desatendida a notificação, poderá o incorporador ser destituído pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal que couber, sujeito à cobrança executiva das im-portâncias comprovadamente devidas, facultando-se aos interessados prosseguir na obra. (Vetado)

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VII – em caso de insolvência do incorporador que tiver optado pelo regime da afetação e não sendo possível à maioria prosseguir na construção, a assembleia geral poderá, pelo voto de 2/3 (dois terços) dos adquirentes, deliberar pela venda do terreno, das acessões e demais bens e direitos integrantes do patrimônio de afetação, mediante leilão ou outra forma que estabelecer, distribuindo entre si, na proporção dos recursos que comprovadamente tiverem aportado, o resultado líquido da venda, depois de pagas as dívidas do patrimônio de afetação e dedu-zido e entregue ao proprietário do terreno a quantia que lhe couber, nos termos do art. 40; não se obtendo, na venda, a reposição dos aportes efetivados pelos adquirentes, reajustada na forma da lei e de acordo com os critérios do contrato celebrado com o incorporador, os adquirentes serão credores privilegiados pelos valores da diferença não reembolsada, respondendo subsidiariamente os bens pessoais do incorporador. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

Como bem elucidou o nobre Desembargador Sergio Cavalieri Filho2, ao trazer a colação dos ensinamentos de Aguiar Dias, citando a obra Responsabili-dade civil em debate (1. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 54), in verbis:

O incorporador é o responsável por qualquer espécie de dano que possa resultar da inexecução ou da má execução do contrato de incorporação. Trata-se de entrega retardada, de construção defeituosa, de inadimplemento total, pondera Aguiar Dias, responde o incorporador, pois é ele que figura no polo da relação contratual oposto aquele em que se coloca o adquirente da unidade ou das uni-dades autônomas.

Analisaremos, agora, a multa decorrente do art. 35 da lei, em seu § 5º, que traz a previsão para o incorporador de um prazo para realizar a celebração do contrato relativo à fração ideal de terreno e do contrato de construção e da convenção de condomínio, respeitando previsão do inciso i do art. 32, ou seja, somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no RGI, os documentos exigidos em lei, in verbis:

Art. 35. O incorporador terá o prazo máximo de 45 dias, a contar do têrmo final do prazo de carência, se houver, para promover a celebração do competente contrato relativo à fração ideal de terreno, e, bem assim, do contrato de cons-trução e da Convenção do condomínio, de acôrdo com discriminação constante da alínea i do art. 32 (art. 32. O incorporador sòmente poderá negociar sôbre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos: i: discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão). (Vide Lei nº 4.864/1965 que altera o prazo máximo concedido ao incorporador para 60 (sessenta) dias)

[...]

§ 5º Na hipótese do parágrafo anterior, o incorporador incorrerá também na mul-ta de 50% sobre a quantia que efetivamente tiver recebido, cobrável por via executiva, em favor do adquirente ou candidato à aquisição.

2 Idem, p. 357.

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Assim, a simples negociação de unidades, antes deste registro, enseja a aplicação da multa em favor do consumidor, devendo os responsáveis pagar uma multa correspondente a 50% sobre a quantia que tiver recebido.

Ressalte-se que um sinal de reserva de imóvel já é suficiente para a inci-dência da multa, se o incorporador não cumpriu os requisitos do art. 32.

Registre-se, ainda, que a multa em comento não está condicionada a nenhum outro pré-requisito do art. 35, como, por exemplo, o seu § 4º, tendo em vista que o aludido parágrafo apenas concede uma opção ao adquirente de resguardar seu direito real de aquisição a terceiros.

Assim, a multa pode ser exigida antes ou depois da faculdade do § 4º do aludido artigo.

Neste sentido, a Desembargadora Leila Mariano3 proferiu a sua decisão com uma maestria ímpar sobre o estudo em pauta.

O fato determinante da aplicação da penalidade prevista no art. 35, § 5º, consiste no simples descumprimento pelo incorporador de suas obrigações legais, sendo devida a multa independentemente do fato de os adquirentes optarem pelo adim-plemento ou pela extinção do contrato.

A ilustre Desembargadora ainda aduz os ensinamentos do Ministro Barros de Monteiro em voto proferido como Relator4 sobre a dispensa de outros requisitos, como do § 4º do art. 35 para a execução da multa:

O Sr. Min. Barros Monteiro (Relator):

Desassiste razão à recorrente, conforme bem evidenciou o Tribunal a quo, com base no voto proferido pelo Sr. Desembargador Mário Machado durante o julga-mento da apelação. O art. 35, § 4º, da Lei nº 4.591/1964, estabelece uma mera fa-culdade ao adquirente: a averbação da “carta proposta” ou do “ajuste preliminar” confere-lhe direito real oponível a terceiro. Já o § 5º independe da formalização acima referida. O atraso imputável ao incorporador, excedente aos 60 (sessenta) dias contados da celebração do “ajuste preliminar”, dá ensejo a que o adqui-rente possa exigir a sanção ali prevista por meio da execução, ou seja, a multa de 50% sobre a quantia por ele paga. Consoante assinalou o pronunciamento judicial acima aludido: “Não há, permissa venia, nenhum condicionamento a que, previamente à cobrança executiva, seja registrado o documento preliminar no Registro de Imóveis. Esse registro, como já se viu, é faculdade de que dispõe o adquirente. Nunca obrigação. Muito menos pré-requisito para a execução” (fl. 84). Tal foi, por sinal, a interpretação atribuída a esta Corte aos referidos incisos legais. Quando do julgamento do REsp 96.841/SP, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, anotou: “Como se vê, tem sido decidido que o fato deter-minante da aplicação da multa é o descumprimento pelo incorporador, da sua

3 TJRJ, AC 2007.001.55326, 2ª C.Cív.

4 REsp 147.826/DF.

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obrigação de outorgar os contratos nos prazos fixados, sendo devida independen-temente do fato de o adquirente optar pelo adimplemento ou pela extinção do contrato. Trata-se de sanção relativamente grave que a lei impõe ao incorporador não porque tenha em vista a economia do contrato, no seu aspecto puramente patrimonial, mas atendendo ao interesse social na regularidade de empreendi-mentos dessa natureza”. Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.

Assim, verificamos que o consumidor pode e deve pedir a execução da multa, independente da opção pela resolução do contrato.

Neste sentido, trazemos à conferência os demais julgados, que servirão de fulcro para a brilhante decisão supramencionada:

Direito civil e processual civil. Recurso especial. Incorporação imobiliária. Mul-ta. Aplicação. CDC. Matéria jurídica não apreciada pelo Tribunal de origem. Indenização. Fatos e provas insuscetíveis de reexame. Não se conhece do recurso especial no tocante à matéria jurídica não apreciada pelo Tribunal de origem. Ao concluir o Tribunal Estadual pela ausência de culpa da incorporadora no atraso da entrega do imóvel, lastreou-se nos fatos e provas apresentados no processo, o que impede a modificação do julgado no particular em sede especial. O art. 32 da Lei nº 4.591/1964 dispõe que a incorporadora somente poderá negociar as unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de registro de imóveis, a respectiva incorporação. O descumprimento da obrigação que incum-be à incorporadora de proceder à outorga válida do contrato de compra e venda de fração ideal de terreno no prazo fixado em lei, impõe a aplicação da multa prevista no art. 35, § 5º, da Lei nº 4.591/1964. Precedentes. Recurso especial par-cialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 678498/PB, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 25.09.2006, DJ 09.10.2006, p. 286)

Incorporação. Atraso na celebração do contrato. Multa de 50% (art. 35, § 5º, da Lei nº 4.591/1964). Execução cabível. A multa prevista no art. 35, § 5º, da Lei nº 4.591/1964 decorre do descumprimento, pelo incorporador, da sua obriga-ção de outorgar ao adquirente o contrato no prazo legal, independentemente da averbação a que se refere o § 4º do mesmo preceito legal. Precedente. Recurso especial não conhecido. (REsp 147.826/DF, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, J. 02.12.2003, DJ 29.03.2004)

CONDOMÍNIO E INCORPORAÇÃO – APLICAÇÃO DOS ARTS. 32 E 35, § 5º, DA LEI Nº 4.591/1964 – 1. O incorporador só se acha habilitado a negociar unidades autônomas uma vez registrados os documentos previstos no art. 32 da Lei nº 4.591/1964, sendo suscetível de sofrer a multa do art. 35, § 5º, no caso de violação. 2. A qualificação jurídica do negócio realizado não empana a natureza da operação para afastar a aplicação da multa, desnecessária a assinatura de um contrato de promessa de compra e venda. 3. Quando a prova realizada nas ins-tâncias ordinárias deixa claro que o incorporador ofereceu para vendas as unida-des reservada ao autor, que já havia pago diversas parcelas do preço avençado, e, ainda, realizou o negócio em desconformidade com a legislação própria, não tem relevância a recusa de assinatura, pelo adquirente, da promessa de compra

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e venda. 4. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 58280/MG, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, J. 15.10.1996, DJ 16.12.1996, p. 50863)

CONDOMÍNIO E INCORPORAÇÃO (LEI Nº 4.591/1964) – OBRIGAÇÕES DO INCORPORADOR PARA COM O ADQUIRENTE – MULTA – 1. O incorporador só se acha habilitado a negociar sobre unidades autônomas uma vez registrados os documentos pertinentes (art. 32). A falta do registro, os contratos firmados com o adquirente deixam de ter validade, daí a correta incidência da multa prevista no § 5º do art. 35. 2. Uniformização da jurisprudência. Questão não prequestionada (Súmulas nºs 282 e 356/STF). 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 7119/SP, 3ª T., Rel. Min. Nilson Naves, J. 09.04.1991, DJ 20.05.1991, p. 6529)

Em sentido contrário, algumas decisões ainda fazem a ligação da aplica-ção da multa somente nos casos de extinção do contrato. No entanto, acredito que não seria a sua melhor interpretação da lei, que é expressa e ainda norteada pelos princípios da boa-fé objetiva e probidade contratual.

Complementando, no que tange ao patamar da referida multa, o Superior Tribunal de Justiça julgou que tal previsão legal será norteada pelas normas gerais que regulamentam a mora. Neste sentido os arestos a seguir ementados:

CIVIL – INCORPORAÇÃO – MULTA – A multa prevista no § 5º do art. 35 da Lei nº 4.591/1964 se sujeita às regras gerais sobre a mora, estatuídas no art. 955 e seguintes do Código Civil e este, em seu art. 924, permite ao julgador reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora ou de inadimplemen-to, quando se cumpriu em parte a obrigação. Considerando as peculiaridades da espécie em que, mais do que em parte, a obrigação foi cumprida por inteiro, a multa fica reduzida para 10% (dez por cento) do valor das parcelas pagas, fixados os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, já considerada a compensação pela sucumbência recíproca, e as custas deverão ser suportadas na proporção de 40% pelos autores e 60% pela ré. Recurso dos autores não conhecido. Recurso da ré parcialmente conhecido e nessa parte parcialmente provido. (REsp 200657/DF, 4ª T., Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, J. 03.08.1999, DJ 12.02.2001, p. 120)

Ainda de forma mais clara, no voto do supracitado acórdão, ponderou o ilustre Relator Ministro Cesar Asfor Rocha:

A regra retroindicada não impõe outra condição para aplicação da multa senão a só ocorrência do disposto no § 4º do reportado art. 35. E tal se deu, por isso mes-mo não há que ser feito qualquer questionamento para aplicá-lo. Mesmo assim, quanto ao seu percentual, pode ser estipulado com um certo temperamento, que dependerá das peculiaridades de cada caso concreto. [...] Sendo assim, a multa há de ser aplicada, mas seu percentual pode e deve ser ajustado a cada situação. E as peculiaridades da espécie impõem inquestionavelmente a aplicação da mul-ta, mas em baixo percentual, por isso que o reduzo a dez por cento das importân-cias pagas. Neste ponto, pois, conheço parcialmente do recurso.

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3 SOLIDARIEDADE DO INCORPORADOR E DO CONSTRUTORNão pairam dúvidas de que o incorporador e o construtor respondem

solidariamente pelos danos causados aos adquirentes das unidades pactuadas. Neste sentido, trazemos à baila o entendimento do Professor Sérgio Cavalieri Filho5:

Em nada altera esta conclusão o fato de ter sido a construção cometida ao cons-trutor. O incorporador continua responsável porque é o contratante. Responde também o construtor, porque é causador direto do dano, e tem responsabilidade legal, de ordem pública, de garantir a solidez e segurança da obra em benefício do seu dono e da incolumidade coletiva, conforme já demonstrado.

Desta forma, quando o incorporador celebra contrato de incorporação com o construtor, nada mais faz do que estender-lhe a sua obrigação, passando ambos a ser responsável pela construção. O incorporador, na realidade, está apenas se fazendo substituir pelo construtor.

Neste mesmo sentido ilustra Arnaldo Rizzardo:

Tanto que se impõe a responsabilidade solidária do dono da obra e do construtor, o mesmo acontece relativamente ao incorporador e ao construtor. O incorpora-dor figura como o contratante junto aos adquirentes das unidades, enquanto o construtor é considerado o causador direto do dano. No entanto, os adquirentes de unidade têm ação direta contra o incorporador, facultando-se-lhes via respon-sabilizando o construtor. Caso não acionado o último, e se vier atender a postu-lação, reserva-se-lhe o direito de regresso, a fim de reembolsar-se do montante pago.6

Estabelece ainda o art. 942 do CC/2002:

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos respondem solidariamente pela reparação.

In casu, incide ainda a previsão do art. 7º, parágrafo único, do CDC no mesmo sentido7.

Ainda no que tange à solidariedade, estabelece o art. 25 do CDC:

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 1º havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores. Sendo o

5 CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. cit., p. 357.

6 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 550.

7 “Art. 7º […]

Parágrafo único: Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstas nas normas de consumo.”

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dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.

Logo, o entendimento consolidado em sede doutrinária e jurisprudencial é no sentido de que há solidariedade do incorporador e do construtor no con-trato de incorporação imobiliária.

4 INCIDÊNCIA DO CDC NO CONTRATO DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIACediço que o adquirente pactuou um contrato de adesão e assume figura

de consumidor na relação jurídica formada, nos termos do art. 3º da lei consu-merista, que conceitua como fornecedor toda pessoa que desenvolve atividade, entre outras, de distribuição ou comercialização de produtos e serviços.

Assim, o foro eleito é o do domicílio do consumidor, nos termos do art. 101, I, do CDC. Portanto, restando comprovada a relação de consumo, são aplicáveis as regras previstas no CDC.

A jurisprudência já pacificou neste sentido:

AÇÃO ORDINÁRIA – RESCISÃO DE CONTRATO – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONSTRUTOR – RESPONSABILI-DADE OBJETIVA – DANO MORAL – INDENIZAÇÃO – FIXAÇÃO DO VALOR – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Ação ordinária de rescisão e indenização. Edifício Palace I. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Danos materiais e morais. Desconsideração da auto-nomia da personalidade jurídica. Procedência. O incorporador/construtor é um fornecedor de serviços à luz dos conceitos claros e objetivos constantes do art. 3º do CDC. Salta aos olhos, maxima venia, a ocorrência de fato gerador da rescisão do contrato de compra e venda, pois pública e notória a insegurança resultante do evento para todos os proprietários dos apartamentos que ficaram interditados por longos oito meses. O caos que se instalou na vida daqueles que acreditaram nas promessas da incorporadora é indescritível e, além da rescisão, óbvio que deve ela indenizar os prejuízos efetivamente causados. A responsabilidade da construtora, segunda ré, é objetiva como se vê no art. 12 do CDC e da primeira ré encontra amparo no art. 28 do mesmo Código, que acolheu a teoria da des-consideração da personalidade jurídica quando se trata de empresas coligadas, o que ocorre na hipótese em julgamento. O dano moral resulta da dor intensa, da frustração causada e da humilhação a que foi submetida a vítima. É certo que sua fixação deve levar em consideração a natureza de real reparação do abatimento psicológico causado, mas, por outro lado, não se pauta no enriquecimento inde-vido. O montante deve proporcionar uma compensação pelo desgosto, dor e tris-teza sofridos, ao mesmo tempo em que representa uma sanção ao infrator, além do desestímulo a outras infrações. Para seu arbitramento devem ser observadas as condições sociais e econômicas das partes envolvidas, sopesando o juiz, com bom senso, as circunstâncias da causa em exame. A fixação do ilustre Magistrado

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de primeiro grau não é razoável, merecendo, diante das circunstâncias, ser au-mentada para 500 (quinhentos) salários mínimos para cada um dos autores. Pro-vimento do primeiro recurso e improvimento do segundo. (Ap 1999.001.18191, 9ª C.Cív., Des. Paulo Cesar Salomão, J. 15.02.2000)

No que tange à incidência do CDC na presente demanda, resta nítido que, mesmo com a matéria regulada em lei específica, a lei consumerista in-tervém, quando favorável ao consumidor, sendo denominada, pela brilhante doutrinadora Claudia Lima Marques, como diálogo das fontes. E, neste sentido, aclara Arnaldo Rizzardo8:

Decorrendo a incorporação da atividade de fornecedor de produtos e serviços, exercida pelo incorporador, tem incidência o Código de Defesa do Consumidor. Ocorre que se opera a atividade de construção e venda das unidades imobiliá-rias, as quais se destinam para consumidores finais, que passam a usá-las para moradia ou para outro uso pessoal. Esta pois submetida ao âmbito do art. 3º da Lei nº 8.078 a incorporação, aplicando-se as regras sobre o fato do produto e do serviço (art. 12), e sobre os vícios ou defeitos na qualidade (arts. 18 e 20), não divergindo a disciplina sobre incidência das mesmas regras à atividade do dono da obra e do construtor.

Corroborando o entendimento, segue a posição do Desembargador Ser-gio Cavalieri Filho9:

Dessa forma, os institutos e contratos continuam regidos pelas normas e princí-pios que lhe são próprios, mas sempre que gerarem relações de consumo ficam também sujeitos à disciplina do Código do Consumidor. E é isso que ocorre tam-bém com a incorporação/construção.

Sobre o tema pacífico, o STJ já se posicionou favoravelmente:

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA – CONTRATO – CLÁUSULA ABUSIVA – O contrato de incorporação, no que tem de específico, é regido pela lei que lhe é própria (Lei nº 4.591/1964), mas sobre ele também incide o Código de Defesa do Consumidor, que introduziu no sistema civil princípios gerais que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o princípio da boa-fé objetiva [...]. (REsp 80.036, 4ª T., Min. Ruy Rosado)

Impende ressaltar que uma das causas tuteladas pelo CDC é o prazo imprevisto para a entrega da coisa, como ensina o ilustre Desembargador e Professor Sérgio Cavalieri Filho10:

Em face dessa nova concepção contratual, são reputadas abusivas, entre outras, cláusulas que estabelecem reajustes aleatórios nos contratos de compra e venda de imóveis, ou com base em índices a serem escolhidos pelo incorporador, pra-

8 RIZZARDO, Arnaldo. Ob. cit., p. 551.

9 CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. cit., p. 359.

10 Idem, p. 361.

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zo impreciso para a entrega da obra ou a sua prorrogação injustificável; a perda total das prestações pagas em favor do credor que, em razão do inadimplemento do consumidor, pleitear rescisão do contrato e a retomada do imóvel (Código de Defesa do Consumidor, art. 53).

Devemos observar, ainda, todos os deveres atinentes à contratação leal, respeitando a função social do contrato, a boa-fé objetiva, bem como todos os deveres decorrentes do CDC expressos no art. 6º, como, por exemplo, o dever da informação, o dever de redação clara, proteção contra publicidade engano-sa, entre outros estipulados no mencionado artigo.

Nesse diapasão, encontramos algumas cláusulas abusivas no contrato de adesão, que ferem direitos básicos do consumidor, expressos nos arts. 39, V, X, XI, XII, e 51 e 53 do CDC.

Eis algumas decisões em defesa do consumidor por cláusulas abusivas diversas:

Incorporação imobiliária [...] em um diálogo entre fontes com as demais nor-mas pertinentes. Preliminar de existência de cláusula que impõe a utilização de arbitragem, afastada por violar o art. 51, VII, do CDC. Precedentes do col. STJ. Aplicação da teoria da base objetiva, que não exige que os fatos supervenien-tes sejam extraordinários e imprevisíveis, mas, tão-somente, a configuração da onerosidade excessiva, tal como prevista no art. 6º, V, do CDC, e demonstra-da na espécie. Cláusula limitadora da maior parte da restituição que se afigura, igualmente, abusiva (art. 51, II e IV, do CDC), devendo ser restituído o respec-tivo percentual determinado na sentença, reduzindo-se equitativamente a cláu-sula penal compensatória, na forma do art. 413 do Código Civil de 2002 [...]. (Ap 2009.001.06634, 16ª C.Cív.Ord., Des. Mauro Dickstein, J. 31.03.2009)

Como bem asseverado na sentença esgrimida, verificamos a previsão contratual de arbitragem, em ofensa direta ao art. 51, VII, do CDC, devendo ser considerada nula.

Temos ainda a “a clausula unilateral que garante vantagem somente para o fornecedor”, onde não equilibra a relação jurídica e enfraquece ainda mais a posição contratual do consumidor11.

Verificamos também a cláusula que estipula que a devolução das parce-las somente ocorrerá após a venda do imóvel. A mencionada cláusula é abusiva devido à situação de desigualdade que deixa o consumidor e, caso a obra não seja concluída nunca, ficará o consumidor sem receber o valor devido12.

11 Ementário, 23/2004, n. 10, 02.09.2004, Ap 2003.001.11498, 9ª C.Cív., Des. Maldonado de Carvalho, J. 25.11.2003.

12 Ap 2000.001.19407, 2ª C.Cív., Des. Sergio Cavalieri Filho, J. 20.03.2001.

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A cláusula penal que estipula valor irrisório é também considerada abusi-va, tendo em vista que o valor deve compensar os danos acarretados ao adqui-rente e por vedar o princípio constitucional da plena indenização13.

Portanto, uma obra que não estipula um prazo para entrega da obra, um prazo elevado e não razoável de atraso na obra injustificadamente, as cláusu-las de decaimento, os reajustes aleatórios nos contratos de compra e venda de imóveis ou com base em índices a serem escolhidos pelo incorporador, entre outras, são cláusulas que não podem ser regidas pela autonomia de vontade, pois estaria indo contra a própria razão de existir de um código consumerista.

Cristiano Heineck Schmitt14, em sua obra Cláusulas abusivas nas relações de consumo, traz as formas de controle das cláusulas abusivas, em que, de for-ma mais concisa, tentaremos demonstrá-las:

“O controle concreto”15 ocorre quando a relação de consumo já foi con-cluída.

O “controle interno”16 é o caso do art. 46 do CDC, no qual o consumidor terá meios de exercer tal controle. Já o “controle externo” é o exercido pelos órgãos administrativos e judiciais.

O “controle antecipado”17 é, como o nome já diz, prévio, e, de acordo com o referido autor, exercido, em sua maioria, na via administrativa e nos con-tratos de adesão, “responsáveis pelo exame prévio, com aprovação, ou não, das condições gerais dos negócios pré-confeccionadas pelos fornecedores”.

Para o autor, esta forma de controle é mais comum nos contratos de ade-são diante da leitura do art. 54 do CDC. Enquanto o “controle posterior18” seria as sanções do art. 56 do CDC.

Já o “controle legislativo19 poderá adquirir feição formal, no caso do art. 46, bem como na sua forma material, exemplo do art. 51”.

O “controle judicial”20, admitindo algumas previsões favoráveis ao con-sumidor, como a inversão do ônus da prova e a desconsideração da personali-dade jurídica.

13 Ap 2002.001.15522, 2ª C.Cív., Des. Sergio Cavalieri Filho, J. 11.09.2002.

14 Cláusulas abusivas nas relações de consumo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 158.

15 Idem, p. 159.

16 Idem, p. 160.

17 Idem, ibidem.

18 Idem, p. 162.

19 Idem, ibidem.

20 Idem, ibidem.

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Por fim, o “controle administrativo21 está na instauração do inquérito civil.

No que tange à segurança da obra, os arts. 12 e 14 do CDC regulam a matéria decorrente do defeito do produto ou do serviço e, desta forma, o defeito na obra está na seara da responsabilidade objetiva, devendo o fornecedor pro-var por sua conta própria que o defeito não existiu22.

Sobreleva acentuar que a responsabilidade pela qualidade da obra englo-ba os materiais de baixa qualidade e a má técnica utilizada, e os arts. 18 e 20 do CDC cuidam do vício do produto ou do serviço.

Aqui, temos que observar que os prejuízos decorrentes da má qualidade de serviço e de materiais não compensam com a contraprestação realizada pe-los adquirentes.

Deve atender ainda a um prazo normal e razoável com as características do produto; portanto, se o defeito aparecer após o prazo de 5 anos, consoante art. 27 do CDC, sendo um defeito decorrente da obra, o fornecedor será obri-gado a reparar o dano.

A responsabilidade do construtor não termina com a entrega da obra. Temos a responsabilidade pela segurança e qualidade da obra, com previsão no art. 618 do CC/2002, c/c os arts. 12, § 3º, e 14 do CDC.

O mencionado prazo só começa a fluir a partir da ocorrência do acidente de consumo, nada importando que esse acidente tenha ocorrido durante ou depois dos 5 anos. Nas palavras do Professor Sergio Cavalieri Filho23:

Em outras palavras, o prazo de garantia ou de segurança pelo código do consumi-dor não é mais de apenas cinco anos, mas sim por todo o período de durabilidade razoável da obra. A qualquer tempo em que o acidente ocorrer responde o incor-porador/construtor, só afastando a sua responsabilidade se provar que a obra não tinha defeito, ou seja, que o acidente decorreu do tempo e do desgaste natural da obra por falta de conservação. O defeito do produto deverá ser examinado tendo em vista o temo decorrido entre o momento em que foi colocado no mercado e a ocorrência do dano.

No tocante à qualidade da obra, esta pode parecer perfeita no momento da entrega da unidade, no entanto, vícios ocultos acarretados de baixa qualida-de dos materiais empregados e/ou a má técnica utilizada podem acarretar danos posteriores, como rachaduras, infiltrações, vazamentos, problemas hidráulicos. Saliente-se que esses vícios podem não comprometer a segurança da obra, po-rém lhe diminui o valor e sua utilidade.

21 Idem, p. 163.

22 Art. 12, § 3º, do CDC.

23 CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. cit., p. 363.

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Essa responsabilidade pelo vício do produto ou serviço decorre da falta de conformidade com a qualidade da coisa ou do serviço com sua perspectiva de durabilidade e utilidade.

5 DA INVERSÃO DO ONUS PROBANDI – ARTIGO 6º, VIII, DA LEI Nº 8.078/1990Cediço que o consumidor, pessoa natural, não se encontra no mesmo

plano de igualdade com o incorporador/construtor, até porque não dispõe de acesso às informações internas, sendo, portanto, hipossuficiente. Em sendo as-sim, poderá solicitar a inversão do ônus da prova, tendo preenchidos os seguin-tes requisitos:

• Verossimilhançadasalegaçõesdoconsumidor(aalegaçãodoautoré verossímil, visto que trouxe provas irrefutáveis);

• Hipossuficiência técnica (falta de conhecimento técnico, especí­fico).

Vejamos a posição da melhor doutrina:

Neste enfoque, a Lei nº 8.078/1990 prevê a facilitação da defesa do consumidor através da inversão do ônus da prova, adequando-se à universalidade de jurisdi-ção, na medida em que o modelo tradicional mostrou-se inadequado às socieda-des de massa, obstando o acesso à ordem jurídica efetiva e justa.24

O entendimento pretoriano entende no mesmo diapasão (inclusive de-terminando a prevalência do art. 6º, VIII, sobre a regra do art. 333, I, do CPC), in verbis:

PROVA – ÔNUS – INVERSÃO – ADMISSIBILIDADE – EXISTÊNCIA DE VEROS-SIMILHANÇA NAS ALEGAÇÕES DO AUTOR – PROVAS DO ADIMPLEMENTO NÃO APRESENTADAS PELA REQUERIDA – Inaplicabilidade do art. 333, I, do Código de Processo Civil, face à prevalência do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, por ser norma específica. Recurso não provido (aplica-se a regra da inversão do ônus da prova, visto que há verossimilhança nas alegações do au-tor). (TJSP, AC 240.757-2, Presidente Prudente, 9ª C.Cív., Rel. Debatin Cardoso, v.u., 22.09.1994)

INDENIZAÇÃO – PROVA – ÔNUS – INVERSÃO – CABIMENTO – COMPRO-VAÇÃO DO ADIMPLEMENTO NÃO APRESENTADA PELA RÉ – Inaplicabilidade do art. 333, I, do Código de Defesa do Consumidor, como norma específica. Recurso não provido. (TJSP, AC 268.090-2, Marília, 16ª C.Cív., Rel. Soares Lima, v.u., 14.11.1995)

24 Código de defesa do consumidor – Comentado pelos autores do anteprojeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 119.

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Assim, há a possibilidade de inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/1990.

6 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO INCORPORADOR E CONSTRUTOR DE UNIDADESElucida Arnaldo Rizzardo25:

Não se executando a obra de acordo com as revisões contratuais, ou insatisfato-riamente, arca com a obrigação de indenizar, ou refazer a obra, por imposição dos dispositivos acima indicados, reservando-se lhe os prazos para o exercício do direito ou para remover a pretensão que lhe é assegurada.

Inobstante a regulamentação específica da matéria, diante do já demons-trado “diálogo das fontes” da escritora Claudia Lima Marques, a responsabilida-de em pauta terá a incidência do CDC e, consequentemente, a responsabilidade será objetiva, sendo, portanto, suficiente a demonstração do dano efetivo supor-tado pelo autor e o nexo causal.

Direito do consumidor. Promessa de compra e venda de unidade imobiliária residencial em construção. Restituição do valor pago, devido ao inadimplemento da obrigação de entrega da coisa. Cabimento. Devolução de valor proporcional. As atividades do incorporador e do construtor, voltadas para a construção de imóveis residenciais, configura relação de consumo, com a solidária responsabi-lidade objetiva dos mesmos pelos danos causados ao promitente comprador. Ao assumir os direitos e obrigações da empresa sob o regime de liquidação extraju-dicial, a sucessora, que já atuava no setor, sabia bem do sistema de exigências para a retomada do empreendimento, seja no âmbito da municipalidade seja no âmbito do agente financeiro, com o que a circunstância não ampara a identifica-ção da força maior. A sucessora, ao assumir a obrigação de concluir o empreen-dimento, tornou-se responsável pelos prejuízos causados pelo atraso na entrega da obra causado pela empresa sucedida (STJ, REsp 260731/RJ, 3ª Turma, Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Proporcionalidade na fixação da retenção de 30%. Teoria da causalidade adequada. Desprovimento dos recursos, mantendo--se a sentença. (Ap 2007.001.67456, 6ª C.Cív., Des. Nagib Slaibi, J. 19.03.2008)

Direito do consumidor. Promessa de compra e venda de unidade imobiliária residencial em construção. Pedido indenizatório com resolução contratual pelo inadimplemento da obrigação de entrega da coisa. Denunciação da lide preten-dida pela promitente vendedora à construtora ora em estado falimentar. Descabi-mento. As atividades do incorporador e do construtor, voltadas para a construção de imóveis residenciais, configura relação de consumo, com a solidária respon-sabilidade objetiva dos mesmos pelos danos causados ao promitente comprador. Pedido de antecipação da tutela. Impossibilidade. Coisa julgada. Ausência dos requisitos. Desprovimento do agravo. (AI 2007.002.02966, 6ª C.Cív., Des. Nagib Slaibi, J. 28.03.2007)

25 RIZZARDO, Arnaldo. Ob. cit., p. 550.

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Assim, a falha no contrato de incorporação é fato do produto ou do servi-ço, nos termos do art. 12 do CDC, sendo regida pela responsabilidade objetiva e demonstrados os danos que o adquirente vem sofrendo, bem como o nexo causal, impõe-se a necessidade da reparação civil.

Logo, diante da mora do incorporador em entregar a unidade ao adqui-rente, deve o mesmo ser indenizado por qualquer prejuízo advindo desta mora.

Neste sentido, trazemos à baila o entendimento jurisprudencial do Tribu-nal de Justiça do Rio de Janeiro:

Apelação cível. Civil. Consumidor. Contratos. Promessa de compra e venda de bem imóvel. Rescisão de contrato c/c indenização por danos materiais. Atraso na entrega da obra em mais de sete anos. Inexecução do pacto. Mora contratual. Devolução de prestações. Lucros cessantes. Promessa de compra e venda de bem imóvel celebrado em 12/2004. Prazo de entrega do bem em fev. 1998. Pagamen-to das prestações até mar. 1998. Cláusula contratual prevendo a prorrogação do prazo de entrega até 180 dias. Suspensão do pagamento. Efetiva entrega da obra mais de sete anos após o prazo contratual previsto. Alegação de caso fortuito e falta de recursos pela suspensão dos pagamentos pelos promitentes compradores, como excludente de responsabilidade pelo atraso na entrega da obra. Sentença de procedência parcial do pedido, determinando a devolução de todos os valores pagos pela autora, mais um percentual fixado a título de lucros cessantes a partir da data prevista para entrega do imóvel. Apelação. Alegação de (i) inexistência de infração contratual ante a mora anterior da autora, e (ii) ausência de prova quanto aos alegados lucros cessantes. Demanda oriunda de promessa de compra e venda celebrada com grupo econômico que, à exemplo de inúmeras outras, pretende a rescisão ou execução completa do pacto em função de atraso de qua-se uma década na entrega do bem objeto do contrato. Mora contratual confessa pela construtora/incorporadora e que se consubstancia em fato público e notório em função da enxurrada de ações com base no negócio jurídico celebrado, sen-do, inclusive, objeto de ação coletiva. Fortuito interno atribuível somente a parte contratual responsável pela execução da obra. Entendimento consagrado no STJ, segundo o qual o promitente comprador tem direito a perceber, a título de lucros cessantes, valor relativo a alugueres desde a data prevista para a entrega do imó-vel. Manutenção da sentença. Pretensão recursal manifestamente improcedente e contrária ao entendimento já fixado pela Corte quanto à matéria. Negativa de seguimento ao apelo. (Ap 2008.001.04181, 8ª C.Cív., Des. Orlando Secco, J. 25.02.2008)

Rescisão de contrato aquisitivo de apartamento. [...] Cabimento da reparação do dano material consistente no valor do aluguel de imóvel correspondente ao prazo entre a data contratada para a entrega do imóvel e a data da rescisão do contrato. [...]. (Apelação Cível nº 2006.001.15044)

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA – DESCUMPRIMENTO DO PRAZO CONVENCIONADO PARA A ENTREGA DA OBRA POR PARTE DA PROMITENTE VENDEDORA – RESCISÃO DO CONTRATO – DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PAGAS E INDENIZAÇÃO

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POR PERDAS E DANOS – CABIMENTO – ÍNDICES DE REAJUSTE MONETÁ-RIO E JUROS DE MORA PREVISTOS NO CONTRATO – LEGALIDADE

O risco empresarial é inerente à atividade de incorporação e construção civil ante os fatores aleatórios e imprevisíveis, sendo da exclusiva responsabilidade da empresa promitente vendedora a sua ocorrência que afeta o empreendi-mento imobiliário. Portanto, demonstrada a responsabilidade exclusiva da ré pelo não cumprimento da obrigação, afigura-se como medida justa e inteira-mente compatível com as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor a decisão que decreta a rescisão do contrato e a devolução integral das parcelas pagas elo promitente comprador e a indenização por perdas e danos emer-gentes, compreendendo estes últimos, no caso, os alugueres virtuais devidos a partir da data final convencionada para a entrega das chaves, até as resti-tuições das quantias pagas pelo promitente comprador. (Ap 2003.001.11598, 17ª C.Cív., Rel. Des. José Geraldo Antônio, J. 11.06.2003)

1. Incorporação imobiliária. Atraso na entrega da obra. Indenização. Con-signação em pagamento. Sentença de parcial procedência. 2. Abusividade da cláusula contratual que prevê multa pelo atraso na obra, em valor des-proporcional às penalidades impostas ao consumidor. Majoração, a fim de se adequar ao efetivo prejuízo suportado pelos autores, equiparável ao valor do aluguel de imóvel semelhante. 3. Dano moral configurado. Indenização fixada por ano de atraso na entrega do imóvel, mas cujo valor deve ser desde logo consolidado, pois não pode se transformar em nova multa. 4. Em se tratando de pedido consignatório, com efeito liberatório, o levantamento dos valores pelo credor é consequência lógica do decreto de procedência. Para obstá-lo devem ser buscadas as vias próprias. 5. Sucumbência da ré quase total. Não incidência do art. 21 do CPC. 6. Provimento parcial do recurso. (Ap 2009.001.08614, 4ª C.Cív., Des. Paulo Mauricio Pereira, J. 07.04.2009)

Ação de conhecimento objetivando a revisão de contrato de promessa de cessão de direitos de imóvel em construção com pedido cumulado de inde-nização por danos material e moral, fundada no inadimplemento da promi-tente-vendedora que não concluiu a obra no prazo estipulado. Sentença que determinou a entrega do imóvel acabado e com habite-se, no prazo de até noventa dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00, vedou a cobrança de juros moratórios sobre o saldo devedor da autora e condenou a ré ao paga-mento de indenização por dano moral, e de lucros cessantes equivalentes ao valor locatício do imóvel, a serem apurados em liquidação de sentença, além dos ônus da sucumbência. Apelação da ré. Agravo retido contra decisão que deferiu a inversão do ônus da prova em favor da apelada. Inversão do ônus da prova que constitui direito básico do consumidor. Inteligência do art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/1990. Rejeição do agravo retido. Relação de consumo. Responsabilidade objetiva. Dificuldades financeiras decorrentes da inadimplência de terceiros e de promitentes compradores que não ca-racterizam motivo de força maior a afastar a responsabilidade da ré, por se tratar de fato previsível e inerente à sua atividade. Atraso injustificado na entrega do bem. Falha na prestação do serviço. Responsabilidade da ré pela entrega do imóvel pronto e acabado, assumida no contrato celebrado entre as partes. Cláusula penal abusiva se consideradas as penalidades impostas ao

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comprador no caso de inadimplência, revelando sua natureza tão-somente moratória. Indenização a título de lucros cessantes equivalente ao valor lo-catício do imóvel que é devida, tanto mais que a autora vem arcando com despesas de aluguel para sua moradia. Dano moral configurado. Quantum da reparação fixado em R$ 10.000,00, montante compatível com a repercus-são dos fatos narrados nos autos, observados critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Ônus da sucumbência corretamente imposto à ré por ter a autora decaído de menor porção do pedido. Desprovimento da apelação. (Ap 2007.001.18880, 8ª C.Cív., Desª Ana Maria Oliveira, J. 19.06.2007)

AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL AIN-DA NA PLANTA – Atraso injustificado do réu na conclusão da obra, ense-jando reparação por perdas e danos em valor acima do previsto na cláusula contratual que, abusiva, trouxe desequilíbrio à relação de consumo. Fixação da multa mensal em aproximadamente 0,5% do valor do imóvel na época da avença, refletindo montante médio de aluguel cobrado no mercado, corrigi-dos até a data em que eram devidos, a partir da qual incidirão também juros. Aplicabilidade plena do índice INCC e de juros simples às prestações nego-ciais, eis que previstos no instrumento, não se mostrando eles excessivamente onerosos ou geradores de vantagem indevida. Inexistência de dano moral indenizável pelo mero inadimplemento contratual. Súmula nº 75 do TJERJ. Dedução do valor já depositado em juízo da quantia aferida pelos cálculos do juízo. Sentença que se reforma. (Ap 2006.001.12252, 1ª C.Cív., Desª Maria Augusta Vaz, J. 23.05.2006)

Inobstante a responsabilidade objetiva do Código do Consumidor e os seus requisitos já demonstrados, são os requisitos da responsabilidade con-tratual:

a) Existência de um contrato válido;

b) Inexecução do contrato: inexecução que se manifesta diante da mora do contrato;

c) Dano e nexo causal.

Estamos diante da violação de um dever primário estabelecido no contra-to e que gera para o prejudicado o dever de ser ressarcido pelas perdas e pelos danos sofridos.

Frise-se que, sendo um contrato de relação consumerista, basta o consu-midor preencher os requisitos da Lei nº 8.078/1990 para ter os seus prejuízos reparados.

Estabelece, ainda, o art. 389: “Não cumprida a obrigação, responde o de-vedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.

Sabemos que o Código Civil estabelece, em seu art. 475, que: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir

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exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

No tocante à ocorrência de caso fortuito ou força maior, muitos incorpo-radores e construtores tentam se eximir da responsabilidade civil, alegando os tais institutos por diversos fatores que, na maioria das vezes, não configura nem um caso nem outro. Tais argumentos são sempre os mesmos; assim, elencare-mos alguns a título de demonstração.

Alguns costumam alegar que o atraso no pagamento por parte dos demais promitentes cessionários é caso de força maior, que excluía responsabilidade pelo atraso da obra e parecem esquecer a teoria que norteia tal relação; a “teo-ria do empreendimento” que não pode ser transferido aos demais adquirentes26.

Outro argumento muito utilizado é o fato de a construtora não ter obtido financiamento para continuar a obra, o que também não caracteriza força maior e deve ensejar a aplicação do art. 14 do CDC27.

Há também os que alegam o boom imprevisível do mercado da constru-ção civil e a consequente escassez de mão de obra, bem como o material e os equipamentos de construção civil.

O que verificamos é que os incorporadores alegam a escassez de mão de obra, mas não param de lançar empreendimentos no dito período crítico.

Basta observar que, se os incorporadores realmente estivessem com es-cassez de material e mão de obra, não poderiam lançar tantos empreendimen-tos de prazos certos e determinados neste período do boom, sabendo da sua impossibilidade no cumprimento da obrigação.

Portanto, seria ao menos dúbio alegar um fato para se excluir de indeni-zar os danos causados e outrora continuar exercendo a atividade com a mesma presteza de sempre.

Assim, não há que se falar em exclusão de responsabilidade civil advindo do boom na construção civil, exceto em casos que sejam efetivamente compro-vados, devendo o incorporador/construtor reparar os danos causados aos ad-quirentes, tendo em vista que o alegado é, em muitas das vezes, contraditório.

7 DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NO CASO DE MORA DO INCORPORADOR/CONSTRUTOR NA ENTREGA DA OBRA – ARTIGO 273, I, DO CPC

Diante da mora na entrega do imóvel, podemos verificar, em quase todos os casos, que os adquirentes que residem de aluguel fazem um planejamento

26 Ap 2009.001.05222, 10ª C.Cív., Des. Celso Peres, J. 04.03.2009.

27 Ap 2008.001.34067, 8ª C.Cív., Des. Mauro Nicolau Junior, J. 29.07.2008.

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mensal para poder arcar com as prestações do empreendimento e do aluguel, simultaneamente, por um período certo e determinado.

No entanto, tendo a obra extrapolado o prazo, inclusive da previsão con-tratual, que prevê um período geralmente de 180 ou 90 dias, deve o incorpora-dor/construtor arcar com os alugueis dos adquirentes no valor de um aluguel no mesmo patamar do imóvel adquirido.

Cabe frisar que este lapso previsto contratualmente deve ser razoável e não pode caracterizar forma de excluir a responsabilidade no caso da mora, sendo muito extenso. Assim, o prazo mais comum é o de 180 ou 90 dias, sendo que, se um incorporador estipula um prazo de 360 dias ou 400 dias, está ob-viamente desproporcional ao objeto do contrato, bem como está sendo desleal com a outra parte contratante, tentando mascarar a possibilidade de uma futura reparação de danos decorrentes desta mora.

Diante do quadro em comento, alguns adquirentes acabam arcando com a manutenção de dois imóveis por um tempo não programado, o que poderá causar danos na vida financeira do mesmo.

Estando o adquirente nesta situação, com dificuldades em arcar com os gastos de dois imóveis devido ao comprometimento do orçamento, tendo em vista que este adquirente acreditava já estar residindo no apartamento adquirido e estar livre de pagar aluguel, deve exigir do incorporador que arque com as custas do aluguel até que seja entregue a unidade adquirida.

No que tange à concessão da tutela, adverte o processualista Luiz Guilherme Marinoni28, na obra Manual do processo de conhecimento (5. ed. Revista dos Tribunais, p. 203):

A tutela antecipatória pode ser concedida no curso do processo de conhecimen-to, constituindo verdadeira arma contra os males que podem ser acarretados pelo tempo do processo, sendo viável não apenas para evitar um dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I, do CPC), mas também para que o tempo do processo seja distribuído entre as partes litigantes na proporção da evidência do direito do autor e da fragilidade da defesa do réu (art. 273, II e § 6º, do CPC).

No presente caso em pauta, são requisitos para a concessão da medida:

• Prova inequívocadaverossimilhançadasalegações: devendo ser demonstrada claramente com a documentação (contrato de aquisi-ção de unidade imobiliária, escritura de compra e venda, contrato de aluguel, extratos bancários, etc.) demonstrando a mora do incor-porador/construtor na entrega da unidade pactuada.

• Fundadoreceiodedanoirreparáveloudedifícilreparação: tendo em vista que o adquirente está arcando com a manutenção de dois

28 Manual do processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 203.

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imóveis, o que não estaria ocorrendo caso a obra estivesse sido en-tregue, demonstrando que a situação está causando abalo financei-ro na vida do adquirente ou outro dano advindo da relação jurídica.

Ainda recentemente, o Desembargador Marcus Faver, em lapidar acór-dão derivado do Processo nº 2000.002.00050, decidindo idêntica questão, en-fatizou a necessidade da concessão da tutela para o pagamento do aluguel até que seja entregue o imóvel, in verbis:

PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO EM CONSTRUÇÃO – ATRASO NA ENTREGA DA OBRA – TUTELA ANTECIPADA – LOCAÇÃO DE IMÓVEL – ALUGUEL – OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO – AGRAVO DE INSTRU-MENTO – TUTELA ANTECIPADA – AÇÃO DE NATUREZA CONDENATÓRIA – EMPRESA DE CONSTRUÇÃO IMOBILIÁRIA – CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO, COM OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DA UNIDADE ATÉ MAIO DE 1999 – NÃO CUMPRIMENTO – Antecipação do pedido para compelir a construtora a pagar o aluguel do adquirente até a entrega do imóvel. Pressupostos da medida evidenciadas. Verossimilhança das alegações evidenciadas por prova inequívoca. Dano de difícil reparação. É patente o receio de dano de difícil. Evidenciando-se que o autor encontrava-se na iminência de não ter condições de cumprir com a dupla obrigação: o pagamento dos alugue-res e o da prestação do imóvel prometido. Decisão correta. Recurso desprovido. (AI 2000.002.00050, 5ª C.Cív., Des. Marcus Faver, J. 15.02.2000)

PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO EM CONSTRUÇÃO – ATRASO NA ENTREGA DA OBRA – TUTELA ANTECIPADA – LOCAÇÃO DE IMÓVEL – ALUGUEL – OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO – AGRAVO DE INS-TRUMENTO – DIREITO CIVIL – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – TUTELA ANTECIPADA – Se o promitente comprador pagou as prestações do preço e o imóvel não lhe foi entregue pelo compromissário vendedor, já vencido o prazo ajustado entre as partes, cabe a tutela antecipada para determinar que a construtora antecipe o pagamento de um montante mensal correspondente a 1% (um por cento) do valor do imóvel, estabelecido na escritura de modo a ensejar possa o autor arcar com as despesas relativas ao aluguel de um imóvel em idên-ticas condições. Provimento parcial do recurso. (AI 2000.002.04768, 14ª C.Cív., Desª Maria Henriqueta Lobo, J. 27.06.2000)

No tocante ao requisito da reversibilidade da antecipação da tutela, o mesmo está presente no próprio direito à aquisição do imóvel do adquirente.

Assim, deverá o adquirente solicitar a tutela no sentido de condenar o incorporador/construtor a efetuar o pagamento do aluguel no patamar de 0,5 ou 1% do imóvel adquirido, sob pena de multa a ser fixada pelo juízo para o efetivo cumprimento da decisão judicial.

Dessa forma, evitar-se-á a ocorrência de mais danos de difícil reparação ou irreparáveis na vida financeira dos adquirentes.

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Não é demais lembrar que, diante de uma decisão interlocutória de tutela antecipada, é cabível o recurso de agravo de instrumento diante da urgência da demanda.

8 O DANO MORAL DECORRENTE DESTA RELAÇÃOPor derradeiro, deve ser analisado o dano moral decorrente do inadim-

plemento contratual e as suas consequências no plano subjetivo de cada indi-víduo.

Nesse ínterim, verifica-se que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro lan-çou o Enunciado nº 75, in verbis: “O simples descumprimento de dever legal, ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não confi-gura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte”.

Brilhantemente, o Desembargador Carlos Eduardo Passos29 aduz que tal premissa “não poderia ser aceita em termos absolutos e inflexíveis, sob pena de graves injustiças”.

Aduz ainda que “nem todo inadimplemento contratual não causa con-seqüências de menor importância” e “nem por isso o Código do Consumidor excluiu a presença do dano moral (art. 6º, inciso VI, da Lei nº 8.078/1990)”.

Conclui ainda: “As regras de experiência (art. 335 do CPC) mostram os desmandos e os descasos com que são tratados os consumidores [...]”.

Acredito que, diante da constitucionalização do direito civil, publiciza-ção ou ainda despatrimonialização, os direitos da pessoa humana tornaram-se ainda mais fortes.

Por este instituto, devemos interpretar o direito civil concomitantemente com os preceitos constitucionais. E, desta forma, não há como se excluir o dano moral ocorrido, diante do enunciado mencionado, pelo simples fato de que tal dano é decorrente de inadimplemento contratual.

Deve haver uma releitura das normas do direito civil, que regem as rela-ções jurídicas, e conceder maior aplicação constitucional a estas relações.

Diante da previsão constitucional de que o dano moral é indenizável, no art. 5º e seu inciso X da CRFB/1988 veremos que tal direito se sobrepõe ao direito de que no inadimplemento contratual não há dano moral.

É claro que se trata de descumprimento contratual, e a súmula tem inci-dência sobre as relações jurídicas; no entanto, as normas que regulam o dano moral também incidem sobre os adquirentes de boa-fé que realmente sofreram

29 AC 2003.001.12499.

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danos imateriais com o inadimplemento do incorporador, sendo preciso obser-var os parâmetros a conceder tal reparação.

Sendo o dano moral in re ipsa; logo, não há que fazer prova, estando provado, por si só, pelo simples ocorrido.

Ultrapassado este obstáculo, veremos que outro obstáculo é quando os julgadores entendem que o dano moral pode ocorrer no inadimplemento con-tratual; no entanto, o atraso na entrega da unidade, de um ou dois ou cinco anos, não passou de “mero dissabor”.

Não há como olvidar que os adquirentes, na grande maioria dos casos, dispensaram esforços financeiros durante anos e, no final destes intermináveis anos, somente amargaram a resolução do contrato pelo seu descumprimento.

Como aceitar que o descumprimento do contrato de incorporação seja apenas um mero dissabor? Poderia ser um mero dissabor no caso de pessoas com altíssimo padrão aquisitivo, no qual aquele empreendimento seria apenas mais um em sua vida, que logo seria substituído por outro, sem ao menos ter sido visitado pelo adquirente investidor, vez que, em muitos casos, a aquisição de um imóvel na planta é uma forma de investimento.

Não pode ser considerado mero dissabor para uma família que junta economias durante anos e, após todo o esforço empenhado, se vê diante de um acontecimento que desestabiliza toda a família e, em muitos casos, traz, sim, um enorme abalo psíquico no indivíduo, brigas e estresses familiares.

Não defendo que a indenização do dano moral seja aplicado em qual-quer caso de inadimplemento decorrente de um contrato de incorporação imo-biliária, sem observar as regras atinentes à concessão; defendo que seja aplica-do nos casos em que houve um dano psíquico, sendo que um atraso, uma mora deste plano, em sua grande maioria, depreende-se um dano não apenas coti-diano, como se depreende do acórdão em Apelação Cível nº 2008.001.28677:

Ação cominatória cumulada com indenizatória por danos materiais e morais. In-corporação imobiliária. Atraso na entrega de unidade autônoma. Construção ina-cabada. Sentença julgando parcialmente procedente os pedidos. Inconformismo da ré. Entendimento desta relatora quanto à manutenção da sentença guerreada. Relação de consumo. Demora injustificada na entrega de unidade imobiliária. Teoria do risco do empreendimento. A parte ré deve assumir os riscos de sua atividade, respondendo pelos danos ocasionados ao autor. Inexistência de pre-visão para entrega da unidade imobiliária. No caso em exame, decorridos mais de 6 anos para entrega do imóvel adquirido pela parte autora, as obras sequer estão concluídas. [...] Notório que a situação em exame ultrapassa em muito os meros aborrecimentos do dia a dia, não podendo ser considerada como simples inadimplemento contratual. Dano moral passível de compensação. Quantum compensatório adequadamente fixado pelo Juízo a quo em R$ 20.000 (vinte mil reais), pois em consonância com os princípios da razoabilidade e proporciona-

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lidade. Conhecimento do recurso e desprovimento do apelo. (20ª C.Cív., Desª Conceição Mousnier, J. 19.11.2008)

Não seria plausível que fosse necessário um dano incomensurável a gerar o dano moral, como o caso da falência da maior incorporadora e construtora do Brasil, a Encol/S.A., na década de 1990, que abalou a vida de mais de 40.000 famílias.

Acredito fielmente que uma família que juntou, durante anos, economias para adquirir uma casa própria e, após anos aguardando a data prevista para a conclusão da obra, tenha que esperar ainda a mora contratual prevista e, ain-da assim, mais alguns anos pela inexecução do incorporador/construtor, tenha sentido um mero dissabor. A propósito, veja-se a jurisprudência que corrobora tal aclaramento:

APELAÇÃO CÍVEL – RELAÇÃO DE CONSUMO – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – ATRASO NA ENTREGA DA OBRA EM MAIS DE OITO ANOS – DANO MORAL CONFIGURADO – A longa demora para a en-trega do imóvel é fato que não pode ser considerado mero aborrecimento, já que provoca frustração e abalo psicológico naquele que está na expectativa pelo recebimento da casa própria. Valor condenatório adequadamente fixado. Lucros cessantes não reconhecidos, já que os autores deixaram de contribuir para o pagamento das parcelas do financiamento, em março de 2003. Recurso parcial-mente provido. (Ap 2008.001.50095, 20ª C.Cív., Desª Odete Knaack de Souza, J. 08.10.2008)

Impende asseverar que a falta de respeito no trato dos direitos do consu-midor gera dano moral30.

O fato é que houve um claro avanço em nosso Tribunal e inúmeros jul-gados podem respaldar tais aclarações de incidência de dano moral:

APELAÇÃO CÍVEL – RELAÇÃO DE CONSUMO – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – ATRASO NA ENTREGA DA OBRA EM MAIS DE 2 ANOS – DANO MORAL MANTIDO – LUCROS CESSANTES QUE DEVEM SER REPARADOS – Promessa de compra e venda de bem imóvel celebrada em 21.05.1996. Prazo de entrega do bem em 30.05.1999. Cláusula contratual pre-vendo a prorrogação do prazo de entrega até 90 dias. Pagamento realizado in-tegralmente. Efetiva entrega da obra mais de dois anos após o prazo contratual previsto. Alegação de motivo de força maior como excludente de responsabilida-de pelo atraso da obra. Sentença de procedência parcial do pedido, condenando ao pagamento de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), sendo R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada autor, a título de danos morais. Dano moral mantido, em razão

30 “Direito civil. Rescisão de contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel em construção. Inadimplemento da construtora. Atraso na entrega da obra que justifica a resolução do contrato e o retorno das partes ao status quo ante. Dano moral. Ocorrência. A falta de respeito no trato dos direitos do consumidor é geradora de dano moral. Se os apelantes restaram vencidos devem suportar por inteiro os ônus da sucumbência. Recurso desprovido.” (Ap 2009.001.18652, 17ª C.Cív., Desª Luisa Bottrel Souza, J. 24.06.2009)

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do princípio tantum devolutum quantum apellatum. Entendimento consagrado pelo STJ, segundo o qual o promitente comprador tem direito a perceber, a tí-tulo de lucros cessantes, valor relativo a alugueres desde a data prevista para a entrega do imóvel. Consequente alteração da sucumbência, que agora deve ser suportada pela apelada [...]. (Ap 2009.001.13275, 5ª C.Cív., Desª Teresa Castro Neves, J. 12.05.2009)

RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO – INCORPORAÇÃO IMOBILIÁ-RIA – INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITOS AQUISITIVOS – I – Atraso na entrega da unidade imobiliária incontroverso. Ale-gação que tal se ultimou por culpa da construtora encarregada das obras. Tese que não se sustenta. No desenvolvimento de suas atividades. Empreendedora poderia e deveria prever inadimplências e o mais conexo, de modo a não onerar quem fielmente cumpre o contrato. Risco do empreendimento. II – Autora que adimpliu as prestações pactuadas até um mês depois da data aprazada para a entrega do imóvel. Mora exclusiva da ré, impondo a rescisão da avença, com a devolução de todos os valores pagos, sem qualquer retenção. III – Mero inadim-plemento contratual não caracteriza dano moral. Hipótese em lide que se mostra excepcional. Frustração da casa própria interferiu no comportamento psicológico da apelada, para fins de acolhimento de tal verba [...]. (Ap 2009.001.23393, 4ª C.Cív., Des. Reinaldo P. Alberto Filho, J. 08.05.2009)

Incorporação imobiliária. Atraso na entrega da obra. Indenização. Consignação em pagamento. Sentença de parcial procedência. 2. Abusividade da cláusula contratual que prevê multa pelo atraso na obra, em valor desproporcional às penalidades impostas ao consumidor. Majoração, a fim de se adequar ao efeti-vo prejuízo suportado pelos autores, equiparável ao valor do aluguel de imóvel semelhante. 3. Dano moral configurado. Indenização fixada por ano de atraso na entrega do imóvel, mas cujo valor deve ser desde logo consolidado, pois não pode se transformar em nova multa. 4. [...]. (Ap 2009.001.08614, 4ª C.Cív., Des. Paulo Mauricio Pereira, J. 07.04.2009)

Direito do consumidor. Compromisso de compra e venda de imóvel. Atraso na entrega da obra. Fato incontroverso. Imputação de culpa do empreiteiro. Retar-do pelo qual responde o promitente vendedor, que não comprova a ocorrên-cia de circunstância excludente. Responsabilidade objetiva, com base na teoria do risco do empreendimento. Dano moral. Caracterização. Frustração e cons-trangimento do consumidor, com inafastável abalo em sua rotina psicológica. Negado provimento ao primeiro apelo. Parcial provimento do recurso adesivo. (Ap 2009.001.06238, 5ª C.Cív., Des. Antonio Saldanha Palheiro, J. 17.03.2009)

Há que se observar que, no ramo de atividade em comento, o prazo de entrega é uma das principais causas que levam o consumidor a contratar, pois o atraso nas obras causa inúmeros transtornos na vida dos adquirentes. Esposa deste entendimento o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro31:

31 “No ramo de atividade da autora, é notório que o respeito aos prazos de entrega do serviço é uma das principais características que o consumidor procura ao contratar, visto que o atraso em obras causa muitos

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INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO EM CONSTRUÇÃO – INADIMPLEMENTO CONTRATUAL – ATRASO NA ENTREGA DA OBRA – CULPA EXCLUSIVA DO INCORPORA-DOR – RESCISÃO DE CONTRATO – RESTITUIÇÃO DAS IMPORTÂNCIAS PA-GAS – PERDAS E DANOS – PREVISÃO CONTRATUAL DE RESSARCIMENTO – DANO MORAL – OCORRÊNCIA – TRANSTORNOS QUE EXTRAPOLAM O MERO ABORRECIMENTO – Havendo inadimplemento contratual por parte da incorporadora, que não entrega a unidade no prazo avençado, e não logran-do êxito em demonstrar as excludentes de responsabilidade, deve devolver as quantias pagas, uma vez rescindido o contrato. Havendo cláusula no instrumento particular de incorporação prevendo o ressarcimento do adquirente em caso de atraso na entrega das chaves, faz o mesmo jus à reparação pretendida. O dano moral se caracteriza em razão da demora na entrega da unidade e na frustração da realização do sonho da casa própria, estando a verba indenizatória bem fi-xada, não merecendo qualquer censura. Recurso ao qual se nega provimento. (Ap 2008.001.30306, 16ª C.Cív., Des. Lindolpho Morais Marinho, J. 07.10.2008)

Embargos infringentes. Ação de rescisão de negócio jurídico com pedido cumu-lado de restituição de valores pagos, lucros cessantes e indenização por dano moral. Sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para rescindir o negócio jurídico celebrado entre as partes, condenada a construtora a devolver as quantias pagas, acrescidas de juros e correção monetária, reformada em sede de apelação, em decisão não unânime, para condenar a construtora ao paga-mento de R$ 20.000,00, a título de indenização por dano moral e lucros cessan-tes equivalentes ao valor locatício do bem, a serem apurados em liquidação de sentença. Embargos infringentes objetivando que prevaleça a conclusão do voto vencido que mantivera os termos da sentença. Partes que celebraram contrato de compra e venda de imóvel em construção, cuja obra não foi concluída no prazo avençado. Rescisão do contrato com a restituição dos valores pagos corrigidos e acrescidos de juros. Atraso injustificado na entrega do imóvel que enseja o dever de indenizar. Lucros cessantes não verificados por inexistir evidência de que a aquisição do imóvel se destinava a locação. Dano moral configurado ante a frustração do comprador que, apesar de efetuar os pagamentos, não logrou receber o imóvel. Quantum da indenização fixado segundo critérios de razoa-bilidade e de proporcionalidade. Provimento parcial dos embargos infringentes. (EI 2008.005.00164, 8ª C.Cív., Desª Ana Maria Oliveira, J. 08.07.2008)

Releva enfatizar, ainda, outras decisões do Pretório Excelso acerca do tema:

Civil. Processual civil. Incorporação imobiliária. Contrato de promessa de com-pra e venda. Atraso na entrega da obra. Dano moral. Configuração. Tratando--se de obrigação inerente ao direito de moradia, o atraso e principalmente os vícios constatados na obra não configuram, diante das peculiaridades do caso, mero inadimplemento contratual. Ao revés, os percalços por que passou a autora, que, inclusive, levaram-na a despender quantia relativa a obras que competiam

transtornos aos clientes, que, muitas vezes, aguardam sua conclusão para retornar às suas residências ou a seus estabelecimentos.” (Ap 2009.001.08897)

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ao apelado, a fim de que a casa que adquirira reunisse as condições mínimas para que fosse ocupada, perpassam a fronteira do mero aborrecimento. Tal fato iniludivelmente configura dano moral, pois abala sua integridade psicológica, causando-lhe tristeza, angústia e sofrimento; e existe in re ipsa. Verba fixada em R$ 5.000,00, valor que corresponde a justa reparação do prejuízo extrapatrimo-nial da parte. Recurso provido. (Ap 2008.001.26174, 13ª C.Cív., Des. Nametala Machado Jorge, J. 25.06.2008)

Verificamos a legítima expectativa para a aquisição da casa própria, no percuciente entendimento do Desembargador Heleno Ribeiro P. Nunes, segui-do do Desembargador Wagner Cinelli:

DIREITO CIVIL – CONTRATO DE COMPRA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA EM CONSTRUÇÃO – MORA DA CONSTRUTORA NO CUMPRIMENTO DA OBRI-GAÇÃO DE CONCLUIR A OBRA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – MULTA – DANO MORAL – VALOR – LUCROS CESSANTES – SUCUMBÊNCIA – 1. Se a constru-tora não concluiu a obra nos prazos limites previstos no contrato, acertada a decisão que acolheu o pedido de condenação da empresa ao cumprimento de obrigação de fazer, sob pena de multa, se decorrido o prazo estabelecido para tal. 2. Esta sanção não se confunde com a cláusula penal compensatória prevista no contrato celebrado pelas partes. 3. Embora a princípio o inadimplemento con-tratual não caracterize dano moral, as circunstâncias do caso concreto, em espe-cial o largo tempo de atraso (mais de dois anos) no cumprimento da obrigação de concluir a obra, supera o mero aborrecimento, gerando profundo abalo psico-lógico no adquirente, o qual caracteriza o alegado dano imaterial. 4. O valor de R$ 14.000,00 fixado a título de dano moral atende aos princípios da razoabilida-de e da proporcionalidade, indenizando de forma justa o dano imaterial sofrido pelo consumidor. 5. Não demonstrados os alegados lucros cessantes referentes aos rendimentos com a possível locação do imóvel, esta parcela não pode in-tegrar a indenização. 6. Se o autor formulou três pedidos e apenas dois deles foram acolhidos, os ônus da sucumbência devem ser proporcionalmente repar-tidos. 7. Provimento parcial da primeira apelação e desprovimento da segunda. (Ap 2007.001.25116, 2ª C.Cív., Des. Heleno Ribeiro P. Nunes, J. 27.06.2007)

Apelação [...] Frustração da legítima expectativa para aquisição da casa própria. Transtornos causados ao consumidor que vão além do mero aborrecimento. Consumidor que continua pagando as prestações, apesar do manifesto atraso na obra. Incorporadora que se queda silente diante das notificações. Dano moral ocorrente. Jurisprudência do TJRJ. Manutenção da sentença recorrida. Recurso conhecido e desprovido. (Ap 2008.001.10899, 6ª C.Cív., Des. Wagner Cinelli, J. 30.04.2008)

Segundo ponto que enseja avaliação é o arbitramento do dano moral. Cediço que este deve ter em suporte os princípios da razoabilidade e da propor-cionalidade, sendo justo para a reparação do dano.

