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Revista Acadêmica Faculdade Progresso V.7, N.2 2021 2

DIREITO PENAL DO INIMIGO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA SOCIEDADE

Ronaldo Dias da Silva1

Profa. Sylvia Helena Ono2

RESUMO: o presente trabalho aborda o tema “direito penal do inimigo”, uma teoria desenvolvida

por Günther Jakobs que mira na força da lei com o endurecimento do sistema penal contra os

chamados inimigos do Estado, aplicando-lhes penas mais rígidas e utilizando meios de repressão

com flagrante mitigação dos direitos e garantias fundamentais em busca de uma solução para a

ineficiência estatal no combate e repressão aos crimes e da manutenção da paz e da ordem social.

Apresentaremos exemplos do emprego da teoria do “direito penal do inimigo” e suas

consequências, demonstrando a incompatibilidade da sua aplicação com o moderno ordenamento

jurídico brasileiro, e, ainda trazendo um exemplo da tentativa de sua aplicação no Brasil.

Palavras-chave: direito penal; inimigo; repressão; garantias fundamentais

ABSTRACT: The present work approaches the theme “criminal law of the enemy”, a theory

developed by Günther Jakobs that aims at the force of law with the tightening of penal norms

against the so-called enemies of the State, applying more rigid penalties to them and using means of

repression with flagrant mitigation of fundamental rights and guarantees in search of a solution to

the state's inefficiency in combating and repressing crimes and maintaining peace and social order.

We will present examples of the use of the theory of “enemy's criminal law” and its consequences,

demonstrating the incompatibility of its application with the modern Brazilian legal system, and

also bringing an example of the attempt to apply it in Brazil.

Keywords: criminal law; enemy; repression; fundamental guarantees

1 Trabalho de conclusão de curso do acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Progresso2 Orientadora; Mestre em Direito, Professora do Curso de Direito da Faculdade Progresso

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1. INTRODUÇÃO

Este estudo tem por objetivo listar as características e os diferentes aspectos da teoria do

direito penal do inimigo, compreendendo o seu surgimento, seu emprego na prática e sua

compatibilidade com o Estado Democrático de Direito.

Também apresentaremos exemplos de como o Direito Penal do Inimigo foi aplicado em

duas potências mundiais, bem como abordaremos a forma como a teoria é operada no âmbito do

Direito Penal Brasileiro, à luz da Lei 8.072/90 – conhecida como Lei de Crimes Hediondos – e da

Constituição da República Federativa do Brasil.

O instituto – direito penal do inimigo – é decorrente do direito penal, ramo do direito

público adorado por uns e odiado por tantos outros, no entanto, se consolidou como questão de

discussão obrigatória na academia. A propósito, o direito penal nunca esteve tão destacado na mídia

como atualmente, face à institucionalização da insegurança, o aumento da criminalidade em massa

e do crime organizado, surgindo uma visão de sociedade pós-moderna com maiores complexidades

e novas contingências.

O direito penal do inimigo, tido como um modelo de política criminal da modernidade, é

defendido por uns pela ótica da eficiência preventiva, mas é demonizado por outros, porquanto tal

instituto implica na odiosa flexibilização de garantias e princípios consagrados pela dogmática

penal.

No entanto, no dizer de Alexandre Rocha Almeida de Moraes (2011, p.35) criticar as

bandeiras que diferenciam e delimitam o conceito de ‘Direito Penal do Inimigo’, ignorando os

novos paradigmas que permeiam a sociedade moderna, é criticar superficialmente, sem o necessário

respaldo científico.

Consoante antigo brocardo latino “ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus” – "Onde há

homem, há sociedade; onde há sociedade, há Direito”. Logo, muda a sociedade, muda o Direito.

Diante desse panorama introdutório, nota-se que a abordagem e a discussão acadêmica do

tema se tornam ainda mais relevante para cotejar se o “direito penal do inimigo” – tão criticado por

muitos – tem lugar num Estado Democrático.

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2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Conceito do direito penal do inimigo

O Direito Penal do Inimigo tem sua tese fundamentada, em meados dos anos 80, pelo

filósofo e jurista alemão Günter Jakobs, discípulo de Hanz Welzel e um dos mais respeitados e

polêmicos juristas da atualidade com reconhecimento internacional. Responsável pela sua criação

há quase 40 anos, o citado modelo teórico desde então vem sendo discutido ao redor do mundo,

com análises e duras críticas por diversos juristas.

Prega a teoria do direito penal do inimigo a aplicação do Direito Penal de forma

diferenciada, conforme o jurisdicionado, em flagrante contraposição ao direito penal do cidadão.

Para aquela teoria a população seria dividida em duas categorias: os “cidadãos” e os “inimigos” do

estado, impondo a este segundo grupo uma supressão ou mitigação dos direitos e garantias

processuais e de direitos inatos aos cidadãos, impondo-se ao inimigo a perda dos seus direitos por

não restar enquadrado como cidadão.

