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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA - CESB
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA – IESB
BACHARELADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS
As relações entre a manipulação genética humana e o Direito Penal
Izael Bezerra de Sousa
Brasília, 10 de maio de 2008
1
IZAEL BEZERRA SOUSA
AS RELAÇÕES ENTRE A MANIPULAÇÃO GENÉTICA HUMANA E O
DIREITO PENAL
Artigo apresentado como exigência
parcial ao grau de Bacharel em Direito,
do Instituto de Educação Superior de
Brasília (IESB).
________________________________________
Orientador: Prof. Bruno André da Silva Ribeiro
Instituto de Educação Superior de Brasília
__________________________________________
Avaliador: Prof. Luiz Carlos Bivar Corrêa Júnior
Instituto de Educação Superior de Brasília
2
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABREVIATURAS
Art. - por artigo
Cf. - por conforme ou confira
Id. - por idem
Ibid. - por ibidem
Org. - organizador
n. - número
SIGLAS
ADN - Ácido Desoxirribonucléico
ARN - Ácido Ribonucléico
CDC - Código de Defesa do Consumidor
CF - Constituição Federal
CFM - Conselho Federal de Medicina
CQB - Certificado de Qualidade em Biossegurança
CT - Células-tronco
CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
DNA - Ácido Desoxirribonucléico
EIA - Estudo de Impacto Ambiental
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EUA - Estados Unidos da América
HIV - Síndrome de Imunodeficiência Adquirida
IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
OGM - Organismo Geneticamente Modificado
PROCON - Procuradoria do Consumidor
RIMA - Relatório de Impacto do Meio Ambiente
RNA - Acido Ribonucléico
UNICAMP - Universidade de Campinas
3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________________________________________ 4
Capítulo 1 _______________________________________________________________ 6
Genética, Bioética e Direito _________________________________________________ 6
1.1 A Genética Humana: Conceitos Fundamentais ___________________________ 6
1.2 A Bioética __________________________________________________________ 8
1.3 A intervenção do Direito _____________________________________________ 10
1.3.1 O Respeito à Dignidade Humana como Paradigma do Estado Democrático de
Direito ______________________________________________________________ 12
1.4 Estatuto Jurídico do Nascituro ________________________________________ 14
Capítulo 2 ______________________________________________________________ 16
Modernas Técnicas de Manipulação Genética ________________________________ 16
2.1 Reprodução Humana Assistida _______________________________________ 17
2.1.1 A Fecundação “in vitro” ou Fecundação com Embryo-Transfer (FIVETE) ____ 18
2.2 Diagnóstico Genético ________________________________________________ 20
2.2.1 Eugenia ________________________________________________________ 21
Capítulo 3 ______________________________________________________________ 23
3.1 Finalidade e Abrangência da Lei n. 11105/05____________________________24
3.2 Fiscalização e Responsabilidade Civil Objetiva____________________________27
Capítulo 4______________________________________________________________30
A Tutela Penal da Manipulação Genética______________________________________30
4.1 Conceito e Missão do Direito Penal____________________________________30
4.2 Bem Jurídico-Penal__________________________________________________32
4.3 Direito Penal e Constituição____________________________________________34
4.4 O Capítulo III da Lei 11.105/2005 - Lei de Biossegurança____________________38
4.5 A Criminalidade Genética_____________________________________________42
CONCLUSÃO __________________________________________________________ 44
REFERÊNCIAS ________________________________________________________ 46
ANEXO _______________________________________________________________ 49
LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005._________________________________48
4
INTRODUÇÃO
As procriações artificiais vieram revelar aos juristas diversos dados negligenciados
e que estão a exigir reais avaliações: de um lado, os progressos científicos comprovaram a
lacuna jurídica - ou a incompletude da ordem jurídica - nestas matérias; de outro, fizeram
rever princípios clássicos, fazendo-se necessária a interferência jurídica, não só para
compatibilizar o controle da atuação científica (evitando inaceitáveis abusos) com a
necessidade de investigação biológica (da genética e de certas doenças), mas também para
solucionar conflitos gerados por questões ainda não resolvidas.
As pesquisas genéticas centradas na reprodução humana assistida, reprodução in
vidro., foi o tema do desdobramento da biotecnologia escolhidos para o aprofundamento da
pesquisa, apresentando os primeiros frutos e os expondo à crítica. Pretende-se, mesmo de
maneira até breve e não muito profunda, estabelecer maior intimidade com as técnicas de
manipulação genética, com o intuito de poder verificar a repercussão dos avanços nessas
áreas.
Houve maior preocupação com o objetivo de relacionar o progresso da ciência e
das ciências jurídicas, ressaltando-se que é pontual, já que se ocupa de um objeto muito
preciso: o Direito Penal e a manipulação genética, chamando a atenção para a importância
crescente da biotecnologia, nos seus aspectos econômicos, políticos e sociais, enfatizando
o papel da informação e do conhecimento científico no processo de desenvolvimento
econômico e, principalmente, a responsabilidade política e social dos cientistas no domínio
da genética e na função que ela pode ter na explicação dos fenômenos sociais e culturais.
Mesmo deparando-se com a escassez de obras sobre o assunto no Brasil, bem como
nos outros países e na nossa pobre legislação, no que tange à regulamentação do tema,
buscou-se analisar a Lei n. 11.105/95, que regulamenta os incisos II e V, do §1º, do art.
225, da Constituição Federal, que estabelece normas para o uso das Técnicas de
Engenharia Genética com a participação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio) e, também a Resolução do Conselho Federal de Medicina, de n.° 1.358/92, que
tratam de maneira tênue sobre o tema.
No campo específico do Direito Penal, depois da definição e as delimitações acerca
do bem jurídico-penal que entendeu-se ser digno de proteção da arma mais coercitiva
5
presente no nosso Estado Democrático de Direito, cumpre estabelecer-se em que quantum
deve ser mensurada essa interferência do Estatuto Repressor na tutela da nova genética.
Nessa sentido, questiona-se as figuras delitivas presentes na Lei de Biossegurança e os
critérios que, numa análise correlata, foram utilizados pelo legislador.
O que torna poderosa a Engenharia Genética é a conseqüente manipulação e
transferência de material genético, interferindo na complexidade da vida e da saúde
publica, sendo possível, por exemplo, que surjam novas formas de discriminação na
composição genética das pessoas, temendo-se a discriminação de indivíduos considerados
geneticamente inadequados e a poluição biológica pode vir a ser pior do que a poluição
química.
É bem por isso que se deve atentar, com seriedade, para o novo tipo de
criminalidade – a criminalidade genética -, que deve ser estudada com profundidade e que
demanda uma normatização internacional, para se evitar refúgios ou paraísos genéticos, e
uma normatização interna enquanto não houver a sempre esperada ordem supra-estatal.
Vale no entanto enfatizar que não se pode partir para uma criminalização sem peias,
pois a criação indiscriminada de tipos penais, em matéria genética, máxime em relação a
condutas que não adquiriram ainda a necessária visibilidade, pode conduzir a um
refreamento total da pesquisa e um conseqüente dano ao progresso científico.
Assim, a consciência da provisoriedade pode justificar uma interferência do
legislador contrária às premissas de consenso e gradualidade, com a finalidade de
evitar prejuízos graves e irreparáveis nos desdobramentos ainda não bem conhecidos
de determinadas atividades ligadas à biotecnologia, mas ao mesmo tempo ajustando-
se para que não se interponham freios e obstáculos sem paralelo com o emprego de
atividades benéficas. Deve-se harmonizar de forma efetiva o progresso científico com a
dignidade da pessoa humana, conforme preceitua a Constituição Federal, nesta contínua e
gratificante tarefa de sempre pensar dinamicamente o Direito.
6
Capítulo 1
GENÉTICA, BIOÉTICA E DIREITO
1.1 A Genética Humana: Conceitos Fundamentais
Historicamente, a humanidade sempre revelou intensa preocupação com a questão
da fecundidade e, inversamente temeu o risco da esterilidade, motivo de degradação no
grupo familiar e social, principalmente entre os hebreus, gregos e romanos. As primeiras
manifestações de arte, que remontam à época primitiva, representam a mulher fecunda,
grávida, capaz de gerar novos seres à exemplo da mãe natureza1.
Reza a cultura judaica que, ao se questionar quem é judeu, a resposta vem pronta e
indelével: o filho de mãe judia!. O que lembra o aforismo - mater semper certa est, pater
autem incertus - a mãe é sempre certa, o pai presumido.
Gregor Mendel (1822-1884) é considerado o “pai da genética”, pois em seus
experimentos com ervilhas de jardim publicados em 1866, foi o primeiro a considerar os
resultados em termos de características individuais, contando e classificando as ervilhas
resultantes de cruzamentos e formulou hipóteses para explicar essas diferenças.
No século XX, a engenharia genética foi uma das áreas do conhecimento que
apresentou um dos mais vertiginosos crescimentos, sobretudo a partir da década de 70.
Possibilitou a combinação dos genomas de plantas, animais e microorganismos, genes de
organismos distantes, antes incompatíveis. Contudo o uso desse conhecimento requer
prudência, limites legais e, sobretudo, mais conhecimento. Não só da biologia, mas dos
sentimentos, do pensamento e das relações humanas.2
A Genética Humana engloba hoje duas questões fundamentais expressas por
duas expressões latinas: generare e genus. Generare significa procriação, ou seja,
todas as técnicas que levam à procriação em laboratório, ou mesmo a uma procriação
em face da infertilidade do casal. Genus significa patrimônio, significa espécie, isto é,
1 QUEIROZ, Carla de.; FERRAZ, Sylvia Barboza.; PINTO, Virgílio. História da civilização. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1984, pp. 35-83. (Coleção Sérgio Buarque de Hollanda). 2 Revista Super Interessante, n. 134. São Paulo: Abril, nov. de 1998, p. 4.
7
a possibilidade de alteração ou de investigação sobre o patrimônio genético. Essas são
as principais vertentes de investigação e estudo em genética3.
As indagações acerca do DNA4 e RNA
5, a partir da demonstração monumental
em 1953 pelo americano James Watson e o inglês Francis Crick, da imagem da
molécula de DNA, em que se situa o gene, ou seja, o determinante genético,
encontrado nos cromossomos e responsável pelos caracteres hereditários como cor da
pele, dos olhos, do cabelo, foram fatores determinantes no desenvolvimento da
genética. Sendo assim, a genética é uma ciência de potenciais, tratando da
transferência de informação biológica de célula para célula, dos pais para os filhos, de
geração para geração, preocupando-se com as formas e as razões dessas
transferências, que são a base para certas diferenças e semelhanças reconhecidas nos
diversos grupos de seres vivos.
Não existe ainda um consenso acerca da terminologia utilizada nessas modalidades
de intervenção sobre a vida, principalmente por não se conhecerem bem as possibilidades
dessas técnicas, bem como o dinamismo e atualidade do assunto. O que apresenta a
necessidade de fazer o esclarecimento de dois importantes conceitos, o de manipulação
genética, tratada como uma designação bastante genérica e significando uma intervenção
qualquer (manipular: manusear, transformar com as mãos) sobre o patrimônio genético
(conjunto de todos os genes formadores do complexo bioquímico formador dos pares de
DNA) e a engenharia genética: “um conceito mais preciso, entendido como o conjunto de
técnicas que tendem a transferir para a estrutura da célula de um ser vivente algumas
transformações genéticas que de outro modo não teria tido”6.
O esclarecimento desses conceitos e o interesse na preservação do patrimônio
genético justificam-se pela possibilidade de por intermédio da manipulação genética se
“construir” um ser vivo, o que acarreta implicações éticas, médicas e jurídicas. Revela-se o
3 Cf. ESER, Albin. Genética Humana: aspectos jurídicos e sócio-políticos. Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, Ano 2, fasc. 1, p. 45, 1992. Nesse sentido FRANCO, Alberto Silva. Genética Humana e direito.
Bioética. Brasília:Conselho Federal de Medicina, 1996. n. 4, p. 17-29. 4 “DNA - Ácido Desoxirribonucléico: designação comum a vários ácidos nucléicos dos quais, pela hidrólise,
se obtém desoxirribose e que se encontram especialmente em núcleos das células e como um dos
constituintes principais da cromatina. Sigla: ADN ou DNA”. Michaelis. Moderno dicionário da língua
portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1999, p. 41. 5 “RNA - Ácido Ribonucléico: diz-se de vários ácidos nucléicos, dos quais se obtém ribose pela hidrólise, e
que são encontrados no citoplasma e em alguns núcleos”. Michaelis. Op. cit. p. 1844. 6 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética. Fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
p. 213.
8
sonho de Adous Huxley, quando imaginou seu Admirável mundo novo7 em uma sociedade
utópica onde o progresso da ciência atinge de sobremaneira os seres humanos, concebidos
e gestados em laboratório, sob controle de cientistas do Estado.
A possibilidade de enfrentamento dessas questões cruciais acerca do que fazer com
as tecnologias que atingem o ser humano, estão mais atuais do que nunca e apontam como
uma maneira de debater o assunto e buscar uma solução humanitária para a matéria.
1.2 A Bioética
O desenvolvimento das modernas tecnologias de reprodução traz à baila estudos
interdisciplinares que açambarcam, dentre outros, a medicina, a biologia, o Direito e a
ética.
Leo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine.8 Segundo Elio Sgreccia
9, a
tese original da reflexão bioética, como “ponte para o futuro”, é de que é impossível
separar os valores éticos (ethics values) dos valores biológicos (biological facts); daí a
explicação para a composição grega do neologismo: “bio” representa a ciência dos
seres viventes, e “ethike”, o conhecimento dos sistemas de valores humanos.
A Bioética tem implicações ético-morais decorrentes das descobertas e técnicas
oriundas da Medicina e da Biologia. Dessa maneira assinala Matilde Carone Conti: “Busca
entender o significado e alcance dessas descobertas, com intuito de lançar regras que
possibilitem o melhor uso dessas novas tecnologias”10
.