É crível a alegação que deve ser vedado o enriquecimento ilícito no mo-mento da fixação do dano moral; no entanto, o arbitramento deve, além de re-parar o dano causado, servir de sanção para que sejam abolidas as práticas abu-sivas de tais comportamentos, bem como educar o agente causador do dano.

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E, neste sentido, não podemos olvidar que uma empresa, ao ser condena-da em valores irrisórios aos seus movimentos financeiros, ignora a condenação e continua a reiterar os atos ilícitos.

Devemos ter em mente que o correto é não cometer danos e a exceção é a sua ocorrência.

Partimos do pressuposto basilar de que o consumidor, nos casos em que houve a violação do direito deste, deve ser ressarcido e, consequentemente, se esta condenação transmitisse prejuízos efetivos às empresas, o que fatalmente verificaríamos, seria uma alteração comportamental expressiva na maneira de exercer seus serviços e produtos por parte das empresas, observando todos os direitos advindos da relação consumerista.

Neste particular, é imperioso destacar que, ao serem fixados valores in-significantes a estas práticas, sabemos que as empresas não sofrem o efeito de “sanção” que pretendia o legislador ao tecer a norma em aplicação.

A afirmativa ganha pujança especial, trazendo à colação os ensinamen-tos do Professor Sergio Cavalieri Filho32:

[...] o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a ca-pacidade econômica do causador do dano, as condições sócias do ofendido e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.

Neste sentido, finalizo o artigo acreditando não pode haver uma inver-são de valores na sociedade, onde se deixa de punir a prática de um dano em decorrência de uma suposta “fábrica de dano moral”, pois se há uma imensa demanda de dano moral é porque os fornecedores estão prestando um péssimo serviço.

O correto é que as empresas, seja por serem leais com seus consumido-res, seja por medo de sofrer um condenação pecuniária alta, passem a respeitar o consumidor. E que sejam abolidas do cotidiano dos indivíduos as situações vexatórias a que são submetidos diariamente ao reclamar por seus direitos. Não cabe mais em nosso mercado de consumo nacional o descaso e a falta de res-peito com que são tratados os consumidores brasileiros.

CONCLUSÃODiante do exposto, forçoso concluir que o contrato de incorporação imo-

biliária deve ser analisado conjuntamente com o Código de Defesa do Consu-midor.

32 CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob. cit., p. 116.

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A afirmativa ganha pujança especial, tendo em vista que o nosso Código Consumerista foi elaborado para nortear as relações jurídicas com a segurança que se espera de qualquer relação contratual, pois, devido ao patamar diferen-ciado em que se encontram as empresas e os consumidores, estes realmente mereciam normas diferenciadas que as equiparem.

Perseverando pelos princípios protetivos do consumidor, devemos ana-lisar cautelosamente as relações jurídicas consumeristas, pois inúmeras formas de cláusulas abusivas se apresentam com a difusão dos contratos de adesão e, na maioria das vezes, os fornecedores, mesmo sabendo serem abusivas, conti-nuam prevendo-as expressamente, pois apostam na tentativa de ludibriar, senão todos, alguns consumidores mais desinformados, o que é muito comum em nosso País devido ao baixo grau de instrução da população.

REFERÊNCIASCódigo de defesa do consumidor – Comentado pelos autores do anteprojeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros.

MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.

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www.tj.rj.gov.br.

www.planalto.gov.br.

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Parte Geral – Doutrina

A Proteção dos Acionistas e Credores na Incorporação

TÉRCIO TÚLIO NUNES MARCATOMestrando em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos.

RESUMO: Este texto visa a tratar sobre as formas pelas quais as partes vinculadas em uma operação de incorporação podem socorre-se do direito para sanarem ou dirimirem situações que eventualmente venham lhe causar prejuízos. Para tanto, todo o processo pelo qual as empresas – tanto incorporadora quanto incorporada – perpassam será minuciosamente discutido, com uma exposição conceitual dos atos preparatórios e executivos, além de sua repercussão ante os envolvidos.

PALAVRAS-CHAVE: Incorporação; empresas; protocolo; justificação; proteção acionistas e credores.

ABSTRACT: This paper aims to discuss the ways in which the parties bound in a merger transaction may help is the right to remedy or address any situations that may cause you harm. Thus, the process by which companies – both real as incorporated – permeate will be thoroughly discussed, with an exhibition of conceptual history and executive acts, and its effect before those involved.

KEYWORDS: Incorporation; business; protocol; justification; protection shareholders and creditors.

A partir da década de setenta, as operações de reorganização social ga-nharam destaque no mundo dos negócios, entendendo reorganização social como o conjunto de medidas tomadas pelas sociedades intencionando alte-rar sua condição empresarial, o que pode ocorrer por meio de fusões, cisões e incorporações. O momento histórico vivido à época, com destaque para a bipolarização mundial entre capitalismo e socialismo, fez com que surgissem vários e diversos negócios oriundos de sociedades já existentes que então se in-corporaram ou fundiram-se uma às outras, bem como a partir de uma empresa surgia outra.

Essas operações de reorganização societária se intensificaram em razão da procura por uma maior eficiência empresarial, seja quanto à gestão dos ne-gócios, seja quanto aos lucros advindos da atividade empresarial.

Vários são os motivos que levam uma sociedade a buscar operação de reorganização societária, como a incorporação, por exemplo. Empresas que têm diversas atuações buscam incorporar-se a outras para desenvolvê-las e am-pliá-las. Da mesma forma, empresas que possuem conhecida e já consolidada marca no mercado, mas, no entanto, não têm como desenvolver os produtos de forma a atender a toda demanda, incorporam-se a outras para melhor desenvol-ver sua atividade e não permitir ver sua marca cair no ostracismo por falta de produtos no mercado.

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A gênese deste processo surgiu após a Revolução Industrial, que desen-cadeou um processo concentracionalista dos meios de produção, processo este que evoluiu acentuadamente, culminando, após um grande processo de trans-formação, na reorganização societária supramencionada. Waldírio Bulgarelli assim se manifestou sobre a questão da evolução dos processos de transforma-ção societária:

Durante a sua marcha histórica, variaram sensivelmente as formas adotadas, não só como decorrência das transformações da economia, sobretudo em relação aos processos de produção e circulação mas, também em grande parte, para subtrair--se às proibições estatais e às dificuldades de ordem fiscal.

Dos carteis defensivos, pools, corners, rings, trusts, passou-se ao Kozen, aos con-sórcios, aos grupos, às holdings, às sociedades de investimento, às joint-ventures, sem, é claro, olvidar-se da forma mais radical e a ver de alguns a mais perfeita de todas elas, ou seja, a fusão e incorporação, que permaneceram ao lado das demais como uma constante. (Bulgarelli, 1975, p. 9)

Em razão disso, o Estado se posicionou perante esse fenômeno de forma a intervir assegurando tanto a sua lisura quanto a sua preservação para interesse de toda uma coletividade que inevitavelmente poderia se sentir atingida por essas transformações. No mesmo sentido, a intervenção estatal se operou para que o mercado não sofresse por elas ou minimizasse os efeitos advindos do surgimento de uma nova sociedade, mediante a incorporação de duas ou mais empresas.

Todavia, o processo de incorporação societária, quando de sua iniciação no sistema brasileiro, não era abarcado por uma legislação que assegurasse a efetividade de sua aplicação e a obtenção de resultados favoráveis. Em 1971, o Governo publicou o Decreto-Lei nº 1.182, que facultou às empresas uma reava-liação dos ativos imobilizados que estivessem acima da correção monetária. O teor do decreto concedeu estímulos às fusões, às incorporações e à abertura de capital de empresas. No entanto, esta política tinha como objetivo efetivar uma concentração monopolística visando ao desenvolvimento de setores prioritários da economia, com o fito de efetuar uma paulatina substituição das importações mediante parcerias entre capital privado, estatais e multinacionais. No setor petroquímico, tal política foi aplicada com certo resultado favorável. Sob este aspecto, Mário Henrique Simonsen expôs a ideia a seguir transcrita com vistas à ideologia econômica concentracionalista.

Nos últimos anos o governo vem procurando criar um novo modelo de grande empresa privada nacional incentivando as fusões e a formação de conglomera-dos, numa espécie de imitação do modelo japonês. Embora alguns resultados expressivos tenham sido obtidos, restam ainda dois grandes obstáculos: a) por falta de dispositivos protetores na lei de sociedades anônimas, um bom número de capitalistas se recusa sistematicamente a aceitar as posições minoritárias das empresas. E é claro que pouco se pode esperar em matéria de fusões quando qua-se todos desejam ser majoritários; b) a maneira mais natural de reunir empresas

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em um conglomerado consiste em contratá-las através de um holding: acontece que a legislação fiscal brasileira desincentiva claramente a formação de holdings; também, certos dispositivos da legislação bancária desestimulam a integração de instituições financeiras em conglomerados. (Simonsen, 1971, p. 205)

O resultado desta ideologia de concentração foi a publicação da Lei nº 6.404, em 1976, que regulamentou as sociedades anônimas e tudo que a elas diz respeito. Em obra que comentou a aludida lei, Modesto Carvalhosa teceu o seguinte comentário:

Como conseqüência dessa ideologia de concentração empresarial acelerada e induzida, por meio da criação de conglomerados, o governo, pelo Decreto-Lei nº 1.338, de 1974, art. 23, revogou a carga fiscal para as holdings, isentas que ficaram do desconto do Imposto sobre a Renda na Fonte.

Com esse específico propósito de concentração, e de desenvolvimento de um mercado de capitais para participação minoritária fundado no investidor indivi-dual, o governo formulou em 1976 anteprojeto da Lei das S.A. e a criação da Co-missão de Valores Mobiliários, de que redundou, com algumas alterações subs-tanciais feitas pelo Congresso Nacional, a Lei nº 6.404, de 1976. (Carvalhosa, 2002, p. 209)

Nos idos da década de noventa, a economia global sofreu um vultoso impulso em decorrência da acirrada competição empresarial. Tal situação não foi diferente no plano nacional, o que levou as empresas a explorarem suas ati-vidades de forma a adotar estratégias para se manterem atuantes e firmes diante do novo quadro econômico. Em um mercado extremamente globalizado, a ati-vidade empresarial é mais eficaz quando empreendida por empresas de grande porte, daí surge a questão da necessidade de empresas se incorporarem umas às outras. Modesto Carvalhosa assim justifica a necessidade desta transformação:

Isso se dá por razões tecnológicas e de mercado, tais como a necessidade de capitais elevados para exploração; a presença de significativas economias de es-cala na produção de bens e serviços essenciais ou de ponta; a indispensabilidade da integração vertical com vistas a assegurar o suprimento de matéria prima em condições vantajosas ou no mínimo razoáveis; a relevância da integração como meio de obter economias nos recursos de especialização entre linhas de produ-tos; a necessidade de diluir elevados e continuados dispêndios em tecnologia, entre outros fatores. (Carvalhosa, 2002, p. 212)

Dessa forma, facilmente se conclui que o fator determinante para o surgi-mento da incorporação, como meio de transformação societária, é meramente a conjuntura econômica. O já citado Modesto Carvalhosa, ao lecionar sobre o tema, manifestou o seguinte entendimento:

A posição dominante advinda da concentração empresarial é fruto direto e ime-diato da imperfeição estrutural do mercado e do aproveitamento insuficiente da apropriação desse mesmo mercado por parte dos concorrentes. Em conseqüên-cia, e como referido, as empresas concentradas, ao encontrarem-se em posição

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dominante de mercado, têm, mais do que em qualquer circunstância, uma capa-cidade decisória que transcende as leis econômicas concorrenciais. (Carvalhosa, 2002, p. 223)

Amador de Almeida Paes, citando Miranda Valverde, teceu o seguinte comentário sobre os motivos determinantes da incorporação.

Várias são as causas determinantes da fusão ou incorporação. A concorrência entre empresas ou companhias que exploram o mesmo ramo de indústria ou de comercio; o objetivo de possibilitar o monopólio de fato na distribuição ou colocação de certos produtos; a necessidade de absorver as empresas ou com-panhias que exploram indústrias primárias ou complementares – tais são, entre muitas outras, as causas principais da incorporação ou da fusão de duas ou mais sociedades. (Paes, 2007, p. 68)

Considerando que a concentração empresarial advém muito mais de uma conjuntura econômica do que de outros fatores, surge o direito como meio para manter esta harmonia econômica, sendo que outros fatores que guardam relação com o direito daqueles que são sujeitos do processo de incorporação ficaram um tanto quanto relevados a segundo plano. Ao tratar sobre o assunto, Modesto Carvalhosa assim lecionou:

O ordenamento, ao dispor de instrumentos legais que levam à concentração em-presarial, tem como pressuposto não apenas sua legalidade, mas também sua legitimidade no âmbito finalístico de servir ao direito e, assim, aos interesses da sociedade e do homem.

Essa legitimidade, no entanto, corre sempre o risco de desbordar para o abuso de direito decorrente da concentração de empresarial, como demonstra a exis-tência, a partir dos fins do século XIX, de leis antitrustes (Lei Shermann e Lei Clayton). Isso porque, inevitavelmente, o grau de concentração empresarial está intimamente ligado ao fenômeno da posição dominante. Não obstante, e como referido, tal concentração em si mesma não é considerada ilícita pela maioria das leis antimonopolistas que se sucederam nos diversos países por mais de um século. Apenas o abuso dessa posição dominante é sancionado, como se pode ver nos standards normativos contidos nos arts. 20 e 21 da Lei nº 8.884, de 1994. Estes, com efeito, tem caráter objetiva (mera conduta) e formal, no sentido de, respectivamente, de configurar-se a antijuridicidade independentemente de cul-pa e mesmo que não produza efeitos no mercado. (Carvalhosa, 2002, p. 223)

Em todas as modalidades de incorporações e fusões, em cada uma delas, invariavelmente, surgem problemas de procedimento, de proteção aos acionis-tas, de proteção aos credores e tributários, além de outros.

O assunto proposto tratará sobre as formas pelas quais as partes vincu-ladas em uma operação de incorporação podem socorre-se do direito para sa-narem ou dirimirem situações que eventualmente venham lhe causar prejuízos. Para tanto, todo o processo pelo qual as empresas – tanto incorporadora quanto incorporada – perpassam será minuciosamente discutido, com uma exposição

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conceitual dos atos preparatórios e executivos, além de sua repercussão ante os envolvidos.

Ultrapassada a questão conceitual, serão tratadas situações que, diante do procedimento de incorporação, algumas das partes venham a ser prejudi-cadas. Sob esta ótica, as formas cabíveis para uma eficaz solução do problema ocorrido serão apresentadas.

A INCORPORAÇÃO DE EMPRESAS

A incorporação de empresas é regida pelo art. 223 da Lei nº 6.404/1976, a Lei das Sociedades Anônimas. Dispõe o referido artigo:

Art. 223. A incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre sociedades de tipos iguais ou diferentes e deverão ser deliberadas na forma prevista para a alteração dos respectivos estatutos ou contratos sociais.

§ 1º Nas operações em que houver criação de sociedade serão observadas as normas reguladoras da constituição das sociedades do seu tipo.

§ 2º Os sócios ou acionistas das sociedades incorporadas, fundidas ou cindidas receberão, diretamente da companhia emissora, as ações que lhes couberem.

§ 3º Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as so-ciedades que a sucederem serão também abertas, devendo obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de cento e vinte dias, contados da data da assembléia-geral que aprovou a operação, observando as normas pertinentes baixadas pela Comissão de Valores Mobiliários.

§ 4º O descumprimento do previsto no parágrafo anterior dará ao acionista di-reito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), nos trinta dias seguintes ao término do prazo nele referido, observado o disposto nos §§ 1º e 4º do art. 137.

O art. 1116 do Código Civil oferece uma definição de incorporação como a seguir transcrita: “Na incorporação, uma ou várias sociedades são ab-sorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos”.

Com a incorporação, há a extinção da personalidade jurídica de uma ou mais sociedades, sendo o seu patrimônio absorvido por outra sociedade que já existe. Na incorporação, há uma sucessão universal, sendo que a incorporadora assume a titularidade de todos os débitos e créditos das sociedades incorpora-das. Tanto a incorporadora quanto a incorporada devem praticar determinados atos que precedem a incorporação em si. Com isso, os sócios de ambas as so-ciedades devem aprovar, mediante um procedimento preliminar, a operação de incorporação das sociedades.

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Dessa maneira, tem-se a incorporação societária como um procedimento de extrema importância, a fim de facultar às sociedades, dada uma determinada conjuntura econômica, uma forma de reorganizar sua estrutura e assim obter maiores resultados financeiros. Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik definiram tal procedimento mostrando que

a incorporação constitui operação de grande relevância para possibilitar proces-sos de reorganização empresarial, servindo, basicamente, à concentração socie-tária. [...]

Em decorrência da incorporação, a sociedade incorporada desaparece e o seu patrimônio é incorporado à sociedade incorporadora. Esta deve realizar um au-mento de capital, que será subscrito com a versão do patrimônio da incorporado-ra. (Carvalhosa, Eizirik, 2002, p. 373)

Diante do quadro procedimental que surge com a incorporação, há uma imperiosa necessidade de se conceituar tal instituto do ponto de vista de sua natureza jurídica. Há o entendimento de existir uma linha societária e outra linha contratual, sendo que entre as duas paira a conceituação do ponto de vista da natureza jurídica. Acerca de tal divergência, quanto à natureza jurídica e as formas pelas quais a incorporação é tratada, Waldírio Bulgarelli lecionou que

a indagação se centraliza então, entre dois pólos, o corporativo ou societário e o contratual, aquele profundamente influenciado pela doutrina alemã e este pela corrente italiana e francesa, com Ferri a frente.

Com efeito, entende Ferri (discordando de De Semo sob o aspecto de que se trata de um contrato de sociedade) que apesar da complexidade dos vários atos de natureza corporativa, existe um contrato base. A fusão, pois, não se realiza em virtude de um contrato de sociedade, mas de um negócio corporativo capaz de influir sobre a estrutura interna do ente. As particulares vontades sociais são o resultado de um procedimento complexo e da colaboração de vários órgãos: o negócio jurídico, contudo, permanece um contrato.

Essa concepção contratual é encampada por Brunetti que entende que o processo se desenvolve separada, paralela e internamente, em cada sociedade, razão pela qual os atos indicados são atos unilaterais desta, e com maior precisão, atos cole-tivos. Estes procedimentos separados desembocam, no entanto, naquele negócio, necessariamente bilateral (mesmo que sociedades que se fusionam sejam mais de duas) que a lei, com expressão genérica, qualifica de “ato de fusão”, mas que, compreendido nele a declaração de consentimento dos representantes legais das sociedades interessadas, só pode ser definido como contrato. (Bulgarelli, 2000, p. 79)

E arremata:

No momento em que as vontades das sociedades se cruzam ou se justapõem, é evidente a existência de um contrato. Decorrente ou não de um protocolo, de um tratado ou de um projeto, não se pode negar a existência de um contrato. Não se deve, pois, confundir a série de atos corporativos, internos, de formação da

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vontade social com a relação das sociedades entre si, como sujeitos de direito. É verdade que a doutrina vem atribuindo preponderância à serie de atos corporati-vos, mas isto não significa que fusão possa ser meramente interna.

Não há, portanto, dúvidas de que a fusão se apresenta sob dois aspectos: contra-tual, externo, portanto, entre as sociedades, e corporativo, associativo ou socie-tário, portanto, interno. São as duas faces do mesmo fenômeno, porém, não se contrapondo nem se sobrepondo. (Bulgarelli, 2000, p. 82)

Não obstante a conceituação da natureza contratual da incorporação su-pratranscrita, há uma corrente doutrinária que entende que a natureza jurídica da incorporação é corporativa. Mais uma vez, Waldírio Bulgarelli apresenta a questão da seguinte maneira:

Por sua vez, Uria, principal seguidor da corrente corporativa, assinala que o con-trato não serve para explicar os efeitos de ordem interna característicos da fusão, isto é, a dissolução de algumas das sociedades fusionadas, a confusão dos pa-trimônios sociais e o agrupamento dos sócios de cada uma delas, numa única sociedade.

Guirao, por seu turno, que, na busca de um conceito unitário de fusão ofereceu amplo conceito, dá predominância ao caráter corporativo em detrimento do con-tratual, embora partidário da concepção mista, de acordo, aliás, com a opção que colocou como base da discussão sobre o tema, que não parece correta, pois, como se verá, de fato não existe. (Bulgarelli, 2000, p. 80)

A definição da natureza do instituto da incorporação é de fundamental importância para a conclusão a que se pretende chegar com o presente artigo. Definir a natureza jurídica da incorporação como contrato, como de fato é o en-tendimento aqui exposto, pressupõe imputar à incorporação todas as medidas cabíveis em termos de uma relação contratual, mormente quando esta não se aprimora da forma devida. Assim, dentro do tema proposto, resta a incorpora-ção considerada e tratada como um contrato.

As bases sobre as quais se fundam uma operação de incorporação, dado o incontroverso entendimento que se tratam de pura e simples manifestação de vontade dos envolvidos, só podem ser entendidas como uma relação contratual que, após exposta a vontade de incorporadora e incorporada, imputam a esta e àquela direitos e deveres, que, reciprocamente tratados, têm o condão de um contrato, e, como tal, devem sob a ótica contratual ser regidas. Essas bases são disciplinadas pelos arts. 224 e seguintes da Lei nº 6.404/1976, que doravante serão tratadas.

PROTOCOLO

Dispõe o art. 224 da Lei de Sociedades Anônimas:

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Art. 224. As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em so-ciedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá:

I – o número, espécie e classe das ações que serão atribuídas em substituição dos direitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição;

II – os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão;

III – os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação, e o tratamento das variações patrimoniais posteriores;

IV – a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra;

V – o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação;

VI – o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação;

VII – todas as demais condições a que estiver sujeita a operação.

Parágrafo único. Os valores sujeitos a determinação serão indicados por estima-tiva.

As normas procedimentais que regulamentam a incorporação de socie-dades só surgiram com a publicação da Lei nº 6.404/1976. O diploma que regulava a matéria em 1940 era dotado de forte conotação contratualista, preva-lecendo, portanto, a liberdade plena dos administradores das companhias que objetivassem uma reorganização societária.

Em 1976, contudo, a matéria foi regulada com a criação de procedi-mentos legais, conferindo ampla publicidade aos atos de reestruturação socie-tária diante de sua obrigatória observância. Acerca da inovação então surgida, Modesto Carvalhosa elucidou a questão ao tratar sobre os atos preparatórios para o processo de incorporação, salientando:

Já o diploma de 1976, com predominante caráter institucionalista, adequou ri-gorosamente os institutos da fusão, incorporação e cisão ao princípio da publi-cidade (art. 289), criando procedimentos de natureza legal, de observância obri-gatória, que deverão ser cumpridos pelos administradores e pelas assembléias das sociedades anônimas envolvidas. Há uma proposital ruptura com a feição contratualista do diploma anterior, como se pode ver da Exposição de Motivos da lei de 1976 ao propugnar que a lei societária passasse a cuidar expressamente da operação, dos efeitos que o negócio terá sobre os direitos dos sócios e dos credores, bem como “do valor de reembolso que lhes caberá, caso prefiram usar do direito de retirada”. (Carvalhosa, 2002, p. 235)

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Especificamente com relação ao protocolo, este pode ser considerado e convencionado como sendo de natureza pré-contratual, por meio da qual é ma-nifestada a vontade das sociedades envolvidas na celebração da incorporação. Segundo Modesto Carvalhosa, o protocolo

constitui um pacto necessário, que produz a manifestação confluente (plurila-teral) de vontade das sociedades sobre as bases essenciais do negócio jurídico, porém não suficiente para a consumação dos negócios de fusão, incorporação ou cisão. Importante ressaltar que está o protocolo sujeito ao regime de publicidade (art. 289), que deverá ser observado no momento da celebração deste ajuste pre-liminar. (Carvalhosa, 2002, p. 237)

Trata-se, portanto, de um pré-contrato em que não apenas estará exposta a vontade das partes, mas em que restarão contidas todas as cláusulas mínimas que regerão a incorporação. Referidas cláusulas decorrem do fato de ser impe-riosa a necessidade de estarem bem delineados os contornos do processo de incorporação, em face do interesse de ordem pública que representa o processo em discussão.

O protocolo se sujeita à aprovação da assembleia-geral, ocasião em que, após deliberação da assembleia, havendo necessidade de alterar as condições contidas no protocolo, novas cláusulas serão inseridas e novo protocolo será redigido. Trata-se, pois, de um documento que não produz efeitos necessaria-mente quanto à incorporação em si, mas que apenas vincula, de forma defini-tiva, as sociedades que se reestruturarão. No mesmo sentido, o protocolo não produz efeitos porque também está na estrita dependência de ser aprovado pela assembleia-geral.

O protocolo é celebrado pelos órgãos de administração das sociedades envolvidas no negócio da incorporação, cabendo sua aprovação a outro ór-gão da sociedade, que é a assembleia-geral. Ao comentar o assunto, Modesto Carvalhosa se manifestou da seguinte forma:

Assim, o protocolo constitui um negócio jurídico típico, embora seus efeitos, no que respeite a sua execução estejam vinculados à manifestação de vontade, não de terceiros, mas da própria sociedade, através de outros órgãos. E, como negócio jurídico típico, o protocolo constitui instrumento necessário, porém não suficiente para a satisfação dos interesses das sociedades envolvidas. Encontram--se assim as sociedades que firmam o protocolo a regulação de seus interesses confluentes (plurilaterais) de fusionar, incorporar ou ser incorporado, com ou sem cisão. Com este propósito, a lei oferece aos sócios o instrumento para que estabeleçam os termos do negócio de reorganização societária a ser celebrado. Insere-se, assim, o protocolo entre aqueles institutos que nosso ordenamento jurí-dico reconhece e regula, por reputar transcendente sua função socioeconômica. (Carvalhosa, 2002, p. 238)

No que tange aos requisitos que devem constar no protocolo, estes são minuciosamente detalhados no art. 224 da Lei nº 6.404/1976 e devem obriga-

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toriamente constar no protocolo. Contudo, é também previsto e permitido que outras condições constem no documento, figurando como cláusulas comple-mentares, salientando que estas cláusulas não podem contrariar, suprimir ou substituir as cláusulas obrigatórias.

No que se refere às ações, conforme mencionado no inciso I do art. 224, devem constar no protocolo o número, a espécie e a classe das ações que serão atribuídas em substituição dos direitos dos sócios que sairão da sociedade. Esta determinação decorre do fato de haver um aumento de capital na sociedade incorporadora mediante integralização do capital da incorporada e do fato de este capital ser transferido aos acionistas que não mais farão parte da sociedade. Por isso, deve ser descrito de forma minuciosa de que forma esta transferência de ações ocorrerá, de forma a respeitar tanto os interesses dos acionistas da sociedade incorporada quanto da incorporadora, além de outros interesses di-retamente ligados à operação.

Os demais requisitos, que devem constar no protocolo, guardam estreita relação com a avaliação da sociedade. Todavia, é com relação às ações a se-rem transferidas que o presente artigo tem a sua fundamentação, uma vez que, havendo qualquer ato contrário ao que determina o protocolo, no que tange a esta condição, alguma medida judicial deve ser tomada, a fim de sanar eventual problema que surja.

Uma vez considerado contrato preliminar, este é dotado de certas pecu-liaridades, como bilateralidade, que consiste em obrigações recíprocas assumi-das por ambas as partes e que devem ser aprovadas por uma assembleia-geral. No protocolo, há, portanto, imperativa a aplicação da teoria da exceptio non adimplenti contractus. Com propriedade, Modesto Carvalhosa assim lecionou:

Cabe, portanto, em matéria de protocolo, a condição resolutiva tácita, ou seja, o princípio de que o inadimplemento da obrigação de fazer assumido por uma das sociedades envolvidas, constitui justa causa para que a outra promova a re-solução do acordo. Isso porque, se uma sociedade deixa de honrar, nos prazos consignados os compromissos de fazer, a obrigação da outra fica sem causa, resolvendo o contrato.

Devem, assim, as sociedades envolvidas cumprir especificamente o prometido, ou seja, promover as medidas de avaliação e consectárias e submeter soberana o negócio da fusão, incorporação ou cisão com incorporação, instruída por seus termos. (Carvalhosa, 2002, p. 240)

Com relação ao descumprimento de quaisquer das condições menciona-das no protocolo, surge a dúvida quanto à possibilidade de uma atuação juris-dicional suprir este descumprimento. Assim, questiona-se se é possível aplicar a este descumprimento as possibilidades descritas no Código de Processo Civil no que tange às obrigações de fazer.

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O negócio jurídico consubstanciado pelo protocolo é um negócio pluri-lateral, ou seja, vincula várias partes envolvidas no negócio. Todavia, em caso de não aprovação das condições pactuadas no protocolo, não pode agir o Esta-do-juiz para imputar aos sócios a reorganização societária proposta e que não foi aprovada pela assembleia-geral, sendo que apenas uma das partes intencio-nava tal reorganização.

Entretanto, caso o descumprimento de uma das obrigações pactuadas no protocolo venha causar perdas e danos, perfeitamente possível o provimento jurisdicional para solucionar a questão. Saliente-se que a não aprovação por si só não é capaz de gerar perdas e danos, mas tão somente o descumprimento das condições pactuadas no protocolo é que é passível de causar prejuízos. O en-tendimento prevalecente é que a mera não aprovação do negócio de incorpo-ração não se constitui em ato ilícito, razão pela qual não pode ser indenizado.

JUSTIFICAÇÃO

Ultrapassadas as questões impostas pelo protocolo, o art. 225 da Lei nº 6.404, de 1976, determina o próximo passo a ser seguido, qual seja, a justi-ficação.

Art. 225. As operações de incorporação, fusão e cisão serão submetidas à deli-beração da assembléia geral das companhias interessadas mediante justificação, na qual serão expostos:

I – os motivos ou fins da operação, e o interesse da companhia na sua realização;

II – as ações que os acionistas preferenciais receberão e as razões para a modifi-cação dos seus direitos, se prevista;

III – a composição, após a operação, segundo espécies e classes das ações, do capital das companhias que deverão emitir ações em substituição às que deverão extinguir;

IV – o valor de reembolso das ações a que terão direito os acionistas dissidentes.

Tanto o fundamento do protocolo quanto da justificação decorre do prin-cípio da publicidade, conforme já exposto e que é imprescindível, dado o pa-tente interesse de sócios, credores, empregados e interesse público em geral.

Da mesma forma que não havia determinação legal no que tange ao protocolo, o diploma de 1940 também nada especificou com relação à justifi-cação, que não era documento necessário e imprescindível para os processos de incorporação, fazendo do procedimento da incorporação um procedimento moroso e muito complicado.

Com a publicação da Lei nº 6.404, esta operação foi simplificada, impu-tando à assembleia-geral a obrigação de justificar o processo de incorporação após análise e aprovação do protocolo. A justificação, portanto, nada mais é

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que a deliberação da assembleia-geral sobre as condições impostas mediante o protocolo.

Com relação ao procedimento pelo qual a justificação é elaborada, a Lei nº 9.457, de 1997, foi bem elucidativa ao dispor de que forma esta justificação deve ser formulada. As palavras de Modesto Carvalhosa, ao se manifestar sobre a justificativa, muito bem definem este procedimento efetuado pela assembleia--geral.

Assim, a deliberação da assembléia sobre a fusão, a incorporação o a cisão com incorporação, prevista no presente artigo, dependerá da prévia aprovação por uma outra assembléia, de caráter universal (§ 3º do art. 45), dos peritos que irão fazer o laudo sobre o valor econômico da companhia (§ 1º do art. 45). Dependerá, ainda, do respectivo laudo apresentado pelos peritos, em que constará o valor econômi-co da companhia e sua divisão pelas ações emitidas. E esse laudo será objeto do disposto no inciso IV da norma ora comentada. (Carvalhosa, 2002, p. 247)

A justificação, dessa forma, vincula-se não somente ao protocolo, mas também a outra deliberação de uma assembleia universal formada por todos os acionistas. Após ser levada a aprovação pela assembleia-geral, presume-se que a aprovação será levada a efeito, com a lavratura da justificativa.

Interessa, neste momento, especialmente a deliberação da assembleia sobre o que determina o inciso IV do art. 225, que se refere ao valor de reem-bolso das ações cabíveis aos acionistas dissidentes. Tal importância decorre do fato de as outras questões não serem passíveis de causar prejuízos quando da aprovação do protocolo pela assembleia-geral, não sendo, pois, passível de reparação judicial. No mesmo sentido, importa também frisar que deve constar na justificativa as ações que os acionistas preferenciais têm direito, razão pela qual, havendo discordância dos acionistas quanto a esta condição, também permissível acionar o Poder Judiciário para solucionar tal situação.

Ainda com relação aos atos que possam importar em perdas e danos às partes envolvidas nas operações de incorporação, podemos citar o momento de aprovação ou não do protocolo, que constará na justificativa. Esta aprovação é levada a efeito pela assembleia-geral, que, sendo a ela imputada a prerrogativa de deliberar sobre a aprovação do procedimento de incorporação, não pode alterar a documentação que lhe é levada a conhecimento, em face da determi-nação contida no art. 139, que determina a indelegabilidade de competência dos órgãos sociais. As alterações no protocolo ou na justificativa constituem em recusa dos documentos, recusa esta que implicará efeitos distintos. O tão recor-rido Modesto Carvalhosa, com toda peculiaridade que trata o assunto, esclarece a questão da seguinte forma:

Se não houver aprovação do negócio reorganizativo, estarão extintos os respec-tivos protocolo e justificação, que não mais poderão produzir nenhum efeito no âmbito da respectiva sociedade. Se, no entanto, a assembléia geral deliberar pela alteração parcial ou pontual desses documentos, seja quanto ao mérito destes,

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seja quanto a seus aspectos técnicos, o efeito será, em princípio, o de aprova-ção do negócio respectivo de fusão, incorporação ou cisão com incorporação. Será assim, considerada a deliberação da assembléia, neste caso, não mais de-finitiva quanto à reorganização proposta, mas preliminar à formulação de um novo protocolo (art. 224) ou de uma nova justificação. Com essa deliberação de reenvio da matéria aos órgãos de administração não se vincula a sociedade à realização futura do próprio negócio de fusão, de incorporação ou de cisão com incorporação, pois poderá, em uma próxima oportunidade, soberanamente con-tinuar recusando, total ou parcialmente, os documentos de instrução: protocolo (art. 224) e justificação (art. 225).

Assim, o efeito da deliberação modificadora desses documentos técnicos será in-terno, no âmbito dos órgãos da própria sociedade, não tendo o efeito de vincular a vontade da companhia, em princípio, favorável ao negócio. (Carvalhosa, 2002, p. 248-249)

É no momento em que o protocolo é levado à aprovação pela assem-bleia-geral que os interesses dos envolvidos na reorganização societária podem se conflitar. Ao aprovar o protocolo mediante a justificativa, a assembleia deter-mina de que forma o negócio reorganizativo será efetivado, considerando todos os aspectos sociais, econômicos e, especialmente, os interesses dos acionistas diretamente interessados na efetivação do negócio. Situação que está direta-mente ligada aos interesses dos acionistas diz respeito ao último ato preparató-rio à incorporação, que é a formação do capital.

FORMAÇÃO DO CAPITALO art. 226 disciplina de que forma o capital envolvido na incorporação

será formado e assim dispõe:

Art. 226. As operações de incorporação, fusão e cisão somente poderão ser efe-tivadas nas condições aprovadas se os peritos nomeados determinarem que o valor do patrimônio ou patrimônios líquidos a serem vertidos para a formação do capital é, ao menos, igual ao montante do capital a realizar.

§ 1º As ações ou quotas do capital da sociedade a ser incorporada que forem de propriedade da companhia incorporadora poderão, conforme dispuser o proto-colo de incorporação, ser extintas, ou substituídas por ações em tesouraria da incorporadora, até o limite dos lucros acumulados e reservas, exceto a legal.

§ 2º O disposto no § 1º aplicar-se-á aos casos de fusão, quando uma das socieda-des fundidas for proprietária das ações ou cotas da outra, e de cisão com incor-poração, quando a companhia que incorporar parcela do patrimônio cindida for proprietária de ações ou quotas do capital desta.

O objetivo precípuo da formação do capital é proteger os credores, evi-tando que um processo de reorganização societária seja fraudulento. O capital envolvido na incorporação deve ser suficiente e adequado ao patrimônio lí-quido das sociedades envolvidas, refletindo, como exposto na Lei nº 6.404, de

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1976, o princípio da realidade do capital social. A forma como o capital é for-mado pode ocorrer por dois meios, assim discorrido por Modesto Carvalhosa:

A regra que se aplica aos três negócios de reorganização é que haverá, necessa-riamente, versão do patrimônio líquido apurado em laudo especial, para a forma-ção do capital social. Os efeitos, no entanto, dessa regra são diversos conforme o tipo negocial. Assim, na fusão, os patrimônios líquidos das fundidas são congre-gados para a formação inicial do capital da sociedade que resultará da extinção das anteriores (art. 219). Na incorporação, haverá aumento do capital da incor-poradora, resultante da versão do patrimônio líquido da incorporada.

Nos três negócios, portanto, haverá capital a realizar, mediante transferências patrimoniais. E o valor do patrimônio líquido não poderá ser inferior ao montante do capital a realizar. Com efeito, o capital social deverá refletir exatamente o valor do patrimônio líquido resultante do negócio, para assim terem os credo-res segura referencia quanto à segurança jurídica dos seus créditos. (Carvalhosa, 2002, p. 253)

Relativamente à segunda forma de formação do capital, que se dá por meio da participação do capital da incorporada na incorporadora, continua Modesto Carvalhosa ao dissertar:

Como referido, a extinção das quotas ou ações ou sua substituição por ações em tesouraria da incorporadora deve constar do protocolo e da justificação (arts. 224, IV, e 225, III). Sobre o mérito da questão, a incorporadora pode deduzir o mon-tante de sua participação no capital da incorporada do valor do seu patrimônio líquido, ou então, incluí-la para manter seu valor representado por ações em tesouraria. Essa participação não será correspondente ao valor nominal ou ao constante dos livros (book value das ações sem valor nominal), mas, sim, ao apu-rado em avaliação, como valor integrante do patrimônio líquido da sociedade incorporada. (Carvalhosa, 2002, p. 253)

Questão controversa acerca do tema discutido guarda relação com a forma pela qual a avaliação do patrimônio líquido será efetuada. Boa parte da doutrina entende que as administrações das sociedades envolvidas estão livres para avaliar seu patrimônio da melhor forma que lhes aprouver, sendo que os critérios de avaliação obrigatoriamente devem constar do protocolo. Tal situação decorre do fato de não haver estipulado na legislação quais são estes critérios. Contudo, o critério mais eficaz para apurar o valor patrimonial é o valor contábil da sociedade, uma vez que referido valor reflete e assegura com maior realidade o capital social, posto que estes valores sempre constem no balanço da sociedade e refletem com exatidão o seu valor patrimonial. Modesto Carvalhosa e Nelson Erizik, com propriedade, se manifestaram sobre a questão da avaliação, ao afirmarem que

de fato não há qualquer exigência ou determinação especial quanto aos critérios a serem utilizados para avaliação do patrimônio de cada sociedade, que serão livremente transacionados, dominando amplamente o principio da liberdade contratual.

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Prevalece, portanto, em nosso direito, a ampla liberdade na fixação convencional tanto do critério utilizado para avaliação do patrimônio líquido da sociedade a ser incorporada como do parâmetro fixado para determinação da relação de troca das ações, devendo apenas constar do protocolo de incorporação o critério escolhido, conforme estipula o art. 224, II, da Lei das S.A. (Carvalhosa, Erizik, 2000, p. 374)

Ao falar em liberdade contratual, deixando ao alvedrio dos administra-dores das sociedades a forma como o patrimônio das sociedades será avaliado, evidente resta a condição de contrato atribuída aos atos preparatórios à incor-poração, bem como a esta em si.

Consideradas as questões preliminares ao ato de reorganização societá-ria, doravante será discutida a forma como as pessoas envolvidas em atos de reestruturação empresarial podem, diante de atitudes que venham a lhes trazer prejuízos, vindicar seus direitos.

MEIOS DE PROTEÇÃO AOS ACIONISTAS E CREDORESIndiscutível é o fato de a legislação se aperfeiçoar em busca de mecanis-

mos intencionando aprimorar as operações de reorganização societária e assim garantir a efetiva satisfação dos direitos dos que nesta operação se envolveram. Sobre estas alterações que paulatinamente se incorporaram ao Direito, Waldírio Bulgarelli teceu o comentário a seguir:

De todo o visto, ressaltam inegáveis os aperfeiçoamentos que as mais recentes legislações trouxeram ao instituto, sobretudo no que tange à proteção dos acio-nistas, compensando em larga medida o direito de recesso que lhes não foi con-cedido ou retirado; aos credores para compensar a falta do direito de oposição e a ambos, acionistas e credores, através da exigência de alguns elementos básicos esclarecedores da operação (acordo prévio, balanço especial etc.) e sua difusão e publicidade.

Tentou-se assim, flexibilizar o mecanismo jurídico, sem prejudicar os acionistas e credores, para alcançar um justo equilíbrio entre os interesses das partes, incluin-do o interesse público. (Bulgarelli, 2000, p. 191)

Em uma operação de reorganização societária, vários são os interesses envolvidos no processo. Há o interesse dos que representam as sociedades en-volvidas, os interesses dos credores das sociedades e, especialmente, os inte-resses dos acionistas, que, diante da complexidade – ainda que surgidas formas legais para simplificar o processo –, são os maiores interessados em um proces-so de reorganização societária. Waldírio Bulgarelli, com conhecimento sobre o tema que lhe é peculiar, manifestou o seguinte entendimento sobre o tema:

Desde logo deve-se destacar que a lei avançou bastante, neste aspecto, em rela-ção à legislação anterior. Consagrou assim medidas informativas aos acionistas, conforme já ressaltado, a saber, o protocolo e a justificação.

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Do ponto de vista patrimonial, o conteúdo do protocolo e já justificação virá esclarecer o acionista sobre uma série de elementos da maior importância: assim, o critério de avaliação do patrimônio líquido, por exemplo, previsto no inciso III do art. 224; o sistema adotado para a “troca de ações” ou “canje de acciones” dos espanhois previsto no item III do art. 225; as ações a que terão direito os acionistas dissidentes (itens II e IV do art. 225).

Quanto ao direito de recesso, a Lei nº 9.457/1997 de pronto revogou a Lei Lobão e a seguir disciplinou de forma diversa a Lei nº 6.404/1976. Destarte, desde logo o excluiu no caso de cisão e em relação à incorporação e à fusão estabeleceu al-gumas restrições, assim como o cálculo do reembolso. (Bulgarelli, 2000, p. 220)

Questão de vultosa relevância, que guarda relação diretamente com os acionistas nos processos de incorporação diz respeito ao direito de recesso. Tal situação, que permite ao acionista dissidente se retirar da sociedade, ao longo do tempo teve sua legislação alterada por substanciais mudanças.

Em 1989, foi publicada a Lei nº 7.958, a chamada Lei Lobão, que, ao modificar a redação conferida ao art. 137 da Lei nº 6.404/1976, suprimiu, nos casos de incorporação, fusão e cisão, o direito de retirada do acionista dissi-dente. Entretanto, controversa questão surgiu quando esta mesma lei manteve incólume o disposto no art. 230 da Lei das Sociedades Anônimas, que também dispõe sobre o direito de retirada em casos de incorporação societária.

Os que defendem que não mais há o direito de retirada o fazem com fin-cas no fato de que, quando uma lei revoga ou derroga outros dispositivos legais, há intrínseca vinculação a este preceito de todos os outros que guardam relação com o que dispõem o texto revogado. Dessa forma, estariam todas as normas vinculadas ao dispositivo revogado também revogadas. Carlos Maximiliano, com a sabedoria de sempre referente ao assunto de interpretação, comentou a questão da seguinte maneira:

Extinta uma disposição, ou um instituto jurídico, cessam todas as determinações que aparecem como simples consequências, explicações, limitações ou se desti-nam a lhes facilitar a execução ou funcionamento, a fortalecer ou abrandar seus efeitos. O preceito principal arrasta em sua queda o seu dependente ou acessório. (Maximiliano, 1970, p. 421)

Com base na lição supratranscrita, alguns doutrinadores têm enten-dido que, com a publicação da Lei nº 7.958/1989, tendo o art. 137 da Lei nº 6.404/1976 sido revogado, automaticamente o art. 230 do mesmo diploma o estaria também. Isso decorre do fato de estar o art. 230 vinculado ao art. 137. Para dirimir a dúvida surgida, Mauro Rodrigues Penteado esposou entendimen-to no sentido:

De tudo que foi exposto, dúvidas não ensombram que a Lei nº 7.958/1989, por haver tão-somente subtraído do art. 137 as remissões feitas aos incisos VI e VIII do art. 136 da lei acionária, não logrou eliminar, como tencionava o autor do

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Projeto nº 182/1989, o direito de retirada nas operações de incorporação, fusão, cisão e constituição de grupos de sociedades.

A mens legislatoris desaparece, como sabido, com a promulgação da lei, dando lugar à mens legis, que, no caso presente é apreendida sem qualquer esforço, ante a subsistência do art. 225 IV, 230, 264, §§ 3º e 4º, e 270, parágrafo único, no diploma legal acionário modificado. (Penteado, 1990, p. 48)

No mesmo sentido, Modesto Carvalhosa expôs igual entendimento mos-trando que

o direito de retirada tem caráter essencial, inderrogável e intangível, como dis-posto no art. 109 da Lei nº 6.404/1976, podendo estar previsto em outros artigos da mesma lei, além do já referido art. 137, que não foram alterados.

Ademais, o art. 137 meramente estabelece uma norma geral conflitar com qual-quer dos demais artigos que o asseguram em casos específicos, os quais estabele-cem procedimentos próprios para as hipóteses nele previstas.

E os outros artigos que disciplinam tal direito de retirada não foram expressa ou tacitamente revogados, em nada conflitando com a Lei nº 7.958/1989, de acordo com a moderna interpretação legislativa.

Tem-se, pois, que a Lei nº 7.958/1989, não derrogou nem restringiu o direito de recesso, que continua íntegro para os acionistas dissidentes das deliberações de incorporação, fusão e cisão, tudo nos termos dos já citados arts. 230 e 264, §§ 2º e 3º, da Lei nº 6.404/1976. (Carvalhosa, 1989, p. 90-91)

Dessa forma, indiscutível resta que o art. 230 não foi revogado pela Lei nº 7.958/1989, razão pela qual o direito de recesso dos acionistas dissidentes deve ser mantido com a vigência da referida lei.

Ademais, há salientar que a Lei nº 10.303/2001 introduziu importantes alterações no que diz respeito ao direito de recesso. Com relação aos titulares de ações dotadas de liquidez ou emitidas por companhias com o capital disper-so no mercado, a citada lei não alterou o determinado pela Lei nº 9.457/1997, no sentido de negar o direito de recesso na fusão, incorporação ou cisão.

Apesar de não modificar estes critérios, negando o direito de recesso aos acionistas dissidentes, a Lei nº 10.303/2001 modificou os critérios para se afe-rir a liquidez das ações. Assim se manifestaram Modesto Carvalhosa e Nelson Erizik:

A Lei nº 10.303/2001, no que se refere ao direito de recesso na fusão, incorpo-ração ou participação em grupos de sociedades introduz alterações importantes.

Em primeiro lugar, observa-se que não foi alterado o princípio introduzido pela Lei nº 9.457/1997, de negar o direito de recesso aos titulares de ações dotadas de liquidez ou emitidas por companhias com o capital disperso no mercado.

Não obstante, a Lei nº 10.303/2001 modificou substancialmente os critérios para que se possam aferir os parâmetros de liquidez e dispersão das ações, visando a

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reduzir as hipóteses em que pode ser negado o direito de recesso aos acionistas dissidentes. (Carvalhosa, Erizik, 2002, p. 272)

A justificativa para a retirada do direito de recesso, trazida pela Lei nº 9.457/1997, se dá em decorrência da necessidade de efetivação de um pro-cesso de desestatização levado a efeito pelo Governo Federal, de forma a per-mitir o pleno desenvolvimento da política de incentivo ao desenvolvimento.

Nesse diapasão, com fincas do que restou supraexposto, ainda que tenha a Lei nº 10.303/2001 alterado substancialmente a forma de se aferir a liquidez das ações, esta manteve a retirada do direito de recesso em casos de fusão, incorporação e cisão. E a justificativa para tal condição é simples. Uma vez exposto que o objetivo precípuo da retirada do direito de recesso dos processos de incorporação é eximir a sociedade de se onerar com a retirada de alguns dos sócios, com a intenção de assim assegurar a efetiva aplicação de uma polí-tica de desenvolvimento, somente em casos específicos é que é assegurada aos acionistas a efetivação do direito de recesso.

Ademais, por toda disposição contida acerca da interpretação das leis em discussão e considerando os preceitos que regem a matéria do ponto de vista da Lei de Introdução ao Código Civil, o artigo de lei que determina o direito de retirada foi revogado, sendo inclusive tal fato reconhecido pelo Superior Tribu-nal de Justiça que, ao julgar ação que demandava a questão do exercício do direito de retirada, reconheceu que o acionista dissidente não mais tem direito de retirada com a publicação da Lei nº 7.958/1989.

O entendimento exposto no presente trabalho, divergindo inclusive da posição assumida pelo Superior Tribunal de Justiça, é que ao acionista dissi-dente é garantido o direito de recesso independente da situação em que esta retirada é efetuada (no caso, a incorporação).

A partir do momento em que o sócio se retira da sociedade, em razão de uma operação de reorganização societária, haverá uma troca de ações entre as sociedades, sendo que a incorporadora passará a ter ações que outrora faziam parte da incorporada. Uma vez que estas ações passarão ao domínio da incor-porada, nada mais justo que ressarcir os acionistas pelo valor das ações que en-tão detinham na sociedade incorporada, e que não mais terão direito acionário na sociedade que a incorporou. Trata-se, portanto, de assegurar às minorias o efetivo exercício de seus direitos. Ainda que seja estipulada uma forma de se aferir qual o efetivo valor das ações devidas aos acionistas dissidentes, o direito de reembolso dos acionistas minoritários deve ser respeitado e assegurado.

Waldírio Bulgarelli manifestou-se no seguinte sentido sobre a questão, buscando uma consonância entre as regras que regem o negócio da incorpora-ção e o direito dos acionistas minoritários.

Ingenuidade seria aceitar-se a regra da prevalência dos direitos da maioria, en-quanto tal, sempre e, principalmente, no que toca à incorporação, onde a fraude

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pode campear, através da tomada do controle prévio. É verdade que se trata, afinal, de luta de interesses, entre capitalistas todos, minorias e maiorias, e até mesmo, uma grande minoria, ou uma quase maioria. Neste caso, às vezes, por uma diferença mínima, um grupo impõe sua vontade ao outro, em prejuízo dos interesses destes, não se podendo, no caso, encontrar na regra geral da prevalên-cia dos interesses sociais sobre os interesses individuais, a justificativa necessária. [...]

É bem de ver que na incorporação, especificamente, não se trata de obter um estado de equilíbrio entre a maioria e minoria, para que a sociedade atinja os seus fins, conciliando interesses em jogo, inclusive, a apregoada contradição de interesses entre empresa e sociedade.

Aqui se trata da realização de um negócio jurídico que levará até mesmo a incor-porada a se extinguir, devendo, portanto, suas regras ser endereçadas a garantir a justa retribuição dos acionistas, sem vantagens para uns em relação a outros. Regras, portanto, específicas para garantir a participação igualitária no negócio, não se justificando que os controladores, só por isso, mereçam ou obtenham vantagens maiores do que os demais, ou mesmo em detrimento deles. (Bulgarelli, 2000, p. 164)

Dessa forma, pelas considerações formuladas anteriormente, o direito dos acionistas minoritários merece e deve ser preservado, sob pena de, não o sendo, serem aviltados princípios e direitos inerentes à minoria. Sob este as-pecto, vários são os instrumentos processuais postos à disposição destes para dirimirem, cabendo, ante o caso concreto, a oposição do meio mais eficaz e hábil para dirimir a lide.

Incluem entre estes meios ações que intencionam anularem a assem-bleia que deliberou pela reorganização societária, ações em que os acionistas vindicam reparação em decorrência de avaliação errônea de suas ações e até mesmo ações que pleiteiem recomposição societária decorrente de alterações sociais levadas a efeito com inobservância às formas legais e em detrimento dos direitos dos acionistas.

Relativamente à questão da anulação da assembleia, que deliberou sobre a reorganização societária, tal possibilidade é abarcada pelo art. 286 da Lei nº 6.404/1976, em que é estipulado um prazo para propositura da ação.

Há, contudo, que se observar quais os tipos de violação podem ocorrer em uma assembleia, pois para cada tipo de vícios, medida a ser tomada depen-derá da forma destes. Túlio Ascareli, ao discorrer sobre o assunto, manifestou o entendimento a seguir exposto.

Querendo formular um princípio geral a respeito dos vícios de impugnabilida-de e daqueles de nulidade da deliberação, poder-se-ia dizer que, enquanto a deliberação exista, a violação das normas que disciplinam as assembléias e as suas deliberações ou os direitos individuais renunciáveis dos acionistas acarreta a anulabilidade da deliberação, ao passo que a violação das normas de ordem pú-blica, ou emanadas no interesse de terceiros, acarreta a nulidade ou a ineficácia

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da deliberação, bem como são nulas as deliberações ou as cláusulas do estatuto cujo objeto contraste com direitos inderrogáveis e irrenunciáveis do acionista.

A nulidade da deliberação pode ser invocada, de conformidade com o direito comum, por qualquer interessado e, portanto, até pelo acionista que votou a fa-vor da deliberação; a anulação da deliberação pode ser invocada, nos prazos do art. 286 da Lei nº 6.404/1976, pela sociedade ou pelo acionista que não votou a favor da deliberação; e ineficácia da deliberação pode ser invocada pelo tercei-ro (ou pelo acionista privilegiado), interessado, de conformidade com o direito comum.

A sentença que declara a inexistência, ineficácia ou nulidade da deliberação é, conforme técnica processual moderna, uma sentença declaratória; a sentença que pronuncia a anulação da deliberação é, ao contrário, uma sentença consti-tutiva. (Ascareli, 2001, p. 554)

A partir do momento em que ocorre a deliberação na assembleia, nos termos explanados, várias são as possibilidades de lesão a direitos, bem como várias também são as formas para sanar tais lesões. Há, contudo, como fator preponderante, a imperiosa necessidade de determinar qual vício maculou a assembleia e qual foi a parte lesada na deliberação, a fim de que seja tomada a medida cabível para se obter um resultado prático e eficaz.

Relativamente aos direitos dos credores, a legislação também se preocu-pou em protegê-los e lhes assegurar o efetivo exercício de seus direitos. Uma vez credor da incorporada, o seu crédito também se transfere à incorporadora, podendo inclusive haver melhoras na condição de devedor. No que tange ao fato de a lei conferir especial atenção aos credores, Waldírio Bulgarelli elucida a questão da seguinte forma:

O princípio em que se apóia a oposição dos credores, é o de que não estão obri-gados a aceitar a substituição do devedor, quando lhes possa ser prejudicial. A doutrina italiana a respeito, está plenamente convicta do acerto do seu sistema, tanto que já assinalava Navarrini que na fusão, os credores poderiam ser preju-dicados “daí a necessidade, por outro lado, de avaliar-lhe as conseqüências, de ver como seus direitos podem ser de outro modo assegurados, de opor-se, enfim, quando não o sejam: tem-se, cada um o vê, para os credores das sociedades que desaparecem, mudança do devedor, e tal mudança não pode, pelos princípios gerais, existir, se não houver a adesão dos credores”. Por outro lado, há a necessi-dade de que a sociedade e os sócios venham a conhecer e possam, pois, apreciar convenientemente a gravidade do ato. (Bulgarelli, 2000, p. 181)

Certo é que os credores também são envolvidos por certo tipo de prote-ção quando da efetivação da reorganização societária, sendo certo que a legis-lação faculta a estes o direito de, no prazo de 3 (três) meses, buscar a reparação judicial de prejuízos que eventualmente tenham sofrido no processo de incor-poração.

