jackson willian marques da fonseca a exaltação de jesus em

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Jackson Willian Marques da Fonseca A exaltação de Jesus em Filipenses 2,9-11 Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio, como requisito parcial para ob- tenção do título de Mestre em Teologia. Aprovada pela co- missão examinadora abaixo assinada. Prof. Isidoro Mazzarolo Rio de Janeiro Novembro de 2016

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Page 1: Jackson Willian Marques da Fonseca A exaltação de Jesus em

Jackson Willian Marques da Fonseca

A exaltaccedilatildeo de Jesus em Filipenses 29-11

Dissertaccedilatildeo de Mestrado

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para ob-tenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Teologia Aprovada pela co-missatildeo examinadora abaixo assinada

Prof Isidoro Mazzarolo

Rio de Janeiro Novembro de 2016

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Jackson Willian Marques da Fonseca

A exaltaccedilatildeo de Jesus em Filipenses 29-11

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para ob-tenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Teologia Aprovada pela co-missatildeo examinadora abaixo assinada

Prof Isidoro Mazzarolo

Orientador

Departamento de Teologia ndash PUC-Rio

Prof Waldecir Gonzaga

Departamento de Teologia ndash PUC-Rio

Prof Paulo Severino Da Silva Filho

Igreja Presbiteriana do Brasil

Profordf Monah Winograd

Coordenadora Setorial de Poacutes-Graduaccedilatildeo e Pesquisa

do Centro de Teologia e Ciecircncias Humanas ndash PUC-Rio

Rio de Janeiro 12 de dezembro de 2016

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Todos os direitos reservados Eacute proibida reproduccedilatildeo total ou parcial do trabalho sem autorizaccedilatildeo da universidade do autor e do orientador

Jackson Willian Marques da Fonseca

Cursou o Seminaacuterio Teoloacutegico Presbiteriano Rev Ashbel Green Simonton (2004) e o Centro de Poacutes-Graduaccedilatildeo An-drew Jumper (2010) Graduou-se em teologia pela Universi-dade Presbiteriana Mackenzie (2012) Eacute ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) Leciona desde 2010 disciplinas relacionadas agrave exegese do Novo Testamento no Seminaacuterio Presbiteriano Simonton

Ficha Catalograacutefica

CDD 200

Fonseca Jackson Willian Marques da

A exaltaccedilatildeo de Jesus em Filipenses 29-11 Jackson Willian Mar-

ques da Fonseca orientador Isidoro Mazzarolo ndash 2016

171 f 30 cm

Dissertaccedilatildeo (mestrado)ndashPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio

de Janeiro Departamento de Teologia 2016

Inclui bibliografia

1 Teologia ndash Teses 2 Exaltaccedilatildeo de Jesus 3 Filipenses 29-11

4 Senhor 5 Cristologia do Novo Testamento 6 Hino cristoloacutegico I

Mazzarolo Isidoro II Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Ja-

neiro Departamento de Teologia III Tiacutetulo

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AGRADECIMENTOS

Agrave minha matildee Aurelidia Marques da Fonseca e minha avoacute Liacutedia Vasconcelos que me incentivaram e me deram condiccedilotildees de estudar a Escritura como Palavra de Deus

Agrave minha esposa Liz Mary da Silva Marques companheira e amor de toda a minha vida sem a qual vitoacuterias natildeo seriam alcanccediladas nem seriam celebradas

Agraves minhas filhas Taissa da Silva Marques e Sarah da Silva Marques A existecircncia de vocecircs traz alegria ao meu coraccedilatildeo e um sorriso aos laacutebios

Agrave Igreja Presbiteriana do Brasil que me daacute o privileacutegio de exercer o ministeacuterio de ensinar a Palavra de Deus como pastor de ovelhas e professor de futuros pastores

Agrave Igreja Presbiteriana das Aacuteguas comunidade onde o meu coraccedilatildeo cristatildeo tem sido renovado e que me possibilita dedicar o tempo necessaacuterio ao estudo

Ao meu orientador Professor Isidoro Mazzarolo pelo acompanhamento atencioso e incentivo constantes que me impulsionaram agrave realizaccedilatildeo deste trabalho

A todo o Departamento de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio por toda a estrutura acadecircmica disponibilizada e especialmente os seus professores que com excelecircncia ofereceram preciosa contribuiccedilatildeo a minha formaccedilatildeo

Ao Programa de bolsas de fomento CAPESPROSUP do ministeacuterio de educaccedilatildeo que ofereceu as condiccedilotildees financeiras adequadas para o cumprimento de todas as exigecircncias do curso de mestrado

E sobretudo agradeccedilo aquele que eacute soberano sobre todas as coisas que me susten-tou graciosamente em todas as circunstacircncias sendo o sentido uacuteltimo de toda e qualquer realizaccedilatildeo

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Resumo

Fonseca Jackson Willian Marques da Mazzarolo Isidoro (Orientador) A

exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Dissertaccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro

Filipenses 26-11 eacute texto fundamental na cristologia do cristianismo primi-

tivo e neotestamentaacuteria Inserido na parecircnese da carta de Paulo aos Filipenses a

passagem desenvolve uma narrativa cristoloacutegica que comeccedila na preexistecircncia

passa pela encarnaccedilatildeo e culmina na exaltaccedilatildeo de Jesus No contexto da carta funci-

ona como um chamado eacutetico aos que estatildeo ldquoem Cristordquo agrave obediecircncia ao Senhor

exaltado Literariamente o texto eacute um hino composto de duas partes 26-8 e 29-11

e a leitura proposta eacute ver nesta segunda seccedilatildeo o cliacutemax do hino que justamente trata

da exaltaccedilatildeo de Jesus O tema da exaltaccedilatildeo eacute apresentado dentro de uma perspectiva

escatoloacutegica pois o iniacutecio do senhorio de Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila isra-

elita no triunfo de Deus eacute a virada escatoloacutegica que traz o tempo de salvaccedilatildeo Atra-

veacutes da exaltaccedilatildeo Deus compartilhou com seu Filho a soberania sobre o universo

implicando que todos os seres precisam agora dobrar os joelhos diante de Jesus e

reconhececirc-lo como Senhor Aqueles que jaacute fazem isso voluntariamente vivenciam

antecipadamente o que seraacute a realidade escatoloacutegica final Esse novo papel de Jesus

eacute descrito pelo tiacutetulo κύριος que combinado com outros elementos do texto atribui

a ele contornos divinos e de igualdade com YHWH aleacutem de uma oposiccedilatildeo agraves ide-

ologias romanas A exaltaccedilatildeo de Jesus tambeacutem estaacute ligada com a revoluccedilatildeo cristo-

loacutegica que aconteceu no culto cristatildeo primitivo quando os cristatildeos judeus adoraram

Jesus ao lado de Deus Pai sem renunciar ao seu monoteiacutesmo O final do hino enfa-

tiza exatamente que a exaltaccedilatildeo de Jesus foi conduzida por Deus e resulta em sua

proacutepria gloacuteria

Palavras-Chave

Exaltaccedilatildeo de Jesus Filipenses 29-11 Senhor cristologia do Novo Testa-mento hino cristoloacutegico

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Abstract

Fonseca Jackson Willian Marques Mazzarolo Isidoro (Orientador) The

Exaltation of Jesus in Phil 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Disserta-ccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro

Philippians 26-11 is a fundamental text in the Christology of early Christi-

anity and the New Testament Inserted in the parenesis of Pauls letter to the Philip-

pians the passage develops a Christological narrative that begins in the preexist-

ence passes through the incarnation and culminates in the exaltation of Jesus In

the context of the letter functions as an ethical call to those who are in Christ in

obedience to the exalted Lord Literarily the text is a hymn composed of two parts

26-8 and 29-11 and the proposed reading is to see in this second section the climax

of the hymn which precisely deals with the exaltation of Jesus The theme of exal-

tation is displayed within an eschatological perspective since the beginning of the

lordship of Jesus is the fulfillment of the Israelite hope in the triumph of God it is

the eschatological turn that brings the fulfillment of salvation Through exaltation

God shared with His Son the sovereignty over the universe implying that all beings

must now bend to his knees before Jesus and acknowledge him as Lord Those who

already do so voluntarily experience in advance what will be the reality of the es-

chatological end This new role of Jesus is described by the title κύριος which com-

bined with the other elements of the text gives it contours to the divine and equality

with YHWH in addition to opposition to Roman ideologies The exaltation of Jesus

is also connected to the Christological revolution that happened in the worship of

the early Christian when the Jewish Christians worshipped Jesus alongside God

the Father without giving up their monotheism The end of the hymn emphasizes

exactly that the exaltation of Jesus was led by God and results in his own glory

Keywords

Exaltation of Jesus Philippians 29-11 the Lord Christology of the New Testament Christological hymn

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Sumaacuterio

1 Introduccedilatildeo 10

2 O texto a carta e o contexto 17

21 A cidade de Filipos 17

22 Paulo e a igreja de Filipos 20

23 A carta aos Filipenses 26

231 Autoria e integridade da carta 26

232 Objetivo da carta 28

233 Estrutura da carta 29

24 Criacutetica Textual de Fl 29-11 30

25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11 32

26 Delimitaccedilatildeo de Fl 29-11 32

3 Status Quaestionis da pesquisa a respeito de Fl 26-11 35

31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea 35

32 A pesquisa sobre o gecircnero e a estrutura de Fl 26-11 36

33 A pesquisa sobre autoria e origem de Fl 26-11 40

34 O pano de fundo de Fl 26-11 45

35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica) 48

4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e seu novo nome 59

41 Introduccedilatildeo do capiacutetulo 59

42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus 61

43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω 63

431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular 63

432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento 66

433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68

4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68

4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico 71

434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia 75

435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo 82

44 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a doaccedilatildeo de um novo nome 84

441 O verbo χαρίζομαι 84

442 O nome dado a Jesus 85

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4421 ldquoNomerdquo no Antigo Testamento e no judaiacutesmo 86

4422 ldquoNomerdquo no Novo Testamento 87

4423 A identificaccedilatildeo do nome dado a Jesus em Fl 29 88

45 Conclusatildeo do capiacutetulo 92

5 A reverecircncia e a confissatildeo ao Jesus exaltado 96

51 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 96

52 Isaiacuteas 4523 e a exaltaccedilatildeo de Jesus 96

53 Accedilotildees feitas ldquoem nome de Jesusrdquo 100

54 Joelhos dobrados ao nome de Jesus 102

55 O alcance da reverecircncia a Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 103

56 E toda liacutengua confesse 106

57 O significado biacuteblico-teoloacutegico da reverecircncia oferecida em Fl 210-11 108

571 Quem reverencia e quem eacute reverenciado 108

572 Quando eacute reverenciado 111

58 Fl 210-11 e a adoraccedilatildeo a Jesus 117

59 Conclusatildeo do capiacutetulo 120

6 Jesus eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai 122

61 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 122

62 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 122

621 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo no Novo Testamento 123

622 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo em Fl 211 128

63 O tiacutetulo κύριος atribuiacutedo a Jesus 129

631 Panorama da atribuiccedilatildeo de κύριος Jesus no Novo Testamento 129

632 Panorama da histoacuteria da pesquisa sobre o tiacutetulo κύριος 131

633 A importacircncia teoloacutegica de confessar Jesus como Senhor 134

64 Para gloacuteria de Deus Pai 140

65 Monoteiacutesmo cristoloacutegico 143

66 Conclusatildeo do capiacutetulo 148

7 Conclusatildeo 149

8 Referecircncias bibliograacuteficas 162

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ABREVIATURAS

BAGD - A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early

Christian Literature

Cf ndash Conferir

DENT ndash Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

DITAT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

DLNTD - Dictionary of the Later New Testament its Developments

DPL ndash Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas

DITNT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Novo Testamento

IDB - The Interpreterrsquos Dictionary of the Bible

NCBSJ ndash Novo Comentaacuterio Biacuteblico Satildeo Jerocircnimo

NDITEAT ndash Novo Dicionaacuterio Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento

TDNT ndash Theological Dictionary of the New Testament

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1 Introduccedilatildeo

A pesquisa ora apresentada estaacute situada dentro da ciecircncia teoloacutegica no

campo da teologia biacuteblica do Novo Testamento mais especificamente nas aacutereas

dos estudos da teologia paulina e do cristianismo primitivo O objeto material eacute o

texto biacuteblico paulino de Filipenses 29-11 e o objeto formal a partir deste texto eacute o

tema da exaltaccedilatildeo de Jesus Ele aparece no texto pela utilizaccedilatildeo do verbo

uperuyow e os conceitos relacionados a essa accedilatildeo de Deus exaltar Jesus um nome

que foi dado a ele diante desse nome haveraacute uma reverecircncia universal haacute uma

confissatildeo a ser feita e tudo isso ocorre para gloacuteria de Deus Pai

O objetivo do trabalho eacute apresentar uma compreensatildeo exegeacutetica do texto

salientando os aspectos literaacuterios histoacutericos e principalmente teoloacutegicos Na

perspectiva literaacuteria busca-se atraveacutes da criacutetica textual anaacutelise semacircntica sintaacuteti-

ca traduccedilatildeo delimitaccedilatildeo anaacutelise das formas anaacutelises linguiacutesticas e anaacutelises reda-

cionais entender o significado do texto em si e na sua relaccedilatildeo com a carta aos Fili-

penses Na dimensatildeo histoacuterica a proposta eacute investigar o uso de toda a periacutecope de

Fl 26-11 como um hino no culto cristatildeo primitivo anterior ou paralelo ao ministeacute-

rio de Paulo avaliar o seu significado dentro do desenvolvimento do cristianismo

primitivo e a interaccedilatildeo da sua mensagem com algumas cosmovisotildees contemporacirc-

neas como o judaiacutesmo o helenismo e a cultura romana Teologicamente a inten-

ccedilatildeo eacute verificar como o texto descreve o tema central da exaltaccedilatildeo de Jesus e sua

inter-relaccedilatildeo com outros toacutepicos teoloacutegicos tambeacutem presentes na periacutecope e im-

portantes para a feacute cristatilde como o monoteiacutesmo a divindade de Jesus a escatolo-

gia o culto cristatildeo e a atuaccedilatildeo de poderes celestiais no mundo para entatildeo extrair

as implicaccedilotildees dessa narrativa para a compreensatildeo tanto da teologia paulina

quanto da teologia do cristianismo primitivo

Estes objetivos jaacute indicam a relevacircncia acadecircmica do empreendimento

mormente para a pesquisa teoloacutegica Explicitando esta relevacircncia pode-se desta-

car a princiacutepio a importacircncia de investigar como Paulo e os primeiros cristatildeos

entenderam e articularam a sua feacute na exaltaccedilatildeo de Jesus Em decorrecircncia deste

toacutepico a pesquisa contribuiraacute para a compreensatildeo da elaboraccedilatildeo cristoloacutegica ocor-

rida entre os primeiros cristatildeos no periacuteodo entre as deacutecadas de 30 e 60 do primeiro

seacuteculo O trabalho tambeacutem seraacute importante para sublinhar os contornos poliacuteticos e

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socioloacutegicos da feacute professada pelos primeiros cristatildeos especialmente para os ci-

dadatildeos de Filipos destino da carta paulina estudada tendo em vista a forte ligaccedilatildeo

entre a cidade de Filipos e a capital do impeacuterio romano Outrossim a proacutepria anaacute-

lise exegeacutetica que seraacute oferecida estando os versiacuteculos 29-11 inseridos em uma

periacutecope central do corpus paulino eacute outro indiacutecio do valor cientiacutefico desta disser-

taccedilatildeo oferecendo a outros um exemplo da metodologia exegeacutetica aplicada E con-

siderando a enorme bibliografia associada agrave exegese desta passagem o trabalho

contribuiraacute para informar o status atual da pesquisa acadecircmica apresentando as

principais discussotildees e soluccedilotildees propostas

Para alcanccedilar os objetivos elencados acima foram usadas a priori as eta-

pas da metodologia histoacuterico-criacutetica conforme apresentadas por Wegner a saber

criacutetica textual traduccedilatildeo anaacutelise literaacuteria (incluindo delimitaccedilatildeo avaliaccedilatildeo da es-

trutura do texto verificaccedilatildeo do uso de fontes sobretudo veterotestamentaacuterias)

anaacutelise redacional dos contextos anaacutelise das formas (a discussatildeo sobre o gecircnero

literaacuterio do texto) e anaacutelise da histoacuteria das tradiccedilotildees1 Nem todas essas etapas apa-

recem explicitamente no decorrer do trabalho constituindo-se o mesmo como

aquilo que Lima denomina ldquocomentaacuterio exegeacuteticordquo isto eacute o resultado final da

exegese que pressupotildee diversas tarefas metodoloacutegicas2 Natildeo obstante para me-

lhor estudar o texto escolhido as etapas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico seratildeo com-

plementadas por outras metodologias Aqui entraratildeo em consideraccedilatildeo as anaacutelises

sincrocircnicas com as perspectivas linguiacutestico-sintaacutetica semacircntica e pragmaacutetica em

especial esta uacuteltima utilizada na discussatildeo sobre Fl 210-11 no capiacutetulo 4 Tam-

beacutem complementaraacute a pesquisa a abordagem socioloacutegica aproveitando-se dos

estudos de J H Hellerman a fim de verificar a interaccedilatildeo entre a mensagem do

texto e a cultura romana predominante na cidade de Filipos E ainda como com-

1 WEGNER U Exegese do Novo Testamento passim 2 LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 165-170

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plementaccedilatildeo ao meacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicional3 seratildeo desenvolvidas no esco-

po do trabalho as anaacutelises de conteuacutedo e teoloacutegica como indicadas por Wegner

identificando os conteuacutedos que a passagem quer ressaltar suas interaccedilotildees impli-

caccedilotildees e avaliaccedilatildeo teoloacutegica dos mesmos

O conteuacutedo do trabalho foi distribuiacutedo em cinco etapas A primeira tem

como objetivo responder ao que Fitzmyer chama de ldquoperguntas iniciasrdquo na aplica-

ccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico4 Dessa forma buscar-se-aacute aqui caracterizar os

destinataacuterios da carta aos Filipenses descrevendo histoacuterica e sociologicamente a

cidade de Filipos e seus moradores e pelo mesmo acircngulo discorrer sobre a atua-

ccedilatildeo de Paulo naquele lugar e a sobre a comunidade cristatilde resultante da atuaccedilatildeo do

apoacutestolo ali Esta etapa tambeacutem seraacute o espaccedilo para a discussatildeo de questotildees intro-

dutoacuterias relativas ao documento canocircnico Carta aos Filipenses Quem escreveu

Quando Onde Por que A carta eacute um documento uacutenico ou eacute a compilaccedilatildeo de

dois ou trecircs documentos anteriores Como se encontra atualmente no cacircnon do

Novo Testamento qual eacute a sua estrutura como seu conteuacutedo estaacute organizado E

finalmente esta etapa que se constituiraacute no primeiro capiacutetulo da dissertaccedilatildeo faraacute o

estabelecimento do texto a ser trabalhado mediante a criacutetica textual a traduccedilatildeo e

delimitaccedilatildeo

A segunda etapa da pesquisa se propotildee ao status quaestionis da exegese da

passagem Considerando que uma das teses defendidas neste trabalho eacute que a pe-

riacutecope de Fl 26-11 eacute uma narrativa teoloacutegica composta por duas partes e com dois

temas distintos embora interligados a saber 26-8 a encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo do

filho de Deus e 29-11 a exaltaccedilatildeo de Jesus e considerando ainda que esta pesqui-

sa estaacute delimitada no tema da exaltaccedilatildeo de Jesus a dissertaccedilatildeo como um todo es-

3 Por ldquomeacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicionalrdquo entende-se as etapas apresentadas na apresentaccedilatildeo do

meacutetodo pelos seguintes autores LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 75-76

(criacutetica textual traduccedilatildeo criacutetica literaacuteria criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica da redaccedilatildeo criacutetica das tradiccedilotildees comentaacuterio exegeacutetico) SCHNELLE U Introduccedilatildeo agrave Exegese do

Novo Testamento p 47-48 (criacutetica textual anaacutelise textual criacutetica literaacuteria e das fontes histoacuteria

das formas histoacuteria da tradiccedilatildeo histoacuteria dos conceitos e motivos comparaccedilatildeo sociorreligiosa

histoacuteria da redaccedilatildeo) FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p28-32 (perguntas introdutoacuterias

criacutetica textual anaacutelise filoloacutegica criacutetica das fontes anaacutelise dos gecircneros criacutetica das tradiccedilotildees criacuteti-

ca da redaccedilatildeo) SILVA C M D Metodologia de exegese biacuteblica p 11 passim que defende apoacutes a criacutetica textual e a delimitaccedilatildeo a aplicaccedilatildeo de teacutecnicas sincrocircnicas para entatildeo utilizar as

metodologias diacrocircnicas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico que apresenta como criacutetica literaacuteria criacutetica

dos gecircneros literaacuterios criacutetica da tradiccedilatildeo criacutetica da redaccedilatildeo) Em geral as etapas propostas para a

exegese diacrocircnica no Antigo Testamento satildeo as mesmas para o Novo Por exemplo SIMIAN-

YOFRE H (coord) Metodologia do Antigo Testamento p 73-108 informa o seguinte caminho

apoacutes a criacutetica textual criacutetica da constituiccedilatildeo do texto criacutetica da redaccedilatildeo e da composiccedilatildeo criacutetica da transmissatildeo criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica das tradiccedilotildees 4 FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p 28

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taraacute necessariamente fixada na segunda parte da passagem No entanto como se

trata de apenas uma uacutenica periacutecope as discussotildees introdutoacuterias sempre dizem res-

peito ao conjunto integral de Fl 26-11

Dessa forma a segunda etapa pretende mostrar que a exegese contemporacirc-

nea de Fl 26-11 remonta ao estudo do texto por Ernst Lohmeyer em 1928 Quase

90 anos depois eacute possiacutevel constatar alguns toacutepicos centrais na literatura acadecircmica

especializada Primeiro a discussatildeo sobre o gecircnero e a estrutura da passagem

Qual eacute o gecircnero literaacuterio especiacutefico desta periacutecope hino prosa exaltada encocircmio

ou ainda um outro gecircnero Em quantas partes o segmento deve ser dividido duas

trecircs ou quatro estrofes Quantos e quais versos devem ser colocados em cada es-

trofe A estrutura do suposto hino original eacute diferente desta encontrada hoje na

carta aos Filipenses O segundo toacutepico central na pesquisa deste texto estaacute relaci-

onado agrave sua autoria e origem A pergunta eacute se realmente o autor da carta aos Fili-

penses escreveu Fl 26-11 ou ele estaacute citando uma composiccedilatildeo cristatilde jaacute existente

antes da carta Ou ainda seraacute que Paulo estaacute citando um texto composto por ele

mesmo em outra ocasiatildeo Entre os toacutepicos centrais da pesquisa em terceiro lugar

estatildeo as questotildees que dizem respeito ao pano de fundo da passagem O problema

eacute quais satildeo os conceitos religiosos que estatildeo por traacutes de Fl 26-11 Esses concei-

tos vecircm do helenismo religioso do Antigo Testamento do judaiacutesmo ou do cristia-

nismo primitivo Como eles influenciaram esta composiccedilatildeo cristatilde e que tipo de

interaccedilotildees existem entre o texto e esses supostos conceitos O quarto e uacuteltimo

toacutepico central considerado no segundo capiacutetulo eacute acerca da funccedilatildeo que este texto

desempenha na carta aos Filipenses O impasse eacute o seguinte na argumentaccedilatildeo

que Paulo faz na carta o trecho de Fl 26-11 funciona como um exemplo do tipo

de comportamento que ele espera dos seus leitores (interpretaccedilatildeo eacutetica) ou este

texto seria a descriccedilatildeo do evento escatoloacutegico que trouxe os leitores cristatildeos para

o espaccedilo do senhorio de Jesus Cristo e a exortaccedilatildeo paulina seria para que estes

leitores vivessem em conformidade com esta realidade isto eacute em submissatildeo ao

seu senhor e salvador (interpretaccedilatildeo soterioloacutegica)

A terceira etapa da pesquisa ora apresentada vai adentrar na interpretaccedilatildeo

do texto propriamente dito O foco seraacute a interpretaccedilatildeo do versiacuteculo 29 As per-

guntas a serem respondidas satildeo Quem o texto apresenta como responsaacutevel pela

exaltaccedilatildeo de Jesus e qual a importacircncia disso Como a exaltaccedilatildeo era entendida no

Antigo Oriente no judaiacutesmo e nos escritos neotestamentaacuterio natildeo paulinos Como

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a exaltaccedilatildeo de Jesus aparece na teologia paulina e como ela estaacute diretamente liga-

da agrave visatildeo escatoloacutegica do apoacutestolo Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo descrita em

29 e a preexistecircncia de Cristo apresentada em 26 A exaltaccedilatildeo eacute simples volta agrave

preexistecircncia ou indica um estaacutegio superior Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo de

Jesus apresentada e a cultura romana de exaltaccedilatildeo Qual o significado teoloacutegico

da utilizaccedilatildeo do verbo χαρίζομαι na passagem Qual foi o nome dado a Jesus na

sua exaltaccedilatildeo e qual a importacircncia disso A resposta a todos esses questionamen-

tos vai demonstrar em linhas gerais que Deus Pai exaltou Jesus e o colocou como

Senhor de todo o universo compartilhando com ele seu proacuteprio nome e funccedilatildeo e

tudo isso foi interpretado por Paulo como a grande intervenccedilatildeo escatoloacutegica atra-

veacutes da qual Deus trouxe o uacuteltimo e definitivo eacuteon A forma como tal mensagem

foi apresentada certamente colidiu com a cultura romana de exaltaccedilatildeo pois para

Paulo o que foi exaltado eacute o mesmo que voluntariamente se colocou na posiccedilatildeo de

servo se humilhou e foi morto na cruz

A quarta etapa da dissertaccedilatildeo estudaraacute os versiacuteculos 210-11 com exceccedilatildeo

do segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός reservado ao proacute-

ximo capiacutetulo Aqui trata-se da utilizaccedilatildeo de Is 4523 a releitura cristoloacutegica e

escatoloacutegica feitas neste texto de Isaiacuteas o sentido da expressatildeo ldquoem nome de Je-

susrdquo no periacuteodo e qual significado o autor pretende comunicar atraveacutes das accedilotildees

de dobrar os joelhos e confessar Entre outras questotildees este capiacutetulo pretende

responder Quem eacute o destinataacuterio da reverecircncia indicada em 210-11 (Deus Pai ou

Jesus) Quem o texto pressupotildee que iraacute prestar essa reverecircncia (todos os seres

humanos toda a criaccedilatildeo ou apenas seres e poderes coacutesmicos) A Igreja estaacute inclu-

iacuteda ou natildeo nessa reverecircncia Qual a dimensatildeo temporal do texto eacute algo que jaacute

deve acontecer ou eacute a descriccedilatildeo de um evento futuro Sobretudo esse capiacutetulo seraacute

importante para entrar na discussatildeo da adoraccedilatildeo a Jesus Como a partir de sua

visatildeo escatoloacutegica e por intermeacutedio de uma releitura veterotestamentaacuteria Paulo

inclui o Jesus exaltado como alvo da adoraccedilatildeo que o ser humano deve oferecer

Como ele apresenta a reverecircncia e a confissatildeo a Jesus Cristo como um aconteci-

mento futuro de alcance coacutesmico mas que simultaneamente desafia os ouvintes e

leitores da passagem E como esse entendimento lanccedila luz sobre a praacutetica lituacutergica

dos primeiros cristatildeos

A quinta etapa do trabalho se debruccedila sobre a uacuteltima parte do versiacuteculo

211 a saber ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός Este trabalho

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adotaraacute como proposta de leitura de todo o conjunto de Fl 26-11 o conceito de

narrativa teoloacutegica e neste modo de ver a passagem alcanccedila o seu cliacutemax neste

ponto ou seja na confissatildeo do senhorio de Jesus O drama soterioloacutegico e escato-

loacutegico desenvolvido na passagem chega neste ponto respondendo agraves seguintes

perguntas Quem eacute Jesus hoje E quem eacute Senhor hoje Dessa forma este quinto

capiacutetulo comeccedilaraacute estudando o significado da confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo

no contexto geral do Novo Testamento e mais especificamente em Fl 211 Uma

atenccedilatildeo especial seraacute dedicada ao tiacutetulo κύριος primeiro identificando na literatu-

ra neotestamentaacuteria os diferentes estaacutegios na aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus perce-

bendo o que era atribuiacutedo a Jesus em cada momento Em seguida apresentar-se-aacute

uma breve histoacuteria da pesquisa sobre a relaccedilatildeo entre a aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus e

sua utilizaccedilatildeo na Septuaginta e dentro do judaiacutesmo tanto anterior quanto posteri-

or agrave Septuaginta A conclusatildeo da discussatildeo sobre κύριος seraacute a avaliaccedilatildeo do signi-

ficado teoloacutegico desta designaccedilatildeo cristoloacutegica isto eacute o que exatamente os primei-

ros cristatildeos estavam atribuindo a Jesus quando o chamaram de Senhor Qual im-

pacto dessa atribuiccedilatildeo na teologia liturgia e praacuteticas cristatildes Quais implicaccedilotildees

poliacuteticas e apologeacuteticas estariam subentendidas sobretudo frente agrave religiosidade

pagatilde e agraves ideologias romanas do culto ao imperador Apoacutes essa discussatildeo seguir-

se-aacute a anaacutelise da uacuteltima expressatildeo da periacutecope para gloacuteria de Deus Pai Entendida

como uma reivindicaccedilatildeo ao monoteiacutesmo esta afirmaccedilatildeo traraacute para o debate o

chamado monoteiacutesmo cristoloacutegico que procura responder como os primeiros cris-

tatildeos judeus puderam incluir Jesus no seu culto sem renunciar ao monoteiacutesmo vete-

rotestamentaacuterio E mais os primeiros cristatildeos judeus acreditavam na divindade de

Jesus Que tipo de argumentaccedilatildeo esteve envolvida nesta construccedilatildeo teoloacutegica

Satildeo questotildees essenciais que aproximaram a pesquisa de temas centrais da feacute cris-

tatilde como a divindade de Jesus e a doutrina da trindade

Com esses cinco capiacutetulos lanccedilando matildeo de extensa pesquisa bibliograacutefi-

ca e tendo como principais referenciais teoacutericos para compreensatildeo da passagem

Ernst Kaumlsemann e Ralph P Martin acredita-se que esta dissertaccedilatildeo ofereceraacute uma

exegese segura do texto de Filipenses 29-11 em conformidade com as metodolo-

gias exegeacuteticas contemporacircneas que aleacutem de contribuir com a proacutepria pesquisa

sobre estes versiacuteculos traraacute luz para alguns toacutepicos da discussatildeo exegeacutetica sobre

Fl 26-11 e sobre a cristologia neotestamentaacuteria em particular a paulina Por con-

seguinte o trabalho ofereceraacute subsiacutedios para a investigaccedilatildeo da cristologia na teo-

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logia dogmaacutetica e para articulaccedilatildeo de accedilotildees pastorais biacuteblica e cristologicamente

embasadas O resumo das principais conclusotildees a que se chegou na pesquisa seraacute

apresentado na conclusatildeo seguida das referecircncias bibliograacuteficas utilizadas

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2 O texto a carta e o contexto

Este capiacutetulo tenciona estabelecer uma aproximaccedilatildeo com o texto de Fl 29-

11 fazendo um olhar panoracircmico dos seus contextos Seguindo a loacutegica do maior

para o menor seratildeo apresentados a cidade de Filipos a igreja que existia na

cidade de Filipos a carta enviada aos cristatildeos dessa igreja e finalmente o texto de

Fl 29-11 objeto material da pesquisa Esta parte introdutoacuteria seraacute muito

importante para evitar que o texto seja estudado como se estivesse isolado no

tempo e no espaccedilo prevenindo assim argumentos anacrocircnicos e de fraacutegil

sustentaccedilatildeo literaacuteria

21 A cidade de Filipos

O texto a ser analisado faz parte da carta que o apoacutestolo Paulo escreveu

aos cristatildeos da cidade de Filipos que em meados do seacuteculo I dC era uma colocircnia

do Impeacuterio Romano da proviacutencia da Macedocircnia

A histoacuteria dessa cidade remonta ao ano 356 a C quando Filipe II rei da

Macedocircnia (o pai do famoso Alexandre o Grande) toma a cidade de Crenides dos

Tracianos e faz do local uma homenagem a si mesmo Filipos a cidade de Filipe5

Para o governante a cidade possuiacutea uma imediata importacircncia econocircmica e

militar pois as minas de ouro da regiatildeo o ajudariam a aparelhar seus exeacutercitos e

financiar suas batalhas6 Apoacutes quase duzentos anos de domiacutenio macedocircnio

Filipos passa para o controle romano em 168 a C quando o general romano

Emiacutelius Paulus derrota o rei macedocircnico Perseu e faz da Macedocircnia uma

proviacutencia romana dividida em quatro subproviacutencias uma das quais era o proacuteprio

5 A fundaccedilatildeo da cidade de Crenides ocorreu menos de cinco antes da accedilatildeo de Filipe II e remonta a um exilado ateniense chamado Caliacutestrato que foi para a regiatildeo com um grupo de colonizadores OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 3 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos

urbanos p 107 BRUCE F F Filipenses p 12 6 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355

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distrito da Macedocircnia no qual estava localizado Filipos7 Em 148 aC a

Macedocircnia eacute feita uma proviacutencia senatorial8 mas a importacircncia econocircmica da

cidade diminui devido agrave exaustatildeo dos recursos minerais9 A situaccedilatildeo muda no

seacuteculo I a C quando duas batalhas decisivas para a histoacuteria do Impeacuterio Romano

ocorrem proacuteximas a Filipos Em 42 aC as tropas lideradas por Brutus e Caacutessio

satildeo derrotadas pelo exeacutercito de Antocircnio e Otaviano pondo fim a era da Repuacuteblica

Romana10 A cidade eacute refundada por Antocircnio como Colonia Julia Filipense11 e eacute

iniciada uma intensa colonizaccedilatildeo romana quando ele transfere para laacute os veteranos

da sua vigeacutesima oitava legiatildeo12 Em 31 aC na mesma regiatildeo Antocircnio eacute

derrotado por Otaviano surgindo assim o Impeacuterio Romano propriamente dito

posto que em 29 aC ele eacute proclamado Imperador e em 27 a C Augustus13 Em

comemoraccedilatildeo ao tiacutetulo a cidade de Filipos recebeu um novo nome Vitoriosa

Colocircnia Augusto Juacutelia dos Filipenses14 Otaviano intensificou a colonizaccedilatildeo

romana levando para Filipos outro grupo de soldados veteranos (das tropas

derrotadas de Antocircnio) inclusive a coorte de pretorianos junto com famiacutelias

italianas que tiveram suas posses confiscadas por apoiarem Antocircnio15

O status de colocircnia desde 42 aC trouxe ganhos significativos para a

cidade de Filipos Ela possuiacutea uma administraccedilatildeo proacutepria a cargo de magistrados e

oficiais16 Os cidadatildeos eram considerados cidadatildeos romanos como se em Roma

estivessem Nos roacuteis das tribos da cidade de Roma os cidadatildeos romanos de Filipos

7 Embora a capital desse distrito fosse Tessalocircnica At 1612 registra ldquoFilipos cidade principal daquela regiatildeo da Macedocircnia e tambeacutem colocircnia romanardquo Cf BRUCE F F Filipenses p 12 sugere que a melhor traduccedilatildeo para esse verso eacute ldquo lsquoFilipos a primeira cidade dessa regiatildeo da Macedocircniarsquo ndash isto eacute o primeiro entre os quatro distritos em que a Macedocircnia fora dividida em 167 aCrdquo 8 Segundo OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 14-15 e HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355 isto ocorreu em 146 aC As proviacutencias podiam ser imperatorias (como a Siacuteria e a Galaacutecia-Licaocircnia) quando eram governadas por uma administraccedilatildeo militar subordinada diretamente ao imperador (geralmente nas fronteiras ou em cidades estrateacutegicas) ou senatorais (como Chipre Acaia e Macedocircnia) quando possuiacuteam uma administraccedilatildeo civil razoavelmente independente e ao mesmo tempo estavam pacificadas a ponto de natildeo precisarem de um contingente militar fixo Cf REICKE BO Histoacuteria do Tempo do

Novo Testamento p 236-237 e KOESTER Helmut Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 328 9 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 356 10 OROFINO Francisco op cit p 14 11 A praacutetica dos romanos de criarem colocircnias para garantir seus domiacutenios remonta ao seacuteculo IV a C quando a proacutepria Roma garantiu o domiacutenio da Itaacutelia atraveacutes da instalaccedilatildeo de colocircnias Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 12 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 107 13 Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 14 Em latim Colonia Julia Augusta Victrix Philippensium 15 BRUCE F F Filipenses p 12 16 O termos latinos respectivamente satildeo duumviri e lictores que em Atos 1622 e 35 aparecem traduzidos para o grego como στρατηγοὶ e ῥαβδοῦχος

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estavam inscritos na lista da tribo Voltinia17 A colocircnia recebeu o direito ao Jus

Italicum que proporcionava a sua populaccedilatildeo privileacutegios econocircmicos (isenccedilatildeo de

impostos sobre as Terras agricultaacuteveis e o direito a negociar ou conservar estas

Terras) poliacuteticos (independecircncia de receber interferecircncia do governador da

proviacutencia e possibilidade de regulamentar seus proacuteprios assuntos ciacutevicos) e

militares (proteccedilatildeo contra prisotildees arbitraacuterias e castigos corporais como flagelaccedilatildeo

e crucificaccedilatildeo)18 A importacircncia do status de colocircnia e os efeitos sociais

decorrentes satildeo bem expostos por W Barclay

Estas colocircnias tinham uma grande caracteriacutestica proacutepria Onde quer que existiam constituiacuteam pequenos fragmentos de Roma e a nota dominante era o orgulho de sua cidadania romana Se falava o idioma de Roma se usavam vestimentas romanas se observavam costumes romanos seus magistrados tinham tiacutetulos romanos e observavam as mesmas cerimocircnias que em Roma Onde quer que estivessem as colocircnias eram obrigatoacuteria e inalteravelmente romanas Nunca lhe ocorrera assimilar-se ao povo que laacute vivia Eram parte de Roma miniatura da cidade de Roma e jamais esqueciam disso19

Este processo de colonizaccedilatildeo fez a populaccedilatildeo de Filipos ser

predominantemente romana convivendo no entanto com antigos moradores

traacutecios e gregos aleacutem de grupos de imigrantes vindos do Egito da Anatoacutelia e da

Palestina20 Todos esses grupos formavam na metade do seacuteculo I dC um

contingente populacional em torno de 10 mil moradores21 sendo o latim o idioma

corrente e o grego possivelmente utilizado nas transaccedilotildees comerciais22 A parte

construiacuteda da cidade era pequena natildeo ultrapassando 1km223 A economia estava

baseada na agricultura e no comeacutercio este impulsionado pela Via Egnatia uma

importante rota comercial que ligava Roma agrave parte oriental do impeacuterio

culminando na cidade de Bizacircncio futura Constantinopla capital imperial no

seacuteculo IV dC24 Os habitantes tinham bom niacutevel de instruccedilatildeo e usando categorias

atuais a cidade poderia ser classificada como de classe meacutedia alta25 A realidade

religiosa da cidade no seacuteculo I d C era de grande sincretismo Existiam lado a

17 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 471 HELLERMAN Joseph H Vindicating

Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi

upon the Composition of Philippians 26-11 p88 Este uacuteltimo afirma que quando uma colocircnia romana era fundada ela era identificada como uma das tribos romanas 18 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 357-358 19 BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 10 20 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 108-109 21 FOWL Stephen E Philippians p 12 22 OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 15 23 MEEKS Wayne op cit p 109-110 24 SCHNELLE Udo op cit p 464 OROFINO Francisco op cit p 16 25 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 11

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lado o culto ao imperador e a adoraccedilatildeo de divindades gregas romanas egiacutepcias

aleacutem de deuses locais26 Segundo o relato de Atos 16 tambeacutem haviam judeus e

proseacutelitos do judaiacutesmo na cidade embora em nuacutemero reduzido A existecircncia de

uma sinagoga em Filipos soacute eacute atestada a partir do seacuteculo III dC27 Quando o

apoacutestolo Paulo chegou na cidade ela era de fato um centro urbano e poliacutetico na

regiatildeo28

22 Paulo e a igreja de Filipos A primeira visita de Paulo agrave cidade de Filipos ocorreu entre os anos de 48-

50 dC Ali o apoacutestolo fundou sua primeira comunidade em solo europeu O livro

de Atos narra a passagem de Paulo pela cidade em 1611-40 Embora a

fidedignidade histoacuterica deste capiacutetulo de Atos seja bastante discutida seus dados

essenciais satildeo considerados confiaacuteveis e uacuteteis para melhor compreensatildeo do iniacutecio

da igreja em Filipos29 Nessa perspectiva apoacutes alguns dias na cidade Paulo e seu

grupo de colaboradores missionaacuterios30 encontraram um lugar de oraccedilatildeo

26 Segundo BARTH Gerhard A carta aos Filipenses 1983 p 5 escavaccedilotildees comprovaram a existecircncia de mais de 24 divindades diferentes cultuadas em Filipos 27 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 465 nota 29 28 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 62 29 Ibid p 173 ldquoEmbora a narrativa em At 1616-2223-40 esteja enfeitada com traccedilos lendaacuterios seu cerne histoacuterico eacute confirmadordquo Mais otimista eacute HELLERMAN Joseph H Vindicating

Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi

upon the Composition of Philippians 26-11 p85-102 que vai construir toda uma interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 baseado na narrativa de Atos 1611-40 Um balanccedilo atual sobre a importacircncia de Atos para a reconstruccedilatildeo da cronologia paulina eacute feito por EDO Pablo M Cronologiacuteas Paulinas un

estado de la questioacuten p 177-198 Segundo ele tanto as informaccedilotildees das cartas quanto de Atos devem ser avaliadas criticamente mas a utilizaccedilatildeo do livro de Atos como fonte reduz de forma significativa as suposiccedilotildees e elaboraccedilotildees criativas dos pesquisadores 30 Considerando o relato de Atos eacute provaacutevel que a visita de Paulo a Filipos tenha sido acompanhada por Silas Timoacuteteo e Lucas O primeiro partiu junto com o apoacutestolo nessa viagem (At1540) Logo a seguir Timoacuteteo uniu-se aos dois (At 163) E eacute a partir de At 1610 que a narrativa de Atos passa para a primeira pessoa do plural indicando que o narrador passou a integrar os acontecimentos dali em diante A tese predominante eacute que o autor de Atos eacute Lucas Que o cenaacuterio da visita a Filipos foi assim admitem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los

Filipenses p 64 e OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 6

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(προσευχή) junto ao rio Gangites onde estavam reunidas algumas mulheres31

Entre elas estava Liacutedia uma gentia vendedora de puacuterpura temente a Deus isto eacute

simpatizante do judaiacutesmo32 Ela se converteu e foi batizada junto com a sua casa

surgindo ali o nuacutecleo inicial da igreja em Filipos O iniacutecio da igreja em uma

reuniatildeo de mulheres na casa de uma mulher mais as mulheres que aparecem

nomeadas na carta indicam a predominacircncia do elemento feminino naquela

igreja inclusive em funccedilotildees de lideranccedila Isto na verdade eacute o reflexo na igreja da

realidade social da regiatildeo pois na Macedocircnia as mulheres ocupavam um papel na

vida puacuteblica muito maior do que em outros lugares do mundo greco-romano da

eacutepoca33

Atos 16 tambeacutem registra a conversatildeo e o batismo de uma segunda famiacutelia

a do carcereiro que vigiava os missionaacuterios na prisatildeo Levando em conta a famiacutelia

de Liacutedia e a famiacutelia do carcereiro mais os nomes indicados na carta aos Filipenses

(Epafrodito Evoacutedia Sintique Clemente) conclui-se que a igreja de Filipos era

constituiacuteda em sua maioria por membros gentios pessoas de diversas origens e

segmentos sociais asiaacuteticos gregos romanos judeus mulheres com

31 O significado exato de προσευχή eacute discutido De um lado parece que o termo era utilizado como sinocircnimo de sinagoga na literatura judaica heleniacutestica (FOWL Stephen E Philippians p 13 nota 20) Por outro o fato de Lucas natildeo mencionar nem a presenccedila de homens na reuniatildeo nem a ocorrecircncia de um culto formal com leitura da Lei sendo um saacutebado favorece a posiccedilatildeo de que ali seria apenas um lugar de reuniotildees informais de mulheres simpatizantes do judaiacutesmo Assim HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 360 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo

aos Filipenses p 25 afirma que as ldquosinagogas nunca estavam fora da cidaderdquo BOCKMUEHL Markus The Epistle to the Philippians p 9 reforccedila a tese observando que Lucas faz questatildeo de mencionar quando Paulo visitava uma sinagoga em uma cidade Assim em Salamina (At 135) Atioquia da Psidia (At 1314) Icocircnio (At 141) Tessalocircnica (171) Bereacuteia (At 1710) Atenas (At 1717) e Corinto (1847) Segundo BRUCE F F Filipenses p15 eacute possiacutevel que natildeo houvesse na cidade o quoacuterum miacutenimo para o estabelecimento de uma sinagoga que era de 10 homens 32 Lucas utiliza a expressatildeo σεβομένη τὸν θεόν para descrever Liacutedia Segundo BAGD p 746 a expressatildeo era utilizada para os gentios que aderiam ao ldquomonoteiacutesmo eacutetico do Judaiacutesmordquo e frequentavam a sinagoga mas natildeo tinham a obrigaccedilatildeo de seguirem toda a lei judaica Os homens por exemplo natildeo precisavam circuncidar-se MEEKS Wayne A Os primeiros cristatildeos

urbanos p 89 nota 175 afirma que natildeo haacute consenso sobre o uso teacutecnico da expressatildeo (nem mesmo se era usado de forma teacutecnica) mas ela pode indicar tanto esses ldquosimpatizantesrdquo do judaiacutesmo quanto pode significar apenas ldquopiedosordquo aplicado inclusive a proseacutelitos e judeus nativos 33 Nessa linha FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 63 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 23-26 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 558

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independecircncia financeira e poder econocircmico comerciantes romanos militares e

possiacuteveis antigos colonizadores romanos34

Os registros de Atos Filipenses e 1Tessalonicensses confirmam que Paulo

foi forccedilado a sair da cidade debaixo de oposiccedilatildeo e perseguiccedilatildeo A atmosfera de

hostilidade contra o cristianismo continuou ali mesmo apoacutes a saiacuteda dos

missionaacuterios soacute que entatildeo transferiu-se para a igreja conforme se deduz da carta

Antes de escrever a carta aos Filipenses eacute possiacutevel que Paulo tenha visitado

pessoalmente a comunidade ao menos duas vezes conforme 2Cor 81-5 e At 203-

635

Questatildeo muito debatida eacute onde estava o apoacutestolo quando escreveu a carta

Seja qual for a resposta deve atender as seguintes condiccedilotildees supostas no texto de

Filipenses Paulo estava preso Sua prisatildeo eacute junto agrave guarda pretoriana e (113) e de

pessoas da τῆς Καίσαρος οἰκίας (422) Parece haver a possibilidade de o

julgamento terminar em morte (120 e 217) mas ao mesmo tempo Paulo nutre a

expectativa de reencontrar os filipenses (125-26) De alguma forma esta prisatildeo

contribuiu com a divulgaccedilatildeo do evangelho na regiatildeo (112-13) Aleacutem de Timoacuteteo

ele tinha poucas pessoas confiaacuteveis ao seu lado (219-21) e enquanto ele estava

preso aconteceram algumas viagens (pelo menos quatro) entre Filipos e a esta

cidade

Na pesquisa foram sugeridas quatro alternativas para atender essas

caracteriacutesticas A primeira possibilidade eacute a cidade de Corinto Em seu favor estatildeo

a proximidade geograacutefica com Filipos a existecircncia de um prococircnsul na cidade e

toda oposiccedilatildeo que o apoacutestolo enfrentou ali inclusive com perigo de morte No

entanto natildeo existe comprovaccedilatildeo de um aprisionamento do apoacutestolo em Corinto e

segundo At 181-218 Paulo contava com um razoaacutevel apoio nesta cidade

especialmente de Priscila e Aacutequila o que natildeo corresponde ao lamento de ter

34 Barclay faz a interessante avaliccedilatildeo do capiacutetulo 16 de Atos para a formaccedilatildeo da igreja de Filipos ldquoOs trecircs personagens satildeo de diferentes nacionalidades Lidia era uma asiaacutetica natildeo eacute necessaacuterio que estejamos diante de um nome proacuteprio e sim simplesmente ante o qualificativo lsquoa senhora da cidade de Liacutediarsquo A jovem escrava era grega O carcereiro era cidadatildeo romano Todo o impeacuterio estava reunido na igreja cristatilde Poreacutem natildeo estamos somente ante trecircs diferentes nacionalidades e sim tambeacutem ante trecircs estratos muito diferentes da sociedade Liacutedia era uma comerciante de puacuterpura uma das mercadorias mais caras do mundo antigo ela era equivalente a um priacutencipe mercador A jovem escrava ante a lei natildeo era uma pessoa mas sim uma ferramenta viva O carcereiro era um cidadatildeo romano um membro da forte classe meacutedia romana que se ocupava dos serviccedilos civis Nestes trecircs estavam representados o mais alto o mais baixo e o mediano da sociedade Natildeo haacute outro capiacutetulo da Biacuteblia que mostre tatildeo bem o caraacuteter universal da feacute que Jesus traz aos homensrdquo BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 11 35 MARTIN Ralph Filipenses p 22-23 e BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7

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apenas Timoacuteteo junto dele (219-21) A hipoacutetese de Corinto eacute aquela que goza de

menor aceitaccedilatildeo acadecircmica36

Uma segunda possibilidade que goza de maior adesatildeo eacute a tese que

Filipenses foi escrita em Eacutefeso37 Entre outros esta alternativa eacute sustentada pelos

seguintes argumentos a proximidade geograacutefica entre Eacutefeso e Filipos a

informaccedilatildeo de At 1922 dando conta que Timoacuteteo estava com Paulo em Eacutefeso e

de At 191025-26 da intensa evangelizaccedilatildeo que ocorreu na cidade e arredores

quando Paulo esteve ali e a possibilidade da expressatildeo πραιτώριον (113) referir-

se a sede do prococircnsul na cidade

Satildeo apresentados todavia trecircs argumentos centrais contra Eacutefeso

Primeiramente como no caso de Corinto inexiste comprovaccedilatildeo para uma prisatildeo

de Paulo em Eacutefeso (apesar de 2Cor 18-10 65 e 1123 indicarem que ele esteve

preso vaacuterias vezes) Na verdade a questatildeo natildeo eacute apenas se ele esteve ou natildeo preso

em Eacutefeso mas atribuir a esta cidade um aprisionamento que atenda agraves

caracteriacutesticas supostas em Filipenses isto eacute de duraccedilatildeo razoaacutevel risco de ser

condenado agrave morte e ao mesmo tempo liberdade para pregar o evangelho Em

segundo lugar sendo a carta escrita de Eacutefeso seria muito difiacutecil explicar o motivo

pelo qual o apoacutestolo nem sequer menciona a coleta aos pobres de Jerusaleacutem

assunto que dominava as preocupaccedilotildees do apoacutestolo no periacuteodo conforme indicam

as cartas aos Coriacutentios Ao contraacuterio Filipenses supotildee que a coleta jaacute tinha

terminado38 E finalmente eacute preciso discutir a existecircncia de um pretoacuterio na

cidade O entendimento mais baacutesico para a expressatildeo πραιτώριον em 113 eacute o da

guarda pessoal do imperador que ficava estabelecida em Roma o que tambeacutem

combina com a interpretaccedilatildeo mais natural do termo τῆς Καίσαρος οἰκίας em

42239 Poreacutem dentro da administraccedilatildeo romana πραιτώριον servia como

designaccedilatildeo de vaacuterias residecircncias oficiais a saber a residecircncia do general e de suas

36 HAWTHORNE Gerald F Philippians p 20 MARTIN Ralph Filipenses p 57-58 Eles informam que o primeiro a postular Corinto como lugar de origem da carta aos Filipenses foi G L Oeder em 1731 Com exceccedilatildeo de Hawthorne e Martin os demais autores pesquisados nem sequer consideram Corinto como possibilidade 37 KUumlMMELL Werner Georg Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 429 que informa que Eacutefeso foi proposta em 1897 por A Deissmann Em sentido contraacuterio HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19 afirma que Deissmann seguiu proposta apresentada originalmente por H Lisco em 1900 38 Os argumentos acima estatildeo principalmente esboccedilados em HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19-20 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 560 39 Assim FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 OrsquoBRIEN P T The

Epistle to the Philippians p 20-21

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tropas residecircncia dos governadores de proviacutencias nas capitais e fora das capitais

e palaacutecio dos procuradores de proviacutencia40 A hipoacutetese de que Paulo escreveu a

partir de Eacutefeso sustenta que o apoacutestolo usou a expressatildeo πραιτώριον de forma

mais geneacuterica natildeo se referindo necessariamente agrave casa do imperador ldquomas agrave casa

onde estava o administrador romano cheia de luxo mordomias e guardasrdquo41 No

entanto aleacutem de ser discutiacutevel que Paulo estivesse utilizando aqui uma linguagem

natildeo especiacutefica42 o argumento fundamental contra a hipoacutetese efeacutesia eacute a ausecircncia de

qualquer comprovaccedilatildeo histoacuterica para a existecircncia na cidade de um pretoacuterio ou de

uma guarda pretoriana43 Eacutefeso era uma proviacutencia senatorial e ldquonatildeo existe

exemplo nos tempos imperiais do emprego dessa expressatildeo [πραιτώριον] para a

sede de um prococircnsul o governador de uma proviacutencia senatorial como era a da

Aacutesia [Eacutefeso] nessa eacutepocardquo44

A terceira cidade postulada como lugar de onde Paulo escreveu Filipenses

eacute Cesareacuteia A hipoacutetese possui algumas vantagens em relaccedilatildeo agraves anteriores posto

que o livro de Atos menciona de forma expliacutecita que Paulo esteve preso nessa

cidade por um periacuteodo longo e laacute foi detido no πραιτώριον (At 2331-35) A

coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha sido efetuada Seu desejo de visitar os Filipenses

novamente natildeo contradiz sua intenccedilatildeo missionaacuteria de ir agrave Espanha visto ele poder

passar por Filipos indo para Espanha Ainda assim esta hipoacutetese possui

dificuldades O quadro da prisatildeo de Paulo em Cesareacuteia natildeo coaduna com o risco

de morte suposto em Filipenses Tambeacutem natildeo haacute indiacutecios de uma presenccedila cristatilde

na cidade que corresponda agrave realidade da carta ou seja tanto uma intensa

propagaccedilatildeo do cristianismo quanto divisotildees dentro da comunidade cristatilde Aleacutem

disso de todas as opccedilotildees (Roma seraacute discutida logo abaixo) Cesareacuteia eacute a cidade

mais distante de Filipos Apesar do argumento geograacutefico natildeo ser fundamental eacute

40 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 55 41 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 30 Adiante nas paacuteginas 55-56 ele afirma ldquoO pretoacuterio nesse contexto precisa ser considerado no sentido geneacutericordquo 42 Criacutetica levantada por FEE G D Comentaacuterio de la Epiacutestola a los Filipenses p 74 43 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 Nessa direccedilatildeo OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 22 argumenta que tropas militares natildeo ficavam estacionadas em proviacutencias senatorias porque eram governadas por civis Em contrapartida BROWN R Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p657 argumenta em favor de Eacutefeso como a melhor opccedilatildeo usando a seguinte afirmativa inteiramente especulativa ldquoEacutefeso era a cidade mais importante da proviacutencia romana da Aacutesia e sede do quartel-general proconsular de modo que deve ter havido uma importante presenccedila romana ali ateacute mesmo um praitorionrdquo 44 BRUCE F F Filipenses p 22 Natildeo obstante em favor de Eacutefeso entre outros estatildeo SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 9-13 BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7-8 GNILKA Joachim Epiacutestola aos Filipenses p 9 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 310-311

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um fator complicador para a proposta explicar as viagens e troca de informaccedilotildees

entre Paulo e a igreja de Filipos45

A sugestatildeo mais antiga para a proveniecircncia da carta aos Filipenses eacute

Roma Ela remonta ao seacuteculo II dC aparecendo no proacutelogo marcionita e

posteriormente em outros manuscritos Esta opccedilatildeo predominou sem

questionamentos ateacute o seacuteculo XVIII O grande argumento em favor da capital do

impeacuterio eacute que a descriccedilatildeo que Lucas faz em Atos 28 da prisatildeo de Paulo laacute

equivale aos pontos essenciais da carta aos Filipenses facilmente explica os

termos πραιτώριον e τῆς Καίσαρος οἰκίας o risco de morte vislumbrado por

Paulo eacute plausiacutevel visto ela jaacute ter apelado a Ceacutesar a coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha

sido concluiacuteda Paulo estaacute em uma cidade com a presenccedila razoaacutevel de cristatildeos

com os quais poreacutem possui um relacionamento distanciado a prisatildeo foi longa e

ele possuiacutea relativa liberdade para divulgar o evangelho (At 2830-31) Contra

Roma residem dois argumentos principais De um lado a distacircncia ateacute Filipos

que dificultaria a intensa comunicaccedilatildeo pressuposta na carta Do outro o desejo de

Paulo visitar novamente os filipenses vai contra os seus planos de atuar na

Espanha Quanto agrave primeira questatildeo embora muita valorizada no passado jaacute natildeo

goza de tanta aceitaccedilatildeo entre os estudiosos Considerando apenas uma viagem por

Terra nas boas condiccedilotildees das estradas romanas tem-se uma estimativa de 4

semanas Inferindo-se da carta pelo menos 4 viagens entre Filipos e Roma o

tempo total seria de 16 semanas que no contexto de dois anos de aprisionamento

(At 2830) eacute tempo suficiente Sendo a viagem pelo mar o tempo reduziria ainda

mais para aproximadamente 2 semanas cada viagem e tempo total de 8 semanas

Em relaccedilatildeo agrave suposta mudanccedila de planos de Paulo os anos na prisatildeo de Cesareiacutea e

em Roma podem ter feito o apoacutestolo alterar seus planos natildeo necessariamente

substituiacute-los mas talvez postergaacute-los46 De qualquer forma o quadro de Filipenses

natildeo indica que ele tenha desistido da Espanha Por uacuteltimo mas natildeo menos

importante haacute em favor de Roma um argumento relativo ao conteuacutedo

Considerando o pensamento do apoacutestolo no conjunto das suas cartas eacute possiacutevel 45 A hipoacutetese de Cesareacuteia foi originalmente apresentada em 1779 por H E G Paulus Cf BRUCE F F Filipenses p 22-23 MARTIN Ralph P Filipenses p 58-60 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 560-561 Este uacuteltimo eacute a favor da cidade de Cesareacuteia como lugar de origem para a carta 46 Ao final da prisatildeo de Roma quando provavelmente escreveu Filipenses jaacute tinham se passado mais de quatro anos de aprisionamento do apoacutestolo (somando-se Cesareacuteia e Roma) e quase 10 anos da redaccedilatildeo da carta aos Romanos (situada em meados na deacutecada de 50) onde Paulo registrou seus planos de fazer missatildeo na Espanha (Rm 1622-2328)

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enxergar em Filipenses um desenvolvimento em relaccedilatildeo agraves grandes cartas

anteriores (Romanos 1 e 2 Coriacutentios Gaacutelatas e 1Tessalonicenses) acompanhado

por um progresso da situaccedilatildeo eclesiaacutestica indo na direccedilatildeo das cartas pastorais e

ainda o amadurecimento no apoacutestolo de uma ldquoconsciecircncia de maacutertirrdquo (123 e

217)47 Diante do exposto a soluccedilatildeo para o local de origem da carta aos

Filipenses continuaraacute no campo das hipoacuteteses mas eacute plausiacutevel afirmar que

daquelas apresentadas acima Roma eacute a que possui maior probabilidade por

reunir e explicar uma maior quantidade de informaccedilotildees presentes na carta Sendo

Roma o local de proveniecircncia a data para a publicaccedilatildeo seria entre os anos 61 e 62

dC no final do seu cativeiro na capital48

23 A carta aos Filipenses

231 Autoria e Integridade

Na atual avaliaccedilatildeo do corpus paulino Filipenses eacute indiscutivelmente

considerada uma carta autecircntica49 Na histoacuteria da pesquisa natildeo se estabeleceu

nenhuma tese que negasse a autoria paulina de Filipenses O consenso nos estudos

paulinos contemporacircneos eacute em favor de Paulo como genuiacuteno autor da carta50

Situaccedilatildeo oposta eacute a avaliaccedilatildeo da integridade da carta Uma seacuterie de

observaccedilotildees levantam suspeitas se a carta aos Filipenses circulou desde o iniacutecio

como ela se apresenta hoje no corpus paulino isto eacute se desde o iniacutecio ela era um

escrito uacutenico que ia de 11 ateacute 423 As principais questotildees levantadas satildeo A) A

redaccedilatildeo de 31 (com a utilizaccedilatildeo do termo λοιπός) parece encaminhar de maneira

47 Argumento de SCHNELLE Udo Paulo Vida e pensamento p 467-472 48 Para os argumentos acima e em favor de Roma estatildeo entre outros SCHNELLE Udo Paulo

Vida e pensamento p 465-469 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 376-387 BOCKMUEHL Marcus The Epistle to the Philippians p 30-32 FOWL Stephen E Philippians p 9 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 72-76 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 19-26 49 De acordo com VOUGA Franccedilois A literatura paulina p 186 ela eacute uma das sete que pertencem ao conjunto das protopaulinas Ao lado deste seguem-se mais dois conjuntos as deuteropaulinas e as tritopaulinas 50 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 558 Segundo ele a tentativa mais famosa de negar a autoria paulina da carta foi feita sem sucesso por Ferdinand Christian Baur

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natural para agrave conclusatildeo da carta Entretanto ao inveacutes disso Paulo inicia uma

aacutespera repreensatildeo contra adversaacuterios51 B) O trecho de 410-20 deve preceder 11-

31 como gratidatildeo de Paulo pelo donativo enviado pela igreja atraveacutes de

Epafrodito52 C) O trecho de 32-43 natildeo faz menccedilatildeo da situaccedilatildeo de

aprisionamento de Paulo que eacute a situaccedilatildeo pressuposta para 11-3153 D) A

diferenccedila de tom com que Paulo trata os adversaacuterios na primeira parte (115-18)

em relaccedilatildeo agrave seccedilatildeo iniciada em 32 Mais do que indicar adversaacuterios diferentes

essa mudanccedila pode refletir dois momentos distintos na vida de Paulo duas

maneiras distintas de o apoacutestolo encarar seus adversaacuterios54 E) Uma seacuterie de frases

conclusivas em 47-9 e 419-2055 Os estudiosos partidaacuterios da hipoacutetese de

Filipenses como uma compilaccedilatildeo de vaacuterias cartas combinam todos esses

elementos acima e ainda outros e propotildeem que a carta atual eacute resultado da uniatildeo

de duas ou trecircs cartas menores A delimitaccedilatildeo do conteuacutedo exato de cada uma

dessas supostas cartas varia resultando em pelo menos seis arranjos diferentes de

conteuacutedo56

No entanto satildeo mais consistentes os argumentos em favor da unidade da

carta57 Em primeiro lugar natildeo haacute nenhuma evidecircncia manuscrita de que algum

dia a carta aos Filipenses circulou de forma diferente como ela hoje existe no

Novo Testamento Em segundo lugar existe uma seacuterie de correlaccedilotildees

morfoloacutegicas e conceituais entre as diversas seccedilotildees da carta inclusive entre 11-

31 e 32-49 O proacuteprio texto de Fl 26-11 ecoa em 37-11 e 320-21 Em terceiro

lugar as teorias de montagem levantam mais perguntas que respondem

acumulando conjecturas em cima de conjecturas como por exemplo quando se

tenta responder qual a intenccedilatildeo teve o editor final ao juntar desta forma as

supostas cartas avulsas Em quarto lugar ldquoa Antiguidade que conhecia bem o

gecircnero literaacuterio da coleccedilatildeo de cartas ou da correspondecircncia editada e vendida

51 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 52 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 21 53 Idem 54 BRUCE F F Filipenses p 27-29 55 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 300-303 56 VOUGA Franccedilois op cit p 300-303 vai apresentar os seis esquemas de organizaccedilatildeo trecircs relativos agrave existecircncia de duas cartas e trecircs para existecircncia de trecircs cartas O uacutenico consenso nessa visatildeo eacute que 11-31 forma uma unidade 57 Para os argumentos que seguem em favor da unidade da carta cf HAWTHORNE G F

Filipenses carta aos In DPC p 558-559 BRUCE F F Filipenses p 26-30 MARTIN Ralph P Filipenses p 23-35 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 18-20 BOCKMUELH Marcus op cit p 20-25 VOUGA Franccedilois op cit p 302-303

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como livro natildeo oferece nenhum exemplo de cartas ou de fragmentos epistolares

combinados ou re-redigidos sob forma de cartardquo58 Em quinto lugar eacute possiacutevel (e

provavelmente mais faacutecil) compreender o fluxo de pensamento da carta como uma

unidade59

232 Objetivo da carta

Quanto ao objetivo da carta a razatildeo principal para o envio desta carta estaacute

no acircmbito do relacionamento entre Paulo e a Igreja de Filipos que era do mais

alto niacutevel Nesse sentido pode-se dizer que Filipenses eacute uma carta de amizade60

Paulo escreve para agradecer agrave comunidade as ofertas enviadas recomendar a

recepccedilatildeo de Epafrodito que estaacute retornando anunciar o envio de Timoacuteteo e contar

sobre as circunstacircncias atuais do apoacutestolo preso

Natildeo obstante o apoacutestolo aproveita a oportunidade para orientar a

comunidade diante dos seacuterios desafios que ela tem enfrentado Se de um lado a

igreja natildeo estava passando por uma seacuteria crise teoloacutegica61 do outro ela estava

ameaccedilada por diversos adversaacuterios A caraterizaccedilatildeo exata desses adversaacuterios eacute

objeto de discussatildeo Eles podem ser encontrados em 115-18 128 32 e 318 O

grande problema eacute a chamada ldquoleitura atraveacutes do espelhordquo isto eacute reconstruir

grupos e ideias com base tatildeo somente nos argumentos contraacuterios oferecidos natildeo

sistematicamente por Paulo62 Dessa forma uma proposta cautelosa eacute a

identificaccedilatildeo de dois grupos de adversaacuterios por traacutes da argumentaccedilatildeo de paulina

em Filipenses63 O primeiro grupo apresentado em 115-18 seriam cristatildeos que

estavam atuando na cidade em que Paulo estava preso e que apesar de pregarem

Cristo faziam oposiccedilatildeo a Paulo afirmando que os sofrimentos dele eram

58 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 302 59 Ainda sim BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 9-10 e SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 11-12 favorecem a hipoacutetese que Filipenses eacute uma composiccedilatildeo de trecircs cartas de Paulo 60 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 12 SCHNELLE Udo Paulo vida

e pensamento p 469 afirma que ldquoPaulo sentia-se tatildeo ligado aos filipenses como a nenhuma outra comunidaderdquo 61 FOWL Stephen E Philippians p 11 62 Ibidem p 11-12 63 Segue-se aqui a explicaccedilatildeo apresentada por HAWHTHORNE G F Philippians p 24-27 e HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 561-562

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evidecircncias de sua fraqueza como liacuteder Ao que parece a divergecircncia de Paulo com

eles era de natureza mais pessoal do que teoloacutegica

Eacute verdade que alguns anunciam o Cristo [τὸν Χριστὸν κηρύσσουσιν] por inveja e porfia e outros por boa vontade estes por amor proclamam a Cristo [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] sabendo que fui posto para defesa do evangelho e aqueles por rivalidade natildeo sinceramente julgando com isso acrescentar sofrimentos agraves minhas prisotildees Mas que importa De qualquer maneira ndash ou com segundas intenccedilotildees ou sinceramente ndash Cristo eacute proclamado [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] e com isto me regozijo (115-18)64

A partir de 32 Paulo tem em vista outro tipo de adversaacuterios Ao contraacuterio dos

primeiros estes natildeo satildeo cristatildeos Eles confiam na carne exigem a circuncisatildeo e

outros rituais judaicos e com uma escatologia realizada prometem a possibilidade

de se alcanccedilar a perfeiccedilatildeo nesta vida e desde jaacute experimentar as daacutedivas do mundo

porvir Menosprezam o sofrimento e consequentemente a figura e a pregaccedilatildeo de

Paulo Enfim satildeo τοὺς ἐχθροὺς τοῦ σταυροῦ τοῦ Χριστοῦ Eles podem ser

qualificados como missionaacuterios judeus que representavam para os filipenses uma

ameaccedila real proveniente do ambiente exterior agrave igreja mas que natildeo

necessariamente jaacute estavam atuando junto agrave igreja

233 Estrutura da carta

Existem diversas propostas de arranjo do conteuacutedo da carta e muitas satildeo

plausiacuteveis Este trabalho no entanto oferece como contribuiccedilatildeo agrave pesquisa a

possibilidade de compreender o conteuacutedo da carta aos Filipenses estruturado em

seccedilotildees paralelas que se correspondem como pode ser visualizado abaixo

64 A traduccedilatildeo citada eacute de A Biacuteblia de Jerusaleacutem nova ediccedilatildeo revista e ampliada As demais citaccedilotildees biacuteblicas do trabalho seratildeo extraiacutedas dessa traduccedilatildeo salvo outra indicaccedilatildeo

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A - Saudaccedilatildeo ndash 11-2

B - Accedilatildeo de graccedilas ndash 13-11

C - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 112-26

D - Exortaccedilatildeo 127-217

Crsquo - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 219-30

Drsquo - Exortaccedilatildeo 31-49

Brsquo Accedilatildeo de Graccedilas ndash 410-20

Arsquo Saudaccedilatildeo ndash 421-23

24 Criacutetica Textual de Fl 29-11

Estes trecircs versiacuteculos natildeo apresentam nenhuma seacuteria dificuldade criacutetico-

textual mas eacute pertinente a consideraccedilatildeo das variantes existentes a fim de detectar

jaacute na proacutepria tradiccedilatildeo manuscrita tendecircncias na interpretaccedilatildeo do texto

Versiacuteculo 9b καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα O artigo τὸ que acompanha ὄνομα eacute omitido nos unciais D F G K L P

Y 075 e 0278 nos cursivos 81 104 365 630 1175 1241 1505 1881 e 2464

nos manuscritos que pertencem ao texto Bizantino (M) e ainda em Clemente

conforme Teoacutedoto Apoiam o texto sem a omissatildeo o papiro P46 os unciais a A

B C os cursivos 33 629 1175 1739 Segundo Metzger com a omissatildeo do artigo

o texto estaria afirmando ldquoque Jesus recebeu um nome natildeo especificado que

depois eacute definido com aquele nome que estaacute acima de todo nomerdquo65 O mesmo

autor explica que a omissatildeo pode ter surgido quando um copista se confundiu com

o final do verbo ἐχαρίσατο Outra possibilidade eacute que os copistas interpretaram

que Paulo natildeo estivesse referindo-se a um nome especiacutefico (um tiacutetulo como se

veraacute adiante na pesquisa) mas agrave noccedilatildeo de reputaccedilatildeo fama e honra66 isto eacute Deus

deu a Jesus a honra acima de todas as honras E embora a evidecircncia externa apoie

65 METZGER Bruce M Un Comentario Textual Al Nuevo Testamento Griego p 542 O mesmo comentaacuterio encontra-se em OMANSON Roger Variantes textuais do Novo

Testamento p 414 66 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120

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a autenticidade do artigo67 esta uacuteltima intepretaccedilatildeo eacute bastante plausiacutevel no

contexto

Versiacuteculo 11a καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται

O verbo ἐξομολογήσηται (verbo subjuntivo aoristo meacutedio 3ordf p singular de

ἐξομολογέω) eacute substituiacutedo por ἐξομολογήσεται (verbo no futuro do indicativo

ativo 3ordf p singular) nos unciais A C D F G K L P YVID 075 e 0278 nos

cursivos 6 33 81 104 365 630 1175 1241 1505 1739 1881 2464 muitos

outros manuscritos pertencentes ao texto majoritaacuterio e em uma leitura alternativa

presente em Irineu (Irvl) Apoiam o texto sem a substituiccedilatildeo o papiro P46 os

unciais a B Fc os cursivos 323 630c 2495 muitos manuscritos pertencentes ao

texto majoritaacuterio Irineu Clemente conforme Teoacutedoto e Clemente de Alexandria

Do ponto de vista da traduccedilatildeo o que estaacute em questatildeo seria a troca do subjuntivo

para o futuro Com o subjuntivo a traduccedilatildeo estaacute ldquopara toda liacutengua confessar

querdquo Com o futuro ficaria ldquoe toda liacutengua confessaraacute querdquo Omanson oferece

explicaccedilotildees para as duas mudanccedilas isto eacute se original fosse futuro os copistas

teriam alterado para o subjuntivo para concordar com o verbo κάμψῃ do versiacuteculo

10 que estaacute no subjuntivo Se a forma original foi o subjuntivo a alteraccedilatildeo dos

copistas tinha como objetivo concordar com o termo ὀμεῖται (juraraacute) que aparece

em alguns manuscritos da LXX em Isaiacuteas 4523 Nesse caso a evidecircncia externa

(seguindo o texto Alexandrino) favorece a manutenccedilatildeo do texto com o subjuntivo

Por outro lado parece que a divisatildeo dos manuscritos aponta para o que a exegese

do texto vai confirmar isto eacute que na passagem o verbo em questatildeo tanto tem uma

aplicaccedilatildeo presente desafiando ouvintes e leitores a confessarem Jesus como

Senhor quanto uma dimensatildeo futura proclamando o que seraacute realidade

escatoloacutegica final quando todos os seres se submeteratildeo a Jesus

Versiacuteculo 11b ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

Ainda neste versiacuteculo os unciais A F e G o cursivo 1505 e alguns poucos

divergentes do texto majoritaacuterio os manuscritos da antiga versatildeo latina b e g um

manuscrito da Vulgata e um da versatildeo Saiacutedica e uma das citaccedilotildees de Fl 211 na

67 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120

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traduccedilatildeo latina de Oriacutegenes omite o termo Χριστὸς68 Assim o texto seria lido

ldquoque Jesus eacute Senhorrdquo No entanto eacute possiacutevel explicar a omissatildeo como uma

tentativa de harmonizaccedilatildeo com o versiacuteculo 10 A qualidade dos testemunhos

externos e a presenccedila comum da designaccedilatildeo Ἰησοῦς Χριστὸς em Paulo (soacute

considerando as foacutermulas de benccedilatildeo nas saudaccedilotildees e despedidas a expressatildeo

aparece em todo corpus paulino com exceccedilatildeo de Colossenses e Tito) favorecem a

manutenccedilatildeo do texto como estaacute Exegeticamente a omissatildeo da expressatildeo pode

testemunhar a desvalorizaccedilatildeo do termo Χριστὸς como tiacutetulo que explica a pessoa

e obra de Jesus Eacute por isso entatildeo que a exegese deve-se perguntar pela utilizaccedilatildeo

da expressatildeo no texto

25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11

9διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ

πᾶν ὄνομα 10 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων 11καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος

Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός69

9E por isso Deus o exaltou sobremaneira e o agraciou com o nome acima

de todo o nome 10a fim de que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus

no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 11e toda liacutengua confesse que Jesus

Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

26 Delimitaccedilatildeo

A delimitaccedilatildeo do objeto material seraacute realizada aqui em dois momentos

Primeiro a distinccedilatildeo dos versiacuteculos 6 a 11 do seu contexto literaacuterio e depois o

estabelecimento dos versiacuteculos 9 a 11 como uma seccedilatildeo especiacutefica do texto de 26-

11

68 Existe ainda a atestaccedilatildeo uacutenica feita pelo uncial K da leitura Χριστὸς κύριος 69 Texto grego conforme NESTLE-ALAND Novum Testamentum Graece 28ordf ediccedilatildeo

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A delimitaccedilatildeo de 26-11 pode ser evidenciada por diversos argumentos

Antes de tudo existe a diferenccedila em relaccedilatildeo ao contexto anterior De 127 a 24

Paulo estaacute trabalhando a parecircnese ou seja apresentando exortaccedilotildees agrave igreja

sobretudo no que tange agrave sua unidade Veja-se os imperativos πολιτεύεσθε

(127) πληρώσατέ (22) φρονεῖτε (25) aleacutem de orientaccedilotildees do tipo ldquonatildeo faccedilam

isso mas faccedilam aquilordquo (23-4) Justamente o versiacuteculo 25 faz a transiccedilatildeo

mantendo-se no entanto na parecircnese

Nos versiacuteculos de 6 a 11 natildeo se encontram mais exortaccedilotildees e sim a

descriccedilatildeo de eventos relacionados agrave pessoa de Jesus Passa-se da 2ordf pessoa para a

3ordf E no contexto posterior a partir de 212 Paulo retoma o estilo pareneacutetico

anterior Voltam os verbos no imperativo e na 2ordf pessoa como o importante

κατεργάζεσθε

Haacute ainda consideraccedilotildees linguiacutesticas e literaacuterias indicando que esta

passagem foi construiacuteda em estilo poeacutetico e natildeo de prosa distinguindo-se do seu

contexto na carta Eacute possiacutevel inclusive que ela tenha tido uma existecircncia anterior

independente da proacutepria carta Poreacutem como essa discussatildeo eacute complexa e ao

mesmo tempo muito importante para a compreensatildeo de Fl 26-11 o assunto seraacute

discutido em capiacutetulo agrave parte

Quanto agrave delimitaccedilatildeo dos versiacuteculos 9 a 11 em relaccedilatildeo ao texto de 26-11

a primeira consideraccedilatildeo eacute a mudanccedila de tema Do versiacuteculo 6 a 8 o texto descreve

o caminho do Filho de Deus da existecircncia na forma de Deus ateacute a morte na cruz

passando pelo seu esvaziamento sua humanidade e sua humilhaccedilatildeo Os

versiacuteculos 9 a 11 descrevem Deus o exaltando dando-lhe um nome especial

joelhos se dobrando diante dele e toda liacutengua confessando-o Ou seja a primeira

parte do texto gira em torno do eixo existecircncia na forma de Deus - esvaziamento -

encarnaccedilatildeo ndash cruz enquanto que a segunda parte segue a temaacutetica da exaltaccedilatildeo ndash

adoraccedilatildeo ndash confissatildeo ndash gloacuteria de Deus Outra consideraccedilatildeo importante eacute que na

primeira parte Jesus eacute o sujeito de todos os verbos satildeo trecircs verbos no indicativo e

cinco no particiacutepio nominativo todos referindo-se a Jesus A partir do versiacuteculo 9

Deus passa a ser o sujeito e Jesus o objeto Satildeo dois verbos no indicativo tendo

Deus como sujeito e Jesus como objeto E haacute dois verbos no subjuntivo que estatildeo

sintaticamente subordinados aos verbos que tem Deus como sujeito E tambeacutem ali

Jesus continua sendo o objeto

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Portanto Filipenses 26-11 forma uma unidade textual na qual eacute possiacutevel

distinguir duas seccedilotildees 26-8 e 29-11 Esta pesquisa pretende trabalhar apenas

sobre esta uacuteltima parte

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3 Status Quaestionis da Pesquisa a respeito de Fl 26-11

31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea

O grande impulso para a pesquisa acadecircmica de Fl 26-11 foi dado em 1928

quando Ernst Lohmeyer apresentou sua anaacutelise da passagem na obra que se tornaria

claacutessica para a exegese da periacutecope Kyrios Jesus Eine Untersuchung zu Phil 25-

1170 Segundo Martin o caraacuteter poeacutetico da passagem jaacute tinha sido reconhecido antes

por Johannes Weiss em um artigo de 1899 argumento que foi confirmado por A

Deissmann em 192571 Contudo para Martin o grande meacuterito de Lohmeyer foi

detalhar essas caracteriacutesticas poeacuteticas percebendo-a como uma composiccedilatildeo

lituacutergica especificamente um hino composto por seis estrofes cada qual com trecircs

linhas e apresentando uma soacutelida argumentaccedilatildeo em favor dessa estrutura72 A partir

de entatildeo afirmar que Fl 26-11 eacute um hino cristoloacutegico citado por Paulo no contexto

da carta aos Filipenses tornou-se lugar comum nos estudos do Novo Testamento73

A proliferaccedilatildeo de textos acadecircmicos sobre a passagem foi enorme discutindo-a por

diversos acircngulos a tal ponto de se afirmar que Fl 26-11 ldquoeacute uma das mais exaltadas

uma das mais amadas e uma das mais discutidas e debatidas passagens no corpus

Paulinordquo74 A quantidade de literatura especializada relacionada agrave passagem

evidencia que a mesma eacute a mais importante da carta aos Filipenses75 Abaixo seraacute

apresentado o desenvolvimento da interpretaccedilatildeo acadecircmica sobre o texto segundo

os principais toacutepicos de discussatildeo gecircnero literaacuterio estrutura autoria origem pano

de fundo e funccedilatildeo na carta

70 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 6 e 31 Dois anos depois Lohmeyer reproduziu os resultados do estudo na publicaccedilatildeo do seu comentaacuterio da carta aos Filipenses 71 MARTIN R P A Hymn of Christ p 24 72 Ibid p 28-29 Escrevendo em 1965 Martin afirma que ateacute entatildeo ningueacutem tinha conseguido reverter a avaliaccedilatildeo de Lohmeyer que o texto eacute um hino e os poucos questionamentos natildeo afetaram o consenso na comunidade exegeacutetica 73 Parece que o primeiro a designar a passagem como um ldquohino cristoloacutegicordquo foi H Lietzmann em uma publicaccedilatildeo de 1954 conforme FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians

26-11 p 471 nota 2 74 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 29 75 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 115 HELLERMANN J H Vindicating

Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p85 vai aleacutem e afirma que Fl 26-11 eacute o texto que mais atrai atenccedilatildeo erudita no corpus Paulino

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32 A pesquisa sobre o Gecircnero e Estrutura de Fl 26-11

A importacircncia do estudo de Lohmeyer faz dele o ponto de partida para esta

discussatildeo Conforme mencionado ele qualificou a passagem como um hino

composto de duas partes (vs 6-8 e 9-11) cada parte com trecircs estrofes e cada estrofe

com trecircs linhas sendo a expressatildeo ldquoθανάτου δὲ σταυρουrdquo omitida da parte trecircs por

ser considerada um acreacutescimo paulino ao hino original O resultado eacute a seguinte

estrutura

I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ II ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος III καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου IV διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα V ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων VI καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός76

Outra influente compreensatildeo sobre a forma da passagem foi apresentada por J

Jeremias Ele seguiu Lohmeyer entendendo o Fl 26-11 como um hino preacute paulino

mas enxergou sua estrutura de forma diversa como segue

I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών II ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου

76 MARTIN R P A Hymn of Christ p 29

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III διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς77

Em primeiro lugar ele concluiu que o hino estaacute organizado em pares de versos

refletindo o esquema hebraico do paralelismo de membros Satildeo 12 versos Para

chegar a essa estrutura ele propotildee excluir trecircs linhas do texto qualificando-as como

acreacutescimos de Paulo ao hino original As linhas satildeo θανάτου δὲ σταυροῦ (final do

versiacuteculo 8) ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων (final do versiacuteculo 9) e εἰς

δόξαν θεοῦ πατρός (final do versiacuteculo 11) Dessa forma estes 12 versos estariam

distribuiacutedos em trecircs estrofes em que cada uma descreve um estaacutegio cristoloacutegico a

preacute-preexistecircncia (26ab-7ab) o ministeacuterio terreno (27cd-8ab) e a exaltaccedilatildeo (29-

11)78

Da perspectiva da organizaccedilatildeo dos versos outras propostas foram feitas mas

todas satildeo na verdade variaccedilotildees das propostas originais de Lohmeyer e Jeremias79

Grandes contestaccedilotildees no entanto foram dirigidas agrave classificaccedilatildeo da passagem sob

o gecircnero ldquohinordquo Embora ateacute a deacutecada de 1980 houvesse um consenso sobre essa

classificaccedilatildeo80 faltavam criteacuterios para julgar as conclusotildees exegeacuteticas isto eacute

determinadas passagens do Novo Testamento eram classificadas como hinos e

passavam a servir como paracircmetro para o julgamento de outras passagens

Evidencia-se um argumento circular pois sobre qual consideraccedilatildeo as primeiras

passagens foram consideradas hinos Em outras palavras qual seria o texto padratildeo

no Novo Testamento ou na literatura cristatilde primitiva para em comparaccedilatildeo avaliar

por exemplo se Fl 26-11 tem ou natildeo caracteriacutesticas hiacutenicas

Em 1992 Gordon Fee publicou um artigo expondo essas dificuldades81

Segundo Fee esta passagem natildeo podia ser considerada hino porque divergia da

77 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 195-196 78 MARTIN R P A Hymn of Christ p32-35 FEWSTER G P op cit p 195-196 79 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 Observe-se por exemplo a proposta de MARTIN R P op cit p 36-37 Ele segue Jeremias na perspectiva do paralelismo de membros mas adota a divisatildeo de Lohmeyer em seis estrofes somente omitindo o θανάτου δὲ σταυροῦ do final do vs 8 80 No prefaacutecio agrave nova ediccedilatildeo do seu livro em 1982 R P Martin atualiza a pesquisa sobre Fl 26-11 entre 1965 (data da primeira ediccedilatildeo) e 1982 e afirma ldquoo caraacuteter poeacutetico ou hiacutenico dos versos permanece um consenso virtual no debate recente sem nenhuma seacuteria tentativa de revertecirc-lordquo MARTIN R P op cit p xvi 81 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Prose Exalted p 29-46

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hinoacutedia tanto grega quanto semiacutetica Natildeo obstante Paulo utilize aqui uma prosa

exaltada isto natildeo eacute sinocircnimo de hino O papel do pronome relativo ὃς aqui eacute

diferente dos textos de Cl 115 e 1Tm 316 classificados como hinos e a sequecircncia

das frases eacute tiacutepica da argumentaccedilatildeo em prosa paulina (argumento que ele considera

mais forte) Assim ele considera que o texto possui um caraacuteter poeacutetico indiscutiacutevel

e ao mesmo tempo um inegaacutevel estilo narrativo Por isso ele classifica a passagem

como prosa exaltada82 Alguns autores seguiram Fee na rejeiccedilatildeo ao consenso de

classificar Fl 26-11 como hino83 e outros apresentaram variaccedilotildees da classificaccedilatildeo

da passagem como ldquoprosa exaltadardquo Collins propocircs a designaccedilatildeo ldquoprosa hiacutenicardquo84

enquanto Basevi chamou-a de ldquoprosa riacutetmicardquo85

Em 1997 Martin reagiu agraves conclusotildees de Fee reafirmando o caraacuteter hiacutenico da

passagem86 E em 2015 Martin e Nash apresentaram um artigo com uma

contundente defesa do gecircnero Hymnos para Fl 26-11 O texto deles realiza duas

tarefas87 Primeiro eles discorrem sobre o caraacuteter do gecircnero hino nos manuais de

retoacuterica grega com a devida cautela cronoloacutegica ou seja preferindo os manuais

que satildeo contemporacircneos agrave carta aos Filipenses e aqueles que satildeo anteriores a ela

em mais de um seacuteculo Em um segundo momento os autores demonstram como a

passagem em questatildeo reflete as caracteriacutesticas literaacuterias do gecircnero helenista hino

ldquoo texto apresenta todas as carateriacutesticas que os teoacutericos julgavam essenciais para o

gecircnerordquo88 Segundo estes criteacuterios o texto de Fl 26-11 possui a seguinte estrutura

82 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 259-260 Antes mesmo de Fee BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento p311 tinha classificado Fl 26-11 natildeo como hino mas como um encocircmio um gecircnero da retoacuterica grega que objetiva a apresentaccedilatildeo elogiosa de uma pessoa Mais recentemente tambeacutem HELLERMAN J Philippians p 106 considerou Fl 26-11 como encocircmio 83 Entre outros BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 116-117 FOWL S Philippians p108-110 84 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 85 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 443 nota 16 86 MARTIN R P A Hymn of Christ p lvii-lviii Eacute a 3ordf ediccedilatildeo da obra de Martin na qual ele apresenta e discute os principais temas da exegese acadecircmica de Fl 26-11 entre 1982 (data da segunda ediccedilatildeo) e 1997 (data da terceira) 87 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 90-138 88 Ibid p 109 Tambeacutem em 2015 apareceu um outro artigo criticando a classificaccedilatildeo de Fl 26-11 (e de Cl 115-20) como hino EDSALL B STRAWBRIDGE J R The Songs we Used to Sing

Hymn lsquoTraditionsrsquo and Reception in Pauline Letters p 290-311 argumenta que Fl 26-11 natildeo atende criteacuterios gregos para consideraacute-lo como hino e nas mais de 570 citaccedilotildees da passagem entre os pais da Igreja antes de 325 dC nunca ela eacute qualificada como hino O uacuteltimo argumento eacute uma deduccedilatildeo a partir do silecircncio e para o primeiro as respostas estatildeo no artigo de Martin e Nash que Edsall e Strawbrigdge natildeo tiveram como levar em consideraccedilatildeo

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Origem (ampliada por Syncrisis) ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ

ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ

ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν

δούλου λαβών

Nascimento ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot

Corpo καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος

MenteVirtudes ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν

Proezas γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου

Maneira de morrer θανάτου δὲ σταυροῦ

Eventos poacutestumos διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν

Nomes e tiacutetulos (ampliado por

Syncrisis)

καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ

πᾶν ὄνομα

ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ

κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων

Um dos pontos a favor dessa estrutura eacute que ela explica o texto sem precisar

excluir qualquer linha uma das caracteriacutesticas das propostas apresentadas acima O

trabalho de Martin e Nash portanto reforccedila o consenso exegeacutetico que jaacute dura quase

um seacuteculo de classificar Fl 26-11 como hino

Quanto agrave estrutura da passagem enquanto os resultados da proposta de

Martin e Nash ainda seratildeo avaliados pela comunidade exegeacutetica a organizaccedilatildeo que

parece mais difundida (tanto entre autores que classificam a passagem como hino

quanto entre os que divergem dessa classificaccedilatildeo) eacute a que percebe o texto dividido

em duas partes os vs 6-8 e os vs 9-11 a saber89

ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου θανάτου δὲ σταυροῦ

89 Entre os que seguem esta estrutura estatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 261-262 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 HAWTHORNE G F Philippians p 101-103 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 BARTH G A carta aos Filipenses p 45 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno

Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 445-446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii A favor de uma divisatildeo em trecircs partes aleacutem de Jeremias mencionado acima CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 297-298

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διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

Os argumentos para essa divisatildeo satildeo muacuteltiplos Cada parte eacute composta por

uma sentenccedila que por sua vez possui dois verbos principais Nos vs 6-8 satildeo

ἡγήσατο e ἐκένωσεν e em 9-11 ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο90 Se por um lado a

expressatildeo θανάτου δὲ σταυροῦ eacute o ponto criacutetico da primeira parte91 a utilizaccedilatildeo da

preposiccedilatildeo διὸ no vs 9 marca uma virada na descriccedilatildeo dramaacutetica Ela eacute nesse caso

uma preposiccedilatildeo consecutiva mostrando que a sequecircncia eacute consequecircncia do que foi

dito antes92 Existem tambeacutem diferenccedilas que apontam para a separaccedilatildeo das partes

A primeira daacute preferecircncia a versos com menos de dez siacutelabas enquanto na segunda

predominam os versos com mais de dez siacutelabas93 Nos vs 6-8 encontram-se cinco

particiacutepios em 9-11 nenhum sequer94 Aleacutem eacute claro da mudanccedila de sujeito nos

vs6-8 o sujeito dos verbos principais eacute Jesus e em 9-11 as accedilotildees principais satildeo

realizadas por Deus Pai

33 A pesquisa sobre a autoria e origem de Fl 26-11

Segundo Lohmeyer Fl 26-11 eacute um hino preacute-paulino uma composiccedilatildeo poeacutetica

utilizada nos cultos editada e citada por Paulo na carta aos Filipenses Este juiacutezo

foi divulgado e aceito por parte da comunidade acadecircmica em especial com o apoio

dos trabalhos de A M Hunter e E Schweizer95 Em 1965 Martin avaliava que a

maioria dos comentaristas alematildees e franceses seguiam as conclusotildees de Lohmeyer

90 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 91 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 92 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii afirma que a expressatildeo διὸ καὶ funciona como a peripeteia no drama grego descrevendo o reverso do destino do heroacutei viacutetima 93 BASEVI C op cit p 448 94 Idem 95 MARTIN R P A Hymn of Christ p 55

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enquanto a situaccedilatildeo entre os especialistas britacircnicos e americanos era exatamente

contraacuteria96

Entre os principais argumentos contraacuterios agrave autoria paulina de Fl 26-11 em

primeiro lugar vem a forma do texto De acordo com Lohmeyer o texto apresenta

caracteriacutesticas de um hino semiacutetico mas com formulaccedilotildees proacuteprias do idioma

grego Disso ele conclui que o autor compocircs o hino em grego mas seu idioma

nativo era semiacutetico97 O texto seria entatildeo um salmo judeu-cristatildeo originado na

primitiva comunidade judaico-cristatilde de Jerusaleacutem98 Um segundo argumento contra

a autoria paulina eacute a linguagem De um lado existem termos utilizados no texto que

satildeo hapax legomena no corpus Paulino e alguns inclusive no Novo Testamento

inteiro Os termos ἁρπαγμός ὑπερυψόω e καταχθόνιος nunca satildeo usados no Novo

Testamento aleacutem deste texto sendo que o primeiro eacute raro ateacute mesmo no grego

secular Tambeacutem natildeo se encontra no Novo Testamento a descriccedilatildeo do universo em

trecircs estaacutegios como na expressatildeo ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων e a

palavra μορφή soacute ocorre em Mc 161299 Outro dado interessante eacute que algumas

palavras encontradas aqui satildeo utilizadas por Paulo de forma diferente em outros

contextos O verbo κενόω por exemplo eacute usado pelo apoacutestolo em Rm 414 1Co

117 415 e 2Co 93 mas sempre o sentido eacute negativo contrariamente agrave Fl 27 O

substantivo σχῆμα eacute usado em 1Co 731 com sentido distinto de Fl 27 e o termo

ὑπήκοος que nunca eacute usado no Novo Testamento (nem na LXX) no sentido de

obediecircncia a Deus100 Ainda no campo da linguagem mais ligado aos conceitos

existem duas outras consideraccedilotildees que pesam contra a autoria paulina Eacute que satildeo

encontradas no hino ideias estranhas agrave teologia de Paulo Satildeo elas a designaccedilatildeo de

Jesus como εἶναι ἴσα θεῷ e como δοῦλος o uso do verbo ὑπερυψόω para expressar

a exaltaccedilatildeo de Jesus e o fato desta ser retratada como um dom que Jesus recebe da

parte de Deus atraveacutes do verbo χαρίζομαι101 Em contrapartida faltam temas

caracteriacutesticos da cristologia paulina a saber a doutrina da redenccedilatildeo pela cruz a

ressurreiccedilatildeo de Cristo e o papel da igreja102

96 MARTIN R P A Hymn of Christ p 61 97 O curioso dessa observaccedilatildeo de Lohmeyer eacute a ironia dela favorecer agrave autoria paulina (que alhures ele nega) pois em Paulo encontramos um cristatildeo cuja liacutengua nativa era semita mas que escrevia em grego 98 MARTIN R P A Hymn of Christ p 46-47 99 Ibid p 48 100 Ibid p 44 101 Ibid p 48-49 102 Ibid p 49

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A estes argumentos somam-se outros dois comeccedilando pela a suposiccedilatildeo que Fl

26-11 refletiria a cristologia do Servo do Senhor inspirada nos cacircnticos de servo

de Isaiacuteas 53 Ao que parece essa cristologia natildeo eacute orginalmente paulina mas soacute eacute

utilizada pelo apoacutestolo quando ele faz referecircncia ao que recebeu dos seus

predecessores no Evangelho103 E esse ponto traz agrave tona um outro argumento contra

autoria paulina que eacute o fato amplamente reconhecido pelos estudiosos

neotestamentaacuterios que boa parte da teologia de Paulo eacute reflexo da comunidade preacute

paulina e assim Fl 26-11 seria parte dessa heranccedila primitiva herdada por Paulo104

Natildeo obstante nem todos se convenceram de uma autoria natildeo paulina para Fl

26-11 Ateacute 1965 o expoente em favor da autenticidade paulina foi L Cerfaux105

Os argumentos apresentados por ele e por uma seacuterie de outros autores apoacutes ele

podem ser resumidos da seguinte forma Primeiramente em relaccedilatildeo agrave forma a

questatildeo levantada eacute por que Paulo pode ser considerado autor de outros textos

qualificados como poeacuteticos como 1Co 13 e natildeo ser o autor desta composiccedilatildeo na

carta aos Filipenses106 Nesse sentido percebe-se um cruzamento entre a questatildeo

do gecircnero literaacuterio do texto com a da autoria Isto porque um dos argumentos usados

para negar a autoria paulina do texto foi sua forma literaacuteria como um hino Esse

quadro poreacutem estaacute se alterando sobretudo atraveacutes da exegese do texto pela oacutetica

da retoacuterica grega Assim tanto Basevi que qualifica o texto como prosa riacutetmica

quanto Martin e Nash que defendem o texto como hino propotildee a autoria paulina107

Outro argumento usado contra a autoria paulina estaacute relacionado aos hapax

legomena No entanto o argumento eacute considerado inconclusivo pois passagens

tidas como paulinas tambeacutem possuem certo nuacutemero de hapax Eacute o caso de 1Co 13

que conteacutem trecircs palavras que natildeo aparecem em nenhum lugar do Novo Testamento

e outras trecircs que soacute ocorrem fora da literatura paulina108 Soma-se a isso o dado de

103 MARTIN R P A Hymn of Christ p 51-52 104 MARTIN R P A Hymn of Christ p 52-54 105 Avaliaccedilatildeo de MARTIN R P op cit p 55-56 Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de

Paulo p 292-293 106 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 O argumento eacute recuperado por BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 escrevendo 30 anos depois de Cerfaux 107 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 450 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A

Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 137 nota 110 Estes uacuteltimos de forma menos contundente que o primeiro 108 BLACK D A op cit p 276

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que Filipenses eacute a carta paulina com maior grau de hapax109 Destarte aleacutem de

existir no texto um grupo de palavras que refletem fielmente o pensamento paulino

satildeo em passagens de natureza poeacutetica que se esperam a utilizaccedilatildeo de um

vocabulaacuterio proacuteprio e natildeo usual consequentemente com um grau maior de

hapax110

Tambeacutem em favor da autoria paulina estaacute a intriacutenseca relaccedilatildeo entre 26-11 e

outras partes da carta aos Filipenses Dois paralelos satildeo muito importantes nesse

quesito Primeiro a conexatildeo entre 26-11 e 320-21 que pode ser visualizada a

seguir111

26-11 320-21

μορφῇ μορφὴν σύμμορφον

ὑπάρχων ὑπάρχει

σχήματι μετασχηματίσει

ἐταπείνωσεν ταπεινώσεως

ἐπουρανίων ἐν οὐρανοῖς

κύριος Ἰησοῦς

Χριστὸς

κύριον Ἰησοῦν

Χριστόν

δόξαν τῆς δόξης

Em segundo lugar a relaccedilatildeo de 26-11 com o contexto anterior a saber

ἡγούμενοι ὑπερέχοντας (23) com οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο (26) κενοδοξίαν (23)

com ἑαυτὸν ἐκένωσεν (27) ταπεινοφροσύνῃ (23) com ταπεινώσεως ἑαυτὸν (28)

ἐχαρίσθη (29) com ἐχαρίσατο (29)112 e mesmo o versiacuteculo 5 que faz a ponte

entre a seccedilatildeo anterior e o hino conecta-se ao versiacuteculo 22 atraveacutes do verbo

φρονεῖτε113

109 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 180-184 a epiacutestola como um todo possui 17 hapax em relaccedilatildeo ao corpus paulino e 39 em relaccedilatildeo ao Novo Testamento como um todo 110 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 276-277 111 Ibid p 278 112 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 113 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 194