Em episódios como o Julgamento de Nuremberg11
, em 1945, a opinião pública
mundial teve conhecimento dos abusos contra a humanidade realizados em nome da
ciência e da tecnologia nos campos de concentração nazistas. Fatos como a utilização de
homens, mulheres e crianças como animais de laboratório, não permitiram um progresso
7 HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. 15 ed. São Paulo: Abril cultural, 1981.
8 PESSINI, Léo & BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 4 ed. rev. e
amp. São Paulo: 1997, p. 14. 9 SGRECCIA, Elio. Op cit., p. 24.
10 CONTI, Matilde Carone Slaibi. Ética e direito na manipulação do genoma humano. Rio de Janeiro:
Forense, 2001, p. 10. 11
Após a 2ª Guerra Mundial, foram considerados como criminosos de guerra, vinte médicos pela prática de
experimentos realizados em seres humanos. O julgamento foi realizado pelo Tribunal de Nuremberg (um
tribunal de exceção, criado pelas circunstâncias brutais da guerra) e condenou alguns dos referidos médicos,
inclusive à pena de morte. Através do documento Relatório de Nuremberg, essas informações foram
divulgadas, assim como as primeiras recomendações éticas internacionais na pesquisa em seres humanos.
9
científico válido e legítimo. Nesta perspectiva, a manipulação do material genético,
derivado de microorganismos, de vegetais, de animais ou de seres humanos, coloca em
evidência questões como a preservação ecológica, dos animais e da saúde humana na busca
da promoção do desenvolvimento econômico concomitantemente com a preservação da
qualidade de vida.
Pela primeira vez na história humana, tecnologias foram capazes de revelar e
alterar a dinâmica temporal e espacial da estrutura de qualquer ser vivo,
modificando as regras naturais de composição dos sistemas biológicos. Mas, será que
de fato, podemos modificar a composição genética dos seres vivos? Será que
desejamos assumir os riscos decorrentes das atividades de engenharia genética?
Questões como estas rondam o nosso imaginário. As especulações filosóficas e
jurídicas vêm estabelecendo os limites inerentes ao respeito à vida, à dignidade humana, à
liberdade, à igualdade e à segurança. Ao lado dessas limitações surgem as questões da
deontologia12
profissional e dos códigos supranacionais.
Visando atender as solicitações, tanto da comunidade científica como da sociedade,
começando as atenções a se voltarem para as incertezas e riscos inerentes às inovações
tecnológicas, foram formulados os princípios da Bioética.
Para Vicente de Paula Barretto, desde o primeiro momento a bioética procurou
formular princípios gerais que pudessem servir de mandatos de otimização na criação de
normas aplicáveis à pesquisa e tecnologia genética. Os princípios seriam normas que
determinam a realização ou não de algo dentro das possibilidades existentes. A otimização
a que se refere são assim chamadas, devido ao fato de poderem ser cumpridos em
diferentes graus, sendo que a medida do grau de cumprimento dependerá das
possibilidades reais e jurídicas que cercam o ato, o que se ajusta exatamente nas ordens
jurídicas que estão em construção13
.
Pode-se concluir então que esses princípios constituem-se em instrumentos de
regulação e são utilizados quando não se encontram respostas no direito positivo para os
problemas decorrentes das inovações científico-tecnológicas, durante o processo de
constituição e criação das normas. Assim, os princípios são considerados como um espaço
12
“Deontologia: Parte da filosofia que trata dos princípios ou fundamentos das ciências éticas; estudo dos
deveres profissionais”. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2, p. 59.
10
normativo anterior ao direito positivo, apto a suprir as lacunas do direito. Nota-se,
portanto, que a construção dos princípios da Bioética não teve como foco o exercício das
virtudes, mas a necessidade de preenchimento do vazio dogmático encontrado no contexto
da pesquisa científica, expressando seus valores éticos aceitos14
.
Os traços desses princípios da Bioética, foram riscados baseando-se no caráter
deontológico, onde prevê o respeito a vontade do paciente, levando-se em conta seus
valores morais e religiosos, ou seja reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida,
demanda ainda o atendimento médico dos interesses do paciente envolvidos, de maneira a
evitar qualquer tipo de dano e por fim demanda a imparcialidade na distribuição dos riscos
e benefícios, onde os iguais deverão ser tratados igualmente 15
.
A nova realidade suscitou dúvidas, que não foram resolvidas pelo sistema jurídico
existente, provocando o surgimento de uma dogmática paralegal. Essa dogmática se
materializou por princípios da bioética a diferentes casos não previstos em lei, criados por
organismos não judiciais, como os conselhos de medicina e de forma crescente, os comitês
de ética dos hospitais e diversos institutos de pesquisa.
Caberia, portanto, à bioética, estabelecer limites racionais para a construção de um
novo sistema jurídico - o biodireito - a fim de disciplinar as relações entre o homem e a
ciência, ao mesmo tempo evitando tornar-se um empecilho para o progresso das ciências
biomédicas.
1.3 A intervenção do Direito
É bastante notório, para os juristas, a existência de uma dificuldade em transpor os
obstáculos ao analisar uma realidade nova, sobretudo quando o surgimento desta estiver
condicionado aos avanços científicos ou tecnológicos.
13
BARBOSA, Heloísa Helena; BARRETTO, Vicente de Paulo (Org.). Temas de biodireito e Bioética. Rio
de Janeiro: Renovar, 2001, p. 45. 14
Idem. Ibidem, p. 49. 15
O princípio da autonomia prevê o respeito à vontade do paciente, levando-se em conta seus valores
morais e religiosos, ou seja, reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida. O princípio da
beneficência demanda o atendimento pelo médico dos mais importantes interesses das pessoas envolvidas
nas práticas médicas, de maneira a evitar qualquer tipo de dano. Já ao princípio da não-maleficência,
acrescenta-se a obrigação de não acarretar dano intencional. Por fim, o princípio da justiça, determina a
imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios, onde os iguais deverão ser tratados igualmente. Cf.
PESSINI, Léo & BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Bioética: do principialismo à busca de uma
perspectiva latino-americana, In Iniciação à bioética, (vários autores). CFM, 1998, p. 82-3.
11
Nesse progresso, apareceram os novos protagonistas genéticos, como os doadores
de espermas e óvulos, ampliando a relação bilateral existente entre os pais e as equipes
médicas, na voz de Eduardo de Oliveira Leite:
À medida que o desejo de ter filhos se vulgarizou e ficou facilitado
pelo aperfeiçoamento de tecnologias e descobertas inusitadas, o
processo se tornou mais complexo e criou uma série de desafios
aos estudiosos dos mais diversos campos do conhecimento: os
métodos colocados em ação criaram “sub produtos” preocupantes
(esperma, óvulos, embriões congelados) sobre os quais ainda não
se definiram os direitos de propriedade e sobre os quais, as opiniões
ainda se encontram longe de uma provável harmonia. 16
A Bioética relaciona-se com o Direito, em decorrência das exigências morais
indispensáveis ao desenvolvimento da vida humana, com qualidade, para que a sociedade
possa garantir os mecanismos concretos de efetividade dos seus paradigmas e
pressupostos.
José de Oliveira Ascensão, afirma que esse é um trabalho interdisciplinar,
constituído pela Ética, pela Biologia e o Direito: “Em matéria de Bioética, esse parentesco
é reforçado pela aproximação que tem havido da doutrina e dos direitos do homem.
Procura-se descobrir o que caracteriza essencialmente o homem e daí concluir sobre as
exigências éticas”17
. Nesse âmbito, da inter-relação da bioética com o direito, surge no
léxico contemporâneo o termo biodireito, que no dizer de Maria Helena Diniz: “é o estudo
jurídico que, tomando por fontes imediatas a bioética e a biogenética, teria a vida por
objeto principal”18
. O objetivo dessa matéria seria justamente ofertar uma feição legal às
especulações éticas, criando obrigatoriedade no seu cumprimento.
A necessidade de ingerir na matéria torna-se clara quando a alternativa de se
recorrer a órgãos como os Comitês de Ética ou Regulamento da Associações, por exemplo,
não prosperam, uma vez que se apresentam ineficazes, como as Resolução 1.358/9219
do
Conselho Federal de Medicina e vinculando todos os componentes do corpo médico. São
16
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.
199. 17
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito e bioética. In: Direito na saúde e bioética. Obra coletiva. Lisboa:
LEX Edições Jurídicas, 1991,p. 9 et seq. 18
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. In: Op. Cit.. v. 1,p. 416. 19
Essa resolução do CFM dispõe acerca das normas técnicas utilizadas na Reprodução Assistida. Disponível
em: <http://www.cfm.org.br>. Acesso em: 20.nov.2008.
12
normas que carecem de juridicidade, permitindo apenas o questionamento acerca da
conduta do médico, mas que pode acarretar no máximo, sanções de caráter disciplinar.
O controle e prevenção da realização de interferências na reprodução humana
assistida, in vidro, comportam a declaração legal de sua licitude. Uma vez estabelecido
esse marco, torna-se imprescindível determinar os bens jurídicos, valores ou interesses, que
podem ser afetados por essas intervenções. A primeira pergunta que podemos fazer como
cidadãos que buscamos o mínimo de segurança é como uma sociedade em profunda
transformação, com um grande numero de excluídos e com um poder econômico
concentrado em nível global na mão de poucos, vai reagir diante das fantásticas
possibilidades que oferece a biomédica e a biotecnologia no momento da concepção
humana.
Existem princípios gerais baseados na dignidade, inviolabilidade, respeito,
integridade e proteção ao ser humano, exigindo garantias judiciais à manutenção dessas
conquistas, diante de toda a exploração e utilização dos seres humanos e seu corpo para
experimentos.
1.3.1 O Respeito à Dignidade Humana como Paradigma do Estado Democrático de
Direito
Por ser a Ciência Penal eminentemente valorativa, faz-se necessário fixar-se
concretamente quais os bens e valores jurídicos fundamentais em uma sociedade, de
maneira a embasar as criminalizações a que venham envolver as condutas abusivas ligadas
à genética.
As doutrinas humanistas das últimas décadas vêm dando especial e notório
reconhecimento à dignidade do ser humano e ao livre desenvolvimento da personalidade,
como valores individuais de primeira grandeza.
Em seu preâmbulo, a Constituição Federal de 1988 determina a instituição de um
Estado Democrático de Direito objetivando assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais. Declara ser o Estado um órgão destinado a garantir a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, valores supremos em uma
sociedade. Ao falar em seu artigo 1º, III, da dignidade da pessoa humana, coloca-a como
13
fundamento da atividade estatal, o que significa centralizar o homem no centro de toda a
atividade pública e sustentáculo dos direitos fundamentais.
Nas palavras de Alexandre de Moraes:
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se
manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria e que traz consigo a pretensão ao respeito
por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo
que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao
exercícios dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar
a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres
humanos.20
Por sua vez, os direitos fundamentais do homem representam situações
reconhecidas juridicamente sem as quais o homem é incapaz de alcançar a sua realização e
pleno desenvolvimento. Norberto Bobbio21
Diante das inovações tecnológicas foram criados problemas de tal ordem que o
Direito, forçosamente, sob pena de alteração genéticas, se veria instado a apresentar
soluções, propondo limites e regulamento às pesquisas e usos de dados com vistas à
preservação do patrimônio genético. Com isso, o Direito não estaria protegendo só o
homem enquanto indivíduo, mas como membro de uma espécie. Nas palavras de Norberto
Bobbio:
Mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se
direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais
traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do
patrimônio genético de cada indivíduo. Quais os limites dessa
possível (e cada vez mais certa no futuro) manipulação?.22
Devemos perseguir uma ética baseada na dignidade da pessoa humana, conforme
positivado pelo constituinte de 1988. O que sobreleva em importância esse princípio, é que
restou inarredável a decisão de contemplar o respeito ao homem só pelo fato de ele ser
homem, beneficiado pelo direito de levar uma vida digna, não podendo conseqüentemente
ser usado como instrumento para algo, estando aí presente a sua dignidade.
20
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 60. 21
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, pp. 18-19. 22
Idem. Ibidem, p. 6.
14
Ademais, por força do inc. IV do § 4º do art 60, os direitos e garantias individuais
se consolidam entre as cláusulas pétreas, elidindo qualquer deliberação sobre proposta de
emenda tendente à sua abolição. Para Maria Helena Diniz: “os bioeticistas devem ter como
paradigma a dignidade da pessoa humana, que é o fundamento do Estado Democrático de
Direito (CF, art. 1º, III) e o cerne de todo ordenamento jurídico”23
.
Também compartilhamos deste pensamento, pois se defendemos que a dignidade
da pessoa humana é o elemento aglutinador dos Direitos e Garantias Fundamentais e que o
Estado existe em função da sociedade, é indubitável que este princípio não é uma criação
constitucional, mas sua positivação é o reconhecimento de sua existência e da necessidade
de sua proteção.
Nas doutas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:
O que se percebe em última análise, é que onde não houver respeito
pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as
condições mínimas para uma existência digna não forem
asseguradas, onde a intimidade e identidade do indivíduo forem
objeto de ingerências indevidas, onde sua igualdade relativamente
aos demais não for garantida, bem como onde não houver limitação
do poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e
esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças. A
concepção do homem-objeto, como visto, constitui justamente a
antítese da noção da dignidade da pessoa humana. 24
Assim, alguns novos bens jurídicos como a integridade, diversidade e
intangibilidade do patrimônio genético, mencionados posteriormente, são em nosso
entendimento, nada mais do que derivativos do princípio à dignidade humana e o seu
reconhecimento é imperativo num Estado que se proclama Democrático de Direito (CF,
art. 1º, caput).
1.4 Estatuto Jurídico do Nascituro
Como controvérsia, surgem os temas relacionados às conseqüências das novas
técnicas e procedimentos, referente ao nascituro, posto que é hodiernamente suscetível de
intervenções científicas.
23
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 17.
15
Em seu art. 5º, caput, a Constituição Federal de 1988, assegura o direito à vida,
essencial ao ser humano e que condiciona os demais direitos da personalidade. Sendo
assim, é fato que deve ser protegida contra tudo e contra todos, concretizando um dever
erga omnes, ao qual a ninguém é lícito desobedecer. De maneira que a criação de um
estatuto jurídico para o embrião lhe daria segurança na defesa desses direitos.