Além de criador da teoria, Jakobs também idealizou o funcionalismo sistêmico ou radical –

pautado na Teoria dos Sistemas de Luhmann –, segundo o qual atribui-se excessivo valor à norma

como única maneira de proteção social. Ou seja, para o jurista alemão, apenas a rigorosa e

recorrente aplicação da lei é capaz de estabelecer na vida em comum as condutas esperadas por

parte de seus indivíduos.

Nessa toada seguem as lições averbadas por Vantuir Galvão Melo Souza, O discurso do

direito penal desigual Conteúdo Jurídico, Brasília-DF, 2018. Disponível em:

https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52075/o-discurso-do-direito-penal-desigual,

Jakobs ainda propõe, com sua teoria, funções para o Direito Penal, e sua teoriafuncionalista é denominada Estratégica, Normativista, Sistêmica ou Radical, por ter apremissa básica de que o Direito Penal é instrumento que se destina a garantir eficácia da

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norma, e não a proteção de bens jurídicos, como prelecionam os funcionalistas moderados,como, por exemplo, Roxin.Para Jakobs, quando o direito penal intervém, o bem jurídico tutelado já fora agredido, nãotendo que se falar, portanto, em proteção aos bens jurídicos tutelados, mas sim em proteçãodo sistema normativo, em uma manobra de restabelecimento da ordem jurídica que forarompida quando da ocasião da prática do crime.

Para Jakobs o funcionalismo sistêmico parte do pressuposto que o Direito Penal se destina a

garantir a funcionalidade e a eficácia do sistema social e dos seus subsistemas, independentemente

do modelo de Estado ou do sistema político-social, porquanto a função do Direito Penal não é a

consolidação de um estado de coisas, mas a configuração da identidade da sociedade.

O funcionalismo sistêmico atribui ao Direito Penal a função de estabilização da sociedade,

individualizando o fenômeno delitivo como uma disfunção social. Nessa esteira de raciocínio,

Hassemer também defende a ideia de que o Direito Penal protege exclusivamente a vigência das

normas, e que o evento danoso não é o fato que ofende o bem jurídico, mas sim aquilo que contraria

a validade da norma (MORAES, 2011, p.132).

Bem lembrado por Bonfim e Capez (2004, p.282), as lições de Hassemer:

A absolutização do método funcional por Jakobs, sem as limitações do ontológico, levouSilva Sanches a caracterizar esta teoria como funcional radical. Esta radicalização seencontra apoiada na missão do direito penal, diferente do funcionalismo moderado deRoxin, pois este orienta as categorias do sistema de direito penal a finalidades político-criminalista, enquanto Jakobs vê importância somente nas necessidades sistêmicas dirigidaspara a função prevenção-integração, onde a violação de uma norma é disfuncional aosistema, não porque cause dano a um bem jurídico, mas porque contradiz o modelo deorientação da norma. Esta contradição é um problema de imputação, em especial, daimputação do comportamento típico e antijurídico.

Sob a ótica do funcionalismo, o Direito Penal do Cidadão rege a prevenção geral positiva

objetivando a manutenção da vigência da norma (retrospectivo), ao passo que o Direito Penal do

Inimigo se preocupa em combater o perigo (prospectivo) sob a concepção de prevenção especial,

porquanto o “inimigo” é a essência do perigo.

Nesse sentido ensina Alexandre Rocha Almeida de Moraes (MORAES, 2011, p.332):

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O ‘Direito Penal do Cidadão’, segundo o modelo funcionalista de Gunther Jakobs pautadopela prevenção geral positiva, mantém a vigência da norma (retrospectivo), enquanto o‘Direito Penal do Inimigo’ combate preponderantemente perigos (prospectivos), ou seja,retrata a concepção de prevenção especial, eis que o agente ‘inimigo’ é tido como foco doperigo.

Portanto, em oposição ao modelo convencional do Direito Penal, dotado de viés garantista e

retrospectivo, o Direito Penal do Inimigo é dotado de viés prospectivo, baseando-se em condutas

futuras para aplicar sanções a delitos que o indivíduo possa vir a cometer. 

2.2 O “inimigo” à luz da teoria de Gunther Jacobs

Jakobs parte da ideia de que existe uma divisão dos infratores em duas classes distintas: os

delinquentes, entendidos como aqueles que, apesar de terem cometido um crime não perdem o seu

status de cidadão e tem seus direitos e garantias fundamentais garantidos no processo penal; e os

criminosos, que deixam de ser considerados cidadãos e tornam-se inimigos do Estado, sem

garantias legais, com julgamento mais rígido, separação que se dá em razão da gravidade do delito

cometido.

Conforme disserta (Raquel Cardoso Pilati, 2009, Revista Jurídica v. 13 nº 25 (2009),

Jakobs propõe o tratamento diferenciado para alguns delinquentes, em especial oscriminosos graves, como os terroristas, aos quais se deve aplicar não penas, mas medidasde contenção. Ou seja, ao cidadão que comete um delito, seriam asseguradas as devidasliberdades e garantias penais; o inimigo, ao contrário, não goza do status de pessoa e, porisso, não se deveria adotar contra ele o devido processo legal, mas um procedimento deguerra. A proposta é alvo de críticas por inúmeros autores, os quais questionam suaintrodução no Estado Democrático de Direito, bem como sua compatibilidade comprincípios constitucionais.