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Esta reparação se dará por meio da anulação da operação, sendo certo que os credores podem ser tanto da sociedade incorporada quanto da incorpo-radora. Entretanto, considerando os aspectos econômicos, sociais e, principal-mente, objetivos que envolvem um processo de reorganização societária, seria um tanto quanto temerário facilitar o direito dos credores ao ponto de dificultar o procedimento de incorporação. Waldírio Bulgarelli expôs o seguinte enten-dimento:

A tendência geral vem sendo, como na Itália e na Espanha, a de diminuir os prazos de oposição, tendo em vista a necessidade de não dificultar em demasia a sua realização. Trata-se, portanto, de uma diminuição da margem de tempo que dispõem os credores para reclamar da incorporação, facilitando e simplificando o mecanismo para certas incorporações, sem prejudicá-los, retirando-lhes este direito.

Por seu turno, a lei brasileira se de um lado facilita a realização da incorporação, não concedendo esse direito de oposição, utilizando em alguns casos por credo-res de má fé para dificultar e até mesmo impedir a incorporação, como já se veri-ficou em outros países, faz, de outro, pender sobre ela uma verdadeira condição “resolutiva”, pois poderá ser desfeita, se os credores lograrem sucesso no pedido de anulação. (Bulgarelli, 2000, p. 184)

Tem-se, assim, uma nítida e flagrante distorção entre o que é facultado aos credores, relativamente aos seus direitos ante uma incorporação, e o que é efetivamente praticado nos atos de incorporação, considerando, especialmente, seus objetivos.

Uma vez que o fato de assegurar aos credores o direito de oposição é ato que fere letalmente o processo de incorporação, e considerando que daqueles não pode ser retirado o direito de vindicarem o ressarcimento por prejuízos que eventualmente venham a sofrer, a saída encontrada é manter o direito de opo-sição, porém reduzindo o prazo, atitude cominada a uma série de outros atos que venham a assegurar o efetivo direito dos credores, sem, contudo, prejudicar o andamento do processo de reorganização societária.

Esta convergência de fatores põe de um lado o interesse societário em se reestruturar e de outro o interesse dos credores das sociedades neste processo envolvidos, o que faz surgir a ideia de, face de uma premente necessidade de elidir estes conflitos, efetivar um aprimoramento dos aspectos legislativos que tratam da matéria, mas que não se encontram em perfeita consonância com a rápida evolução do instituto em questão.

Diante da acentuada necessidade de as empresas se reorganizarem, sur-giram os processos de incorporação societária, a fim de possibilitar um desem-penho mais efetivo de suas atividades e, consequentemente, um maior aferi-mento de lucros e resultados.

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Em razão desse fator, a legislação, ao longo do tempo, evoluiu no sentido de organizar e legalizar os procedimentos pelos quais a reorganização societá-ria é levada a efeito, impondo a realização de vários atos preliminares e outros que visem a adequar o procedimento de incorporação aos interesses das partes diretamente envolvidas no processo de reorganização, dos credores e de toda uma coletividade que direta ou indiretamente guarda alguma relação com a incorporação.

Entretanto, mesmo com todo o cuidado com o qual se busca efetivar o procedimento de reorganização, há situações em que os interesses dos acio-nistas, dissidentes ou não, participantes ou não do procedimento, entram em conflito com os interesses e objetivos principais da incorporação, sendo que em muitas situações há até a ocorrência de lesão a direitos. No mesmo sentido, há também salientar os interesses dos credores das sociedades envolvidas na incor-poração, que são partes cujos interesses podem vir a conflitar com a operação.

Assim, a legislação, embora tenha por muito tempo se omitido com re-lação às formas pelas quais podem os interessados, que de alguma maneira, foram lesados em um processo de incorporação de vindicar seus direitos, facul-tou a estes a possibilidade de uma maneira judicial buscar uma reparação por prejuízos que eventualmente venham a sofrer.

O ponto controverso da questão reside no aspecto de, ao proporcionar aos acionistas, credores e demais envolvidos em um processo de incorporação meios pelos quais estes poderão buscar uma reparação judicial, em casos de lesão a direitos o objetivo precípuo da reorganização societária, que é fomentar e desenvolver a atividade empresarial, fica prejudicado.

Não se olvidando que os direitos dos acionistas dissidentes, dos credores e demais interessados devem ser preservados, resguardados e mantidos, há sa-lientar que uma reorganização societária pressupõe uma significativa alteração que aproveita a toda uma coletividade que pode se beneficiar dessa reorganiza-ção, além de todo um impacto econômico.

Não obstante a repercussão de uma reorganização societária, conside-rando todos os seus efeitos, os direitos dos acionistas e credores devem ser preservados de modo a garantir a lisura da prática. Direitos de acionistas, ainda que minoritários ou daqueles que não mais farão parte da sociedade, devem ser mantidos, ocasião em que, não os sendo, impõem-se a provocação do Poder Judiciário para dirimir as controvérsias surgidas.

Entretanto, diante da sobreposição dos interesses públicos decorrentes de um processo de incorporação, a forma como podem os acionistas dissiden-tes, os minoritários e os credores vindicar seus direitos e buscar a reparação de eventuais lesões foi também objeto de várias alterações legislativas. Se, de um lado, certos direitos foram suprimidos; de outro, buscaram-se formas de aprimo-

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rar cada vez mais o procedimento, a fim de evitar lesão a direitos de acionistas e credores.

Dessa forma, não se furta o Poder Judiciário de apreciar estas questões. Porém, para que esses direitos sejam judicialmente pleiteados, as questões que o originam devem ser tratadas com maior cuidado e zelo, de modo a preservar o procedimento de reorganização societária e também assegurar os interesses dos envolvidos.

REFERÊNCIASALMEIDA, Amador Paes. Manual das sociedades comerciais. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

ASCARELLI, Túllio. Problemas das sociedades anônimas e o direito comparado. Campinas: Bookseller, 2001.

BULGARELLI, Waldírio. A incorporação das sociedades anônimas. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 1975.

______. Fusões, incorporações e cisões de sociedades. 5. ed. Atualizada de acordo com a Lei nº 9.457/1997 das sociedades por ações. São Paulo: Atlas, 2000.

CARVALHOSA, Modesto. A Lei nº 7.958/1989, de 20 de dezembro de 1989, e o direito de retirada dos acionistas dissidentes. Revista Forense, v. 328, p. 90-91.

______. Comentários à lei das sociedades anônimas: Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as modificações das Leis nºs 9.475, de 5 de maio de 1997, e 10.303, de 30 de outubro de 2001. São Paulo: Saraiva, 2002.

______. A nova lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 2002.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.

PENTEADO, Mauro Rodrigues. A Lei nº 7.958/1989 e a pretensa modificação do direi-to de retirada dos acionistas: uma discussão inócua. Revista de Direito Mercantil, n. 77, jan./mar. 1990.

SIMONSEN, Mário Henrique. A nova economia brasileira. São Paulo: José Olímpio, 1971.

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Parte Geral – Doutrina

A Relação entre Corretores de Imóveis, Imobiliárias e o Mercado Imobiliário

ALEXANDRE BARBOSA MACIELCorretor de Imóveis, Advogado.

As últimas modificações no ordenamento jurídico envolvendo a ativi-dade da corretagem de imóveis apontam para uma maior responsabilização e, consequentemente, uma maior valorização do trabalho desses profissionais.

Tenho acompanhando com grande interesse as últimas notícias que en-volvem o acirramento na relação de trabalho entre corretores de imóveis e imo-biliárias que têm circulado pela imprensa e pelas redes sociais. As superinten-dências regionais do Ministério do Trabalho de todos os Estados da Federação receberam determinação da Presidência da República para que verificassem a situação de trabalho dos corretores de imóveis nas imobiliárias, interesse esse motivado por algumas denúncias e ações judiciais de corretores contra imobi-liárias no sentido de ter reconhecido o vínculo empregatício, como também as movimentações do Ministério Público do Trabalho em alguns Estados. Aqui em Pernambuco foi realizada uma reunião na Cidade de Petrolina, onde estiveram presentes representantes do Sindicato dos Corretores de Imóveis, Sindimóveis e das empresas, o Secovi, além de representantes do Creci, corretores de imóveis e o Dr. Ulisses Dias de Carvalho, Procurador do Trabalho naquela cidade. Des-sa reunião foi gerada uma ata expondo o que nela foi discutido e as conclusões1. No nosso vizinho, Estado de Alagoas, o resultado foi um relatório realizado pelo Auditor Fiscal Glauco Nogueira Bezerra, que recebeu um bem elaborado artigo de um blog chamado Circruz Consultoria2. No Distrito Federal, algumas imobi-liárias receberam notificação do MPT para prestar esclarecimentos sobre as re-lações de trabalho entre as imobiliárias e os seus colaboradores, com destaque para os autônomos, e nesses se incluem os corretores de imóveis3.

Paralelamente a esses fatos, tenho observado alguns movimentos buscan-do uma maior valorização do trabalho do corretor de imóveis, como a proposta da criação da Caci, Caixa de Assistência dos Corretores de Imóveis, associações de corretores surgem em vários Estados, grupos são formados nas redes sociais para apresentar e debater ideias, projetos de leis tramitam no congresso benefi-ciando a atividade ou simplesmente regulamentando casos omissos na legisla-

1 Disponível em: <http://goo.gl/G2e3fv>.

2 Disponível em: <http://circruz.blogspot.com.br/2013/03/o-corretor-de-imoveis-e-o-vinculo.html>.

3 Disponível em: <http://goo.gl/oW5arA>.

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ção, como o projeto de lei do Deputado Edinho Bez de Santa Catarina, criando a figura do corretor associado4. No mês de julho, o Cofeci andou promovendo lobby no Congresso para pressionar os parlamentares a apreciarem as propostas de leis de interesse da categoria. Alguns Estados, como a Paraíba, já tem lei estadual que obriga aos cartórios a informarem na escritura pública quem foi o corretor de imóveis ou imobiliária que intermediou o negócio5, reforçando a segurança jurídica dos negócios imobiliários naquele Estado. Outra informação importante vem do primeiro Sindicato de Corretores do Brasil, o do Estado do Rio de Janeiro, que instituiu o piso salarial para corretor de imóveis.

Congressos, seminários, cursos e palestras acontecem todos os dias nas grandes cidades, promovendo discussões e compartilhando conhecimentos so-bre a atividade da corretagem de imóveis e preparando os profissionais para o exercício da atividade em níveis cada vez melhores. Isto demonstra que a nossa atividade está viva e desejosa por mudanças.

COMPARTILHANDO IDEIASUma importante modificação na legislação, que beneficiaria não só os

profissionais da corretagem de imóveis, mas toda a sociedade, seria a institui-ção da reserva exclusiva de mercado na comercialização de imóveis no Brasil, instituto que é representado pela palavra exclusividade, já citada e prevista no art. 726 do Código Civil de forma opcional e praticada por muitos profissionais. Essa simples modificação atenderia a um antigo anseio da categoria, que foi criada a duras penas, sofrendo à época da sua regulamentação o lobby con-trário e pesado de segmentos como o dos advogados e dos engenheiros, por sentirem ameaçadas as suas atividades com uma nova atividade que surgia e que de certa forma tirava desses profissionais algumas prerrogativas que eles desempenhavam, como a intermediação de compra e venda, da locação e da avaliação de imóveis. As últimas modificações no ordenamento jurídico envol-vendo a atividade da corretagem de imóveis apontam para uma maior responsa-bilização e, consequentemente, uma maior valorização do trabalho desses pro-fissionais que desempenham uma importante atividade econômica, responsável pela grande maioria das transações imobiliárias correntes no nosso País. Provas disso foram a criação do capítulo da corretagem no Código Civil em 2002, da alteração do art. 723 do mesmo diploma, atribuindo responsabilidade civil total aos corretores no exercício da sua atividade recentemente em 2010, de atos do nosso Conselho Federal normatizando através de resoluções a regulamentação das avaliações realizadas por corretores de imóveis de acordo com a Norma Técnica nº 14.653-26, como também obrigando os corretores a se cadastrarem

4 Disponível em: <http://goo.gl/HM8mcL>.

5 Disponível em: <http://goo.gl/ai4xpH>.

6 Disponível em: <http://www.cofeci.gov.br/portal/arquivos/legislacao/2007/resolucao1065_2007.pdf>.

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no Coaf e informarem as transações acima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que sejam suspeitas de oriundas de crime de lavagem de dinheiro7 e também normatizando a respeito da obrigatoriedade de arquivamento da documentação dos empreendimentos no Creci e sobre as condições básicas para o exercício da atividade8. Até personagem protagonista de novela da Globo expôs a atividade em rede nacional recentemente.

A EXCLUSIVIDADERessalto a importância de que toda transação seja intermediada por cor-

retor de imóveis e através de contrato escrito, mas isso só não basta: a lei pre-cisa ser modificada atribuindo exclusividade aos corretores de imóveis para a intermediação de todas as transações imobiliárias, promovendo a escrituração pública e o registro da transação ou simplesmente fornecendo um parecer de-terminando o valor do negócio para apuração dos impostos. Isso poria fim ao exercício ilegal da profissão, pois apenas os corretores poderiam intermediar as transações imobiliárias de todas as espécies e opinar quanto à comercialização imobiliária, conforme determina o art. 3º da Lei nº 6.530/1978, fornecendo aos órgãos envolvidos e interessados na operação por ele intermediada os valores negociados, através de declaração própria, ou de escritura particular, o que reduziria a 0 (zero) a sonegação dos impostos sobre as transações imobiliárias, pois o corretor e/ou a imobiliária que intermediou a transação, seja a compra e venda, permuta ou locação, seriam obrigados a informar à Receita Federal, ao Estado e ao Município toda e qualquer transação intermediada, fornecendo-lhe todos os dados para a apuração dos impostos incidentes na operação, como também os impostos e encargos sobre os honorários, inclusive no caso de di-visão. Para termos uma ideia, estima-se que cerca de R$ 50 bi são sonegados anualmente nas transações imobiliárias.

O QUE NÃO FAZERSugiro que não desperdicemos nossa energia brigando entre nós. A Lei

nº 6.530/1978 criou as figuras do corretor de imóveis pessoas físicas e pessoas jurídicas. Ambas conquistaram a condição legal de coexistirem pacificamente, sem subalternidade ou subordinação, mas, sim, muita cooperação de ambos os lados. Somos uma atividade moderna, criada sem os direitos e as garantias que algumas pessoas buscam nos empregos, porém com um nível de remuneração equiparado às atividades autônomas de nível superior, embora não nos seja exigido mais do que um curso de nível técnico para exercermos a atividade, regalias estas que comprovadamente atrapalham o desenvolvimento de certos setores da economia. A mais importante batalha que devemos travar é para

7 Disponível em: <http://www.cofeci.gov.br/portal/arquivos/legislacao/2010/resolucao1168_2010.pdf>.

8 Disponível em: <http://www.cofeci.gov.br/portal/arquivos/legislacao/2012/resolucao1256_2012.pdf>.

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obtermos a reserva exclusiva de mercado, levando uma proposta de alteração da Lei nº 6.530/1978, modificando os arts. 2º e 3º, parágrafo único, garantin-do, assim, que apenas os corretores de imóveis possam intermediar transações imobiliárias no Brasil. Podemos aproveitar esta janela aberta pela Presidenta Dilma Rousseff, que demonstrou preocupação com a situação do corretor de imóveis, para demonstrarmos a ela o quanto a nossa atividade pode ser aprovei-tada para evitar bolhas imobiliárias, motivadas pela sede de alguns construtores e proprietários pelo lucro facilitado e pelo excesso de crédito e subsídios para o segmento imobiliário, facilitando a especulação de valores e também para com-bater a sonegação de impostos incidentes nas transações imobiliárias. Devemos mostrar que nós, na qualidade de responsáveis civilmente, como determina o art. 725 do Código Civil e seu parágrafo único, que atribuem total responsabi-lidade ao corretor, pela satisfação plena de ambas as partes que participam de uma transação imobiliária sob pena de termos que indenizar o cliente prejudi-cado em valores muitas vezes superiores aos recebido de honorários, não temos qualquer interesse em participar de fraudes ou esquemas de sonegação ou de lavagem de dinheiro, uma vez que sobrevivemos da nossa, que é fiscalizada não só pelo nosso órgão normatizador e fiscalizador, o sistema Cofeci/Creci, mas também pelo Estado através do Ministério Público, pelos Municípios atra-vés dos Procons, da Receita Federal que nos já atribui a função de auxiliares da fiscalização e por toda a sociedade. Precisamos mostrar à Presidenta Dilma que nossa profissão surgiu justamente do exercício contínuo e, na maioria das vezes, exclusivo da intermediação imobiliária por profissionais legalmente habilitados e que estamos prontos para contribuirmos com a desburocratização e segurança dos negócios imobiliários realizados no nosso País. Nossa profissão nos habilita a desafios maiores, que poderão ser promovidos através da regulamentação das normas que regem a nossa atividade e da capacitação contínuas. Antes de tudo, precisamos ter noção da força social e econômica da nossa categoria.

PERIGO DE RETROCESSOApesar de apresentar argumentos amparados em fundamentos legais, po-

rém que não se aplicam à atividade da corretagem de imóveis, o relatório do Auditor Fiscal do Estado de Maceió, Glauco Nogueira, deixa de levar em con-sideração várias questões de ordem legal e prática na relação entre corretores de imóveis e imobiliárias, que não podem ser colocadas de lado, sob pena de prejudicar um segmento empresarial de suma importância para a economia do nosso País. Primeiramente, é importante salientar que qualquer corretor de imóveis pode se tornar pessoa jurídica, buscando para tanto atender às exigên-cias previstas em lei. Outro fato importante é o de que as formas de divisão dos honorários, que é o que percebemos como pagamento pela concretização dos negócios, ou, ainda, conforme determina o art. 725 do CC, são determi-nadas pelas tabelas de honorários confeccionadas pelos sindicatos de correto-res de imóveis de cada Estado, e homologadas pelos Conselhos Regionais na

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sua jurisdição, devidamente amparados pela Lei nº 6.530/1978 e pelo Decreto nº 81.871/1978. Outra importante consideração é a de que o contrato de corre-tagem é um contrato típico, especial, não se confundindo com os demais tipos de contratos de prestação de serviço. Estes sim geram vínculo empregatício. Portanto, a contratação por escrito, além de ser uma obrigação legal e ética dos corretores de imóveis, serve para proteger o proprietário do imóvel ou seu pre-posto do vínculo empregatício com o corretor de imóveis. Se não fosse assim, qualquer corretor poderia entrar com ação na Justiça Trabalhista pedindo reco-nhecimento do vínculo empregatício contra o seu contratante, proprietário de imóveis que o contratou para vender ou alugar o seu imóvel. O que existe entre corretores de imóveis e imobiliárias, na verdade, é um contrato de parceria para corretagem, onde o corretor pode fazer o papel tanto de captador do negócio quanto de vendedor, ou ambos, e a imobiliária fornece-lhe credibilidade, estru-tura e muitas vezes até o cliente. O direito aos honorários é determinado pelos arts. 724 e 725 do CC. Não existe relação de hipossuficiência entre eles, pois o corretor que captar e vender um imóvel utilizando a marca e a estrutura de uma imobiliária receberá 50% dos honorários auferidos no negócio. Fica para mim muito claro de que não existe previsão legal que apoie a ideia de que os corre-tores de imóveis, no exercício da atividade, estejam eles trabalhando isolada-mente ou em parceria com outros corretores ou imobiliárias, possam pretender buscar na Justiça do Trabalho o reconhecimento de vínculo empregatício nem contra o proprietário do imóvel nem contra o parceiro. Ambos, portanto, cor-retores e imobiliárias, devem se resguardar, assinando um contrato de parceria para fins de corretagem. Esse contrato deve conter todas as condições envolvi-das na parceria, como o respeito às regras contidas nas normas legais, comum a todos, a forma divisão de honorários estabelecida na tabela de honorários, os direitos e as obrigações de parte a parte, os investimentos que cada um tem que fazer, a dedicação exclusiva à imobiliária ou não. Porém, nada impede que corretores de imóveis tenham funções assalariadas dentro das imobiliárias que eles prestem serviços, como de gerência de equipes, de produtos ou de serviços. Nossa profissão é assim mesmo, moderna e sem direitos trabalhistas. O pagamento dos respectivos honorários aos corretores deverá ser feito sempre através de RPA, descontando os encargos e impostos incidentes sobre o bruto da remuneração.

O relatório deixa de considerar todos os investimentos que são feitos pela imobiliária para que o corretor de imóveis pessoa física possa desempenhar a sua atividade. Achei ainda curioso também o fato de que a denúncia que moti-vou a iniciativa da Presidência da República tenha partido de uma corretora de imóveis do Estado de Alagoas que preferiu preservar-se no anonimato, mesmo Estado do Auditor Fiscal Glauco Nogueira, único no País a atender a determi-nação presidencial. Creio que ele tenha simplesmente comparado a relação existente entre corretores de imóveis pessoas físicas com as imobiliárias, que são nada mais do que corretores de imóveis que fazem parte de uma sociedade

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que exerce a atividade da corretagem de imóveis, com a relação entre os pa-trões e empregados.

Embora alguns defendam o reconhecimento do vínculo empregatício, considero que, caso isso venha a ser aprovado, causará um grande choque na atividade empresarial, pois, desta forma, os corretores passarão a ter não só di-reito a piso salarial, mas também todas as outras obrigações comuns à relação empregatícia, 13º salário, férias de 30 dias acrescidas de 1/3 do salário, FGTS, INSS, PIS, Cofins, CSLL, licença de até 15 dias recebendo da empresa sem traba-lhar caso adoeça, multa de 50% sobre o montante do FGTS para ser demitido, o que não se encaixa nos atuais costumes. Este é o modelo arcaico de sistema trabalhista implantado na primeira metade do século passado pelo Estado, onde se transferiu para o empregador o custo de todas as obrigações que deviam ser do Estado. Esta regra não se aplica a nossa atividade, que é meio e não fim, e foi concebida para ser assim mesmo, autônoma, o que significa que cada um cuida da sua vida, inclusive recolhendo para a Previdência, que deveria cuidar da nossa saúde durante a nossa vida laboral e nos oferecer aposenta-doria quando completarmos 35 anos de contribuição ao INSS, como também recolhendo o imposto sobre as rendas auferidas, nas suas diversas faixas de contribuição e o ISS à prefeitura, sejamos corretores de imóveis pessoas físicas ou empresários. Também é sabido que as pessoas jurídicas quando pagam os honorários aos seus colaboradores pessoas físicas devem fazer através de RPA (recibo de pagamento a autônomo), recolhendo na fonte todos os impostos e encargos trabalhistas do autônomo. Agora eu pergunto aos senhores: Quantos de vocês donos de imobiliárias estão fazendo a coisa desse jeito? Quantos dos senhores corretores de imóveis querem que sejam descontados das suas partes dos honorários os encargos e impostos que são obrigatórios o seu recolhimento na fonte pagadora? Quem nos paga é o cliente e cada um responde por sua par-te. É assim que nossa atividade funciona. Sabemos também que existem outras formas de pessoas jurídicas como as associações de profissionais e as coopera-tivas onde as responsabilidades e os resultados são divididos igualmente entre os sócios ou o sistema de franchising, onde o franqueado paga para aderir a determinada empresa.

O QUE FAZER?Essa não é a mudança que precisamos que aconteça. Não agora. Talvez

nunca. Temos que lutar por uma causa que nos una e não que nos divida, pois o que temos diante de nós é uma luta muito maior, que é pela instituição da exclusividade de comercialização pelos corretores de imóveis. Não podemos nos dividir nesse momento. Precisamos concentrar nossos esforços no sentido de ver modificada a nossa lei, a Lei nº 6.530/1978, nos seus arts. 2º e 3º, pará-grafo único, criando de fato e de direito a reserva exclusiva de mercado sobre a comercialização de imóveis no Brasil. Precisamos fazer lobby junto a nossa Presidenta e aos nossos parlamentares, principalmente a nossa entidade norma-

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tizadora, o sistema Cofeci/Creci, os sindicatos e as associações de corretores de imóveis de todo o País, para que atendam a esse clamor da categoria, pelos argumentos que já apresentei supra. A mudança na Lei nº 6.530/1978 deverá vir acompanhada da alteração de outras leis, como a dos registros públicos. Na prática, o corretor de imóveis, como responsável técnico pela transação, deverá ser o responsável pela informação do valor da transação aos órgãos inte-ressados, desde o seu anúncio nos meios de comunicação, como jornais, sites, portais, panfletos, etc., pois a divulgação do valor nesses veículos é obrigatória, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor, e servirão de prova quanto ao valor ofertado no mercado, até na sua escrituração pública e regis-tro, transferindo posse ou propriedade, quando este emitiria uma declaração atestando quanto foi o valor do negócio ou através de escritura particular feita pelo próprio (art. 108 do CC). Para atingir maior eficácia, o limite de 30 salários--mínimos previstos deveria ser aumentado para até 300 salários-mínimos. Com base nessa declaração ou no valor da escritura particular feita pelo responsável pela transação, seriam calculados os impostos incidentes devidos à União, aos Estados e ao Município. Isso reforçaria a segurança dos negócios imobiliários que acontecem no País, geraria uma arrecadação de qualidade no segmento e daria ao corretor de imóveis e às imobiliárias o status que os mesmos merecem, dada a responsabilidade que é o exercício desta atividade.

REFERÊNCIASDisponível em: <http://goo.gl/G2e3fv>.

Disponível em: <http://circruz.blogspot.com.br/2013/03/o-corretor-de-imoveis-e-o--vinculo.html>.

Disponível em: <http://goo.gl/oW5arA>.

Disponível em: <http://goo.gl/HM8mcL>.

Disponível em: <http://goo.gl/ai4xpH>.

Disponível em: <http://www.cofeci.gov.br/portal/arquivos/legislacao/2007/resolu-cao1065_2007.pdf>.

Disponível em: <http://www.cofeci.gov.br/portal/arquivos/legislacao/2010/resolu-cao1168_2010.pdf>.

Disponível em: <http://www.cofeci.gov.br/portal/arquivos/legislacao/2012/resolu-cao1256_2012.pdf>.

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Parte Geral – Doutrina

Hipoteca Judiciária sobre Bens Não Elencados no Artigo 1�473 do Código Civil – A Efetividade da Jurisdição Como Horizonte Hermenêutico

ALINE VEIGA BORGESJuiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região/RS, Membro do Grupo de Estudos de Direito Processual da Escola Judicial do TRT4.

BEN-HUR SILVEIRA CLAUSJuiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região/RS, Membro do Grupo de Estudos de Direito Processual da Escola Judicial do TRT4.

RESUMO: O presente estudo tem a finalidade de propor a adoção da utilização do instituto da hipoteca judiciária sobre bens não elencados no art. 1.473 do Código Civil, na perspectiva de inibir a fraude à exe-cução e de prover segurança à futura execução.

PALAVRAS-CHAVE: Hipoteca judiciária; hipoteca judiciária de bens móveis; efetividade da jurisdição; exe-cução trabalhista; fraude à execução; ônus do tempo do processo.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A interpretação estrita; 2 A finalidade da hipoteca judiciária; 3 Hipoteca judiciária x hipoteca convencional: a dicotomia entre interesse de ordem pública e interesse de ordem privada; 4 O Direito sempre foi analógico; 5 Uma hermenêutica contemporânea para a hipoteca judiciária; 6 O ônus do tempo do processo; 7 A efetividade da jurisdição como horizonte hermenêutico; Conclusão; Referências.

[...] o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional não se volta apenas contra o legislador, mas também se dirige ao Estado--juiz. Por isso, é absurdo pensar que o juiz deixa de ter dever de tutelar de forma efetiva os direitos somente porque o legislador dei-xou de editar uma norma processual mais explícita. (Marinoni)

INTRODUÇÃORecentemente editada, prevê a Súmula nº 57 do TRT da 4ª Região que “a

constituição de hipoteca judiciária, prevista no art. 466 do CPC, é compatível com o processo do trabalho”1.

1 A Resolução Administrativa nº 25/2013 do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região foi disponibilizada no DEJT nos dias 14, 18 e 19 de novembro de 2013, sendo considerada publicada nos dias 18, 19 e 20 de novembro de 2013.

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O presente estudo tem a finalidade de propor a adoção da utilização do instituto da hipoteca judiciária sobre bens não elencados no art. 1.473 do Có-digo Civil, na perspectiva de inibir a fraude à execução e de prover segurança à futura execução. Trata-se de ideia surgida nos debates realizados pelo Grupo de Estudos de Direito Processual da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

1 A INTERPRETAÇÃO ESTRITANo inventário dos bens que podem ser objeto da hipoteca judiciária pre-

vista no art. 466 do CPC2, o primeiro movimento do intérprete será investigar essa questão à luz dos preceitos de direito material que disciplinam o instituto da hipoteca, porquanto o art. 466 do CPC não indica quais são os bens sujeitos à hipoteca judiciária, embora faça remissão à Lei dos Registros Públicos3. Esse primeiro movimento de investigação científica apresentar-se-á intuitivo tanto pelo fato de que a hipoteca é antigo instituto de direito material regulado pelo direito privado (CC, arts. 1.473 e seguintes) quanto pela relação estabelecida na teoria geral do direito civil entre hipoteca e bem imóvel.

No âmbito do direito privado, a relação entre hipoteca e bem imóvel é expressão de uma construção conceitual historicamente estabelecida há muitos séculos. Tais aspectos podem conduzir o operador jurídico à interpretação de que a hipoteca judiciária recai apenas sobre os bens relacionados no art. 1.473 do Código Civil, a saber: I – os imóveis e os acessórios dos imóveis conjunta-mente com eles; II – o domínio direto; III – o domínio útil; IV – as estradas de ferro; V – os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham; VI – os navios; VII – as aeronaves; VIII – o direito de uso especial para fins de moradia; IX – o direito real de uso; X – a propriedade superficiária.

Portanto, uma interpretação estrita dos bens sujeitos à hipoteca judiciá-ria conduzirá o intérprete à conclusão de que apenas os bens relacionados no art. 1.473 do Código Civil podem ser objeto de hipoteca judiciária. Essa inter-pretação estrita foi adotada no bem articulado ensaio escrito pelo magistrado Arlindo Cavalaro Neto sobre o tema4. Trata-se de uma interpretação respeitável.

2 “Art. 466. A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.

Parágrafo único. A sentença condenatória produz hipoteca judiciária:

I – embora a condenação seja genérica;

II – pendente arresto de bens do devedor;

III – ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença.”

3 Trata-se da Lei nº 6.015/1973, que dispõe sobre os Registros Públicos e dá outras providências.

4 “O Código de Processo Civil não relaciona os bens sujeitos à hipoteca judiciária. Partindo-se da premissa de que a hipoteca judiciária constitui-se em espécie de hipoteca, impõe-se ao intérprete valer-se do elenco

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2 A FINALIDADE DA HIPOTECA JUDICIÁRIANão se pode, no entanto, olvidar a finalidade do instituto, que é a de pre-

venir fraude à execução e assegurar futura execução. No processo do trabalho, essa execução geralmente se presta à satisfação de verba de natureza alimentar. Daí a proposta de ampliar a utilização do instituto da hipoteca judiciária para bens outros, que não apenas imóveis e os demais elencados no art. 1.473 do Código Civil, tornando, assim, mais efetiva a execução trabalhista.

Enquanto a hipoteca convencional constitui direito real de garantia inci-dente sobre bens imóveis do devedor, para assegurar ao credor o recebimento preferencial de seu crédito, a hipoteca judiciária é instituto de direito proces sual, de ordem pública, cujo escopo teleológico é o de inibir a fraude à execução e a assegurar a satisfação do crédito reconhecido em sentença. Por consequência, não parece adequado assimilar a hipoteca judiciária à hipoteca convencional definida no direito privado, inclusive no que se refere aos bens que podem ser objeto da hipoteca judiciária, especialmente se, para cumprir a finalidade do instituto, for necessário buscar garantia em outros bens do devedor.

O objetivo de inibir fraude patrimonial revela a dimensão preventiva do instituto da hipoteca judiciária, que se expressa tanto na potencialidade para inibir a fraude patrimonial praticada pelo executado quanto na advertência ao terceiro adquirente, para que não adquira o bem hipotecado judiciariamente, tudo a fim de preservar a efetividade das normas de ordem pública que estabe-lecem a responsabilidade patrimonial do executado pelas respectivas obriga-ções (Lei nº 6.830/1980, arts. 10 e 30; CPC, art. 591), bem como para prover segurança jurídica aos negócios na vida de relação (Claus, 2013, p. 52).

O objetivo de conferir efetividade à execução revela a dimensão assecu-ratória do direito material que o instituto realiza por meio do direito de sequela inerente à hipoteca judiciária enquanto efeito anexo da sentença condenatória. O direito de sequela assegura ao autor fazer recair a penhora sobre o bem hi-potecado ainda que o bem tenha sido alienado a terceiro. Adquirente de má-fé, o terceiro não terá êxito nos embargos de terceiro. E não lhe restará alternativa: para não perder o bem na hasta pública, terá que fazer a remição da execução; ou a adjudicação do bem pelo valor da avaliação5, se o valor da execução for superior ao valor do bem sobre o qual recaíra a hipoteca judiciária.

3 HIPOTECA JUDICIÁRIA X HIPOTECA CONVENCIONAL: A DICOTOMIA ENTRE INTERESSE DE ORDEM PÚBLICA E INTERESSE DE ORDEM PRIVADA

Nada obstante seja intuitivo ao intérprete investigar os bens sujeitos à hipoteca judiciária à luz dos preceitos de direito material que disciplinam o ins-

apresentado pelo Direito Material. O art. 1.473 do CCB apresenta rol taxativo de bens sujeitos à hipoteca.” (Cavalaro Neto, 2010, p. 492)

5 Essa avaliação é realizada pelo Oficial de Justiça Avaliador da Justiça do Trabalho (CLT, art. 721).

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tituto da hipoteca convencional, esse primeiro movimento do intérprete acaba por revelar-se insuficiente à adequada pesquisa dos bens que podem ser objeto de hipoteca judiciária. Isso porque à hipoteca judiciária prevista no art. 466 do CPC é reconhecida natureza jurídica de instituto processual de ordem pública, enquanto que à hipoteca convencional prevista no art. 1.473 do CC é reconhe-cida a condição de instituto de direito privado.

Enquanto a hipoteca judiciária visa a assegurar a autoridade estatal da sentença condenatória em geral, a hipoteca convencional visa a garantir o inte-resse privado de determinado particular envolvido em negócio interindividual. Vale dizer, a dicotomia entre interesse de ordem pública e interesse de ordem privada decalca indelével distinção entre os institutos da hipoteca judiciária e da hipoteca convencional.

É a distinta natureza jurídica da hipoteca judiciária (instituto processual de ordem pública), na comparação com a hipoteca convencional (instituto jurídico de ordem privada), que autoriza o jurista a afastar-se dos limites do art. 1.473 do CC quando se trata de inventariar os bens sujeitos à hipoteca judiciária. Isso porque os objetivos superiores da hipoteca judiciária demandam uma interpre-tação apta a potencializar tanto o escopo teleológico de inibir fraude patrimo-nial quanto o escopo teleológico de assegurar a futura execução da sentença condenatória. É dizer: demandam uma interpretação que transcenda aos limites do art. 1.473 do CC.

4 O DIREITO SEMPRE FOI ANALÓGICO6

Assentadas tais premissas, de imediato se faz razoável a conclusão de que o escopo teleológico desse instituto processual de ordem pública se rea-lizará de forma tanto mais eficaz quanto mais amplo for o inventário dos bens sobre os quais possa incidir a hipoteca judiciária prevista no art. 466 do CPC.

Essa conclusão guarda conformidade tanto com a doutrina processual contemporânea quanto com a perspectiva das alterações legislativas instituídas pelas chamadas minirreformas do Código de Processo Civil ocorridas nos últi-mos anos.

Se, de um lado, a doutrina processual contemporânea compreende a ga-rantia da razoável duração do processo como uma expressão da própria garan-tia constitucional da efetividade da jurisdição; de outro lado, as minirreformas

6 “Ao socorrer-nos, na exposição precedente, das lições dos grandes filósofos do direito contemporâneos, tivemos a intenção de mostrar que, como diz Kaufmann, a analogia não deve ser utilizada apenas como um instrumento auxiliar, de que o intérprete possa lançar mão, para a eliminação das lacunas. Ao contrário, o raciocínio jurídico será sempre analógico, por isso que as hipóteses singulares nunca serão entre si idênticas, mas apenas ‘a fins na essência’. Este é o fundamento gnoseológico que não só legitima mas determina, como um pressuposto de sua essência, a natureza hermenêutica do Direito, cuja revelação pela doutrina contemporânea conquista, cada vez mais, os espíritos.” (Baptista da Silva, 2004, p. 285)

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adotadas no âmbito do direito processual civil têm por diretriz o objetivo de aumentar a efetividade da jurisdição.

Entre as minirreformas mais recentes, destaca-se a adoção da averbação premonitória prevista no art. 615-A do CPC7, cuja lembrança é evocada pelas afinidades finalísticas que a averbação premonitória guarda com a hipoteca judiciária: ambas as medidas visam a inibir a fraude patrimonial e têm por ob-jetivo garantir o êxito da execução.

Sobre o art. 615-A do CPC, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero esclarecem que a finalidade da norma é a efetiva tutela do direito material. Afir-mam que “o objetivo do art. 615-A, CPC, é manter atrelado à tutela jurisdicional o patrimônio do demandado, de modo que seja possível alcançá-lo para even-tual atuação da tutela jurisdicional em favor do demandante (art. 591, CPC)” (Marinoni; Mitidiero, 2013, p. 638-9).

O raciocínio é o mesmo para a hipoteca judiciária, embora a ela não es-tejam se referindo. O atrelamento de um bem para futura execução é necessário para garantir a efetividade daquela execução e, com isso, do direito material que a fundamenta. Assim, quanto mais espécies de bens puderem ser garantido-ras da futura execução, mais efetiva ela se tornará e, por essa razão, parece não se justificar adotar interpretação restritiva ao instituto da hipoteca judiciária, atrelando-a apenas às espécies de bens arrolados no art. 1.473 do Código Civil.

Portanto, analogicamente8, pode-se pensar na averbação de hipoteca ju-diciária em relação a bens móveis. Ao ordenamento jurídico incumbe propor-cionar meios de assegurar a futura execução da sentença. Na fase de conheci-mento, proporciona a hipoteca judiciária. Para a fase de execução, proporciona a averbação do ajuizamento da execução, não só no registro de imóveis, mas também no registro de veículos e no registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. Restringir a hipoteca judiciária a bens imóveis implica, pois, restrin-

7 “Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

§ 1º O exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados.

§ 3º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (593).

§ 4º O exequente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2º do art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados.

§ 5º Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo.”

8 “Toda a regra jurídica é susceptível de aplicação analógica – não só a lei em sentido estrito, mas também qualquer espécie de estatuto e ainda a norma de Direito Consuetudinário. As conclusões por analogia não têm apenas cabimento dentro do mesmo ramo do Direito, nem tão-pouco dentro de cada Código, mas verificam-se também de um para outro Código e de um ramo do Direito para outro.” (Engisch, 2008, p. 293)

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gir-lhe a eficácia, o que não se coaduna com uma hermenêutica contemporâ-nea para o instituto.

5 UMA HERMENÊUTICA CONTEMPORÂNEA PARA A HIPOTECA JUDICIÁRIACompreendido o contexto hermenêutico em que está inserida a hipoteca

judiciária na ordem constitucional vigente, o intérprete encontrará na natureza jurídica de ordem pública desse instituto processual o fundamento sócio-jurí-dico pelo qual fica autorizado a liberar-se dos limites do art. 1.473 do Código Civil quando da realização do inventário dos bens sujeitos à hipoteca judiciária, olhos postos no escopo teleológico desse fecundo efeito anexo da sentença condenatória.

O art. 655 do CPC (a que se reporta expressamente o art. 882 da CLT) elenca a ordem preferencial de penhora e, antes de bens imóveis e de navios e aeronaves, arrola dinheiro, veículos de via terrestre e bens móveis em geral. As-sim, se, na execução, esses bens tem preferência, em relação aos bens imóveis, para a penhora, não há razão para crer que não possam se prestar, também, à hipoteca judiciária (exceto dinheiro, que não pode ser objeto de qualquer aver-bação de restrição).

Tendo em vista as finalidades da hipoteca judiciária, não vemos razão para que essa garantia se dê apenas sobre bens imóveis, navios e aeronaves. Não se pode olvidar que o CPC é de 1973, época na qual a propriedade de bens imóveis era particularmente tangível e conhecida. Veículos automotores, por exemplo, eram privilégio de poucos, o que não se pode dizer do momento atual, em que é até mesmo mais comum ser proprietário de veículo automotor do que possuir “casa própria”.

Nessa esteira, há que se levar em consideração que muitas vezes o de-vedor trabalhista não tem grande patrimônio9, sendo comuns aqueles que não são proprietários de bens imóveis, mas têm outros bens (móveis) que podem se prestar à satisfação da execução. Nessa situação, se a hipoteca judiciária se restringir aos bens elencados no art. 1.473 do Código Civil, o respectivo credor trabalhista não terá essa garantia à sua disposição.

Outrossim, não se pode olvidar que a Justiça do Trabalho tem na atuali-dade ferramentas que permitem pesquisar esse patrimônio, como os convênios RenaJud e InfoJud, e que são de fácil utilização. Trata-se de uma evolução tec-nológica de que não poderia cogitar o legislador de 1973. Todavia, estando-se diante dela, é necessário conferir hermenêutica contemporânea à regra legal do art. 466 do CPC, interpretando-se o instituto da hipoteca judiciária – mais precisamente, o seu escopo teleológico – de acordo com a realidade atual,

9 As maiores empregadoras são as micro e pequenas empresas, das quais 61% deixam de atuar no primeiro ano; exatamente as empresas que mais cometem fraude patrimonial (Cf. Silva, 2007, p. 18).

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que evoluiu e se distanciou daquela que vigorava ao tempo da publicação do Código Buzaid.

6 O ÔNUS DO TEMPO DO PROCESSOA fecundidade da hipoteca judiciária entremostra-se mais evidente à me-

dida que se descobre no art. 466 do CPC o desvelamento de um dos raros preceitos legais que responde positivamente ao maior dos desafios da teoria processual na atualidade – a distribuição mais equânime do ônus do tempo do processo10.

Tratando-se de partes economicamente desiguais, avulta a dimensão des-se desafio da teoria processual contemporânea, de prover em favor da equânime distribuição do ônus do tempo do processo. Daí a conclusão de que a aplicação da hipoteca judiciária ao processo do trabalho atua no sentido de fazer realizar a distribuição do ônus do tempo do processo de forma equânime11.

Assimilada a natureza de ordem pública do instituto da hipoteca judi-ciária e compreendida a sua fecundidade para a distribuição mais equânime do ônus do tempo do processo, a limitação aos bens previstos nos art. 1.473 do CC pode ser superada mediante uma interpretação extensiva, para então se poder agregar outros bens passíveis de hipoteca judiciária, tais como bens móveis, direitos e ações.

Portanto, a título de “hipoteca judiciária”, a inserção de uma menção no registro de veículo de que há ação trabalhista contra o proprietário do veículo julgada procedente poderia ser até mesmo mais eficiente do que a constituição de hipoteca judiciária sobre bem imóvel. Este simples registro seria suficiente para inibir a fraude à execução no tocante àquele veículo, tornando o bem garantidor da futura execução. Dispensaria, além do mais, a indicação de bens pelo credor, podendo o bem ser localizado pelo próprio juiz, mediante a utili-zação dos convênios citados, agilizando a tramitação do feito.

Admitir-se fazer recair a hipoteca judiciária sobre veículos, por exem-plo, implicará conferir maior eficácia ao instituto previsto no art. 466 do CPC, pois veículos são objeto de fraude patrimonial com maior frequência do que

10 “Impende, no entanto, ponderar, desde logo, que o tempo deve ser distribuído no feito, entre as duas partes litigantes, sem sobrecarregar apenas a detentora do direito ameaçado ou violado, como se tem visto na prática quotidiana do foro. Marinoni relembra que: ‘Por ser ligado ao contraditório, o tempo deve ser distribuído entre as partes. Essa é a grande questão da doutrina processual contemporânea’.” (Fava, 2009, p. 51)

11 A hipoteca judiciária atua no sentido de distribuir equitativamente, entre as partes, o ônus do tempo do processo judicial. A arguta observação é do magistrado trabalhista Arlindo Cavalaro Neto (2010, p. 495): “É necessário distribuir equitativamente o ônus da demora do processo, e o registro da sentença como hipoteca judiciária também alcança esse desiderato, pois parcela do patrimônio do vencido será objeto de ônus real, assim que publicada a sentença condenatória, até que haja o pagamento do credor”.

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imóveis. Essa conclusão decorre da observação da experiência ordinária12, ob-servação na qual o cotidiano revela que a troca de propriedade de veículo é mais frequente do que a troca de propriedade de imóvel. Além de potencializar o escopo teleológico de inibir fraude patrimonial, a hipoteca judiciária sobre veículos também potencializa o escopo teleológico de assegurar a futura exe-cução, porquanto veículos têm maior apelo comercial do que imóveis, situação em que se atrai mais licitantes para leilões judiciais.

Por outro lado, até mesmo pela ótica do devedor, pode ser interessante que a hipoteca judiciária não se constitua sobre bem imóvel de sua proprie-dade. Assim, se o próprio devedor tiver outros bens e preferir que a garantia recaia sobre esses outros bens, e não sobre um bem imóvel, estar-se-á atuando em consonância com a regra exceptiva, segundo a qual a execução se deve dar pelo modo menos gravoso ao devedor, quando por vários meios o credor puder promover a execução (art. 620 do CPC).

7 A EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO COMO HORIZONTE HERMENÊUTICOA teoria jurídica começa a desbravar o caminho pelo qual se pode con-

ferir uma interpretação mais contemporânea ao instituto da hipoteca judiciária. Essa vertente interpretativa mais contemporânea do instituto fundamenta-se na compreensão de que, na atualidade, não se justifica mais limitar a hipoteca judi-ciária aos bens arrolados no art. 1.473 do CC; propõe que a hipoteca judiciária possa recair sobre quaisquer bens do demandado. Essa vertente interpretativa revela-se mais consentânea com os escopos teleológicos da hipoteca judiciária, sobretudo quando se examina o tema no contexto hermenêutico conformado pela garantia constitucional da efetividade da jurisdição.

A doutrina de J. E. Carreira Alvim revela-se paradigmática dessa nova vertente interpretativa. O autor pondera que,

diferentemente do que acontecia quando da promulgação do Código, atualmente existem bens muito mais valiosos do que o bem imóvel, como as aplicações fi-nanceiras, os investimentos em títulos da dívida pública, ou, mesmo em ouro ou moeda estrangeira, não sendo razoável que tais bens não se prestem para garantir o cumprimento de uma sentença condenatória.

E conclui que,

diferentemente, também, da hipoteca legal, que incide apenas sobre bens rela-cionados nos incisos I a VII do art. 1.473 do Código Civil, a hipoteca judicial incide sobre qualquer bem, qualquer que seja a sua natureza (móveis, imóveis, semoventes, direitos e ações). O autor acrescenta não ver sentido em restringir

12 Art. 335 do CPC: “Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado a esta, o exame pericial”.

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essa especial modalidade de garantia apenas aos bens imóveis, podendo ela, para mim, compreender quaisquer bens (móveis ou imóveis) ou direito (pessoal ou real).

Comentando a previsão legal de que a sentença condenatória produz hipoteca judiciária ainda que existente arresto de bens do devedor (CPC, art. 466, parágrafo único, II), Carreira Alvim (2011, p. 138-140) reitera o enten-dimento de que a hipoteca judiciária incide tanto sobre bens imóveis quanto sobre bens móveis: “Ao contrário da hipoteca legal, que incide apenas sobre os bens elencados no art. 1.473, I a VII, do Código Civil, o arresto, tanto quanto a hipoteca judicial, pode incidir sobre quaisquer bens (móveis ou imóveis) ou direito (pessoal ou real), desde que devidamente justificado o risco de seu de-saparecimento (art. 813)”.

A hermenêutica contemporânea que Carreira Alvim empresta à hipoteca judiciária resgatar a noção de processo de resultados que inspirou o legislador de 1973 à redação do art. 466 do CPC, evocando a lição com a qual Marinoni13 convoca os juízes ao responsável exercício de conformar o procedimento à realização do direito material.

Poderia parecer uma ousadia postular hipoteca judiciária sobre bens móveis na atualidade, se os gregos já não tivessem compreendido assim a hypothéke14.

CONCLUSÃOA hipoteca judiciária sobre veículos e outros bens móveis potencializa

tanto o objetivo de inibir fraude à execução quanto o direito de sequela próprio à hipoteca judiciária, operando como fator de distribuição mais equânime do ônus do tempo do processo entre partes em situação de desigualdade econô-mica. Sua aplicação ao processo do trabalho visa a dar concretude substancial às garantias constitucionais da efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) e da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII; CLT, art. 765); aplicação que

13 “O que falta, porém, é atentar para que, se a técnica processual é imprescindível para a efetividade da tutela dos direitos, não se pode supor que, diante da omissão do legislador, o juiz nada possa fazer. Isso por uma razão simples: o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional não se volta apenas contra o legislador, mas também se dirige ao Estado-juiz. Por isso, é absurdo pensar que o juiz deixa de ter dever de tutelar de forma efetiva os direitos somente porque o legislador deixou de editar uma norma processual mais explícita.” (Marinoni, 2013, p. 178)

14 “Derivado do grego hypothéke, onde mesmo teve origem este instituto jurídico, quer significar a coisa entregue pelo devedor, por exigência do credor, para garantia de uma obrigação. E, assim, originariamente, a palavra hipoteca, mesmo entre os romanos, designava a convenção de penhor ou pignoratícia, não importando a maneira por que se realizava, isto é, se se tratava de garantia móvel entregue ao credor, ou de garantia imóvel, que se conservasse em poder do devedor. Entretanto, sobreavisados e cautelosos, os gregos tinham por costume, quando se tratava de garantia imobiliária, assinalar com brandões ou postes os terrenos hipotecados. Fazendo gerar dela um jus in re, o que também ocorria no penhor, os romanos terminaram por distinguir os dois institutos, considerando a hipoteca aquela em que a coisa dada em garantia não ia às mãos ou à posse do credor, o que era da essência do penhor (pignus).” (De Plácido e Silva, 1982, p. 384) [grifos do autor]

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se justifica em face do privilégio reconhecido ao crédito trabalhista na ordem jurídica brasileira (CF, art. 100; CTN, art. 186; CLT, art. 449; Lei nº 6.830/1980, arts. 10 e 30), crédito alimentar representativo de direito fundamental social (CF, art. 7º, caput).

A fim de operacionalizar o registro da hipoteca judiciária com maior agilidade e economia, a hipoteca judiciária pode ser realizada na modalidade de restrição de transferência de veículo inserida mediante utilização do convê-nio RenaJud (CLT, art. 765), observada a necessária proporcionalidade com o valor da condenação e adotada a Tabela FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Caso assim não se entenda de proceder, o registro da hipoteca ju-diciária sobre veículos pode ser realizado mediante expedição de ofício-papel ao Detran – Departamento Nacional de Trânsito.

Insuficiente a hipoteca judiciária sobre veículos, poderá ser avaliada a hipótese de fazer-se hipoteca judiciária sobre imóvel, registrando-se o gravame na matrícula do imóvel no respectivo Cartório de Registro de Imóveis.

Inexistente imóvel, a hipoteca judiciária poderá recair sobre outros bens registrados, tais como as quotas sociais no caso de sociedades de responsabili-dade limitada e as ações no caso de sociedades anônimas de capital fechado, hipótese em que a hipoteca judiciária será registrada perante a respectiva Junta Comercial do Estado. No caso de sociedades anônimas de capital aberto, a inscrição da hipoteca judiciária poderá recair sobre as ações, registrando-se a hipoteca judiciária perante a respectiva Junta Comercial e perante a Comissão Valores Mobiliários (CVM).

Outrossim, poder-se-á fazer a hipoteca judiciária recair sobre embarca-ções, mediante registro na Capitania dos Portos. No caso de aeronaves, o regis-tro da hipoteca judiciária far-se-á na Agência Nacional de Aviação Comercial (ANAC). Para marcas e patentes, o registro é realizado perante o Instituto Nacio-nal de Propriedade Industrial – INPI.

O escopo teleológico de ordem pública do instituto hipoteca judiciária, aliado à privilegiada natureza jurídica alimentar do crédito trabalhista, auto-rizam conferir interpretação pela qual se reconheça a juridicidade de a hipo-teca judiciária recair sobre outros bens que não apenas aqueles elencados no art. 1.473 do Código Civil, em especial veículos automotores e outros bens móveis pertencentes ao réu condenado em sentença, que sejam passíveis de registro.

REFERÊNCIASBAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

CAVALARO NETO, Arlindo. A sentença trabalhista como título constitutivo de hipo-teca judiciária. In: SANTOS, José Aparecido dos (Coord.). Execução trabalhista. 2. ed. São Paulo: LTr, 2010.

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CARREIRA ALVIM, J. E. Comentários ao código de processo civil brasileiro. Curitiba: Juruá, v. 5, 2011.

CLAUS, Ben-Hur Silveira. Hipoteca judiciária: a (re)descoberta do instituto diante Sú-mula nº 375 do STJ – Execução efetiva e atualidade da hipoteca judiciária. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Porto Alegre, n. 41, 2013.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 1982.

ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 10. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

FAVA, Marcos Neves. Execução trabalhista efetiva. São Paulo: LTr, 2009.

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil: comenta-do artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

SILVA, Antônio Álvares da. Execução provisória trabalhista depois da reforma do CPC. São Paulo: LTr, 2007.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaAgRg nos Embargos de Divergência em REsp 1.411.432 – SP(2013/0416424‑0)Relatora: Ministra Laurita VazAgravante: Diocese de Jaboticabal – Fábrica do Patrimônio de São João BatistaAdvogados: Luís Enrique Marchioni e outro(s)

Mário Lúcio Marchioni e outro(s)Agravado: Edson José Gomes da SilvaAdvogados: Marcos Fogagnolo

Telmo Lencioni Vidal Júnior

ementaAGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – PROCESSUAL CIVIL – ENFITEUSE DE BEM PARTICULAR – BASE DE CÁLCULO DO LAUDÊMIO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – RECURSO ESPECIAL – ACÓRDÃO EMBARGADO QUE NÃO RECONHECE OMISSÃO NO ARESTO RECORRIDO E LEVANTA ÓBICE DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – PARADIGMAS QUE EXAMINARAM O MÉRITO – CASUÍSMO – CONTROVÉRSIAS QUE SE RESOLVEM COM A ANÁLISE PARTICULARIZADA DE CADA CASO E SUAS PECULIARIDADES – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO-PROCESSUAL – COMPARAÇÃO INVIABILIZADA – DISSENSO PRETORIANO INDEMONSTRADO – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA LIMINARMENTE INDEFERIDOS – DECISÃO MANTIDA EM SEUS PRÓPRIOS TERMOS – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO

1. Entendeu o acórdão embargado que não havia omissão do acórdão re-corrido e que a matéria arguida padeceu da falta de prequestionamento, porque não foi “objeto de debate o próprio conteúdo infraconstitucional do art. 6º da LICC”.

2. Os paradigmas, por seu turno, ao revés, examinaram o mérito do re-curso, para concluírem de forma diversa, mas a partir de bases fático--processuais também distintas. Não há, portanto, dissídio jurisprudencial a ser composto.

3. Na verdade, saber se há ou não omissão no acórdão recorrido, ou se a matéria suscitada no recurso especial atende ou não ao requisito do pre-questionamento, é tarefa realizada com a análise particularizada de cada caso, consideradas as peculiaridades da hipótese em apreço, não sendo os embargos de divergência a via adequada para buscar o rejulgamento pura e simples da questão deduzida no recurso especial.

4. Agravo regimental desprovido.

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acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Cor-te Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo re-gimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Og Fernandes, Raul Araújo, Ari Pargendler, Gilson Dipp e Nancy Andrighi votaram com a Sra. Mi-nistra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Licenciada a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo.

Brasília/DF, 19 de fevereiro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Felix Fischer Presidente

Ministra Laurita Vaz Relatora

relatÓrio

A Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz:

Trata-se de agravo regimental interposto pela Diocese de Jaboticabal – Fábrica do Patrimônio de São João Batista em face de decisão de minha lavra que indeferiu liminarmente os embargos de divergência, os quais, por sua vez, foram opostos contra acórdão da eg. Terceira Turma, relatado pelo eminente Ministro Sidnei Beneti, e ementado nos seguintes termos:

“RECURSO ESPECIAL – ENFITEUSE DE BEM PARTICULAR – BASE DE CÁLCULO DO LAUDÊMIO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – OFENSA AOS ARTS. 458, 515, 535, DO CPC – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO ATO JURÍDICO PERFEITO E DO DIREITO ADQUIRIDO – INVALIDADE DO ART. 2.038, § 1º, I, DO CC/2002 – SÚMULAS NºS 282, 284, 356/STF – IMPROVIMENTO

1. Embora rejeitando os embargos de declaração, o acórdão recorrido examinou, motivadamente, todas as questões pertinentes, logo, não há que se falar em ofen-sa aos arts. 458, 515, 535 do Código de Processo Civil.

2. Nas enfiteuses de bens particulares, as edificações e as plantações excluem-se da base de cálculo do laudêmio, nos termos da norma inserta no art. 2.038, § 1º, I, do Código Civil de 2002, que expressamente excluiu essas acessões.

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3. Prevalece o tratamento da enfiteuse em virtude do direito intertemporal, no caso como definido pelo julgado de origem, pois é pacífica a orientação do STJ no sentido de que os princípios contidos na Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) – direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada –, apesar de pre-vistos em norma infraconstitucional, não podem ser analisados em Recurso Espe-cial, pois são institutos de natureza eminentemente constitucional” (AgRg-AREsp 189.013/BA, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 27.08.2012), não tendo sido, ade-mais objeto de debate o próprio conteúdo infraconstitucional do art. 6º da LICC.

4. Os dispositivos apontados como violados quanto à nulidade da norma relativa à exclusão das edificações e construções da base de cálculo do laudêmio não foram objeto de debate no Acórdão recorrido, tampouco foram interpostos Em-bargos de Declaração para suprir eventual omissão, de modo que, ausente está o necessário prequestionamento, incidem as Súmulas nºs STF/282 e 356.

5. A ausência de demonstração no que teria consistido a alegada ofensa ao art. 2.038 e de divergência jurisprudencial constitui empecilho, com sede na pró-pria fundamentação da insurgência recursal, que impede a abertura da instância especial, a teor do Enunciado nº 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, também ao recurso especial.

6. Recurso Especial improvido.”

Alegou a Embargante que, “Segundo a decisão proferida pela Terceira Turma no Recurso Especial nº 1411432, ‘esta Corte Superior entende que não cabe analisar ofensa aos princípios contidos na Lei de Introdução do Código Civil, nos termos em que alegada violação ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, por estar a discussão revestida de carga eminentemente constitucional’. Esta anotação diverge de quanto decidido pela Corte Especial desse Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 274.732, dando mar-gem à interposição destes embargos de divergência” (fl. 347).

Asseverou ainda que, “ao contrário de quanto anotado no voto condutor do acórdão, a questão foi, sim, objeto de embargos de declaração opostos pela ora Embargante. Esta não permaneceu inerte diante da omissão observado no acórdão de origem”. Pondera que, “No caso que ora nos ocupa, a Terceira Tur-ma concluiu que não cabe o recurso especial porque os temas apontados pela Recorrente não foram discutidos no acórdão (e, recorde-se, a parte neles insistiu por meio de embargos de declaração). Já a Primeira Turma decidira que, se a questão foi proposta, é deficiente o acórdão que deixa de apreciá-la. A solução dada foi a declaração de nulidade do acórdão, com retorno do feito para sua complementação; ou seja, exatamente o pedido feito pela ora Embargante no recurso especial” (fl. 350).