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Quanto agraves ideias que formam o pano de fundo do hino tanto uma cristologia

influenciada pelas ideias do servo de YHWH natildeo eacute incompatiacutevel com o pensamento

paulino114 quanto eacute possiacutevel identificar a influecircncia sobre Fl 26-11 da temaacutetica do

segundo Adatildeo como em Rm 5 e 1Co 15 textos cuja autoria paulina natildeo eacute

discutida115 Natildeo obstante satildeo encontradas no hino ideias que verdadeiramente

correspondem agrave teologia paulina como o tema da obediecircncia de Jesus a ecircnfase na

morte de cruz e a exaltaccedilatildeo de Jesus como κύριος116

Uma uacuteltima reflexatildeo a ser feita no que diz respeito agrave autoria de Fl 26-11 eacute

sobre o conceito de autenticidade Conforme a argumentaccedilatildeo de Fee um

documento eacute considerado autecircntico quando ele foi escrito pela pessoa a quem o

escrito eacute atribuiacutedo Se Filipenses eacute atribuiacuteda a Paulo e ele realmente escreveu esta

carta ela eacute autecircntica Se 2Pedro eacute atribuiacuteda a Pedro e ele natildeo escreveu a carta ela

natildeo eacute autecircntica Quando este documento sofre interpolaccedilatildeo de um autor posterior

diz-se que aquela parte interpolada natildeo eacute autecircntica isto eacute natildeo pertence ao escritor

a quem a obra como um todo eacute atribuiacuteda No caso de Fl 26-11 a argumentaccedilatildeo

contra a autoria paulina resulta em uma interpolaccedilatildeo do proacuteprio autor do

documento na verdade ditada ou escrita junto com o restante do documento

original e que em uacuteltima anaacutelise eacute considerada inautecircntica117 Nas palavras de Fee

Concentrando-nos poreacutem nesta passagem a autenticidade toma um novo significado que o proacuteprio Paulo interpolou em 26 uma parte de material tradicional (material preacute-paulino) do qual natildeo era o autor original quer seja de forma literal ou parafraseada por ele em maior ou menor grau e por tanto ainda que a escreveu ele natildeo foi o autor por isso esta parte natildeo eacute autecircntica e natildeo se pode utilizar para reconstruir a teologia paulina Contudo esta eacute uma teoria muito estranha pois segundo esta definiccedilatildeo a maioria do Evangelho de Mateus teria que ser vista como natildeo autecircntica afinal nenhum dos materiais que ele aproveitou de Marcos ou de Q foram escritos por ele118

O protesto de Fee e as consideraccedilotildees acima tecircm persuadido cada vez mais

os autores em favor da autoria paulina Escrevendo em 2010 Hellerman afirma que

o consenso em favor da autoria preacute-paulina pertenceu agrave geraccedilatildeo anterior de

114 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 280 No prefaacutecio agrave ediccedilatildeo de 1997 da sua obra Martin afirma estar mais inclinado a reconhecer a influecircncia do Servo de YHWH de Isaiacuteas sobre Fl 26-11 do que na ediccedilatildeo original da sua obra em 1965 Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p lx Os expoentes dessa linha de interpretaccedilatildeo satildeo J Jeremias e L Cerfaux Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 294-297 e MARTIN R P A Hymn of Christ p 182-183 115 MARTIN R P op cit p 58 116 Ibid p 59-60 117 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 85-86 118 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 86

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eruditos119 Que essa eacute a tendecircncia percebe-se pela lista de eruditos que ele

apresenta favoraacutevel agrave autoria paulina Dos 12 autores mencionados apenas 2 satildeo

anteriores a 1990120 Parece que se estaacute a caminho de um novo consenso Natildeo

obstante mesmo entre os que defendem a autoria paulina o pano de fundo da

cristologia desenvolvida em Fl 26-11 eacute passiacutevel de discussatildeo como seraacute exposto

no item a seguir

34 O pano de fundo de Fl 26-11

Na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 os inteacuterpretes buscaram qual seria o pano

de fundo fundamental para as ideias desenvolvidas no texto A suposiccedilatildeo eacute que a

determinaccedilatildeo desse pano de fundo estabeleceria a rota correta para a interpretaccedilatildeo

da passagem Nesse intuito foram apresentadas seis propostas principais

Kaumlsemann propocircs o pano de fundo do helenismo religioso121 como

evidenciado na literatura Hermeacutetica Segundo ele Fl 26-11 eacute construiacutedo sobre o

mito gnoacutestico do homem divino o redentor celestial mas eacute uma composiccedilatildeo cristatilde

genuiacutena pois faz a releitura do mito e na verdade supera o mito122 A hipoacutetese de

Kaumlsemann natildeo recebeu muitas adesotildees entre outros motivos porque a literatura

Hermeacutetica na qual ela se baseia eacute datada a partir do segundo seacuteculo d C e eacute

discutiacutevel se no periacuteodo preacute-cristatildeo um mito gnoacutestico do redentor estava

completamente desenvolvido Aleacutem disso importantes elementos do referido mito

estatildeo ausentes no texto de Filipenses como o destino preacute-temporal do redentor e

um expliacutecito conflito ativo entre o redentor e os poderes coacutesmicos123

De acordo com Martin entre as propostas que procuram o pano de fundo

fora do proacuteprio cristianismo a hipoacutetese de Kaumlsemann foi a uacutenica tentativa seacuteria de

estudar o hino sem levar em consideraccedilatildeo o Antigo Testamento Todas as outras

119 HELLERMANN J H Vindicating Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p 100 nota 38 120 Idem Aos 12 mencionados por ele pode se acrescentar outros dois BLACK D A The

Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 269-289 e BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 439-472 121 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 87-89 Em sua oacutetica o helenismo religioso diferencia-se tanto do helenismo claacutessico quanto do helenismo popular 122 Ibid p 119 123 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 193-194

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propostas vatildeo buscar no Antigo Testamento ou em algum desdobramento dos seus

temas no judaiacutesmo a explicaccedilatildeo do que estaacute por traacutes de Fl 26- 11 Esse foi o

caminho original proposto por Lohmeyer De acordo com ele o hino eacute proveniente

de um contexto judaico cristatildeo mais especificamente a primitiva comunidade de

Jerusaleacutem que utilizaria o cacircntico nas celebraccedilotildees da eucaristia124 Um passo agrave

frente foi a delimitaccedilatildeo desse pano de fundo no Antigo Testamento OrsquoBrien indica

que Cerfaux e Jeremias foram os primeiros a identificar o pano de fundo da

passagem nos cacircnticos do Servo do Senhor de Isaiacuteas O uacuteltimo autor inclusive

mostra que importantes termos de Fl 26-11 devem ser interpretados a partir da

descriccedilatildeo do Servo Sofredor em Is 53125 Alguns seguiram e aprofundaram essa

perspectiva supondo que o hino original foi composto em aramaico e apresentando

possiacuteveis versotildees do hino em aramaico126 No entanto tal empreitada envolve alto

grau de especulaccedilatildeo inclusive quando a prova da existecircncia de um original

aramaico eacute a proacutepria possibilidade de traduzir para o aramaico127

OrsquoBrien tambeacutem associa a E Schweizer a proposta de levar o pano de fundo

do Servo sofredor para a temaacutetica do justo sofredor do judaiacutesmo Fruto da

martiriologia do periacuteodo macabeu a tese eacute que o justo sofredor eacute humilde e leal a

Deus se preciso ateacute a morte O problema aqui eacute a associaccedilatildeo do justo sofredor com

uma figura preexistente Schweizer tentou resolver o problema especulando uma

associaccedilatildeo entre este tema e o do filho do homem mas posteriormente ele mesmo

abandou essa ideia128

A sabedoria judaica tambeacutem foi postulada como o contexto original para as

ideias de Fl 26-11 Baseada sobretudo no livro da Sabedoria a tese eacute que o servo

justo se torna o instrumento da sabedoria A sabedoria eacute preexistente com Deus e

entra no mundo para habitar o servo justo A primeira objeccedilatildeo levantada aqui eacute que

a sabedoria ocupa principalmente um papel de mediadora da criaccedilatildeo enquanto que

esse natildeo eacute um tema apresentado em Fl 26-11 Outra questatildeo que natildeo encontrou

124 MARTIN R P A Hymn of Christ p 27-28 125 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194 JEREMIAS J Estudos do Novo

Testamento p 176-178 126 As duas principais traduccedilotildees satildeo apresentadas por MARTIN R P op cit p 40-41 e FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians 26-11 p470-483 127 Avaliaccedilatildeo de FEWSTER G The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarship p 193 Segundo ele como o aramaico do 1ordm seacuteculo natildeo eacute bem atestado algumas palavras gregas satildeo traduzidas conforme o aramaico de um periacuteodo posterior Ele tambeacutem afirma que contra o empreendimento estaacute o fato das traduccedilotildees resultantes serem distintas 128 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194-195

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uma explicaccedilatildeo plausiacutevel foi quando e onde aconteceu essa conexatildeo entre a

sabedoria e o justo129

Atualmente o pano de fundo mais discutido (o que natildeo quer dizer mais

adotado) para o hino de Fl 26-11 eacute o que olha para Gn 126-27 e 31-5

estabelecendo o contraste entre o primeiro e o segundo Adatildeo De fato a reflexatildeo eacute

encontrada na teologia paulina (Rm 518-19 e 1Co 1545-47) Eacute possiacutevel identificar

trecircs variaccedilotildees nesse tratamento A primeira acredita que por traacutes de Fl 26-11 estaacute a

especulaccedilatildeo judaica associada a Fiacutelon que vecirc um homem celestial em Gn 1 e um

homem terreno em Gn 3 O autor do hino apresenta um redentor relacionando as

duas figuras a Jesus130 A segunda variaccedilatildeo foi desenvolvida por J D G Dunn Ele

afasta a ideia de um homem celestial e de qualquer ideia de preexistecircncia no hino

Segundo ele Jesus estaacute na mesma posiccedilatildeo de Adatildeo um homem que possui a gloacuteria

divina Soacute que enquanto Adatildeo a perdeu por sucumbir agrave tentaccedilatildeo Jesus por sua

obediecircncia proporciona a sua restauraccedilatildeo na humanidade131 A terceira variaccedilatildeo da

chamada cristologia adacircmica eacute a proposta por N T Wright Aqui se visualiza uma

estreita conexatildeo entre Adatildeo Israel e Cristo A intenccedilatildeo de Deus para humanidade

estava perfeitamente apresentada em Adatildeo A desobediecircncia deste desfigurou esse

relacionamento poreacutem natildeo o destruiu Como parte do plano de restauraccedilatildeo desse

relacionamento Deus constitui Israel para levar suas intenccedilotildees para a humanidade

O projeto de Deus para Israel se cumpre em Jesus o Messias Nessa exegese

Wright entende que Filipenses natildeo estabelece um riacutegido paralelo entre Adatildeo e

Cristo e assim ao contraacuterio de Dunn Wright defende a ideia da preexistecircncia de

Cristo132

129 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 195-196 Ele mostra que a conexatildeo de Fl 26-11 com a sabedoria judaica foi formulada por D Georgi 130 Esta primeira alternativa remonta a J Heacutering e a O Cullmann Cf OrsquoBRIEN P T The Epistle

to the Philippians p 196 131 DUNN J D G Christology in the Making p 114-121 Para uma avaliaccedilatildeo da posiccedilatildeo de Dunn quanto a esta passagem cf OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 Dunn cita com aprovaccedilatildeo a proposta veiculada por Murphy-OrsquoConnor A opiniatildeo deste estudioso quanto a este tema pode ser resumida no seguinte periacuteodo ldquoEle era o que Adatildeo deveria ter sido o modelo inspirador do que Deus pretendia que o ser humano fosse A pureza de Cristo dava-lhe o direito de ser tratado como se fosse um deus isto eacute gozar da incorruptibilidade em que Adatildeo foi criado Entretanto ele natildeo usou esse direito em proveito proacuteprio Pelo contraacuterio entregou-se agraves consequecircncias de um modo de existecircncia inaugurado pelo Adatildeo caiacutedordquo (grifos acrescentados) MURPHY-OrsquoCONNOR J Paulo ndash Biografia criacutetica p 234 132 WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 56-98 FOWL S E Philippians p 114-115

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Resta ainda a possibilidade de encontrar o pano de fundo do hino no proacuteprio

cristianismo primitivo Haacute duas variaccedilotildees aqui Hawthorne acredita que o hino seja

o resultado da profunda meditaccedilatildeo que Paulo ou algum outro cristatildeo fez do gesto

de Jesus lavar os peacutes dos disciacutepulos e dos significados deste ato133 Para Hurtado a

primeira parte do hino ou seja 26-8 reflete a linguagem da parecircnese do

cristianismo primitivo ou mesmo de tradiccedilotildees do Jesus terreno que circulavam no

periacuteodo paulino134

Eacute provaacutevel que nunca se alcance um consenso quanto a essa questatildeo ateacute

porque a complexidade e profundidade da passagem insinua conexotildees com vaacuterios

contextos e cada qual traz um pouco de luz agrave exegese de Fl 26-11 Talvez seja

importante refletir na pergunta formulada por OrsquoBrien ldquoNatildeo poderia ser [Fl 26-

11] uma simples composiccedilatildeo cristatilde na qual o autor tirou certos conceitos de

diferentes contextos ndash talvez os combinando ou encontrando-os jaacute combinados ndash

para explicar o evento Cristordquo135

35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica)

Questatildeo tambeacutem muito importante para a interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 eacute o seu

papel no fluxo da argumentaccedilatildeo paulina em Filipenses Geralmente a pergunta eacute

formulada a partir da compreensatildeo de gecircnero e autoria Por que Paulo inseriu este

hino cristoloacutegico nesta carta e exatamente nesse contexto literaacuterio Ou Por que

Paulo compocircs este hino e o citou como parte de sua carta aos Filipenses Ou ainda

Qual papel 26-11 desempenha no argumento que o apoacutestolo desenvolve na carta

aos Filipenses A despeito da formulaccedilatildeo ainda natildeo foi encontrada uma resposta

consensual entre os estudiosos

Logo de iniacutecio o que entra em consideraccedilatildeo eacute a relaccedilatildeo entre 26-11 e o

contexto anterior A seccedilatildeo inteira de 127-218 na qual Paulo trabalha a parecircnese

133 HAWTHORNE G F Philippians p 78 e 87 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 134 Um dos problemas da exegese de Hurtado eacute justamente privilegiar a primeira parte do hino em detrimento da segunda cf 135 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196

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estaacute dividia em subseccedilotildees 127-30 21-4136 26-11 e 212-18 Eacute paciacutefico que 21-

4 eacute um trecho no qual Paulo exorta a igreja agrave unidade mediante uma atitude de

humildade

Εἴ τις οὖν παράκλησις ἐν Χριστῷ εἴ τι παραμύθιον ἀγάπης εἴ τις κοινωνία πνεύματος εἴ τις σπλάγχνα καὶ οἰκτιρμοί πληρώσατέ μου τὴν χαρὰν ἵνα τὸ αὐτὸ φρονῆτε τὴν αὐτὴν ἀγάπην ἔχοντες σύμψυχοι τὸ ἓν φρονοῦντες μηδὲν κατ᾽ ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ ἀλλήλους ἡγούμενοι ὑπερέχοντας ἑαυτῶν μὴ τὰ ἑαυτῶν ἕκαστος σκοποῦντες ἀλλὰ [καὶ] τὰ ἑτέρων ἕκαστοι (Fl 21-4)

A passagem toda eacute controlada pelo imperativo πληρώσατέ do versiacuteculo 22

e possui algumas conexotildees vocabulares e conceituais com Fl 26-11 como entre

ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἐταπείνωσεν (vs8) e entre as formulaccedilotildees μηδὲν κατ᾽

ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἀλλὰ ἑαυτὸν

ἐκένωσεν (vs7) O grande impasse estaacute na traduccedilatildeo de 25 que vincula todo o

conjunto 21-4 e 26-11 Em grego o versiacuteculo estaacute assim Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν

ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ137 Na verdade satildeo duas oraccedilotildees

Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν

ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ

A traduccedilatildeo desse versiacuteculo requer a resoluccedilatildeo de vaacuterias questotildees Em 25a

a primeira questatildeo eacute o referente do pronome demonstrativo Τοῦτο que eacute melhor

entendido como referindo-se ao argumento precedente e natildeo ao que vem a

136 O versiacuteculo 5 eacute considerado um versiacuteculo ponte tanto ele conclui o trecho de 21-4 quanto introduz 26-11 137 Existem dois problemas de criacutetica textual nesse versiacuteculo Alguns manuscritos inserem a conjunccedilatildeo γὰρ apoacutes o pronome demonstrativo Τοῦτο e outros substituem a forma verbal φρονεῖτε por froneisqw No entanto a evidecircncia manuscrita eacute contra a inserccedilatildeo das duas variantes e o texto eacute inteligiacutevel como estaacute A inclusatildeo de γὰρ eacute rapidamente discutida e desconsiderada por OMANSON R As Variantes Textuais do Novo Testamento p 413-414 FOWL S E Philippians p 89 observa que com a colocaccedilatildeo da conjunccedilatildeo o verbo deveria ser lido como indicativo (a forma eacute a mesma para o imperativo e o indicativo) dando a entender que os Filipenses jaacute estavam tendo o tipo de fronhsij desejado por Paulo Isto poreacutem contraria a argumentaccedilatildeo de 21-4 Contra agrave inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 264 apresenta trecircs argumentos o texto assindeacutetico tem melhor apoio textual a variante atesta o desejo dos escribas de se desfazerem do assiacutendeto e natildeo haacute nenhuma razatildeo plausiacutevel para se omitir a conjunccedilatildeo se ela fosse original Quanto agrave substituiccedilatildeo da forma verbal HAWTHORNE G F Philippians p 104-105 argumenta em favor do paralelismo das duas oraccedilotildees e opta pela forma verbal froneisqw isto eacute da 2ordf pessoa do plural para 3ordf pessoa do singular No entanto FEE G D op cit p264 mostra que Hawthorne cai no mesmo erro dos escribas usar uma variante inferior para tornar Paulo um escritor mais ordenado e legiacutevel

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seguir138 Paulo estaacute referindo-se a tudo o que exortou agrave igreja em 21-4 Outra

questatildeo menor eacute reconhecer que o sintagma ἐν ὑμῖν diz respeito ao que deve ter

lugar na comunidade cristatilde com acento eclesiaacutestico sugerindo a traduccedilatildeo ldquoentre

voacutesrdquo ao inveacutes de ldquoem voacutesrdquo que privilegiaria o aspecto da conduta individual139

Tambeacutem eacute necessaacuterio lidar em 25a com a traduccedilatildeo do verbo φρονέω Este eacute um

verbo importante na literatura paulina particularmente na carta aos Filipenses140

Seu sentido baacutesico eacute ldquopensarrdquo141 mas em Paulo seu significado eacute mais do que

atividade racional envolve decisatildeo vontade eacute a orientaccedilatildeo da vida os alvos que o

ser humano escolhe e o determinam em sua totalidade142 Isso fica evidenciado no

uso do termo em Romanos 85 οἱ γὰρ κατὰ σάρκα ὄντες τὰ τῆς σαρκὸς φρονοῦσιν

οἱ δὲ κατὰ πνεῦμα τὰ τοῦ πνεύματος Uma vida κατὰ σάρκα tem um φρονέω

determinado pela σάρξ Uma vida κατὰ πνεῦμα tem o seu φρονέω condicionado

pelo πνεῦμα A fim de se escolher uma forma verbal que corresponda na traduccedilatildeo

agrave todas essas nuances do verbo grego propotildee-se o verbo ldquoviverrdquo143 ficando 25a

traduzido como ldquoIsto vivei entre voacutesrdquo

A segunda oraccedilatildeo eacute ainda mais difiacutecil pois falta um verbo em 25b As

propostas de resoluccedilatildeo resultam em duas principais opccedilotildees de traduccedilotildees Uma supre

a lacuna com o verbo ἦν A ideia subjacente a essa opccedilatildeo eacute que a recomendaccedilatildeo de

Paulo agrave igreja estaria presente na vida e ministeacuterio de Jesus conforme seraacute

apresentado em 26-11 Jesus seria o exemplo maacuteximo do φρονέω que o cristatildeo

deve ter Esta interpretaccedilatildeo tambeacutem compreende a expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ

138 Assim FOWL S E Philippians p 90 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 266 Outra forma de entender eacute ver todo o versiacuteculo 25 como foacutermula de citaccedilatildeo considerando-se 26-11 material preacute-paulino Assim KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 116-117 139 Reconhecido por FEE G D op cit p 266-267 Ironicamente este argumento vai trabalhar contra a interpretaccedilatildeo eacutetica adotada pelo autor conforme a discussatildeo abaixo 140 Segundo PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 o termo ocorre 26 vezes no Novo Testamento sendo 22 nas cartas paulinas incontestaacuteveis das quais 10 ocorrecircncias apenas na carta aos Filipenses Em segundo lugar estaacute Romanos com 9 141 BAGD p 886 142 PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 GOETZMANN J Mente In DITNT p 1270-175 Este uacuteltimo afirma ldquoO pensar e o empenho do homem natildeo podem ser encarados em isolamento da orientaccedilatildeo global da sua vida esta uacuteltima seraacute refletida nos alvos que ele estabelece para sirdquo 143 O esforccedilo para corresponder a tudo o que o verbo significa aparece na traduccedilatildeo de FOWL S E Philippians p 88 ldquoSeja esse o seu padratildeo de pensamento accedilatildeo e sentimentohelliprdquo Uma alternativa em uma uacutenica palavra seria ldquoatituderdquo como fazem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los

Filipenses p 264 e BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 121 A dificuldade eacute que isso requer a inserccedilatildeo de termos auxiliares (Fee ldquoVossa atitude deveria serrdquo Bockmuehl ldquoEsta eacute a atitude que vocecircs devem ter entre vocecircsrdquo grifos acrescentados) aleacutem do incocircmodo de se traduzir um verbo por um substantivo

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literalmente isto eacute Paulo estaacute se referindo a algo (o φρονέω) que esteve presente

no comportamento na atitude na vida da pessoa qualificada como Cristo Jesus

Outra opccedilatildeo eacute suprir a lacuna verbal de 25b a partir da forma verbal de 25a

Aqui existem variantes De um lado estaria a hipoacutetese de φρονέω em uma forma

passada Quando essa escolha verbal eacute combinada com a interpretaccedilatildeo literal da

expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ mencionada acima o resultado eacute uma traduccedilatildeo do tipo

o que tambeacutem pensou agiu viveu Jesus Cristo144 Do outro lado estaacute a hipoacutetese do

φρονέω em uma forma presente combinada com uma interpretaccedilatildeo natildeo literal da

expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ Na histoacuteria da pesquisa sobre esta expressatildeo postulou-

se primeiramente por A Deissmann que ela se refere a um sentido espacial no qual

o cristatildeo possui a experiecircncia de intimidade com o Cristo ldquoEstar em Cristordquo refere-

se a uma experiecircncia miacutestica145 Essa maneira de entender foi aplicada agrave exegese de

Fl 25 ocasionando a seguinte traduccedilatildeo de 25b ldquocomo vocecircs tecircm em comunhatildeo

com Jesus Cristordquo146 Outro entendimento foi apresentado por K Barth que

enxerga na expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ o espaccedilo da realidade em que estatildeo

inseridos Paulo e seus leitores espaccedilo onde opera a lei da graccedila Eacute o espaccedilo da

comunhatildeo do corpo de Cristo Eacute o espaccedilo da Igreja147 Em outra direccedilatildeo postulou-

se a hipoacutetese da determinaccedilatildeo histoacuterica ldquoEstar em Cristordquo eacute ser determinado pelo

acontecimento histoacuterico da cruz e ressurreiccedilatildeo de Jesus cujos efeitos continuam no

presente148

Com exceccedilatildeo da primeira perspectiva as outras duas sobrevivem na exegese

atual conquanto isso natildeo signifique que alguma noccedilatildeo de comunhatildeo com o Jesus

Cristo vivo esteja excluiacuteda pois apesar da expressatildeo possuir um sentido teacutecnico em

Paulo ela natildeo possui de forma alguma um sentido uacutenico149 O conjunto de

ocorrecircncias mostram que Paulo utiliza a expressatildeo (com suas respectivas variaccedilotildees

ἐν Χριστῷ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ e ἐν κύριος) com duas intenccedilotildees principais para

descrever a accedilatildeo salviacutefica de Deus atraveacutes de Cristo e o espaccedilo de influecircncia que o

144 Como a traduccedilatildeo de HAWTHORNE G F Philippians p 105 ldquoEsta forma de pensamento deve ser adotada por vocecircs que tambeacutem foi a forma de pensamento adotada por Jesusrdquo grifos acrescentados 145 GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 102 146 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p 70 essa interpretaccedilatildeo ldquomiacutesticardquo de 25b foi realizada por Michaelis e C H Dodd 147 BARTH K Epistle to the Philippians p 60 148 GNILKA J op cit p 103 149 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453

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cristatildeo vive em decorrecircncia da salvaccedilatildeo trazida por Jesus150 Haacute portanto uma

combinaccedilatildeo de perspectivas na expressatildeo ἐν Χριστῷ soterioloacutegica pois ela

concentra afirmaccedilotildees da realizaccedilatildeo dos planos de Deus em Jesus151 eclesioloacutegica

porque ela serve para descrever a comunhatildeo iniciada no batismo entre os crentes

uns com os outros e com Jesus exaltado (estar em Cristo eacute estar no Corpo de Cristo

que equivale a estar na Igreja)152 escatoloacutegica visto que o espaccedilo salviacutefico ἐν

Χριστῷ eacute resultado da intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria fazendo irromper o novo

eacuteon o tempo escatoloacutegico e permitindo agravequeles que participam desse espaccedilo

experimentar de antematildeo as primiacutecias da nova criaccedilatildeo153 e finalmente uma

perspectiva existencial dado que ἐν Χριστῷ natildeo designa um lugar mas estar sob

uma influecircncia uma orientaccedilatildeo de vida contraacuteria ao antigo e ainda presente eacuteon

caracterizada pela direccedilatildeo do Espiacuterito Santo154 A combinaccedilatildeo dessas perspectivas

pode ser resumida nas seguintes palavras

Em seu sentido baacutesico ἐν Χριστῷ deve ser entendido de modo local-existencial por meio do batismo os crentes entram no espaccedilo do Cristo pneumaacutetico e constitui-se a nova existecircncia na doaccedilatildeo do espiacuterito como sinal da salvaccedilatildeo que comeccedila de modo real no tempo presente e se realiza plenamente no futuro O ser humano eacute arrancado da sua autolocalizaccedilatildeo e encontra a si mesmo seu self na relaccedilatildeo com Cristo155

Quando se aplica todo esse entendimento da expressatildeo ἐν Χριστῷ agrave exegese

de 25 a relaccedilatildeo entre 25 e 26-11 ganha contornos bem especiacuteficos Foi E

Kaumlsemann quem primeiro notou a importacircncia desta expressatildeo para a compreensatildeo

da passagem e sobretudo foi ele quem primeiro tirou dela todas as consequecircncias

exegeacuteticas para o conjunto 25 e 26-11 Em um celebrado artigo publicado em 1950

ele estudou o texto de Fl 26-11 dialogando com os mais importantes autores que o

precederam nessa pesquisa E Lohmeyer M Dibelius K Barth W Michaelis K

150 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 456 151 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 ldquoa foacutermula teacutecnica lsquoEm Cristorsquo remete sem duacutevida de nenhuma classe ao acontecimento da salvaccedilatildeo tem um caraacuteter soterioloacutegicordquo 152 MARTIN R P Hymn of Christ p 71 Segundo ele essa percepccedilatildeo remonta a R Bultmann Da mesma forma GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 105 153 Notado por RIDDERBOS H Teologia do Apoacutestolo Paulo p 62 na comparaccedilatildeo com a expressatildeo ldquoem Adatildeordquo Da mesma forma GNILKA J op cit p 106 afirma que ldquoEm Cristo ndash No Senhor Eacute o espaccedilo da salvaccedilatildeo escatoloacutegica a fronteira entre o mundo antigo e o novordquo 154 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453 que nota que o ldquoestar em Cristordquo leva ao ldquoestar no Espiacuteritordquo 155 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 618

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Staab e A Erhardt156 A grande pergunta que o seu artigo quer responder eacute a respeito

do papel que o hino de 26-11 desempenha na parecircnese paulina em Filipenses

Nessa direccedilatildeo ele vai criticar o que ele chamou de interpretaccedilatildeo eacutetica Essa

interpretaccedilatildeo que retrocede ao trabalho primordial de Lohmeyer em 1928 e persiste

ateacute os dias de hoje entende que 26-11 eacute onde Paulo apresenta aos Filipenses o

exemplo maacuteximo de todas as virtudes que ele recomenda agrave igreja Esta

interpretaccedilatildeo eacute justificada pelas traduccedilotildees de 25b mencionadas acima que suprem

a lacuna verbal da oraccedilatildeo pela inclusatildeo de ἦν ou de alguma forma passada do verbo

φρονέω Os argumentos apresentados em favor da interpretaccedilatildeo eacutetica satildeo de fato

Paulo utiliza a vida de Jesus para tirar consequecircncias para o comportamento cristatildeo

Eacute o que ele faz em Rm 152-3 e 2Co 89 e o argumento encaixaria bem no contexto

pareneacutetico de 21-4157 Em contrapartida o apoacutestolo natildeo esperaria que seus leitores

tivessem uma imitaccedilatildeo ldquoisomoacuterficardquo de Cristo Nenhum ser humano pode realmente

imitar o que estaacute descrito em Fl 26-11 a natildeo ser de forma anaacuteloga sobretudo no

que tange agrave renuacutencia para servir os outros158 Tambeacutem eacute possiacutevel construir uma

analogia entre a exaltaccedilatildeo de Jesus descrita em 29-11 com a esperanccedila cristatilde de

ετασχηματίσει τὸ σῶμα τῆς ταπεινώσεως ἡμῶν σύμμορφον τῷ σώματι τῆς δόξης

αὐτου apresentada em 321159 Por fim mas natildeo menos importante esta

interpretaccedilatildeo parece ser preferida por alguns estudiosos por natildeo ter necessidade de

supor um estaacutegio preacute-paulino para Fl 26-11 um tempo no qual o texto faria parte

do culto cristatildeo primitivo onde se cantava a salvaccedilatildeo trazida Deus em Jesus160

Acredita-se que a chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo de 26-11 repousa apenas no

contexto literaacuterio da carta161

Natildeo obstante apesar de cada um destes argumentos serem verdadeiros

quando totalizados e colocados na balanccedila ao lado da posiccedilatildeo contraacuteria o peso eacute

156 Escrevendo em 1998 Martin afirma que os dois marcos na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 satildeo a obra de Lohmeyer de 1928 e o artigo de Kaumlsemann de 1950 MARTIN R P Carmen Christi Revisited p 1 157 Reconhecido entre outros por BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 158 FOWL S E Philippians p 106-107 159 Ibid p 107 160 Criacutetica de BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 161 A interpretaccedilatildeo eacutetica da passagem eacute mantida entre outros por Lohmeyer Cerfaux Hurtado Susan Eastman Bockmuehl Fee Hawthorne Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 292 BOCKMUEHL M op cit p 122-123 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 37-39 FEE G D Comentario

de la Epiacutestola a los Filipenses p 262-263 HAWTHORNE G Philippians p 104-105 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 198-200

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muito maior em favor da outra interpretaccedilatildeo chamada ldquointerpretaccedilatildeo kerygmaacuteticardquo

ou ldquointerpretaccedilatildeo soterioloacutegicardquo postulada inicialmente em 1950 por E Kaumlsemann

e que tem em Ralph Martin o seu maior defensor contemporacircneo Satildeo vaacuterios os

pilares dessa interpretaccedilatildeo Antes de tudo a ecircnfase da conexatildeo entre 25 e 26-11 eacute

colocada na expressatildeo ἐν Χριστῷ acentuando toda a forccedila teoloacutegica que a

expressatildeo tem no corpus paulino como exposto acima Desse modo o que Paulo

estaacute afirmando em 25 eacute que os cristatildeos devem praticar as virtudes e

comportamentos indicados em 21-4 como conveacutem agravequeles que fazem parte do

Corpo de Cristo e estatildeo debaixo do senhorio dele De fato a interpretaccedilatildeo

soterioloacutegica acentua mais do que a interpretaccedilatildeo eacutetica o valor exegeacutetico da

expressatildeo ἐν Χριστῷ E esta maneira de entender o texto natildeo deixa de fazer justiccedila

ao contexto pareneacutetico de 21-4 e mais ainda de 127-218 Pois na perspectiva de

Paulo ele estaacute exortando a igreja a comunidade de batizados portanto pessoas que

fazem parte do corpo de Cristo que experimentaram o dom escatoloacutegico do Espiacuterito

Santo que se submeteram a Jesus como κύριος rejeitando todos os outros O que

o apoacutestolo estaacute dizendo eacute que os cristatildeos de Filipos devem viver em conformidade

com este espaccedilo espiritual escatoloacutegico cristoloacutegico onde foram inseridos como eacute

adequado aos que fazem parte da Igreja A diferenccedila eacute que a parecircnese estaacute mais

para a obediecircncia a Jesus do que para imitaccedilatildeo a Jesus como se constata pelo

contexto imediato posterior o versiacuteculo 212 Ωστε ἀγαπητοί μου καθὼς πάντοτε

ὑπηκούσατε μὴ ὡς ἐν τῇ παρουσίᾳ μου μόνον ἀλλὰ νῦν πολλῷ μᾶλλον ἐν τῇ

ἀπουσίᾳ μου μετὰ φόβου καὶ τρόμου τὴν ἑαυτῶν σωτηρίαν κατεργάζεσθεmiddot Natildeo

obstante natildeo se estaacute negando absolutamente que Cristo seja um modelo para os

cristatildeos162 mas que o papel de Fl 26-11 na epiacutestola natildeo eacute apresentar um modelo

eacutetico e sim descrever o acontecimento escatoloacutegico da salvaccedilatildeo ou melhor dizendo

apresentar uma eacutetica fundamentada na soteriologia163

162 Nas palavras de Barth ldquoCom isto sua conduta [a de Jesus descrita em 26-11] eacute a razatildeo para depois ser tambeacutem a norma e o criteacuterio para o cristatildeordquo BARTH G A carta aos Filipenses p 44 Um pouco mais hesitante afirma BYRNE B A Carta aos Filipenses In NCBSJ p 449 ldquoEmbora um aspecto de imitaccedilatildeo eacutetica natildeo seja necessariamente excluiacutedo Paulo mais provavelmente cita o hino para exortar os Filipenses a viver a atitude altruiacutesta (phronein) que deveria brotar de dentro deles por estarem lsquoem Cristorsquordquo 163 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 472 tenta oferecer uma soluccedilatildeo intermediaacuteria atraveacutes das categorias ldquoimagem primordialrdquo e ldquoimagem modelarrdquo Ele afirma ldquoComo imagem

primordial Jesus Cristo possibilita a nova existecircncia dos cristatildeos como imagem modelar ele os marca por sua proacutepria condutardquo (grifos dele) Faltou poreacutem um detalhamento maior de como isso funciona na interpretaccedilatildeo do hino e na relaccedilatildeo dele com o contexto

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Outra criacutetica levantada por Kaumlsemann contra a interpretaccedilatildeo eacutetica eacute que ela

tende a valorizar mais a primeira parte do hino isto eacute os versiacuteculos 6-8 de modo

que os versiacuteculos 9-11 natildeo seriam mais que um excurso ldquonecessaacuterios para nadardquo164

Isso porque se o objetivo do hino eacute apenas apresentar o exemplo de Jesus somente

nos versiacuteculos 6-8 trata-se da atitude de Jesus165 pois em 9-11 haacute uma mudanccedila de

sujeito Soacute que a segunda parte da passagem natildeo eacute um apecircndice um suplemento agrave

primeira ela eacute parte integrante e necessaacuteria166 Na verdade o hino eacute um todo tendo

o seu cliacutemax em 9-11 por conta do seu caraacuteter escatoloacutegico e narrativo como se

veraacute a seguir167

Nesta perspectiva Fl 26-11 descreve um evento na verdade o evento

escatoloacutegico por excelecircncia que tem efeitos sobre todo o universo ldquoEacute o ato de

salvaccedilatildeo o que se celebra se apresenta aqui o acontecimento da salvaccedilatildeo em todas

as suas caracteriacutesticasrdquo168 O hino eacute marcado pela visatildeo escatoloacutegica do cristianismo

primitivo que em relaccedilatildeo agrave apocaliacuteptica judaica distingue-se pela afirmaccedilatildeo do

caraacuteter presente da salvaccedilatildeo A era da salvaccedilatildeo jaacute chegou Deus jaacute exaltou Jesus

Ele jaacute eacute o κύριος que deve ser reverenciado e confessado Em relaccedilatildeo ao helenismo

religioso o texto distingue-se pela afirmaccedilatildeo de que esse κύριος realmente se fez

homem e foi morto na cruz169 Por sinal esta eacute a relaccedilatildeo entre 9-11 e 6-8 porque a

exaltaccedilatildeo sem a encarnaccedilatildeo e a cruz resultaria em uma ldquoteologia da gloacuteriardquo sem

164 Observaccedilatildeo extrema de Kaumlsemann contra a intepretaccedilatildeo eacutetica sobretudo no formato que ela apareceu nos livros de E Lohmeyer e M Dibelius KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 80 165 KREITZER L ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 ldquoEacute difiacutecil incorporar a estrofe final do hino cristoloacutegico dentro de uma interpretaccedilatildeo da passagem que foca somente o exemplo eacutetico de Jesusrdquo 166 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 Segundo MARTIN R P Filipenses p 106 as interpretaccedilotildees que divergem de Kaumlsemann entendem os versiacuteculos 9-11 como digressatildeo dada a dificuldade de se aplicar ao tema da imitaccedilatildeo de Cristo 167 Isso natildeo significa que inexistam diferenccedilas entre as duas seccedilotildees do hino Entre outras aleacutem da mudanccedila de sujeito do Filho para o Pai enquanto a primeira parte descreve a ldquodescidardquo do Filho a segunda parte descreve a sua ldquosubidardquo Cf MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 86 O que se estaacute propondo poreacutem eacute que a relaccedilatildeo entre essas partes natildeo eacute linear e sim progressiva de forma que 29-11 eacute a continuidade e o cliacutemax de 26-8 168 KAumlSEMANN E op cit p 94 169 KAumlSEMANN E op cit p 118-119 Na paacutegina 111 referindo-se agrave exaltaccedilatildeo de Jesus em 29-11 ele afirma ldquoAinda que natildeo se pense aqui em um ato no final dos tempos o acontecimento descrito eacute sem duacutevida escatoloacutegico enquanto tal da mesma maneira que a encarnaccedilatildeo a cruz [tratadas em 6-8] e a ressurreiccedilatildeo que satildeo consideradas sempre no Novo Testamento como acontecimentos escatoloacutegicos Segundo a concepccedilatildeo neotestamentaacuteria o tempo do fim comeccedila precisamente no que se realiza com Cristo e em Cristordquo Segundo KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 a desconsideraccedilatildeo do contexto escatoloacutegico eacute a grande negligecircncia na intepretaccedilatildeo de Fl 26-11 especialmente responsaacutevel pela omissatildeo do papel dos versiacuteculos 29-11

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uma ldquoteologia da cruzrdquo O que foi exaltado eacute aquele se encarnou se humilhou e foi

obediente ateacute a morte170

Nesse sentido a questatildeo por traacutes do hino natildeo eacute responder agrave questatildeo

dogmaacutetica sobre o relacionamento entre o Pai e o Filho171 ou sobre as duas

naturezas nem oferecer um padratildeo comportamental O seu objetivo eacute narrar o

evento histoacuterico da salvaccedilatildeo em um colorido escatoloacutegico culminando no atual

senhorio de Cristo sobre todo o universo Em favor desta interpretaccedilatildeo estaacute a

observaccedilatildeo de Martin e Nash que considerando Fl 26-11 um hino segundo os

criteacuterios da retoacuterica helenista afirmam que nessa perspectiva o hino

necessariamente apresenta uma sequecircncia cronoloacutegica172 Com efeito isso quer

dizer que o texto natildeo eacute uma peccedila dogmaacutetica mas uma narrativa apresentando uma

sucessatildeo de fases um iniacutecio um meio e um cliacutemax um auge Esse auge estaacute

justamente no que acontece apoacutes a morte de Cruz que representa o status presente

daquele cuja histoacuteria eacute narrada Falando sobre Fl 26-11 Becker comenta

Para reconhecer isso eacute preciso ter claro que Cristo sempre eacute descrito mediante uma histoacuteria Ela eacute o evento soterioloacutegico para todos os crentes Ela faz de Cristo a figura escatoloacutegica central da salvaccedilatildeo O seu destino como um todo aconteceu lsquopor noacutesrsquo Exatamente isso natildeo sua humildade subjetiva eacute o que se descreve com as afirmaccedilotildees sobre o sentido fundamental e objetivo desse evento e desse salvador Natildeo eacute por meio da imitaccedilatildeo que os cristatildeos estabelecem uma relaccedilatildeo com o modelo Cristo Sua relaccedilatildeo como Cristo natildeo se baseia na accedilatildeo imitativa mas sim em uma realidade viver no novo estado de salvaccedilatildeo173

E esse ldquonovo estado de salvaccedilatildeordquo essa realidade presente eacute descrita na

seccedilatildeo de 9-11 que deve ser considerado o apogeu da narrativa hiniacuteca174 pois o

cliacutemax no senhorio de Jesus faz de forma efetiva a conexatildeo com o contexto

pareneacutetico da carta Porque os cristatildeos estatildeo ldquoem Cristordquo eles estatildeo debaixo do

senhorio de Jesus Porque Jesus eacute o Senhor eles devem obedececirc-lo (versiacuteculo

212)175 Porque eles satildeo participantes desse evento escatoloacutegico e soterioloacutegico

devem viver correspondendo a essa nova existecircncia Diga-se aliaacutes que essa

maneira de entender Fl 26-11 daacute agrave passagem a condiccedilatildeo de coraccedilatildeo teoloacutegico da

170 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119 171 KAumlSEMANN E op cit p 94 ldquoNatildeo eacute uma relaccedilatildeo o que se descreve aqui e sim um acontecimento um dramardquo No mesmo local ele informa que tal reconhecimento ele tirou de K Barth 172 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 135 173 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 450-451 174 MARTIN R P A Hymn of Christ p xv xviii utiliza o termo alematildeo mitte 175 Ibid p xvi

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epiacutestola sem a qual faltaria na carta uma seccedilatildeo de exposiccedilatildeo teoloacutegica em torno da

qual gravitariam as seccedilotildees de exortaccedilotildees repreensatildeo aos adversaacuterios gratidatildeo e

apresentaccedilatildeo da situaccedilatildeo e planos do apoacutestolo

Outro dado em favor de 9-11 como cliacutemax do hino eacute a presenccedila da foacutermula

ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo A expressatildeo eacute reconhecida como a ldquoconfissatildeo de feacute por

excelecircncia que estaacute na origem de todas as demais e a todas abarcardquo176 O texto tanto

mostra quem eacute esse Senhor a ser confessado (eacute o que se tornou homem se

humilhou morreu na cruz foi exaltado por Deus e recebeu dele o nome sobre

todos) quanto em uma suposta utilizaccedilatildeo lituacutergica como hino antes da inserccedilatildeo na

carta desafiava os ouvintes a reverenciar e confessaacute-lo como Senhor No contexto

literaacuterio em que estaacute reforccedila a ideia de que estar ldquoem Cristordquo eacute simultaneamente

estar debaixo do senhorio de Jesus

Por outro lado considerar Fl 29-11 o cliacutemax do hino natildeo significa desprezar

26-8 para a interpretaccedilatildeo da passagem como um todo Na verdade natildeo se entende

29-11 sem 26-8 porque ambas as seccedilotildees fazem parte de uma uacutenica trama

narrativa literariamente formatada como um hino em duas partes e teologicamente

descrevendo o evento histoacuterico-salviacutefico fundamental O que se estaacute afirmando eacute

que o auge dessa trama estaacute em 29-11 e que essa maneira de entender o conjunto

de Fl 26-11 e o seu papel no contexto da carta aos Filipenses eacute mais bem explicado

pela chamada interpretaccedilatildeo soterioloacutegica

Por tudo isso a interpretaccedilatildeo soterioloacutegica proposta por Kaumlsemann deve ser

preferida e adotada nesta dissertaccedilatildeo177 por apresentar uma argumentaccedilatildeo coerente

para o hino como um todo fazendo jus agraves suas duas partes explicar de maneira

adequada a relaccedilatildeo do hino com o versiacuteculo 25 sobretudo a forccedila da expressatildeo ἐν

Χριστῷ e natildeo desconsiderar o contexto pareneacutetico da epiacutestola mas tirar a questatildeo

eacutetica do vieacutes da imitaccedilatildeo (como proposto pela chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo) para

o contexto da participaccedilatildeo ἐν Χριστῷ e da submissatildeo ao senhorio de Jesus

E dada a importacircncia do versiacuteculo 25 para a compreensatildeo de 26-11 diante

do que foi exposto acima e somando-se ao paralelismo existente entre as

176 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 284 embora aqui a foacutermula esteja em uma versatildeo aumentada Natildeo apenas ldquoJesus eacute Senhorrdquo mas ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 177 Esta interpretaccedilatildeo eacute adotada entre outros por MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 MARTIN R P Filipenses p 104-107 BARTH G A carta aos Filipenses p 43-45 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 449-451 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 111-118 Uma posiccedilatildeo intermediaacuteria eacute defendida por FOWL S E Philippians p 1006-108

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expressotildees ἐν ὑμῖν e ἐν Χριστῷ e de que o normal no grego em frases eliacutepticas

como 25b eacute suprir o verbo a partir da primeira proposiccedilatildeo178 a seguinte traduccedilatildeo

poderia ser sugerida para o versiacuteculo 25 ldquoVivam isto entre vocecircs como conveacutem

viver em Cristo Jesusrdquo que parafraseado seria ldquoVivam tudo isto que mencionei

acima entre vocecircs como conveacutem a todos que fazem parte do corpo de Cristo e estatildeo

debaixo do senhorio delerdquo

178 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 267

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4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o seu novo nome

41 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

A seccedilatildeo que se inicia em 29 vincula-se agrave anterior pelo tema O assunto de

26-8 eacute o mesmo de 29-11 Jesus soacute que agora em uma nova perspectiva Antes

encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo Agora exaltaccedilatildeo e senhorio O sujeito tambeacutem muda

mas o epicentro temaacutetico continua o mesmo179 Isso eacute sugerido pela posiccedilatildeo

enfaacutetica do pronome αὐτὸν mostrando que ldquoelerdquo o que se humilhou eacute o mesmo

ldquoelerdquo que seraacute exaltado180 Cristo continua o centro da narrativa181 Quer dizer na

primeira parte Jesus eacute o sujeito das accedilotildees ele natildeo se apegou ao ser igual ao Deus

ele se esvaziou ele assumiu a forma humana e a forma de servo e foi obediente

ateacute a morte Na segunda parte Deus o exalta daacute ele o nome sobre todo nome

diante do nome dele todos os joelhos se dobraratildeo e toda liacutengua confessaraacute que ele

eacute o Senhor A passagem como um todo eacute cristocecircntrica sem contudo abrir matildeo

do monoteiacutesmo182

Pela perspectiva da histoacuteria das formas eacute possiacutevel que toda a seccedilatildeo de 29-

11 esteja emoldurada segundo os antigos cerimoniais de entronizaccedilatildeo orientais

(especialmente egiacutepcios) presentes em alguns textos do Novo Testamento Nestes

rituais a entronizaccedilatildeo do rei divino seguia trecircs partes exaltaccedilatildeo a apresentaccedilatildeo

diante dos deuses e a entronizaccedilatildeo Em Fl 29-11 esta estrutura foi adaptada da

seguinte forma exaltaccedilatildeo (διὸ καὶ ὁ θεὸς ὑπερύψωσε αὐτὸν) proclamaccedilatildeo do

179 MARTIN R P A Hymn of Christ p 230 180 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141 HELLERMAN J H Philippians p 119 tambeacutem observa que o objeto direto αὐτὸν eacute enfaacutetico aqui 181 HELLERMAN J H Philippians p 118 182 Existem no entanto diferenccedilas entre Fl 26-8 e 29-11 Aleacutem do sujeito dos verbos nota-se o contraste na utilizaccedilatildeo dos particiacutepios satildeo cinco na primeira parte e nenhum na segunda Haacute tambeacutem uma mudanccedila no pano de fundo lexical poreacutem as opiniotildees satildeo diversas Enquanto BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los Filipenses

(Phil 26-11) p 447 defende que a terminologia de 26-8 possui colorido semiacutetico e 29-11 um vocabulaacuterio caracteristicamente helenista SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 argumenta exatamente o contraacuterio

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novo nome (καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα) e homenagem ao

entronizado por gestos e confissatildeo (os versiacuteculos 10-11)183

Do ponto de vista da retoacuterica grega como notado no capiacutetulo anterior

Martin e Nash entendem que o segmento διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν faz

parte do toacutepico ldquoEventos Poacutestumosrdquo e todo o restante do versiacuteculo 9 junto com os

versos 10 e 11 estariam incluiacutedos no toacutepico ldquoNomes e Tiacutetulosrdquo Todavia a

expressatildeo τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα funcionaria como uma syncrisis isto eacute um toacutepico

adicional que ampliaria o entendimento de outro toacutepico atraveacutes de comparaccedilatildeo184

Sintaticamente Fl 29-11 constitui uma uacutenica sentenccedila que pode ser

dividida em duas oraccedilotildees διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ

τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα seria o periacuteodo principal porque traz os dois verbos

no indicativo (ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο) e compreende todo o verso 9 Estes dois

verbos estatildeo conectados por um καὶ que pode ser entendido como epexegeacutetico

fazendo a frase toda ser uma hendiacuteadis ou seja os dois verbos natildeo apontam para

acontecimentos independentes mas satildeo dois aspectos de um mesmo evento185 A

exaltaccedilatildeo e o novo nome satildeo simultacircneos Um resultado semelhante eacute alcanccedilado

atraveacutes de uma outra abordagem sintaacutetica isto eacute quando se desmembra o periacuteodo

principal em duas pequenas oraccedilotildees cada qual com um verbo em uma relaccedilatildeo de

paralelismo sinoniacutemico186

O segundo periacuteodo eacute composto por duas oraccedilotildees subordinadas agraves oraccedilotildees

principais do versiacuteculo 9 e coordenadas entre si Este periacuteodo abrange os versos

10 e 11 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς

δόξαν θεοῦ πατρός Ele eacute comandado pela conjunccedilatildeo de propoacutesito ἵνα e traz seus

dois verbos no subjuntivo (κάμψῃ e ἐξομολογήσηται)187 Pode-se dizer que

enquanto o versiacuteculo 9 descreve a exaltaccedilatildeo de Jesus os versos 10 e 11 trazem o

propoacutesito (ou consequecircncia conforme seraacute discutido mais agrave frente) desta

183 MARTIN R P A Hymn of Christ p 242-243 GOPPELT L Teologia do Novo

Testamento p 331 Este uacuteltimo afirma que o mesmo modelo eacute encontrado em 1Tm 36 Hb 13-13 e Ap 56-14 184 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 112-113 185 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 289 Segundo ele na hendiacuteadis o segundo verbo desenvolve ou completa o significado do primeiro A mesma opiniatildeo tem HELLERMAN J H Philippians p 119 186 BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los

Filipenses (Phil 26-11) p 446 187 Entre outros esta perspectiva sintaacutetica eacute apresentada em SILVA Moiseacutes Philippians p 108

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exaltaccedilatildeo Portanto este capiacutetulo tem como objetivo investigar a descriccedilatildeo da

exaltaccedilatildeo no versiacuteculo 9 enquanto que os proacuteximos capiacutetulos se ocuparatildeo do

propoacutesito (ou consequecircncia) da exaltaccedilatildeo de Jesus apresentadas em Fl 210-11

O versiacuteculo 9 eacute iniciado pela expressatildeo διὸ καὶ O primeiro elemento διὸ eacute

uma conjunccedilatildeo inferencial Ela eacute em geral usada para coordenar o que segue com

o que vem antes e sua traduccedilatildeo comum eacute por isso por essa razatildeo O καὶ que vem

associado pode ser entendido como intensificando a conjunccedilatildeo188 indicando que a

inferecircncia eacute auto evidente189 ou que a conclusatildeo a seguir eacute de alguma forma

oacutebvia190 Essa interpretaccedilatildeo resultaria em uma traduccedilatildeo livre do tipo por isso

naturalmente obviamente Silva no entanto questiona esse raciociacutenio

mostrando que a utilizaccedilatildeo de διὸ e a combinaccedilatildeo διὸ καὶ no Novo Testamento

natildeo oferecem suporte para esta maneira de ver pois nem sempre a expressatildeo

combinada indica uma ldquoinferecircncia auto evidenterdquo e ao mesmo tempo a

conjunccedilatildeo sozinha agraves vezes pode de fato apontar nesta direccedilatildeo Ele prefere

sugerir que o papel do καὶ seja intensificar ou realccedilar a conjunccedilatildeo e que o uso

paulino pode estar influenciado pelo texto de Is 5312 na LXX (διὰ τοῦτο)191 Isto

encaminha uma traduccedilatildeo mais simples com apenas um ldquoe por issordquo192

42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus

O texto natildeo deixa duacutevida que o responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus eacute

Deus De fato a seccedilatildeo de 29-11 eacute marcada de forma profunda pelo monoteiacutesmo

Deus exalta Jesus compartilha com ele o seu proacuteprio nome e tudo isso resulta na

gloacuteria de Deus Eacute importante delimitar o que significa o substantivo θεὸς no

contexto da teologia paulina Enquanto judeu o conceito que Paulo tinha acerca

de Deus eacute profundamente marcado pelo Antigo Testamento como aliaacutes eacute o caso

188 FEE G Christology p 395 189 De acordo com BAGD p198 190 Conforme BALZ H SCHNEIDER G διό In DENT v I p 1018 HELLERMAN J H Philippians 118 percebe uma ironia aqui pois do ponto de vista da cultura romana predominante em Filipos a exaltaccedilatildeo de algueacutem qualificado na primeira parte como δοῦλος e que terminou sua vida crucificado seria tudo menos uma coisa oacutebvia 191 Isto foi primeiro afirmado por CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p295 e 304 Cerfaux acredita que por traacutes de Fl 26-11 existe uma grande influecircncia dos cacircnticos de servo em Isaiacuteas 192 SILVA Moiseacutes Philippians p 115

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de todos os autores neotestamentaacuterios embora com matizes diferentes Para o

apoacutestolo o θεὸς que enviou seu Filho ao mundo e agora o exaltou eacute o mesmo Deus

de Israel revelado nas Escrituras hebraicas Poreacutem o encontro com o Cristo

ressuscitado levou o apoacutestolo a inclui-lo na sua feacute monoteiacutesta A heranccedila judaica e

a convicccedilatildeo cristoloacutegica constituem assim o cerne do entendimento paulino de

Deus

Dessa forma o θεὸς para ele eacute o criador do mundo (Rm 12025) que atua

de maneira contiacutenua nele e se importa com ele a ponto de redimi-lo O impacto do

evangelho fez Paulo incluir nessa argumentaccedilatildeo o papel de Cristo na criaccedilatildeo

como mediador e finalidade (respectivamente em 1Co 85-6 e Cl 116)

Igualmente se no Antigo Testamento Israel poderia ser chamado de Filho de

Deus (Os 111) para Paulo Deus eacute o Pai de toda a criaccedilatildeo mas de maneira

particular ele eacute o Pai de Jesus e dos cristatildeos Esse Deus que eacute criador e Pai

tambeacutem reina soberano sobre todo o universo e um dia atuaraacute como juiz de todas

as pessoas (Rm 141012) E nestes temas verifica-se de novo a influecircncia

cristoloacutegica pois Paulo pode falar do reinado exercido por Jesus (1Co 1525 com

efeito a partir da sua exaltaccedilatildeo) e do juiacutezo que vem atraveacutes de Jesus na parusia

(Rm 216 2Co 510) E ainda a visatildeo paulina de Deus eacute caracterizada por uma

seacuterie de atributos compartilhados com a tradiccedilatildeo judaica a saber a gloacuteria (Rm

323 1Co 1031 Ef 117) a sabedoria (1Co 27 130 onde ele identifica Cristo

com a sabedoria de Deus) a santidade (percebida como exortaccedilatildeo em especial por

aqueles que agora satildeo filhos de Deus em Cristo como Rm 17 1Ts 47 1Co 619-

20) justiccedila (Rm 321-22 103 Gl 26) amor e graccedila (Rm 324 55 2Co 1313) e

fidelidade (1Co 19 1013) Para Paulo esse foi o Deus que exaltou Jesus193

Outro ponto importante eacute perguntar como a mudanccedila de sujeito no

contexto do hino seria notada pelos cidadatildeos filipenses Eacute muito provaacutevel que essa

virada na narrativa chamaria a atenccedilatildeo deles por conta da sua sensibilidade soacutecio-

poliacutetica O ponto eacute que no mundo romano da eacutepoca existia uma enorme

valorizaccedilatildeo da cultura da honra e do prestiacutegio puacuteblico ldquoStatus era uma

commoditie puacuteblica no mundo romanordquo194 Nesse sistema cultural quando se era

honrado por algueacutem a honra do homenageado aumentava proporcionalmente agrave

honra que o doador possuiacutea Em consequecircncia o ideal era ser honrado por um

193 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPL p 379-397 194 HELLERMAN J H Philippians p 119

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homem honrado receber prestiacutegio de quem ocupasse a mais alta posiccedilatildeo social195

Essa loacutegica eacute elevada agrave uacuteltima potecircncia em Fl 29 mostrando que Jesus foi

exaltado pelo ser mais honrado e exaltado do universo Deus A autoridade do

doador garante a eficaacutecia da honra recebida

43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω

O verbo ὑπερυψόω pode ser traduzido d forma literal como elevar algueacutem

ao lugar mais alto196O termo eacute um hapax no Novo Testamento e na literatura

cristatilde primitiva foi utilizada uma uacutenica vez na 1ordf carta de Clemente 145 Em

contrapartida o termo foi utilizado 50 vezes na LXX197BAGD indica que Fl 29

parece ecoar Sl 969 LXX ldquoPois tu eacutes Senhor o Altiacutessimo sobre a Terra

grandemente exaltado acima de todos os deusesrdquo198 Haacute dessa forma uma

perspectiva de comparaccedilatildeo a exaltaccedilatildeo de YHWH eacute considerada em relaccedilatildeo aos

deuses (τοὺς θεούς na LXX יםאה no texto hebraico) Interessante observar que

o texto hebraico utiliza a mesma preposiccedilatildeo nas duas partes do versiacuteculo (על)

enquanto a LXX utiliza ἐπὶ na primeira parte quando o termo de comparaccedilatildeo eacute a

Terra e ὑπὲρ na segunda parte quando o contraste eacute com os deuses Eacute esta uacuteltima

preposiccedilatildeo que Fl 29 vai usar Ademais essa relaccedilatildeo com o Salmo contribui para

a compreensatildeo comparativa do verbo ὑπερυψόω no conjunto de Fl 26-11 como

seraacute discutido abaixo

431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular

A ideia de exaltaccedilatildeo desempenhava papel importante nos mitos do Antigo

Oriente Por exemplo no mito babilocircnico Enucircma Elish Marduque foi exaltado na

assembleia dos deuses apoacutes derrotar Tiamate e Kingu o que lhe proporcionou a

195 HELLERMAN J H Philippians p 119 196 BAGD p 842 197 Segundo a contagem de MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v1 p 83-87 198 BAGD p 842 O versiacuteculo corresponde ao Sl 979 da Biacuteblia Hebraica Sl 979 O hebraico traz literalmente ldquoPois tu eacutes YHWH o Altiacutessimo sobre toda a Terra exaltado sobre todos os deusesrdquo

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soberania sobre o mundo Em consequecircncia ele instala na Terra Hamurabi como

seu representante exaltado entre os homens Entre os egiacutepcios existia o mito de

exaltaccedilatildeo do faraoacute Tutmose III realizado pelo deus sol Recirc Atraveacutes da exaltaccedilatildeo o

faraoacute foi coroado e instalado como filho de deus Tambeacutem existiam mitos

babilocircnicos que descreviam a tentativa de seres humanos buscarem a exaltaccedilatildeo

atraveacutes do esforccedilo proacuteprio Contudo o empreendimento terminava mal porque

natildeo contava com o favor dos deuses199

O Antigo Testamento utiliza alguns termos para expressar a ideia de

exaltaccedilatildeo No texto hebraico satildeo גדל גבה רום e א A LXX os traduz pelos נש

verbos ὑψόω e ὑπερυψόω O pensamento israelita eacute que somente Deus tem o

poder de exaltar (e ao mesmo tempo de humilhar) A auto-exaltaccedilatildeo humana eacute

sempre rejeitada Eacute algo que se opotildee a Deus e recebe a sua condenaccedilatildeo (Sl 757

Is 211 e 17) A exaltaccedilatildeo eacute vista de um modo mais positivo quando o homem estaacute

em uma situaccedilatildeo de opressatildeo e busca o socorro divino Ele eacute exaltado quando

Deus muda suas circunstacircncias exaltado a uma realidade melhor (Sl 37 34 8917

e 1129) Em relaccedilatildeo a Deus ele eacute exaltado nos cultos e demais cerimocircnias

religiosas atraveacutes da adoraccedilatildeo do seu povo (Sl 3433) E agrave medida que comeccedila a

surgir uma esperanccedila escatoloacutegica dentro do Antigo Testamento tambeacutem vai se

desenvolvendo uma expectativa de exaltaccedilatildeo do povo de Deus Eacute nesse contexto

que estatildeo inseridos os cacircnticos de servo em Isaiacuteas um dos possiacuteveis panos de

fundo para a narrativa da exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Entre outros L

Cerfaux acredita que todo o hino de Fl 26-11 estaacute sob a influecircncia desta tradiccedilatildeo

especiacutefica Dessa forma laacute eacute prometido que o servo receberaacute na exaltaccedilatildeo as

multidotildees (Is 5312) aqui seu triunfo estende-se ao cosmos Em Isaiacuteas (LXX) a

exaltaccedilatildeo eacute descrita com o verbo ὑψόω em Filipenses com o verbo ὑπερυψόω200

E aleacutem de Is 5213-5312 existe em Fl 29-11 a alusatildeo ao trecho de Is 4521-23

como seraacute avaliado adiante no trabalho

De fato o Novo Testamento interpreta o עבד do Decircutero-Isaiacuteas como uma

figura messiacircnica que tem o seu cumprimento em Jesus (At 826-40) Contudo no

contexto de Isaiacuteas tanto eacute possiacutevel que o termo faccedila referecircncia a um indiviacuteduo

199 Para todo este paraacutegrafo cf MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v 1 p 83-87 200 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 304-306 Para ele a mudanccedila de verbo diz respeito agrave intenccedilatildeo de Paulo de acentuar a exaltaccedilatildeo de Cristo sobre as potestades celestes

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quanto que ele esteja designando o povo de Israel como um todo201 E essas

alternativas natildeo satildeo necessariamente excludentes pois eacute provaacutevel que em algumas

passagens exista uma distinccedilatildeo entre o servo e Israel (Is 491-9 421-7 504-10)

e em outras (Is 5417 566 6317 658-9) uma identificaccedilatildeo entre ambos202 O

judaiacutesmo por sua vez interpretava o עבד como uma referecircncia ao povo de

Israel203 Tudo isso vai ser importante para a exegese proposta por N T Wright

para Fl 26-11 Na visatildeo dele por traacutes dessa passagem estaacute a expectativa da

exaltaccedilatildeo de Israel a uma posiccedilatildeo de proeminecircncia por conta da sua obediecircncia

algo que se cumpriu na exaltaccedilatildeo de Jesus Ele chama esse raciociacutenio de

ldquocristologia israelitardquo204 uma variaccedilatildeo da mais conhecida cristologia adacircmica O

fundamento para essa exegese seriam os ecos intertextuais entre Fl 26-11 e Gn

126-28 Sl 84-7 Dn 714 e acima de tudo Is 4523

Tambeacutem a literatura apocaliacuteptica judaica testemunha essa expectativa

escatoloacutegica sendo a exaltaccedilatildeo parte da esperanccedila humana Haacute tanto uma

perspectiva futura como algo que seraacute consumado no fim dos tempos quanto

espacial com a ideia de ser exaltado aos mais altos ceacuteus (particularmente na

tradiccedilatildeo de Enoque) Seja como for e a despeito de ser possiacutevel uma delimitaccedilatildeo

precisa das influecircncias veterotestamentaacuterias sobre Fl 29-11 eacute certo que esse texto

deve ser lido e interpretado a partir das expectativas israelitas de uma exaltaccedilatildeo

escatoloacutegica que o cristianismo primitivo entendeu estarem cumpridas na

exaltaccedilatildeo de Jesus

201 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 308 202 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 203 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 310 204 Para Wright a cristologia a partir de Adatildeo e a cristologia a partir do servo sofredor de Isaiacuteas natildeo satildeo contraditoacuterias Ambas satildeo cristologias baseadas em Israel Como uacuteltimo Adatildeo Jesus assumiu o papel que Israel deveria ter desempenhado segundo o Antigo Testamento Ainda segundo Wright Paulo natildeo chegou a essa conclusatildeo porque havia na feacute judaica preacute-cristatilde a expectativa da vinda de um Messias escatoloacutegico a partir de Isaiacuteas 53 Pelo contraacuterio foram os eventos da cruz que fizeram ele repensar o cliacutemax do plano salviacutefico de Deus WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 60-61

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432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento

O Novo Testamento articula o tema da exaltaccedilatildeo sobretudo atraveacutes do

verbo ὑψόω utilizado em vinte ocasiotildees Ele eacute aplicado a Jesus em Joatildeo 314

828 123234 At 233 531 Na mensagem de Jesus a exaltaccedilatildeo eacute vista dentro da

temaacutetica do discipulado e com uma dimensatildeo escatoloacutegica Ela eacute geralmente

trabalhada atraveacutes do binocircmio exaltaccedilatildeo-humilhaccedilatildeo A exaltaccedilatildeo passa pelo

caminho da humilhaccedilatildeo e obediecircncia diante de Deus Quem se exalta nesta vida

seraacute humilhando no julgamento final Quem se humilha (para servir a Deus e ao

proacuteximo) seraacute exaltado pelo proacuteprio Deus no juiacutezo final Tiago e 1Pedro vatildeo

exortar os cristatildeos a partir deste paradigma (Tg 410 1Pe 56) Diversos

testemunhos no Novo Testamento apontam para a esperanccedila da exaltaccedilatildeo dos

cristatildeos na parusia e a exaltaccedilatildeo de Jesus vai se tornar o fundamento desta

esperanccedila205

E para tratar da exaltaccedilatildeo de Jesus o Novo Testamento segue o padratildeo

veterotestamentaacuterio e natildeo a situa em termos de mito mas de histoacuteria O exaltado

eacute Jesus de Nazareacute o mesmo que foi levantado em uma cruz Destarte esse

conceito eacute trabalhado de forma diversificada nos escritos neotestamentaacuterios

Tradiccedilotildees primitivas presentes no livro de Atos em 233 e 531 designam a

entronizaccedilatildeo de Jesus como Senhor por meio do verbo ὑψόω206 Na literatura

paulina encontra-se em Fl 29-11 a exaltaccedilatildeo relacionada agrave ideia de senhorio mas

em Rm 14 ela diz respeito a Jesus ser designado Filho de Deus e 1Tm 316 a ele

ser recebido na gloacuteria207 No quarto evangelho o tema da exaltaccedilatildeo seraacute paralelo

ao da glorificaccedilatildeo atraveacutes do verbo δοξάζω (Jo 739 1216 175) Ali Jesus jaacute eacute

o exaltado na sua crucificaccedilatildeo que eacute o cumprimento da sua missatildeo Hebreus natildeo

utiliza o verbo ὑψόω e vai articular a teologia da exaltaccedilatildeo atraveacutes de outras

expressotildees coroado (19) ungido (113 1012 122) assentado agrave direita de Deus

(55) Em resumo como notado por Bruce todas as fontes do Novo Testamento

celebram a exaltaccedilatildeo de Jesus208

205 LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1910-1911 206 Ibid p 1911-1912 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112 a exaltaccedilatildeo de Jesus fazia parte do ldquolsquokerygmarsquo apostoacutelico conservado nos Atos dos Apoacutestolosrdquo 207 MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v I p 83-87 208 BRUCE F F Filipenses p 88

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Quanto agrave origem e disseminaccedilatildeo do conceito da exaltaccedilatildeo de Jesus no

Novo Testamento era corrente afirmar ateacute metade do seacuteculo passado que uma

cristologia da exaltaccedilatildeo isto eacute o reconhecimento de que o Jesus ressuscitado atua

no presente como κύριος podendo ser inclusive invocado e cultuado pela

comunidade foi um fenocircmeno surgido na comunidade cristatilde helenista Essa foi a

tese defendida originalmente por W Bousset na obra Kyrios Christos em 1913

De acordo com ele a comunidade cristatilde primitiva de Jerusaleacutem de fala aramaica

natildeo possuiacutea uma cristologia da exaltaccedilatildeo tese que foi aprovada e assumida por

Bultmann como observa Cullmann209

Posteriormente entretanto a tese recebeu muitas criacuteticas ficando

desprestigiada no final do seacuteculo 20210 Fundamental para esse processo de

superaccedilatildeo foi a identificaccedilatildeo de trechos e expressotildees nos livros do Novo

Testamento a maior parte em textos paulinos que remontam a um periacuteodo

anterior agrave produccedilatildeo destes livros Satildeo testemunhos do cristianismo mais primitivo

recolhidos e transmitidos pelos autores do Novo Testamento Entre estes textos

estatildeo alguns sermotildees no livro de Atos textos considerados hinos cristoloacutegicos

como 1Tm 316 e Fl 26-11 confissotildees de feacute como ldquoJesus eacute Senhorrdquo (Rm 1023

1Co 123) e acima de tudo a expressatildeo μαράναθά presente em 1Co 1622 Esta

expressatildeo que tambeacutem ocorre no cristianismo primitivo em Didaquecirc 106211 eacute a

transliteraccedilatildeo de uma frase aramaica que pode ser traduzida como uma suacuteplica

ldquoNosso Senhor vemrdquo212 Entende-se que ela estaacute por traacutes de Ap 2210b onde

estaria sendo citada de forma traduzida Enquanto suacuteplica seria uma peticcedilatildeo

dirigida ao proacuteprio Jesus Cristo exaltado213 seja para que ele realize sua parusia

seja para que ele se manifeste de uma forma especial agrave igreja que estaacute reunida em 209 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p280-281 mostra que na obra posterior ldquoJesus der Herrrdquo de 1916 Bousset abandou sua explicaccedilatildeo original mas acabou reassumindo-a na segunda ediccedilatildeo de Kyrios Christos em 1921 Curiosamente Cullmann informa que Bultmann adotou em sua Teologia do Novo Testamento a explicaccedilatildeo provisoacuteria dada por Bousset em 1916 210 Veja-se que aleacutem de Bultmann encontra-se uma adoccedilatildeo da tese de Bousset em KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-71 obra lanccedilada em 1966 e GOPPELT L Teologia do

Novo Testamento p 327-333 que remonta a meados da deacutecada de 1970 211 ldquoQue venha a graccedila e passe este mundo Hosana ao filho de Davi Se algueacutem for santo que venha Se algueacutem natildeo for santo faccedila penitecircncia Maranata Ameacutemrdquo Texto segundo FITZMYER J A To Advance The Gospel p 224 212 Existe discussatildeo sobre a correta divisatildeo da expressatildeo e consequentemente sua respectiva traduccedilatildeo A saber μαραν ἀθῆ - ldquoNosso Senhor estaacute vindordquo μαραν ἄθα ndash ldquoNosso Senhor veiordquo ou ldquoNosso Senhor estaacute aquirdquo μαράνα θά - ldquoNosso Senhor vemrdquo Cf FITZMYER J A To

Advance The Gospel p 226 A uacuteltima forma eacute a adotada no Novo Testamento grego de Nestleacute-Aland 213 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 29 GOPPELT L Teologia

do Novo Testamento p 278

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torno da eucaristia214 De qualquer jeito a expressatildeo μαράναθά e os demais

extratos do cristianismo primitivo no Novo Testamento atestam que desde o iniacutecio

da igreja jaacute na comunidade de fala aramaica em Jerusaleacutem os cristatildeos criam em

um Jesus exaltado Senhor dos cosmos mas tambeacutem Senhor da comunidade e de

suas vidas Senhor com quem eles podiam se relacionar de forma especial no

culto215 Logo apoacutes a ressurreiccedilatildeo quando os disciacutepulos ser reuniram como igreja

cristatilde creram que sobre eles Jesus estava como Senhor exaltado Eacute a ressurreiccedilatildeo

o acontecimento fundamental para o surgimento do conceito de exaltaccedilatildeo de

Jesus Nas palavras de Cullmann

Eacute a convicccedilatildeo dos disciacutepulos de que a ressurreiccedilatildeo de Cristo havia inaugurado o fim dos tempos O que jaacute havia sido realizado dava agrave sua esperanccedila esta firme confianccedila o fim dos tempos jaacute havia comeccedilado Cristo natildeo podia ser para eles meramente o Filho do Homem que havia de vir Ele devia tambeacutem ter uma significaccedilatildeo presente jaacute que este presente pertencia ao tempo da consumaccedilatildeo A esperanccedila ardente da manifestaccedilatildeo proacutexima do seacuteculo vindouro natildeo eacute pois a causa mas a consequecircncia da feacute na ressurreiccedilatildeo de Cristo 216

433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina

4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina

A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute um tema central na cristologia paulina Eacute ela que

revela ldquoa verdadeira identidade de Jesus daacute um significado definitivo a sua vida e

morte e fornece a base para a esperanccedila cristatilderdquo217 Isto pode remontar a sua

proacutepria experiecircncia com Jesus (e portanto das suas comunidades) que natildeo foi

uma experiecircncia com o Jesus terreno (como os 12 apoacutestolos) mas

fundamentalmente com o Cristo exaltado A sua experiecircncia de encontrar o Jesus

exaltado na estrada para Damasco tornou-se o epicentro da sua cristologia Isso

214 ldquoTemos visto a dupla significaccedilatildeo de Maranata lsquoVem a noacutes que estamos reunidos em teu nome e lsquoVem definitivamentersquo [] A ceia evoca com efeito retrospectivamente a uacuteltima refeiccedilatildeo de Jesus antes de sua morte e as da Paacutescoa onde o ressuscitado apareceu e por outro lado ela prefigura o banquete messiacircnico de Cristo e dos seus reunidos no Reino de Deusrdquo CULMMANN O Cristo e o Tempo p 199 215 Entre outros BROWN R Introduccion a la cristologia del Nuevo Testamento p 121-158 e SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 24-38 216 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 272 217 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522

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natildeo quer dizer que Paulo imaginasse o Cristo exaltado dissociado do Jesus

histoacuterico como pensaram Bultmann e outros Para Paulo o exaltado natildeo era

ningueacutem diferente daquele Jesus que foi crucificado em Jerusaleacutem e ressuscitou

trecircs dias depois Nessa perspectiva o hino de Fl 26-11 ocupa papel importante

pois como expressatildeo de uma cristologia paulina autecircntica (articulada de forma

original por ele ou aproveitada de tradiccedilatildeo lituacutergica jaacute existente) ele revela que

este que agora estaacute exaltado eacute Senhor e deve ser reverenciado e confessado natildeo eacute

outro senatildeo aquele que se encarnou completamente assumindo a forma humana e

humilhou-se como servo e morreu na cruz como aacutepice da sua obediecircncia ao Pai218

Essa cristologia da exaltaccedilatildeo articulada por Paulo segue e desenvolve

linhas que jaacute existiam no cristianismo anterior a ele como a leitura cristoloacutegica do

Sl 1101 a profissatildeo de feacute de Jesus como κύριος e os trechos de cunho lituacutergico

mais desenvolvidos como Rm 13-4 1Co 153-8 Cl 115-20 1Tm 316 A partir

dessa base cristoloacutegica tradicional somada a sua matriz de pensamento judaica e a

sua experiecircncia de encontro com Cristo o apoacutestolo desenvolve sua cristologia da

exaltaccedilatildeo a partir de quatro aspectos219 a ressurreiccedilatildeo a ascensatildeo a

entronizaccedilatildeo220 e a parusia221

Aqui em Fl 29 eacute provaacutevel que as primeiras trecircs accedilotildees estejam incluiacutedas no

verbo ὑπερύψωσεν222 Neste texto a exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute descrita em estaacutegios

Tudo estaacute indicado atraveacutes de um uacutenico verbo223 Como notado por Bockmuehl

ldquoPaulo enfatiza somente o fato natildeo o processo desta exaltaccedilatildeo que em outros

lugares envolve ressurreiccedilatildeo ascensatildeo e sentar-se agrave direita de Deusrdquo224

A ressurreiccedilatildeo atesta o iniacutecio da exaltaccedilatildeo sendo a reversatildeo imediata do

auge da sua humilhaccedilatildeo a morte de cruz A ressurreiccedilatildeo eacute mais do que um 218 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522-523 219 Conforme MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523-524 220 Nem todos os autores trabalham com a categoria da ldquoentronizaccedilatildeordquo de Cristo como algo distinto da ascensatildeo dado que o Novo Testamento natildeo menciona um acontecimento especiacutefico relacionado agrave entronizaccedilatildeo Geralmente a discussatildeo acerca da ldquoascensatildeordquo jaacute inclui a entronizaccedilatildeo 221 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112-113 apresenta a partir da obra de J MacArthur uma descriccedilatildeo da exaltaccedilatildeo que tambeacutem conteacutem quatro aspectos com a diferenccedila que o quarto aspecto natildeo eacute a parusia mas a atuaccedilatildeo de Jesus no governo celestial 222 Assim pensa entre muitos outros HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 485 Segundo ele a parte da parusia apareceraacute nos versiacuteculos 10 e 11 quando todos iratildeo confessar e se ajoelhar diante de Jesus O pensamento contraacuterio foi defendido por Lohmeyer em sua exposiccedilatildeo claacutessica da passagem Para ele o verbo diz respeito ao assentar-se de Cristo agrave direita de Deus Pai e natildeo agrave ressurreiccedilatildeo Isso indicaria a origem natildeo paulina do hino pois o apoacutestolo contrariamente iria se referir agrave ressurreiccedilatildeo e natildeo agrave exaltaccedilatildeo Isso aproxima de acordo com este autor o pensamento do hino da teologia joanina BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 14 223 OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 236 224 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141

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simples voltar agrave vida eacute uma nova existecircncia gloriosa natildeo mais sujeita agraves

fraquezas da vida humana e aos poderes malignos que ainda atuam neste universo

Quanto agrave ascensatildeo Paulo natildeo a menciona de maneira expliacutecita o que natildeo quer

dizer que ele natildeo conhecesse nada a respeito Em alguma medida Paulo

pressupotildee uma transiccedilatildeo entre o ministeacuterio terreno de Jesus (que vai ateacute a cruz e

se desenvolve na Terra) e o ministeacuterio exaltado (que comeccedila na ressurreiccedilatildeo mas

vai se desenvolver no ceacuteu) mas parece que ele natildeo descreve essa transiccedilatildeo como

ascensatildeo sendo mesmo possiacutevel que ele natildeo conhecesse essa tradiccedilatildeo225 Natildeo

obstante o Jesus ressurreto vai ser entronizado Paulo descreve esta realidade por

intermeacutedio da metaacutefora do ldquoestar sentado agrave direita de Deusrdquo e ter os inimigos

debaixo dos peacutes ambas tiradas do Sl 1101 (talvez em combinaccedilatildeo com o Sl 86)

Cinco vezes ele usa explicitamente esse versiacuteculo Rm 834 1Cor 1525 Ef

12022 Cl 31226 E eacute bastante possiacutevel que por traacutes de Fl 29-11 tambeacutem esteja

presente uma reflexatildeo cristoloacutegica que parte do Sl 1101 A ideia eacute que Cristo estaacute

exercendo a sua soberania sobre todo o universo acima de todo poder e

autoridade E quando ocorrer a parusia a gloacuteria do Senhor exaltado seraacute revelada

(1Cor 17) seus inimigos seratildeo derrotados em definitivo (1Cor 1524-26) e todo o

universo o aclamaraacute como Senhor

Quanto agrave exaltaccedilatildeo como entronizaccedilatildeo a perspectiva paulina envolve a

temaacutetica da vitoacuteria de Jesus sobre poderes espirituais que por sua vez remonta agrave

perspectiva veterotestamentaacuteria de YHWH como guerreiro divino Conforme

Reid encontra-se no Antigo Testamento a visatildeo de YHWH como um guerreiro

que luta primeiro em favor e junto com seu povo Israel mas posteriormente

contra ele por conta da sua desobediecircncia227 O paradigma para essa perspectiva

foi a luta de YHWH contra as forccedilas do Egito em favor da libertaccedilatildeo do seu povo

A infidelidade de Israel agrave alianccedila fez com que YHWH se tornasse guerreiro contra

Israel revogando o ecircxodo e levando seu povo ao exiacutelio Isto eacute descrito por Isaiacuteas

como a ldquoobra insoacutelitardquo de YHWH (Is 2821) A uacuteltima fase dessa perspectiva no

Antigo Testamento eacute a esperanccedila escatoloacutegica de quando YHWH agiraacute como

guerreiro divino contra os inimigos de Israel Seraacute o dia da restauraccedilatildeo atraveacutes do

225 Diferente do que defende MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523 Lohfink citado por Maile argumenta que Paulo natildeo conhecia a estrutura lucana de ressurreiccedilatildeo quarenta dias e ascensatildeo 226 Caso se desconsidere Efeacutesios e Colossenses como cartas autecircnticas entatildeo temos duas ocorrecircncias expliacutecitas 227 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209

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triunfo contra todos aqueles que se levantaram contra o povo da alianccedila Eacute a partir

deste pano de fundo veterotestametaacuterio que Paulo vai compreender a exaltaccedilatildeo de

Jesus Cristo que teraacute assim uma orientaccedilatildeo tanto monoteiacutesta quanto escatoloacutegica

isto eacute a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute vista como a realizaccedilatildeo do triunfo de YHWH sobre

os inimigos cumprindo a esperanccedila judaica da intervenccedilatildeo divina no fim dos

tempos Eacute por isso que em Fl 29 o sujeito eacute explicitamente mencionado ao

contraacuterio da primeira parte 26-8 enfatizando que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o

cumprimento do plano escatoloacutegico de Deus

4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico

O que foi dito acima jaacute aponta para a importacircncia da escatologia para a

compreensatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus na teologia paulina A escatologia eacute uma das

estruturas fundamentais da teologia paulina228 Ela natildeo eacute apenas um ponto de

partida para a sua reflexatildeo teoloacutegica mas todas as linhas da sua argumentaccedilatildeo satildeo

influenciadas por essa base A escatologia paulina funciona de forma

bidimensional uma dimensatildeo temporal (presente e futuro) e uma dimensatildeo

espacial (terreno e celeste)229 Com efeito eacute a primeira dimensatildeo que predomina

Como muitos autores judeus do primeiro seacuteculo Paulo entendia que o

aparecimento do Messias significava a chegada do futuro tempo de salvaccedilatildeo De

forma mais especiacutefica ele entende que a ldquoressurreiccedilatildeo de Jesus eacute primordialmente

um acontecimento escatoloacutegicordquo230 que fez o futuro escatoloacutegico invadir o

presente Em consequecircncia a partir da ressurreiccedilatildeo o reino de Deus eacute posto em

accedilatildeo na histoacuteria humana os inimigos de YHWH satildeo derrotados e o cosmos eacute

colocado debaixo do senhorio de Jesus E nisso Paulo natildeo estaacute sozinho no

228 Eacute melhor utilizar o plural ldquoestruturasrdquo como H Ridderboss do que entrar na discussatildeo que natildeo alcanccedila nenhum consenso sobre qual seria a ldquoestruturardquo fundamental para o pensamento paulino Segundo Ridderboss essas estruturas seriam a revelaccedilatildeo do misteacuterio na plenitude do tempo a relaccedilatildeo entre escatologia e cristologia Cristo como o primogecircnito dos mortos e uacuteltimo Adatildeo ldquoestar em Cristordquo (o velho e o novo homem) a carne e o Espiacuterito Cristo como imagem de Deus Cristo como primogecircnito da criaccedilatildeo Cristo como exaltado RIDDERBOS H A teologia do

apoacutestolo Paulo p 47-99 229 KREITZER L Escatologia In DPC p 478-479 230 KREITZER L Escatologia In DPC p 464

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cristianismo primitivo Ele compartilha a determinaccedilatildeo escatoloacutegica de todo o

kerygma cristatildeo231

Quando se entende a ressurreiccedilatildeo de Jesus como parte da sua exaltaccedilatildeo e

se reconhece que em Fl 29 o verbo ὑπερύψωσεν pressupotildee a ressurreiccedilatildeo fica

muito claro todo o contexto escatoloacutegico que envolve a exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl

29-11232 Ainda mais quando se leva em consideraccedilatildeo a utilizaccedilatildeo do texto de

Isaiacuteas 4523 no versiacuteculo 10 visto ser esse um texto de forte acento escatoloacutegico

quando YHWH anuncia a realidade de um futuro tempo de salvaccedilatildeo O hino de Fl

26-11 estaacute afirmando que esse tempo chegou no momento em que Deus

ὑπερύψωσεν Jesus A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o cumprimento escatoloacutegico de Is 45

pois atraveacutes da confissatildeo de Jesus como κύριος eacute que vem o reconhecimento

escatoloacutegico universal de YHWH como criador233 Existe um fortiacutessimo

monoteiacutesmo escatoloacutegico expresso nas profecias do Decircutero-Isaiacuteas que anuncia

entre outras coisas um futuro ato de salvaccedilatildeo que resultaraacute em um

reconhecimento universal de YHWH como soberano234 Fl 29-11 estaacute mostrando

que esse ato de salvaccedilatildeo jaacute aconteceu (a encarnaccedilatildeo a morte e ressurreiccedilatildeo de

Jesus) e resultou em Deus exaltando Jesus para que ele seja reconhecido como

soberano universal O reconhecimento de Jesus como soberano eacute a aceitaccedilatildeo da

soberania de YHWH Portanto Fl 29-11 eacute ldquouma versatildeo cristoloacutegica da

escatologia monoteiacutesta do Deutero Isaiacuteasrdquo235 Esse raciociacutenio revela como o hino

constroacutei a sua cristologia sem recuar um palmo sequer do seu monoteiacutesmo

Atraveacutes da exaltaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel detectar em Fl 29-11 uma

dimensatildeo escatoloacutegica espacial Primeiro porque o senhorio de Jesus abrange

todas as partes do cosmos como se percebe na triacuteplice expressatildeo ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων Segundo porque do ponto de vista dos leitores da carta

231 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101 232 Entre outros GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 354 e MARTIN R P A

Hymn of Christ p 239 afirmam que o verbo ὑπερύψωσεν abrange tanto a ressurreiccedilatildeo quanto a ascensatildeo Para Martin um paralelo seria o texto de 1Pe 318-20 onde a expressatildeo ζῳοποιηθεὶς δὲ πνεύματι expressaria toda a realidade do ministeacuterio poacutes-ressurreiccedilatildeo de Jesus Em outra direccedilatildeo LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1912 afirma que no Novo Testamento a exaltaccedilatildeo natildeo foi identificada com a ressurreiccedilatildeo ainda que isso houvesse acontecido em tempos primitivos 233 GOPPELT L Teologia do Novo Testamento p 331-332 234 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 132-133 235 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 133 Segundo ele Isaiacuteas 40-66 foi fundamento escrituriacutestico para os primitivos cristatildeos compreenderem o significado dos eventos relacionados a Jesus e ao seu futuro Eacute uma influecircncia que perpassa todos os escritos do Novo Testamento Contudo ele chama atenccedilatildeo para o fato que eles natildeo liam as assim chamadas passagens-servo isoladas dos temas da salvaccedilatildeo escatoloacutegica e do monoteiacutesmo escatoloacutegico que dominam aqueles capiacutetulos

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(e talvez um dia daqueles que ouviram e cantaram o hino) os versiacuteculos 10-11

desafia os que estatildeo na Terra a reverenciar e confessar aquele que estaacute sentado

agora nos ceacuteus agrave direita do Pai (embora esta expressatildeo natildeo esteja presente aqui

faz parte da perspectiva paulina da exaltaccedilatildeo) E isso encaminha um terceiro

aspecto pois a comunidade de feacute eacute o espaccedilo no qual o Cristo exaltado reina

atraveacutes do Espiacuterito Santo236 A Igreja funciona como epicentro do reinado

coacutesmico de Jesus

Assim tanto em um acircngulo temporal quanto em uma dimensatildeo espacial

natildeo se pode subestimar a importacircncia da escatologia para a compreensatildeo do

conjunto de Fl 26-11 sobretudo na parte que trata da exaltaccedilatildeo A ausecircncia desta

perspectiva no tratamento exegeacutetico da passagem foi denunciada por Kaumlsemann

ao constatar que ldquotalvez seja a caracteriacutestica mais singular e mais surpreendente

da histoacuteria recente da exegese do nosso texto o fato de que a palavra chave

lsquoescatoloacutegicorsquo desapareccedila por traacutes dessas outras palavras chaves lsquoeacuteticorsquo e

lsquomiacuteticorsquordquo237 Se na exegese atual ldquomitordquo como palavra chave para entender o texto

natildeo goza da mesma popularidade que no passado o mesmo natildeo se pode dizer a

respeito da palavra chave ldquoeacuteticordquo

Destarte no pensamento paulino essa linha escatoloacutegica que se desenvolve

a partir do Antigo Testamento vai culminar em Cristo atraveacutes de quem Deus

triunfa sobre os seus inimigos Paulo vai descrever esse triunfo de Deus em Cristo

atraveacutes dos eventos da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus (o ponto de partida) e da

parusia (o ponto de culminacircncia) Nesse intervalo de tempo Cristo estaacute no ceacuteu

exercendo seu domiacutenio sobre seus adversaacuterios e guiando seu povo aqui na Terra

que continua lutando contra as forccedilas hostis ainda que gozando os benefiacutecios e as

vantagens da vitoacuteria de Cristo na cruz e na expectativa da consumaccedilatildeo na

parusia238 A exaltaccedilatildeo de Cristo efetua uma espeacutecie de troca de soberania no

universo um universo que ateacute entatildeo estava em confronto com poderes que

tentavam escravizaacute-lo239

236 VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 253 237 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101-102 Esta observaccedilatildeo eacute de certa forma irocircnica pois o proacuteprio Kaumlsemann entende que por traacutes do hino estaacute o mito do redentor coacutesmico e que esse pano de fundo mitoloacutegico eacute fundamental para o entendimento do hino e rejeitar o modelo de interpretaccedilatildeo eacutetico 238 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209 239 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119

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Esses poderes e autoridades que agora estatildeo subordinados ao Cristo

exaltado satildeo conforme Reid equivalentes agraves naccedilotildees inimigas de Israel240 Na

verdade o judaiacutesmo interpretava esses poderes espirituais ou democircnios como as

forccedilas atuantes por detraacutes das naccedilotildees inimigas e seus deuses Enquanto inimigos

de Israel esses poderes satildeo inimigos de YHWH e em consequecircncia tornam-se

inimigos de Cristo A crucificaccedilatildeo pode ser vista como o contiacutenuo ataque desses

poderes contra Israel a tentativa de destruir aquele que representava o povo da

alianccedila O aparente ecircxito deles na morte de Jesus significou no entanto sua

proacutepria derrota O seu ataque ao segundo Adatildeo obediente foi sua proacutepria derrota

ldquoCristo os levou apoacutes si no cortejo triunfal da cruz revelou a derrota deles e os

expocircs publicamenterdquo241

Assim na narrativa paulina a exaltaccedilatildeo natildeo eacute uma simples vindicaccedilatildeo do

justo sofredor o reconhecimento e aceitaccedilatildeo de Deus Pai da obediecircncia do seu

Filho e muito menos a recompensa por um sacrifiacutecio voluntaacuterio A cruz e a

exaltaccedilatildeo estatildeo no centro de um drama soterioloacutegico pois de acordo com o

substrato judaico com o qual Paulo trabalha natildeo existe salvaccedilatildeo sem o triunfo

escatoloacutegico de YHWH sobre os inimigos de Israel A cruz e a exaltaccedilatildeo natildeo satildeo

dois toacutepicos que se equivalem um ao lado do outro mas dois capiacutetulos de uma

mesma sequecircncia narrativa Essa metaacutefora faz perceber que a ldquomorte de cruzrdquo natildeo

eacute sozinha o cumprimento da esperanccedila escatoloacutegica israelita E em contrapartida

os inimigos que agora estatildeo subordinados ao Cristo exaltado soacute foram vencidos

porque ele era o Filho de Deus que natildeo apegou ao ser igual a Deus mas assumiu

a forma humana adotou a forma de servo e foi obediente ateacute a morte e morte de

cruz O Exaltado eacute o crucificado Para Paulo o acontecimento escatoloacutegico da

crucificaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo de Jesus foi a derrota destes poderes e a sua subordinaccedilatildeo

ao Cristo exaltado ldquoDesse modo o tema paulino da exaltaccedilatildeo e entronizaccedilatildeo de

Cristo simboliza o triunfo de Deus em Cristordquo242

240 REID D G Triunfo In DPC p 1209 241 REID D G Triunfo In DPC p 1211 242 Ibid p 1210

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434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia

A reflexatildeo anterior contribui para elucidaccedilatildeo do papel da exaltaccedilatildeo na

trama do texto de Fl 26-11 como um todo A questatildeo eacute dimensionar o valor exato

do verbo ὑπερυψόω no contexto Satildeo duas opccedilotildees A primeira acentua o valor

comparativo do verbo reconhecendo a forccedila da preposiccedilatildeo ὑπὲρ presente na

palavra Nesse caso a interpretaccedilatildeo resultante eacute que Cristo foi exaltado a uma

posiccedilatildeo superior a que ele tinha na sua preexistecircncia isto eacute Fl 29 vai aleacutem de Fl

26243 A segunda possibilidade eacute dar ao verbo um valor superlativo indicando

que Cristo estaacute exaltado acima de todos e na mais alta posiccedilatildeo Em favor desta

linha de interpretaccedilatildeo afirma-se antes de tudo que o verbo aqui eacute derivado da

LXX de Is 5213 que afirma que o servo de YHWH se ldquoelevaraacute seraacute exaltado

[ὑψωθήσεται] seraacute posto nas alturasrdquo Outro argumento eacute que os verbos

compostos com ὑπὲρ fazem parte do estilo caracteriacutestico de Paulo geralmente

com sentido superlativo Aleacutem disso o uso aqui teria mais a ver com o estilo do

autor do que com um significado superior ao uso do verbo simples (ὑψόω)244

Todavia ainda que a tradiccedilatildeo dos cacircnticos de servo tenha influenciado a

elaboraccedilatildeo do hino cristoloacutegico natildeo haacute como provar que justo o texto de Is 5213

esteja por traacutes de Fl 29 Ademais o verbo que Paulo usa eacute diferente do utilizado

pela LXX em Is 5213 De fato seria de se esperar que Paulo usasse o verbo mais

comum ὑψόω pois aleacutem de prover um paralelo perfeito com o texto de Isaiacuteas jaacute

era utilizado no cristianismo primitivo para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus245 Ele

contudo escolheu ὑπερυψόω246 Quanto agrave preferecircncia paulina por verbos

compostos eacute difiacutecil de imaginar que em uma passagem com palavras tatildeo

selecionadas formando um delicado e criativo equiliacutebrio teoloacutegico Paulo

escolhesse descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus com um termo que nunca usou em outro

lugar apenas por uma questatildeo de ldquoestilo literaacuteriordquo E quanto agrave comparaccedilatildeo com os 243 Enquanto proposta foi adotada na claacutessica exegese da passagem feita por E Lohmeyer 244 Entre os que adotam a posiccedilatildeo superlativa estatildeo OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 235-236 245 Assim em At 233 e 531 textos reconhecidos como tradiccedilotildees primitivas utilizadas por Lucas tradiccedilotildees que Paulo deve ter conhecido ὑψόω tambeacutem eacute utilizado pelo quarto evangelho para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus (314 828 e 1232) mas o texto eacute posterior a Paulo 246 Como nota MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 83 ldquonatildeo obstante tenha havido um texto como inspiraccedilatildeo [do hino] a terminologia e o estilo satildeo uma construccedilatildeo nova Por outro lado eacute difiacutecil sustentar a tese de CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 305 para quem a mudanccedila do verbo foi porque Paulo queria estender a exaltaccedilatildeo de Jesus para aleacutem da humanidade a fim de incluir o seu senhorio sobre as potestades

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outros compostos verbais que fazem uso da mesma preposiccedilatildeo ela eacute instrutiva

mas natildeo determinante247 Nada impede que Paulo que estaacute usando um hapax

legomena utilize este composto verbal de uma forma especiacutefica por conta do seu

contexto248 Dessa forma o fato exegeacutetico eacute que o verbo ὑπερυψόω eacute usado no

corpus paulino e no Novo Testamento de maneira exclusiva dentro da passagem

de Fl 26-11 e este contexto literaacuterio deve ser o privilegiado para explicaacute-la

Assim sendo partindo do pressuposto que Paulo tinha um outro verbo a

sua disposiccedilatildeo (ὑψόω) mesmo que natildeo se deva exagerar o valor do composto

verbal natildeo eacute boa exegese subestimar que foi exatamente este o termo que Paulo

escolheu Como observa Cullmann ldquoNotamos que este ὑπερύψωσεν natildeo eacute uma

mera figura de retoacuterica mas que o prefixo ὑπερ lsquosobrersquo tem de ser tomado em

seu pleno sentidordquo249 Em outras palavras o verbo ὑπερυψόω vai aleacutem do que o

simples ὑψόω250 Por conseguinte eacute bastante plausiacutevel compreender a passagem

como um todo e o versiacuteculo 9 em particular concedendo um valor comparativo e

assim especiacutefico ao verbo ὑπερυψόω251

Em primeiro lugar a interpretaccedilatildeo natural de Fl 29 eacute que Jesus recebe um

nome que natildeo tinha anteriormente Conforme seraacute aprofundado a seguir esse

novo nome indica um novo ofiacutecio uma nova funccedilatildeo do Filho de Deus diante do

cosmos Uma outra consideraccedilatildeo eacute que o grande argumento em favor da

interpretaccedilatildeo superlativa eacute dogmaacutetico natildeo exegeacutetico pois diz respeito agrave

impossibilidade de se ir aleacutem da ldquoigualdade com Deusrdquo pressuposta em Fl 26252

247 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 and the Exaltation of the Lord p 118 afirma que Paulo aprecia muito as construccedilotildees com ὑπερ mas essas comparaccedilotildees satildeo uma base insuficiente para afastar o sentido comparativo do verbo 248 Por exemplo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 290 argumenta que ldquona grande maioria dos casosrdquo em que Paulo usa verbos compostos com a preposiccedilatildeo ὑπὲρ natildeo indica uma posiccedilatildeo superior agrave anterior Ora eacute possiacutevel extrair uma conclusatildeo segura apenas pela combinaccedilatildeo da mesma preposiccedilatildeo com outros verbos completamente diferentes que ainda assim soacute possuem essa utilizaccedilatildeo ldquona grande maioria dos casosrdquo 249 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 285 250 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 236 Ele por sua vez toma essa informaccedilatildeo de J Heacutering 251 Segundo SILVA Moiseacutes Philippians p 115 a etimologia da forma verbal aponta para um sentido comparativo 252 Por conta disso o tratamento que a cristologia dogmaacutetica da Igreja Antiga dava a passagem sempre fazia do versiacuteculo 6 o centro do hino KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 94

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Soacute que a exaltaccedilatildeo natildeo quer dizer uma mudanccedila de οὐσία mas de funccedilatildeo253 Paulo

natildeo estaacute seguindo uma agenda de discussatildeo ontoloacutegica mas desenvolve uma

narrativa cristoloacutegica para descrever um evento soterioloacutegico e escatoloacutegico que

acarreta implicaccedilotildees eclesioloacutegicas tendo em vista o contexto pareneacutetico de 127-