Maria Helena Diniz, assim declara sobre o tema:
Na vida intra-uterina, ou mesmo in vitro, tem personalidade
jurídica formal, relativamente aos direitos de personalidade,
consagrados constitucionalmente, adquirindo personalidade
jurídica material apenas se nascer com vida, ocasião em que será
titular dos direitos patrimoniais, que se encontravam em estado
potencial.25
Destarte, se mostra imprescindível determinar com clareza a partir de que instante
deve compreender essa proteção ao ser humano, levando-se em conta as diversas razões
biológicas, éticas e jurídicas que somam e delimitam o momento da efetiva concepção
(introdução do espermatozóide no óvulo) e suas fases posteriores.
No cenário penalista, doutrinadores como Nélson Hungria e Mirabete encaram a
vida como um tema único, que não importa gradações nem fases, de maneira que a
destruição de um embrião quer no útero materno ou fora dele, exatamente porque é vida,
torna-se passível de sanção26
e afastam qualquer hipótese de que só ocorreria crime após a
nidação27
. Para essa corrente, não há qualquer espécie de aumento qualitativo que se possa
diferenciar graus diversos de desenvolvimento.
Não há duvida que a matéria bastante fecunda e ainda objeto de questionamentos,
sendo de importância a toda humanidade e merece proteção jurídica, visto que o titular
desse bem jurídico há de ser toda a humanidade, pois é devido a sua preservação que se
estabelece a proteção desse material genético.
24
SARLET. Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003, p. 25. 25
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 9. 26
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, vol. 6. 6 ed., Rio de Janeiro: Companhia Editora
Forense, 1981, p. 499. 27
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 6 ed. São Paulo: Editora Atlas, 1991, p. 75.
16
Capítulo 2
MODERNAS TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO GENÉTICA
A manipulação genética torna-se bastante complexa quando inserida no Direito
Penal. Para que se possa fazer uma melhor análise da repercussão da genética nesse ramo
do Direito, é preciso identificar no que consistem efetivamente essas técnicas científicas,
pelo fato de que, com freqüência surgem muitas dúvidas a respeito de modalidade tão
especializada e as possíveis conseqüências de sua utilização, conhecendo exatamente o que
as ciências jurídicas devem regular e o Direito Penal interferir.
O tratamento da infertilidade masculina ou feminina é a grande mola propulsora do
desenvolvimento de técnicas que buscam a solução dos problemas ligados à fecundidade.
A escolha do tratamento, fazendo-se uma investigação da localização do problema e a
reprodução, ato íntimo do casal, representam o lançamento destes num ambiente de grande
participação, permeado pela família, os médicos e grandes centros de reprodução humana e
as técnicas mais propagadas com esse intento, são as chamadas técnicas de Reprodução
Assistida.
Faz-se necessário observar, até para efeito de possíveis conseqüências no Direito
penal, a modalidades de terapia gênica28
, baseadas no nível de intervenção sobre os genes,
em duas áreas bastante divergentes: a linha somática e linha germinal.
A primeira são experimentos em que se introduz no corpo do paciente células
geneticamente manipuladas objetivando a correção de células defeituosas. A terapia gênica
pode ser definida como aquela referente à cura ou prevenção de enfermidades devida a
causas genéticas atuando diretamente nos genes modificando ou substituindo estes.
Através dessa terapia são tratados defeitos genéticos hereditário, não hereditários por
28
No momento atual, as intervenções sobre o genoma (patrimônio genético) humano realizam-se
introduzindo no corpo do paciente células geneticamente manipuladas, objetivando a correção de células
defeituosas. A terapia gênica pode ser definida como aquela referente à cura ou prevenção de enfermidades
devido a causas genéticas, atuando diretamente nos genes, modificando ou substituindo estes. Através dessa
terapia, são tratados defeitos genéticos hereditários; não-hereditários, como anomalias por erros imprevistos
nas células sexuais; e congênitos, quando ocorrem no desenvolvimento embrionário devido a essas mutações.
Vislumbra-se, a possibilidade de incluir genes ausentes ou substituir genes defeituosos, evitando
enfermidades que têm raízes genéticas. A possibilidade de conseqüências, dirigem-se ao que tange à
modificação do patrimônio genético do ser humano, consistente na substituição de células humanas do
paciente, com cultivo in vitro, modificadas geneticamente, supondo um intervenção em caráter “invasivo”, o
17
anomalias e erros imprevistos nas células sexuais, quando ocorrem no desenvolvimento
embrionário devido as mutações. A terapia gênica somática não tem relevância de caráter
jurídico-penal, pois trata-se de intervenção somente sobre as próprias células somáticas,
não afetando o patrimônio genético hereditário da pessoa que a ela é submetida, por não
transmitir as modificações realizadas à descendência daquela, já que não são responsáveis
pela reprodução29
. A terapia gênica germinal, nesta, vislumbra-se a possibilidade de incluir
genes ausentes ou substituir genes defeituosos, evitando enfermidades que tem raízes
genéticas. A possibilidades de conseqüências, dirigem-se ao que tange à modificação do
patrimônio genético do ser humano, consistente na substituição de células humanas do
paciente, com cultivo in vitro, modificadas geneticamente supondo uma intervenção em
caráter “invasivo”, o que poderia alterar a estrutura e função do patrimônio genético.
Assim a terapia gênica germinal incide sobre as células ligadas à reprodução
(óvulo, espermatozóide, pré-embrião), objetivando curar patologias genéticas mediante a
introdução de genes em células que se encontram em processo germinativo e ainda não
alcançaram uma fase de desenvolvimento celular diferenciado, sendo capazes de produzir
um ser humano completo, afetando, portanto, toda a sua descendência (patrimônio genético
hereditário)30
.
2.1 Reprodução Humana Assistida
As técnicas de reprodução humana assistida consistem no conjunto de intervenções
no processo de procriação, com o intuito de unir os gametas feminino (óvulo) e masculino
(espermatozóide), dando origem a um ser humano. Essas modernas atividades trazem
consigo uma carga de conflitos para os quais nosso ordenamento jurídico ainda não oferece
soluções adequadas. Alguns autores, inclusive, chegam a afirmar que o progresso científico
e técnico pode traduzir-se na mais profunda revolução que o Direito já sofreu até hoje31
.
No Brasil, auxilia a matéria, Resolução n. 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina.
Essa modalidade classifica-se, no que tange à origem dos gametas, em homóloga e
heteróloga. A homóloga se refere àquela realizada com a doação ou recepção de material
que poderia alterar essencialmente a estrutura e função do patrimônio genético. Cf. SOUZA, Paulo Vinícius
Spoleder de. Op cit, pp. 40-41. 29
SOUZA, Paulo Vinícius Spoleder de. Op cit., pp. 41-42. 30
Idem. Ibidem, pp.41-43.
18
genético, do próprio casal, sem a participação de um terceiro. A Heteróloga se caracteriza
pela concepção a partir dos gametas provenientes de ao menos um doador, diferente do
casal ou pessoas em união estável. Opondo-se à adoção, que compreende um direito
devidamente regulamentado, a procriação é um remédio que comporta uma finalidade
médica: atenuar a esterilidade do casal.
Já a inseminação artificial heteróloga, diferencia-se apenas no que tange ao
esperma, que pertence a um doador estranho ao casal, geralmente armazenado em bancos
de esperma e mantidos criopreservados (baixa temperatura).
A Resolução do CFM (1.358/92), em seu artigo 7º, da Seção IV - Doações de
gametas ou pré-ambriões, assim determina: ”As clínicas, centros ou serviços que
empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de
caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.”
As questões que surgem no âmbito jurídico a respeito da utilização homóloga do
método, situam-se, basicamente, em relação à necessidade de consentimento de ambos os
cônjuges, se casados, para o emprego do método e ainda quanto às responsabilidades civis
e penais advindas de possíveis experiências. Já na modalidade heteróloga há uma
preocupação com o status jurídico do filho, que não deve ser perturbado por futuros
desentendimentos entre os pais.
Uma questão que surge é a procriação post mortem, ou seja, utilização do sêmen do
marido, após a morte deste. Os principais problemas decorrem no âmbito do direito de
família, nas questões correspondentes à filiação e os efeitos da sucessão, que no momento
não são o objetivo precípuo do trabalho.
2.1.2 A Fecundação “in vitro” ou Fecundação com Embryo-Transfer (FIVETE)
A fecundação in vitro, pode ser entendida como a obtenção dos gametas femininos
e masculinos, a posterior fertilização dos mesmos em laboratório (in vitro), e a
transferência dos embriões obtidos diretamente ao aparelho reprodutor feminino. Uma
característica dessa modalidade é justamente o fato de que além do espermatozóide o óvulo
pode ser doado por terceiro, operando-se como na modalidade de inseminação artificial de
31
Cf. GONÇALVES, Denise Willhelm. Reprodução assitida, clonagem terapêutica e o direito. Revista
Jurídica Consulex, Brasília, ano VII, n. 152, maio 2003, p. 42.
19
maneira homóloga (doadores são o próprio casal) e heteróloga (terceiros). É recomendada
às mulheres que têm má formação das trompas de falópio ou ovários e esterilidade
masculinas, como impotência e não produção de sêmen32
.
O grande diferencial aqui é o momento da transferência, que se dá após a
segmentação do zigoto, óvulo fecundado, quando é denominado embrião.
Atualmente há um domínio quase total sobre essa técnica, residindo a controvérsia
na prática corrente de proceder-se à fecundação de mais embriões, uma vez que o estímulo
à sua produção é utilizado com fulcro em maiores chances de obter êxito, o que incorre
muitas vezes na gravidez múltipla. O que anima as discussões acerca do destino dos
embriões não utilizados.
Alguns médicos do porte de Edson Borges e Roger Abdelmassih, especializados em
reprodução humana, entendem que o armazenamento desse material não constitui ainda
vida humana, sendo apenas um amontoado de células. O reconhecimento da vida humana
se daria quando existe a nidação do gameta até o útero, isto é, quando ele se fixa no útero
materno e registram-se os primeiros batimentos cardíacos, o que ocorre por volta da quinta
semana da gestação33
.
Ademais, a Resolução 1.358 (CFM), assim determina:
V- CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES
1. As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar
espermatozóides, óvulos e pré-embriões.
2. O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será
comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-
embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser
criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.
3. No momento da criopreseervação, os cônjuges ou companheiros
devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que
será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio,
doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e
quando desejam doá-los.
Cabe salientar que não existe determinação acerca do tempo em que os embriões
permanecerão criopreservados.
32
SOUZA, Paulo Vinícius Spoleder de. Op cit. pp. 48-49.
20
2.2 Diagnóstico Genético
O estudo dos antecedentes familiares se torna importante, principalmente quando
na história da família já existam casos registrados e a pesquisa nos descendentes pode
detectar a predisposição para uma doença genética, só não sabendo precisar quando e em
que intensidade se manifestará.
Nas doutas palavras de Paulo Vinícius Spoleder de Souza:
refere-se às informações prestadas pelo médico (geneticista) ao
casal ou alguém que deseja ter filhos - antes da efetiva realização
da gravidez - bem como da advertência sobre os riscos de se
conceber um filho com enfermidades ou más-formações de origem
genética (hereditária ou não hereditária).34
O aconselhamento genético se mostra importante também no âmbito da saúde
pública, quando se propõe a atuar com grupos populacionais de risco, sendo assim
considerados aqueles grupos étnicos que possuem incidência significativa de enfermidades
(anemia falciforme, fibrose cística, etc) e as mulheres grávidas (principalmente com
histórico de enfermidades na família e em idade avançada).
Essa consulta genética tem a finalidade de conformar a existência ou não de
enfermidades genéticas e fornecer todas as informações sobre os riscos, problemas e os
limites dos exames existentes.
Todo esse diagnóstico, a priori, nos aparece como uma dádiva da tecnologia, mas
pode revelar-se em um método de indução ao aborto (tipificado em nosso Código Penal)
seletivo no caso de diagnóstico não-favorável, pois a indicação de descarte é tão freqüente
que pode se levar a pensar que é conseqüência da diagnose35
e também traz à tona a
questão da eugenia, como veremos a seguir.
33
Depósitos de embriões. Jornal do Brasil. Rio de janeiro: Revista de Domingo n. 1.346, 17/02/2002.
Disponível em: <http://www.pesq.jb.com.br>.Acesso em 20.nov.2008. 34
Idem. Ibidem., p. 54. 35
Cf. SGRECCIA, Elio. Op. Cit., p. 268.
21
2.2.1 Eugenia
Quando retomamos a história da formação dos povos, podemos perceber que os
povos gregos, fenícios e algumas culturas indígenas da América do Sul, tinham como
prática comum a eliminação de pessoas mal-formadas, doentes ou que apresentassem
alguma característica desconhecida.
O desenvolvimento das técnicas de reprodução assistida e de diagnóstico genéticos
podem vir a potencializar um retorno a essa prática, originando demandas inéditas em
razão da falhas ou abusos que podem desencadear uso indiscriminado dessa tecnologia e
recrudescer o debate. Ao se erradicar defeitos genéticos, pode haver interferência no
patrimônio genético da humanidade, o que provoca a refutação dessas idéias por médicos,
filósofos e sociólogos.
O intento de se selecionar os embriões, quer alterando-os ou os reproduzindo,
buscando o melhoramento da espécie humana é o grande perigo que esses avanços trazem.
A escolha de características desejáveis em busca de uma “raça perfeita” é um dado que já
assustou a história moderna.
Cumpre lembrar o ocorrido na Alemanha Nazista de Adolf Hitler, onde foram
editadas as leis de Nuremberg36
, erigidas nos ideais da pureza da “raça ariana”, onde o
sangue constituía um elemento central dentro da concepção nazista, considerado como
responsável pela transmissão de caracteres racionais e nacionais, o que não passou de
falácia racista37
e discriminatória.
O desenvolvimento desse ideário se revela em uma problemática a ser discutida nos
diversos âmbitos da sociedade, buscando-se evitar o “determinismo genético” advindo
desse aconselhamento e já imaginado em obras de ficção-científica como o excelente
Gattaca38
.