Por fim, disse que “a Terceira Turma entendeu que, apesar da oposição de embargos de declaração, não houve ofensa ao art. 535, II. A decisão da Se-gunda Turma, por seu lado, deixou claro que, tendo sido opostos embargos de declaração com indicação de questão sobre a qual houve omissão, restou con-

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trariado o art. 535, II, cabendo o recurso especial para fins de cassar a decisão que julgou os embargos de declaração” (fl. 352).

Proferi a decisão de fls. 567/571, indeferindo liminarmente os embargos, consoante a seguinte ementa:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – PROCESSUAL CIVIL – ENFITEUSE DE BEM PARTICULAR – BASE DE CÁLCULO DO LAUDÊMIO NA VIGÊNCIA DO CÓ-DIGO CIVIL DE 2002 – RECURSO ESPECIAL – ACÓRDÃO EMBARGADO QUE NÃO RECONHECE OMISSÃO NO ARESTO RECORRIDO E LEVANTA ÓBICE DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – PARADIGMAS QUE EXAMINA-RAM O MÉRITO – CASUÍSMO – CONTROVÉRSIAS QUE SE RESOLVEM COM A ANÁLISE PARTICULARIZADA DE CADA CASO E SUAS PECULIARIDADES – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO-PROCESSUAL – COMPARAÇÃO INVIA-BILIZADA – DISSENSO PRETORIANO INDEMONSTRADO – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA LIMINARMENTE INDEFERIDOS.”

Insiste a Embargante no apontado dissídio jurisprudencial. Assevera que “Na negativa de seguimento dos embargos de divergência, como se viu, foi con-siderado que eventual omissão ocorrida no acórdão ou ausência de prequestio-namento devem ser vistas em cada caso, conforme suas peculiaridades. Ocorre que, nos embargos de divergência, a Agravante não discute estas questões. O que se discute, isto sim, é que foi negado provimento ao re- curso especial com apoio em fundamentos que divergem de outros pronunciamentos havidos nessa Corte a respeito dos mesmos temas” (fl. 575).

É o relatório.

ementa

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – PROCESSUAL CIVIL – ENFITEUSE DE BEM PARTICULAR – BASE DE CÁLCULO DO LAUDÊMIO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – RECURSO ESPECIAL – ACÓRDÃO EMBARGADO QUE NÃO RECONHECE OMISSÃO NO ARESTO RECORRIDO E LEVANTA ÓBICE DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – PARADIGMAS QUE EXAMINARAM O MÉRITO – CASUÍSMO – CONTROVÉRSIAS QUE SE RESOLVEM COM A ANÁLISE PARTICULARIZADA DE CADA CASO E SUAS PECULIARIDADES – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO-PROCESSUAL – COMPARAÇÃO INVIABILIZADA – DISSENSO PRETORIANO INDEMONSTRADO – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA LIMINARMENTE INDEFERIDOS – DECISÃO MANTIDA EM SEUS PRÓPRIOS TERMOS – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO

1. Entendeu o acórdão embargado que não havia omissão do acórdão re-corrido e que a matéria arguida padeceu da falta de prequestionamento, porque não foi “objeto de debate o próprio conteúdo infraconstitucional do art. 6º da LICC”.

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 137

2. Os paradigmas, por seu turno, ao revés, examinaram o mérito do re-curso, para concluírem de forma diversa, mas a partir de bases fático--processuais também distintas. Não há, portanto, dissídio jurisprudencial a ser composto.

3. Na verdade, saber se há ou não omissão no acórdão recorrido, ou se a matéria suscitada no recurso especial atende ou não ao requisito do pre-questionamento, é tarefa realizada com a análise particularizada de cada caso, consideradas as peculiaridades da hipótese em apreço, não sendo os embargos de divergência a via adequada para buscar o rejulgamento pura e simples da questão deduzida no recurso especial.

4. Agravo regimental desprovido.

voto

A Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

Não trouxe a Embargante nenhum argumento apto a infirmar os funda-mentos da decisão agravada, razão pela qual a mantenho em seus próprios termos, valendo ressaltar que dessemelhança entre os casos comparados é fla-grante, na medida em que o fundamento central do acórdão recorrido é a falta de prequestionamento da matéria que pretende a Embargante discutir, enquan-to que, nos acórdãos paradigmas, tal óbice não havia.

“[...]

Os embargos não possuem as mínimas condições de serem processados, por-quanto desatendidos os requisitos elementares do art. 266, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, extrai-se do acórdão embar-gado os seguintes entendimentos (grifei):

(i) ‘Embora rejeitando os embargos de declaração, o acórdão recorrido exami-nou, motivadamente, todas as questões pertinentes, logo, não há que se falar em ofensa aos arts. 458, 515, 535 do Código de Processo Civil’;

(ii) ‘Prevalece o tratamento da enfiteuse em virtude do direito intertemporal, no caso como definido pelo julgado de origem, pois é pacífica a orientação do STJ no sentido de que os princípios contidos na Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) – direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada –, apesar de previstos em norma infraconstitucional, não podem ser anali-sados em Recurso Especial, pois são institutos de natureza eminentemente constitucional (AgRg-AREsp 189.013/BA, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 27.08.2012), não tendo sido, ademais objeto de debate o próprio conteúdo infraconstitucional do art. 6º da LICC’;

(iii) ‘Os dispositivos apontados como violados quanto à nulidade da nor-ma relativa à exclusão das edificações e construções da base de cálculo do laudêmio não foram objeto de debate no Acórdão recorrido, tampouco fo-ram interpostos Embargos de Declaração para suprir eventual omissão, de

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modo que, ausente está o necessário prequestionamento, incidem as Súmulas nºs STF/282 e 356’.

Os paradigmas, por seu turno, ao revés, examinaram o mérito do recurso, para concluírem de forma diversa, mas a partir de bases fático-processuais também distintas. Não há, portanto, dissídio jurisprudencial a ser composto.

Na verdade, saber se há ou não omissão no acórdão recorrido, ou se a matéria suscitada no recurso especial atende ou não ao requisito do prequestionamento, é tarefa realizada com a análise particularizada de cada caso, consideradas as peculiaridades da hipótese em apreço, não sendo os embargos de divergência a via adequada para buscar o rejulgamento pura e simples da questão deduzida no recurso especial.

A jurisprudência deste Tribunal é assente e remansosa nesse sentido. Confiram--se, dentre inúmeros outros, os seguintes precedentes da col. Corte Especial:

‘AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE NEGOU SEGUIMENTO – PRETENSA OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO – VÍCIO NÃO RECONHECIDO PELO ACÓR-DÃO ORA EMBARGADO – AUSÊNCIA DE CÓPIAS DO INTEIRO TEOR DO ACÓRDÃO PARADIGMA OU REPOSITÓRIO OFICIAL – DESATENDIMEN-TO AO DISPOSTO NO ART. 266, § 1º, DO RISTJ – ALEGADO DISSENSO PRETORIANO ACERCA DE RECONHECIMENTO OU NÃO DE OMISSÃO APONTADA – CASUÍSTICA – PARTICULARIDADES DE CADA CASO – INE-XISTÊNCIA DE TESES DIVERGENTES – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO – EMBARGOS LIMINARMENTE INDEFERIDOS – DECISÃO MANTIDA

[...]

2. Ainda que assim não fosse, consoante entendimento jurisprudencial assen-te nesta Corte, a conclusão de haver ou não omissão no acórdão recorrido é tarefa realizada com a análise particularizada de cada caso, consideradas as peculiaridades da hipótese em apreço, não sendo os embargos de diver-gência a via adequada para buscar o rejulgamento puro e simples da questão deduzido no recurso especial, porque, na verdade, não há divergência de teses jurídicas.

3. Agravo regimental desprovido.’

(AgRg-EREsp 1030317/ES, Corte Especial, Relª Min. Laurita Vaz, DJe de 01.02.2011)

‘PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – AGRAVO REGI-MENTAL – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO – COTEJO ANALÍTICO NÃO REALIZADO – INEXISTÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO--JURÍDICA ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS – DISSÍDIO JURISPRU-DENCIAL COM SÚMULA – NÃO CABIMENTO – DISCUSSÃO ACERCA DA APLICAÇÃO DE REGRA TÉCNICA RELATIVA AO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL – APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 7/STJ – IMPOSSIBILI-DADE – OFENSA AO ART. 535 DO CPC NO CONTEXTO DA ADMISSIBILI-DADE DO RECURSO ESPECIAL

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 139

[...]

2. A divergência jurisprudencial deve ser demonstrada na forma preceituada pelo CPC e RISTJ, com a realização do cotejo analítico dos arestos em con-fronto.

3. Não se caracteriza o dissenso interpretativo quando inexiste similitude fático-jurídica entre o aresto recorrido e os paradigmas.

[...]

5. É inviável, em sede de embargos de divergência, discussão acerca da ad-missibilidade do recurso especial, o que ocorre nos casos de incidência do óbice da Súmula nº 7/STJ e da ausência de prequestionamento, entre outros.

6. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a alegação de dissídio quanto à ofensa ao art. 535 do CPC exigiria que as questões tratadas nos arestos confrontados fossem as mesmas, visto que as particularidades de cada caso, se não forem idênticas, afastam o dissídio pretendido.

7. Agravo regimental desprovido.’

(AgRg-EDcl-EREsp 1075264/RJ, Corte Especial, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 08.10.2009)

‘DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL – REEXAME DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE – NÃO CABIMENTO – AGRAVO IMPROVIDO

1. Os embargos de divergência em recurso especial, ao tempo em que solu-cionam a lide, têm por finalidade possibilitar ao Superior Tribunal de Justiça que resolva a discordância existente entre seus órgãos fracionários na inter-pretação de lei federal. Têm como objetivo a uniformização da jurisprudên-cia interna corporis, na lição de Bernardo Pimentel Souza (Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 353).

2. A Corte Especial firmou compreensão segundo a qual não cabem embar-gos de divergência com a finalidade de discutir eventual equívoco quanto ao exame dos requisitos de admissibilidade de recurso especial.

3. Hipótese em que o acórdão embargado afastou os óbices para conheci-mento do recurso especial de que cuidam as Súmulas nºs 5, 7 e 211/STJ. Os supostos paradigmas, por sua vez, aplicaram os enunciados de referidas súmulas na análise dos respectivos recursos especiais.

4. Agravo regimental improvido.’

(AgRg-EREsp 600.980/PR, Corte Especial, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 01.12.2008)

Ante o exposto, com arrimo no art. 266, § 3º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente os embargos de divergência.”

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

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140 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

certiDão De Julgamento corte especial

Número Registro: 2013/0416424-0

Processo Eletrônico AgRg-EREsp 1.411.432/SP

Números Origem: 201300430986 23062006 720120060082550 82551820068260072 990105697534

Em Mesa Julgado: 19.02.2014

Relatora: Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho

Secretária: Belª Vania Maria Soares Rocha

autuação

Embargante: Diocese de Jaboticabal – Fábrica do Patrimônio de São João Batista

Advogados: Luís Enrique Marchioni e outro(s) Mário Lúcio Marchioni e outro(s)

Embargado: Edson José Gomes da Silva

Advogados: Marcos Fogagnolo Telmo Lencioni Vidal Júnior

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Compra e venda

agravo regimental

Agravante: Diocese de Jaboticabal – Fábrica do Patrimônio de São João Batista

Advogados: Luís Enrique Marchioni e outro(s) Mário Lúcio Marchioni e outro(s)

Agravado: Edson José Gomes da Silva

Advogados: Marcos Fogagnolo Telmo Lencioni Vidal Júnior

certiDão

Certifico que a egrégia Corte Especial, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 141

A Corte Especial, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Og Fernandes, Raul Araújo, Ari Pargendler, Gilson Dipp e Nancy Andrighi votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Licenciada a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1446

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.418.435 – SP (2013/0335715‑5)Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: RVM Participações Ltda. e outroAdvogado: Marisa Mitico Vivan Mizuno de Oliveira e outro(s)Recorrido: Ricardo Batista RodriguesAdvogado: Marcus Vinicius Teixeira Borges

ementaCIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DECLARATÓRIA – NULIDADE DE DOAÇÃO – IMÓVEL – VÍCIO DE CONSENTIMENTO – PRAZO DECADENCIAL – TERMO INICIAL – DATA DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO – ARTIGOS ANALISADOS: ART. 178, II, DO CÓDIGO CIVIL1. Ação declaratória de nulidade de doação por vício de consentimen-to, ajuizada em 29.06.2009. Recurso especial concluso ao Gabinete em 18.10.2013.

2. Discussão relativa ao termo inicial do prazo decadencial para anula-ção de negócio jurídico por vício de consentimento.

3. Antes do registro imobiliário, que lhe dá publicidade erga omnes, o negócio jurídico envolvendo bens imóveis só tem eficácia entre as partes que o celebraram, não fluindo contra os terceiros, que dele não têm co-nhecimento inequívoco, o prazo decadencial para anulação.

4. A decadência é causa extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei, cujo termo inicial deve coincidir com o conhe-cimento do fato gerador do direito a ser pleiteado.

5. Não é razoável invocar a ausência de “conhecimento inequívoco do ato”, pelo próprio donatário do bem, diante da ausência de registro do contrato e aferição pelo Tabelião da regularidade do empreendimento onde se encontrava o lote doado.

6. O prazo decadencial para anulação da doação na hipótese, portanto, é de quatro anos, contados do dia em que se realizou o negócio jurídico, nos termos do que expressamente dispõe o art. 178, II, do Código Civil.

7. Recurso especial provido.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Tercei-ra Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 143

taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Rela-tora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Ricardo Villas Bôas Cueva. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 18 de março de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Nancy Andrighi Relatora

relatÓrio

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora):

Trata-se de recurso especial interposto por RVM Participações Ltda. e outro, com base no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP).

Ação: declaratória de nulidade de contrato de doação de imóvel, ajuiza-da por Ricardo Batista Rodrigues em face de RVM Participações Ltda. e outro, com fundamento em vício de consentimento. Aduz o autor que foi contempla-do em um sorteio de imóvel localizado em condomínio às margens da Represa de Jurumirim, devendo pagar apenas as respectivas taxas de manutenção. Após algum tempo, em razão de dificuldades financeiras, deixou de pagá-las e a do-ação do bem foi revogada.

Contudo, passou a ser cobrado por débitos do imóvel. Além disso, a in-viabilidade do empreendimento foi constatada em ação civil pública. Pleiteia o ressarcimento das despesas pagas com a manutenção e conservação do bem e a compensação por danos morais.

Contestação: RVM Participações Ltda. e outro alegaram, preliminarmen-te, a decadência do direito do autor para pleitear a anulação do negócio, e a prescrição relativa à reparação por danos materiais e compensação por danos morais. Sustentaram, ainda, a legalidade da inscrição do nome do autor nos ca-dastros de proteção ao crédito porque o débito inscrito na dívida ativa se refere ao período em que o autor foi proprietário do bem e que a sentença prolatada na ação civil pública ocorreu após a doação. Aduzem, por fim, que o loteamen-to era regular.

Sentença: julgou extinto o processo, com resolução do mérito, acolhen-do a preliminar de decadência, relativa à pretensão de anulação do contrato por vício de consentimento; e de prescrição, relativa à pretensão de reparação dos danos. Isso porque o negócio jurídico fora celebrado em 28.02.2005 e a ação proposta em 20.06.2009.

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144 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Acórdão: deu provimento à apelação interposta por Ricardo Batista Rodrigues, para afastar a prescrição da pretensão anulatória, cujo prazo so-mente teria início com o registro público do contrato de doação, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 224/231):

Anulação. Doação de imóvel. Desconstituição de negócio jurídico sob alegação de erro ou dolo. Ausência de registro da doação. Prazo prescricional de quatro anos a contar do conhecimento inequívoco do ato. Sentença reformada para afastar a prescrição. Recurso provido.

Embargos de declaração: interpostos por RVM Participações Ltda. e outro (e-STJ fls. 234/243), foram rejeitados (e-STJ fls. 245/250).

Recurso especial: interposto como base nas alíneas a e c do permissivo constitucional (e-STJ fls. 256/273), aponta ofensa ao art. 178, II, do Código Civil, pois a contagem do prazo decadencial de 4 anos para anulação do contrato começaria a fluir na data em que foi celebrado, sendo irrelevante a ausência de registro do cartório de imóveis.

O dissídio jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o acór-dão recorrido e o acórdão proferido por esta Corte, no AgRg-REsp 1.188.398/ES, que teria considerado a data da celebração do negócio jurídico como o termo inicial da fluência do prazo decadencial para sua anulação.

Exame de admissibilidade: o recurso do autor foi inadmitido na origem pelo TJ/SP (e-STJ fls. 288/289), tendo sido interposto agravo contra a decisão de-negatória pelo recorrente, ao qual dei provimento para determinar o julgamento do recurso (e-STJ fl. 323).

É o relatório.

voto

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora):

Cinge-se a controvérsia a verificar qual o termo inicial do prazo deca-dencial de 4 anos, para anular doação, com fundamento em vício de consen-timento.

1 Do termo inicial do prazo de decadência para anulação de negócio jurídico (violação do art. 178, II, do Código Civil e dissídio jurisprudencial)

01. Inicialmente, esclareça-se que o prazo a que se refere o art. 178, II, do CPC, é decadencial e não prescricional, como afirmado no acórdão recorrido.

02. Com efeito, embora alguma dúvida pudesse haver a respeito diante da redação do art. 178, § 9º, V, b, do Código Civil de 1916, que, ao tratar do tema de anulação dos negócios jurídicos por vício de consentimento, afirmava

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 145

expressamente que a ação prescrevia em 4 anos, o Código Civil vigente é claro no sentido de se tratar de prazo de decadência.

03. Superada essa questão terminológica, verifica-se que o Tribunal de origem afastou a decadência do direito do autor, sob o fundamento de que “a ausência do registro do contrato de doação de imóvel realizado entre as partes impede a correta aferição da data em que o autor tomou conhecimento ine-quívoco do ato, na medida em que o Tabelião, no momento de conferir publi-cidade ao contrato de doação, poderia cientificá-lo acerca das irregularidades do imóvel. Ou seja, à míngua de outras provas da ciência, cujo ônus competia aos requeridos, o termo inicial da prescrição seria a data do registro da doação” (e-STJ fl. 230/231).

04. Os recorrentes, por sua vez, sustentam que a fluência do prazo deca-dencial, a teor do art. 178, II, do Código Civil, tem início na data da celebração do negócio jurídico, que, na hipótese, ocorreu em 28.02.2005, sendo irrelevan-te a ausência de registro do contrato ou o conhecimento inequívoco do alegado vício de consentimento.

05. Esta Corte tem inúmeros precedentes no sentido de que o prazo de decadência para pleitear anulação de negócio jurídico deve ser contato a partir da data do registro do respectivo título aquisitivo no Cartório Imobiliário e não do dia em que se realizou o negócio jurídico. Nesse sentido: REsp 36.065/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 10.10.1994; AgRg-REsp 410.828, de minha relatoria, DJ de 04.11.2002, REsp 710.810/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 10.03.2008; AgRg-REsp 743.890/SP, de minha relatoria, DJ de 03.10.2005; REsp 118.051/SP, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, DJ de 01.08.2000.

06. Contudo, é de se observar que, nesses precedentes, todos oriundos de ações paulianas, eram terceiros que visavam anular o negócio jurídico, com fundamento na ocorrência de fraude e, portanto, justificava-se a fluência do prazo decadencial somente a partir do registro imobiliário do instrumento con-tratual. Afinal, somente por meio dele dá-se publicidade ao ato e, por conse-guinte, a sua validade e eficácia erga omnes.

07. Antes do registro imobiliário, o negócio jurídico envolvendo bens imóveis só tem eficácia entre as partes que o celebraram, não fluindo contra os terceiros, que dele não têm conhecimento inequívoco, o prazo decadencial para anulação.

08. Com efeito, a decadência é causa extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei, cujo termo inicial deve coincidir com o conhecimento do fato gerador do direito a ser pleiteado, o que se coaduna com a interpretação dada por esta Corte nos precedentes mencionados, porque o cartório imobiliário tem como objetivo precípuo fazer valer contra terceiros os atos que lhe são levados a registro.

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146 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

09. Nesse mesmo sentido, o entendimento desta Corte, no que respeita ao prazo para anulação de dação em pagamento simulada, ainda sob a égide do Código Civil de 1916:

PROCESSO CIVIL E CIVIL – AÇÃO ANULATÓRIA – SIMULAÇÃO – ESCRITURA PÚBLICA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO – BENS IMÓVEIS – PRESCRIÇÃO – TERCEIRO NÃO CONTRATANTE – TERMO INICIAL – REGISTRO DO TÍTULO – ALEGAÇÃO DE FALTA DE PROVAS DA SIMULAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE EXAME – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ

1. O termo inicial da prescrição para a anulação de ato simulado (praticado sob a égide do CC/1916) consistente em documento público de dação em pagamen-to de bens imóveis, consoante melhor exegese do art. 178, § 9º, b, do mesmo Codex, deve ser a data do título translativo de direitos de propriedade, em rela-ção às partes contratantes, e, do registro do título impugnado, quanto a terceiros. (REsp 734.162/PR, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª T., Julgado em 12.12.2006, DJ 27.08.2007 p. 261)

10. Na hipótese analisada, todavia, a pretensão anulatória não é de ter-ceiro, mas do próprio beneficiário da doação, que alega dolo das recorrentes, bem como erro na celebração do negócio porque, no momento em que assina-do do contrato, não foi informado da irregularidade do empreendimento.

11. Não é razoável, portanto, invocar a ausência de registro imobiliário ou a aferição pelo Tabelião da regularidade do empreendimento, como fez o Tribunal de origem, para afastar a decadência, porque o recorrido não se trata de terceiro alheio à negociação, mas do próprio contratante, que, desde a assi-natura do contrato, tinha “conhecimento inequívoco do ato”.

12. Assim, o prazo decadencial para anulação de negócio jurídico, quan-do a pretensão é do próprio contratante, é de quatro anos contados do dia em que ele foi celebrado, conforme expressamente dispõe o art. 178, II, do Código Civil.

13. Considerando que, na hipótese, o contrato de doação foi assinado em 28.02.2005 e a ação foi proposta em 20.06.2009, há que ser reconhecida a decadência, reformando-se o acórdão recorrido.

Forte nessas razões, dou provimento ao recurso especial, restabelecendo--se a sentença de primeiro grau, que reconheceu a decadência do direito do autor.

certiDão De Julgamento terceira turma

Número Registro: 2013/0335715-5

Processo Eletrônico REsp 1.418.435/SP

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 147

Números Origem: 0014557182009 00145571820098260344 104109 14557182009 145571820098260344 201303357155 3440120090145573 34401200901455730000 819964

Pauta: 18.03.2014 Julgado: 18.03.2014

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Maurício de Paula Cardoso

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Recorrente: RVM Participações Ltda. e outro

Advogado: Marisa Mitico Vivan Mizuno de Oliveira e outro(s)

Recorrido: Ricardo Batista Rodrigues

Advogado: Marcus Vinicius Teixeira Borges

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Doação

certiDão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Ricardo Villas Bôas Cueva.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1447

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 2003.51.01.011342‑2Nº CNJ: 0011342‑34.2003.4.02.5101Relator: Desembargador Federal Aluisio MendesApelante: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogados: Veronica Torri e outrosApelados: Cooperativa Habitacional dos Sócios do Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército – COOPHABS – CSSE e outrosAdvogados: Adilson Pastor dos Santos e outrosOrigem: Vigésima Quarta Vara Federal do Rio de Janeiro (200351010113422)

ementaDIREITO CIVIL – COTAS CONDOMINIAIS – OBRIGAÇÃO PROPTER REM – RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO – RESSARCIMENTO – CABIMENTO – CORREÇÃO MONETÁRIA

1. Todas as obrigações que decorrem pura e simplesmente do direito de propriedade (em razão da coisa) são propter rem e, ao contrário das obrigações em geral, não surgem por força do acordo de vontades, mas sim em razão de um direito real dentre aqueles previstos no art. 1.225 do Código Civil de 2002: propriedade, penhor, anticrese, usufruto, servi-dões, uso, habitação, enfiteuse etc.

2. É dever de o condômino contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais (art. 1.336, I, do Código Civil).

3. In casu, segundo Escritura de Empréstimo, de Compra e Venda de Imóvel, de Constituição de Garantia Real e outros Pactos, celebrada em 30.06.1986, as Cooperativas, ora Apeladas, se sub-rogaram em dívida constituída pelas Construtoras Cojan Engenharia S/A, Master Incosa En-genharia S/A e Construtora Balbo S/A, que haviam sido contratadas pelo extinto BNH (sucedido pela CEF), para a construção do empreendimento “Moradas do Itanhangá”.

4. Em face do inadimplemento contratual das Cooperativas, inviabilizan-do a comercialização das unidades, a CEF obteve autorização judicial para comercializar as unidades habitacionais, para o fim de recompor seu prejuízo.

5. O pagamento das cotas condominiais atrasadas decorreu da exigência do Condomínio, para fornecer o recibo de quitação, sem o qual as es-crituras não poderiam ser assinadas e registradas no respectivo Cartório de RGI.

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 149

6. Inexistente nos autos qualquer prova da consumação de processo de execução por parte da CEF, que a tornaria proprietária por meio de algum dos métodos previstos na legislação processual vigente.

7. Em sede de liquidação de sentença é cabível a apresentação dos bole-tos de cobrança para aferição do débito e sua origem.

8. Sentença reformada, para condenar as Rés a ressarcirem à CEF o valor referente ao pagamento das cotas condominiais, efetuado na venda das unidades imobiliárias.

9. Apelação provida.

acÓrDão

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, na forma do Relatório e do Voto, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 2014 (data do Julgamento).

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes Desembargador Federal

relatÓrio

Trata-se de apelação cível interposta pela Caixa Econômica Federal, ob-jetivando a reforma da sentença de fls. 626-630, proferida pela MMª Juíza da 24ª Vara Federal/RJ, nos autos da ação de rito ordinário, com requerimento de antecipação de tutela, ajuizada pela CEF em face da Cooperativa Habitacional dos Sócios do Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército – COOPHABS – CSSE, da Cooperativa Habitacional de Integração Social do Rio de Janeiro – CHIS-RIO e da Cooperativa Habitacional do Servidor Público, pleiteando:

(i) o bloqueio da quantia de R$ 984.000,00 (novecentos e oitenta e quatro mil reais), correspondente ao valor das cotas condominiais antecipadas pela CEF, referente à venda de 615 (seiscentos e quinze) unidades do empreendimento “Moradas do Itanhangá”, depositado na conta corrente nº 005.4002958-4, da agência CEF/PAB Justiça Federal – 0625, até decisão final;

(ii) a condenação das rés a restituírem o valor integral que seria devido à Autora, nos termos das planilhas anexas, atualizado até a data do efetivo pagamento.

Narra a Autora que, conforme decisão antecipatória dos efeitos da tutela, proferida em ação ajuizada perante a 24ª Vara Federal, foi autorizada a praticar os atos necessários à comercialização das unidades habitacionais do empreen-

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150 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

dimento imobiliário “Moradas do Itanhangá”. No momento da assinatura das escrituras de compra e venda, teria verificado a existência de débito das Coope-rativas com as cotas condominiais, as quais foram pagas através de um acordo com o Condomínio para solver o débito, mas que entende que a responsabili-dade pelo pagamento seria das Cooperativas.

Às fls. 58-60 foi proferida decisão negando provimento ao pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

As Rés ofereceram reconvenção (fls. 206-215), pleiteando que fossem restituídas pela CEF dos valores pagos pelas cotas condominiais, referentes às unidades por ela vendidas, além de condenada ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, porque não teria alocado os recursos necessários à organização administrativa do empreendimento, conforme previsto no con-trato.

A r. sentença apresentou o seguinte dispositivo:

a) em relação ao pedido da CEF, julgou improcedente o pedido, sob o funda-mento de que, na qualidade de credora hipotecária, seria a responsável pela qui-tação das cotas condominiais dos imóveis gravados com hipoteca em seu favor, tratando-se de obrigação propter rem;

b) em relação à reconvenção das rés, indeferiu a inicial por inépcia, e julgou extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, I c/c art. 295, I e parágrafo único, II, ambos do Código de Processo Civil, por considerando inexistente a relação entre o pedido de ressarcimento e a causa de pedir.

Em suas razões (fls. 646-654), a CEF sustenta, em apertada síntese, que (i) seria apenas a credora hipotecária no caso concreto e não a proprietária dos imóveis, os quais teriam sido comercializados, mediante autorização judicial, com o propósito de ser ressarcida dos valores aportados no empreendimento; (ii) inexistiria nos autos informação da consumação de qualquer processo de execução que tornaria a apelante proprietária através dos métodos previstos na legislação processual vigente; (iii) o pagamento das cotas condominiais atrasa-das teria sido uma exigência do Condomínio, que assim exigiu para fornecer o recibo de quitação, uma vez que sem este documento as escrituras não po-deriam ser assinadas e registradas no respectivo Cartório do RGI; (iv) por meio de autorização judicial teria sido autorizada a comercializar as unidades do empreendimento, com o propósito de ser ressarcida dos valores aportados no empreendimento.

O recurso foi recebido nos seus regulares efeitos (fl. 656).

Oferecidas contrarrazões às fls. 660-664.

O Ministério Público Federal, em parecer do Procurador Regional da Re-pública, à fls. 677-681, opinou pelo provimento da apelação, por entender que,

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 151

segundo expresso no termo do acordo firmado pelas partes, constante dos autos às fls. 29-32, as Apeladas seriam as proprietárias das unidades autônomas.

É o relatório. Peço inclusão em pauta.

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes Desembargador Federal

voto

Cinge-se a controvérsia recursal em aferir se a CEF faz jus ao ressarcimen-to de quantia referente ao valor pago, a título de cotas condominiais, quando realizada a venda das unidades imobiliárias do empreendimento “Moradas do Itanhangá”.

Argumenta a CEF que seria apenas a credora hipotecária no caso concre-to e não a proprietária dos imóveis, cuja venda foi autorizada judicialmente e teve o único propósito de ser ressarcida dos valores aportados no empreendi-mento. Também acrescentou que inexistiria informação acerca da consumação de qualquer processo de execução que a tornaria proprietária através dos méto-dos previstos na legislação processual vigente.

Por outro lado, a sentença julgou improcedente o pedido, por entender que a CEF, “na qualidade de credora hipotecária, é a responsável pela quitação das cotas condominiais dos imóveis gravados com hipoteca em seu favor”, bem como que, “a teor do acordo de fls. 29/32, celebrado entre o condomínio e a CEF, esta demonstrou ser sabedora de que é seu ônus o pagamento das cotas condominiais (fl. 629)”.

A irresignação da CEF merece prosperar. Senão vejamos.

Da análise do conjunto fático-probatório constante dos autos, verifica-se que as Cooperativas, ora Apeladas, são as proprietárias das referidas unidades imobiliárias, pois, segundo cópia da Escritura de Empréstimo, de Compra e Ven-da de Imóvel, de Constituição de Garantia Real e outros Pactos, celebrada em 30.06.1986 (fls. 130-150), se sub-rogaram em dívida constituída pelas Constru-toras Cojan Engenharia S/A, Master Incosa Engenharia S/A e Construtora Balbo S/A, que haviam sido contratadas pelo extinto BNH (sucedido pela CEF), para a construção do empreendimento “Moradas do Itanhangá”.

Como se vê, a CEF é apenas credora hipotecária, razão pela qual somen-te responde pelo débito nos casos em que adjudica o bem, o que não restou comprovado por quaisquer documentos nos autos.

Por outro lado, tendo a CEF verificado que as cooperativas alteraram, unilateralmente, as condições de pagamento ajustadas em contrato, inviabi-lizando a comercialização das unidades, resolveu ajuizar uma ação judicial

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152 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

(processo nº 2002.51.01.009126-4), na qual foi proferida decisão antecipatória dos efeitos da tutela reconhecendo o prejuízo patrimonial do agente financeiro, e da qual transcrevo o seguinte trecho (fls. 20-22), in verbis:

“Fazendo uma cognição sumária dos fatos aventados na inicial (cognição típica da análise de um pedido de tutela antecipada), vislumbro plausibilidade jurídica suficiente nas alegações da Autora para deferir a tutela de urgência pleiteada. Vislumbro, também, a periclitação do direito alegado.

A questão de fundo trazida a Juízo envolve um contrato de financiamento para a construção de imóveis do empreendimento chamado ‘Morada do Itanhangá’, que, pelos documentos carreados, decorrem de longa data, mais precisamente do ano de 1982.

De fato, me parece plausível que a cobrança de uma ‘taxa’ de 10% sobre o valor do imóvel a ser vendido não só inviabiliza a comercialização da unidade, como também coloca em risco o nome da Caixa Econômica Federal na atuação de agente financiador da moradia.

Nota-se que, aparentemente, houve um desvio à manifestação de vontade ex-pressada no item V da 2ª Cláusula do 3º Termo Aditivo de Empréstimos e Outras Avenças, firmado entre as rés a Autora, em 05 de abril de 2000 (folha 85 dos autos).

Deve ser considerada sem validade a atividade que contraria a cláusula contra-tual acima, uma vez que cobrar parcela não prevista em tal avença só inviabiliza a venda dos imóveis que, há muito, já deveriam estar ensejando a sua função social.

Não vejo como determinante ao não cumprimento do contrato o fato de terem sido vendidas apenas 564 unidades dois anos após o perfazimento do terceiro termo aditivo (folhas 82/89). Como se sabe, o país vive hoje uma crise financeira em que o poder de compra encontra-se estagnado e a aquisição de imóvel torna--se uma conquista de poucos. Não é este o fato que impressiona.

O que efetivamente chama a atenção é o fato de se estar, aparentemente, violan-do o contrato com a cobrança de valores não compatíveis com os 5% estabele-cidos à folha 85. Realmente, o empreendimento foi iniciado nos idos de 1982, já tendo decorrido longo tempo sem que as moradias estejam sendo exercidas em sua plenitude. Um empreendimento que permanece sem a venda de imóveis por longo tempo certamente gera a desconfiança de pretendentes, demonstrando a pouca liquidez dos imóveis. Cabe ao empreendedor reverter essa situação de maneira a viabilizar a venda dos imóveis.

Inúmeras foram as irregularidades apontadas pela Autora em sua inicial. Aponta inclusive o perigo de invasão do imóvel em razão de inércia do negócio, colo-cando em risco aqueles que já se encontram no conjunto habitacional. Além disso, esse estado de aparente paralisação do empreendimento prejudica, a prin-cípio, a economia da CEF que se vê impedida de recompor o prejuízo pela não reversão dos montantes direcionados à sua construção. Não havendo a venda das unidades, a Caixa, que tanto atua no mercado imobiliário, financiado a mo-

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 153

radia, não consegue recuperar o que foi alocado monetariamente no ‘Moradas de Itanhangá’.

Na presente relação contratual que ora se discute, está presente uma empre-sa pública federal (a Caixa Econômica Federal), pertencente ao que se concebe como ‘Administração Pública Indireta’, inserida, portanto, no contexto do art. 37, caput, da CF/1988. É de se lhe aplicar, dessarte, o princípio da eficiência.

Também não vislumbro perigo de dano irreparável (ao inverso) para as coopera-tivas, na medida em que a CEF se propõe a efetuar judicialmente o depósito das parcelas a que fazem jus as rés (5% sobre o preço da unidade vendida).

Ao longo da vasta documentação juntada aos autos, constato que, a princípio, a Autora efetivamente vem suportando um prejuízo patrimonial indevido, já que financiou a construção de imóveis e agora se observa impossibilitada de reverter essa operação econômica.

Diante do exposto, defiro a tutela antecipada pleiteada à folha 12, pelo que au-torizo a Caixa Econômica Federal a praticar os atos necessários à comercializa-ção das unidades habitacionais do empreendimento denominado ‘Moradas do Itanhangá’, efetuando propaganda, instalando estande de vendas e assinando as escrituras de compra e venda em nome das cooperativas rés. Determino, tam-bém, a realização depósito judicial do percentual de 5% devido às cooperativas acima, por cada unidade vendida, conforme contrato entre as partes (fls. 19-22).”

Iniciada a comercialização das unidades imobiliárias, a CEF verificou a existência de dívidas em relação às cotas condominiais, tendo negociado com o Condomínio Moradas do Itanhangá o pagamento dos atrasados, assumindo a responsabilidade pelo pagamento, conforme expresso no termo de acordo de fls. 29-32, in verbis:

“II – DO OBJETO

O presente Termo de Acordo tem como objeto a composição do débito condomi-nial, existente entre as Cooperativas denominadas Cooperativa Habitacional dos Sócios do Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército – COOPHABS – Coope-rativa Habitacional de Integração Social – CHIS-RIO e Cooperativa Habitacional dos Servidores Públicos – COHASEP, proprietárias das unidades autônomas, que se encontram vazias e não comercializadas, compreendido entre o período de outubro de 2000 até a data da expiração do presente acordo.

[...]

III – DA DÍVIDA

Assumindo a Caixa Econômica Federal, por decisão judicial, a venda das unida-des vazias do Condomínio Moradas do Itanhangá, assume também a responsabi-lidade pelo pagamento das cotas condominiais em atraso das aludidas unidades.

IV – DA FORMA DE PAGAMENTO

A Caixa Econômica Federal, na qualidade de interveniente devedora, se compro-mete e se obriga a pagar, antes da assinatura da escritura de Compra e Venda, a importância de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) por unidade comercializada,

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a título de quitação de cotas condominiais em atraso, compreendidas no período de outubro de 2000 até a data da escritura do imóvel.” (grifo nosso)

Não há qualquer menção no referido pacto de que a CEF tenha perdoado a dívida das Apeladas, mas sim a intenção de viabilizar a comercialização das unidades habitacionais, adiantando o pagamento dos débitos em aberto, com o que se sub-rogou no crédito respectivo.

Vale dizer, o recolhimento antecipado dos valores referentes às cotas condominiais decorreu da exigência do Condomínio, para fornecer o recibo de quitação, sem o qual as escrituras não poderiam ser assinadas e registradas no respectivo Cartório de RGI.

Ademais, inexiste informação nos autos acerca da existência de processo de execução por parte da CEF, o que a tornaria proprietária dos imóveis por meio de algum dos métodos previstos na legislação processual vigente, recain-do sobre as Cooperativas a responsabilidade pelo pagamento das cotas condo-miniais.

Portanto, inexistindo qualquer vínculo de propriedade a responsabilizar a CEF pelos débitos condominiais dos imóveis do Condomínio Moradas do Ita-nhangá, e, não havendo qualquer dispositivo legal que autorize a imputação de responsabilidade pelo pagamento destes à credora hipotecária (desde que não se torne proprietária do bem dado em garantia), o pedido de ressarcimento dos valores despendidos pela CEF deve ser provido.

A propósito, todas as obrigações que decorrem pura e simplesmente do direito de propriedade (em razão da coisa) são propter rem e, ao contrário das obrigações em geral, não surgem por força do acordo de vontades, mas sim em razão de um direito real dentre aqueles previstos no art. 1.225 do Código Civil de 2002: propriedade, penhor, anticrese, usufruto, servidões, uso, habitação, enfiteuse etc.

A taxa de condomínio possui a natureza de obrigação propter rem, sendo prevista no § 1º do art. 12 da Lei nº 4.591/1964, que dispõe: “salvo disposição em contrário na convenção, a fixação da quota do rateio corresponderá à fração ideal do terreno de cada unidade”.

O Código Civil de 2002 tratou do tema, dispondo, no inciso I do art. 1.336, que é dever do condômino contribuir para as despesas do condomí-nio, na proporção de suas frações ideais.

A responsabilidade pelo pagamento das parcelas das taxas condominiais (principal e acessórios), anteriores à aquisição do imóvel, é do proprietário do imóvel, pois é titular do domínio. O Código Civil de 2002 dispôs no seu art. 1.345 que “O Adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 155

Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA – TA-XAS CONDOMINIAIS EM ATRASO – CERCEAMENTO DE DEFESA – AUSÊN-CIA – REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – DETENTOR DA POSSE DO IMÓVEL – PREQUESTIONA-MENTO – INEXISTÊNCIA – SÚMULAS NºS 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RESPONSABILIDADE – PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL – DIVERGÊN-CIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA – DECISÃO AGRAVADA MAN-TIDA – IMPROVIMENTO

1. A convicção a que chegou o Acórdão recorrido no tocante à ausência de cer-ceamento de defesa decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o aco-lhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz da Súmula nº 7 desta Corte.

2. A questão relativa a quem estava na posse do imóvel no período a que se refere a ação de cobrança, não foi objeto de debate no Acórdão recorrido, carecendo do necessário prequestionamento viabilizador do Recurso Especial. Tampouco foram interpostos Embargos de Declaração para sanar eventual omissão. Inciden-tes as Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.

3. Esta Corte possui entendimento firmado no sentido de que o legítimo proprie-tário de imóvel em condomínio responde pelas cotas condominiais em atraso, por se tratar de obrigação propter rem. Precedentes.

4. Não houve a comprovação da divergência, conforme as exigências contidas nos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ, em razão da ausência de similitude fática com os paradigmas confrontados, nos quais o promitente--comprador responde pelo pagamento das cotas condominiais relacionadas ao período em que imitido na posse do imóvel; situação não reconhecida pelo Acór-dão recorrido no presente caso.

5. A agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

6. Agravo Regimental improvido.”

(STJ, AgREsp 201301345810, 3ª T., Sidnei Beneti, DJe Data: 08.10.2013 ..DTPB:.)

No tocante ao valor ora exigido, verifico tratar-se de um valor líquido, referente ao pagamento das cotas condominiais quando vendidas as unidades imobiliárias, conforme discriminado pela CEF nas planilhas de fls. 38-54.

De todo modo, tais valores não podem ser tidos como absolutamen-te corretos, devendo ser apurados em liquidação de sentença, nos termos do art. 475-B do Código de Processo Civil, discriminando-se o valor de cada cota de condomínio inadimplido à época da venda das unidades imobiliárias, quan-do também deverão ser apresentados os boletos de cobrança para aferição do débito e sua origem.

Nesse sentido:

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“DIREITO CIVIL – COBRANÇA – COTAS CONDOMINIAIS – PROPRIETÁRIO – POSSUIDOR – OBRIGAÇÃO PROPTER REM – DESNECESSIDADE DE NOTIFI-CAÇÃO – JUROS – MULTA

1. A dívida decorrente das despesas condominiais caracteriza obrigação propter rem, cabendo ao proprietário, ainda que não esteja imitido na posse do imóvel e independentemente de notificação do débito, responder pelo pagamento das cotas condominiais.

2. Desnecessário anexar à inicial, na fase de conhecimento, a previsão de despe-sas e receitas e os boletos de cobrança para aferição da procedência do débito, tendo em vista que tal documentação pode ser acostada na oportunidade da liquidação da sentença.

3. Juros e multa moratórios mantidos como determinados pela sentença.

4. Preliminar rejeitada. Apelo improvido.”

(TRF 3ª R., AC 00014527620024036104, 2ª T., Des. Fed. Cotrim Guimarães, DJU Data: 13.04.2007 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

“ADMINISTRATIVO – CIVIL – COBRANÇA DE QUOTAS CONDOMINIAIS – EMGEA – CONDOMÍNIO – LEGITIMIDADE – OBRIGAÇÃO PROPTER REM – COTAS VINCENDAS – POSSIBILIDADE – PRESUNÇÃO DE PAGAMENTO – INOCORRÊNCIA – MULTA MORATÓRIA E CORREÇÃO MONETÁRIA MAN-TIDAS

1. O Condomínio autor é parte legítima para cobrar o débito condominial que entende devido.

2. A alienação das unidades condominiais autônomas, ou a transferência de di-reitos à sua aquisição, ou a constituição de direitos reais sobre ela, indepen-dem do consentimento dos condôminos, mas estão condicionadas à prova de quitação das obrigações do alienante para com o condomínio. Essas obrigações caracterizam-se como propter rem, valendo a prova da quitação como garantia para o adquirente. A circunstância de a demandada não ter posse direta do imó-vel é irrelevante para estabelecer, entre ela e os ex-mutuários, relação jurídica de litisconsórcio necessário.

3. Não se há de considerar notório, dispensando prova, o fato de as administra-doras de condomínios, auxiliares da respectiva administração, sub-rogarem-se nas verbas condominiais.

4. Não há óbice a que se incluam quotas condominiais vincendas na pretensão e na condenação; caso o valor apontado não se confirme, é perfeitamente possível ajustá-lo em liquidação de sentença.

5. Os boletos de cobrança e os demonstrativos autenticados pela administração, conquanto não sejam títulos de crédito, fazem prova suficiente das importâncias a cobrar como cotas de condomínio.

6. O art. 322, antigo art. 943, do Código Civil não se aplica ao caso. Precedente do STJ.

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7. O principal, base de cálculo da multa, não compreende os juros de mora, tão somente a correção monetária, que mais não é do que sua atualização conforme a perda do poder aquisitivo da moeda.”

(TRF 4ª R., AC 200570030038236, 4ª T., Valdemar Capeletti, DE 19.03.2007)

Conclui-se que o caso é de procedência do pedido, nos termos da fun-damentação supra.

Ante o exposto, dou provimento à apelação da CEF, para reformar a sen-tença e, assim, condenar as Apeladas:

(i) a ressarcirem à CEF o valor pago, a título de cotas condominiais, efetuado na venda das unidades imobiliárias, acrescido de juros e correção monetária, tudo a ser apurado em liquidação de sentença;

(ii) a pagarem honorários advocatícios, fixados em 5% (cinco por cento), distri-buídos pro rata.

É como voto.

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes Desembargador Federal

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1448

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e TerritóriosÓrgão: 5ª Turma CívelProcesso: Apelação Cível nº 20100110159796APCApelante(s): Andrea Geralda SardinhaApelado(s): Luis Carlos dos Santos Pinheiro e outrosRelator: Desembargador Angelo Canducci PassareliRevisor: Desembargador João EgmontAcórdão nº 772.834

ementa

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – CERCEAMENTO DO DIREITO DE PRODUÇÃO DE PROVAS – PRELIMINAR REJEITADA – ALEGAÇÃO DE PROPRIEDADE DE- CORRENTE DA QUALIDADE DE BENEFICIÁRIO DE PROGRAMA HABITACIONAL – DESCABIMENTO – EXERCÍCIO DA POSSE – INOCORRÊNCIA – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – SENTENÇA MANTIDA

1. O julgamento antecipado da lide, quando desnecessária a dilação pro-batória, não configura cerceamento de defesa, máxime quando acervo probatório existente nos autos basta ao convencimento do julgador. Pre-liminar rejeitada.

2. Para que seja possível o acolhimento do pedido de reintegração de posse, deve ser demonstrada a presença dos requisitos exigidos pelo art. 927 do CPC.

3. Em se tratando de ação possessória, a alegação de domínio, decorren-te da qualidade de beneficiário de programa habitacional, sobre a área objeto de disputa pelas partes não encontra guarida, porquanto não se perquire acerca da propriedade do bem, mas sim quanto ao jus posses-sionis (direito de posse).

4. Confirma-se a sentença que julgou improcedente pedido de reintegra-ção de posse se a parte nem mesmo alega já ter exercido a posse sobre bem. Inteligência do art. 927, inciso I do Código de Processo Civil.

Apelação Cível desprovida.

acÓrDão

Acordam os Senhores Desembargadores da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Angelo Canducci Passareli – Relator, João Egmont – Revisor, Luciano Moreira Vasconcellos – Vogal, sob a

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 159

Presidência do Senhor Desembargador Sebastião Coelho, em proferir a seguinte decisão: Conhecer. Rejeitar preliminar. Negar provimento. Unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília/DF, 26 de março de 2014.

Desembargador Angelo Canducci Passareli Relator

relatÓrio

Trata-se de recurso de Apelação interposto por Andrea Geralda Sardinha contra a sentença de fls. 141/144, lançada no bojo de Ação de Reintegração de Posse ajuizada em desfavor de Luis Carlos dos Santos Pinheiro e Gildeni Alves Pinheiro, por meio da qual a MMª Juíza a quo julgou improcedente o pedido inicial de reintegração da Apelante na posse do imóvel situado na SHRF QS 8, conjunto 3-A, lote nº 24, Riacho Fundo/DF.

Entendeu a MMª Juíza sentenciante que a Autora, ora Apelante, nunca exerceu de fato a posse do imóvel, razão pela qual não faz jus à reintegração.

Em suas razões recursais de fls. 148/157, a Apelante suscita, preliminar-mente, a nulidade da sentença, sob a alegação de que o órgão monocrático julgou antecipadamente a lide, não vislumbrando a necessidade de produção de provas.

No mérito, afirma que detém, sim, a posse do imóvel, desde 1992, pois o ordenamento jurídico nacional adotou, no que tange ao conceito de posse, a teoria objetiva de Ihering, segundo a qual a posse não requer a intenção do dono, tampouco o poder físico sobre o bem, mas simplesmente uma relação entre a pessoa e a coisa com base na sua função socioeconômica.

Assevera, então, que possui desde 1992 a posse sobre o imóvel referido.

Ressalta, por outro lado, que a posse dos Apelados era precária e vio-lenta.

Requer a cassação da sentença, ante a nulidade por cerceamento do di-reito de produção de provas, ou, subsidiariamente, o provimento do recurso para julgar procedente seu pedido de reintegração de posse.

Preparo regular à fl. 158.

Contrarrazões dos Réus apresentadas extemporaneamente às fls. 164/166, pugnando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

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160 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

votos

O Senhor Desembargador Angelo Canducci Passareli – Relator:

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de recurso de Apelação interposto contra a sentença de fls. 141/144, lançada no bojo de Ação de Reintegração de Posse, por meio da qual a MMª Juíza a quo julgou improcedente o pedido inicial de reintegração da Apelante na posse do imóvel descrito na inicial, sob o fundamento de que a Autora nunca exerceu, de fato, a posse do imóvel.

Passo, inicialmente, à análise da preliminar de cerceamento do direi-to de produção de provas, suscitada pela Apelante ao argumento de ter sido indeferido seu pedido de juntada do processo administrativo que tramitou na CODHAB, em razão do julgamento antecipado da lide.

A preliminar não prospera.

Com efeito, o julgamento antecipado da lide, quando a questão é exclu-sivamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não existir a necessidade de outras provas (CPC, art. 330, I), não configura cerceio do direito de produção probatória.

Ao Juiz, destinatário da prova, incumbe verificar a necessidade de sua realização, oportunidade em que, se reputá-la desnecessária, procederá ao jul-gamento antecipado.

Assim, é lícito ao magistrado dispensar a juntada de documentos quando isso se mostrar irrelevante ao desfecho da lide, porquanto a produção de outras provas é uma faculdade colocada à disposição do Juiz, direcionada à formação de seu convencimento.

Por outro lado, na espécie, a matéria dispensava a produção de novas provas, visto que os demais documentos que instruem o Feito são suficientes para o deslinde da controvérsia.

Ademais, sendo o Magistrado o destinatário das provas, resta-lhe asse-gurado que proceda ao julgamento antecipado da lide se reputar desnecessária a produção de provas adicionais para firmar seu convencimento, na forma dos arts. 130 e 330, I, do CPC.

Rejeito, pois, a preliminar.

Passo ao exame do mérito.

Sustenta a Apelante que tem a posse do imóvel desde 1992, esclarecen-do, todavia, que o conceito de posse abrange a idéia de poder fático sobre a coisa.

A pretensão recursal não merece abrigo.

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No que tange à posse, assim dispõe o Código Civil brasileiro:

“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, tempora-riamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de depen-dência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.”

Verifica-se, pois, que o ordenamento jurídico pátrio adotou a teoria ob-jetiva de Ihering, quanto à posse, segundo a qual “o possuidor é quem, em seu próprio nome, exterioriza alguma das faculdades da propriedade, seja ele pro-prietário ou não” (ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 226).

Deveras, a posse consiste no poder fático que uma pessoa exerce sobre a coisa, não importando seja ela proprietária ou não do bem. Trata-se de uma relação material entre o homem e a coisa. É uma situação de fato que aparen-ta uma situação de direito, a qual prevalecerá enquanto não se demonstrar o contrário.

Ademais, em sede de ação de reintegração de posse, nos termos do art. 927 do CPC, compete ao autor provar a sua posse, o esbulho praticado pelo Réu e a perda da posse.

Em comentários ao dispositivo supracitado, Maria Helena Diniz leciona o seguinte, in verbis:

“Se o réu esbulhador se defender alegando ser dono da coisa esbulhada (exceptio domini), seu argumento não será levado em conta porque não lhe assiste, ainda que sob alegação de propriedade, molestar posse alheia. Cabe ao proprietário do bem defender seu domínio contra quem, injustamente, o possua mediante ação de reivindicação. A posse, por sua vez, merece proteção legal por si mesma, independentemente da alegação do domínio. O juízo possessório independe do petitório. Não se deve cogitar, em regra, em matéria de jus possessionis, que é um instituto jurídico autônomo, protegido por ações especiais, com a defesa do domínio, que é objeto de outra defesa processual.” In Código Civil Comentado. Ed. Saraiva, p. 425.

No mesmo sentido os Enunciados aprovados na I Jornada de Direito Ci-vil, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários – CEJ do Conselho da Justiça Federal – CJF:

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Enunciado nº 79: “A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações posses-sórias típicas, foi abolida pelo CC, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessórios e petitório.”

Enunciado nº 78: “Tendo em vista a não recepção, pelo CC, da exceptio proprietatis (CC, 1.210, § 2º), em caso de ausência de prova suficiente para em-basar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusivamente no ius pos-sessionis, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso.”

O acervo fático-probatório dos autos demonstra que a Apelante nunca exerceu a posse do bem vindicado, o que se extrai das próprias alegações da Apelante em sua peça de ingresso.

A propósito, colacionam-se os seguintes precedentes:

“O conceito da posse, no direito civil brasileiro, indiretamente nos é dado pelo art. 1.196 do Código Civil, ao considerar possuidor como ‘todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade’.

4. Nesse sentido, preconiza a norma prevista no art. 927 do CPC que é necessário ao autor demonstrar a existência da posse para justificar o pedido de proteção. Assim, para se valer da proteção possessória judicial, o possuidor deve demons-trar a sua posse e a turbação ou o esbulho. E ainda, segundo norma insculpida no art. 1.204 do Código Civil, adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.”

(Acórdão nº 657113, 20110710244894APC, Rel. Alfeu Machado, Rev. Flavio Rostirola, 1ª T.Cív., Data de Julgamento: 27.02.2013, Publicado no DJe 04.03.2013, p. 129 – excerto)

“CIVIL – PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC – NÃO PREENCHIDOS – CONDIÇÃO DE POSSUIDOR – NÃO COMPROVADA – ESBULHO – NÃO COMPROVADO – ART. 333, I, DO CPC – FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE – MELHOR POSSE – PRO-VA ORAL – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO – SENTENÇA MANTIDA

1. A ação de reintegração de posse é o remédio processual adequado à restitui-ção da posse àquele que a tenha perdido em razão de um esbulho, sendo pri-vado do poder físico sobre a coisa. A pretensão contida na ação de reintegração de posse é a reposição do possuidor à situação pregressa ao ato de exclusão da posse, recuperando o poder fático de ingerência socioeconômica sobre a coisa (Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, in Direitos reais, Ed. Lumen Júris, 6. ed., 3. tir.).

2. A lei processual civil enumera os requisitos necessários para a concessão da reintegração de posse. Assim, incumbe ao autor provar: (I) a sua posse; (II) tur-bação ou o esbulho praticado pelo réu; (III) a data da turbação ou do esbulho; (IV) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.

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3. O Código Civil, no art. 1.196, prestigiou a teoria objetiva. Para a referida teoria: basta, para a constituição da posse, que a pessoa disponha fisicamente da coisa, ou tenha a mera possibilidade de exercer esse contato. Esta corrente dispensa a intenção de ser dono, tendo a posse apenas um elemento, o corpus, como elemento material e único fator visível e suscetível de comprovação.

4. As provas coligidas aos autos não convergem em favor do apelante, já que não restou comprovada sua condição de possuidor, nem o alegado esbulho perpetra-do, não se desincumbindo, portanto, do ônus de provar o fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, do CPC). Assim, a melhor posse encontra-se com o apelado, não havendo que se falar, em mora na tramitação do feito, vez que a posse do recorrido remonta ao ano 2007.

5. Diante da nova visão constitucional da posse, a função social da proprieda-de é extensiva à posse, na qual se prestigia o direito à moradia como direito fundamental de índole existencial, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

6. Precedente: ‘DIREITO CIVIL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – POSSE ENTRE PARTICULARES – CONCESSÃO DE USO DE IMÓVEL PÚBLICO – OCUPAÇÃO POR TERCEIRO – EXERCÍCIO DE ATOS POSSESSÓRIOS – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – MELHOR POSSE – RELAÇÃO TRIBUTÁRIA – ANÁLISE EM AÇÃO PRÓPRIA – RECURSO NÃO PROVIDO – 1. A simples existência de docu-mento de concessão de uso expedido pela Administração Pública não comprova, por si só, a existência de posse do imóvel, pois esta é analisada por meio de atos que exteriorizem a qualidade de possuidor, ou seja, a posse é fática e não me-ramente jurídica. Inteligência do art. 1.196 do Código Civil. [...] 4. Recurso co-nhecido e improvido. (Acórdão nº 632323, 20111010022747APC, Relª Simone Lucindo, Rev. Alfeu Machado, 1ª T.Cív., Data de Julgamento: 24.10.2012, Publi-cado no DJe 07.11.2012, p. 79)’

7. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida.”

(Acórdão nº 748303, 20101210048184APC, Rel. Alfeu Machado, Rev. Leila Arlanch, 1ª T.Cív., Data de Julgamento: 08.01.2014, Publicado no DJe 13.01.2014, p. 66)

“REINTEGRAÇÃO DE POSSE – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DISPOSTOS NO ART. 927 DO CPC – ÔNUS DA PROVA – DOCUMENTOS IMPRESTÁVEIS PARA COMPROVAÇÃO DA POSSE – PERÍCIA GRAFOTÉCNICA CONCLUSIVA – PROVAS FAVORÁVEIS À RÉ – SENTENÇA MANTIDA

1. Para que seja possível o acolhimento do pedido de reintegração de posse, deve ser demonstrada a presença dos requisitos exigidos pelo art. 927 do CPC.

2. O autor não se desincumbiu do ônus que lhe competia, pois não trouxe aos autos provas aptas a respaldar a alegação de ter exercido em qualquer época a posse do terreno.

3. O Termo de Cessão de Direitos é inservível para demonstrar a posse, se, sub-metido à perícia grafotécnica, concluir-se que a assinatura do cedente é ilegítima.

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4. Recurso desprovido. Sentença mantida. Unânime.”

(Acórdão nº 684153, 20120810083116APC, Rel. Romeu Gonzaga Neiva, Rev. Angelo Canducci Passareli, 5ª T.Cív., Data de Julgamento: 05.06.2013, Publica-do no DJe 17.06.2013, p. 295)

Por fim, ressalte-se que a concessão de uso, que fundamenta a pretensão da Autora sobre imóvel (fls. 06/10), foi firmada sob a égide do Decreto Distrital nº 11.476/1989, que fixa critérios para o assentamento de residentes em inva-sões em áreas do Distrito Federal e dá outras providências, e, bem assim, exige, como requisito para a manutenção do contrato, que o beneficiário, efetivamen-te, resida no imóvel, sob pena de rescisão do contrato (art. 5º), requisito que foi descumprido pela Apelante.

Eis o teor desse dispositivo:

“Decreto Distrital nº 11.476/1989, art. 5º. A Concessão de Uso obriga ao con-cessionário residir no imóvel, importando seu descumprimento na rescisão do contrato e imediata retomada do bem.”

Acerca do tema, assim se manifestou esse e. Tribunal de Justiça, in verbis:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – NATU-REZA DÚPLICE – AUSÊNCIA DE PROVA DA POSSE DOS AUTORES – CONCES-SÃO DE USO EM PROGRAMA DE ASSENTAMENTO DO GOVERNO – REQUI-SITO – RESIDÊNCIA NO IMÓVEL SOB PENA DE RESCISÃO

1. O contrato de concessão de uso celebrado entre os autores e a SHIS exige que os beneficiários residam no imóvel, sob pena de rescisão (Decreto Distrital nº 11.467/89, art. 5º).

2. Incabível o pedido de reintegração de posse, diante da ausência de comprova-ção do exercício da posse pelos autores.

3. Considerando a natureza dúplice da ação de reintegração de posse, os réus devem ser mantidos na posse do imóvel.

4. Negou-se provimento ao apelo dos autores.”

(Acórdão nº 559847, 20081010089256APC, Rel. Sérgio Rocha, Rev. Carmelita Brasil, 2ª T.Cív., Data de Julgamento: 18.01.2012, Publicado no DJe 20.01.2012, p. 50)

Deve ser ressaltado, conforme constou da fundamentação da sentença, a Autora nem mesmo alega que já tenha exercido a posse do lote de terreno descrito na inicial, o que, por si só, justifica a improcedência de seu pedido, tendo em vista o disposto no mencionado art. 927, inciso I do Código de Pro-cesso Civil.