217254 Como destaca Bockmuehl ldquoEnquanto natildeo haacute nenhuma sugestatildeo de uma

mudanccedila do ser existe apesar de tudo uma mudanccedila de nome e de funccedilatildeordquo

(grifos dele)255 O paralelo neotestamentaacuterio seria Mt 2818 onde apenas apoacutes a

ressurreiccedilatildeo Jesus recebe toda autoridade sobre o ceacuteu e sobre a Terra256

Deve-se ainda notar que a interpretaccedilatildeo do hino de forma linear (e natildeo

ciacuteclica) a partir de um pano de fundo histoacuterico-salviacutefico deixa claro que a ecircnfase

da narrativa estaacute na virada escatoloacutegica que ocorre a partir do 29 O hino caminha

para exaltaccedilatildeo e tem seu cliacutemax nela Eacute muito difiacutecil sustentar exegeticamente que

tudo o que eacute descrito em 29-11 jaacute estava presente nas expressotildees ἐν μορφῇ θεοῦ

τὸ εἶναι ἴσα θεῷ De fato ldquono iniacutecio ele era ἐν μορφῇ θεοῦ mas natildeo era

253 SILVA Moiseacutes Philippians p 115 considera afirmaccedilatildeo de que a exaltaccedilatildeo levou o Filho de Deus a um estaacutegio superior ao que ele tinha na preexistecircncia estranha ao texto Seria de fato estranho se o conjunto de Fl 26-11 natildeo mencionasse qualquer tipo de preexistecircncia No entanto preexistecircncia e exaltaccedilatildeo fazem parte do mesmo conjunto literaacuterio Natildeo tentar relacionaacute-las eacute que eacute estranho Como observa CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p236 ldquoSe Jesus era jaacute em sua preexistecircncia a imagem de Deus ndash eacute com efeito do v 6 que eacute preciso partir [] ndash e se agora se diz que Deus fez mais do que elevaacute-lo natildeo significa isto que depois de sua morte Jesus natildeo voltou tatildeo somente agrave existecircncia que tinha antes de sua encarnaccedilatildeo [] mas que em virtude de uma nova funccedilatildeo entrou em relaccedilatildeo ainda mais estreita com Deus relaccedilatildeo que lhe confere o tiacutetulo Kyrios com plena soberania sobre o universo inteirordquo (grifos dele) 254 O ponto eacute bem observado por HELLERMANN J H Philippians p 105-106 Entretanto parece que ele vai longe demais ao afirmar que o interesse de Paulo no hino seria apenas socioloacutegico O hino possui implicaccedilotildees socioloacutegicas mas esse natildeo eacute o seu objetivo principal 255 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 144 Na mesma paacutegina ele ainda faz a ousada afirmaccedilatildeo que ldquoA humilhaccedilatildeo e o triunfo da encarnaccedilatildeo em outras palavras fez uma diferenccedila identificaacutevel mesmo dentro da divindaderdquo 256 Este paraacutegrafo eacute importante para afastar qualquer relaccedilatildeo entre a exegese proposta e algum tipo de arianismo De acordo com BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico

de la epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 464 os arianos tomavam os versiacuteculos 9-11 como prova de que antes da exaltaccedilatildeo Cristo natildeo era Deus como o Pai Poreacutem como observado acima natildeo estaacute se discutindo aqui a divindade do Filho de Deus que deve ser considerada completa e sem alteraccedilotildees ao longo de toda a passagem do versiacuteculo 26 a 211 Destarte CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 114-115 ao mesmo tempo que afirma que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute estaacutegio acima do que ele possuiacutea na sua preexistecircncia vai ao extremo quando defende que em nenhum momento do hino Jesus eacute considerado inteiramente divino

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κύριοςrdquo257 Haacute uma progressatildeo natildeo apenas um retorno ldquoO novo status de Jesus

Cristo eacute mais do que uma mera volta para a preexistente igualdade com Deusrdquo258

Outro ponto diz respeito agrave tese que a exaltaccedilatildeo eacute uma simples volta ao

estaacutegio da preexistecircncia ou que a exaltaccedilatildeo eacute relativa ao Jesus encarnado

apenas259 Afirmaccedilotildees como esta deixam de perceber o peso e o significado do

tiacutetulo κύριος dado a Jesus a partir da exaltaccedilatildeo segundo o contexto do proacuteprio

hino260 Na verdade na perspectiva escatoloacutegica de Paulo a exaltaccedilatildeo de Jesus

corresponde agrave intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria de modo que um novo eacuteon chegou

o novo e definitivo eacuteon e ao contraacuterio do antigo esse eacute caracterizado pela

soberania de Jesus e pela necessidade de se reverenciaacute-lo como Senhor do

universo Diversos textos no corpus paulino tanto das cartas autecircnticas quanto

daquelas consideradas posteriores satildeo unacircnimes em afirmar que foi agora a partir

da exaltaccedilatildeo que os poderes desse mundo aqueles que dominavam no antigo eacuteon

estatildeo todos subordinados a Jesus (cf Ef 121-22 Cl 215 1Co 1524-25)

257 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 29-30 Em sentido oposto FOWL S E Philippians p 104 entende que esse tipo de intepretaccedilatildeo sugere que alguma coisa estava ausente na divindade de Cristo pressuposta no versiacuteculo 6 o que seria na sua visatildeo impossiacutevel do ponto de vista teoloacutegico A questatildeo entretanto eacute o que determina a interpretaccedilatildeo da passagem ela mesma ou algum sistema teoloacutegico Ele observa ldquoSimplesmente tratar esta passagem como uma narrativa direta na qual um evento cria as condiccedilotildees para o proacuteximo evento levantaria seacuterias questotildees sobre a loacutegica teoloacutegica da passagem que devem no miacutenimo ser notadasrdquo O ponto eacute aleacutem de notar essas questotildees respondecirc-las de forma coerente com o texto e como ele mesmo reconhece quando se daacute atenccedilatildeo apenas ao fluxo narrativo da passagem eacute difiacutecil fugir da ideia que Cristo recebeu algo que natildeo tinha anteriormente 258 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 grifos dele Na mesma linha BARTH G A carta aos Filipenses p 47 ldquoesta exaltaccedilatildeo natildeo significa apenas a restauraccedilatildeo do seu estado anterior em subsistecircncia divina mas que ela lhe concede mais do que possuiacutea anteriormenterdquo 259 FOWL S E Philippians p 104 informa que Tomaacutes de Aquino enfrentando a questatildeo teoloacutegica de uma possiacutevel mudanccedila em Cristo nos versiacuteculos 9-11 aponta duas possiacuteveis soluccedilotildees A primeira adotada por Ambroacutesio propotildee que a exaltaccedilatildeo corresponde agrave divinizaccedilatildeo da natureza humana de Jesus A segunda que remonta a Agostinho defende que a exaltaccedilatildeo eacute apenas a manifestaccedilatildeo agrave criaccedilatildeo daquilo era verdade desde a eternidade Ocorre tatildeo soacute uma mudanccedila na revelaccedilatildeo Segundo Fowl Aquino considera as duas explicaccedilotildees plausiacuteveis para o texto Em tempos mais recentes HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 486 estaacute entre os que seguem a primeira soluccedilatildeo enquanto HELLERMAN J H Philippians p 120-121 se aproxima da segunda quando a partir de categorias socioloacutegicas afirma que na exaltaccedilatildeo Jesus natildeo recebeu um novo nome mas sim uma aclamaccedilatildeo puacuteblica da sua reputaccedilatildeo Contudo a primeira soluccedilatildeo de Aquino deve ser rejeitada porque o autor do texto natildeo desenvolveu sua argumentaccedilatildeo seguindo a categoria ldquoduas naturezasrdquo que conquanto seja uma categoria teoloacutegica legiacutetima eacute anacrocircnica ao texto O sentido do fluxo narrativo eacute que o evento do versiacuteculo 9 estaacute relacionado ao mesmo personagem que eacute sujeito no versiacuteculo 6 Dizer que no versiacuteculo 6 trata-se da natureza divina e no versiacuteculo 9 da natureza humana natildeo eacute razoaacutevel exegeticamente Tampouco a segunda soluccedilatildeo de Aquino eacute uma saiacuteda melhor porque ela desloca o fenocircmeno da exaltaccedilatildeo de Jesus para o mundo Eacute o mundo que muda possuindo uma nova visatildeo sobre Deus Embora isso de fato tenha ocorrido eacute uma consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus e natildeo a exaltaccedilatildeo em si 260 Conforme OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 ldquoEm seu estado exaltado Jesus tem uma nova posiccedilatildeo que envolve o exerciacutecio do senhorio universalrdquo

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Uma quinta observaccedilatildeo envolve a percepccedilatildeo que em geral a opccedilatildeo pelo

verbo como superlativo eacute muito comum nas explicaccedilotildees da passagem de cunho

eacutetico onde o objetivo de Fl 26-11 seria natildeo mais que a apresentaccedilatildeo aos cristatildeos

de um modelo de vida baseado nas atitudes de Jesus261 E para estabelecer um

paralelo entre a exaltaccedilatildeo de Jesus e a futura exaltaccedilatildeo dos cristatildeos natildeo seria

interessante entender a primeira em termos de uma nova missatildeo um novo ofiacutecio

(como defende este trabalho) Seria melhor (segundo os proponentes da

interpretaccedilatildeo eacutetica) compreender a exaltaccedilatildeo apenas como a justificaccedilatildeo de Jesus

o reconhecimento da humilhaccedilatildeo dele por Deus O complicado eacute que isso daacute aos

versiacuteculos 9-11 um valor completamente relativo diante de 6-8 Veja por

exemplo a afirmaccedilatildeo de Fee ldquoCom esta nota de exaltaccedilatildeo Paulo tanto afirma a

correccedilatildeo do paradigma ao qual ele chamou os filipenses e manteacutem ante os seus

olhos a vindicaccedilatildeo que aguarda aqueles que estatildeo em Cristordquo262 Nesse modo de

ver os versiacuteculos 9-11 servem apenas para confirmar o valor de 6-8 o verdadeiro

centro da passagem

Por sua vez a aplicaccedilatildeo do modelo interpretativo paradigmaacutetico na

segunda parte do hino reduz a exaltaccedilatildeo de Jesus a um modelo para os cristatildeos se

Deus exaltou Jesus porque ele renunciou aos seus interesses e foi obediente da

mesma forma exaltaraacute todo aquele que abrir matildeo do seu interesse em favor da

missatildeo de Deus para sua vida263 O detalhe eacute que na perspectiva paulina a

exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute um modelo do tipo Deus fez uma vez vai fazer de

novo A exaltaccedilatildeo de Jesus fundamenta a esperanccedila cristatilde porque ela inaugurou

um novo tempo escatoloacutegico pondo em operaccedilatildeo uma nova criaccedilatildeo (ldquoSe algueacutem

estaacute em Cristo eacute nova criatura Passaram-se as coisas antigas eis que se fez

261 Cf o capiacutetulo anterior 262 FEE G D Pauline Christology p 393 Tambeacutem em FEE G D Comentario de la Epiacutestola

a los Filipenses p 262 ldquoO contexto deixa claro que os vs 6-8 funcionam principalmente como um paradigmardquo Jaacute BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141-142 segue a mesma direccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus como vindicaccedilatildeo da parte de Deus mas acrescenta que isso seria uma necessidade para que Deus manifeste a sua justiccedila Por conseguinte caso se considere o texto como um credo em uma prosa exaltada como sugere Fee rejeitando qualquer relaccedilatildeo do texto com o gecircnero hino isso natildeo alteraria a avaliaccedilatildeo exposta acima posto que os credos satildeo afirmaccedilotildees concisas das verdades centrais da feacute com acento especial na cristologia e soteriologia (e natildeo na eacutetica ou parecircnese) 263 Eacute o que pensa FOWL S Christology and Ethics in Philippians 25-11 p 147 quando diz que se os filipenses estiverem unidos colocando em praacutetica as virtudes listadas em Fl 22-4 mesmo diante de perseguiccedilotildees ldquoentatildeo Deus iraacute salvaacute-los da mesma forma que salvou o Cristo obediente humilhado e sofredor em 26-11rdquo

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realidade novardquo 2Co 517)264 Se Deus exaltou Jesus em Fl 29 a mensagem

paulina natildeo eacute ser exaltado como ele mas exaltado por ele (Fl 321) A partir da

exaltaccedilatildeo Jesus eacute o agente escatoloacutegico que cumpriraacute a esperanccedila cristatilde265 O

conjunto inteiro de Fl 26-11 descreve o evento escatoloacutegico da encarnaccedilatildeo morte

e exaltaccedilatildeo do Filho de Deus e esse evento singular traz o indiviacuteduo crente para o

domiacutenio de Cristo Esse eacute o significado exato do estar ldquoἐν Χριστῷrdquo (25) domiacutenio

no qual se entra atraveacutes da confissatildeo na ressurreiccedilatildeo de Jesus (Rm 109)266 e pelo

sacramento do batismo que estabelece uma uniatildeo entre o fiel e o Jesus ressurreto

(Rm 63-11) a ponto de aquele jaacute experimentar no presente os efeitos

escatoloacutegicos da ressurreiccedilatildeo deste E eacute a experiecircncia desse poder quando se estaacute

em Cristo que capacita o fiel agrave resposta eacutetica necessaacuteria ao evangelho e natildeo a

tentativa de imitar Jesus267

A esperanccedila cristatilde natildeo eacute vencer a morte como ele venceu mas vencer

porque ele venceu porque eacute a ressurreiccedilatildeo dele que torna possiacutevel a ressurreiccedilatildeo

dos mortos no futuro (ldquoCom efeito visto que a morte veio por um homem

tambeacutem por um homem vem a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo 1Co 1521) Enquanto

Senhor do cosmos ele tem a ldquoforccedila que lhe daacute poder de submeter a si todas as

coisasrdquo e por esse motivo os cristatildeos podem esperar que ele transfiguraraacute o seu

corpo humilhado (Fl 321) ldquoFazer viver os mortos eacute direito escatoloacutegico

exclusivo de Deusrdquo comenta Becker ldquocontudo em Fl 321 Cristo tem o poder de

transfigurar os homens mortaisrdquo268 porque a partir da exaltaccedilatildeo Deus o agraciou

com essa autoridade

Dessa forma natildeo basta ao indiviacuteduo fazer como Jesus fez (se que eacute

possiacutevel) mas submeter-se a ele como Senhor Por isso o hino culmina na

exaltaccedilatildeo celebra Jesus como Senhor e desafia os leitores agrave submissatildeo e

obediecircncia a ele Tudo agora depende de ser ou natildeo ser obediente a Jesus o

κύριος269 O tema da obediecircncia vai ser explicitamente usado por Paulo no

264 ὥστε εἴ τις ἐν Χριστῷ καινὴ κτίσιςmiddot τὰ ἀρχαῖα παρῆλθεν ἰδοὺ γέγονεν καινά Notar que o verbo γίνομαι estaacute no indicativo perfeito talvez para indicar a continuidade dos efeitos dessa nova realidade escatoloacutegica no presente 265 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 157 266 Texto que inclusive associa a confissatildeo de Jesus como Senhor agrave ressurreiccedilatildeo ldquoPorque se confessares com tua boca que Jesus eacute Senhor [κύριον Ἰησοῦν] e creres em teu coraccedilatildeo que Deus o ressuscitou dentre os mortos seraacutes salvordquo 267 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 160 268 BECKER J Apoacutestolo Paulo vida obra e teologia p 563 269 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 65

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contexto imediato em Fl 212 atraveacutes do verbo ὑπακούω quando ele retoma a

parecircnese extraindo do hino implicaccedilotildees para a igreja O caminho para essa

obediecircncia eacute pontuado por Morgan ldquoNoacutes nos tornamos obedientes natildeo pela

imitaccedilatildeo de um modelo mas atraveacutes de uma palavra que nos diz que pertencemos

a elerdquo270

A uacuteltima consideraccedilatildeo em favor deste sentido comparativo de ὑπερύψωσεν

eacute que ele pode fechar com a interpretaccedilatildeo do tipo res rapienda de Fl 26 a saber

quando a expressatildeo οὐχ ἁρπαγμὸν eacute interpretada indicando que o Filho de Deus

embora existindo ἐν μορφῇ θεοῦ ainda natildeo possuiacutea o governo soberano sobre

todo o universo (significado no contexto da expressatildeo τὸ εἶναι ἴσα θεῷ) e natildeo

buscou consegui-lo de forma independente alheio agrave vontade do Pai271 Aliaacutes o

hino nem mesmo sugere que o Filho de Deus almejasse por isso pois senatildeo

chegariacuteamos agrave conclusatildeo de que a obediecircncia e humilhaccedilatildeo do Filho de Deus

foram um meio para um fim um caminho para se chegar na soberania Se o

cliacutemax do hino realmente eacute a exaltaccedilatildeo entatildeo ele natildeo tem como objetivo justificar

porque Jesus foi exaltado mas mostrar para os leitores quem eacute o verdadeiro

Senhor de todo o cosmos272 ou ainda mais especificamente responder ldquocomo eacute

possiacutevel confessar o senhorio de algueacutem que viveu e morreu como um homem

qualquer e chamar de Senhor algueacutem que na sua vida se configurou a um

escravordquo273 A resposta de Fl 26-11 eacute que ele natildeo era um homem qualquer mas

tinha a imagem de Deus e foi ateacute a cruz em submissatildeo a Deus E natildeo foi ele quem

270 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 67 271 Assim MARTIN R P A Hymn of a Christ p 148-153 Tambeacutem CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 233-234 que enxerga todo o hino de Fl 26-11 como uma antiacutetese entre Jesus e Adatildeo Este desejou a igualdade com Deus e abriu matildeo da obediecircncia a Deus para buscaacute-la Em sentido totalmente oposto o Filho de Deus aleacutem de natildeo desejar ser igual a Deus (que Cullmann interpreta natildeo em termos de divindade mas de soberania sobre o universo) submeteu-se com humildade e obediecircncia a Deus Na mesma linha COLLINS A Y Psalms

Philippians 26-11 and the Origins of Christology p336 que opta pela interpretaccedilatildeo res

rapienda e ainda declara ldquoO enredo da passagem requer que o estado final de Jesus seja maior que o estado inicialrdquo Por sua vez GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 351 avalia essa interpretaccedilatildeo como ldquorazoaacutevelrdquo Ele afirma ldquoO hino certamente sugere alguma forma na qual a exaltaccedilatildeo ia aleacutem do estado preexistenterdquo Natildeo obstante o proacuteprio R P Martin entende que a sua interpretaccedilatildeo seria uma variaccedilatildeo entre as claacutessicas posiccedilotildees res rapta (Cristo jaacute possuiacutea a igualdade com Deus na preexistecircncia e natildeo se apegou a isso e a exaltaccedilatildeo natildeo muda nada em relaccedilatildeo a isso) e res rapienda (Cristo natildeo possuiacutea a igualdade com Deus inclusive a divindade que seriam recebidas na exaltaccedilatildeo) WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 62-81 faz uma extensa avaliaccedilatildeo das interpretaccedilotildees do termo ἁρπαγμός na literatura especializada e identifica 17 possibilidades diferentes Na avaliaccedilatildeo dele a exegese de Cullmann e Martin deve ser classificada como res rapienda 272 Conforme VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 268 mostra que o tema do hino eacute a afirmaccedilatildeo de que o Senhor do mundo eacute o crucificado 273 BARBAGLIO G As cartas de Paulo II p 378

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se exaltou mas o proacuteprio Deus o colocou na posiccedilatildeo mais elevada do universo

compartilhando sua soberania com ele Ou seja o κύριος que Deus exaltou natildeo

satildeo os imperadores de Roma nem as divindades orientais O κύριος exaltado pelo

uacutenico Deus de Israel eacute aquele que natildeo buscou a exaltaccedilatildeo se esvaziou e assumiu a

forma de servo e foi obediente a Deus ateacute a morte de cruz O κύριος eacute aquele que

agora eacute soberano sobre todo o universo acima de todos os poderes visiacuteveis e

invisiacuteveis Este κύριος deve ser confessado e reverenciado por todos sem

exceccedilatildeo E o reconhecimento de que esse κύριος eacute Jesus Cristo glorifica Deus Pai

o Deus uacutenico de Israel

Portanto ainda que natildeo seja impossiacutevel tomar o verbo ὑπερύψωσεν em

uma dimensatildeo superlativa parece que faz mais jus ao texto como um todo e ao

papel desempenhado pela exaltaccedilatildeo de Jesus no conjunto a dimensatildeo

comparativa

435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo

O Jesus exaltado apresentado em Fl 26-11 eacute diametralmente oposto agraves

figuras consideradas exaltadas no ambiente soacutecio-poliacutetico da eacutepoca paulina O

anuacutencio da exaltaccedilatildeo de Jesus eacute contra cultural quase subversivo tanto no que diz

respeito ao seu status atual como κύριος como no que se refere ao caminho que

ele trilhou ateacute chegar a esse status de exaltaccedilatildeo Porque ao contraacuterio das

autoridades que chegavam ao poder atraveacutes da violecircncia e do roubo o Filho de

Deus nem sequer desejou o poder274 Ao inveacutes da apoteose ocorreu a kenosis275

Ele optou pela obediecircncia agir como servo humilhou-se e morreu recebendo a

pena romana da crucificaccedilatildeo276

Eacute uma mensagem que causaria impacto em qualquer canto do impeacuterio

romano onde ecoasse a ideologia do cursus honorum Este pensamento levava os

cidadatildeos romanos na capital e em toda extensatildeo do impeacuterio a lutar entre si por

tiacutetulos cargos homenagens e outras situaccedilotildees que acarretassem prestiacutegio e

274 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 475 275 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 143 276 WRIGHT N T Paulo novas perspectivas p 89 ldquoo supliacutecio da cruz veio a se tornar um siacutembolo eficaz e temido nas matildeos do poder imperial bem antes de vir a se tornar o siacutembolo de qualquer outra coisardquo

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reconhecimento que tempos depois eram listadas de forma ascendente e

colocadas em inscriccedilotildees puacuteblicas277 Esse coacutedigo cultural era muito importante

para a cidade de Filipos enquanto colocircnia romana que tanto se orgulhava da sua

ligaccedilatildeo com o impeacuterio exibindo sua influecircncia por toda parte Para esse cenaacuterio

sociocultural Fl 26-11 funciona como uma mensagem contra cultural

descrevendo o caminho de Jesus como cursus pudorum onde ele abriu matildeo da

sua alta posiccedilatildeo de honra prestiacutegio e gloacuteria e desceu para servir aos outros

chegando ao mais baixo patamar da condiccedilatildeo humana da eacutepoca a morte de

cruz278 A mensagem cristatilde proclamava um Senhor acima de todos os senhores

que natildeo chegou a esse status pelo cursus honorum romano mas que seguiu pelo

cursus pudorum

Soacute que o texto natildeo termina afirmando que o humilhado foi simplesmente

exaltado O texto vai adiante para mostrar que o exaltado recebeu o nome sobre

todo nome o proacuteprio tiacutetulo κύριος e agora eacute o uacutenico que deve ser reverenciado e

confessado (Fl 210-11) por todos os seres do universo O imperador romano era

considerado Senhor do impeacuterio e no culto ao imperador a figura dele

representava a unidade do impeacuterio Fl 29-11 apresenta Jesus como Senhor do

universo e a unidade do universo nele eacute celebrada no culto cristatildeo279 Tudo isso

aponta para a clara dimensatildeo poliacutetica da exaltaccedilatildeo de Cristo280 que como

realidade escatoloacutegica traz seacuterias implicaccedilotildees para a vida dos cidadatildeos de Filipos

que estatildeo debaixo do poder de Roma281 A partir de entatildeo eacute impossiacutevel para os

cristatildeos reconhecerem a reivindicaccedilatildeo de domiacutenio do imperador ou de qualquer

outro Com a exaltaccedilatildeo de Jesus eles estatildeo debaixo de um novo Senhor de um

277 HELLERMAN J H Philippians p 106 278 Idem Enquanto cursus honorum significa um caminho de honras cursus pudorum quer dizer um caminho de vergonha de humilhaccedilotildees 279 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the

Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 282 280 O proacuteprio formato da passagem como reconhecido de forma ampla segue a estrutura dos cerimoniais de entronizaccedilatildeo do rei pode intencionar um contraste com os governantes contemporacircneos que foram entronizados E pelo acircngulo da retoacuterica grega chega-se a mesma impressatildeo pois como nota MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive

Hymnos a Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 130 em geral esse toacutepico era utilizado em referecircncia a deificaccedilatildeo poacutes-morte do imperador Daiacute em Fl 26-11 este toacutepico funciona como uma aguda retoacuterica apontada contra Roma Tambeacutem nessa perspectiva KRENTZ E Paulo os jogos e a miliacutecia p 325 cita R R Brewer segundo o qual Paulo teria formulado Fl 29-11 com a intenccedilatildeo de fazer oposiccedilatildeo ao culto ao imperador Nero 281 FOWL S E Philippians p 105 ldquoEsses versos assentam o fundamento para a contra-poliacutetica que Paulo deseja que os filipenses incorporem em sua vida comumrdquo

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novo domiacutenio282 e possuem uma nova cidadania o que o apoacutestolo expressa

atraveacutes do verbo πολιτεύομαι em Fl 127283 Atraveacutes da afirmaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de

Cristo ldquoPaulo introduz uma autoridade nova e insuperaacutevel do tempo

escatoloacutegicordquo284

44 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a doaccedilatildeo de um novo nome

441 O verbo χαρίζομαι

Como apontado no iniacutecio deste capiacutetulo o verbo ἐχαρίσατο estaacute nessa

frase em paralelo com o verbo anterior ὑπερύψωσεν ldquoamplificando seu

significado e indicando sua naturezardquo285 No Novo Testamento χαρίζομαι

significa uma doaccedilatildeo feita de forma livre graciosa como um favor feito a

algueacutem286 Em Fl 29 naturalmente o favor eacute feito por Deus Eacute curioso que fora do

Novo Testamento χαρίζομαι natildeo ocorre tendo Deus como sujeito antes do seacuteculo

II dC A partir de entatildeo passa a ser usado no sentido de ldquodar graciosamenterdquo que

eacute o sentido predominante na LXX a provaacutevel fonte de influecircncia

neotestamentaacuteria287

282 FOWL S E Philippians p 105 283 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the

Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 269-287 propotildee fazer uma leitura da passagem toda de Fl 26-11 privilegiando a funccedilatildeo social que ela desempenharia na comunidade cristatilde primitiva Desse modo o humilhado que eacute exaltado representaria o iniacutecio da transformaccedilatildeo do cristianismo de uma subcultura dentro do judaiacutesmo para uma comunidade religiosa independente com poder e autoridade legiacutetimos 284 SCHNELLE UDO Teologia do Novo Testamento p 285-286 Este autor prefere falar de uma dimensatildeo poliacutetica da teologia paulina ao inveacutes de uma teologia anti-imperial de Paulo como se o apoacutestolo de forma expliacutecita ou velada estivesse articulando uma criacutetica a Roma Ele avalia que esta uacuteltima interpretaccedilatildeo tem sido importante na literatura teoloacutegica anglo-americana Em contrapartida FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical

Scholarship p 202 salienta que a passagem em anaacutelise ldquoteria funcionado como uma forma puacuteblica de resistecircncia contra o culto imperialrdquo se tivesse sido utilizada repetidamente como hino na comunidade 285 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 237 286 BAGD p 876-877 O verbo eacute muito importante para Paulo como indica a estatiacutestica Satildeo 23 ocorrecircncias no Novo Testamento sendo 11 nas cartas paulinas a saber Rm 832 1Co 212 2Co 27 2Co 210 (3x) 2Co 1213 Gl 318 Ef 432 (2x) Fl 129 e 29 Cl 213 e 313 (2x) Fm 122 287 ESSER H H χάρις In DITNT v I p907-915

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No contexto de Fl 29-11 o verbo χαρίζομαι acentua que a exaltaccedilatildeo natildeo

foi a conquista do heroacutei Jesus Cristo Muito pelo contraacuterio o verbo sugere que a

exaltaccedilatildeo de Jesus foi uma ldquodaacutediva da graccedilardquo288 e que embora Jesus merecesse

Deus natildeo o exaltou como se fosse obrigado ou constrangido a isso por uma lei

moral coacutesmica nem mesmo pela accedilatildeo de Jesus descrita nos versiacuteculos 6-8289 A

exaltaccedilatildeo de Jesus foi um ato livre da graccedila de Deus290 Trazendo isso para um

contexto trinitaacuterio o relacionamento que o conjunto de Fl 26-11 supotildee entre

Cristo e Deus Pai natildeo eacute do tipo em que ldquoobediecircncia eacute oferecida em troca de

exaltaccedilatildeordquo291 Eacute muito mais um relacionamento de dom e doaccedilatildeo que fluem de

uma superabundacircncia de amor292

442 O nome dado a Jesus

No pequeno segmento τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα duas vezes o

substantivo ὄνομα eacute utilizado sendo que na primeira ele eacute acompanhado do

artigo293 indicando que o nome recebido eacute especiacutefico e especial (natildeo eacute ldquoum

nomerdquo mas ldquoo nomerdquo) e na segunda vez eacute antecedido pelo adjetivo πᾶν

indicando que ldquoo nomerdquo estaacute acima de todos os nomes existentes em um paralelo

com Ef 120-21 Jaacute a preposiccedilatildeo ὑπὲρ estaacute conectada a um duplo acusativo Nesse

caso ela significa ldquosobrerdquo ldquoaleacutemrdquo ldquomais querdquo294 expressando uma

intensificaccedilatildeo um conceito superlativo295 Ou seja Fl 29 estaacute afirmando que o

nome dado a Jesus eacute o mais exaltado mais glorioso que qualquer outro nome do

universo O artigo que antecede a preposiccedilatildeo funciona aqui como pronome

288 MARTIN R P Filipenses p 114 289 FOWL S E Philippians p 101 290 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 113 reconhece que Jesus tinha meacuteritos isto eacute a obediecircncia a humildade o aceitar a missatildeo do Pai mas ldquonatildeo se pode vincular a exaltaccedilatildeo a algum meacuterito especiacuteficordquo 291 FOWL S E Philippians p 101 Como observa OrsquoBrien P T The Epistle to the

Philippians p 234 se Cristo tivesse se humilhado mirando algum tipo de exaltaccedilatildeo isso natildeo seria uma verdadeira e sincera renuacutencia e sim uma forma de procurar o seu proacuteprio interesse 292 Idem 293 Alguns manuscritos omitem o artigo Conferir a discussatildeo sobre a criacutetica textual do texto na introduccedilatildeo 294 BAGD p 839 295 PATSCH H ὑπὲρ In DENT v II p 1874 Segundo ele o mesmo acontece em Ef 122

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relativo296 ligando o objeto direto τὸ ὄνομα agrave oraccedilatildeo preposicional ὑπὲρ πᾶν

ὄνομα o nome o qual eacute sobre todo nome

4421 ldquoNomerdquo no Antigo Testamento e no judaiacutesmo

No Israel antigo e em outros povos contemporacircneos nomear significa

estabelecer uma relaccedilatildeo de domiacutenio sobre o que eacute nomeado297 Assim em Gn

219-20 Adatildeo exerce domiacutenio sobre a criaccedilatildeo ao dar nome aos animais No Sl

1474 YHWH daacute o nome agraves estrelas e eacute Senhor delas O nome de YHWH estaacute

sobre Israel porque este eacute o seu povo (Is 6319) Nomear uma cidade ou uma terra

eacute sujeitaacute-la ao seu poder (2Sm 1228 Sl 4911)298 Ainda nesse contexto o nome eacute

mais do que um roacutetulo que diferencia pessoas Ele expressa a identidade a

verdadeira natureza do indiviacuteduo299 Consequentemente um novo nome indica

uma nova realidade uma mudanccedila de vida uma virada na histoacuteria como no caso

de Jacoacute em Gn 3228 e em particular a promessa de um novo nome para Israel em

Is 622

O nome de YHWH eacute um aspecto essencial da revelaccedilatildeo biacuteblica Deus se

apresenta com um nome pessoal atraveacutes do qual pode ser invocado Ao mesmo

tempo seu nome eacute expressatildeo de soberania e poder Eacute um modo alternativo de

falar do proacuteprio YHWH Seu nome passa a ter uma existecircncia proacutepria e

independente como expressatildeo do proacuteprio YHWH Faz o papel que nas demais

religiotildees eacute desempenhado pelas imagens rituais A esperanccedila veterotestamentaacuteria

eacute que um dia todo joelho se dobre somente diante do nome de YHWH300

O judaiacutesmo entretanto vai aos poucos deixando de lado a utilizaccedilatildeo do

tetragrama A tradiccedilatildeo rabiacutenica evita a todo custo a menccedilatildeo considerada infraccedilatildeo

do 3ordm mandamento A mesma tradiccedilatildeo informa que apoacutes a morte de Simatildeo o Justo

(200 aC) os sacerdotes deixaram de pronunciar o nome sagrado nas accedilotildees de

296 HELLERMAN J H Philippians p 120 297 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p 1395 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 253 298 Essa uacuteltima concepccedilatildeo pode ajudar a compreender a praacutetica poliacutetica de nomear cidades e territoacuterios Com efeito esse foi o caso da cidade de Filipos que passou a ter esse nome quando foi dominada por Filipe II da Macedocircnia em 356 aC 299 HAWTHORNE G F Philippians p 91 300 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p 1395-1396

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graccedilas No culto do templo apenas o Sumo Sacerdote poderia fazecirc-lo no dia da

expiaccedilatildeo Nas leituras da Escritura era substituiacutedo por שם Essa tendecircncia em

relaccedilatildeo ao tetragrama tambeacutem se encontra em Josefo que natildeo emprega nem

mesmo o substituto tradicional κύριος Quando precisa ele se refere ao ὄνομα ou

a προσηγορίᾳ (tiacutetulo apelativo de Deus)301

Tambeacutem faz parte desse pano de fundo o interesse judaico de maneira

especial no formato representado por Qumran nos ldquonomes poderosos de Deus e

dos seus agentes celestiaisrdquo referindo-se a arcanjos de muitos nomes e que

traziam o nome e o poder de Deus302 Depois os gnoacutesticos vatildeo valorizar essa

especulaccedilatildeo em torno de nomes divinos e celestiais e citaccedilotildees de Fl 26-11 nos

pais da igreja indicam que esta passagem foi nesse sentido utilizada por eles303

4422 ldquoNomerdquo no Novo Testamento

No Novo Testamento o substantivo ὄνομα aleacutem de outros usos eacute utilizado

teologicamente de forma bastante diversificada Bietenhard comenta que nos

escritos neotestamentaacuterios ldquoo nome a pessoa e a accedilatildeo de Deus estatildeo com vaacuterias

diferenciaccedilotildees inseparavelmente ligados ao nome a pessoa e accedilatildeo de Jesus

Cristordquo304 Por exemplo em Joatildeo 176 eacute Jesus quem revela o nome de Deus como

Pai aos homens Jesus age em nome de Deus e em prol do nome de Deus Mas o

nome de Jesus em si mesmo ganha importacircncia Agrave semelhanccedila do que os judeus

fizeram com o nome de Deus tambeacutem ocorre no Novo Testamento a substituiccedilatildeo

do nome de Jesus pela expressatildeo ldquoo nomerdquo (At 541 3Jo 7) ldquoA plenitude da obra

salviacutefica de Cristo eacute contida no nome dEle (assim como a obra salviacutefica de Javeacute

tambeacutem se continha no seu nome)rdquo305 O perdatildeo de pecados estaacute vinculado agrave feacute

no nome de Jesus (At 1043 1Jo 212) Quem invoca o nome de Jesus pertence agrave

igreja e eacute salvo (At 914 1Co 12 At 217-21 Rm 1013) talvez uma aplicaccedilatildeo

cristoloacutegica de Jl 232 Ser cristatildeo eacute ter a vida inteira dominada por esse nome

301 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p1396-1397 O proacuteximo capiacutetulo discutiraacute a questatildeo da substituiccedilatildeo no judaiacutesmo do tetragrama por κύριος 302 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 143 303 Idem 304 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 271 305 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT p 1401

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Inclusive o Novo Testamento registra Jesus dando um novo nome a algumas

pessoas o que segundo a tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria pode indicar uma nova

direccedilatildeo de vida306

Talvez o paralelo neotestamentaacuterio mais proacuteximo de Fl 29 seja Ef 120-

21 que expressa a soberania do Jesus exaltado sobre todos os poderes

Que ele fez operar em Cristo ressuscitando-o de entre os mortos e fazendo-o assentar agrave sua direita nos ceacuteus muito acima de qualquer Principado e Autoridade e Poder e Soberania e de todo o nome que se pode nomear [καὶ παντὸς ὀνόματος ὀνομαζομένου] natildeo soacute neste seacuteculo mas tambeacutem no vindouro

Outro paralelo importante para Fl 29 eacute Hb 14 onde tambeacutem se fala de um

nome para o Jesus exaltado Em Filipenses esse nome indica soberania e em

Hebreus eacute um nome superior aos anjos (um paralelo aos poderes espirituais de

Efeacutesios) que aqui se refere agrave natureza e agrave posiccedilatildeo de Filho307

4423 A Identificaccedilatildeo nome dado a Jesus em Fl 29

Antes de mais nada deve-se notar a pouca probabilidade da exegese

alcanccedilar uma resposta definitiva para a questatildeo qual o nome foi dado a Jesus em

sua exaltaccedilatildeo O obstaacuteculo quase insuperaacutevel eacute que o texto em si natildeo apresenta

uma resposta expliacutecita308 No entanto pode-se avaliar entre as possiacuteveis soluccedilotildees

qual seria a melhor resposta ou pelo menos a mais provaacutevel Assim de antematildeo

percebe-se que algumas propostas satildeo menos recomendaacuteveis e consequentemente

recebem pouco apoio Entre estas estatildeo a identificaccedilatildeo deste nome com o nome

proacuteprio Ἰησοῦς ou em uma forma mais ampliada Ἰησοῦς Χριστὸς Segundo o

306 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 559 307 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 563 308 Nas palavras bem-humoradas de BOCKMUEHL M The Epistle to the Phillipians p 142 ldquoA questatildeo precisa eacute difiacutecil de decidir com certeza e eacute talvez em qualquer caso uma tempestade em uma xiacutecara de chaacute exegeacuteticardquo Natildeo obstante como notado na criacutetica textual alguns manuscritos omitem o artigo na expressatildeo τὸ ὄνομα o que de acordo com HELLERMAN J H Philippians p 120 indica que alguns escribas e pais da igreja entenderam ὄνομα natildeo como um tiacutetulo mas como um reconhecimento Deus exaltou Jesus e deu a ele fama reconhecimento universal E mesmo admitindo que o texto com artigo seja com certeza o mais bem testemunhado significando o tiacutetulo κύριος que aparece no versiacuteculo 11 Hellerman defende que esse sentido de fama e reconhecimento puacuteblico deva ser incluiacutedo na exegese do nome dado ao Jesus exaltado tendo em vista o contexto soacutecio-poliacutetico de Filipos Em uma cultura onde as pessoas brigavam para ter uma reputaccedilatildeo reconhecida Fl 29 afirma que Deus deu a Jesus a ldquoreputaccedilatildeo que estaacute acima de toda a reputaccedilatildeordquo Segundo BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 270 ὄνομα como reputaccedilatildeo eacute encontrado no Novo Testamento em Mc 614 e Ap 31

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Novo Testamento entretanto eacute este o nome que Jesus possuiacutea desde o seu

nascimento e Fl 29 fala de uma reverecircncia a um novo nome que ele recebeu a

partir da sua exaltaccedilatildeo Natildeo obstante Fl 211 vai fazer referecircncia a Ἰησοῦς

Χριστὸς de uma forma tradicional sem o peso do significado que o versiacuteculo 9

indica Entre os pais da igreja as propostas variaram entre υἱὸς e θεός mas natildeo haacute

nada no texto que substancie essas soluccedilotildees309

Um caminho razoaacutevel para soluccedilatildeo eacute considerando que quem daacute o nome eacute

Deus pensar que ele deu a Jesus o seu proacuteprio nome Segundo o Antigo

Testamento esse nome eacute YHWH que a LXX traduz por κύριος Justamente esse o

nome que segundo Fl 211 desde a exaltaccedilatildeo toda liacutengua deve confessar Este

versiacuteculo eacute fundamental nesta identificaccedilatildeo pois ele estaacute fazendo uma releitura

cristoloacutegica de Is 4523 texto que anuncia um tempo de salvaccedilatildeo futura no qual

todo joelho se dobraraacute diante de YHWH e toda liacutengua juraraacute por ele A sequecircncia

de Is 4524 tambeacutem eacute importante ז ר צדקות וע י אמ Igrave ביהוה ל dizendo Soacute emldquo א

YHWH haacute justiccedila e forccedilardquo Ora em Fl 29-11 o proacuteprio YHWH estaacute dando esse

nome a Jesus para que agora diante do nome dele todo joelho se dobre e toda

liacutengua confesse

OrsquoBrien apresenta quatro argumentos em favor da identificaccedilatildeo de τὸ

ὄνομα como κύριος Primeiro na oraccedilatildeo subordinada dos versiacuteculos 10-11 Jesus eacute

identificado com κύριος e pode assim receber reverecircncia universal Segundo ele

considera plausiacutevel entender as expressotildees τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ e τὸ ὑπὲρ πᾶν

ὄνομα como justapostas Terceiro para judeus como Paulo um nome superlativo

como este sempre seria entendido como equivalente a YHWH E em quarto

lugar cria-se uma simetria no hino como um todo pois aquele que era ἴσα θεῷ

passa a ser δοῦλος e agora se torna κύριος310

Esta identificaccedilatildeo faz jus ao contexto escatoloacutegico da passagem e agrave

perspectiva mais ampla do Novo Testamento que como seraacute visto relaciona o

tiacutetulo κύριος dado a Jesus com a sua ressurreiccedilatildeo e consequentemente sua

exaltaccedilatildeo311 Tambeacutem eacute preciso perceber que nesta interpretaccedilatildeo o termo ὄνομα eacute

309 MARTIN R P A Hymn of Christ p 235 310 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 311 MARTIN escrevendo em 1967 afirmou que havia um consenso geral para reconhecer que o nome dado a Jesus na exaltaccedilatildeo eacute mesmo κύριος Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 245 No entanto SILVA Moiseacutes Philippians p 110-111 faz algumas reservas a essa identificaccedilatildeo lembrando que o texto natildeo eacute expliacutecito a esse respeito

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tomado como ofiacutecio funccedilatildeo missatildeo312 Isso eacute corroborado pela tendecircncia

teoloacutegica judaica iniciada no Antigo Testamento de pensar ם como uma ש

hipoacutestase de YHWH O ם de YHWH eacute uma entidade transcendente atraveacutes da ש

qual o proacuteprio YHWH atua no mundo Sobre esse pano de fundo Fl 29 significa

que YHWH deu a Jesus muito mais que um tiacutetulo mas colocou sobre ele o seu

poder Especificando ainda mais pode-se dizer que esse poder significa

autoridade um novo ofiacutecio que Cristo desempenharaacute ao lado do Pai e diante do

cosmos Uma nova funccedilatildeo na histoacuteria da salvaccedilatildeo313 O paralelo de Fl 29-11 com

as cerimocircnias de entronizaccedilatildeo do antigo oriente percebido anteriormente

corrobora essa visatildeo pois neles um novo nome significa ser investido em uma

nova posiccedilatildeo de poder e autoridade314 No caso de Cristo investido como Senhor

soberano do cosmo A partir da exaltaccedilatildeo ele atua como Senhor do universo

exercendo a soberania que antes pertencia apenas a YHWH com o diferencial que

esse Senhor coacutesmico eacute o mesmo personagem histoacuterico que viveu na Galileia e foi

crucificado em Jerusaleacutem conhecido como Jesus de Nazareacute Esta identificaccedilatildeo era

fundamental para distinguir a mensagem do hino das especulaccedilotildees mitoloacutegicas

contemporacircneas

Essa maneira de enxergar o substantivo ὄνομα ajuda ainda a perceber a

conexatildeo entre a exaltaccedilatildeo e a preexistecircncia de Cristo como visto acima O

problema pode ser formulado assim se a partir de Fl 26 entende-se que Cristo

tinha a plena igualdade com Deus como ele pode ser exaltado a uma posiccedilatildeo

superior O que poderia ser maior do que ser igual a Deus Mediante a categoria

ldquofunccedilatildeordquo ao inveacutes de ldquoessecircnciardquo consegue-se sair desse dilema dogmaacutetico Em

outras palavras natildeo houve uma mudanccedila ontoloacutegica no Filho de Deus mas

funcional E de fato os dados neotestamentaacuterios indicam que a partir da exaltaccedilatildeo

Cristo passou a exercer uma nova funccedilatildeo no cosmos algo que ele natildeo tinha antes

Essa nova funccedilatildeo eacute a soberania sobre o universo que o versiacuteculo Fl 211 (e

aliaacutes o Novo Testamento em geral) vai associar ao novo nome que ele recebeu

312 Entre outros MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 114 que afirma que um novo nome pode ser o equivalente a uma nova missatildeo 313 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 237 BOCKMUEHL M The Epistle

to the Philippians p 142 nota que no mundo antigo em geral e no judaiacutesmo em particular nomes eram importantes pelo que significavam e natildeo como roacutetulos 314 BARTH G A carta aos Filipenses p 47 CULLMANN O Cristologia do Novo

Testamento p 285 afirma ldquono judaiacutesmo como em todas as religiotildees antigas o nome representa ao mesmo tempo um poderrdquo (grifos dele) Em contrapartida SILVA Moiseacutes Phillipians p 110 eacute bastante reticente com essa interpretaccedilatildeo

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κύριος315 Por certo foi um passo decisivo no desenvolvimento da cristologia

primitiva a feacute que Jesus foi exaltado por Deus para ao lado dele governar sobre

todo o universo Porque Jesus compartilha a soberania de Deus ele pode

compartilhar o proacuteprio nome de Deus Afinal como visto acima o nome sobre

todo nome significava para os judeus o proacuteprio tetragrama YHWH que entre os

judeus de fala grega tinha como substituto adequado o tiacutetulo κύριος que a partir

da exaltaccedilatildeo tambeacutem eacute o nome de Jesus A importacircncia desse desenvolvimento

teoloacutegico eacute que ldquopara o monoteiacutesmo judaico soberania sobre todas as coisas era a

definiccedilatildeo de quem Deus eacuterdquo316 O resultado eacute a inclusatildeo de Jesus na identidade do

Deus uacutenico de Israel317 O ponto de partida principal para essa reflexatildeo

neotestamentaacuteria eacute a leitura cristoloacutegica do Salmo 1101 O hino cristoloacutegico

entretanto recorre a Isaiacuteas 4523318

Aleacutem da soberania essa nova funccedilatildeo de Jesus tambeacutem pode ser associada

agrave categoria da ldquorevelaccedilatildeordquo Este ponto eacute sublinhando por Kaumlsemann

Reconhecendo que realmente τὸ ὄνομα aponta para a designaccedilatildeo de Jesus como

κύριος do universo ele avalia o que novo nome traz uma novidade revelacional A

partir de agora o relacionamento do cosmos com Deus passa pelo Jesus κύριος

O kyrios eacute Deus em sua relaccedilatildeo com o mundo Na entronizaccedilatildeo a representaccedilatildeo de Deus diante do mundo se transferiu para aquele que foi elevado Eacute atraveacutes dele somente que Deus exerce sua accedilatildeo sobre o cosmo (no sentido de 1Co 1528 poderia dizer-se ateacute a parusia) Consciente ou inconscientemente eacute com Cristo com quem tem que tratar o mundo na medida que tem que tratar com Deus A partir de agora ele eacute o seu senhor e seu juiz319

315 Assim MARTIN R P A Hymn of Christ p 236-237 316 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 130 317 Idem Segundo HURTADO L W Senhor Jesus Cristo p 818 o fato de Jesus receber o nome de Deus eacute ldquoo mais proacuteximo que chegamos a um equivalente de um elo lsquoontoloacutegicorsquo de Deus com Jesusrdquo 318 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 130 Natildeo obstante ao contraacuterio do que foi exposto aqui HELLERMAN J H Vindicating Godrsquos Servants in Philippi

and in Philippians p 96-97 acredita que o termo ὄνομα deve ser conectado a κύριος mas natildeo se trata de um novo dado a Jesus e sim da manifestaccedilatildeo puacuteblica do nome que ele jaacute tinha ao longo de toda a sua carreira Parece contudo que sua exegese eacute influenciada pelo desejo de fazer um paralelo entre Fl 26-11 com At 1611-40 onde Paulo soacute revela seu ldquotiacutetulordquo de cidadatildeo romano depois do sofrimento e da humilhaccedilatildeo 319 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 110

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45 Conclusatildeo do capiacutetulo

Diante do exposto acima eacute possiacutevel nesta conclusatildeo enfrentar uma uacuteltima

questatildeo por que Deus exaltou Jesus Para isso eacute necessaacuterio voltar agrave expressatildeo διὸ

καὶ que inicia o versiacuteculo 9 e pode ser interpretada como estabelecendo uma

relaccedilatildeo de causa e efeito entre 26-8 e 29-11 A causa da exaltaccedilatildeo eacute a

humilhaccedilatildeo De acordo com Martin isso fez Lohmeyer entender que 29-11 eacute

simplesmente a realizaccedilatildeo em Jesus do princiacutepio divino da exaltaccedilatildeo dos justos o

sofrimento do justo leva necessariamente agrave exaltaccedilatildeo320 Seria uma espeacutecie de

resultado loacutegico Contudo como bem observado por Martin ldquoO hino natildeo foi

escrito para provar a validade de um princiacutepiordquo321

Com efeito natildeo se pode negar que a tradiccedilatildeo judaica afirma que Deus

defende e recompensa o sofrimento do servo justo Por exemplo os cacircnticos do

servo de Deus em Isaiacuteas trazem uma expectativa de exaltaccedilatildeo do servo apoacutes o seu

sofrimento Segundo a tradiccedilatildeo sinoacutetica o proacuteprio Jesus ensinou que os que se

humilham diante de Deus por obediecircncia seratildeo exaltados pelo proacuteprio Deus (Mt

2312 Lc 1411 1814) E quem ousaria afirmar que Jesus natildeo merecia ser

exaltado Isso tudo aponta na direccedilatildeo da exaltaccedilatildeo como uma recompensa ao

sofrimento obediente de Jesus uma resposta de Deus a todas as accedilotildees descritas

nos versiacuteculos 6-8322 No entanto natildeo se deve menosprezar a importacircncia do

verbo χαρίζομαι utilizado no contexto apontando para uma exaltaccedilatildeo como obra

da graccedila de Deus

Talvez o melhor na verdade fosse afastar esta questatildeo (o motivo pelo qual

Deus exaltou Jesus) da exegese do texto que tem muito mais jeito de especulaccedilatildeo

dogmaacutetica do que investigaccedilatildeo exegeacutetica Eacute bem provaacutevel que o papel da

expressatildeo διὸ καὶ no contexto vaacute aleacutem do estabelecimento de uma relaccedilatildeo tipo

causa-feito Na verdade ela faz a transiccedilatildeo de um acontecimento escatoloacutegico

para outro ou melhor ainda conecta dois acontecimentos que fazem parte do

mesmo evento escatoloacutegico O pano de fundo escatoloacutegico da exaltaccedilatildeo que foi

desenvolvido ao longo deste capiacutetulo a compreensatildeo especiacutefica de Paulo acerca

320 MARTIN R P A Hymn of Christ p 233-235 Esta opiniatildeo foi adotada depois por HAWTHORNE G F Philippians p 113 321 MARTIN R P A Hymn of Christ p 234 322 Assim OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 233-234

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desta exaltaccedilatildeo a perspectiva linear de interpretaccedilatildeo do hino323 que tem como

cliacutemax a exaltaccedilatildeo324 apontam nessa direccedilatildeo

Porque o problema das interpretaccedilotildees que valorizam a ideia de

recompensa eacute que elas acabam por natildeo fazer jus agrave importacircncia do cenaacuterio descrito

em Fl 29-11 fazendo deste segmento um anexo um posfaacutecio agrave obra principal que

estaria em Fl 26-8 Se fosse assim exaltaccedilatildeo seria tatildeo somente o reconhecimento

do caminho de Jesus como justo325 e consequentemente esse caminho por ter

sido aprovado por Deus se tornaria agora o caminho-modelo para todas as

pessoas326 No entanto na exegese defendida neste trabalho a exaltaccedilatildeo de Jesus

vai certamente aleacutem disso Ela faz parte do evento escatoloacutegico que trouxe um

novo eacuteon o tempo de triunfo sobre os inimigos de Deus e salvaccedilatildeo para todos os

povos conforme a expectativa veterotestamentaacuteria Natildeo daacute para separar a morte e

ressurreiccedilatildeo de Jesus do seu significado escatoloacutegico e dos seus efeitos

soterioloacutegicos

O texto possui uma sequecircncia de acontecimentos interconectados pelo

tema (Jesus) numa linha progressiva que comeccedila na preexistecircncia passa pela

encarnaccedilatildeo e o sacrifiacutecio na cruz e termina na exaltaccedilatildeo que eacute (para os leitores do

texto) o estado atual de Jesus O texto revela o caminho desse que agora eacute o

κύριος de todo o cosmos e sobretudo da Igreja daqueles que jaacute no presente o

confessam e dobram os joelhos diante do seu nome

Esse momento eacute oportuno para discutir uma interpretaccedilatildeo recente que

tambeacutem afasta o conceito de ldquorecompensardquo no texto Eacute o entendimento defendido

principalmente por N T Wright que todo conjunto de Fl 26-11 deve ser

323 Conferir a discussatildeo no capiacutetulo anterior 324 MARTIN R P Filipenses p 129 ldquoo ponto central do ensino do hino ndash como parece certo ndash natildeo eacute o kenosis nem uma lista das caracteriacutesticas da vida terrena de Jesus em humilhaccedilatildeo e obediecircncia mas Seu senhorio presente e final e o caminho que Ele tomou para esse tiacutetulordquo (grifos dele) 325 MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v I p 83-87 argumenta que Fl 29-11 seria apenas um comentaacuterio antigo onde os eventos da Paacutescoa satildeo a vindicaccedilatildeo de Jesus Deus reconhecendo Jesus como justo 326 Isto eacute afirmado com clareza por Moiseacutes Silva que justifica a utilizaccedilatildeo do conceito de ldquorecompensardquo agrave exaltaccedilatildeo de Jesus na medida que ldquoo hino cristoloacutegico implica a correspondecircncia entre a experiecircncia de Cristo e a santificaccedilatildeo do crenterdquo A ideia eacute que assim como Cristo foi recompensado por sua obediecircncia o cristatildeo tambeacutem seraacute A despeito da correccedilatildeo desta teologia especiacutefica o ponto eacute que a interpretaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus no conjunto de Fl 26-11 eacute determinada pela necessidade de fazer do texto um paradigma para a vida cristatilde Cf SILVA Moiseacutes Philippians p 109 Tambeacutem BRUCE F F Filipenses p 81 descreve o versiacuteculo 29 como ldquoa suprema ilustraccedilatildeo de suas proacuteprias palavras lsquoquem a si mesmo se humilhar seraacute exaltadorsquo

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encarado como revelaccedilatildeo do caraacuteter de Deus ou como se tornou comum afirmar

o caraacuteter do Deus de Israel ldquoA real ecircnfase teoloacutegica do hino entatildeo natildeo eacute

simplesmente uma nova visatildeo de Jesus Eacute um novo entendimento de Deusrdquo327

Para Wright isso significa que divindade eacute sinocircnimo de doaccedilatildeo e natildeo obtenccedilatildeo328

Foi assim que Jesus interpretou a sua igualdade com Deus As accedilotildees de 26-8 satildeo

a revelaccedilatildeo disso enquanto que a exaltaccedilatildeo seria o reconhecimento por parte de

Deus Pai que realmente a encarnaccedilatildeo e morte de Jesus satildeo ldquoa revelaccedilatildeo do amor

divino em accedilatildeordquo329

S E Fowl trabalhando a partir da exegese de Wright afirma que tanto o

sofrimento de Jesus narrado em 26-8 quanto a exaltaccedilatildeo dele descrito em 29-11

satildeo essencialmente revelaccedilatildeo de Deus ao mundo manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Deus

de Israel330 E para o sofrimento servir a esse propoacutesito revelacional ele precisa ser

vindicado por Deus E aiacute que entra a exaltaccedilatildeo pois como vindicaccedilatildeo do

sofrimento de Jesus ela atesta que o Deus apresentado no conjunto eacute realmente o

Deus de Israel e Jesus eacute realmente seu Cristo331

Eacute verdadeiramente certo que o hino de Fl 26-11 estaacute ancorado no

monoteiacutesmo veterotestamentaacuterio Isso fica especialmente claro na seccedilatildeo dos

versiacuteculos 9-11 pois a exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute narrada como um heroacutei pagatildeo que

depois de vencer na Terra tambeacutem vai vencer no ceacuteu tomando o lugar dos outros

deuses Jesus natildeo tomou o lugar de Deus Ele foi exaltado por Deus Deus

compartilha gratuitamente com ele a soberania que era exclusivamente sua sem

no entanto deixar de tecirc-la todos os seres satildeo chamados a reconhecer Jesus como

κύριος mas no final tudo isso que acontece eacute εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

Em contrapartida como jaacute observado neste capiacutetulo o tema do conjunto

inteiro de Fl 26-11 eacute Jesus o Filho de Deus jaacute indicado pelo pronome relativo ὃς

que abre o hino no versiacuteculo 6 O que eacute apresentado aqui eacute a sua decisatildeo pessoal e

voluntaacuteria de se encarnar de assumir a forma de servo de se humilhar e ser

327 WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 84 328 Idem citando palavras de C F D Moule Nesse sentido Wright eacute seguido por FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 40 e 45 329 Ibid p 86 330 FOWL S E Philippians p 101 Que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute muito mais que a vindicaccedilatildeo de Jesus foi exposto acima 331 FOWL S E Philippians p 101 Essa linha de raciociacutenio fecha com a interpretaccedilatildeo eacutetica da passagem como um todo pois se o caraacuteter de Deus eacute vindicar o justo sofredor entatildeo o cristatildeo pode esperar que esse mesmo Deus faraacute isso com ele quando nesse mundo sofre de forma injusta Nas paacuteginas 106 e 107 Fowl afirma que essa argumentaccedilatildeo ajuda a responder uma das criacuteticas feitas agrave chamada interpretaccedilatildeo eacutetica

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obediente ateacute a morte e morte de cruz E em seguida a accedilatildeo gratuita de Deus em

exaltaacute-lo como Senhor com todos os contornos jaacute apresentados e outros que ainda

seratildeo explorados E dentro do cristianismo primitivo o texto era muito mais do

que uma mera lista de eventos Ele oferecia uma interpretaccedilatildeo do evento

escatoloacutegico que envolveu a encarnaccedilatildeo a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

cumprindo as esperanccedilas do povo de Israel332 A interpretaccedilatildeo de Wright e Fowl

tenta deslocar o epicentro do hino de Cristo para Deus Pai (o Deus de Israel) e faz

do amor o tema da passagem Natildeo soacute a passagem natildeo fala de amor (nenhum termo

eacute usado nesse sentido) como essa exegese parece nascer de uma preocupaccedilatildeo

externa ao texto333 natildeo levando em consideraccedilatildeo a narrativa em si que eacute

fundamentalmente cristoloacutegica E eacute por esse vieacutes cristoloacutegico que aparece o tema

da revelaccedilatildeo de Deus porque na teologia cristatilde Cristo eacute a revelaccedilatildeo de Deus

Tanto o sofrimento quanto a exaltaccedilatildeo de Cristo satildeo revelaccedilatildeo de Deus ao

mundo334 algo acentuado justamente quando se daacute a devida atenccedilatildeo ao contexto

escatoloacutegico envolvido nesses eventos

E como se veraacute adiante sobretudo no quarto capiacutetulo mais do que

descrever ou reafirmar o caraacuteter do Deus de Israel o hino cristoloacutegico de Fl 26-

11 sobretudo quando trata da exaltaccedilatildeo de Cristo foi muito importante para o

cristianismo primitivo redefinir o monoteiacutesmo judaico em termos de um

monoteiacutesmo cristoloacutegico Mas antes enfrentar a discussatildeo do monoteiacutesmo que

aparece claramente no final do versiacuteculo 11 eacute necessaacuterio considerar o conteuacutedo

dos versos 10 e 11 que apresentam os desdobramentos da exaltaccedilatildeo de Jesus

nada menos do que o universo inteiro reverenciaacute-lo e confessaacute-lo como Senhor

332 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 24 para quem nos versiacuteculos 6-8 se oferece uma interpretaccedilatildeo da encarnaccedilatildeo e da morte de Jesus e nos versiacuteculos 9-11 da ressurreiccedilatildeo de Jesus Interpretaccedilatildeo que podia ser cantada nos cultos (caso Fl 26-11 tenha existido como um hino de fato) ou confessada pelos convertidos (entendendo o texto como confissatildeo) 333 A tendecircncia da exegese contemporacircnea de compreender Paulo dentro do judaiacutesmo e natildeo contra o judaiacutesmo 334 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 75-76 foi talvez o primeiro a defender o aspecto revelacional de Fl 26-11 Para ele o hino natildeo trata diretamente da relaccedilatildeo entre Deus e a igreja ou entre Deus e os crentes mas sim da relaccedilatildeo total entre Deus e o mundo O hino descreve a revelaccedilatildeo de Deus ao mundo inteiro Em especial quanto agrave seccedilatildeo de Fl 29-11 ele afirma ldquonatildeo se trata unicamente de sentimentos eacuteticos apropriados mas ao contraacuterio de uma vitoacuteria sobre o mundo da eliminaccedilatildeo das oposiccedilotildees ateacute o cumprimento escatoloacutegico desejado por Deusrdquo

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5 A reverecircncia e a confissatildeo ao Jesus exaltado

51 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

O objetivo do presente capiacutetulo eacute estudar o texto de Fl 210-11 com exceccedilatildeo

do uacuteltimo segmento que seraacute analisado no proacuteximo capiacutetulo Assim o texto a ser

trabalhado eacute o seguinte ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται

Todo o segmento dos versiacuteculos 10 e 11 depende da conjunccedilatildeo ἵνα Ela eacute a

ligaccedilatildeo com o versiacuteculo 9 Ela traz duas possibilidades para o conjunto a ideia de

finalidade Jesus foi exaltado a fim de que todo joelho se dobre e toda liacutengua o

confesse ou a ideia de resultado consequecircncia Jesus foi exaltado

consequentemente agora todo o joelho deve se dobrar e toda a liacutengua deve confessaacute-

lo Existe uma leve vantagem para a primeira opccedilatildeo visto ser esse o uso

predominante de ἵνα no grego claacutessico no Novo Testamento e inclusive no corpus

paulino335 entendendo assim a submissatildeo e reverecircncia de todo o universo a Jesus

como partes da intenccedilatildeo divina ao exaltar Jesus e ao mesmo tempo natildeo dar a

impressatildeo que o conteuacutedo dos versiacuteculos 10 e 11 satildeo uma espeacutecie de resultado

casual Contudo natildeo se deve insistir na distinccedilatildeo pois as duas noccedilotildees andam juntas

na literatura biacuteblica do Antigo e do Novo Testamento e eacute possiacutevel que ambas

estejam presentes neste texto336

52 Isaiacuteas 4523 e a exaltaccedilatildeo de Jesus

Antes de tudo eacute preciso registrar a tendecircncia paulina de citar textos do

Antigo Testamento que trazem afirmaccedilotildees sobre YHWH e aplicaacute-las a Jesus por

intermeacutedio do tiacutetulo κύριος De acordo com Hurtado eacute certo que essa transferecircncia

ocorre em Rm 1013 (citando Jl 35) 1Cor 131 (citando Jr 923-24) 1Cor 1026

335 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 292 336 MARTIN R P A Hymn of Christ p 249 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 opina que as duas ideias estatildeo presentes

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(citando Sl 241) e 2Cor 1017 (citando Jr 923-24)337 Aleacutem dessas citaccedilotildees

existem textos paulinos que fazem alusotildees a passagens do Antigo Testamento que

falam de YHWH e Paulo as emprega para Jesus como Senhor Satildeo elas 1Cor 1021

(aludindo a Ml 1721) 1Cor 1022 (aludindo a Dt 3221) 2Co 316 (aludindo a Ex

3434) 1Ts 313 (Zc 145) 1Ts 46 (aludindo a Sl 941) e o texto em anaacutelise de Fl

210-11 considerada a mais impressionante alusatildeo paulina o que reforccedila a

importacircncia da exegese em curso338

Para iniciar o estudo desse periacuteodo eacute necessaacuterio verificar a relaccedilatildeo do

mesmo com o texto aludido de Isaiacuteas 4523 Se a expressatildeo ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων for separada como um aposto de Fl 210-11339 a

justaposiccedilatildeo dos textos deixa clara a ligaccedilatildeo entre eles

Is 4523 (LXX) ἐμοὶ κάμψει πᾶν γόνυ καὶ ἐξομολογήσεται πᾶσα γλῶσσα τῷ θεῷ

Fl 210-11 ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ καὶ πᾶσα γλῶσσα

ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

Deve-se notar que o contexto de Is 4523 traz duas ecircnfases A primeira eacute a

feacute de que soacute YHWH eacute Deus Haacute uma clara criacutetica agrave idolatria ldquoNatildeo tecircm

conhecimento os que carregam os seus iacutedolos de madeira os que dirigem as suas

suacuteplicas a um deus que natildeo pode salvar Natildeo haacute outro Deus fora de mimrdquo (Is 4520-

21) E logo chama a atenccedilatildeo que o hino em Filipenses vai fazer uma aplicaccedilatildeo

cristoloacutegica a partir de um texto do Antigo Testamento que traz um monoteiacutesmo

acentuado um expediente muito semelhante ao usado por Paulo em 1Cor 86 em

relaccedilatildeo ao shemaacute Como se veraacute adiante eacute possiacutevel que a intenccedilatildeo exata do autor

seja mostrar que o senhorio de Jesus a partir da exaltaccedilatildeo eacute algo completamente

diferente da idolatria Continua-se na verdade no mesmo monoteiacutesmo A segunda

ecircnfase no contexto de Is 45 eacute a nota escatoloacutegica isto eacute a expectativa que um dia

todos os confins da terra se voltaratildeo para YHWH se prostraratildeo diante dele e diratildeo

337 HURTADO L W Senhor In DPL p 1150-1151 Existem citaccedilotildees em que Paulo manteve κύριος referindo-se a Deus o que segundo Hurtado ocorre em 10 referecircncias Ele tambeacutem menciona duas passagens em que a identificaccedilatildeo eacute disputada Satildeo elas Rm 1411 (Is 4523) e 1Cor 216 (Is 4013) 338 HURTADO L W Senhor In DPL p 1151 339 Como notado por FOWL S Philippians p 103 a frase quebra a alusatildeo a Is 4523

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que soacute nele haacute justiccedila e forccedila340 Por sinal haacute em Is 45 uma dupla perspectiva de

futuro que seraacute exatamente aquela que melhor explica Fl 210-11 pois esse uacuteltimo

dia que traraacute o reconhecimento universal de YHWH natildeo traraacute junto uma alegria

universal Seraacute um tempo de juacutebilo para o povo de Deus que jaacute vivencia essa

experiecircncia e anseia por essa ocasiatildeo poreacutem de constrangimento para aqueles que

rejeitam o Senhor ldquoA ele viratildeo cobertos de vergonha todos os que se irritaram

contra elerdquo (Is 4524)341

De fato o monoteiacutesmo escatoloacutegico era parte fundamental do judaiacutesmo do

segundo templo uma esperanccedila expressa e alimentada pelo Decircutero-Isaiacuteas A

leitura escatoloacutegica de Isaiacuteas 45 estava presente no judaiacutesmo como evidenciam por

exemplo textos de Enoque Descrevendo o que aconteceraacute na vinda do juiz do

mundo Enoque 485 diz ldquoTodos os que habitam sobre a terra seca iratildeo prostrar-se

diante dele e cultuaacute-lo e adoraacute-lo exaltaacute-lo e cantar louvores ao nome do Senhor

dos espiacuteritosrdquo342 Ademais antes da sua utilizaccedilatildeo cristatilde o texto de Is 4523

desempenhou papel importante na liturgia sinagogal sendo incluiacutedo nas antigas

oraccedilotildees lsquoAlecircnu e Nishmat Kol Hay recomendadas pela Mishnah para o final da

Haggadah343 Isso evidencia que uma audiecircncia judaica perceberia com clareza a

operaccedilatildeo teoloacutegica que estaacute se desenrolando no hino de Filipenses (mas natildeo eacute certo

se leitores natildeo judeus teriam a mesma percepccedilatildeo)344 isto eacute que o monoteiacutesmo

escatoloacutegico se tornou monoteiacutesmo cristoloacutegico345

O Novo Testamento utiliza Is 4523 em dois lugares Em Rm 1411 Paulo

explicitamente cita o texto ldquoCom efeito estaacute escrito Por minha vida diz o Senhor

todo joelho se dobraraacute diante de mim e toda liacutengua daraacute gloacuteria a Deusrdquo Nesse caso

o texto de Isaiacuteas eacute usado para fortalecer a argumentaccedilatildeo de um juiacutezo escatoloacutegico

que estaacute por vir expresso antes e depois da citaccedilatildeo ldquoPois todos noacutes

340 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 considera que as ecircnfases de Isaiacuteas 45 satildeo a singularidade de Deus e o universalismo Este uacuteltimo tema estaacute presente de fato mas como ele mesmo reconhece em termos de expectativa para o futuro Por isso eacute melhor falar de uma esperanccedila escatoloacutegica que eacute universal em sua abrangecircncia 341 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 243 342 Conforme MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 207 343 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 344 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 82 Esse eacute o provaacutevel cenaacuterio da Igreja de Filipos uma comunidade predominantemente gentiacutelica Por conseguinte a avaliaccedilatildeo acima aponta para duas direccedilotildees que o autor do hino estava familiarizado com o Antigo Testamento e provavelmente com o judaiacutesmo e ao mesmo tempo favorece a tese de que Fl 26-11 existiu antes de ser usado na carta aos Filipenses isto eacute foi produzido em um contexto sensiacutevel agraves interrelaccedilotildees estabelecidas com o texto veterotesmentaacuterio 345 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 133

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compareceremos ao tribunal de Deus [Is 4523] Assim cada um de noacutes prestaraacute

contas a Deus de si proacutepriordquo (Rm 1410-12)

O outro lugar em que o texto aparece no Novo Testamento eacute aqui em

Filipenses A citaccedilatildeo natildeo eacute literal como em Romanos346 mas eacute possiacutevel notar as

significativas alteraccedilotildees feitas pelo hino a partir do texto baacutesico de Isaiacuteas Primeiro

na forma dos verbos κάμπτω e ἐξομολογέω respectivamente curvar-se e confessar

A LXX usa ambos os verbos no indicativo futuro347 Paulo por sua vez usa os dois

no subjuntivo aoristo O que era entatildeo uma promessa de Deus para o futuro o hino

cristoloacutegico mostra com uma realidade cumprida348 Segundo os objetos dos dois

verbos satildeo substituiacutedos o pronome pessoal ἐμοὶ pela locuccedilatildeo ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ

e a expressatildeo τῷ θεῷ por ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς Essas duas substituiccedilotildees

chamam atenccedilatildeo pela repeticcedilatildeo do substantivo Ἰησοῦς enfatizando a releitura

cristoloacutegica que estaacute em operaccedilatildeo isto eacute o que antes era uma promessa relacionada

agrave accedilatildeo de Deus no fim dos tempos agora eacute uma realidade escatoloacutegica em Jesus

Cristo349 Eacute ainda pertinente notar que em Romanos o contexto da citaccedilatildeo de Isaiacuteas

tambeacutem eacute escatoloacutegico poreacutem ali Paulo manteacutem o aspecto futuro do Antigo

Testamento enquanto que em Filipenses o verbo no subjuntivo aoristo indica algo

que jaacute aconteceu Isso evidencia o equiliacutebrio entre o jaacute e o ainda natildeo da escatologia

paulina As duas citaccedilotildees tambeacutem mostram a harmonia que existia na teologia de

Paulo entre cristologia e monoteiacutesmo Ele pode aplicar o mesmo versiacuteculo do

Antigo Testamento tanto para algo que teve lugar a partir da exaltaccedilatildeo de Jesus

Cristo quanto para accedilatildeo futura de Deus Pai que segundo Rm 1410-12 julgaraacute toda

humanidade

346 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 afirma que o autor do hino (que para ele natildeo eacute Paulo) estaacute citando de forma inconsciente pois enxerga a si mesmo como um homem em situaccedilatildeo pneumaacutetica sob direta accedilatildeo do Espiacuterito Santo Tudo isso poreacutem eacute uma grande conjectura difiacutecil de provar Eacute possiacutevel ainda que o autor do hino esteja partindo de um texto de Isaiacuteas diferente do Texto Massoreacutetico e da versatildeo da LXX aceita atualmente A possibilidade eacute aventada por MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 214 Isso poderia explicar algumas das alteraccedilotildees do texto de Filipenses mas natildeo a mais importante que eacute a sua releitura cristoloacutegica 347 O texto hebraico traz respectivamente os verbos כרע e שבע no yiqtol reconhecido com uma forma futura cf JOUumlON P MURAOKA T A Grammar of Biblical Hebrew p 114 348 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 349 Eacute possiacutevel que exista alguma relaccedilatildeo entre o texto de Filipense e o texto de Enoque A sugestatildeo eacute feita por Michel observando que Enoque 617 aplica Is 4523 ao Messias MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 207 O problema eacute confirmar se o texto de Enoque eacute de fato anterior ao de Filipenses e que assim a influecircncia seria inversa Segundo BROWN R E PERKINS P SALDARINI A J Apoacutecrifos Manuscritos do Mar Morto e Outros Tipos de Literatura Judaica IN NCBSJ p 951 o conjunto dos capiacutetulos 37-71 onde encontra-se a referecircncia acima tem a sua dataccedilatildeo disputada variando entre o seacuteculo 1 aC ateacute o 3 dC

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Haacute ainda uma terceira alteraccedilatildeo de Filipenses em relaccedilatildeo ao texto de Isaiacuteas

Acima a expressatildeo ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων foi separada para

visualizaccedilatildeo do paralelo entre Is 4523 e Fl 210-11 A questatildeo eacute que natildeo existe um

equivalente direto dessa expressatildeo em Isaiacuteas 4523 mas o versiacuteculo imediatamente

anterior (4522) mostra que o alcance das promessas apresentadas no contexto do

oraacuteculo profeacutetico eacute a Terra inteira Isso fica claro no seguinte segmento hebraico

רץ que a Septuaginta traduziu como οἱ ἀπ᾽ ἐσχάτου τῆς γῆς Portanto כל־אפסי־א

parece que Paulo opera uma ampliaccedilatildeo Se em Isaiacuteas a escatologia fala de uma

reverecircncia universal de todo joelho e toda liacutengua incluindo todas as naccedilotildees ateacute os

limites da Terra Filipenses apresenta uma escatologia coacutesmica que vai aleacutem dos

limites da Terra alcanccedilando todo o cosmos350

53 Accedilotildees feitas ldquoEm nome de Jesusrdquo

A expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι eacute usada na maioria das vezes com uma conotaccedilatildeo

temporal e assim significa que algo deve acontecer quando o nome eacute mencionado

ou invocado351 Em Filipenses a ideia seria que a pessoa deve prostrar-se e fazer

confissatildeo quando o nome de Jesus eacute mencionado Conquanto o aspecto temporal

possa estar presente parece que haacute mais coisas envolvidas A expressatildeo

preposicional utilizada no Novo Testamento ecoa a expressatildeo hebraica muito בשם

utilizada no Antigo Testamento em associaccedilatildeo com YHWH352 Sua traduccedilatildeo

regular na LXX eacute pela expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι em uma tentativa segundo ele de

traduzir com exatidatildeo o hebraico Na traduccedilatildeo grega a expressatildeo liga-se

principalmente a verbos relacionados a accedilotildees de culto indicando que nome

invocado eacute o fundamento o pressuposto e a condiccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do culto353

Em linhas gerais no Antigo e no Novo Testamento a expressatildeo significa natildeo apenas

mencionar pronunciar ou invocar o nome mas tambeacutem agir por comissatildeo O Novo

350 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 307 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 351 BAGD p 572 352 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT p 262 263 e 271 BIETENHARD H Nome In DITNT p 1396 Para HARTMAN L ὄνομα In DENT p 563 a expressatildeo neotestamentaacuteria deve ser considerada um semitismo 353 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 564-565

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Testamento em particular vai utilizaacute-la 40 vezes sendo que em 8 o nome referido eacute

o de Deus e em 28 eacute o de Cristo

Na literatura paulina a expressatildeo ocorre em 1Cor 54 611 2Ts 36 Ef 520

Cl 317e aqui em Fl 210354 Em 2Ts 36 a ideia eacute dar instruccedilotildees com base na

autoridade do soberano Jesus355 Em 1Cor 54 ἐν τῷ ὀνόματι pode ser ligada a trecircs

termos diferentes no contexto significando tanto a autoridade do nome de Jesus

quanto a invocaccedilatildeo do seu nome 1Cor 611 mostra a salvaccedilatildeo recebida em nome

de Jesus Cristo (ldquoMas voacutes vos lavastes mas fostes santificados mas fostes

justificados em nome do Senhor Jesusrdquo) Os textos de Ef e Cl satildeo paralelos e

indicam que todas as coisas devem ser feitas em nome do Senhor Jesus isto eacute ldquotoda

a vida deve ser vivida sob a consciente autoridade de Cristo e com dedicaccedilatildeo ativa

e grata a sua pessoa magniacuteficardquo356 O texto de Filipenses amplia essa reivindicaccedilatildeo

de obediecircncia para todo o cosmos pois o que seraacute feito ἐν τῷ ὀνόματι alcanccedila quem

estaacute no ceacuteu na terra e debaixo da terra

Em particular o uso da expressatildeo em Fl 210 deve ser entendido como

causal isto eacute o nome que a partir da exaltaccedilatildeo Jesus tem eacute a causa eficiente da

submissatildeo357 Porque Jesus tem o nome e desempenha a funccedilatildeo de Senhor todos

devem prostrar-se diante dele

A utilizaccedilatildeo do substantivo Ἰησοῦς aqui natildeo significa que o nome ao qual

todo joelho deve se dobrar e toda liacutengua deve confessar seja simplesmente ldquoJesusrdquo

Na verdade o texto quer sublinhar que essas accedilotildees acontecem ao nome que agora

estaacute vinculado ao personagem histoacuterico chamado desde o nascimento de Jesus e

esse nome eacute ldquoSenhorrdquo358 Todavia eacute fundamental para a narrativa identificar o

κύριος como o homem de Nazareacute que andou pela regiatildeo da Galileacuteia e arredores e

foi crucificado em Jerusaleacutem Quer dizer que o exaltado natildeo eacute um personagem

miacutetico algum tipo de semideus ou espiacuterito Esse que foi exaltado por Deus ao

senhorio de todo universo eacute o Filho de Deus encarnado chamado Jesus359 A

354 Aqui a despeito da discussatildeo de autoria considera-se Efeacutesios Colossenses e 2Tessalonicenses parte da literatura paulina 355 LUTER JR A B Nome In DPC p 880 356 LUTER JR A B Nome In DPC p 881 357 HELLERMAN J H Philippians p 121 358 HAWTHORNE G F Philippians p 115 HELLERMAN J H Philippians p 121 359 MARTIN R P Hymn of Christ p 254 HAWTHORNE G F Philippians p 115

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exaltaccedilatildeo natildeo mudou a identidade de Jesus Ele assumiu uma nova funccedilatildeo mas natildeo

se tornou uma nova pessoa360

54 Joelhos dobrados ao nome de Jesus

O verbo κάμπτω eacute aplicado na LXX para situaccedilotildees de devoccedilatildeo religiosa

como em 1Cr 2920 ldquoE toda assembleia bendisse a Iahweh Deus de seus pais e se

ajoelhou [κάμψαντες τὰ γόνατα] para se prostrar diante de Deus e diante do reirdquo

2Cr 2929 ldquoTerminando o holocausto o rei e todos os que os acompanhavam se

ajoelharam [ἔκαμψεν] e se prostraramrdquo Dn 611 ldquotrecircs vezes por dia ele se punha

de joelhos [κάμπτων ἐπὶ τὰ γόνατα] orando e confessando a seu Deusrdquo aleacutem do

jaacute citado Is 4523 O Novo Testamento usa o verbo apenas quatro vezes sempre em

conexatildeo com o substantivo γόνυ (Ef 314 Rm 114 1411 e aqui em Filipenses) e

acompanha a LXX no aspecto da devoccedilatildeo361

Cerfaux opina que cair de joelhos diante do rei era a praacutetica entre os suacuteditos

dos reis orientais bem como uma praacutetica regular nas oraccedilotildees No mundo grego o

comum seria orar em peacute362 Pelo menos era uma praacutetica conhecida e praticada no

judaiacutesmo como se depreende dos textos acima No entanto como observa Martin

o contraste principal natildeo eacute entre o estilo lituacutergico grego ou oriental mas sim entre

uma atitude religiosa comum (o orar e o adorar em peacute) e o sentimento de aguda

necessidade e humildade do adorador diante de Deus que o levava em situaccedilotildees

extraordinaacuterias a prostrar-se em devoccedilatildeo visto que natildeo fazia parte da rotina

religiosa contemporacircnea o ajoelhar-se diante da divindade363 No caso de Fl 210 a

ideia eacute de uma profunda sujeiccedilatildeo e reconhecimento diante do senhorio de Jesus

Embora em outro contexto um paralelo neotestamentaacuterio seria Ap 58 ldquoAo receber

o livro os quatro seres viventes e os vinte e quatro Anciatildeos prostraram-se diante do

Cordeirordquo O texto descreve uma realidade celestial de prostraccedilatildeo diante de Jesus

o que (como eacute a perspectiva do livro de Apocalipse) funciona com paradigma para

360 Eacute interessante comparar essa descriccedilatildeo do hino com o fenocircmeno social do apego aos tiacutetulos Quantos pessoas ao receberem um tiacutetulo qualquer querem esquecer sua identidade como eram conhecidas anteriormente para serem agora somente reconhecidas pelo tiacutetulo 361 BAGD p 402 BALZ H SCHNEIDER G κάμπτω In DENT p 2190 362 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 306 363 MARTIN R P A Hymn of Christ p 265

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a Igreja aqui na Terra fazer o mesmo364 A reverecircncia ao Cordeiro que foi morto eacute

o reconhecimento da honra daquele que justamente foi desonrado e blasfemado na

sua morte na cruz365 E um dia como seraacute exposto abaixo os mesmos que o

mataram estaratildeo diante dele outra vez natildeo mais para desonraacute-lo mas de joelhos

dobrados diante dele

55 O alcance da reverecircncia a Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra

Na liacutengua grega ἐπουρανίων eacute usado de forma literal para referir-se aos seres

celestiais ἐπιγείων aos seres que habitam na Terra e καταχθονίων aos seres que

habitam debaixo da terra366 Os dois primeiros estatildeo geralmente em oposiccedilatildeo e

ἐπιγείων inclui os seres humanos Entre os seres celestiais estatildeo aliados e inimigos

de Deus367 estes uacuteltimos descritos em Ef 612 ldquocontra os Principados contra as

Autoridades contra os Dominadores deste mundo de trevas contra os Espiacuteritos do

Mal que povoam as regiotildees celestiais [ἐν τοῖς ἐπουρανίοις]rdquo

Na exegese contemporacircnea foi Lightfoot quem primeiro defendeu a

interpretaccedilatildeo de que a lista triacuteplice envolve tudo o que existe no universo incluindo

seres humanos seres espirituais (anjos e democircnios) e a proacutepria natureza em si

Nesse caso os trecircs adjetivos satildeo tomados como neutros A inclusatildeo dos elementos

naturais vem da comparaccedilatildeo com passagens como o Sl 148 e Rm 822 que mostram

o relacionamento da natureza com o seu criador368 De fato o caraacuteter poeacutetico da

passagem favorece a opiniatildeo de Lightfoot pois talvez Paulo natildeo estivesse

distinguindo trecircs grupos mas tatildeo soacute expressando a universalidade da reverecircncia

prestada a Jesus369

Uma segunda possibilidade de interpretaccedilatildeo eacute entender que por traacutes da

expressatildeo triacuteplice apenas estatildeo seres racionais sejam seres humanos anjos ou

364 BRUCE F F Filipenses p 82 365 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 116 366 BAGD p 290 360 e 420 367 MICHEL O ἐπουράνιος In DENT p 1562 368 MARTIN R P A Hymn of Christ p 257-258 A tese de Lightfoot foi adotada entre outros por SILVA M Philippians p 116 FOWL S Philippians p 103 embora este uacuteltimo cite com aprovaccedilatildeo a opiniatildeo de Crisoacutestomo de que a referecircncia seria aos seres racionais 369 BRUCE F F Filipenses p 83 Ele indica que as referecircncias a ceacuteu e terra no hino de Cl 115-20 seria um paralelo poeacutetico ao texto de Filipenses

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democircnios entendendo as trecircs palavras como masculinas O ponto eacute que apenas eles

podem cumprir as accedilotildees descritas na sequecircncia narrativa370 Essa perspectiva em

uma forma modificada remonta agrave antiga exegese feita pelos pais da igreja e talvez

seja a que talvez encontre maior nuacutemero de adeptos entre os estudiosos Em seu

favor estaria por exemplo o paralelo com Ap 513 ldquoκαὶ πᾶν κτίσμα ὃ ἐν τῷ οὐρανῷ

καὶ ἐπὶ τῆς γῆς καὶ ὑποκάτω τῆς γῆς καὶ ἐπὶ τῆς θαλάσσης καὶ τὰ ἐν αὐτοῖς

πάνταrdquo371 Para delimitar ainda esses seres racionais em questatildeo haacute duas

propostas de identificaccedilatildeo dos respectivos habitantes dos trecircs compartimentos do

universo apresentados pelo texto os anjos no ceacuteu os seres humanos que estatildeo na

Terra e os que estatildeo debaixo da Terra (no Sheol) ou simplesmente anjos seres

humanos e democircnios372

Um terceiro entendimento dessa expressatildeo defende a inexistecircncia de uma

situaccedilatildeo cuacuteltica em Fl 210-11 O cenaacuterio eacute determinado pelas antigas cerimocircnias

de entronizaccedilatildeo Assim sendo natildeo haacute aqui seres humanos nem Igreja nem mesmo

anjos O que existem satildeo os poderes que atuavam em todo o universo de forma

rebelde para com Deus Em uma palavra satildeo democircnios Eles dominavam essas trecircs

aacutereas da realidade conforme a antiga cosmologia que o judaiacutesmo compartilhava E

quando o cristianismo primitivo celebrou a vitoacuteria e exaltaccedilatildeo de Jesus incluiu sua

vitoacuteria sobre os poderes373 A ideia natildeo eacute de um reconhecimento voluntaacuterio e alegre

do senhorio Jesus mas que as forccedilas demoniacuteacas ldquosatildeo compelidas a admitir que ele

eacute o vencedor e eles apresentam sua submissatildeo pela sua prostraccedilatildeo diante delerdquo374

Para combinar essa interpretaccedilatildeo com o segmento inteiro dos versiacuteculos 210-11

Martin aponta a ligaccedilatildeo entre a confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo do versiacuteculo 10

com os exorcismos presentes nos evangelhos sinoacuteticos O ponto de comparaccedilatildeo eacute

que quando o nome de Jesus eacute proclamado os poderes demoniacuteacos se submetem

370 HAWTHORNE G F Philippians p 115 371 BALZ H SCHNEIDER G καταχθόνιος In DENT p 2259 Assim FEE G Comentario

de la Epiacutestola a los Filipenses p 293-294 SILVA M Philippians p 116 mostra que essa possibilidade eacute a menos objetaacutevel HELLERMAN J H Philippians p 122 372 MARTIN R P Hymn of Christ p 258 informa que a primeira versatildeo foi defendida por Clemente de Alexandria e Teodoreto enquanto que a segunda por Crisoacutestomo BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 146 defende a primeira alternativa informando natildeo existe atestaccedilatildeo para a inclusatildeo dos democircnios na expressatildeo καταχθόνιος Na mesma direccedilatildeo DE BOOR W HAHN E Carta aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 212 entende que a cosmovisatildeo biacuteblica natildeo visualiza Satanaacutes e os democircnios debaixo da Terra 373 Parece que a tese foi originalmente postulada por M Dibelius conforme MARTIN R P A

Hymn of Christ p 260 Nessa mesma linha KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 109 BARTH G A carta aos Filipenses p 48 374 MARTIN R P A Hymn of Christ p 261

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No segundo seacuteculo Justino afirma que a expulsatildeo de democircnios eacute possiacutevel porque

Jesus eacute o Senhor de todos os poderes Para fechar essa interpretaccedilatildeo Martin defende

que o verbo ἐξομολογέω tem na passagem sentido neutro diferente da confissatildeo de

feacute no sentido eclesiaacutestico mas como nas cerimocircnias de entronizaccedilatildeo antigas trata-

se apenas da admissatildeo da autoridade do Jesus exaltado como Senhor

Diante do exposto pode-se dizer que Martin estaacute certo no que afirma e

errado no que nega De fato a exaltaccedilatildeo de Jesus levou agrave submissatildeo de todos os

poderes a Jesus Satildeo democircnios que jaacute foram derrotados mas que reconheceratildeo essa

realidade na parusia apenas Entretanto natildeo eacute uma exegese razoaacutevel fazer da

expressatildeo totalizante ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων uma referecircncia

exclusiva aos democircnios375 Na verdade a carta aos Filipenses demonstra que os

crentes daquela cidade natildeo estavam muito preocupados com democircnios mas sim

com as autoridades romanas que se opunham agrave igreja376 Assim sendo a lista triacuteplice

de adjetivos juntos com a dupla πᾶνπᾶσα quer mostrar que o senhorio de Jesus

possui alcance coacutesmico Existe aqui uma cristologia coacutesmica muito semelhante a

esboccedilada em Cl 115-20377 Todo o universo visiacutevel e invisiacutevel foi impactado pela

exaltaccedilatildeo de Jesus Essa era uma mensagem fundamental para a mentalidade

helenista que ao contraacuterio da judaica valorizava muito mais a dimensatildeo espacial

do que a temporal Na visatildeo helenista existe o mundo divino que estaacute acima nos

ceacuteus e o mundo ldquoabaixordquo que eacute Terra possuiacuteda e dominada pelos poderes arbitraacuterios

e malignos378 A certeza de que haacute agora um uacutenico Senhor sobre todos os ldquomundosrdquo

era de fato uma boa notiacutecia Muito mais ainda quando o anuacutencio desse senhorio

faz parte do evangelho que mostra que o novo Senhor eacute um bom Senhor que

governa com amor e proporciona liberdade

E se Jesus eacute Senhor de todo universo espera-se que todo o universo se

submeta diante dele e o reconheccedila como tal No maacuteximo pode-se excluir os

elementos da natureza (vegetais animais e minerais) que natildeo podem realizar as

accedilotildees descritas pelos verbos κάμπτω e ἐξομολογέω ainda que tambeacutem eles estejam

375 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 mostra que o equiacutevoco dessa interpretaccedilatildeo comeccedila na suposiccedilatildeo de que a passagem depende exclusivamente de uma cosmologia gnoacutestica ou heleniacutestica 376 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 377 Lohmeyer sugere que as origens dessa cristologia coacutesmica remontam a junccedilatildeo preacute cristatilde das tradiccedilotildees do filho do homem de Dn 713-14 e do servo sofredor de Is 53 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 17-18 378 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship p 59-60

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subordinados ao Cristo exaltado e sejam alvo da transformaccedilatildeo escatoloacutegica que

estaacute em curso e culminaraacute em um novo ceacuteu e uma nova terra (Rm 819-21 Ap 211)

Essa interpretaccedilatildeo caminha de acordo com o Antigo Testamento no qual YHWH

faz exortaccedilatildeo para que ele seja adorado e receba a gloacuteria devida ao seu nome uma

exortaccedilatildeo que eacute dirigida ao povo de Israel (Sl 951-17) e tambeacutem aos seres

celestiais (Sl 291-2 1482) agraves pessoas em geral (Sl 471-2) a todo ser que respira

(Sl 1506) agrave toda a Terra (Sl 661-2) e finalmente agrave toda a criaccedilatildeo que eacute convocada

a adorar o Senhor (Sl 6934 969-13 984-9) A uacutenica mudanccedila eacute que agora o tiacutetulo

ldquoSenhorrdquo natildeo se refere apenas a YHWH mas tambeacutem a Jesus379

56 E toda liacutengua confesse

O verbo ἐξομολογέω pode ser tomado em um sentido neutro de admitir

reconhecer sem nenhum elemento de gratidatildeo ou devoccedilatildeo sincera envolvida380 A

ideia eacute que o termo estaria mais proacuteximo da aclamaccedilatildeo nas antigas cerimocircnias de

entronizaccedilatildeo do que do conceito moderno de confissatildeo pessoal de feacute Natildeo eacute uma

experiecircncia religiosa mas uma ldquoaccedilatildeo de direito sagradordquo onde ldquose reconhece

puacuteblica e indefectivelmente o proclamadordquo381

Entretanto o respectivo sentido neutro do verbo em questatildeo eacute caracteriacutestica

do seu uso no grego secular A Septuaginta vai carregar o sentido do grupo de

palavras relacionadas a ὁμολογέω com conteuacutedo hebraico veterotestamentaacuterio que

seria a leitura natural para um judeu Dessa forma as ideias baacutesicas subjacentes satildeo

confessar pecados e exaltar a Deus No Novo Testamento por sua vez o sentido

mais importante do grupo de palavras eacute o de dar testemunho com uma conotaccedilatildeo

legal Como em Lc 128 e Mt 1032 a confissatildeo implica em um comprometimento

com Jesus que traraacute implicaccedilotildees escatoloacutegicas no julgamento final Eacute natural que

essas palavras passem daiacute para a ideia de confissatildeo de feacute (Rm 109-10) O ponto eacute

que confessar eacute se comprometer com quem eacute confessado de modo que essa acepccedilatildeo

carrega junto aspectos do entendimento anterior Contudo parece que a

379 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 242 380 MARTIN R P A Hymn of Christ p 263-264 381 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 112

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terminologia passou de um compromisso pessoal de feacute para funcionar como

diferenciaccedilatildeo teoloacutegica entre grupos cristatildeos (1Jo 42)

O uso predominante de ἐξομολογέω no Novo Testamento natildeo segue o uso

do grego secular mas a perspectiva judaica de utilizaccedilatildeo no culto na adoraccedilatildeo

Dessa forma prioritariamente envolve a igreja que adora o Cristo Exaltado sobre a

Terra e no ceacuteu Mas natildeo se deve excluir a expectativa escatoloacutegica do texto e o seu

alcance coacutesmico que inclui todo o universo Esta natildeo pode ser uma exegese do tipo

isso-ou-aquilo isto eacute ou ἐξομολογέω tem um alcance exclusivamente coacutesmico ou

apenas eclesiaacutestico Nenhuma ldquoliacutenguardquo deveria ser excluiacuteda das palavras πᾶσα

γλῶσσα pois a intenccedilatildeo do autor eacute mostrar que o Jesus exaltado eacute Senhor de todo

o universo e a expectativa escatoloacutegica envolve nada menos do que todo universo

reconhecendo o senhorio de Jesus Literalmente falando um dia todos os seres

racionais reconheceratildeo que soacute existe um Senhor e o nome dele eacute Jesus382 E como

isso inclui democircnios e pessoas que rejeitam Jesus Cristo eacute certo que eles natildeo faratildeo

isso com alegria ou voluntariedade mas contra a sua proacutepria vontade diante de um

poder a que natildeo podem resistir No caso desse grupo ἐξομολογέω tem sem

duacutevidas um significado apenas formal sem qualquer conotaccedilatildeo de louvor accedilatildeo de

graccedilas e confissatildeo de feacute Em contrapartida a Igreja antecipa essa realidade

escatoloacutegica quando aqui e agora dobra os seus joelhos e confessa Jesus como

κύριος e faz isso de livre e espontacircnea vontade com alegria e louvor Por sua vez

a funccedilatildeo pragmaacutetica do hino eacute convocar os ouvintes e leitores a desde jaacute se juntarem

nessa adoraccedilatildeo e assumirem o senhorio de Jesus sobre suas vidas Para esse grupo

ἐξομολογέω tem o sentido prioritariamente biacuteblico de confissatildeo de feacute Natildeo se pode

afastar essa hipoacutetese simplesmente atribuindo ldquoconfissatildeo de feacuterdquo ao individualismo

moderno e estranha ao cristianismo primitivo383 Esse eacute um argumento falacioso

porque o objeto do verbo ἐξομολογέω eacute a sentenccedila κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

reconhecida como uma das mais antigas confissotildees de feacute cristatildes utilizada no

382 HAWTHORNE G F Philippians p 116 Aqui volta-se novamente agrave discussatildeo de quem estaacute por traacutes da lista triacuteplice ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων Conquanto Hawthorne tenha optado pelo entendimento de que o texto se refere a todos os seres racionais ele observa que a expressatildeo ldquotoda a liacutenguardquo eacute sinocircnima de todos os povos da Terra (Is 6618 Dn 34 e 7 Ap 59 79 1011) 383 Opiniatildeo esboccedilada por MARTIN R P A Hymn of Christ p 264

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periacuteodo preacute paulino na igreja de fala aramaica384 e que talvez seja a matildee das

posteriores confissotildees de feacute385

Dessa forma a exegese do texto deve admitir a ambiguidade do verbo

utilizado e consideraacute-lo em conjunto com o horizonte escatoloacutegico presente na

passagem para solucionar a tensatildeo existente no universalismo encontrado aqui386

Natildeo eacute necessaacuterio trazer para o verbo ἐξομολογέω um improvaacutevel exclusivo sentido

proveniente do grego claacutessico para explicar que nem todos confessaratildeo Jesus como

Senhor de maneira espontacircnea Aliaacutes o verbo em tela eacute parte de uma passagem com

profundas influecircncias do Antigo Testamento e da LXX em particular e faz parte

de uma alusatildeo ao texto de Is 4523 que traz o mesmo verbo alterando apenas o seu

aspecto temporal Ou seja o sentido neutro de simples admissatildeo estaacute presente em

ἐξομολογέω como tambeacutem o aspecto positivo de um alegre e sincero

reconhecimento A escatologia paulina e a do cristianismo primitivo presentes na

passagem satildeo decisivas para a elucidaccedilatildeo da questatildeo387

57 O significado biacuteblico-teoloacutegico da reverecircncia oferecida em Fl 210-11

571 Quem reverencia e quem eacute reverenciado

Satildeo possiacuteveis duas interpretaccedilotildees sobre o destinataacuterio e a ocasiatildeo vinculados

agraves accedilotildees aqui descritas A primeira possibilidade enxerga o texto dentro de um

contexto lituacutergico Essa perspectiva comeccedila pela anaacutelise da relaccedilatildeo entre os verbos

κάμπτω e ἐξομολογέω e a expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ Em Fl 29-11 o sentido

384 FITZMYER J κύριος In DENT p 2439 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 385 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 284 386 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 247-250 apresenta seis extensos argumentos em favor do sentido neutro de ἐξομολογέω Ele poreacutem nem conjectura a possibilidade do autor estar usando o verbo de forma propositadamente ambiacutegua O ponto eacute que a maioria dos autores que defendem o verbo como neutro querem com isso afastar a implicaccedilatildeo teoloacutegica de que no final dos tempos todos os seres sem exceccedilatildeo ofereceratildeo uma adoraccedilatildeo voluntaacuteria e alegre a Jesus incluindo os poderes atualmente hostis a Deus No entanto ao fazerem isso esquecem que o verbo no texto tambeacutem funciona para a Igreja a qual natildeo faz uma mera admissatildeo do senhorio de Jesus Nesse sentido essa interpretaccedilatildeo soacute eacute coerente quando a Igreja eacute excluiacuteda da cena e apenas as forccedilas contraacuterias a Deus os democircnios satildeo visualizados Eacute a proposta original de Lohmeyer seguida por Martin Todavia coerecircncia natildeo eacute correccedilatildeo e esta interpretaccedilatildeo deve ser afastada por outras consideraccedilotildees 387 Apesar do contraacuterio parecer oacutebvio a tese de Martin de interpretar ἐξομολογέω agrave luz do grego claacutessico eacute seguida por vaacuterios exegetas como HELLERMAN J H Philippians p 123