36
Editada em 1935 com duas leis: uma sobre “A cidadania Alemã” e a outra sobre a salvaguarda do sangue e
da honra Alemã “. Com elas, os judeus estavam proibidos de ter qualquer direito ou participação política e
não podiam portar a cidadania alemã. Estava também vetado o casamento entre alemães arianos e judeus, sob
pena de prisão nos campos de concentração nazistas. Cf. http://www.eifo.com.br/culhol3.html. Acesso em:
15.fev.2004. 37
Existe certa deturpação acerca dos termos biológicos - raça e eugenia - e uma conceituação interessante a
ser consultada é a do professor Oswaldo Frota-Pessoa. Cf. FROTA-PESSOA, Oswaldo. Temas
incandescentes. In: DE BONI, L.. A; JACOB, G.; SALZANO, F. (Org). Ética e genética. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1998, pp. 135-159. 38
Gattaca, sigla das primeiras letras dos nucleotídeos do DNA (Guanina, Adenina, Timina e Citosina), é o
filme do neozelandês Andrew Niccol, que faz a narrativa sobre um futuro em que as grandes corporações
22
No tocante ao âmbito de empreendimento particular da eugenia, no Brasil, a
Resolução 1358/92 (CFM) proíbe que as técnicas de reprodução assistida sejam aplicadas
com a intenção de selecionar sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro
filho, exceto quando se procure evitar doenças ligadas ao sexo do bebê. Contudo, como a
resolução não possui força de lei e somente vincule médicos e clínicas, torna-se imperativo
que estabeleça um estudo jurídico adequado, regulando esse tipo de conduta, de modo a
evitar o uso desregrado dessa “seleção artificial”.
tornam-se mais poderosas que o Estado e a manipulação genética cria uma hierarquia social legitimada pela
ciência. Gattaca. EUA, 1997, distribuição: Columbia Tristar.
23
Capítulo 3
A LEI NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA
A proteção ao ambiente e o direito a um meio ambiente equilibrado são matérias
que a Constituição Federal de 1988 prevê no capítulo VI do título VIII, determinando no
artigo 225, o direito de todos a um ambiente ecologicamente sadio e em seu § 1º e incisos
II e V, assevera que:
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético
do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação do material genético;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem riso para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente.
Nota-se que trata de um direito difuso, ou seja, transindividual, acrescentando a isso
uma característica notabilíssima: o direito ao meio ambiente das futuras gerações,
denotando a preocupação do constituinte com preservação e a garantia de usufruto dessa
dádiva aos que ainda estão por vir.
Visando regulamentar o artigo acima elencado, tratou o legislador de editar a Lei n.
11105 em 2005, regulamentando o uso das diversas técnicas de engenharia genética e a
liberação no ambiente de organismos geneticamente modificados.
3.1 Finalidade e Abrangência da Lei n. 11105/2005
Em seu art. 1º delimita seu objetivo, qual seja, o de estabelecer normas e
mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética, deixando implícito
a necessidade de acompanhar o desenvolvimento dessas atividades, posto antever seus
riscos inerentes. Os verbos utilizados para caracterizar as ações nesse campo: construção,
cultivo, manipulação, transporte, a transferência, a importação, a exportação, o
armazenamento, a pesquisa, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo
geneticamente modificado.
24
Há a delimitação dos interesses salvaguardados, o que engloba os animais, as
plantas e o homem, não havendo hierarquia entre eles e apresenta como bens jurídicos
tutelados: “a vida, a saúde pública e o meio ambiente”39
.
No seu art. 2º, § 2º determina a quem estão vedadas as atividades de manipulação
genética: “as atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em
atuação autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer
outro com pessoas jurídicas”. As atividades de pesquisa (inclusive ensino), relacionados a
manipulação de organismos vivos, à pesquisa cientifica, ficam restritas ao âmbito de
entidades de direito público ou privado.
Revela-se de incomensurável importância essa atitude, visto que exclui totalmente
qualquer atividade autônoma do profissional habilitado à manipulação, procurando evitar o
uso desregrado dessa tecnologia.
Importante salientar em seu art. 2º § 3º, que os interessados em realizar atividade
prevista nesta Lei deverão requerer autorização à Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança – CTNBio. Assim observa –se no seu § 4º que As Organizações públicas e
privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de
atividades ou de projetos devem exigir a apresentação de Certificado de Qualidade em
Biossegurança, emitido pela CTNBio,, uma vez que poderão ser co-responsáveis eventuais
efeitos do descumprimento.
A própria norma traz conceitos acerca da matéria (art. 3º):
I – organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir/
transferir material genético, incluindo vírus, e outras classes que
venham a ser conhecidas;
II - ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN):
material genético que contém informações determinantes dos
caracteres hereditários transferíveis à descendência;
III - moléculas de ADN/ARN recombinante: aquelas manipuladas
fora das células vivas, mediante a modificação de segmentos de
ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma
célula viva, ou ainda, as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa
multiplicação. Consideram-se, ainda os segmentos de ADN/ARN
sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;
39
VARELLA, Marcelo Dias.; FONTES, Eliana.; ROCHA, Fernando Galvão da. Biossegurança e
biodiversidade: contexto científico e regulamentar. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 104.
25
IV - engenharia genética: atividade de manipulação de moléculas
ADN/ARN recombinante
V - organismo geneticamente modificado (OGM): organismo cujo
material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer
técnica de engenharia genética; Entre outros conceitos.
A conceituação é importante no corpo da lei, de modo a delimitar a abrangência da
norma e evitar maiores deliberações acerca do nível de ingerência nas atividades de
manipulação genética, definindo seu objeto. Cumpre observar que a lei ainda é falha, por
ter deixado de fora importantes conceitos, constantes no artigo 4º, como mutagênese,
dentre outros A falta de zelo do legislador pode implicar prejuízo para a sociedade. É
muito importante a disseminação dos mesmos, podendo dar ensejo a disputas judiciais nos
casos de pouca familiarização dos advogados, membros do ministério público e
magistratura.
Em seu artigo 20, a Lei n. 11.105/05 determina”40
: Sem obstar à aplicação das
penas previstas nesta lei, é o autor obrigado, independentemente da existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua
atividade. Deve-se observar ainda que a lei menciona ainda trata-se de infração
administrativa toda ação ou omissão que viole as normas previstas nesta lei, estabelecendo
ainda no seu Parágrafo único. Que “as infrações administrativas serão punidas na forma
estabelecida no regulamento desta Lei, independentemente das medidas cautelares de
apreensão de produtos, suspensão de venda de produto e embargos de atividades, com as
seguintes sanções:
I – advertência;
II – multa;
III – apreensão de OGM e seus derivados;
IV – suspensão da venda de OGM e seus derivados;
V – embargo da atividade;
VI – interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou
empreendimento;
VIII – cancelamento de registro, licença ou autorização;
IX – perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo;
40
Artigo 20, lei 11.105
26
X – perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em
estabelecimento oficial de crédito;
XI – intervenção no estabelecimento;
XII – proibição de contratar com a administração pública, por período de até 5 (cinco) anos.” Podendo ainda serem aplicadas multas cumulativamente com as demais sanções.
3.2 Fiscalização e Responsabilidade Civil Objetiva
Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da
Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio
Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República
entre outras atribuições, no campo de suas competências, observadas a decisão técnica da
CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos nesta Lei e na sua
regulamentação, dentre outros de acordo com o art. 16 da lei 11.105/200541
:
IV - engenharia genética: atividade de manipulação de moléculas
ADN/ARN recombinante
V - organismo geneticamente modificado (OGM): organismo cujo
material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer
técnica de engenharia genética; Entre outros conceitos.
I – fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus derivados;
II – registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e seus derivados;
III – emitir autorização para a importação de OGM e seus derivados para uso
comercial;
VI – aplicar as penalidades de que trata esta Lei;
VII – subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação de
biossegurança de OGM e seus derivados.
§ 1o Após manifestação favorável da CTNBio, ou do CNBS, em caso de
avocação ou recurso, caberá, em decorrência de análise específica e decisão
pertinente:
I – ao órgão competente do Ministério da Saúde emitir as autorizações e
registros e fiscalizar produtos e atividades com OGM e seus derivados
destinados a uso humano, farmacológico, domissanitário e áreas afins, de
acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei;
(...)
III – ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente emitir as
autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que envolvam OGM e
seus derivados a serem liberados nos ecossistemas naturais, de acordo com a
legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei, bem como o
licenciamento, nos casos em que a CTNBio deliberar, na forma desta Lei, que o
OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente;
41
Artigo 16, lei 11.105 inc. I, II, III, VI, VII, VIII, §1 inc I. e III e § 3o
, § 4o,
, § 5o , § 6
o , § 7
o
27
§ 3o A CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre os casos em que
a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental,
bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental.
§ 4o A emissão dos registros, das autorizações e do licenciamento ambiental
referidos nesta Lei deverá ocorrer no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias.
§ 5o A contagem do prazo previsto no § 4
o deste artigo será suspensa, por até
180 (cento e oitenta) dias, durante a elaboração, pelo requerente, dos estudos ou
esclarecimentos necessários.
§ 6o As autorizações e registros de que trata este artigo estarão vinculados à
decisão técnica da CTNBio correspondente, sendo vedadas exigências técnicas
que extrapolem as condições estabelecidas naquela decisão, nos aspectos
relacionados à biossegurança.
§ 7o Em caso de divergência quanto à decisão técnica da CTNBio sobre a
liberação comercial de OGM e derivados, os órgãos e entidades de registro e
fiscalização, no âmbito de suas competências, poderão apresentar recurso ao
CNBS, no prazo de até 30 (trinta) dias, a contar da data de publicação da
decisão técnica da CTNBio.
O desrespeito a essas obrigações constitui infração administrativa e enseja
responsabilidade civil do agente infrator, independentemente das medidas cautelares de
apreensão de produtos, suspensão de venda de produto e embargos de atividades. À
exceção dos atos descritos dos artigos seguintes, que constitui crime, tipificado na lei
11.105/2005:
(...)
Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano
ou embrião humano: 42
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
(...)
Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as
normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e
fiscalização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1o (VETADO)
§ 2o Agrava-se a pena:
I – de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano à propriedade alheia;
II – de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao meio ambiente;
III – da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão corporal de natureza grave
em outrem;
IV – de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem.
(...)
42
Artigo 25, 27, lei 11.105/2005
28
Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar
OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas
estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:
43
Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
43
Artigo 25, 27, 29, lei 11.105/2005
29
Capítulo 4
A TUTELA PENAL DA MANIPULAÇÃO GENÉTICA
O progresso tecnológico advindo do desenvolvimento dos diversos ramos da
indústria, genética, energia nuclear, informática, entre outros, teve e tem repercussões
diretas no bem-estar individual das pessoas. O progresso técnico dá lugar à adoção de
novas técnicas como instrumento que lhe permite produzir resultados especialmente
lesivos, de maneira a surgir modalidades delitivas dolosas de novo cunho que se projetam
sobre os espaços abertos pela tecnologia44
.
Como já salientado no início do trabalho, a dignidade humana, bem como outros
bens (valores, princípios e interesses) estão diretamente ligados a ela na configuração dos
novos bens jurídicos fundamentais, trazendo a necessidade de individualizar os bens
jurídicos dela decorrentes, de maneira a delinear a esfera e os limites de ilicitude da nova
genética, verificando o que pode ou não, ser tutelado penalmente.
A necessidade desse controle se faz necessário por entendermos que os sistemas
jurídicos extrapenais revelam-se insuficientes e inadequados na tutela de bens jurídicos da
mais alta hierarquia constitucional. Particularmente o Direito Penal terá de ser
desenvolvido45
e toda a problemática da criminalidade genética deverá estar condizente
com os valores que se buscará resguardar.
4.1 Conceito e Missão do Direito Penal
Historicamente o Direito Penal se revela um disciplinador das regras indispensáveis
ao convívio entre os indivíduos e logo vêm à nossa mente o propósito de sua denominação.
Na Ciência do Direito Penal, Artemio Zanon46
destaca três momentos:
44
SÁNCHEZ, Jesus-María Silva. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades
pós-industriais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. (Série as ciências criminais do século XXI;
v. 11), p. 29. 45
É o entendimento de André Ramos Tavares. Cf. BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André Ramos. Op.
Cit., p. 622-647, p. 622. 46
ZANON, Artêmio. Introdução à ciência do Direito Penal. Florianópolis: Ed. OAB/SC, 2000, p. 31.
30
a) exegético: procura-se entender, esclarecer, interpretar as normas legais e a sua
elaboração conceitual;
b) dogmático: característica da ciência jurídica, partindo das normas jurídicas, define
os princípios, organizando-os em institutos, coordena-os em unidade, ou seja, em
um sistema. Ocupa-se com e dos pontos fundamentais e indiscutíveis;
c) crítico: inspira-se não só nos princípios próprios da dogmática, mas também na
Política Criminal e nas ciências causais-explicativas do crime e considera os
elementos do sistema positivo vigente em confronto com as novas exigências
práticas jurídico-científicas.
Conforme leciona Basileu Garcia, a expressão “Direito Penal” sofria críticas porque
não dava ênfase à pena e não abrangia as medidas de segurança, que visam não a punição
do agente que cometeu um injusto penal, mas sim ao seu efetivo tratamento. Continua o
ilustre autor que muitos sustentavam ser “mais apropriado dizer Direito Criminal,
porquanto as mencionadas medidas visam a evitar os crimes e pressupõem, em regra, que
seu destinatário tenha praticado algum”47
.
Nesse contexto quando se refere à matéria, o conspícuo Aníbal Bruno assevera: “O
conjunto das normas jurídicas que regulam a atuação estatal nesse combate ao crime,
através de medidas aplicáveis aos criminosos é o Direito Penal”48
.
O Direito Penal, no sentido formal, é um conjunto de normas que determina os
crimes e suas sanções respectivas, tendo como enfoque social funcionar como instrumento
de controle.
Deve-se ao Direito Penal a missão de desenvolver o conteúdo dessas regras
jurídicas de maneira sistemática e interpreta-las, amparando os valores elementares para a
vida em sociedade. Nas práticas palavras de Nilo Batista “a missão do direito penal é a
proteção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena”49
. Nesse
diapasão, a pena seria o instrumento de coerção de que se vale o Direito Penal para a
proteção dos valores e interesses considerados significativos para a sociedade.