Com essas considerações, nego provimento ao recurso.

É como voto.

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O Senhor Desembargador João Egmont – Revisor

Com o Relator.

O Senhor Desembargador Luciano Moreira Vasconcellos – Vogal

Com o Relator.

Decisão

Conhecer. Rejeitar preliminar. Negar provimento. Unânime.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisApelação Cível nº 1.0024.06.997378‑2/004Numeração: 9973782Comarca de Belo HorizonteApelante(s): Renato de Oliveira Souza1º Apelante: Maria de Lourdes Castro Souza e outro(a)(s)2º Apelante: Previ Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil atribuição da parte em branco – Previ BBApelado(a)(s): Maria de Lourdes Castro Souza e outro(a)(s), Renato de Oliveira Souza, Previ Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil atribuição da parte em branco – Previ BBRelator: Des.(a) Amorim SiqueiraRelator do Acórdão: Des.(a) Amorim SiqueiraData do Julgamento: 18.03.2014Data da Publicação: 24.03.2014

ementaAPELAÇÃO CÍVEL – REVISÃO CONTRATUAL – PRELIMINAR – PRECLUSÃO LÓGICA – REJEIÇÃO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – PREVIDÊNCIA PRIVADA – CLÁUSULA – PRORROGAÇÃO DO FINANCIAMENTO – BENEFÍCIO PARA O CONTRATANTE – MAJORAÇÃO DA TAXA DE JUROS – DESLIGAMENTO DO SEGURADO – FUNDO DE QUITAÇÃO POR MORTE – ELEVAÇÃO DO RISCO – REGULAMENTO – CARTEIRA IMOBILIÁRIA – CIÊNCIA – CUMULAÇÃO – JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS – POSSIBILIDADE – CET – LEGALIDADE – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS – CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO ANTERIOR À MP 2.170-36 – IMPOSSIBILIDADE – CORREÇÃO DO SALDO DEVEDOR – ESCOLHA UNILATERAL – CLÁUSULA ABUSIVA – MULTA EM CASO DE NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE AÇÃO JUDICIAL – ILICITUDE – RECURSOS IMPROVIDOS

Rejeita-se a preliminar de preclusão lógica se não houver incompatibi-lidade entre atos processuais. Aplica-se o Código de Defesa do Consu-midor às entidades de previdência privada. A cláusula que prevê a pror-rogação do financiamento em caso de saldo devedor remanescente não é abusiva, vez que se traduz em benefício ao consumidor. Lícita a dis-posição que prevê a elevação da taxa de juros em caso de desligamento do segurado. A estipulação que prevê a majoração da taxa do fundo de quitação por morte após os 70 anos de idade não é abusiva, pois, nesse caso, há aumento do risco. O fato do regulamento da carteira imobiliária contemplar a possibilidade de modificação do contrato, por si só, não caracteriza abusividade, sendo necessária a demonstração do prejuízo. Possível a cumulação de juros moratórios e compensatórios, tendo em

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vista que possuem finalidades distintas. Legal a cobrança da taxa do CET – Coeficiente de Equalização de Taxas. É vedada a capitalização de juros em contratos firmados sob a égide do Sistema Financeiro de Habitação. A disposição que estatui a possibilidade do credor escolher, de forma unilateral, o índice de correção do saldo devedor denota abusividade. Ilícita a cláusula que fixa multa em caso de necessidade de interposição de ação judicial. Recursos improvidos.

acÓrDão

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em re-jeitar a preliminar oferecida em contrarrazões e negar provimento a ambos os recursos.

Des. Amorim Siqueira Relator

voto

Trata-se de apelação interposta à sentença que, nos autos da ação revi-sional de contrato, julgou parcialmente procedente o pedido para determinar seja recalculada a dívida de forma a ser extirpada a capitalização de juros, redu-zir a pena convencional para 2% e decotar da cláusula décima a expressão “ou de outro indicador publicado por instituição idônea e que reflita a real inflação ocorrida no período considerado” (ff. 911/922).

Inconformados, os primeiros apelantes aviaram o recurso de ff. 923/931, aduzindo que a cláusula sexta que prevê a prorrogação do financiamento em caso de saldo devedor remanescente é abusiva e, portanto, deve ser declarada nula. Sustentam que a taxa de juros deve ser limitada ao percentual de 6% ao ano. Asseveram ser ilícita a Cláusula 8ª, eis que eleva a taxa do FMQ de 1% para 6,02% na data em que o devedor completar 70 anos de idade. Argumen-tam que o valor cobrado pelo agente financeiro, em razão de tal elevação, extrapolou os limites da Susep. Defendem ser ilegal a cumulação indevida dos juros moratórios e compensatórios. Alegam ser indevida a cobrança do coefi-ciente de equalização de taxas. Declaram ser abusiva a Cláusula 20ª, uma vez que permite à apelada alterações no preço de forma unilateral. Dizem ser nula a Cláusula 22ª, visto que autorizam à apelada modificar o contrato assinado em nome dos apelantes. Pedem a reforma da sentença.

Ausente o preparo por litigarem os primeiros apelantes sob o pálio da Justiça Gratuita.

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Inconformada, a segunda apelante apresentou o recurso de ff. 936/956, afirmando a inexistência da prática da capitalização mensal de juros. Sustenta inexistir qualquer inadequação na parte final da Cláusula 10ª, eis que seu obje-tivo sempre foi a alteração para índice mais favorável aos sócios. Defende que a relação jurídica mantida entre as partes não é de consumo. Aduz ser lícita a cobrança da multa convencional no percentual de 10%. Postula o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (ff. 959/965 e 969/993), sendo que nessa última peça foi sustentada preliminar de preclusão lógica.

Preliminar oferecida em contrarrazões – Preclusão lógica

Segundo Humberto Theodoro Júnior:

“Preclusão lógica é a que decorre da incompatibilidade da prática de um ato processual com outro já praticado.” (Revista Jurídica, n. 273, p. 5)

No caso versado, os primeiros apelantes, em sede de contrarrazões ao recurso interposto pela ré, postularam a manutenção da sentença intacta, “na parte ora debatida” (sic – f. 965). Assim, ao contrário do que alega a suplicada, não há qualquer contradição com o pedido de modificação da sentença de f. 931 contido nas razões de apelo interposto pelos autores.

Por óbvio, não se operou a preclusão lógica, visto que, em momento al-gum, os primeiros recorrentes postularam a confirmação na íntegra do comando sentencial.

Fica, pois, rejeitada esta preliminar.

Conheço dos recursos porque próprios e tempestivos.

1º RECURSO – MARIA DE LOURDES CASTRO SOUZA E RENATO OLIVEIRA SOUZA

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor

Aplicáveis, ao caso em tela, as disposições previstas na legislação consu-merista, nos moldes da Súmula nº 321 do STJ:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a enti-dade de previdência privada e seus participantes.” (Súmula nº 321 do STJ)

Nesse sentido:

“EMENTA: APELAÇÃO – PREVIDÊNCIA PRIVADA – SALDAMENTO DE PLANO – APLICAÇÃO DO CDC – ERRO NO VALOR DA PROPOSTA DE ADESÃO – AU-SÊNCIA DE FONTE DE CUSTEIO – As entidades de previdência complementar se enquadram, no conceito de fornecedor de que trata o CDC, pois prestam ser-viços, realizando contratos com natureza equivalente a seguro, existindo, por-tanto, serviço oferecido no mercado e relação contratual, decorrente desse novo

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contrato de consumo. Assim, os contratos de previdência privada submetem-se às regras do Código de Defesa do Consumidor, por força do disposto no seu art. 3º, e, assim, devem obedecer às linhas de eqüidade e boa-fé por ele impostas. Em havendo comprovação na prova pericial que o valor pago a segurada se deu em desacordo com a proposta contratual, deve ser o pedido julgado procedente para sua condenação a diferença do valor. Não pode a instituição de previdência privada utilizar tal argumento para se esquivar de sua obrigação, cabendo-lhe planejar os descontos e os índices de contribuição.”

(Apelação Cível nº 1.0024.08.990137-5/001, Rel. Des. José Affonso da Costa Côrtes, 15ª C.Cív., J. 29.09.2011, publicação da súmula em 07.10.2011)

Cláusula 6ª do contrato (f. 49)

Como é cediço, para se decretar a nulidade de uma cláusula, há de estar patente a abusividade.

No caso vertente, não se vislumbra qualquer ilegalidade na cláusula sex-ta, eis que prevê, no caso de saldo devedor remanescente, a possibilidade de parcelamento deste. Conclui-se, logo, ser do benefício do consumidor, caso esteja em débito, poder quitá-lo em prestações.

Correta, pois, a sentença ao manter referida estipulação.

Mutatis mutandis, in verbis:

“ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA E SINGULAR – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ANATOCISMO – CLÁUSULA POTESTATIVA

Aplicam-se os princípios e normas do Código de Defesa do Consumidor à enti-dade de previdência privada que assume a condição de prestadora de serviços, com o fornecimento de crédito a seus participantes para a compra, construção e reforma de unidade residencial.

O anatocismo somente é admitido nas hipóteses de expressa autorização legal, sendo vedado nos demais casos mesmo que pactuado.

A cláusula que prevê a possibilidade de prorrogação do contrato, em caso da existência de saldo devedor findo o prazo contratual, não é potestativa por não sujeitar uma das partes ao arbítrio da outra, estando a depender de fatores alheios a vontade dos contratantes.”

(Apelação Cível nº 2.0000.00.405143-8/000, Rel. Des. José Affonso da Costa Côrtes, J. 12.02.2004, publicação da súmula em 10.03.2004)

Cláusula 7ª – Taxa de juros

Referentemente à elevação da taxa dos juros de 6% (seis por cento) para 8% (oito por cento), em virtude do desligamento do associado da Previ, não se ve-rifica qualquer abusividade, vez que está expressamente prevista na Cláusula 7ª.

Além disso, mostra-se razoável que, ao deixar de ser associado, o contra-tante não faça jus aos benefícios concedidos pela associação.

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Sobre o tema:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – ESCRITURA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA HIPOTECÁRIA – FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO VINCULADO AO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS – IMPOSSIBILIDADE – JUROS REMUNERATÓRIOS – ELEVAÇÃO DE 6% PARA 8% EM VIRTUDE DO DESLIGAMENTO DO ASSOCIADO DA PREVI – POSSIBILIDADE – TABELA PRI-CE – CET – LEGALIDADE

I – Conforme entendimento do STJ, em ação de execução de título extrajudicial, o termo inicial do prazo de prescrição subsiste inalterado mesmo diante do ven-cimento antecipado da dívida, que, in casu, se trata do dia do vencimento da última parcela.

II – É pacífica a jurisprudência no sentido de que é vedada a capitalização dos juros em qualquer periodicidade nos contratos de financiamentos imobiliários celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, como in casu.

III – A elevação dos juros remuneratórios de 6% para 8% ao ano, em virtude do desligamento do associado da Previ, não é abusiva, a uma, porque expres-samente prevista na escritura de confissão de dívida; a duas, pois é natural que, ao deixar de ser associado, o contratante não faça jus aos benefícios concedidos pela associação.

IV – A utilização da Tabela Price trata-se de método de amortização de dívida, pelo qual há sua correção antes do desconto da parcela paga, o que não se mos-tra abusivo, conforme Súmula nº 450 do STJ.

V – É lícita a cobrança do Coeficiente de Equalização de Taxas – CET, porque visa à amortização do saldo devedor.”

(Apelação Cível nº 1.0701.12.021641-4/001, Rel. Des. Luciano Pinto, 17ª C.Cív., J. 17.10.2013, publicação da súmula em 24.10.2013)

Ressalte-se, ainda, que os juros pactuados estão muito abaixo da média do mercado, fato esse que afasta a alegada ilicitude desse encargo. Importante salientar, de outra parte, que as entidades de previdência privada não estão sujeitas à limitação a 6% a.a prevista na Lei de Usura.

A esse respeito:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL CUMULADA COM INDENI-ZAÇÃO – CONTRATO DE MÚTUO – ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA – VENDA CASADA – INEXISTÊNCIA – LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERA-TÓRIOS – TAXA MÉDIA DE MERCADO – IOF E SEGURO – LEGALIDADE – DA-NOS MORAIS NÃO COMPROVADOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO

1. Conforme dispõe o art. 85 da Lei nº 6.435/1977, as entidades abertas de pre-vidência privada somente podem prestar assistência financeira a seus associados, inexistindo, portanto, a alegada venda casada.

2. A alteração da taxa de juros remuneratórios pactuada em contratos bancários depende da demonstração cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado (precedentes do STJ).

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3. Não havendo demonstração de dolo ou má-fé da ré, não há de se falar em repetição em dobro dos valores cobrados a maior, tampouco de danos morais.”

(Apelação Cível nº 1.0145.09.544738-2/002, Rel. Des. Marcos Lincoln, 11ª C.Cív., J. 02.10.2013, publicação da súmula em 07.10.2013)

Cláusula 8ª – Fundo de quitação por morteDefendem os apelantes ser ilícita sobredita cláusula, vez que a pactuação

acerca da majoração da taxa do fundo destinado a responder por obrigações vincendas quando a devedora mulher completar 70 anos viola o princípio da isonomia por diferenciar os contratantes pela idade.

Pois bem.

No que tange ao Fundo de Quitação por Morte, vê-se que improspera a pretensão recursal. Como é cediço, referido fundo tem como escopo quitar eventual resíduo de saldo devedor em hipótese de morte do mutuário, sendo que, em caso de óbito, a Previ liquidará o saldo devedor dando total quitação.

Para este desiderato, necessário se faz a composição de um fundo com objetivo de angariar reservas para solução do contrato em caso de falecimento do devedor.

Feitas tais ponderações, conclui-se que o aumento previsto para após os 70 anos de idade não apresenta abusividade, visto que a partir daí a entidade passa a arcar com um maior risco, ocorrendo possibilidades mais elevadas de inadimplemento.

Em caso similar ao presente:

“APELAÇÃO CÍVEL – AGRAVO RETIDO – PRELIMINAR – REJEIÇÃO – REVISÃO CONTRATUAL – POSSIBILIDADE – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS – VE-DAÇÃO – AUMENTO PORCENTAGEM – FUNDO QUITAÇÃO POR MORTE – NÃO ABUSIVIDADE – Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, possibilitou-se a facilidade da defesa da parte hipossuficiente, com instituto da inversão do ônus da prova. Embora a doutrina dos contratos estruture-se no prin-cípio da autonomia da vontade e da obrigatoriedade do cumprimento dos termos pactuados, por força do princípio do pacta sunt servanda, tendo em vista a função social que vem sendo dada aos contratos, buscando-se um maior equilíbrio entre as partes, possível é a revisão pelo poder judiciário das cláusulas consideradas abusivas. Sendo os autores hipossuficientes em relação à entidade de previdência privada, a inversão do ônus da prova é medida que se impõe. A capitalização mensal de juros é vedada, sendo possível apenas sua capitalização anual. O au-mento da porcentagem referente ao Fundo de Quitação por Morte, previsto para após os 70 anos de idade do contratante, não é abusivo, visto que a partir de tal data a entidade de previdência privada arca com maior possibilidade de risco.”

(Apelação Cível nº 1.0024.04.449959-8/001, Rel. Des. Nicolau Masselli, 13ª C.Cív., J. 18.03.2010, publicação da súmula em 08.04.2010)

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Cláusula 9ª, Parágrafo Único – Cumulação dos juros moratórios e compensatórios

Não se vislumbra nenhuma ilegalidade ou bis in idem na cobrança cumu-lada de juros moratórios e compensatórios, visto que possuem fins diferentes.

Enquanto o segundo encargo tem por fim remunerar o mutuante pelo valor objeto do empréstimo, o primeiro visa atualizar o quantum apenas em caso de inadimplência.

Senão vejamos:

CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – PENHORA – CONTRATO DE FINAN-CIAMENTO – BEM DE FAMÍLIA – INOPONIBILIDADE – ART. 3º, II DA LEI Nº 8.009/1990 – JUROS COMPENSATÓRIOS – PREVISÃO CONTRATUAL – CUMULAÇÃO COM JUROS MORATÓRIOS – COBRANÇA DEVIDA

O imóvel adquirido por meio de financiamento junto à construtora é penhorável, na forma autorizada pelo art. 3º, II, da Lei nº 8.009/1990.

É cabível a incidência de juros remuneratórios quando previsto em contrato que, acompanhado das notas promissórias, são os títulos que fornecem sustentação ao processo de execução.

Em face de o inadimplemento induzir automaticamente a mora (art. 397/CC), independentemente da previsão contratual, incidem os juros moratórios, que podem ser, até a data da efetivação do pagamento, cumulados com os juros remuneratórios.

Apelo não provido

(Apelação Cível nº 1.0024.03.024588-0/001, Rel. Des. Alberto Vilas Boas, J. 07.03.2006, publicação da súmula em 08.04.2006)

CET – Coeficiente de Equalização de Taxas

Inexiste abusividade na cobrança do Coeficiente de Equalização de Ta-xas (CET), uma vez que tal medida está prevista no contrato firmado livremente entre as partes, e visa equalizar a distorção entre os índices aplicados para cor-reção do saldo devedor e reajuste da prestação.

Este é o entendimento do TJMG:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABI-TACIONAL – PRESCRIÇÃO – TERMO INICIAL – VENCIMENTO DA ÚLTIMA PARCELA – AUMENTO DOS JUROS EM RAZÃO DA PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO – LEGALIDADE – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – SÚMULA Nº 321 DO STJ – COEFICIENTE DE EQUALIZAÇÃO DE TAXA (CET) – LEGALIDADE – CAPITALIZAÇÃO – INOCORRÊNCIA – TABE-LA PRICE – LEGALIDADE – PENA CONVENCIONAL – ELEVAÇÃO DO DÉBITO EM DECORRÊNCIA DA COBRANÇA DE DÍVIDA JUDICIAL – ILEGALIDADE

Tratando-se de relação jurídica de trato sucessivo, a prescrição não alcança o fundo do direito reclamado, mas tão somente as parcelas vencidas, anteriores aos cinco anos do ajuizamento da ação (art. 206, § 5º, I CC).

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 173

Estando ainda em vigor o contrato questionado, mesmo que com algumas par-celas em atraso, não há falar em início da fluência do prazo prescricional, a teor do art. 199, II do CC.

Em sendo a Previ entidade de previdência complementar fechada, que visa a beneficiar seus associados, inexiste qualquer ilegalidade no aumento da taxa de juros para o contratante que não mais contribui para a entidade na qualidade de segurado.

Nos termos da Súmula nº 321 do STJ, o ‘Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre entidade de previdência privada e seus partici-pantes’.

É legal a cobrança cumulada do coeficiente de equalização de taxa (CET), que objetiva, precipuamente, a amortização da dívida, sendo, via de consequência, benéfica ao mutuário.

Não há falar em capitalização de juros, se tal encargo não restou apurado quando da realização da perícia contábil.

A jurisprudência pátria já se sedimentou no sentido de que, uma vez pactuada, é legal a utilização da Tabela Price, que, por si só, não importa em capitalização.

A pena convencional que importa na elevação do saldo devedor em 10%, tão somente por ter o credor ingressado com ação judicial para receber a dívida é abusiva e deve ser decotada da avença.”

(Apelação Cível nº 1.0707.11.002805-7/001, Rel. Des. Leite Praça, 17ª C.Cív., J. 17.01.2013, publicação da súmula em 29.01.2013)

Cláusula 20ª – Regulamento

Os recorrentes argumentam ser ilícita referida cláusula em virtude do regimento da carteira imobiliária possibilitar a modificação em seu conteúdo in-dependente de notificação. Contudo, não trouxeram nem provaram a existência de qualquer prejuízo concreto advindo de tal estipulação.

Desse modo, por não estar patente a abusividade e considerando que os devedores declararam ter pleno conhecimento de referida cláusula, não se mostra crível, com base em ilações, decretar a sua nulidade.

Nesse sentido:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO DE CON-TRATO – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – JUROS REMUNERATÓRIOS – TAXA SUPERIOR À MÉDIA PRATICADA NO MERCADO – ABUSIVIDADE CONFIGU-RADA – BACEN – NOVA TAXA FIXADA – CAPITALIZAÇÃO DE JUROS – EN-TENDIMENTO DO STJ – PERMITIDO DESDE QUE PACTUADO – AUSÊNCIA DE CLÁUSULA EXPRESSA – CONTRATO OBSCURO – OFENSA AO CDC – IM-POSSIBILIDADE DA COBRANÇA SENTENÇA REFORMADA

1. A interferência na relação contratual é medida excepcional, devendo à abusi-vidade da cobrança colocar o consumidor em desvantagem exagerada e desde que presente a relação de consumo.

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2. A alteração da taxa de juros remuneratórios pactuada depende da demonstra-ção cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado, o que restou demonstrado no caso em análise.

3. O entendimento do STJ é límpido no sentindo que de a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara.”

(Apelação Cível nº 1.0105.12.025346-0/001, Rel. Des. Mariza Porto, 11ª C.Cív., J. 31.10.2013, publicação da súmula em 11.11.2013)

Cláusula 22ª

Conforme explicitado no item acima citado, os apelantes limitam-se a requerer a nulidade da referida cláusula sob o argumento de que essa permite à apelada assinar contrato de retificação ou ratificação.

Entretanto, novamente não demonstram a ocorrência de nenhum dano decorrente desta cláusula que, diga-se de passagem, foi livremente estipulada entre as partes. Sequer informam se foi ou não realizada qualquer alteração no instrumento contratual por força dessa estipulação.

Destarte, por não estar caracterizada abusividade, rejeita-se o pedido de declaração de nulidade.

Ante o exposto, nego provimento ao primeiro recurso.

2ª APELAÇÃO – PREVI BB – CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASILA segunda apelante insiste na tese de que não houve prática de capitali-

zação mensal de juros, mas tão somente utilização da Tabela Price. Entretanto, o acervo probatório demonstra o contrário.

No laudo pericial, esclareceu a perita em resposta ao quesito 3:

“A capitalização de juros existe no contrato em tela, considerando-se a incorpo-ração no saldo devedor a parcela ou total dos juros remuneratórios não amorti-zados?

Sim, consta no contrato em tela a capitalização de juros.”

Competia à instituição financeira refutar a conclusão da perícia através da produção de outras provas, não bastando o laudo do assistente técnico pro-duzido unilateralmente, porém não o fez, razão pela qual prevalece o que foi atestado pela expert.

Acerca do assunto:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO VOLUNTÁ-RIA – APOSENTADORIA OU RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA ACI-DENTÁRIO – PERÍCIA JUDICIAL – PREVALÊNCIA SOBRE LAUDO PARTICULAR – AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE OU DA REDUÇÃO DA CAPACIDADE DE TRABALHO – CONCLUSÃO PERICIAL NÃO DERRUÍDA POR PROVA CABAL – PEDIDO IMPROCEDENTE – RECURSO NÃO PROVIDO

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Não provados os requisitos legalmente exigidos, deve ser indeferido o pedido feito pelo segurado, de concessão de aposentadoria ou de auxílio-doença aci-dentário.

A prova judicial prevalece sobre o laudo particular apresentado pela parte, vez que ela é produzida sob o contraditório.

Não tendo a parte apresentado prova cabal de sua incapacidade, não há como se considerar derruída a conclusão do laudo pericial judicial.

Recurso conhecido e não provido.”

(Apelação Cível 1.0525.09.170629-7/001, Relª Desª Márcia De Paoli Balbino, 17ª C.Cív., J. 01.12.2011, publicação da súmula em 20.01.2012)

Sendo assim, andou bem o juízo a quo ao afastar indigitada prática, por-quanto, além do contrato ter sido firmado em momento anterior à edição da Medida Provisória nº 2.170-36, não é admitida a capitalização mensal de juros em contratos de financiamento habitacional.

A propósito:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – ESCRITURA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA HIPOTECÁRIA – FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO VINCULADO AO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS – IMPOSSIBILIDADE – JUROS REMUNERATÓRIOS – ELEVAÇÃO DE 6% PARA 8% EM VIRTUDE DO DESLIGAMENTO DO ASSOCIADO DA PREVI – POSSIBILIDADE – TABELA PRI-CE – CET – LEGALIDADE

I – Conforme entendimento do STJ, em ação de execução de título extrajudicial, o termo inicial do prazo de prescrição subsiste inalterado mesmo diante do ven-cimento antecipado da dívida, que, in casu, se trata do dia do vencimento da última parcela.

II – É pacífica a jurisprudência no sentido de que é vedada a capitalização dos juros em qualquer periodicidade nos contratos de financiamentos imobiliários celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, como in casu.

III – A elevação dos juros remuneratórios de 6% para 8% ao ano, em virtude do desligamento do associado da Previ, não é abusiva, a uma, porque expres-samente prevista na escritura de confissão de dívida; a duas, pois é natural que, ao deixar de ser associado, o contratante não faça jus aos benefícios concedidos pela associação.

IV – A utilização da Tabela Price trata-se de método de amortização de dívida, pelo qual há sua correção antes do desconto da parcela paga, o que não se mos-tra abusivo, conforme súmula 450 do STJ.

V – É lícita a cobrança do Coeficiente de Equalização de Taxas – CET, porque visa à amortização do saldo devedor.”

(Apelação Cível nº 1.0701.12.021641-4/001, Rel. Des. Luciano Pinto, 17ª C.Cív., J. 17.10.2013, publicação da súmula em 24.10.2013)

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Cláusula 10ª – Parte final

Verifica-se que agiu com acerto a ilustre juíza sentenciante ao determinar o decote da expressão “ou de outro indicador publicado por instituição idônea e que reflita a real inflação ocorrida no período considerado”, isso porque se mostra abusiva a disposição que permite ao fornecedor escolher, a seu bel pra-zer, o índice de correção do saldo devedor.

Ademais, aludida estipulação, por não ser clara quanto ao índice a ser aplicado, viola os princípios da transparência e informação previstos na legisla-ção consumerista. Como consectário, padece de nulidade por impedir o deve-dor de ter acesso ao real saldo devedor.

Nesse sentido:

“EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA – INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA – SEGURO DE VIDA EM GRUPO – INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE POR DOENÇA – SENTENÇA EXTRA PETITA – INOCORRÊNCIA – ALTERAÇÃO DA COBERTURA – AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA E CIÊNCIA DO SEGURADO – NULIDADE – CDC – INVALIDEZ E AFASTAMENTO TEMPORÁRIO COMPROVADOS – INDENIZA-ÇÕES DEVIDAS

Não há se falar em sentença ultra e/ou extra petita se o Julgador se atém exclusi-vamente ao que foi pedido.

As cláusulas que implicarem qualquer limitação ou exclusão ao direito do consu-midor, ou indicarem desvantagem, deverão ser claras e vir expostas no contrato de adesão, caso contrário, não podem ser invocadas em seu prejuízo.

A alteração da cobertura firmada entre a seguradora e a estipulante do contrato de seguro de vida em grupo, sem a sua ciência e concordância, cria uma con-dição desfavorável ao segurado, ofendendo o inciso III do art. 6º, do CDC e o art. 46, do mesmo Diploma Legal.

Restando comprovada a invalidez permanente e total por doença, que incapacita o segurado para as suas atividades laborativas habituais, bem como seu afasta-mento temporário, devem ser deferidas as indenizações conforme previsão con-tratual anterior.

Preliminar rejeitada e recurso improvido.”

(Apelação Cível nº 1.0471.07.091703-7/001, Rel. Des. Domingos Coelho, 12ª C.Cív., J. 13.11.2013, publicação da súmula em 22.11.2013)

Multa convencional

Mostra-se abusiva a cláusula vigésima primeira ao autorizar a aplicação de multa no percentual de 10% caso seja necessária a interposição de ação judicial, haja vista que, nessa hipótese, o fornecedor estaria transferindo ao con-sumidor um ônus que seria seu e, por conseguinte, haveria ofensa ao disposto no art. 51, III do CDC.

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Em relação ao assunto, cita-se o seguinte julgado:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABI-TACIONAL – PRESCRIÇÃO – TERMO INICIAL – VENCIMENTO DA ÚLTIMA PARCELA – AUMENTO DOS JUROS EM RAZÃO DA PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO – LEGALIDADE – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – SÚMULA Nº 321 DO STJ – COEFICIENTE DE EQUALIZAÇÃO DE TAXA (CET) – LEGALIDADE – CAPITALIZAÇÃO – INOCORRÊNCIA – TABE-LA PRICE – LEGALIDADE – PENA CONVENCIONAL – ELEVAÇÃO DO DÉBITO EM DECORRÊNCIA DA COBRANÇA DE DÍVIDA JUDICIAL – ILEGALIDADE

Tratando-se de relação jurídica de trato sucessivo, a prescrição não alcança o fundo do direito reclamado, mas tão somente as parcelas vencidas, anteriores aos cinco anos do ajuizamento da ação (art. 206, § 5º, I CC).

Estando ainda em vigor o contrato questionado, mesmo que com algumas par-celas em atraso, não há falar em início da fluência do prazo prescricional, a teor do art. 199, II do CC.

Em sendo a Previ entidade de previdência complementar fechada, que visa a beneficiar seus associados, inexiste qualquer ilegalidade no aumento da taxa de juros para o contratante que não mais contribui para a entidade na qualidade de segurado.

Nos termos da Súmula nº 321 do STJ, o ‘Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre entidade de previdência privada e seus partici-pantes’.

É legal a cobrança cumulada do coeficiente de equalização de taxa (CET), que objetiva, precipuamente, a amortização da dívida, sendo, via de conseqüência, benéfica ao mutuário.

Não há falar em capitalização de juros, se tal encargo não restou apurado quando da realização da perícia contábil.

A jurisprudência pátria já se sedimentou no sentido de que, uma vez pactuada, é legal a utilização da Tabela Price, que, por si só, não importa em capitalização.

A pena convencional que importa na elevação do saldo devedor em 10%, tão somente por ter o credor ingressado com ação judicial para receber a dívida é abusiva e deve ser decotada da avença.”

(Apelação Cível nº 1.0707.11.002805-7/001, Rel. Des. Leite Praça, 17ª C.Cív., J. 17.01.2013, publicação da súmula em 29.01.2013)

Isto posto, rejeito a preliminar oferecida em contrarrazões e nego provi-mento a ambos os recursos.

Custas recursais pro rata, ficando suspensa a exigibilidade em relação aos primeiros apelantes em face do deferimento dos benefícios da Justiça Gratuita.

Des. Amorim Siqueira Relator

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Des. Pedro Bernardes (Revisor) – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Márcio Idalmo Santos Miranda – De acordo com o(a) Relator(a).

Súmula: “rejeitaram a preliminar oferecida em contrarrazões e negaram provimento a ambos os recursos”.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do ParanáApelação Cível nº 1078795‑8, da Região Metropolitana de Londrina – Foro Central de Londrina.Órgão Julgador: 5ª Câmara CívelComarca: Região Metropolitana de Londrina – Foro Central de LondrinaData do Julgamento: 11.03.2014 18:29:00Fonte/Data da Publicação: DJ: 1308 31.03.2014Apelante: Ministério Público do Estado do ParanáApelado: Município de LondrinaRelator: Des. Nilson Mizuta

ementaAPELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ALTERAÇÃO DE ZONEAMENTO – PARCELAMENTO E OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO – ALTERAÇÃO QUE NÃO OFENDE AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – APROVAÇÃO PELO CONSELHO MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO – AUSÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A alteração de zoneamento urbano submetida à apreciação do Conselho Municipal de Planejamento Urbano, e aprovada pelos órgãos competen-tes, não ofende aos princípios da Administração Pública.

Recurso não provido.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Civil nº 1078795-8, da Região Metropolitana de Londrina – Foro Central de Londrina, em que são apelante Ministério Público do Estado do Paraná e apela-do Município de Londrina.

relatÓrio

O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou a ação civil pública contra o Município de Londrina, alegando que, no dia 15 de dezembro de 2004, a Câmara Municipal de Londrina aprovou a Lei nº 9.699/2004, que dis-ciplinou as seguintes matérias:

“a) inclusão dos lotes nºs 257-A/259-B1 e 257-A/259-B2, com 96.800 m², na área urbana e de expansão urbana do Município de Londrina (arts. 1º e 2º da Lei nº 9.699/2004), com a respectiva inclusão destes lotes nas Zonas Residenciais Um (ZC-1) e Zona Comercial Quatro (ZC-4); b) implantação do condomínio ho-rizontal fechado nos lote nº 22 e 22-A, com 43.716,50 m², localizado na Gleba Simon Frazer, com a correspondente dispensa da doação de percentual de 35%

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da área condominial ao domínio do Município de Londrina (arts. 3º e 4º da Lei nº 9.699/2004); c) autorização de metragem mínima de 180,00 m² para os lotes residenciais do condomínio fechado situado na Gleba Simon Frazer (art. 6º da Lei nº 9.699/2004); d) autorização de metragem mínima de 250,00 m² para os lotes comerciais com testada para a Avenida Robert Koch, que serão independentes do condomínio fechado e estarão lotados na Zona Comercial Seis (ZC-6) art. 6º da Lei nº 9.699/2004; e) Criação de um parágrafo único ao art. 66 da Lei nº 7.483, de 20 de julho de 1998 (dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos no Município de Londrina), cuja finalidade foi a de excluir do campo de incidên-cia daquela disposição legal (art. 66) o lote nº 74/1, com área de 84.700,00m, cuja área poderia ser loteada dentro dos parâmetros da zona comercial Seis (ZC-6) para os lotes lindeiros à estrada Municipal ali existente, após a elaboração da RIAU e sua aprovação para IPPUL e CMTU (art. 7º da Lei nº 9.699).”

Sustenta o Ministério Público que além de carente de motivação, o ato é incompatível com os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade. Sustenta que nos arts. 4º e 5º do ato normativo municipal desobrigou a Cons-trutora Sena a doar 35% da área ao Poder Público, com evidente desvio de finalidade e do interesse público. Busca a concessão de liminar para suspender os efeitos da Lei Municipal nº 9.699/2004. No mérito, pugna pela declaração de nulidade da Lei Municipal nº 9.699/2004, com efeitos ex tunc.

Em defesa prévia o Município de Londrina arguiu, em preliminar: a) a ilegitimidade passiva ad causam; b) falta das condições da ação por impos-sibilidade jurídica, já que a declaração de nulidade de lei é restrita à ação de inconstitucionalidade. No mérito sustentou a ausência de violação do princípio da legalidade.

Destacou a alteração de zoneamento urbano e a impossibilidade da revi-são por decisão judicial. Arguiu a legalidade da dispensa da doação de 35% do imóvel loteado ao Poder Público. Pugnou pela inclusão da Câmara Municipal na condição de litisconsorte passivo necessário.

Em saneador foram indeferidas as preliminares de ilegitimidade pas-siva do Município de Londrina e de impossibilidade jurídica do pedido (fls. 348/349). Contra a decisão o Ministério Público opôs embargos de declara-ção, que foram acolhidos para indeferir a tutela antecipada (fl. 358).

Contra a decisão que indeferiu a tutela o Ministério Público interpôs o agravo de instrumento (fls. 361/370), pleiteando a concessão do efeito ati-vo para suspender os efeitos da Lei nº 9.699/2004. O pleito foi indeferido (fls. 379/381).

Em contestação o Município de Londrina argui, em preliminar, a perda do objeto, em decorrência da aprovação da Lei nº 11.144/2011, que revogou os arts. 3º a 8º da Lei nº 9.699/2004. Reiterou a ilegitimidade passiva e impos-sibilidade jurídica do pedido. No mérito sustentou a ausência de violação do

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princípio da legalidade, alegando a dispensa da doação de 35% do imóvel loteado ao Poder Público.

Na condição de assistente, o terceiro José Domingos Barbosa Rossi, reite-rou as mesmas razões alegadas pelo Município (fls. 429/444).

Sobreveio a r. sentença que reconheceu a perda parcial do objeto da ação, em relação aos arts. 3º a 8º da Lei Municipal nº 9.699/2004, que foram revogados pela Lei nº 11.144/2011. Quanto aos arts. 1º e 2º da Lei Municipal nº 9.699/2004, a r. sentença julgou improcedente o pedido, por ausência de desvio de finalidade e interesse público. Condenou o réu ao pagamento de 50% das custas processuais. Sem condenação de honorários advocatícios.

O Ministério Público apela para buscar a reforma da r. sentença, na parte que julgou improcedente o pedido do apelante para declarar a nulidade dos arts. 1º e 2º da Lei Municipal nº 9.699/2004. Defende que o zoneamento ur-bano pode ser alterado somente para atender o interesse público, precedidos de amplo debate com a sociedade. Destaca que o Município alterou o plano diretor, em notória violação ao princípio da legalidade.

A douta Procuradora Geral de Justiça apresentou parecer pelo provimen-to do recurso (fls. 514/524).

voto

A apelação tem por objeto a reforma parcial da r. sentença, na parte que julgou improcedente julgou improcedente o pedido para declarar a nulidade dos arts. 1º e 2º da Lei Municipal nº 9.699/2004, por ausência de desvio de finalidade e interesse público.

Os artigos citados limitam-se a incluir dois lotes, de nºs 257-A/259-B1 e 257-A/259-B2, com 96.800 m², na área urbana e de expansão urbana do Mu-nicípio de Londrina, com a respectiva inclusão destes lotes nas Zonas Residen-ciais Um (ZC-1) e Zona Comercial Quatro (ZC-4) (fls. 55/56).

Trata-se de disposições que se inserem na competência legislativa do Município, nos termos do art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal:

“Art. 30. Compete aos Municípios:

[...] VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, median-te planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.”

A imprescindibilidade de lei para a instituição do zoneamento (reparti-ção das áreas urbanas e de expansão em zonas e corredores) é acentuada por José Afonso da Silva ao afirmar: “as normas e critérios de zoneamento devem

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ser fixados por lei municipal” (Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: RT, 1981. p. 299).

A inclusão dos lotes na área e expansão urbana, como ZR-1 e ZC-4, foi precedida de todas as exigências legais, com ampla discussão sobre a matéria, apresentação de Relatório de Impacto Ambiental Urbano – RIAU e aprovação pela Câmara Municipal, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Conse-lho Municipal de Planejamento Urbano.

O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina elaborou Consulta Prévia de Viabilidade Técnica sobre o Projeto de Lei ao Conselho Mu-nicipal de Planejamento Urbano. Em Parecer o Conselho Municipal de Planeja-mento Urbano – CMPU, emite seu parecer favorável de acordo com a Consulta Prévia apresentada pelo IPPUL (fl. 116 e verso).

Consta do Relatório da Câmara Municipal de Londrina que, em atendi-mento ao disposto no Plano Diretor do Município, o Projeto de Lei e o Parecer do CMPU foram afixados no

Quadro de Editais da Câmara e publicados no Jornal Oficial do Municí-pio, para manifestação dos interessados. O prazo decorreu sem qualquer mani-festação (fl. 120).

O art. 74 da Lei nº 7.485/1998, quando dispõe sobre o uso e ocupação do solo, estabelece:

“Art. 74. Na gleba não parcelada para fim urbano, na Zona Urbana e de Expan-são Urbana, admite-se a mudança de zoneamento no projeto, exigindo-se nesse caso a apresentação de estudo fundamentado que demonstre: I – existência de infraestrutura satisfatória para o empreendimento; II – condições de acesso com capacidade adequada; III – área livre proporcional a 11m² (onze metros qua-drados) por habitante; IV – equipamento urbano proporcional à população do empreendimento.

§ 1º O estudo, uma vez aprovado, deverá sofrer processo regular de parcelamen-to, respeitada a legislação específica.

§ 2º O estudo será submetido à apreciação do Conselho Municipal de Planeja-mento Urbano para sua aprovação.”

O Projeto de Lei foi acompanhado do Relatório de Impacto Ambiental Urbano – RIAU, elaborado por uma geógrafa, um economista, uma arquiteta e um engenheiro civil, com apoio técnico de um geografista, também submetido ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina e ao Conselho Municipal de Planejamento Urbano, que aprovaram a mudança.

Em Justificativa apresentada pelo Município de Londrina, 7 de junho de 2010, para revogação dos arts. 3º a 8º da Lei Municipal nº 9.699/2004, a ma-téria foi amplamente rediscutida, culminando na alteração dos artigos citados, com a publicação da Lei Municipal nº 11.144/2011.

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Este Parecer, contudo, manteve na íntegra a redação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 9.699/2004: “No que concerne às exigências da legislação vigente no que tange à matéria disposta nos arts. 1º e 2º da Lei nº 9.699/2004, o projeto foi devidamente acompanhado do Relatório de Impacto Ambiental Urbano, elabo-rado a pedido e às expensas do interessado por equipe técnica e foi submetido à análise do IPPUL e CMPU, com parecer favorável dos órgãos, com base na Consulta Prévia de Viabilidade Técnica elaborada pelo IPPUL. Existe todo um sólido embasamento legal dos órgãos competentes para com o contido nos arts. 1º e 2º da lei” (fl. 413).

É certo que o Poder Judiciário tem o dever de controlar a legalidade dos atos discricionários submetidos à sua apreciação. Não pode, contudo, invadir o espaço reservado pela lei ao administrador para decidir, no caso concreto, com base em razões de conveniência e oportunidade, o que mais atenda o interesse público na ocasião da edição do ato administrativo.

Como instrumento da ação administrativa, o poder discricionário está subordinado ao interesse público, sua razão ideológica de ser. A opção da Ad-ministração deve ser aquela que mais atenda o interesse público na situação jurídica subjetiva.

A alteração de zoneamento urbano submetida à apreciação do Conselho Municipal de Planejamento Urbano (art. 74, § 2º, da Lei nº 7.485/1998), e apro-vada pelos órgãos competentes, não ofendeu aos princípios da Administração Pública.

Do exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso interposto por Ministério Público do Estado do Paraná.

Acordam os Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso interposto por Ministério Público do Estado do Paraná.

A sessão foi presidida pelo Senhor Desembargador Paulo Roberto Hapner, sem voto, e participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Leonel Cunha e Luiz Mateus de Lima.

Curitiba, 11 de março de 2014.

Nilson Mizuta Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1451

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de JaneiroApelação Cível nº 0017945‑97.2012.8.19.0026 Aptes.: Moema Fernandes Garcia e Josélia Mançano Ximenes VianaApda.: Tayana Amaral Ribeiro Relator: Desembargador Mauricio Caldas Lopes

DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS E OUTROS ENCARGOS – LOCAÇÃO RESIDENCIAL

Sentença que julgara proceder parcialmente o pedido para declarar res-cindido o contrato de locação, decretar o desalijo e condenar as rés ao pagamento dos aluguéis vencidos e vincendos, das taxas devidas e da multa contratual no valor de três aluguéis.

Apelações.

Razões recursais desacompanhadas de amparo probatório.

Locatária inadimplente com parte dos alugueres e demais encargos.

Cláusula penal estipulada para o descumprimento de qualquer das obri-gações contratuais e que não se confunde com aquela prevista no art. 4º da Lei nº 8.245/1991.

Inviabilidade do pleito da respectiva redução com base no prazo avença-do para a locação, ou no art. 413 do CC.

Nulidade da fiança por ausência de outorga uxória que não pode ser arguida pelo constituidor da garantia fidejussória, a teor do art. 1.650 do CC.

Recursos a que se nega seguimento.

Vistos etc.

1. Ação de despejo por falta de pagamento c/c cobrança de alugueres atrasados e multa de imóvel residencial aforada por Tayana Amaral Ribeiro em face de Moema Fernandes Garcia e Josélia Mançano Ximenes Viana, essa como fiadora, que o eminente doutor Juiz de 1º grau julgara proceder em parte para decretar o desalijo do apartamento nº 405, da Rua Rodrigues Távora, 915, Go-vernador Roberto Silveira, em Itaperuna, declarando, por consequência, rescin-dido o contrato de locação – concedido o prazo de 15 dias para a desocupação voluntária do imóvel, e, ademais, condenar as rés, solidariamente, ao pagamen-to dos aluguéis vencidos a partir do mês de fevereiro de 2013, da taxa de gás a

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partir do mês de setembro de 2012 e das taxas de condomínio a partir do mês de dezembro de 2012, até a data da efetiva desocupação do imóvel. Submeteu-as, também, ao pagamento da multa contratual no valor de R$ 2.040,00 (dois mil e quarenta reais), corrigidos pelos índices oficiais da CGJ e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Ônus sucumbenciais pelas rés, fixados os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação.

1.1 Daí os apelos, o primeiro deles da locatária, que se bate pela reforma da sentença na medida em que os aluguéis estavam devidamente quitados à época da distribuição da presente ação, em cujos depósitos mensais estavam incluídas as taxas de condomínio. Bate-se, ainda, pela redução da multa aplica-da, que haveria de ser fixada proporcionalmente ao número de meses faltantes para o término do prazo da locação.

1.2 A fiadora, por sua vez, assevera a nulidade da fiança prestada, à mín-gua de outorga uxória.

1.2 Contrarrazões em prestígio da sentença hostilizada.

Brevemente relatados, decido.

2. Não cobra reparos o julgado de piso.

2.1 Isso porque o conjunto probatório é firme no sentido de que, muito embora assista razão à primeira apelante no que respeita ao fato de ter adim-plido antecipadamente os aluguéis referentes ao contrato de locação, o qual se iniciara em 30.05.2012 e o primeiro pagamento ocorrera em 25 de maio daquele ano, a locatária cessara o depósito dos aluguéis na conta da autora a partir de fevereiro de 2012, em ordem a caracterizar a falta do pagamento dos locativos, causa de pedir da ação.

Ademais, à míngua de comprovação de que os valores pertinentes às ta-xas condominiais e de gás foram depositados conjuntamente com os alugueres, não há como acolher o pleito recursal.

2.2 Por outro lado, constatado o descumprimento pela locatária de suas obrigações contratuais, sua condenação ao pagamento da multa estipulada, que fora avençada em sua integralidade pelo descumprimento de qualquer das cláu-sulas presentes no contrato de locação (índice eletrônico 15), era de rigor.

Cumpre ressaltar que a referida penalidade não se confunde com aquela prevista no art. 4º da Lei nº 8.245/1991, sempre proporcional ao período de cumprimento do negócio. Pelo contrário, as partes, livre e conscientemente, avençaram cláusula penal no valor de três aluguéis, a serem pagos por aquele que infringisse quaisquer das obrigações contratuais.

Aliás, considerado que a coima não fora estipulada para a hipótese em que o locatário pretende devolver o imóvel e, ademais, que a apelante abstive-ra-se de adimplir não só os últimos aluguéis, como também grande parte dos

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demais encargos pertinentes ao imóvel, não caberia reduzi-la pelo acenado fundamento do art. 413 do CC.

3. Por derradeiro, cuido da insurgência da segunda apelante, restrita a arguir a nulidade da fiança por ela prestada no contrato de locação em questão.

É bem verdade que no instrumento acostado aos autos consta apenas a assinatura da segunda apelante, ali qualificada como casada. Entretanto, a teor do que dispõe o art. 1.650 do CC, falece legitimidade ao constituidor da garan-tia fidejussória para arguir nulidade decorrente da ausência de outorga marital, da linha, aliás, de acalmado entendimento jurisprudencial:

“PROCESSUAL CIVIL – LOCAÇÃO – FIANÇA – PREQUESTIONAMENTO – INE-XISTÊNCIA – SÚMULAS NºS 282/STF E 211/STJ – AUSÊNCIA DA OUTORGA UXÓRIA – NULIDADE RELATIVA – ARGUIÇÃO PELO CÔNJUGE QUE PRES-TOU A FIANÇA – ILEGITIMIDADE – DECRETAÇÃO DE OFÍCIO PELO MAGIS-TRADO – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVI-DO – 1. É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é nula a fiança prestada sem a necessária outorga uxória, não havendo considerá-la parcialmente eficaz para constranger a meação do cônjuge varão. [...] 3. Nos termos do art. 239 do Código Civil de 1916 (atual art. 1.650 do Novo Código Civil), a nulidade da fiança só pode ser demandada pelo cônjuge que não a subscreveu, ou por seus respectivos herdeiros. 4. Afasta-se a legitimidade do cônjuge autor da fiança para alegar sua nulidade, pois a ela deu causa. Tal posicionamento busca preservar o princípio consagrado na lei substantiva civil segundo a qual não poder invocar a nulidade do ato aquele que o praticou, valendo-se da própria ilicitude para desfazer o negócio. 5. A nulidade da fiança também não pode ser declarada ex officio , à falta de base legal, por não se tratar de nulidade absoluta, à qual a lei comine tal sanção, independentemente da pro-vocação do cônjuge ou herdeiros, legitimados a argui-la. Ao contrário, trata-se de nulidade relativa, válida e eficaz entre o cônjuge que a concedeu, o afiançado e o credor da obrigação, sobrevindo sua invalidade quando, e se, legitimamente suscitada, por quem de direito, vier a ser reconhecida judicialmente, quando, então, em sua totalidade será desconstituído tal contrato acessório. 6. Recurso especial conhecido e improvido.” (STJ, REsp 772419, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 24.04.2006)

CIVIL E PROCESSUAL – AGRAVOS REGIMENTAIS NO AGRAVO DE INSTRU-MENTO – AÇÃO MONITÓRIA – CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL – LEGITIMIDADE PASSIVA DO FIADOR E SÓCIO MAJORITÁRIO DA EMPRESA DEVEDORA – CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS REMUNERATÓRIOS – PRES-CRIÇÃO QUINQUENAL – LEGALIDADE – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – COMPENSAÇÃO DE VERBA HONORÁRIA – AGRAVOS REGIMENTAIS PAR-CIALMENTE PROVIDOS – I – A prescrição, no caso, dos encargos acessórios, nos termos do art. 178, § 10, III, é a quinquenal. Dessa forma, a cobrança de tais encargos financeiros serão limitados aqueles aplicáveis até cinco anos antes do ajuizamento da ação (REsp 474.166-SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 14.04.2003; REsp 976.757-SP, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe de 03.08.2010). II – A nulidade da fiança não pode ser apontada pelo cônjuge varão subscritor,

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mas somente pela mulher, em razão da ausência de outorga (art. 239 do Código Civil de 1916). Legitimidade passiva do corréu que se impõe. III – Ante a sucum-bência recíproca verificada nos embargos à monitória, dividida e compensada a verba honorária, com saldo em favor da credora. IV – Agravos regimentais parcialmente providos.” (STJ, AgRg-EDcl-Ag 1165674/RS, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 08.04.2011)

4. Tais circunstâncias, atraindo à espécie a regra do art. 557, § 1º-A do Código de Processo Civil, autorizam o relator a negar seguimento desde logo aos recursos, como ora o faço.

Intimem-se.

Rio de Janeiro, 24 de março de 2014.

Desembargador Mauricio Caldas Lopes Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulApelação Cível nº 70058140922 CNJ: 0006655‑90.2014.8.21.7000Décima Sétima Câmara Cível Comarca de Porto AlegreApelante: Irineu Roque ForgeariniApelante: Maria Beatriz Oliveira Forgearini Apelado: Município de Porto AlegreApelado: Amaro Bizarro Pereira PortoApelado: Elena Cristina Antola Porto

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÕES DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA E DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – APLICÁVEL AO CASO O PRAZO DO ART. 550 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ATUAL ART. 1.238 DO CC/2002), PARA AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO

Caso em que, em relação ao prazo para aquisição por usucapião extraor-dinária, cumpre observar o art. 550 do Código Civil de 1916, diante da regra de transição do art. 2.028 do Código Civil de 2002, bem como o art. 1.238 do mesmo diploma legal.

Presentes nos autos provas que confirmam a posse com animus domini exercida pelos recorrentes, por mais de 20 anos, de forma contínua e sem oposição. Demonstrados, portanto, os requisitos necessários para a aqui-sição por usucapião, a procedência do pedido deduzido nesta demanda é medida impositiva, e, por consequência, o julgamento da reintegratória ajuizada pelo recorrido é de improcedência.

Recurso provido.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cí-vel do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, vencida a Relatora, em dar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participou do julgamento, além dos signatários, a eminente Senhora Desª Liége Puricelli Pires.

Porto Alegre, 27 de março de 2014.

Desª Elaine Harzheim Macedo, Presidente e Relatora

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Des. Luiz Renato Alves da Silva, Revisor e Redator

relatÓrio

Desª Elaine Harzheim Macedo (Presidente e Relatora):

Irineu Roque Forgearini e Maria Beatriz Oliveira Forgearini apelaram da sentença de fls. 277/281, resultou na improcedência do pedido de usucapião deduzido contra o Município de Porto Alegre, e na procedência do pedido de reintegração de posse que o ente municipal deduziu contra os usucapientes.

Preliminarmente, destacaram que o Município de Porto Alegre foi revel, devendo ser aplicados os efeitos desse instituto. Quanto ao mérito, sustentaram que a sentença deve ser reformada porque a conclusão nela manifestada não está de acordo com a prova existente nos autos. Disseram não haver confusão entre as propriedades das ruas Marcelo Gama e Petersen Jr. Explicaram que locaram o imóvel situado na Rua Marcelo Gama nº 1189, durante um ano, porém (destacaram) esse imóvel não se estendia até a Rua Germano Petersen Jr. Sustentaram exercer posse ad usucapionem, com todos os atributos legais, relativamente ao imóvel da rua Marcelo Gama nº 1189. Argumentaram sobre os depoimentos das testemunhas e sobre as provas documentais, afirmando que essas ratificam seu exercício possessório. Disseram que na data da distribuição da ação usucapienda (20.11.2005), o imóvel ainda encontrava-se registrado em nome de Amaro Bizzarro Pereira Porto, portanto, houve o implemento do prazo prescricional antes de o imóvel tornar-se público, devido à permuta feita pelo proprietário com o Município de Porto Alegre no ano de 1998, a qual somente foi registrada no ano de 2005. Pediram o provimento do recurso.

Recebido o recurso (fl. 290), apresentadas as contrarrazões (fls. 293/298), e ouvido o Ministério Público, os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça, vindo os autos conclusos para julgamento.

Registra-se que foi observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

votos

Desª Elaine Harzheim Macedo (Presidente e Relatora):

Rejeito a preliminar de intempestividade da contestação e aplicação dos feitos da revelia ao ente municipal. Embora a tese defendida pelos recorrentes possa se mostrar afinada com o sistema processual vigente quando se estiver frente a feitos comuns, de procedimento ordinário, o fato é que – no caso con-

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creto – se está a debater sobre pedido de usucapião, o qual se desgarra, por inúmeros motivos, do padrão previsto no Livro I do CPC.

A esse respeito, vale citar as razões deduzidas no parecer do douto Pro-curador de Justiça, Dr. Armando Antonio Lotti, que vão aqui reproduzidas, até para evitar tautologia:

Por primeiro, não há a intempestividade da contestação do Município de Por-to Alegre arguida pelos apelantes. É certo que, por ocasião da expedição da carta de cientificação da fl. 33, o Município de Porto Alegre quedou-se silente (fl. 38). Ocorre que tal cientificação operou-se por força do art. 943 do Código de Processo Civil (a cientificação por carta das pessoas jurídicas de direito público interno). Novo ofício foi expedido, em 17.05.2007 (fl. 138), para o Município de Porto Alegre, uma vez que, na contestação do casal Amaro Bizarro Pereira Porto e Elena Cristina Antola Porto, há a informação de que a propriedade da res soli usucapienda, em decorrência de permuta, é, em realidade, do referido ente público. Aliás, em casos tais, o Município deveria ser citado. O AR foi firmado em 28.05.2007 (fl. 139 – não há carimbo que certifique a sua juntada ao grampo dos autos) e a contestação do Município de Porto Alegre foi protocolizada em 28.06.2007 (fl. 140). Não se vislumbra, assim, qualquer irregularidade.

De outra sorte, mesmo que fosse intempestiva a contestação, não há aplicação, em casos tais, dos efeitos da revelia. Com efeito, é consabido que a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, não existindo, assim, a disposição de vontade do proprietário para tal, ou seja, de efetuar qualquer espécie de tran-sação. Deve o prescribente, então, de qualquer forma, provar o direito material alegado, rectius, suporte fático necessário, não sendo escorreito argumentar, para fins de julgamento antecipado da lide, que ninguém, dentro da gama enorme de interessados, compareceu para contestar o feito. A falta de contestação não pode predispor qualquer tipo de declaração de vontade pelo silêncio e sim pela simples perda do momento processual para contraditar. Há somente a ausência do contraditório (contumácia). Caso contrário, se estaria aceitando uma autêntica denúncia vazia em favor do usucapiente em detrimento do dominus, ainda mais que a revelia não tem, e nem pode ter, a virtude de transmudar o quadrado em redondo e o preto em branco.

Por outro lado, estando a usucapião inserida na classe dos direitos absolutos, o direito de propriedade do titular dirige-se contra todas as pessoas que a rigor teriam o dever de abstenção, não havendo gradação de intensidade entre o do-mínio e eles. São os denominados sujeitos passivos totais. Não existe pessoa determinada, como nas obrigações de crédito, criando-se qualquer espécie de vínculo material entre demandante e demandado. Assim, não há que se falar em abstenção de provar em virtude da falta de contestação do demandado, pois é questão que envolve postulação de eficácia erga omnes. Nesse sentido, inclusive, ementa de aresto deste órgão fracionário, a saber:

“USUCAPIÃO – JULGAMENTO ANTECIPADO – Inserindo-se o domínio dentre os direitos absolutos e a sentença declaratória em usucapião sendo oponível erga omnes, não se há de aplicar a pena de confissão sobre a matéria de fato em razão da revelia, pois, casos tais, posse ad usucapionem não se presume contra uma

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comunidade inteira. Hipótese em que não há prova documental e, pois, inviável o julgamento antecipado. Apelação provida. Sentença desconstituída.”

(Apelação Cível nº 599.326.865, Rel. Fernando Braf Henning Júnior, J. 15.02.2000)

Cuidando-se de demanda que tem por objeto direito absoluto, repita-se, com sujeitos passivos totais no dizer de Pontes de Miranda, não se pode falar em pre-sunção de veracidade.

Nesse sentido, inclusive, já me manifestei ao julgar a Apelação Cível nº 7001804004, in verbis:

USUCAPIÃO – INTEMPESTIVIDADE DE CONTESTAÇÃO APRESENTADA POR AUTARQUIA PÚBLICA – INOCORRÊNCIA DOS EFEITOS DE REVELIA – PRO-DUÇÃO DE PROVA – SANEADOR OMISSO

Irrelevante se a peça contestacional, apresentada por autarquia municipal, a par-tir de intimação que peca por clareza, é ou não tempestiva, na medida em que, em sede de ação de usucapião, inaplicável os efeitos da revelia, tratando-se, como é caso, de pretensão declaratória erga omnes, descabendo a incidência de presunção contra uma comunidade inteira. Tendo sido proferida decisão sa-neadora, com afastamento de questões processuais e deferimento apenas parcial sobre a prova a ser produzida, omitindo-se o julgador quanto à prova requerida pela parte autora, está o segundo grau, em sede de agravo, autorizado a examinar esse pedido de prova, que vai deferido, considerando sua pertinência em relação à lide de direito material.

Agravo parcialmente provido.

(TJRS, Agravo de Instrumento nº 70001804004, 17ª C.Cív., Relª Elaine Harzheim Macedo, J. 13.02.2001)

Quanto ao mérito, melhor sorte não socorre os apelantes, devendo ser confirmada a r. sentença proferida pelo Dr. Fernando Carlos Tomasi Diniz, por seus próprios e jurídicos fundamentos:

A gênese do direito de usucapir dos autores cinge-se à matéria fática do exercício da posse, com as devidas qualificações, pelos 20 anos1 precedentes ao registro da propriedade pelo Município de Porto Alegre do imóvel sito na Rua Germano Petersen Junior, nº 418, bairro Auxiliadora, nesta capital.

Os requerentes sustentam que desde 1978 exercem a posse mansa, pacífica e sem oposição no imóvel acima descrito.

1 Isso porque, como adiante se verá, a posse dos autores quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002 já passava de 10 anos, subsumindo-se à regra de transição insculpida no art. 2.028 deste. Logo, aplicável o art. 550 do Código Civil de 1916 na espécie: “Art. 550. Aquele que, por vinte anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título de boa-fé, que, em tal caso, se presumem; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a inscrição no registro de imóveis. (Vide Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 1919)”

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O Município contrapõe que em 1998 o bem foi objeto de permuta com os anti-gos proprietários (embora o registro da propriedade somente tenha se dado em 2006, conforme documento da fl. 170). Tanto o Município quanto os ex-proprie-tários defendem que no curso do processo administrativo de permuta nenhuma das diligências realizadas demonstrou que os suplicantes estivessem na posse do bem, não pelo menos até o ano de 2000 (a fls. 77, verso, e 79, do processo de reintegração de posse é afirmado que a área estava desocupada).