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desta uacuteltima expressatildeo natildeo eacute instrumental como se as accedilotildees dos verbos em questatildeo

fossem feitas atraveacutes do nome de Jesus mas dirigidas a Deus Pai Ao contraacuterio a

honra eacute dirigida ao Cristo exaltado388 Tudo aqui eacute feito para o proacuteprio Jesus e por

causa do nome que agora ele tem Na locuccedilatildeo preposicional o genitivo Ἰησοῦ eacute

possessivo ou seja dobrar o joelho e confessar o nome que pertence a Jesus e jaacute

ficou estabelecido que esse nome eacute o tiacutetulo κύριος O Cristo exaltado como κύριος

eacute o recipiente das accedilotildees descritas nos versiacuteculos 10-11389 A evidecircncia da

Septuaginta fortalece esse argumento pois nela cultuar ldquoem nome de Deusrdquo

significa adoraccedilatildeo dirigida ao proacuteprio Deus390 Entre outros eacute o caso de 2Sm 2250

Sl 439 625 e 8813 textos que literalmente usam a expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι

Assim a ecircnfase da frase estaacute na proclamaccedilatildeo de Jesus como Senhor Quando

o nome daquele que tem o nome sobre todo nome eacute proclamado todos devem dobrar

os joelhos reverenciaacute-lo e reconhececirc-lo como Senhor Em outras palavras

adoraccedilatildeo dever ser dirigida a Jesus391 A situaccedilatildeo tiacutepica no culto cristatildeo em que isso

pode acontecer eacute o batismo onde o batizado se ajoelha e faz a confissatildeo do nome

de Jesus392 Quanto agrave outra questatildeo que discute a existecircncia de uma adoraccedilatildeo a Jesus

no cristianismo neotestamentaacuterio ela seraacute enfrentada mais agrave frente

A outra alternativa de interpretaccedilatildeo foi apresentada inicialmente por

Lohmeyer Segundo ele a igreja natildeo estaacute presente em nenhum lugar da passagem

O texto descreve um drama coacutesmico e mostra Jesus como Senhor do cosmos e natildeo

Senhor da Igreja393 Jesus continua sendo o alvo da reverecircncia mas quem se

submete natildeo satildeo os cristatildeos e sim os poderes coacutesmicos Existe aqui para esta

interpretaccedilatildeo uma descriccedilatildeo miacutetica paralela as que satildeo feitas no livro de

Apocalipse descrevendo uma cena do ldquooutro mundordquo com a linguagem deste

mundo Cristo estaacute assumindo o domiacutenio celestial e eacute saudado por isso394

388 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 240 389 MARTN R P A Hymn of Christ p 249-250 Da mesma forma pensa BRUCE F F Filipenses p 83 HAWTHORNE G Philippians p 115 entre outros 390 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 391 MARTIN R P A Hymn of Christ p 251-252 BOCKMUEHL M The Epistle to the

Philippians p 145 392 MARTIN R P Filipenses p 115 De fato o batismo eacute considerado por alguns como a possiacutevel situaccedilatildeo lituacutergica na qual o hino originalmente teria sido usado se algum dia ele existiu fora da carta aos Filipenses cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 81-82 393 Esse foi um dos pontos fundamentais para Lohmeyer rejeitar a autoria paulina do hino Da mesma forma KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 109 394 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p 253 Lohmeyer estaacute usando mito conforme a definiccedilatildeo de Bultmann ldquoo uso de imagens para expressar o outro mundo em termos deste mundo e o divino em termos de vida humana o outro lado em termos deste ladordquo

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Kaumlsemann adotou e desenvolveu essa interpretaccedilatildeo mostrando que a utilizaccedilatildeo do

nome ldquoJesusrdquo na passagem eacute fundamental para distinguir o mito do uso cristatildeo do

mito Pois na medida em que o autor utiliza nessa segunda parte o nome terreno do

κύριος exaltado ele assume que esse κύριος eacute o mesmo homem-servo descrito na

primeira parte que se humilhou foi obediente e morreu em uma cruz Esta ligaccedilatildeo

do κύριος com Jesus mostra que o hino apenas utiliza a estrutura do mito mas

afasta-se dele em um ponto determinante

O duplo uso do adjetivo πᾶνπᾶσα jaacute indica algo total universal Com a lista

triacuteplice de adjetivos ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων percebe-se que o

autor quer descrever aqui accedilotildees que vatildeo muito aleacutem de uma situaccedilatildeo restrita a um

ambiente eclesiaacutestico Seja como for que se entenda cada uma das trecircs palavras

elas querem acentuar que o senhorio de Jesus eacute coacutesmico universal estaacute fora de

qualquer limitaccedilatildeo geograacutefica No entanto eacute problemaacutetico seguir esta ideia

esboccedilada acima e excluir a situaccedilatildeo de culto do quadro de Fl 29-11 Primeiro como

argumentado na exposiccedilatildeo sobre o versiacuteculo 25 o hino apresenta o que significa

estar ἐν Χριστῷ e nesse sentido inclui e diz respeito diretamente aos cristatildeos Se o

quadro pintado eacute coacutesmico eacute porque o alcance do senhorio de Jesus Cristo tambeacutem

eacute coacutesmico Isso natildeo exclui a igreja mas a inclui395 Segundo por conta do vieacutes

escatoloacutegico da passagem a Igreja jaacute aqui e agora pode e deve dobrar-se diante do

nome de Jesus e confessaacute-lo como seu Senhor antecipando o final dos tempos

Todos aqueles que um dia ouviram o hino ou ouviram a carta de Paulo ser lida no

culto ou hoje a leem satildeo desafiados a reverenciar e confessar Jesus Chegaraacute o

tempo em que todos faratildeo isso voluntariamente com alegria ou constrangidos por

simples constataccedilatildeo da realidade396 Nas palavras de De Boor

Bilhotildees de pessoas passaram por esta terra e morreram sem ter conhecido Jesus Todas elas o conheceratildeo todas dobraratildeo o joelho diante dele [] Atualmente milhotildees ainda natildeo sabem nada a respeito de Jesus milhotildees o rejeitam desprezam ridicularizam ou odeiam poreacutem esses milhotildees hatildeo de se ajoelhar diante dele todos sem exceccedilatildeo [] Com que juacutebilo e beatitude se ajoelharatildeo diante de Jesus aqueles que se deixaram salvar por ele que por isso o amaram e viveram para ele Como de pavor cairatildeo de joelhos aqueles que passaram orgulhosamente por ele ou o combateram397

395 BRUCE F F Filipenses p 89 396 Natildeo significa assim que um dia todo o universo tornar-se-aacute disciacutepulo voluntaacuterio e feliz de Jesus VOLF-GUNDRY J M Universalismo In DPC p 1220-1221 397 DE BOOR W HAHN E Cartas aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 212

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O fato eacute que Fl 210-11 opera dentro do famoso esquema neotestamentaacuterio

do jaacute-e-ainda-natildeo escatoloacutegico O curioso eacute que o proacuteprio Kaumlsemann caiu no erro

que criticou de desprezar o escatoloacutegico em favor do miacutetico

E embora natildeo decisivo um argumento adicional em favor da tese que inclui

a Igreja nessa submissatildeo a Jesus eacute a pergunta pela funccedilatildeo pragmaacutetica do texto isto

eacute por que e com qual objetivo foi escrito tal texto398 E a resposta provaacutevel natildeo eacute

simplesmente informar os leitores de um evento coacutesmico mas descrever um evento

escatoloacutegico e desafiar os leitores a reconhecer Jesus como Senhor e em

consequecircncia viver o estilo de vida correspondente a essa submissatildeo que eacute o

objetivo da parecircnese paulina no contexto como visto um pouco antes

572 Quando eacute reverenciado

A questatildeo eacute qual perspectiva temporal estaacute envolvida no senhorio de Jesus

e consequentemente na reverecircncia oferecida a Jesus isto eacute Jesus jaacute assumiu o seu

senhorio sobre o cosmos e as accedilotildees de Fl 210-11 jaacute satildeo oferecidas a ele como tal

ou tudo isso soacute ocorreraacute na parusia Quando seraacute esse momento em que todo o

universo se prostraraacute diante de Jesus Existe assim uma tensatildeo escatoloacutegica no

texto A melhor soluccedilatildeo eacute a que foi desenvolvida por Cullmann399 Dentro da

perspectiva da histoacuteria da salvaccedilatildeo Cullmann defende que para o cristianismo

primitivo o evento Cristo ndash a apariccedilatildeo do Messias sua morte e ressurreiccedilatildeo ndash eacute o

acontecimento central da histoacuteria da salvaccedilatildeo

Eacute o ponto central que daacute o verdadeiro sentido salviacutefico ao passado agrave luz do

evento central a narrativa do Antigo Testamento eacute compreendida como preparatoacuteria

para a apariccedilatildeo do Cristo400 Quanto ao futuro o cristianismo primitivo alterou o

seu significado em relaccedilatildeo ao judaiacutesmo Neste toda a esperanccedila de salvaccedilatildeo tendia

398 EGGER W Metodologia do Novo Testamento p 131 399 Nesse quesito ele foi seguido de perto por MARTIN R P A Hymn of Christ p 267-270 Outra soluccedilatildeo eacute apresentada por BARTH G A carta aos Filipenses p 48 52-53 Ele entende que Fl 210-11 apresenta o que os poderes espirituais ofereceram a Jesus no momento da sua exaltaccedilatildeo Seguindo o padratildeo das cerimocircnias de entronizaccedilatildeo no momento da ressurreiccedilatildeo exaltaccedilatildeo os poderes espirituais que atuavam no universo de forma rebelde se prostraram diante de Jesus e reconheceram ele como o legiacutetimo Senhor do cosmos Disso ele conclui que o hino traz uma escatologia diferente daquela caracteristicamente paulina ou seja uma escatologia jaacute completa e realizada sem esperanccedila futura 400 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 179

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para o futuro para o que Deus tinha preparado para o final dos tempos Jaacute os

primeiros cristatildeos entenderam que o acontecimento salviacutefico preparado por Deus jaacute

aconteceu Para eles ldquoo futuro natildeo eacute mais como no judaiacutesmo o telos doador de

sentido a toda a histoacuteria Na realidade o τέλος que daacute seu sentido agrave histoacuteria eacute Jesus

Cristo que jaacute veiordquo401 Isso natildeo significa poreacutem que o futuro perdeu o seu valor

Ele foi sim resignificado no cristianismo primitivo em relaccedilatildeo ao judaiacutesmo

O papel do futuro fica ainda mais claro quando se entende o sentido

histoacuterico-salviacutefico do presente nesse esquema Antes de tudo eacute um presente

delimitado Natildeo eacute um presente ad eternum Ele comeccedilou na exaltaccedilatildeo de Cristo e

terminaraacute na sua parusia402 E o conteuacutedo cristoloacutegico desse presente eacute o reinado de

Jesus Aqui volta-se para o conteuacutedo de Fl 210-11 Para o cristianismo primitivo

a exaltaccedilatildeo de Jesus caracteriza o iniacutecio da sua soberania coacutesmica nos ceacuteus na

Terra e debaixo da Terra403

W Bousset sustentou que essa era uma compreensatildeo que somente se

desenvolveu no cristianismo em comunidades cristatildes helenistas O foco cristoloacutegico

palestinense era apenas a expectativa da volta do filho do homem404 Inclusive o

tiacutetulo κύριος era entendido por esse vieacutes escatoloacutegico Jesus eacute o κύριος que viraacute na

parusia Contudo essa riacutegida diferenciaccedilatildeo entre uma cristologia helenista e outra

401 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 182 Grifos dele 402 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194 Assim tambeacutem KAumlSEMANN E Ensayos

Exegeticos p 111 ldquoSegundo a concepccedilatildeo neotestamentaacuteria o tempo do fim comeccedila precisamente com o que se realiza com Cristo e em Cristo Naturalmente o que aqui se descreve natildeo pode considerar-se todavia como acabado Ele se cumpre continuamente ateacute que chegue a parusiardquo 403 Segundo 1Cor 1524 no final desse presente Jesus entregaraacute o reino a Deus Pai Eacute difiacutecil no entanto distinguir entre um Reino de Deus e um Reino de Cristo (Regnum Dei e Regnum Christi) Kreitzer opina que ao inveacutes de forccedilar a passagem nessa direccedilatildeo eacute necessaacuterio compatibilizaacute-la com outros textos paulinos e assim concluir que natildeo existe uma diferenccedila real entre Reino de Deus e Reino de Cristo KREITZER L J Reino de DeusCristo In DPC p 1054-1055 Pode-se tatildeo somente dizer que nesse periacuteodo da histoacuteria da salvaccedilatildeo Deus estaacute reinando atraveacutes de Cristo ldquoNo pensamento do apoacutestolo natildeo haacute distinccedilatildeo real entre o reino de Deus e o reino de Cristordquo GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 385 Veja que Ap 115 vislumbra um reinado conjunto entre Deus e o Messias ldquoO reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo e ele reinaraacute pelos seacuteculos dos seacuteculosrdquo 404 Para BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 173 essa ecircnfase no senhorio presente de Jesus inclusive com suas implicaccedilotildees lituacutergicas ldquoeacute o aspecto caracteriacutestico da comunidade escatoloacutegica do cristianismo helenista pois foi nela que pela primeira vez a figura de Jesus Cristo natildeo eacute apenas a do salvador escatoloacutegicordquo

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aramaico-palestinense foi considerada muito duvidosa e mesmo equivocada405 de

modo que se reconheceu que o cristianismo primitivo jaacute no seu primeiro segmento

em Jerusaleacutem sempre teve uma cristologia da exaltaccedilatildeo com amplos coloridos

lituacutergicos conjugada com a expectativa escatoloacutegica de uma futura parusia de

Cristo406 Esse duplo foco no reinado presente e na esperanccedila futura pode ter

seguido o caminho apontado por Marshall ldquoa igreja natildeo tinha razatildeo para supor que

Jesus iria retornar como Senhor se ele natildeo tivesse sido exaltado por Deusrdquo por

outro lado ldquosobre a base da ressurreiccedilatildeo os disciacutepulos devem ter argumentado

que Jesus deve ser o Senhor exaltado e portanto o Senhor vindouro e Filho do

Homemrdquo407

No Novo Testamento a cristologia do presente estaacute associada de modo

especial ao Salmo 1101 e a confissatildeo de feacute ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo Ambos os

elementos estatildeo presentes aqui em Fl 210-11 (o que reforccedila a importacircncia

cristoloacutegica desse texto) A confissatildeo de feacute aparece explicitamente no verso 11 e

seraacute objeto do proacuteximo capiacutetulo O Sl 1101 pode estar impliacutecito na expressatildeo πᾶν

γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων O Salmo diz ldquoOraacuteculo de

Iahweh ao meu senhor lsquoSenta-te agrave minha direita ateacute que eu ponha teus inimigos

como escabelo de teus peacutesrsquordquo Esse texto tornou-se uma fonte de reflexatildeo

cristoloacutegica jaacute na fase mais primitiva da igreja408 um caminho indicado pelo proacuteprio

Jesus segundo os evangelhos sinoacuteticos (Mt 224-16 Mc 1235-37 Lc 2041-44) E

ainda nesta fase inicial ele foi ligado a um versiacuteculo de outro salmo de intepretaccedilatildeo

messiacircnica o Sl 87 que afirma ldquoPara que domine as obras de tuas matildeos sob seus

peacutes tudo colocasterdquo409 A associaccedilatildeo entre os dois salmos pode ser constatada em

405 Parece que a ideia uma igreja heleniacutestica separada de Jerusaleacutem e anterior agrave conversatildeo de Paulo foi apresentada pela primeira vez em 1912 (um ano antes do lanccedilamento da obra de Bousset) em um artigo de W Heimuumlller como informa HENGEL M Between Jesus and Paul p 32-33 Destarte Hengel tambeacutem afirma que cresceu entre os estudiosos da aacuterea a consciecircncia de que na Igreja de Jerusaleacutem havia cristatildeos de fala grega de modo que formulaccedilotildees cristoloacutegicas feitas em grego natildeo necessariamente refletem um periacuteodo posterior Nas palavras de DODD C H Segundo as

Escrituras p 116 ldquoremontar a uma eacutepoca em que natildeo havia nenhum cristatildeo de liacutengua grega eacute uma tarefa desesperadorardquo 406 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 24-38 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 147-151 RIDDERBOS H A teologia do

apoacutestolo Paulo p 85 407 MARSHALL I H The Origins of New Testament Christology p 102-103 408 DODD C H Segundo as Escrituras p 104-105 BRUCE F F Paulo apoacutestolo da graccedila p 111 Ambos os autores relacionam o salmo 1101 como um dos mais antigos testimonia da igreja pimitiva 409 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 296

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1Cor 1525-27 Ef 120-22 1Pe 322 e Hb 113-29410 Os dois salmos foram ligados

agrave exaltaccedilatildeo de Jesus e assim ao tiacutetulo κύριος O ldquoSenta-te agrave minha direitardquo ligou-

se agrave ascensatildeo de Jesus (chegando a ser incluiacutedo no chamado ldquoCredo apostoacutelicordquo)

o ldquosob seus peacutes tudo colocasterdquo relacionava-se ao senhorio presente e universal de

Cristo e os ldquoinimigosrdquo do Sl 1101 foram interpretados como os principados e

potestades indicando a soberania espiritual de Jesus411 E como notado acima o

entendimento correto da expressatildeo πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων inclui o conceito da subordinaccedilatildeo das forccedilas coacutesmicas ao Jesus

exaltado Justamente o reinado de Cristo no presente envolve a subjugaccedilatildeo de todos

esses ldquoinimigosrdquo que no entanto seratildeo finalmente derrotados na parusia nessa

tensatildeo entre presente e futuro 412

Dessa forma para o cristianismo primitivo o reinado de Cristo jaacute comeccedilou

em sua exaltaccedilatildeo413 e o seu senhorio sobre as forccedilas coacutesmicas estaacute dentro da famosa

categoria neotestamentaacuteria do jaacute-e-ainda-natildeo ou seja Cristo jaacute as subjugou e eacute

Senhor sobre elas mas elas ainda natildeo foram destruiacutedas e ainda exercem algum tipo

de atividade no mundo414 Esse paradoxo estaacute bem expresso em outros textos do

cristianismo primitivo como em 1Pe 322 ldquoque tendo subido ao ceacuteu estaacute agrave direita

de Deus estando-lhe sujeitos os anjos as Dominaccedilotildees e as Potestadesrdquo e na

Segunda Epiacutestola de Policarpo aos Filipenses 21 ldquocrendo naquele que ressuscitou

nosso Senhor Jesus Cristo dos mortos e lhe deu a gloacuteria e o trono agrave sua direita Tudo

o que existe no ceacuteu ou na terra lhe estaacute submissordquo415

410 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 296 411 DODD C H Segundo as Escrituras p 118 CULLMANN O Cristologia do Novo

Testamento p 292 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 239 Neste uacuteltimo o autor defende que a interpretaccedilatildeo dos inimigos do Sl 1101 como potestades pelo Novo Testamento foi intermediada pela crenccedila existente no judaiacutesmo tardio de que as naccedilotildees satildeo governadas por anjos 412 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 113 vai entender que esse tema da subjugaccedilatildeo dos poderes eacute uma adaptaccedilatildeo cristatilde do mito helenista do salvador entronizado presente especialmente na quarta eacutecloga de Virgiacutelio 413 A interpretaccedilatildeo da temaacutetica do reino de Deus nos evangelhos sinoacuteticos daacute conta que o ministeacuterio terreno de Jesus jaacute inaugurou esse reino A presenccedila de Jesus jaacute eacute a manifestaccedilatildeo do Reino Soacute que a accedilatildeo de Jesus que traz o reino natildeo eacute soacute a encarnaccedilatildeo e sua pregaccedilatildeo mas o complexo de eventos que marca essa virada escatoloacutegica e cujo uacuteltimo acontecimento foi a exaltaccedilatildeo Dessa forma Paulo de forma acertada enfatiza o reinado de Cristo a partir da sua exaltaccedilatildeo sem estabelecer necessariamente uma contradiccedilatildeo com os sinoacuteticos 414 BARCLAY W Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 46 apresenta um tipo de universalismo romacircntico atraveacutes do qual defende que o senhorio de Cristo nunca envolve subjugaccedilatildeo Segundo ele no final dos tempos todo o universo aclamara Jesus como Senhor constrangido pelo tamanho do seu amor e sacrifiacutecio 415 POLICARPO DE ESMIRNA Segunda Carta aos Filipenses p 139-140

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Ademais os primeiros cristatildeos diluiacuteam essa tensatildeo entre o presente e futuro

histoacuterico salviacutefico na sua experiecircncia de adoraccedilatildeo ldquoSempre nos momentos de culto

cristatildeo tempo e espaccedilo satildeo obliterados e a igreja adoradora sobre a Terra eacute uma em

eternidade com a Igreja nos lugares celestiaisrdquo416 De fato haacute uma forte conexatildeo

entre Fl 26-11 e o culto cristatildeo Se a passagem natildeo tiver sua origem em um hino

cristatildeo primitivo (o que eacute improvaacutevel como visto acima) a ideia de dobrar os

joelhos e fazer confissatildeo e no caso particularmente a confissatildeo ldquoJesus eacute Senhorrdquo

remetem de fato ao contexto de culto Destarte natildeo existe um dilema real entre a

adoraccedilatildeo a Jesus no presente e no futuro O texto fala de uma adoraccedilatildeo no presente

e no futuro descrevendo o que agora jaacute acontece na Igreja e o futuro que envolveraacute

todo o universo417

O segundo conteuacutedo teologicamente importante do presente na histoacuteria da

salvaccedilatildeo eacute a igreja418 O periacuteodo entre a ascensatildeo e a parusia eacute o tempo da igreja E

se Cristo estaacute reinando sobre todo o universo a igreja eacute ldquoo centro espacial dessa

soberaniardquo pois nela essa soberania torna-se visiacutevel419 Isso ocorre porque dentro

desse periacuteodo delimitado como presente e dentro desse espaccedilo que eacute o cosmos eacute na

Igreja que se pode encontrar aqueles que dobram os seus joelhos ao nome de Jesus

e confessam com seus laacutebios que Jesus Cristo eacute Senhor Aquilo que seraacute no tempo

futuro uma realidade universal jaacute acontece no tempo presente no espaccedilo chamado

Igreja Nesse contexto deve ser mencionada a proximidade entre o Jesus exaltado e

Espiacuterito Santo Porque nesse presente da histoacuteria da salvaccedilatildeo a Igreja eacute a

comunidade caracterizada pela presenccedila do Espiacuterito e dirigida por ele E esse

fenocircmeno eacute consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus Estar na Igreja eacute equivalente a estar

em Cristo que eacute sinocircnimo de estar no Espiacuterito Ou ainda na oacutetica do presente da

histoacuteria da salvaccedilatildeo estar na Igreja e estar no Espiacuterito equivale a vivenciar o reinado

do Cristo exaltado420 E por outro lado o Espiacuterito Santo eacute nesse tempo o agente de

Cristo pois ele age na comunidade promovendo o nome de Jesus421 ldquoAssim o

416 MOULE C F D The Birth of the New Testament p 149 417 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo p 120 418 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194-195 419 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194 420 KREITZER L J Reino de DeusCristo In DPC p 1054 421 WITHERINGTON III B Cristologia In DPC p 324 Isso natildeo implica dizer que Paulo confundia o Senhor exaltado com o Espiacuterito Santo

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Senhor exaltado estaacute presente e disponiacutevel para o fiel por meio do Espiacuterito que nele

habitardquo422

E essa perspectiva possui uma dupla funccedilatildeo pragmaacutetica Para a Igreja

propriamente dita o hino faz ver aleacutem do presente para contemplar a realidade

escatoloacutegica completa quando todas as forccedilas poderes e seres que hoje se opotildeem

e mesmo perseguem o corpo de Cristo aqui na Terra dobraratildeo os joelhos diante do

Senhor da Igreja e confessaratildeo o seu nome reconhecendo entatildeo sua derrota423

Assim ldquoquando o hino eacute cantado e seu poderoso senhorio eacute reconhecido e

confessado a Igreja mostra que mesmo agora e aqui sobre a Terra existe um

presente Reino de Cristo e que ela eacute chamada a viver (e sofrer) sob o senhorio dele

que eacute a cabeccedila da Igrejardquo424 Nessa perspectiva o texto tanto traz esperanccedila pois

mostra a realidade que hoje soacute eacute conhecida pela feacute425 quanto reafirma para o cristatildeo

a sua situaccedilatildeo atual de estar ldquoἐν Χριστῷrdquo (Fl 25) e que a sua vida deve

corresponder a essa situaccedilatildeo escatoloacutegica na qual ele estaacute inserido tendo Jesus o

Senhor do cosmos como seu senhor pessoal426 Aqui reencontra-se o elemento

pareneacutetico da passagem

Por outro lado esse texto traz uma dimensatildeo ainda maior Como nem todas

as pessoas que vivem nesse tempo presente estatildeo dentro desse espaccedilo chamado

Igreja Fl 210-11 tambeacutem cumpre a funccedilatildeo de desafiar seus ouvintes e leitores a jaacute

se submeterem e a confessarem Jesus como seu κύριος Nessa linha Fl 210-11

vislumbra um duplo reconhecimento do senhorio de Jesus Aqueles que tanto aqui

e agora quanto no final dos tempos celebram alegremente Jesus como Senhor e

422 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 524 423 Ao contraacuterio do exposto acima HAWTHORNE G F Philippians p 116 apresenta uma opiniatildeo bem peculiar Na visatildeo dele o hino esboccedila a expectativa de que um dia todo o universo se submeteraacute alegremente a Jesus como Senhor Ele parte da premissa de que o texto tem em mira todos os seres inteligentes do universo e que todos eles tecircm a liberdade de escolher a quem vatildeo se submeter Nesse sentido o hino estaria afirmando que Deus exaltou Jesus com essa intenccedilatildeo poreacutem por causa da liberdade dos seres a proacutepria expectativa de Deus pode ser frustrada Eacute difiacutecil no entanto considerando os dados biacuteblicos pensar que essa seja a expectativa de Deus em relaccedilatildeo aos democircnios por exemplo 424 MARTIN R P A Hymn of Christ p 291 425 MARTIN R P A Hymn of Christ p 269-270 Cullmann indica que no momento da Eucaristia em cada culto cristatildeo a Igreja experimenta a atualizaccedilatildeo da histoacuteria da salvaccedilatildeo evocando os acontecimentos do evento central (morte e ressurreiccedilatildeo) e antecipando algo que soacute deveria ocorrer no final dos tempos que eacute a comunhatildeo com Jesus Cristo ressurreto CULLMANN O Cristo e o

Tempo p 199 Isso daacute alguma razatildeo aos que pensam que Fl 26-11 se originou em um contexto eucariacutestico Essa era a tese de Lohmeyer que entre outros argumentos afirmou que nesta periacutecope ldquoa feacute da igreja eacute direcionada a um alvo puramente escatoloacutegicordquo E Lohmeyer apud ldquoMARTIN R P A Hymn of Christ p 94 426 MARTIN R P Filipenses p 115-116

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por isso com gratidatildeo e de forma voluntaacuteria dobram os joelhos diante de Jesus

Em contrapartida aqueles que aqui rejeitam Jesus Cristo na sua parusia teratildeo de

curvar-se diante dele com vergonha e tristeza427

58 Fl 210-11 e a adoraccedilatildeo a Jesus

Conforme observado acima os verbos κάμπτω e ἐξομολογέω descrevem

accedilotildees religiosas que satildeo dirigidas ao proacuteprio Jesus No contexto biacuteblico satildeo verbos

proacuteprios da adoraccedilatildeo428 Cabe aqui entatildeo aprofundar um pouco a discussatildeo de uma

adoraccedilatildeo a Jesus no Novo Testamento e em Fl 210-11 de modo especiacutefico

A questatildeo eacute que alguns estudiosos continuaram seguindo o esquema de uma

comunidade heleniacutestica distinta do cristianismo palestinense com uma ecircnfase

cristoloacutegica completamente diferenciada Nesta perspectiva muitos consideraram

que a adoraccedilatildeo a Jesus no culto resultante de uma cristologia da exaltaccedilatildeo foi uma

deturpaccedilatildeo equivalente agrave criaccedilatildeo de uma nova religiatildeo em relaccedilatildeo aos cristatildeos de

Jerusaleacutem429 O pressuposto eacute que seria inconcebiacutevel para um judeu adorar outra

pessoa ao lado de Deus Para sair desse dilema uma das propostas foi reconhecer

que a liturgia das igrejas palestinense e heleniacutestica a saber os hinos as oraccedilotildees o

proacuteprio culto sempre foi destinado a Deus Jesus desempenhava um duplo papel o

de conteuacutedo do culto onde a igreja louvava e agradecia a Deus por Jesus e

mediador do culto as oraccedilotildees accedilotildees de graccedilas e louvores chegam ao Pai por meio

do Senhor Jesus De fato ambas as funccedilotildees de Jesus satildeo atestadas no Novo

Testamento Como mediador Jo 162326 Rm 18 Ef 520 Cl 317 1Tm 25 entre

outros Como conteuacutedo os hinos de Fl 26-11 Cl 115-20 1 Tm 316 e em especial

a celebraccedilatildeo da Ceia do Senhor Mas deve se parar por aiacute J D G Dunn acha que

sim430 Ele recomenda cautela quando se fala de um culto a Jesus no cristianismo

primitivo Ele sugere seguir a terminologia proposta no conciacutelio de Niceacuteia em 787

427 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 146-147 428 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses (Phil 26-11) p 467-468 429 BULTMANN R Crer e compreender p 109 afirma ldquoo cristianismo heleniacutestico eacute uma religiatildeo de culto ele eacute no fundo uma religiatildeo totalmente nova em relaccedilatildeo ao protocristianismo palestinenserdquo Jaacute FULLER R H The foundations of New Testament Christology p 158 considera que uma adoraccedilatildeo a Jesus nem na igreja helenista ocorreu 430 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 305-308

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distinguindo culto e veneraccedilatildeo ldquotemos que falar da veneraccedilatildeo de Cristo

significando com isso algo menos que o culto plenordquo431 Entretanto essas satildeo

categorias anacrocircnicas quando utilizadas dentro do Novo Testamento432 E a

consideraccedilatildeo de outras evidecircncias no Novo Testamento aponta na direccedilatildeo de que

no cristianismo primitivo Jesus era realmente adorado junto com Deus Pai

Primeiro existem alguns exemplos de oraccedilotildees dirigidas a Jesus Embora em

Atos o tiacutetulo κύριος seja usado de forma um pouco ambiacutegua433 o que as vezes

dificulta saber se a referecircncia eacute a Deus ou a Jesus eacute possiacutevel que o referente seja

Jesus nos seguintes textos 124 132 e especialmente 759-60 onde Estevatildeo

invoca (ἐπικαλούμενον) o Senhor Jesus e em seguida ajoelhou-se e clamou ao

Senhor (θεὶς δὲ τὰ γόνατα ἔκραξεν) pedindo que ele perdoe os seus assassinos434

Atitude de Estevatildeo lembra a de Jesus na cruz mas enquanto Jesus se dirigiu a Deus

Pai Estevatildeo se dirigiu ao Jesus exaltado435 No corpus paulino se admite que o

provaacutevel uacutenico exemplo de oraccedilatildeo dirigida a Jesus eacute 2Co 128 ldquo trecircs vezes pedi

ao Senhor que o afastasse de mimrdquo436 A expressatildeo transliterada μαράνα θά em

1Cor 1622 tambeacutem deve ser encarada como uma suacuteplica dirigida ao Jesus exaltado

assim como sua equivalente traduzida em Ap 2210b437

O paralelo mais estreito com Fl 210-11 no Novo Testamento eacute Ap 513 que

apresenta Jesus recebendo ao lado de Deus Pai adoraccedilatildeo de todos os seres do

cosmos ldquoEntatildeo ouvi que toda criatura que haacute no ceacuteu e sobre a terra debaixo da

terra e sobre o mar e tudo o que neles haacute estava dizendo Agravequele que estaacute sentado

431 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 308 432 Como observa HURTADO L W As Origens da Adoraccedilatildeo Cristatilde p 110 ldquoA antiga distinccedilatildeo entre lsquoveneraccedilatildeorsquo e lsquoadoraccedilatildeorsquo a que Dunn se refere natildeo eacute tatildeo antiga o bastante para que seja levada em conta na exegese do NTrdquo 433 O uso ambiacuteguo que Atos faz do tiacutetulo pressupotildee a divindade de Jesus como se veraacute no ponto 413 do proacuteximo capiacutetulo Por conseguinte segundo WITHERINGTON III B Lord In DLNTD p 670 ldquoEsta ambiguumlidade natildeo incomodou Lucas porque em sua visatildeo a terminologia eacute igualmente apropriada quando usada para Deus ou para Jesus especialmente porque ele via Jesus como um objeto de culto apropriadordquo O tiacutetulo seraacute κύριος seraacute analisado com maior profundidade no proacuteximo capiacutetulo 434 Quanto agrave identificaccedilatildeo de κύριος nesses textos como sendo Jesus WITHERINGTON III B op cit p 670 MARSHALL I H Atos passim e DUNN J D G The Christ and the Spirit p 245-248 concordam em relaccedilatildeo a 760 A identificaccedilatildeo de 124 eacute proposta por Marshall e 132 por Witherington III Dunn considera que 124 refere-se a Deus e que 132 eacute ambiacuteguo 435 MARSHALL I H op cit p 145-146 436 Entre outros assim pensam CULLMANN O A oraccedilatildeo no Novo Testamento p 200 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 306 MARXEN W Christology In IDB p 151 437 BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 176-178 defende que o Novo Testamento testemunha apenas exemplos de oraccedilotildees feitas a Jesus fora do ambiente lituacutergico na vida pessoal como 2Co 128 e outros Para ele oraccedilotildees lituacutergicas dirigidas diretamente a Jesus na antiguidade soacute satildeo encontradas nos Atos dos apoacutestolos apoacutecrifos

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no trono e ao Cordeiro seja o louvor e a honra e a gloacuteria e o domiacutenio pelos seacuteculos

dos seacuteculosrdquo Em ambos os textos o culto a Jesus natildeo eacute separado do culto a Deus

Pai Eacute interessante notar ainda que o texto de Apocalipse traz as mesmas duas

tensotildees presentes aqui em Filipenses Ele apresenta uma realidade escatoloacutegica

futura que deve ser replicada no presente e traz a questatildeo ndash ateacute de uma forma mais

impressionante pela doxologia empregada ndash se esse louvor a Jesus eacute prestado

sinceramente por todos ou se alguns o faratildeo apenas por reconhecimento

L W Hurtado aprofundou a pesquisa nessa direccedilatildeo Ele chamou a atenccedilatildeo

para a estreita relaccedilatildeo entre o culto a Jesus e o desenvolvimento da cristologia no

cristianismo primitivo438 Ao contraacuterio de outros estudiosos ele natildeo considera que

a fonte da cristologia palestinense esteja nas especulaccedilotildees judaicas poacutes-exiacutelicas

como na famosa personificaccedilatildeo da sabedoria Para ele o judaiacutesmo ofereceu a

linguagem e os modelos para a articulaccedilatildeo da cristologia poreacutem a propulsatildeo do

pensamento cristoloacutegico ocorreu no culto cristatildeo As diversas especulaccedilotildees do

judaiacutesmo poacutes-exiacutelico natildeo alteraram o seu culto A partir da ressurreiccedilatildeo e exaltaccedilatildeo

de Jesus os cristatildeos judeus alteram o seu culto passando a ter um culto

ldquoBinitarianordquo Percebe-se a estreita relaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus com o culto Era

ldquotanta gloacuteria divina superlativa e sem precedentes que eles [os primeiros cristatildeos]

sentiram-se compelidos a responder devocionalmente como eles fizeramrdquo439

Esta inovaccedilatildeo religiosa natildeo afetou o monoteiacutesmo como se veraacute no proacuteximo

capiacutetulo O culto a Jesus natildeo eacute um culto separado do culto a Deus O culto no

cristianismo primitivo dirigia-se tanto a Deus quanto a Jesus Cabe notar que

segundo padrotildees judaicos de pensamento se algueacutem estaacute ao lado de Deus

compartilha da soberania de Deus tem inclusive o proacuteprio nome de Deus (Fl 210-

11) esse algueacutem natildeo pode receber nada menos que a mesma adoraccedilatildeo que eacute a dada

a Deus Quer dizer que simplesmente prestar honras a Jesus sem cultuaacute-lo ao lado

de Deus era uma forma sofisticada de politeiacutesmo para os padrotildees judaicos440 Isso

reforccedila a tese do paraacutegrafo anterior pois pela oacutetica judaica o culto era o verdadeiro

teste praacutetico do monoteiacutesmo separando quem adora de quem eacute adorado441 Assim

438 CASEY P M Lord Jesus Christ A response to professor Hurtado p 83 ndash 96 HURTADO L W Devotion to Jesus and historical investigation a grateful clarifying and critical response

to professor Casey p 97-104 GREEN J B Larry W Hurtado One God One lord early

christian devotion and ancient jewish monotheism p 58-59 439 HURTADO apud GREEN J B Larry W Hurtado One God One lord p59 440 Ibidem p 134 441 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 129

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a elevaccedilatildeo de Jesus a Senhor exaltado fez natildeo apenas que a igreja entendesse que

ele tinha um ministeacuterio no presente junto agrave igreja mas proporcionou que a igreja

tambeacutem adorasse Jesus como Deus Essa resenha dos dados neotestamentaacuterios

somada agrave aplicaccedilatildeo a Jesus do texto profeacutetico de Is 4523 torna certo que o escopo

de Fl 210-11 eacute de uma adoraccedilatildeo a Jesus expressa atraveacutes de atitudes bem

concretas dobrar os joelhos e confessar Jesus como Senhor A importacircncia do texto

para a questatildeo eacute expressa categoricamente pela frase ldquoFl 29-11 eacute o texto existente

mais antigo no qual a adoraccedilatildeo a Jesus eacute representadardquo442

59 Conclusatildeo do capiacutetulo

Este capiacutetulo tratou do segmento dos versiacuteculos 210-11 que apresentam o

desdobramento da exaltaccedilatildeo de Jesus ldquoa fim de que todo o joelho se dobre ao nome

de Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra e toda liacutengua confesserdquo Eacute

interessante observar certo paralelismo com o verso 29 pois tanto a exaltaccedilatildeo

quanto o que decorre dela eacute descrito com dois verbos Laacute a exaltaccedilatildeo eacute descrita

combinando ldquoexaltarrdquo e ldquodar o nome sobre todos os nomesrdquo Aqui tambeacutem pode-se

dizer que ldquodobrar os joelhosrdquo e ldquoconfessarrdquo satildeo duas accedilotildees que estatildeo conectadas

como finalidade ou consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus Natildeo obstante as duas

atitudes satildeo provenientes da utilizaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo que o hino faz do texto de Is

4523 o que resulta na transferecircncia da esperanccedila profeacutetica em relaccedilatildeo a YHWH

para o Jesus exaltado Haacute ainda outra ampliaccedilatildeo que o hino cristoloacutegico faz em

relaccedilatildeo ao texto do Decircutero-Isaiacuteas Pois enquanto o profeta imaginava que todos os

povos ateacute os ldquoconfins da Terrardquo um dia reverenciariam o Senhor Fl 29-11 amplia

o alcance para todo o cosmos A exaltaccedilatildeo de Jesus requer que todos os seres ndash

anjos democircnios e seres humanos - se curvem diante dele e o reconheccedilam como

Senhor E dentro perspectiva escatoloacutegica do Novo Testamento entende-se que

Jesus jaacute assumiu a soberania coacutesmica e desde entatildeo todos satildeo convocados a

reconhececirc-lo como Senhor Nesse sentido o segmento analisado possui um papel

profeacutetico e pragmaacutetico pois tanto descreve o que seraacute realidade no futuro por

ocasiatildeo da parusia quanto convoca jaacute agora ouvintes e leitores a submeterem diante

442 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 128

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de Jesus e o confessarem como o Senhor de suas vidas A importacircncia

profundidade e as implicaccedilotildees do senhorio de Jesus Cristo seratildeo o assunto do

proacuteximo capiacutetulo

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6 Jesus eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

61 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

Nas palavras ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός o hino

alcanccedila o seu cliacutemax A narrativa que trouxe o drama cristoloacutegico que comeccedilou na

preexistecircncia passou pela encarnaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e foi ateacute a exaltaccedilatildeo que

mostrou o grande evento escatoloacutegico da exaltaccedilatildeo de Jesus seu alcance coacutesmico

e suas implicaccedilotildees soterioloacutegicas e pareneacuteticas chega ao seu auge na declaraccedilatildeo

Jesus Cristo eacute Senhor443 Eacute uma frase que responde a duas perguntas

fundamentais para os cristatildeos de Filipos e de todos os lugares e eacutepocas quem eacute

Jesus hoje O cristatildeo responde Ele eacute Senhor E agrave pergunta quem eacute Senhor hoje

ele responde Eacute Jesus E a partir dessa uacuteltima frase eacute possiacutevel entender o restante

do hino respondendo agraves pertinentes questotildees por que ele eacute Senhor Porque Deus

o Deus de Israel o exaltou E o que se deve fazer diante desse Senhor Submeter-

se a ele em obediecircncia e adoraccedilatildeo e confessaacute-lo como seu Senhor A proposta do

presente capiacutetulo eacute entender exegeticamente a uacuteltima frase do versiacuteculo 11 e

identificar todo o conteuacutedo teoloacutegico presente nela

62 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo

Eacute preciso perceber de imediato a ligaccedilatildeo existente entre esta sentenccedila e o

versiacuteculo 29 Com habilidade artiacutestica o autor ocultou o nome que foi dado a

Jesus em 29 para soacute agora revelaacute-lo O objetivo seria fazer dessa expressatildeo o

cliacutemax da passagem inteira444 de modo que agora Jesus passa a ser reconhecido

por algo novo que ele natildeo era quando apenas tinha a μορφῇ θεοῦ (26) Deve-se

lembrar a proposta hermenecircutica de ler o hino inteiro de forma progressiva

Tambeacutem haacute uma conexatildeo estreita com o que eacute descrito nos versiacuteculos 210-11

443 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 246 FITZMYER J A Teologia Paulina In NCBSJ p 1603 444 MARTIN R P A Hymn of Christ p 271

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pois essa afirmaccedilatildeo tanto eacute o conteuacutedo da confissatildeo que todo o universo deve

fazer agora e no final dos tempos quanto a proacutepria razatildeo pela qual eacute necessaacuterio

que todos se sujeitem a ele porque agora ele e apenas ele eacute o uacutenico κύριος do

universo445

Martin defende que essa eacute a confissatildeo das forccedilas espirituais que foram

subjugadas por Jesus excluindo a Igreja porque a confissatildeo natildeo eacute ldquoJesus Cristo eacute

nosso Senhorrdquo446 Ora o simples paralelo com outros dois textos no Novo

Testamento afasta esta interpretaccedilatildeo Em Rm 109 Paulo afirma ldquoPorque se

confessares [ὁμολογήσῃς] com tua boca que Jesus eacute Senhor e creres em teu

coraccedilatildeo que Deus o ressuscitou dentre os mortos seraacutes salvordquo Aqui o primeiro

criteacuterio soterioloacutegico apresentado por Paulo eacute confessar que Jesus eacute Senhor sem

qualquer necessidade de um pronome possessivo Outro texto que entra nessa

discussatildeo eacute 1Cor 123 ldquo ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute Senhorrsquo a natildeo ser no

Espiacuterito Santordquo Neste texto confessar Jesus como κύριος eacute evidecircncia da presenccedila

e accedilatildeo do Espiacuterito Santo no indiviacuteduo Dessa forma seria muito estranho que em

Filipenses o apoacutestolo imaginasse a sentenccedila que era praticamente a confissatildeo de feacute

fundamental dos ciacuterculos paulinos com exclusividade na boca de anjos democircnios

principados e potestades excluindo os seres humanos crentes em Jesus

621 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo no Novo Testamento

Os estudos literaacuterios no Novo Testamento identificam pequenos textos que

satildeo anteriores aos livros nos quais estatildeo inseridos e satildeo considerados confissotildees

de feacute primitivas denominadas tecnicamente de homologias447 A confissatildeo de

Jesus como Senhor que aparece aqui em Fl 211 eacute considerada uma dessas

445 MARTIN R P A Hymn of Christ p 272 446 MARTIN R P A Hymn of Christ p 279 447 Isso proveacutem da associaccedilatildeo da foacutermula com o termo grego ὁμολογία VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 52 KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-67 Kramer reputa a H Conzelmann a designaccedilatildeo da confissatildeo de feacute como homologia Outrossim STAUFFER E New Testament Theology p 338 apresenta um apecircndice com 12 criteacuterios para se identificar uma foacutermula credal no Novo Testamento Quanto agrave Rm 109 1Co 123 e Fl 211 cinco ou seis criteacuterios satildeo vaacutelidos

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foacutermulas confessionais Ela tambeacutem eacute identificada em Rm 109 1Cor 123 e 1Cor

86448

καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός (Fl 211) ὅτι ἐὰν ὁμολογήσῃς ἐν τῷ στόματί σου κύριον Ἰησοῦν καὶ πιστεύσῃς ἐν τῇ καρδίᾳ σου ὅτι ὁ θεὸς αὐτὸν ἤγειρεν ἐκ νεκρῶν σωθήσῃmiddot (Rm 109)

καὶ οὐδεὶς δύναται εἰπεῖνmiddot Κύριος Ἰησοῦς εἰ μὴ ἐν πνεύματι ἁγίῳ (1Cor 123)

ἀλλ᾽ ἡμῖν εἷς θεὸς ὁ πατὴρ ἐξ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεῖς εἰς αὐτόν καὶ εἷς κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς δι᾽ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεῖς δι᾽ αὐτοῦ (1Cor 86)

O termo grego ὁμολογία traz a noccedilatildeo de um compromisso feito em

puacuteblico449 No caso especiacutefico dessa confissatildeo seu objetivo natildeo eacute enumerar os

atos da histoacuteria da salvaccedilatildeo mas aclamar Jesus como Senhor ldquoAssim a

aclamaccedilatildeo eacute lsquoconfissatildeorsquo no sentido estrito da palavra pois a igreja confessa sua

lealdade a este particular Senhorrdquo450 Do ponto de vista histoacuterico esta confissatildeo eacute

reputada como a mais antiga do cristianismo451 sendo originaacuteria do cristianismo

de fala aramaica no qual teria a seguinte formulaccedilatildeo Yesualsquo hursquo mare452 Embora

seja uma confissatildeo bem simples traz uma enorme gama de significado teoloacutegico e

poliacutetico

lsquoJesus (Cristo) eacute Senhorrsquo eacute a quintessecircncia do credo cristatildeo no qual a palavra ldquoSenhorrdquo recebe o mais augusto sentido Quando os cristatildeos de geraccedilotildees posteriores se recusaram a dizer lsquoCeacutesar eacute Senhorrsquo recusaram-se porque sabiam que tais palavras natildeo constituiacuteam mera cortesia requerida pelo tiacutetulo era um

448 Rm 13b-4 tambeacutem eacute considerado uma foacutermula confessional mas aleacutem de ser um pouco mais elaborada que as foacutermulas citadas (talvez na direccedilatildeo de uma formulaccedilatildeo proacutexima a um credo) ela natildeo tem como foco o senhorio de Jesus mas a sua designaccedilatildeo como Filho de Deus Ademais a caracterizaccedilatildeo do gecircnero dos textos nem sempre eacute consensual de modo que nem todos os autores listam os mesmos textos quando falam de confissotildees de feacute Existe especial confusatildeo entre a designaccedilatildeo ldquohinordquo e ldquoconfissatildeo de feacuterdquo Destarte MARTIN R P A Hymn of Christ p XXVI indica Cl 26 ao lado dos textos citados acima O texto diz Ὡς οὖν παρελάβετε τὸν Χριστὸν Ἰησοῦν τὸν κύριον ἐν αὐτῷ περιπατεῖτε Natildeo haacute aqui a formula confessional como nos demais textos citados acima e por isso Cl 26 natildeo seraacute analisado aqui Por outro lado quando o texto remete agrave experiecircncia de receber Jesus como Senhor pode estar recordando exatamente a confissatildeo de feacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo como a experiecircncia inicial da vida cristatilde ocorrida no batismo 449 G Bornkmann apud VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 52 Do ponto de vista teoloacutegico O Michel define a concepccedilatildeo paulina de homologia como ldquoresposta ao evangelho de Cristo obediecircncia agrave sua mensagem aceitaccedilatildeo de sua declaraccedilatildeo e expressatildeo de seu compromissordquo O Michel apud RIDDERBOS H Teologia do apoacutestolo Paulo p 283 450 KRAMER W Christ Lord and Son of God p 67 451 Diversos autores entre eles FITZMYER J A κύριος In DENT p 2439 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 452 F F BRUCE apud MARSHALL I H The origins of New Testament Christology p 106

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tiacutetulo que dava o direito a Ceacutesar de receber honras divinas e neste sentido natildeo podiam atribuiacute-las a mais ningueacutem senatildeo a Jesus453 Em Romanos 109 a confissatildeo em questatildeo aparece como criteacuterio exterior

para a salvaccedilatildeo O texto preceitua dois elementos para a conversatildeo crer com o

coraccedilatildeo e confessar com a boca O conteuacutedo do crer eacute a ressurreiccedilatildeo de Jesus

ldquoque Deus o ressuscitou dentre os mortosrdquo Jaacute o da confissatildeo eacute o senhorio de

Jesus De fato eacute muito forte no Novo Testamento a relaccedilatildeo entre a ressurreiccedilatildeo e

o senhorio de Jesus454 Agora eacute importante perguntar por que o tiacutetulo que a

confissatildeo traz eacute Senhor e natildeo Filho de Deus Filho do homem Cristo Sumo

Sacerdote ou outros Entre outras consideraccedilotildees ele talvez fosse o mais adequado

agrave confissatildeo por conta da sua implicaccedilatildeo de discipulado No ministeacuterio de Jesus

antes da Paacutescoa conforme observado essa foi a noccedilatildeo predominante no uso do

termo Confessar Jesus como Senhor implicava em tornar-se seu disciacutepulo o que

envolvia renuacutencia e obediecircncia455 Por outro lado mediante esta confissatildeo

estabelecia-se uma polecircmica contra os muitos ldquosenhoresrdquo da cultura helecircnica456

Isso eacute o que leva a identificaccedilatildeo deste uacutenico Senhor pelo seu nome de nascimento

o Senhor eacute Jesus aquele Jesus de Nazareacute Posteriormente a mesma confissatildeo

tambeacutem funcionou como delimitaccedilatildeo agraves pretensotildees imperiais Afinal Ceacutesar

tambeacutem natildeo eacute senhor

Em 1Cor 123 a confissatildeo funciona como criteacuterio para avaliar nada menos

do que a obra do Espiacuterito Santo O contexto eacute a discussatildeo acerca dos carismas

Tendo em vista a grande confusatildeo que havia em torno desse tema em Corinto

Paulo estabelece o confessar Jesus como Senhor como criteacuterio para quem de fato

ldquofala pelo Espiacuterito de Deusrdquo De novo vem a questatildeo por que o tiacutetulo κύριος A

resposta passa pela estreita ligaccedilatildeo entre o reconhecimento do senhorio de Jesus e

o culto A proacutepria existecircncia de um culto cristatildeo gira em torno do fato de Jesus ser

o Senhor Destarte tambeacutem existe no Novo Testamento sobretudo em Paulo um

forte viacutenculo entre o senhorio de Jesus e a accedilatildeo do Espiacuterito 2Coriacutentios 317 ldquoPois

453 BRUCE F F Filipenses p 84 454 Em relaccedilatildeo a esse texto Leenhardt afirma ldquoSenhorio e ressurreiccedilatildeo satildeo inseparaacuteveis Eacute a feacute na ressurreiccedilatildeo que provecirc a base para a confissatildeo do Senhorio de Cristordquo F J Leenhardt apud GUTHRIE D New Testament Theology p 296 455 MacARTHUR Jr J F O Evangelho Segundo Jesus p 278-284 que refuta a tese de que essa seja simplesmente uma confissatildeo da divindade de Jesus embora isto esteja incluiacutedo Cf tambeacutem DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 202 456 VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 53 ldquoCom essa aclamaccedilatildeo a comunidade se submete ao Jesus exaltado como seu Senhor proclama seu domiacutenio perante o mundo e realiza uma polecircmica delimitaccedilatildeo contra as pretensotildees de qualquer outro κύριοςrdquo

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o Senhor eacute o Espiacuterito e onde se acha o Espiacuterito do Senhor aiacute estaacute a liberdaderdquo457

O entendimento relacionado eacute que no periacuteodo histoacuterico-salviacutefico do presente

entre a ascensatildeo e a segunda vinda o Senhor exaltado age atraveacutes do Espiacuterito

Especialmente junto agrave igreja ele eacute um kyrios pneumaacutetico O Espiacuterito eacute a

ldquopraesentia terrena do Senhor exaltadordquo458 O κύριος age na igreja e na vida do

crente atraveacutes do Espiacuterito Estar ldquono Senhorrdquo equivale a estar ldquono Espiacuteritordquo O

ministeacuterio de Jesus como Senhor eacute implementado atraveacutes da accedilatildeo do Espiacuterito e

toda a accedilatildeo do Espiacuterito estaacute em funccedilatildeo da obra de Jesus459 Dessa forma qualquer

ato lituacutergico (no caso dos coriacutentios a manifestaccedilatildeo dos dons) que natildeo ecoe o

senhorio de Jesus natildeo proveacutem do Espiacuterito Santo e natildeo pode fazer parte de um

culto cristatildeo

1Cor 86 estaacute em um segundo degrau no processo de desenvolvimento das

confissotildees de feacute no cristianismo primitivo porque talvez seja a primeira a ter dois

membros460 A evoluccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras estaacute em dois sentidos na inter-

relaccedilatildeo entre Jesus e o Pai e em colocar o ministeacuterio de Cristo junto agrave criaccedilatildeo

Deve-se destacar o contexto onde Paulo coloca essa confissatildeo No capiacutetulo 8 ele

estaacute discutindo a questatildeo do comer alimentos sacrificados aos iacutedolos os quais no

versiacuteculo 5 ele chama de ldquomuitos deuses e senhoresrdquo Para aquela situaccedilatildeo

existiam duas saiacutedas comuns ou cair no dualismo e se isolar da sociedade ou de

forma simples assimilar a cultura sem nenhum tipo de criacutetica461 Paulo rejeita

essas opccedilotildees e oferece uma soluccedilatildeo cristoloacutegica revolucionaacuteria ldquoSeguramente

uma das formulaccedilotildees mais assombrosas de cristologia alguma vez escrita em

qualquer seacuteculordquo462 Trata-se da reformulaccedilatildeo do texto mais famoso do

monoteiacutesmo judaico o shemaacute ldquoOuve oacute Israel Iahweh nosso Deus eacute o uacutenico

Iahwehrdquo (Dt 64) Cabe notar que na LXX as duas ocorrecircncias do tetragrama satildeo

substituiacutedas por κύριος A reformulaccedilatildeo paulina resulta em um shemaacute

457 Segundo W Kramer a associaccedilatildeo entre κύριος e πνεῦμα natildeo existia na tradiccedilatildeo foi criaccedilatildeo de Paulo KRAMER W Christ Lord and Son of God p 165 458 E KAumlSEMANN apud BRUCE FF Paulo o apoacutestolo da graccedila p 116 459 Na linguagem pouco cautelosa de Dunn ldquoIsto quer dizer que o Cristo glorificado agora eacute experimentado no Espiacuterito atraveacutes do Espiacuterito e como Espiacuteritordquo DUNN J D G Espiacuterito In DITNT p 736 460 Sobre 1Co 86 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 64 afirma que eacute ldquoa mais antiga confissatildeo de feacute em dois termosrdquo 461 WRIGHT N T Un Dios un Sentildeor un pueblo p 2-3 Segundo este autor a questatildeo dos iacutedolos era seriamente importante para os cristatildeos de Corinto pois em uma cidade como aquela eacute possiacutevel que toda a carne disponiacutevel tivesse sido oferecida em algum altar 462 Ibid p 5

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cristoloacutegico ou melhor em um monoteiacutesmo cristoloacutegico Eles continuam crendo

em um uacutenico Deus mas agora possuem um novo uacutenico Senhor Daiacute a primeira

resposta463 que Paulo daacute agrave questatildeo dos alimentos sacrificados eacute a de que natildeo

existem outros senhores da realidade soacute haacute um Senhor que eacute Jesus por meio de

quem todas as coisas foram criadas464

Haacute poucas duacutevidas de que o contexto originaacuterio de utilizaccedilatildeo da confissatildeo

em tela era o culto465 Cullmann propocircs como alternativa ao culto o contexto das

perseguiccedilotildees mas sua hipoacutetese natildeo obteve aprovaccedilatildeo entre os estudiosos466 Pode-

se precisar mais ainda o cenaacuterio do culto e especificar o momento do batismo467

Pois ali satildeo satisfeitas as exigecircncias do sentido de confissatildeo existem as

testemunhas que satildeo os membros da igreja e eacute assumido o compromisso com a feacute

professada468 No contexto heleniacutestico esse compromisso significava que o

batizado estava renunciando aos outros κύριοι para soacute reconhecer Jesus como

Senhor Nos ambientes onde se divulgava o culto ao imperador a confissatildeo

implicava que o indiviacuteduo estava negando as pretensotildees de Ceacutesar como Senhor e

afirmando o senhorio uacutenico absoluto e universal de Jesus E na perspectiva da

comunidade de feacute a confissatildeo era o compromisso de cooperaccedilatildeo com os outros

fieacuteis da comunidade (Fl 23-4) pois ter Jesus como Senhor significa ser servo dos

outros irmatildeos Sobretudo quando a pessoa confessava Jesus Cristo como Senhor

ela estava realizando uma antecipaccedilatildeo escatoloacutegica Na vida dela e no ambiente da

igreja torna-se real aquilo que Fl 210-11 apresenta como a realidade do final dos

tempos pessoas dobrando os joelhos diante de Jesus e confessando-o como

463 Na continuidade da discussatildeo Paulo apresenta o argumento de se pensar na consciecircncia do proacuteximo 464 Aleacutem dessas confissotildees que refletem a cristologia do κύριος VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 62-63 aponta tambeacutem para o texto de Efeacutesios 45 ldquohaacute um soacute Senhor uma soacute feacute um soacute batismordquo mas a identificaccedilatildeo deste texto como confissatildeo de feacute eacute pouco consensual 465 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 131-133 tenta protestar contra isso mas seus argumentos satildeo inconclusivos e ele mesmo deixa transparecer as relaccedilotildees lituacutergicas da confissatildeo 466 Conferir o posicionamento contraacuterio de CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 361 467 Assim KELLY J N D Primitivos credos cristianos p 30 SAacuteNCHEZ BOSCH J Maestro de los pueblos p 188 ndash 189 Admitem o sitz im leben no culto sem precisar o momento do batismo KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-67 VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 53 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 468 RIDDERBOS H Teologia do apoacutestolo Paulo p 264 ldquoaquilo que eacute tiacutepico de lsquoconfissatildeorsquo encontra-se assim no fato de que eacute a expressatildeo exterior da feacute Nesse sentido tem certo significado legal no qual o lsquofoacuterumrsquo ou as lsquotestemunhasrsquo podem ser vistos como o tribunal do mundo composto dos homens em geral mas tambeacutem como a Igreja ou seus representantes perante os quais algueacutem professa a sua feacute e assume um compromisso com o conteuacutedo da feacuterdquo

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Senhor469 Afinal ldquoesse eacute o verdadeiro alvo da esperanccedila biacuteblica e de toda

esperanccedila de futuro autenticamente cristatilderdquo470

622 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo em Fl 211

Em Filipenses 211 a foacutermula confessional eacute evidenciada pela conjunccedilatildeo

ὅτι entendido como um recitativum introduzindo uma citaccedilatildeo que no caso eacute a

confissatildeo de feacute471 Em relaccedilatildeo aos textos de Rm 109 e 1Cor 123 Fl 211 possui

um diferencial Aqui a confissatildeo natildeo eacute apenas Jesus eacute Senhor mas Jesus Cristo eacute

Senhor Basevi opina que essa variaccedilatildeo indica que aqui existem duas afirmaccedilotildees

de feacute Jesus eacute Messias e Jesus eacute Senhor472 Poreacutem isso eacute improvaacutevel porque aleacutem

do uso absoluto do termo κύριος para Jesus (Rm 1468 1Cor 35 e outros) Paulo

usa uma seacuterie de combinaccedilotildees como ldquoJesus Cristo nosso Senhorrdquo (Rm 14)

ldquonosso Senhor Jesus Cristordquo (Gl 618) ldquoSenhor Jesus Cristordquo (2Cor 1313) e

ldquoSenhor Jesusrdquo (1Co 1123) Em todas essas variaccedilotildees a ecircnfase estaacute no senhorio

de Jesus ldquosintaticamente nessas expressotildees lsquoJesusrsquo com ou sem lsquoCristorsquo

identifica o lsquoSenhorrsquo e lsquoSenhorrsquo define quem Jesus eacute para os cristatildeos e seu

relacionamento com elerdquo473 Em termos de origem da confissatildeo de feacute nos termos

apresentados aqui em Fl 211 eacute possiacutevel que a influecircncia das foacutermulas lituacutergicas jaacute

utilizadas nas becircnccedilatildeos (como em Fl 12) tenha levado Paulo a fazer uma leve

ampliaccedilatildeo da expressatildeo confessional resultando em uma frase mais completa

cristologicamente474 Seja como for mesmo assim o foco da confissatildeo eacute o tiacutetulo

469 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 147 470 DE BOOR W HAHN E Cartas aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 213 471 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 472 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 467-468 473 HURTADO L W Senhor In DPC p 1154 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 392 sugere que a expressatildeo ldquoJesus Cristordquo nessa ordem estaacute afirmando Deus ressuscitou este homem Jesus e lhe deu a funccedilatildeo e a dignidade de salvador messiacircnico Em contrapartida quando Paulo diz ldquoCristo Jesusrdquo o pensamento parte do Cristo preexistente que se revelou no homem Jesus de Nazareacute Natildeo parece contudo que exista toda essa reflexatildeo teoloacutegica em expressotildees usadas de forma tatildeo rotineira por Paulo Para Lohmeyer a ausecircncia do pronome ldquonossordquo apontaria para o senhorio de Jesus sobre todo o cosmos e natildeo apenas sobre a Igreja BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 16 474 HURTADO L W Senhor In DPC p 1152

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κύριος que ocupa posiccedilatildeo enfaacutetica na sentenccedila475 e a designaccedilatildeo ldquoCristordquo natildeo

funciona como tiacutetulo confessado

Por outro acircngulo existe uma razatildeo para a inclusatildeo de ldquoCristordquo na simples

confissatildeo de feacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo A questatildeo eacute que devido agrave expansatildeo da

mensagem cristatilde para ambientes com maioria gentiacutelica de grande influecircncia

helenista (como era a situaccedilatildeo da cidade de Filipos) onde Χριστὸς natildeo possuiacutea a

mesma relevacircncia que tinha no judaiacutesmo a manutenccedilatildeo da designaccedilatildeo judaica era

importante para estabelecer o viacutenculo da mensagem anunciada com seu ponto de

origem que eacute a feacute israelita Com muita probalidade Paulo concordaria com as

palavras de Jesus em Joatildeo ldquoporque a salvaccedilatildeo vem dos judeusrdquo (Jo 422)476

Dessa maneira ainda que ldquoCristordquo funcione na confissatildeo apenas como sobrenome

de Jesus477 ele era fundamental para mostrar a identidade do Senhor proclamado e

confessado que de outra forma para ouvidos natildeo judaicos poderia se confundido

com os vaacuterios κύριοι existentes na religiosidade oriental478

63 O tiacutetulo κύριος atribuiacutedo a Jesus

631 Panorama da atribuiccedilatildeo de κύριος a Jesus no Novo Testamento

Eacute possiacutevel identificar no cristianismo primitivo testemunhado pelo Novo

Testamento dois momentos distintos na aplicaccedilatildeo do tiacutetulo κύριος a Jesus O

primeiro momento eacute aquele que remonta ao ministeacuterio de Jesus anterior agrave

ressurreiccedilatildeo conforme o testemunho dos evangelhos Como aquele era um

ambiente de fala aramaica a utilizaccedilatildeo de κύριος pelos evangelistas por certo natildeo

eacute original mas tem como possiacuteveis correspondentes os termos Nesse רבי e מר

contexto eacute possiacutevel distinguir dois significados principais agrave aplicaccedilatildeo de κύριος a

Jesus durante esse periacuteodo anterior a Paacutescoa Boa parte das ocorrecircncias sobretudo

aquelas no vocativo podem ser classificadas como simples foacutermula de tratamento

475 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 369 ldquoκύριος eacute a palavra principalrdquo Igualmente MARTIN R P A Hymn of Christ p 271 476 Ele chega proacutexima a essa afirmaccedilatildeo em Rm 94-5 477 Assim MARTIN R P A Hymn of Christ p 279 478 BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 174

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sem qualquer conotaccedilatildeo religiosa (entre outros Jo 4111519 57 811 936)479

Em um outro grupo de referecircncias constata-se que o tiacutetulo eacute usado com sentido de

mestre fazendo um par linguiacutestico com δοῦλος trazendo subjacente a noccedilatildeo de

discipulado entre Jesus e seus interlocutores Veja-se por exemplo a tendecircncia

em Mateus de colocar κύριος onde Marcos utilizou ῥαββί e διδάσκαλος Isso

ocorre em Mt 825 Mc 438 Mt 174 Mc 95 Mt 1715 Mc 917 Mt 2033

Mc 1051 Isso mostra que nesse periacuteodo Jesus era reconhecido com mestre (de

uma maneira que tanto se aproximava quanto tinha diferenccedilas em relaccedilatildeo ao

mundo judaico contemporacircneo) Os evangelistas preservaram esse

reconhecimento natildeo soacute mediante o uso de κύριος como tambeacutem atraveacutes de outras

designaccedilotildees como ῥαββί (Mt 2378 262549 Mc 95 1121 1445 Jo 138

3226 431 625 118)480 διδάσκαλος (Mt 818 238 Mc 438 535 938 Lc

740 Jo 32 1128)481 e ἐπιστάτης (Lc 55 82445 93349 1713)482

O segundo momento da atribuiccedilatildeo de κύριος a Jesus no cristianismo

primitivo testemunhado no Novo Testamento estaacute ligado de maneira direta ao

objeto formal deste trabalho Pois foram a ressurreiccedilatildeo e a consequente exaltaccedilatildeo

de Jesus os catalisadores da utilizaccedilatildeo deste tiacutetulo com um amplo significado

cristoloacutegico Como observa Longenecker ldquolsquoSenhorrsquo foi um tiacutetulo poacutes-ressurreiccedilatildeo

e encontrou seu ponto de partida e iniacutecio racional na ressurreiccedilatildeo e exaltaccedilatildeo de

Jesusrdquo483 E o contraacuterio tambeacutem eacute verdade isto eacute a cristologia da exaltaccedilatildeo que se

desenvolveu a partir da ressurreiccedilatildeo estava essencialmente expressa no tiacutetulo em

questatildeo como evidencia o importante texto de At 236 As cartas paulinas

tambeacutem indicam a estreita relaccedilatildeo entre κύριος e a ressurreiccedilatildeo de Jesus (Rm

424 1Co 91 2Co 414) Isto eacute reforccedilado aqui em Fl 29-11 pela conexatildeo entre o

tiacutetulo e a exaltaccedilatildeo que pressupotildee a ressurreiccedilatildeo Ele passa a ser Senhor a partir

479 HURTADO L W Senhor In DPC p 1147 Schnelle entende que a importacircncia de Χριστὸς para os gentios era outra Ele afirma que as cerimocircnias de unccedilatildeo que ocorriam na regiatildeo do Mediterracircneo naquele periacuteodo geravam o senso comum religioso de que pessoas (ou coisas) ungidas satildeo sagradas santas e consagradas a deus Assim judeus e gentios compreenderiam a afirmaccedilatildeo Ἰησοῦς Χριστὸς como predicado da singularidade religiosa de Jesus ainda que seja discutiacutevel se a utilizaccedilatildeo paulina e neotestamentaacuteria tivesse essa perspectiva religiosa em vista SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 563 480 A forma transliterada de רבי 481 Nos evangelhos διδάσκαλος ocorre 49 vezes e apenas em Lc 246 natildeo se refere a Jesus 482 Eacute um termo exclusivo do evangelho de Lucas 483 LONGENECKER R The Christology of Early Jewish Christianity p 129 Na mesma direccedilatildeo afirma Hurtado ldquoem grupos cristatildeos primitivos a ressurreiccedilatildeo de Jesus continuou a ser considerada a base histoacuterica e demonstraccedilatildeo da sua exaltaccedilatildeordquo HURTADO L W Senhor In DPC p 1152

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da sua exaltaccedilatildeo484 ldquoNas passagens em que a teologia de Jesus Senhor eacute expliacutecita

aparece claramente que a ressurreiccedilatildeo era entendida como evento decisivo para

este se tornar Senhorrdquo485

Por conseguinte a conclusatildeo de que Jesus eacute o κύριος identificado com o

Deus uacutenico de Israel proporcionou um olhar retrospectivo aos cristatildeos levando-os

a designar Jesus antes da exaltaccedilatildeo com o mesmo tiacutetulo Eacute o caso especiacutefico da

literatura lucana486 Deve-se registrar entretanto que natildeo houve uma mistura de

horizontes cristoloacutegicos entre o ministeacuterio terreno e o exaltado de Jesus mas uma

uacutenica preocupaccedilatildeo com a identidade487 O objetivo de Lucas e outros era mostrar

que o exaltado eacute o mesmo homem que nasceu de Maria caminhou na Galileacuteia e

foi morto em Jerusaleacutem E eles se sentem agrave vontade para aplicar retroativamente

o tiacutetulo Senhor a Jesus porque Deus o exaltou a essa posiccedilatildeo no presente

E lembrando que essa reflexatildeo teoloacutegica remonta agraves primeiras etapas do

cristianismo eacute muito pertinente agrave exegese perguntar-se de onde os cristatildeos tiraram

esse tiacutetulo para explicar a pessoa e obra do Jesus exaltado e qual significado eles

estavam atribuindo a Jesus por meio dessa designaccedilatildeo A resposta para ambas as

perguntas passa em boa parte pela utilizaccedilatildeo de κύριος na Septuaginta e no

judaiacutesmo

632 Panorama da histoacuteria da pesquisa sobre o tiacutetulo κύριος

ldquoSenhorrdquo eacute uma designaccedilatildeo fundamental para a cristologia

neotestamentaacuteria sobretudo a paulina Isso prova a estatiacutestica e o papel que o

484 A partir daiacute o tiacutetulo pocircde ser associado a outros eventos cristoloacutegicos como a parusia Atraveacutes das epiacutestolas aos tessalonicenses percebe-se essa conexatildeo (1Ts 416 313 415 523) CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 361-362 485 DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 292 486 ROWE C K Acts 236 and the continuity of lukan Christology p 51 487 Veja-se por exemplo o quarto evangelho que tanto no proacutelogo quanto nos discursos de Jesus apresenta uma cristologia ldquoexaltadardquo mas tem o cuidado de narrativamente soacute aplicar o tiacutetulo κύριος a Jesus apoacutes a ressurreiccedilatildeo ou seja a partir de 2020 ldquoTendo dito isso mostrou-lhes as matildeos e o lado Os disciacutepulos entatildeo ficaram cheios de alegria por verem o Senhorrdquo

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tiacutetulo ocupa na narrativa teoloacutegica do apoacutestolo488 E considerando que os escritos

paulinos satildeo cronologicamente os primeiros do Novo Testamento eacute muito

provaacutevel que Paulo tenha sido um fomentador desse aspecto cristoloacutegico

Todavia isso natildeo foi uma inovaccedilatildeo paulina489 Por certo o apoacutestolo herdou dos

primeiros cristatildeos a designaccedilatildeo de Jesus como κύριος e usa o termo sem

explicaccedilotildees ou justificativas esperando ser entendido por seus leitores Apontam

nessa direccedilatildeo frases estereotipadas como ldquoSenhor Jesus Cristordquo (1Ts 11) e ldquonosso

Senhor Jesus Cristordquo (1Ts 13) as foacutermulas tradicionais citadas pelo apoacutestolo que

incluem a designaccedilatildeo como as confissotildees de feacute as becircnccedilatildeos usadas nas saudaccedilotildees

das cartas a expressatildeo μαράνα θά (1Cor 1622) bem como a releitura de textos

veterotestamentaacuterios aplicando a Jesus o que antes referia-se a Deus Esse uacuteltimo

fenocircmeno deve ser agora aprofundado pois nele encontra-se todo o conteuacutedo que

judeus cristatildeos como Paulo acreditavam estar presente quando chamavam Jesus

de Senhor

A Septuaginta utiliza κύριος cerca de 9 mil vezes Destas 6156 traduzem

o tetragrama 490יהוה A histoacuteria da interpretaccedilatildeo dessa ldquotraduccedilatildeordquo passou por trecircs

fases Na primeira chamou-se a atenccedilatildeo para o costume existente no judaiacutesmo

preacute-cristatildeo de evitar a pronuacutencia do tetragrama substituindo-o na liturgia por

Quando se produziu a LXX o termo grego escolhido para traduzir o nome 491אדני

de Deus seria o equivalente ao hebraico אדון isto eacute κύριος Isso supotildee que na

eacutepoca do surgimento do cristianismo tanto os judeus de fala aramaica quanto os

de fala grega chamavam Deus de ldquoSenhorrdquo Daiacute quando os primeiros cristatildeos

passaram a chamar Jesus dessa forma pela perspectiva judaica estavam

488 Quanto agrave estatiacutestica κύριος ocorre 274 vezes na literatura paulina global (nas 13 cartas atribuiacutedas a Paulo no Novo Testamento) Em termos de tiacutetulo cristoloacutegico apenas Χριστός supera essa marca com 382 ocorrecircncias O problema eacute que muitas vezes este uacuteltimo termo eacute usado apenas como nome (ou sobrenome) de Jesus perdendo importacircncia teoloacutegica na narrativa No caso de κύριος tambeacutem deve-se excluir os textos em que o tiacutetulo refere-se a Deus ou outro personagem Ainda assim o nuacutemero de referecircncias a Jesus eacute alto Segundo Hurtado seriam 180 considerando apenas nas cartas incontestadas (ele deixa de lado as pastorais 2Tessalonicensses e Efeacutesios) HURTADO L W Senhor In DPC p 1150 WITHERINGTON III B Cristo In DPC p 308 489 HURTADO L W Senhor In DPC p 1149 490 BIETENHARD H Senhor In DITNT p 2317 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1061 491 Segundo HURTADO L W The Origin of the Nomina Sacra a proposal p 655-673 essa reverecircncia ao nome divino influenciou o surgimento no cristianismo primitivo dos chamados nomina sacra satildeo quatro nomes que eram abreviados em textos cristatildeos primitivos (jaacute no 2ordm seacuteculo) por serem considerados sagrados a saber Ἰησοῦς Χριστός Κύριος e Θεός A novidade cristatilde conforme Hurtado eacute que entre os nomes reverenciados estatildeo tiacutetulos cristoloacutegicos bem como a ausecircncia de qualquer temor em pronunciar estes nomes

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designando-lhe com o nome do proacuteprio Deus algo muitiacutessimo relevante

teologicamente492

Em um segundo momento essa linha de argumentaccedilatildeo foi questionada493

Ocorre que as coacutepias da LXX em que o tetragrama eacute substituiacutedo de maneira

uniforme por κύριος satildeo coacutepias cristatildes Textos de uso judaico trazem exemplos da

preservaccedilatildeo do tetragrama em caracteres hebraicos ou em formas alternativas

com IAW e PIPI494 A conclusatildeo eacute que a mudanccedila no texto escrito de יהוה para

κύριος teria sido influenciada pelo uso cristatildeo da expressatildeo e natildeo o contraacuterio495

O terceiro momento na histoacuteria da pesquisa retorna parcialmente ao

primeiro Os trabalhos de J A Fitzmyer foram importantes para demonstrar que

era comum entre os judeus antes do cristianismo designar Deus como Senhor seja

como מר אדני ou κύριος (dependendo do idioma falado)496 Na mesma direccedilatildeo

Geza Vermes defende que desde o 2ordm seacuteculo antes de Cristo ldquoos judeus usaram o

tiacutetulo lsquoSenhorrsquo ao falar sobre ou com Deus em hebreu aramaico ou gregordquo497 E

para refutar a teoria da natildeo originalidade de κύριος na LXX Martin Roumlsel

ofereceu algumas proposiccedilotildees bastante pertinentes498 Ele comeccedila seu argumento

mostrando que os massoretas escolheram as vogais de אדני para vocalizar o

tetragrama Eacute uma informaccedilatildeo que reforccedila a tese de Fitzmyer de que ldquomeu

Senhorrdquo era o que deveria ser lido (qecircre) quando no texto aparecia o tetragrama

Roumlsel propotildee que os caracteres hebraicos da LXX provecircm de uma revisatildeo preacute-

cristatilde feita no texto e a forma IAW deveria ser o costume de uma determinada

comunidade judaica que preservou ao contraacuterio do restante do povo esta forma

492 FITZMYER J A To Advance the Gospel p 221 Ele atribui a Cullmann essa interpretaccedilatildeo 493 Para um resumo desses questionamentos cf FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 119-123 ROumlSEL M The Reading and Translation of the Divine Name in the Masoretic Tradition and the Greek Pentateuch p 414-419 494 Entre os textos em questatildeo estatildeo o Papiro Fouad 266 (Dt 31) os doze profetas menores (LXX) achados na caverna 4 de Qumran fragmentos de Leviacutetico 2-5 na mesma caverna fragmentos de Aacutequila (provenientes do Cairo) fragmentos da segunda coluna da Hexapla (conhecidos por Oriacutegenes e Jerocircnimo) Cf FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 120 495 Eacute a conclusatildeo por exemplo de FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1059 496 FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 124-127 FITZMYER J A To Advance the Gospel p 222-223 FITZMYER J A κύριος In DENT p 2443 497 VERMES G As vaacuterias faces de Jesus p 223 Da mesma forma HURTADO L W Senhor In DPC p 1148 498 ROumlSEL M The Reading and Translation of the Divine Name in the Masoretic Tradition and the Greek Pentateuch p 414-419

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de pronunciar o tetragrama499 Mas a principal proposta de Roumlsel eacute defender a

originalidade de κύριος como traduccedilatildeo do nome de Deus na LXX Para tal ele

busca identificar os criteacuterios teoloacutegicos usados pelos autores da traduccedilatildeo na

utilizaccedilatildeo do termo grego Ele observa que a tendecircncia geral da LXX eacute usar

κύριος para יהוה e θεός para אmacrהים Poreacutem em algumas ocasiotildees os tradutores

usaram θεός para o tetragrama no lugar de κύριος A conclusatildeo de Roumlsel eacute que os

tradutores preferiram θεός em contextos de julgamento ou condenaccedilatildeo e

demonstraccedilatildeo de poder enquanto optaram por κύριος em textos que ressaltam a

graccedila e a misericoacuterdia de Deus Naturalmente ele admite que essa distinccedilatildeo natildeo

existe no texto hebraico (que usa יהוה nos dois contextos) bem como natildeo eacute

possiacutevel discernir todos os criteacuterios envolvidos mas eacute uma proposta plausiacutevel em

favor da originalidade de κύριος na LXX Trazendo isso para Fl 29-11 quando o

texto identifica o nome dado por Deus a Jesus na sua exaltaccedilatildeo como κύριος o

autor quer mostrar que Deus agraciou Jesus com seu proacuteprio nome Portanto por

traacutes do tiacutetulo que eacute confessado no versiacuteculo 211 deve-se enxergar a relaccedilatildeo

κύριος-יהוה-אדני proveniente tanto da tradiccedilatildeo lituacutergica sinagogal quanto da

reflexatildeo cristatilde a partir da LXX

633 A importacircncia teoloacutegica de confessar Jesus como Senhor

Para a compreensatildeo da amplitude teoloacutegica da atribuiccedilatildeo de Jesus como

Senhor eacute preciso ainda responder agrave seguinte questatildeo ldquopor que os judeus tiveram a

ideia de ler precisamente Adonai em lugar do tetragrama sagradordquo500 Seja qual

for a resposta podem ter sido as mesmas razotildees que tambeacutem influenciaram a

escolha de κύριος na LXX Uma explicaccedilatildeo razoaacutevel eacute que a escolha passou por

uma interpretaccedilatildeo do nome de Deus501 Porque este sempre indica quem eacute Deus a

sua natureza que no Antigo Testamento eacute sempre soberania Por isso o termo

499 HURTADO L W Senhor In DPC p 1149 argumenta que a utilizaccedilatildeo das formas hebraicas na LXX ou dos caracteres PIPI era apenas um artifiacutecio literaacuterio mas na hora da leitura eles eram provavelmente substituiacutedos por κύριος Igualmente DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 296-297 500 Questionamento formulado por CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 264 501 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1059

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ldquoSenhorrdquo funciona como um resumo da feacute veterotestamentaacuteria502 E a soberania de

Deus se baseia tanto na criaccedilatildeo quanto na salvaccedilatildeo503 As duas realidades satildeo

testemunhas dessa soberania E aqui se encontra a conexatildeo com a cristologia do

Novo Testamento de modo particular com Fl 29-11 pois crer em Jesus como

Senhor eacute acreditar que ele compartilha a soberania de Deus nessas duas aacutereas Ele

eacute o Senhor da salvaccedilatildeo pois ela soacute eacute obtida atraveacutes da feacute nele (Rm 109) e eacute

Senhor da criaccedilatildeo porque aleacutem de ser o mediador dela (Cl 116 Jo 12) tudo

agora foi colocado debaixo de seus peacutes (1Cor 1527 Hb 28)

Na teologia paulina esse senhorio soberano de Jesus vincula-se em

particular a trecircs aacutereas Primeiro agrave contextos pareneacuteticos nos quais os cristatildeos satildeo

chamados a uma vida de obediecircncia ao seu κύριος (Rm 141-12 1Co 613-740)

ecoando a antiga conotaccedilatildeo do tiacutetulo que mostrava Jesus como Mestre O cristatildeo

deve agir como δοῦλος e tudo na sua vida deve corresponder ao seu Senhor504

Desse modo a exortaccedilatildeo de Fl 212 pode precisamente estar referindo-se agrave

obediecircncia (verbo ὑπακούω) que os cristatildeos filipenses tecircm demonstrado a Jesus

como Senhor algo que Paulo exorta para que continuem fazendo505 Com efeito o

versiacuteculo 11 faz a ligaccedilatildeo natural entre o indicativo do que Deus jaacute fez a virada

escatoloacutegica com a exaltaccedilatildeo de Cristo e a consequente disponibilidade de uma

nova vida pelo Espiacuterito Santo e o imperativo do que os cristatildeos devem fazer

quando estatildeo dentro dessa vida isto eacute estatildeo ἐν Χριστω (25) Mas na verdade a

confissatildeo de Jesus como Senhor coloca o mundo inteiro diante de um desafio a

questatildeo uacuteltima que importa no julgamento final ldquoser ou natildeo ser obediente Nosso

destino depende de nossa confrontaccedilatildeo com aquele que eacute Obedienterdquo506 O destino

do mundo e de cada ser humano passa pela resposta ao senhorio de Jesus pois

afinal eacute nesse espaccedilo que o ser humano encontra sua verdadeira humanidade no

espaccedilo da obediecircncia ao Senhor507 Eacute nessa linha que as implicaccedilotildees eacuteticas satildeo

encontradas na passagem natildeo em termos de imitaccedilatildeo de Jesus

502 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1062 503 Ibid p 1081-1082 504 DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 294 ldquono miacutenimo professar Jesus como Senhor expressava uma vida agora dedicada de serviccedilordquo 505 HURTADO L W Senhor In DPC p 1155 506 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 65 Morgan mostra que para E Kaumlsemann eacute exatamente essa confrontaccedilatildeo essa necessidade de resposta que faz do hino evangelho e natildeo mito 507 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 66

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O segundo contexto no qual o senhorio soberano de Jesus eacute sublinhado por

Paulo eacute o escatoloacutegico Jaacute foi exposto anteriormente o significado escatoloacutegico da

exaltaccedilatildeo de Jesus Destarte natildeo apenas Paulo usa κύριος para descrever a virada

escatoloacutegica que aconteceu a partir da ressurreiccedilatildeo como tambeacutem para expressar

o que pode ser chamado de vitoacuteria escatoloacutegica final Como notado acima o

futuro escatoloacutegico jaacute comeccedilou mas ainda natildeo chegou a sua plenitude E se

apropriando da linguagem veterotestamentaacuteria Paulo chama essa plenitude de

ldquodia do Senhorrdquo (1Ts 52 1Cor 55 2Cor 14) onde o ldquoSenhorrdquo eacute Jesus Cristo na

sua parusia Para o apoacutestolo nesse dia Jesus vai trazer duas coisas que o Antigo

Testamento reservava para Deus o julgamento de todos e a vitoacuteria definitiva

sobre o mal Eacute a hora em que por alegria ou constrangimento todos reconheceratildeo

Jesus como Senhor e se prostraratildeo diante dele508

O terceiro contexto no qual o senhorio soberano de Jesus eacute trabalhado na

literatura paulina eacute o lituacutergico Jaacute foi notada a forte conexatildeo que existe entre

κύριος e o culto A confissatildeo de feacute as foacutermulas de becircnccedilatildeos a suacuteplica μαράνα θά

a designaccedilatildeo da eucaristia como κυριακὸν δεῖπνον (1Cor 1120) confirmam a

tese Mais importante ainda como observado no capiacutetulo anterior eacute que o culto

cristatildeo foi o propulsor da feacute cristatilde primitiva no senhorio de Jesus Ali Jesus foi

reconhecido como Senhor soberano e cristatildeos judeus se prostraram diante dele o

adoraram e o confessaram como Senhor das suas vidas sem que por um momento

acreditassem estar traindo o seu monoteiacutesmo509 Aleacutem disso no culto cristatildeo onde

o senhorio de Cristo eacute celebrado os dois horizontes anteriores se conectam pois a

Igreja tanto alimenta quanto vivencia de forma antecipada sua esperanccedila

escatoloacutegica e ao mesmo tempo eacute desafiada a uma vida de obediecircncia ao seu

Senhor ldquoEacute a adoraccedilatildeo de Cristo e a lembranccedila do poder fornecido pela sua

ressurreiccedilatildeo para aqueles que estatildeo lsquoem Cristorsquo que capacita a sua resposta

eacuteticardquo510 O culto cristatildeo eacute assim um espaccedilo da accedilatildeo do Senhor exaltado na Terra

A comunidade reuacutene-se em nome dele e experimenta a accedilatildeo dele por intermeacutedio

508 HURTADO L W Senhor In DPC p 1155-1156 509 HURTADO L W Senhor In DPC p 1156-1157 510 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 160 Na frase imediatamente antes ele afirma de forma sugestiva que natildeo era o cantar repetitivo do modelo de Cristo que capacitava os cristatildeos a viverem a vida digna do evangelho

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do Espiacuterito especialmente na eucaristia511 E esse contexto lituacutergico encaminha o

significado eclesioloacutegico do senhorio de Jesus Porque a Igreja eacute a comunidade

daqueles que se reconhecem sobre o seu domiacutenio Ela eacute o corpo ldquocuja cabeccedila eacute o

Senhor de todas as coisasrdquo512 E como Senhor ele cuida dos seus servos pois a

exaltaccedilatildeo de Cristo coincide com o iniacutecio da obra intercessora de Jesus pela Igreja

(Rm 834) outro aspecto do ministeacuterio exaltado de Cristo E natildeo se deve esquecer

do papel do Espiacuterito Santo na Igreja como agente do Cristo exaltado conforme

apontado no iniacutecio deste capiacutetulo

Natildeo obstante se o exposto acima eacute o conteuacutedo religioso principal que

Paulo e os primeiros cristatildeos viam por detraacutes da designaccedilatildeo ldquoSenhorrdquo pode-se

dizer um conteuacutedo ldquojudaicordquo vale ressaltar o significado que a afirmaccedilatildeo do

senhorio teria para os cristatildeos natildeo judeus ou para aqueles judeus que estavam

debaixo da poderosa influecircncia helenista Boa parte dos lugares em que Paulo

transitava no primeiro seacuteculo sofria a influecircncia do helenismo religioso Nesse

contexto as pessoas entendiam que suas vidas estavam debaixo de forccedilas

espirituais completamente arbitraacuterias que determinavam seus destinos513 E diante

desses poderes elas consideravam-se completamente impotentes Eacute contra essa

realidade que a confissatildeo de Jesus como κύριος deve ser compreendida Para

aquelas pessoas o anuacutencio do senhorio de Jesus significava que os poderes

malignos que as controlavam foram destronados Agora o universo foi

reconciliado com Deus A realidade escatoloacutegica do senhorio de Jesus elimina as

fronteiras que separavam o velho mundo do novo mundo O novo mundo jaacute eacute real

Um mundo onde o Senhor eacute Jesus aquele que natildeo impocircs sua soberania como um

tirano mas abrindo matildeo se esvaziando servindo sendo obediente a Deus e

morrendo em favor daqueles a quem ele iria governar Eacute a esse Jesus que agora o

ser humano libertado eacute chamado a servir e ser obediente E essa obediecircncia como

indicado por Kaumlsemann natildeo vem por intermeacutedio da imitaccedilatildeo do exemplo dele

mas pela convicccedilatildeo de pertencer a ele514

Agora para aleacutem dos aspectos religiosos no cenaacuterio poliacutetico do 1ordm seacuteculo

dC sobretudo em Filipos as afirmaccedilotildees dos versiacuteculos 210-11 seriam notadas

511 SCHNELLE U Paulo Vida e pensamento p 565 ldquoA comunidade reuacutene-se na presenccedila do poderosa do Exaltado cujas forccedilas salviacutefica mas tambeacutem castigadoras operam na celebraccedilatildeo da ceiardquo 512 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship p 67 513 MARTIN R P A Hymn of Christ p 281 514 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 121

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Como em outros tempos a poliacutetica do impeacuterio romano estava entranhada de

simbolismos religiosos Por sinal para as pessoas daquela eacutepoca natildeo fazia

qualquer sentido separar poliacutetica e religiatildeo515 Entre os povos orientais era praacutetica

comum desde Alexandre Magno oferecer homenagens religiosas a governantes

vivos ldquohonras iguais a deusesrdquo que envolviam ldquotemplos sacrifiacutecios sacerdotes

festivais e jogosrdquo516 Nessa seccedilatildeo do impeacuterio o imperador romano ocupava um

espaccedilo entre deuses e seres humanos Registram-se aiacute sacrifiacutecios em nome do

imperador mas ainda natildeo para o imperador E jaacute no final do 1ordm seacuteculo aC cultos

imperiais eram populares na proviacutencia romana da Aacutesia No ocidente a tradiccedilatildeo era

venerar os imperadores mortos Na verdade tambeacutem ainda no 1ordm seacuteculo aC o

senado romano aprovou a lei da divinizaccedilatildeo poacutestuma dos imperadores Dessa

forma se durante a vida de Paulo o culto ao imperador ainda natildeo tinha se

consolidado era algo que estava se disseminando rapidamente ldquoo culto ao

imperador era a religiatildeo que registrava o mais raacutepido crescimento no mundo de

Paulo o mundo do Mediterracircneo orientalrdquo517 E certamente Paulo acompanhou de

perto as accedilotildees de Caliacutegula (37-41 dC) que aplicou a si mesmo o tiacutetulo Deus e

ainda tentou construir no Templo de Jerusaleacutem uma estaacutetua em sua proacutepria

homenagem518 e de Nero sob o qual a aclamaccedilatildeo do imperador vivo como κύριος

espalhou-se grandemente519 Tambeacutem natildeo eram estranhas nem para Paulo nem

para os filipenses os contornos poliacuteticos da crescente religiosidade em torno do

imperador Como observa Moessner ldquoEmbora o escopo do lsquoculto ao imperadorrsquo

na Filipos do primeiro seacuteculo cristatildeo permaneccedila discutiacutevel o que natildeo eacute disputado

eacute o extensivo capital poliacutetico que a veneraccedilatildeo do imperador entregou para Roma

no controle das suas lsquocolocircniasrsquordquo520

Diante desse cenaacuterio Fl 210-11 chama a atenccedilatildeo por trecircs razotildees Primeiro

o cristatildeo eacute chamado a rejeitar qualquer um que se apresente como senhor deus ou

515 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 84 516 AUNE D E Imperadores Romanos In DPC p 674 517 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 89 518 AUNE D E Imperadores Romanos In DPC p 674 519 HELLERMAN J H Philippians p 124 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 476 faz menccedilatildeo de uma inscriccedilatildeo grega do periacuteodo de Nero que celebrava ldquoO Kyrios do mundo inteiro Nerordquo 520 MOESSNER D P Turning Status lsquoUpside Downrsquo in Philippi Christ Jesusrsquo lsquoEmptying Himselfrsquo as Forfeiting Any Acknowledgment of His lsquoEquality with Godrsquo (Phil 26-11) p 132 KRENTZ cita com aprovaccedilatildeo a tese de R R Brewer de que havia em Filipos ldquoos Augustales libertos especialmente consagrados ao culto do divino Augusto e que este culto imperial prosseguiu por todo o seacuteculo I da Era Comumrdquo KRENTZ E Paulo os Jogos e a Miliacutecia p 325

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dominador deste mundo esteja vivo ou morto Soacute haacute um Senhor e o nome dele eacute

Jesus Cristo Consequentemente somente ele deve ser honrado como Deus

Somente a ele o ser humano deve prostrar-se reconhecendo sua autoridade Natildeo

somente o culto ao imperador mas toda e qualquer homenagem religiosa dedicada

a governantes humanos satildeo excluiacutedas aqui Segundo o argumento de Fl 210-11 eacute

que mesmo os imperadores romanos teratildeo de dobrar os joelhos diante de Jesus e

confessaacute-lo como κύριος521 A ironia eacute que teratildeo de reverenciar aquele que foi

morto por uma autoridade romana atraveacutes de uma penalidade romana (embora

requerido por liacutederes judeus) Nesse sentido a mensagem do senhorio de Jesus em

Fl 29-11 eacute que natildeo apenas democircnios e forccedilas espirituais foram subjugadas por

Jesus mas que todo poder e autoridade sobre essa Terra seja poliacutetica religiosa

juriacutedica militar ou econocircmica estaacute debaixo da autoridade suprema de Jesus522

Em terceiro lugar mas natildeo menos importante eacute o efeito a ser produzido pela

comparaccedilatildeo entre o senhorio de Ceacutesar e o de Jesus aquele era reconhecido como

senhor do impeacuterio enquanto este segundo Filipenses foi entronizado senhor de

todo o universo523 Para os cidadatildeos de Filipos que incluiacutea muitos soldados

veteranos do impeacuterio outros antigos habitantes da proacutepria capital e muitos outros

que por motivos diversos admiravam Roma orgulhavam-se da sua ligaccedilatildeo com

ela e bajulavam seus liacutederes poliacuteticos em troca de favores para todos eles a

mensagem de Fl 210-11 era a proacutepria subversatildeo de sua visatildeo de mundo afinal

ldquopara a maior parte do mundo romano a lsquodivindadersquo do imperador era oacutebvia e

inquestionaacutevel porque ele possuiacutea um poder evidentemente superior ao poder

de qualquer outro mortalrdquo524 Nesse aspecto a mensagem do senhorio absoluto de

Jesus em Fl 210-11 era uma mensagem revolucionaacuteria525 Ao mesmo tempo era

uma proclamaccedilatildeo de esperanccedila para a igreja de Filipos Lembre-se que enquanto

Paulo escreve sua carta ele estava preso em uma prisatildeo romana provavelmente na

521 HELLERMAN J H Philippians p 122 lembra que as autoridades romanas estatildeo incluiacutedas no termo ἐπιγείων 522 De um ponto de vista socioloacutegico essa mensagem poderia provocar nos cristatildeos e no cristianismo como movimento a sensaccedilatildeo de um novo status privilegiado Um novo mundo chegou e agora todos estatildeo subordinados a Jesus como Senhor e satildeo os cristatildeos que possuem um relacionamento especial com este Senhor eles estariam em uma posiccedilatildeo ldquosocialrdquo mais vantajosa que seus adversaacuterios WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philippians Hymn The Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 285 523 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philippians Hymn The Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 282 524 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 90 525 Natildeo eacute de modo algum necessaacuterio adotar a chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo da passagem para se extrair suas implicaccedilotildees soacutecio-poliacuteticas

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capital do impeacuterio e que segundo o registro do livro de Atos a igreja nasceu

naquela cidade sob oposiccedilatildeo das autoridades romanas Nessa perspectiva o vieacutes

escatoloacutegico da passagem eacute muito importante porque ela informa aos leitores que

a despeito das circunstacircncias visiacuteveis o verdadeiro Senhor do universo eacute aquele

que eles confessam como Senhor das suas vidas e um dia natildeo soacute eles mas

tambeacutem os que agora sentem-se poderosos inclusive perseguindo a Igreja se

prostraratildeo diante de Jesus e teratildeo de admitir sua insuficiecircncia e o senhorio de

Cristo Por outro acircngulo a maior arma que os governantes desse mundo possuem

eacute a morte e o anuacutencio da exaltaccedilatildeo de Jesus mostra que essa arma foi vencida

atraveacutes da ressureiccedilatildeo do Senhor Jesus526

64 Para gloacuteria de Deus Pai

Quanto agrave expressatildeo proposicional εἰς δόξαν θεοῦ πατρός o primeiro

desafio a ser enfrentado eacute sobre a sua originalidade Conforme discutido

anteriormente J Jeremias defendeu que a peccedila hiacutenica original natildeo continha essa

expressatildeo Ela teria sido acrescentada quando Paulo a editou para citaacute-la na carta

aos Filipenses Martin chega a dizer que ldquoparece conclusivo que a frase deveria

ser separada do texto da confissatildeordquo527 Entretanto conforme observado no

primeiro capiacutetulo desde a deacutecada de 1990 a pesquisa exegeacutetica estaacute caminhando

na direccedilatildeo contraacuteria afirmando a autoria paulina integral de Fl 26-11

Ainda mais relevante eacute a questatildeo sobre o significado desta uacuteltima frase do

conjunto inteiro de Fl 26-11 Por certo ela natildeo eacute a conclusatildeo apenas da segunda

parte do hino mas do hino inteiro Significa que tanto a exaltaccedilatildeo quanto a

humilhaccedilatildeo foram para a gloacuteria de Deus Pai528 Mais ainda haacute uma espeacutecie de

inclusio pois no primeiro verso do hino o Filho de Deus eacute identificado com Deus

Pai atraveacutes das expressotildees μορφῇ θεοῦ e εἶναι ἴσα θεῷ ou seja em termos de

quem ele era na sua preexistecircncia E agora na uacuteltima parte do texto ele eacute

identificado com Deus Pai atraveacutes do que recebe Ambos tinham a mesma

526 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 95 527 MARTIN R P A Hymn of Christ p 273 528 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 148

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ldquoformardquo agora ambos recebem a mesma adoraccedilatildeo sem qualquer competiccedilatildeo ou

diminuiccedilatildeo de um ou de outro529

Destarte a conclusatildeo do hino acompanha a exaltaccedilatildeo muito provavelmente

para afastar dos ouvintes e leitores qualquer noccedilatildeo de que Jesus Cristo seja um

segundo deus ao lado do Pai Seria assim uma afirmaccedilatildeo do monoteiacutesmo biacuteblico

que no Novo Testamento vai ser reformulado para um monoteiacutesmo

cristoloacutegico530 Refinando um pouco mais eacute muito plausiacutevel que essa sentenccedila

queira acentuar que a participaccedilatildeo de Cristo na divindade natildeo tem nada a ver com

rivalidade ou disputa Cristo natildeo eacute um insurgente que atraveacutes de um ato rebelde

conquistou pela forccedila o senhorio coacutesmico531 Ao contraacuterio Fl 211 retoma a

primeira parte do hino (Fl 26-8) e mostra que κύριος eacute o obediente aquele que

natildeo se apegou ao ser igual a Deus mas se esvaziou Abriu matildeo Renunciou

Assumiu o papel de servo se humilhou e serviu obedientemente ateacute a morte de

cruz Isso se relaciona com o versiacuteculo 29 que mostra que o senhorio foi dado