Entende-se que o inimigo não é simplesmente o criminoso habitual ou aquele que pratica

pequenos e médios delitos, mas sim aquele que abdicou totalmente dos preceitos da vida em

sociedade, vinculando-se a organizações criminosas e/ou terroristas, pondo em risco as convenções

da coletividade.

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Deixando de respeitar os regramentos próprios do Estado Democrático, esse indivíduo não

faz jus aos direitos e garantias fundamentais aplicáveis aos cidadãos. Assim, ele é considerado

inimigo, pois desafia as convenções da sociedade como estabelecidas e, dessa forma, ameaça a

estrutura estatal buscando a sua destruição.

Mais uma vez, tomando emprestadas as considerações de (Galvão Melo Souza 2018, O

discurso do direito penal desigual Conteúdo Jurídico, Brasília-DF),

A teoria do direito penal do inimigo, também denominada terceira velocidade do direitopenal, é, em suma, um direito aplicado a determinadas classes de criminosos, consideradosinimigos do Estado. São indivíduos, segundo esta teoria, incorrigíveis, criminosos porconvicção, abrangendo criminosos, tais como os terroristas, torturadores, membros deorganizações criminosas, corruptos etc.

Para Jakobs, inimigos são aqueles que se apartam do direito, provavelmente de modo

permanente. Em outras palavras, são aqueles que não apresentam indicativo mínimo que irão

respeitar o direito, ou, nos termos da teoria, não oferecem mínimas garantias cognitivas de que se

comportarão de acordo com a expectativa normativa. Demonstram, ao contrário, que irão romper a

expectativa que deles se espera, desrespeitando o contrato social.

Jakobs explica que “não se trata de contrapor duas esferas isoladas do direito penal, mas de

descrever dois polos de um só contexto jurídico-penal”, de modo que o direito penal do inimigo se

aplicaria a quem “se afastou, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito, isto é,

que não proporciona a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa.” (apud

BINATO JÚNIOR, 2012, et. al. Novos Rumos do Direito Penal Contemporâneo. Revista

Científica do ITPAC, Araguaína, v.5, n.1, Pub.6),

2.3 Principais características do direito penal do inimigo

São duas as vertentes contrapostas a serem observadas no mesmo processo penal: o direito

penal do cidadão e o direito penal do inimigo.

A teoria do direito penal do cidadão é aplicada para aqueles que cometeram um delito, mas

que podem ser ressocializados e não voltar a delinquir, ou seja, neste caso, “ao cidadão que comete

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um crime são asseguradas as garantias penais, o devido processo legal” (PILATI, 2009). Conforme

lições de Cleber Masson, “um direito penal do cidadão, amplo e dotado de todas as garantias

constitucionais, processuais e penais, típico de um Estado Democrático de Direito” (MASSON,

2014, p.138)

Nos casos em que for considerado um inimigo, ele não é um sujeito de direitos, mas objeto

de coação, tendo seus direitos inobservados por não ostentar o criminoso o status de cidadão,

encontrando-se o Estado em um verdadeiro estado de guerra contra o infrator.

Nos abalizados ensinamentos de Alexandre Rocha Almeida de Moraes “instaura-se, na

sociedade, um clima de guerra, institucionalizando, dessa forma, a dicotomia entre ‘homens bons’ e

‘homens maus’ (os ‘inimigos’ da sociedade).” O citado autor lembra que no mesmo sentido é a

doutrina do renomado jurista Renè Ariel Dotti que tece ácida crítica aos defensores desse

pensamento porque partem do pressuposto maniqueísta de que a sociedade está dividida entre bons

e maus (MORAES, 2011, p.212-213).

Segundo a doutrina de Cleber Masson (2014, p.136):

 “O inimigo, assim, não pode gozar de direitos processuais, como o da ampla defesa e o deconstituir defensor, haja vista que, sendo uma ameaça à ordem pública, desconsidera-se suaposição de sujeito na relação jurídico-processual. Possível, inclusive, a suaincomunicabilidade. Em uma guerra, o importante é vencer, ainda que para isso hajadeslealdade com o adversário. Como representa grande perigo à sociedade, deixa-se de ladoo juízo de culpabilidade para a fixação da reprimenda imposta ao inimigo, privilegiando-sesua periculosidade.”

Rogério Greco (2012, p.1), ao interpretar a teoria de Jakobs, explica: 

“Jakobs, por meio dessa denominação, procura traçar uma distinção entre um Direito Penaldo Cidadão e um Direito Penal do Inimigo. O primeiro, em uma visão tradicional,garantista, com observância de todos os princípios fundamentais que lhe são pertinentes; osegundo, intitulado Direito Penal do Inimigo, seria um Direito Penal despreocupado comseus princípios fundamentais, pois que não estaríamos diante de cidadãos, mas sim deinimigos do Estado.”