47
GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. São PAULO: Max Limonad, 1973, v. I, t. I, p. 7. 48
BRUNO, Aníbal, Direito Penal - Parte Geral. Rio de Janeiro:Forense, p. 11-12. 49
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1996.
31
Por conseguinte, na visão de Luiz Flávio Gomes: “na atualidade vem o Direito
penal cumprindo pelo menos duas funções ilegítimas: a) promocional (uso exagerado do
Direito penal para promover certos bens jurídicos e b) simbólica (utilização do Direito
penal para acalmar a ira da população, transmitindo a sensação de que com ele todos os
problemas sociais serão resolvidos”50
. Sendo essa disciplina, o instrumento de controle
mais drástico com que conta o Estado (por possuir os meios coativos mais gravosos) a
preocupação que vem à tona é a constituição dos limites ao exercício desse poder e em
razão de proteger os bens jurídicos mais importantes contra as formas mais graves de
agressão, praticamente não encontra oposição.
Diante desse quadro parece-nos bastante oportuno aprofundar o estudo sobre a
definição de bem jurídico, pedra angular da atuação criminal, pois mediante a atuação
abusiva das novas técnicas de manipulação genética, é possível colocar em perigo bens
jurídicos fundamentais do indivíduo e da sociedade, relacionados principalmente com a
dignidade humana.
4.2 Bem Jurídico-Penal
Em razão do grau de intervenção representado pelo Direito Penal, filósofos e
penalistas passaram a desenvolver teses e teorias objetivando determinar as situações em
que o Estado deveria utilizá-lo, concebendo-se que um dos institutos criados para tal fim
foi o do bem jurídico.
Os entendimentos acerca do bem jurídico-penal sofreram inúmeras variações e
continuam distantes de assentamento51
.
Sua concepção, no Estado moderno, decorre de limitações impostas ao direito penal
e deve ser compreendida a partir dos princípios e valores que determinam esse tipo de
estrutura política.
Historicamente os doutrinadores afirmam ter sido Paul Feuerbach o primeiro
estudioso a limitar o recurso ao Direito Penal à proteção de um direito subjetivo ou de
interesse a um sujeito específico. Fundou seu pensamento no contrato social, tendo para si
50
GOMES, Luiz Flávio. Direito penal-parte geral. 25 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 23. 51
Cf. BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 37. (Série as ciências criminais do século XXI, vol. 7.). Nesse sentido também: PRADO,
Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 35-36.
32
que os homens , ante a inseguridade social que se impõe, decidem organizar-se em
sociedade e confiar, ao Estado, a conservação da nova ordem criada52
.
Esse recurso do direito subjetivo, enquanto objeto da tutela penal, impede que sua
aplicação ocorra de forma arbitrária, independentemente de qualquer lesão, tendo
constituído, À época, uma reação do iluminismo ao arbítrio que imperava.
Foi, porém, com Birnbaum, que o conceito de bem jurídico começou a ser formado,
ainda que essa expressão não tenha por ele sido utilizada. Segundo Janaína Conceição
Paschoal: “Propõe Birnbaum, que o Direito penal não visa à defesa de direitos subjetivos e
sim de bens, já que o direito subjetivo não pode ser lesionado, mantendo-se incólume,
enquanto se lesiona o objeto sobre o qual o direito subjetivo recai”53
. Portanto, o autor não
via o bem jurídico como um direito, mas sim como um bem garantido pelo poder do
Estado. Ainda segundo a autora: “ao mesmo tempo em que Binding partiu da idéia de bem
formulada por Birnbaum, para criar uma concepção de bem jurídico eminentemente
formal, Liszt, utilizando também a noção de bem, iniciou a análise do bem jurídico sob
uma perspectiva material”54
.
No Brasil, vários autores discorreram sobre a teoria jurídico-penal, liderados por
Heleno Cláudio Fragoso, tendo este traçado um esboço completo e extremamente rico em
detalhes de todas as teorias, concluindo que, além do objeto material do delito, há também
um objeto formal, “constituído pela ofensa sempre irrogada pela ação delituosa, ao direito
público subjetivo do Estado à observância do preceito penal”55
. O autor assevera ainda
que, se a norma penal impõe um dever, o crime consiste sempre na violação desse dever
imposto pela norma.
São várias as definições de bem jurídico. Aníbal Bruno destaca que os bens
jurídicos “são valores da vida individual ou coletiva, valores da cultura. Por sua vez, Assis
Toledo determina:”bens jurídicos são valores ético-sociais que o Direito seleciona, com o
objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam, expostos
a perigo de ataque ou a lesões efetivas”. Na visão de Heleno Cláudio Fragoso, “o bem
jurídico é um bem protegido pelo Direito: é, portanto, um valor da vida humana que o
52
BIANCHINI, Alice. Op. cit., p. 37. 53
PASCHOAL, Janaína Conceição. Constituição, criminalização e direito penal mínimo. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003, p. 29. 54
Idem. Ibidem. p. 30. 55
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito penal e direitos humanos. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 57.
33
Direito reconhece, e a cuja preservação é disposta a norma”. Por fim, Magalhães Noronha
define como “bem-interesse protegido pela norma penal”.56
Segundo Luiz Régis Prado:
Os valores fundamentais devem ter referência constitucional, e o legislador
ordinário está obrigatoriamente vinculado à proteção de bens jurídicos prévios ao
ordenamento penal, cujo conteúdo é determinado em conformidade com os já
citados valores. O bem jurídico nesse contexto, é concebido como uma valiosa
unidade de função social (unidade de função viva), indispensável para a
sobrevivência da comunidade e que tem a norma constitucional como parâmetro
basilar.57
Todavia, não basta a simples constatação da importância abstrata de um bem
jurídico; será preciso e é exigível um concreto grau de afetação do mesmo, de modo que o
conceito de bem jurídico possa nos oferecer um meio de entender a formação do Sistema
da Parte Especial. Dessa forma, os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal, ao refletir
sobre aqueles interesses, valores e bens que a própria sociedade considera imprescindíveis
para que se possa desenvolver a via de relação social num determinado momento
histórico, devem derivar-se de um amplo acordo e consenso social, num Estado pluralista
e democrático.
Sendo assim, as constituições servem de critério e fundamento para o legislador
penal na hora de elaborar determinada criminalização, e constituem, portanto, na razão de
ser do bem-jurídico a ser tutelado pelo Direito Penal, no caso em comento, centrado na
dignidade da pessoa humana.
4.3 Direito Penal e Constituição
Da conjugação do Direito Penal com a Constituição, podem ser retirados princípios
constitucionais penais que dão harmonização às demais regras básicas de construção do
sistema penal. A necessidade de identificar quais os interesses irão embasar determinados
tipos penais, é a mola propulsora desse estudo.
Segundo leciona Luiz Flávio Gomes, todos esses princípios estão ancorados no
princípio-síntese do Estado Constitucional e Democrático de Direito, tendo como
56
Todos os conceitos mencionados foram citados por PRADO, Luiz Regis. Op. Cit., p. 38. 57
Idem. Ibidem. p. 45.
34
incontestável a forma normativa do princípio da dignidade humana (CF, art. 1º, III)58
.
Nenhuma ordem jurídica pode contrariá-lo, pois é a base dos demais princípios.
Para que esse tormento não se torne excessivo, nem desnecessário, a ponto de
ofender a dignidade da pessoa humana; para que o processo não se poste como indesejável
ameaça à liberdade ou — aí de fato uma grave ameaça — à harmonia social, é preciso,
pois, reduzir sua abrangência ao estritamente necessário, àquele mínimo imprescindível
para a segurança coletiva. Quanto menos processos penais houver, mais saudável será a
sociedade. Quanto maior a salubridade social, menos crimes existirão. Não é que o Estado
deva deixar de proceder à persecução criminal quando isto pareça adequado e essencial,
mas que a maior parte do esforço estatal seja destinada à prevenção e à profilaxia dos
fatores que levem ao crime.
Assim, a defesa da criminalização das condutas relacionadas à manipulação
genética não busca contrariar os defensores de um direito penal de intervenção mínima e
suas prerrogativas, mas sim a defesa de bens de maior relevo e merecedores de atenção
especial do Direito Penal, lembrando a finalidade precípua do Direito Penal hodierno, que
reside na proteção de bens jurídicos reconhecidos como essenciais não apenas ao
indivíduo, mas também à toda a coletividade. Nesse sentido é a lição de César Roberto
Bittencourt:
O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio,
orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a
criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para
a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros
meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua
criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da
ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são
estas que devem ser empregadas e não as penais.59
Destarte, a legitimação do Direito Penal apenas se dará nos casos em que houver
lesão efetiva ao bem jurídico, ressaltam-se as características da indispensabilidade e
essencialidade. Daí a necessidade de ter sempre presente uma atitude crítica tanto frente
aos bens jurídicos protegidos quanto à forma de protegê-los penalmente.
58
GOMES, Luiz Flávio. Op cit., p. 112. 59
BITENCOURT, Cezar Roberto. Lições de direito penal - Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997, p. 65.
35
O princípio da lesividade, para Nilo Batista, transporta para o terreno penal a
questão geral da exterioridade e alteridade (ou bilateralidde) do Direito: ao contrário da
moral coloca face a face pelo menos dois sujeitos.
No Direito Penal, a conduta do sujeito autor do crime deve relacionar-se, como
signo de outro sujeito, o bem jurídico (que era objeto da proteção penal e foi ofendido pelo
crime – por isso chamado bem jurídico do crime). Conforme bem determina Paulo de
Souza Queiroz, “crime, enfim, do ponto de vista material, outra coisa não pode ser, senão
ato humano lesivo de interesse juridicamente protegido (lesivo de bem jurídico) de
outrem”60
. Também chamado de princípio da ofensividade, o fato cometido, para se
transformar em fato punível, deve afetar concretamente o bem jurídico protegido pela
norma; não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado –
nullum crimen sine iniura.
Determina o Código Penal em seu artigo 1º: “Não há crime sem sei anterior que o
defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Formula taxativamente esquemas ou
tipos, em que descreve com precisão os comportamentos humanos passíveis de repressão
penal.
Destarte, observadas as características desses princípios, importa observar que um
dos objetos primordiais dessa análise é o de limitar o ius puniendi estatal. Na visão de
Janaína Conceição Paschoal, quando a doutrina, a princípio, partidária de um direito penal
mínimo, passa a enxergar na Constituição não só um limite, mas um fundamento ao jus
puniendi do Estado, está na verdade contribuindo para o seu alargamento.61
É certo que os doutrinadores, em sua maioria partidários da Constituição enquanto
limite/fundamento do direito penal, não se contentam com o reconhecimento
constitucional de um determinado bem para fundamentar, com exclusividade, a utilização
da tutela penal para sua proteção. Exige, igualmente, que as condutas lesivas aos bens
reconhecidos constitucionalmente não possam ser coibidas por outro meio (princípio da
subsidiariedade). E ainda, que tais condutas, apenas aquelas mais gravosas sejam
criminalizadas (princípio da fragmentalidade).
60
QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.
110. 61
PASCHOAL, Janaína Conceição. Op. Cit., p. 71. Nesse sentido Paulo de Souza Queiroz, apesar de
defensor do direito penal mínimo concorda com a tese de que a Constituição não só limita como fundamenta
o Direito Penal. Cf. QUEIROZ, Paulo de Souza. Op. Cit., p. 72.
36
Nesse sentido, a pergunta que fazemos é se deve o Direito Penal ser convocado
para a tutela de bens jurídicos lesados ou postos em perigo por estas novas técnicas
genéticas, e como isso deve ser feito.
Nesse sentido existem duas posições distintas: de um lado os que defendem a
intervenção de um Direito Penal de caráter preventivo, com o fim de salvaguardar os bens
do indivíduo ou da coletividade, que podem ser afetados pela genética abusiva62
e de outro
lado, há os que consideram que não basta que se reconheça a dignidade penal de certos
bens, interesses e valores que são objetos da genética, mas é mister comprovar a
necessidade de tutela penal nessa área como último meio para a preservação da vida em
sociedade.
Há a necessidade de buscar um meio termo na penalização das modernas técnicas
de manipulação genética, partindo do entendimento de que a intervenção penal deve
dirigir-se somente contra certas condutas forem consideradas situações-limite, que serão
objeto de análise e põe em risco e afetam os bens jurídicos fundamentais dignos de tutela
penal. A tarefa seria determinar precisamente quais as condutas e os bens jurídicos
atingidos pelas diversas intervenções da biotecnologia sobre o ser humano e decidir quais
os instrumentos jurídico-penais deverão ser utilizados para uma efetiva proteção, segundo
sua importância e formas de agressão que podem causar, e quando o apelo ao Direito
Penal seja realmente necessário e oportuno.
Ademais, várias condutas que a literatura científica descreve são admitidas
teoricamente ou hipoteticamente, mas podem não ser tecnicamente realizáveis, o que
suscita maiores questionamentos sobre a função preventiva do Direito Penal. Entendemos
que a normatização coercitiva dessas práticas é necessária, quando se estiver em jogo a
dignidade da pessoa humana devendo o Estado intervir, na proteção do bem jurídico
vulnerável.
62
Cf. MANTOVANI, Ferrando. Sobre o genoma humano e manipulações genéticas. In: ROMEO
CASABONA, Carlos Maria (org). Biotecnologia, direito e bioética. Belo Horizonte: Del Rey e PUC Minas,
2002, p. 156-165.
37
4.4 O Capitulo III da Lei de 11.105/2005 – lei de Biossegurança
Desse modo, definido o conceito de Direito Penal, expostas as técnicas de
manipulação genética e feitos esclarecimentos sobre a Lei de Biossegurança, seguimos à
análise de alguns tipos penais instituídos por essa lei editada especificamente para tratar da
matéria.