A prova testemunhal realizada no processo de usucapião (fls. 206/215) confirma que o autor, desde 1978, exerceu a profissão de mecânico na região onde se situa o bem objeto da lide, embora não seja preciso se explorava a atividade especifi-camente no imóvel de nº 418.

De outra banda, os documentos acostados pelos ex-proprietários do bem, Amaro Bizarro Pereira Porto e Elena Cristina Antola Porto (fls. 70, 79-v, 81-v,/98, 105 e 109) e pelo Município de Porto Alegre, como já dito (fls. 77-v/79 do processo de reintegração), dão conta de que o imóvel estava desocupado até o ano de 2000.

Colhida a prova testemunhal, não ficou suficientemente clara a situação fática, como delineado no despacho de fls. 218/219 que, ao deferir a prova pericial con-signou: “De duas, uma: ou o casal Porto comprou e permutou terreno diferente do matriculado (nº 46.442) no Registro de Imóveis da 1º Zona de Porto Alegre, ou o casal Forgearini está na posse de lote urbano distinto do que julga estar.”

A prova pericial concluiu (fls. 236/244) que o imóvel hoje ocupado pelos autores corresponde ao bem objeto da ação.

Todavia, não é crível que desde 1978 a posse exercida pelos autores tenha, de fato, incidindo sobre o mesmo imóvel.

Conforme é possível aferir do documento de fls. 245/246, foi firmado um con-trato de locação entre o suplicante e Jorge Bona, proprietário do imóvel nº 1189 da Rua Marcelo Gama, sendo que o locatário ocuparia os fundos desse terreno (isso em 1983/1984).

Da planta de fl. 95 do processo de reintegração, é possível verificar que o imóvel nº 1189 cortava todo o quarteirão, isto é, ia da Rua Marcelo Gambá até a Rua Germano Peterson Júnior (embora na planta de fl. 81 do feito da usucapião cons-te que havia dois imóveis – nº 1189, na Marcelo Gama, e nº 430, na Germano Peterson Júnior –, isso não interfere na conclusão a seguir exposta2).

Logo, os fundos do terreno correspondem à ocupação deste na parte em que testa com a Rua Germano Peterson, e exatamente por isso é que se pode explicar por que o pedido de alvará (nos anos de 1990/1993), constante às fls. 98/111 do feito de reintegração, foi realizado para o imóvel nº 428 da Rua Germano Peterson Júnior3, e não 418 (imóvel objeto da ação).

2 Inclusive, corroborando com a tese de que o bem atravessava o terreno, o documento de fl. 247, que intima o autor acerca do exercício do direito de preferência, descreve tão somente o nº 1189 para ambas as ruas.

3 O documento de fl. 110 também aponta que o imóvel nº 428 da Rua Germano Petersen Júnior corta todo o quarteirão entre esta e a Rua Marcelo Gama, fato que induz a inevitável conclusão de que a essa altura esse terreno é o mesmo de nº 1189 da Rua Marcelo Gama.

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Outrossim, não é possível que os demandantes tenham utilizado este mesmo imóvel até 1999 (data da intimação para o exercício do direito de preferência na compra do imóvel alugado – fl. 247), e isso porque, pelo menos em 1996, já moravam sobre o terreno de nº 418, conforme confirma Vitor Hugo Mello Leal (fls. 210/210-v.), residente da Rua Marcelo Gama nº 1179 (imóvel situado atrás do de nº 4184):

J: Relação íntima? O que o senhor é dele? T: Sou vizinho. Eu moro na frente e ele mora nos fundos.

J: Advertido e compromissado na forma da lei. Quanto tempo o senhor conhece o Irineu? T: De 15 para 16 anos, desde que eu fui morar lá na Marcelo Gama.

J: Que ano o senhor foi morar lá? T: Em 1996.

J: Dada a palavra ao Procurador do Autor. PA: Só para a testemunha explicar, ele disse que mora na frente e ele mora atrás, se ele quer dizer que ele mora na outra rua paralela com a rua objeto da usucapião?

J: Qual é a rua que o senhor mora? T: Eu moro na Marcelo Gama. E o seu Irineu é meu vizinho de fundo. Ele mora na Germano Petersen, mas dá divisa com o terreno onde eu moro.

Aliás, corrobora a tese (de que em algum momento entre os anos de 1990 e 1996 os autores alteraram o local onde residiam e exploravam a mecânica), o teste-munho de Antônio Carlos Garay Zanotto, pessoa que prestou serviços ao autor (fls. 212/213-v):

J: Ele está reivindicando um imóvel ali, o município está pedindo para ele sair e ele está dizendo que ele é dono desse imóvel. O senhor poderia nos esclarecer sobre isso? T: Dono eu não sei. Eu sei que eu conheço ele ali desde esse tempo mais ou menos.

J: O senhor sabe qual é o número da casa dele? T: Não tenho certeza, mas parece que é 428.

J: 418 lhe diz alguma coisa? T: 18, não.

Outrossim, extrai-se desse mesmo testemunho que também o terreno que a tes-temunha (Antônio Carlos5) julga estar atrás de onde hoje existe a praça permitia a livre passagem entre os terrenos que testavam para as ruas Marcelo Gama e Germano Peterson Júnior:

J: Qual é a rua que o senhor mora? T: Eu moro na Marcelo Gama. E o seu Irineu é meu vizinho de fundo. Ele mora na Germano Petersen, mas dá divisa com o terreno onde eu moro.

[...]

4 Conforme as plantas de fls. 95 do processo de reintegração e 81 do de usucapião.

5 A testemunha que disse que o nº 418 não lhe traz nenhuma lembrança e que o nº, pelo que lembra, era 428 (isto é, imóvel ao lado do 418).

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MP: E o número? T: O número nunca me ative a isso. Inclusive nós tínhamos uma facilidade de entrosamento porque não tem muro, é só um tapume, e às vezes eu precisava de uma ferramenta do seu Irineu, eu ia até o coisa e passava para o terreno dele pelo meu.

MP: Tem uma pracinha ali perto também? T: Do lado.

Por sua vez, veja-se o testemunho de Vitor Hugo Mello Leal, morador do imó-vel situado na Rua Marcelo Gama nº 1189 (atrás do nº 418 da Rua Germano Peterson):

PR: Hoje qual é a situação desse terreno? T: O do lado?

PR: Isso. T: É uma praça.

PR: Naquela época todo ele era um terreno abandonado ou já existia a praça? T: Não recordo se era a praça ali. Eu sei que era um terreno vago, tinha casa no fundo do terreno.

PR: Esse terreno tinha casa no fundo? T: Tinha casa no fundo que as pessoas atra-vessavam ali para ir para casa.

PR: E quem morava nessa casa? T: Não sei dizer.

PR: Era uma casa de madeira, de material? T: Uma casa velha, agora é um edi-fício.

PR: Não. Eu digo do outro lado, do lado da praça. T: Não. Eu estou falando atrás da praça.

PR: Nos fundos da praça? T: Isso.

PR: Mas junto, sem divisória essa casa? T: É. Não. Parece que tinha um murinho, mas quebraram. Eu sei que as pessoas atravessavam ali para ir para a outra rua, para outras casas

Cotejando, pois, o relato de Antônio Carlos com o de Vitor Hugo Mello Leal, dá para concluir que o imóvel que a testemunha Vitor julga estar atrás de onde hoje existe a praça é, na realidade, o imóvel nº 1179 da Rua Marcelo Gama, cuja pe-culiaridade da ligação entre os terrenos possibilita deduzir que o terreno baldio existente ao lado de onde residiam os autores inicialmente é o próprio nº 418.

Conforme visto, é possível estabelecer que em algum momento, entre os anos de 1990 e 1996, os requerentes saíram da parte alta do terreno nº 1189 da Rua Marcelo Gama (descrito como nº 428 por Irineu Roque no procedimento de fls. 98/111 do feito de reintegração, ou como nº 430 na planta de fl. 81 do proces-so de usucapião), e, como estava desocupado, passaram a ocupar o terreno de nº 418.

De qualquer maneira, mesmo que as premissas acima delineadas não corres-pondam ao que realmente aconteceu, e isso em face da intensa confusão acerca da localização dos terrenos, no mínimo existem fundadas dúvidas sobre quais terrenos efetivamente ocuparam os suplicantes, e esse estado de incerteza com-promete o direito de usucapir, porquanto a aquisição de imóvel por usucapião só deve ser viabilizada em situações de absoluta transparência e certeza.

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Essa aura de hesitação induz a conclusão de que os demandantes não lograram se desincumbir quantum satis do ônus a eles atribuído de provar cabalmente os fatos constitutivos de seu direito (a posse pelos 20 anos no imóvel objeto do feito antes deste passar ao domínio público).

O contrato de locação formalizado em 1983/1984, e os pedidos do próprio autor direcionados à administração pública em 1990 dão corpo à conclusão de que pelo menos até esse momento os requerentes ocupavam imóvel diverso do ora reclamado.

Com efeito, se desde 1978 os suplicantes ocupavam a mesma área, qual a razão de um contrato de locação em 1983/1984? Talvez regularizar o que já se exercia de fato..., mas, se assim fosse, inexistiria animus domini sobre a área até um de-terminado momento.

Como se vê, a situação fática é deveras nebulosa, o que só vem confirmar que os demandantes não cumpriram a contento a determinação do art. 330, I, do Código de Processo Civil, mormente por estar o terreno em questão transcrito em nome do Município de Porto Alegre, gerando a presunção lega de ser de domínio públi-co. A prova para desfazer uma presunção legal deve ser ainda mais robusta. Por conseguinte, é inviável a declaração de usucapião pretendida. (grifamos)

A alegação dos apelantes, que negam a existência de confusão entre os imóveis, não merece atenção, especialmente diante do contexto probatório reu-nido nos autos que revela uma situação diametralmente oposta. Ou seja, há elementos suficientes na prova oral e documental, os quais foram devidamente analisados na sentença, indicando – à evidência – que existe sim uma grande incerteza acerca dos imóveis em questão.

A esse respeito, convém reproduzir as sábias palavras do Ilustre Pro-curador de Justiça que atua perante esta egrégia Câmara Cível, Dr. Armando Antônio Lotti: “a ação declaratória de domínio enseja prova bastante, não po-dendo conviver com a dúvida”. E, no caso, a dúvida está instalada. Por isso, deve ser confirmada a conclusão lançada na sentença.

Do mesmo modo, a afirmação de que o imóvel da Rua Marcelo Gama não se estendia até a rua Germano Petersen Jr. tornou-se duvidosa diante da prova oral, razão porque – à míngua de outros elementos – não se pode assumi--la como verdadeira.

Assim, não procede a assertiva de que todos os requisitos legais configu-radores da pretensão usucapienda estão demonstrados em relação ao imóvel da Rua Marcelo Gama. Pelo contrário, como dito acima, a prova produzida pelas partes revelou a incerteza acerca da área e do exercício possessório pelo lapso temporal de 20 anos sobre o mesmo imóvel.

Os depoimentos e demais elementos de prova foram valorados adequa-damente pelo juízo de primeiro grau.

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Por fim, quanto à ação possessória, nada resta a alterar na sentença. A esse respeito, colacionamos o douto parecer proferido pelo eminente Procura-dor de Justiça, Dr. Armando Antônio Lotti, in verbis:

“Ao exame da apensa possessória. Na dicção do insigne Caio Mário da Silva Pereira, são requisitos do ‘interdito recuperandae’ a existência da posse e seu titu-lar, e o esbulho cometido pelo réu, privando aquele, arbitrariamente, da coisa ou do direito (violência, clandestinidade ou precariedade)” (Instituições de Direito Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 1981. p. 62). No caso em exame, o decreto de procedência da possessória manejada pelo Município de Porto Alegre contra Irineu Roque Forgearini e Maria Beatriz Oliveira Forgearini teve como supedâneo a chamada posse jurídica inata às pessoas jurídicas de direito público interno. Com efeito, na espécie, o ente público comprovou a propriedade do bem, conforme a cópia da matrícula da fl. 170 dos autos da ação de usucapião, da qual decorre a sua posse jurídica, tendo em vista tratar-se de bem público. Sobre a posse jurídica, ementas de aresto desta Corte:

‘APELAÇÃO CÍVEL – POSSE (BENS IMÓVEIS) – REINTEGRAÇÃO – INDENIZA-ÇÃO – BEM PÚBLICO

1. Da posse. Configurada a posse jurídica anterior do autor (porque se trata de bem público). Demonstrado o esbulho pelos réus (porque não possuem conces-são de uso especial, para fins de moradia sobre o bem ou qualquer outra causa para justificar a ocupação). Procedência da reintegração de posse mantida.

2. Do direito de retenção. Inexistente autorização para construção. Notificação para paralisação da construção, não atendida. Má-fé evidenciada. Retenção e indenização descabida. Negaram provimento ao apelo. Unânime.’

(Apelação Cível nº 70040088817, 18ª C.Cív., Relª Elaine Maria Canto da Fonseca, J. 23.05.2013)

‘AGRAVO DE INSTRUMENTO – POSSE (BENS IMÓVEIS) – AÇÃO DE REINTE-GRAÇÃO DE POSSE – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – OCUPAÇÃO INDEVIDA DE ÁREA PÚBLICA – LOTEAMENTO MUNICIPAL – LIMINAR CONCEDIDA – REQUISITOS DO ART. 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EVIDENCIA-DOS – POSSE JURÍDICA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADA – Inarredável o direito do Município à liminar possessória sobre a área pleiteada, ante a natureza pública do bem, que lhe confere a chamada posse jurídica (que não propicia maiores elucubrações sobre sua existência e anterioridade). Esbulho, de outro lado, evidenciado, pois que o particular somente pode exercer, legitimamente, a posse exclusiva de bem público, mediante autorização, concessão ou permissão da Administração Pública, hipóteses não verificadas no caso. Negaram provi-mento. Unânime.’

(Agravo de Instrumento nº 70050513449, 18ª C.Cív., Rel. Pedro Celso Dal Prá, J. 27.09.2012)

Mas não se pode olvidar que o registro do título translativo da propriedade em prol do Município de Porto Alegre se deu em momento subsequente ao exercício da posse pelos réus. A questão, assim, da posse anterior, requisito da reintegra-ção, deve ser melhor examinada ao concreto, pois condição da ação. Tenho que

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a questão da posse anterior é solvida, na espécie, em proveito do ente público, pela cláusula de transmissão dos direitos possessórios ínsita no contrato de per-muta das fls. 15/18 da ação de reintegração de posse, assim expressa: ‘Disseram, ao final, que pela melhor forma de direito e pela presente escritura, celebram a mesma, transferindo-se, uns aos outros, todo o domínio, posse, direitos e ações que detinham e exerciam sobre os referidos imóveis [...].’ E, pela prova coligida ao grampo dos autos da ação prescricional aquisitiva, o casal Amaro Bizarro Pe-reira Porto e Elena Cristina Antola Porto exerceu, de forma efetiva, atos de posse sobre a res soli em disputa, principalmente no que diz com o poder de disposição sobre a posse coisa (ao tempo da transmissão da posse em favor do Município de Porto Alegre, não restou provado que Irineu e Maria Beatriz, os usucapientes, encontravam-se no imóvel, ao revés, a prova é indicativa de que o imóvel estava desocupado).

Da mesma forma, restou comprovado o esbulho efetuado pelos réus, pois, notifi-cados pelo ente público (fl. 19), permaneceram no imóvel sem autorização deste, por força própria proibida, caracterizando a precariedade. Observa-se, também, que o fator de legitimação da posse esgrimido pelos contestantes, a usucapião, restou afastado. A ‘melhor posse’, pois, é da pessoa jurídica de direito público in-terno, não merecendo qualquer retoque o decreto de procedência da possessória por ela manejada.

Isso posto, rejeito a preliminar e nego provimento ao recurso.

DES. LUIZ RENATO ALVES DA SILVA (REVISOR E REDATOR)Eminentes Colegas.

Adianto que estou em dar provimento ao recurso.

Em que pese seja o revisor do presente apelo, estou acompanhando a divergência da ilustre Desembargadora Liége Puricelli Pires, que foi liberada no sistema Themis anteriormente a revisão, adotando suas razões como funda-mento de voto.

Considerando, dessa forma, que a parte autora, ora recorrente alegou e provou o exercício da posse ad usucapionem sobre o imóvel objeto da lide desde o longínquo ano de 1978 (há mais de vinte anos, portanto) e que somente no ano de 2006 foi que o Município réu tornou-se proprietário registral, ficou devidamente demonstrada a posse com animus domini, pelo tempo exigido no art. 550 do Código Civil, aplicável à espécie, mostrando-se cabível o reconhe-cimento da prescrição aquisitiva, ensejando a procedência do pedido deduzido na presente demanda.

Outrossim, a improcedência do pleito possessório é imperiosa.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar procedente a pre-tensão formulada na ação de usucapião e improcedente o pedido deduzido nos autos da ação de reintegração de posse.

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DESª LIÉGE PURICELLI PIRESDiscute-se direito à usucapião sobre o imóvel localizado na Rua Germa-

no Petersen, nº 418, nesta Capital.

Devida vênia, estou a divergir.

Atenta ao exame dos autos, minha primeira observação diz com as pecu-liaridades da modalidade de usucapião aplicável.

Considerando que os autores da usucapião argumentaram na inicial a existência de posse há mais de vinte anos, aplica-se o disposto no art. 550 do Código Civil de 1916. Tal dispositivo legal apresenta os seguintes requisitos para fins de aquisição da propriedade pelo modo originário:

Art. 550 do CC/1916. Aquele que, por vinte anos sem interrupção, nem oposição, possuir como seu, um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio independentemente de título de boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no registro de imóveis.

Como se vê da referida norma, não há necessidade de moradia ou utili-zação do imóvel usucapiendo para fins laborais.

Nessa linha, tenho que desimporta o fato de o autor, eventualmente, ter ocupado o terreno ao lado da área usucapienda ou o terreno de trás dela, loca-lizado na Rua Marcelo Gama, nº 1189. Há, efetivamente, prova de que a parte autora firmou contrato de locação em 1983 a respeito do terreno dos fundos do imóvel usucapiendo (fls. 245-246), mas, como já referi, isso pouco importa.

A uma porque a modalidade de usucapião não exige moradia ou traba-lho. A duas, e o motivo principal, porque o autor demonstrou atos de posse, por no mínimo 20 anos, sobre o terreno objeto da usucapião e da reintegração de posse em apenso, qual seja, aquele da Rua Germano Petersen, nº 418.

Pela documentação acostada à inicial da usucapião e prova testemunhal coletada tem-se prova tranquila acerca dos atos de posse da parte autora, es-pecificamente quanto ao imóvel da Rua Germano Petersen, nº 418, entre 1978 (início da posse) e 1998 (ano em que o Municio, por meio de escritura pública de permuta, adquiriu o terreno usucapiendo).

Neste ponto, Eminentes Colegas, ressalto que o Município só se tornou proprietário registral em 2006 (fl. 170). E, se não havia a propriedade do Muni-cípio, não se tratava de bem público. Consequentemente, até 2006 o bem con-tinuou sendo usucapível. Nessa linha, temos posse ad usucapionem de 1978 a 2006.

Pois bem. Retornando às provas da posse, há documentação farta e ro-busta na inicial (fls. 9-17: notas fiscais, recibo do Ministério da Fazenda, carta com carimbos de correios e notas promissórias) indicando que, desde 1980, os

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autores já indicavam como seu o endereço do imóvel da Germano Petersen, nº 418. Há documentos de 1980, 1982, 1983, 1984, 1988. Da prova testemu-nhal colhida, especificamente dos depoimentos de Mauro Ernane Gomes Gui-dugli (fls. 210v-212) e Luiz Otávio Gorges (fls. 213v-215), extrai-se que desde 1978 o autor se instalou na área que até hoje ocupa para fins de trabalho com sua oficina mecânica.

Quanto à localização da área, a perícia das fls. 236-244 foi conclusiva no sentido de que o imóvel periciado (Germano Petersen, nº 418), é aquele ocupa-do pelos autores da usucapião e aquele postulado pelo autor da reintegração de posse, ou seja, o Município. Tal conclusão consta à fl. 242.

Assim, pelos fundamentos aqui alinhavados, não vejo qualquer óbice quanto ao tempo de posse e localização da área usucapienda.

De outro norte, não há qualquer obstáculo na causa possessionis, do que se presume o ânimo de dono, conforme a teoria dos obstáculos, e não foi ajuizada contra os autores qualquer ação judicial com resultado exitoso du-rante o período de prescrição aquisitiva, do que se extrai o preenchimento dos requisitos da mansidão, pacificidade e ausência de oposição. No mais, foram cientificadas as Fazendas, citados os lindeiros e acostados planta e memorial descritivo.

Com essas considerações, dou provimento ao recurso para julgar proce-dente o pedido formulado na ação de usucapião, determinando o registro da área usucapienda em nome dos autores. Consequentemente, julgo improceden-te o pleito reintegratório efetuado pelo ente municipal.

Quanto à sucumbência da ação de usucapião, será arcada pelos autores, pois os réus não deram causa ao ajuizamento. Os autores pagarão as custas do processo e honorários de R$ 1.200,00 ao procurador de cada parte ré. Fica suspensa a exigibilidade em vista da concessão do benefício da gratuidade ju-diciária. Quanto à sucumbência da ação de reintegração de posse, será arcada pelo Município autor. Arcará com as custas e honorários ao procurador do réu, estes fixados em R$ 1.200,00.

É o voto.

Desª Elaine Harzheim Macedo – Presidente – Apelação Cível nº 7005 8140922, Comarca de Porto Alegre: “Deram provimento ao recurso, por maio-ria, vencida a relatora, que negava provimento.”

Julgador(a) de 1º Grau: Fernando Carlos Tomasi Diniz

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de Santa CatarinaApelação Cível nº 2012.010941‑5, da CapitalRelator: Des. Subst. Jorge Luis Costa Beber

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – CONTRATO DE LOCAÇÃO – DESPESAS PARA O RESTABELECIMENTO DO IMÓVEL DIANTE DAS MODIFICAÇÕES REALIZADAS PELOS LOCATÁRIOS – SENTENÇA QUE RECONHECEU A ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS – INSURGÊNCIA DO AUTORSublocação que não contou com a prévia anuência do locador. Contrato que não foi subscrito por este último. Impossibilidade de lhe opor os ter-mos do aludido ajuste. Locatários iniciais que foram, na ação de despejo, responsabilizados pelo pagamento dos aluguéis até a entrega das chaves. Partes que, pelos mesmos motivos, devem responder pelas despesas ati-nentes aos reparos necessários para reestabelecer o bem nas condições do início da locação. Obrigação insculpida no art. 23, inc. III, da Lei de Locações. Decisão reformada.

Alteração no quadro societário que não interfere na responsabilidade dos réus, justo que o contrato não foi firmado por pessoa jurídica.

Perícia realizada em ação cautelar de produção antecipada de provas. Ausência de impugnação específica pelos réus. Valor a ser ressarcido que deve corresponder ao orçamento apurado pelo perito, acrescido de juros de mora e correção monetária.

Procedência do pedido formulado na inicial. Redistribuição dos ônus su-cumbenciais.

Recurso conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2012. 010941-5, da comarca da Capital (2ª Vara Cível), em que é apelante Jonatas Ferreira de Barros, e apelados Pedro Joaquim Cabral e outros:

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Victor Ferreira, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Luiz Fernando Boller.

Florianópolis, 20 de março de 2014.

Jorge Luis Costa Beber Relator

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 201

relatÓrio

Trata-se de recurso de apelação interposto por Jonatas Ferreira de Barros contra a sentença que julgou extinta, sem resolução de mérito, a ação indeniza-tória que moveu em desfavor de Pedro Joaquim Cabral e outros, em virtude do acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva.

Apresentou, por primeiro, uma síntese das contestações ofertadas e da prova produzida. Após, alegou que a magistrada sentenciante laborou em equí-voco, justo que está comprovado que os locatários sublocaram o imóvel sem autorização do locador.

Além disso, afirmou que jamais entabulou qualquer novação ou qual-quer tipo de compromisso com terceiros, tampouco assentiu verbalmente com a sublocação.

Alegou que a prova produzida comprova os danos ocasionados ao imó-vel, e os custos para deixá-lo no estado em que se encontrava quando foi en-tregue aos locatários, razão pela qual devem estes arcar com o pagamento da indenização almejada.

Finalizou com pedido de provimento do apelo, com a reforma da sen-tença singular.

Ofertadas as contrarrazões apenas pelo apelado Pedro, ascenderam os autos a esta Corte, sendo a mim redistribuídos nos termos do ofício de fls. 246/247.

A fim de viabilizar o exame do recurso, considerando que o feito foi jul-gado em conjunto com os autos nº 023.00.049619-0, solicitei cópia de peças do aludido processo, referidas na sentença.

Encaminhada a documentação, vieram-me conclusos.

voto

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

O apelo envereda contra a decisão que reconheceu a ilegitimidade dos réus/apelados para responderem ao pedido indenizatório deduzido na inicial, porque o locador teria eximido os antigos locatários (recorridos) do pagamento das despesas para o reparo do imóvel.

O recorrente nega veementemente tivesse anuído com a sublocação, as-severando que não subscreveu o contrato referido na sentença, defendendo, por isso, que as despesas para o restabelecimento do imóvel devem ser supor-tadas pelos réus.

Pois bem, conforme se retira da parcela da sentença que resolveu a ação de despejo (contra a qual não houve recurso), não houve prévia autorização

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202 ����������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

do apelante/locador para que os locatários sublocassem o imóvel, tanto que foi reconhecida a responsabilidade solidária dos locatários iniciais pelo pagamento dos aluguéis.

Assim, se o apelante não anuiu, previamente e por escrito, com a sublo-cação, não se pode imputar ao autor os termos de um contrato do qual ele não participou.

Repito, o “contrato de locação comercial”, encartado às fls. 90/92 da ação de despejo (fls. 252/254), não foi assinado pelo autor Jonatas, mas apenas pelo locatário, fiadores e testemunhas.

Ora, se o recorrente não subscreveu o ajuste, não vejo como dizer que concordou com o disposto na cláusula décima quinta, que exonerou os locatá-rios primitivos do pagamento das despesas com reparos no imóvel, pré-fixadas em R$ 15.000,00.

Destarte, se o locatário original e os fiadores respondem solidariamen-te pelo pagamento dos aluguéis e encargos do imóvel até a entrega das cha-ves, como reconhecido na sentença, devem também responder pelas despesas decorrentes da necessidade de restabelecimento das condições originárias do bem, em virtude das modificações promovidas no local.

O art. 23 da Lei de Locações é claro ao imputar ao locatário a obrigação de “restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal” (inciso III).

No caso em foco, a perícia realizada na ação cautelar de produção ante-cipada de provas apurou que foram promovidas, pelos locatários, “significativas modificações, que alteraram profundamente as características básicas” (fl. 25).

Destarte, considerando que os réus não impugnaram objetivamente a aludida perícia, que apresentou um orçamento estimado, em dezembro de 2001, em R$ 20.293,46, tenho que este é o valor que deve ser ressarcido pelos recorridos, tal como postulado na exordial.

Já se decidiu:

“APELAÇÃO CÍVEL – COBRANÇA – OBRIGAÇÕES ADVINDAS DE ENCERRA-MENTO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO – IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM – IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA – MÉRITO – DEVER DO LOCATÁRIO EM RESTITUIR O IMÓVEL NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRAVA – VISTORIA FINAL NÃO REALIZADA – NÃO INDISPENSABILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 333, IN-CISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – DEVER DE PAGAMENTOS DAS DESPESAS EFETUADAS NOS REPAROS DOS DANOS CAUSADOS – INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PRO-VIDO. [...]” (TJSC, Apelação Cível nº 2012.021281-5, de Chapecó, Rel. Des. Eduardo Mattos Gallo Júnior, J. 25.09.2012).

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Ou ainda:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – ENCARGOS DECORRENTES DE CONTRATO DE LOCAÇÃO – DECLARAÇÃO EXPRESSA PELO LOCATÁ-RIO DE QUE RECEBEU O IMÓVEL EM BOAS CONDIÇÕES – OBRIGAÇÃO DE RESTITUÍ-LO NO MESMO ESTADO – ABANDONO DO IMÓVEL – VISTORIA FINAL NÃO REALIZADA – DIREITO DO AUTOR NÃO DERRUÍDO – ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBIA À PARTE RÉ (ART. 333, INC. II, DO CÓDIGO DE PRO-CESSO CIVIL) – MERAS AFIRMAÇÕES DESPROVIDAS DE APARATO PROBA-TÓRIO – DEVER DE RESTITUIR AS DESPESAS EFETUADAS NOS REPAROS DAS AVARIAS CAUSADAS E QUITAÇÃO INTEGRAL DOS ALUGUÉIS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO – Finda a locação deve o locatário restituir o imóvel nas mesmas condições em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes de seu uso normal (inc. III, art. 23, Lei nº 8.245/1991). [...] Nos termos do art. 333, II, do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extin-tivo do direito do autor; não de desincumbindo ele do onus probandi, impõe--se o acolhimento do pedido inicial [...] (Apelação Cível nº 2002.007207-4, da Capital, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, J. 16.03.2006). [...] O pagamento se comprova através de recibo de quitação passado pelo locador ou quem o repre-sente, ipso facto, a alegação de pagamento desacompanhada de demonstração cabal acerca de fato extintivo do direito do autor, não pode ser acolhida, por força do disposto no art. 333, II, do CPC [...] (Apelação Cível nº 2008.013350-9, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Carlos Adilson Silva, J. 01.10.2010)”. (TJSC, Apelação Cível nº 2007.056371-6, de Joaçaba, Rel. Des. Stanley da Silva Braga, J. 30.06.2011)

Registro, por fim, que a tese de que houve uma mudança no quadro so-cietário do Mini Mercado Ilha do Campeche Ltda. não tem o condão de afastar a responsabilidade dos réus, pois tanto o contrato de locação como o aditivo não foram firmados pela pessoa jurídica, mas sim por Pedro e Edir, razão pela qual devem eles responder pelas obrigações assumidas.

Isso posto, eu dou provimento ao recurso, para acolher o pedido for-mulado na inicial, condenando os réus ao pagamento de R$ 20.293,46, a ser corrigido monetariamente desde dezembro de 2001, e acrescido de juros de mora, contados da citação.

Além disso, sujeito os requeridos ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado do débito.

É como voto.

Gabinete Des. Subst. Jorge Luis Costa Bebe

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1454

Tribunal de Justiça do Estado de São PauloRegistro: 2014.0000176914Apelante: Cleonice de Brito SoaresApelados: Pedreira São Matheus Lageado S/AComarca: São Paulo – 32ª Vara CívelRelator Ruy CoppolaVoto nº 27.062

ementa

Direito de vizinhança. Reparação de danos materiais e morais. Explosão na pedreira vizinha que teria causado trincas e rachaduras no imóvel da autora. Relação de causalidade excluída pela prova pericial. Imóvel da autora que passa por reformas de ampliação da casa, que inviabili-zou a verificação dos danos reclamados na inicial. Laudo técnico bem fundamentado e não elidido por outros elementos constantes dos autos. Danos morais não caracterizados. Meros incômodos ou aborrecimentos que não são aptos a configurar prejuízos extrapatrimoniais. Ação julgada improcedente. Sentença mantida. Recurso improvido.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0133979-06.2010.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Cleonice de Brito Soares (Justiça Gratuita), é apelado Pedreira São Matheus Lageado S/A.

Acordam, em 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Ruy Coppola (Presidente), Kioitsi Chicuta e Luis Fernando Nishi.

São Paulo, 27 de março de 2014.

Ruy Coppola Relator Assinatura eletrônica

Vistos.

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais, ajuizada por Cleonice de Brito Soares contra Pedreira São Matheus Lageado S/A, que a

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 205

respeitável sentença de fls. 591/592, cujo relatório se adota, julgou improce-dente.

Apela a autora (fls. 597/604) sustentando, em suma, que a responsabili-dade da sociedade ré é objetiva, sendo baseada na teoria do risco e, assim sen-do, é dispensável a existência de culpa, sendo que os danos e o nexo causal res-taram devidamente comprovados nos autos por outras provas apresentadas pela autora. Argumenta que o laudo pericial é equivocado e contraditório. Pede, ao final, a reforma da sentença.

É o relatório.

A autora-apelante ajuizou a presente ação, alegando ser proprietária de um imóvel localizado no bairro de Guaianazes, nesta Capital, o qual desenvol-veu diversas trincas e rachaduras creditadas a potentes explosivos frequente-mente detonados pela sociedade ré.

Argumentou também que no “dia 30.07.2007, ocorreu uma explosão de grande monta na pedreira, explosão essa que causou agravamento nas trincas e rachaduras nas paredes da casa” (cf. fl. 03), sendo que os atos ilícitos prati-cados pelos recorridos expuseram a autora a situação degradante e vexatória, retirando-lhe a qualidade de vida e a segurança física e psíquica de sua família.

Nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, “haverá obri-gação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (grifei).

Sobre esse ponto examine-se a lição de Rui Stoco:

“[...] o parágrafo único trouxe acréscimo antes inexistente, dispondo que ‘haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especifica-dos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem’.

Como se verifica, mantêm-se o princípio da responsabilidade com fundamento na culpa (teoria da culpa), mas abre-se exceção para admitir a responsabilidade independente de culpa ‘nos casos especificados em lei’.

[...]

‘Com relação à dispensa ou abandono da culpa como pressuposto da responsa-bilidade, por força da adoção da teoria do risco criado, nas hipóteses em que a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar risco especial e permanente para os direitos de outrem, o Código Civil curvou-se ao entendimento pacífico da doutrina e dos precedentes reiterados de nossos tribunais, que já vinham abra-çando esse entendimento.’

[...]

‘Mas aprofundando no texto da lei e buscando refinamento exegético, é bom lembrar que o “risco” referido no parágrafo único do art. 927 tem que decorrer

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da própria natureza da atividade exercida, ou seja, deve ser inerente não à forma de exercer mas à própria atividade. Exige-se, ainda, que ademais de ser um risco embutido e, portanto, inerente, seja também especial e anormal.

Traduz o que se pode chamar de risco de atividade perigosa.’

[...]

‘Assim, se a atividade que a pessoa física ou jurídica explora for potencialmente lesiva e do seu exercício decorrer dano para outrem, a responsabilidade será objetiva e nascerá a obrigação de reparar, pouco importando o modo pelo qual referida atividade tenha sido exercida, na consideração de que a periculosidade deve ser uma qualidade preexistente e intrínseca.

É importante e fundamental chamar a atenção de que no referido parágrafo único do art. 927 tem-se uma hipótese de responsabilização por ato lícito, posto que gerador de perigo.’ (grifei)

[...]

‘Note-se que essa responsabilidade pelo exercício de atividade perigosa, seja em razão da sua própria natureza ou a natureza dos meios utilizados, independe de culpa.’ (in Tratado de Responsabilidade Civil. 7. ed. RT, p. 174/175)”

Todavia, cumpre observar que, não obstante se reconheça a responsabi-lidade objetiva decorrente do tipo de atividade exercida pela sociedade ré, o certo é que a procedência do pleito indenizatório, no caso, depende da existên-cia dos danos e do nexo causal.

O laudo pericial produzido nos autos trouxe a seguinte conclusão:

“Do exposto nos capítulos precedentes, pode-se concluir que: a perícia constatou que o imóvel da autora está passando por reforma com aumento de área, que resultou na eliminação das anomalias porventura existentes, nada restando que ainda guarde relação com as reclamações constantes da inicial; desse modo, res-tou inviabilizada a verificação in loco dos danos reclamados pela autora, razão pela qual a perícia, obrigatoriamente, ficou limitada à análise da documentação acostada aos autos; com base na análise dos documentos coligidos, não há como estabelecer o nexo de causalidade arguido na inicial, entre as atividades corri-queiras da ré com a utilização de explosivos, e os danos porventura existentes na edificação em exame ao incidente ocorrido em 30.07.2007” (fls. 564/565).

O ilustre perito destacou, ainda, em resposta a quesito formulado pela autora:

“Dessa análise foi possível extrair que o imóvel em exame se encontra situado numa região caracterizada pela presença de edificações erigidas de forma alea-tória, com uso de materiais de baixa qualidade e mão de obra não qualificada, sem a elaboração de projetos específicos, orientações e acompanhamento ou aprovação técnica por parte de profissionais habilitados. Essa modalidade de edi-ficação possibilita o surgimento de diversas patologias, tais como: trincas, fissu-

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ras, rachaduras, deslocamento, etc., todas elas suscetíveis de provocar abalos na sua estrutura.

De outra parte, tem-se que os valores das vibrações e da pressão acústica obtidos nas medições efetuadas in situ, constantes dos documentos juntados aos autos pela ré (fls. 446/477), ficaram abaixo dos limites preconizados pelas normas vi-gentes, em particular a NBR 9653/05 da ABNT.” (fl. 558)

E não há qualquer outro elemento suficiente para elidir a conclusão do laudo oficial.

É bem verdade que, nos termos do artigo 436 do Código de Processo Civil, o juiz não está adstrito ao laudo pericial. Todavia, nada o impede de tê--lo como fundamento de sua decisão, notadamente quando se trata de trabalho bem fundamentado realizado por profissional de sua confiança e equidistante das partes litigantes.

O eminente Desembargador Mendes Gomes, no julgamento da Apela-ção nº 0180623-41.2009.8.26.0100, deixou consignado que:

“Ressalte-se que, apesar de o juiz não estar adstrito ao disposto literalmente na perícia (art. 436 do CPC), para que sejam afastadas as conclusões do laudo técni-co é necessário que se apresentem outros elementos, seguros e coesos, a justifica-rem sua descaracterização, por se tratar de pronunciamento de pessoa especiali-zada, imparcial e detentora de conhecimentos próprios, sem os quais o deslinde do feito não seria possível” (TJSP, 35ª CDPriv., J. 18.06.2012).

No caso em apreço, correta a respeitável sentença recorrida ao entender que “No entanto, o perito não encontrou elementos que pudessem estabelecer nexo de causalidade entre os prejuízos mencionados na petição inicial e as atividades corriqueiras da requerida com a utilização de explosivos, até porque teve que limitar os seus estudos aos documentos juntados nos autos, tendo em vista que o imóvel da autora passava, quando do exame pericial, por reforma que resultou na eliminação de eventuais anomalias” (fl. 591 vº).

A autora também não logrou demonstrar em que consistiriam os danos morais que alega ter sofrido em razão do referido acidente. Não há nada nos autos que evidencie que os transtornos e aborrecimentos experimentados por ocasião da explosão tenham sido causa de qualquer prejuízo extrapatrimonial.

Para permitir a procedência da ação indenizatória, a prova da existência do dano efetivamente configurado é pressuposto essencial e indispensável. Ain-da que se comprove a violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa ou dolo por parte de outrem, nenhuma indenização será devida, desde que dela não tenha decorrido prejuízo. O pressuposto da reparação civil está não só na configuração de conduta contra jus, mas, também, na prova efetiva dos ônus, já que se não repõe dano hipotético.

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Mero dissabor não pode ser alçado ao patamar de dano moral, mas so-mente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem a ela se dirige.

Ou como ensina Rui Stoco:

“Significa dizer, em resumo, que o dano em si, porque imaterial, não depende de prova ou de aferição do seu quantum. Mas o fato e os reflexos que irradia, ou seja, a sua potencialidade ofensiva, dependem de comprovação, ou pelo menos que esses reflexos decorram da natureza das coisas e levem à presunção segura de que a vítima, face às circunstâncias, foi atingida em seu patrimônio subjetivo, seja com relação ao seu vultus, seja, ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim, naquilo que lhe seja mais caro e importante.”

(Tratado de Responsabilidade Civil. 5. ed. Ed. RT, p. 1381/82)

O eminente Des. Walter Exner já deixou assentado, com muita acuidade, que:

“Nesse sentido, a reparação dos danos morais somente se mostra pertinente quan-do restar demonstrada a ocorrência de lesão a bem extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (vida, integridade física, liberdade, honra, nome, etc.), ressalvadas as hipóteses de presunção, que não ocorre no caso em comento.

Fazia-se necessária, portanto, a produção de prova inequívoca de fato suficiente a ocasionar constrangimento ou aborrecimento relevante capazes de ferir a honra das partes, não sendo suficientes as alegações de contratempos ou aborrecimen-tos oriundos do descumprimento contratado.

Com efeito, a caracterização do dano moral indenizável exige a comprovação do ato lesivo e do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano, prestando-se a indenização para atenuar os sentimentos negativos da vítima e, ao mesmo tempo, para incutir no causador do dano maior diligência em suas condutas futuras, a fim de não se descuidar dos direitos imateriais, também me-recedores de proteção.

E, assim, na espécie dos autos, não vislumbro a ocorrência de grave transtor-no, vergonha ou desgosto suportado pelos apelados, que fuja da normalidade a ponto de ocasionar inquietação ou desequilíbrio em sua vida íntima, mas, ao contrário, as circunstâncias do caso configuram apenas dissabores que não têm o condão de ofender a moral de uma pessoa comum, porquanto são próprios das relações em sociedade, máxime quando a parte indica, mas não comprova a motivação do suposto dano extrapatrimonial.”

(Apelação sem Revisão nº 992.05.076331-7)

A matéria aqui discutida foi objeto de recente decisão proferida por esta Colenda Câmara:

“Responsabilidade civil. Direito de vizinhança. Reparação de danos materiais e morais decorrentes de explosão na pedreira-ré. Ausência de comprovação dos fatos alegados. Laudo pericial que exclui qualquer relação entre os danos do imó-

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vel e a atividade da empresa-ré. Ação julgada improcedente. Apelação do autor. Renovação dos argumentos iniciais. Danos materiais. Perícia técnica. Constata-ção de que os danos verificados no imóvel decorrem de problemas estruturais da própria edificação (‘imóvel erigido em regime de “mutirão”, subsolo mole, com elevado nível de lençol freático, falta de observância às normas técnicas e cons-trutivas, baixa qualidade dos materiais utilizados e condições de conservação’). Não demonstrado o nexo de causalidade entre os supostos danos e as explosões decorrentes da atividade da ré. Danos morais. Meros dissabores que não podem ser alçados ao patamar de danos morais. Atividade da ré que é realizada dentro dos parâmetros exigidos pelo poder público. Ausência de comprovação dos fatos alegados na inicial. Ônus da prova de quem alega (art. 333, I, do CPC). Autor que não se desincumbiu desse mister. Danos materiais e morais indevidos. Sentença mantida. Recurso improvido” (Apelação nº 0114252-54.2007.8.26.0007, Rel. Des. Francisco Occhiuto Júnior, J. 30.08.2012, v.u.).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso, nos termos acima alinhavados.

Ruy Coppola Relator

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência1455 – Ação de nunciação de obra nova – alegação de nulidade processual – ausência de prejuízo

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Nunciação de obra nova. Alegação de nulidade processual. Ausência de prejuízo. Reexame de prova. 1. Inviável a análise do recurso especial quando dependente de interpretação de reexame de matéria fática (Súmula nº 7 do STJ). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AG-REsp 175.939 – (2012/0092263-1) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 06.03.2014)

1456 – Ação de nunciação de obra nova – cerceamento de defesa – julgamento antecipado da lide

“Agravo regimental em recurso especial. Ação de nunciação de obra nova. Cerceamento de defe-sa. Julgamento antecipado da lide. Reexame de provas. Inviabilidade. Súmula nº 7/STJ. Prequestio-namento. Ausência. Súmula nº 211/STJ. Dissídio jurisprudencial prejudicado. Multa diária. Valor. Razoabilidade. 1. Para prevalecer a pretensão em sentido contrário à conclusão das instâncias ordinárias, que entenderam não ser preciso maior dilação probatória, seria necessária a revisão do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável nesta instância especial por força da Súmula nº 7/STJ. 2. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial (Súmula nº 211/STJ). 3. A falta de prequestionamento inviabiliza o recurso especial também pela alínea c do permissivo constitucional. 4. A jurisprudência desta Corte firmou posicionamento no sentido da possibilidade de alteração do valor da multa diária, em sede de recurso especial, apenas em casos excepcionalíssimos, diante da manifesta exorbitância do valor ou de flagrante impossibilidade de cumprimento da medida, circunstâncias inexistentes no presente caso. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.122.787 – (2009/0089853-7) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 13.02.2014)

1457 – Comodato e compra e venda – declaração de rescisão e condenação ao pagamento das multas – redução proporcional

“Agravo regimental. Recurso especial. Contratos de comodato e de compra e venda. Declaração de rescisão e condenação ao pagamento das multas. Redução proporcional efetuada. Análise das circunstâncias fáticas e do contrato. Impossibilidade de conhecimento do recurso. Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. Dissídio jurisprudencial. Acórdão recorrido em consonância com o precedente. Decisão mantida por seus próprios fundamentos. Agravo desprovido. 1. Se há alegação de contrariedade a dispositivos do Código Civil, deve-se observar o momento em que a situação se consumou para evitar, conforme o caso, a irretroatividade indevida da lei nova. 2. Tendo sido determinada, nas instâncias ordinárias, a redução proporcional da multa em razão de parcial cumprimento do con-trato, é inviável, em sede de recurso especial, revisar essa orientação uma vez que o convencimen-to do julgador foi alicerçado em cláusulas contratuais e em elementos fático-probatórios dos autos. Aplicação das Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 3. Quando o acórdão recorrido está em consonância com as premissas e orientações fixadas no paradigma, fica prejudicada a alegação de existência de di-vergência interpretativa. 4. Mantém a decisão agravada quando não infirmados seus fundamentos. 5. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.221.827 – (2010/0197843-3) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 20.02.2014)

1458 – Compromisso de compra e venda de imóvel – ação declaratória de existência – ausência de indicação de dispositivo tido por violado

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Ação declaratória de existência de compromisso de compra e venda de imóvel. Ausência de indicação de dispositivo tido por violado. Súmula nº 284 do STF. Insurgência do autora. 1. Considera-se deficiente de fundamentação o recurso espe-cial que não indica os dispositivos legais supostamente violados pelo acórdão recorrido, circuns-tância que atrai a incidência, por analogia, do Enunciado nº 284 da Súmula do Supremo Tribunal

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������� 211

Federal. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 391.719 – (2013/0295924-3) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 19.02.2014)

1459 – Condomínio – cotas – ação de cobrança

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de cobrança de cotas condominiais. Extinção do feito sem resolução do mérito. Perda do objeto por fato superveniente. Ofensa aos incisos I e II do art. 535 do CPC. Omissão. Inocorrência. Violação aos e ao art. 21 do CPC. Acórdão recorrido em consonância com o entendimento desta Corte Superior. Súmula nº 83/STJ. Impossibilidade de revisão da verba honorária. Enunciado nº 7/STJ. Ausência de fundamentos que justifiquem a alteração da decisão agravada. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 224.900 – (2012/0184004-5) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 13.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto em face de decisão assim ementada:

“Agravo em recurso especial. Ação de cobrança de cotas condominiais. Extinção do feito sem resolução do mérito. Perda do objeto por fato superveniente. Ofensa aos incisos I e II do art. 535 do CPC. Omissão. Inocorrência. Violação aos §§ 3º e 4º do art. 20 e ao art. 21 do CPC. Acórdão recorrido em consonância com o entendimento desta Corte Superior. Súmula nº 83/STJ. Impossibilidade de revisão da verba honorária. Enunciado nº 7/STJ. Agravo conheci-do para negar seguimento ao recurso especial.”

Nas razões do regimental, a parte agravante sustentou, em síntese, a sua ilegitimidade para integrar o polo passivo da demanda, uma vez que, em se tratando de cotas condominiais, quem responde pelo inadimplemento é a adquirente da unidade imobiliária e não o antigo proprietário, conforme jurisprudência pacífica desta Corte Superior, não havendo falar, pois, em incidência das Súmulas nºs 7 e 83/STJ.

Nesta esteira, considerando que um terceiro estranho à lide (adquirente proprietária da unida-de imobiliária) efetuou o pagamento das taxas condominiais em atraso, de modo a ensejar a extinção do processo sem julgamento do mérito, por perda superveniente do objeto, afirma não ser parte legítima a suportar o ônus da sucumbência, uma vez que não deu causa à extinção do processo.

Destarte, pleiteia o afastamento da sua condenação em honorários advocatícios, por não ser responsável pelos débitos condominiais que ensejaram a propositura da ação.

Ademais, preconiza que a simples leitura do acompanhamento de inadimplência, acostado no documento da inicial, comprova que o condomínio agravado detinha ciência da alienação.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

O Relator assim asseverou:

“Ainda que assim não fosse, apreciar se existiu, ou não, a ciência do recorrido sobre a alienação do imóvel, é inviável em sede de recurso especial, por demandar análise de matéria fático--probatória, o que é vedado a teor da Súmula nº 7/STJ.”

Com relação ao assunto em questão, vale mencionar o entendimento da ilustre Maria Helena Diniz, in verbis:

“Os direitos e deveres dos condôminos estão definidos nos arts. 1.335 a 1.347 do Código Civil e na ‘convenção do condomínio’ (EJSTJ, 8:76, 12:65, 13:65), que é um ato-regra gerador de direito estatutário ou corporativo, aplicável não só aos que integram a comunidade, como tam-bém a todos os que nela se encontrem na condição permanente ou ocasional de ‘ocupantes’. Sendo ela elaborada pelos próprios condôminos, por escrito, deve ser, para ser oponível contra terceiros, registrada no cartório de registro de imóveis, e só se torna obrigatória se for aprovada por 2/3 das frações ideais que compõem o condomínio (CC, art. 1.333, e parágrafo único).

[…]

O comunheiro que não pagar sua contribuição no prazo fixado na convenção ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito (CC, art. 1.336, § 1º, AASP, 1897:141; ESTJ, 12:65 e 66).” (Direito civil brasileiro – Direito das coisas. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2002. p. 199-202)

O ilustre jurista Caio Mário da Silva Pereira ao discursar sobre a Lei nº 4.591/1964, assim nos ensina:

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“A Lei nº 4.591/1964 estabelece, no art. 12, que cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, inclusive as com obras que visem a melhorar o edifício, aumentar-lhe a comodidade e o conforto, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio. E ao, mesmo tempo, instituiu o critério de sua fixação, mandando em primeiro plano observar o disposto na Convenção, e em segundo, ou seja, no silêncio desta, a proporcionalidade com a fração ideal de terreno de cada unidade. É ainda a mesma lei que atribui ao síndico a legitimação para arrecadar, amigável ou judicialmente, sujeitando-se os condôminos em atraso aos juros moratórios e à multa de até 20% sobre o débito. Pode este, ainda, ser atualizado com aplicação dos índices de correção monetária, se assim a Convenção condominial dispuser a autorizar.

Incorrendo o condômino em mora, pode-se-lhe ser judicialmente exigido o débito (principal e acessório), subordinado o exercício do direito de ação a certos requisitos. [...]

[...]

O cumprimento das obrigações atinentes aos encargos condominiais, sujeitando o devedor às cominações previstas (juros moratórios, multa, correção monetária), todas exigíveis judicial-mente, constitui uma espécie peculiar de ônus real, gravando a própria unidade, uma vez que a lei lhe imprime poder de seqüela. Com efeito, estabelece o art. 4º, parágrafo único, da Lei do Condomínio e Incorporações que o adquirente responde pelos débitos da unidade adquirida. O objetivo da norma é defender o condomínio contra a alegação de que o novo proprietário não pode responder pelos encargos correspondentes a tempo anterior a seu ingresso na comunidade. [...]” (Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 188-189)

1460 – Condomínio – violação dos arts. 51 do Código de Defesa do Consumidor e 1.220 do Có-digo Civil – prequestionamento – ausência

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Condomínio. Violação dos arts. 51 do Có-digo de Defesa do Consumidor e 1.220 do Código Civil. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 211/STJ. 1. As matérias versadas nos artigos apontados como violados no recurso especial não foram objeto de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo implícito, e embora opostos embargos de declaração com a finalidade de sanar omissão porventura existente, não foi indicada a contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual, ausente o requisito do prequestionamento, incide o disposto na Súmula nº 211/STJ. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 95.431 – (2011/0222851-9) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 13.02.2014)

1461 – Conflito negativo de competência – incidente de suscitação de dúvida – registro de escri-tura de compra e venda

“Agravo regimental. Conflito negativo de competência. Incidente de suscitação de dúvida. Registro de escritura de compra e venda. Inexistência de interesse jurídico da união, de entidade autárquica ou de empresa pública federal (art. 109, I, da Constituição Federal). Súmulas nºs 150, 224 e 254/STJ. Análise da matéria de mérito. Impossibilidade. 1. Compete à Justiça Federal decidir sobre a exis-tência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas. Súmulas nºs 150, 224 e 254 do STJ. 2. O conflito positivo de competência não se presta para aferir a inteireza e legitimidade de deliberações dos juízos suscitados, nem para pronunciar sobre o acerto ou desacerto de decisões proferidas no âmbito das demandas que deram origem a sua instauração. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-CC 130.677 – (2013/0349390-6) – 2ª S. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 14.02.2014)

1462 – Conflito positivo de competência – juízo de direito e juízo do trabalho – falência – aliena-ção de imóvel

“Agravo regimental. Conflito positivo de competência. Juízo de direito e juízo do trabalho. Fa-lência. Alienação de imóvel. Inexistência de manifestação dos juízos suscitados. Hipóteses pre-vistas no art. 115 do CPC. Não configuração. Análise da matéria de mérito. Impossibilidade. 1. Inexistindo, nos autos, manifestação de órgão jurisdicional suscitado no tocante à competência

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������� 213

para julgamento de demanda, não se configura o conflito de competência. 2. O conflito positivo de competência não é a via para se aferir a inteireza e legitimidade de deliberações dos juízos suscitados nem para se pronunciar o acerto ou desacerto de decisões proferidas em demandas que deram origem a sua instauração. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-CC 131.267 – (2013/0382683-0) – 2ª S. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 14.02.2014)

1463 – Contrato bancário – ação revisional – cédulas de crédito rural – prescrição

“Direito civil. Recurso especial. Ação revisional de contrato bancário. Cédulas de crédito rural. Prescrição. Ação pessoal. Vintenária sob a égide do CC/1916. Decenal a partir do início da vi-gência do CC/2002. Termo inicial. Data em que o contrato foi firmado. Dissídio jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. 1. Ação revisional de contratos de cédula de crédito rural, ajuizada em 11.03.2008, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Ga-binete em 05.09.2012. 2. Determinar o termo inicial do prazo prescricional da ação revisional de cláusulas de cédula de crédito rural. 3. As ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, motivo pelo qual o prazo prescricional, sob a égide do Código Civil de 1916 era vintenário, e passou a ser decenal, a partir do Código Civil de 2002. 4. A pretensão se refere às cláusulas contratuais, que podem ser discutidas desde a assinatura do contrato, motivo pelo qual o termo inicial do prazo prescricional é a data em que o contrato foi firmado. 5. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 6. Negado provimento ao recurso especial.” (STJ – REsp 1.326.445 – (2012/0111929-3) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 14.02.2014)

1464 – Corretagem – comissão – ação de cobrança – art. 535 do CPC – ausência de omissão

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de cobrança de comissão de corretagem. Art. 535 do CPC. Ausência de omissão. Dissídio jurisprudencial. Ausência de indicação de dispo-sitivo de lei federal ao qual teria sido dada interpretação divergente. Súmula nº 284/STF. Agravo re-gimental a que se nega provimento. 1. Não há falar em violação do art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispen-sável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. 2. A ausência de indi-cação do dispositivo de lei federal ao qual teria sido dada interpretação divergente daquela firmada por outro Tribunal importa em deficiência de fundamentação, nos termos da Súmula nº 284/STF. 3. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa.” (STJ – AgRg-AG-REsp 428.777 – (2013/0369926-2) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 19.03.2014)

1465 – Corretagem de imóvel – alteração do percentual fixado

“Processual civil. Agravo regimental nos embargos de divergência em agravo em recurso especial. Embargos de declaração nos pressupostos de admissibilidade. Julgamento do agravo. Análise do mérito do recurso especial. Ausência. Súmula nº 315/STJ. Serviços de corretagem de imóvel. Al-teração do percentual fixado. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que ‘não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial’, a teor do que dispõe a Súmula nº 315/STJ. 2. No caso concreto, o desprovimento do agravo, diante da impossibilidade de revisão do percentual dos serviços de corretagem de imóvel por incidência da Súmula nº 7/STJ, manteve incólume a inadmis-sibilidade do recurso especial, por isso perfeitamente aplicável o verbete da Súmula nº 315 do STJ. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-ED-Ag-REsp 143.511 – (2013/0048269-8) – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 18.03.2014)

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1466 – Corretagem de imóveis – dano moral – responsabilidade do fornecedor e distribuição dos ônus da prova

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de indenização por danos morais. Cor-retagem de imóveis. Responsabilidade do fornecedor e distribuição dos ônus da prova. Ausência de prequestionamento. 1. Não tendo havido o prequestionamento do tema posto em debate nas razões do recurso especial e não tendo sido opostos embargos de declaração, incidem os Enuncia-dos nºs 282 e 356 da Súmula do STF. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg--AG-REsp 209.190 – (2012/0155487-9) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 06.03.2014)

1467 – Desapropriação – ação de indenização – locação – fundo de comércio – imissão provisória

“Processual civil e administrativo. Recurso especial. Desapropriação. Ação de indenização. Lo-cação. Fundo de comércio. Imissão provisória. Depósito. Desnecessidade. Ofensa ao art. 535 do CPC não configurada. Multa. Reexame do conjunto fático-probatório. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem afastou a necessidade, para fins de imissão pro-visória na posse, de depósito prévio de valor relativo a fundo de comércio apurado em perícia con-tábil em favor de locatário de imóvel objeto de desapropriação. 2. A solução integral da controvér-sia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. A imissão provisória na posse não deve ser condicionada ao depósito prévio do valor relativo ao fundo de comércio eventualmente devido ao locatário, tendo em vista que o pagamento da indenização, apurada em ação própria, está sujeito à sistemática do art. 100 da Constituição Federal. Precedentes do STJ. 4. Rever os fundamentos do Tribunal de origem para aplicação de multa ao recorrente, deman-da, in casu, reexame do conjunto fático-probatório dos autos, obstado nos termos da Súmula nº 7/STJ. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.” (STJ – REsp 1.337.295 – (2012/0163361-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 07.03.2014)

1468 – Desapropriação – interesse social – reforma agrária – oferta inicial – inferior – indeniza-ção – arbitramento

“Direito administrativo. Processual civil. Recurso especial. Desapropriação. Interesse social. Refor-ma agrária. Oferta inicial. Inferior. Indenização. Arbitramento. Sentença. Definição. Sucumbência. Necessidade. Comparação. Valores. Correção monetária. Ausência. Prestação jurisdicional. 1. A sucumbência nas ações de desapropriação por interesse social é definida objetivamente conside-rando o valor da oferta inicial e o da indenização arbitrada judicialmente, sobre ambas incidindo a correção monetária para, então, apurar-se se realmente a oferta era inferior, idêntica ou superior à reparação. 2. Verificado não haver a origem se debruçado sobre essa tese imprescindível ao cor-reto deslinde da causa – porque dela derivam a incidência de juros e o pagamento de honorários –, embora tenha sido oportunamente instada a fazê-lo, configurada está a inobservância ao dever de prestação jurisdicional e a violação ao art. 535 do CPC. 3. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.421.705 – (2013/0393724-8) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 18.02.2014)

1469 – Desapropriação por interesse público – valor indenizatório – contemporaneidade

“Direito administrativo. Processual civil. Recurso especial. Desapropriação por interesse público. Valor indenizatório. Contemporaneidade. Avaliação judicial. Art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Jurisprudência. Revisão. Critérios e metodologia. Súmula nº 7/STJ. 1. A inteligência do art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 estabelece regra segundo a qual o valor da indenização por desapro-priação deve ser contemporâneo à avaliação judicial, independentemente da data do decreto expropriatório, da imissão na posse pelo ente expropriante ou da sua vistoria. Jurisprudência. 2. Não se admite o apelo extremo para a discussão do valor da justa indenização em ação de de-sapropriação quando a verificação disso exigir a revisão dos critérios e da metodologia utilizados nos laudos do assistente técnico e do perito judicial. Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental não

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provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.405.295 – (2013/0319693-7) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 11.02.2014)

1470 – Desapropriação – reforma agrária – justa indenização

“Administrativo. Desapropriação. Reforma agrária. Justa indenização. O valor da indenização, em regra, deve ser aquele apurado na data da avaliação judicial. Agravos regimentais desprovidos.” (STJ – AgRg-AgRg-ED-REsp 1.176.636 – (2012/0272395-4) – 1ª S. – Rel. Min. Ari Pargendler – DJe 19.03.2014)