(ἐχαρίσατο) por Deus a Jesus Entatildeo se Fl 29-11 mostra que Jesus agora tem toda

autoridade (conforme Mt 2818) tambeacutem mostra que essa autoridade eacute

completamente derivada de Deus Pai532 e exercida para a gloacuteria do Pai ldquoO

Senhorio de Cristo leva agrave gloacuteria de Deusrdquo533 para que um dia ldquoDeus seja tudo em

todosrdquo (1Co 1528) Nas palavras de Kreitzer poderia se afirmar que a exaltaccedilatildeo

de Jesus eacute tambeacutem a exaltaccedilatildeo de Deus Pai534

Outra questatildeo importante nesta expressatildeo eacute o sentido do substantivo

πατρός Antes de tudo eacute preciso observar a forccedila do termo em Paulo Em sua

teologia a paternidade de Deus eacute vista em trecircs dimensotildees Deus eacute o Pai de Jesus eacute

o Pai dos cristatildeos e eacute o Pai do mundo Com efeito Guthrie opina que ldquonatildeo haacute

nenhum outro conceito de Deus que domine a teologia de Paulo mais do que

esserdquo535 A questatildeo que se levanta eacute qual a dimensatildeo dessa paternidade estaacute

presente em Fl 211 Em outras palavras Deus eacute pai de quem aqui536 Kaumlsemann

529 FOWL S Philippians p 104 530 MARTIN R P A Hymn of Christ p 274 531 MARTIN R P A Hymn of Christ p 275-276 532 HAWTHORNE G F Philippians p 117 533 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 251 534 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo p 121 535 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 383 536 Ao que tudo indica o primeiro a elaborar essas trecircs possibilidades para o termo πατρός na passagem foi Lohmeyer Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 277

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favorece agrave paternidade sobre agrave criaccedilatildeo537 Na sua opiniatildeo o hino como um todo

descreve a inter-relaccedilatildeo entre dois mundos o divino e o humano Cristo sai do

mundo divino entra no mundo humano e depois volta ao mundo divino O ponto

segundo Kaumlsemann eacute que nessa volta quando Cristo eacute exaltado como Senhor do

cosmos os dois ldquomundosrdquo estatildeo unidos debaixo do mesmo Senhor Atraveacutes do

evento escatoloacutegico descrito pelo hino ocorreu uma reconciliaccedilatildeo do cosmos com

a divindade Em outras palavras a instalaccedilatildeo de Jesus como Senhor possibilita

que Deus exerccedila sua paternidade sobre o universo538 Na verdade assim como o

Cristo preexistente foi o mediador da criaccedilatildeo o Cristo exaltado eacute o mediador da

salvaccedilatildeo e da nova criaccedilatildeo conduzindo o universo atual aos novos ceacuteus e nova

terra um novo cosmos em comunhatildeo com o Pai539 Naturalmente nem todos

aceitam e desfrutam dessa paternidade da mesma forma mas ela foi tornada

possiacutevel e estaacute disponiacutevel por assim dizer por causa da vitoacuteria de Jesus que pocircs

fim ao conflito coacutesmico Portanto para Fl 26-11 o senhorio de Jesus e a

paternidade de Deus andam juntos

Outrossim o substantivo δόξα expressa o que Deus Pai vai receber No

Novo Testamento o termo carrega o sentido veterotestamentaacuterio da ה כבוד יהו

podendo ser usado para expressar a manifestaccedilatildeo visiacutevel da divindade ou de seus

atributos Tambeacutem no Novo Testamento encontra-se o significado de louvor que eacute

destinado a Deus Eacute exatamente isso que εἰς δόξαν quer dizer aqui que Deus Pai

seja glorificado O tema aparece alhures em Paulo tanto quando ele recomenda

que todas as coisas devem ser feitas para a gloacuteria de Deus (Rm 157 2Cor 415)

como em doxologias como a de Fl 420 τῷ δὲ θεῷ καὶ πατρὶ ἡμῶν ἡ δόξα εἰς τοὺς

αἰῶνας τῶν αἰώνων ἀμήν (cf Rm 1627 2Tm 418) Proacuteximo a Fl 211 eacute tambeacutem

a primeira parte do texto de Ef 117 ἵνα ὁ θεὸς τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ ὁ

πατὴρ τῆς δόξης

No caso de Filipenses o termo δόξα possui ainda um caraacuteter soacutecio-poliacutetico

Ele traz em si a conotaccedilatildeo de fama honra e reconhecimento de status E como jaacute

537 Quanto a isso Kaumlsemann eacute seguido por MARTIN R P A Hymn of Christ p 277-278 538 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 113-114 Na mesma direccedilatildeo Byrne ldquoo objetivo final da sequecircncia inteira [Fl 26-11] eacute recuperar o universo para a soberania e gloacuteria de Deus O papel e a dignidade de Cristo satildeo meios e estatildeo subordinados a issordquo BYRNE B A carta aos Filipenses In NCBSJ p 448 539 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 504 ldquoA protologia e a escatologia a histoacuteria universal e a histoacuteria individual estatildeo em Paulo numa correspondecircncia muacutetua porque Deus eacute o princiacutepio e a meta de tudo o que existerdquo

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observado havia em Filipos e por todo o impeacuterio romano o chamado cursus

honorum uma cultura de valorizaccedilatildeo do prestiacutegio e reconhecimento puacuteblicos Sob

esse aspecto o uacuteltimo segmento do hino mostra que a exaltaccedilatildeo de Jesus

funcionou como a manifestaccedilatildeo puacuteblica da honra divina540 Eacute como se na

exaltaccedilatildeo de Jesus Deus manifestasse seus atributos ao mundo e fosse por ele

assim reconhecido (embora dentro de uma tensatildeo escatoloacutegica) De forma curiosa

esta perspectiva faz um link com o proacuteprio sentido veterotestamentaacuterio de δόξα

que eacute a manifestaccedilatildeo visiacutevel do poder e presenccedila divinos

65 Monoteiacutesmo cristoloacutegico

Na histoacuteria da Igreja os grandes conciacutelios ecumecircnicos satildeo em grande parte

a histoacuteria da discussatildeo em torno da divindade de Jesus E apoacutes a consolidaccedilatildeo

dessa doutrina e da doutrina da trindade no seacuteculo V o cristianismo nos seus

diversos segmentos natildeo experimentou mudanccedilas significativas a esse respeito O

desenvolvimento a partir do seacuteculo XVIII da criacutetica histoacuterica e sua aplicaccedilatildeo na

exegese do Novo Testamento mudou um pouco esse quadro Uma das questotildees

levantadas conforme jaacute observado neste trabalho eacute o suposto dualismo entre

cristianismo judaico e cristianismo gentiacutelico Como exemplo pode-se citar a

polecircmica afirmaccedilatildeo de Casey ldquoA deidade de Jesus eacute inerentemente natildeo judaica

a feacute que um segundo ser eacute Deus envolve a saiacuteda da comunidade judaicardquo541

Contudo a despeito de posiccedilotildees extremadas como esta cada vez mais a exegese

do Novo Testamento admite que os primeiros cristatildeos judeus jaacute criam na

divindade de Jesus sem que isso significasse uma renuacutencia ao seu monoteiacutesmo

Nesse processo eacute importante registrar o entendimento atual de que jaacute

havia no judaiacutesmo uma reflexatildeo acerca de agentes divinos muito proacuteximos de

Deus mas distintos dele o que natildeo era considerado um abandono do monoteiacutesmo

Esse papel podia ser desempenhado por figuras histoacutericas do passado como

Enoque pelo ldquoanjo de YHWHrdquo (Gn 167-14 181-22 Ex 32-6) ou mesmo pelo

Messias Tambeacutem haviam especulaccedilotildees sobre hipoacutestases ou personificaccedilotildees da

540 HELLERMAN J H Philippians p 124-125 541 CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 176

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divindade separadas dela envolvendo a Toraacute e a Sabedoria Divina542 aleacutem de

tradiccedilotildees judaicas que descreviam a exaltaccedilatildeo ao ceacuteu e a glorificaccedilatildeo de Adatildeo543

Quer dizer que para a feacute judaica ldquoDeus natildeo era considerado um no sentido

matemaacutetico de ser unitaacuteriordquo544 Esses antecedentes ajudam a mostrar que a

reflexatildeo cristatilde neotestamentaacuteria natildeo era desprovida de conexotildees com o judaiacutesmo

Mas daiacute a identificar um personagem contemporacircneo morto em uma cruz como

divino havia uma grande distacircncia De fato esta eacute uma das trecircs diferenccedilas baacutesicas

entre a especulaccedilatildeo acerca dos agentes divinos e a cristologia do Novo

Testamento a saber aqueles nunca eram vistos como pessoas de valor igual a

Deus e com campos autocircnomos de atuaccedilatildeo nunca recebiam adoraccedilatildeo cuacuteltica e

era inconcebiacutevel que algueacutem morto de forma tatildeo vergonhosa fosse venerado como

agente de Deus de alguma forma ligado a ele545

Como observado antes a ressurreiccedilatildeo foi o grande acontecimento que

impactou a feacute dos disciacutepulos de Jesus pois ldquoa elevaccedilatildeo ao senhorio coincide com

a ressurreiccedilatildeo de Cristo ou eacute corolaacuterio imediato delardquo546 Daiacute a compreensatildeo de

que aquele que tinha sido crucificado agora estaacute vivo e foi exaltado por Deus

forccedilou-os a uma necessaacuteria reflexatildeo teoloacutegica O primeiro passo importante foi

olhar para os textos do Antigo Testamento como Sl 1101547 Entre outros a

releitura desse texto a partir da exaltaccedilatildeo de Jesus foi muito importante para

atribuir soberania a Jesus pois permitiu entender o Jesus exaltado ao lado de Deus

Pai exercendo domiacutenio sobre a criaccedilatildeo E sendo a soberania um traccedilo fundamental

do Deus de Israel essa reflexatildeo permitiu que os cristatildeos incluiacutessem Jesus na

identidade do Deus uacutenico548 Aqui destaca-se tambeacutem a utilizaccedilatildeo do tiacutetulo

κύριος pois a soberania sobre o cosmos assumida por Jesus a partir da sua

542 WHITERINGTON III B Cristologia p 317 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 380 394 543 DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 337 544 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 394 545 SCHNELL U Paulo Vida e Pensamento p 608 546 DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 294 547 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 128-129 considera que este foi um passo decisivo para o cristianismo helenista entretanto este passo jaacute tinha se antecipado no cristianismo de fala aramaica 548 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 130 Ao contraacuterio DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 300-303 acredita que Paulo nunca fez essa identificaccedilatildeo de Jesus com Deus Aliaacutes para ele o proacuteprio uso de κύριος servia natildeo para identificar Jesus com Deus mas para distinguir Jesus de Deus

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exaltaccedilatildeo eacute exatamente descrita por essa designaccedilatildeo549 O senhorio de Jesus sobre

a criaccedilatildeo vai muito aleacutem do que Deus desejou para o homem na criaccedilatildeo (Gn 126

Sl 86)550 Esse senhorio significa a soberania de Jesus sobre o universo soberania

que ele recebe das matildeos do proacuteprio Deus o que no hino eacute expresso pela doaccedilatildeo

do nome sobre todo nome que eacute de fato a funccedilatildeo de κύριος Atraveacutes desse tiacutetulo

os primeiros cristatildeos desenvolveram e fortaleceram essa cristologia aplicando a

Jesus textos do Antigo Testamento que falavam de YHWH da sua soberania e da

esperanccedila que um dia todos os povos se submetessem a ele que nunca foi a

esperanccedila veterotestamentaacuteria para Adatildeo551 Eacute o caso da jaacute citada alusatildeo a Is 4523

aqui em Filipenses pois enquanto Isaiacuteas espera o dia em que todos se prostraratildeo e

confessaratildeo o nome de YHWH o texto paulino afirma que essa esperanccedila jaacute eacute

realidade para o nome de Jesus552

A atribuiccedilatildeo a Jesus do tiacutetulo Kyrios tem outra consequecircncia a mais que todos os tiacutetulos dados a Deus ndash agrave exceccedilatildeo do nome de ldquoPairdquo ndash podiam doravante ser conferidos a Jesus Se de acordo com a feacute primitiva o nome ldquoque eacute sobre todo nomerdquo isto eacute o nome mesmo de Deus ldquoSenhorrdquo Adonai Kyrios foi dado a Jesus desde a sua glorificaccedilatildeo a transferecircncia de atributos divinos tornou-se ilimitada553

E nessa reflexatildeo sobre a feacute na divindade de Jesus e o monoteiacutesmo tambeacutem

eacute interessante notar ainda relaccedilatildeo existente entre κύριος e θεός A LXX apresenta

549 Textos como o proacutelogo do quarto evangelho e Cl 115-20 acentuam a obra do Cristo preexistente sobre a criaccedilatildeo Note-se todavia que nestes textos o destaque recai tanto sobre a preexistecircncia do Cristo quanto sobre seu papel de mediador da criaccedilatildeo Ele eacute anterior e mediador da criaccedilatildeo de ldquotodas as coisas nos ceacuteus e sobre a terra as visiacuteveis e as invisiacuteveis sejam tronos sejam soberanias quer principados quer potestadesrdquo (Cl 116) O proacuteprio Paulo assume essa visatildeo no texto jaacute discutido de 1Cor 86 Os dois textos expressam a mediaccedilatildeo de Jesus sobre a criaccedilatildeo pela preposiccedilatildeo διὰ Mas Colossenses vai aleacutem e acrescenta a preposiccedilatildeo εἰς indicando que de alguma forma a criaccedilatildeo foi estabelecida para o Filho de Deus Pode-se conjecturar que eacute na exaltaccedilatildeo quando Cristo assume a soberania sobre o Cosmos na grande virada escatoloacutegica que esse εἰς comeccedila a ser cumprido alcanccedilado sua plenitude no novo ceacuteu e nova terra Essa perspectiva evidencia que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute muito mais do que a vindicaccedilatildeo do justo sofredor 550 Contrariamente ao que pensa WRIGHT N T The Climax of Covenant p 93 apesar de afirmar um pouco mais agrave frente (p95) ldquoA tarefa do homem que iria representar Israel e salvar o mundo eacute a tarefa a qual na linguagem do Antigo Testamento estaacute (embora paradoxalmente) reservada para o proacuteprio Deusrdquo 551 BAUCKHAM R The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 139 observa que eacute inviaacutevel interpretar Fl 26-11 como uma cristologia adacircmica e tirar o inteiro significado teoloacutegico da alusatildeo a Is 4523 Ele considera que Wright fracassou nessa tentativa 552 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p xxvi mostra que os rabinos Tannaim (que atuaram entre os anos 10 e 220 depois de Cristo) recorriam a Isaiacuteas 44-47 em sua defesa do monoteiacutesmo contra tendecircncias dentro do judaiacutesmo que o ameaccedilavam 553 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 308-309 Grifos dele

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os dois termos bem proacuteximos quase intercambiaacuteveis554 Entre os gentios agrave

exceccedilatildeo dos gregos o colorido divino de κύριος eacute indiscutiacutevel555 E esse

pensamento tornou-se a cosmovisatildeo helenista a ponto de o proacuteprio imperador

romano ganhar traccedilos de divindade ao ser aclamado como senhor Desse modo

seja para a percepccedilatildeo judaica seja para a percepccedilatildeo gentiacutelica chamar Jesus de

Senhor trazia claras implicaccedilotildees de divindade556

Assim sendo dentro da rigorosa feacute monoteiacutesta judaica a feacute na divindade

de Jesus produziu um novo tipo de monoteiacutesmo o chamado ldquomonoteiacutesmo

cristoloacutegicordquo A ideia eacute que Jesus natildeo passou a ser algo que Deus deixou de ser557

A feacute dos cristatildeos no senhorio de Cristo natildeo alterou sua convicccedilatildeo na soberania de

Deus558 Prova disso eacute que os primeiros cristatildeos natildeo deixaram de se referir a Deus

como ldquoSenhorrdquo quando passaram a designar Jesus com este tiacutetulo No caso de

Paulo a sua cristologia natildeo substituiu sua teologia Ao contraacuterio a sua cristologia

deve ser entendida dentro da sua teologia Quando Paulo trata de Jesus estaacute

lidando com o plano de salvaccedilatildeo traccedilado por Deus559

O corpus paulino oferece muitas indicaccedilotildees do fenocircmeno do monoteiacutesmo

cristoloacutegico 1Cor 86 por exemplo funciona como uma definiccedilatildeo desse

fenocircmeno As foacutermulas de becircnccedilatildeo sobretudo nas saudaccedilotildees das cartas paulinas

apontam na mesma direccedilatildeo ldquoχάρις ὑμῖν καὶ εἰρήνη ἀπὸ θεοῦ πατρὸς ἡμῶν καὶ

554 LONGENECKER R N The Christology of Early Jewish Christianity p 136 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1046 propotildeem que o exemplo mais antigo do uso de κύριος para uma divindade eacute a proacutepria LXX Isso prova como eles reconhecem que a escolha do termo natildeo foi por intermeacutedio da influecircncia helenista 555 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1046-1051 Segundo eles a noccedilatildeo de um deus soberano senhor da realidade era totalmente estranha aos gregos 556 Contra a opiniatildeo de CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 176 557 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 302 558 HURTADO L W The Origin of the Nomina Sacra a proposal p 663 671-673 defende que a reverecircncia demonstrada atraveacutes da abreviaccedilatildeo dos nomes divinos e cristoloacutegicos evidencia o padratildeo ldquobinitarianordquo de devoccedilatildeo existente no cristianismo primitivo Natildeo obstante ele salienta que esse fenocircmeno estava ligado aos ciacuterculos cristatildeos ldquoortodoxosrdquo de forte tradiccedilatildeo e conexatildeo com as tradiccedilotildees judaicas e o Antigo Testamento 559 WHITERINGTON III B Cristologia In DPC p 317 319 Em uma fraseologia mais polecircmica Kreitzer assevera que ldquoPaulo manteacutem um forte tom de subordinaccedilatildeo de Jesus Cristo a Deus Pai mesmo nas passagens mais exaltadasrdquo Aqui ele inclui Fl 211 KREITZER L J Escatologia In DPC p 474

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κυρίου Ἰησοῦ Χριστοῦrdquo560 E nesse elenco o texto inteiro de Fl 26-11 merece

destaque Essa natildeo eacute a histoacuteria dos feitos do grande heroacutei Jesus E exatamente na

segunda parte do hino fica expliacutecito que quem exaltou Jesus foi Deus Pai E eacute

Deus Pai quem daacute de forma graciosa ao Jesus exaltado seu proacuteprio nome E

finalmente o cliacutemax do hino a confissatildeo de Jesus como Senhor eacute nada menos do

que para a gloacuteria do Pai Portanto desde as primeiras reflexotildees os cristatildeos

entendiam que a feacute em Jesus e a adoraccedilatildeo dirigida a ele nada tinha a ver com um

segundo Deus Ocorreu que eles incluiacuteram Jesus no culto de adoraccedilatildeo a Deus e

por consequecircncia incluiacuteram Jesus no monoteiacutesmo que eles professavam561

Natildeo se encontra em Paulo poreacutem uma apresentaccedilatildeo desenvolvida acerca

da Trindade562 Paulo prepara um caminho que seraacute trilhado depois pela Igreja

Tambeacutem natildeo se deve qualificar Paulo como um ldquocristomonistardquo isto eacute como se a

cristologia fosse a uacutenica forma da teologia paulina563 A seccedilatildeo de Fl 29-11

expressa isso de forma categoacuterica pois ao mesmo tempo que daacute a Jesus a mais

alta exaltaccedilatildeo mostra que isso tudo ocorre por intermeacutedio de Deus Pai Eacute certo

que o pensamento paulino estaacute distante de perspectivas como o marcionismo que

separam Jesus do Deus do Antigo Testamento A cristologia talvez funcione no

pensamento paulino como o epicentro de onde ele articula uma tripla narrativa de

Deus de Israel e do mundo

560 A foacutermula eacute repetida de forma idecircntica em Rm 17 1Cor 13 Gl 13 Ef 12 Fl 12 2Ts 12 Fm 3 As cartas a Timoacuteteo acrescentam ἔλεος apoacutes χάρις 1Tm 12 2Tm 12 Das 13 cartas atribuiacutedas a Paulo no Novo Testamento apenas Colossenses e Tito natildeo possuem a foacutermula na saudaccedilatildeo e em 1Tessalonicesses encontra-se uma adaptaccedilatildeo da formulaccedilatildeo (1Ts 11) As cartas paulinas tambeacutem usam uma expressatildeo fixa para as despedidas poreacutem aleacutem da formulaccedilatildeo oscilar mais do que nas saudaccedilotildees a becircnccedilatildeo eacute relacionada apenas com Jesus Cristo A frase padratildeo eacute Ἡ χάρις τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ μεθ᾽ ὑμῶν Encontra-se (com pequenas variaccedilotildees) em Rm 1620 1Cor 1623 Fl 423 1Ts 528 2Ts 318 Fm 12 Quanto agrave origem nada impede que Paulo tenha sido o criador destas foacutermulas mas a maneira recorrente e fixa (no conteuacutedo e na disposiccedilatildeo dos termos) em que elas aparecem indicam que elas ecoam elementos lituacutergicos Cf HURTADO L W Senhor In DPC p 116 KRAMER W Christ Lord e Son of God p 90-93 151-156 considera que as foacutermulas de despedidas satildeo preacute-paulinas e de origem lituacutergica Jaacute as saudaccedilotildees seriam de autoria paulina ainda que Paulo tenha feito uso de elementos lituacutergicos anteriores a ele A distinccedilatildeo entretanto natildeo eacute boa devido agrave similaridade entre as foacutermulas A origem lituacutergica pode explicar a ocorrecircncia quase idecircntica ao uso paulino que aparece em Ap 2221 Ἡ χάρις τοῦ κυρίου Ἰησοῦ μετὰ πάντων 561 Ao contraacuterio do ciacuterculo paulino parece que as tradiccedilotildees joaninas lidaram com a acusaccedilatildeo de que a feacute em Cristo era uma ameaccedila ao monoteiacutesmo como testemunham Jo 518 e 1030-33 562 Natildeo se justifica uma afirmaccedilatildeo como a de Basevi segundo o qual nesse momento o autor ldquopotildee em evidecircncia o aspecto trinitaacuterio do textordquo BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 470 563 Bem observado por WHITERINGTON III B Cristologia In DPC p 318 Nessa linha parece que a expressatildeo ldquoteologia cristocecircntricardquo faz mais jus ao pensamento paulino do que o contraacuterio

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65 Conclusatildeo do capiacutetulo

Este capiacutetulo comeccedilou mostrando que a confissatildeo de feacute κύριος Ἰησοῦς

Χριστὸς responde agrave pergunta quem Jesus eacute hoje A essa altura fica claro quanta

coisa Jesus eacute quando eacute afirmado que ele eacute Senhor Afirma-se que Jesus eacute divino

sem discutir o ser divino ou o relacionamento entre Jesus e Deus Em que pese

essa divindade jaacute estivesse expressa no iniacutecio do hino aqui atesta-se que Jesus eacute

divino porque possui o mesmo nome de Deus tem a mesma autoridade soberana

sobre o universo que Deus e deve receber a obediecircncia e a adoraccedilatildeo que antes

eram devidas somente a Deus Essa uacuteltima frase demonstra que o fechamento do

hino que acabou de ser analisado eacute uma fundamental afirmaccedilatildeo da feacute cristatilde e do

culto cristatildeo um passo importante na direccedilatildeo da posterior doutrina da Trindade

Afirma-se ainda nesse toacutepico que nesse hoje Jesus jaacute estaacute exercendo sua

soberania sendo Senhor sobre os anjos as potestades espirituais e sobre todos os

governantes dessa Terra inclusive acima do imperador romano Por tudo isso o

segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός estudado nesse

capiacutetulo eacute o adequado e merecido gran finale para o hino de Fl 26-11

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Conclusatildeo

O objetivo formal deste trabalho foi pesquisar a exaltaccedilatildeo de Jesus conforme

retratada em Filipenses 29-11 que eacute a segunda parte da periacutecope de 26-11 Esta

passagem eacute um texto fundamental para a compreensatildeo da cristologia do Novo

Testamento porque em poucos versiacuteculos ela descreve as trecircs principais etapas do

evento Cristo a preexistecircncia a existecircncia encarnada que culmina na morte de cruz

e a sua poacutes-existecircncia exaltada E justo por essa concentraccedilatildeo cristoloacutegica ao longo

da histoacuteria da teologia Fl 26-11 sempre foi um campo muito feacutertil para a reflexatildeo

dogmaacutetica Na patriacutestica por exemplo foi um dos textos da Escritura mais

comentados pelos pais564 Nesse periacuteodo a exposiccedilatildeo da passagem era estritamente

teoloacutegica girando acima de tudo em torno da divindade e da humanidade de Jesus

as relaccedilotildees trinitaacuterias entre o Filho e o Pai supostas pelo texto a adoraccedilatildeo ao Cristo

divino junto com Deus Pai e do ponto de vista pastoral a humildade de Cristo

como exemplo para os cristatildeos565 O pano de fundo era a discussatildeo com o arianismo

e a argumentaccedilatildeo se concentra na primeira parte do hino (Fl 26-8)

A exegese teoloacutegica desenvolvida durante a reforma protestante seguiu os

mesmos trilhos da patriacutestica O epicentro da exposiccedilatildeo gira em torno das duas

naturezas de Cristo mas houve uma ecircnfase ainda maior no tema de Cristo como

modelo de humildade566 No periacuteodo entre o final do seacuteculo XIX e o iniacutecio do seacuteculo

XX aleacutem dos temas jaacute mencionados eacute possiacutevel destacar trecircs linhas de interpretaccedilatildeo

na exegese teoloacutegica da passagem Primeiro a ldquovisatildeo dogmaacuteticardquo desenvolvida por

luteranos que defende que o versiacuteculo 6 faz referecircncia apenas ao ministeacuterio terreno

de Jesus sem qualquer conexatildeo com a preexistecircncia567 Segundo a teoria kenoacutetica

redigida na sua forma claacutessica por G Thomasius em 1857 que propotildee que no

versiacuteculo 7 o esvaziamento do Filho de Deus envolveu a renuacutencia dos atributos da

onisciecircncia e da onipotecircncia568 Terceiro a interpretaccedilatildeo eacutetica que enxerga a

periacutecope como exortaccedilatildeo de Paulo aos cristatildeos a fim de imitarem a atitude de Cristo

que natildeo se apegou a sua gloacuteria ao seu status divino mas abriu matildeo em favor da

564 EDWARDS M J (ed) Galatians Ephesians Philippians 1999 p 236 565 Ibid p 236-256 566 TOMLIN G Comentaacuterio Biacuteblico da Reforma ndash Filipenses e Colossenses p 89-98 567 MARTIN R P A Hymn a Christ p 63-65 No final do seacuteculo XX essa interpretaccedilatildeo ganhou uma formulaccedilatildeo exegeacutetica atraveacutes da ldquocristologia adacircmicardquo desenvolvida por J D G Dunn 568 MARTIN R P A Hymn a Christ p 66-68

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salvaccedilatildeo da humanidade Da mesma forma os filipenses deveriam abrir matildeo de

todo orgulho no intuito de preservar a unidade da igreja569

O ponto de partida para a pesquisa exegeacutetica contemporacircnea de Fl 26-11

pode ser localizado em 1928 com a publicaccedilatildeo dos trabalhos de Ernst Lohmeyer

Quase 90 anos depois a quantidade de literatura especializada em torno destes seis

versiacuteculos eacute gigantesca Nesse periacuteodo os autores mais influentes em relaccedilatildeo agrave

passagem aleacutem de Lohmeyer foram E Kaumlsemann N T Wright e R P Martin570

O referencial para a realizaccedilatildeo desta pesquisa foram especialmente

Kaumlsemann e Martin Seguindo a sugestatildeo de ambos procurou-se dar o devido valor

aos versiacuteculos 9-11 no conjunto do hino cristoloacutegico fazendo assim uma leitura

progressiva do hino que culmina na exaltaccedilatildeo de Jesus o verdadeiro cliacutemax da

passagem

O caminho seguido para o desenvolvimento dessa proposta teve como

primeira estaccedilatildeo a discussatildeo em torno da carta aos Filipenses A carta eacute endereccedilada

a uma igreja fundada pelo apoacutestolo Paulo entre os anos 48-50 dC Era uma

comunidade com a qual ele tinha um estreito relacionamento pastoral Com efeito

o objetivo principal da carta eacute agradecer o apoio financeiro que o apoacutestolo recebeu

desta igreja e apresentar seus planos para estar em contato com a comunidade

primeiro de enviar missionaacuterios ateacute laacute e depois dele mesmo estar pessoalmente com

os filipenses E aproveitando o ensejo da correspondecircncia o apoacutestolo faz algumas

exortaccedilotildees agrave igreja sobretudo em relaccedilatildeo a adversaacuterios que se levantavam dentro e

fora da igreja

Do ponto de vista socioloacutegico o principal ponto a considerar eacute que a igreja

de Filipos estava localizada em uma colocircnia romana com boa parte da populaccedilatildeo

sendo romana e uma fortiacutessima influecircncia cultural de Roma Quando Paulo escreve

a carta estaacute preso possivelmente na capital do impeacuterio Esse pano de fundo eacute de

fato uma poderosa influecircncia na redaccedilatildeo de Filipenses de modo que por toda a

carta sobretudo em Fl 26-11 percebe-se um vocabulaacuterio e uma narrativa teoloacutegica

que interagem de forma criacutetica com a cultura a poliacutetica e a religiatildeo romanas

569 MARTIN R P A Hymn a Christ p 68-74 570 Martin considera os trecircs primeiros os marcos fundamentais na intepretaccedilatildeo de Fl 26-11 Cf MARTIN R P Carmen Christi Revisited p 1 Contudo o proacuteprio Martin deve ser incluiacutedo pois a sua obra A Hymn of Christ lanccedilada em 1967 (com o tiacutetulo Carmen Christi) atualizada em 1983 e depois em 1997 eacute de longe a pesquisa mais ampla acerca dos temas e da histoacuteria da exegese de Fl 26-11 no seacuteculo XX

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Quanto agrave autoria da carta natildeo haacute duacutevidas de que ela tenha sido escrita pelo

apoacutestolo Paulo e embora exista razoaacutevel debate se o formato atual seja o resultado

da uniatildeo de vaacuterias cartas menores que Paulo enviou agrave igreja a evidecircncia manuscrita

e histoacuterica favorece agrave tese de que a carta sempre existiu como hoje se encontra no

Novo Testamento

O objeto material deste trabalho foi o texto de Fl 29-11 que eacute uma parte

literariamente distinguiacutevel da passagem de Fl 26-11 que por sua vez estaacute inserida

na seccedilatildeo pareneacutetica da carta que vai de 127 a 217 mas eacute uma unidade textual

distinta entre outros motivos justamente porque a parecircnese eacute dominada por

imperativos que Paulo dirige agrave comunidade enquanto que em 26-11 os verbos

principais passam do imperativo para o indicativo e da 2ordf pessoa para a 3ordf pessoa

passando-se da exortaccedilatildeo para a narraccedilatildeo uma narrativa teoloacutegica de eventos

relacionados a Jesus A plausibilidade de se trabalhar apenas com os versiacuteculos 29-

11 eacute verificada sobretudo por duas mudanccedilas primeiro do sujeito dos verbos

principais que em 6-8 eacute o Filho de Deus e em 9-11 eacute Deus Pai depois da temaacutetica

pois na primeira parte haacute uma sucessatildeo de accedilotildees na descendente que vai da gloacuteria

preexistente ateacute agrave morte de cruz e na segunda parte haacute uma accedilatildeo uacutenica na

ascendente que eacute a exaltaccedilatildeo de Jesus e a descriccedilatildeo dos desdobramentos desse

evento Destarte a pesquisa evidenciou que entre as diversas propostas de

estruturaccedilatildeo do hino a divisatildeo em duas partes eacute que possui maior apoio acadecircmico

E considerando que a criacutetica textual natildeo encontrou motivos razoaacuteveis para

alteraccedilatildeo do texto grego apresentado por Nestle-Aland28571 a traduccedilatildeo proposta e

utilizada para esta dissertaccedilatildeo foi a seguinte 9E por isso Deus o exaltou sobremaneira e o agraciou com o nome acima de todo o nome 10a fim de que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 11e toda liacutengua confesse que Jesus Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

O segundo momento deste trabalho foi discorrer sobre as principais linhas

da interpretaccedilatildeo contemporacircnea de Fl 26-11 fazendo o Status Quaestionis572 O

primeiro debate seacuterio eacute acerca do gecircnero literaacuterio e da estrutura da passagem Desde

571 Novum Testametum Graece 572 Como vaacuterias questotildees (autoria gecircnero pano de fundo relaccedilatildeo com o contexto da carta entre outros) dizem respeito ao texto como um todo e natildeo soacute a 29-11 optou-se por fazer o Status

Quaestionis tendo em vista Fl 26-11 com destaque para os pontos diretamente relacionados agrave segunda parte do hino

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Lohmeyer a classificaccedilatildeo da mesma como hino se tornou predominante entre os

estudiosos De fato eacute quase unacircnime a opiniatildeo de que a passagem foi construiacuteda de

maneira poeacutetica mas o consenso termina na hora de definir qual eacute o gecircnero literaacuterio

usado nessa peccedila poeacutetica Vaacuterios argumentos foram levantados contra a designaccedilatildeo

do texto como hino e apesar de uma seacuterie de outras classificaccedilotildees literaacuterias terem

sido apresentadas a que ainda possui maior adesatildeo e mais argumentos em seu favor

eacute a classificaccedilatildeo de Fl 26-11 como um hino dividido em duas partes versiacuteculos 6-

8 e 9-11

Tambeacutem natildeo haacute concordacircncia quanto ao pano de fundo para interpretaccedilatildeo

do hino Satildeo vaacuterias propostas helenismo religioso o servo sofredor de YHWH a

sabedoria judaica Gn 1 e 3 e a comparaccedilatildeo com Adatildeo tradiccedilotildees relacionadas ao

ministeacuterio terreno de Jesus entre outras Na pesquisa recente o toacutepico mais

discutido eacute a leitura do hino em termos de uma cristologia adacircmica seja na forma

apresentada por J D G Dunn seja no modelo alternativo de N T Wright Mas

esse eacute daqueles problemas exegeacuteticos insoluacuteveis e talvez o melhor mesmo seja

encarar o texto como uma composiccedilatildeo cristatilde que interage (intencionalmente ou

natildeo) com vaacuterias tradiccedilotildees do mundo religioso contemporacircneo em especial do

contexto judaico-cristatildeo

Algo que parece caminhar para o consenso eacute a opiniatildeo sobre a autoria da

passagem Nos uacuteltimos 25 anos a maioria dos estudiosos da passagem tecircm sido

persuadidos pelos argumentos em favor da autoria paulina Essa eacute uma mudanccedila

significativa nos estudos neotestamentaacuterios pois Fl 26-11 foi e ainda eacute amplamente

usado como testemunho da cristologia e da liturgia do cristianismo preacute-paulino573

Por certo a autoria paulina natildeo exclui que o apoacutestolo herdou (como de fato ele

reconhece entre outros lugares em 1Cor 153 1123) e trabalhou a partir de

conteuacutedos foacutermulas e ecircnfases que jaacute existiam no cristianismo quando ele inicia sua

caminhada cristatilde e antes de ele iniciar sua produccedilatildeo literaacuteria Natildeo obstante a

alteraccedilatildeo na perspectiva do autor faz do texto um testemunho direto da teologia

paulina e natildeo do cristianismo preacute-paulino

573 Veja-se por exemplo J Gnilka que como outros antes dele entende a passagem como uma composiccedilatildeo preacute-paulina e assim enxerga a teologia paulina exclusivamente nas alteraccedilotildees que o apoacutestolo teria feito ao hino original Forma-se um castelo de hipoacutetese supotildee-se que Fl 26-11 existia antes de ser publicada na carta que Paulo escreveu supotildee-se que essa versatildeo anterior era um pouco diferente desta utilizada por Paulo e supotildee-se ainda que o apoacutestolo teria feito certas inserccedilotildees nessa versatildeo interior Simplesmente nenhuma das trecircs hipoacuteteses pode ser provada Cf GNILKA J O Elemento preacute-paulino no Querigma Paulino p 75-77

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Outro ponto fundamental na pesquisa sobre Fl 26-11 eacute a relaccedilatildeo entre o

texto e o seu contexto de modo especiacutefico a funccedilatildeo que o hino desempenha na

parecircnese paulina A discussatildeo passa essencialmente pela exegese do versiacuteculo 25

que introduz o hino fazendo sua ligaccedilatildeo com o contexto A chamada interpretaccedilatildeo

eacutetica toma a expressatildeo ἐν Χριστῷ que ocorre neste versiacuteculo de forma literal e

entende que aqui Paulo motiva os cristatildeos a olharem para Jesus Cristo como

exemplo das principais virtudes que eles deveriam apresentar Por traacutes de Fl 26-11

estaria o tema que aparece alhures em Paulo da imitaccedilatildeo a Cristo A primeira criacutetica

importante contra esta interpretaccedilatildeo bastante popular veio por intermeacutedio de Karl

Barth Ele observou ldquonatildeo eacute por uma referecircncia ao exemplo de Cristo que Paulo

quer fortalecer o argumento de 21-4rdquo574 Seguindo alguns insights de Barth

Kaumlsemann fez dessa questatildeo o tema principal da sua exegese da passagem

tornando-se o propositor da chamada interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica de Fl 26-11

A argumentaccedilatildeo apresentada por ele comeccedila na exegese do versiacuteculo 25

Aleacutem de entender a expressatildeo ἐν ὑμῖν coletivamente (ldquoentre vocecircsrdquo) e suprir em

25b a lacuna verbal com uma forma presente do verbo φρονέω o pilar principal da

exegese de Kaumlsemann foi dar o devido peso teoloacutegico agrave expressatildeo ἐν Χριστῷ Esta

importante expressatildeo combina perspectivas soterioloacutegicas escatoloacutegicas

eclesioloacutegicas e existenciais cujo sentido baacutesico eacute o espaccedilo de influecircncia para onde

a pessoa eacute trazida quando eacute alcanccedilada pela graccedila da salvaccedilatildeo (sentido que ele tomou

de Barth) com todos os dons relacionados mas tambeacutem com os imperativos da

vida cristatilde Nesse caso a exortaccedilatildeo paulina eacute que os cristatildeos devem viver em

conformidade como essa nova realidade (soterioloacutegica escatoloacutegica eclesioloacutegica

e existencial) para onde foram levados que eacute o espaccedilo do senhorio de Jesus O

objetivo natildeo eacute imitar Cristo mas obedecer a este que eacute o Senhor de todas coisas

conforme a confissatildeo feita no final do hino Essa maneira de olhar o texto natildeo soacute

afasta a temaacutetica da imitaccedilatildeo a Jesus como daacute o devido valor aos versiacuteculos 29-

11 O texto inteiro eacute visto como a narraccedilatildeo do evento escatoloacutegico que resultou no

senhorio universal de Jesus De fato o cliacutemax do hino eacute o senhorio de Jesus Quem

estaacute ἐν Χριστῷ estaacute debaixo do senhorio de Jesus e deve assim obedecer-lhe como

insinua o contexto imediato de 212

574 BARTH K Epistle to the Philippians p 59 Grifos dele

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A interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica tem como principal expoente contemporacircneo

R P Martin e foi certamente um dos pontos que esta dissertaccedilatildeo quis ressaltar

Considerando a popularidade da interpretaccedilatildeo eacutetica na exegese anglo-saxatilde e dada

a influecircncia desta escola na teologia brasileira e latino-americana eacute muito

necessaacuterio conhecer uma outra maneira de olhar a passagem para assim avaliar a

contribuiccedilatildeo teoloacutegica que ela faz ao entendimento do texto senatildeo como melhor

exegese no miacutenimo para corrigir inconsistecircncias da interpretaccedilatildeo eacutetica Ademais

um dos pontos que ficam para uma pesquisa posterior eacute uma investigaccedilatildeo exegeacutetica

ainda mais profunda de Fl 25 versiacuteculo chave para a compreensatildeo a conexatildeo entre

21-4 e 26-11

A terceira etapa desta dissertaccedilatildeo eacute ao mesmo tempo seu capiacutetulo central

Nele tratou-se do versiacuteculo 29 onde precisamente a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute

apresentada e sintaticamente eacute o segmento principal do periacuteodo 29-11 No

versiacuteculo 9 fica claro que o responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus eacute Deus Pai Embora

no Antigo Oriente o tema da exaltaccedilatildeo estivesse presente em vaacuterias tradiccedilotildees

parece que a principal influecircncia por traacutes de Fl 29 eacute a expectativa judaica da

exaltaccedilatildeo de Israel no final dos tempos No Novo Testamento os diversos grupos

literaacuterios reconhecem a exaltaccedilatildeo de Jesus com um acontecimento histoacuterico a partir

da sua ressurreiccedilatildeo e o consenso atual nos estudos neotestamentaacuterios eacute que essa

convicccedilatildeo retrocede agrave experiecircncia de feacute dos primeiros cristatildeos Isto eacute jaacute os

primeiros cristatildeos da comunidade de Jerusaleacutem de fala aramaica acreditavam que

Jesus Cristo estava exaltado nos ceacuteus ao lado do Pai (Sl 1101) soberano sobre todo

o universo e exatamente por isso eles podiam interagir com Jesus Cristo atraveacutes

de suas oraccedilotildees e das reuniotildees da comunidade cristatilde O consenso atual substituiu a

anterior e influente ideia de que uma cristologia do Jesus exaltado soacute foi construiacuteda

em comunidades gentiacutelicas quando o cristianismo sofre o impacto de religiotildees

pagatildes

Na cristologia paulina a exaltaccedilatildeo de Cristo eacute um tema central Para Paulo

o Cristo exaltado eacute o mesmo ser humano Jesus de Nazareacute que morreu crucificado

em Jerusaleacutem Apesar de em Fl 29 a exaltaccedilatildeo ser afirmada como um ato uacutenico a

partir de outros textos constata-se que Paulo compreendia essa exaltaccedilatildeo como

envolvendo a ressurreiccedilatildeo a ascensatildeo e a entronizaccedilatildeo de Jesus ao lado de Deus

Pai Por outro lado o principal aspecto do pensamento paulino acerca da exaltaccedilatildeo

de Jesus eacute escatologia O apoacutestolo entendeu que a exaltaccedilatildeo fazia parte da grande

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virada escatoloacutegica que aconteceu com o evento Cristo O futuro chegou e invadiu

o presente pois ele acredita que a chegada do Messias iniciou o tempo de salvaccedilatildeo

que era a expectativa judaica para o fim dos tempos Isso eacute evidenciado pela

referecircncia a Is 4523 um texto que trazia a esperanccedila de que no final dos tempos

todos os povos da terra se voltariam para YHWH confessando-o e submetendo-se

a ele Fl 29-11 mostra que essa esperanccedila se cumpriu em Jesus pois o proacuteprio Deus

o exaltou e assim o estabeleceu diante do universo como aquele que precisa ser

confessado e reverenciado Dessa forma a exaltaccedilatildeo de Jesus cumpre a expectativa

escatoloacutegica judaica do triunfo de Deus sobre os inimigos de Israel A exaltaccedilatildeo

afirma que YHWH triunfa atraveacutes de Jesus um triunfo cuja amplitude vai aleacutem dos

povos da terra mas alcanccedila todos os poderes do cosmos A dimensatildeo escatoloacutegica

tambeacutem confirma a correccedilatildeo da interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica do hino pois o propoacutesito

do texto natildeo eacute apresentar a vindicaccedilatildeo do justo sofredor mas narrar a virada

escatoloacutegica ocorrida atraveacutes da exaltaccedilatildeo de Cristo e mostrar que nesse momento

Jesus eacute muito mais do que o justo vindicado Ele eacute o Senhor do universo Mais do

que exemplo ele eacute aquele a quem todos devem obedecer e confessar

Outra tese fundamental assumida nesta dissertaccedilatildeo eacute a proposta de uma

leitura linear e progressiva do conjunto de Fl 26-11 A passagem eacute uma narrativa

cristoloacutegica (o tema eacute Jesus) que descreve o evento escatoloacutegico da encarnaccedilatildeo

crucificaccedilatildeo culminando na exaltaccedilatildeo o cliacutemax do texto conforme indicado por

R P Martin Neste sentido faz-se oposiccedilatildeo agrave perspectiva ciacuteclica que entende a

exaltaccedilatildeo como simples retorno ao estaacutegio da preexistecircncia com a uacutenica diferenccedila

que agora o Filho de Deus estaacute encarnado O ponto aqui eacute o exato entendimento do

composto verbal ὑπερύψωσεν utilizado no versiacuteculo 29 para descrever a exaltaccedilatildeo

Sem exagerar nem subestimar a forccedila da preposiccedilatildeo ὑπερ entende-se por certo que

existia uma intenccedilatildeo teoloacutegica em sua utilizaccedilatildeo que junto com outras

consideraccedilotildees eacute afirmar que a exaltaccedilatildeo levou Jesus a um status superior ao que o

Filho de Deus tinha na preexistecircncia Deixando de lado a discussatildeo dogmaacutetica sobre

essecircncias e naturezas ndash que natildeo estaacute presente no hino ndash percebe-se que a mudanccedila

natildeo foi em termos de divindade mas de funccedilatildeo a partir da exaltaccedilatildeo o Filho de

Deus desempenha uma funccedilatildeo que antes era exclusiva de Deus Pai que eacute a

soberania sobre o cosmos

Isso eacute confirmado porque sem qualquer duacutevida o hino mostra que a

exaltaccedilatildeo acarretou para Jesus a doaccedilatildeo de um novo nome Deus exaltou Jesus e

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agraciou-lhe com o nome sobre todo nome A utilizaccedilatildeo do verbo χαρίζομαι mostra

que esse novo nome e tudo o que ele representa natildeo foi conquistado a forccedila por um

Jesus revolucionaacuterio nem tampouco foi uma recompensa a um servo que foi

obediente ateacute a morte de cruz O novo nome assim como a proacutepria exaltaccedilatildeo foi

dado graciosamente pelo Pai Jesus que para os cristatildeos eacute instrumento da graccedila de

Deus na sua exaltaccedilatildeo foi destinataacuterio da mesma graccedila Qual nome Deus deu a

Jesus Eacute difiacutecil oferecer uma resposta absoluta mas de fato a proposta mais

plausiacutevel eacute a que identifica este nome com tiacutetulo Senhor explicitado no versiacuteculo

11 Nesse contexto nome significa funccedilatildeo missatildeo Um novo nome significa uma

nova funccedilatildeo desempenhada pelo Filho de Deus a partir da exaltaccedilatildeo Quer dizer que

na exaltaccedilatildeo Deus Pai daacute a Jesus privileacutegios responsabilidades e autoridade que o

Filho de Deus natildeo possuiacutea na preexistecircncia Nesta perspectiva o hino possui uma

cristologia de trecircs estaacutegios a preexistecircncia a existecircncia encarnada e a poacutes-

existecircncia exaltada que eacute caracterizada pelo senhorio de Jesus sobre o cosmos E

natildeo soacute essa soberania de Cristo eacute entendida como o cumprimento de esperanccedilas

escatoloacutegicas do povo de Israel como torna-se fundamento para a adoraccedilatildeo de Jesus

Cristo junto com Deus Pai no primitivo culto cristatildeo

E essa progressatildeo que culmina no tiacutetulo κύριος ainda ecoa criticamente a

ideologia romana do cursus honorum que buscava a divulgaccedilatildeo puacuteblica de tiacutetulos

honras cargos e tudo quanto promovesse a fama do indiviacuteduo Conforme a tese de

Hellerman Fl 26-11 apresenta uma mensagem contraacuteria um cursus pudorum pois

o Filho de Deus alcanccedilou o status maacuteximo imaginado por um cidadatildeo romano (o

κύριος isto eacute o status do imperador) seguindo um caminho de renuacutencia humildade

e sofrimento E mais do que um exemplo a ser seguido o hino proclama a dignidade

e superioridade do κύριος Jesus Cristo diante de quem todos inclusive os mais

nobres cidadatildeos de Roma deveriam dobrar os joelhos

A quarta seccedilatildeo desta pesquisa trabalhou a exegese dos versiacuteculos 210-11

com exceccedilatildeo do segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

discutido no uacuteltimo capiacutetulo Nesta etapa foi muito importante avaliar o uso que o

texto faz de Is 4523 um texto que critica a idolatria mostrando que soacute YHWH eacute

Deus e traz uma esperanccedila escatoloacutegica de um dia em que todos os povos da Terra

se voltaratildeo e se curvaratildeo diante de YHWH O hino cristoloacutegico faz duas alteraccedilotildees

significativas primeiro partindo do texto da Septuaginta ele faz uma releitura

cristoloacutegica fazendo com que aquilo que se esperava para YHWH agora se torna

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realidade em Cristo E justamente a segunda mudanccedila significativa foi no tempo

dos verbos que na LXX eram futuros e em Filipenses passam para o passado Em

outras palavras Fl 210-11 estaacute anunciando que a esperanccedila profeacutetica se cumpriu

em Jesus A exaltaccedilatildeo de Jesus marcou o iniacutecio dessa nova era escatoloacutegica que

ainda natildeo chegou em sua plenitude

A seguir o texto apresenta duas accedilotildees que devem ser feitas ἐν τῷ ὀνόματι

Ἰησοῦ Entre outras possibilidades esta expressatildeo foi tomada com causal ou seja

as accedilotildees de dobrar os joelhos e confessar indicadas imediatamente depois devem

ser feitas por conta do nome que agora Jesus tem Porque Deus o colocou como

Senhor de todo o cosmos todos devem prostrar-se diante dele O senhorio eacute a causa

eficiente e esse Senhor que merece ser reverenciado o texto deixa claro que eacute o

mesmo homem judeu que andou pela Galileacuteia tinha disciacutepulos e foi crucificado em

Jerusaleacutem Jesus Por isso a referecircncia expliacutecita ao seu nome excluindo explicaccedilotildees

mitoloacutegicas

A primeira accedilatildeo que Fl 210-11 indica que deve ocorrer diante e por causa

do nome de Jesus eacute o dobrar de joelhos Como expressatildeo religiosa era uma praacutetica

conhecida no Antigo Oriente e tambeacutem entre os judeus O que chama a atenccedilatildeo em

especial para a sensibilidade judaica eacute que fazer isso a Jesus equivalia a reconhecer

sua divindade junto com o Pai O texto tambeacutem traz o alcance dessa consequecircncia

da exaltaccedilatildeo de Jesus nos ceacuteus na Terra e debaixo da Terra Esta expressatildeo faz que

o senhorio de Jesus tenha um alcance coacutesmico Natildeo apenas seres humanos mas

todos os seres que podem ouvir esta mensagem satildeo chamados a atende-la sejam

eles visiacuteveis ou invisiacuteveis anjos democircnios ou pessoas Natildeo haacute nenhuma razatildeo

exegeacutetica ou teoloacutegica para se excluir a Igreja de todos esses que reverenciam Jesus

ao contraacuterio do que propotildeem Lohmeyer e Kaumlsemann E por sinal eacute importante

pontuar que as accedilotildees descritas em Fl 210-11 satildeo dirigidas a Jesus e natildeo a Deus

atraveacutes de Jesus

Nota-se tambeacutem nestes versiacuteculos uma tensatildeo escatoloacutegica por conta de

uma dupla perspectiva temporal Seguindo a sugestatildeo de Cullmann compreende-

se que existe uma perspectiva futura de um dia em que todos os seres estaratildeo

prostrados diante de Jesus Cristo Neste sentido o texto funciona como anuacutencio

profeacutetico da realidade da parusia Por outro lado diferente do judaiacutesmo o

cristianismo primitivo valorizou muito mais o presente pois entendeu que a partir

da exaltaccedilatildeo Cristo jaacute assumiu o senhorio sobre todas as coisas Recorrendo

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principalmente ao Sl 1101 os primeiros cristatildeos entendiam que o reinado de Jesus

jaacute comeccedilou as forccedilas malignas jaacute estatildeo subordinadas a ele mas somente seratildeo

julgadas e condenadas de forma definitiva na parusia E enquanto natildeo chega esse

grande dia a Igreja funciona como epicentro da soberania coacutesmica de Jesus pois

ela eacute o espaccedilo onde o senhorio dele eacute celebrado e em que as pessoas de maneira

espontacircnea prostram-se diante dele como κύριος Nessa linha a passagem

desempenha uma funccedilatildeo pragmaacutetica exortando todos os seus ouvintes e leitores a

colocarem em praacutetica o que seraacute realidade no dia do Senhor De fato a tensatildeo

escatoloacutegica do jaacute e ainda natildeo que permeia todo o Novo Testamento tambeacutem estaacute

por traacutes de Fl 210-11

A interpretaccedilatildeo do verbo ἐξομολογέω caminha dentro deste mesmo

enquadramento escatoloacutegico Antes de mais nada deve-se pontuar que o melhor

entendimento deste termo eacute o que leva em conta a sua ambiguidade Ele traz uma

conotaccedilatildeo predominantemente veterotestamentaacuteria que eacute de confissatildeo de feacute Entatildeo

pelo acircngulo do jaacute escatoloacutegico os ouvintes e leitores de Fl 210-11 satildeo desafiados

natildeo soacute a reconhecer Jesus Cristo como κύριος do cosmos mas a confessaacute-lo como

Senhor pessoal de suas vidas Na dimensatildeo do ainda-natildeo escatoloacutegico fica a

certeza de que na parusia todos teratildeo que confessar Jesus como Senhor e aqueles

que no eacuteon presente natildeo o fizeram de forma alegre e voluntaacuteria laacute o faratildeo por

reconhecimento e constrangimento Para esse grupo que inclui anjos democircnios e

pessoas que rejeitaram o senhorio de Cristo o confessar seraacute algo apenas formal

Em contrapartida quando a Igreja em suas reuniotildees celebra o senhorio de Cristo

ela antecipa uma realidade escatoloacutegica que simultaneamente estaacute em operaccedilatildeo

desde a exaltaccedilatildeo de Jesus

Destarte se as accedilotildees de dobrar os joelhos e confessar satildeo feitas para Jesus

eacute difiacutecil fugir da conclusatildeo de que o texto aponta para uma adoraccedilatildeo a Jesus Uma

tentativa de suavizar essa conclusatildeo eacute a tese originalmente proposta por W

Bousset de que essa cristologia de um Jesus exaltado e adorado pelos cristatildeos soacute

se tornou efetiva em comunidades heleniacutesticas Implicitamente o que se quer

defender aqui eacute que o cristianismo supostamente original ndash e aqui original equivale

a autecircntico ndash eacute apenas aquele da antiga comunidade primitiva de Jerusaleacutem de fala

aramaica para quem Jesus eacute apenas o Filho do Homem que viraacute na parusia Essa

proposta foi amplamente refutada entre outras razotildees pela avaliaccedilatildeo exegeacutetica da

suacuteplica μαράνα θά e pelo entendimento desenvolvido de forma particular por L

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W Hurtado de que o fator decisivo para a articulaccedilatildeo da cristologia primitiva foi a

inclusatildeo de Jesus Cristo no culto monoteiacutesta destinado a Deus Pai Nunca houve

uma cristologia sem contornos lituacutergicos Foi a adoraccedilatildeo a Jesus ao lado de Deus

em um culto ldquoBinitarianordquo o propulsor da cristologia neotestamentaacuteria Em

contrapartida nunca houve um cristianismo no qual Jesus natildeo fosse reconhecido no

culto como Senhor exaltado e com quem os cristatildeos podiam interagir Isso faz

pensar nas implicaccedilotildees para o culto cristatildeo que a desvalorizaccedilatildeo ou mesmo ou

desconhecimento da cristologia da exaltaccedilatildeo pode acarretar O tema desafia agrave

reflexatildeo teoloacutegica e pastoral e de antematildeo pode-se destacar o afastamento da

perspectiva lituacutergica neotestamentaacuteria promovendo um culto que olha para o Cristo

que jaacute veio ou para o Cristo que viraacute mas ignora o Cristo que estaacute presente e ativo

porque eacute Senhor de todas as coisas e tem na Igreja o epicentro dessa soberania

A quinta e uacuteltima etapa desse estudo da exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 eacute a

exegese da frase ldquoJesus Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pairdquo Na construccedilatildeo

narrativa do hino o cliacutemax ficou para a confissatildeo de feacute ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo Esta

eacute uma confissatildeo que aparece alhures no Novo Testamento e provavelmente foi a

primeira foacutermula confessional cristatilde retrocedendo ao cristianismo primitivo Ela

responde duas perguntas simultacircneas Quem eacute Jesus hoje Quem eacute Senhor hoje A

resposta eacute expliacutecita Hoje neste tempo presente da histoacuteria da salvaccedilatildeo Jesus eacute

Senhor E hoje no presente da histoacuteria humana em que sempre muitos se

apresentam ou satildeo identificados como senhores soacute haacute um Senhor Jesus Cristo

exaltado A forma baacutesica da expressatildeo eacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo de modo que aqui em Fl

211 o uso de Χριστὸς teria a intenccedilatildeo de mostrar o substrato judaico do evangelho

anunciado O Jesus que eacute Senhor eacute antes de mais nada o Messias de Israel

Tambeacutem chama a atenccedilatildeo que o conteuacutedo da principal afirmaccedilatildeo de feacute pelo

menos nos ciacuterculos paulinos privilegie o tiacutetulo κύριος em lugar de outras

designaccedilotildees cristoloacutegicas Satildeo vaacuterias as razotildees para isso Primeiro o tiacutetulo ecoa a

noccedilatildeo de discipulado fazendo par com δοῦλος reflexatildeo teoloacutegica que perpassa os

quatro evangelistas e tambeacutem estaacute presente em Paulo que considera o uacuteltimo termo

adequado para conceituar o cristatildeo Segundo o tiacutetulo κύριος conseguia resumir em

uma uacutenica palavra tudo o que os cristatildeos acreditavam acerca de Jesus a partir do

evento fundamental da ressurreiccedilatildeo e consequente exaltaccedilatildeo Neste ponto eacute de

extrema importacircncia perceber o pano de fundo judaico deste tiacutetulo A questatildeo eacute que

ldquoSenhorrdquo era a expressatildeo usada pelos judeus para se referirem a YHWH

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independente da liacutengua que falassem hebraico aramaico ou grego E quando o

Antigo Testamento foi traduzido para o grego eacute justamente κύριος a palavra

escolhida para substituir o tetragrama Significa dizer que para qualquer judeu do

1ordm seacuteculo chamar Jesus de Senhor era tornaacute-lo equivalente ao Deus de Israel E essa

era a intenccedilatildeo dos cristatildeos Reconhecer que pela exaltaccedilatildeo a soberania sobre a

criaccedilatildeo e a salvaccedilatildeo que antes eram exclusivas de Deus Pai agora satildeo

compartilhadas com Jesus Cristo O apoacutestolo Paulo vai tirar uma seacuterie de

implicaccedilotildees desta convicccedilatildeo no senhorio de Jesus Cristo na parecircnese chamando

os cristatildeos agrave obediecircncia diante do seu Senhor na escatologia mostrando que o

senhorio de Jesus marca o iniacutecio desse novo eacuteon que irrompeu mas que chegaraacute na

plenitude na vinda desse mesmo Senhor trazendo vitoacuteria e julgamento e na liturgia

de modo que uma seacuteria de expressotildees cuacutelticas nas cartas paulinas satildeo marcadas natildeo

soacute pelo κύριος como tambeacutem pela compreensatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus

Agora este tiacutetulo natildeo se tornou o resumo da feacute cristatilde apenas por conta do

seu pano de fundo judaico Certamente era importante para proclamaccedilatildeo cristatilde

sobretudo feita por Paulo que para ouvidos natildeo judaicos κύριος tambeacutem era

sinocircnimo de divindade e poder A diferenccedila eacute que ao contraacuterio dos judeus os

demais povos da eacutepoca acreditavam em vaacuterios ldquosenhoresrdquo que controlavam o

universo e suas vidas e exigiam submissatildeo e adoraccedilatildeo Para esses a mensagem

cristatilde eacute uma contra mensagem soacute existe um κύριος e ele eacute Senhor sobre todo e

qualquer um que se possa chamar de κύριος No ambiente romano da cidade de

Filipos esse anuacutencio era quase subversivo pois natildeo somente negam-se as

pretensotildees do imperador quanto se diz que o cristatildeo apenas deve reconhecer

obedecer e adorar como Senhor Jesus Cristo Em contrapartida era uma teologia de

esperanccedila para aqueles que estavam sendo perseguidos e discriminados por

autoridades romanas

No entanto a centralidade da exaltaccedilatildeo de Jesus na teologia cristatilde paulina e

neotestamentaacuteria natildeo equivale a um eclipse de Deus Pai A seccedilatildeo de Fl 29-11

comeccedila afirmando que foi Deus que exaltou Jesus e deu a ele a funccedilatildeo de Senhor

sobre o cosmos Ou seja tudo o que Jesus eacute como κύριος foi dado por Deus O

versiacuteculo 11 fecha isso mostrando que a exaltaccedilatildeo e todo o exerciacutecio da soberania

de Jesus incluindo o prostrar-se diante dele e confessaacute-lo satildeo para gloacuteria de Deus

Pai Deus eacute identificado aqui como ldquoPairdquo e o que deve ser entendido aqui eacute uma

paternidade sobre toda a criaccedilatildeo que se alienou de Deus por conta do pecado e da

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rebeliatildeo das forccedilas espirituais mas que eacute reconciliada com ele exatamente pelos

efeitos soterioloacutegicos da obra de Jesus Esse Deus Pai que exaltou Jesus e reconcilia

mundo consigo mesmo merece e deseja ser glorificado e honrado

Esta discussatildeo levanta o questionamento acerca da relaccedilatildeo entre Jesus Cristo

e Deus Pai no cristianismo primitivo Eacute certo que a reflexatildeo daquele periacuteodo natildeo

enxergava essa relaccedilatildeo nos termos da posterior doutrina da Trindade Tampouco

desenvolveu-se um cristomonismo no qual Jesus eacute enfatizado agraves custas de Deus

Ainda menos razoaacutevel eacute equiparar a cristologia do Novo Testamento agraves

especulaccedilotildees judaicas de agentes divinos que agem em nome de Deus e agraves vezes

ateacute representam Deus O cristianismo primitivo deu um passo teologicamente

revolucionaacuterio quando deu a Jesus dois aspectos que eram exclusividade de

YHWH a soberania (sobre a criaccedilatildeo e sobre a salvaccedilatildeo) e adoraccedilatildeo E o mais

interessante eacute que isso foi feito sem abrir matildeo da feacute e culto monoteiacutesta Esse eacute o

fenocircmeno denominado monoteiacutesmo cristoloacutegico os cristatildeos passaram a crer na

divindade de Jesus e na sua soberania sem achar que YHWH tivesse deixado de

ser divino e soberano Eles passaram a adoraacute-lo como Senhor no mesmo culto em

que dirigiam oraccedilotildees e louvores a Deus Fl 29-11 evidencia esse monoteiacutesmo

cristoloacutegico e assim constitui-se texto essencial para a compreensatildeo da feacute cristatilde

primitiva na divindade de Jesus como para a compreensatildeo de como essa feacute foi

articulada em termos completamente distintos da teologia eclesiaacutestica dos seacuteculos

posteriores

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SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses Estudos Biacuteblicos Petroacutepolis v 102 nordm 2 p 9-13 2009 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento Petroacutepolis Vozes 1973 (Mysterium Salutis III2) SCHNELLE U Introduccedilatildeo agrave Exegese do Novo Testamento Satildeo Paulo Loyola 2004 ______ Paulo Vida e Pensamento Santo Andreacute Academia CristatildePaulus 2014 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship Naperville SCM 1960 SEIFRID M A Em Cristo In HAWTHORNE Gerald F MARTIN Ralph P REID Daniel G (orgs) Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas 2ordf ediccedilatildeo Satildeo Paulo Vida NovaPaulusLoyola 2008 p 452-457 SILVA C M D Metodologia de Exegese Biacuteblica 3ordf ed Satildeo Paulo Paulinas 2015 SILVA Moiseacutes Philippians 2ordf ediccedilatildeo Grand Rapids Baker Academic 2005 SIMIAN-YOFRE H (Org) Metodologia do Antigo Testamento Satildeo Paulo Loyola 2000 STAUFFER E New Testament London SCM 1955 TOMLIN G (org) Comentaacuterio Biacuteblico da Reforma ndash Filipenses e

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Page 2: Jackson Willian Marques da Fonseca A exaltação de Jesus em

Jackson Willian Marques da Fonseca

A exaltaccedilatildeo de Jesus em Filipenses 29-11

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para ob-tenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Teologia Aprovada pela co-missatildeo examinadora abaixo assinada

Prof Isidoro Mazzarolo

Orientador

Departamento de Teologia ndash PUC-Rio

Prof Waldecir Gonzaga

Departamento de Teologia ndash PUC-Rio

Prof Paulo Severino Da Silva Filho

Igreja Presbiteriana do Brasil

Profordf Monah Winograd

Coordenadora Setorial de Poacutes-Graduaccedilatildeo e Pesquisa

do Centro de Teologia e Ciecircncias Humanas ndash PUC-Rio

Rio de Janeiro 12 de dezembro de 2016

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Todos os direitos reservados Eacute proibida reproduccedilatildeo total ou parcial do trabalho sem autorizaccedilatildeo da universidade do autor e do orientador

Jackson Willian Marques da Fonseca

Cursou o Seminaacuterio Teoloacutegico Presbiteriano Rev Ashbel Green Simonton (2004) e o Centro de Poacutes-Graduaccedilatildeo An-drew Jumper (2010) Graduou-se em teologia pela Universi-dade Presbiteriana Mackenzie (2012) Eacute ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) Leciona desde 2010 disciplinas relacionadas agrave exegese do Novo Testamento no Seminaacuterio Presbiteriano Simonton

Ficha Catalograacutefica

CDD 200

Fonseca Jackson Willian Marques da

A exaltaccedilatildeo de Jesus em Filipenses 29-11 Jackson Willian Mar-

ques da Fonseca orientador Isidoro Mazzarolo ndash 2016

171 f 30 cm

Dissertaccedilatildeo (mestrado)ndashPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio

de Janeiro Departamento de Teologia 2016

Inclui bibliografia

1 Teologia ndash Teses 2 Exaltaccedilatildeo de Jesus 3 Filipenses 29-11

4 Senhor 5 Cristologia do Novo Testamento 6 Hino cristoloacutegico I

Mazzarolo Isidoro II Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Ja-

neiro Departamento de Teologia III Tiacutetulo

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AGRADECIMENTOS

Agrave minha matildee Aurelidia Marques da Fonseca e minha avoacute Liacutedia Vasconcelos que me incentivaram e me deram condiccedilotildees de estudar a Escritura como Palavra de Deus

Agrave minha esposa Liz Mary da Silva Marques companheira e amor de toda a minha vida sem a qual vitoacuterias natildeo seriam alcanccediladas nem seriam celebradas

Agraves minhas filhas Taissa da Silva Marques e Sarah da Silva Marques A existecircncia de vocecircs traz alegria ao meu coraccedilatildeo e um sorriso aos laacutebios

Agrave Igreja Presbiteriana do Brasil que me daacute o privileacutegio de exercer o ministeacuterio de ensinar a Palavra de Deus como pastor de ovelhas e professor de futuros pastores

Agrave Igreja Presbiteriana das Aacuteguas comunidade onde o meu coraccedilatildeo cristatildeo tem sido renovado e que me possibilita dedicar o tempo necessaacuterio ao estudo

Ao meu orientador Professor Isidoro Mazzarolo pelo acompanhamento atencioso e incentivo constantes que me impulsionaram agrave realizaccedilatildeo deste trabalho

A todo o Departamento de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio por toda a estrutura acadecircmica disponibilizada e especialmente os seus professores que com excelecircncia ofereceram preciosa contribuiccedilatildeo a minha formaccedilatildeo

Ao Programa de bolsas de fomento CAPESPROSUP do ministeacuterio de educaccedilatildeo que ofereceu as condiccedilotildees financeiras adequadas para o cumprimento de todas as exigecircncias do curso de mestrado

E sobretudo agradeccedilo aquele que eacute soberano sobre todas as coisas que me susten-tou graciosamente em todas as circunstacircncias sendo o sentido uacuteltimo de toda e qualquer realizaccedilatildeo

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Resumo

Fonseca Jackson Willian Marques da Mazzarolo Isidoro (Orientador) A

exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Dissertaccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro

Filipenses 26-11 eacute texto fundamental na cristologia do cristianismo primi-

tivo e neotestamentaacuteria Inserido na parecircnese da carta de Paulo aos Filipenses a

passagem desenvolve uma narrativa cristoloacutegica que comeccedila na preexistecircncia

passa pela encarnaccedilatildeo e culmina na exaltaccedilatildeo de Jesus No contexto da carta funci-

ona como um chamado eacutetico aos que estatildeo ldquoem Cristordquo agrave obediecircncia ao Senhor

exaltado Literariamente o texto eacute um hino composto de duas partes 26-8 e 29-11

e a leitura proposta eacute ver nesta segunda seccedilatildeo o cliacutemax do hino que justamente trata

da exaltaccedilatildeo de Jesus O tema da exaltaccedilatildeo eacute apresentado dentro de uma perspectiva

escatoloacutegica pois o iniacutecio do senhorio de Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila isra-

elita no triunfo de Deus eacute a virada escatoloacutegica que traz o tempo de salvaccedilatildeo Atra-

veacutes da exaltaccedilatildeo Deus compartilhou com seu Filho a soberania sobre o universo

implicando que todos os seres precisam agora dobrar os joelhos diante de Jesus e

reconhececirc-lo como Senhor Aqueles que jaacute fazem isso voluntariamente vivenciam

antecipadamente o que seraacute a realidade escatoloacutegica final Esse novo papel de Jesus

eacute descrito pelo tiacutetulo κύριος que combinado com outros elementos do texto atribui

a ele contornos divinos e de igualdade com YHWH aleacutem de uma oposiccedilatildeo agraves ide-

ologias romanas A exaltaccedilatildeo de Jesus tambeacutem estaacute ligada com a revoluccedilatildeo cristo-

loacutegica que aconteceu no culto cristatildeo primitivo quando os cristatildeos judeus adoraram

Jesus ao lado de Deus Pai sem renunciar ao seu monoteiacutesmo O final do hino enfa-

tiza exatamente que a exaltaccedilatildeo de Jesus foi conduzida por Deus e resulta em sua

proacutepria gloacuteria

Palavras-Chave

Exaltaccedilatildeo de Jesus Filipenses 29-11 Senhor cristologia do Novo Testa-mento hino cristoloacutegico

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Abstract

Fonseca Jackson Willian Marques Mazzarolo Isidoro (Orientador) The

Exaltation of Jesus in Phil 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Disserta-ccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro

Philippians 26-11 is a fundamental text in the Christology of early Christi-

anity and the New Testament Inserted in the parenesis of Pauls letter to the Philip-

pians the passage develops a Christological narrative that begins in the preexist-

ence passes through the incarnation and culminates in the exaltation of Jesus In

the context of the letter functions as an ethical call to those who are in Christ in

obedience to the exalted Lord Literarily the text is a hymn composed of two parts

26-8 and 29-11 and the proposed reading is to see in this second section the climax

of the hymn which precisely deals with the exaltation of Jesus The theme of exal-

tation is displayed within an eschatological perspective since the beginning of the

lordship of Jesus is the fulfillment of the Israelite hope in the triumph of God it is

the eschatological turn that brings the fulfillment of salvation Through exaltation

God shared with His Son the sovereignty over the universe implying that all beings

must now bend to his knees before Jesus and acknowledge him as Lord Those who

already do so voluntarily experience in advance what will be the reality of the es-

chatological end This new role of Jesus is described by the title κύριος which com-

bined with the other elements of the text gives it contours to the divine and equality

with YHWH in addition to opposition to Roman ideologies The exaltation of Jesus

is also connected to the Christological revolution that happened in the worship of

the early Christian when the Jewish Christians worshipped Jesus alongside God

the Father without giving up their monotheism The end of the hymn emphasizes

exactly that the exaltation of Jesus was led by God and results in his own glory

Keywords

Exaltation of Jesus Philippians 29-11 the Lord Christology of the New Testament Christological hymn

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Sumaacuterio

1 Introduccedilatildeo 10

2 O texto a carta e o contexto 17

21 A cidade de Filipos 17

22 Paulo e a igreja de Filipos 20

23 A carta aos Filipenses 26

231 Autoria e integridade da carta 26

232 Objetivo da carta 28

233 Estrutura da carta 29

24 Criacutetica Textual de Fl 29-11 30

25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11 32

26 Delimitaccedilatildeo de Fl 29-11 32

3 Status Quaestionis da pesquisa a respeito de Fl 26-11 35

31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea 35

32 A pesquisa sobre o gecircnero e a estrutura de Fl 26-11 36

33 A pesquisa sobre autoria e origem de Fl 26-11 40

34 O pano de fundo de Fl 26-11 45

35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica) 48

4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e seu novo nome 59

41 Introduccedilatildeo do capiacutetulo 59

42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus 61

43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω 63

431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular 63

432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento 66

433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68

4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68

4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico 71

434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia 75

435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo 82

44 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a doaccedilatildeo de um novo nome 84

441 O verbo χαρίζομαι 84

442 O nome dado a Jesus 85

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4421 ldquoNomerdquo no Antigo Testamento e no judaiacutesmo 86

4422 ldquoNomerdquo no Novo Testamento 87

4423 A identificaccedilatildeo do nome dado a Jesus em Fl 29 88

45 Conclusatildeo do capiacutetulo 92

5 A reverecircncia e a confissatildeo ao Jesus exaltado 96

51 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 96

52 Isaiacuteas 4523 e a exaltaccedilatildeo de Jesus 96

53 Accedilotildees feitas ldquoem nome de Jesusrdquo 100

54 Joelhos dobrados ao nome de Jesus 102

55 O alcance da reverecircncia a Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 103

56 E toda liacutengua confesse 106

57 O significado biacuteblico-teoloacutegico da reverecircncia oferecida em Fl 210-11 108

571 Quem reverencia e quem eacute reverenciado 108

572 Quando eacute reverenciado 111

58 Fl 210-11 e a adoraccedilatildeo a Jesus 117

59 Conclusatildeo do capiacutetulo 120

6 Jesus eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai 122

61 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 122

62 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 122

621 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo no Novo Testamento 123

622 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo em Fl 211 128

63 O tiacutetulo κύριος atribuiacutedo a Jesus 129

631 Panorama da atribuiccedilatildeo de κύριος Jesus no Novo Testamento 129

632 Panorama da histoacuteria da pesquisa sobre o tiacutetulo κύριος 131

633 A importacircncia teoloacutegica de confessar Jesus como Senhor 134

64 Para gloacuteria de Deus Pai 140

65 Monoteiacutesmo cristoloacutegico 143

66 Conclusatildeo do capiacutetulo 148

7 Conclusatildeo 149

8 Referecircncias bibliograacuteficas 162

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ABREVIATURAS

BAGD - A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early

Christian Literature

Cf ndash Conferir

DENT ndash Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

DITAT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

DLNTD - Dictionary of the Later New Testament its Developments

DPL ndash Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas

DITNT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Novo Testamento

IDB - The Interpreterrsquos Dictionary of the Bible

NCBSJ ndash Novo Comentaacuterio Biacuteblico Satildeo Jerocircnimo

NDITEAT ndash Novo Dicionaacuterio Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento

TDNT ndash Theological Dictionary of the New Testament

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1 Introduccedilatildeo

A pesquisa ora apresentada estaacute situada dentro da ciecircncia teoloacutegica no

campo da teologia biacuteblica do Novo Testamento mais especificamente nas aacutereas

dos estudos da teologia paulina e do cristianismo primitivo O objeto material eacute o

texto biacuteblico paulino de Filipenses 29-11 e o objeto formal a partir deste texto eacute o

tema da exaltaccedilatildeo de Jesus Ele aparece no texto pela utilizaccedilatildeo do verbo

uperuyow e os conceitos relacionados a essa accedilatildeo de Deus exaltar Jesus um nome

que foi dado a ele diante desse nome haveraacute uma reverecircncia universal haacute uma

confissatildeo a ser feita e tudo isso ocorre para gloacuteria de Deus Pai

O objetivo do trabalho eacute apresentar uma compreensatildeo exegeacutetica do texto

salientando os aspectos literaacuterios histoacutericos e principalmente teoloacutegicos Na

perspectiva literaacuteria busca-se atraveacutes da criacutetica textual anaacutelise semacircntica sintaacuteti-

ca traduccedilatildeo delimitaccedilatildeo anaacutelise das formas anaacutelises linguiacutesticas e anaacutelises reda-

cionais entender o significado do texto em si e na sua relaccedilatildeo com a carta aos Fili-

penses Na dimensatildeo histoacuterica a proposta eacute investigar o uso de toda a periacutecope de

Fl 26-11 como um hino no culto cristatildeo primitivo anterior ou paralelo ao ministeacute-

rio de Paulo avaliar o seu significado dentro do desenvolvimento do cristianismo

primitivo e a interaccedilatildeo da sua mensagem com algumas cosmovisotildees contemporacirc-

neas como o judaiacutesmo o helenismo e a cultura romana Teologicamente a inten-

ccedilatildeo eacute verificar como o texto descreve o tema central da exaltaccedilatildeo de Jesus e sua

inter-relaccedilatildeo com outros toacutepicos teoloacutegicos tambeacutem presentes na periacutecope e im-

portantes para a feacute cristatilde como o monoteiacutesmo a divindade de Jesus a escatolo-

gia o culto cristatildeo e a atuaccedilatildeo de poderes celestiais no mundo para entatildeo extrair

as implicaccedilotildees dessa narrativa para a compreensatildeo tanto da teologia paulina

quanto da teologia do cristianismo primitivo

Estes objetivos jaacute indicam a relevacircncia acadecircmica do empreendimento

mormente para a pesquisa teoloacutegica Explicitando esta relevacircncia pode-se desta-

car a princiacutepio a importacircncia de investigar como Paulo e os primeiros cristatildeos

entenderam e articularam a sua feacute na exaltaccedilatildeo de Jesus Em decorrecircncia deste

toacutepico a pesquisa contribuiraacute para a compreensatildeo da elaboraccedilatildeo cristoloacutegica ocor-

rida entre os primeiros cristatildeos no periacuteodo entre as deacutecadas de 30 e 60 do primeiro

seacuteculo O trabalho tambeacutem seraacute importante para sublinhar os contornos poliacuteticos e

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socioloacutegicos da feacute professada pelos primeiros cristatildeos especialmente para os ci-

dadatildeos de Filipos destino da carta paulina estudada tendo em vista a forte ligaccedilatildeo

entre a cidade de Filipos e a capital do impeacuterio romano Outrossim a proacutepria anaacute-

lise exegeacutetica que seraacute oferecida estando os versiacuteculos 29-11 inseridos em uma

periacutecope central do corpus paulino eacute outro indiacutecio do valor cientiacutefico desta disser-

taccedilatildeo oferecendo a outros um exemplo da metodologia exegeacutetica aplicada E con-

siderando a enorme bibliografia associada agrave exegese desta passagem o trabalho

contribuiraacute para informar o status atual da pesquisa acadecircmica apresentando as

principais discussotildees e soluccedilotildees propostas

Para alcanccedilar os objetivos elencados acima foram usadas a priori as eta-

pas da metodologia histoacuterico-criacutetica conforme apresentadas por Wegner a saber

criacutetica textual traduccedilatildeo anaacutelise literaacuteria (incluindo delimitaccedilatildeo avaliaccedilatildeo da es-

trutura do texto verificaccedilatildeo do uso de fontes sobretudo veterotestamentaacuterias)

anaacutelise redacional dos contextos anaacutelise das formas (a discussatildeo sobre o gecircnero

literaacuterio do texto) e anaacutelise da histoacuteria das tradiccedilotildees1 Nem todas essas etapas apa-

recem explicitamente no decorrer do trabalho constituindo-se o mesmo como

aquilo que Lima denomina ldquocomentaacuterio exegeacuteticordquo isto eacute o resultado final da

exegese que pressupotildee diversas tarefas metodoloacutegicas2 Natildeo obstante para me-

lhor estudar o texto escolhido as etapas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico seratildeo com-

plementadas por outras metodologias Aqui entraratildeo em consideraccedilatildeo as anaacutelises

sincrocircnicas com as perspectivas linguiacutestico-sintaacutetica semacircntica e pragmaacutetica em

especial esta uacuteltima utilizada na discussatildeo sobre Fl 210-11 no capiacutetulo 4 Tam-

beacutem complementaraacute a pesquisa a abordagem socioloacutegica aproveitando-se dos

estudos de J H Hellerman a fim de verificar a interaccedilatildeo entre a mensagem do

texto e a cultura romana predominante na cidade de Filipos E ainda como com-

1 WEGNER U Exegese do Novo Testamento passim 2 LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 165-170

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plementaccedilatildeo ao meacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicional3 seratildeo desenvolvidas no esco-

po do trabalho as anaacutelises de conteuacutedo e teoloacutegica como indicadas por Wegner

identificando os conteuacutedos que a passagem quer ressaltar suas interaccedilotildees impli-

caccedilotildees e avaliaccedilatildeo teoloacutegica dos mesmos

O conteuacutedo do trabalho foi distribuiacutedo em cinco etapas A primeira tem

como objetivo responder ao que Fitzmyer chama de ldquoperguntas iniciasrdquo na aplica-

ccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico4 Dessa forma buscar-se-aacute aqui caracterizar os

destinataacuterios da carta aos Filipenses descrevendo histoacuterica e sociologicamente a

cidade de Filipos e seus moradores e pelo mesmo acircngulo discorrer sobre a atua-

ccedilatildeo de Paulo naquele lugar e a sobre a comunidade cristatilde resultante da atuaccedilatildeo do

apoacutestolo ali Esta etapa tambeacutem seraacute o espaccedilo para a discussatildeo de questotildees intro-

dutoacuterias relativas ao documento canocircnico Carta aos Filipenses Quem escreveu

Quando Onde Por que A carta eacute um documento uacutenico ou eacute a compilaccedilatildeo de

dois ou trecircs documentos anteriores Como se encontra atualmente no cacircnon do

Novo Testamento qual eacute a sua estrutura como seu conteuacutedo estaacute organizado E

finalmente esta etapa que se constituiraacute no primeiro capiacutetulo da dissertaccedilatildeo faraacute o

estabelecimento do texto a ser trabalhado mediante a criacutetica textual a traduccedilatildeo e

delimitaccedilatildeo

A segunda etapa da pesquisa se propotildee ao status quaestionis da exegese da

passagem Considerando que uma das teses defendidas neste trabalho eacute que a pe-

riacutecope de Fl 26-11 eacute uma narrativa teoloacutegica composta por duas partes e com dois

temas distintos embora interligados a saber 26-8 a encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo do

filho de Deus e 29-11 a exaltaccedilatildeo de Jesus e considerando ainda que esta pesqui-

sa estaacute delimitada no tema da exaltaccedilatildeo de Jesus a dissertaccedilatildeo como um todo es-

3 Por ldquomeacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicionalrdquo entende-se as etapas apresentadas na apresentaccedilatildeo do

meacutetodo pelos seguintes autores LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 75-76

(criacutetica textual traduccedilatildeo criacutetica literaacuteria criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica da redaccedilatildeo criacutetica das tradiccedilotildees comentaacuterio exegeacutetico) SCHNELLE U Introduccedilatildeo agrave Exegese do

Novo Testamento p 47-48 (criacutetica textual anaacutelise textual criacutetica literaacuteria e das fontes histoacuteria

das formas histoacuteria da tradiccedilatildeo histoacuteria dos conceitos e motivos comparaccedilatildeo sociorreligiosa

histoacuteria da redaccedilatildeo) FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p28-32 (perguntas introdutoacuterias

criacutetica textual anaacutelise filoloacutegica criacutetica das fontes anaacutelise dos gecircneros criacutetica das tradiccedilotildees criacuteti-

ca da redaccedilatildeo) SILVA C M D Metodologia de exegese biacuteblica p 11 passim que defende apoacutes a criacutetica textual e a delimitaccedilatildeo a aplicaccedilatildeo de teacutecnicas sincrocircnicas para entatildeo utilizar as

metodologias diacrocircnicas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico que apresenta como criacutetica literaacuteria criacutetica

dos gecircneros literaacuterios criacutetica da tradiccedilatildeo criacutetica da redaccedilatildeo) Em geral as etapas propostas para a

exegese diacrocircnica no Antigo Testamento satildeo as mesmas para o Novo Por exemplo SIMIAN-

YOFRE H (coord) Metodologia do Antigo Testamento p 73-108 informa o seguinte caminho

apoacutes a criacutetica textual criacutetica da constituiccedilatildeo do texto criacutetica da redaccedilatildeo e da composiccedilatildeo criacutetica da transmissatildeo criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica das tradiccedilotildees 4 FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p 28

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taraacute necessariamente fixada na segunda parte da passagem No entanto como se

trata de apenas uma uacutenica periacutecope as discussotildees introdutoacuterias sempre dizem res-

peito ao conjunto integral de Fl 26-11

Dessa forma a segunda etapa pretende mostrar que a exegese contemporacirc-

nea de Fl 26-11 remonta ao estudo do texto por Ernst Lohmeyer em 1928 Quase

90 anos depois eacute possiacutevel constatar alguns toacutepicos centrais na literatura acadecircmica

especializada Primeiro a discussatildeo sobre o gecircnero e a estrutura da passagem

Qual eacute o gecircnero literaacuterio especiacutefico desta periacutecope hino prosa exaltada encocircmio

ou ainda um outro gecircnero Em quantas partes o segmento deve ser dividido duas

trecircs ou quatro estrofes Quantos e quais versos devem ser colocados em cada es-

trofe A estrutura do suposto hino original eacute diferente desta encontrada hoje na

carta aos Filipenses O segundo toacutepico central na pesquisa deste texto estaacute relaci-

onado agrave sua autoria e origem A pergunta eacute se realmente o autor da carta aos Fili-

penses escreveu Fl 26-11 ou ele estaacute citando uma composiccedilatildeo cristatilde jaacute existente

antes da carta Ou ainda seraacute que Paulo estaacute citando um texto composto por ele

mesmo em outra ocasiatildeo Entre os toacutepicos centrais da pesquisa em terceiro lugar

estatildeo as questotildees que dizem respeito ao pano de fundo da passagem O problema

eacute quais satildeo os conceitos religiosos que estatildeo por traacutes de Fl 26-11 Esses concei-

tos vecircm do helenismo religioso do Antigo Testamento do judaiacutesmo ou do cristia-

nismo primitivo Como eles influenciaram esta composiccedilatildeo cristatilde e que tipo de

interaccedilotildees existem entre o texto e esses supostos conceitos O quarto e uacuteltimo

toacutepico central considerado no segundo capiacutetulo eacute acerca da funccedilatildeo que este texto

desempenha na carta aos Filipenses O impasse eacute o seguinte na argumentaccedilatildeo

que Paulo faz na carta o trecho de Fl 26-11 funciona como um exemplo do tipo

de comportamento que ele espera dos seus leitores (interpretaccedilatildeo eacutetica) ou este

texto seria a descriccedilatildeo do evento escatoloacutegico que trouxe os leitores cristatildeos para

o espaccedilo do senhorio de Jesus Cristo e a exortaccedilatildeo paulina seria para que estes

leitores vivessem em conformidade com esta realidade isto eacute em submissatildeo ao

seu senhor e salvador (interpretaccedilatildeo soterioloacutegica)

A terceira etapa da pesquisa ora apresentada vai adentrar na interpretaccedilatildeo

do texto propriamente dito O foco seraacute a interpretaccedilatildeo do versiacuteculo 29 As per-

guntas a serem respondidas satildeo Quem o texto apresenta como responsaacutevel pela

exaltaccedilatildeo de Jesus e qual a importacircncia disso Como a exaltaccedilatildeo era entendida no

Antigo Oriente no judaiacutesmo e nos escritos neotestamentaacuterio natildeo paulinos Como

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a exaltaccedilatildeo de Jesus aparece na teologia paulina e como ela estaacute diretamente liga-

da agrave visatildeo escatoloacutegica do apoacutestolo Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo descrita em

29 e a preexistecircncia de Cristo apresentada em 26 A exaltaccedilatildeo eacute simples volta agrave

preexistecircncia ou indica um estaacutegio superior Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo de

Jesus apresentada e a cultura romana de exaltaccedilatildeo Qual o significado teoloacutegico

da utilizaccedilatildeo do verbo χαρίζομαι na passagem Qual foi o nome dado a Jesus na

sua exaltaccedilatildeo e qual a importacircncia disso A resposta a todos esses questionamen-

tos vai demonstrar em linhas gerais que Deus Pai exaltou Jesus e o colocou como

Senhor de todo o universo compartilhando com ele seu proacuteprio nome e funccedilatildeo e

tudo isso foi interpretado por Paulo como a grande intervenccedilatildeo escatoloacutegica atra-

veacutes da qual Deus trouxe o uacuteltimo e definitivo eacuteon A forma como tal mensagem

foi apresentada certamente colidiu com a cultura romana de exaltaccedilatildeo pois para

Paulo o que foi exaltado eacute o mesmo que voluntariamente se colocou na posiccedilatildeo de

servo se humilhou e foi morto na cruz

A quarta etapa da dissertaccedilatildeo estudaraacute os versiacuteculos 210-11 com exceccedilatildeo

do segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός reservado ao proacute-

ximo capiacutetulo Aqui trata-se da utilizaccedilatildeo de Is 4523 a releitura cristoloacutegica e

escatoloacutegica feitas neste texto de Isaiacuteas o sentido da expressatildeo ldquoem nome de Je-

susrdquo no periacuteodo e qual significado o autor pretende comunicar atraveacutes das accedilotildees

de dobrar os joelhos e confessar Entre outras questotildees este capiacutetulo pretende

responder Quem eacute o destinataacuterio da reverecircncia indicada em 210-11 (Deus Pai ou

Jesus) Quem o texto pressupotildee que iraacute prestar essa reverecircncia (todos os seres

humanos toda a criaccedilatildeo ou apenas seres e poderes coacutesmicos) A Igreja estaacute inclu-

iacuteda ou natildeo nessa reverecircncia Qual a dimensatildeo temporal do texto eacute algo que jaacute

deve acontecer ou eacute a descriccedilatildeo de um evento futuro Sobretudo esse capiacutetulo seraacute

importante para entrar na discussatildeo da adoraccedilatildeo a Jesus Como a partir de sua

visatildeo escatoloacutegica e por intermeacutedio de uma releitura veterotestamentaacuteria Paulo

inclui o Jesus exaltado como alvo da adoraccedilatildeo que o ser humano deve oferecer

Como ele apresenta a reverecircncia e a confissatildeo a Jesus Cristo como um aconteci-

mento futuro de alcance coacutesmico mas que simultaneamente desafia os ouvintes e

leitores da passagem E como esse entendimento lanccedila luz sobre a praacutetica lituacutergica

dos primeiros cristatildeos

A quinta etapa do trabalho se debruccedila sobre a uacuteltima parte do versiacuteculo

211 a saber ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός Este trabalho

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adotaraacute como proposta de leitura de todo o conjunto de Fl 26-11 o conceito de

narrativa teoloacutegica e neste modo de ver a passagem alcanccedila o seu cliacutemax neste

ponto ou seja na confissatildeo do senhorio de Jesus O drama soterioloacutegico e escato-

loacutegico desenvolvido na passagem chega neste ponto respondendo agraves seguintes

perguntas Quem eacute Jesus hoje E quem eacute Senhor hoje Dessa forma este quinto

capiacutetulo comeccedilaraacute estudando o significado da confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo

no contexto geral do Novo Testamento e mais especificamente em Fl 211 Uma

atenccedilatildeo especial seraacute dedicada ao tiacutetulo κύριος primeiro identificando na literatu-

ra neotestamentaacuteria os diferentes estaacutegios na aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus perce-

bendo o que era atribuiacutedo a Jesus em cada momento Em seguida apresentar-se-aacute

uma breve histoacuteria da pesquisa sobre a relaccedilatildeo entre a aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus e

sua utilizaccedilatildeo na Septuaginta e dentro do judaiacutesmo tanto anterior quanto posteri-

or agrave Septuaginta A conclusatildeo da discussatildeo sobre κύριος seraacute a avaliaccedilatildeo do signi-

ficado teoloacutegico desta designaccedilatildeo cristoloacutegica isto eacute o que exatamente os primei-

ros cristatildeos estavam atribuindo a Jesus quando o chamaram de Senhor Qual im-

pacto dessa atribuiccedilatildeo na teologia liturgia e praacuteticas cristatildes Quais implicaccedilotildees

poliacuteticas e apologeacuteticas estariam subentendidas sobretudo frente agrave religiosidade

pagatilde e agraves ideologias romanas do culto ao imperador Apoacutes essa discussatildeo seguir-

se-aacute a anaacutelise da uacuteltima expressatildeo da periacutecope para gloacuteria de Deus Pai Entendida

como uma reivindicaccedilatildeo ao monoteiacutesmo esta afirmaccedilatildeo traraacute para o debate o

chamado monoteiacutesmo cristoloacutegico que procura responder como os primeiros cris-

tatildeos judeus puderam incluir Jesus no seu culto sem renunciar ao monoteiacutesmo vete-

rotestamentaacuterio E mais os primeiros cristatildeos judeus acreditavam na divindade de

Jesus Que tipo de argumentaccedilatildeo esteve envolvida nesta construccedilatildeo teoloacutegica

Satildeo questotildees essenciais que aproximaram a pesquisa de temas centrais da feacute cris-

tatilde como a divindade de Jesus e a doutrina da trindade

Com esses cinco capiacutetulos lanccedilando matildeo de extensa pesquisa bibliograacutefi-

ca e tendo como principais referenciais teoacutericos para compreensatildeo da passagem

Ernst Kaumlsemann e Ralph P Martin acredita-se que esta dissertaccedilatildeo ofereceraacute uma

exegese segura do texto de Filipenses 29-11 em conformidade com as metodolo-

gias exegeacuteticas contemporacircneas que aleacutem de contribuir com a proacutepria pesquisa

sobre estes versiacuteculos traraacute luz para alguns toacutepicos da discussatildeo exegeacutetica sobre

Fl 26-11 e sobre a cristologia neotestamentaacuteria em particular a paulina Por con-

seguinte o trabalho ofereceraacute subsiacutedios para a investigaccedilatildeo da cristologia na teo-

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logia dogmaacutetica e para articulaccedilatildeo de accedilotildees pastorais biacuteblica e cristologicamente

embasadas O resumo das principais conclusotildees a que se chegou na pesquisa seraacute

apresentado na conclusatildeo seguida das referecircncias bibliograacuteficas utilizadas

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2 O texto a carta e o contexto

Este capiacutetulo tenciona estabelecer uma aproximaccedilatildeo com o texto de Fl 29-

11 fazendo um olhar panoracircmico dos seus contextos Seguindo a loacutegica do maior

para o menor seratildeo apresentados a cidade de Filipos a igreja que existia na

cidade de Filipos a carta enviada aos cristatildeos dessa igreja e finalmente o texto de

Fl 29-11 objeto material da pesquisa Esta parte introdutoacuteria seraacute muito

importante para evitar que o texto seja estudado como se estivesse isolado no

tempo e no espaccedilo prevenindo assim argumentos anacrocircnicos e de fraacutegil

sustentaccedilatildeo literaacuteria

21 A cidade de Filipos

O texto a ser analisado faz parte da carta que o apoacutestolo Paulo escreveu

aos cristatildeos da cidade de Filipos que em meados do seacuteculo I dC era uma colocircnia

do Impeacuterio Romano da proviacutencia da Macedocircnia

A histoacuteria dessa cidade remonta ao ano 356 a C quando Filipe II rei da

Macedocircnia (o pai do famoso Alexandre o Grande) toma a cidade de Crenides dos

Tracianos e faz do local uma homenagem a si mesmo Filipos a cidade de Filipe5

Para o governante a cidade possuiacutea uma imediata importacircncia econocircmica e

militar pois as minas de ouro da regiatildeo o ajudariam a aparelhar seus exeacutercitos e

financiar suas batalhas6 Apoacutes quase duzentos anos de domiacutenio macedocircnio

Filipos passa para o controle romano em 168 a C quando o general romano

Emiacutelius Paulus derrota o rei macedocircnico Perseu e faz da Macedocircnia uma

proviacutencia romana dividida em quatro subproviacutencias uma das quais era o proacuteprio

5 A fundaccedilatildeo da cidade de Crenides ocorreu menos de cinco antes da accedilatildeo de Filipe II e remonta a um exilado ateniense chamado Caliacutestrato que foi para a regiatildeo com um grupo de colonizadores OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 3 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos

urbanos p 107 BRUCE F F Filipenses p 12 6 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355

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distrito da Macedocircnia no qual estava localizado Filipos7 Em 148 aC a

Macedocircnia eacute feita uma proviacutencia senatorial8 mas a importacircncia econocircmica da

cidade diminui devido agrave exaustatildeo dos recursos minerais9 A situaccedilatildeo muda no

seacuteculo I a C quando duas batalhas decisivas para a histoacuteria do Impeacuterio Romano

ocorrem proacuteximas a Filipos Em 42 aC as tropas lideradas por Brutus e Caacutessio

satildeo derrotadas pelo exeacutercito de Antocircnio e Otaviano pondo fim a era da Repuacuteblica

Romana10 A cidade eacute refundada por Antocircnio como Colonia Julia Filipense11 e eacute

iniciada uma intensa colonizaccedilatildeo romana quando ele transfere para laacute os veteranos

da sua vigeacutesima oitava legiatildeo12 Em 31 aC na mesma regiatildeo Antocircnio eacute

derrotado por Otaviano surgindo assim o Impeacuterio Romano propriamente dito

posto que em 29 aC ele eacute proclamado Imperador e em 27 a C Augustus13 Em

comemoraccedilatildeo ao tiacutetulo a cidade de Filipos recebeu um novo nome Vitoriosa

Colocircnia Augusto Juacutelia dos Filipenses14 Otaviano intensificou a colonizaccedilatildeo

romana levando para Filipos outro grupo de soldados veteranos (das tropas

derrotadas de Antocircnio) inclusive a coorte de pretorianos junto com famiacutelias

italianas que tiveram suas posses confiscadas por apoiarem Antocircnio15

O status de colocircnia desde 42 aC trouxe ganhos significativos para a

cidade de Filipos Ela possuiacutea uma administraccedilatildeo proacutepria a cargo de magistrados e

oficiais16 Os cidadatildeos eram considerados cidadatildeos romanos como se em Roma

estivessem Nos roacuteis das tribos da cidade de Roma os cidadatildeos romanos de Filipos

7 Embora a capital desse distrito fosse Tessalocircnica At 1612 registra ldquoFilipos cidade principal daquela regiatildeo da Macedocircnia e tambeacutem colocircnia romanardquo Cf BRUCE F F Filipenses p 12 sugere que a melhor traduccedilatildeo para esse verso eacute ldquo lsquoFilipos a primeira cidade dessa regiatildeo da Macedocircniarsquo ndash isto eacute o primeiro entre os quatro distritos em que a Macedocircnia fora dividida em 167 aCrdquo 8 Segundo OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 14-15 e HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355 isto ocorreu em 146 aC As proviacutencias podiam ser imperatorias (como a Siacuteria e a Galaacutecia-Licaocircnia) quando eram governadas por uma administraccedilatildeo militar subordinada diretamente ao imperador (geralmente nas fronteiras ou em cidades estrateacutegicas) ou senatorais (como Chipre Acaia e Macedocircnia) quando possuiacuteam uma administraccedilatildeo civil razoavelmente independente e ao mesmo tempo estavam pacificadas a ponto de natildeo precisarem de um contingente militar fixo Cf REICKE BO Histoacuteria do Tempo do

Novo Testamento p 236-237 e KOESTER Helmut Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 328 9 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 356 10 OROFINO Francisco op cit p 14 11 A praacutetica dos romanos de criarem colocircnias para garantir seus domiacutenios remonta ao seacuteculo IV a C quando a proacutepria Roma garantiu o domiacutenio da Itaacutelia atraveacutes da instalaccedilatildeo de colocircnias Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 12 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 107 13 Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 14 Em latim Colonia Julia Augusta Victrix Philippensium 15 BRUCE F F Filipenses p 12 16 O termos latinos respectivamente satildeo duumviri e lictores que em Atos 1622 e 35 aparecem traduzidos para o grego como στρατηγοὶ e ῥαβδοῦχος