Para que uma conduta humana seja considerada criminosa, deve apresentar
determinados pressupostos estabelecidos pela teoria do delito. Essa teoria se subdivide em
teoria unificada e estratificada. Para a primeira, delito é uma infração punível. No entanto,
para respondermos o que faz uma conduta ser uma infração punível, precisamos identificar
os caracteres que essa infração deverá apresentar para ser considerada como tal.
Atualmente, a teoria estratificada é predominante no saber penal. É aquela que apresenta,
mediante estratos, os caracteres que devem estar presentes em qualquer ação delituosa,
constituindo um conjunto de requisitos.
Partimos da afirmação que o crime é sempre uma conduta humana, porém é
evidente que nem toda conduta humana é criminosa. Para que seja considerada criminosa
deve estar no elenco daquelas escolhidas pelo legislador para integrarem a lei penal. A
conduta, além de ser típica, deve ser antijurídica, ou seja, deve ser contrária à ordem
jurídica e, para parte da doutrina, culpável. Assim passaremos por algumas penalidade da
lei 11.105/2005, no qual faremos um breve passeio desse aspecto da teoria do delito, a
imprecisão jurídica dos tipos constantes nos artigos (...), 25, (...), 27, (...), 29 da Lei de
Biossegurança.
O tipo penal é um instrumento legal e logicamente necessário para a averiguação
do caráter delitivo de uma conduta humana. Conforme ensina Zaffaroni, o tipo penal é
eminentemente descritivo, são os elementos dessa natureza que individualizam a conduta,
sendo o verbo o elemento principal que é precisamente a palavra que serve
gramaticalmente para conotar uma ação63
.
Os tipos também podem ser abertos ou fechados. Os tipos fechados descrevem uma
conduta proibida sem a necessidade do juiz realizar qualquer tarefa para completá-lo, os
abertos são os que não apresentam a descrição típica completa. Neles o mandamento
63
ZAFFARONI, Eugenio Raúl & PIERANGELI, José Henrique. OP. Cit., p. 444.et seq.
38
proibitivo não observado pelo sujeito não surge de forma clara, necessitando ser
pesquisado pelo julgador no caso concreto64
. Assim, nos casos dos tipos abertos podemos
antever violação ao princípio da legalidade, devendo ser evitados (preocupação com a
precisão técnica) no nosso ordenamento jurídico.
Os elementos do fato típico são: a conduta humana, o nexo causal, o resultado
obtido pela conduta e a tipicidade. No que se refere ao liame subjetivo que caracteriza a
conduta (dolo ou culpa em diversas modalidades), varia sua aplicação de acordo com a
teoria do delito a ser utilizada. Passemos então, à análise das atividades tidas como
criminosas na Lei n. 11.105/2005.
É importante salientar que a lei 11.105/2005 onde a sua técnica, como muito bem
destaca Alberto Silva Franco, é falha, trazendo dificuldades na sua aplicabilidade e
interpretação65
.
Assim continua o doutrinador:
O legislador foi capaz de criar outros disparates na área técnica legislativa. Onde.
Qualquer um poderia, em princípio realizar os tipos penais. O contra-senso é
manifesto. Uma atividade dessa ordem exige uma sofisticada técnica que não
está ao alcance de qualquer pessoa. Exige em verdade, uma especial capacitação
profissional, que é própria do médico, do paramédico, do biólogo ou do
pesquisador. O rol docapítulo III da Lei 11.105/2005 prevê, na realidade, a
existência de crimes próprios e não de crimes comuns. Lamentável que o
legislador, ao invadir a área penal, não tenha percebido isso e, por tal motivo,
não tenha explicitamente indicado quais as pessoas que poderiam ser sujeitos
ativos desse crime.66
Em seu art. 25 a Lei. 11.105/2005, prevê a figuras criminosa, e constituem crime
de perigo comum com penas que variam de 1 a 4 anos e multa.
Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto
humano ou embrião humano:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
64
JESUS, Damásio de. Direito Penal - Parte geral. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 194. 65
FRANCO, Alberto Silva. Op cit., p. 24. 66
Idem. Ibidem., p. 25.
39
Os artigos mensionados a seguir, ou seja 25, 27, e 29 mencionam crimes de perigo.
Perigo é a probabilidade de lesão de um bem ou interesse tutelado pela lei penal. O perigo
pode ser:
a) individual ou comum;
b) presumido ou concreto;
Perigo abstrato é o considerado pela lei em face de determinado comportamento
positivo ou negativo. É o que a lei presume júris et de jure, não precisa ser provado
O perigo comum ou coletivo, neste caso, é o que expõe ao risco de dano interesses
jurídicos de um número indeterminado de pessoas.
Sujeito ativo: qualquer pessoa (física) independe de qualquer qualidade ou condição
pessoal, pois é crime comum.
Sujeito passivo a humanidade.
Conduta: a conduta incriminada é comissiva e consiste em praticar (realizar,
efetuar) engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião
humano.
É necessário destacar que como mencionado antes, humano é embrião no primeiro
estágio de desenvolvimento imediatamente após a fecundação que acontece com a fusão
dos dois gametas masculino e feminino, dando origem a um patrimônio genético diplóide
específico.
Ação penal é pública incondicionada.
Não definiu em que consiste “Praticar engenharia genética” células geminais
humanas, preferindo substituir a descrição típica (verbo, sujeito ativo e passivo, objeto,
meios e modos de execução) por um nome genérico da ação tida como criminosa.
Fazendo-se análise de todos os conceitos até aqui estudados é que se pode chegar à
atividade que o tipo pretende evitar, qual seja aquela que implique necessariamente na
alteração da estrutura genética dos cromossomos, ou seja, um novo ser vivo.
A proteção estabelecida se direciona para as características genéticas da célula
germinativa, in casu, a integridade do patrimônio genético da célula germinativa humana.
Não existe consenso acerca da figura culposa. Paulo Affonso Leme Machado
entende só haver configuração do crime se o (s) autor (es) agir (em) com dolo, querendo o
40
resultado ou assumindo o risco de produzi-lo67
(art. 18, I, do CP), por outro lado, há quem
admita a modalidade culposa, por acreditar ser o crime em comento ser material, ou seja,
exigindo um resultado naturalístico68
.
Em seu art. 27, a Lei. 11.105/2005, prevê a figuras criminosa, e constituem crime
de perigo com penas que variam de 1 a 4 anos e multa:
Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as
normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e
fiscalização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Bens jurídicos: o equilíbrio ecológico e a biodiversidade, e, indiretamente a vida, a
integridade física ou saúde e o patrimônio. 69
Sujeito ativo: qualquer pessoa (física), independentemente de qualquer qualidade
ou condição pessoal. É crime comum.
Sujeito passivo: a coletividade e o meio ambiente (natural); ou ainda,
subsidiariamente, a pessoa (física ou jurídica).
Tratando-se desse inciso, o elemento material do crime é o meio ambiente e
propriedade alheia.
Consumação e tentativa: trata-se de crime de mera conduta, que se consuma com
simples realização da liberação ou descarte de OGM no meio ambiente, em desacordo com
as normas estabelecida pela CTNBio e pelos órgãos e entidade de registro e fiscalização. A
tentativa é inadmissível.
Dolo: representado pela vontade e consciência de realizar o tipo objetivo. O dolo
poder direto ou eventual.
Não há previsão típica de forma culposa
Comina-se pena de reclusão de um a quatro anos, e multa. Todavia, aumenta-se a
pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) até a metade se resultar lesão corporal de natureza
grave em outrem, e de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem.
Ação penal pública incondicionada.
67
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. Cit., p. 675. 68
VARELLA, Marcelo; FONTES, Eliana; ROCHA, Fernando. Op.cit., p. 191. 69
Souza, Paulo Vinicios Spoleder, direito penal Genético – Lei de Biossegurança- 11.105/2005
41
Cabe sustentar a diferença entre liberação e descarte. A primeira deve ser entendida
como atividade voltada para a produção da interação dos organismos com o meio
ambiente. Já o descarte, importa a idéia de algo que foi rejeitado, revelando a preocupação
do agente em se livrar de organismos que a ele se apresentam inconvenientes. O que se
busca tutelar é o meio ambiente.
As normas a serem obedecidas na liberação e no descarte de OGM devem estar
contidas na regulamentação da Lei n. 11.105/2005 ou nas regras emanadas da CTNBio.
Este é o caso em que a norma incriminadora necessita de complemento em seu conteúdo e
a peculiaridade desta lacuna a caracterizaria como norma penal em branco.
O legislador entendeu por bem ainda incriminar a liberalização ou o descarte de
OGM no meio ambiente como proveniente de culpa. Levando-se em conta que os tipos
culposos são considerados tipos abertos por fazerem referência exclusiva à produção de um
resultado indesejado, a liberação de OGM não constitui resultado algum, pois a finalidade
protetiva da norma se dirige ao meio ambiente e este não pode sofrer qualquer dano ou
perigo com a liberação ou descarte.
Destarte, após análise dos crimes acima delimitados e notada a abordagem
imprecisa e distantes dos objetos a que se buscam assegurar com a tutela penal genética (já
devidamente explanados), optamos pelo desenvolvimento ou criação de novos tipos
ligados aos avanços da biotecnologia, reforçando as modalidades delituosas previstas na
Lei n. 11.105/2005.
Em seu art. 29, a Lei. 11.105/2005, prevê a figuras criminosa, e constituem crime
de perigo com penas que variam de 1 a 2 anos e multa.
Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar
OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas
estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
A disposição do art. 29, desta lei, produzir, armazenar, transportar, comercializar,
importar ou exportar OGM, abrange as manipulações genéticas como outros tipos de
intervenção que tenham por objeto os embriões humanos. Pretende-se evitar
principalmente que estes embriões sejam produzidos e manipulados para tornar-se material
biológico disponível ou que se criem “bancos de sêmen humanos”, sem autorização ou em
42
desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de
registro e fiscalização:. A lei não previu qualquer exceção para esses comportamentos,
que, portanto, são todos puníveis, tanto na forma tentada como consumada.70
A vida e a saúde humana na perspectiva mais ampla do reconhecimento da sua
dignidade constituem os bens juridicamente pela norma incriminadora.
Ora, as proposições usadas pelo legislador “Produzir, armazenar, transportar,
comercializar, importar”, constituem principalmente o verbo produzir verbos inerentes à
prática da fecundação in vitro, caracterizada pela superovulação, lançando mão de várias
combinações de gametas na tentativa de produzir um embrião viável e os excedentes
costumam ser congelados em nitrogênio líquido, se não forem reclamados pelos pais, serão
destruídos ou doados para casais inférteis (material biológico disponível).
Bens jurídicos: a biodiversidade e a saúde pública.
Sujeito ativo: qualquer pessoa (física), independentemente de qualquer qualidade
ou condição pessoal. É crime comum.
Sujeito passivo: a coletividade e o meio ambiente.
Condutas incriminadoras são comissivas e consistem em produzir, armazenar,
transportar, comercializar, importar e exportar sem autorização ou em desacordo com as
normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização.
Objeto material: é o OGM (microorgnanismo, planta ou animal) ou seus derivados.
Que foram produzidos, armazenados, transportados, comercializados, importados ou
exportados sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e
pelos órgãos de registro e fiscalização.
Consumação e tentativa: todas as condutas incriminada (produzir, armazenar,
transportar, comercializar, importar ou exportar). Constituem crimes materiais, exigindo-se
a ocorrência de resultado naturalístico para consumação.
Dolo: representa pela vontade e consciência de realizar o tipo objetivo. O dolo pode
ser direto ou eventual.
Modalidade culposa: não há previsão típica da forma culposa.
Ação penal é pública incondicionada.
70
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. Cit., p. 676
43
4.5 A Criminalidade Genética
Autores do porte de Maria Helena Diniz já apontam com a necessidade de um novo
estatuto jurídico-penal voltado à criminalidade genética, diante da evolução biotecnológica
podendo acarretar danos irreversíveis à humanidade e ao ser humano, individualmente
considerado, trazendo um futuro incerto, o que denota a interferência do Direito Penal,
criando novos crimes ligados aos abusos que poderão advir do avanço e do impacto das
ciências biomédicas, provocados pela manipulação genética e as técnicas de reprodução
assistida, não só com o intuito de resguardar a dignidade humana e a identidade genética
como também impor limites à liberdade de investigação científica, que, apesar de tutelados
constitucionalmente (art. 5º, IX), não pode colidir com outros direitos fundamentais
reconhecidos71
.
71
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 503-504.
44
CONCLUSÃO
No presente trabalho, procuramos desenvolver reflexões sobre o papel da lei penal,
a partir de algumas mudanças advindas da modernidade. A revolução biológica propõe à
humanidade uma série de interrogações inteiramente novas e extremamente urgentes, o que
provoca um repensar dos conceitos do Direito e a sua ingerência em matéria tão
controvertida.
Por isso buscamos relacionar a bioética com o biodireito, notando a necessidade de
impor preceitos éticos à genética e suas inúmeras técnicas de manipulação, em uma
avaliação de que possa corrigir os exageros provocados pela pesquisa científica e o
possível desequilíbrio do meio ambiente, antes da intervenção coercitiva das ciências
jurídicas.
A modernas técnicas de manipulação genética, apresentam-se como uma
biotecnologia revolucionária, que poderá proporcionar a cura de inúmeras doenças, até
então fatais. Assim, podemos perceber que um dos maiores espaços conquistados pela
nova genética é o relacionado às interferências na integridade física da pessoa,
proporcionando a possibilidade do aumento da expectativa de vida ou a modificação
completa da sua qualidade. Não podemos dissociar, contudo, o fato de que a nova genética
está diretamente relacionada à utilização maléfica que se pode fazer dela: é o perigo da
lógica do mercado entressachar suas práticas e da pessoa, enquanto valor supremo, ser
coisificada. A atenção que tem sido dispensada pelos órgãos e governos internacionais
demonstra a enorme preocupação concernente ao tema em nível mundial.
Toda essa preocupação está relacionada ao fato de vivermos globalmente sob
regimes econômicos de cunho liberal e da lógica do mercado imperar, ficando a pessoa
vulnerável. A nova genética não é uma ciência apartada da sociedade. Percebemos seus
reflexos no imaginário social e na relação da política com a ciência, que desperta seus
reflexos no imaginário social mitos intimamente ligados à natureza humana, como por
exemplo, o mito da busca da imortalidade, do homem perfeito e da juventude eterna.