1471 – Despejo – art. 36 da Lei nº 6.649/1979 – ausência de prequestionamento – Súmula nº 282/STF – purgação da mora

“Processual civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Ação de despejo. Art. 36 da Lei nº 6.649/1979. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 282/STF. Purgação da mora. Dever de observância ao comando do art. 62, II, da Lei nº 8.245/1991. 1. Não houve prévio debate acerca da aplicabilidade do art. 36 da Lei nº 6.649/1979 à demanda nem sequer foram opostos embar-gos de declaração na origem para ventilar a matéria. Aplicação da Súmula nº 282/STF, em razão da falta de prequestionamento da matéria. 2. Deixando o locatário de depositar judicialmente o valor do débito, devidamente atualizado, tem-se por desatendido o comando do art. 62, II, da Lei nº 8.245/91, para fins de se evitar o despejo. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AI 951.151 – (2007/0217416-0) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 07.03.2014)

1472 – Despejo – consignação em pagamento – decisão declinatória de competência

“Agravo regimental no recurso ordinário em mandado de segurança. Ação de despejo e de consig-nação em pagamento. Decisão declinatória de competência. Posterior erro material consubstan-ciado na publicação de sentença de mérito. Incontinenti reconhecimento do equívoco pelo Magis-trado. Desentranhamento da peça dos autos. Ausência de afronta aos arts. 463 do CPC, 5º, LIV, e 93, IX, da CF. Razões ora vertidas que em nada alteram as conclusões havidas quando da decisão monocrática. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Rec.-MS 43.465 – (2013/0252007-6) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 14.02.2014)

1473 – Despejo – desocupação de imóvel – determinação – terceiros prejudicados – direito con-troverso

“Mandado de segurança. Ação de despejo. Decisão judicial. Desocupação de imóvel. Determina-ção. Terceiros prejudicados. Direito controverso. Inadequação da via. 1. O mandado de segurança não é via apta a amparar direito controvertido. 2. A insuficiência dos documentos apresentados a título de prova pré-constituída compromete a demonstração do direito líquido e certo apto a ser exercido no momento da impetração. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Rec.-MS 43.385 – (2013/0239351-2) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.02.2014)

1474 – Despejo – pedido de assistência judiciária gratuita – ausência de preparo

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Ação de despejo. Pedido de assistência judiciária gratuita. Ausência de preparo. Recurso especial deserto. Insurgência dos autores. 1. O Relator está autorizado a decidir monocraticamente recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com jurisprudência dominante (CPC, art. 557, caput e § 1º-A), po-dendo, inclusive, aplicar multa. Precedentes. 2. Não obstante seja possível o pedido de assistência judiciária gratuita a qualquer tempo, como a ação está em curso, tal pedido deve ser feito por petição avulsa, a qual será processada em apenso aos autos principais, nos termos do art. 6º da Lei nº 1.060/1950, e não no próprio corpo do recurso especial. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 433.136 – (2013/0382569-0) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 14.02.2014)

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1475 – Dúvida registral – contradição não verificada – rediscussão da matéria julgada e enfrenta-da no acórdão – impossibilidade

“Processual civil. Embargos de declaração em sede de recurso de agravo regimental. Alegação de contradição no acórdão, no que analisou a matéria em debate nos autos de mandado de segurança e aquela objeto de dúvida registral. Contradição não verificada. Embargante que visa a rediscussão da matéria julgada e enfrentada no acórdão. Impossibilidade. Objetivo ao qual não se prestam os embargos de declaração. Ausência dos vícios elencados no art. 535 do Código de Processo Civil. Embargos rejeitados.” (TJPR – EDcl 0843457-9/04 – 12ª C.Cív. – Relª Desª Ivanise Maria Tratz Martins – DJe 24.02.2014)

1476 – Hipoteca constituída pela construtora em favor do agente financeiro – penhora dos imó-veis adquiridos por terceiros – litigância de má-fé

“Agravo regimental em recurso especial. Embargos de terceiro. Hipoteca constituída pela cons-trutora em favor do agente financeiro. Penhora dos imóveis adquiridos por terceiros. Litigância de má-fé. 1. Insistência da CEF no prosseguimento de execução individual contra a Encol e na manutenção da penhora de imóveis adquiridos da construtora que obteve a decretação de sua falência. Reconhecimento de litigância de má-fé na origem. Manutenção. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.391.083 – (2011/0245039-0) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 06.03.2014)

1477 – Hipoteca judicial de gleba de terras – posterior procedência de ação de usucapião de parte das terras hipotecadas – participação do credor

“Recurso especial. Hipoteca judicial de gleba de terras. Posterior procedência de ação de usuca-pião de parte das terras hipotecadas. Participação do credor hipotecário na ação de usucapião como assistente do réu. Ausência de cerceamento de defesa. Prevalência da usucapião. Efeitos ex tunc da sentença declaratória. Cancelamento parcial da hipoteca judicial. Recurso desprovido. 1. Assegurada ao primitivo credor hipotecário participação na posterior ação de usucapião, não se pode ter como ilegal a decisão que reconhece ser a usucapião modo originário de aquisição da propriedade e, portanto, prevalente sobre os direitos reais de garantia que anteriormente gravavam a coisa. Precedentes. 2. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 620.610 – (2003/0230194-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.02.2014)

1478 – Hipoteca judiciária – efeito anexo ou secundário da sentença – ausência de contraditório prévio

“Agravo regimental no recurso especial. Hipoteca judiciária. Efeito anexo ou secundário da sen-tença. Ausência de contraditório prévio. Precedente específico desta Corte Superior. 1. ‘Não obs-tante seja um efeito da sentença condenatória, a hipoteca judiciária não pode ser constituída unilateralmente; o devedor deve ser ouvido previamente a respeito do pedido. Recurso especial conhecido e provido’ (REsp 439.648/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, julgado em 16.11.2006, DJ 04.12.2006, p. 294). 2. A alegação de que referida orientação entraria em contra-dição com julgado outro desta Terceira Turma, não se mostra acertada, tendo-se naquela assen-tada reconhecido a inexistência de condicionantes (requisitos outros) à constituição da hipoteca judiciária, o que não se identifica com o constitucional direito ao contraditório prévio. 3. agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.280.847 – (2011/0197153-0) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 18.03.2014)

1479 – Incorporação imobiliária – compra e venda de unidade residencial – comissão de correta-gem – despesa paga pelo comprador – estipulação contratual válida

“Juizados Especiais. Direito civil e do consumidor. Incorporação imobiliária. Compra e venda de unidade residencial. Comissão de corretagem. Despesa paga pelo comprador. Estipulação contra-

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tual válida. Abusividade não comprovada. Transferência de responsabilidade livremente ajustada entre os contratantes, se considerados os limites possíveis de liberdade contratual relativamente aos contratos de adesão. Convenção cujo conteúdo encontra guarida no princípio da autonomia da vontade e não afronta o interesse de preservação do equilíbrio contratual. I – Preliminares. II – 1. Incompetência dos Juizados Especiais Cíveis. Valor de alçada dito ultrapassado. Hipótese em que o interesse econômico da parte autora deve ser tido como critério de apuração do valor patrimonial da ação de repetição de indébito. Competência definida pelo benefício econômico de-sejado e não pelo valor integral do contrato entabulado entre as partes. Pedido mediato consistente na obtenção de bem jurídico quantificado em importância inferior a 40 salários-mínimos. Compe-tência firmada do Juizado Especial. III – 2. Ilegitimidade passiva. É parte legítima para figurar no polo passivo a imobiliária que intermedeia a venda e compra de unidade imobiliária. Pertinência subjetiva da demanda reconhecida. IV – Mérito. Comissão de corretagem paga pelo proponen-te/adquirente. Pagamento afirmado indevido porque relativo a obrigação pecuniária não levada a conhecimento do autor. Versão não confirmada pelo conjunto probatório. Prova documental. Previsão expressa no instrumento particular de compromisso de venda e compra. Recibo de pa-gamento subscrito pela autora com informações claras e inequívocas acerca da importância paga pela prestação de serviços de corretagem. Falta de ciência ou conhecimento quanto à natureza da obrigação pecuniária assumida não comprovada. Informação induvidosa de que fora atribuída ao autor a responsabilidade pelo pagamento dos trabalhos realizados pela transação imobiliária. Art. 724 do Código Civil. Pretensão afastada. V – Preliminares rejeitadas. Recurso conheci-do e provido. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido formulado na peça ves-tibular.” (TJDFT – Proc. 20130710026919 – (766526) – Relª Juíza Diva Lucy de Faria Pereira – DJe 13.03.2014)

1480 – Locação – ação de consignação em pagamento – arrematação judicial de imóvel – recebi-mento de aluguéis – termo inicial

“Processual civil. Recurso especial. Ação de consignação em pagamento. Arrematação judicial de imóvel. Contrato de locação. Recebimento de aluguéis. Termo inicial. Auto de arrematação. Violação dos arts. 165, 458 e 535 do CPC. Não ocorrência. Dispositivo constitucional. Deficiência de fundamentação. Súmula nº 284/STF. 1. Considera-se improcedente a arguição de ofensa aos arts. 165, 458, II, e 535, II, do CPC quando o Tribunal a quo se pronuncia, de forma motivada e suficiente, sobre os pontos relevantes e necessários ao deslinde da controvérsia. 2. É inviável ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria da competência da Suprema Corte, sob pena de contrariedade às rígidas atribuições recursais previstas na Carta Magna. 3. Aplica-se o óbice previs-to na Súmula nº 284/STF na hipótese em que a deficiência da fundamentação do recurso não per-mite a exata compreensão da controvérsia. 4. O arrematante de imóvel tem o direito de receber os valores relativos ao aluguel a partir da lavratura do auto de arrematação, não sendo preciso esperar o registro no cartório do registro de imóveis. 5. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.232.559 – (2011/0008284-8) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 14.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de consignação em pagamento ajuizada visando à consignação de valores de aluguéis.

A ação foi julgada procedente, declarando-se quitados os aluguéis consignados pelos locatários.

Descontente, houve apelação da sentença, na qual o apelante se mostrou contra a posição do TJPR que negou provimento ao recurso em acórdão assim ementado:

“AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – CONTRATO DE LOCAÇÃO – PAGAMENTO DOS ALUGUERES – ARREMATAÇÃO DO IMÓVEL – EXISTÊNCIA DE DÚVIDA OBJETIVA – EXTIN-ÇÃO DA OBRIGAÇÃO DOS LOCATÁRIOS – CONTINUIDADE DA AÇÃO EM RELAÇÃO AOS CRE-DORES – PROPRIEDADE DO EXECUTADO ATÉ O REGISTRO DA CARTA DE ARREMATAÇÃO.AGRAVO RETIDO E RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDOS. EMBARGOS DE TERCEIRO – ARREMATAÇÃO – IMÓVEL INDIVISÍVEL – MEAÇÃO – PRESERVAÇÃO – POSSE – FRAUDE À

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218 ����������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

EXECUÇÃO – MATÉRIA JÁ APRECIADA EM OUTRO FEITO – DÍVIDA EM BENEFÍCIO DO CASAL – VERBAS DE SUCUMBÊNCIA – NÃO OCORRÊNCIA – DETERMINAÇÃO DE REPOSIÇÃO DE PARTE DO PREÇO PAGO EM HASTA PÚBLICA – SENTENÇA EXTRA PETITA E CONTRADITÓ-RIA – INOCORRÊNCIA – RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO.A transmissão ou aquisição da propriedade de bem imóvel, bem como os direitos dela decor-rentes, ocorrem com o registro do título de transferência no registro de imóveis. No caso de arrematação, esta se dá com o registro da carta. É objetiva a dúvida fundada sobre quem deva legitimamente receber os alugueres – arrematante do imóvel locado ou locador –, sendo correta a extinção da obrigação em relação ao locatário com a consignação e a continuação do processo entre os credores.Cabível o oferecimento de embargos de terceiro para resguardar meação sobre o imóvel arrema-tado, mormente em se tratando de dívida oriunda de verbas de sucumbência, que por sua vez, não pode ser considerada realizada em benefício da família.”Os embargos de declaração opostos foram acolhidos para complementação do julgado; todavia, não lhes foram atribuídos efeitos infringentes.Daí a interposição do recurso especial. Apontou o recorrente violação dos seguintes dispositivos:a) arts. 165, 458, II, e 535, II, do Código de Processo Civil, sustentando a ocorrência de omis-são do acórdão recorrido em relação a questões controvertidas, além de ser deficiente em sua fundamentação a respeito da questão relativa à percepção dos aluguéis rendidos por imóvel em hasta pública; b) art. 694 do Código de Processo Civil, defendendo que lhe foi negado o direito de levantamento dos aluguéis depositados em juízo a contar do ato de arrematação;c) art. 93, IX, da Constituição Federal, tendo em vista o equívoco evidente acerca do direito à percepção dos aluguéis do imóvel arrematado; ed) arts. 128, 460 e 471, caput, do Código de Processo Civil, visto que o acórdão extrapolou os limites da lide e o princípio da adstrição do juiz ao pedido. Requereu, assim, seja reformado o acórdão do Tribunal de origem.O STJ deu parcial provimento ao recurso especial.O Relator aduziu que o recorrente, como arrematante, tendo direito ao uso e fruição da coisa, tem, consequentemente, direito aos frutos que o imóvel gera, no caso, os valores dos aluguéis pagos após e imediatamente à lavratura do auto de arrematação.A ação de consignação de pagamento é o meio que o devedor tem de depositar em juízo o montante devido ao credor quando este seja por qual motivo for, não quer receber o devido ou não é encontrado.Sobre a propositura da ação de consignação em pagamento, Renata Soares Leal nos ensina:“Se ocorrer a recusa do credor, o devedor ou terceiro interessado poderá propor ação de consig-nação em pagamento, no prazo de 30 (trinta) dias, instruindo a petição inicial com a prova do depósito bem como da sua recusa, observando-se que esse prazo de trinta dias somente poderá ser contado a partir do momento em que a instituição financeira comunicar a recusa ao deposi-tante e não do momento em que essa recusa ocorreu. Caso a ação não seja proposta no prazo de trinta dias, o depósito extrajudicial ficará sem efeito, podendo o devedor levantá-lo. Nesse caso, há que se observar que o devedor poderá propor posteriormente ação de consigna-ção em pagamento, eis que não ocorreu decadência do direito de consignar, mas apenas a perda da eficácia do depósito extrajudicial. Cessada a eficácia do depósito extrajudicial, os juros da dívida continuarão a vencer até que seja ajuizada ação de consignação em pagamento e efetivado o depósito judicial pertinente. Vale observar que, embora a lei não mencione, há entendimento de que a consignação extrajudi-cial não poderá ser repetida se houver ocorrido recusa do credor ou se o devedor houver perdido o prazo de trinta dias para a propositura da ação de consignação. Ocorrendo qualquer dessas hipóteses, restará ao credor apenas a propositura da ação judicial.” (Consignação em pagamento extrajudicial. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, n. 12/01, p. 243, artigo nº 3/18100, 2ª quinz. jun. 2001)

1481 – Locação de bem imóvel – ação de execução de título extrajudicial – embargos à execução

“Agravo de instrumento. Locação de bem imóvel. Ação de execução de título extrajudicial. Embar-gos à execução. Relevante questão relacionada à ilegitimidade passiva dos embargantes. Situação

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que pode gerar danos de difícil reparação. Cabimento do efeito suspensivo aos embargos, nos ter-mos do art. 739-A, § 1º, do CPC. Recurso provido.” (TJSP – AI 2037322-69.2013.8.26.0000 – São Paulo – 35ª CDPriv. – Rel. Melo Bueno – DJe 19.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo de instrumento interposto contra as decisões digitalizadas às (devolução de prazo) que, em ação de execução de título extrajudicial fundado em contrato de locação de bem imóvel, recebeu os embargos sem efeito suspensivo. Os agravantes requerem sejam seus embargos recebidos no efeito suspensivo alegando, em suma, que a presente execução foi proposta de maneira temerária em face deles, por não serem os devedores da dívida em questão. O TJSP deu provimento ao recurso, oficiando-se ao Magistrado de primeiro grau.O Jurista Leandro Lomeu assim considerou:“O contrato de locação é tradicionalmente, atrás apenas da compra e venda, o mais importante e comum negócio jurídico em nossa sociedade, sendo um dos mais utilizados no cotidiano. De fato, a locação está presente nos momentos de lazer, quando alugamos um imóvel na praia, ou um sítio em datas comemorativas; nos transportes, aluguéis de carros; em momentos mar-cantes, como os casamentos, aluguéis de vestidos, ternos, salão de festas; em atos simples, como alugar um filme para o final de semana. Mas, de todas as espécies possíveis, o que mais preocupa todos, pelo seu caráter econômico e social, é a locação para moradia e para o estabe-lecimento comercial. Trataremos, então, neste primeiro contato com a matéria, em distinguir a locação predial urbana residencial e não residencial das demais.A locação de prédio urbano é subordinada à Lei do Inquilinato – LI (Lei nº 8.245/1991, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12.112, de 9 de dezembro de 2009). O Código Civil de 2002 não dispõe a respeito da locação de prédios, ficando sob sua regência a locação de coisas, de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos, de espaços destinados à publicidade, de apart-hotéis, hotéis residência, ou equiparados, assim considera-dos aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e, como tais, sejam autorizados a funcionar. Por outro lado, as locações de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas Autarquias e fundações públicas, e o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades, são dirigidas pelo direito administrativo.Na locação que tem como locador o Poder Público, não se aplica nem a Lei de Locação nem o Código Civil. Sendo a União locadora, aplica-se o Decreto-Lei nº 9.760/1946 e a Lei nº 8.666/1993. Sendo o locador o Estado, o Município, suas Autarquias e fundações públicas, haverá, neste âmbito, leis específicas variando de acordo com cada ente, porém respeitando sempre os dispositivos constitucionais. Por fim, o arrendamento mercantil será tratado por lei própria, ou seja, a Lei nº 6.099/1974 e as resoluções do Bacen (Banco Central do Brasil).Por conseguinte, quando o Poder Público, representado pela Administração direta ou indireta, se apresenta no outro polo contratual, como locatário, será aplicada a Lei do Inquilinato.O Código Civil conceitua a locação em seu art. 565, com a seguinte redação: ‘Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição’. No mesmo sentido, na locação urbana, o locador dispõe ao locatário a posse direta de imóvel, destinado a sua residência familiar ou a estabelecimento comercial, mediante o pagamento de remuneração (alugueres), por certo tempo, restituindo-o ao término ao locador nos mesmos estados de conservação em que fora recebido. Dessa forma, o contrato de locação estabelece-se em três elementos básicos: a) o objeto, imóvel urbano, assim classificado não pela localização geográfica, mas pela sua desti-nação e utilização. Assim, exemplo comum na jurisprudência, os postos de gasolina, mesmo que situados em zona rural, encontram-se sujeitos à Lei do Inquilinato, bem como qualquer outra atividade industrial e comercial, ou, ainda, servindo o imóvel rural mesmo que para moradia, sem a utilização da terra para cultivo, labor ou subsistência, está, do mesmo modo, sujeito à locação urbana – trata-se de interpretação teleológica da lei; b) a remuneração, o pagamento de um aluguel, interessante expor que a remuneração não é necessariamente fixada em dinheiro. ‘O preço na locação deve ser determinado ou ao menos determinável, nada impedindo que o valor seja variável de acordo com índices aceitos pela lei’; c) o tempo; a locação pactuada por escrito deverá ser determinada: se por prazo superior a 30 (trinta) meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo ajustado, podendo o locador denunciar o contrato – o que se convencionou denominar de denúncia vazia –, pedindo a desocupação do imóvel no prazo de 30 dias sem justificativa para o pedido, sendo o fim do prazo a exi-gência suficiente. Se a locação, findo o prazo, continuar por mais de trinta dias sem oposição

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do locador, perdurará por prazo indeterminado.” (Locação urbana: enfoque material da Lei nº 12.112/2009. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 6 jan. 2014)Na obra de Roberto Caetano Miraglia, as obrigações do fiador estão assim definidas:

“Basicamente, o fiador tem a obrigação de garantir o cumprimento do contrato de locação, solidariamente com o locatário. No caso de o locatário não cumprir o seu dever de pagar os alu-guéis, taxas de condomínio e encargos da locação, o fiador será acionado para fazê-lo, o mesmo ocorrendo se o locatário causar dano no imóvel, entretanto, o fiador poderá regressivamente cobrar de seu afiançado (locatário) o que pagou ao credor (locador, condomínio). A fiança pode ser prestada por prazo determinado, ou seja, somente durante o prazo ajustado no contrato, ou por prazo indeterminado, até a efetiva entrega das chaves.

No entanto, devido aos inúmeros problemas causados por locatários inadimplentes, locadores que impõem reajustes extorsivos, locador e locatário que fazem acordos ou renovações contra-tuais sem a ciência do fiador, entre outros, a jurisprudência de nossos Tribunais tem se dirigido para o seguinte sentido:

‘RECURSO ESPECIAL – LOCAÇÃO – FIANÇA – PRORROGAÇÃO DO CONTRATO SEM ANU-ÊNCIA DOS FIADORES – EXONERAÇÃO – POSSIBILIDADE – A jurisprudência da Corte vem se firmando no sentido de não se admitir interpretação extensiva ao contrato de fiança, daí não poder ser responsabilizado o fiador por prorrogação de prazo de contrato de locação a que não deu anuência, mesmo que exista cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva entrega das chaves. Recurso não conhecido.’ (STJ, 5ª T., REsp 173.165/SP, Rel. Min. José Ar-naldo, J. 27.10.1998, v.u., ementa).” (Locação residencial: o que você deve saber para alugar um imóvel. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 30)

1482 – Posse – ação de reintegração – assistência judiciária gratuita – ausência de preparo

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Ação de reintegração de posse. Pedido de as-sistência judiciária gratuita. Ausência de preparo. Recurso especial deserto. Insurgência do réu. 1. Não obstante seja possível o pedido de assistência judiciária gratuita a qualquer tempo, como a ação está em curso, tal pedido deve ser feito por petição avulsa, a qual será processada em apenso aos autos principais, nos termos do art. 6º da Lei nº 1.060/1950, e não no próprio corpo do recurso especial. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 443.314 – (2013/0398876-0) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 26.02.2014)

1483 – Posse – ação de reintegração – embargos de terceiro – decisão monocrática

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Ação de reintegração de posse. Embargos de ter-ceiro. Decisão monocrática negando provimento ao recurso. 1. Razões do regimental que não impugnam os fundamentos invocados na deliberação monocrática. Em razão do princípio da dia-leticidade, deve o agravante demonstrar de modo fundamentado o desacerto da decisão agravada. Incidência da Súmula nº 182/STJ: ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’. 2. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-AI 1.237.044 – (2009/0188445-5) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 18.03.2014)

1484 – Posse – ação de reintegração – pedido de usucapião formulado na contestação – impossi-bilidade

“Agravo regimental em recurso especial. Processual civil. Ação de reintegração de posse. Pedido de usucapião formulado na contestação. Impossibilidade. Reconhecimento de domínio em ação possessória. Inviabilidade. Precedentes. 1. Esta Corte Superior já decidiu que, em sede de ação possessória, é inviável a discussão a respeito da titularidade do imóvel sob pena de se confundir os institutos, ou seja, discutir a propriedade em ação possessória. Precedentes. 2. Na pendência do processo possessório é vedado tanto ao autor como ao réu intentar a ação de reconhecimento de domínio, nesta compreendida a ação de usucapião ( art. 923 do CPC). 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.389.622 – (2013/0188532-8) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 24.02.2014)

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1485 – Posse – ação de reintegração cumulada com compensação por danos morais e reparação por danos materiais – embargos de declaração

“Processual civil. Agravo no agravo em recurso especial. Ação de reintegração de posse cumulada com compensação por danos morais e reparação por danos materiais. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. Violação dos arts. 128 e 131 do CPC. Inocorrência. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação ju-risdicional, não há que se falar em violação dos arts. 128 e 131 do CPC. 3. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 4. Agravo não provido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 453.476 – (2013/0415129-7) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 10.03.2014)

1486 – Posse – contrato de dação em pagamento – eficácia suspensa – utilização como justo título para fins de proteção possessória – impossibilidade

“Civil. Posse. Contrato de dação em pagamento. Eficácia suspensa. Utilização como justo título para fins de proteção possessória. Impossibilidade. Enunciado nº 487 da Súmula/STJ. Posse que não é disputada com base no domínio. Não incidência. 1. Ação de manutenção de posse ajuizada em 07.07.1993. Recurso especial concluso ao gabinete da relatora em 03.10.2012. 2. Recurso especial em que se discute qual das partes detém o direito à posse do imóvel objeto do litígio. 3. Estando o contrato de dação de imóvel em pagamento impossibilitado de produzir efeitos ju-rídicos, o negócio subsiste nos planos da existência e validade, mas fica impedido de produzir resultado no plano da sua eficácia, de modo que o referido instrumento não constitui justo título para fins de proteção possessória. 4. O direito à posse é relativo, podendo esta ser justa em relação a uns e injusta em relação a outros, a depender da relação existente entre os sujeitos, a ser anali-sada casuisticamente. 5. Nas hipóteses em que a posse não é disputada com base no domínio não incide o Enunciado nº 487 da Súmula/STF. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.347.390 – (2012/0089982-3) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 14.02.2014)

1487 – Posse – reintegração – assentamento urbano irregular – matéria

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Reintegração de posse. Assen-tamento urbano irregular. Matéria constitucional. Sede especial. Incompetência do STJ. Negativa de prestação jurisdicional e demais artigos supostamente violados. Ausência de demonstração da questão federal. Súmula nº 284/STF. Artigos apontados. Prequestionamento. Não ocorrência. Súmula nº 282/STF. Revolvimento fático-probatório. Vedação. Súmula nº 7/STJ. Dissídio. Defici-ência recursal. Súmula nº 284/STF. Decisão agravada mantida. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 103.989 – (2011/0238623-3) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 13.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto em face de decisão assim ementada:“Agravo em recurso especial. Processual civil. Reintegração de posse. Assentamento urbano irre-gular. Matéria constitucional. Sede especial. Incompetência do STJ. Negativa de prestação juris-dicional e demais artigos supostamente violados. Ausência de demonstração da questão federal. Súmula nº 284/STF. Artigos apontados. Prequestionamento. Não ocorrência. Súmula nº 282/STF. Revolvimento fático-probatório. Vedação. Súmula nº 7/STJ. Dissídio. Deficiência recursal. Sú-mula nº 284/STF. Agravo conhecido para, desde logo, negar seguimento ao recurso especial.”Pugnando pela reforma do decisum hostilizado, alegou a parte agravante a inadequação dos fundamentos por ele postos e repisou teses lançadas no recurso especial obstado.O STJ negou provimento ao agravo regimental.Oportuno colacionar trecho do voto do Relator:“Por fim, ainda que interposto o especial com apoio na alínea c do permissivo constitucional, registre-se não se verificar qualquer alegação de divergência jurisprudencial nas razões recursais,

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sendo certo que a tanto não se pode considerar a singela transcrição de ementas de julgados que, ao sentir da parte recorrente, corroborariam as teses defendidas, aplicando-se, também neste ponto, a Súmula nº 284/STF.”

Vejamos os ensinamentos de Vicente Grecco Filho:

“Julgada procedente a justificação, isto é, suficientemente provada a situação de turbação ou esbulho, o juiz mandará imediatamente expedir mandado de manutenção ou reintegração. Essa decisão, de que cabe agravo de instrumento, não é um prejulgamento, mas um instrumento em cognição provisória de proteção do direito da posse. A liminar, portanto, tem mais natureza de antecipação de execução do que cautelar, mas guarda o caráter de provisoriedade, sujeita que fica ao exame mais profundo na cognição plena que se seguirá.

A liminar pose ser revogada se o estado da causa justificar uma revisão da decisão anterior. Há necessidade, porém, de novos elementos para a alteração do entendimento do juiz. Se nada de novo foi produzido, não é a mudança de opinião (que pode ocorrer, p. ex., quando muda o magistrado) que pode autorizar a revogação da liminar que permaneceu sem recurso ou que foi confirmada pelo Tribunal, se houve agravo de instrumento.” (Direito processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1996. p. 224-225)

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, ao comentarem o art. 920 do Código de Pro-cesso Civil, dizem:

“A ação de imissão na posse não é possessória. É ação do proprietário, fundada no jus possi-dendi. O CPC/1939, art. 182, exigia que o autor da imissão juntasse com a inicial o título de propriedade, reconhecendo, pois, o caráter dominial de que era revestida aquela ação (Nery, RP, 52/170). Deve ser intentada pelo procedimento comum (CPC 272). Aquele que nunca teve a posse, não poderá servir-se dos interditos possessórios para obtê-la. O adquirente que não recebe a posse do vendedor poderá utilizar-se da ação de imissão na posse (Nery, RP, 52/170).” (Processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 961)

1488 – Posse – reintegração – indenização por danos materiais – prova emprestada – possibili-dade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Reintegração de posse c/c indenização por danos materiais. Prova emprestada. Possibilidade. Precedentes. Indeferimento de prova pericial. Reexame. Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. É pacífico o entendi-mento do Superior Tribunal de Justiça quanto à legalidade da prova emprestada, quando esta foi produzida com respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Rever os fundamentos que levaram a tal conclusão, ou seja, de que a prova emprestada utilizada no processo não teria passado pelo crivo do contraditório, demandaria reexame do conjunto probatório. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 2. Tendo as instâncias ordinárias entendido pela desnecessidade de realização de provas, hão de ser levados em consideração o princípio da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz, que, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil, permitem ao julgador determinar as provas que entende necessárias à instrução do processo, bem como o indeferimento daquelas que considerar inúteis ou protelatórias. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 426.343 – (2013/0364582-1) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 18.03.2014)

1489 – Promessa de compra e venda – imóvel em construção – entrega – atraso – inadimplemento culposo da construtora – caracterização

“Civil e direito do consumidor. Contrato de promessa de compra e venda. Imóvel em construção. Entrega. Atraso. Inadimplemento culposo da construtora. Caracterização. Prazo de entrega. Previ-são de dilatação sem necessidade de justificação. Legitimidade. Indenização a título de lucros cessantes. Adequação. Apuração em liquidação. Multa contratual. Ausência de previsão expressa. Inversão da previsão. Inviabilidade. Comissão de corretagem e taxa de decoração. Pagamento. Ônus. Imputação ao consumidor adquirente. Previsão contratual. Cláusula específica e objetiva. Ausência de violação às regras consumeristas. Repetição do vertido. Impossibilidade. Responsabi-lização. Taxas condominiais geradas anteriormente à entrega da unidade prometida. Imputação ao

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adquirente. Impossibilidade. Obrigação propter rem. Inexistência de posse efetiva. Modulação. Responsabilidade da construtora. Repetição. Inviabilidade. Ônus probatório. Distribuição (CPC, art. 333, I). Danos morais. Inexistência. Preliminares. Ilegitimidade ativa da adquirente. Cessão dos direitos aquisitivos. Rejeição. Preclusão. Ilegitimidade ativa do marido da adquirente. Afirmação. Direito pessoal. Legitimidade passiva ad causam. Comissão de corretagem. Vendedora. Solidarie-dade. Afirmação. 1. Refutada preliminar através de julgado acobertado pela preclusão/coisa julga-da, a questão resta definitivamente resolvida, não assistindo à parte lastro para, deparando-se com desenlace dissonante das suas expectativas, renovar idêntica defesa processual, à medida que a preclusão integra o acervo instrumental que guarnece o devido processo legal, obstando que ques-tão resolvida seja reprisada de conformidade com o interesse do litigante como forma de ser asse-gurado o objetivo teleológico do processo, que é a resolução dos conflitos de interesses surgidos das relações sociais intersubjetivas (CPC, art. 471) 2. Entabulado contrato de promessa de compra e venda quando a adquirente ainda ostentava o estado civil de solteira, somente ela, cedida a unidade a terceiro, está revestida de legitimidade ativa para aviar pretensão indenizatória lastreada no contrato que firmara, pois encerra a pretensão natureza de direito pessoal, não irradiando os efeitos dele derivados ao seu marido, notadamente quando sequer a entidade familiar germinada experimentara os efeitos lesivos içados como lastro do pedido indenizatório formulado. 3. A cons-trutora e incorporadora, como fornecedora do produto – apartamento – cuja venda fora interme-diada, guarda inexorável pertinência subjetiva com a pretensão formulada pela adquirente alme-jando a invalidação da comissão de corretagem e repetição do que vertera a esse título como pressuposto para realização da venda, estando, como participe do negócio, legitimada a compor a angularidade passiva da lide e responder ao pedido deduzido ante o fato de que o negócio fora realizado em seu proveito e diante da solidariedade que passa a guardar em conjunto com a inter-mediadora quanto à eventual ilicitude da cobrança (CDC, art. 7º, parágrafo único). 4. As intercor-rências inerentes à obtenção de documentos em órgãos públicos, às intempéries e às exigências burocráticas destinadas à regularização do empreendimento e obtenção da ‘carta de habite-se’ traduzem fatos inerentes à álea natural das atividades da construtora e incorporadora, pois inteira-mente encartadas como fatos inerentes à construção civil, que envolvem, obviamente, a regulari-zação das unidades objeto de empreendimento executado sob a forma de incorporação imobiliá-ria, não podendo ser assimiladas como fato fortuito ou força maior passíveis de, traduzindo eventos imprevisíveis, elidirem sua culpa pelo atraso havido na conclusão da unidade que prometera à venda. 5. Desde que pactuada em prazo razoável e compatível com o empreendimento a ser exe-cutado, não se reveste de ilegalidade ou abusividade a cláusula que prevê a prorrogação do prazo de entrega do imóvel em construção prometido à venda, independentemente de justa causa, pois encerra a previsão regulação consoante a natureza das atividades inerentes à construção civil, pois sujeita a fatores que, conquanto previsíveis, não estão afetados à álea de previsibilidade sistemáti-ca e precisa da construtora, tais como as intempéries climáticas, a falta de mão de obra, de mate-riais e maquinários, legitimando que se acautele e estabeleça a prorrogação como fórmula justa-mente de viabilizar a conclusão do empreendimento dentro do prazo estimado e participado ao adquirente. 6. O atraso injustificado na conclusão e entrega do imóvel em construção prometido à venda traduz inadimplemento contratual culposo da vendedora, determinando que, irradiando efeitos materiais, pois privara o adquirente do uso do imóvel desde a data prometida até a data em que se aperfeiçoara a entrega, sejam compostos os danos ocasionados ao consumidor traduzidos nos frutos que deixara de auferir com a fruição direta ou locação do apartamento, pois consubs-tanciam lucros cessantes que efetivamente deixara de auferir. 7. Configurado o atraso injustificado na entrega do imóvel prometido à venda, considerado, inclusive, o prazo de prorrogação conven-cionado, ensejando que o consumidor ficasse privado de dele usufruir economicamente durante o interstício em que perdurara a mora da construtora, assiste-lhe o direito de ser compensado pecu-niariamente pela vantagem econômica que deixara de auferir no interregno em que persistira a mora, cujo montante deve ser aferido com lastro nos alugueres que poderiam ter sido gerados pela unidade imobiliária, pois refletem os lucros cessantes que deixaram de auferir enquanto privado

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do uso da coisa. 7. Conquanto inexorável que o retardamento na entrega de imóvel em construção seja passível de irradiar a incidência de multa contratual, o reconhecimento desse fato demanda a aferição de previsão contratual, resultando que, inexistente no instrumento contratual previsão nesse sentido, inviável a cominação de sanção à construtora mediante reversão da cláusula penal que regulava o efeito da mora do adquirente no pagamento das parcelas convencionadas sob o prisma da equalização da relação obrigacional, à medida que, não se cogitando da devolução das parcelas vertidas, sequer sobeja base de cálculo precisa para mensuração da sanção moratória. 9. O contrato de corretagem, além de ser objeto de regulação específica, fora tratado e disciplina-do especificamente pelo legislador codificado, restando içado à condição de contrato típico e nominado e delimitado quanto às suas características essenciais, e, de conformidade com a modu-lação que lhe fora conferida pelo legislador, encerra obrigação de resultado, resultando que so-mente em ensejando o efeito almejado é que irradia o direito de a comissária ser agraciada com a comissão avençada (CC, art. 722). 10. Concertada a compra do imóvel, resta a adquirente inexo-ravelmente enlaçada às obrigações derivadas do contrato, tornando-se obrigada a velar pela sua efetivação, resultando que, expressamente prevista a subsistência de comissão de corretagem e que lhe ficaria afetada, conforme anotado no instrumento contratual e no recibo que comprovara o pagamento do acessório, defluindo da forma pela qual lhe restara imposto o ônus que guarda perfeita harmonia com a legislação consumerista, pois explicitamente prevista a cobrança, afigura--se incabível a restituição de qualquer quantia despendida àquele título sob o prisma de que tra-duzia vantagem abusiva e excessiva fomentada à vendedora, notadamente porque não fora a des-tinatária do vertido a esse título. 11. Convencionada de forma expressa, explícita e indelével de dúvida que despesas de decoração das áreas comuns do edifício seriam rateadas entre os adqui-rentes das unidades que o integram, ressoa legítima e legal a previsão, tornando inviável sua inva-lidação sob o prisma da abusividade, à medida que as acessões, incorporadas ao condomínio, traduzem incremento e vantagens aos adquirentes, e não proveito revertido em favor da construto-ra. 12. Em se tratando de edifício novo, o promitente comprador, adquirindo o apartamento nele inserido, somente é passível de ser responsabilizado pelas parcelas condominiais geradas pelo imóvel após a efetiva transmissão da sua posse direta, o que é configurado com a entrega das cha-ves pela construtora, à medida que antes da assunção da posse direta a construtora e incorporado-ra, detendo a qualidade de titular do domínio e de possuidora, é quem está enlaçada à obrigação de suportar as taxas geradas pelo imóvel que construíra e prometera à venda. 13. Conquanto a taxa condominial detenha a natureza de obrigação propter rem, germinando do imóvel ou em função dele e a ele aderindo, acompanhando-o, independentemente da pessoa do proprietário, ensejando que, alienado o apartamento, o adquirente sub-rogue-se na obrigação de adimplir as parcelas condominiais por ele geradas, seus efeitos devem ser modulados quando se trata de apartamento novo prometido à venda, pois, sob esse prisma, não se afigura conforme o sistema que lhe confere enquadramento que o adquirente seja responsabilizado por parcelas germinadas quando a unida-de ainda se encontrava sob a plena disponibilidade da construtora e promitente vendedora. 14. A qualificação como condômino não tem como pressuposto indispensável a detenção da condição de proprietário, podendo emergir, também, dos direitos derivados de promessa de compra e venda ou cessão de direitos, pois também irradiam efeitos jurídicos (Lei nº 4.591/1964, art. 9º), mas, considerando que somente com a entrega das chaves é que o adquirente passara a ter a efetiva posse do imóvel, restando legitimado a exercitar as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa, sua responsabilidade pelas parcelas condominiais deve ser pautada por esse fato. 15. A cláusula geral que regula a repartição do ônus probatório e está impregnada no art. 333 do estatuto processual debita ao autor o encargo de evidenciar os fatos constitutivos do direito que invocara, resultando da apreensão de que, conquanto lhe tenha sido assegurada oportunidade para produzir provas, deixara de comprovar os fatos constitutivos do direito que invocara, a rejeição do pedido que en-cartava o direito à repetição dos valores que desembolsara em pagamento às taxas condominiais sem que usufruísse efetivamente do imóvel, restando desguarnecido de suporte, traduz imperativo legal por não traduzirem alegações desguarnecidas de lastro material suporte apto a ensejar a

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apreensão do formulado como expressão dos fatos. 16. A caracterização do dano como pressupos-to da responsabilidade civil consubstancia verdadeiro truísmo, à medida que, estando plasmada no princípio de que, emergindo do ato comissivo ou omisso praticado por alguém efeito danoso a terceiro, o havido caracteriza-se como ato ilícito, por ter afetado a esfera jurídica do lesado, tor-nando seu protagonista obrigado a compor os efeitos que irradiara da sua conduta, emergindo dessa constatação que, se do dissenso contratual não emerge nenhuma consequência lesiva aos atributos da personalidade do consumidor, não irradia efeito jurídico relevante ante o não aperfei-çoamento do silogismo indispensável à germinação da obrigação reparatória (NCC, arts. 186 e 927). 17. Conquanto o atraso havido na entrega do imóvel prometido à venda irradie-lhe dissabor e chateação, o havido não enseja nenhum efeito lesivo ao patrimônio moral do adquirente, denun-ciando que o ocorrido não é apto a ser transubstanciado em ofensa aos atributos da sua personali-dade e caracterizado como fato gerador do dano moral, devendo ser tratado de conformidade com sua exata dimensão, ou seja, como intercorrência contratual que, conquanto impregnando-lhe aborrecimento e chateação, não irradia nenhuma mácula aos direitos da sua personalidade. 18. O temperamento conferido aos fatos passíveis de serem tidos como geradores do dano moral, pacifi-cando o entendimento segundo o qual os aborrecimentos, percalços, frustrações e vicissitudes próprias da vida em sociedade não geram o dever de indenizar, ainda que tenham impregnado no atingido pelo ocorrido certa dose de amargura, não legitima o deferimento de qualquer compen-sação decorrente de simples dissabor ou aborrecimento originários de dissenso contratual, pois impassíveis de enodoarem o espírito do homem médio. 19. Apelações conhecidas. Desprovida a da autora. Provida parcialmente a da ré. Maioria.” (TJDFT – Proc. 20110110795113 – (766293) – Rel. Des. Teófilo Caetano – DJe 13.03.2014)

1490 – Promessa de compra e venda – incorporação imobiliária – defesa do consumidor indeni-zação por danos morais

“Direito do consumidor. Apelação. Ação de rescisão contratual cumulada com indenização por danos morais. Contrato de promessa de compra e venda. Incorporação imobiliária. Construção sob o regime de administração. Devolução dos valores pagos ao promitente comprador à razão de 75% da quantia paga. Danos morais pela cobrança de parcelas contratuais em atraso. Mero aborrecimento decorrente da relação obrigacional. O julgamento antecipado da lide não importa cerceamento de defesa quando presentes as circunstâncias do art. 330, I, do CPC e o reitor do feito constatar a desnecessidade da produção de provas em audiência. A cobrança de correção mone-tária, juros e multa previstos no contrato e em lei em razão do atraso no pagamento das prestações mensais não motivam a rescisão do pacto, não se mostrando a abusividade e a desvantagem exces-siva do autor. Demonstrado que o adimplemento contratual ficou economicamente insuportável, o comprador inadimplente tem o direito de rescindir o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel e obter a devolução de parte das parcelas pagas. A restituição deve ocorrer à razão de 75% das importâncias pagas pelo autor, retendo-se o equivalente a 25%. Precedentes STJ e TJCE. Apelação conhecida e parcialmente provida.” (TJCE – AC 0509623-06.2011.8.06.0001 – Rel. Paulo Airton Albuquerque Filho – DJe 10.02.2014)

1491 – Promessa de compra e venda de imóvel – ação anulatória de ato jurídico – cumulação com rescisão

“Agravo regimental em recurso especial. Ação anulatória de ato jurídico cumulada com rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel. Decisão monocrática negando seguimento ao reclamo. 1. Razões do regimental que não impugnam especificamente os fundamentos invocados na deliberação monocrática. Em razão do princípio da dialeticidade, deve o agravante demons-trar, de modo fundamentado, o desacerto da decisão agravada. Incidência da Súmula nº 182/STJ: ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da

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decisão agravada’. 2. Agravo regimental não conhecido, com aplicação de multa.” (STJ – AgRg--REsp 1.251.952 – (2011/0107417-1) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 19.02.2014)

1492 – Registro público – ação de retificação – alegação de invasão de faixa de terra

“Agravo regimental em recurso especial. Ação de retificação de registro público. Procedimento de jurisdição voluntária. Oferecimento de impugnação fundamentada. Alegação de invasão de faixa de terra. Remessa das partes às vias ordinárias determinada pela Corte de origem. Decisão monocrática negando seguimento ao recurso especial. Insurgência recursal da autora. 1. ‘Existindo impugnação fundamentada e dúvida sobre a área, que depende da produção de provas, inviável a retificação do registro, previsto no art. 213 da Lei nº 6.015/1973’ (AgRg-REsp 547840/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, DJ 07.01.2005). 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.156.104 – (2009/0172936-7) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 13.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental interposto contra a decisão unipessoal da lavra deste signatário, que, com fulcro no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, negou seguimento ao recurso especial interposto pela ora agravante.

O apelo extremo (art. 105, inciso III, a, da CF/1988), a seu turno, fora deduzido em desafio a acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:

“Ação de retificação de registro público. Lei n° 6.015/1973. Adequação de registro de imóvel. Impugnação da RFFSA. Jurisdição voluntária. Impossibilidade de dilação probatória.

1. Havendo impugnação apresentada pela Rede Ferroviária Federal, bem como dúvida com relação à metragem que se pretende retificar, incabível a retificação de registro.”

Nas razões do recurso especial, apontou a insurgente a existência de violação ao art. 213 da Lei n° 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos), com redação anterior àquela dada pela Lei nº 10.931/2004.

Sustentou, em síntese, que qualquer interessado pode requerer a retificação de erro constante do registro público, desde que não cause prejuízo a outrem. Nesse sentido, arguiu que a retifi-cação do registro pleiteada não enseja qualquer gravame à recorrida, de modo a ser necessário o restabelecimento da sentença.

Encaminhados os autos a este Superior Tribunal de Justiça e, após a manifestação do Ministério Público Federal, este signatário prolatou decisão monocrática, negando seguimento ao apelo extremo, tendo em vista a consonância entre o entendimento adotado pela Corte de origem e a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça (aplicação do óbice inserto na Súmula nº 83/STJ).

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

O Relator ainda lembrou que: “Ademais, os precedentes citados pela agravante se coadunam com o entendimento ora adotado, pois consignam expressamente a necessidade de inexistência de impugnação/lide para que seja retificado, por meio de procedimento de jurisdição voluntária, o registro imobiliário, o que não se verifica na hipótese”.

O ilustre Jurista Carlos Antônio de Araújo assim fala sobre o registro imobiliário:

“A Declaração de Lima tem como pressuposto a segurança jurídica dos negócios imobiliários, e pugna pela utilização do instrumento público como forma de se constituir e transferir direitos reais sobre imóveis, repudiando o instrumento particular.

No entanto, o sistema registral brasileiro admite a constituição de direitos reais por meio de instrumento particular, como acontece com as promessas de compra e venda de bens imóveis.

Como afirma a Declaração de Lima, ‘o registrador constitui o recurso humano fundamental e o principal suporte do sistema registral, devendo ser um profissional do Direito, dado que a avalia-ção que deve realizar para decidir o acesso do direito ao registro é um trabalho eminentemente jurídico’.

‘O registrador realiza sua função com independência e imparcialidade. O exercício da atividade de qualificação é realizado levando-se em conta, como único parâmetro, o ordenamento legal vigente. A imparcialidade deve ser entendida como a não sujeição ou vinculação aos interesses das partes e a independência como a não sujeição a ditames de superior hierárquico ou qualquer terceiro que afete a livre decisão no âmbito da qualificação, sem prejuízo das reformas derivadas de procedimentos de recurso. O ordenamento jurídico deve garantir a imparcialidade do regis-

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trador, impedindo as situações de conflito de interesses. O sistema deve garantir a transparência da atuação do registrador.’

Sendo um profissional do Direito, encontra-se o registrador apto a realizar a qualificação registral dos títulos apresentados para registro, sejam eles por instrumento público ou por instrumento particular.

Quando o notário lavra uma escritura pública de compra e venda de bem imóvel, o ato é prece-dido de uma ‘qualificação negocial’, ou seja, se o vendedor é aquele que consta da certidão do registro de imóveis, se as partes são capazes, etc.

Esta ‘qualificação negocial’ realizada pelo notário não é definitiva, pois quando a escritura pú-blica for apresentada para registro perante o registro de imóveis, o registrador de imóveis fará a qualificação registral do título, verificando os princípios do registro imobiliário, relativos à disponibilidade, continuidade do registro público, etc. Se no ato de se lavrar a escritura pública de compra e venda for violado qualquer dos princípios dos registros públicos, o oficial do registro de imóveis fará uma qualificação registral negativa, o que garantirá a segurança e a eficácia previstas no art. 1º da Lei nº 8.935/1994.

Pelo mesmo fundamento, entendemos que, se for particular o título a ser registrado, deverá o oficial do registro de imóveis realizar qualificação registral idêntica à da escritura pública, não importando ao mesmo a origem do título, ressalvado que, se se tratar de compra e venda de imóveis com valor superior a trinta salários-mínimos, deverá obstar o registro, pois, de acordo com o art. 108 do Novo Código Civil Brasileiro – NCC, tal ato obrigatoriamente deverá ser cele-brado por escritura pública.

A regra do art. 108 acima transcrito é excepcionada pelo Código Civil, bem como pela legislação extravagante, pois, para se instituir uma hipoteca, não há a exigência de que se faça por ins-trumento público. O mesmo se aplica quanto à instituição do penhor e do direito do promitente comprador de imóvel.

Entendemos que a obrigatoriedade de se exigir instrumento público para todas as modalidades de constituição e transferência de direitos reais sobre imóveis fere o direito de livremente con-tratar, como também fere a Lei nº 8.935/1994, a qual reconhece nos notários e registradores a aptidão e a capacidade para conferirem publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos submetidos à apreciação dos mesmos.

Caso o Brasil adotasse a posição da Declaração de Lima, no sentido de somente registrar do-cumentos públicos, estar-se-ia transferindo aos notários a responsabilidade pela elaboração de todo e qualquer contrato que deva ser levado a registro, o que fere o bom-senso, pois os advoga-dos, profissionais do direito que são, a princípio estão aptos a redigir todo e qualquer documento que deva ser levado a registro.

Na mesma linha de pensamento, nenhuma instituição financeira poderia exigir garantias reais por meio de instrumento particular (hipoteca e penhor), sendo transferida ao notário a responsa-bilidade pela elaboração das escrituras públicas de hipoteca e penhor.

Nenhuma promessa de compra e venda de bem imóvel poderia ser firmada por instrumento particular, o que oneraria as transações imobiliárias em detrimento da constituição da garantia real por meio do registro da promessa, eis que certamente inúmeras promessas continuariam a ser firmadas por instrumento particular e ser-lhes-ia vedado o registro.

Julgado recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a seguir transcrito, reafirma todo o aqui narrado, pelo que concluímos que a Declaração de Lima não encontra respaldo no Direito brasileiro.

Direito imobiliário: ação de adjudicação compulsória. Desnecessidade de registro da promessa de compra e venda. Prova do pagamento. Requisito. Decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Em se tratando de ação de adjudicação compulsória movida em face do promitente vendedor, não se exige o registro da promessa de compra e venda, uma vez que esse registro somente tem o condão de constituir direito real – oponível erga omnes, portanto – em favor do promissário comprador, sem descaracterizar, por outro lado, a natureza de direito pessoal da adjudicação pleiteada em face daquele (grifei). Nesse diapasão, saliente-se que o novo Código Civil trouxe em seu bojo disposições acerca do direito real à aquisição do imóvel – decorrente de promessa de compra e venda em que não esteja prevista cláusula de arrependimento, ce-lebrada por instrumento público ou particular e registrada no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.417) –, bem como da faculdade conferida ao titular desse direito real no sentido de que, havendo recusa quanto à outorga da escritura definitiva de compra e venda, possa requerer ao juiz a adjudicação do imóvel (art. 1.418). Por meio de uma interpretação literal desses dois artigos, poder-se-ia entender que a adjudicação compulsória somente poderia ser pleiteada por aquele que houvesse registrado a promessa no CRI competente para tanto, o que, todavia, não

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é a interpretação mais acertada. É que, em se tratando de ação de adjudicação compulsória movida em face do promitente vendedor, não se exige o registro da promessa de compra e ven-da, uma vez que esse registro somente tem o condão de constituir direito real – oponível erga omnes, portanto – em favor do promissário comprador, sem descaracterizar, por outro lado, a natureza de direito pessoal da adjudicação pleiteada em face daquele (grifei). Esse é o enten-dimento a que chegou a Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, sob os auspícios do STJ e a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, consoante o Enunciado nº 95: ‘O direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se con-diciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário (Súmula nº 239 do STJ)’. Aliás, vale ressaltar que, mesmo na ordem jurídica anterior ao novo Código Civil, a jurisprudência era nesse sentido – tanto que o STJ editou a Súmula nº 239, cujo teor foi praticamente repetido no já mencionado Enunciado nº 95 da Jornada de Direito Civil. Apelação Cível nº 1.0148.06.039263-3/001 – Comarca de Lagoa Santa. Belo Horizonte, 4 de setembro de 2007. Elpídio Donizetti, Relator.” (O registro imobiliário e a Declaração de Lima. Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, v. 2, mar./abr. 2011)

1493 – SFH – saldo residual – ausência de cobertura pelo FCVS – responsabilidade do mutuário

“Agravo regimental no recurso especial. Sistema financeiro de habitação. Saldo residual. Ausência de cobertura pelo FCVS. Responsabilidade do mutuário. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, não havendo previsão de cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS, como no presente caso, os mutuários finais responderão pelos resíduos dos saldos devedo-res existentes, até sua final liquidação, na forma que for pactuada, conforme o disposto no art. 2º do Decreto-Lei nº 2.349/1987. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.381.981 – (2013/0134123-5) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 13.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento ao recurso es-pecial.

Naquela oportunidade, concluiu-se que, não havendo previsão de cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS, como no presente caso, é exigível do mutuário o pagamento do resíduo do saldo devedor existente, até sua final liquidação, conforme pactuado.

Nas razões do regimental os agravantes alegam que abusiva a cláusula que estipula a respon-sabilidade do mutuário pelo saldo residual e que a matéria deve ser enfrentada à luz do Código de Defesa do Consumidor.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

O Relator aduziu que, considerando-se que os agravantes não trouxeram nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a decisão deve ser mantida por seus próprios fun-damentos.

Oportuno trazer as lições de Rubem M. Cunha sobre o Sistema Financeiro da Habitação:

“O sistema financeiro nacional, nos termos do art. 192 da CF de 1988, será regulado em lei complementar. A idéia do constituinte era de que tal regulamentação fosse editada no prazo de cento e oitenta dias, ao cabo do qual estariam revogados todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I – ação normativa; (art. 25 do ADCT).

A ressalva sujeito este prazo a prorrogação por lei, constante do último dispositivo, faz com que até hoje, passados quase oito anos, o SFN seja quase o mesmo de antes da Constituição.

O sistema é regulado ainda hoje pela Lei nº 4.595, de 31.12.1964, agora promovida a lei ma-terialmente complementar, em virtude daquela disposição do art. 192 da CF.

Na cúpula do sistema está o CMN, com imensos poderes normativos que o constituinte preten-deu abolir em seis meses.

De início, o Conselho era integrado por nove membros, que, na prática, seguiam a orientação de seu Presidente, o Ministro da Fazenda.

A grande estrutura do sistema, porém, chama-se Banco Central da República do Brasil. Ele é a secretaria do Conselho Monetário, devendo cumprir e fazer cumprir suas normas. Na prática, o Banco Central é o laboratório onde são geradas e trabalhadas as idéias norteadoras do sistema

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financeiro, nos seus escaninhos burocráticos, que ganham, depois, burilamento técnico gerador de aparência que permite que elas aterrizem no DOU.

Os problemas dos sistemas financeiros, nacional e da habitação, se agravaram após a CF/1988.

Não é porque o Congresso Nacional deixa de elaborar a lei complementar de que cuida o art. 192 da Carta Maior que as necessidades de mudanças deixarão de existir. Só que muitas vezes essas mudanças somente poderiam dar-se por lei complementar, e a dificuldade outra vez é a mesma: é necessária a aprovação qualificada do Congresso. Então, é possível que tenhamos, hoje, leis, medidas provisórias, resoluções e até circulares, materialmente complementares, em considerável subversão da ordem jurídica.

Isso parece particularmente verdadeiro no sistema financeiro da habitação.

Dentre as atribuições, privativas, do CMN, está a de ‘disciplinar o crédito em todas as suas mo-dalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e presta-ções de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras’ (art. 4º, VI, da Lei nº 4.595).

Ocorre que, anteriormente à edição da Lei nº 4.595, já existia a Lei nº 4.380, de 21.08.1964, que, dentre outras medidas, instituiu o sistema financeiro para aquisição da casa própria.

Essa lei sofreu alterações ao longo do tempo e foi recepcionada pela CF de 1988. Como ela trata também de parcela significativa do SFN, entendo que, em grande parte, ela foi recebida como lei materialmente complementar.

Verifique-se, a propósito, o que se contém no art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 4.380:

‘O Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito fixará normas que regulam as relações entre o sistema financeiro da habitação e o restante do sistema financeiro nacional, especial-mente quanto à possibilidade, às condições e aos limites de aplicação de recursos da rede ban-cária em letras imobiliárias, emitidas, nos termos desta lei, pelo Banco Nacional da Habitação.’