Destarte, dentre as principais características desse modelo de política criminal, destacam-se:

(a) a antecipação da tutela penal mediante um ordenamento jurídico-penal prospectivo (com

tipificação de atos preparatórios, de tipos de mera conduta e perigo abstrato) antecipando a

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intervenção punitiva estatal e adiantando-se a punibilidade; (b) desproporcionalidade das penas; (c)

relativização das garantias penais e processuais.

Manuel Cancio Meliá (GRECO, 2007. p. 22), ao interpretar os ensinamentos de Gunther

Jakobs, aponta que três são os elementos que caracterizam o direito penal do inimigo:

“[…] em primeiro lugar, se constata um amplo adiantamento da punibilidade, quer dizer,que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto dereferência: o fato futuro), em lugar de – como é habitual – retrospectiva (ponto dereferência: o fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas sãodesproporcionadamente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não étida em conta para reduzir em correspondência a pena ameaçada. Em terceiro lugar,determinadas garantias processuais são relativizadas ou, inclusive, suprimidas […]”

Em relação à relativização das garantias penais e processuais, Alexandre Rocha Moraes

(2011, p.204) lembra que, no enfrentamento dos crimes típicos da modernidade,

há de se mencionar a intervenção nas telecomunicações, as investigações secretas e aintervenção de agentes infiltrados como exemplos típicos de um direito processual deenfrentamento, de luta e de guerra ao inimigo ou, ao menos, de um modelo divorciado domodelo clássico e garantístico até então paradigmático.

Destarte, à luz da teoria de Günther Jakobs, o Direito Penal do inimigo se caracteriza: a)

pela antecipação da intervenção penal e adiantamento da punibilidade; b) pelo agravamento das

penas ou sua desproporcionalidade; c) pela restrição, mitigação ou supressão de garantias penais e

processuais. Segundo o jurista alemão, os infratores que receberiam este tratamento do Estado

seriam aqueles que praticaram delitos de alta gravidade, de maior potencialidade ofensiva.

2.4 Direito penal do inimigo aplicado na prática

Citamos dois exemplos de políticas criminais de enfrentamento da criminalidade norte-

americana com o emprego do Direito Penal do Inimigo na prática, e as suas consequências,

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evidenciando que o método empreendido obteve sucesso relativo, porquanto sua efetividade e

consequências dividiu opiniões. São eles:

As teorias “Janela Quebrada” e “Tolerância Zero” – consideradas como um dos aspectos

do Movimento Law and Order – são exemplos de políticas criminais baseadas no instituto da

eficiência preventiva, cuja aplicação se justificava pelo combate ao crime a qualquer custo, nas

cidades de Nova York e Chicago, no começo da década de 90.

A teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory) foi apresentada na Escola de

Chicago, em 1982, pelo cientista político James Q. Wilson e pelo psicólogo criminologista George

Kelling. Tal teoria parte do pressuposto de que ambientes abandonados pelo Estado estimulam o

surgimento de comportamentos delinquentes e de incivilidades, começando por pequenos delitos

evoluindo gradativamente para a criminalidade e a depredação em larga escala. No dizer de

Alexandre Rocha (2011, p.212) “pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde,

ao crime.”

O modelo de segurança pública Tolerância Zero – inspirado no conceito da teoria das

janelas quebradas – consiste na repressão inflexível de pequenos delitos e incivilidades,

objetivando impedir o surgimento de um ambiente favorável à criminalidade e à desordem,

retirando indivíduos de circulação antes de evoluir para a prática de crimes graves. Ou seja, o

modelo adotado tinha por escopo promover o respeito à lei e a redução de crimes.

Tais modelos de política criminal imprimiam ao Estado norte-americano uma política

criminal de eficiência preventiva com o emprego de firmeza policial e rigor penal, visando a

repressão em massa e o encarceramento, baseado da relação de causalidade entre desordem e

criminalidade, ou seja, a criminalidade violenta decorrente da não repressão de pequenos delitos e

contravenções.

As políticas de tolerância zero e janelas quebradas ganharam espaço entre as autoridades

americanas conservadoras, garantindo popularidade eleitoral na década de 1980, tendo como seu

maior defensor o então presidente Ronald Reagan na controvertida guerra às drogas.

Pouco tempo depois da implementação dos programas de combate à criminalidade surgiram

críticas de especialistas e a oposição de políticos progressistas americanos, assim como dos

movimentos populares urbanos, porque prevaleceu a impressão de que de tais políticas serviram de

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“faxina social” face ao uso de encarceramento massivo e segregação de determinados grupos

sociais e com rigor direcionado a minorias.

A adoção da medida dividiu opiniões entre adeptos e críticos do modelo tolerância zero. Os

defensores apontavam a considerável redução do índice de criminalidade, por outro lado os críticos

indicavam o aumento da população carcerária e inúmeros casos de abuso policial em total

contraposição aos preceitos da polícia comunitária e da lógica da prevenção.

Logo, a experiência norte-americana mostrou que a adoção de políticas criminais para

enfrentamento da criminalidade orientada nas diretrizes da teoria do direito penal do inimigo não

gerou resultados tão exitosos e prósperos.