Assim, a nova genética perde o ponto de contato com o real, isto é, deixa de ser uma
aplicação científica como qualquer outra, passível de apropriação de lógica econômica, e
ganha uma conotação de magia, alquimia, afastando, assim, a sociedade.
45
Essa percepção alcançou níveis mundiais, podendo ser constatada a partir dos
inúmeros documentos elaborados por órgãos e governos da Europa com a finalidade de
regulamentar as práticas advindas da nova genética.
O desenvolvimento de uma biotecnologia de ponta, conjugado com o liberalismo
vigente, demandam a necessidade de se repensar o papel da lei penal, enquanto
instrumento incapaz de coibir determinadas ações. Conseguimos perfazer o campo de
incidência penal e após estudo do capítulo III da Lei 11.105/2005, concluímos pela
necessidade de um melhor arcabouço jurídico penal para a matéria, posto a incompletude e
mal-elaborada legislação presente em nosso ordenamento jurídico.
A dignidade da pessoa humana representa uma parcela essencial do ser humano,
enquanto vetor que garante a expressão e sua condição humana por meio da manifestação
de sua inteligência e vontade. Portanto, todo e qualquer aprimoramento científico e
tecnológico que objetive manipular genes deverá tê-la como pressuposto fundamental.
A tarefa do Direito, especialmente o Direito Penal, em face das novas tecnologias,
em tema de reprodução assistida e de engenharia genética, exige, por parte do legislador e
do intérprete, uma consciência nítida do papel a ser exercido e uma avaliação segura das
atividades postas em prática, como também as conseqüências profundas delas advindas.
Esse é o objetivo: trazer à tona antigos conceitos jurídicos e tentar acoplá-los à nova
realidade, tarefa esta, profundamente espinhosa, porém que não deixamos de fazê-la, sem
ter a mínima pretensão de esgotar o assunto, que se revela à procura de alicerces mais
sólidos e, com certeza, num futuro não muito distante, encontrará respaldo.
46
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49
ANEXO
LEGISLAÇÃO
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005.
Mensagem de veto
Regulamento
Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do
art. 225 da Constituição Federal, estabelece
normas de segurança e mecanismos de
fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente modificados – OGM
e seus derivados, cria o Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio,
dispõe sobre a Política Nacional de
Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de
5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no
2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o,
6o, 7
o, 8
o, 9
o, 10 e 16 da Lei n
o 10.814, de 15 de
dezembro de 2003, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS
Art. 1o Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a
construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a
importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a
liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados –
OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de
biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a
observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.
§ 1o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de pesquisa a realizada em
laboratório, regime de contenção ou campo, como parte do processo de obtenção de OGM
e seus derivados ou de avaliação da biossegurança de OGM e seus derivados, o que
engloba, no âmbito experimental, a construção, o cultivo, a manipulação, o transporte, a
transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a liberação no meio ambiente
e o descarte de OGM e seus derivados.
§ 2o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de uso comercial de OGM e seus
derivados a que não se enquadra como atividade de pesquisa, e que trata do cultivo, da
produção, da manipulação, do transporte, da transferência, da comercialização, da
50
importação, da exportação, do armazenamento, do consumo, da liberação e do descarte de
OGM e seus derivados para fins comerciais.
Art. 2o As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao
ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento
tecnológico e à produção industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito
público ou privado, que serão responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua
regulamentação, bem como pelas eventuais conseqüências ou efeitos advindos de seu
descumprimento.
§ 1o Para os fins desta Lei, consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidade
os conduzidos em instalações próprias ou sob a responsabilidade administrativa, técnica ou
científica da entidade.
§ 2o As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em
atuação autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer
outro com pessoas jurídicas.
§ 3o Os interessados em realizar atividade prevista nesta Lei deverão requerer
autorização à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que se manifestará
no prazo fixado em regulamento.
§ 4o As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais,
financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput deste
artigo devem exigir a apresentação de Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido
pela CTNBio, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes
do descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação.
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I – organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material
genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas;
II – ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico - ARN: material genético
que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à
descendência;
III – moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora das
células vivas mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e
que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas de ADN/ARN
resultantes dessa multiplicação; consideram-se também os segmentos de ADN/ARN
sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;
IV – engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas de
ADN/ARN recombinante;
V – organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material genético –
ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;
VI – derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade
autônoma de replicação ou que não contenha forma viável de OGM;
51
VII – célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de gametas
presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em
qualquer grau de ploidia;
VIII – clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente,
baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de
engenharia genética;
IX – clonagem para fins reprodutivos: clonagem com a finalidade de obtenção de um
indivíduo;
X – clonagem terapêutica: clonagem com a finalidade de produção de células-tronco
embrionárias para utilização terapêutica;
XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de
se transformar em células de qualquer tecido de um organismo.
§ 1o Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a
introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a
utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in
vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro
processo natural.
§ 2o Não se inclui na categoria de derivado de OGM a substância pura, quimicamente
definida, obtida por meio de processos biológicos e que não contenha OGM, proteína
heteróloga ou ADN recombinante.
Art. 4o Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida por meio das
seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como receptor ou
doador:
I – mutagênese;
II – formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;
III – fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser
produzida mediante métodos tradicionais de cultivo;
IV – autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira
natural.
Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não
utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta
Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três)
anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
52
§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com
células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e
aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.
§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua
prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
Art. 6o Fica proibido:
I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu
acompanhamento individual;
II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN
natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;
III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião
humano;
IV – clonagem humana;
V – destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em desacordo
com as normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades de registro e
fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, e as constantes desta Lei e de sua
regulamentação;
VI – liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades
de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação
comercial, sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão
ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como
potencialmente causadora de degradação ambiental, ou sem a aprovação do Conselho
Nacional de Biossegurança – CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado, na
forma desta Lei e de sua regulamentação;
VII – a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de
tecnologias genéticas de restrição do uso.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por tecnologias genéticas de
restrição do uso qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação
de plantas geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem
como qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes
relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos.
Art. 7o São obrigatórias:
I – a investigação de acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de
engenharia genética e o envio de relatório respectivo à autoridade competente no prazo
máximo de 5 (cinco) dias a contar da data do evento;
II – a notificação imediata à CTNBio e às autoridades da saúde pública, da defesa
agropecuária e do meio ambiente sobre acidente que possa provocar a disseminação de
OGM e seus derivados;
53
III – a adoção de meios necessários para plenamente informar à CTNBio, às
autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à coletividade e
aos demais empregados da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar
submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso de acidentes com
OGM.
CAPÍTULO II
Do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS
Art. 8o Fica criado o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, vinculado à
Presidência da República, órgão de assessoramento superior do Presidente da República
para a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança – PNB.
§ 1o Compete ao CNBS:
I – fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades
federais com competências sobre a matéria;
II – analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da conveniência e
oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso
comercial de OGM e seus derivados;
III – avocar e decidir, em última e definitiva instância, com base em manifestação da
CTNBio e, quando julgar necessário, dos órgãos e entidades referidos no art. 16 desta Lei,
no âmbito de suas competências, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o
uso comercial de OGM e seus derivados;
IV – (VETADO)
§ 2o (VETADO)
§ 3o Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da atividade
analisada, encaminhará sua manifestação aos órgãos e entidades de registro e fiscalização
referidos no art. 16 desta Lei.
§ 4o Sempre que o CNBS deliberar contrariamente à atividade analisada, encaminhará
sua manifestação à CTNBio para informação ao requerente.
Art. 9o O CNBS é composto pelos seguintes membros:
I – Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que o
presidirá;
II – Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia;
III – Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário;
IV – Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
V – Ministro de Estado da Justiça;
VI – Ministro de Estado da Saúde;
54
VII – Ministro de Estado do Meio Ambiente;
VIII – Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
IX – Ministro de Estado das Relações Exteriores;
X – Ministro de Estado da Defesa;
XI – Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República.
§ 1o O CNBS reunir-se-á sempre que convocado pelo Ministro de Estado Chefe da
Casa Civil da Presidência da República, ou mediante provocação da maioria de seus
membros.
§ 2o (VETADO)
§ 3o Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional,
representantes do setor público e de entidades da sociedade civil.
§ 4o O CNBS contará com uma Secretaria-Executiva, vinculada à Casa Civil da
Presidência da República.
§ 5o A reunião do CNBS poderá ser instalada com a presença de 6 (seis) de seus
membros e as decisões serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta.
CAPÍTULO III
Da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio
Art. 10. A CTNBio, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância
colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e
de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da
PNB de OGM e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de
segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam
pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco
zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente.
Parágrafo único. A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o progresso
técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com o
objetivo de aumentar sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das
plantas e do meio ambiente.
Art. 11. A CTNBio, composta de membros titulares e suplentes, designados pelo
Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, será constituída por 27 (vinte e sete) cidadãos
brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória atuação e saber científicos, com
grau acadêmico de doutor e com destacada atividade profissional nas áreas de
biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente, sendo:
I – 12 (doze) especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício
profissional, sendo:
a) 3 (três) da área de saúde humana;
b) 3 (três) da área animal;
55
c) 3 (três) da área vegetal;
d) 3 (três) da área de meio ambiente;
II – um representante de cada um dos seguintes órgãos, indicados pelos respectivos
titulares:
a) Ministério da Ciência e Tecnologia;
b) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
c) Ministério da Saúde;
d) Ministério do Meio Ambiente;
e) Ministério do Desenvolvimento Agrário;
f) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
g) Ministério da Defesa;
h) Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República;
i) Ministério das Relações Exteriores;
III – um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da Justiça;
IV – um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde;
V – um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente;
VI – um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento;
VII – um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro do
Desenvolvimento Agrário;
VIII – um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro do Trabalho e
Emprego.
§ 1o Os especialistas de que trata o inciso I do caput deste artigo serão escolhidos a
partir de lista tríplice, elaborada com a participação das sociedades científicas, conforme
disposto em regulamento.
§ 2o Os especialistas de que tratam os incisos III a VIII do caput deste artigo serão
escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada pelas organizações da sociedade civil,
conforme disposto em regulamento.
§ 3o Cada membro efetivo terá um suplente, que participará dos trabalhos na ausência
do titular.
§ 4o Os membros da CTNBio terão mandato de 2 (dois) anos, renovável por até mais
2 (dois) períodos consecutivos.
56
§ 5o O presidente da CTNBio será designado, entre seus membros, pelo Ministro da
Ciência e Tecnologia para um mandato de 2 (dois) anos, renovável por igual período.
§ 6o Os membros da CTNBio devem pautar a sua atuação pela observância estrita dos
conceitos ético-profissionais, sendo vedado participar do julgamento de questões com as
quais tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de
mandato, na forma do regulamento.
§ 7o A reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de 14 (catorze) de
seus membros, incluído pelo menos um representante de cada uma das áreas referidas no
inciso I do caput deste artigo.
§ 8o (VETADO)
§ 8o-A As decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria
absoluta de seus membros. (Incluído pela Lei nº 11.460, de 2007)
§ 9o Órgãos e entidades integrantes da administração pública federal poderão solicitar
participação nas reuniões da CTNBio para tratar de assuntos de seu especial interesse, sem
direito a voto.
§ 10. Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional,
representantes da comunidade científica e do setor público e entidades da sociedade civil,
sem direito a voto.
Art. 12. O funcionamento da CTNBio será definido pelo regulamento desta Lei.
§ 1o A CTNBio contará com uma Secretaria-Executiva e cabe ao Ministério da
Ciência e Tecnologia prestar-lhe o apoio técnico e administrativo.
§ 2o (VETADO)
Art. 13. A CTNBio constituirá subcomissões setoriais permanentes na área de saúde
humana, na área animal, na área vegetal e na área ambiental, e poderá constituir
subcomissões extraordinárias, para análise prévia dos temas a serem submetidos ao
plenário da Comissão.
§ 1o Tanto os membros titulares quanto os suplentes participarão das subcomissões
setoriais e caberá a todos a distribuição dos processos para análise.
§ 2o O funcionamento e a coordenação dos trabalhos nas subcomissões setoriais e
extraordinárias serão definidos no regimento interno da CTNBio.
Art. 14. Compete à CTNBio:
I – estabelecer normas para as pesquisas com OGM e derivados de OGM;
II – estabelecer normas relativamente às atividades e aos projetos relacionados a
OGM e seus derivados;
III – estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de avaliação e
monitoramento de risco de OGM e seus derivados;
57
IV – proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades e
projetos que envolvam OGM e seus derivados;
V – estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões Internas de
Biossegurança – CIBio, no âmbito de cada instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa
científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial que envolvam OGM ou
seus derivados;
VI – estabelecer requisitos relativos à biossegurança para autorização de
funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades
relacionadas a OGM e seus derivados;
VII – relacionar-se com instituições voltadas para a biossegurança de OGM e seus
derivados, em âmbito nacional e internacional;
VIII – autorizar, cadastrar e acompanhar as atividades de pesquisa com OGM ou
derivado de OGM, nos termos da legislação em vigor;
IX – autorizar a importação de OGM e seus derivados para atividade de pesquisa;
X – prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao CNBS na formulação da
PNB de OGM e seus derivados;
XI – emitir Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB para o
desenvolvimento de atividades com OGM e seus derivados em laboratório, instituição ou
empresa e enviar cópia do processo aos órgãos de registro e fiscalização referidos no art.