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estavam inscritos na lista da tribo Voltinia17 A colocircnia recebeu o direito ao Jus

Italicum que proporcionava a sua populaccedilatildeo privileacutegios econocircmicos (isenccedilatildeo de

impostos sobre as Terras agricultaacuteveis e o direito a negociar ou conservar estas

Terras) poliacuteticos (independecircncia de receber interferecircncia do governador da

proviacutencia e possibilidade de regulamentar seus proacuteprios assuntos ciacutevicos) e

militares (proteccedilatildeo contra prisotildees arbitraacuterias e castigos corporais como flagelaccedilatildeo

e crucificaccedilatildeo)18 A importacircncia do status de colocircnia e os efeitos sociais

decorrentes satildeo bem expostos por W Barclay

Estas colocircnias tinham uma grande caracteriacutestica proacutepria Onde quer que existiam constituiacuteam pequenos fragmentos de Roma e a nota dominante era o orgulho de sua cidadania romana Se falava o idioma de Roma se usavam vestimentas romanas se observavam costumes romanos seus magistrados tinham tiacutetulos romanos e observavam as mesmas cerimocircnias que em Roma Onde quer que estivessem as colocircnias eram obrigatoacuteria e inalteravelmente romanas Nunca lhe ocorrera assimilar-se ao povo que laacute vivia Eram parte de Roma miniatura da cidade de Roma e jamais esqueciam disso19

Este processo de colonizaccedilatildeo fez a populaccedilatildeo de Filipos ser

predominantemente romana convivendo no entanto com antigos moradores

traacutecios e gregos aleacutem de grupos de imigrantes vindos do Egito da Anatoacutelia e da

Palestina20 Todos esses grupos formavam na metade do seacuteculo I dC um

contingente populacional em torno de 10 mil moradores21 sendo o latim o idioma

corrente e o grego possivelmente utilizado nas transaccedilotildees comerciais22 A parte

construiacuteda da cidade era pequena natildeo ultrapassando 1km223 A economia estava

baseada na agricultura e no comeacutercio este impulsionado pela Via Egnatia uma

importante rota comercial que ligava Roma agrave parte oriental do impeacuterio

culminando na cidade de Bizacircncio futura Constantinopla capital imperial no

seacuteculo IV dC24 Os habitantes tinham bom niacutevel de instruccedilatildeo e usando categorias

atuais a cidade poderia ser classificada como de classe meacutedia alta25 A realidade

religiosa da cidade no seacuteculo I d C era de grande sincretismo Existiam lado a

17 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 471 HELLERMAN Joseph H Vindicating

Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi

upon the Composition of Philippians 26-11 p88 Este uacuteltimo afirma que quando uma colocircnia romana era fundada ela era identificada como uma das tribos romanas 18 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 357-358 19 BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 10 20 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 108-109 21 FOWL Stephen E Philippians p 12 22 OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 15 23 MEEKS Wayne op cit p 109-110 24 SCHNELLE Udo op cit p 464 OROFINO Francisco op cit p 16 25 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 11

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lado o culto ao imperador e a adoraccedilatildeo de divindades gregas romanas egiacutepcias

aleacutem de deuses locais26 Segundo o relato de Atos 16 tambeacutem haviam judeus e

proseacutelitos do judaiacutesmo na cidade embora em nuacutemero reduzido A existecircncia de

uma sinagoga em Filipos soacute eacute atestada a partir do seacuteculo III dC27 Quando o

apoacutestolo Paulo chegou na cidade ela era de fato um centro urbano e poliacutetico na

regiatildeo28

22 Paulo e a igreja de Filipos A primeira visita de Paulo agrave cidade de Filipos ocorreu entre os anos de 48-

50 dC Ali o apoacutestolo fundou sua primeira comunidade em solo europeu O livro

de Atos narra a passagem de Paulo pela cidade em 1611-40 Embora a

fidedignidade histoacuterica deste capiacutetulo de Atos seja bastante discutida seus dados

essenciais satildeo considerados confiaacuteveis e uacuteteis para melhor compreensatildeo do iniacutecio

da igreja em Filipos29 Nessa perspectiva apoacutes alguns dias na cidade Paulo e seu

grupo de colaboradores missionaacuterios30 encontraram um lugar de oraccedilatildeo

26 Segundo BARTH Gerhard A carta aos Filipenses 1983 p 5 escavaccedilotildees comprovaram a existecircncia de mais de 24 divindades diferentes cultuadas em Filipos 27 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 465 nota 29 28 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 62 29 Ibid p 173 ldquoEmbora a narrativa em At 1616-2223-40 esteja enfeitada com traccedilos lendaacuterios seu cerne histoacuterico eacute confirmadordquo Mais otimista eacute HELLERMAN Joseph H Vindicating

Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi

upon the Composition of Philippians 26-11 p85-102 que vai construir toda uma interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 baseado na narrativa de Atos 1611-40 Um balanccedilo atual sobre a importacircncia de Atos para a reconstruccedilatildeo da cronologia paulina eacute feito por EDO Pablo M Cronologiacuteas Paulinas un

estado de la questioacuten p 177-198 Segundo ele tanto as informaccedilotildees das cartas quanto de Atos devem ser avaliadas criticamente mas a utilizaccedilatildeo do livro de Atos como fonte reduz de forma significativa as suposiccedilotildees e elaboraccedilotildees criativas dos pesquisadores 30 Considerando o relato de Atos eacute provaacutevel que a visita de Paulo a Filipos tenha sido acompanhada por Silas Timoacuteteo e Lucas O primeiro partiu junto com o apoacutestolo nessa viagem (At1540) Logo a seguir Timoacuteteo uniu-se aos dois (At 163) E eacute a partir de At 1610 que a narrativa de Atos passa para a primeira pessoa do plural indicando que o narrador passou a integrar os acontecimentos dali em diante A tese predominante eacute que o autor de Atos eacute Lucas Que o cenaacuterio da visita a Filipos foi assim admitem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los

Filipenses p 64 e OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 6

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(προσευχή) junto ao rio Gangites onde estavam reunidas algumas mulheres31

Entre elas estava Liacutedia uma gentia vendedora de puacuterpura temente a Deus isto eacute

simpatizante do judaiacutesmo32 Ela se converteu e foi batizada junto com a sua casa

surgindo ali o nuacutecleo inicial da igreja em Filipos O iniacutecio da igreja em uma

reuniatildeo de mulheres na casa de uma mulher mais as mulheres que aparecem

nomeadas na carta indicam a predominacircncia do elemento feminino naquela

igreja inclusive em funccedilotildees de lideranccedila Isto na verdade eacute o reflexo na igreja da

realidade social da regiatildeo pois na Macedocircnia as mulheres ocupavam um papel na

vida puacuteblica muito maior do que em outros lugares do mundo greco-romano da

eacutepoca33

Atos 16 tambeacutem registra a conversatildeo e o batismo de uma segunda famiacutelia

a do carcereiro que vigiava os missionaacuterios na prisatildeo Levando em conta a famiacutelia

de Liacutedia e a famiacutelia do carcereiro mais os nomes indicados na carta aos Filipenses

(Epafrodito Evoacutedia Sintique Clemente) conclui-se que a igreja de Filipos era

constituiacuteda em sua maioria por membros gentios pessoas de diversas origens e

segmentos sociais asiaacuteticos gregos romanos judeus mulheres com

31 O significado exato de προσευχή eacute discutido De um lado parece que o termo era utilizado como sinocircnimo de sinagoga na literatura judaica heleniacutestica (FOWL Stephen E Philippians p 13 nota 20) Por outro o fato de Lucas natildeo mencionar nem a presenccedila de homens na reuniatildeo nem a ocorrecircncia de um culto formal com leitura da Lei sendo um saacutebado favorece a posiccedilatildeo de que ali seria apenas um lugar de reuniotildees informais de mulheres simpatizantes do judaiacutesmo Assim HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 360 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo

aos Filipenses p 25 afirma que as ldquosinagogas nunca estavam fora da cidaderdquo BOCKMUEHL Markus The Epistle to the Philippians p 9 reforccedila a tese observando que Lucas faz questatildeo de mencionar quando Paulo visitava uma sinagoga em uma cidade Assim em Salamina (At 135) Atioquia da Psidia (At 1314) Icocircnio (At 141) Tessalocircnica (171) Bereacuteia (At 1710) Atenas (At 1717) e Corinto (1847) Segundo BRUCE F F Filipenses p15 eacute possiacutevel que natildeo houvesse na cidade o quoacuterum miacutenimo para o estabelecimento de uma sinagoga que era de 10 homens 32 Lucas utiliza a expressatildeo σεβομένη τὸν θεόν para descrever Liacutedia Segundo BAGD p 746 a expressatildeo era utilizada para os gentios que aderiam ao ldquomonoteiacutesmo eacutetico do Judaiacutesmordquo e frequentavam a sinagoga mas natildeo tinham a obrigaccedilatildeo de seguirem toda a lei judaica Os homens por exemplo natildeo precisavam circuncidar-se MEEKS Wayne A Os primeiros cristatildeos

urbanos p 89 nota 175 afirma que natildeo haacute consenso sobre o uso teacutecnico da expressatildeo (nem mesmo se era usado de forma teacutecnica) mas ela pode indicar tanto esses ldquosimpatizantesrdquo do judaiacutesmo quanto pode significar apenas ldquopiedosordquo aplicado inclusive a proseacutelitos e judeus nativos 33 Nessa linha FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 63 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 23-26 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 558

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independecircncia financeira e poder econocircmico comerciantes romanos militares e

possiacuteveis antigos colonizadores romanos34

Os registros de Atos Filipenses e 1Tessalonicensses confirmam que Paulo

foi forccedilado a sair da cidade debaixo de oposiccedilatildeo e perseguiccedilatildeo A atmosfera de

hostilidade contra o cristianismo continuou ali mesmo apoacutes a saiacuteda dos

missionaacuterios soacute que entatildeo transferiu-se para a igreja conforme se deduz da carta

Antes de escrever a carta aos Filipenses eacute possiacutevel que Paulo tenha visitado

pessoalmente a comunidade ao menos duas vezes conforme 2Cor 81-5 e At 203-

635

Questatildeo muito debatida eacute onde estava o apoacutestolo quando escreveu a carta

Seja qual for a resposta deve atender as seguintes condiccedilotildees supostas no texto de

Filipenses Paulo estava preso Sua prisatildeo eacute junto agrave guarda pretoriana e (113) e de

pessoas da τῆς Καίσαρος οἰκίας (422) Parece haver a possibilidade de o

julgamento terminar em morte (120 e 217) mas ao mesmo tempo Paulo nutre a

expectativa de reencontrar os filipenses (125-26) De alguma forma esta prisatildeo

contribuiu com a divulgaccedilatildeo do evangelho na regiatildeo (112-13) Aleacutem de Timoacuteteo

ele tinha poucas pessoas confiaacuteveis ao seu lado (219-21) e enquanto ele estava

preso aconteceram algumas viagens (pelo menos quatro) entre Filipos e a esta

cidade

Na pesquisa foram sugeridas quatro alternativas para atender essas

caracteriacutesticas A primeira possibilidade eacute a cidade de Corinto Em seu favor estatildeo

a proximidade geograacutefica com Filipos a existecircncia de um prococircnsul na cidade e

toda oposiccedilatildeo que o apoacutestolo enfrentou ali inclusive com perigo de morte No

entanto natildeo existe comprovaccedilatildeo de um aprisionamento do apoacutestolo em Corinto e

segundo At 181-218 Paulo contava com um razoaacutevel apoio nesta cidade

especialmente de Priscila e Aacutequila o que natildeo corresponde ao lamento de ter

34 Barclay faz a interessante avaliccedilatildeo do capiacutetulo 16 de Atos para a formaccedilatildeo da igreja de Filipos ldquoOs trecircs personagens satildeo de diferentes nacionalidades Lidia era uma asiaacutetica natildeo eacute necessaacuterio que estejamos diante de um nome proacuteprio e sim simplesmente ante o qualificativo lsquoa senhora da cidade de Liacutediarsquo A jovem escrava era grega O carcereiro era cidadatildeo romano Todo o impeacuterio estava reunido na igreja cristatilde Poreacutem natildeo estamos somente ante trecircs diferentes nacionalidades e sim tambeacutem ante trecircs estratos muito diferentes da sociedade Liacutedia era uma comerciante de puacuterpura uma das mercadorias mais caras do mundo antigo ela era equivalente a um priacutencipe mercador A jovem escrava ante a lei natildeo era uma pessoa mas sim uma ferramenta viva O carcereiro era um cidadatildeo romano um membro da forte classe meacutedia romana que se ocupava dos serviccedilos civis Nestes trecircs estavam representados o mais alto o mais baixo e o mediano da sociedade Natildeo haacute outro capiacutetulo da Biacuteblia que mostre tatildeo bem o caraacuteter universal da feacute que Jesus traz aos homensrdquo BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 11 35 MARTIN Ralph Filipenses p 22-23 e BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7

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apenas Timoacuteteo junto dele (219-21) A hipoacutetese de Corinto eacute aquela que goza de

menor aceitaccedilatildeo acadecircmica36

Uma segunda possibilidade que goza de maior adesatildeo eacute a tese que

Filipenses foi escrita em Eacutefeso37 Entre outros esta alternativa eacute sustentada pelos

seguintes argumentos a proximidade geograacutefica entre Eacutefeso e Filipos a

informaccedilatildeo de At 1922 dando conta que Timoacuteteo estava com Paulo em Eacutefeso e

de At 191025-26 da intensa evangelizaccedilatildeo que ocorreu na cidade e arredores

quando Paulo esteve ali e a possibilidade da expressatildeo πραιτώριον (113) referir-

se a sede do prococircnsul na cidade

Satildeo apresentados todavia trecircs argumentos centrais contra Eacutefeso

Primeiramente como no caso de Corinto inexiste comprovaccedilatildeo para uma prisatildeo

de Paulo em Eacutefeso (apesar de 2Cor 18-10 65 e 1123 indicarem que ele esteve

preso vaacuterias vezes) Na verdade a questatildeo natildeo eacute apenas se ele esteve ou natildeo preso

em Eacutefeso mas atribuir a esta cidade um aprisionamento que atenda agraves

caracteriacutesticas supostas em Filipenses isto eacute de duraccedilatildeo razoaacutevel risco de ser

condenado agrave morte e ao mesmo tempo liberdade para pregar o evangelho Em

segundo lugar sendo a carta escrita de Eacutefeso seria muito difiacutecil explicar o motivo

pelo qual o apoacutestolo nem sequer menciona a coleta aos pobres de Jerusaleacutem

assunto que dominava as preocupaccedilotildees do apoacutestolo no periacuteodo conforme indicam

as cartas aos Coriacutentios Ao contraacuterio Filipenses supotildee que a coleta jaacute tinha

terminado38 E finalmente eacute preciso discutir a existecircncia de um pretoacuterio na

cidade O entendimento mais baacutesico para a expressatildeo πραιτώριον em 113 eacute o da

guarda pessoal do imperador que ficava estabelecida em Roma o que tambeacutem

combina com a interpretaccedilatildeo mais natural do termo τῆς Καίσαρος οἰκίας em

42239 Poreacutem dentro da administraccedilatildeo romana πραιτώριον servia como

designaccedilatildeo de vaacuterias residecircncias oficiais a saber a residecircncia do general e de suas

36 HAWTHORNE Gerald F Philippians p 20 MARTIN Ralph Filipenses p 57-58 Eles informam que o primeiro a postular Corinto como lugar de origem da carta aos Filipenses foi G L Oeder em 1731 Com exceccedilatildeo de Hawthorne e Martin os demais autores pesquisados nem sequer consideram Corinto como possibilidade 37 KUumlMMELL Werner Georg Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 429 que informa que Eacutefeso foi proposta em 1897 por A Deissmann Em sentido contraacuterio HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19 afirma que Deissmann seguiu proposta apresentada originalmente por H Lisco em 1900 38 Os argumentos acima estatildeo principalmente esboccedilados em HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19-20 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 560 39 Assim FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 OrsquoBRIEN P T The

Epistle to the Philippians p 20-21

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tropas residecircncia dos governadores de proviacutencias nas capitais e fora das capitais

e palaacutecio dos procuradores de proviacutencia40 A hipoacutetese de que Paulo escreveu a

partir de Eacutefeso sustenta que o apoacutestolo usou a expressatildeo πραιτώριον de forma

mais geneacuterica natildeo se referindo necessariamente agrave casa do imperador ldquomas agrave casa

onde estava o administrador romano cheia de luxo mordomias e guardasrdquo41 No

entanto aleacutem de ser discutiacutevel que Paulo estivesse utilizando aqui uma linguagem

natildeo especiacutefica42 o argumento fundamental contra a hipoacutetese efeacutesia eacute a ausecircncia de

qualquer comprovaccedilatildeo histoacuterica para a existecircncia na cidade de um pretoacuterio ou de

uma guarda pretoriana43 Eacutefeso era uma proviacutencia senatorial e ldquonatildeo existe

exemplo nos tempos imperiais do emprego dessa expressatildeo [πραιτώριον] para a

sede de um prococircnsul o governador de uma proviacutencia senatorial como era a da

Aacutesia [Eacutefeso] nessa eacutepocardquo44

A terceira cidade postulada como lugar de onde Paulo escreveu Filipenses

eacute Cesareacuteia A hipoacutetese possui algumas vantagens em relaccedilatildeo agraves anteriores posto

que o livro de Atos menciona de forma expliacutecita que Paulo esteve preso nessa

cidade por um periacuteodo longo e laacute foi detido no πραιτώριον (At 2331-35) A

coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha sido efetuada Seu desejo de visitar os Filipenses

novamente natildeo contradiz sua intenccedilatildeo missionaacuteria de ir agrave Espanha visto ele poder

passar por Filipos indo para Espanha Ainda assim esta hipoacutetese possui

dificuldades O quadro da prisatildeo de Paulo em Cesareacuteia natildeo coaduna com o risco

de morte suposto em Filipenses Tambeacutem natildeo haacute indiacutecios de uma presenccedila cristatilde

na cidade que corresponda agrave realidade da carta ou seja tanto uma intensa

propagaccedilatildeo do cristianismo quanto divisotildees dentro da comunidade cristatilde Aleacutem

disso de todas as opccedilotildees (Roma seraacute discutida logo abaixo) Cesareacuteia eacute a cidade

mais distante de Filipos Apesar do argumento geograacutefico natildeo ser fundamental eacute

40 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 55 41 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 30 Adiante nas paacuteginas 55-56 ele afirma ldquoO pretoacuterio nesse contexto precisa ser considerado no sentido geneacutericordquo 42 Criacutetica levantada por FEE G D Comentaacuterio de la Epiacutestola a los Filipenses p 74 43 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 Nessa direccedilatildeo OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 22 argumenta que tropas militares natildeo ficavam estacionadas em proviacutencias senatorias porque eram governadas por civis Em contrapartida BROWN R Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p657 argumenta em favor de Eacutefeso como a melhor opccedilatildeo usando a seguinte afirmativa inteiramente especulativa ldquoEacutefeso era a cidade mais importante da proviacutencia romana da Aacutesia e sede do quartel-general proconsular de modo que deve ter havido uma importante presenccedila romana ali ateacute mesmo um praitorionrdquo 44 BRUCE F F Filipenses p 22 Natildeo obstante em favor de Eacutefeso entre outros estatildeo SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 9-13 BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7-8 GNILKA Joachim Epiacutestola aos Filipenses p 9 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 310-311

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um fator complicador para a proposta explicar as viagens e troca de informaccedilotildees

entre Paulo e a igreja de Filipos45

A sugestatildeo mais antiga para a proveniecircncia da carta aos Filipenses eacute

Roma Ela remonta ao seacuteculo II dC aparecendo no proacutelogo marcionita e

posteriormente em outros manuscritos Esta opccedilatildeo predominou sem

questionamentos ateacute o seacuteculo XVIII O grande argumento em favor da capital do

impeacuterio eacute que a descriccedilatildeo que Lucas faz em Atos 28 da prisatildeo de Paulo laacute

equivale aos pontos essenciais da carta aos Filipenses facilmente explica os

termos πραιτώριον e τῆς Καίσαρος οἰκίας o risco de morte vislumbrado por

Paulo eacute plausiacutevel visto ela jaacute ter apelado a Ceacutesar a coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha

sido concluiacuteda Paulo estaacute em uma cidade com a presenccedila razoaacutevel de cristatildeos

com os quais poreacutem possui um relacionamento distanciado a prisatildeo foi longa e

ele possuiacutea relativa liberdade para divulgar o evangelho (At 2830-31) Contra

Roma residem dois argumentos principais De um lado a distacircncia ateacute Filipos

que dificultaria a intensa comunicaccedilatildeo pressuposta na carta Do outro o desejo de

Paulo visitar novamente os filipenses vai contra os seus planos de atuar na

Espanha Quanto agrave primeira questatildeo embora muita valorizada no passado jaacute natildeo

goza de tanta aceitaccedilatildeo entre os estudiosos Considerando apenas uma viagem por

Terra nas boas condiccedilotildees das estradas romanas tem-se uma estimativa de 4

semanas Inferindo-se da carta pelo menos 4 viagens entre Filipos e Roma o

tempo total seria de 16 semanas que no contexto de dois anos de aprisionamento

(At 2830) eacute tempo suficiente Sendo a viagem pelo mar o tempo reduziria ainda

mais para aproximadamente 2 semanas cada viagem e tempo total de 8 semanas

Em relaccedilatildeo agrave suposta mudanccedila de planos de Paulo os anos na prisatildeo de Cesareiacutea e

em Roma podem ter feito o apoacutestolo alterar seus planos natildeo necessariamente

substituiacute-los mas talvez postergaacute-los46 De qualquer forma o quadro de Filipenses

natildeo indica que ele tenha desistido da Espanha Por uacuteltimo mas natildeo menos

importante haacute em favor de Roma um argumento relativo ao conteuacutedo

Considerando o pensamento do apoacutestolo no conjunto das suas cartas eacute possiacutevel 45 A hipoacutetese de Cesareacuteia foi originalmente apresentada em 1779 por H E G Paulus Cf BRUCE F F Filipenses p 22-23 MARTIN Ralph P Filipenses p 58-60 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 560-561 Este uacuteltimo eacute a favor da cidade de Cesareacuteia como lugar de origem para a carta 46 Ao final da prisatildeo de Roma quando provavelmente escreveu Filipenses jaacute tinham se passado mais de quatro anos de aprisionamento do apoacutestolo (somando-se Cesareacuteia e Roma) e quase 10 anos da redaccedilatildeo da carta aos Romanos (situada em meados na deacutecada de 50) onde Paulo registrou seus planos de fazer missatildeo na Espanha (Rm 1622-2328)

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enxergar em Filipenses um desenvolvimento em relaccedilatildeo agraves grandes cartas

anteriores (Romanos 1 e 2 Coriacutentios Gaacutelatas e 1Tessalonicenses) acompanhado

por um progresso da situaccedilatildeo eclesiaacutestica indo na direccedilatildeo das cartas pastorais e

ainda o amadurecimento no apoacutestolo de uma ldquoconsciecircncia de maacutertirrdquo (123 e

217)47 Diante do exposto a soluccedilatildeo para o local de origem da carta aos

Filipenses continuaraacute no campo das hipoacuteteses mas eacute plausiacutevel afirmar que

daquelas apresentadas acima Roma eacute a que possui maior probabilidade por

reunir e explicar uma maior quantidade de informaccedilotildees presentes na carta Sendo

Roma o local de proveniecircncia a data para a publicaccedilatildeo seria entre os anos 61 e 62

dC no final do seu cativeiro na capital48

23 A carta aos Filipenses

231 Autoria e Integridade

Na atual avaliaccedilatildeo do corpus paulino Filipenses eacute indiscutivelmente

considerada uma carta autecircntica49 Na histoacuteria da pesquisa natildeo se estabeleceu

nenhuma tese que negasse a autoria paulina de Filipenses O consenso nos estudos

paulinos contemporacircneos eacute em favor de Paulo como genuiacuteno autor da carta50

Situaccedilatildeo oposta eacute a avaliaccedilatildeo da integridade da carta Uma seacuterie de

observaccedilotildees levantam suspeitas se a carta aos Filipenses circulou desde o iniacutecio

como ela se apresenta hoje no corpus paulino isto eacute se desde o iniacutecio ela era um

escrito uacutenico que ia de 11 ateacute 423 As principais questotildees levantadas satildeo A) A

redaccedilatildeo de 31 (com a utilizaccedilatildeo do termo λοιπός) parece encaminhar de maneira

47 Argumento de SCHNELLE Udo Paulo Vida e pensamento p 467-472 48 Para os argumentos acima e em favor de Roma estatildeo entre outros SCHNELLE Udo Paulo

Vida e pensamento p 465-469 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 376-387 BOCKMUEHL Marcus The Epistle to the Philippians p 30-32 FOWL Stephen E Philippians p 9 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 72-76 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 19-26 49 De acordo com VOUGA Franccedilois A literatura paulina p 186 ela eacute uma das sete que pertencem ao conjunto das protopaulinas Ao lado deste seguem-se mais dois conjuntos as deuteropaulinas e as tritopaulinas 50 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 558 Segundo ele a tentativa mais famosa de negar a autoria paulina da carta foi feita sem sucesso por Ferdinand Christian Baur

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natural para agrave conclusatildeo da carta Entretanto ao inveacutes disso Paulo inicia uma

aacutespera repreensatildeo contra adversaacuterios51 B) O trecho de 410-20 deve preceder 11-

31 como gratidatildeo de Paulo pelo donativo enviado pela igreja atraveacutes de

Epafrodito52 C) O trecho de 32-43 natildeo faz menccedilatildeo da situaccedilatildeo de

aprisionamento de Paulo que eacute a situaccedilatildeo pressuposta para 11-3153 D) A

diferenccedila de tom com que Paulo trata os adversaacuterios na primeira parte (115-18)

em relaccedilatildeo agrave seccedilatildeo iniciada em 32 Mais do que indicar adversaacuterios diferentes

essa mudanccedila pode refletir dois momentos distintos na vida de Paulo duas

maneiras distintas de o apoacutestolo encarar seus adversaacuterios54 E) Uma seacuterie de frases

conclusivas em 47-9 e 419-2055 Os estudiosos partidaacuterios da hipoacutetese de

Filipenses como uma compilaccedilatildeo de vaacuterias cartas combinam todos esses

elementos acima e ainda outros e propotildeem que a carta atual eacute resultado da uniatildeo

de duas ou trecircs cartas menores A delimitaccedilatildeo do conteuacutedo exato de cada uma

dessas supostas cartas varia resultando em pelo menos seis arranjos diferentes de

conteuacutedo56

No entanto satildeo mais consistentes os argumentos em favor da unidade da

carta57 Em primeiro lugar natildeo haacute nenhuma evidecircncia manuscrita de que algum

dia a carta aos Filipenses circulou de forma diferente como ela hoje existe no

Novo Testamento Em segundo lugar existe uma seacuterie de correlaccedilotildees

morfoloacutegicas e conceituais entre as diversas seccedilotildees da carta inclusive entre 11-

31 e 32-49 O proacuteprio texto de Fl 26-11 ecoa em 37-11 e 320-21 Em terceiro

lugar as teorias de montagem levantam mais perguntas que respondem

acumulando conjecturas em cima de conjecturas como por exemplo quando se

tenta responder qual a intenccedilatildeo teve o editor final ao juntar desta forma as

supostas cartas avulsas Em quarto lugar ldquoa Antiguidade que conhecia bem o

gecircnero literaacuterio da coleccedilatildeo de cartas ou da correspondecircncia editada e vendida

51 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 52 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 21 53 Idem 54 BRUCE F F Filipenses p 27-29 55 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 300-303 56 VOUGA Franccedilois op cit p 300-303 vai apresentar os seis esquemas de organizaccedilatildeo trecircs relativos agrave existecircncia de duas cartas e trecircs para existecircncia de trecircs cartas O uacutenico consenso nessa visatildeo eacute que 11-31 forma uma unidade 57 Para os argumentos que seguem em favor da unidade da carta cf HAWTHORNE G F

Filipenses carta aos In DPC p 558-559 BRUCE F F Filipenses p 26-30 MARTIN Ralph P Filipenses p 23-35 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 18-20 BOCKMUELH Marcus op cit p 20-25 VOUGA Franccedilois op cit p 302-303

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como livro natildeo oferece nenhum exemplo de cartas ou de fragmentos epistolares

combinados ou re-redigidos sob forma de cartardquo58 Em quinto lugar eacute possiacutevel (e

provavelmente mais faacutecil) compreender o fluxo de pensamento da carta como uma

unidade59

232 Objetivo da carta

Quanto ao objetivo da carta a razatildeo principal para o envio desta carta estaacute

no acircmbito do relacionamento entre Paulo e a Igreja de Filipos que era do mais

alto niacutevel Nesse sentido pode-se dizer que Filipenses eacute uma carta de amizade60

Paulo escreve para agradecer agrave comunidade as ofertas enviadas recomendar a

recepccedilatildeo de Epafrodito que estaacute retornando anunciar o envio de Timoacuteteo e contar

sobre as circunstacircncias atuais do apoacutestolo preso

Natildeo obstante o apoacutestolo aproveita a oportunidade para orientar a

comunidade diante dos seacuterios desafios que ela tem enfrentado Se de um lado a

igreja natildeo estava passando por uma seacuteria crise teoloacutegica61 do outro ela estava

ameaccedilada por diversos adversaacuterios A caraterizaccedilatildeo exata desses adversaacuterios eacute

objeto de discussatildeo Eles podem ser encontrados em 115-18 128 32 e 318 O

grande problema eacute a chamada ldquoleitura atraveacutes do espelhordquo isto eacute reconstruir

grupos e ideias com base tatildeo somente nos argumentos contraacuterios oferecidos natildeo

sistematicamente por Paulo62 Dessa forma uma proposta cautelosa eacute a

identificaccedilatildeo de dois grupos de adversaacuterios por traacutes da argumentaccedilatildeo de paulina

em Filipenses63 O primeiro grupo apresentado em 115-18 seriam cristatildeos que

estavam atuando na cidade em que Paulo estava preso e que apesar de pregarem

Cristo faziam oposiccedilatildeo a Paulo afirmando que os sofrimentos dele eram

58 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 302 59 Ainda sim BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 9-10 e SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 11-12 favorecem a hipoacutetese que Filipenses eacute uma composiccedilatildeo de trecircs cartas de Paulo 60 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 12 SCHNELLE Udo Paulo vida

e pensamento p 469 afirma que ldquoPaulo sentia-se tatildeo ligado aos filipenses como a nenhuma outra comunidaderdquo 61 FOWL Stephen E Philippians p 11 62 Ibidem p 11-12 63 Segue-se aqui a explicaccedilatildeo apresentada por HAWHTHORNE G F Philippians p 24-27 e HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 561-562

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evidecircncias de sua fraqueza como liacuteder Ao que parece a divergecircncia de Paulo com

eles era de natureza mais pessoal do que teoloacutegica

Eacute verdade que alguns anunciam o Cristo [τὸν Χριστὸν κηρύσσουσιν] por inveja e porfia e outros por boa vontade estes por amor proclamam a Cristo [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] sabendo que fui posto para defesa do evangelho e aqueles por rivalidade natildeo sinceramente julgando com isso acrescentar sofrimentos agraves minhas prisotildees Mas que importa De qualquer maneira ndash ou com segundas intenccedilotildees ou sinceramente ndash Cristo eacute proclamado [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] e com isto me regozijo (115-18)64

A partir de 32 Paulo tem em vista outro tipo de adversaacuterios Ao contraacuterio dos

primeiros estes natildeo satildeo cristatildeos Eles confiam na carne exigem a circuncisatildeo e

outros rituais judaicos e com uma escatologia realizada prometem a possibilidade

de se alcanccedilar a perfeiccedilatildeo nesta vida e desde jaacute experimentar as daacutedivas do mundo

porvir Menosprezam o sofrimento e consequentemente a figura e a pregaccedilatildeo de

Paulo Enfim satildeo τοὺς ἐχθροὺς τοῦ σταυροῦ τοῦ Χριστοῦ Eles podem ser

qualificados como missionaacuterios judeus que representavam para os filipenses uma

ameaccedila real proveniente do ambiente exterior agrave igreja mas que natildeo

necessariamente jaacute estavam atuando junto agrave igreja

233 Estrutura da carta

Existem diversas propostas de arranjo do conteuacutedo da carta e muitas satildeo

plausiacuteveis Este trabalho no entanto oferece como contribuiccedilatildeo agrave pesquisa a

possibilidade de compreender o conteuacutedo da carta aos Filipenses estruturado em

seccedilotildees paralelas que se correspondem como pode ser visualizado abaixo

64 A traduccedilatildeo citada eacute de A Biacuteblia de Jerusaleacutem nova ediccedilatildeo revista e ampliada As demais citaccedilotildees biacuteblicas do trabalho seratildeo extraiacutedas dessa traduccedilatildeo salvo outra indicaccedilatildeo

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A - Saudaccedilatildeo ndash 11-2

B - Accedilatildeo de graccedilas ndash 13-11

C - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 112-26

D - Exortaccedilatildeo 127-217

Crsquo - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 219-30

Drsquo - Exortaccedilatildeo 31-49

Brsquo Accedilatildeo de Graccedilas ndash 410-20

Arsquo Saudaccedilatildeo ndash 421-23

24 Criacutetica Textual de Fl 29-11

Estes trecircs versiacuteculos natildeo apresentam nenhuma seacuteria dificuldade criacutetico-

textual mas eacute pertinente a consideraccedilatildeo das variantes existentes a fim de detectar

jaacute na proacutepria tradiccedilatildeo manuscrita tendecircncias na interpretaccedilatildeo do texto

Versiacuteculo 9b καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα O artigo τὸ que acompanha ὄνομα eacute omitido nos unciais D F G K L P

Y 075 e 0278 nos cursivos 81 104 365 630 1175 1241 1505 1881 e 2464

nos manuscritos que pertencem ao texto Bizantino (M) e ainda em Clemente

conforme Teoacutedoto Apoiam o texto sem a omissatildeo o papiro P46 os unciais a A

B C os cursivos 33 629 1175 1739 Segundo Metzger com a omissatildeo do artigo

o texto estaria afirmando ldquoque Jesus recebeu um nome natildeo especificado que

depois eacute definido com aquele nome que estaacute acima de todo nomerdquo65 O mesmo

autor explica que a omissatildeo pode ter surgido quando um copista se confundiu com

o final do verbo ἐχαρίσατο Outra possibilidade eacute que os copistas interpretaram

que Paulo natildeo estivesse referindo-se a um nome especiacutefico (um tiacutetulo como se

veraacute adiante na pesquisa) mas agrave noccedilatildeo de reputaccedilatildeo fama e honra66 isto eacute Deus

deu a Jesus a honra acima de todas as honras E embora a evidecircncia externa apoie

65 METZGER Bruce M Un Comentario Textual Al Nuevo Testamento Griego p 542 O mesmo comentaacuterio encontra-se em OMANSON Roger Variantes textuais do Novo

Testamento p 414 66 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120

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a autenticidade do artigo67 esta uacuteltima intepretaccedilatildeo eacute bastante plausiacutevel no

contexto

Versiacuteculo 11a καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται

O verbo ἐξομολογήσηται (verbo subjuntivo aoristo meacutedio 3ordf p singular de

ἐξομολογέω) eacute substituiacutedo por ἐξομολογήσεται (verbo no futuro do indicativo

ativo 3ordf p singular) nos unciais A C D F G K L P YVID 075 e 0278 nos

cursivos 6 33 81 104 365 630 1175 1241 1505 1739 1881 2464 muitos

outros manuscritos pertencentes ao texto majoritaacuterio e em uma leitura alternativa

presente em Irineu (Irvl) Apoiam o texto sem a substituiccedilatildeo o papiro P46 os

unciais a B Fc os cursivos 323 630c 2495 muitos manuscritos pertencentes ao

texto majoritaacuterio Irineu Clemente conforme Teoacutedoto e Clemente de Alexandria

Do ponto de vista da traduccedilatildeo o que estaacute em questatildeo seria a troca do subjuntivo

para o futuro Com o subjuntivo a traduccedilatildeo estaacute ldquopara toda liacutengua confessar

querdquo Com o futuro ficaria ldquoe toda liacutengua confessaraacute querdquo Omanson oferece

explicaccedilotildees para as duas mudanccedilas isto eacute se original fosse futuro os copistas

teriam alterado para o subjuntivo para concordar com o verbo κάμψῃ do versiacuteculo

10 que estaacute no subjuntivo Se a forma original foi o subjuntivo a alteraccedilatildeo dos

copistas tinha como objetivo concordar com o termo ὀμεῖται (juraraacute) que aparece

em alguns manuscritos da LXX em Isaiacuteas 4523 Nesse caso a evidecircncia externa

(seguindo o texto Alexandrino) favorece a manutenccedilatildeo do texto com o subjuntivo

Por outro lado parece que a divisatildeo dos manuscritos aponta para o que a exegese

do texto vai confirmar isto eacute que na passagem o verbo em questatildeo tanto tem uma

aplicaccedilatildeo presente desafiando ouvintes e leitores a confessarem Jesus como

Senhor quanto uma dimensatildeo futura proclamando o que seraacute realidade

escatoloacutegica final quando todos os seres se submeteratildeo a Jesus

Versiacuteculo 11b ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

Ainda neste versiacuteculo os unciais A F e G o cursivo 1505 e alguns poucos

divergentes do texto majoritaacuterio os manuscritos da antiga versatildeo latina b e g um

manuscrito da Vulgata e um da versatildeo Saiacutedica e uma das citaccedilotildees de Fl 211 na

67 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120

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traduccedilatildeo latina de Oriacutegenes omite o termo Χριστὸς68 Assim o texto seria lido

ldquoque Jesus eacute Senhorrdquo No entanto eacute possiacutevel explicar a omissatildeo como uma

tentativa de harmonizaccedilatildeo com o versiacuteculo 10 A qualidade dos testemunhos

externos e a presenccedila comum da designaccedilatildeo Ἰησοῦς Χριστὸς em Paulo (soacute

considerando as foacutermulas de benccedilatildeo nas saudaccedilotildees e despedidas a expressatildeo

aparece em todo corpus paulino com exceccedilatildeo de Colossenses e Tito) favorecem a

manutenccedilatildeo do texto como estaacute Exegeticamente a omissatildeo da expressatildeo pode

testemunhar a desvalorizaccedilatildeo do termo Χριστὸς como tiacutetulo que explica a pessoa

e obra de Jesus Eacute por isso entatildeo que a exegese deve-se perguntar pela utilizaccedilatildeo

da expressatildeo no texto

25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11

9διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ

πᾶν ὄνομα 10 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων 11καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος

Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός69

9E por isso Deus o exaltou sobremaneira e o agraciou com o nome acima

de todo o nome 10a fim de que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus

no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 11e toda liacutengua confesse que Jesus

Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

26 Delimitaccedilatildeo

A delimitaccedilatildeo do objeto material seraacute realizada aqui em dois momentos

Primeiro a distinccedilatildeo dos versiacuteculos 6 a 11 do seu contexto literaacuterio e depois o

estabelecimento dos versiacuteculos 9 a 11 como uma seccedilatildeo especiacutefica do texto de 26-

11

68 Existe ainda a atestaccedilatildeo uacutenica feita pelo uncial K da leitura Χριστὸς κύριος 69 Texto grego conforme NESTLE-ALAND Novum Testamentum Graece 28ordf ediccedilatildeo

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A delimitaccedilatildeo de 26-11 pode ser evidenciada por diversos argumentos

Antes de tudo existe a diferenccedila em relaccedilatildeo ao contexto anterior De 127 a 24

Paulo estaacute trabalhando a parecircnese ou seja apresentando exortaccedilotildees agrave igreja

sobretudo no que tange agrave sua unidade Veja-se os imperativos πολιτεύεσθε

(127) πληρώσατέ (22) φρονεῖτε (25) aleacutem de orientaccedilotildees do tipo ldquonatildeo faccedilam

isso mas faccedilam aquilordquo (23-4) Justamente o versiacuteculo 25 faz a transiccedilatildeo

mantendo-se no entanto na parecircnese

Nos versiacuteculos de 6 a 11 natildeo se encontram mais exortaccedilotildees e sim a

descriccedilatildeo de eventos relacionados agrave pessoa de Jesus Passa-se da 2ordf pessoa para a

3ordf E no contexto posterior a partir de 212 Paulo retoma o estilo pareneacutetico

anterior Voltam os verbos no imperativo e na 2ordf pessoa como o importante

κατεργάζεσθε

Haacute ainda consideraccedilotildees linguiacutesticas e literaacuterias indicando que esta

passagem foi construiacuteda em estilo poeacutetico e natildeo de prosa distinguindo-se do seu

contexto na carta Eacute possiacutevel inclusive que ela tenha tido uma existecircncia anterior

independente da proacutepria carta Poreacutem como essa discussatildeo eacute complexa e ao

mesmo tempo muito importante para a compreensatildeo de Fl 26-11 o assunto seraacute

discutido em capiacutetulo agrave parte

Quanto agrave delimitaccedilatildeo dos versiacuteculos 9 a 11 em relaccedilatildeo ao texto de 26-11

a primeira consideraccedilatildeo eacute a mudanccedila de tema Do versiacuteculo 6 a 8 o texto descreve

o caminho do Filho de Deus da existecircncia na forma de Deus ateacute a morte na cruz

passando pelo seu esvaziamento sua humanidade e sua humilhaccedilatildeo Os

versiacuteculos 9 a 11 descrevem Deus o exaltando dando-lhe um nome especial

joelhos se dobrando diante dele e toda liacutengua confessando-o Ou seja a primeira

parte do texto gira em torno do eixo existecircncia na forma de Deus - esvaziamento -

encarnaccedilatildeo ndash cruz enquanto que a segunda parte segue a temaacutetica da exaltaccedilatildeo ndash

adoraccedilatildeo ndash confissatildeo ndash gloacuteria de Deus Outra consideraccedilatildeo importante eacute que na

primeira parte Jesus eacute o sujeito de todos os verbos satildeo trecircs verbos no indicativo e

cinco no particiacutepio nominativo todos referindo-se a Jesus A partir do versiacuteculo 9

Deus passa a ser o sujeito e Jesus o objeto Satildeo dois verbos no indicativo tendo

Deus como sujeito e Jesus como objeto E haacute dois verbos no subjuntivo que estatildeo

sintaticamente subordinados aos verbos que tem Deus como sujeito E tambeacutem ali

Jesus continua sendo o objeto

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Portanto Filipenses 26-11 forma uma unidade textual na qual eacute possiacutevel

distinguir duas seccedilotildees 26-8 e 29-11 Esta pesquisa pretende trabalhar apenas

sobre esta uacuteltima parte

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3 Status Quaestionis da Pesquisa a respeito de Fl 26-11

31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea

O grande impulso para a pesquisa acadecircmica de Fl 26-11 foi dado em 1928

quando Ernst Lohmeyer apresentou sua anaacutelise da passagem na obra que se tornaria

claacutessica para a exegese da periacutecope Kyrios Jesus Eine Untersuchung zu Phil 25-

1170 Segundo Martin o caraacuteter poeacutetico da passagem jaacute tinha sido reconhecido antes

por Johannes Weiss em um artigo de 1899 argumento que foi confirmado por A

Deissmann em 192571 Contudo para Martin o grande meacuterito de Lohmeyer foi

detalhar essas caracteriacutesticas poeacuteticas percebendo-a como uma composiccedilatildeo

lituacutergica especificamente um hino composto por seis estrofes cada qual com trecircs

linhas e apresentando uma soacutelida argumentaccedilatildeo em favor dessa estrutura72 A partir

de entatildeo afirmar que Fl 26-11 eacute um hino cristoloacutegico citado por Paulo no contexto

da carta aos Filipenses tornou-se lugar comum nos estudos do Novo Testamento73

A proliferaccedilatildeo de textos acadecircmicos sobre a passagem foi enorme discutindo-a por

diversos acircngulos a tal ponto de se afirmar que Fl 26-11 ldquoeacute uma das mais exaltadas

uma das mais amadas e uma das mais discutidas e debatidas passagens no corpus

Paulinordquo74 A quantidade de literatura especializada relacionada agrave passagem

evidencia que a mesma eacute a mais importante da carta aos Filipenses75 Abaixo seraacute

apresentado o desenvolvimento da interpretaccedilatildeo acadecircmica sobre o texto segundo

os principais toacutepicos de discussatildeo gecircnero literaacuterio estrutura autoria origem pano

de fundo e funccedilatildeo na carta

70 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 6 e 31 Dois anos depois Lohmeyer reproduziu os resultados do estudo na publicaccedilatildeo do seu comentaacuterio da carta aos Filipenses 71 MARTIN R P A Hymn of Christ p 24 72 Ibid p 28-29 Escrevendo em 1965 Martin afirma que ateacute entatildeo ningueacutem tinha conseguido reverter a avaliaccedilatildeo de Lohmeyer que o texto eacute um hino e os poucos questionamentos natildeo afetaram o consenso na comunidade exegeacutetica 73 Parece que o primeiro a designar a passagem como um ldquohino cristoloacutegicordquo foi H Lietzmann em uma publicaccedilatildeo de 1954 conforme FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians

26-11 p 471 nota 2 74 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 29 75 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 115 HELLERMANN J H Vindicating

Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p85 vai aleacutem e afirma que Fl 26-11 eacute o texto que mais atrai atenccedilatildeo erudita no corpus Paulino

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32 A pesquisa sobre o Gecircnero e Estrutura de Fl 26-11

A importacircncia do estudo de Lohmeyer faz dele o ponto de partida para esta

discussatildeo Conforme mencionado ele qualificou a passagem como um hino

composto de duas partes (vs 6-8 e 9-11) cada parte com trecircs estrofes e cada estrofe

com trecircs linhas sendo a expressatildeo ldquoθανάτου δὲ σταυρουrdquo omitida da parte trecircs por

ser considerada um acreacutescimo paulino ao hino original O resultado eacute a seguinte

estrutura

I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ II ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος III καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου IV διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα V ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων VI καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός76

Outra influente compreensatildeo sobre a forma da passagem foi apresentada por J

Jeremias Ele seguiu Lohmeyer entendendo o Fl 26-11 como um hino preacute paulino

mas enxergou sua estrutura de forma diversa como segue

I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών II ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου

76 MARTIN R P A Hymn of Christ p 29

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III διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς77

Em primeiro lugar ele concluiu que o hino estaacute organizado em pares de versos

refletindo o esquema hebraico do paralelismo de membros Satildeo 12 versos Para

chegar a essa estrutura ele propotildee excluir trecircs linhas do texto qualificando-as como

acreacutescimos de Paulo ao hino original As linhas satildeo θανάτου δὲ σταυροῦ (final do

versiacuteculo 8) ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων (final do versiacuteculo 9) e εἰς

δόξαν θεοῦ πατρός (final do versiacuteculo 11) Dessa forma estes 12 versos estariam

distribuiacutedos em trecircs estrofes em que cada uma descreve um estaacutegio cristoloacutegico a

preacute-preexistecircncia (26ab-7ab) o ministeacuterio terreno (27cd-8ab) e a exaltaccedilatildeo (29-

11)78

Da perspectiva da organizaccedilatildeo dos versos outras propostas foram feitas mas

todas satildeo na verdade variaccedilotildees das propostas originais de Lohmeyer e Jeremias79

Grandes contestaccedilotildees no entanto foram dirigidas agrave classificaccedilatildeo da passagem sob

o gecircnero ldquohinordquo Embora ateacute a deacutecada de 1980 houvesse um consenso sobre essa

classificaccedilatildeo80 faltavam criteacuterios para julgar as conclusotildees exegeacuteticas isto eacute

determinadas passagens do Novo Testamento eram classificadas como hinos e

passavam a servir como paracircmetro para o julgamento de outras passagens

Evidencia-se um argumento circular pois sobre qual consideraccedilatildeo as primeiras

passagens foram consideradas hinos Em outras palavras qual seria o texto padratildeo

no Novo Testamento ou na literatura cristatilde primitiva para em comparaccedilatildeo avaliar

por exemplo se Fl 26-11 tem ou natildeo caracteriacutesticas hiacutenicas

Em 1992 Gordon Fee publicou um artigo expondo essas dificuldades81

Segundo Fee esta passagem natildeo podia ser considerada hino porque divergia da

77 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 195-196 78 MARTIN R P A Hymn of Christ p32-35 FEWSTER G P op cit p 195-196 79 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 Observe-se por exemplo a proposta de MARTIN R P op cit p 36-37 Ele segue Jeremias na perspectiva do paralelismo de membros mas adota a divisatildeo de Lohmeyer em seis estrofes somente omitindo o θανάτου δὲ σταυροῦ do final do vs 8 80 No prefaacutecio agrave nova ediccedilatildeo do seu livro em 1982 R P Martin atualiza a pesquisa sobre Fl 26-11 entre 1965 (data da primeira ediccedilatildeo) e 1982 e afirma ldquoo caraacuteter poeacutetico ou hiacutenico dos versos permanece um consenso virtual no debate recente sem nenhuma seacuteria tentativa de revertecirc-lordquo MARTIN R P op cit p xvi 81 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Prose Exalted p 29-46

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hinoacutedia tanto grega quanto semiacutetica Natildeo obstante Paulo utilize aqui uma prosa

exaltada isto natildeo eacute sinocircnimo de hino O papel do pronome relativo ὃς aqui eacute

diferente dos textos de Cl 115 e 1Tm 316 classificados como hinos e a sequecircncia

das frases eacute tiacutepica da argumentaccedilatildeo em prosa paulina (argumento que ele considera

mais forte) Assim ele considera que o texto possui um caraacuteter poeacutetico indiscutiacutevel

e ao mesmo tempo um inegaacutevel estilo narrativo Por isso ele classifica a passagem

como prosa exaltada82 Alguns autores seguiram Fee na rejeiccedilatildeo ao consenso de

classificar Fl 26-11 como hino83 e outros apresentaram variaccedilotildees da classificaccedilatildeo

da passagem como ldquoprosa exaltadardquo Collins propocircs a designaccedilatildeo ldquoprosa hiacutenicardquo84

enquanto Basevi chamou-a de ldquoprosa riacutetmicardquo85

Em 1997 Martin reagiu agraves conclusotildees de Fee reafirmando o caraacuteter hiacutenico da

passagem86 E em 2015 Martin e Nash apresentaram um artigo com uma

contundente defesa do gecircnero Hymnos para Fl 26-11 O texto deles realiza duas

tarefas87 Primeiro eles discorrem sobre o caraacuteter do gecircnero hino nos manuais de

retoacuterica grega com a devida cautela cronoloacutegica ou seja preferindo os manuais

que satildeo contemporacircneos agrave carta aos Filipenses e aqueles que satildeo anteriores a ela

em mais de um seacuteculo Em um segundo momento os autores demonstram como a

passagem em questatildeo reflete as caracteriacutesticas literaacuterias do gecircnero helenista hino

ldquoo texto apresenta todas as carateriacutesticas que os teoacutericos julgavam essenciais para o

gecircnerordquo88 Segundo estes criteacuterios o texto de Fl 26-11 possui a seguinte estrutura

82 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 259-260 Antes mesmo de Fee BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento p311 tinha classificado Fl 26-11 natildeo como hino mas como um encocircmio um gecircnero da retoacuterica grega que objetiva a apresentaccedilatildeo elogiosa de uma pessoa Mais recentemente tambeacutem HELLERMAN J Philippians p 106 considerou Fl 26-11 como encocircmio 83 Entre outros BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 116-117 FOWL S Philippians p108-110 84 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 85 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 443 nota 16 86 MARTIN R P A Hymn of Christ p lvii-lviii Eacute a 3ordf ediccedilatildeo da obra de Martin na qual ele apresenta e discute os principais temas da exegese acadecircmica de Fl 26-11 entre 1982 (data da segunda ediccedilatildeo) e 1997 (data da terceira) 87 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 90-138 88 Ibid p 109 Tambeacutem em 2015 apareceu um outro artigo criticando a classificaccedilatildeo de Fl 26-11 (e de Cl 115-20) como hino EDSALL B STRAWBRIDGE J R The Songs we Used to Sing

Hymn lsquoTraditionsrsquo and Reception in Pauline Letters p 290-311 argumenta que Fl 26-11 natildeo atende criteacuterios gregos para consideraacute-lo como hino e nas mais de 570 citaccedilotildees da passagem entre os pais da Igreja antes de 325 dC nunca ela eacute qualificada como hino O uacuteltimo argumento eacute uma deduccedilatildeo a partir do silecircncio e para o primeiro as respostas estatildeo no artigo de Martin e Nash que Edsall e Strawbrigdge natildeo tiveram como levar em consideraccedilatildeo

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Origem (ampliada por Syncrisis) ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ

ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ

ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν

δούλου λαβών

Nascimento ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot

Corpo καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος

MenteVirtudes ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν

Proezas γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου

Maneira de morrer θανάτου δὲ σταυροῦ

Eventos poacutestumos διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν

Nomes e tiacutetulos (ampliado por

Syncrisis)

καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ

πᾶν ὄνομα

ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ

κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων

Um dos pontos a favor dessa estrutura eacute que ela explica o texto sem precisar

excluir qualquer linha uma das caracteriacutesticas das propostas apresentadas acima O

trabalho de Martin e Nash portanto reforccedila o consenso exegeacutetico que jaacute dura quase

um seacuteculo de classificar Fl 26-11 como hino

Quanto agrave estrutura da passagem enquanto os resultados da proposta de

Martin e Nash ainda seratildeo avaliados pela comunidade exegeacutetica a organizaccedilatildeo que

parece mais difundida (tanto entre autores que classificam a passagem como hino

quanto entre os que divergem dessa classificaccedilatildeo) eacute a que percebe o texto dividido

em duas partes os vs 6-8 e os vs 9-11 a saber89

ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου θανάτου δὲ σταυροῦ

89 Entre os que seguem esta estrutura estatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 261-262 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 HAWTHORNE G F Philippians p 101-103 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 BARTH G A carta aos Filipenses p 45 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno

Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 445-446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii A favor de uma divisatildeo em trecircs partes aleacutem de Jeremias mencionado acima CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 297-298

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διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

Os argumentos para essa divisatildeo satildeo muacuteltiplos Cada parte eacute composta por

uma sentenccedila que por sua vez possui dois verbos principais Nos vs 6-8 satildeo

ἡγήσατο e ἐκένωσεν e em 9-11 ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο90 Se por um lado a

expressatildeo θανάτου δὲ σταυροῦ eacute o ponto criacutetico da primeira parte91 a utilizaccedilatildeo da

preposiccedilatildeo διὸ no vs 9 marca uma virada na descriccedilatildeo dramaacutetica Ela eacute nesse caso

uma preposiccedilatildeo consecutiva mostrando que a sequecircncia eacute consequecircncia do que foi

dito antes92 Existem tambeacutem diferenccedilas que apontam para a separaccedilatildeo das partes

A primeira daacute preferecircncia a versos com menos de dez siacutelabas enquanto na segunda

predominam os versos com mais de dez siacutelabas93 Nos vs 6-8 encontram-se cinco

particiacutepios em 9-11 nenhum sequer94 Aleacutem eacute claro da mudanccedila de sujeito nos

vs6-8 o sujeito dos verbos principais eacute Jesus e em 9-11 as accedilotildees principais satildeo

realizadas por Deus Pai

33 A pesquisa sobre a autoria e origem de Fl 26-11

Segundo Lohmeyer Fl 26-11 eacute um hino preacute-paulino uma composiccedilatildeo poeacutetica

utilizada nos cultos editada e citada por Paulo na carta aos Filipenses Este juiacutezo

foi divulgado e aceito por parte da comunidade acadecircmica em especial com o apoio

dos trabalhos de A M Hunter e E Schweizer95 Em 1965 Martin avaliava que a

maioria dos comentaristas alematildees e franceses seguiam as conclusotildees de Lohmeyer

90 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 91 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 92 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii afirma que a expressatildeo διὸ καὶ funciona como a peripeteia no drama grego descrevendo o reverso do destino do heroacutei viacutetima 93 BASEVI C op cit p 448 94 Idem 95 MARTIN R P A Hymn of Christ p 55

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enquanto a situaccedilatildeo entre os especialistas britacircnicos e americanos era exatamente

contraacuteria96

Entre os principais argumentos contraacuterios agrave autoria paulina de Fl 26-11 em

primeiro lugar vem a forma do texto De acordo com Lohmeyer o texto apresenta

caracteriacutesticas de um hino semiacutetico mas com formulaccedilotildees proacuteprias do idioma

grego Disso ele conclui que o autor compocircs o hino em grego mas seu idioma

nativo era semiacutetico97 O texto seria entatildeo um salmo judeu-cristatildeo originado na

primitiva comunidade judaico-cristatilde de Jerusaleacutem98 Um segundo argumento contra

a autoria paulina eacute a linguagem De um lado existem termos utilizados no texto que

satildeo hapax legomena no corpus Paulino e alguns inclusive no Novo Testamento

inteiro Os termos ἁρπαγμός ὑπερυψόω e καταχθόνιος nunca satildeo usados no Novo

Testamento aleacutem deste texto sendo que o primeiro eacute raro ateacute mesmo no grego

secular Tambeacutem natildeo se encontra no Novo Testamento a descriccedilatildeo do universo em

trecircs estaacutegios como na expressatildeo ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων e a

palavra μορφή soacute ocorre em Mc 161299 Outro dado interessante eacute que algumas

palavras encontradas aqui satildeo utilizadas por Paulo de forma diferente em outros

contextos O verbo κενόω por exemplo eacute usado pelo apoacutestolo em Rm 414 1Co

117 415 e 2Co 93 mas sempre o sentido eacute negativo contrariamente agrave Fl 27 O

substantivo σχῆμα eacute usado em 1Co 731 com sentido distinto de Fl 27 e o termo

ὑπήκοος que nunca eacute usado no Novo Testamento (nem na LXX) no sentido de

obediecircncia a Deus100 Ainda no campo da linguagem mais ligado aos conceitos

existem duas outras consideraccedilotildees que pesam contra a autoria paulina Eacute que satildeo

encontradas no hino ideias estranhas agrave teologia de Paulo Satildeo elas a designaccedilatildeo de

Jesus como εἶναι ἴσα θεῷ e como δοῦλος o uso do verbo ὑπερυψόω para expressar

a exaltaccedilatildeo de Jesus e o fato desta ser retratada como um dom que Jesus recebe da

parte de Deus atraveacutes do verbo χαρίζομαι101 Em contrapartida faltam temas

caracteriacutesticos da cristologia paulina a saber a doutrina da redenccedilatildeo pela cruz a

ressurreiccedilatildeo de Cristo e o papel da igreja102

96 MARTIN R P A Hymn of Christ p 61 97 O curioso dessa observaccedilatildeo de Lohmeyer eacute a ironia dela favorecer agrave autoria paulina (que alhures ele nega) pois em Paulo encontramos um cristatildeo cuja liacutengua nativa era semita mas que escrevia em grego 98 MARTIN R P A Hymn of Christ p 46-47 99 Ibid p 48 100 Ibid p 44 101 Ibid p 48-49 102 Ibid p 49

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A estes argumentos somam-se outros dois comeccedilando pela a suposiccedilatildeo que Fl

26-11 refletiria a cristologia do Servo do Senhor inspirada nos cacircnticos de servo

de Isaiacuteas 53 Ao que parece essa cristologia natildeo eacute orginalmente paulina mas soacute eacute

utilizada pelo apoacutestolo quando ele faz referecircncia ao que recebeu dos seus

predecessores no Evangelho103 E esse ponto traz agrave tona um outro argumento contra

autoria paulina que eacute o fato amplamente reconhecido pelos estudiosos

neotestamentaacuterios que boa parte da teologia de Paulo eacute reflexo da comunidade preacute

paulina e assim Fl 26-11 seria parte dessa heranccedila primitiva herdada por Paulo104

Natildeo obstante nem todos se convenceram de uma autoria natildeo paulina para Fl

26-11 Ateacute 1965 o expoente em favor da autenticidade paulina foi L Cerfaux105

Os argumentos apresentados por ele e por uma seacuterie de outros autores apoacutes ele

podem ser resumidos da seguinte forma Primeiramente em relaccedilatildeo agrave forma a

questatildeo levantada eacute por que Paulo pode ser considerado autor de outros textos

qualificados como poeacuteticos como 1Co 13 e natildeo ser o autor desta composiccedilatildeo na

carta aos Filipenses106 Nesse sentido percebe-se um cruzamento entre a questatildeo

do gecircnero literaacuterio do texto com a da autoria Isto porque um dos argumentos usados

para negar a autoria paulina do texto foi sua forma literaacuteria como um hino Esse

quadro poreacutem estaacute se alterando sobretudo atraveacutes da exegese do texto pela oacutetica

da retoacuterica grega Assim tanto Basevi que qualifica o texto como prosa riacutetmica

quanto Martin e Nash que defendem o texto como hino propotildee a autoria paulina107

Outro argumento usado contra a autoria paulina estaacute relacionado aos hapax

legomena No entanto o argumento eacute considerado inconclusivo pois passagens

tidas como paulinas tambeacutem possuem certo nuacutemero de hapax Eacute o caso de 1Co 13

que conteacutem trecircs palavras que natildeo aparecem em nenhum lugar do Novo Testamento

e outras trecircs que soacute ocorrem fora da literatura paulina108 Soma-se a isso o dado de

103 MARTIN R P A Hymn of Christ p 51-52 104 MARTIN R P A Hymn of Christ p 52-54 105 Avaliaccedilatildeo de MARTIN R P op cit p 55-56 Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de

Paulo p 292-293 106 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 O argumento eacute recuperado por BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 escrevendo 30 anos depois de Cerfaux 107 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 450 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A

Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 137 nota 110 Estes uacuteltimos de forma menos contundente que o primeiro 108 BLACK D A op cit p 276

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que Filipenses eacute a carta paulina com maior grau de hapax109 Destarte aleacutem de

existir no texto um grupo de palavras que refletem fielmente o pensamento paulino

satildeo em passagens de natureza poeacutetica que se esperam a utilizaccedilatildeo de um

vocabulaacuterio proacuteprio e natildeo usual consequentemente com um grau maior de

hapax110

Tambeacutem em favor da autoria paulina estaacute a intriacutenseca relaccedilatildeo entre 26-11 e

outras partes da carta aos Filipenses Dois paralelos satildeo muito importantes nesse

quesito Primeiro a conexatildeo entre 26-11 e 320-21 que pode ser visualizada a

seguir111

26-11 320-21

μορφῇ μορφὴν σύμμορφον

ὑπάρχων ὑπάρχει

σχήματι μετασχηματίσει

ἐταπείνωσεν ταπεινώσεως

ἐπουρανίων ἐν οὐρανοῖς

κύριος Ἰησοῦς

Χριστὸς

κύριον Ἰησοῦν

Χριστόν

δόξαν τῆς δόξης

Em segundo lugar a relaccedilatildeo de 26-11 com o contexto anterior a saber

ἡγούμενοι ὑπερέχοντας (23) com οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο (26) κενοδοξίαν (23)

com ἑαυτὸν ἐκένωσεν (27) ταπεινοφροσύνῃ (23) com ταπεινώσεως ἑαυτὸν (28)

ἐχαρίσθη (29) com ἐχαρίσατο (29)112 e mesmo o versiacuteculo 5 que faz a ponte

entre a seccedilatildeo anterior e o hino conecta-se ao versiacuteculo 22 atraveacutes do verbo

φρονεῖτε113

109 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 180-184 a epiacutestola como um todo possui 17 hapax em relaccedilatildeo ao corpus paulino e 39 em relaccedilatildeo ao Novo Testamento como um todo 110 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 276-277 111 Ibid p 278 112 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 113 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 194

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Quanto agraves ideias que formam o pano de fundo do hino tanto uma cristologia

influenciada pelas ideias do servo de YHWH natildeo eacute incompatiacutevel com o pensamento

paulino114 quanto eacute possiacutevel identificar a influecircncia sobre Fl 26-11 da temaacutetica do

segundo Adatildeo como em Rm 5 e 1Co 15 textos cuja autoria paulina natildeo eacute

discutida115 Natildeo obstante satildeo encontradas no hino ideias que verdadeiramente

correspondem agrave teologia paulina como o tema da obediecircncia de Jesus a ecircnfase na

morte de cruz e a exaltaccedilatildeo de Jesus como κύριος116

Uma uacuteltima reflexatildeo a ser feita no que diz respeito agrave autoria de Fl 26-11 eacute

sobre o conceito de autenticidade Conforme a argumentaccedilatildeo de Fee um

documento eacute considerado autecircntico quando ele foi escrito pela pessoa a quem o

escrito eacute atribuiacutedo Se Filipenses eacute atribuiacuteda a Paulo e ele realmente escreveu esta

carta ela eacute autecircntica Se 2Pedro eacute atribuiacuteda a Pedro e ele natildeo escreveu a carta ela

natildeo eacute autecircntica Quando este documento sofre interpolaccedilatildeo de um autor posterior

diz-se que aquela parte interpolada natildeo eacute autecircntica isto eacute natildeo pertence ao escritor

a quem a obra como um todo eacute atribuiacuteda No caso de Fl 26-11 a argumentaccedilatildeo

contra a autoria paulina resulta em uma interpolaccedilatildeo do proacuteprio autor do

documento na verdade ditada ou escrita junto com o restante do documento

original e que em uacuteltima anaacutelise eacute considerada inautecircntica117 Nas palavras de Fee

Concentrando-nos poreacutem nesta passagem a autenticidade toma um novo significado que o proacuteprio Paulo interpolou em 26 uma parte de material tradicional (material preacute-paulino) do qual natildeo era o autor original quer seja de forma literal ou parafraseada por ele em maior ou menor grau e por tanto ainda que a escreveu ele natildeo foi o autor por isso esta parte natildeo eacute autecircntica e natildeo se pode utilizar para reconstruir a teologia paulina Contudo esta eacute uma teoria muito estranha pois segundo esta definiccedilatildeo a maioria do Evangelho de Mateus teria que ser vista como natildeo autecircntica afinal nenhum dos materiais que ele aproveitou de Marcos ou de Q foram escritos por ele118

O protesto de Fee e as consideraccedilotildees acima tecircm persuadido cada vez mais

os autores em favor da autoria paulina Escrevendo em 2010 Hellerman afirma que

o consenso em favor da autoria preacute-paulina pertenceu agrave geraccedilatildeo anterior de

114 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 280 No prefaacutecio agrave ediccedilatildeo de 1997 da sua obra Martin afirma estar mais inclinado a reconhecer a influecircncia do Servo de YHWH de Isaiacuteas sobre Fl 26-11 do que na ediccedilatildeo original da sua obra em 1965 Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p lx Os expoentes dessa linha de interpretaccedilatildeo satildeo J Jeremias e L Cerfaux Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 294-297 e MARTIN R P A Hymn of Christ p 182-183 115 MARTIN R P op cit p 58 116 Ibid p 59-60 117 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 85-86 118 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 86

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eruditos119 Que essa eacute a tendecircncia percebe-se pela lista de eruditos que ele

apresenta favoraacutevel agrave autoria paulina Dos 12 autores mencionados apenas 2 satildeo

anteriores a 1990120 Parece que se estaacute a caminho de um novo consenso Natildeo

obstante mesmo entre os que defendem a autoria paulina o pano de fundo da

cristologia desenvolvida em Fl 26-11 eacute passiacutevel de discussatildeo como seraacute exposto

no item a seguir

34 O pano de fundo de Fl 26-11

Na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 os inteacuterpretes buscaram qual seria o pano

de fundo fundamental para as ideias desenvolvidas no texto A suposiccedilatildeo eacute que a

determinaccedilatildeo desse pano de fundo estabeleceria a rota correta para a interpretaccedilatildeo

da passagem Nesse intuito foram apresentadas seis propostas principais

Kaumlsemann propocircs o pano de fundo do helenismo religioso121 como

evidenciado na literatura Hermeacutetica Segundo ele Fl 26-11 eacute construiacutedo sobre o

mito gnoacutestico do homem divino o redentor celestial mas eacute uma composiccedilatildeo cristatilde

genuiacutena pois faz a releitura do mito e na verdade supera o mito122 A hipoacutetese de

Kaumlsemann natildeo recebeu muitas adesotildees entre outros motivos porque a literatura

Hermeacutetica na qual ela se baseia eacute datada a partir do segundo seacuteculo d C e eacute

discutiacutevel se no periacuteodo preacute-cristatildeo um mito gnoacutestico do redentor estava

completamente desenvolvido Aleacutem disso importantes elementos do referido mito

estatildeo ausentes no texto de Filipenses como o destino preacute-temporal do redentor e

um expliacutecito conflito ativo entre o redentor e os poderes coacutesmicos123

De acordo com Martin entre as propostas que procuram o pano de fundo

fora do proacuteprio cristianismo a hipoacutetese de Kaumlsemann foi a uacutenica tentativa seacuteria de

estudar o hino sem levar em consideraccedilatildeo o Antigo Testamento Todas as outras

119 HELLERMANN J H Vindicating Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p 100 nota 38 120 Idem Aos 12 mencionados por ele pode se acrescentar outros dois BLACK D A The

Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 269-289 e BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 439-472 121 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 87-89 Em sua oacutetica o helenismo religioso diferencia-se tanto do helenismo claacutessico quanto do helenismo popular 122 Ibid p 119 123 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 193-194

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propostas vatildeo buscar no Antigo Testamento ou em algum desdobramento dos seus

temas no judaiacutesmo a explicaccedilatildeo do que estaacute por traacutes de Fl 26- 11 Esse foi o

caminho original proposto por Lohmeyer De acordo com ele o hino eacute proveniente

de um contexto judaico cristatildeo mais especificamente a primitiva comunidade de

Jerusaleacutem que utilizaria o cacircntico nas celebraccedilotildees da eucaristia124 Um passo agrave

frente foi a delimitaccedilatildeo desse pano de fundo no Antigo Testamento OrsquoBrien indica

que Cerfaux e Jeremias foram os primeiros a identificar o pano de fundo da

passagem nos cacircnticos do Servo do Senhor de Isaiacuteas O uacuteltimo autor inclusive

mostra que importantes termos de Fl 26-11 devem ser interpretados a partir da

descriccedilatildeo do Servo Sofredor em Is 53125 Alguns seguiram e aprofundaram essa

perspectiva supondo que o hino original foi composto em aramaico e apresentando

possiacuteveis versotildees do hino em aramaico126 No entanto tal empreitada envolve alto

grau de especulaccedilatildeo inclusive quando a prova da existecircncia de um original

aramaico eacute a proacutepria possibilidade de traduzir para o aramaico127

OrsquoBrien tambeacutem associa a E Schweizer a proposta de levar o pano de fundo

do Servo sofredor para a temaacutetica do justo sofredor do judaiacutesmo Fruto da

martiriologia do periacuteodo macabeu a tese eacute que o justo sofredor eacute humilde e leal a

Deus se preciso ateacute a morte O problema aqui eacute a associaccedilatildeo do justo sofredor com

uma figura preexistente Schweizer tentou resolver o problema especulando uma

associaccedilatildeo entre este tema e o do filho do homem mas posteriormente ele mesmo

abandou essa ideia128

A sabedoria judaica tambeacutem foi postulada como o contexto original para as

ideias de Fl 26-11 Baseada sobretudo no livro da Sabedoria a tese eacute que o servo

justo se torna o instrumento da sabedoria A sabedoria eacute preexistente com Deus e

entra no mundo para habitar o servo justo A primeira objeccedilatildeo levantada aqui eacute que

a sabedoria ocupa principalmente um papel de mediadora da criaccedilatildeo enquanto que

esse natildeo eacute um tema apresentado em Fl 26-11 Outra questatildeo que natildeo encontrou

124 MARTIN R P A Hymn of Christ p 27-28 125 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194 JEREMIAS J Estudos do Novo

Testamento p 176-178 126 As duas principais traduccedilotildees satildeo apresentadas por MARTIN R P op cit p 40-41 e FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians 26-11 p470-483 127 Avaliaccedilatildeo de FEWSTER G The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarship p 193 Segundo ele como o aramaico do 1ordm seacuteculo natildeo eacute bem atestado algumas palavras gregas satildeo traduzidas conforme o aramaico de um periacuteodo posterior Ele tambeacutem afirma que contra o empreendimento estaacute o fato das traduccedilotildees resultantes serem distintas 128 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194-195

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uma explicaccedilatildeo plausiacutevel foi quando e onde aconteceu essa conexatildeo entre a

sabedoria e o justo129

Atualmente o pano de fundo mais discutido (o que natildeo quer dizer mais

adotado) para o hino de Fl 26-11 eacute o que olha para Gn 126-27 e 31-5

estabelecendo o contraste entre o primeiro e o segundo Adatildeo De fato a reflexatildeo eacute

encontrada na teologia paulina (Rm 518-19 e 1Co 1545-47) Eacute possiacutevel identificar

trecircs variaccedilotildees nesse tratamento A primeira acredita que por traacutes de Fl 26-11 estaacute a

especulaccedilatildeo judaica associada a Fiacutelon que vecirc um homem celestial em Gn 1 e um

homem terreno em Gn 3 O autor do hino apresenta um redentor relacionando as

duas figuras a Jesus130 A segunda variaccedilatildeo foi desenvolvida por J D G Dunn Ele

afasta a ideia de um homem celestial e de qualquer ideia de preexistecircncia no hino

Segundo ele Jesus estaacute na mesma posiccedilatildeo de Adatildeo um homem que possui a gloacuteria

divina Soacute que enquanto Adatildeo a perdeu por sucumbir agrave tentaccedilatildeo Jesus por sua

obediecircncia proporciona a sua restauraccedilatildeo na humanidade131 A terceira variaccedilatildeo da

chamada cristologia adacircmica eacute a proposta por N T Wright Aqui se visualiza uma

estreita conexatildeo entre Adatildeo Israel e Cristo A intenccedilatildeo de Deus para humanidade

estava perfeitamente apresentada em Adatildeo A desobediecircncia deste desfigurou esse

relacionamento poreacutem natildeo o destruiu Como parte do plano de restauraccedilatildeo desse

relacionamento Deus constitui Israel para levar suas intenccedilotildees para a humanidade

O projeto de Deus para Israel se cumpre em Jesus o Messias Nessa exegese

Wright entende que Filipenses natildeo estabelece um riacutegido paralelo entre Adatildeo e

Cristo e assim ao contraacuterio de Dunn Wright defende a ideia da preexistecircncia de

Cristo132

129 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 195-196 Ele mostra que a conexatildeo de Fl 26-11 com a sabedoria judaica foi formulada por D Georgi 130 Esta primeira alternativa remonta a J Heacutering e a O Cullmann Cf OrsquoBRIEN P T The Epistle

to the Philippians p 196 131 DUNN J D G Christology in the Making p 114-121 Para uma avaliaccedilatildeo da posiccedilatildeo de Dunn quanto a esta passagem cf OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 Dunn cita com aprovaccedilatildeo a proposta veiculada por Murphy-OrsquoConnor A opiniatildeo deste estudioso quanto a este tema pode ser resumida no seguinte periacuteodo ldquoEle era o que Adatildeo deveria ter sido o modelo inspirador do que Deus pretendia que o ser humano fosse A pureza de Cristo dava-lhe o direito de ser tratado como se fosse um deus isto eacute gozar da incorruptibilidade em que Adatildeo foi criado Entretanto ele natildeo usou esse direito em proveito proacuteprio Pelo contraacuterio entregou-se agraves consequecircncias de um modo de existecircncia inaugurado pelo Adatildeo caiacutedordquo (grifos acrescentados) MURPHY-OrsquoCONNOR J Paulo ndash Biografia criacutetica p 234 132 WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 56-98 FOWL S E Philippians p 114-115

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Resta ainda a possibilidade de encontrar o pano de fundo do hino no proacuteprio

cristianismo primitivo Haacute duas variaccedilotildees aqui Hawthorne acredita que o hino seja

o resultado da profunda meditaccedilatildeo que Paulo ou algum outro cristatildeo fez do gesto

de Jesus lavar os peacutes dos disciacutepulos e dos significados deste ato133 Para Hurtado a

primeira parte do hino ou seja 26-8 reflete a linguagem da parecircnese do

cristianismo primitivo ou mesmo de tradiccedilotildees do Jesus terreno que circulavam no

periacuteodo paulino134

Eacute provaacutevel que nunca se alcance um consenso quanto a essa questatildeo ateacute

porque a complexidade e profundidade da passagem insinua conexotildees com vaacuterios

contextos e cada qual traz um pouco de luz agrave exegese de Fl 26-11 Talvez seja

importante refletir na pergunta formulada por OrsquoBrien ldquoNatildeo poderia ser [Fl 26-

11] uma simples composiccedilatildeo cristatilde na qual o autor tirou certos conceitos de

diferentes contextos ndash talvez os combinando ou encontrando-os jaacute combinados ndash

para explicar o evento Cristordquo135

35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica)

Questatildeo tambeacutem muito importante para a interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 eacute o seu

papel no fluxo da argumentaccedilatildeo paulina em Filipenses Geralmente a pergunta eacute

formulada a partir da compreensatildeo de gecircnero e autoria Por que Paulo inseriu este

hino cristoloacutegico nesta carta e exatamente nesse contexto literaacuterio Ou Por que

Paulo compocircs este hino e o citou como parte de sua carta aos Filipenses Ou ainda

Qual papel 26-11 desempenha no argumento que o apoacutestolo desenvolve na carta

aos Filipenses A despeito da formulaccedilatildeo ainda natildeo foi encontrada uma resposta

consensual entre os estudiosos

Logo de iniacutecio o que entra em consideraccedilatildeo eacute a relaccedilatildeo entre 26-11 e o

contexto anterior A seccedilatildeo inteira de 127-218 na qual Paulo trabalha a parecircnese

133 HAWTHORNE G F Philippians p 78 e 87 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 134 Um dos problemas da exegese de Hurtado eacute justamente privilegiar a primeira parte do hino em detrimento da segunda cf 135 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196

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estaacute dividia em subseccedilotildees 127-30 21-4136 26-11 e 212-18 Eacute paciacutefico que 21-

4 eacute um trecho no qual Paulo exorta a igreja agrave unidade mediante uma atitude de

humildade

Εἴ τις οὖν παράκλησις ἐν Χριστῷ εἴ τι παραμύθιον ἀγάπης εἴ τις κοινωνία πνεύματος εἴ τις σπλάγχνα καὶ οἰκτιρμοί πληρώσατέ μου τὴν χαρὰν ἵνα τὸ αὐτὸ φρονῆτε τὴν αὐτὴν ἀγάπην ἔχοντες σύμψυχοι τὸ ἓν φρονοῦντες μηδὲν κατ᾽ ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ ἀλλήλους ἡγούμενοι ὑπερέχοντας ἑαυτῶν μὴ τὰ ἑαυτῶν ἕκαστος σκοποῦντες ἀλλὰ [καὶ] τὰ ἑτέρων ἕκαστοι (Fl 21-4)

A passagem toda eacute controlada pelo imperativo πληρώσατέ do versiacuteculo 22

e possui algumas conexotildees vocabulares e conceituais com Fl 26-11 como entre

ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἐταπείνωσεν (vs8) e entre as formulaccedilotildees μηδὲν κατ᾽

ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἀλλὰ ἑαυτὸν

ἐκένωσεν (vs7) O grande impasse estaacute na traduccedilatildeo de 25 que vincula todo o

conjunto 21-4 e 26-11 Em grego o versiacuteculo estaacute assim Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν

ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ137 Na verdade satildeo duas oraccedilotildees

Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν

ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ

A traduccedilatildeo desse versiacuteculo requer a resoluccedilatildeo de vaacuterias questotildees Em 25a

a primeira questatildeo eacute o referente do pronome demonstrativo Τοῦτο que eacute melhor

entendido como referindo-se ao argumento precedente e natildeo ao que vem a

136 O versiacuteculo 5 eacute considerado um versiacuteculo ponte tanto ele conclui o trecho de 21-4 quanto introduz 26-11 137 Existem dois problemas de criacutetica textual nesse versiacuteculo Alguns manuscritos inserem a conjunccedilatildeo γὰρ apoacutes o pronome demonstrativo Τοῦτο e outros substituem a forma verbal φρονεῖτε por froneisqw No entanto a evidecircncia manuscrita eacute contra a inserccedilatildeo das duas variantes e o texto eacute inteligiacutevel como estaacute A inclusatildeo de γὰρ eacute rapidamente discutida e desconsiderada por OMANSON R As Variantes Textuais do Novo Testamento p 413-414 FOWL S E Philippians p 89 observa que com a colocaccedilatildeo da conjunccedilatildeo o verbo deveria ser lido como indicativo (a forma eacute a mesma para o imperativo e o indicativo) dando a entender que os Filipenses jaacute estavam tendo o tipo de fronhsij desejado por Paulo Isto poreacutem contraria a argumentaccedilatildeo de 21-4 Contra agrave inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 264 apresenta trecircs argumentos o texto assindeacutetico tem melhor apoio textual a variante atesta o desejo dos escribas de se desfazerem do assiacutendeto e natildeo haacute nenhuma razatildeo plausiacutevel para se omitir a conjunccedilatildeo se ela fosse original Quanto agrave substituiccedilatildeo da forma verbal HAWTHORNE G F Philippians p 104-105 argumenta em favor do paralelismo das duas oraccedilotildees e opta pela forma verbal froneisqw isto eacute da 2ordf pessoa do plural para 3ordf pessoa do singular No entanto FEE G D op cit p264 mostra que Hawthorne cai no mesmo erro dos escribas usar uma variante inferior para tornar Paulo um escritor mais ordenado e legiacutevel

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seguir138 Paulo estaacute referindo-se a tudo o que exortou agrave igreja em 21-4 Outra

questatildeo menor eacute reconhecer que o sintagma ἐν ὑμῖν diz respeito ao que deve ter

lugar na comunidade cristatilde com acento eclesiaacutestico sugerindo a traduccedilatildeo ldquoentre

voacutesrdquo ao inveacutes de ldquoem voacutesrdquo que privilegiaria o aspecto da conduta individual139

Tambeacutem eacute necessaacuterio lidar em 25a com a traduccedilatildeo do verbo φρονέω Este eacute um

verbo importante na literatura paulina particularmente na carta aos Filipenses140

Seu sentido baacutesico eacute ldquopensarrdquo141 mas em Paulo seu significado eacute mais do que

atividade racional envolve decisatildeo vontade eacute a orientaccedilatildeo da vida os alvos que o

ser humano escolhe e o determinam em sua totalidade142 Isso fica evidenciado no

uso do termo em Romanos 85 οἱ γὰρ κατὰ σάρκα ὄντες τὰ τῆς σαρκὸς φρονοῦσιν

οἱ δὲ κατὰ πνεῦμα τὰ τοῦ πνεύματος Uma vida κατὰ σάρκα tem um φρονέω

determinado pela σάρξ Uma vida κατὰ πνεῦμα tem o seu φρονέω condicionado

pelo πνεῦμα A fim de se escolher uma forma verbal que corresponda na traduccedilatildeo

agrave todas essas nuances do verbo grego propotildee-se o verbo ldquoviverrdquo143 ficando 25a

traduzido como ldquoIsto vivei entre voacutesrdquo

A segunda oraccedilatildeo eacute ainda mais difiacutecil pois falta um verbo em 25b As

propostas de resoluccedilatildeo resultam em duas principais opccedilotildees de traduccedilotildees Uma supre

a lacuna com o verbo ἦν A ideia subjacente a essa opccedilatildeo eacute que a recomendaccedilatildeo de

Paulo agrave igreja estaria presente na vida e ministeacuterio de Jesus conforme seraacute

apresentado em 26-11 Jesus seria o exemplo maacuteximo do φρονέω que o cristatildeo

deve ter Esta interpretaccedilatildeo tambeacutem compreende a expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ

138 Assim FOWL S E Philippians p 90 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 266 Outra forma de entender eacute ver todo o versiacuteculo 25 como foacutermula de citaccedilatildeo considerando-se 26-11 material preacute-paulino Assim KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 116-117 139 Reconhecido por FEE G D op cit p 266-267 Ironicamente este argumento vai trabalhar contra a interpretaccedilatildeo eacutetica adotada pelo autor conforme a discussatildeo abaixo 140 Segundo PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 o termo ocorre 26 vezes no Novo Testamento sendo 22 nas cartas paulinas incontestaacuteveis das quais 10 ocorrecircncias apenas na carta aos Filipenses Em segundo lugar estaacute Romanos com 9 141 BAGD p 886 142 PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 GOETZMANN J Mente In DITNT p 1270-175 Este uacuteltimo afirma ldquoO pensar e o empenho do homem natildeo podem ser encarados em isolamento da orientaccedilatildeo global da sua vida esta uacuteltima seraacute refletida nos alvos que ele estabelece para sirdquo 143 O esforccedilo para corresponder a tudo o que o verbo significa aparece na traduccedilatildeo de FOWL S E Philippians p 88 ldquoSeja esse o seu padratildeo de pensamento accedilatildeo e sentimentohelliprdquo Uma alternativa em uma uacutenica palavra seria ldquoatituderdquo como fazem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los

Filipenses p 264 e BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 121 A dificuldade eacute que isso requer a inserccedilatildeo de termos auxiliares (Fee ldquoVossa atitude deveria serrdquo Bockmuehl ldquoEsta eacute a atitude que vocecircs devem ter entre vocecircsrdquo grifos acrescentados) aleacutem do incocircmodo de se traduzir um verbo por um substantivo

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literalmente isto eacute Paulo estaacute se referindo a algo (o φρονέω) que esteve presente

no comportamento na atitude na vida da pessoa qualificada como Cristo Jesus

Outra opccedilatildeo eacute suprir a lacuna verbal de 25b a partir da forma verbal de 25a

Aqui existem variantes De um lado estaria a hipoacutetese de φρονέω em uma forma

passada Quando essa escolha verbal eacute combinada com a interpretaccedilatildeo literal da

expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ mencionada acima o resultado eacute uma traduccedilatildeo do tipo

o que tambeacutem pensou agiu viveu Jesus Cristo144 Do outro lado estaacute a hipoacutetese do

φρονέω em uma forma presente combinada com uma interpretaccedilatildeo natildeo literal da

expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ Na histoacuteria da pesquisa sobre esta expressatildeo postulou-

se primeiramente por A Deissmann que ela se refere a um sentido espacial no qual

o cristatildeo possui a experiecircncia de intimidade com o Cristo ldquoEstar em Cristordquo refere-

se a uma experiecircncia miacutestica145 Essa maneira de entender foi aplicada agrave exegese de

Fl 25 ocasionando a seguinte traduccedilatildeo de 25b ldquocomo vocecircs tecircm em comunhatildeo

com Jesus Cristordquo146 Outro entendimento foi apresentado por K Barth que

enxerga na expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ o espaccedilo da realidade em que estatildeo

inseridos Paulo e seus leitores espaccedilo onde opera a lei da graccedila Eacute o espaccedilo da

comunhatildeo do corpo de Cristo Eacute o espaccedilo da Igreja147 Em outra direccedilatildeo postulou-

se a hipoacutetese da determinaccedilatildeo histoacuterica ldquoEstar em Cristordquo eacute ser determinado pelo

acontecimento histoacuterico da cruz e ressurreiccedilatildeo de Jesus cujos efeitos continuam no

presente148

Com exceccedilatildeo da primeira perspectiva as outras duas sobrevivem na exegese

atual conquanto isso natildeo signifique que alguma noccedilatildeo de comunhatildeo com o Jesus

Cristo vivo esteja excluiacuteda pois apesar da expressatildeo possuir um sentido teacutecnico em

Paulo ela natildeo possui de forma alguma um sentido uacutenico149 O conjunto de

ocorrecircncias mostram que Paulo utiliza a expressatildeo (com suas respectivas variaccedilotildees

ἐν Χριστῷ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ e ἐν κύριος) com duas intenccedilotildees principais para

descrever a accedilatildeo salviacutefica de Deus atraveacutes de Cristo e o espaccedilo de influecircncia que o

144 Como a traduccedilatildeo de HAWTHORNE G F Philippians p 105 ldquoEsta forma de pensamento deve ser adotada por vocecircs que tambeacutem foi a forma de pensamento adotada por Jesusrdquo grifos acrescentados 145 GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 102 146 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p 70 essa interpretaccedilatildeo ldquomiacutesticardquo de 25b foi realizada por Michaelis e C H Dodd 147 BARTH K Epistle to the Philippians p 60 148 GNILKA J op cit p 103 149 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453

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cristatildeo vive em decorrecircncia da salvaccedilatildeo trazida por Jesus150 Haacute portanto uma

combinaccedilatildeo de perspectivas na expressatildeo ἐν Χριστῷ soterioloacutegica pois ela

concentra afirmaccedilotildees da realizaccedilatildeo dos planos de Deus em Jesus151 eclesioloacutegica

porque ela serve para descrever a comunhatildeo iniciada no batismo entre os crentes

uns com os outros e com Jesus exaltado (estar em Cristo eacute estar no Corpo de Cristo

que equivale a estar na Igreja)152 escatoloacutegica visto que o espaccedilo salviacutefico ἐν

Χριστῷ eacute resultado da intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria fazendo irromper o novo

eacuteon o tempo escatoloacutegico e permitindo agravequeles que participam desse espaccedilo

experimentar de antematildeo as primiacutecias da nova criaccedilatildeo153 e finalmente uma

perspectiva existencial dado que ἐν Χριστῷ natildeo designa um lugar mas estar sob

uma influecircncia uma orientaccedilatildeo de vida contraacuteria ao antigo e ainda presente eacuteon

caracterizada pela direccedilatildeo do Espiacuterito Santo154 A combinaccedilatildeo dessas perspectivas

pode ser resumida nas seguintes palavras

Em seu sentido baacutesico ἐν Χριστῷ deve ser entendido de modo local-existencial por meio do batismo os crentes entram no espaccedilo do Cristo pneumaacutetico e constitui-se a nova existecircncia na doaccedilatildeo do espiacuterito como sinal da salvaccedilatildeo que comeccedila de modo real no tempo presente e se realiza plenamente no futuro O ser humano eacute arrancado da sua autolocalizaccedilatildeo e encontra a si mesmo seu self na relaccedilatildeo com Cristo155

Quando se aplica todo esse entendimento da expressatildeo ἐν Χριστῷ agrave exegese

de 25 a relaccedilatildeo entre 25 e 26-11 ganha contornos bem especiacuteficos Foi E

Kaumlsemann quem primeiro notou a importacircncia desta expressatildeo para a compreensatildeo

da passagem e sobretudo foi ele quem primeiro tirou dela todas as consequecircncias

exegeacuteticas para o conjunto 25 e 26-11 Em um celebrado artigo publicado em 1950

ele estudou o texto de Fl 26-11 dialogando com os mais importantes autores que o

precederam nessa pesquisa E Lohmeyer M Dibelius K Barth W Michaelis K

150 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 456 151 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 ldquoa foacutermula teacutecnica lsquoEm Cristorsquo remete sem duacutevida de nenhuma classe ao acontecimento da salvaccedilatildeo tem um caraacuteter soterioloacutegicordquo 152 MARTIN R P Hymn of Christ p 71 Segundo ele essa percepccedilatildeo remonta a R Bultmann Da mesma forma GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 105 153 Notado por RIDDERBOS H Teologia do Apoacutestolo Paulo p 62 na comparaccedilatildeo com a expressatildeo ldquoem Adatildeordquo Da mesma forma GNILKA J op cit p 106 afirma que ldquoEm Cristo ndash No Senhor Eacute o espaccedilo da salvaccedilatildeo escatoloacutegica a fronteira entre o mundo antigo e o novordquo 154 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453 que nota que o ldquoestar em Cristordquo leva ao ldquoestar no Espiacuteritordquo 155 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 618

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Staab e A Erhardt156 A grande pergunta que o seu artigo quer responder eacute a respeito

do papel que o hino de 26-11 desempenha na parecircnese paulina em Filipenses

Nessa direccedilatildeo ele vai criticar o que ele chamou de interpretaccedilatildeo eacutetica Essa

interpretaccedilatildeo que retrocede ao trabalho primordial de Lohmeyer em 1928 e persiste

ateacute os dias de hoje entende que 26-11 eacute onde Paulo apresenta aos Filipenses o

exemplo maacuteximo de todas as virtudes que ele recomenda agrave igreja Esta

interpretaccedilatildeo eacute justificada pelas traduccedilotildees de 25b mencionadas acima que suprem

a lacuna verbal da oraccedilatildeo pela inclusatildeo de ἦν ou de alguma forma passada do verbo

φρονέω Os argumentos apresentados em favor da interpretaccedilatildeo eacutetica satildeo de fato

Paulo utiliza a vida de Jesus para tirar consequecircncias para o comportamento cristatildeo

Eacute o que ele faz em Rm 152-3 e 2Co 89 e o argumento encaixaria bem no contexto

pareneacutetico de 21-4157 Em contrapartida o apoacutestolo natildeo esperaria que seus leitores

tivessem uma imitaccedilatildeo ldquoisomoacuterficardquo de Cristo Nenhum ser humano pode realmente

imitar o que estaacute descrito em Fl 26-11 a natildeo ser de forma anaacuteloga sobretudo no

que tange agrave renuacutencia para servir os outros158 Tambeacutem eacute possiacutevel construir uma

analogia entre a exaltaccedilatildeo de Jesus descrita em 29-11 com a esperanccedila cristatilde de

ετασχηματίσει τὸ σῶμα τῆς ταπεινώσεως ἡμῶν σύμμορφον τῷ σώματι τῆς δόξης

αὐτου apresentada em 321159 Por fim mas natildeo menos importante esta

interpretaccedilatildeo parece ser preferida por alguns estudiosos por natildeo ter necessidade de

supor um estaacutegio preacute-paulino para Fl 26-11 um tempo no qual o texto faria parte

do culto cristatildeo primitivo onde se cantava a salvaccedilatildeo trazida Deus em Jesus160

Acredita-se que a chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo de 26-11 repousa apenas no

contexto literaacuterio da carta161

Natildeo obstante apesar de cada um destes argumentos serem verdadeiros

quando totalizados e colocados na balanccedila ao lado da posiccedilatildeo contraacuteria o peso eacute

156 Escrevendo em 1998 Martin afirma que os dois marcos na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 satildeo a obra de Lohmeyer de 1928 e o artigo de Kaumlsemann de 1950 MARTIN R P Carmen Christi Revisited p 1 157 Reconhecido entre outros por BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 158 FOWL S E Philippians p 106-107 159 Ibid p 107 160 Criacutetica de BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 161 A interpretaccedilatildeo eacutetica da passagem eacute mantida entre outros por Lohmeyer Cerfaux Hurtado Susan Eastman Bockmuehl Fee Hawthorne Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 292 BOCKMUEHL M op cit p 122-123 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 37-39 FEE G D Comentario

de la Epiacutestola a los Filipenses p 262-263 HAWTHORNE G Philippians p 104-105 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 198-200

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muito maior em favor da outra interpretaccedilatildeo chamada ldquointerpretaccedilatildeo kerygmaacuteticardquo

ou ldquointerpretaccedilatildeo soterioloacutegicardquo postulada inicialmente em 1950 por E Kaumlsemann

e que tem em Ralph Martin o seu maior defensor contemporacircneo Satildeo vaacuterios os

pilares dessa interpretaccedilatildeo Antes de tudo a ecircnfase da conexatildeo entre 25 e 26-11 eacute

colocada na expressatildeo ἐν Χριστῷ acentuando toda a forccedila teoloacutegica que a

expressatildeo tem no corpus paulino como exposto acima Desse modo o que Paulo

estaacute afirmando em 25 eacute que os cristatildeos devem praticar as virtudes e

comportamentos indicados em 21-4 como conveacutem agravequeles que fazem parte do

Corpo de Cristo e estatildeo debaixo do senhorio dele De fato a interpretaccedilatildeo

soterioloacutegica acentua mais do que a interpretaccedilatildeo eacutetica o valor exegeacutetico da

expressatildeo ἐν Χριστῷ E esta maneira de entender o texto natildeo deixa de fazer justiccedila

ao contexto pareneacutetico de 21-4 e mais ainda de 127-218 Pois na perspectiva de

Paulo ele estaacute exortando a igreja a comunidade de batizados portanto pessoas que

fazem parte do corpo de Cristo que experimentaram o dom escatoloacutegico do Espiacuterito

Santo que se submeteram a Jesus como κύριος rejeitando todos os outros O que

o apoacutestolo estaacute dizendo eacute que os cristatildeos de Filipos devem viver em conformidade

com este espaccedilo espiritual escatoloacutegico cristoloacutegico onde foram inseridos como eacute

adequado aos que fazem parte da Igreja A diferenccedila eacute que a parecircnese estaacute mais

para a obediecircncia a Jesus do que para imitaccedilatildeo a Jesus como se constata pelo

contexto imediato posterior o versiacuteculo 212 Ωστε ἀγαπητοί μου καθὼς πάντοτε

ὑπηκούσατε μὴ ὡς ἐν τῇ παρουσίᾳ μου μόνον ἀλλὰ νῦν πολλῷ μᾶλλον ἐν τῇ

ἀπουσίᾳ μου μετὰ φόβου καὶ τρόμου τὴν ἑαυτῶν σωτηρίαν κατεργάζεσθεmiddot Natildeo

obstante natildeo se estaacute negando absolutamente que Cristo seja um modelo para os

cristatildeos162 mas que o papel de Fl 26-11 na epiacutestola natildeo eacute apresentar um modelo

eacutetico e sim descrever o acontecimento escatoloacutegico da salvaccedilatildeo ou melhor dizendo

apresentar uma eacutetica fundamentada na soteriologia163

162 Nas palavras de Barth ldquoCom isto sua conduta [a de Jesus descrita em 26-11] eacute a razatildeo para depois ser tambeacutem a norma e o criteacuterio para o cristatildeordquo BARTH G A carta aos Filipenses p 44 Um pouco mais hesitante afirma BYRNE B A Carta aos Filipenses In NCBSJ p 449 ldquoEmbora um aspecto de imitaccedilatildeo eacutetica natildeo seja necessariamente excluiacutedo Paulo mais provavelmente cita o hino para exortar os Filipenses a viver a atitude altruiacutesta (phronein) que deveria brotar de dentro deles por estarem lsquoem Cristorsquordquo 163 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 472 tenta oferecer uma soluccedilatildeo intermediaacuteria atraveacutes das categorias ldquoimagem primordialrdquo e ldquoimagem modelarrdquo Ele afirma ldquoComo imagem

primordial Jesus Cristo possibilita a nova existecircncia dos cristatildeos como imagem modelar ele os marca por sua proacutepria condutardquo (grifos dele) Faltou poreacutem um detalhamento maior de como isso funciona na interpretaccedilatildeo do hino e na relaccedilatildeo dele com o contexto

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Outra criacutetica levantada por Kaumlsemann contra a interpretaccedilatildeo eacutetica eacute que ela

tende a valorizar mais a primeira parte do hino isto eacute os versiacuteculos 6-8 de modo

que os versiacuteculos 9-11 natildeo seriam mais que um excurso ldquonecessaacuterios para nadardquo164

Isso porque se o objetivo do hino eacute apenas apresentar o exemplo de Jesus somente

nos versiacuteculos 6-8 trata-se da atitude de Jesus165 pois em 9-11 haacute uma mudanccedila de

sujeito Soacute que a segunda parte da passagem natildeo eacute um apecircndice um suplemento agrave

primeira ela eacute parte integrante e necessaacuteria166 Na verdade o hino eacute um todo tendo

o seu cliacutemax em 9-11 por conta do seu caraacuteter escatoloacutegico e narrativo como se

veraacute a seguir167

Nesta perspectiva Fl 26-11 descreve um evento na verdade o evento

escatoloacutegico por excelecircncia que tem efeitos sobre todo o universo ldquoEacute o ato de

salvaccedilatildeo o que se celebra se apresenta aqui o acontecimento da salvaccedilatildeo em todas

as suas caracteriacutesticasrdquo168 O hino eacute marcado pela visatildeo escatoloacutegica do cristianismo

primitivo que em relaccedilatildeo agrave apocaliacuteptica judaica distingue-se pela afirmaccedilatildeo do

caraacuteter presente da salvaccedilatildeo A era da salvaccedilatildeo jaacute chegou Deus jaacute exaltou Jesus