2.5 Direito penal do inimigo no Brasil

A implementação do direito penal do inimigo no Brasil se mostra inviável, porquanto

inconciliável com os princípios do Estado Democrático de Direito preceituados pelo sistema

normativo constitucional brasileiro.

Os direitos fundamentais são colocados numa condição de prestígio e autoridade, porquanto

objetiva atribuir um significado à norma, eliminando contradições para afiançar a unidade do

sistema. Daí porque, os direitos e garantias fundamentais assegurados aos indivíduos como um todo

são considerados cláusulas pétreas da Constituição Federal e por isso sequer podem ser objetos de

deliberação de emenda constitucional, muito menos poderá sofrer qualquer mitigação ou supressão

por parte do Estado.

A essência da teoria de Jakobs no que diz respeito à segmentação das pessoas entre

“cidadãos” e “inimigos” padece frente à ordem constitucional brasileira por constituir-se em

gravame invencível à cláusula constitucional da isonomia.

Novamente nos valendo das palavras de (Raquel Pilati, v. 13, nº 25, p. 23, 2009),

[...] é inadmissível, no Estado democrático de direito, que existam indivíduos que nãogozem dos mesmos direitos e garantias assegurados a toda pessoa humana. A divisão entredireito penal do cidadão e direito penal do inimigo, proposta por Jakobs, é impossível nestetipo de Estado, fundado na igualdade entre os seres humanos.

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No mesmo contexto a referida autora traz as observações de Júlio Pinheiro Faro Homem de

Siqueira que preconiza:

[...] a teoria jakobsiana instiga a sempre se ter em mente a formulação contratualista de aceitação ou não do contrato social: aqueles que não aceitavam o contrato social tal qual posto pela maioria dos indivíduos, seriam à margem deste considerados, e, por conseguinte, à margem da sociedade. Contudo, é evidente a incompatibilidade com o Estado democrático de direito, haja vista que, além de haver uma classificação entreas pessoas, como fiéis ou não ao direito, há a errada formulação de que, segundo sua fidelidade ao direito, isto é, se constituem ou não fonte presentee futura de perigo para a sociedade: as pessoas serão julgadas de acordo comleis diferentes, embora estejam sujeitas a um mesmo Estado democrático de direito (Raquel Pilati, v. 13, nº 25, p. 23, 2009).

Invariavelmente, este tema chega ao Supremo Tribunal Federal (STF) que com frequência se

manifesta sobre o tema:

Firmar a tipicidade do comportamento atribuído ao recorrente pelo fato de já ter sidocondenado pela prática de roubo é descair para esse campo interdito de incriminação deconduta que, podendo até aparecer desviada, não importa lesão nem perigo a bens jurídicosalheios. Equivaleria a punir o recorrente pelo seu (aparente) “modo de ser” – puni-lo peloque (aparentemente) “é” e, não pelo que “fez” -, já que nenhum perigo ou lesão causou abem jurídico de quem quer que seja.

A condenação anterior não tem repercussão alguma no juízo de adequação típica que ora seformula. Poderia ter relevância, acaso caracterizadas a tipicidade, a ilicitude e aculpabilidade da conduta, em momento posterior, o da dosimetria da pena (circunstânciajudicial, agravante ou causa de aumento da pena), como, aliás, o foi (cf. sentençacondenatória, fls. 106). O direito penal de autor não encontra guarida em nenhum sistemapenal fincado no Estado de Direito, comprometido, que é, com a dignidade da pessoahumana e com a garantia de seus direitos fundamentais, e, sobretudo, em nossoordenamento, onde a presunção vigente é, ao reverso do que se propugna com a referênciaa tal condenação, a de inocência.” (RECURSO ORDINÁRIO EM  HABEASCORPUS 81.057-8 - SÃO PAULO RELATORA ORIGINÁRIA: MIN. ELLEN GRACIE -RELATOR PARA O ACÓRDÃO: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE).

É cediço que os fundamentos contidos na Constituição Federal de 1988 – que estabelece o

Estado Democrático de Direito – norteiam todos os ramos do direito, sobretudo o Direito Penal que

compete tipificar condutas típicas penais com a respectiva cominação de penas que só podem ser

aplicadas pelo Estado – único detentor do jus puniendi.

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O Direito Penal é a ultima ratio e é regido pelos princípios da legalidade, da reserva legal,

da anterioridade da lei, da irretroatividade, da proporcionalidade, da presunção de inocência, da

lesividade, da individualização da pena, da adequação social, da intervenção mínima, da igualdade e

da humanidade, os quais devem absolutamente observados e respeitados.

Nessa toada, as preciosas lições de Fernando Capez (2011, p.25):

Sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, por reflexo, seu direito penal háde ser legítimo, democrático e obediente aos princípios constitucionais que o informam, passando o tipo penal a ser uma categoria aberta, cujo conteúdo deve serpreenchido em consonância com os princípios derivados deste perfil político-constitucional. Não se admitem mais critérios absolutos na definição dos crimes, osquais passam a ter exigências de ordem formal (somente a lei pode descrevê-los e cominar-lhes uma pena correspondente) e material (o seu conteúdo deve ser questionado à luz dos princípios constitucionais derivados do Estado Democrático de Direito).