16 desta Lei;
XII – emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança de OGM e seus
derivados no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial de OGM e seus
derivados, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança
exigido, bem como medidas de segurança exigidas e restrições ao uso;
XIII – definir o nível de biossegurança a ser aplicado ao OGM e seus usos, e os
respectivos procedimentos e medidas de segurança quanto ao seu uso, conforme as normas
estabelecidas na regulamentação desta Lei, bem como quanto aos seus derivados;
XIV – classificar os OGM segundo a classe de risco, observados os critérios
estabelecidos no regulamento desta Lei;
XV – acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico-científico na
biossegurança de OGM e seus derivados;
XVI – emitir resoluções, de natureza normativa, sobre as matérias de sua
competência;
XVII – apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de prevenção e
investigação de acidentes e de enfermidades, verificados no curso dos projetos e das
atividades com técnicas de ADN/ARN recombinante;
XVIII – apoiar tecnicamente os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos
no art. 16 desta Lei, no exercício de suas atividades relacionadas a OGM e seus derivados;
58
XIX – divulgar no Diário Oficial da União, previamente à análise, os extratos dos
pleitos e, posteriormente, dos pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem
como dar ampla publicidade no Sistema de Informações em Biossegurança – SIB a sua
agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações
sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas
pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio;
XX – identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados
potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à
saúde humana;
XXI – reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus membros ou por
recurso dos órgãos e entidades de registro e fiscalização, fundamentado em fatos ou
conhecimentos científicos novos, que sejam relevantes quanto à biossegurança do OGM ou
derivado, na forma desta Lei e seu regulamento;
XXII – propor a realização de pesquisas e estudos científicos no campo da
biossegurança de OGM e seus derivados;
XXIII – apresentar proposta de regimento interno ao Ministro da Ciência e
Tecnologia.
§ 1o Quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão
técnica da CTNBio vincula os demais órgãos e entidades da administração.
§ 2o Nos casos de uso comercial, dentre outros aspectos técnicos de sua análise, os
órgãos de registro e fiscalização, no exercício de suas atribuições em caso de solicitação
pela CTNBio, observarão, quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus
derivados, a decisão técnica da CTNBio.
§ 3o Em caso de decisão técnica favorável sobre a biossegurança no âmbito da
atividade de pesquisa, a CTNBio remeterá o processo respectivo aos órgãos e entidades
referidos no art. 16 desta Lei, para o exercício de suas atribuições.
§ 4o A decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua fundamentação
técnica, explicitar as medidas de segurança e restrições ao uso do OGM e seus derivados e
considerar as particularidades das diferentes regiões do País, com o objetivo de orientar e
subsidiar os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, no
exercício de suas atribuições.
§ 5o Não se submeterá a análise e emissão de parecer técnico da CTNBio o derivado
cujo OGM já tenha sido por ela aprovado.
§ 6o As pessoas físicas ou jurídicas envolvidas em qualquer das fases do processo de
produção agrícola, comercialização ou transporte de produto geneticamente modificado
que tenham obtido a liberação para uso comercial estão dispensadas de apresentação do
CQB e constituição de CIBio, salvo decisão em contrário da CTNBio.
Art. 15. A CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participação da
sociedade civil, na forma do regulamento.
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Parágrafo único. Em casos de liberação comercial, audiência pública poderá ser
requerida por partes interessadas, incluindo-se entre estas organizações da sociedade civil
que comprovem interesse relacionado à matéria, na forma do regulamento.
CAPÍTULO IV
Dos órgãos e entidades de registro e fiscalização
Art. 16. Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da
Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio
Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República
entre outras atribuições, no campo de suas competências, observadas a decisão técnica da
CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos nesta Lei e na sua
regulamentação:
I – fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus derivados;
II – registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e seus derivados;
III – emitir autorização para a importação de OGM e seus derivados para uso
comercial;
IV – manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e responsáveis técnicos que
realizam atividades e projetos relacionados a OGM e seus derivados;
V – tornar públicos, inclusive no SIB, os registros e autorizações concedidas;
VI – aplicar as penalidades de que trata esta Lei;
VII – subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação de biossegurança de
OGM e seus derivados.
§ 1o Após manifestação favorável da CTNBio, ou do CNBS, em caso de avocação ou
recurso, caberá, em decorrência de análise específica e decisão pertinente:
I – ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento emitir as autorizações e
registros e fiscalizar produtos e atividades que utilizem OGM e seus derivados destinados a
uso animal, na agricultura, pecuária, agroindústria e áreas afins, de acordo com a legislação
em vigor e segundo o regulamento desta Lei;
II – ao órgão competente do Ministério da Saúde emitir as autorizações e registros e
fiscalizar produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados a uso humano,
farmacológico, domissanitário e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e
segundo o regulamento desta Lei;
III – ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente emitir as autorizações e
registros e fiscalizar produtos e atividades que envolvam OGM e seus derivados a serem
liberados nos ecossistemas naturais, de acordo com a legislação em vigor e segundo o
regulamento desta Lei, bem como o licenciamento, nos casos em que a CTNBio deliberar,
na forma desta Lei, que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do
meio ambiente;
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IV – à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República emitir
as autorizações e registros de produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados
ao uso na pesca e aqüicultura, de acordo com a legislação em vigor e segundo esta Lei e
seu regulamento.
§ 2o Somente se aplicam as disposições dos incisos I e II do art. 8
o e do caput do art.
10 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, nos casos em que a CTNBio deliberar que o
OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente.
§ 3o A CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a
atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre
a necessidade do licenciamento ambiental.
§ 4o A emissão dos registros, das autorizações e do licenciamento ambiental referidos
nesta Lei deverá ocorrer no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias.
§ 5o A contagem do prazo previsto no § 4
o deste artigo será suspensa, por até 180
(cento e oitenta) dias, durante a elaboração, pelo requerente, dos estudos ou
esclarecimentos necessários.
§ 6o As autorizações e registros de que trata este artigo estarão vinculados à decisão
técnica da CTNBio correspondente, sendo vedadas exigências técnicas que extrapolem as
condições estabelecidas naquela decisão, nos aspectos relacionados à biossegurança.
§ 7o Em caso de divergência quanto à decisão técnica da CTNBio sobre a
liberação comercial de OGM e derivados, os órgãos e entidades de registro e
fiscalização, no âmbito de suas competências, poderão apresentar recurso ao CNBS,
no prazo de até 30 (trinta) dias, a contar da data de publicação da decisão técnica da
CTNBio.
CAPÍTULO V
Da Comissão Interna de Biossegurança – CIBio
Art. 17. Toda instituição que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética ou
realizar pesquisas com OGM e seus derivados deverá criar uma Comissão Interna de
Biossegurança - CIBio, além de indicar um técnico principal responsável para cada projeto
específico.
Art. 18. Compete à CIBio, no âmbito da instituição onde constituída:
I – manter informados os trabalhadores e demais membros da coletividade, quando
suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre as questões relacionadas com a saúde e
a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes;
II – estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento
das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança,
definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei;
III – encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na
regulamentação desta Lei, para efeito de análise, registro ou autorização do órgão
competente, quando couber;
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IV – manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em
desenvolvimento que envolvam OGM ou seus derivados;
V – notificar à CTNBio, aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no
art. 16 desta Lei, e às entidades de trabalhadores o resultado de avaliações de risco a que
estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa
provocar a disseminação de agente biológico;
VI – investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente
relacionados a OGM e seus derivados e notificar suas conclusões e providências à
CTNBio.
CAPÍTULO VI
Do Sistema de Informações em Biossegurança – SIB
Art. 19. Fica criado, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Sistema de
Informações em Biossegurança – SIB, destinado à gestão das informações decorrentes das
atividades de análise, autorização, registro, monitoramento e acompanhamento das
atividades que envolvam OGM e seus derivados.
§ 1o As disposições dos atos legais, regulamentares e administrativos que alterem,
complementem ou produzam efeitos sobre a legislação de biossegurança de OGM e seus
derivados deverão ser divulgadas no SIB concomitantemente com a entrada em vigor
desses atos.
§ 2o Os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei,
deverão alimentar o SIB com as informações relativas às atividades de que trata esta Lei,
processadas no âmbito de sua competência.
CAPÍTULO VII
Da Responsabilidade Civil e Administrativa
Art. 20. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis
pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua
indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa.
Art. 21. Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as
normas previstas nesta Lei e demais disposições legais pertinentes.
Parágrafo único. As infrações administrativas serão punidas na forma estabelecida no
regulamento desta Lei, independentemente das medidas cautelares de apreensão de
produtos, suspensão de venda de produto e embargos de atividades, com as seguintes
sanções:
I – advertência;
II – multa;
III – apreensão de OGM e seus derivados;
IV – suspensão da venda de OGM e seus derivados;
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V – embargo da atividade;
VI – interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento;
VII – suspensão de registro, licença ou autorização;
VIII – cancelamento de registro, licença ou autorização;
IX – perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo;
X – perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em
estabelecimento oficial de crédito;
XI – intervenção no estabelecimento;
XII – proibição de contratar com a administração pública, por período de até 5 (cinco)
anos.
Art. 22. Compete aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16
desta Lei, definir critérios, valores e aplicar multas de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$
1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), proporcionalmente à gravidade da
infração.
§ 1o As multas poderão ser aplicadas cumulativamente com as demais sanções
previstas neste artigo.
§ 2o No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.
§ 3o No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou
omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente até cessar
sua causa, sem prejuízo da paralisação imediata da atividade ou da interdição do
laboratório ou da instituição ou empresa responsável.
Art. 23. As multas previstas nesta Lei serão aplicadas pelos órgãos e entidades de
registro e fiscalização dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde,
do Meio Ambiente e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da
República, referidos no art. 16 desta Lei, de acordo com suas respectivas competências.
§ 1o Os recursos arrecadados com a aplicação de multas serão destinados aos órgãos e
entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, que aplicarem a multa.
§ 2o Os órgãos e entidades fiscalizadores da administração pública federal poderão
celebrar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios, para a execução de
serviços relacionados à atividade de fiscalização prevista nesta Lei e poderão repassar-lhes
parcela da receita obtida com a aplicação de multas.
§ 3o A autoridade fiscalizadora encaminhará cópia do auto de infração à CTNBio.
§ 4o Quando a infração constituir crime ou contravenção, ou lesão à Fazenda Pública
ou ao consumidor, a autoridade fiscalizadora representará junto ao órgão competente para
apuração das responsabilidades administrativa e penal.
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CAPÍTULO VIII
Dos Crimes e das Penas
Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o desta Lei:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou
embrião humano:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 26. Realizar clonagem humana:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas
estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1o (VETADO)
§ 2o Agrava-se a pena:
I – de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano à propriedade alheia;
II – de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao meio ambiente;
III – da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão corporal de natureza grave em
outrem;
IV – de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem.
Art. 28. Utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias genéticas
de restrição do uso:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM
ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela
CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
CAPÍTULO IX
Disposições Finais e Transitórias
Art. 30. Os OGM que tenham obtido decisão técnica da CTNBio favorável a sua
liberação comercial até a entrada em vigor desta Lei poderão ser registrados e
comercializados, salvo manifestação contrária do CNBS, no prazo de 60 (sessenta) dias, a
contar da data da publicação desta Lei.
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Art. 31. A CTNBio e os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art.
16 desta Lei, deverão rever suas deliberações de caráter normativo, no prazo de 120 (cento
e vinte) dias, a fim de promover sua adequação às disposições desta Lei.
Art. 32. Permanecem em vigor os Certificados de Qualidade em Biossegurança,
comunicados e decisões técnicas já emitidos pela CTNBio, bem como, no que não
contrariarem o disposto nesta Lei, os atos normativos emitidos ao amparo da Lei no 8.974,
de 5 de janeiro de 1995.
Art. 33. As instituições que desenvolverem atividades reguladas por esta Lei na data
de sua publicação deverão adequar-se as suas disposições no prazo de 120 (cento e vinte)
dias, contado da publicação do decreto que a regulamentar.
Art. 34. Ficam convalidados e tornam-se permanentes os registros provisórios
concedidos sob a égide da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003.
Art. 35. Ficam autorizadas a produção e a comercialização de sementes de cultivares
de soja geneticamente modificadas tolerantes a glifosato registradas no Registro Nacional
de Cultivares - RNC do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Art. 36. Fica autorizado o plantio de grãos de soja geneticamente modificada tolerante
a glifosato, reservados pelos produtores rurais para uso próprio, na safra 2004/2005, sendo
vedada a comercialização da produção como semente. (Vide Decreto nº 5.534, de 2005)
Parágrafo único. O Poder Executivo poderá prorrogar a autorização de que trata o
caput deste artigo.
Art. 37. A descrição do Código 20 do Anexo VIII da Lei no 6.938, de 31 de agosto de
1981, acrescido pela Lei no 10.165, de 27 de dezembro de 2000, passa a vigorar com a
seguinte redação:
"ANEXO VIII
Código Categoria Descrição Pp/gu
........... ................ .............................................................................................................. .............
20 Uso de
Recursos
Naturais
Silvicultura; exploração econômica da madeira ou lenha e
subprodutos florestais; importação ou exportação da fauna e flora
nativas brasileiras; atividade de criação e exploração econômica de
fauna exótica e de fauna silvestre; utilização do patrimônio genético
natural; exploração de recursos aquáticos vivos; introdução de
espécies exóticas, exceto para melhoramento genético vegetal e uso
na agricultura; introdução de espécies geneticamente modificadas
previamente identificadas pela CTNBio como potencialmente
causadoras de significativa degradação do meio ambiente; uso da
diversidade biológica pela biotecnologia em atividades previamente
identificadas pela CTNBio como potencialmente causadoras de
significativa degradação do meio ambiente.
Médio
........... ................ ............................................................................................................... .............
65
Art. 38. (VETADO)
Art. 39. Não se aplica aos OGM e seus derivados o disposto na Lei no 7.802, de 11 de
julho de 1989, e suas alterações, exceto para os casos em que eles sejam desenvolvidos
para servir de matéria-prima para a produção de agrotóxicos.
Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou
animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter
informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.
Art. 41. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 42. Revogam-se a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, a Medida Provisória n
o
2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6
o, 7
o, 8
o, 9
o, 10 e 16 da Lei n
o 10.814, de
15 de dezembro de 2003.
Brasília, 24 de março de 2005; 184o da Independência e 117
o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Márcio Thomaz Bastos
Celso Luiz Nunes Amorim
Roberto Rodrigues
Humberto Sérgio Costa Lima
Luiz Fernando Furlan
Patrus Ananias
Eduardo Campos
Marina Silva
Miguel Soldatelli Rossetto
José Dirceu de Oliveira e Silva