Ele jaacute eacute o κύριος que deve ser reverenciado e confessado Em relaccedilatildeo ao helenismo

religioso o texto distingue-se pela afirmaccedilatildeo de que esse κύριος realmente se fez

homem e foi morto na cruz169 Por sinal esta eacute a relaccedilatildeo entre 9-11 e 6-8 porque a

exaltaccedilatildeo sem a encarnaccedilatildeo e a cruz resultaria em uma ldquoteologia da gloacuteriardquo sem

164 Observaccedilatildeo extrema de Kaumlsemann contra a intepretaccedilatildeo eacutetica sobretudo no formato que ela apareceu nos livros de E Lohmeyer e M Dibelius KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 80 165 KREITZER L ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 ldquoEacute difiacutecil incorporar a estrofe final do hino cristoloacutegico dentro de uma interpretaccedilatildeo da passagem que foca somente o exemplo eacutetico de Jesusrdquo 166 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 Segundo MARTIN R P Filipenses p 106 as interpretaccedilotildees que divergem de Kaumlsemann entendem os versiacuteculos 9-11 como digressatildeo dada a dificuldade de se aplicar ao tema da imitaccedilatildeo de Cristo 167 Isso natildeo significa que inexistam diferenccedilas entre as duas seccedilotildees do hino Entre outras aleacutem da mudanccedila de sujeito do Filho para o Pai enquanto a primeira parte descreve a ldquodescidardquo do Filho a segunda parte descreve a sua ldquosubidardquo Cf MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 86 O que se estaacute propondo poreacutem eacute que a relaccedilatildeo entre essas partes natildeo eacute linear e sim progressiva de forma que 29-11 eacute a continuidade e o cliacutemax de 26-8 168 KAumlSEMANN E op cit p 94 169 KAumlSEMANN E op cit p 118-119 Na paacutegina 111 referindo-se agrave exaltaccedilatildeo de Jesus em 29-11 ele afirma ldquoAinda que natildeo se pense aqui em um ato no final dos tempos o acontecimento descrito eacute sem duacutevida escatoloacutegico enquanto tal da mesma maneira que a encarnaccedilatildeo a cruz [tratadas em 6-8] e a ressurreiccedilatildeo que satildeo consideradas sempre no Novo Testamento como acontecimentos escatoloacutegicos Segundo a concepccedilatildeo neotestamentaacuteria o tempo do fim comeccedila precisamente no que se realiza com Cristo e em Cristordquo Segundo KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 a desconsideraccedilatildeo do contexto escatoloacutegico eacute a grande negligecircncia na intepretaccedilatildeo de Fl 26-11 especialmente responsaacutevel pela omissatildeo do papel dos versiacuteculos 29-11

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uma ldquoteologia da cruzrdquo O que foi exaltado eacute aquele se encarnou se humilhou e foi

obediente ateacute a morte170

Nesse sentido a questatildeo por traacutes do hino natildeo eacute responder agrave questatildeo

dogmaacutetica sobre o relacionamento entre o Pai e o Filho171 ou sobre as duas

naturezas nem oferecer um padratildeo comportamental O seu objetivo eacute narrar o

evento histoacuterico da salvaccedilatildeo em um colorido escatoloacutegico culminando no atual

senhorio de Cristo sobre todo o universo Em favor desta interpretaccedilatildeo estaacute a

observaccedilatildeo de Martin e Nash que considerando Fl 26-11 um hino segundo os

criteacuterios da retoacuterica helenista afirmam que nessa perspectiva o hino

necessariamente apresenta uma sequecircncia cronoloacutegica172 Com efeito isso quer

dizer que o texto natildeo eacute uma peccedila dogmaacutetica mas uma narrativa apresentando uma

sucessatildeo de fases um iniacutecio um meio e um cliacutemax um auge Esse auge estaacute

justamente no que acontece apoacutes a morte de Cruz que representa o status presente

daquele cuja histoacuteria eacute narrada Falando sobre Fl 26-11 Becker comenta

Para reconhecer isso eacute preciso ter claro que Cristo sempre eacute descrito mediante uma histoacuteria Ela eacute o evento soterioloacutegico para todos os crentes Ela faz de Cristo a figura escatoloacutegica central da salvaccedilatildeo O seu destino como um todo aconteceu lsquopor noacutesrsquo Exatamente isso natildeo sua humildade subjetiva eacute o que se descreve com as afirmaccedilotildees sobre o sentido fundamental e objetivo desse evento e desse salvador Natildeo eacute por meio da imitaccedilatildeo que os cristatildeos estabelecem uma relaccedilatildeo com o modelo Cristo Sua relaccedilatildeo como Cristo natildeo se baseia na accedilatildeo imitativa mas sim em uma realidade viver no novo estado de salvaccedilatildeo173

E esse ldquonovo estado de salvaccedilatildeordquo essa realidade presente eacute descrita na

seccedilatildeo de 9-11 que deve ser considerado o apogeu da narrativa hiniacuteca174 pois o

cliacutemax no senhorio de Jesus faz de forma efetiva a conexatildeo com o contexto

pareneacutetico da carta Porque os cristatildeos estatildeo ldquoem Cristordquo eles estatildeo debaixo do

senhorio de Jesus Porque Jesus eacute o Senhor eles devem obedececirc-lo (versiacuteculo

212)175 Porque eles satildeo participantes desse evento escatoloacutegico e soterioloacutegico

devem viver correspondendo a essa nova existecircncia Diga-se aliaacutes que essa

maneira de entender Fl 26-11 daacute agrave passagem a condiccedilatildeo de coraccedilatildeo teoloacutegico da

170 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119 171 KAumlSEMANN E op cit p 94 ldquoNatildeo eacute uma relaccedilatildeo o que se descreve aqui e sim um acontecimento um dramardquo No mesmo local ele informa que tal reconhecimento ele tirou de K Barth 172 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 135 173 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 450-451 174 MARTIN R P A Hymn of Christ p xv xviii utiliza o termo alematildeo mitte 175 Ibid p xvi

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epiacutestola sem a qual faltaria na carta uma seccedilatildeo de exposiccedilatildeo teoloacutegica em torno da

qual gravitariam as seccedilotildees de exortaccedilotildees repreensatildeo aos adversaacuterios gratidatildeo e

apresentaccedilatildeo da situaccedilatildeo e planos do apoacutestolo

Outro dado em favor de 9-11 como cliacutemax do hino eacute a presenccedila da foacutermula

ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo A expressatildeo eacute reconhecida como a ldquoconfissatildeo de feacute por

excelecircncia que estaacute na origem de todas as demais e a todas abarcardquo176 O texto tanto

mostra quem eacute esse Senhor a ser confessado (eacute o que se tornou homem se

humilhou morreu na cruz foi exaltado por Deus e recebeu dele o nome sobre

todos) quanto em uma suposta utilizaccedilatildeo lituacutergica como hino antes da inserccedilatildeo na

carta desafiava os ouvintes a reverenciar e confessaacute-lo como Senhor No contexto

literaacuterio em que estaacute reforccedila a ideia de que estar ldquoem Cristordquo eacute simultaneamente

estar debaixo do senhorio de Jesus

Por outro lado considerar Fl 29-11 o cliacutemax do hino natildeo significa desprezar

26-8 para a interpretaccedilatildeo da passagem como um todo Na verdade natildeo se entende

29-11 sem 26-8 porque ambas as seccedilotildees fazem parte de uma uacutenica trama

narrativa literariamente formatada como um hino em duas partes e teologicamente

descrevendo o evento histoacuterico-salviacutefico fundamental O que se estaacute afirmando eacute

que o auge dessa trama estaacute em 29-11 e que essa maneira de entender o conjunto

de Fl 26-11 e o seu papel no contexto da carta aos Filipenses eacute mais bem explicado

pela chamada interpretaccedilatildeo soterioloacutegica

Por tudo isso a interpretaccedilatildeo soterioloacutegica proposta por Kaumlsemann deve ser

preferida e adotada nesta dissertaccedilatildeo177 por apresentar uma argumentaccedilatildeo coerente

para o hino como um todo fazendo jus agraves suas duas partes explicar de maneira

adequada a relaccedilatildeo do hino com o versiacuteculo 25 sobretudo a forccedila da expressatildeo ἐν

Χριστῷ e natildeo desconsiderar o contexto pareneacutetico da epiacutestola mas tirar a questatildeo

eacutetica do vieacutes da imitaccedilatildeo (como proposto pela chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo) para

o contexto da participaccedilatildeo ἐν Χριστῷ e da submissatildeo ao senhorio de Jesus

E dada a importacircncia do versiacuteculo 25 para a compreensatildeo de 26-11 diante

do que foi exposto acima e somando-se ao paralelismo existente entre as

176 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 284 embora aqui a foacutermula esteja em uma versatildeo aumentada Natildeo apenas ldquoJesus eacute Senhorrdquo mas ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 177 Esta interpretaccedilatildeo eacute adotada entre outros por MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 MARTIN R P Filipenses p 104-107 BARTH G A carta aos Filipenses p 43-45 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 449-451 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 111-118 Uma posiccedilatildeo intermediaacuteria eacute defendida por FOWL S E Philippians p 1006-108

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expressotildees ἐν ὑμῖν e ἐν Χριστῷ e de que o normal no grego em frases eliacutepticas

como 25b eacute suprir o verbo a partir da primeira proposiccedilatildeo178 a seguinte traduccedilatildeo

poderia ser sugerida para o versiacuteculo 25 ldquoVivam isto entre vocecircs como conveacutem

viver em Cristo Jesusrdquo que parafraseado seria ldquoVivam tudo isto que mencionei

acima entre vocecircs como conveacutem a todos que fazem parte do corpo de Cristo e estatildeo

debaixo do senhorio delerdquo

178 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 267

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4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o seu novo nome

41 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

A seccedilatildeo que se inicia em 29 vincula-se agrave anterior pelo tema O assunto de

26-8 eacute o mesmo de 29-11 Jesus soacute que agora em uma nova perspectiva Antes

encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo Agora exaltaccedilatildeo e senhorio O sujeito tambeacutem muda

mas o epicentro temaacutetico continua o mesmo179 Isso eacute sugerido pela posiccedilatildeo

enfaacutetica do pronome αὐτὸν mostrando que ldquoelerdquo o que se humilhou eacute o mesmo

ldquoelerdquo que seraacute exaltado180 Cristo continua o centro da narrativa181 Quer dizer na

primeira parte Jesus eacute o sujeito das accedilotildees ele natildeo se apegou ao ser igual ao Deus

ele se esvaziou ele assumiu a forma humana e a forma de servo e foi obediente

ateacute a morte Na segunda parte Deus o exalta daacute ele o nome sobre todo nome

diante do nome dele todos os joelhos se dobraratildeo e toda liacutengua confessaraacute que ele

eacute o Senhor A passagem como um todo eacute cristocecircntrica sem contudo abrir matildeo

do monoteiacutesmo182

Pela perspectiva da histoacuteria das formas eacute possiacutevel que toda a seccedilatildeo de 29-

11 esteja emoldurada segundo os antigos cerimoniais de entronizaccedilatildeo orientais

(especialmente egiacutepcios) presentes em alguns textos do Novo Testamento Nestes

rituais a entronizaccedilatildeo do rei divino seguia trecircs partes exaltaccedilatildeo a apresentaccedilatildeo

diante dos deuses e a entronizaccedilatildeo Em Fl 29-11 esta estrutura foi adaptada da

seguinte forma exaltaccedilatildeo (διὸ καὶ ὁ θεὸς ὑπερύψωσε αὐτὸν) proclamaccedilatildeo do

179 MARTIN R P A Hymn of Christ p 230 180 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141 HELLERMAN J H Philippians p 119 tambeacutem observa que o objeto direto αὐτὸν eacute enfaacutetico aqui 181 HELLERMAN J H Philippians p 118 182 Existem no entanto diferenccedilas entre Fl 26-8 e 29-11 Aleacutem do sujeito dos verbos nota-se o contraste na utilizaccedilatildeo dos particiacutepios satildeo cinco na primeira parte e nenhum na segunda Haacute tambeacutem uma mudanccedila no pano de fundo lexical poreacutem as opiniotildees satildeo diversas Enquanto BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los Filipenses

(Phil 26-11) p 447 defende que a terminologia de 26-8 possui colorido semiacutetico e 29-11 um vocabulaacuterio caracteristicamente helenista SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 argumenta exatamente o contraacuterio

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novo nome (καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα) e homenagem ao

entronizado por gestos e confissatildeo (os versiacuteculos 10-11)183

Do ponto de vista da retoacuterica grega como notado no capiacutetulo anterior

Martin e Nash entendem que o segmento διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν faz

parte do toacutepico ldquoEventos Poacutestumosrdquo e todo o restante do versiacuteculo 9 junto com os

versos 10 e 11 estariam incluiacutedos no toacutepico ldquoNomes e Tiacutetulosrdquo Todavia a

expressatildeo τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα funcionaria como uma syncrisis isto eacute um toacutepico

adicional que ampliaria o entendimento de outro toacutepico atraveacutes de comparaccedilatildeo184

Sintaticamente Fl 29-11 constitui uma uacutenica sentenccedila que pode ser

dividida em duas oraccedilotildees διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ

τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα seria o periacuteodo principal porque traz os dois verbos

no indicativo (ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο) e compreende todo o verso 9 Estes dois

verbos estatildeo conectados por um καὶ que pode ser entendido como epexegeacutetico

fazendo a frase toda ser uma hendiacuteadis ou seja os dois verbos natildeo apontam para

acontecimentos independentes mas satildeo dois aspectos de um mesmo evento185 A

exaltaccedilatildeo e o novo nome satildeo simultacircneos Um resultado semelhante eacute alcanccedilado

atraveacutes de uma outra abordagem sintaacutetica isto eacute quando se desmembra o periacuteodo

principal em duas pequenas oraccedilotildees cada qual com um verbo em uma relaccedilatildeo de

paralelismo sinoniacutemico186

O segundo periacuteodo eacute composto por duas oraccedilotildees subordinadas agraves oraccedilotildees

principais do versiacuteculo 9 e coordenadas entre si Este periacuteodo abrange os versos

10 e 11 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς

δόξαν θεοῦ πατρός Ele eacute comandado pela conjunccedilatildeo de propoacutesito ἵνα e traz seus

dois verbos no subjuntivo (κάμψῃ e ἐξομολογήσηται)187 Pode-se dizer que

enquanto o versiacuteculo 9 descreve a exaltaccedilatildeo de Jesus os versos 10 e 11 trazem o

propoacutesito (ou consequecircncia conforme seraacute discutido mais agrave frente) desta

183 MARTIN R P A Hymn of Christ p 242-243 GOPPELT L Teologia do Novo

Testamento p 331 Este uacuteltimo afirma que o mesmo modelo eacute encontrado em 1Tm 36 Hb 13-13 e Ap 56-14 184 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 112-113 185 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 289 Segundo ele na hendiacuteadis o segundo verbo desenvolve ou completa o significado do primeiro A mesma opiniatildeo tem HELLERMAN J H Philippians p 119 186 BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los

Filipenses (Phil 26-11) p 446 187 Entre outros esta perspectiva sintaacutetica eacute apresentada em SILVA Moiseacutes Philippians p 108

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exaltaccedilatildeo Portanto este capiacutetulo tem como objetivo investigar a descriccedilatildeo da

exaltaccedilatildeo no versiacuteculo 9 enquanto que os proacuteximos capiacutetulos se ocuparatildeo do

propoacutesito (ou consequecircncia) da exaltaccedilatildeo de Jesus apresentadas em Fl 210-11

O versiacuteculo 9 eacute iniciado pela expressatildeo διὸ καὶ O primeiro elemento διὸ eacute

uma conjunccedilatildeo inferencial Ela eacute em geral usada para coordenar o que segue com

o que vem antes e sua traduccedilatildeo comum eacute por isso por essa razatildeo O καὶ que vem

associado pode ser entendido como intensificando a conjunccedilatildeo188 indicando que a

inferecircncia eacute auto evidente189 ou que a conclusatildeo a seguir eacute de alguma forma

oacutebvia190 Essa interpretaccedilatildeo resultaria em uma traduccedilatildeo livre do tipo por isso

naturalmente obviamente Silva no entanto questiona esse raciociacutenio

mostrando que a utilizaccedilatildeo de διὸ e a combinaccedilatildeo διὸ καὶ no Novo Testamento

natildeo oferecem suporte para esta maneira de ver pois nem sempre a expressatildeo

combinada indica uma ldquoinferecircncia auto evidenterdquo e ao mesmo tempo a

conjunccedilatildeo sozinha agraves vezes pode de fato apontar nesta direccedilatildeo Ele prefere

sugerir que o papel do καὶ seja intensificar ou realccedilar a conjunccedilatildeo e que o uso

paulino pode estar influenciado pelo texto de Is 5312 na LXX (διὰ τοῦτο)191 Isto

encaminha uma traduccedilatildeo mais simples com apenas um ldquoe por issordquo192

42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus

O texto natildeo deixa duacutevida que o responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus eacute

Deus De fato a seccedilatildeo de 29-11 eacute marcada de forma profunda pelo monoteiacutesmo

Deus exalta Jesus compartilha com ele o seu proacuteprio nome e tudo isso resulta na

gloacuteria de Deus Eacute importante delimitar o que significa o substantivo θεὸς no

contexto da teologia paulina Enquanto judeu o conceito que Paulo tinha acerca

de Deus eacute profundamente marcado pelo Antigo Testamento como aliaacutes eacute o caso

188 FEE G Christology p 395 189 De acordo com BAGD p198 190 Conforme BALZ H SCHNEIDER G διό In DENT v I p 1018 HELLERMAN J H Philippians 118 percebe uma ironia aqui pois do ponto de vista da cultura romana predominante em Filipos a exaltaccedilatildeo de algueacutem qualificado na primeira parte como δοῦλος e que terminou sua vida crucificado seria tudo menos uma coisa oacutebvia 191 Isto foi primeiro afirmado por CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p295 e 304 Cerfaux acredita que por traacutes de Fl 26-11 existe uma grande influecircncia dos cacircnticos de servo em Isaiacuteas 192 SILVA Moiseacutes Philippians p 115

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de todos os autores neotestamentaacuterios embora com matizes diferentes Para o

apoacutestolo o θεὸς que enviou seu Filho ao mundo e agora o exaltou eacute o mesmo Deus

de Israel revelado nas Escrituras hebraicas Poreacutem o encontro com o Cristo

ressuscitado levou o apoacutestolo a inclui-lo na sua feacute monoteiacutesta A heranccedila judaica e

a convicccedilatildeo cristoloacutegica constituem assim o cerne do entendimento paulino de

Deus

Dessa forma o θεὸς para ele eacute o criador do mundo (Rm 12025) que atua

de maneira contiacutenua nele e se importa com ele a ponto de redimi-lo O impacto do

evangelho fez Paulo incluir nessa argumentaccedilatildeo o papel de Cristo na criaccedilatildeo

como mediador e finalidade (respectivamente em 1Co 85-6 e Cl 116)

Igualmente se no Antigo Testamento Israel poderia ser chamado de Filho de

Deus (Os 111) para Paulo Deus eacute o Pai de toda a criaccedilatildeo mas de maneira

particular ele eacute o Pai de Jesus e dos cristatildeos Esse Deus que eacute criador e Pai

tambeacutem reina soberano sobre todo o universo e um dia atuaraacute como juiz de todas

as pessoas (Rm 141012) E nestes temas verifica-se de novo a influecircncia

cristoloacutegica pois Paulo pode falar do reinado exercido por Jesus (1Co 1525 com

efeito a partir da sua exaltaccedilatildeo) e do juiacutezo que vem atraveacutes de Jesus na parusia

(Rm 216 2Co 510) E ainda a visatildeo paulina de Deus eacute caracterizada por uma

seacuterie de atributos compartilhados com a tradiccedilatildeo judaica a saber a gloacuteria (Rm

323 1Co 1031 Ef 117) a sabedoria (1Co 27 130 onde ele identifica Cristo

com a sabedoria de Deus) a santidade (percebida como exortaccedilatildeo em especial por

aqueles que agora satildeo filhos de Deus em Cristo como Rm 17 1Ts 47 1Co 619-

20) justiccedila (Rm 321-22 103 Gl 26) amor e graccedila (Rm 324 55 2Co 1313) e

fidelidade (1Co 19 1013) Para Paulo esse foi o Deus que exaltou Jesus193

Outro ponto importante eacute perguntar como a mudanccedila de sujeito no

contexto do hino seria notada pelos cidadatildeos filipenses Eacute muito provaacutevel que essa

virada na narrativa chamaria a atenccedilatildeo deles por conta da sua sensibilidade soacutecio-

poliacutetica O ponto eacute que no mundo romano da eacutepoca existia uma enorme

valorizaccedilatildeo da cultura da honra e do prestiacutegio puacuteblico ldquoStatus era uma

commoditie puacuteblica no mundo romanordquo194 Nesse sistema cultural quando se era

honrado por algueacutem a honra do homenageado aumentava proporcionalmente agrave

honra que o doador possuiacutea Em consequecircncia o ideal era ser honrado por um

193 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPL p 379-397 194 HELLERMAN J H Philippians p 119

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homem honrado receber prestiacutegio de quem ocupasse a mais alta posiccedilatildeo social195

Essa loacutegica eacute elevada agrave uacuteltima potecircncia em Fl 29 mostrando que Jesus foi

exaltado pelo ser mais honrado e exaltado do universo Deus A autoridade do

doador garante a eficaacutecia da honra recebida

43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω

O verbo ὑπερυψόω pode ser traduzido d forma literal como elevar algueacutem

ao lugar mais alto196O termo eacute um hapax no Novo Testamento e na literatura

cristatilde primitiva foi utilizada uma uacutenica vez na 1ordf carta de Clemente 145 Em

contrapartida o termo foi utilizado 50 vezes na LXX197BAGD indica que Fl 29

parece ecoar Sl 969 LXX ldquoPois tu eacutes Senhor o Altiacutessimo sobre a Terra

grandemente exaltado acima de todos os deusesrdquo198 Haacute dessa forma uma

perspectiva de comparaccedilatildeo a exaltaccedilatildeo de YHWH eacute considerada em relaccedilatildeo aos

deuses (τοὺς θεούς na LXX יםאה no texto hebraico) Interessante observar que

o texto hebraico utiliza a mesma preposiccedilatildeo nas duas partes do versiacuteculo (על)

enquanto a LXX utiliza ἐπὶ na primeira parte quando o termo de comparaccedilatildeo eacute a

Terra e ὑπὲρ na segunda parte quando o contraste eacute com os deuses Eacute esta uacuteltima

preposiccedilatildeo que Fl 29 vai usar Ademais essa relaccedilatildeo com o Salmo contribui para

a compreensatildeo comparativa do verbo ὑπερυψόω no conjunto de Fl 26-11 como

seraacute discutido abaixo

431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular

A ideia de exaltaccedilatildeo desempenhava papel importante nos mitos do Antigo

Oriente Por exemplo no mito babilocircnico Enucircma Elish Marduque foi exaltado na

assembleia dos deuses apoacutes derrotar Tiamate e Kingu o que lhe proporcionou a

195 HELLERMAN J H Philippians p 119 196 BAGD p 842 197 Segundo a contagem de MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v1 p 83-87 198 BAGD p 842 O versiacuteculo corresponde ao Sl 979 da Biacuteblia Hebraica Sl 979 O hebraico traz literalmente ldquoPois tu eacutes YHWH o Altiacutessimo sobre toda a Terra exaltado sobre todos os deusesrdquo

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soberania sobre o mundo Em consequecircncia ele instala na Terra Hamurabi como

seu representante exaltado entre os homens Entre os egiacutepcios existia o mito de

exaltaccedilatildeo do faraoacute Tutmose III realizado pelo deus sol Recirc Atraveacutes da exaltaccedilatildeo o

faraoacute foi coroado e instalado como filho de deus Tambeacutem existiam mitos

babilocircnicos que descreviam a tentativa de seres humanos buscarem a exaltaccedilatildeo

atraveacutes do esforccedilo proacuteprio Contudo o empreendimento terminava mal porque

natildeo contava com o favor dos deuses199

O Antigo Testamento utiliza alguns termos para expressar a ideia de

exaltaccedilatildeo No texto hebraico satildeo גדל גבה רום e א A LXX os traduz pelos נש

verbos ὑψόω e ὑπερυψόω O pensamento israelita eacute que somente Deus tem o

poder de exaltar (e ao mesmo tempo de humilhar) A auto-exaltaccedilatildeo humana eacute

sempre rejeitada Eacute algo que se opotildee a Deus e recebe a sua condenaccedilatildeo (Sl 757

Is 211 e 17) A exaltaccedilatildeo eacute vista de um modo mais positivo quando o homem estaacute

em uma situaccedilatildeo de opressatildeo e busca o socorro divino Ele eacute exaltado quando

Deus muda suas circunstacircncias exaltado a uma realidade melhor (Sl 37 34 8917

e 1129) Em relaccedilatildeo a Deus ele eacute exaltado nos cultos e demais cerimocircnias

religiosas atraveacutes da adoraccedilatildeo do seu povo (Sl 3433) E agrave medida que comeccedila a

surgir uma esperanccedila escatoloacutegica dentro do Antigo Testamento tambeacutem vai se

desenvolvendo uma expectativa de exaltaccedilatildeo do povo de Deus Eacute nesse contexto

que estatildeo inseridos os cacircnticos de servo em Isaiacuteas um dos possiacuteveis panos de

fundo para a narrativa da exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Entre outros L

Cerfaux acredita que todo o hino de Fl 26-11 estaacute sob a influecircncia desta tradiccedilatildeo

especiacutefica Dessa forma laacute eacute prometido que o servo receberaacute na exaltaccedilatildeo as

multidotildees (Is 5312) aqui seu triunfo estende-se ao cosmos Em Isaiacuteas (LXX) a

exaltaccedilatildeo eacute descrita com o verbo ὑψόω em Filipenses com o verbo ὑπερυψόω200

E aleacutem de Is 5213-5312 existe em Fl 29-11 a alusatildeo ao trecho de Is 4521-23

como seraacute avaliado adiante no trabalho

De fato o Novo Testamento interpreta o עבד do Decircutero-Isaiacuteas como uma

figura messiacircnica que tem o seu cumprimento em Jesus (At 826-40) Contudo no

contexto de Isaiacuteas tanto eacute possiacutevel que o termo faccedila referecircncia a um indiviacuteduo

199 Para todo este paraacutegrafo cf MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v 1 p 83-87 200 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 304-306 Para ele a mudanccedila de verbo diz respeito agrave intenccedilatildeo de Paulo de acentuar a exaltaccedilatildeo de Cristo sobre as potestades celestes

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quanto que ele esteja designando o povo de Israel como um todo201 E essas

alternativas natildeo satildeo necessariamente excludentes pois eacute provaacutevel que em algumas

passagens exista uma distinccedilatildeo entre o servo e Israel (Is 491-9 421-7 504-10)

e em outras (Is 5417 566 6317 658-9) uma identificaccedilatildeo entre ambos202 O

judaiacutesmo por sua vez interpretava o עבד como uma referecircncia ao povo de

Israel203 Tudo isso vai ser importante para a exegese proposta por N T Wright

para Fl 26-11 Na visatildeo dele por traacutes dessa passagem estaacute a expectativa da

exaltaccedilatildeo de Israel a uma posiccedilatildeo de proeminecircncia por conta da sua obediecircncia

algo que se cumpriu na exaltaccedilatildeo de Jesus Ele chama esse raciociacutenio de

ldquocristologia israelitardquo204 uma variaccedilatildeo da mais conhecida cristologia adacircmica O

fundamento para essa exegese seriam os ecos intertextuais entre Fl 26-11 e Gn

126-28 Sl 84-7 Dn 714 e acima de tudo Is 4523

Tambeacutem a literatura apocaliacuteptica judaica testemunha essa expectativa

escatoloacutegica sendo a exaltaccedilatildeo parte da esperanccedila humana Haacute tanto uma

perspectiva futura como algo que seraacute consumado no fim dos tempos quanto

espacial com a ideia de ser exaltado aos mais altos ceacuteus (particularmente na

tradiccedilatildeo de Enoque) Seja como for e a despeito de ser possiacutevel uma delimitaccedilatildeo

precisa das influecircncias veterotestamentaacuterias sobre Fl 29-11 eacute certo que esse texto

deve ser lido e interpretado a partir das expectativas israelitas de uma exaltaccedilatildeo

escatoloacutegica que o cristianismo primitivo entendeu estarem cumpridas na

exaltaccedilatildeo de Jesus

201 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 308 202 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 203 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 310 204 Para Wright a cristologia a partir de Adatildeo e a cristologia a partir do servo sofredor de Isaiacuteas natildeo satildeo contraditoacuterias Ambas satildeo cristologias baseadas em Israel Como uacuteltimo Adatildeo Jesus assumiu o papel que Israel deveria ter desempenhado segundo o Antigo Testamento Ainda segundo Wright Paulo natildeo chegou a essa conclusatildeo porque havia na feacute judaica preacute-cristatilde a expectativa da vinda de um Messias escatoloacutegico a partir de Isaiacuteas 53 Pelo contraacuterio foram os eventos da cruz que fizeram ele repensar o cliacutemax do plano salviacutefico de Deus WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 60-61

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432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento

O Novo Testamento articula o tema da exaltaccedilatildeo sobretudo atraveacutes do

verbo ὑψόω utilizado em vinte ocasiotildees Ele eacute aplicado a Jesus em Joatildeo 314

828 123234 At 233 531 Na mensagem de Jesus a exaltaccedilatildeo eacute vista dentro da

temaacutetica do discipulado e com uma dimensatildeo escatoloacutegica Ela eacute geralmente

trabalhada atraveacutes do binocircmio exaltaccedilatildeo-humilhaccedilatildeo A exaltaccedilatildeo passa pelo

caminho da humilhaccedilatildeo e obediecircncia diante de Deus Quem se exalta nesta vida

seraacute humilhando no julgamento final Quem se humilha (para servir a Deus e ao

proacuteximo) seraacute exaltado pelo proacuteprio Deus no juiacutezo final Tiago e 1Pedro vatildeo

exortar os cristatildeos a partir deste paradigma (Tg 410 1Pe 56) Diversos

testemunhos no Novo Testamento apontam para a esperanccedila da exaltaccedilatildeo dos

cristatildeos na parusia e a exaltaccedilatildeo de Jesus vai se tornar o fundamento desta

esperanccedila205

E para tratar da exaltaccedilatildeo de Jesus o Novo Testamento segue o padratildeo

veterotestamentaacuterio e natildeo a situa em termos de mito mas de histoacuteria O exaltado

eacute Jesus de Nazareacute o mesmo que foi levantado em uma cruz Destarte esse

conceito eacute trabalhado de forma diversificada nos escritos neotestamentaacuterios

Tradiccedilotildees primitivas presentes no livro de Atos em 233 e 531 designam a

entronizaccedilatildeo de Jesus como Senhor por meio do verbo ὑψόω206 Na literatura

paulina encontra-se em Fl 29-11 a exaltaccedilatildeo relacionada agrave ideia de senhorio mas

em Rm 14 ela diz respeito a Jesus ser designado Filho de Deus e 1Tm 316 a ele

ser recebido na gloacuteria207 No quarto evangelho o tema da exaltaccedilatildeo seraacute paralelo

ao da glorificaccedilatildeo atraveacutes do verbo δοξάζω (Jo 739 1216 175) Ali Jesus jaacute eacute

o exaltado na sua crucificaccedilatildeo que eacute o cumprimento da sua missatildeo Hebreus natildeo

utiliza o verbo ὑψόω e vai articular a teologia da exaltaccedilatildeo atraveacutes de outras

expressotildees coroado (19) ungido (113 1012 122) assentado agrave direita de Deus

(55) Em resumo como notado por Bruce todas as fontes do Novo Testamento

celebram a exaltaccedilatildeo de Jesus208

205 LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1910-1911 206 Ibid p 1911-1912 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112 a exaltaccedilatildeo de Jesus fazia parte do ldquolsquokerygmarsquo apostoacutelico conservado nos Atos dos Apoacutestolosrdquo 207 MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v I p 83-87 208 BRUCE F F Filipenses p 88

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Quanto agrave origem e disseminaccedilatildeo do conceito da exaltaccedilatildeo de Jesus no

Novo Testamento era corrente afirmar ateacute metade do seacuteculo passado que uma

cristologia da exaltaccedilatildeo isto eacute o reconhecimento de que o Jesus ressuscitado atua

no presente como κύριος podendo ser inclusive invocado e cultuado pela

comunidade foi um fenocircmeno surgido na comunidade cristatilde helenista Essa foi a

tese defendida originalmente por W Bousset na obra Kyrios Christos em 1913

De acordo com ele a comunidade cristatilde primitiva de Jerusaleacutem de fala aramaica

natildeo possuiacutea uma cristologia da exaltaccedilatildeo tese que foi aprovada e assumida por

Bultmann como observa Cullmann209

Posteriormente entretanto a tese recebeu muitas criacuteticas ficando

desprestigiada no final do seacuteculo 20210 Fundamental para esse processo de

superaccedilatildeo foi a identificaccedilatildeo de trechos e expressotildees nos livros do Novo

Testamento a maior parte em textos paulinos que remontam a um periacuteodo

anterior agrave produccedilatildeo destes livros Satildeo testemunhos do cristianismo mais primitivo

recolhidos e transmitidos pelos autores do Novo Testamento Entre estes textos

estatildeo alguns sermotildees no livro de Atos textos considerados hinos cristoloacutegicos

como 1Tm 316 e Fl 26-11 confissotildees de feacute como ldquoJesus eacute Senhorrdquo (Rm 1023

1Co 123) e acima de tudo a expressatildeo μαράναθά presente em 1Co 1622 Esta

expressatildeo que tambeacutem ocorre no cristianismo primitivo em Didaquecirc 106211 eacute a

transliteraccedilatildeo de uma frase aramaica que pode ser traduzida como uma suacuteplica

ldquoNosso Senhor vemrdquo212 Entende-se que ela estaacute por traacutes de Ap 2210b onde

estaria sendo citada de forma traduzida Enquanto suacuteplica seria uma peticcedilatildeo

dirigida ao proacuteprio Jesus Cristo exaltado213 seja para que ele realize sua parusia

seja para que ele se manifeste de uma forma especial agrave igreja que estaacute reunida em 209 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p280-281 mostra que na obra posterior ldquoJesus der Herrrdquo de 1916 Bousset abandou sua explicaccedilatildeo original mas acabou reassumindo-a na segunda ediccedilatildeo de Kyrios Christos em 1921 Curiosamente Cullmann informa que Bultmann adotou em sua Teologia do Novo Testamento a explicaccedilatildeo provisoacuteria dada por Bousset em 1916 210 Veja-se que aleacutem de Bultmann encontra-se uma adoccedilatildeo da tese de Bousset em KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-71 obra lanccedilada em 1966 e GOPPELT L Teologia do

Novo Testamento p 327-333 que remonta a meados da deacutecada de 1970 211 ldquoQue venha a graccedila e passe este mundo Hosana ao filho de Davi Se algueacutem for santo que venha Se algueacutem natildeo for santo faccedila penitecircncia Maranata Ameacutemrdquo Texto segundo FITZMYER J A To Advance The Gospel p 224 212 Existe discussatildeo sobre a correta divisatildeo da expressatildeo e consequentemente sua respectiva traduccedilatildeo A saber μαραν ἀθῆ - ldquoNosso Senhor estaacute vindordquo μαραν ἄθα ndash ldquoNosso Senhor veiordquo ou ldquoNosso Senhor estaacute aquirdquo μαράνα θά - ldquoNosso Senhor vemrdquo Cf FITZMYER J A To

Advance The Gospel p 226 A uacuteltima forma eacute a adotada no Novo Testamento grego de Nestleacute-Aland 213 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 29 GOPPELT L Teologia

do Novo Testamento p 278

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torno da eucaristia214 De qualquer jeito a expressatildeo μαράναθά e os demais

extratos do cristianismo primitivo no Novo Testamento atestam que desde o iniacutecio

da igreja jaacute na comunidade de fala aramaica em Jerusaleacutem os cristatildeos criam em

um Jesus exaltado Senhor dos cosmos mas tambeacutem Senhor da comunidade e de

suas vidas Senhor com quem eles podiam se relacionar de forma especial no

culto215 Logo apoacutes a ressurreiccedilatildeo quando os disciacutepulos ser reuniram como igreja

cristatilde creram que sobre eles Jesus estava como Senhor exaltado Eacute a ressurreiccedilatildeo

o acontecimento fundamental para o surgimento do conceito de exaltaccedilatildeo de

Jesus Nas palavras de Cullmann

Eacute a convicccedilatildeo dos disciacutepulos de que a ressurreiccedilatildeo de Cristo havia inaugurado o fim dos tempos O que jaacute havia sido realizado dava agrave sua esperanccedila esta firme confianccedila o fim dos tempos jaacute havia comeccedilado Cristo natildeo podia ser para eles meramente o Filho do Homem que havia de vir Ele devia tambeacutem ter uma significaccedilatildeo presente jaacute que este presente pertencia ao tempo da consumaccedilatildeo A esperanccedila ardente da manifestaccedilatildeo proacutexima do seacuteculo vindouro natildeo eacute pois a causa mas a consequecircncia da feacute na ressurreiccedilatildeo de Cristo 216

433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina

4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina

A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute um tema central na cristologia paulina Eacute ela que

revela ldquoa verdadeira identidade de Jesus daacute um significado definitivo a sua vida e

morte e fornece a base para a esperanccedila cristatilderdquo217 Isto pode remontar a sua

proacutepria experiecircncia com Jesus (e portanto das suas comunidades) que natildeo foi

uma experiecircncia com o Jesus terreno (como os 12 apoacutestolos) mas

fundamentalmente com o Cristo exaltado A sua experiecircncia de encontrar o Jesus

exaltado na estrada para Damasco tornou-se o epicentro da sua cristologia Isso

214 ldquoTemos visto a dupla significaccedilatildeo de Maranata lsquoVem a noacutes que estamos reunidos em teu nome e lsquoVem definitivamentersquo [] A ceia evoca com efeito retrospectivamente a uacuteltima refeiccedilatildeo de Jesus antes de sua morte e as da Paacutescoa onde o ressuscitado apareceu e por outro lado ela prefigura o banquete messiacircnico de Cristo e dos seus reunidos no Reino de Deusrdquo CULMMANN O Cristo e o Tempo p 199 215 Entre outros BROWN R Introduccion a la cristologia del Nuevo Testamento p 121-158 e SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 24-38 216 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 272 217 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522

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natildeo quer dizer que Paulo imaginasse o Cristo exaltado dissociado do Jesus

histoacuterico como pensaram Bultmann e outros Para Paulo o exaltado natildeo era

ningueacutem diferente daquele Jesus que foi crucificado em Jerusaleacutem e ressuscitou

trecircs dias depois Nessa perspectiva o hino de Fl 26-11 ocupa papel importante

pois como expressatildeo de uma cristologia paulina autecircntica (articulada de forma

original por ele ou aproveitada de tradiccedilatildeo lituacutergica jaacute existente) ele revela que

este que agora estaacute exaltado eacute Senhor e deve ser reverenciado e confessado natildeo eacute

outro senatildeo aquele que se encarnou completamente assumindo a forma humana e

humilhou-se como servo e morreu na cruz como aacutepice da sua obediecircncia ao Pai218

Essa cristologia da exaltaccedilatildeo articulada por Paulo segue e desenvolve

linhas que jaacute existiam no cristianismo anterior a ele como a leitura cristoloacutegica do

Sl 1101 a profissatildeo de feacute de Jesus como κύριος e os trechos de cunho lituacutergico

mais desenvolvidos como Rm 13-4 1Co 153-8 Cl 115-20 1Tm 316 A partir

dessa base cristoloacutegica tradicional somada a sua matriz de pensamento judaica e a

sua experiecircncia de encontro com Cristo o apoacutestolo desenvolve sua cristologia da

exaltaccedilatildeo a partir de quatro aspectos219 a ressurreiccedilatildeo a ascensatildeo a

entronizaccedilatildeo220 e a parusia221

Aqui em Fl 29 eacute provaacutevel que as primeiras trecircs accedilotildees estejam incluiacutedas no

verbo ὑπερύψωσεν222 Neste texto a exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute descrita em estaacutegios

Tudo estaacute indicado atraveacutes de um uacutenico verbo223 Como notado por Bockmuehl

ldquoPaulo enfatiza somente o fato natildeo o processo desta exaltaccedilatildeo que em outros

lugares envolve ressurreiccedilatildeo ascensatildeo e sentar-se agrave direita de Deusrdquo224

A ressurreiccedilatildeo atesta o iniacutecio da exaltaccedilatildeo sendo a reversatildeo imediata do

auge da sua humilhaccedilatildeo a morte de cruz A ressurreiccedilatildeo eacute mais do que um 218 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522-523 219 Conforme MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523-524 220 Nem todos os autores trabalham com a categoria da ldquoentronizaccedilatildeordquo de Cristo como algo distinto da ascensatildeo dado que o Novo Testamento natildeo menciona um acontecimento especiacutefico relacionado agrave entronizaccedilatildeo Geralmente a discussatildeo acerca da ldquoascensatildeordquo jaacute inclui a entronizaccedilatildeo 221 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112-113 apresenta a partir da obra de J MacArthur uma descriccedilatildeo da exaltaccedilatildeo que tambeacutem conteacutem quatro aspectos com a diferenccedila que o quarto aspecto natildeo eacute a parusia mas a atuaccedilatildeo de Jesus no governo celestial 222 Assim pensa entre muitos outros HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 485 Segundo ele a parte da parusia apareceraacute nos versiacuteculos 10 e 11 quando todos iratildeo confessar e se ajoelhar diante de Jesus O pensamento contraacuterio foi defendido por Lohmeyer em sua exposiccedilatildeo claacutessica da passagem Para ele o verbo diz respeito ao assentar-se de Cristo agrave direita de Deus Pai e natildeo agrave ressurreiccedilatildeo Isso indicaria a origem natildeo paulina do hino pois o apoacutestolo contrariamente iria se referir agrave ressurreiccedilatildeo e natildeo agrave exaltaccedilatildeo Isso aproxima de acordo com este autor o pensamento do hino da teologia joanina BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 14 223 OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 236 224 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141

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simples voltar agrave vida eacute uma nova existecircncia gloriosa natildeo mais sujeita agraves

fraquezas da vida humana e aos poderes malignos que ainda atuam neste universo

Quanto agrave ascensatildeo Paulo natildeo a menciona de maneira expliacutecita o que natildeo quer

dizer que ele natildeo conhecesse nada a respeito Em alguma medida Paulo

pressupotildee uma transiccedilatildeo entre o ministeacuterio terreno de Jesus (que vai ateacute a cruz e

se desenvolve na Terra) e o ministeacuterio exaltado (que comeccedila na ressurreiccedilatildeo mas

vai se desenvolver no ceacuteu) mas parece que ele natildeo descreve essa transiccedilatildeo como

ascensatildeo sendo mesmo possiacutevel que ele natildeo conhecesse essa tradiccedilatildeo225 Natildeo

obstante o Jesus ressurreto vai ser entronizado Paulo descreve esta realidade por

intermeacutedio da metaacutefora do ldquoestar sentado agrave direita de Deusrdquo e ter os inimigos

debaixo dos peacutes ambas tiradas do Sl 1101 (talvez em combinaccedilatildeo com o Sl 86)

Cinco vezes ele usa explicitamente esse versiacuteculo Rm 834 1Cor 1525 Ef

12022 Cl 31226 E eacute bastante possiacutevel que por traacutes de Fl 29-11 tambeacutem esteja

presente uma reflexatildeo cristoloacutegica que parte do Sl 1101 A ideia eacute que Cristo estaacute

exercendo a sua soberania sobre todo o universo acima de todo poder e

autoridade E quando ocorrer a parusia a gloacuteria do Senhor exaltado seraacute revelada

(1Cor 17) seus inimigos seratildeo derrotados em definitivo (1Cor 1524-26) e todo o

universo o aclamaraacute como Senhor

Quanto agrave exaltaccedilatildeo como entronizaccedilatildeo a perspectiva paulina envolve a

temaacutetica da vitoacuteria de Jesus sobre poderes espirituais que por sua vez remonta agrave

perspectiva veterotestamentaacuteria de YHWH como guerreiro divino Conforme

Reid encontra-se no Antigo Testamento a visatildeo de YHWH como um guerreiro

que luta primeiro em favor e junto com seu povo Israel mas posteriormente

contra ele por conta da sua desobediecircncia227 O paradigma para essa perspectiva

foi a luta de YHWH contra as forccedilas do Egito em favor da libertaccedilatildeo do seu povo

A infidelidade de Israel agrave alianccedila fez com que YHWH se tornasse guerreiro contra

Israel revogando o ecircxodo e levando seu povo ao exiacutelio Isto eacute descrito por Isaiacuteas

como a ldquoobra insoacutelitardquo de YHWH (Is 2821) A uacuteltima fase dessa perspectiva no

Antigo Testamento eacute a esperanccedila escatoloacutegica de quando YHWH agiraacute como

guerreiro divino contra os inimigos de Israel Seraacute o dia da restauraccedilatildeo atraveacutes do

225 Diferente do que defende MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523 Lohfink citado por Maile argumenta que Paulo natildeo conhecia a estrutura lucana de ressurreiccedilatildeo quarenta dias e ascensatildeo 226 Caso se desconsidere Efeacutesios e Colossenses como cartas autecircnticas entatildeo temos duas ocorrecircncias expliacutecitas 227 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209

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triunfo contra todos aqueles que se levantaram contra o povo da alianccedila Eacute a partir

deste pano de fundo veterotestametaacuterio que Paulo vai compreender a exaltaccedilatildeo de

Jesus Cristo que teraacute assim uma orientaccedilatildeo tanto monoteiacutesta quanto escatoloacutegica

isto eacute a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute vista como a realizaccedilatildeo do triunfo de YHWH sobre

os inimigos cumprindo a esperanccedila judaica da intervenccedilatildeo divina no fim dos

tempos Eacute por isso que em Fl 29 o sujeito eacute explicitamente mencionado ao

contraacuterio da primeira parte 26-8 enfatizando que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o

cumprimento do plano escatoloacutegico de Deus

4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico

O que foi dito acima jaacute aponta para a importacircncia da escatologia para a

compreensatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus na teologia paulina A escatologia eacute uma das

estruturas fundamentais da teologia paulina228 Ela natildeo eacute apenas um ponto de

partida para a sua reflexatildeo teoloacutegica mas todas as linhas da sua argumentaccedilatildeo satildeo

influenciadas por essa base A escatologia paulina funciona de forma

bidimensional uma dimensatildeo temporal (presente e futuro) e uma dimensatildeo

espacial (terreno e celeste)229 Com efeito eacute a primeira dimensatildeo que predomina

Como muitos autores judeus do primeiro seacuteculo Paulo entendia que o

aparecimento do Messias significava a chegada do futuro tempo de salvaccedilatildeo De

forma mais especiacutefica ele entende que a ldquoressurreiccedilatildeo de Jesus eacute primordialmente

um acontecimento escatoloacutegicordquo230 que fez o futuro escatoloacutegico invadir o

presente Em consequecircncia a partir da ressurreiccedilatildeo o reino de Deus eacute posto em

accedilatildeo na histoacuteria humana os inimigos de YHWH satildeo derrotados e o cosmos eacute

colocado debaixo do senhorio de Jesus E nisso Paulo natildeo estaacute sozinho no

228 Eacute melhor utilizar o plural ldquoestruturasrdquo como H Ridderboss do que entrar na discussatildeo que natildeo alcanccedila nenhum consenso sobre qual seria a ldquoestruturardquo fundamental para o pensamento paulino Segundo Ridderboss essas estruturas seriam a revelaccedilatildeo do misteacuterio na plenitude do tempo a relaccedilatildeo entre escatologia e cristologia Cristo como o primogecircnito dos mortos e uacuteltimo Adatildeo ldquoestar em Cristordquo (o velho e o novo homem) a carne e o Espiacuterito Cristo como imagem de Deus Cristo como primogecircnito da criaccedilatildeo Cristo como exaltado RIDDERBOS H A teologia do

apoacutestolo Paulo p 47-99 229 KREITZER L Escatologia In DPC p 478-479 230 KREITZER L Escatologia In DPC p 464

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cristianismo primitivo Ele compartilha a determinaccedilatildeo escatoloacutegica de todo o

kerygma cristatildeo231

Quando se entende a ressurreiccedilatildeo de Jesus como parte da sua exaltaccedilatildeo e

se reconhece que em Fl 29 o verbo ὑπερύψωσεν pressupotildee a ressurreiccedilatildeo fica

muito claro todo o contexto escatoloacutegico que envolve a exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl

29-11232 Ainda mais quando se leva em consideraccedilatildeo a utilizaccedilatildeo do texto de

Isaiacuteas 4523 no versiacuteculo 10 visto ser esse um texto de forte acento escatoloacutegico

quando YHWH anuncia a realidade de um futuro tempo de salvaccedilatildeo O hino de Fl

26-11 estaacute afirmando que esse tempo chegou no momento em que Deus

ὑπερύψωσεν Jesus A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o cumprimento escatoloacutegico de Is 45

pois atraveacutes da confissatildeo de Jesus como κύριος eacute que vem o reconhecimento

escatoloacutegico universal de YHWH como criador233 Existe um fortiacutessimo

monoteiacutesmo escatoloacutegico expresso nas profecias do Decircutero-Isaiacuteas que anuncia

entre outras coisas um futuro ato de salvaccedilatildeo que resultaraacute em um

reconhecimento universal de YHWH como soberano234 Fl 29-11 estaacute mostrando

que esse ato de salvaccedilatildeo jaacute aconteceu (a encarnaccedilatildeo a morte e ressurreiccedilatildeo de

Jesus) e resultou em Deus exaltando Jesus para que ele seja reconhecido como

soberano universal O reconhecimento de Jesus como soberano eacute a aceitaccedilatildeo da

soberania de YHWH Portanto Fl 29-11 eacute ldquouma versatildeo cristoloacutegica da

escatologia monoteiacutesta do Deutero Isaiacuteasrdquo235 Esse raciociacutenio revela como o hino

constroacutei a sua cristologia sem recuar um palmo sequer do seu monoteiacutesmo

Atraveacutes da exaltaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel detectar em Fl 29-11 uma

dimensatildeo escatoloacutegica espacial Primeiro porque o senhorio de Jesus abrange

todas as partes do cosmos como se percebe na triacuteplice expressatildeo ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων Segundo porque do ponto de vista dos leitores da carta

231 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101 232 Entre outros GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 354 e MARTIN R P A

Hymn of Christ p 239 afirmam que o verbo ὑπερύψωσεν abrange tanto a ressurreiccedilatildeo quanto a ascensatildeo Para Martin um paralelo seria o texto de 1Pe 318-20 onde a expressatildeo ζῳοποιηθεὶς δὲ πνεύματι expressaria toda a realidade do ministeacuterio poacutes-ressurreiccedilatildeo de Jesus Em outra direccedilatildeo LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1912 afirma que no Novo Testamento a exaltaccedilatildeo natildeo foi identificada com a ressurreiccedilatildeo ainda que isso houvesse acontecido em tempos primitivos 233 GOPPELT L Teologia do Novo Testamento p 331-332 234 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 132-133 235 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 133 Segundo ele Isaiacuteas 40-66 foi fundamento escrituriacutestico para os primitivos cristatildeos compreenderem o significado dos eventos relacionados a Jesus e ao seu futuro Eacute uma influecircncia que perpassa todos os escritos do Novo Testamento Contudo ele chama atenccedilatildeo para o fato que eles natildeo liam as assim chamadas passagens-servo isoladas dos temas da salvaccedilatildeo escatoloacutegica e do monoteiacutesmo escatoloacutegico que dominam aqueles capiacutetulos

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(e talvez um dia daqueles que ouviram e cantaram o hino) os versiacuteculos 10-11

desafia os que estatildeo na Terra a reverenciar e confessar aquele que estaacute sentado

agora nos ceacuteus agrave direita do Pai (embora esta expressatildeo natildeo esteja presente aqui

faz parte da perspectiva paulina da exaltaccedilatildeo) E isso encaminha um terceiro

aspecto pois a comunidade de feacute eacute o espaccedilo no qual o Cristo exaltado reina

atraveacutes do Espiacuterito Santo236 A Igreja funciona como epicentro do reinado

coacutesmico de Jesus

Assim tanto em um acircngulo temporal quanto em uma dimensatildeo espacial

natildeo se pode subestimar a importacircncia da escatologia para a compreensatildeo do

conjunto de Fl 26-11 sobretudo na parte que trata da exaltaccedilatildeo A ausecircncia desta

perspectiva no tratamento exegeacutetico da passagem foi denunciada por Kaumlsemann

ao constatar que ldquotalvez seja a caracteriacutestica mais singular e mais surpreendente

da histoacuteria recente da exegese do nosso texto o fato de que a palavra chave

lsquoescatoloacutegicorsquo desapareccedila por traacutes dessas outras palavras chaves lsquoeacuteticorsquo e

lsquomiacuteticorsquordquo237 Se na exegese atual ldquomitordquo como palavra chave para entender o texto

natildeo goza da mesma popularidade que no passado o mesmo natildeo se pode dizer a

respeito da palavra chave ldquoeacuteticordquo

Destarte no pensamento paulino essa linha escatoloacutegica que se desenvolve

a partir do Antigo Testamento vai culminar em Cristo atraveacutes de quem Deus

triunfa sobre os seus inimigos Paulo vai descrever esse triunfo de Deus em Cristo

atraveacutes dos eventos da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus (o ponto de partida) e da

parusia (o ponto de culminacircncia) Nesse intervalo de tempo Cristo estaacute no ceacuteu

exercendo seu domiacutenio sobre seus adversaacuterios e guiando seu povo aqui na Terra

que continua lutando contra as forccedilas hostis ainda que gozando os benefiacutecios e as

vantagens da vitoacuteria de Cristo na cruz e na expectativa da consumaccedilatildeo na

parusia238 A exaltaccedilatildeo de Cristo efetua uma espeacutecie de troca de soberania no

universo um universo que ateacute entatildeo estava em confronto com poderes que

tentavam escravizaacute-lo239

236 VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 253 237 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101-102 Esta observaccedilatildeo eacute de certa forma irocircnica pois o proacuteprio Kaumlsemann entende que por traacutes do hino estaacute o mito do redentor coacutesmico e que esse pano de fundo mitoloacutegico eacute fundamental para o entendimento do hino e rejeitar o modelo de interpretaccedilatildeo eacutetico 238 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209 239 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119

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Esses poderes e autoridades que agora estatildeo subordinados ao Cristo

exaltado satildeo conforme Reid equivalentes agraves naccedilotildees inimigas de Israel240 Na

verdade o judaiacutesmo interpretava esses poderes espirituais ou democircnios como as

forccedilas atuantes por detraacutes das naccedilotildees inimigas e seus deuses Enquanto inimigos

de Israel esses poderes satildeo inimigos de YHWH e em consequecircncia tornam-se

inimigos de Cristo A crucificaccedilatildeo pode ser vista como o contiacutenuo ataque desses

poderes contra Israel a tentativa de destruir aquele que representava o povo da

alianccedila O aparente ecircxito deles na morte de Jesus significou no entanto sua

proacutepria derrota O seu ataque ao segundo Adatildeo obediente foi sua proacutepria derrota

ldquoCristo os levou apoacutes si no cortejo triunfal da cruz revelou a derrota deles e os

expocircs publicamenterdquo241

Assim na narrativa paulina a exaltaccedilatildeo natildeo eacute uma simples vindicaccedilatildeo do

justo sofredor o reconhecimento e aceitaccedilatildeo de Deus Pai da obediecircncia do seu

Filho e muito menos a recompensa por um sacrifiacutecio voluntaacuterio A cruz e a

exaltaccedilatildeo estatildeo no centro de um drama soterioloacutegico pois de acordo com o

substrato judaico com o qual Paulo trabalha natildeo existe salvaccedilatildeo sem o triunfo

escatoloacutegico de YHWH sobre os inimigos de Israel A cruz e a exaltaccedilatildeo natildeo satildeo

dois toacutepicos que se equivalem um ao lado do outro mas dois capiacutetulos de uma

mesma sequecircncia narrativa Essa metaacutefora faz perceber que a ldquomorte de cruzrdquo natildeo

eacute sozinha o cumprimento da esperanccedila escatoloacutegica israelita E em contrapartida

os inimigos que agora estatildeo subordinados ao Cristo exaltado soacute foram vencidos

porque ele era o Filho de Deus que natildeo apegou ao ser igual a Deus mas assumiu

a forma humana adotou a forma de servo e foi obediente ateacute a morte e morte de

cruz O Exaltado eacute o crucificado Para Paulo o acontecimento escatoloacutegico da

crucificaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo de Jesus foi a derrota destes poderes e a sua subordinaccedilatildeo

ao Cristo exaltado ldquoDesse modo o tema paulino da exaltaccedilatildeo e entronizaccedilatildeo de

Cristo simboliza o triunfo de Deus em Cristordquo242

240 REID D G Triunfo In DPC p 1209 241 REID D G Triunfo In DPC p 1211 242 Ibid p 1210

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434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia

A reflexatildeo anterior contribui para elucidaccedilatildeo do papel da exaltaccedilatildeo na

trama do texto de Fl 26-11 como um todo A questatildeo eacute dimensionar o valor exato

do verbo ὑπερυψόω no contexto Satildeo duas opccedilotildees A primeira acentua o valor

comparativo do verbo reconhecendo a forccedila da preposiccedilatildeo ὑπὲρ presente na

palavra Nesse caso a interpretaccedilatildeo resultante eacute que Cristo foi exaltado a uma

posiccedilatildeo superior a que ele tinha na sua preexistecircncia isto eacute Fl 29 vai aleacutem de Fl

26243 A segunda possibilidade eacute dar ao verbo um valor superlativo indicando

que Cristo estaacute exaltado acima de todos e na mais alta posiccedilatildeo Em favor desta

linha de interpretaccedilatildeo afirma-se antes de tudo que o verbo aqui eacute derivado da

LXX de Is 5213 que afirma que o servo de YHWH se ldquoelevaraacute seraacute exaltado

[ὑψωθήσεται] seraacute posto nas alturasrdquo Outro argumento eacute que os verbos

compostos com ὑπὲρ fazem parte do estilo caracteriacutestico de Paulo geralmente

com sentido superlativo Aleacutem disso o uso aqui teria mais a ver com o estilo do

autor do que com um significado superior ao uso do verbo simples (ὑψόω)244

Todavia ainda que a tradiccedilatildeo dos cacircnticos de servo tenha influenciado a

elaboraccedilatildeo do hino cristoloacutegico natildeo haacute como provar que justo o texto de Is 5213

esteja por traacutes de Fl 29 Ademais o verbo que Paulo usa eacute diferente do utilizado

pela LXX em Is 5213 De fato seria de se esperar que Paulo usasse o verbo mais

comum ὑψόω pois aleacutem de prover um paralelo perfeito com o texto de Isaiacuteas jaacute

era utilizado no cristianismo primitivo para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus245 Ele

contudo escolheu ὑπερυψόω246 Quanto agrave preferecircncia paulina por verbos

compostos eacute difiacutecil de imaginar que em uma passagem com palavras tatildeo

selecionadas formando um delicado e criativo equiliacutebrio teoloacutegico Paulo

escolhesse descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus com um termo que nunca usou em outro

lugar apenas por uma questatildeo de ldquoestilo literaacuteriordquo E quanto agrave comparaccedilatildeo com os 243 Enquanto proposta foi adotada na claacutessica exegese da passagem feita por E Lohmeyer 244 Entre os que adotam a posiccedilatildeo superlativa estatildeo OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 235-236 245 Assim em At 233 e 531 textos reconhecidos como tradiccedilotildees primitivas utilizadas por Lucas tradiccedilotildees que Paulo deve ter conhecido ὑψόω tambeacutem eacute utilizado pelo quarto evangelho para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus (314 828 e 1232) mas o texto eacute posterior a Paulo 246 Como nota MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 83 ldquonatildeo obstante tenha havido um texto como inspiraccedilatildeo [do hino] a terminologia e o estilo satildeo uma construccedilatildeo nova Por outro lado eacute difiacutecil sustentar a tese de CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 305 para quem a mudanccedila do verbo foi porque Paulo queria estender a exaltaccedilatildeo de Jesus para aleacutem da humanidade a fim de incluir o seu senhorio sobre as potestades

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outros compostos verbais que fazem uso da mesma preposiccedilatildeo ela eacute instrutiva

mas natildeo determinante247 Nada impede que Paulo que estaacute usando um hapax

legomena utilize este composto verbal de uma forma especiacutefica por conta do seu

contexto248 Dessa forma o fato exegeacutetico eacute que o verbo ὑπερυψόω eacute usado no

corpus paulino e no Novo Testamento de maneira exclusiva dentro da passagem

de Fl 26-11 e este contexto literaacuterio deve ser o privilegiado para explicaacute-la

Assim sendo partindo do pressuposto que Paulo tinha um outro verbo a

sua disposiccedilatildeo (ὑψόω) mesmo que natildeo se deva exagerar o valor do composto

verbal natildeo eacute boa exegese subestimar que foi exatamente este o termo que Paulo

escolheu Como observa Cullmann ldquoNotamos que este ὑπερύψωσεν natildeo eacute uma

mera figura de retoacuterica mas que o prefixo ὑπερ lsquosobrersquo tem de ser tomado em

seu pleno sentidordquo249 Em outras palavras o verbo ὑπερυψόω vai aleacutem do que o

simples ὑψόω250 Por conseguinte eacute bastante plausiacutevel compreender a passagem

como um todo e o versiacuteculo 9 em particular concedendo um valor comparativo e

assim especiacutefico ao verbo ὑπερυψόω251

Em primeiro lugar a interpretaccedilatildeo natural de Fl 29 eacute que Jesus recebe um

nome que natildeo tinha anteriormente Conforme seraacute aprofundado a seguir esse

novo nome indica um novo ofiacutecio uma nova funccedilatildeo do Filho de Deus diante do

cosmos Uma outra consideraccedilatildeo eacute que o grande argumento em favor da

interpretaccedilatildeo superlativa eacute dogmaacutetico natildeo exegeacutetico pois diz respeito agrave

impossibilidade de se ir aleacutem da ldquoigualdade com Deusrdquo pressuposta em Fl 26252

247 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 and the Exaltation of the Lord p 118 afirma que Paulo aprecia muito as construccedilotildees com ὑπερ mas essas comparaccedilotildees satildeo uma base insuficiente para afastar o sentido comparativo do verbo 248 Por exemplo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 290 argumenta que ldquona grande maioria dos casosrdquo em que Paulo usa verbos compostos com a preposiccedilatildeo ὑπὲρ natildeo indica uma posiccedilatildeo superior agrave anterior Ora eacute possiacutevel extrair uma conclusatildeo segura apenas pela combinaccedilatildeo da mesma preposiccedilatildeo com outros verbos completamente diferentes que ainda assim soacute possuem essa utilizaccedilatildeo ldquona grande maioria dos casosrdquo 249 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 285 250 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 236 Ele por sua vez toma essa informaccedilatildeo de J Heacutering 251 Segundo SILVA Moiseacutes Philippians p 115 a etimologia da forma verbal aponta para um sentido comparativo 252 Por conta disso o tratamento que a cristologia dogmaacutetica da Igreja Antiga dava a passagem sempre fazia do versiacuteculo 6 o centro do hino KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 94

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Soacute que a exaltaccedilatildeo natildeo quer dizer uma mudanccedila de οὐσία mas de funccedilatildeo253 Paulo

natildeo estaacute seguindo uma agenda de discussatildeo ontoloacutegica mas desenvolve uma

narrativa cristoloacutegica para descrever um evento soterioloacutegico e escatoloacutegico que

acarreta implicaccedilotildees eclesioloacutegicas tendo em vista o contexto pareneacutetico de 127-

217254 Como destaca Bockmuehl ldquoEnquanto natildeo haacute nenhuma sugestatildeo de uma

mudanccedila do ser existe apesar de tudo uma mudanccedila de nome e de funccedilatildeordquo

(grifos dele)255 O paralelo neotestamentaacuterio seria Mt 2818 onde apenas apoacutes a

ressurreiccedilatildeo Jesus recebe toda autoridade sobre o ceacuteu e sobre a Terra256

Deve-se ainda notar que a interpretaccedilatildeo do hino de forma linear (e natildeo

ciacuteclica) a partir de um pano de fundo histoacuterico-salviacutefico deixa claro que a ecircnfase

da narrativa estaacute na virada escatoloacutegica que ocorre a partir do 29 O hino caminha

para exaltaccedilatildeo e tem seu cliacutemax nela Eacute muito difiacutecil sustentar exegeticamente que

tudo o que eacute descrito em 29-11 jaacute estava presente nas expressotildees ἐν μορφῇ θεοῦ

τὸ εἶναι ἴσα θεῷ De fato ldquono iniacutecio ele era ἐν μορφῇ θεοῦ mas natildeo era

253 SILVA Moiseacutes Philippians p 115 considera afirmaccedilatildeo de que a exaltaccedilatildeo levou o Filho de Deus a um estaacutegio superior ao que ele tinha na preexistecircncia estranha ao texto Seria de fato estranho se o conjunto de Fl 26-11 natildeo mencionasse qualquer tipo de preexistecircncia No entanto preexistecircncia e exaltaccedilatildeo fazem parte do mesmo conjunto literaacuterio Natildeo tentar relacionaacute-las eacute que eacute estranho Como observa CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p236 ldquoSe Jesus era jaacute em sua preexistecircncia a imagem de Deus ndash eacute com efeito do v 6 que eacute preciso partir [] ndash e se agora se diz que Deus fez mais do que elevaacute-lo natildeo significa isto que depois de sua morte Jesus natildeo voltou tatildeo somente agrave existecircncia que tinha antes de sua encarnaccedilatildeo [] mas que em virtude de uma nova funccedilatildeo entrou em relaccedilatildeo ainda mais estreita com Deus relaccedilatildeo que lhe confere o tiacutetulo Kyrios com plena soberania sobre o universo inteirordquo (grifos dele) 254 O ponto eacute bem observado por HELLERMANN J H Philippians p 105-106 Entretanto parece que ele vai longe demais ao afirmar que o interesse de Paulo no hino seria apenas socioloacutegico O hino possui implicaccedilotildees socioloacutegicas mas esse natildeo eacute o seu objetivo principal 255 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 144 Na mesma paacutegina ele ainda faz a ousada afirmaccedilatildeo que ldquoA humilhaccedilatildeo e o triunfo da encarnaccedilatildeo em outras palavras fez uma diferenccedila identificaacutevel mesmo dentro da divindaderdquo 256 Este paraacutegrafo eacute importante para afastar qualquer relaccedilatildeo entre a exegese proposta e algum tipo de arianismo De acordo com BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico

de la epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 464 os arianos tomavam os versiacuteculos 9-11 como prova de que antes da exaltaccedilatildeo Cristo natildeo era Deus como o Pai Poreacutem como observado acima natildeo estaacute se discutindo aqui a divindade do Filho de Deus que deve ser considerada completa e sem alteraccedilotildees ao longo de toda a passagem do versiacuteculo 26 a 211 Destarte CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 114-115 ao mesmo tempo que afirma que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute estaacutegio acima do que ele possuiacutea na sua preexistecircncia vai ao extremo quando defende que em nenhum momento do hino Jesus eacute considerado inteiramente divino

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κύριοςrdquo257 Haacute uma progressatildeo natildeo apenas um retorno ldquoO novo status de Jesus

Cristo eacute mais do que uma mera volta para a preexistente igualdade com Deusrdquo258

Outro ponto diz respeito agrave tese que a exaltaccedilatildeo eacute uma simples volta ao

estaacutegio da preexistecircncia ou que a exaltaccedilatildeo eacute relativa ao Jesus encarnado

apenas259 Afirmaccedilotildees como esta deixam de perceber o peso e o significado do

tiacutetulo κύριος dado a Jesus a partir da exaltaccedilatildeo segundo o contexto do proacuteprio

hino260 Na verdade na perspectiva escatoloacutegica de Paulo a exaltaccedilatildeo de Jesus

corresponde agrave intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria de modo que um novo eacuteon chegou

o novo e definitivo eacuteon e ao contraacuterio do antigo esse eacute caracterizado pela

soberania de Jesus e pela necessidade de se reverenciaacute-lo como Senhor do

universo Diversos textos no corpus paulino tanto das cartas autecircnticas quanto

daquelas consideradas posteriores satildeo unacircnimes em afirmar que foi agora a partir

da exaltaccedilatildeo que os poderes desse mundo aqueles que dominavam no antigo eacuteon

estatildeo todos subordinados a Jesus (cf Ef 121-22 Cl 215 1Co 1524-25)

257 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 29-30 Em sentido oposto FOWL S E Philippians p 104 entende que esse tipo de intepretaccedilatildeo sugere que alguma coisa estava ausente na divindade de Cristo pressuposta no versiacuteculo 6 o que seria na sua visatildeo impossiacutevel do ponto de vista teoloacutegico A questatildeo entretanto eacute o que determina a interpretaccedilatildeo da passagem ela mesma ou algum sistema teoloacutegico Ele observa ldquoSimplesmente tratar esta passagem como uma narrativa direta na qual um evento cria as condiccedilotildees para o proacuteximo evento levantaria seacuterias questotildees sobre a loacutegica teoloacutegica da passagem que devem no miacutenimo ser notadasrdquo O ponto eacute aleacutem de notar essas questotildees respondecirc-las de forma coerente com o texto e como ele mesmo reconhece quando se daacute atenccedilatildeo apenas ao fluxo narrativo da passagem eacute difiacutecil fugir da ideia que Cristo recebeu algo que natildeo tinha anteriormente 258 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 grifos dele Na mesma linha BARTH G A carta aos Filipenses p 47 ldquoesta exaltaccedilatildeo natildeo significa apenas a restauraccedilatildeo do seu estado anterior em subsistecircncia divina mas que ela lhe concede mais do que possuiacutea anteriormenterdquo 259 FOWL S E Philippians p 104 informa que Tomaacutes de Aquino enfrentando a questatildeo teoloacutegica de uma possiacutevel mudanccedila em Cristo nos versiacuteculos 9-11 aponta duas possiacuteveis soluccedilotildees A primeira adotada por Ambroacutesio propotildee que a exaltaccedilatildeo corresponde agrave divinizaccedilatildeo da natureza humana de Jesus A segunda que remonta a Agostinho defende que a exaltaccedilatildeo eacute apenas a manifestaccedilatildeo agrave criaccedilatildeo daquilo era verdade desde a eternidade Ocorre tatildeo soacute uma mudanccedila na revelaccedilatildeo Segundo Fowl Aquino considera as duas explicaccedilotildees plausiacuteveis para o texto Em tempos mais recentes HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 486 estaacute entre os que seguem a primeira soluccedilatildeo enquanto HELLERMAN J H Philippians p 120-121 se aproxima da segunda quando a partir de categorias socioloacutegicas afirma que na exaltaccedilatildeo Jesus natildeo recebeu um novo nome mas sim uma aclamaccedilatildeo puacuteblica da sua reputaccedilatildeo Contudo a primeira soluccedilatildeo de Aquino deve ser rejeitada porque o autor do texto natildeo desenvolveu sua argumentaccedilatildeo seguindo a categoria ldquoduas naturezasrdquo que conquanto seja uma categoria teoloacutegica legiacutetima eacute anacrocircnica ao texto O sentido do fluxo narrativo eacute que o evento do versiacuteculo 9 estaacute relacionado ao mesmo personagem que eacute sujeito no versiacuteculo 6 Dizer que no versiacuteculo 6 trata-se da natureza divina e no versiacuteculo 9 da natureza humana natildeo eacute razoaacutevel exegeticamente Tampouco a segunda soluccedilatildeo de Aquino eacute uma saiacuteda melhor porque ela desloca o fenocircmeno da exaltaccedilatildeo de Jesus para o mundo Eacute o mundo que muda possuindo uma nova visatildeo sobre Deus Embora isso de fato tenha ocorrido eacute uma consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus e natildeo a exaltaccedilatildeo em si 260 Conforme OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 ldquoEm seu estado exaltado Jesus tem uma nova posiccedilatildeo que envolve o exerciacutecio do senhorio universalrdquo

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Uma quinta observaccedilatildeo envolve a percepccedilatildeo que em geral a opccedilatildeo pelo

verbo como superlativo eacute muito comum nas explicaccedilotildees da passagem de cunho

eacutetico onde o objetivo de Fl 26-11 seria natildeo mais que a apresentaccedilatildeo aos cristatildeos

de um modelo de vida baseado nas atitudes de Jesus261 E para estabelecer um

paralelo entre a exaltaccedilatildeo de Jesus e a futura exaltaccedilatildeo dos cristatildeos natildeo seria

interessante entender a primeira em termos de uma nova missatildeo um novo ofiacutecio

(como defende este trabalho) Seria melhor (segundo os proponentes da

interpretaccedilatildeo eacutetica) compreender a exaltaccedilatildeo apenas como a justificaccedilatildeo de Jesus

o reconhecimento da humilhaccedilatildeo dele por Deus O complicado eacute que isso daacute aos

versiacuteculos 9-11 um valor completamente relativo diante de 6-8 Veja por

exemplo a afirmaccedilatildeo de Fee ldquoCom esta nota de exaltaccedilatildeo Paulo tanto afirma a

correccedilatildeo do paradigma ao qual ele chamou os filipenses e manteacutem ante os seus

olhos a vindicaccedilatildeo que aguarda aqueles que estatildeo em Cristordquo262 Nesse modo de

ver os versiacuteculos 9-11 servem apenas para confirmar o valor de 6-8 o verdadeiro

centro da passagem

Por sua vez a aplicaccedilatildeo do modelo interpretativo paradigmaacutetico na

segunda parte do hino reduz a exaltaccedilatildeo de Jesus a um modelo para os cristatildeos se

Deus exaltou Jesus porque ele renunciou aos seus interesses e foi obediente da

mesma forma exaltaraacute todo aquele que abrir matildeo do seu interesse em favor da

missatildeo de Deus para sua vida263 O detalhe eacute que na perspectiva paulina a

exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute um modelo do tipo Deus fez uma vez vai fazer de

novo A exaltaccedilatildeo de Jesus fundamenta a esperanccedila cristatilde porque ela inaugurou

um novo tempo escatoloacutegico pondo em operaccedilatildeo uma nova criaccedilatildeo (ldquoSe algueacutem

estaacute em Cristo eacute nova criatura Passaram-se as coisas antigas eis que se fez

261 Cf o capiacutetulo anterior 262 FEE G D Pauline Christology p 393 Tambeacutem em FEE G D Comentario de la Epiacutestola

a los Filipenses p 262 ldquoO contexto deixa claro que os vs 6-8 funcionam principalmente como um paradigmardquo Jaacute BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141-142 segue a mesma direccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus como vindicaccedilatildeo da parte de Deus mas acrescenta que isso seria uma necessidade para que Deus manifeste a sua justiccedila Por conseguinte caso se considere o texto como um credo em uma prosa exaltada como sugere Fee rejeitando qualquer relaccedilatildeo do texto com o gecircnero hino isso natildeo alteraria a avaliaccedilatildeo exposta acima posto que os credos satildeo afirmaccedilotildees concisas das verdades centrais da feacute com acento especial na cristologia e soteriologia (e natildeo na eacutetica ou parecircnese) 263 Eacute o que pensa FOWL S Christology and Ethics in Philippians 25-11 p 147 quando diz que se os filipenses estiverem unidos colocando em praacutetica as virtudes listadas em Fl 22-4 mesmo diante de perseguiccedilotildees ldquoentatildeo Deus iraacute salvaacute-los da mesma forma que salvou o Cristo obediente humilhado e sofredor em 26-11rdquo

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realidade novardquo 2Co 517)264 Se Deus exaltou Jesus em Fl 29 a mensagem

paulina natildeo eacute ser exaltado como ele mas exaltado por ele (Fl 321) A partir da

exaltaccedilatildeo Jesus eacute o agente escatoloacutegico que cumpriraacute a esperanccedila cristatilde265 O

conjunto inteiro de Fl 26-11 descreve o evento escatoloacutegico da encarnaccedilatildeo morte

e exaltaccedilatildeo do Filho de Deus e esse evento singular traz o indiviacuteduo crente para o

domiacutenio de Cristo Esse eacute o significado exato do estar ldquoἐν Χριστῷrdquo (25) domiacutenio

no qual se entra atraveacutes da confissatildeo na ressurreiccedilatildeo de Jesus (Rm 109)266 e pelo

sacramento do batismo que estabelece uma uniatildeo entre o fiel e o Jesus ressurreto

(Rm 63-11) a ponto de aquele jaacute experimentar no presente os efeitos

escatoloacutegicos da ressurreiccedilatildeo deste E eacute a experiecircncia desse poder quando se estaacute

em Cristo que capacita o fiel agrave resposta eacutetica necessaacuteria ao evangelho e natildeo a

tentativa de imitar Jesus267

A esperanccedila cristatilde natildeo eacute vencer a morte como ele venceu mas vencer

porque ele venceu porque eacute a ressurreiccedilatildeo dele que torna possiacutevel a ressurreiccedilatildeo

dos mortos no futuro (ldquoCom efeito visto que a morte veio por um homem

tambeacutem por um homem vem a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo 1Co 1521) Enquanto

Senhor do cosmos ele tem a ldquoforccedila que lhe daacute poder de submeter a si todas as

coisasrdquo e por esse motivo os cristatildeos podem esperar que ele transfiguraraacute o seu

corpo humilhado (Fl 321) ldquoFazer viver os mortos eacute direito escatoloacutegico

exclusivo de Deusrdquo comenta Becker ldquocontudo em Fl 321 Cristo tem o poder de

transfigurar os homens mortaisrdquo268 porque a partir da exaltaccedilatildeo Deus o agraciou

com essa autoridade

Dessa forma natildeo basta ao indiviacuteduo fazer como Jesus fez (se que eacute

possiacutevel) mas submeter-se a ele como Senhor Por isso o hino culmina na

exaltaccedilatildeo celebra Jesus como Senhor e desafia os leitores agrave submissatildeo e

obediecircncia a ele Tudo agora depende de ser ou natildeo ser obediente a Jesus o

κύριος269 O tema da obediecircncia vai ser explicitamente usado por Paulo no

264 ὥστε εἴ τις ἐν Χριστῷ καινὴ κτίσιςmiddot τὰ ἀρχαῖα παρῆλθεν ἰδοὺ γέγονεν καινά Notar que o verbo γίνομαι estaacute no indicativo perfeito talvez para indicar a continuidade dos efeitos dessa nova realidade escatoloacutegica no presente 265 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 157 266 Texto que inclusive associa a confissatildeo de Jesus como Senhor agrave ressurreiccedilatildeo ldquoPorque se confessares com tua boca que Jesus eacute Senhor [κύριον Ἰησοῦν] e creres em teu coraccedilatildeo que Deus o ressuscitou dentre os mortos seraacutes salvordquo 267 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 160 268 BECKER J Apoacutestolo Paulo vida obra e teologia p 563 269 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 65

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contexto imediato em Fl 212 atraveacutes do verbo ὑπακούω quando ele retoma a

parecircnese extraindo do hino implicaccedilotildees para a igreja O caminho para essa

obediecircncia eacute pontuado por Morgan ldquoNoacutes nos tornamos obedientes natildeo pela

imitaccedilatildeo de um modelo mas atraveacutes de uma palavra que nos diz que pertencemos

a elerdquo270

A uacuteltima consideraccedilatildeo em favor deste sentido comparativo de ὑπερύψωσεν

eacute que ele pode fechar com a interpretaccedilatildeo do tipo res rapienda de Fl 26 a saber

quando a expressatildeo οὐχ ἁρπαγμὸν eacute interpretada indicando que o Filho de Deus

embora existindo ἐν μορφῇ θεοῦ ainda natildeo possuiacutea o governo soberano sobre

todo o universo (significado no contexto da expressatildeo τὸ εἶναι ἴσα θεῷ) e natildeo

buscou consegui-lo de forma independente alheio agrave vontade do Pai271 Aliaacutes o

hino nem mesmo sugere que o Filho de Deus almejasse por isso pois senatildeo

chegariacuteamos agrave conclusatildeo de que a obediecircncia e humilhaccedilatildeo do Filho de Deus

foram um meio para um fim um caminho para se chegar na soberania Se o

cliacutemax do hino realmente eacute a exaltaccedilatildeo entatildeo ele natildeo tem como objetivo justificar

porque Jesus foi exaltado mas mostrar para os leitores quem eacute o verdadeiro

Senhor de todo o cosmos272 ou ainda mais especificamente responder ldquocomo eacute

possiacutevel confessar o senhorio de algueacutem que viveu e morreu como um homem

qualquer e chamar de Senhor algueacutem que na sua vida se configurou a um

escravordquo273 A resposta de Fl 26-11 eacute que ele natildeo era um homem qualquer mas

tinha a imagem de Deus e foi ateacute a cruz em submissatildeo a Deus E natildeo foi ele quem

270 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 67 271 Assim MARTIN R P A Hymn of a Christ p 148-153 Tambeacutem CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 233-234 que enxerga todo o hino de Fl 26-11 como uma antiacutetese entre Jesus e Adatildeo Este desejou a igualdade com Deus e abriu matildeo da obediecircncia a Deus para buscaacute-la Em sentido totalmente oposto o Filho de Deus aleacutem de natildeo desejar ser igual a Deus (que Cullmann interpreta natildeo em termos de divindade mas de soberania sobre o universo) submeteu-se com humildade e obediecircncia a Deus Na mesma linha COLLINS A Y Psalms

Philippians 26-11 and the Origins of Christology p336 que opta pela interpretaccedilatildeo res

rapienda e ainda declara ldquoO enredo da passagem requer que o estado final de Jesus seja maior que o estado inicialrdquo Por sua vez GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 351 avalia essa interpretaccedilatildeo como ldquorazoaacutevelrdquo Ele afirma ldquoO hino certamente sugere alguma forma na qual a exaltaccedilatildeo ia aleacutem do estado preexistenterdquo Natildeo obstante o proacuteprio R P Martin entende que a sua interpretaccedilatildeo seria uma variaccedilatildeo entre as claacutessicas posiccedilotildees res rapta (Cristo jaacute possuiacutea a igualdade com Deus na preexistecircncia e natildeo se apegou a isso e a exaltaccedilatildeo natildeo muda nada em relaccedilatildeo a isso) e res rapienda (Cristo natildeo possuiacutea a igualdade com Deus inclusive a divindade que seriam recebidas na exaltaccedilatildeo) WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 62-81 faz uma extensa avaliaccedilatildeo das interpretaccedilotildees do termo ἁρπαγμός na literatura especializada e identifica 17 possibilidades diferentes Na avaliaccedilatildeo dele a exegese de Cullmann e Martin deve ser classificada como res rapienda 272 Conforme VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 268 mostra que o tema do hino eacute a afirmaccedilatildeo de que o Senhor do mundo eacute o crucificado 273 BARBAGLIO G As cartas de Paulo II p 378

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se exaltou mas o proacuteprio Deus o colocou na posiccedilatildeo mais elevada do universo

compartilhando sua soberania com ele Ou seja o κύριος que Deus exaltou natildeo

satildeo os imperadores de Roma nem as divindades orientais O κύριος exaltado pelo

uacutenico Deus de Israel eacute aquele que natildeo buscou a exaltaccedilatildeo se esvaziou e assumiu a

forma de servo e foi obediente a Deus ateacute a morte de cruz O κύριος eacute aquele que

agora eacute soberano sobre todo o universo acima de todos os poderes visiacuteveis e

invisiacuteveis Este κύριος deve ser confessado e reverenciado por todos sem

exceccedilatildeo E o reconhecimento de que esse κύριος eacute Jesus Cristo glorifica Deus Pai

o Deus uacutenico de Israel

Portanto ainda que natildeo seja impossiacutevel tomar o verbo ὑπερύψωσεν em

uma dimensatildeo superlativa parece que faz mais jus ao texto como um todo e ao

papel desempenhado pela exaltaccedilatildeo de Jesus no conjunto a dimensatildeo

comparativa

435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo

O Jesus exaltado apresentado em Fl 26-11 eacute diametralmente oposto agraves

figuras consideradas exaltadas no ambiente soacutecio-poliacutetico da eacutepoca paulina O

anuacutencio da exaltaccedilatildeo de Jesus eacute contra cultural quase subversivo tanto no que diz

respeito ao seu status atual como κύριος como no que se refere ao caminho que

ele trilhou ateacute chegar a esse status de exaltaccedilatildeo Porque ao contraacuterio das

autoridades que chegavam ao poder atraveacutes da violecircncia e do roubo o Filho de

Deus nem sequer desejou o poder274 Ao inveacutes da apoteose ocorreu a kenosis275

Ele optou pela obediecircncia agir como servo humilhou-se e morreu recebendo a

pena romana da crucificaccedilatildeo276

Eacute uma mensagem que causaria impacto em qualquer canto do impeacuterio

romano onde ecoasse a ideologia do cursus honorum Este pensamento levava os

cidadatildeos romanos na capital e em toda extensatildeo do impeacuterio a lutar entre si por

tiacutetulos cargos homenagens e outras situaccedilotildees que acarretassem prestiacutegio e

274 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 475 275 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 143 276 WRIGHT N T Paulo novas perspectivas p 89 ldquoo supliacutecio da cruz veio a se tornar um siacutembolo eficaz e temido nas matildeos do poder imperial bem antes de vir a se tornar o siacutembolo de qualquer outra coisardquo

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reconhecimento que tempos depois eram listadas de forma ascendente e

colocadas em inscriccedilotildees puacuteblicas277 Esse coacutedigo cultural era muito importante

para a cidade de Filipos enquanto colocircnia romana que tanto se orgulhava da sua

ligaccedilatildeo com o impeacuterio exibindo sua influecircncia por toda parte Para esse cenaacuterio

sociocultural Fl 26-11 funciona como uma mensagem contra cultural

descrevendo o caminho de Jesus como cursus pudorum onde ele abriu matildeo da

sua alta posiccedilatildeo de honra prestiacutegio e gloacuteria e desceu para servir aos outros

chegando ao mais baixo patamar da condiccedilatildeo humana da eacutepoca a morte de

cruz278 A mensagem cristatilde proclamava um Senhor acima de todos os senhores

que natildeo chegou a esse status pelo cursus honorum romano mas que seguiu pelo

cursus pudorum

Soacute que o texto natildeo termina afirmando que o humilhado foi simplesmente

exaltado O texto vai adiante para mostrar que o exaltado recebeu o nome sobre

todo nome o proacuteprio tiacutetulo κύριος e agora eacute o uacutenico que deve ser reverenciado e

confessado (Fl 210-11) por todos os seres do universo O imperador romano era

considerado Senhor do impeacuterio e no culto ao imperador a figura dele

representava a unidade do impeacuterio Fl 29-11 apresenta Jesus como Senhor do

universo e a unidade do universo nele eacute celebrada no culto cristatildeo279 Tudo isso

aponta para a clara dimensatildeo poliacutetica da exaltaccedilatildeo de Cristo280 que como

realidade escatoloacutegica traz seacuterias implicaccedilotildees para a vida dos cidadatildeos de Filipos

que estatildeo debaixo do poder de Roma281 A partir de entatildeo eacute impossiacutevel para os

cristatildeos reconhecerem a reivindicaccedilatildeo de domiacutenio do imperador ou de qualquer

outro Com a exaltaccedilatildeo de Jesus eles estatildeo debaixo de um novo Senhor de um

277 HELLERMAN J H Philippians p 106 278 Idem Enquanto cursus honorum significa um caminho de honras cursus pudorum quer dizer um caminho de vergonha de humilhaccedilotildees 279 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the

Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 282 280 O proacuteprio formato da passagem como reconhecido de forma ampla segue a estrutura dos cerimoniais de entronizaccedilatildeo do rei pode intencionar um contraste com os governantes contemporacircneos que foram entronizados E pelo acircngulo da retoacuterica grega chega-se a mesma impressatildeo pois como nota MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive

Hymnos a Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 130 em geral esse toacutepico era utilizado em referecircncia a deificaccedilatildeo poacutes-morte do imperador Daiacute em Fl 26-11 este toacutepico funciona como uma aguda retoacuterica apontada contra Roma Tambeacutem nessa perspectiva KRENTZ E Paulo os jogos e a miliacutecia p 325 cita R R Brewer segundo o qual Paulo teria formulado Fl 29-11 com a intenccedilatildeo de fazer oposiccedilatildeo ao culto ao imperador Nero 281 FOWL S E Philippians p 105 ldquoEsses versos assentam o fundamento para a contra-poliacutetica que Paulo deseja que os filipenses incorporem em sua vida comumrdquo

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novo domiacutenio282 e possuem uma nova cidadania o que o apoacutestolo expressa

atraveacutes do verbo πολιτεύομαι em Fl 127283 Atraveacutes da afirmaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de

Cristo ldquoPaulo introduz uma autoridade nova e insuperaacutevel do tempo

escatoloacutegicordquo284

44 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a doaccedilatildeo de um novo nome

441 O verbo χαρίζομαι

Como apontado no iniacutecio deste capiacutetulo o verbo ἐχαρίσατο estaacute nessa

frase em paralelo com o verbo anterior ὑπερύψωσεν ldquoamplificando seu

significado e indicando sua naturezardquo285 No Novo Testamento χαρίζομαι

significa uma doaccedilatildeo feita de forma livre graciosa como um favor feito a

algueacutem286 Em Fl 29 naturalmente o favor eacute feito por Deus Eacute curioso que fora do

Novo Testamento χαρίζομαι natildeo ocorre tendo Deus como sujeito antes do seacuteculo

II dC A partir de entatildeo passa a ser usado no sentido de ldquodar graciosamenterdquo que

eacute o sentido predominante na LXX a provaacutevel fonte de influecircncia

neotestamentaacuteria287

282 FOWL S E Philippians p 105 283 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the

Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 269-287 propotildee fazer uma leitura da passagem toda de Fl 26-11 privilegiando a funccedilatildeo social que ela desempenharia na comunidade cristatilde primitiva Desse modo o humilhado que eacute exaltado representaria o iniacutecio da transformaccedilatildeo do cristianismo de uma subcultura dentro do judaiacutesmo para uma comunidade religiosa independente com poder e autoridade legiacutetimos 284 SCHNELLE UDO Teologia do Novo Testamento p 285-286 Este autor prefere falar de uma dimensatildeo poliacutetica da teologia paulina ao inveacutes de uma teologia anti-imperial de Paulo como se o apoacutestolo de forma expliacutecita ou velada estivesse articulando uma criacutetica a Roma Ele avalia que esta uacuteltima interpretaccedilatildeo tem sido importante na literatura teoloacutegica anglo-americana Em contrapartida FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical

Scholarship p 202 salienta que a passagem em anaacutelise ldquoteria funcionado como uma forma puacuteblica de resistecircncia contra o culto imperialrdquo se tivesse sido utilizada repetidamente como hino na comunidade 285 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 237 286 BAGD p 876-877 O verbo eacute muito importante para Paulo como indica a estatiacutestica Satildeo 23 ocorrecircncias no Novo Testamento sendo 11 nas cartas paulinas a saber Rm 832 1Co 212 2Co 27 2Co 210 (3x) 2Co 1213 Gl 318 Ef 432 (2x) Fl 129 e 29 Cl 213 e 313 (2x) Fm 122 287 ESSER H H χάρις In DITNT v I p907-915

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No contexto de Fl 29-11 o verbo χαρίζομαι acentua que a exaltaccedilatildeo natildeo

foi a conquista do heroacutei Jesus Cristo Muito pelo contraacuterio o verbo sugere que a

exaltaccedilatildeo de Jesus foi uma ldquodaacutediva da graccedilardquo288 e que embora Jesus merecesse

Deus natildeo o exaltou como se fosse obrigado ou constrangido a isso por uma lei

moral coacutesmica nem mesmo pela accedilatildeo de Jesus descrita nos versiacuteculos 6-8289 A

exaltaccedilatildeo de Jesus foi um ato livre da graccedila de Deus290 Trazendo isso para um

contexto trinitaacuterio o relacionamento que o conjunto de Fl 26-11 supotildee entre

Cristo e Deus Pai natildeo eacute do tipo em que ldquoobediecircncia eacute oferecida em troca de

exaltaccedilatildeordquo291 Eacute muito mais um relacionamento de dom e doaccedilatildeo que fluem de

uma superabundacircncia de amor292

442 O nome dado a Jesus

No pequeno segmento τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα duas vezes o

substantivo ὄνομα eacute utilizado sendo que na primeira ele eacute acompanhado do

artigo293 indicando que o nome recebido eacute especiacutefico e especial (natildeo eacute ldquoum

nomerdquo mas ldquoo nomerdquo) e na segunda vez eacute antecedido pelo adjetivo πᾶν

indicando que ldquoo nomerdquo estaacute acima de todos os nomes existentes em um paralelo

com Ef 120-21 Jaacute a preposiccedilatildeo ὑπὲρ estaacute conectada a um duplo acusativo Nesse

caso ela significa ldquosobrerdquo ldquoaleacutemrdquo ldquomais querdquo294 expressando uma

intensificaccedilatildeo um conceito superlativo295 Ou seja Fl 29 estaacute afirmando que o

nome dado a Jesus eacute o mais exaltado mais glorioso que qualquer outro nome do

universo O artigo que antecede a preposiccedilatildeo funciona aqui como pronome

288 MARTIN R P Filipenses p 114 289 FOWL S E Philippians p 101 290 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 113 reconhece que Jesus tinha meacuteritos isto eacute a obediecircncia a humildade o aceitar a missatildeo do Pai mas ldquonatildeo se pode vincular a exaltaccedilatildeo a algum meacuterito especiacuteficordquo 291 FOWL S E Philippians p 101 Como observa OrsquoBrien P T The Epistle to the

Philippians p 234 se Cristo tivesse se humilhado mirando algum tipo de exaltaccedilatildeo isso natildeo seria uma verdadeira e sincera renuacutencia e sim uma forma de procurar o seu proacuteprio interesse 292 Idem 293 Alguns manuscritos omitem o artigo Conferir a discussatildeo sobre a criacutetica textual do texto na introduccedilatildeo 294 BAGD p 839 295 PATSCH H ὑπὲρ In DENT v II p 1874 Segundo ele o mesmo acontece em Ef 122

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relativo296 ligando o objeto direto τὸ ὄνομα agrave oraccedilatildeo preposicional ὑπὲρ πᾶν

ὄνομα o nome o qual eacute sobre todo nome

4421 ldquoNomerdquo no Antigo Testamento e no judaiacutesmo

No Israel antigo e em outros povos contemporacircneos nomear significa

estabelecer uma relaccedilatildeo de domiacutenio sobre o que eacute nomeado297 Assim em Gn

219-20 Adatildeo exerce domiacutenio sobre a criaccedilatildeo ao dar nome aos animais No Sl

1474 YHWH daacute o nome agraves estrelas e eacute Senhor delas O nome de YHWH estaacute

sobre Israel porque este eacute o seu povo (Is 6319) Nomear uma cidade ou uma terra

eacute sujeitaacute-la ao seu poder (2Sm 1228 Sl 4911)298 Ainda nesse contexto o nome eacute

mais do que um roacutetulo que diferencia pessoas Ele expressa a identidade a

verdadeira natureza do indiviacuteduo299 Consequentemente um novo nome indica

uma nova realidade uma mudanccedila de vida uma virada na histoacuteria como no caso

de Jacoacute em Gn 3228 e em particular a promessa de um novo nome para Israel em

Is 622

O nome de YHWH eacute um aspecto essencial da revelaccedilatildeo biacuteblica Deus se

apresenta com um nome pessoal atraveacutes do qual pode ser invocado Ao mesmo

tempo seu nome eacute expressatildeo de soberania e poder Eacute um modo alternativo de

falar do proacuteprio YHWH Seu nome passa a ter uma existecircncia proacutepria e

independente como expressatildeo do proacuteprio YHWH Faz o papel que nas demais

religiotildees eacute desempenhado pelas imagens rituais A esperanccedila veterotestamentaacuteria

eacute que um dia todo joelho se dobre somente diante do nome de YHWH300

O judaiacutesmo entretanto vai aos poucos deixando de lado a utilizaccedilatildeo do

tetragrama A tradiccedilatildeo rabiacutenica evita a todo custo a menccedilatildeo considerada infraccedilatildeo

do 3ordm mandamento A mesma tradiccedilatildeo informa que apoacutes a morte de Simatildeo o Justo

(200 aC) os sacerdotes deixaram de pronunciar o nome sagrado nas accedilotildees de

296 HELLERMAN J H Philippians p 120 297 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p 1395 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 253 298 Essa uacuteltima concepccedilatildeo pode ajudar a compreender a praacutetica poliacutetica de nomear cidades e territoacuterios Com efeito esse foi o caso da cidade de Filipos que passou a ter esse nome quando foi dominada por Filipe II da Macedocircnia em 356 aC 299 HAWTHORNE G F Philippians p 91 300 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p 1395-1396

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graccedilas No culto do templo apenas o Sumo Sacerdote poderia fazecirc-lo no dia da

expiaccedilatildeo Nas leituras da Escritura era substituiacutedo por שם Essa tendecircncia em

relaccedilatildeo ao tetragrama tambeacutem se encontra em Josefo que natildeo emprega nem

mesmo o substituto tradicional κύριος Quando precisa ele se refere ao ὄνομα ou

a προσηγορίᾳ (tiacutetulo apelativo de Deus)301

Tambeacutem faz parte desse pano de fundo o interesse judaico de maneira

especial no formato representado por Qumran nos ldquonomes poderosos de Deus e

dos seus agentes celestiaisrdquo referindo-se a arcanjos de muitos nomes e que

traziam o nome e o poder de Deus302 Depois os gnoacutesticos vatildeo valorizar essa

especulaccedilatildeo em torno de nomes divinos e celestiais e citaccedilotildees de Fl 26-11 nos

pais da igreja indicam que esta passagem foi nesse sentido utilizada por eles303

4422 ldquoNomerdquo no Novo Testamento

No Novo Testamento o substantivo ὄνομα aleacutem de outros usos eacute utilizado

teologicamente de forma bastante diversificada Bietenhard comenta que nos

escritos neotestamentaacuterios ldquoo nome a pessoa e a accedilatildeo de Deus estatildeo com vaacuterias

diferenciaccedilotildees inseparavelmente ligados ao nome a pessoa e accedilatildeo de Jesus

Cristordquo304 Por exemplo em Joatildeo 176 eacute Jesus quem revela o nome de Deus como

Pai aos homens Jesus age em nome de Deus e em prol do nome de Deus Mas o

nome de Jesus em si mesmo ganha importacircncia Agrave semelhanccedila do que os judeus

fizeram com o nome de Deus tambeacutem ocorre no Novo Testamento a substituiccedilatildeo

do nome de Jesus pela expressatildeo ldquoo nomerdquo (At 541 3Jo 7) ldquoA plenitude da obra

salviacutefica de Cristo eacute contida no nome dEle (assim como a obra salviacutefica de Javeacute

tambeacutem se continha no seu nome)rdquo305 O perdatildeo de pecados estaacute vinculado agrave feacute

no nome de Jesus (At 1043 1Jo 212) Quem invoca o nome de Jesus pertence agrave

igreja e eacute salvo (At 914 1Co 12 At 217-21 Rm 1013) talvez uma aplicaccedilatildeo

cristoloacutegica de Jl 232 Ser cristatildeo eacute ter a vida inteira dominada por esse nome

301 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p1396-1397 O proacuteximo capiacutetulo discutiraacute a questatildeo da substituiccedilatildeo no judaiacutesmo do tetragrama por κύριος 302 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 143 303 Idem 304 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 271 305 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT p 1401

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Inclusive o Novo Testamento registra Jesus dando um novo nome a algumas

pessoas o que segundo a tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria pode indicar uma nova

direccedilatildeo de vida306

Talvez o paralelo neotestamentaacuterio mais proacuteximo de Fl 29 seja Ef 120-

21 que expressa a soberania do Jesus exaltado sobre todos os poderes

Que ele fez operar em Cristo ressuscitando-o de entre os mortos e fazendo-o assentar agrave sua direita nos ceacuteus muito acima de qualquer Principado e Autoridade e Poder e Soberania e de todo o nome que se pode nomear [καὶ παντὸς ὀνόματος ὀνομαζομένου] natildeo soacute neste seacuteculo mas tambeacutem no vindouro

Outro paralelo importante para Fl 29 eacute Hb 14 onde tambeacutem se fala de um

nome para o Jesus exaltado Em Filipenses esse nome indica soberania e em

Hebreus eacute um nome superior aos anjos (um paralelo aos poderes espirituais de