A despeito de o direito penal do inimigo ser um instituto drástico, arrojado e desafiador, a

doutrina divide opiniões. No entanto, majoritariamente a doutrina é inclinada para a sua

inaplicabilidade no direito brasileiro.

Dentre os juristas contrários ao direito penal do inimigo citamos os mandarins do direito

Luiz Flávio Gomes, Eugenio Raúl Zaffaroni, Rogério Greco e Damásio Evangelista de Jesus.

O saudoso Professor Luiz Flávio Gomes, assevera que o direito penal do terceiro milênio

deve desfazer os erros e os equívocos do passado e não retroagir as medidas que afrontam a

dignidade humana. E assim também leciona: 

Quem sustenta o chamado ‘direito penal’ do inimigo pode ser caracterizado como um grande inimigo do direito penal garantista, porque tal teoria representa um tipo de direito penal excepcional, contrário aos princípios liberais acolhidos pelo EstadoConstitucional e Democrático de Direito (LEITE, Breves considerações sobre Direito Penal do inimigo, ambitojuridico.com.br, 2012).

Eugenio Raúl Zaffaroni (1997, p.117) argumenta que: 

[...] o sentimento de segurança jurídica não tolera que uma pessoa (isto é, um ser capaz deautodeterminar-se) seja privada de bens jurídicos, com finalidade puramente preventiva,numa medida imposta tão somente pela sua inclinação pessoal ao delito sem levar em contaa extensão do injusto cometido e o grau de autodeterminação que foi necessário atuar.

Ao criticar a aplicação do instituto em comento, (Rogério Greco Direito Penal do

equilíbrio – uma visão minimalista do Direito Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2005), faz

relevante observação acerca do flutuante conceito de inimigo, sujeito a diferentes definições ao

alvedrio de ideologias político-criminais dominantes:

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Quem são os inimigos? Alguns, com segurança, podem afirmar: os traficantes de drogas, os terroristas, as organizações criminosas especializadas em sequestros para fins de extorsões… E quem mais? Quem mais pode se encaixar no perfil do inimigo? Na verdade, a lista nunca terá fim. Aquele que estiver no poder poderá, amparado pelo raciocínio do Direito Penal do Inimigo, afastar o seu rival político sob o argumento da sua falta de patriotismo por atacar as posições governamentais.Outros poderão concluir que também é inimigo o estuprador de sua filha. Ou seja, dificilmente se poderá encontrar um conceito de inimigo, nos moldes pretendidos por essa corrente, que tenha o condão de afastar completamente a qualidade de cidadão do ser humano, a fim de tratá-lo sem que esteja protegido por quaisquer das garantias conquistadas ao longo dos anos.

Sintetizando as principais críticas ao direito penal do inimigo por CancioMeliá, Damásio Evangelista de Jesus, Direito penal do inimigo: brevesconsiderações. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br, 2008, afirma queesta teoria,

a) [...] ofende a Constituição, pois esta não admite que alguém seja tratado pelo Direito como mero objeto de coação, despido de sua condição de pessoa (ou de sujeito de direitos); b) O modelo decorrente do Direito Penal do Inimigo não cumpre sua promessa de eficácia, uma vez que as leis que incorporam suas características não têm reduzido a criminalidade; c) O fato de haver leis penais que adotam princípios do Direito Penal do Inimigo não significa que ele possa existir conceitualmente, i.e., como uma categoria válida dentro de um sistema jurídico; d) Os chamados "inimigos" não possuem a "especial periculosidade" apregoada pelos defensores do Direito Penal do Inimigo, no sentido de praticarem atos que põem em xeque a existência do Estado. O risco que esses "inimigos" produzem dá-se mais no plano simbólico do que no real; e) A melhor forma de reagir contra o "inimigo" e confirmar a vigência do ordenamento jurídico é demonstrar que, independentemente da gravidade do ato praticado, jamais se abandonarão os princípios e as regras jurídicas, inclusive em face do autor, que continuará sendo tratado como pessoa (ou "cidadão"); f) O Direito Penal do Inimigo, ao retroceder excessivamente na punição de determinados comportamentos, contraria um dos princípios basilares do Direito Penal: o princípio do direito penal do fato, segundo o qual não podem ser incriminados simples pensamentos (ou a "atitude interna" do autor).

Destarte, consoante majoritária doutrina, a teoria alemã afronta os princípios constitucionais

e é antagônico ao garantismo penal, porque incompatível, e em total desarmonia com o ambiente

normativo de um Estado Democrático de Direito.

2.6 Direito penal midiático e a utópica tranquilidade social pela adoção do direito penal do

inimigo

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No final do século passado e início do atual, a mídia foi à grande propagadora e

divulgadora do movimento de Lei e Ordem. Profissionais não versados no Direito (jornalistas,

repórteres, apresentadores de programas de entretenimento etc.) se sentiram credenciados a emitir

opiniões e criticar as leis penais, fazendo a sociedade acreditar que, mediante o recrudescimento

das penas, a criação de novos tipos penais incriminadores e o afastamento de determinadas

garantias processuais, a sociedade ficaria livre daquela parcela de indivíduos não adaptados, isto

é, dos denominados “inimigos” do Estado.