Ou seja, a própria lei básica, que criou o SFH, declara que ele integra o sistema financeiro nacional, sendo que a relação entre ambos seria regulada pelo Conselho da antiga Sumoc, predecessora do atual CMN.” (Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 24 mar. 2014)

1494 – SFH – vício de construção – financiamento pela Caixa – ilegitimidade passiva ad causam

“Processo civil. Apelação. SFH. Vício de construção. Financiamento pela Caixa. Ilegitimidade passiva ad causam. 1. A sentença negou a revisão da prestação do mútuo do SFH e indenização por danos materiais e morais, excluindo a responsabilidade da Caixa pelos vícios de construção de imóvel adquirido com recursos do SFH. 2. O mero financiamento da construção de prédio de apartamentos, objeto de incorporação imobiliária, não vincula o agente financeiro pelos vícios da obra, devendo os adquirentes prejudicados demandar aos responsáveis diretos pelo empre-endimento. Precedentes. 3. Compete à Justiça Estadual, em princípio, julgar ações sobre vícios de construção de imóveis financiados pelo SFH, e a Caixa, parte passiva ilegítima, só pode ser responsabilizada se comprovada a sua condição de proprietária/vendedora do imóvel objeto da controvérsia, o que não é o caso. Precedentes. 4. Tocante à ‘revisão do contrato de financiamento [...], considerando que a casa financiada foi construída numa área sem água, sem rua asfaltada e de péssima qualidade de vida e o valor financiado está muito além da realizada’, é decorrência lógica da condição de mera mutuante o direito da Caixa à restituição do valor que financiou, em nada interferindo a eventual desvalorização do imóvel. Precedente da Turma. 5. Sentença par-cialmente anulada de ofício, para reconhecer a ilegitimidade da Caixa quanto aos danos morais e materiais por vício da construção. Confirmada quanto à improcedência da pretensão revisional. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 2013.51.02.000226-2 – 6ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo – DJe 18.02.2014)

1495 – Solo urbano – parcelamento – indenização por danos morais e materiais – ocupação irre-gular de área pública – promoção de políticas públicas em prol do interesse público

“Apelação cível. Indenização por danos morais e materiais. Ocupação irregular de área públi-ca. Ato ilícito competência do Município. Art. 30, VIII, da CF. Promoção de políticas públicas em prol do interesse público. Art. 182 da CF. Prevalência sobre o interesse privado. Possibilida-

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de de imediata demolição da construção irregular, em área pública, sem prévia notificação. Lei nº 1.974/1998, arts. 95, I, e 98. Indenização. Incabível. Recurso provido. 1. É da competência dos Municípios promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, da CF). O direito de construir, portanto, não é absoluto, irrestrito, e condiciona-se ao respeito do direito dos vizinhos e à observância dos regulamentos administrativos (art. 1.299 do CC). 2. Incontroverso que a cons-trução do imóvel não só era ilegal, pois edificado sem licença ou alvará da municipalidade, bem como era que erguida em área pública, decorrendo que a apelada agiu de má-fé e praticou condu-ta ilícita. 3. Ainda que o Município não a tenha notificado da irregularidade, não há como se falar em dano moral e material, porque aquele que não procedendo de boa-fé edifica em terreno alheio, sabe que perderá em proveito do proprietário a construção, a qual, a critério daquele, poderá ser mantida ou demolida. 4. O acolhimento da pretensão deduzida implicaria afronta ao princípio da igualdade, porque a invasão de área de domínio público destina-se, na verdade, a servir exclusi-vamente aos invasores, não havendo utilidade pública, mas utilidade restrita a particulares. Além disso, ocupação privativa de bem público por particular viola o preceito da legalidade (regente da Administração Pública) e constitui benesse injustificada de particular em desfavor dos demais administrados. 5. A teor do art. 182 da CF, cabe ao Poder Público visar ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar dos habitantes, razão pela qual, não se pode privilegiar apelada e em detrimento dos demais administrados se a região não se destina a esse fim, mas, ao contrário, à circulação de pedestres e veículos (via de acesso ao bairro vizinho). 6. A Administração Pública goza do Poder de Polícia que tem como atributos específicos a discri-cionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade, pelo que incabível se mostra a pretendida indenização, diante da legalidade do ato praticado pelo Município e da ilegalidade do ato pratica-do pela apelada. Precedentes. 7. Recurso provido.” (TJES – Ap 0006233-60.2006.8.08.0048 – Rel. Fabio Clem de Oliveira – DJe 25.03.2014)

1496 – Usucapião – ação reivindicatória – conexão

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação reivindicatória. Conexão com ação de usucapião. Violação ao art. 535 do CPC. Não ocorrência. Impossibilidade de reexame de provas. Incidência da Súmula nº 7 desta Corte. Recurso não provido. 1. Se as questões trazidas à discus-são foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões deve ser afastada a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. O acórdão entendeu com base nas provas e fatos que os recorrentes não comprovaram a posse man-sa, pacífica e justa pelo tempo necessário para usucapi-lo. Incide na espécie a Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AG-REsp 167.699 – (2012/0079437-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 26.02.2014)

1497 – Usucapião – posse – animus domini não configurado

“Processo civil. Usucapião. Posse. Animus domini não configurado. Embargos de declaração. Omissão. Inexistência. 1. O Tribunal não está obrigado a pronunciar-se acerca de todos os artigos de lei invocados no recurso especial, desde que decida a matéria suscitada, adotando fundamento suficiente para embasar a manifestação jurisdicional. A omissão que enseja o cabimento dos em-bargos diz respeito a questões apreciadas, não aos argumentos trazidos no recurso. 2. A mera repe-tição dos fundamentos da sentença pelo acórdão da apelação, a princípio, não acarreta prestação jurisdicional deficiente, desde que tais fundamentos contenham a análise dos pontos controverti-dos submetidos à decisão judicial. 3. Imóveis destinados à população de baixa renda e financiados por meio do Sistema Financeiro de Habitação, gerido pela Caixa Econômica Federal, não estão sujeitos à aquisição originária pela usucapião urbana especial do Estatuto da Cidade se, no período de cinco anos de posse previsto no art. 9º da Lei nº 10.257/2001, a CEF promovia os atos jurídicos necessários à retomada e refinanciamento. 4. Para efeitos da usucapião, mesmo a especial urba-

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na, a posse exercida com animus domini ultrapassa a mera vontade de possuir, devendo resultar do título pelo qual é detida, de forma que posse decorrente de relações contratuais que afetem o proprietário do imóvel prescinde do animus domini. 5. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.221.243 – (2010/0208665-8) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 10.03.2014)

1498 – Usucapião – requisitos – ausência de comprovação do lapso temporal – reexame de prova

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Usucapião. Requisitos. Ausência de compro-vação do lapso temporal. Reexame de prova. 1. Inviável a análise do recurso especial quando dependente de reexame de matéria fática da lide (Súmula nº 7 do STJ). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 139.558 – (2012/0015343-9) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 14.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão mediante a qual neguei provimento a agravo em recurso especial, por entender aplicável ao caso a Súmula nº 7 do STJ.Os agravantes afirmam não buscar o reexame de prova para o acolhimento do recurso.Alegaram violação dos arts. 1.238 e 2.029 do Código Civil. Sustentaram a presença dos requi-sitos para o reconhecimento da usucapião.Vale trazer o entendimento do d. Procurador de Justiça:“Assim, ao contrário do mencionado e decidido na sentença recorrida, entendemos que os au-tores não comprovaram o requisito do animus domini exigido pelo art. 550 do Código Civil de 1916, nem sequer a posse por vinte anos ininterruptos, não se desincumbindo do ônus que lhe cabia, a teor do disposto no art. 333, 1 do CPC.”Citamos, a seguir, trecho da doutrina de Carlos José Cordeiro:“Prof. Orlando Gomes diz que a tese da autonomia do usucapião é consagrada nas modernas legislações, e traça com clareza a distinção entre os dois institutos. Assim, do ponto de vista da finalidade, a prescrição é um modo de extinguir pretensões, enquanto o usucapião é modo de adquirir direitos reais. A base dos institutos também é diversa; na prescrição, é a inércia do sujeito de direito; no usucapião, é a posse continuada. Diverso é o aspecto da aplicabilidade; o usucapião restringe-se aos direitos reais. A prescrição, por fim, tem um sentido negativo, de extinção, enquanto que o usucapião é positivo, como força geradora. E conclui: ‘Não há que falar, por conseguinte, em prescrição aquisitiva’.No mesmo sentido, aponta Eduardo Espínola, reconhecendo que há regras comuns às duas espécies de prescrição, aquisitiva (suposto usucapião) e extintiva, porém há entre elas diferenças substanciais: a prescrição aquisitiva tem essencialmente por base a posse, e assim exige a boa--fé; a prescrição extintiva, em regra, dispensa a posse, não exige por parte do devedor o requisito da boa-fé; a prescrição aquisitiva pode ser fonte de uma ação ou de uma exceção em proveito do adquirente; a extintiva, sendo praticamente um meio de refletir a ação, se apresenta sempre como exceção; o campo da prescrição aquisitiva não é tão vasto como o da extintiva: a primeira limita-se à aquisição da propriedade e dos direitos reais; a extintiva abrange todo o domínio do direito civil, aplicando-se a todas as classes de relações jurídicas.Dessa forma, entende-se não se poder, sob a análise científica, considerar o usucapião como uma espécie de prescrição aquisitiva, uma vez que diversos são os seus regimes, somente tendo incidência comum o decurso do tempo, como forma de contato entre os dois institutos. Essa afirmativa acompanha o posicionamento do Prof. Nélson Luiz Pinto, que, citando Lafayette, assevera ‘ter a prescrição conotação negativa, isto é, nascer da inércia, tendo por efeito dissolver a obrigação e paralisar o direito correlato, e, conseqüentemente, não gerar direitos. O usucapião, ao contrário, é positivo, porque no seu modo de atuar predomina a força geradora; o proprietário perde o domínio não só por sua inércia, mas também porque o adquire o possuidor. Assim, o não-uso do direito de propriedade não importa sua extinção, por ser imprescritível, enquanto existir o seu objeto (propriedade). De sorte que a única possibilidade que se apresenta é a da aquisição por outrem, denominada usucapião, quando, então, o objeto passará a outro titular’.Pode-se, assim, esclarecido que o usucapião é uma forma de aquisição da propriedade, dentre os vários conceitos oferecidos pela doutrina, apresentar, segundo Nélson Luiz Pinto, ‘o que mais se aproxima do nosso ordenamento jurídico’, de lavra de Modestino: ‘O usucapio este adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit, ou, o modo de adquirir a pro-priedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei’.

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Observa-se, dessa última conceituação, bem como das outras arroladas, que dois são os elemen-tos básicos, essenciais, para a aquisição por usucapião: posse e tempo. Exigindo-se, ainda, o animus domini. Ressalte-se que outros elementos podem se fazer presentes nas várias espécies de usucapião (ordinário, extraordinário e especial), tais como o justo título e a boa-fé, os quais serão analisados no momento oportuno.[...]Feitas as considerações iniciais sobre o usucapião e ressaltada a importância do instituto, cabe revelar que o Direito brasileiro admite cinco espécies de usucapião, quais sejam: usucapião ex-traordinário, previsto pelo art. 550 do CC; usucapião ordinário, definido no art. 551 do CC; usu-capião mobiliário, descrito nos arts. 618 e 619 do CC, respectivamente nas modalidades ordi-nário e extraordinário; usucapião especial rural ou pro labore, regulado pela Lei nº 6.969/1981, com as alterações dadas pela CF, no art. 191; e usucapião especial urbano, introduzido pelo art. 183 da Lei Maior.Discriminadas as várias espécies de usucapião, deve-se dizer que não será objeto de estudo a distinção entre os seus diversos tipos, sendo, na verdade, continente de outro tema monográ-fico. Disso, nota-se que fundamentalmente não divergem entre si as cinco formas de usucapir, exigindo-se sempre, dentre outros requisitos, para a sua concessão, coisa hábil, posse, lapso de tempo, animus domini e, em alguns casos, boa-fé e justo título.Por aí, percebe-se que para ocorrer o usucapião em geral, faz-se necessário o concurso de certos requisitos, que dizem respeito às pessoas a quem interessa (pessoais); às coisas e direitos que podem ser adquiridos desta maneira (reais); à forma por que se constitui (formais); e à qualifi-cação da posse (especiais).A explicação atinente a cada qual será feita nos tópicos seguintes, quando forem dissecados os requisitos do usucapião em geral. Advirta-se, porém, como anota Antônio Macedo de Campos, ‘que capacidade (pessoal) e coisa hábil (real) não estão expressas nos dispositivos referentes ao usucapião. Resultam dos princípios gerais de direito’.Os requisitos pessoais são aqueles que têm em vista o possuidor e o proprietário, de forma a abranger a capacidade de cada um, para a ocorrência do usucapião, concebendo-se, assim, a aquisição do domínio por um e perda da propriedade da coisa pelo outro.Deveras, é regra manifesta que somente podem usucapir as pessoas capazes para possuir. Nesse engate, entende Lenine Nequete que são capazes de possuir tanto as pessoas físicas quanto morais, a comunidade hereditária, a pessoa jurídica de direito público e, inclusive, os incapazes, por intermédio de seus representantes. Inclui, ainda, os sucessores legítimos ou testamentários do possuidor, bem como os credores e demais interessados.Esta assertiva fundamenta-se, especialmente, no art. 162 do CC, uma vez que se permite a alegação da prescrição pela parte a quem aproveita. Ter-se-ia, então, terceiros interessados que seriam ‘todos aqueles que em favor dos quais constitui o possuidor um direito qualquer, que pereceria não se consolidando a propriedade nas mãos deste, v.g., o usufrutuário, o usuário, o fideicomissário em relação ao gravado, o enfiteuta em relação ao senhorio direto etc.’.Com relação ao sujeito passivo, para sofrer os efeitos da perda da coisa, basta que ele seja o proprietário. Aí, incluem-se os relativamente incapazes, e excluem as pessoas jurídicas de direito público. Quanto aos primeiros, o art. 169, I, do CC não os abarca quando torna patente que não ocorre prescrição contra os incapazes de que trata o art. 5º, ou seja, os sujeitos absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Quanto aos segundos, a CF determina que os bens públicos não serão adquiridos por usucapião.Em suma, o usucapiente deve ser capaz, mas, em determinados casos, essa faculdade sofre restrições decorrentes de diversos acontecimentos, inclusive familiar, obrigacional, etc.Antônio Ferreira Inocêncio relaciona pessoas e situações jurídicas que não se afinam com o usucapião. Assim, tem-se:‘a) Entre cônjuges, na constância do casamento (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, I), qualquer que seja o regime de bens.b) Entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, II).c) Entre tutelados e curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, III).d) Em favor de credor pignoratício, do mandatário, e, em geral, das pessoas que lhe são equipa-radas, contra o depositante, o devedor, o mandante e as pessoas representadas ou seus herdei-ros, relativamente aos bens confiados à sua guarda (CC, arts. 553, parágrafo único, e 168, IV).’Além dessas exceções, o mencionado autor enumera outros casos, aos quais é inaplicável o usucapião.

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Interessante noticiar que, face à força declaratória de certeza jurídica, é possível ao proprietário intentar o usucapião sobre o seu imóvel, pois não há a menor ilegalidade em que o possuidor, por não ter confiança em seu título dominial, recorra à ação de usucapião. A propósito, comenta Celso Agrícola Barbi que ‘não se justificam restrições ao uso da ação declaratória quanto à propriedade de imóveis. Pelo contrário, será de muita utilidade, quando alguém criar incerteza em torno do domínio de um bem dessa natureza, prejudicando seu uso, ou disponibilidade, pelo proprietário também possuidor. Poderá ele mover ação contra o pretenso dono, para ver declarado que é seu o domínio’.Os requisitos reais relacionam-se com as coisas e direitos que podem ser objeto de aquisição por usucapião (res habilis). Desse modo, para ser objeto de usucapião, é mister que a coisa esteja no comércio, não sendo usucapíveis, pois, as que estejam fora do comércio, assim consideradas as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis, na definição do art. 69 do CC.Anote-se, conforme José Carlos de Moraes Salles, ‘haver coisas naturalmente insuscetíveis de apropriação e, conseqüentemente, de usucapião, como, por exemplo, o ar, a luz natural e as águas livres. De outra parte, há coisas juridicamente inapropriáveis ou inusucapíveis, porque assim declaradas pelo Direito. Como exemplo, [...] os bens públicos de uso comum do povo, os de uso especial e os dominiais ou patrimoniais (art. 66 do CC)’.Confirma-se que as coisas legalmente inalienáveis também não são usucapíveis, posto que elas têm o seu destino fixado por lei, como o bem de família (art. 72 do CC); os imóveis dotais (arts. 293 e 298 do CC); os bens de menores sob pátrio poder ou tutela (arts. 386, 427, VI, e 429 do CC); e os bens dos sujeitos à curatela (arts. 446, 453 e 463 do CC). Deve-se mencionar que a doutrina, hodiernamente, entende que quando a inalienabilidade resulta de ato voluntário de testador ou doador, o bem assim clausulado pode ser objeto de usucapião. Quanto aos direitos suscetíveis de usucapião, a doutrina reconhece que somente os direitos reais prescritíveis podem ser adquiridos, assim os que implicam posse dos objetos sobre que recaem, vale dizer, a propriedade, as servidões, a enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitação. A propósito, ensina Wolff que ‘sólo puede adquirirse por usucapión los derechos reales que faculten para la posesión de una cosa o de un derecho: como la propiedad, la superficie, las servidumbres’.Em regra, só podem ser usucapidos os bens do domínio particular, ao passo que os bens pú-blicos não se subordinam a tal incidência, conforme impõe a Súmula nº 340 do STF, pois que ‘desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião’. Essa orientação do Pretório Excelso foi acompanhada pelo atual texto constitucional, como se nota nos seus arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único.A coisa hábil para usucapião é coisa corpórea e tangível, sendo indispensável para os imóveis que estes estejam perfeitamente individuados, com suas precisas características, extensão e confrontações, mesmo porque a posse ad usucapionem não seria compatível com a indetermi-nação dos limites ou de outros aspectos da coisa possuída.Ressalta-se, entretanto, que é crescente o número de julgados que admite posse e usucapião sobre bens intangíveis (incorpóreos) como, v.g., o direito ao uso de linha telefônica. Vale dizer, também, que embora no usucapião de imóvel exija-se certeza e determinação, tem-se admitido usucapião de compossuidores, sobre partes ideais, de imóvel divisível ou não, quando a posse do todo é exercida conjuntamente.” (CORDEIRO, Carlos José. Usucapião. Juris Síntese, Porto Alegre: IOB/Thomson, nov./dez. 2005. 56 CD-ROM)

1499 – Usucapião extraordinário – inexistência de registro – enfiteuse não constituída – possibi-lidade

“Direitos reais. Inexistência de registro. Enfiteuse não constituída. Usucapião extraordinário. Pos-sibilidade. 1. O art. 1.227 do Código Civil combinado com o art. 172 da Lei nº 6.015/1973 pre-conizam o efeito constitutivo do registro em relação a direitos reais sobre imóveis, estabelecendo o princípio da ‘inscrição’, segundo o qual a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam mediante inscrição no respectivo Cartório de Registro Imobiliário. 2. A mera convenção entre as partes não é condição suficiente a ensejar a constituição da enfiteu-se, fazendo-se mister a efetivação de um ato formal de ingresso do título no registro imobiliário, o qual poderia ensejar o verdadeiro óbice à aquisição originária da propriedade pelo ‘enfiteu-ta’, e que inexiste na situação vertente. 3. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.228.615 – (2010/0225380-7) – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 05.03.2014)

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Seção Especial – Em Poucas Palavras

Liminar Possessória nos Contratos de Alienação Fiduciária de Imóveis

DENIS DONOSOMestrando e Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, Professor de Direito Proces-sual Civil no Curso de Graduação da Faculdade de Direito de Itu, Professor de Direito Proces-sual Civil em Cursos Preparatórios para Magistratura e Ministério Público no Curso Robortella (São Paulo), Professor de Direito Processual Civil em Diversos Núcleos da Escola Superior da Advocacia de São Paulo (ESA/SP), Professor de Direito Civil em diversos cursos preparatórios para o exame da OAB, Advogado, Consultor Jurídico em São Paulo.

RESUMO: O presente trabalho propõe-se a examinar os aspectos jurídicos mais relevantes do contrato de alienação fiduciária de imóveis, instituída pela Lei nº 9.514/1997, em especial a questão relativa aos requisitos da liminar possessória nas respectivas ações de reintegração de posse.

PALAVRAS-CHAVE: Contratos; alienação fiduciária de imóveis; Lei nº 9.514/1997; posse; reintegração de posse; liminar possessória; tutelas de urgência; requisitos.

Procuraremos tratar neste artigo, de forma extremamente objetiva, as consequências que a Lei nº 9.514/1997 (Lei de Alienação Fiduciária de Imóveis – LAFI) pode ter trazido ao sistema das ações possessórias, comparando prece-dentes jurisprudenciais com o entendimento doutrinário e, por fim, expondo nossa conclusão.

O sistema das ações possessórias, notadamente as questões relacionadas às tutelas de urgência subjacentes – e aqui estamos a nos referir às liminares e à tutela antecipada possessórias –, sempre foi muito bem definido e estabilizado no nosso ordenamento jurídico.

Não vamos brigar por conceitos aqui, porque este não é nosso escopo. O que importa dizer é que a definição de possuidor se encontra no art. 1.196 do Código Civil, a saber, “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. É certo, também, que o possui-dor esbulhado tem direito de ser reintegrado na posse (arts. 1.210 do Código Civil e 927 do Código de Processo Civil – CPC), bastando observar os requisitos do art. 927 do CPC em seu pleito.

No sistema das ações possessórias, importa-nos particularmente o dis-posto no art. 924 do CPC, assim articulado: “Regem o procedimento de manu-tenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando inten-tado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório”.

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – EM POUCAS PALAVRAS ������������������������������������������������������������������������������������������ 235

Como se vê, toda vez que a ação possessória é ajuizada dentro do prazo de ano e dia contado da data do esbulho – o que se convencionou denominar de posse nova –, o procedimento a ser seguido é o especial (arts. 926 e seguintes do CPC); do contrário, se a posse for velha, isto é, aquela cujo esbulho deu-se há mais de ano e dia, segue-se o procedimento ordinário.

Qual a relevância, porém, de se ajuizar uma ação que tramitará pelo rito especial – ou seja, aquela cuja posse de quem esbulha é considerada nova – em relação a uma demanda ajuizada pelo rito ordinário?

Pode-se dizer confortavelmente que a resposta à indagação reside no art. 928 do CPC, que permite o pleito da liminar possessória nos casos em que o esbulho data de menos de ano e dia. É dizer, em outras palavras, que toda vez que a ação de reintegração de posse é movida pelo autor após o período de ano e dia da ocorrência do esbulho, ele não terá a possibilidade de pleitear a liminar de reintegração de posse.

É evidente, todavia, que a propositura da ação de reintegração de posse após o prazo de ano e dia não inibe o pedido de tutela antecipada para o autor reaver a posse. A antecipação da tutela, na verdade, é providência que não se exclui, a princípio, de qualquer ação ajuizada pelo rito comum, logo, a situação não poderia ser diferente nas ações de que ora tratamos. Ocorre, neste caso, que o autor deverá amoldar-se aos requisitos do art. 273 do CPC, que são muito mais rígidos do que os do art. 928 do mesmo diploma.

Postas tais ideias, que são básicas em matéria de tutelas de urgência nas ações possessórias, especialmente nas de reintegração de posse, compete-nos fazer o seu cotejo com o disposto no art. 30 da LAFI, assim exposto:

É assegurada ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminarmente, para desocu-pação em sessenta dias, desde que comprovada, na forma do disposto no art. 26, a consolidação da propriedade em seu nome.

Como se vê, uma vez inadimplido o contrato de alienação fiduciária de imóveis e consolidado o domínio em nome do fiduciário ou de quem tenha adquirido o bem pelo leilão, faculta-se a qualquer desses sujeitos o pleito de reintegração de posse do bem alienado fiduciariamente. O dispositivo ainda reza que a providência será concedida liminarmente, com prazo de desocupa-ção de sessenta dias.

A questão que surge, após o contato com o dispositivo em questão, é a seguinte: A concessão de liminar de reintegração de posse resultante de um contrato de alienação fiduciária de imóveis está sujeita ao previsto no art. 924 do CPC?

É de se ter em conta que o art. 30 da LAFI não é claro a respeito. Em uma primeira e rápida leitura, parece que ele só condiciona a concessão da liminar

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a um único requisito, qual seja, a consolidação da propriedade em nome do agente fiduciário, não se referindo em momento algum a qualquer pressuposto do sistema geral das possessórias, especialmente àquele que se refere ao tempo do esbulho.

Esta é a orientação que vem sendo seguida, ademais, no TJSP, como se pode ver em alguns precedentes de sua lavra, que dispensam a ocorrência do esbulho dentro do prazo de ano e dia, concedendo a liminar de reintegração em casos cujo suposto esbulho se deu há muito mais tempo1.

Com todo acatamento, não nos parece que a posição adotada supra seja a mais correta. Isto porque a especialidade do rito imposto pelo art. 30 da LAFI não tem o condão de afastar requisitos até então genéricos de toda e qualquer ação de reintegração de posse.

Neste particular, contamos com o apoio de balizada doutrina, como se vê adiante:

Em relação à data do esbulho, tal exigência só te relevância para configurar a posse velha (mais de ano e dia) ou nova (menos de ano e dia), verificando-se se o procedimento será sumário e possível a liminar de reintegração, ou ordinário sem possibilidade de liminar.2

É dizer, se a norma geral – que é o CPC – não for expressa e especifica-mente contrariada pela norma especial, que é a LAFI, não se pode dizer que na LAFI há um sistema novo e absolutamente desligado do sistema do CPC.

Nossa posição, todavia, atreve-se a ir mais longe. Para nós, a interpreta-ção que merece o art. 30 da LAFI – bastante ligada com uma visão sistemática das tutelas possessórias, que é o que importa de verdade – é a de que um novo requisito – o da consolidação do domínio – foi somado às possessórias sempre que estas forem resultante de contratos de alienação fiduciária de imóveis, e não que aqueles tradicionais pressupostos foram afastados para estes casos.

Logo, a concessão de liminar de reintegração de posse nos casos de con-tratos de alienação fiduciária de imóveis não prescinde do requisito temporal. Caso a ação tenha sido ajuizada após o prazo de ano e dia da data do esbulho, só restará ao autor pedir tutela antecipada (art. 273 do CPC), que é hipótese diversa da liminar.

Destarte, salvo melhor juízo, é incorreto o entendimento de que à con-cessão de liminar nas ações de reintegração de posse resultantes de contratos de alienação fiduciária de imóveis basta que tenha havido a consolidação da propriedade em nome do agente fiduciário. Ao contrário, além desse requisito, é preciso que se esteja diante da chamada posse nove daquele que praticou o esbulho, além dos demais pressupostos imanentes à propositura da ação pelo rito especial.

1 Cf., por exemplo: TJSP, AI 1087315-0/1, 31ª Câmara, Rel. Des. Antonio Rigolin, J. 19.12.2006, v.u.

2 MARTINEZ, Sergio Eduardo. Alienação fiduciária de imóveis. Porto Alegre: Norton, 2006. p. 84.

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Clipping Jurídico

É nula doação que inclui parcela de patrimônio destinada aos herdeiros neces-sários

A doação de bens feita em vida pelo pai aos filhos gerados no casamento, excluindo a filha fruto de outro relacionamento, é nula quanto à parte que obrigatoriamente deve ser destinada a ela por herança. Assim como os três meios-irmãos por parte de pai, a filha também é herdeira necessária de um quarto da metade dos bens do geni-tor. Com base nessa regra do direito civil brasileiro, o STJ determinou que 6,25% do valor bruto de dois imóveis, doados e posteriormente vendidos, sejam entregues à herdeira que não foi contemplada na doação. Um terceiro imóvel deve ser colocado em processo de inventário para partilha entre os herdeiros necessários, resguardada a metade doada pela viúva aos seus próprios filhos. O juízo de primeiro grau julgou o pedido procedente. Declarou a nulidade dos atos de transmissão da propriedade e de-terminou o retorno dos bens ao espólio do falecido, para futura partilha em inventário. A decisão foi mantida em segundo grau. Os irmãos recorreram ao STJ alegando que metade dos imóveis foi doada pela mãe deles, de forma que a irmã apenas por parte de pai não teria legitimidade para pedir em juízo a declaração de nulidade do negó-cio. Sustentaram que, em relação à metade doada pelo pai comum, a invalidade da doação deveria recair somente sobre a parte que excede o que o genitor pode dispor livremente, que corresponde à metade de seu patrimônio. Assim, a outra metade deve ser dividida entre os quatro herdeiros necessários, cabendo a cada um 6,25% de cada um dos imóveis doados. Para a Relatora do recurso, Ministra Nancy Andrighi, a autora tem legitimidade para propor a ação a fim de obter sua parte na herança. Seu objetivo é a declaração de nulidade da doação para posterior abertura de inventário dos bens deixados pelo pai falecido, com sua inclusão no rol de herdeiros necessários. “O fato de a recorrida ter realizado a cessão de direitos hereditários não lhe retira a qualidade de herdeira, que é personalíssima, e, portanto, não afasta sua legitimidade para figurar no polo ativo desta ação, porque apenas transferiu ao cessionário a titularidade de sua situação jurídica, de modo a permitir que ele exija a partilha dos bens que compõem a herança”, explicou a relatora. Os recorrentes também alegaram no recurso que houve julgamento fora do pedido feito na ação, pois foi declarada a nulidade da doação com base no art. 1.175 do Código Civil de 1916: “É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador” Nancy Andrighi afirmou que não se pode falar em julgamento fora do pedido (extra petita), porque nulidades absolutas podem ser conhecidas de ofício pelo julgador. Por outro lado, ela destacou que a caracterização da doação universal de que trata o referido artigo exige a demonstração de que o doador não tinha condições de garantir a própria sub-sistência, o que não ocorreu no caso. Portanto, a situação nesse processo, segundo a relatora, não é de julgamento extra petita nem de doação universal, pois não se pode presumir que a após a doação o pai tenha assumido estado de miserabilidade. A juris-prudência do STJ estabelece que a doação a descendente que exceder a parte da qual o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento é qualificada como inoficiosa – portanto, nula. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Matrícula de imóvel terá registro de pendência judicial

As matrículas dos imóveis comercializados pela construtora de um empreendimento imobiliário localizado em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, conterão a infor-

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mação de que eles são objeto de uma ação civil pública. A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, tomada por unanimidade na sessão de julgamento do dia 18 de março. No 1º grau, o juízo local havia declarado a ilegitimi-dade ativa do Ministério Público Federal e indeferiu a petição inicial, extinguindo o processo sem julgamento de mérito. Dessa decisão houve apelação cível ao Tribunal. Conforme o Relator do recurso, Desembargador Luiz Alberto D’Azevedo Aurvalle, a paralisação imediata da obra requerida pelo MPF não deve ser decidida pelo TRF4. “No que tange à imediata paralisação da obra, pedida em antecipação dos efeitos da tutela recursal, tenho que deverá ser reiterada perante o juízo de primeiro grau, a fim de se evitar supressão de instância e, ainda, por poder este, se entender necessário, valer-se da instrução processual, e, em especial, de prova pericial, para melhor aquilatar sua conveniência, tendo em vista o adiantado estado da construção e a duvidosa possibilidade de restauração, na eventualidade de ser a ação julgada pro-cedente”, ponderou o desembargador. Caso a ação que tramita na 2ª Vara Federal de Itajaí seja julgada totalmente procedente, obrigará a empresa a recuperar a área em litígio e a pagar indenização pelo aterramento em local proibido. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

Procuradorias recuperam posse de imóvel abandonado em projeto de assenta-mento em GO

A Advocacia-Geral da União (AGU) comprovou, na justiça, que é legal o processo de desocupação realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contra beneficiária da política pública que abandonou imóvel do Projeto de Assentamento Presidente Lula em Cristalina/GO. Ao contestarem o pedido da bene-ficiária para garantir sua posse no imóvel, os procuradores federais destacaram que, após denúncia de representantes do assentamento, a supervisão ocupacional do Incra constatou que a autora nunca teve moradia no local, tendo deixado o projeto depois que recebeu o Crédito de Apoio Inicial. Segundo as unidades da AGU que atuaram no caso, a beneficiária foi notificada para desocupar o imóvel, pois deixou o seu genitor ocupando o local, sem que ele tivesse autorização para participar do Programa de Reforma Agrária. Reforçaram, ainda, que ela não estava morando ou explorando pes-soalmente o imóvel, fatos que implicam o descumprimento das cláusulas do contrato de assentamento. Como não foram apresentadas justificativas para a irregularidade apurada, os procuradores explicaram que a autora não teria direito às garantias pos-sessórias, pois é vedada a ocupação de área do projeto de assentamento após a perda da parcela pelos antigos beneficiários. Dessa forma, destacaram que a notificação para desocupação é um exercício regular do direito e dever do Incra enquanto gestor e executor do Programa de Reforma Agrária no País, tendo respaldo para retomar a posse de área rural ocupada ilicitamente. A 6ª Vara do Distrito Federal acolheu os argumentos da AGU e julgou improcedente o pedido da autora. “A autora deu causa ao cancelamento do contrato ao não morar e explorar o imóvel direta e pessoalmente, como avençado. A decisão da autoridade administrativa deve prevalecer, pois se trata de ato dotado da presunção de legalidade e veracidade, que não foi elidida a conten-to”, diz um trecho da decisão. Atuaram a Procuradoria-Regional Federal da 1ª Região e a Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra, unidades da Procuradoria-Geral Federal, órgão da AGU. (Conteúdo extraído do site da Advocacia-Geral da União)

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Desapropriação indireta de imóvel enseja indenização de R$ 1 milhão a casal

Consta nos autos que, em 1990, o balneário projetado no terreno pelos antigos proprie-tários passou a ocupar área considerada de preservação permanente. A 2ª Câmara de Direito Público, em decisão unânime, concedeu a um casal o direito de ser ressarcido em aproximadamente R$ 1 milhão, por desapropriação indireta de um terreno her-dado, localizado em Município do norte do Estado. Consta nos autos que, em 1990, com a aprovação de Lei Orgânica Municipal, o balneário projetado no terreno pelos antigos proprietários – autorizado anteriormente tanto pelo Município quanto pela União – passou a ocupar área considerada de preservação permanente. No entanto, apesar de não poder mais utilizar economicamente o empreendimento, os herdeiros continuaram a pagar IPTU. De acordo com o Desembargador Substituto Francisco Oliveira Neto, Relator do recurso, embora os atuais proprietários não tenham perdido a posse do terreno, as limitações impostas pela nova lei inviabilizaram totalmente a utilização econômica do espaço. O magistrado também ressaltou que os valores referentes ao IPTU devem ser apurados em liquidação de sentença, para restituição. Como observou o relator, “[...] inarredável o direito ao ressarcimento pela atípica desapropriação indireta, consumada com a promulgação da Lei Orgânica Munici-pal, sob pena de afronta ao direito de propriedade constitucionalmente assegurado, dado o evidente declínio da expressão econômica da propriedade”. O valor definido pela câmara a título de indenização teve por base laudo pericial (Apelação Cível nº 2012.009022-6). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Santa Cata-rina)

Família ganha direito de propriedade de imóvel por usucapião

O TJDFT manteve a sentença de 1ª instância que julgou procedente a ação de usu-capião de imóvel em favor de mãe e duas filhas. A família residia no local há mais de 20 anos quando uma empresa reivindicou a propriedade para pagamento parcial de dívida de ex-marido. Relatou a ex-mulher que reside no imóvel desde 5 de julho de 1991, quando recebeu as chaves da mão do ex-marido, passando a exercer a posse plena com animus domini de forma pacífica, arcando com todos os ônus e bônus da propriedade. Contou que manteve com Carlos Alberto uma relação amorosa que se iniciou no ano de 1971 e terminou no ano de 1982, sendo frutos desta relação conjugal duas filhas. Disse que no ano de 1991, já transcorrido quase dez anos do rompimento do relacionamento, o ex comprou o imóvel objeto da inicial do qual nunca tomou posse e o entregou à autora para que ali morasse. Já tendo transcorrido o prazo de 22 anos em que exerce a posse do imóvel, a Empresa Springer Carrier Ltda. afirmou que é proprietária do bem imóvel que foi adquirido por meio da escritura de dação em pagamento de Carlos Alberto, em pagamento parcial de dívida. Segundo a empresa, no dia 24.03.2004, o alienante firmou declaração reconhecendo a transmis-são da propriedade do imóvel e assumindo a obrigação de que esse seria desocupado no prazo de 30 dias, sendo que a ex-mulher, vencido o prazo, se recusou a deixar o imóvel. De acordo com o voto do relator designado, “o Sr. Carlos Alberto reconhece que, antes de efetuar a dação, não avisou a autora que assim procederia e que o de-poente assinou a declaração sem falar com a autora. Ou seja, demonstra que, quando praticava atos típicos de proprietário, fazia-o sem o conhecimento da apelada, de modo que esta não era abalada em sua convicção de que exercia os direitos inerentes à propriedade e não tinha sua posse desqualificada. Valia-se do registro existente

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em seu nome (o qual, repita-se, contrariava sua intenção de não ser proprietário do imóvel) para realizar negócios na seara empresarial, sem molestar a posse qualificada da apelada. Por todos estes argumentos, entendo presentes os requisitos que autori-zam o reconhecimento da usucapião extraordinária, mantendo a sentença neste pon-to”. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios)

Exigida perícia de engenheiro civil para desapropriação de imóvel por utilidade pública

O TRF da 1ª Região confirmou a necessidade de realização de uma segunda perícia por engenheiro civil para a desapropriação de imóvel pela Companhia Energética Es-treito. A decisão foi unânime na 4ª Turma do Tribunal, que julgou recurso interposto pela companhia contra decisão que determinou a realização da nova perícia. A ação de desapropriação por utilidade pública foi iniciada pela requerente na Vara Única da Subseção Judiciária de Araguaína/TO, para desapropriação de propriedade particular localizada no Município de Babaçulândia/TO. No levantamento físico, a companhia constatou tratar-se de imóvel rural, o que levou o juiz a determinar a realização da perícia por um engenheiro agrônomo. Apesar disso, o juízo de primeiro grau verificou que, de acordo com a certidão de registro do imóvel, o terreno em questão é imóvel urbano situado no distrito industrial de Babaçulândia, embora seja denominado como Chácara São Raimundo. Sendo assim, o juiz decidiu que tal avaliação deve ser feita, preferencialmente, por engenheiro civil e determinou que a companhia apresentasse, em 15 dias, a nova avaliação. A desapropriante, porém, não concorda com a decisão e sustenta que o TRF1, ao julgar o primeiro agravo de instrumento interposto, enten-deu que nada impedia que a prova fosse realizada por engenheiro agrônomo, mas que ele deveria responder se o imóvel é urbano ou se é rural de acordo com a sua des-tinação, considerando, ainda, que, em princípio, o que determina a classificação do imóvel é a sua destinação. Para o relator, o Juízo da Subseção Judiciária de Araguaína somente cumpriu a decisão do TRF1 ao determinar a realização de outra perícia por engenheiro civil. “Vejo que, por coerência, não há possibilidade de reforma da de-cisão agravada. Mostra-se necessário afastar-se qualquer dúvida sobre a destinação do imóvel, e, no caso, o engenheiro civil terá a qualificação técnica precisa para aferir a natureza do imóvel objeto da desapropriação originária. Esse imóvel, por localizar- -se em outro centro urbano e explorar atividade tipicamente industrial, deixa funda-das dúvidas sobre a sua caracterização como rural”, afirmou o magistrado. Processo nº 0024054-11.2013.4.01.0000. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Justiça determina reintegração de posse de terras quilombolas

A pedido do Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN), a 9ª Vara da Justiça Federal em Caicó determinou a imediata reintegração de posse da área denominada Cabeço de Macambira, localizada na Comunidade Quilombola Macam-bira, no Município de Lagoa Nova. Os quilombolas de Macambira foram retirados da terra em 2013, por determinação da Justiça Estadual, razão pela qual o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ajuizou a reintegração de posse. Desde 2013, o Ministério Público Federal em Caicó vem acompanhando a questão e chegou a apresentar alegações finais no processo destacando a importância da reintegração de posse das terras. “A terra foi reconhecida como remanescente de

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quilombo, em 2005, pela Fundação Palmares. Um processo administrativo tramita no Incra desde 2006 e, em 2010, também apontou para o reconhecimento do direito da comunidade à área. Enquanto se discute a reintegração, as famílias vivem em situação precária, sem qualquer forma de obter sua subsistência”, destacou a Procuradora da República Clarisier Azevedo. De acordo com o Relatório Técnico de Identificação e delimitação do Incra, as terras situadas nos Municípios de Lagoa Nova, Santana do Matos e Bodó seriam ocupadas, desde meados do século XIX, por remanescentes de quilombos da Comunidade Quilombola de Macambira, cuja formação sócio-histórica remonta à figura do ex-escravo Lázaro Pereira de Araújo, o qual teria feito a primeira compra de terras na região. A área passível de titulação compreende 2.589,1685 hec-tares. A ação de reintegração de posse diz respeito apenas à área denominada Cabeço de Macambira. Em novembro do ano passado, o Ministério Público Federal em Caicó ingressou com uma ação para que o Incra concluísse, em três meses, o processo de regularização das terras, parado desde 2010. Entretanto, a ação ainda não foi jul-gada pela Justiça Federal. O direito de propriedade dos remanescentes de quilombos sobre suas terras é constitucional, coletivo, inalienável, indisponível, imprescritível e impenhorável, semelhante ao que ocorre com as terras indígenas. Esse direito foi estabelecido com a promulgação da Constituição da República, em 5 de outubro de 1988, porém, passados mais de 25 anos, ainda não se efetivou. Em duas décadas e meia, apenas 139 títulos foram concedidos, dos quais somente 31 foram expedidos pelo Incra. Por outro lado, existem hoje 1.286 processos abertos na autarquia federal, ou seja, o instituto concluiu apenas 2,41% da regularização quilombola. “Se não bastasse essa atuação do Estado brasileiro, que já vinha extremamente lenta, con-seguiu ainda sofrer uma desaceleração. De 2010 a 2013, o número de publicações de RTIDs e de Portarias de Reconhecimento vem caindo vertiginosamente. Em 2010, foram publicados 27 RTIDs e 10 portarias, enquanto em 2013, 1 RTID e 3 portarias”, revela a ação do MPF/RN. Outro ponto a lamentar é a falta de recursos, embora isso não justifique os atrasos: “[...] o argumento de que não é a falta de recursos a responsável pela paralisação da regularização quilombola se evidencia pelo singelo fato das dotações originalmente previstas nunca serem executadas na sua plenitude, sobrando, todo ano, recursos. Assim, […] há que se atribuir à omissão do Incra e União a causa para a paralisação da regularização quilombola”. (Conteúdo extraído do Ministério Público do Rio Grande do Norte)

Procurador-geral da República questiona decreto sobre compensação am-biental

O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Reclamação (RCL) nº 17364, com pedido de liminar, para impugnar o art. 2º do Decreto nº 6.848/2009, da Presidência da República, que regulamenta a compensação ambiental prevista na Lei nº 9.985/2000. De acordo com o procurador-geral, o dispositivo ofende a decisão do STF no julgamento da Ação Direta de In-constitucionalidade (ADIn) nº 3378. A lei instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, com a finalidade de estabelecer normas e critérios para criação, implantação e gestão das unidades de conservação no território brasileiro, sempre em observância aos conceitos de desenvolvimento sustentável e conservação biológica. O procurador-geral destaca que, no julgamento da ADIn 3378, o Supremo declarou a inconstitucionalidade da expressão “não pode ser inferior a meio por cento

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dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento”, constante do § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000, sob o argumento de que a definição do montante de recursos para a compensação deveria ter por base o grau de impacto ambiental. De acordo com a reclamação, após esse julgamento, em que ficou decidida a impossibi-lidade de a lei fixar valor mínimo da compensação ambiental por empreendimento de significativo impacto ambiental, o Executivo Federal editou o Decreto nº 6.848/2009, que alterou e acrescentou dispositivos ao Decreto nº 4.340/2002, com a finalidade de regulamentar a compensação ambiental prevista no art. 36 da Lei nº 9.985/2000. Segundo o procurador-geral, a União estabeleceu, no decreto, uma fórmula abstrata para o cálculo da compensação ambiental contida no art. 36 da lei, prevendo, no entanto, percentual máximo de impacto ambiental a ser considerado. “Essa norma viola o entendimento do Supremo Tribunal Federal sufragado naquela ADIn 3378, segundo o qual o valor da compensação ambiental deve ser fixado unicamente de acordo com a compostura do impacto ambiental, tendo por base o que foi dimensio-nado no EIA/RIMA”, argumenta, referindo-se ao Estudo de Impacto Ambiental e ao Relatório de Impacto Ambiental. Rodrigo Janot salienta ainda que a restrição do grau de impacto de empreendimentos de significativo impacto ambiental aos valores de 0% a 0,5%, prevista no decreto do Executivo Federal, “contraria todo o tratamento cauteloso que a Constituição Federal confere ao meio ambiente, sobretudo ao princí-pio da prevenção e do usuário-pagador, pois simplesmente desconsidera a hipótese de o impacto ambiental ter dimensão tal que sua compensação exija investimento superior ao limite de 0,5% aprioristicamente fixado”. “Não se pode, sem parâmetros objetivos, fixar limites, sejam eles máximos ou mínimos, que não considerem, con-cretamente, o dano ambiental que determinada atividade pode acarretar, competindo ao licenciamento ambiental aferir, em cada situação, qual o valor a ser compensado”, aponta o procurador-geral. Janot requer liminar para suspender os efeitos do art. 2º do Decreto nº 6.848/2009. No mérito, pede que seja reconhecida a contrariedade do dispositivo com os termos do julgamento da ADIn 3378. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Construtoras devem se abster de reajustar prestação de imóvel

A Juíza da 11ª Vara Cível de Natal/RN, Karyne Chagas de Mendonça Brandão, de-terminou que quatro empresas do ramo imobiliário se abstenham de reajustar, pelo IGPM, o valor das prestações de um imóvel adquirido por um consumidor, “conge-lando” o saldo devedor, a partir de 30 de novembro de 2011 até a entrega efetiva do bem. Ela também estipulou que essas firmas paguem aluguel de um imóvel similar ao que contratado até o 15º dia de cada mês. O consumidor alegou que celebrou contrato de promessa de compra e venda de imóvel, de trato sucessivo, que tem por objeto prometido a aquisição um apartamento. Informou ainda que o empreendi-mento, como previsto no contrato (cláusula 4), teve o prazo para entrega estipulado originalmente para 30 de novembro de 2011 e que, embora o contrato estabeleça prorrogação automática do prazo de entrega do imóvel por até 180 dias em caso de ocorrência de “caso fortuito” ou “força maior” (cláusula sétima, § 1º), tal prazo já se encontra esgotado, pois a obra não progrediu como previsto, ficando sacrificado o cronograma. De acordo com a juíza, está presente no caso a verossimilhança da alegação na possibilidade de ocorrência de dano ao consumidor com o aumento do valor da dívida sem a contrapartida da entrega do imóvel. A magistrada concluiu que

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o atraso se concretizou em decorrência da insuficiência do emprego destes recursos durante a fase de empreitada. Processo nº 0137597-59.2012.8.20.0001. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte)

Tribunal discute incidência de IRPF sobre lucro patrimonial na venda de imóveis

O TRF da 1ª Região confirmou sentença que concedeu segurança para declarar isen-ção de Imposto de Renda sobre o lucro patrimonial referente a valores recebidos pelo impetrante na venda de imóvel de sua propriedade e utilizados no pagamento de outro, na mesma cidade. A magistrada de primeiro grau considerou que a Instrução Normativa (IN) nº 599/2005 – ao impedir a aplicação de isenção quando o produto da venda de imóvel residencial é utilizado para quitar total ou parcialmente débito relativo à aquisição de imóvel residencial a prazo já pertencente ao alienante – ex-trapola regra da Lei nº 11.196/2005, que concede isenção do Imposto de Renda sobre ganho auferido por pessoa física na venda de imóvel residencial quando o produto da venda for aplicado na aquisição de outro imóvel residencial. A juíza acentuou que, nos casos de compra de imóvel na planta, a titularidade do bem só se dá com a aver-bação da construção no registro imobiliário. A União apelou da sentença ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, alegando que “[...] o destinatário da isenção prevista no art. 39 da Lei nº 11.196/2005 é a pessoa física que vende seu imóvel residencial com o objetivo de adquirir um novo”. Além disso, que, para obter o benefício, a lei exige que o segundo imóvel seja comprado até 180 dias após a venda do primeiro. Em seu voto, a desembargadora consignou que o imóvel residencial do impetrante foi vendido em 16.09.2011, para pagamento das chaves de imóvel com previsão de entrega em 30.09.2011. No entanto, a obra somente foi concluída em novembro de 2011, quando, então, o comprador seria obrigado ao pagamento das chaves. De acordo com a relatora, o art. 2º, § 11, da Instrução Normativa SRF nº 599/2005 da Receita Federal extrapola as exigências legais (art. 39 da Lei nº 11.196/2005), pois “[...] acrescenta obstáculos não previstos em lei, ferindo o princípio da legalidade”. Argumenta a magistrada que “[...] o impetrante não adquiriu outro imóvel residencial antes da venda do seu imóvel, apenas assumiu o direito real à sua aquisição até o término da obra, uma vez que, na aquisição de imóvel na planta, ele não é titular ou possuidor do bem até a averbação da construção no registro imobiliário, porque o bem ainda não foi individualizado, e lhe cabe apenas fração ideal do terreno”. Processo nº 0061107-79.2011.4.01.3400. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Re-gional Federal da 1ª Região)

Fechamento da Edição: 07�04�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• ResponsabilidadeCivilExtracontratualdoCondomínioEdilício–AResponsabilidade por Furto ou Roubo e por Danos Causados a Ter-ceiros

Denis Donoso Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

• CondomínioEdilício–ReduçãodaMultade20%para2% Fernando Henrique Guedes Zimmermann Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

• OCondomínioEdilícionoCódigoCivilde2002 Carlos Alberto Bittar Filho Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

Loteamento

• Loteamento e Desmembramento Urbanos (Afonso Celso F. de Rezende) ...........................................34

•Loteamento, Loteamento Fechado e Loteamento Irregular (Luiz Antonio Scavone Junior)..................9

Autor

afonso CeLso f. De rezenDe

•Loteamento e Desmembramento Urbanos ...........34

Luiz antonio sCavone Junior

•Loteamento, Loteamento Fechado e Loteamento Irregular .................................................................9

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Assunto

Loteamento

•Anotações sobre os Loteamentos Irregulares (Antonio Carlos Alencar Carvalho).......................37

Autor

antonio CarLos aLenCar CarvaLho

•Anotações sobre os Loteamentos Irregulares ........37

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

Loteamento

•Direito civil e processual civil – Loteamento fe-chado – Contribuições para melhoramentos e manutenção – Associação de moradores – Im-posição a quem não é associado – Obrigação as-sumida contratualmente – Reexame de matériafático-probatória (STJ) ................................1428, 49

EMENTÁRIO

Assunto

Loteamento

•Loteamento – ação de cobrança – associação de moradores ou administradora – taxas de manutenção ou de qualquer outra espécie – in-viabilidade de cobrança ............................1429, 54

•Loteamento – competência – conflito – parce-lamento irregular do solo urbano – terras daUnião – esbulho – Justiça Federal ..............1430, 56

•Loteamento – compra e venda – inadimple-mento de prestações – ação buscando rescisãocontratual e reintegração da posse .............1431, 56

•Loteamento – construção em lote situado em área de reserva ambiental – projeto arquitetô-nico e hidrossanitário aprovados pelo Muni-cípio ..........................................................1432, 56

•Loteamento – desapropriação – utilidade pú-blica – implantação – estação – tratamento deesgoto – indenização ................................1433, 57

•Loteamento e desmembramento – desapropria-ção – justa indenização .............................1434, 58

•Loteamento fechado – associação – contribui-ções – exigibilidade ...................................1435, 58

•Loteamento fechado – cobrança – taxa de ma-nutenção .....................................................436, 58

•Loteamento irregular – ação civil pública – res-ponsabilidade do loteador e subsidiária da mu-nicipalidade ...............................................1437, 58

•Loteamento irregular – ação de reintegração de posse c/c demolitória – construção imóvel ..................................................................1438, 59

•Loteamento irregular – área de preservação per-manente – zona urbana .............................1439, 59

•Loteamento irregular – competência – inquérito policial – terras da União ..........................1440, 59

•Loteamento irregular – promessa de venda de terrenos – crime contra a Administração Pú-blica – parcelamento de solo urbano – qualifi-cadora – estelionato – absorção .................1441, 60

•Loteamento – plano diretor – irregularidade –ação cautelar .............................................1442, 60

•Loteamento urbano – ação de cobrança – com-promisso de compra e venda – sentença .... 1443, 60

•Registro de imóveis – dúvida – loteamento – venda a várias pessoas – DL 58/1937 – registroespecial .....................................................1444, 61

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

hiPoteCa

•Hipoteca Judiciária sobre Bens Não Elenca-dos no Artigo 1.473 do Código Civil – A Efe-tividade da Jurisdição Como Horizonte Her-menêutico (Aline Veiga Borges e Ben-Hur Silveira Claus) ....................................................122

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246 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

inCorPoração

•A Proteção dos Acionistas e Credores na Incor-poração (Tércio Túlio Nunes Marcato).................92

merCaDo imobiLiário

•A Relação entre Corretores de Imóveis, Imo-biliárias e o Mercado Imobiliário (Alexandre Barbosa Maciel) .................................................115

resPonsabiLiDaDe CiviL

•A Responsabilidade Civil do Incorporador e do Construtor sob o Ponto de Vista Consume-rista (Barbara Heliodora de Avellar Peralta) .........62

Autor

aLexanDre barbosa maCieL

•A Relação entre Corretores de Imóveis, Imobi-liárias e o Mercado Imobiliário ..........................115

aLine veiga borges e ben-hur siLveira CLaus

•Hipoteca Judiciária sobre Bens Não Elencados no Artigo 1.473 do Código Civil – A Efetivi-dade da Jurisdição Como Horizonte Herme-nêutico ..............................................................122

barbara heLioDora De aveLLar PeraLta

•A Responsabilidade Civil do Incorporador e do Construtor sob o Ponto de Vista Consumerista ............................................................................62

térCio túLio nunes marCato

•A Proteção dos Acionistas e Credores na Incor-poração ...............................................................92

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

Posse

•Liminar Possessória nos Contratos de Aliena-ção Fiduciária de Imóveis (Denis Donoso) .........234

Autor

Denis Donoso

•Liminar Possessória nos Contratos de Aliena-ção Fiduciária de Imóveis ..................................234

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

ConDomínio

•Direito civil – Cotas condominiais – Obrigação propter rem – Responsabilidade do proprietá-rio – Ressarcimento – Cabimento – Correçãomonetária (TRF 2ª R.) ...............................1447, 148

DesPeJo

•Despejo por falta de pagamento c/c cobrança de aluguéis e outros encargos – Locação re-sidencial (TJRJ) .........................................1451, 184

Direito De vizinhança

•Direito de vizinhança. Reparação de danos materiais e morais. Explosão na pedreira vi-zinha que teria causado trincas e rachaduras no imóvel da autora. Relação de causalidade excluída pela prova pericial. Imóvel da autora que passa por reformas de ampliação da casa, que inviabilizou a verificação dos danos recla-mados na inicial (TJSP) ............................1454, 204

Doação

•Civil – Recurso especial – Ação declaratória – Nulidade de doação – Imóvel – Vício de con-sentimento – Prazo decadencial – Termo inicial – Data da celebração do negócio – Artigos ana-lisados: art. 178, II, do Código Civil (STJ) .. 1446, 142

finanCiamento

•Apelação cível – Revisão contratual – Preli-minar – Preclusão lógica – Rejeição – Código de Defesa do Consumidor – Previdência pri-vada – Cláusula – Prorrogação do financia-mento – Benefício para o contratante – Majo- ração da taxa de juros – Desligamento do segu-rado (TJMG) .............................................1449, 166

LauDêmio

•Agravo regimental nos embargos de divergência – Processual civil – Enfiteuse de bem particu-lar – Base de cálculo do laudêmio na vigênciado Código Civil de 2002 (STJ) ..................1445, 133

LoCação

•Apelação cível – Ação indenizatória – Con-trato de locação – Despesas para o restabele-cimento do imóvel diante das modificações realizadas pelos locatários – Sentença que reco-nheceu a ilegitimidade passiva dos réus – Insur-gência do autor (TJSC) .............................1453, 200

Posse

•Civil e processual civil – Ação de reintegração de posse – Cerceamento do direito de produ-ção de provas – Preliminar rejeitada – Alega- ção de propriedade decorrente da qualidade de beneficiário de programa habitacional – Descabimento – Exercício da posse – Inocor-rência – Improcedência do pedido – Sentençamantida (TJDFT) .......................................1448, 158

soLo

•Apelação cível – Ação civil pública – Alteração de zoneamento – Parcelamento e ocupação do solo urbano – Alteração que não ofende aos princípios da Administração Pública – Aprova-ção pelo Conselho Municipal de Planejamento

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RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������247 Urbano – Ausência de ofensa aos princípios da Administração Pública (TJPR) ...................1450, 179

usuCaPião

•Apelação cível – Ações de usucapião extraor-dinária e de reintegração de posse – Aplicável ao caso o prazo do art. 550 do Código Civil de 1916 (atual art. 1.238 do CC/2002), paraaquisição do domínio (TJRS) ....................1452, 188

EMENTÁRIO

ação De nunCiação De obra nova

•Ação de nunciação de obra nova – alegação de nulidade processual – ausência de prejuízo ................................................................1455, 210

•Ação de nunciação de obra nova – cercea-mento de defesa – julgamento antecipado dalide ..........................................................1456, 210

ComoDato

•Comodato e compra e venda – declaração de rescisão e condenação ao pagamento das mul-tas – redução proporcional ......................1457, 210

ComPromisso De ComPra e venDa

•Compromisso de compra e venda de imóvel – ação declaratória de existência – ausência de indicação de dispositivo tido por violado ................................................................1458, 210

ConDomínio

•Condomínio – cotas – ação de cobrança .. 1459, 211

•Condomínio – violação dos arts. 51 do Código de Defesa do Consumidor e 1.220 do CódigoCivil – prequestionamento – ausência......1460, 212

ConfLito negativo De ComPetênCia

•Conflito negativo de competência – incidente de suscitação de dúvida – registro de escriturade compra e venda ..................................1461, 212

ConfLito Positivo De ComPetênCia

•Conflito positivo de competência – juízo de di-reito e juízo do trabalho – falência – alienaçãode imóvel ................................................1462, 212

Contrato

•Contrato bancário – ação revisional – cédulas de crédito rural – prescrição ....................1463, 213

Corretagem

•Corretagem – comissão – ação de cobrança –art. 535 do CPC – ausência de omissão ...1464, 213

•Corretagem de imóvel – alteração do percen-tual fixado ...............................................1465, 213

•Corretagem de imóveis – dano moral – res-ponsabilidade do fornecedor e distribuição dos ônus da prova ...................................1466, 214

DesaProPriação

•Desapropriação – ação de indenização –loca-ção – fundo de comércio – imissão provisória ................................................................1467, 214

•Desapropriação – interesse social – reforma agrária – oferta inicial – inferior – indenização – arbitramento ............................................1468, 214

•Desapropriação – reforma agrária – justa indeni-zação .......................................................1469, 214

•Desapropriação por interesse público – valor inde-nizatório – contemporaneidade ...............1470, 215

DesPeJo

•Despejo – art. 36 da Lei nº 6.649/1979 – ausên-cia de prequestionamento – Súmula nº 282/STF – purgação da mora .................................1471, 215

•Despejo – consignação em pagamento – deci-são declinatória de competência .............1472, 215

•Despejo – desocupação de imóvel – determi-nação – terceiros prejudicados – direito contro-verso ........................................................1473, 215

•Despejo – pedido de assistência judiciária gra-tuita – ausência de preparo ......................1474, 215

DúviDa registraL

•Dúvida registral – contradição não verificada – rediscussão da matéria julgada e enfrentada no acórdão – impossibilidade .......................1475, 216

hiPoteCa

•Hipoteca constituída pela construtora em fa-vor do agente financeiro – penhora dos imó-veis adquiridos por terceiros – litigância demá-fé .......................................................1476, 216

•Hipoteca judicial de gleba de terras – pos-terior procedência de ação de usucapião de parte das terras hipotecadas – participação do credor .................................................1477, 216

•Hipoteca judiciária – efeito anexo ou secun-dário da sentença – ausência de contraditório prévio ......................................................1478, 216

inCorPoração imobiLiária

• Incorporação imobiliária – compra e venda de unidade residencial – comissão de correta-gem – despesa paga pelo comprador – estipu-lação contratual válida ............................1479, 216

LoCação

•Locação – ação de consignação em pagamento – arrematação judicial de imóvel – recebimento de aluguéis – termo inicial ......................1480, 217

•Locação de bem imóvel – ação de execução de título extrajudicial – embargos à execução ................................................................1481, 218

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248 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 20 – Mar-Abr/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Posse

•Posse – ação de reintegração – assistência judi-ciária gratuita – ausência de preparo .......1482, 220

•Posse – ação de reintegração – embargos de ter-ceiro – decisão monocrática ....................1483, 220

•Posse – ação de reintegração – pedido de usu-capião formulado na contestação – impossibili-dade ........................................................1484, 220

•Posse – ação de reintegração cumulada com compensação por danos morais e reparação por danos materiais – embargos de declaração ................................................................1485, 221

•Posse – contrato de dação em pagamento – efi-cácia suspensa – utilização como justo título para fins de proteção possessória – impossibi-lidade ......................................................1486, 221

•Posse – reintegração – assentamento urbano ir-regular – matéria .....................................1487, 221

•Posse – reintegração – indenização por danos materiais – prova emprestada – possibilidade ................................................................1488, 222

Promessa De ComPra e venDa

•Promessa de compra e venda – imóvel em cons-trução – entrega – atraso – inadimplemento cul-poso da construtora – caracterização ........ 1489, 222

•Promessa de compra e venda – incorporação imobiliária – defesa do consumidor indeniza-ção por danos morais ..............................1490, 225

•Promessa de compra e venda de imóvel – ação anulatória de ato jurídico – cumulação comrescisão ...................................................1491, 225

registro PúbLiCo

•Registro público – ação de retificação – alega-ção de invasão de faixa de terra ...............1492, 226

sfh

•SFH – saldo residual – ausência de cobertu-ra pelo FCVS – responsabilidade do mutuário ................................................................1493, 228

•SFH – vício de construção – financiamento pela Caixa – ilegitimidade passiva ad causam ................................................................1494, 229

soLo

•Solo urbano – parcelamento – indenização por danos morais e materiais – ocupação irregular de área pública – promoção de políticas pú-blicas em prol do interesse público ..........1495, 229

usuCaPião

•Usucapião – ação reivindicatória – conexão ................................................................1496, 230

•Usucapião – posse – animus domini não confi-gurado .....................................................1497, 230

•Usucapião – requisitos – ausência de compro-vação do lapso temporal – reexame de prova ................................................................1498, 231

•Usucapião extraordinário – inexistência de re-gistro – enfiteuse não constituída – possibilidade ................................................................1499, 233

CLIPPING JURÍDICO

•É nula doação que inclui parcela de patrimônio destinada aos herdeiros necessários ...................237

•Matrícula de imóvel terá registro de pendênciajudicial ..............................................................237

•Procuradorias recuperam posse de imóvel aban-donado em projeto de assentamento em GO ..........................................................................238

•Desapropriação indireta de imóvel enseja inde-nização de R$ 1 milhão a casal .........................239

•Família ganha direito de propriedade de imóvel por usucapião ....................................................239

•Exigida perícia de engenheiro civil para desa-propriação de imóvel por utilidade pública .......240

• Justiça determina reintegração de posse de terras quilombolas .......................................................240

•Procurador-Geral da República questiona decre-to sobre compensação ambiental .........................241

•Construtoras devem se abster de reajustar pres-tação de imóvel .................................................242

•Tribunal discute incidência de IRPF sobre lucro patrimonial na venda de imóveis .......................243