Ou seja, profissionais sem qualquer conhecimento técnico jurídico criticam o sistema penal

e propõem soluções aos problemas a ele inerentes fazendo surgir um direito penal midiático,

alimentado pelo clamor social de justiça gerado pelos apelos veiculados nos meios de comunicação

em massa.

Vivendo estaticamente sob constante insegurança é notório que a maioria da sociedade

brasileira se encontra aterrorizada e imersa numa situação dramática de difusão do medo. Os

crimes de roubo com traços cada vez mais brutais, o cometimento de sequestros-relâmpagos,

chacinas e homicídios, a delinquência juvenil e a violência propagada em cadeia nacional,

somados ao aumento da pobreza e à concentração cada vez maior da riqueza com a verticalização

social, resultam numa equação bombástica sobre os ânimos populares.

Por meio do sensacionalismo, os meios de comunicação convencem a sociedade

transmitindo notícias de criminalidade à exaustão, exibindo diariamente imagens chocantes, com

reportagens dramáticas, que causam revolta e repulsa no meio social. Homicídios cruéis, estupros

de crianças, presos que torturam suas vítimas durante rebeliões e as crescentes corrupções fazem

da sociedade, acuada, acreditar sinceramente que o Direito Penal será a solução de todos os

problemas sociais e da segurança pública com o combate da criminalidade.

Como bem averbou Leonardo Sica (2002, p.77), “o terreno fértil para o desenvolvimento de

um Direito Penal Simbólico é uma Sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela

criminalidade e pela violência urbana”.

Ao discorrer sobre tornar o Direito Penal puramente simbólico, e sem qualquer

aplicabilidade prática, ao pretender fazer do Direito Penal o protetor de todos os bens existentes,

independentemente do seu grau de importância, com o único objetivo de educar a sociedade,

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Rogério Greco (Direito Penal do Inimigo. In: Jusbrasil. Disponivel em:

https://rogeriogreco.jusbrasil.com.br/artigos/121819866/direito-penal-do-inimigo, 2012) lavrou com

pena de ouro o seguinte asserto:

[...] procura-se educar a sociedade sob a ótica do Direito Penal, fazendo com quecomportamentos de pouca monta, irrelevantes, sofram as consequências graves desse ramodo ordenamento jurídico. O papel educador do Direito Penal faz com que tudo interesse aele, tendo como consequência lógica desse raciocínio um Direito puramente simbólico,impossível de ser aplicado. Discorrendo sobre o simbolismo do Direito Penal, NiloBatista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, com maestria, prelecionam:

Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranquilizar a opinião pública,ou seja, um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um Direito Penal de riscosimbólico, ou seja, os riscos não se neutralizariam, mas ao induzir as pessoas aacreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se,dando lugar a um Direito Penal promocional, que acaba se convertendo em um merodifusor de ideologia.

[...]

Não se educa a sociedade por intermédio do Direito Penal. O raciocínio do Direito PenalMáximo nos conduz, obrigatoriamente, à sua falta de credibilidade. Quanto mais infraçõespenais, menores são as possibilidades de serem efetivamente punidas as condutasinfratoras, tornando-se ainda mais seletivo e maior a cifra negra.

[...]

Na verdade, o número excessivo de leis penais, que apregoam a promessa de maior puniçãopara os delinquentes infratores, somente culmina por enfraquecer o próprio Direito Penal,que perde seu prestígio e valor, em razão da certeza, quase absoluta, da impunidade.

Beccaria já dizia, em 1764, que “a certeza de um castigo, mesmo moderado, semprecausará mais intensa impressão do que o temor de outro mais severo, unido à esperança daimpunidade [...]”

Em consequência da comoção social provocado pela imprensa, discursos de política

criminal advogam pela maior intervenção do direito penal nos conflitos fomentando, cada vez mais,

correntes ideológicas do Direito Penal Máximo, notadamente a vertente mais agressiva – o direito

penal do inimigo –, desenvolvida por Gunther Jakobs, que vem ganhando crescente notoriedade no

contexto atual como alternativa sedutora para frear a violência.

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Sob essa ótica temos um Estado que deixa de lado as políticas públicas sociais para dar

lugar a um Estado Penal, na medida em que dispensa verdadeiro descaso em relação à educação e

às políticas de segurança pública, priorizando-se o setor repressivo com maior criminalização de

condutas, recrudescimento das penas e extinção de garantias processuais penais.

Soma-se a esse caos, o fenômeno jurídico do ativismo judicial com uma postura proativa do

Poder Judiciário interferindo em políticas públicas e concretizando políticas criminais à revelia da

legislação ordinária e da própria Lei Maior.

Nesse sentido, invariavelmente temos notícia de decisões judiciais que, exaradas ao arrepio

da lei e com alto déficit de fundamentação, são pautadas no estéril argumento de promoção do

combate e repressão à criminalidade – uma verdadeira e obstinada caça às bruxas com utilização

de meios e instrumentos nada ortodoxos – e que posteriormente são anuladas pela Suprema Corte,

como temos visto com certa frequência nos últimos tempos.

Assim, o direito penal midiático, o ativismo judicial exacerbado, assim como o fomentado

direito penal do inimigo tendem a limitar ou derrogar garantias penais e processuais penais por uma

irracionalidade técnica, implicando no falso pressuposto de tranquilidade social – utópica sensação

de segurança – que não resolve o problema da segurança pública e nem garantem a paz social.

3 CONCLUSÃO

O Direito Penal do Inimigo se traduz em uma resposta punitiva da pós-modernidade,

impondo tratamento jurídico diferente entre o hostil e o cidadão fundamentado na premissa de que o

Direito Penal comum (do cidadão) é ineficaz para aquele que recusa a vigência do sistema.

Recomendado pelo alemão Günther Jakobs, diante da ineficácia do Direito Penal ordinário

em reprimir os crimes mais graves que ameaçam o próprio Estado, cometidos pelos “inimigos”, a

teoria reputa que tais cidadãos possuem características incompatíveis com a vida em sociedade e

constitui ameaça a própria existência dela.

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Para Jakobs, o objetivo do Direito é a afirmação do padrão correto de comportamento diante

da expectativa do perfeito funcionamento das instituições, cuja quebra dessa expectativa conduziria

à instabilidade social.

Por esse raciocínio, entende o jurista alemão que a culpabilidade não depende de

circunstâncias específicas do sujeito, mas constitui mera falta de fidelidade ao direito, justificando,

pois, a imposição de pena, sendo indiferente o funcionamento desse sistema em um Estado

democrático ou em um Estado totalitário.

O instituto em estudo permite a imposição de severas medidas de repressão contra o

inimigo, inclusive com mitigação de certos direitos fundamentais, posto que assentada em três

pilares: antecipação da punição, desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de

certas garantias processuais.

Com efeito, a pretexto de impor implacável combate ao crime, garantir a incolumidade do

sistema penal e a estabilização do sistema social, a teoria do direito penal do inimigo mira na

utilização de todos os meios, inclusive antijurídicos, para punir os denominados “inimigos”,

afastando dos investigados e/ou acusados os seus direitos e garantias fundamentais. Por isso, para a

doutrina antagonista, a teoria de Jakobs é considerada extremamente punitivista e totalitária.

Considerando que os direitos fundamentais tutelam, em seu valor, os elementos essenciais à

pessoa, sem as quais não se concebe a sua própria existência, a retirada de direitos fundamentais

do hostil implica, em última análise, na negativa da própria condição de pessoa daquele considerado

inimigo.

Os direitos fundamentais, por razões históricas, possuem em sua origem a proteção da

pessoa em relação ao Estado. Logo, temerário atribuir ao próprio Estado, ainda que embasando em

uma maior repressão aos inimigos, a possibilidade de manejar livremente tais direitos.

Demais disso, a realidade normativa infraconstitucional, assim como a atividade estatal,

deve estar afinada e em total sintonia com os cânones da ordem constitucional. Assim, eventuais

legislações e/ou adoção de programas e políticas criminais elaboradas sob a influência do direito

penal do inimigo afrontará a unidade do sistema.

Não por outro motivo, as duras críticas à teoria do direito penal do inimigo lançadas por

parte da doutrina referem-se à censura contra os novos paradigmas do Direito Penal da

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modernidade: (i) simbolismo excessivo; ii) flexibilização das garantias e princípios; (iii) políticas

criminais preocupadas mais com o autor do que com o fato desencadeando uma funcionalização do

direito penal voltada para a eficiência preventiva.

Afirmar a legitimidade do direito penal do inimigo seria rediscutir a antiga e superada

dialética da validade do direito penal do autor em detrimento ao direito penal do fato. Vale dizer,

um retrocesso!

É imperiosa a inferência, ainda, que a adoção do direito penal do inimigo implica em

inevitável oposição às escolas penais consagradas na dogmática penal, as quais refletem o

pensamento jurídico-filosófico acerca da etiologia do delito, dos fundamentos e dos objetivos do

sistema penal. Além disso, também se revela totalmente antagônico ao garantismo penal, porquanto

incompatível com a essência da moldura normativa moderna que privilegia, cada vez mais, as

liberdades individuais em detrimento do Estado absoluto.

Ao arremate, as questões discutidas neste trabalho desnudam a conclusão de que a adoção da

teoria alemã no contexto de um Estado Democrático de Direito se revela nefasta e incompatível

com os princípios constitucionais.

Demais disso, inferimos, ainda, que a discussão do instituto em comento é mais de natureza

política do que jurídica, afinal, parafraseando o ilustre Professor Alexndre Rocha Almeida de

Moares, “o ‘Direito Penal do Inimigo’ é o retrato da crise da humanidade”.

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