Efeacutesios) que aqui se refere agrave natureza e agrave posiccedilatildeo de Filho307

4423 A Identificaccedilatildeo nome dado a Jesus em Fl 29

Antes de mais nada deve-se notar a pouca probabilidade da exegese

alcanccedilar uma resposta definitiva para a questatildeo qual o nome foi dado a Jesus em

sua exaltaccedilatildeo O obstaacuteculo quase insuperaacutevel eacute que o texto em si natildeo apresenta

uma resposta expliacutecita308 No entanto pode-se avaliar entre as possiacuteveis soluccedilotildees

qual seria a melhor resposta ou pelo menos a mais provaacutevel Assim de antematildeo

percebe-se que algumas propostas satildeo menos recomendaacuteveis e consequentemente

recebem pouco apoio Entre estas estatildeo a identificaccedilatildeo deste nome com o nome

proacuteprio Ἰησοῦς ou em uma forma mais ampliada Ἰησοῦς Χριστὸς Segundo o

306 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 559 307 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 563 308 Nas palavras bem-humoradas de BOCKMUEHL M The Epistle to the Phillipians p 142 ldquoA questatildeo precisa eacute difiacutecil de decidir com certeza e eacute talvez em qualquer caso uma tempestade em uma xiacutecara de chaacute exegeacuteticardquo Natildeo obstante como notado na criacutetica textual alguns manuscritos omitem o artigo na expressatildeo τὸ ὄνομα o que de acordo com HELLERMAN J H Philippians p 120 indica que alguns escribas e pais da igreja entenderam ὄνομα natildeo como um tiacutetulo mas como um reconhecimento Deus exaltou Jesus e deu a ele fama reconhecimento universal E mesmo admitindo que o texto com artigo seja com certeza o mais bem testemunhado significando o tiacutetulo κύριος que aparece no versiacuteculo 11 Hellerman defende que esse sentido de fama e reconhecimento puacuteblico deva ser incluiacutedo na exegese do nome dado ao Jesus exaltado tendo em vista o contexto soacutecio-poliacutetico de Filipos Em uma cultura onde as pessoas brigavam para ter uma reputaccedilatildeo reconhecida Fl 29 afirma que Deus deu a Jesus a ldquoreputaccedilatildeo que estaacute acima de toda a reputaccedilatildeordquo Segundo BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 270 ὄνομα como reputaccedilatildeo eacute encontrado no Novo Testamento em Mc 614 e Ap 31

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Novo Testamento entretanto eacute este o nome que Jesus possuiacutea desde o seu

nascimento e Fl 29 fala de uma reverecircncia a um novo nome que ele recebeu a

partir da sua exaltaccedilatildeo Natildeo obstante Fl 211 vai fazer referecircncia a Ἰησοῦς

Χριστὸς de uma forma tradicional sem o peso do significado que o versiacuteculo 9

indica Entre os pais da igreja as propostas variaram entre υἱὸς e θεός mas natildeo haacute

nada no texto que substancie essas soluccedilotildees309

Um caminho razoaacutevel para soluccedilatildeo eacute considerando que quem daacute o nome eacute

Deus pensar que ele deu a Jesus o seu proacuteprio nome Segundo o Antigo

Testamento esse nome eacute YHWH que a LXX traduz por κύριος Justamente esse o

nome que segundo Fl 211 desde a exaltaccedilatildeo toda liacutengua deve confessar Este

versiacuteculo eacute fundamental nesta identificaccedilatildeo pois ele estaacute fazendo uma releitura

cristoloacutegica de Is 4523 texto que anuncia um tempo de salvaccedilatildeo futura no qual

todo joelho se dobraraacute diante de YHWH e toda liacutengua juraraacute por ele A sequecircncia

de Is 4524 tambeacutem eacute importante ז ר צדקות וע י אמ Igrave ביהוה ל dizendo Soacute emldquo א

YHWH haacute justiccedila e forccedilardquo Ora em Fl 29-11 o proacuteprio YHWH estaacute dando esse

nome a Jesus para que agora diante do nome dele todo joelho se dobre e toda

liacutengua confesse

OrsquoBrien apresenta quatro argumentos em favor da identificaccedilatildeo de τὸ

ὄνομα como κύριος Primeiro na oraccedilatildeo subordinada dos versiacuteculos 10-11 Jesus eacute

identificado com κύριος e pode assim receber reverecircncia universal Segundo ele

considera plausiacutevel entender as expressotildees τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ e τὸ ὑπὲρ πᾶν

ὄνομα como justapostas Terceiro para judeus como Paulo um nome superlativo

como este sempre seria entendido como equivalente a YHWH E em quarto

lugar cria-se uma simetria no hino como um todo pois aquele que era ἴσα θεῷ

passa a ser δοῦλος e agora se torna κύριος310

Esta identificaccedilatildeo faz jus ao contexto escatoloacutegico da passagem e agrave

perspectiva mais ampla do Novo Testamento que como seraacute visto relaciona o

tiacutetulo κύριος dado a Jesus com a sua ressurreiccedilatildeo e consequentemente sua

exaltaccedilatildeo311 Tambeacutem eacute preciso perceber que nesta interpretaccedilatildeo o termo ὄνομα eacute

309 MARTIN R P A Hymn of Christ p 235 310 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 311 MARTIN escrevendo em 1967 afirmou que havia um consenso geral para reconhecer que o nome dado a Jesus na exaltaccedilatildeo eacute mesmo κύριος Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 245 No entanto SILVA Moiseacutes Philippians p 110-111 faz algumas reservas a essa identificaccedilatildeo lembrando que o texto natildeo eacute expliacutecito a esse respeito

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tomado como ofiacutecio funccedilatildeo missatildeo312 Isso eacute corroborado pela tendecircncia

teoloacutegica judaica iniciada no Antigo Testamento de pensar ם como uma ש

hipoacutestase de YHWH O ם de YHWH eacute uma entidade transcendente atraveacutes da ש

qual o proacuteprio YHWH atua no mundo Sobre esse pano de fundo Fl 29 significa

que YHWH deu a Jesus muito mais que um tiacutetulo mas colocou sobre ele o seu

poder Especificando ainda mais pode-se dizer que esse poder significa

autoridade um novo ofiacutecio que Cristo desempenharaacute ao lado do Pai e diante do

cosmos Uma nova funccedilatildeo na histoacuteria da salvaccedilatildeo313 O paralelo de Fl 29-11 com

as cerimocircnias de entronizaccedilatildeo do antigo oriente percebido anteriormente

corrobora essa visatildeo pois neles um novo nome significa ser investido em uma

nova posiccedilatildeo de poder e autoridade314 No caso de Cristo investido como Senhor

soberano do cosmo A partir da exaltaccedilatildeo ele atua como Senhor do universo

exercendo a soberania que antes pertencia apenas a YHWH com o diferencial que

esse Senhor coacutesmico eacute o mesmo personagem histoacuterico que viveu na Galileia e foi

crucificado em Jerusaleacutem conhecido como Jesus de Nazareacute Esta identificaccedilatildeo era

fundamental para distinguir a mensagem do hino das especulaccedilotildees mitoloacutegicas

contemporacircneas

Essa maneira de enxergar o substantivo ὄνομα ajuda ainda a perceber a

conexatildeo entre a exaltaccedilatildeo e a preexistecircncia de Cristo como visto acima O

problema pode ser formulado assim se a partir de Fl 26 entende-se que Cristo

tinha a plena igualdade com Deus como ele pode ser exaltado a uma posiccedilatildeo

superior O que poderia ser maior do que ser igual a Deus Mediante a categoria

ldquofunccedilatildeordquo ao inveacutes de ldquoessecircnciardquo consegue-se sair desse dilema dogmaacutetico Em

outras palavras natildeo houve uma mudanccedila ontoloacutegica no Filho de Deus mas

funcional E de fato os dados neotestamentaacuterios indicam que a partir da exaltaccedilatildeo

Cristo passou a exercer uma nova funccedilatildeo no cosmos algo que ele natildeo tinha antes

Essa nova funccedilatildeo eacute a soberania sobre o universo que o versiacuteculo Fl 211 (e

aliaacutes o Novo Testamento em geral) vai associar ao novo nome que ele recebeu

312 Entre outros MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 114 que afirma que um novo nome pode ser o equivalente a uma nova missatildeo 313 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 237 BOCKMUEHL M The Epistle

to the Philippians p 142 nota que no mundo antigo em geral e no judaiacutesmo em particular nomes eram importantes pelo que significavam e natildeo como roacutetulos 314 BARTH G A carta aos Filipenses p 47 CULLMANN O Cristologia do Novo

Testamento p 285 afirma ldquono judaiacutesmo como em todas as religiotildees antigas o nome representa ao mesmo tempo um poderrdquo (grifos dele) Em contrapartida SILVA Moiseacutes Phillipians p 110 eacute bastante reticente com essa interpretaccedilatildeo

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κύριος315 Por certo foi um passo decisivo no desenvolvimento da cristologia

primitiva a feacute que Jesus foi exaltado por Deus para ao lado dele governar sobre

todo o universo Porque Jesus compartilha a soberania de Deus ele pode

compartilhar o proacuteprio nome de Deus Afinal como visto acima o nome sobre

todo nome significava para os judeus o proacuteprio tetragrama YHWH que entre os

judeus de fala grega tinha como substituto adequado o tiacutetulo κύριος que a partir

da exaltaccedilatildeo tambeacutem eacute o nome de Jesus A importacircncia desse desenvolvimento

teoloacutegico eacute que ldquopara o monoteiacutesmo judaico soberania sobre todas as coisas era a

definiccedilatildeo de quem Deus eacuterdquo316 O resultado eacute a inclusatildeo de Jesus na identidade do

Deus uacutenico de Israel317 O ponto de partida principal para essa reflexatildeo

neotestamentaacuteria eacute a leitura cristoloacutegica do Salmo 1101 O hino cristoloacutegico

entretanto recorre a Isaiacuteas 4523318

Aleacutem da soberania essa nova funccedilatildeo de Jesus tambeacutem pode ser associada

agrave categoria da ldquorevelaccedilatildeordquo Este ponto eacute sublinhando por Kaumlsemann

Reconhecendo que realmente τὸ ὄνομα aponta para a designaccedilatildeo de Jesus como

κύριος do universo ele avalia o que novo nome traz uma novidade revelacional A

partir de agora o relacionamento do cosmos com Deus passa pelo Jesus κύριος

O kyrios eacute Deus em sua relaccedilatildeo com o mundo Na entronizaccedilatildeo a representaccedilatildeo de Deus diante do mundo se transferiu para aquele que foi elevado Eacute atraveacutes dele somente que Deus exerce sua accedilatildeo sobre o cosmo (no sentido de 1Co 1528 poderia dizer-se ateacute a parusia) Consciente ou inconscientemente eacute com Cristo com quem tem que tratar o mundo na medida que tem que tratar com Deus A partir de agora ele eacute o seu senhor e seu juiz319

315 Assim MARTIN R P A Hymn of Christ p 236-237 316 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 130 317 Idem Segundo HURTADO L W Senhor Jesus Cristo p 818 o fato de Jesus receber o nome de Deus eacute ldquoo mais proacuteximo que chegamos a um equivalente de um elo lsquoontoloacutegicorsquo de Deus com Jesusrdquo 318 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 130 Natildeo obstante ao contraacuterio do que foi exposto aqui HELLERMAN J H Vindicating Godrsquos Servants in Philippi

and in Philippians p 96-97 acredita que o termo ὄνομα deve ser conectado a κύριος mas natildeo se trata de um novo dado a Jesus e sim da manifestaccedilatildeo puacuteblica do nome que ele jaacute tinha ao longo de toda a sua carreira Parece contudo que sua exegese eacute influenciada pelo desejo de fazer um paralelo entre Fl 26-11 com At 1611-40 onde Paulo soacute revela seu ldquotiacutetulordquo de cidadatildeo romano depois do sofrimento e da humilhaccedilatildeo 319 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 110

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45 Conclusatildeo do capiacutetulo

Diante do exposto acima eacute possiacutevel nesta conclusatildeo enfrentar uma uacuteltima

questatildeo por que Deus exaltou Jesus Para isso eacute necessaacuterio voltar agrave expressatildeo διὸ

καὶ que inicia o versiacuteculo 9 e pode ser interpretada como estabelecendo uma

relaccedilatildeo de causa e efeito entre 26-8 e 29-11 A causa da exaltaccedilatildeo eacute a

humilhaccedilatildeo De acordo com Martin isso fez Lohmeyer entender que 29-11 eacute

simplesmente a realizaccedilatildeo em Jesus do princiacutepio divino da exaltaccedilatildeo dos justos o

sofrimento do justo leva necessariamente agrave exaltaccedilatildeo320 Seria uma espeacutecie de

resultado loacutegico Contudo como bem observado por Martin ldquoO hino natildeo foi

escrito para provar a validade de um princiacutepiordquo321

Com efeito natildeo se pode negar que a tradiccedilatildeo judaica afirma que Deus

defende e recompensa o sofrimento do servo justo Por exemplo os cacircnticos do

servo de Deus em Isaiacuteas trazem uma expectativa de exaltaccedilatildeo do servo apoacutes o seu

sofrimento Segundo a tradiccedilatildeo sinoacutetica o proacuteprio Jesus ensinou que os que se

humilham diante de Deus por obediecircncia seratildeo exaltados pelo proacuteprio Deus (Mt

2312 Lc 1411 1814) E quem ousaria afirmar que Jesus natildeo merecia ser

exaltado Isso tudo aponta na direccedilatildeo da exaltaccedilatildeo como uma recompensa ao

sofrimento obediente de Jesus uma resposta de Deus a todas as accedilotildees descritas

nos versiacuteculos 6-8322 No entanto natildeo se deve menosprezar a importacircncia do

verbo χαρίζομαι utilizado no contexto apontando para uma exaltaccedilatildeo como obra

da graccedila de Deus

Talvez o melhor na verdade fosse afastar esta questatildeo (o motivo pelo qual

Deus exaltou Jesus) da exegese do texto que tem muito mais jeito de especulaccedilatildeo

dogmaacutetica do que investigaccedilatildeo exegeacutetica Eacute bem provaacutevel que o papel da

expressatildeo διὸ καὶ no contexto vaacute aleacutem do estabelecimento de uma relaccedilatildeo tipo

causa-feito Na verdade ela faz a transiccedilatildeo de um acontecimento escatoloacutegico

para outro ou melhor ainda conecta dois acontecimentos que fazem parte do

mesmo evento escatoloacutegico O pano de fundo escatoloacutegico da exaltaccedilatildeo que foi

desenvolvido ao longo deste capiacutetulo a compreensatildeo especiacutefica de Paulo acerca

320 MARTIN R P A Hymn of Christ p 233-235 Esta opiniatildeo foi adotada depois por HAWTHORNE G F Philippians p 113 321 MARTIN R P A Hymn of Christ p 234 322 Assim OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 233-234

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desta exaltaccedilatildeo a perspectiva linear de interpretaccedilatildeo do hino323 que tem como

cliacutemax a exaltaccedilatildeo324 apontam nessa direccedilatildeo

Porque o problema das interpretaccedilotildees que valorizam a ideia de

recompensa eacute que elas acabam por natildeo fazer jus agrave importacircncia do cenaacuterio descrito

em Fl 29-11 fazendo deste segmento um anexo um posfaacutecio agrave obra principal que

estaria em Fl 26-8 Se fosse assim exaltaccedilatildeo seria tatildeo somente o reconhecimento

do caminho de Jesus como justo325 e consequentemente esse caminho por ter

sido aprovado por Deus se tornaria agora o caminho-modelo para todas as

pessoas326 No entanto na exegese defendida neste trabalho a exaltaccedilatildeo de Jesus

vai certamente aleacutem disso Ela faz parte do evento escatoloacutegico que trouxe um

novo eacuteon o tempo de triunfo sobre os inimigos de Deus e salvaccedilatildeo para todos os

povos conforme a expectativa veterotestamentaacuteria Natildeo daacute para separar a morte e

ressurreiccedilatildeo de Jesus do seu significado escatoloacutegico e dos seus efeitos

soterioloacutegicos

O texto possui uma sequecircncia de acontecimentos interconectados pelo

tema (Jesus) numa linha progressiva que comeccedila na preexistecircncia passa pela

encarnaccedilatildeo e o sacrifiacutecio na cruz e termina na exaltaccedilatildeo que eacute (para os leitores do

texto) o estado atual de Jesus O texto revela o caminho desse que agora eacute o

κύριος de todo o cosmos e sobretudo da Igreja daqueles que jaacute no presente o

confessam e dobram os joelhos diante do seu nome

Esse momento eacute oportuno para discutir uma interpretaccedilatildeo recente que

tambeacutem afasta o conceito de ldquorecompensardquo no texto Eacute o entendimento defendido

principalmente por N T Wright que todo conjunto de Fl 26-11 deve ser

323 Conferir a discussatildeo no capiacutetulo anterior 324 MARTIN R P Filipenses p 129 ldquoo ponto central do ensino do hino ndash como parece certo ndash natildeo eacute o kenosis nem uma lista das caracteriacutesticas da vida terrena de Jesus em humilhaccedilatildeo e obediecircncia mas Seu senhorio presente e final e o caminho que Ele tomou para esse tiacutetulordquo (grifos dele) 325 MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v I p 83-87 argumenta que Fl 29-11 seria apenas um comentaacuterio antigo onde os eventos da Paacutescoa satildeo a vindicaccedilatildeo de Jesus Deus reconhecendo Jesus como justo 326 Isto eacute afirmado com clareza por Moiseacutes Silva que justifica a utilizaccedilatildeo do conceito de ldquorecompensardquo agrave exaltaccedilatildeo de Jesus na medida que ldquoo hino cristoloacutegico implica a correspondecircncia entre a experiecircncia de Cristo e a santificaccedilatildeo do crenterdquo A ideia eacute que assim como Cristo foi recompensado por sua obediecircncia o cristatildeo tambeacutem seraacute A despeito da correccedilatildeo desta teologia especiacutefica o ponto eacute que a interpretaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus no conjunto de Fl 26-11 eacute determinada pela necessidade de fazer do texto um paradigma para a vida cristatilde Cf SILVA Moiseacutes Philippians p 109 Tambeacutem BRUCE F F Filipenses p 81 descreve o versiacuteculo 29 como ldquoa suprema ilustraccedilatildeo de suas proacuteprias palavras lsquoquem a si mesmo se humilhar seraacute exaltadorsquo

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encarado como revelaccedilatildeo do caraacuteter de Deus ou como se tornou comum afirmar

o caraacuteter do Deus de Israel ldquoA real ecircnfase teoloacutegica do hino entatildeo natildeo eacute

simplesmente uma nova visatildeo de Jesus Eacute um novo entendimento de Deusrdquo327

Para Wright isso significa que divindade eacute sinocircnimo de doaccedilatildeo e natildeo obtenccedilatildeo328

Foi assim que Jesus interpretou a sua igualdade com Deus As accedilotildees de 26-8 satildeo

a revelaccedilatildeo disso enquanto que a exaltaccedilatildeo seria o reconhecimento por parte de

Deus Pai que realmente a encarnaccedilatildeo e morte de Jesus satildeo ldquoa revelaccedilatildeo do amor

divino em accedilatildeordquo329

S E Fowl trabalhando a partir da exegese de Wright afirma que tanto o

sofrimento de Jesus narrado em 26-8 quanto a exaltaccedilatildeo dele descrito em 29-11

satildeo essencialmente revelaccedilatildeo de Deus ao mundo manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Deus

de Israel330 E para o sofrimento servir a esse propoacutesito revelacional ele precisa ser

vindicado por Deus E aiacute que entra a exaltaccedilatildeo pois como vindicaccedilatildeo do

sofrimento de Jesus ela atesta que o Deus apresentado no conjunto eacute realmente o

Deus de Israel e Jesus eacute realmente seu Cristo331

Eacute verdadeiramente certo que o hino de Fl 26-11 estaacute ancorado no

monoteiacutesmo veterotestamentaacuterio Isso fica especialmente claro na seccedilatildeo dos

versiacuteculos 9-11 pois a exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute narrada como um heroacutei pagatildeo que

depois de vencer na Terra tambeacutem vai vencer no ceacuteu tomando o lugar dos outros

deuses Jesus natildeo tomou o lugar de Deus Ele foi exaltado por Deus Deus

compartilha gratuitamente com ele a soberania que era exclusivamente sua sem

no entanto deixar de tecirc-la todos os seres satildeo chamados a reconhecer Jesus como

κύριος mas no final tudo isso que acontece eacute εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

Em contrapartida como jaacute observado neste capiacutetulo o tema do conjunto

inteiro de Fl 26-11 eacute Jesus o Filho de Deus jaacute indicado pelo pronome relativo ὃς

que abre o hino no versiacuteculo 6 O que eacute apresentado aqui eacute a sua decisatildeo pessoal e

voluntaacuteria de se encarnar de assumir a forma de servo de se humilhar e ser

327 WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 84 328 Idem citando palavras de C F D Moule Nesse sentido Wright eacute seguido por FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 40 e 45 329 Ibid p 86 330 FOWL S E Philippians p 101 Que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute muito mais que a vindicaccedilatildeo de Jesus foi exposto acima 331 FOWL S E Philippians p 101 Essa linha de raciociacutenio fecha com a interpretaccedilatildeo eacutetica da passagem como um todo pois se o caraacuteter de Deus eacute vindicar o justo sofredor entatildeo o cristatildeo pode esperar que esse mesmo Deus faraacute isso com ele quando nesse mundo sofre de forma injusta Nas paacuteginas 106 e 107 Fowl afirma que essa argumentaccedilatildeo ajuda a responder uma das criacuteticas feitas agrave chamada interpretaccedilatildeo eacutetica

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obediente ateacute a morte e morte de cruz E em seguida a accedilatildeo gratuita de Deus em

exaltaacute-lo como Senhor com todos os contornos jaacute apresentados e outros que ainda

seratildeo explorados E dentro do cristianismo primitivo o texto era muito mais do

que uma mera lista de eventos Ele oferecia uma interpretaccedilatildeo do evento

escatoloacutegico que envolveu a encarnaccedilatildeo a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

cumprindo as esperanccedilas do povo de Israel332 A interpretaccedilatildeo de Wright e Fowl

tenta deslocar o epicentro do hino de Cristo para Deus Pai (o Deus de Israel) e faz

do amor o tema da passagem Natildeo soacute a passagem natildeo fala de amor (nenhum termo

eacute usado nesse sentido) como essa exegese parece nascer de uma preocupaccedilatildeo

externa ao texto333 natildeo levando em consideraccedilatildeo a narrativa em si que eacute

fundamentalmente cristoloacutegica E eacute por esse vieacutes cristoloacutegico que aparece o tema

da revelaccedilatildeo de Deus porque na teologia cristatilde Cristo eacute a revelaccedilatildeo de Deus

Tanto o sofrimento quanto a exaltaccedilatildeo de Cristo satildeo revelaccedilatildeo de Deus ao

mundo334 algo acentuado justamente quando se daacute a devida atenccedilatildeo ao contexto

escatoloacutegico envolvido nesses eventos

E como se veraacute adiante sobretudo no quarto capiacutetulo mais do que

descrever ou reafirmar o caraacuteter do Deus de Israel o hino cristoloacutegico de Fl 26-

11 sobretudo quando trata da exaltaccedilatildeo de Cristo foi muito importante para o

cristianismo primitivo redefinir o monoteiacutesmo judaico em termos de um

monoteiacutesmo cristoloacutegico Mas antes enfrentar a discussatildeo do monoteiacutesmo que

aparece claramente no final do versiacuteculo 11 eacute necessaacuterio considerar o conteuacutedo

dos versos 10 e 11 que apresentam os desdobramentos da exaltaccedilatildeo de Jesus

nada menos do que o universo inteiro reverenciaacute-lo e confessaacute-lo como Senhor

332 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 24 para quem nos versiacuteculos 6-8 se oferece uma interpretaccedilatildeo da encarnaccedilatildeo e da morte de Jesus e nos versiacuteculos 9-11 da ressurreiccedilatildeo de Jesus Interpretaccedilatildeo que podia ser cantada nos cultos (caso Fl 26-11 tenha existido como um hino de fato) ou confessada pelos convertidos (entendendo o texto como confissatildeo) 333 A tendecircncia da exegese contemporacircnea de compreender Paulo dentro do judaiacutesmo e natildeo contra o judaiacutesmo 334 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 75-76 foi talvez o primeiro a defender o aspecto revelacional de Fl 26-11 Para ele o hino natildeo trata diretamente da relaccedilatildeo entre Deus e a igreja ou entre Deus e os crentes mas sim da relaccedilatildeo total entre Deus e o mundo O hino descreve a revelaccedilatildeo de Deus ao mundo inteiro Em especial quanto agrave seccedilatildeo de Fl 29-11 ele afirma ldquonatildeo se trata unicamente de sentimentos eacuteticos apropriados mas ao contraacuterio de uma vitoacuteria sobre o mundo da eliminaccedilatildeo das oposiccedilotildees ateacute o cumprimento escatoloacutegico desejado por Deusrdquo

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5 A reverecircncia e a confissatildeo ao Jesus exaltado

51 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

O objetivo do presente capiacutetulo eacute estudar o texto de Fl 210-11 com exceccedilatildeo

do uacuteltimo segmento que seraacute analisado no proacuteximo capiacutetulo Assim o texto a ser

trabalhado eacute o seguinte ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται

Todo o segmento dos versiacuteculos 10 e 11 depende da conjunccedilatildeo ἵνα Ela eacute a

ligaccedilatildeo com o versiacuteculo 9 Ela traz duas possibilidades para o conjunto a ideia de

finalidade Jesus foi exaltado a fim de que todo joelho se dobre e toda liacutengua o

confesse ou a ideia de resultado consequecircncia Jesus foi exaltado

consequentemente agora todo o joelho deve se dobrar e toda a liacutengua deve confessaacute-

lo Existe uma leve vantagem para a primeira opccedilatildeo visto ser esse o uso

predominante de ἵνα no grego claacutessico no Novo Testamento e inclusive no corpus

paulino335 entendendo assim a submissatildeo e reverecircncia de todo o universo a Jesus

como partes da intenccedilatildeo divina ao exaltar Jesus e ao mesmo tempo natildeo dar a

impressatildeo que o conteuacutedo dos versiacuteculos 10 e 11 satildeo uma espeacutecie de resultado

casual Contudo natildeo se deve insistir na distinccedilatildeo pois as duas noccedilotildees andam juntas

na literatura biacuteblica do Antigo e do Novo Testamento e eacute possiacutevel que ambas

estejam presentes neste texto336

52 Isaiacuteas 4523 e a exaltaccedilatildeo de Jesus

Antes de tudo eacute preciso registrar a tendecircncia paulina de citar textos do

Antigo Testamento que trazem afirmaccedilotildees sobre YHWH e aplicaacute-las a Jesus por

intermeacutedio do tiacutetulo κύριος De acordo com Hurtado eacute certo que essa transferecircncia

ocorre em Rm 1013 (citando Jl 35) 1Cor 131 (citando Jr 923-24) 1Cor 1026

335 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 292 336 MARTIN R P A Hymn of Christ p 249 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 opina que as duas ideias estatildeo presentes

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(citando Sl 241) e 2Cor 1017 (citando Jr 923-24)337 Aleacutem dessas citaccedilotildees

existem textos paulinos que fazem alusotildees a passagens do Antigo Testamento que

falam de YHWH e Paulo as emprega para Jesus como Senhor Satildeo elas 1Cor 1021

(aludindo a Ml 1721) 1Cor 1022 (aludindo a Dt 3221) 2Co 316 (aludindo a Ex

3434) 1Ts 313 (Zc 145) 1Ts 46 (aludindo a Sl 941) e o texto em anaacutelise de Fl

210-11 considerada a mais impressionante alusatildeo paulina o que reforccedila a

importacircncia da exegese em curso338

Para iniciar o estudo desse periacuteodo eacute necessaacuterio verificar a relaccedilatildeo do

mesmo com o texto aludido de Isaiacuteas 4523 Se a expressatildeo ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων for separada como um aposto de Fl 210-11339 a

justaposiccedilatildeo dos textos deixa clara a ligaccedilatildeo entre eles

Is 4523 (LXX) ἐμοὶ κάμψει πᾶν γόνυ καὶ ἐξομολογήσεται πᾶσα γλῶσσα τῷ θεῷ

Fl 210-11 ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ καὶ πᾶσα γλῶσσα

ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

Deve-se notar que o contexto de Is 4523 traz duas ecircnfases A primeira eacute a

feacute de que soacute YHWH eacute Deus Haacute uma clara criacutetica agrave idolatria ldquoNatildeo tecircm

conhecimento os que carregam os seus iacutedolos de madeira os que dirigem as suas

suacuteplicas a um deus que natildeo pode salvar Natildeo haacute outro Deus fora de mimrdquo (Is 4520-

21) E logo chama a atenccedilatildeo que o hino em Filipenses vai fazer uma aplicaccedilatildeo

cristoloacutegica a partir de um texto do Antigo Testamento que traz um monoteiacutesmo

acentuado um expediente muito semelhante ao usado por Paulo em 1Cor 86 em

relaccedilatildeo ao shemaacute Como se veraacute adiante eacute possiacutevel que a intenccedilatildeo exata do autor

seja mostrar que o senhorio de Jesus a partir da exaltaccedilatildeo eacute algo completamente

diferente da idolatria Continua-se na verdade no mesmo monoteiacutesmo A segunda

ecircnfase no contexto de Is 45 eacute a nota escatoloacutegica isto eacute a expectativa que um dia

todos os confins da terra se voltaratildeo para YHWH se prostraratildeo diante dele e diratildeo

337 HURTADO L W Senhor In DPL p 1150-1151 Existem citaccedilotildees em que Paulo manteve κύριος referindo-se a Deus o que segundo Hurtado ocorre em 10 referecircncias Ele tambeacutem menciona duas passagens em que a identificaccedilatildeo eacute disputada Satildeo elas Rm 1411 (Is 4523) e 1Cor 216 (Is 4013) 338 HURTADO L W Senhor In DPL p 1151 339 Como notado por FOWL S Philippians p 103 a frase quebra a alusatildeo a Is 4523

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que soacute nele haacute justiccedila e forccedila340 Por sinal haacute em Is 45 uma dupla perspectiva de

futuro que seraacute exatamente aquela que melhor explica Fl 210-11 pois esse uacuteltimo

dia que traraacute o reconhecimento universal de YHWH natildeo traraacute junto uma alegria

universal Seraacute um tempo de juacutebilo para o povo de Deus que jaacute vivencia essa

experiecircncia e anseia por essa ocasiatildeo poreacutem de constrangimento para aqueles que

rejeitam o Senhor ldquoA ele viratildeo cobertos de vergonha todos os que se irritaram

contra elerdquo (Is 4524)341

De fato o monoteiacutesmo escatoloacutegico era parte fundamental do judaiacutesmo do

segundo templo uma esperanccedila expressa e alimentada pelo Decircutero-Isaiacuteas A

leitura escatoloacutegica de Isaiacuteas 45 estava presente no judaiacutesmo como evidenciam por

exemplo textos de Enoque Descrevendo o que aconteceraacute na vinda do juiz do

mundo Enoque 485 diz ldquoTodos os que habitam sobre a terra seca iratildeo prostrar-se

diante dele e cultuaacute-lo e adoraacute-lo exaltaacute-lo e cantar louvores ao nome do Senhor

dos espiacuteritosrdquo342 Ademais antes da sua utilizaccedilatildeo cristatilde o texto de Is 4523

desempenhou papel importante na liturgia sinagogal sendo incluiacutedo nas antigas

oraccedilotildees lsquoAlecircnu e Nishmat Kol Hay recomendadas pela Mishnah para o final da

Haggadah343 Isso evidencia que uma audiecircncia judaica perceberia com clareza a

operaccedilatildeo teoloacutegica que estaacute se desenrolando no hino de Filipenses (mas natildeo eacute certo

se leitores natildeo judeus teriam a mesma percepccedilatildeo)344 isto eacute que o monoteiacutesmo

escatoloacutegico se tornou monoteiacutesmo cristoloacutegico345

O Novo Testamento utiliza Is 4523 em dois lugares Em Rm 1411 Paulo

explicitamente cita o texto ldquoCom efeito estaacute escrito Por minha vida diz o Senhor

todo joelho se dobraraacute diante de mim e toda liacutengua daraacute gloacuteria a Deusrdquo Nesse caso

o texto de Isaiacuteas eacute usado para fortalecer a argumentaccedilatildeo de um juiacutezo escatoloacutegico

que estaacute por vir expresso antes e depois da citaccedilatildeo ldquoPois todos noacutes

340 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 considera que as ecircnfases de Isaiacuteas 45 satildeo a singularidade de Deus e o universalismo Este uacuteltimo tema estaacute presente de fato mas como ele mesmo reconhece em termos de expectativa para o futuro Por isso eacute melhor falar de uma esperanccedila escatoloacutegica que eacute universal em sua abrangecircncia 341 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 243 342 Conforme MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 207 343 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 344 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 82 Esse eacute o provaacutevel cenaacuterio da Igreja de Filipos uma comunidade predominantemente gentiacutelica Por conseguinte a avaliaccedilatildeo acima aponta para duas direccedilotildees que o autor do hino estava familiarizado com o Antigo Testamento e provavelmente com o judaiacutesmo e ao mesmo tempo favorece a tese de que Fl 26-11 existiu antes de ser usado na carta aos Filipenses isto eacute foi produzido em um contexto sensiacutevel agraves interrelaccedilotildees estabelecidas com o texto veterotesmentaacuterio 345 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 133

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compareceremos ao tribunal de Deus [Is 4523] Assim cada um de noacutes prestaraacute

contas a Deus de si proacutepriordquo (Rm 1410-12)

O outro lugar em que o texto aparece no Novo Testamento eacute aqui em

Filipenses A citaccedilatildeo natildeo eacute literal como em Romanos346 mas eacute possiacutevel notar as

significativas alteraccedilotildees feitas pelo hino a partir do texto baacutesico de Isaiacuteas Primeiro

na forma dos verbos κάμπτω e ἐξομολογέω respectivamente curvar-se e confessar

A LXX usa ambos os verbos no indicativo futuro347 Paulo por sua vez usa os dois

no subjuntivo aoristo O que era entatildeo uma promessa de Deus para o futuro o hino

cristoloacutegico mostra com uma realidade cumprida348 Segundo os objetos dos dois

verbos satildeo substituiacutedos o pronome pessoal ἐμοὶ pela locuccedilatildeo ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ

e a expressatildeo τῷ θεῷ por ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς Essas duas substituiccedilotildees

chamam atenccedilatildeo pela repeticcedilatildeo do substantivo Ἰησοῦς enfatizando a releitura

cristoloacutegica que estaacute em operaccedilatildeo isto eacute o que antes era uma promessa relacionada

agrave accedilatildeo de Deus no fim dos tempos agora eacute uma realidade escatoloacutegica em Jesus

Cristo349 Eacute ainda pertinente notar que em Romanos o contexto da citaccedilatildeo de Isaiacuteas

tambeacutem eacute escatoloacutegico poreacutem ali Paulo manteacutem o aspecto futuro do Antigo

Testamento enquanto que em Filipenses o verbo no subjuntivo aoristo indica algo

que jaacute aconteceu Isso evidencia o equiliacutebrio entre o jaacute e o ainda natildeo da escatologia

paulina As duas citaccedilotildees tambeacutem mostram a harmonia que existia na teologia de

Paulo entre cristologia e monoteiacutesmo Ele pode aplicar o mesmo versiacuteculo do

Antigo Testamento tanto para algo que teve lugar a partir da exaltaccedilatildeo de Jesus

Cristo quanto para accedilatildeo futura de Deus Pai que segundo Rm 1410-12 julgaraacute toda

humanidade

346 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 afirma que o autor do hino (que para ele natildeo eacute Paulo) estaacute citando de forma inconsciente pois enxerga a si mesmo como um homem em situaccedilatildeo pneumaacutetica sob direta accedilatildeo do Espiacuterito Santo Tudo isso poreacutem eacute uma grande conjectura difiacutecil de provar Eacute possiacutevel ainda que o autor do hino esteja partindo de um texto de Isaiacuteas diferente do Texto Massoreacutetico e da versatildeo da LXX aceita atualmente A possibilidade eacute aventada por MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 214 Isso poderia explicar algumas das alteraccedilotildees do texto de Filipenses mas natildeo a mais importante que eacute a sua releitura cristoloacutegica 347 O texto hebraico traz respectivamente os verbos כרע e שבע no yiqtol reconhecido com uma forma futura cf JOUumlON P MURAOKA T A Grammar of Biblical Hebrew p 114 348 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 349 Eacute possiacutevel que exista alguma relaccedilatildeo entre o texto de Filipense e o texto de Enoque A sugestatildeo eacute feita por Michel observando que Enoque 617 aplica Is 4523 ao Messias MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 207 O problema eacute confirmar se o texto de Enoque eacute de fato anterior ao de Filipenses e que assim a influecircncia seria inversa Segundo BROWN R E PERKINS P SALDARINI A J Apoacutecrifos Manuscritos do Mar Morto e Outros Tipos de Literatura Judaica IN NCBSJ p 951 o conjunto dos capiacutetulos 37-71 onde encontra-se a referecircncia acima tem a sua dataccedilatildeo disputada variando entre o seacuteculo 1 aC ateacute o 3 dC

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Haacute ainda uma terceira alteraccedilatildeo de Filipenses em relaccedilatildeo ao texto de Isaiacuteas

Acima a expressatildeo ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων foi separada para

visualizaccedilatildeo do paralelo entre Is 4523 e Fl 210-11 A questatildeo eacute que natildeo existe um

equivalente direto dessa expressatildeo em Isaiacuteas 4523 mas o versiacuteculo imediatamente

anterior (4522) mostra que o alcance das promessas apresentadas no contexto do

oraacuteculo profeacutetico eacute a Terra inteira Isso fica claro no seguinte segmento hebraico

רץ que a Septuaginta traduziu como οἱ ἀπ᾽ ἐσχάτου τῆς γῆς Portanto כל־אפסי־א

parece que Paulo opera uma ampliaccedilatildeo Se em Isaiacuteas a escatologia fala de uma

reverecircncia universal de todo joelho e toda liacutengua incluindo todas as naccedilotildees ateacute os

limites da Terra Filipenses apresenta uma escatologia coacutesmica que vai aleacutem dos

limites da Terra alcanccedilando todo o cosmos350

53 Accedilotildees feitas ldquoEm nome de Jesusrdquo

A expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι eacute usada na maioria das vezes com uma conotaccedilatildeo

temporal e assim significa que algo deve acontecer quando o nome eacute mencionado

ou invocado351 Em Filipenses a ideia seria que a pessoa deve prostrar-se e fazer

confissatildeo quando o nome de Jesus eacute mencionado Conquanto o aspecto temporal

possa estar presente parece que haacute mais coisas envolvidas A expressatildeo

preposicional utilizada no Novo Testamento ecoa a expressatildeo hebraica muito בשם

utilizada no Antigo Testamento em associaccedilatildeo com YHWH352 Sua traduccedilatildeo

regular na LXX eacute pela expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι em uma tentativa segundo ele de

traduzir com exatidatildeo o hebraico Na traduccedilatildeo grega a expressatildeo liga-se

principalmente a verbos relacionados a accedilotildees de culto indicando que nome

invocado eacute o fundamento o pressuposto e a condiccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do culto353

Em linhas gerais no Antigo e no Novo Testamento a expressatildeo significa natildeo apenas

mencionar pronunciar ou invocar o nome mas tambeacutem agir por comissatildeo O Novo

350 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 307 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 351 BAGD p 572 352 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT p 262 263 e 271 BIETENHARD H Nome In DITNT p 1396 Para HARTMAN L ὄνομα In DENT p 563 a expressatildeo neotestamentaacuteria deve ser considerada um semitismo 353 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 564-565

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Testamento em particular vai utilizaacute-la 40 vezes sendo que em 8 o nome referido eacute

o de Deus e em 28 eacute o de Cristo

Na literatura paulina a expressatildeo ocorre em 1Cor 54 611 2Ts 36 Ef 520

Cl 317e aqui em Fl 210354 Em 2Ts 36 a ideia eacute dar instruccedilotildees com base na

autoridade do soberano Jesus355 Em 1Cor 54 ἐν τῷ ὀνόματι pode ser ligada a trecircs

termos diferentes no contexto significando tanto a autoridade do nome de Jesus

quanto a invocaccedilatildeo do seu nome 1Cor 611 mostra a salvaccedilatildeo recebida em nome

de Jesus Cristo (ldquoMas voacutes vos lavastes mas fostes santificados mas fostes

justificados em nome do Senhor Jesusrdquo) Os textos de Ef e Cl satildeo paralelos e

indicam que todas as coisas devem ser feitas em nome do Senhor Jesus isto eacute ldquotoda

a vida deve ser vivida sob a consciente autoridade de Cristo e com dedicaccedilatildeo ativa

e grata a sua pessoa magniacuteficardquo356 O texto de Filipenses amplia essa reivindicaccedilatildeo

de obediecircncia para todo o cosmos pois o que seraacute feito ἐν τῷ ὀνόματι alcanccedila quem

estaacute no ceacuteu na terra e debaixo da terra

Em particular o uso da expressatildeo em Fl 210 deve ser entendido como

causal isto eacute o nome que a partir da exaltaccedilatildeo Jesus tem eacute a causa eficiente da

submissatildeo357 Porque Jesus tem o nome e desempenha a funccedilatildeo de Senhor todos

devem prostrar-se diante dele

A utilizaccedilatildeo do substantivo Ἰησοῦς aqui natildeo significa que o nome ao qual

todo joelho deve se dobrar e toda liacutengua deve confessar seja simplesmente ldquoJesusrdquo

Na verdade o texto quer sublinhar que essas accedilotildees acontecem ao nome que agora

estaacute vinculado ao personagem histoacuterico chamado desde o nascimento de Jesus e

esse nome eacute ldquoSenhorrdquo358 Todavia eacute fundamental para a narrativa identificar o

κύριος como o homem de Nazareacute que andou pela regiatildeo da Galileacuteia e arredores e

foi crucificado em Jerusaleacutem Quer dizer que o exaltado natildeo eacute um personagem

miacutetico algum tipo de semideus ou espiacuterito Esse que foi exaltado por Deus ao

senhorio de todo universo eacute o Filho de Deus encarnado chamado Jesus359 A

354 Aqui a despeito da discussatildeo de autoria considera-se Efeacutesios Colossenses e 2Tessalonicenses parte da literatura paulina 355 LUTER JR A B Nome In DPC p 880 356 LUTER JR A B Nome In DPC p 881 357 HELLERMAN J H Philippians p 121 358 HAWTHORNE G F Philippians p 115 HELLERMAN J H Philippians p 121 359 MARTIN R P Hymn of Christ p 254 HAWTHORNE G F Philippians p 115

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exaltaccedilatildeo natildeo mudou a identidade de Jesus Ele assumiu uma nova funccedilatildeo mas natildeo

se tornou uma nova pessoa360

54 Joelhos dobrados ao nome de Jesus

O verbo κάμπτω eacute aplicado na LXX para situaccedilotildees de devoccedilatildeo religiosa

como em 1Cr 2920 ldquoE toda assembleia bendisse a Iahweh Deus de seus pais e se

ajoelhou [κάμψαντες τὰ γόνατα] para se prostrar diante de Deus e diante do reirdquo

2Cr 2929 ldquoTerminando o holocausto o rei e todos os que os acompanhavam se

ajoelharam [ἔκαμψεν] e se prostraramrdquo Dn 611 ldquotrecircs vezes por dia ele se punha

de joelhos [κάμπτων ἐπὶ τὰ γόνατα] orando e confessando a seu Deusrdquo aleacutem do

jaacute citado Is 4523 O Novo Testamento usa o verbo apenas quatro vezes sempre em

conexatildeo com o substantivo γόνυ (Ef 314 Rm 114 1411 e aqui em Filipenses) e

acompanha a LXX no aspecto da devoccedilatildeo361

Cerfaux opina que cair de joelhos diante do rei era a praacutetica entre os suacuteditos

dos reis orientais bem como uma praacutetica regular nas oraccedilotildees No mundo grego o

comum seria orar em peacute362 Pelo menos era uma praacutetica conhecida e praticada no

judaiacutesmo como se depreende dos textos acima No entanto como observa Martin

o contraste principal natildeo eacute entre o estilo lituacutergico grego ou oriental mas sim entre

uma atitude religiosa comum (o orar e o adorar em peacute) e o sentimento de aguda

necessidade e humildade do adorador diante de Deus que o levava em situaccedilotildees

extraordinaacuterias a prostrar-se em devoccedilatildeo visto que natildeo fazia parte da rotina

religiosa contemporacircnea o ajoelhar-se diante da divindade363 No caso de Fl 210 a

ideia eacute de uma profunda sujeiccedilatildeo e reconhecimento diante do senhorio de Jesus

Embora em outro contexto um paralelo neotestamentaacuterio seria Ap 58 ldquoAo receber

o livro os quatro seres viventes e os vinte e quatro Anciatildeos prostraram-se diante do

Cordeirordquo O texto descreve uma realidade celestial de prostraccedilatildeo diante de Jesus

o que (como eacute a perspectiva do livro de Apocalipse) funciona com paradigma para

360 Eacute interessante comparar essa descriccedilatildeo do hino com o fenocircmeno social do apego aos tiacutetulos Quantos pessoas ao receberem um tiacutetulo qualquer querem esquecer sua identidade como eram conhecidas anteriormente para serem agora somente reconhecidas pelo tiacutetulo 361 BAGD p 402 BALZ H SCHNEIDER G κάμπτω In DENT p 2190 362 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 306 363 MARTIN R P A Hymn of Christ p 265

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a Igreja aqui na Terra fazer o mesmo364 A reverecircncia ao Cordeiro que foi morto eacute

o reconhecimento da honra daquele que justamente foi desonrado e blasfemado na

sua morte na cruz365 E um dia como seraacute exposto abaixo os mesmos que o

mataram estaratildeo diante dele outra vez natildeo mais para desonraacute-lo mas de joelhos

dobrados diante dele

55 O alcance da reverecircncia a Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra

Na liacutengua grega ἐπουρανίων eacute usado de forma literal para referir-se aos seres

celestiais ἐπιγείων aos seres que habitam na Terra e καταχθονίων aos seres que

habitam debaixo da terra366 Os dois primeiros estatildeo geralmente em oposiccedilatildeo e

ἐπιγείων inclui os seres humanos Entre os seres celestiais estatildeo aliados e inimigos

de Deus367 estes uacuteltimos descritos em Ef 612 ldquocontra os Principados contra as

Autoridades contra os Dominadores deste mundo de trevas contra os Espiacuteritos do

Mal que povoam as regiotildees celestiais [ἐν τοῖς ἐπουρανίοις]rdquo

Na exegese contemporacircnea foi Lightfoot quem primeiro defendeu a

interpretaccedilatildeo de que a lista triacuteplice envolve tudo o que existe no universo incluindo

seres humanos seres espirituais (anjos e democircnios) e a proacutepria natureza em si

Nesse caso os trecircs adjetivos satildeo tomados como neutros A inclusatildeo dos elementos

naturais vem da comparaccedilatildeo com passagens como o Sl 148 e Rm 822 que mostram

o relacionamento da natureza com o seu criador368 De fato o caraacuteter poeacutetico da

passagem favorece a opiniatildeo de Lightfoot pois talvez Paulo natildeo estivesse

distinguindo trecircs grupos mas tatildeo soacute expressando a universalidade da reverecircncia

prestada a Jesus369

Uma segunda possibilidade de interpretaccedilatildeo eacute entender que por traacutes da

expressatildeo triacuteplice apenas estatildeo seres racionais sejam seres humanos anjos ou

364 BRUCE F F Filipenses p 82 365 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 116 366 BAGD p 290 360 e 420 367 MICHEL O ἐπουράνιος In DENT p 1562 368 MARTIN R P A Hymn of Christ p 257-258 A tese de Lightfoot foi adotada entre outros por SILVA M Philippians p 116 FOWL S Philippians p 103 embora este uacuteltimo cite com aprovaccedilatildeo a opiniatildeo de Crisoacutestomo de que a referecircncia seria aos seres racionais 369 BRUCE F F Filipenses p 83 Ele indica que as referecircncias a ceacuteu e terra no hino de Cl 115-20 seria um paralelo poeacutetico ao texto de Filipenses

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democircnios entendendo as trecircs palavras como masculinas O ponto eacute que apenas eles

podem cumprir as accedilotildees descritas na sequecircncia narrativa370 Essa perspectiva em

uma forma modificada remonta agrave antiga exegese feita pelos pais da igreja e talvez

seja a que talvez encontre maior nuacutemero de adeptos entre os estudiosos Em seu

favor estaria por exemplo o paralelo com Ap 513 ldquoκαὶ πᾶν κτίσμα ὃ ἐν τῷ οὐρανῷ

καὶ ἐπὶ τῆς γῆς καὶ ὑποκάτω τῆς γῆς καὶ ἐπὶ τῆς θαλάσσης καὶ τὰ ἐν αὐτοῖς

πάνταrdquo371 Para delimitar ainda esses seres racionais em questatildeo haacute duas

propostas de identificaccedilatildeo dos respectivos habitantes dos trecircs compartimentos do

universo apresentados pelo texto os anjos no ceacuteu os seres humanos que estatildeo na

Terra e os que estatildeo debaixo da Terra (no Sheol) ou simplesmente anjos seres

humanos e democircnios372

Um terceiro entendimento dessa expressatildeo defende a inexistecircncia de uma

situaccedilatildeo cuacuteltica em Fl 210-11 O cenaacuterio eacute determinado pelas antigas cerimocircnias

de entronizaccedilatildeo Assim sendo natildeo haacute aqui seres humanos nem Igreja nem mesmo

anjos O que existem satildeo os poderes que atuavam em todo o universo de forma

rebelde para com Deus Em uma palavra satildeo democircnios Eles dominavam essas trecircs

aacutereas da realidade conforme a antiga cosmologia que o judaiacutesmo compartilhava E

quando o cristianismo primitivo celebrou a vitoacuteria e exaltaccedilatildeo de Jesus incluiu sua

vitoacuteria sobre os poderes373 A ideia natildeo eacute de um reconhecimento voluntaacuterio e alegre

do senhorio Jesus mas que as forccedilas demoniacuteacas ldquosatildeo compelidas a admitir que ele

eacute o vencedor e eles apresentam sua submissatildeo pela sua prostraccedilatildeo diante delerdquo374

Para combinar essa interpretaccedilatildeo com o segmento inteiro dos versiacuteculos 210-11

Martin aponta a ligaccedilatildeo entre a confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo do versiacuteculo 10

com os exorcismos presentes nos evangelhos sinoacuteticos O ponto de comparaccedilatildeo eacute

que quando o nome de Jesus eacute proclamado os poderes demoniacuteacos se submetem

370 HAWTHORNE G F Philippians p 115 371 BALZ H SCHNEIDER G καταχθόνιος In DENT p 2259 Assim FEE G Comentario

de la Epiacutestola a los Filipenses p 293-294 SILVA M Philippians p 116 mostra que essa possibilidade eacute a menos objetaacutevel HELLERMAN J H Philippians p 122 372 MARTIN R P Hymn of Christ p 258 informa que a primeira versatildeo foi defendida por Clemente de Alexandria e Teodoreto enquanto que a segunda por Crisoacutestomo BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 146 defende a primeira alternativa informando natildeo existe atestaccedilatildeo para a inclusatildeo dos democircnios na expressatildeo καταχθόνιος Na mesma direccedilatildeo DE BOOR W HAHN E Carta aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 212 entende que a cosmovisatildeo biacuteblica natildeo visualiza Satanaacutes e os democircnios debaixo da Terra 373 Parece que a tese foi originalmente postulada por M Dibelius conforme MARTIN R P A

Hymn of Christ p 260 Nessa mesma linha KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 109 BARTH G A carta aos Filipenses p 48 374 MARTIN R P A Hymn of Christ p 261

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No segundo seacuteculo Justino afirma que a expulsatildeo de democircnios eacute possiacutevel porque

Jesus eacute o Senhor de todos os poderes Para fechar essa interpretaccedilatildeo Martin defende

que o verbo ἐξομολογέω tem na passagem sentido neutro diferente da confissatildeo de

feacute no sentido eclesiaacutestico mas como nas cerimocircnias de entronizaccedilatildeo antigas trata-

se apenas da admissatildeo da autoridade do Jesus exaltado como Senhor

Diante do exposto pode-se dizer que Martin estaacute certo no que afirma e

errado no que nega De fato a exaltaccedilatildeo de Jesus levou agrave submissatildeo de todos os

poderes a Jesus Satildeo democircnios que jaacute foram derrotados mas que reconheceratildeo essa

realidade na parusia apenas Entretanto natildeo eacute uma exegese razoaacutevel fazer da

expressatildeo totalizante ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων uma referecircncia

exclusiva aos democircnios375 Na verdade a carta aos Filipenses demonstra que os

crentes daquela cidade natildeo estavam muito preocupados com democircnios mas sim

com as autoridades romanas que se opunham agrave igreja376 Assim sendo a lista triacuteplice

de adjetivos juntos com a dupla πᾶνπᾶσα quer mostrar que o senhorio de Jesus

possui alcance coacutesmico Existe aqui uma cristologia coacutesmica muito semelhante a

esboccedilada em Cl 115-20377 Todo o universo visiacutevel e invisiacutevel foi impactado pela

exaltaccedilatildeo de Jesus Essa era uma mensagem fundamental para a mentalidade

helenista que ao contraacuterio da judaica valorizava muito mais a dimensatildeo espacial

do que a temporal Na visatildeo helenista existe o mundo divino que estaacute acima nos

ceacuteus e o mundo ldquoabaixordquo que eacute Terra possuiacuteda e dominada pelos poderes arbitraacuterios

e malignos378 A certeza de que haacute agora um uacutenico Senhor sobre todos os ldquomundosrdquo

era de fato uma boa notiacutecia Muito mais ainda quando o anuacutencio desse senhorio

faz parte do evangelho que mostra que o novo Senhor eacute um bom Senhor que

governa com amor e proporciona liberdade

E se Jesus eacute Senhor de todo universo espera-se que todo o universo se

submeta diante dele e o reconheccedila como tal No maacuteximo pode-se excluir os

elementos da natureza (vegetais animais e minerais) que natildeo podem realizar as

accedilotildees descritas pelos verbos κάμπτω e ἐξομολογέω ainda que tambeacutem eles estejam

375 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 mostra que o equiacutevoco dessa interpretaccedilatildeo comeccedila na suposiccedilatildeo de que a passagem depende exclusivamente de uma cosmologia gnoacutestica ou heleniacutestica 376 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 377 Lohmeyer sugere que as origens dessa cristologia coacutesmica remontam a junccedilatildeo preacute cristatilde das tradiccedilotildees do filho do homem de Dn 713-14 e do servo sofredor de Is 53 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 17-18 378 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship p 59-60

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subordinados ao Cristo exaltado e sejam alvo da transformaccedilatildeo escatoloacutegica que

estaacute em curso e culminaraacute em um novo ceacuteu e uma nova terra (Rm 819-21 Ap 211)

Essa interpretaccedilatildeo caminha de acordo com o Antigo Testamento no qual YHWH

faz exortaccedilatildeo para que ele seja adorado e receba a gloacuteria devida ao seu nome uma

exortaccedilatildeo que eacute dirigida ao povo de Israel (Sl 951-17) e tambeacutem aos seres

celestiais (Sl 291-2 1482) agraves pessoas em geral (Sl 471-2) a todo ser que respira

(Sl 1506) agrave toda a Terra (Sl 661-2) e finalmente agrave toda a criaccedilatildeo que eacute convocada

a adorar o Senhor (Sl 6934 969-13 984-9) A uacutenica mudanccedila eacute que agora o tiacutetulo

ldquoSenhorrdquo natildeo se refere apenas a YHWH mas tambeacutem a Jesus379

56 E toda liacutengua confesse

O verbo ἐξομολογέω pode ser tomado em um sentido neutro de admitir

reconhecer sem nenhum elemento de gratidatildeo ou devoccedilatildeo sincera envolvida380 A

ideia eacute que o termo estaria mais proacuteximo da aclamaccedilatildeo nas antigas cerimocircnias de

entronizaccedilatildeo do que do conceito moderno de confissatildeo pessoal de feacute Natildeo eacute uma

experiecircncia religiosa mas uma ldquoaccedilatildeo de direito sagradordquo onde ldquose reconhece

puacuteblica e indefectivelmente o proclamadordquo381

Entretanto o respectivo sentido neutro do verbo em questatildeo eacute caracteriacutestica

do seu uso no grego secular A Septuaginta vai carregar o sentido do grupo de

palavras relacionadas a ὁμολογέω com conteuacutedo hebraico veterotestamentaacuterio que

seria a leitura natural para um judeu Dessa forma as ideias baacutesicas subjacentes satildeo

confessar pecados e exaltar a Deus No Novo Testamento por sua vez o sentido

mais importante do grupo de palavras eacute o de dar testemunho com uma conotaccedilatildeo

legal Como em Lc 128 e Mt 1032 a confissatildeo implica em um comprometimento

com Jesus que traraacute implicaccedilotildees escatoloacutegicas no julgamento final Eacute natural que

essas palavras passem daiacute para a ideia de confissatildeo de feacute (Rm 109-10) O ponto eacute

que confessar eacute se comprometer com quem eacute confessado de modo que essa acepccedilatildeo

carrega junto aspectos do entendimento anterior Contudo parece que a

379 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 242 380 MARTIN R P A Hymn of Christ p 263-264 381 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 112

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terminologia passou de um compromisso pessoal de feacute para funcionar como

diferenciaccedilatildeo teoloacutegica entre grupos cristatildeos (1Jo 42)

O uso predominante de ἐξομολογέω no Novo Testamento natildeo segue o uso

do grego secular mas a perspectiva judaica de utilizaccedilatildeo no culto na adoraccedilatildeo

Dessa forma prioritariamente envolve a igreja que adora o Cristo Exaltado sobre a

Terra e no ceacuteu Mas natildeo se deve excluir a expectativa escatoloacutegica do texto e o seu

alcance coacutesmico que inclui todo o universo Esta natildeo pode ser uma exegese do tipo

isso-ou-aquilo isto eacute ou ἐξομολογέω tem um alcance exclusivamente coacutesmico ou

apenas eclesiaacutestico Nenhuma ldquoliacutenguardquo deveria ser excluiacuteda das palavras πᾶσα

γλῶσσα pois a intenccedilatildeo do autor eacute mostrar que o Jesus exaltado eacute Senhor de todo

o universo e a expectativa escatoloacutegica envolve nada menos do que todo universo

reconhecendo o senhorio de Jesus Literalmente falando um dia todos os seres

racionais reconheceratildeo que soacute existe um Senhor e o nome dele eacute Jesus382 E como

isso inclui democircnios e pessoas que rejeitam Jesus Cristo eacute certo que eles natildeo faratildeo

isso com alegria ou voluntariedade mas contra a sua proacutepria vontade diante de um

poder a que natildeo podem resistir No caso desse grupo ἐξομολογέω tem sem

duacutevidas um significado apenas formal sem qualquer conotaccedilatildeo de louvor accedilatildeo de

graccedilas e confissatildeo de feacute Em contrapartida a Igreja antecipa essa realidade

escatoloacutegica quando aqui e agora dobra os seus joelhos e confessa Jesus como

κύριος e faz isso de livre e espontacircnea vontade com alegria e louvor Por sua vez

a funccedilatildeo pragmaacutetica do hino eacute convocar os ouvintes e leitores a desde jaacute se juntarem

nessa adoraccedilatildeo e assumirem o senhorio de Jesus sobre suas vidas Para esse grupo

ἐξομολογέω tem o sentido prioritariamente biacuteblico de confissatildeo de feacute Natildeo se pode

afastar essa hipoacutetese simplesmente atribuindo ldquoconfissatildeo de feacuterdquo ao individualismo

moderno e estranha ao cristianismo primitivo383 Esse eacute um argumento falacioso

porque o objeto do verbo ἐξομολογέω eacute a sentenccedila κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

reconhecida como uma das mais antigas confissotildees de feacute cristatildes utilizada no

382 HAWTHORNE G F Philippians p 116 Aqui volta-se novamente agrave discussatildeo de quem estaacute por traacutes da lista triacuteplice ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων Conquanto Hawthorne tenha optado pelo entendimento de que o texto se refere a todos os seres racionais ele observa que a expressatildeo ldquotoda a liacutenguardquo eacute sinocircnima de todos os povos da Terra (Is 6618 Dn 34 e 7 Ap 59 79 1011) 383 Opiniatildeo esboccedilada por MARTIN R P A Hymn of Christ p 264

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periacuteodo preacute paulino na igreja de fala aramaica384 e que talvez seja a matildee das

posteriores confissotildees de feacute385

Dessa forma a exegese do texto deve admitir a ambiguidade do verbo

utilizado e consideraacute-lo em conjunto com o horizonte escatoloacutegico presente na

passagem para solucionar a tensatildeo existente no universalismo encontrado aqui386

Natildeo eacute necessaacuterio trazer para o verbo ἐξομολογέω um improvaacutevel exclusivo sentido

proveniente do grego claacutessico para explicar que nem todos confessaratildeo Jesus como

Senhor de maneira espontacircnea Aliaacutes o verbo em tela eacute parte de uma passagem com

profundas influecircncias do Antigo Testamento e da LXX em particular e faz parte

de uma alusatildeo ao texto de Is 4523 que traz o mesmo verbo alterando apenas o seu

aspecto temporal Ou seja o sentido neutro de simples admissatildeo estaacute presente em

ἐξομολογέω como tambeacutem o aspecto positivo de um alegre e sincero

reconhecimento A escatologia paulina e a do cristianismo primitivo presentes na

passagem satildeo decisivas para a elucidaccedilatildeo da questatildeo387

57 O significado biacuteblico-teoloacutegico da reverecircncia oferecida em Fl 210-11

571 Quem reverencia e quem eacute reverenciado

Satildeo possiacuteveis duas interpretaccedilotildees sobre o destinataacuterio e a ocasiatildeo vinculados

agraves accedilotildees aqui descritas A primeira possibilidade enxerga o texto dentro de um

contexto lituacutergico Essa perspectiva comeccedila pela anaacutelise da relaccedilatildeo entre os verbos

κάμπτω e ἐξομολογέω e a expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ Em Fl 29-11 o sentido

384 FITZMYER J κύριος In DENT p 2439 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 385 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 284 386 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 247-250 apresenta seis extensos argumentos em favor do sentido neutro de ἐξομολογέω Ele poreacutem nem conjectura a possibilidade do autor estar usando o verbo de forma propositadamente ambiacutegua O ponto eacute que a maioria dos autores que defendem o verbo como neutro querem com isso afastar a implicaccedilatildeo teoloacutegica de que no final dos tempos todos os seres sem exceccedilatildeo ofereceratildeo uma adoraccedilatildeo voluntaacuteria e alegre a Jesus incluindo os poderes atualmente hostis a Deus No entanto ao fazerem isso esquecem que o verbo no texto tambeacutem funciona para a Igreja a qual natildeo faz uma mera admissatildeo do senhorio de Jesus Nesse sentido essa interpretaccedilatildeo soacute eacute coerente quando a Igreja eacute excluiacuteda da cena e apenas as forccedilas contraacuterias a Deus os democircnios satildeo visualizados Eacute a proposta original de Lohmeyer seguida por Martin Todavia coerecircncia natildeo eacute correccedilatildeo e esta interpretaccedilatildeo deve ser afastada por outras consideraccedilotildees 387 Apesar do contraacuterio parecer oacutebvio a tese de Martin de interpretar ἐξομολογέω agrave luz do grego claacutessico eacute seguida por vaacuterios exegetas como HELLERMAN J H Philippians p 123

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desta uacuteltima expressatildeo natildeo eacute instrumental como se as accedilotildees dos verbos em questatildeo

fossem feitas atraveacutes do nome de Jesus mas dirigidas a Deus Pai Ao contraacuterio a

honra eacute dirigida ao Cristo exaltado388 Tudo aqui eacute feito para o proacuteprio Jesus e por

causa do nome que agora ele tem Na locuccedilatildeo preposicional o genitivo Ἰησοῦ eacute

possessivo ou seja dobrar o joelho e confessar o nome que pertence a Jesus e jaacute

ficou estabelecido que esse nome eacute o tiacutetulo κύριος O Cristo exaltado como κύριος

eacute o recipiente das accedilotildees descritas nos versiacuteculos 10-11389 A evidecircncia da

Septuaginta fortalece esse argumento pois nela cultuar ldquoem nome de Deusrdquo

significa adoraccedilatildeo dirigida ao proacuteprio Deus390 Entre outros eacute o caso de 2Sm 2250

Sl 439 625 e 8813 textos que literalmente usam a expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι

Assim a ecircnfase da frase estaacute na proclamaccedilatildeo de Jesus como Senhor Quando

o nome daquele que tem o nome sobre todo nome eacute proclamado todos devem dobrar

os joelhos reverenciaacute-lo e reconhececirc-lo como Senhor Em outras palavras

adoraccedilatildeo dever ser dirigida a Jesus391 A situaccedilatildeo tiacutepica no culto cristatildeo em que isso

pode acontecer eacute o batismo onde o batizado se ajoelha e faz a confissatildeo do nome

de Jesus392 Quanto agrave outra questatildeo que discute a existecircncia de uma adoraccedilatildeo a Jesus

no cristianismo neotestamentaacuterio ela seraacute enfrentada mais agrave frente

A outra alternativa de interpretaccedilatildeo foi apresentada inicialmente por

Lohmeyer Segundo ele a igreja natildeo estaacute presente em nenhum lugar da passagem

O texto descreve um drama coacutesmico e mostra Jesus como Senhor do cosmos e natildeo

Senhor da Igreja393 Jesus continua sendo o alvo da reverecircncia mas quem se

submete natildeo satildeo os cristatildeos e sim os poderes coacutesmicos Existe aqui para esta

interpretaccedilatildeo uma descriccedilatildeo miacutetica paralela as que satildeo feitas no livro de

Apocalipse descrevendo uma cena do ldquooutro mundordquo com a linguagem deste

mundo Cristo estaacute assumindo o domiacutenio celestial e eacute saudado por isso394

388 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 240 389 MARTN R P A Hymn of Christ p 249-250 Da mesma forma pensa BRUCE F F Filipenses p 83 HAWTHORNE G Philippians p 115 entre outros 390 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 391 MARTIN R P A Hymn of Christ p 251-252 BOCKMUEHL M The Epistle to the

Philippians p 145 392 MARTIN R P Filipenses p 115 De fato o batismo eacute considerado por alguns como a possiacutevel situaccedilatildeo lituacutergica na qual o hino originalmente teria sido usado se algum dia ele existiu fora da carta aos Filipenses cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 81-82 393 Esse foi um dos pontos fundamentais para Lohmeyer rejeitar a autoria paulina do hino Da mesma forma KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 109 394 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p 253 Lohmeyer estaacute usando mito conforme a definiccedilatildeo de Bultmann ldquoo uso de imagens para expressar o outro mundo em termos deste mundo e o divino em termos de vida humana o outro lado em termos deste ladordquo

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Kaumlsemann adotou e desenvolveu essa interpretaccedilatildeo mostrando que a utilizaccedilatildeo do

nome ldquoJesusrdquo na passagem eacute fundamental para distinguir o mito do uso cristatildeo do

mito Pois na medida em que o autor utiliza nessa segunda parte o nome terreno do

κύριος exaltado ele assume que esse κύριος eacute o mesmo homem-servo descrito na

primeira parte que se humilhou foi obediente e morreu em uma cruz Esta ligaccedilatildeo

do κύριος com Jesus mostra que o hino apenas utiliza a estrutura do mito mas

afasta-se dele em um ponto determinante

O duplo uso do adjetivo πᾶνπᾶσα jaacute indica algo total universal Com a lista

triacuteplice de adjetivos ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων percebe-se que o

autor quer descrever aqui accedilotildees que vatildeo muito aleacutem de uma situaccedilatildeo restrita a um

ambiente eclesiaacutestico Seja como for que se entenda cada uma das trecircs palavras

elas querem acentuar que o senhorio de Jesus eacute coacutesmico universal estaacute fora de

qualquer limitaccedilatildeo geograacutefica No entanto eacute problemaacutetico seguir esta ideia

esboccedilada acima e excluir a situaccedilatildeo de culto do quadro de Fl 29-11 Primeiro como

argumentado na exposiccedilatildeo sobre o versiacuteculo 25 o hino apresenta o que significa

estar ἐν Χριστῷ e nesse sentido inclui e diz respeito diretamente aos cristatildeos Se o

quadro pintado eacute coacutesmico eacute porque o alcance do senhorio de Jesus Cristo tambeacutem

eacute coacutesmico Isso natildeo exclui a igreja mas a inclui395 Segundo por conta do vieacutes

escatoloacutegico da passagem a Igreja jaacute aqui e agora pode e deve dobrar-se diante do

nome de Jesus e confessaacute-lo como seu Senhor antecipando o final dos tempos

Todos aqueles que um dia ouviram o hino ou ouviram a carta de Paulo ser lida no

culto ou hoje a leem satildeo desafiados a reverenciar e confessar Jesus Chegaraacute o

tempo em que todos faratildeo isso voluntariamente com alegria ou constrangidos por

simples constataccedilatildeo da realidade396 Nas palavras de De Boor

Bilhotildees de pessoas passaram por esta terra e morreram sem ter conhecido Jesus Todas elas o conheceratildeo todas dobraratildeo o joelho diante dele [] Atualmente milhotildees ainda natildeo sabem nada a respeito de Jesus milhotildees o rejeitam desprezam ridicularizam ou odeiam poreacutem esses milhotildees hatildeo de se ajoelhar diante dele todos sem exceccedilatildeo [] Com que juacutebilo e beatitude se ajoelharatildeo diante de Jesus aqueles que se deixaram salvar por ele que por isso o amaram e viveram para ele Como de pavor cairatildeo de joelhos aqueles que passaram orgulhosamente por ele ou o combateram397

395 BRUCE F F Filipenses p 89 396 Natildeo significa assim que um dia todo o universo tornar-se-aacute disciacutepulo voluntaacuterio e feliz de Jesus VOLF-GUNDRY J M Universalismo In DPC p 1220-1221 397 DE BOOR W HAHN E Cartas aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 212

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O fato eacute que Fl 210-11 opera dentro do famoso esquema neotestamentaacuterio

do jaacute-e-ainda-natildeo escatoloacutegico O curioso eacute que o proacuteprio Kaumlsemann caiu no erro

que criticou de desprezar o escatoloacutegico em favor do miacutetico

E embora natildeo decisivo um argumento adicional em favor da tese que inclui

a Igreja nessa submissatildeo a Jesus eacute a pergunta pela funccedilatildeo pragmaacutetica do texto isto

eacute por que e com qual objetivo foi escrito tal texto398 E a resposta provaacutevel natildeo eacute

simplesmente informar os leitores de um evento coacutesmico mas descrever um evento

escatoloacutegico e desafiar os leitores a reconhecer Jesus como Senhor e em

consequecircncia viver o estilo de vida correspondente a essa submissatildeo que eacute o

objetivo da parecircnese paulina no contexto como visto um pouco antes

572 Quando eacute reverenciado

A questatildeo eacute qual perspectiva temporal estaacute envolvida no senhorio de Jesus

e consequentemente na reverecircncia oferecida a Jesus isto eacute Jesus jaacute assumiu o seu

senhorio sobre o cosmos e as accedilotildees de Fl 210-11 jaacute satildeo oferecidas a ele como tal

ou tudo isso soacute ocorreraacute na parusia Quando seraacute esse momento em que todo o

universo se prostraraacute diante de Jesus Existe assim uma tensatildeo escatoloacutegica no

texto A melhor soluccedilatildeo eacute a que foi desenvolvida por Cullmann399 Dentro da

perspectiva da histoacuteria da salvaccedilatildeo Cullmann defende que para o cristianismo

primitivo o evento Cristo ndash a apariccedilatildeo do Messias sua morte e ressurreiccedilatildeo ndash eacute o

acontecimento central da histoacuteria da salvaccedilatildeo

Eacute o ponto central que daacute o verdadeiro sentido salviacutefico ao passado agrave luz do

evento central a narrativa do Antigo Testamento eacute compreendida como preparatoacuteria

para a apariccedilatildeo do Cristo400 Quanto ao futuro o cristianismo primitivo alterou o

seu significado em relaccedilatildeo ao judaiacutesmo Neste toda a esperanccedila de salvaccedilatildeo tendia

398 EGGER W Metodologia do Novo Testamento p 131 399 Nesse quesito ele foi seguido de perto por MARTIN R P A Hymn of Christ p 267-270 Outra soluccedilatildeo eacute apresentada por BARTH G A carta aos Filipenses p 48 52-53 Ele entende que Fl 210-11 apresenta o que os poderes espirituais ofereceram a Jesus no momento da sua exaltaccedilatildeo Seguindo o padratildeo das cerimocircnias de entronizaccedilatildeo no momento da ressurreiccedilatildeo exaltaccedilatildeo os poderes espirituais que atuavam no universo de forma rebelde se prostraram diante de Jesus e reconheceram ele como o legiacutetimo Senhor do cosmos Disso ele conclui que o hino traz uma escatologia diferente daquela caracteristicamente paulina ou seja uma escatologia jaacute completa e realizada sem esperanccedila futura 400 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 179

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para o futuro para o que Deus tinha preparado para o final dos tempos Jaacute os

primeiros cristatildeos entenderam que o acontecimento salviacutefico preparado por Deus jaacute

aconteceu Para eles ldquoo futuro natildeo eacute mais como no judaiacutesmo o telos doador de

sentido a toda a histoacuteria Na realidade o τέλος que daacute seu sentido agrave histoacuteria eacute Jesus

Cristo que jaacute veiordquo401 Isso natildeo significa poreacutem que o futuro perdeu o seu valor

Ele foi sim resignificado no cristianismo primitivo em relaccedilatildeo ao judaiacutesmo

O papel do futuro fica ainda mais claro quando se entende o sentido

histoacuterico-salviacutefico do presente nesse esquema Antes de tudo eacute um presente

delimitado Natildeo eacute um presente ad eternum Ele comeccedilou na exaltaccedilatildeo de Cristo e

terminaraacute na sua parusia402 E o conteuacutedo cristoloacutegico desse presente eacute o reinado de

Jesus Aqui volta-se para o conteuacutedo de Fl 210-11 Para o cristianismo primitivo

a exaltaccedilatildeo de Jesus caracteriza o iniacutecio da sua soberania coacutesmica nos ceacuteus na

Terra e debaixo da Terra403

W Bousset sustentou que essa era uma compreensatildeo que somente se

desenvolveu no cristianismo em comunidades cristatildes helenistas O foco cristoloacutegico

palestinense era apenas a expectativa da volta do filho do homem404 Inclusive o

tiacutetulo κύριος era entendido por esse vieacutes escatoloacutegico Jesus eacute o κύριος que viraacute na

parusia Contudo essa riacutegida diferenciaccedilatildeo entre uma cristologia helenista e outra

401 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 182 Grifos dele 402 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194 Assim tambeacutem KAumlSEMANN E Ensayos

Exegeticos p 111 ldquoSegundo a concepccedilatildeo neotestamentaacuteria o tempo do fim comeccedila precisamente com o que se realiza com Cristo e em Cristo Naturalmente o que aqui se descreve natildeo pode considerar-se todavia como acabado Ele se cumpre continuamente ateacute que chegue a parusiardquo 403 Segundo 1Cor 1524 no final desse presente Jesus entregaraacute o reino a Deus Pai Eacute difiacutecil no entanto distinguir entre um Reino de Deus e um Reino de Cristo (Regnum Dei e Regnum Christi) Kreitzer opina que ao inveacutes de forccedilar a passagem nessa direccedilatildeo eacute necessaacuterio compatibilizaacute-la com outros textos paulinos e assim concluir que natildeo existe uma diferenccedila real entre Reino de Deus e Reino de Cristo KREITZER L J Reino de DeusCristo In DPC p 1054-1055 Pode-se tatildeo somente dizer que nesse periacuteodo da histoacuteria da salvaccedilatildeo Deus estaacute reinando atraveacutes de Cristo ldquoNo pensamento do apoacutestolo natildeo haacute distinccedilatildeo real entre o reino de Deus e o reino de Cristordquo GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 385 Veja que Ap 115 vislumbra um reinado conjunto entre Deus e o Messias ldquoO reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo e ele reinaraacute pelos seacuteculos dos seacuteculosrdquo 404 Para BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 173 essa ecircnfase no senhorio presente de Jesus inclusive com suas implicaccedilotildees lituacutergicas ldquoeacute o aspecto caracteriacutestico da comunidade escatoloacutegica do cristianismo helenista pois foi nela que pela primeira vez a figura de Jesus Cristo natildeo eacute apenas a do salvador escatoloacutegicordquo

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aramaico-palestinense foi considerada muito duvidosa e mesmo equivocada405 de

modo que se reconheceu que o cristianismo primitivo jaacute no seu primeiro segmento

em Jerusaleacutem sempre teve uma cristologia da exaltaccedilatildeo com amplos coloridos

lituacutergicos conjugada com a expectativa escatoloacutegica de uma futura parusia de

Cristo406 Esse duplo foco no reinado presente e na esperanccedila futura pode ter

seguido o caminho apontado por Marshall ldquoa igreja natildeo tinha razatildeo para supor que

Jesus iria retornar como Senhor se ele natildeo tivesse sido exaltado por Deusrdquo por

outro lado ldquosobre a base da ressurreiccedilatildeo os disciacutepulos devem ter argumentado

que Jesus deve ser o Senhor exaltado e portanto o Senhor vindouro e Filho do

Homemrdquo407

No Novo Testamento a cristologia do presente estaacute associada de modo

especial ao Salmo 1101 e a confissatildeo de feacute ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo Ambos os

elementos estatildeo presentes aqui em Fl 210-11 (o que reforccedila a importacircncia

cristoloacutegica desse texto) A confissatildeo de feacute aparece explicitamente no verso 11 e

seraacute objeto do proacuteximo capiacutetulo O Sl 1101 pode estar impliacutecito na expressatildeo πᾶν

γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων O Salmo diz ldquoOraacuteculo de

Iahweh ao meu senhor lsquoSenta-te agrave minha direita ateacute que eu ponha teus inimigos

como escabelo de teus peacutesrsquordquo Esse texto tornou-se uma fonte de reflexatildeo

cristoloacutegica jaacute na fase mais primitiva da igreja408 um caminho indicado pelo proacuteprio

Jesus segundo os evangelhos sinoacuteticos (Mt 224-16 Mc 1235-37 Lc 2041-44) E

ainda nesta fase inicial ele foi ligado a um versiacuteculo de outro salmo de intepretaccedilatildeo

messiacircnica o Sl 87 que afirma ldquoPara que domine as obras de tuas matildeos sob seus

peacutes tudo colocasterdquo409 A associaccedilatildeo entre os dois salmos pode ser constatada em

405 Parece que a ideia uma igreja heleniacutestica separada de Jerusaleacutem e anterior agrave conversatildeo de Paulo foi apresentada pela primeira vez em 1912 (um ano antes do lanccedilamento da obra de Bousset) em um artigo de W Heimuumlller como informa HENGEL M Between Jesus and Paul p 32-33 Destarte Hengel tambeacutem afirma que cresceu entre os estudiosos da aacuterea a consciecircncia de que na Igreja de Jerusaleacutem havia cristatildeos de fala grega de modo que formulaccedilotildees cristoloacutegicas feitas em grego natildeo necessariamente refletem um periacuteodo posterior Nas palavras de DODD C H Segundo as

Escrituras p 116 ldquoremontar a uma eacutepoca em que natildeo havia nenhum cristatildeo de liacutengua grega eacute uma tarefa desesperadorardquo 406 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 24-38 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 147-151 RIDDERBOS H A teologia do

apoacutestolo Paulo p 85 407 MARSHALL I H The Origins of New Testament Christology p 102-103 408 DODD C H Segundo as Escrituras p 104-105 BRUCE F F Paulo apoacutestolo da graccedila p 111 Ambos os autores relacionam o salmo 1101 como um dos mais antigos testimonia da igreja pimitiva 409 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 296

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1Cor 1525-27 Ef 120-22 1Pe 322 e Hb 113-29410 Os dois salmos foram ligados

agrave exaltaccedilatildeo de Jesus e assim ao tiacutetulo κύριος O ldquoSenta-te agrave minha direitardquo ligou-

se agrave ascensatildeo de Jesus (chegando a ser incluiacutedo no chamado ldquoCredo apostoacutelicordquo)

o ldquosob seus peacutes tudo colocasterdquo relacionava-se ao senhorio presente e universal de

Cristo e os ldquoinimigosrdquo do Sl 1101 foram interpretados como os principados e

potestades indicando a soberania espiritual de Jesus411 E como notado acima o

entendimento correto da expressatildeo πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων inclui o conceito da subordinaccedilatildeo das forccedilas coacutesmicas ao Jesus

exaltado Justamente o reinado de Cristo no presente envolve a subjugaccedilatildeo de todos

esses ldquoinimigosrdquo que no entanto seratildeo finalmente derrotados na parusia nessa

tensatildeo entre presente e futuro 412

Dessa forma para o cristianismo primitivo o reinado de Cristo jaacute comeccedilou

em sua exaltaccedilatildeo413 e o seu senhorio sobre as forccedilas coacutesmicas estaacute dentro da famosa

categoria neotestamentaacuteria do jaacute-e-ainda-natildeo ou seja Cristo jaacute as subjugou e eacute

Senhor sobre elas mas elas ainda natildeo foram destruiacutedas e ainda exercem algum tipo

de atividade no mundo414 Esse paradoxo estaacute bem expresso em outros textos do

cristianismo primitivo como em 1Pe 322 ldquoque tendo subido ao ceacuteu estaacute agrave direita

de Deus estando-lhe sujeitos os anjos as Dominaccedilotildees e as Potestadesrdquo e na

Segunda Epiacutestola de Policarpo aos Filipenses 21 ldquocrendo naquele que ressuscitou

nosso Senhor Jesus Cristo dos mortos e lhe deu a gloacuteria e o trono agrave sua direita Tudo

o que existe no ceacuteu ou na terra lhe estaacute submissordquo415

410 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 296 411 DODD C H Segundo as Escrituras p 118 CULLMANN O Cristologia do Novo

Testamento p 292 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 239 Neste uacuteltimo o autor defende que a interpretaccedilatildeo dos inimigos do Sl 1101 como potestades pelo Novo Testamento foi intermediada pela crenccedila existente no judaiacutesmo tardio de que as naccedilotildees satildeo governadas por anjos 412 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 113 vai entender que esse tema da subjugaccedilatildeo dos poderes eacute uma adaptaccedilatildeo cristatilde do mito helenista do salvador entronizado presente especialmente na quarta eacutecloga de Virgiacutelio 413 A interpretaccedilatildeo da temaacutetica do reino de Deus nos evangelhos sinoacuteticos daacute conta que o ministeacuterio terreno de Jesus jaacute inaugurou esse reino A presenccedila de Jesus jaacute eacute a manifestaccedilatildeo do Reino Soacute que a accedilatildeo de Jesus que traz o reino natildeo eacute soacute a encarnaccedilatildeo e sua pregaccedilatildeo mas o complexo de eventos que marca essa virada escatoloacutegica e cujo uacuteltimo acontecimento foi a exaltaccedilatildeo Dessa forma Paulo de forma acertada enfatiza o reinado de Cristo a partir da sua exaltaccedilatildeo sem estabelecer necessariamente uma contradiccedilatildeo com os sinoacuteticos 414 BARCLAY W Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 46 apresenta um tipo de universalismo romacircntico atraveacutes do qual defende que o senhorio de Cristo nunca envolve subjugaccedilatildeo Segundo ele no final dos tempos todo o universo aclamara Jesus como Senhor constrangido pelo tamanho do seu amor e sacrifiacutecio 415 POLICARPO DE ESMIRNA Segunda Carta aos Filipenses p 139-140

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Ademais os primeiros cristatildeos diluiacuteam essa tensatildeo entre o presente e futuro

histoacuterico salviacutefico na sua experiecircncia de adoraccedilatildeo ldquoSempre nos momentos de culto

cristatildeo tempo e espaccedilo satildeo obliterados e a igreja adoradora sobre a Terra eacute uma em

eternidade com a Igreja nos lugares celestiaisrdquo416 De fato haacute uma forte conexatildeo

entre Fl 26-11 e o culto cristatildeo Se a passagem natildeo tiver sua origem em um hino

cristatildeo primitivo (o que eacute improvaacutevel como visto acima) a ideia de dobrar os

joelhos e fazer confissatildeo e no caso particularmente a confissatildeo ldquoJesus eacute Senhorrdquo

remetem de fato ao contexto de culto Destarte natildeo existe um dilema real entre a

adoraccedilatildeo a Jesus no presente e no futuro O texto fala de uma adoraccedilatildeo no presente

e no futuro descrevendo o que agora jaacute acontece na Igreja e o futuro que envolveraacute

todo o universo417

O segundo conteuacutedo teologicamente importante do presente na histoacuteria da

salvaccedilatildeo eacute a igreja418 O periacuteodo entre a ascensatildeo e a parusia eacute o tempo da igreja E

se Cristo estaacute reinando sobre todo o universo a igreja eacute ldquoo centro espacial dessa

soberaniardquo pois nela essa soberania torna-se visiacutevel419 Isso ocorre porque dentro

desse periacuteodo delimitado como presente e dentro desse espaccedilo que eacute o cosmos eacute na

Igreja que se pode encontrar aqueles que dobram os seus joelhos ao nome de Jesus

e confessam com seus laacutebios que Jesus Cristo eacute Senhor Aquilo que seraacute no tempo

futuro uma realidade universal jaacute acontece no tempo presente no espaccedilo chamado

Igreja Nesse contexto deve ser mencionada a proximidade entre o Jesus exaltado e

Espiacuterito Santo Porque nesse presente da histoacuteria da salvaccedilatildeo a Igreja eacute a

comunidade caracterizada pela presenccedila do Espiacuterito e dirigida por ele E esse

fenocircmeno eacute consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus Estar na Igreja eacute equivalente a estar

em Cristo que eacute sinocircnimo de estar no Espiacuterito Ou ainda na oacutetica do presente da

histoacuteria da salvaccedilatildeo estar na Igreja e estar no Espiacuterito equivale a vivenciar o reinado

do Cristo exaltado420 E por outro lado o Espiacuterito Santo eacute nesse tempo o agente de

Cristo pois ele age na comunidade promovendo o nome de Jesus421 ldquoAssim o

416 MOULE C F D The Birth of the New Testament p 149 417 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo p 120 418 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194-195 419 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194 420 KREITZER L J Reino de DeusCristo In DPC p 1054 421 WITHERINGTON III B Cristologia In DPC p 324 Isso natildeo implica dizer que Paulo confundia o Senhor exaltado com o Espiacuterito Santo

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Senhor exaltado estaacute presente e disponiacutevel para o fiel por meio do Espiacuterito que nele

habitardquo422

E essa perspectiva possui uma dupla funccedilatildeo pragmaacutetica Para a Igreja

propriamente dita o hino faz ver aleacutem do presente para contemplar a realidade

escatoloacutegica completa quando todas as forccedilas poderes e seres que hoje se opotildeem

e mesmo perseguem o corpo de Cristo aqui na Terra dobraratildeo os joelhos diante do

Senhor da Igreja e confessaratildeo o seu nome reconhecendo entatildeo sua derrota423

Assim ldquoquando o hino eacute cantado e seu poderoso senhorio eacute reconhecido e

confessado a Igreja mostra que mesmo agora e aqui sobre a Terra existe um

presente Reino de Cristo e que ela eacute chamada a viver (e sofrer) sob o senhorio dele

que eacute a cabeccedila da Igrejardquo424 Nessa perspectiva o texto tanto traz esperanccedila pois

mostra a realidade que hoje soacute eacute conhecida pela feacute425 quanto reafirma para o cristatildeo

a sua situaccedilatildeo atual de estar ldquoἐν Χριστῷrdquo (Fl 25) e que a sua vida deve

corresponder a essa situaccedilatildeo escatoloacutegica na qual ele estaacute inserido tendo Jesus o

Senhor do cosmos como seu senhor pessoal426 Aqui reencontra-se o elemento

pareneacutetico da passagem

Por outro lado esse texto traz uma dimensatildeo ainda maior Como nem todas

as pessoas que vivem nesse tempo presente estatildeo dentro desse espaccedilo chamado

Igreja Fl 210-11 tambeacutem cumpre a funccedilatildeo de desafiar seus ouvintes e leitores a jaacute

se submeterem e a confessarem Jesus como seu κύριος Nessa linha Fl 210-11

vislumbra um duplo reconhecimento do senhorio de Jesus Aqueles que tanto aqui

e agora quanto no final dos tempos celebram alegremente Jesus como Senhor e

422 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 524 423 Ao contraacuterio do exposto acima HAWTHORNE G F Philippians p 116 apresenta uma opiniatildeo bem peculiar Na visatildeo dele o hino esboccedila a expectativa de que um dia todo o universo se submeteraacute alegremente a Jesus como Senhor Ele parte da premissa de que o texto tem em mira todos os seres inteligentes do universo e que todos eles tecircm a liberdade de escolher a quem vatildeo se submeter Nesse sentido o hino estaria afirmando que Deus exaltou Jesus com essa intenccedilatildeo poreacutem por causa da liberdade dos seres a proacutepria expectativa de Deus pode ser frustrada Eacute difiacutecil no entanto considerando os dados biacuteblicos pensar que essa seja a expectativa de Deus em relaccedilatildeo aos democircnios por exemplo 424 MARTIN R P A Hymn of Christ p 291 425 MARTIN R P A Hymn of Christ p 269-270 Cullmann indica que no momento da Eucaristia em cada culto cristatildeo a Igreja experimenta a atualizaccedilatildeo da histoacuteria da salvaccedilatildeo evocando os acontecimentos do evento central (morte e ressurreiccedilatildeo) e antecipando algo que soacute deveria ocorrer no final dos tempos que eacute a comunhatildeo com Jesus Cristo ressurreto CULLMANN O Cristo e o

Tempo p 199 Isso daacute alguma razatildeo aos que pensam que Fl 26-11 se originou em um contexto eucariacutestico Essa era a tese de Lohmeyer que entre outros argumentos afirmou que nesta periacutecope ldquoa feacute da igreja eacute direcionada a um alvo puramente escatoloacutegicordquo E Lohmeyer apud ldquoMARTIN R P A Hymn of Christ p 94 426 MARTIN R P Filipenses p 115-116

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por isso com gratidatildeo e de forma voluntaacuteria dobram os joelhos diante de Jesus

Em contrapartida aqueles que aqui rejeitam Jesus Cristo na sua parusia teratildeo de

curvar-se diante dele com vergonha e tristeza427

58 Fl 210-11 e a adoraccedilatildeo a Jesus

Conforme observado acima os verbos κάμπτω e ἐξομολογέω descrevem

accedilotildees religiosas que satildeo dirigidas ao proacuteprio Jesus No contexto biacuteblico satildeo verbos

proacuteprios da adoraccedilatildeo428 Cabe aqui entatildeo aprofundar um pouco a discussatildeo de uma

adoraccedilatildeo a Jesus no Novo Testamento e em Fl 210-11 de modo especiacutefico

A questatildeo eacute que alguns estudiosos continuaram seguindo o esquema de uma

comunidade heleniacutestica distinta do cristianismo palestinense com uma ecircnfase

cristoloacutegica completamente diferenciada Nesta perspectiva muitos consideraram

que a adoraccedilatildeo a Jesus no culto resultante de uma cristologia da exaltaccedilatildeo foi uma

deturpaccedilatildeo equivalente agrave criaccedilatildeo de uma nova religiatildeo em relaccedilatildeo aos cristatildeos de

Jerusaleacutem429 O pressuposto eacute que seria inconcebiacutevel para um judeu adorar outra

pessoa ao lado de Deus Para sair desse dilema uma das propostas foi reconhecer

que a liturgia das igrejas palestinense e heleniacutestica a saber os hinos as oraccedilotildees o

proacuteprio culto sempre foi destinado a Deus Jesus desempenhava um duplo papel o

de conteuacutedo do culto onde a igreja louvava e agradecia a Deus por Jesus e

mediador do culto as oraccedilotildees accedilotildees de graccedilas e louvores chegam ao Pai por meio

do Senhor Jesus De fato ambas as funccedilotildees de Jesus satildeo atestadas no Novo

Testamento Como mediador Jo 162326 Rm 18 Ef 520 Cl 317 1Tm 25 entre

outros Como conteuacutedo os hinos de Fl 26-11 Cl 115-20 1 Tm 316 e em especial

a celebraccedilatildeo da Ceia do Senhor Mas deve se parar por aiacute J D G Dunn acha que

sim430 Ele recomenda cautela quando se fala de um culto a Jesus no cristianismo

primitivo Ele sugere seguir a terminologia proposta no conciacutelio de Niceacuteia em 787

427 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 146-147 428 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses (Phil 26-11) p 467-468 429 BULTMANN R Crer e compreender p 109 afirma ldquoo cristianismo heleniacutestico eacute uma religiatildeo de culto ele eacute no fundo uma religiatildeo totalmente nova em relaccedilatildeo ao protocristianismo palestinenserdquo Jaacute FULLER R H The foundations of New Testament Christology p 158 considera que uma adoraccedilatildeo a Jesus nem na igreja helenista ocorreu 430 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 305-308

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distinguindo culto e veneraccedilatildeo ldquotemos que falar da veneraccedilatildeo de Cristo

significando com isso algo menos que o culto plenordquo431 Entretanto essas satildeo

categorias anacrocircnicas quando utilizadas dentro do Novo Testamento432 E a

consideraccedilatildeo de outras evidecircncias no Novo Testamento aponta na direccedilatildeo de que

no cristianismo primitivo Jesus era realmente adorado junto com Deus Pai

Primeiro existem alguns exemplos de oraccedilotildees dirigidas a Jesus Embora em

Atos o tiacutetulo κύριος seja usado de forma um pouco ambiacutegua433 o que as vezes

dificulta saber se a referecircncia eacute a Deus ou a Jesus eacute possiacutevel que o referente seja

Jesus nos seguintes textos 124 132 e especialmente 759-60 onde Estevatildeo

invoca (ἐπικαλούμενον) o Senhor Jesus e em seguida ajoelhou-se e clamou ao

Senhor (θεὶς δὲ τὰ γόνατα ἔκραξεν) pedindo que ele perdoe os seus assassinos434

Atitude de Estevatildeo lembra a de Jesus na cruz mas enquanto Jesus se dirigiu a Deus

Pai Estevatildeo se dirigiu ao Jesus exaltado435 No corpus paulino se admite que o

provaacutevel uacutenico exemplo de oraccedilatildeo dirigida a Jesus eacute 2Co 128 ldquo trecircs vezes pedi

ao Senhor que o afastasse de mimrdquo436 A expressatildeo transliterada μαράνα θά em

1Cor 1622 tambeacutem deve ser encarada como uma suacuteplica dirigida ao Jesus exaltado

assim como sua equivalente traduzida em Ap 2210b437

O paralelo mais estreito com Fl 210-11 no Novo Testamento eacute Ap 513 que

apresenta Jesus recebendo ao lado de Deus Pai adoraccedilatildeo de todos os seres do

cosmos ldquoEntatildeo ouvi que toda criatura que haacute no ceacuteu e sobre a terra debaixo da

terra e sobre o mar e tudo o que neles haacute estava dizendo Agravequele que estaacute sentado

431 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 308 432 Como observa HURTADO L W As Origens da Adoraccedilatildeo Cristatilde p 110 ldquoA antiga distinccedilatildeo entre lsquoveneraccedilatildeorsquo e lsquoadoraccedilatildeorsquo a que Dunn se refere natildeo eacute tatildeo antiga o bastante para que seja levada em conta na exegese do NTrdquo 433 O uso ambiacuteguo que Atos faz do tiacutetulo pressupotildee a divindade de Jesus como se veraacute no ponto 413 do proacuteximo capiacutetulo Por conseguinte segundo WITHERINGTON III B Lord In DLNTD p 670 ldquoEsta ambiguumlidade natildeo incomodou Lucas porque em sua visatildeo a terminologia eacute igualmente apropriada quando usada para Deus ou para Jesus especialmente porque ele via Jesus como um objeto de culto apropriadordquo O tiacutetulo seraacute κύριος seraacute analisado com maior profundidade no proacuteximo capiacutetulo 434 Quanto agrave identificaccedilatildeo de κύριος nesses textos como sendo Jesus WITHERINGTON III B op cit p 670 MARSHALL I H Atos passim e DUNN J D G The Christ and the Spirit p 245-248 concordam em relaccedilatildeo a 760 A identificaccedilatildeo de 124 eacute proposta por Marshall e 132 por Witherington III Dunn considera que 124 refere-se a Deus e que 132 eacute ambiacuteguo 435 MARSHALL I H op cit p 145-146 436 Entre outros assim pensam CULLMANN O A oraccedilatildeo no Novo Testamento p 200 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 306 MARXEN W Christology In IDB p 151 437 BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 176-178 defende que o Novo Testamento testemunha apenas exemplos de oraccedilotildees feitas a Jesus fora do ambiente lituacutergico na vida pessoal como 2Co 128 e outros Para ele oraccedilotildees lituacutergicas dirigidas diretamente a Jesus na antiguidade soacute satildeo encontradas nos Atos dos apoacutestolos apoacutecrifos

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no trono e ao Cordeiro seja o louvor e a honra e a gloacuteria e o domiacutenio pelos seacuteculos

dos seacuteculosrdquo Em ambos os textos o culto a Jesus natildeo eacute separado do culto a Deus

Pai Eacute interessante notar ainda que o texto de Apocalipse traz as mesmas duas

tensotildees presentes aqui em Filipenses Ele apresenta uma realidade escatoloacutegica

futura que deve ser replicada no presente e traz a questatildeo ndash ateacute de uma forma mais

impressionante pela doxologia empregada ndash se esse louvor a Jesus eacute prestado

sinceramente por todos ou se alguns o faratildeo apenas por reconhecimento

L W Hurtado aprofundou a pesquisa nessa direccedilatildeo Ele chamou a atenccedilatildeo

para a estreita relaccedilatildeo entre o culto a Jesus e o desenvolvimento da cristologia no

cristianismo primitivo438 Ao contraacuterio de outros estudiosos ele natildeo considera que

a fonte da cristologia palestinense esteja nas especulaccedilotildees judaicas poacutes-exiacutelicas

como na famosa personificaccedilatildeo da sabedoria Para ele o judaiacutesmo ofereceu a

linguagem e os modelos para a articulaccedilatildeo da cristologia poreacutem a propulsatildeo do

pensamento cristoloacutegico ocorreu no culto cristatildeo As diversas especulaccedilotildees do

judaiacutesmo poacutes-exiacutelico natildeo alteraram o seu culto A partir da ressurreiccedilatildeo e exaltaccedilatildeo

de Jesus os cristatildeos judeus alteram o seu culto passando a ter um culto

ldquoBinitarianordquo Percebe-se a estreita relaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus com o culto Era

ldquotanta gloacuteria divina superlativa e sem precedentes que eles [os primeiros cristatildeos]

sentiram-se compelidos a responder devocionalmente como eles fizeramrdquo439

Esta inovaccedilatildeo religiosa natildeo afetou o monoteiacutesmo como se veraacute no proacuteximo

capiacutetulo O culto a Jesus natildeo eacute um culto separado do culto a Deus O culto no

cristianismo primitivo dirigia-se tanto a Deus quanto a Jesus Cabe notar que

segundo padrotildees judaicos de pensamento se algueacutem estaacute ao lado de Deus

compartilha da soberania de Deus tem inclusive o proacuteprio nome de Deus (Fl 210-

11) esse algueacutem natildeo pode receber nada menos que a mesma adoraccedilatildeo que eacute a dada

a Deus Quer dizer que simplesmente prestar honras a Jesus sem cultuaacute-lo ao lado

de Deus era uma forma sofisticada de politeiacutesmo para os padrotildees judaicos440 Isso

reforccedila a tese do paraacutegrafo anterior pois pela oacutetica judaica o culto era o verdadeiro

teste praacutetico do monoteiacutesmo separando quem adora de quem eacute adorado441 Assim

438 CASEY P M Lord Jesus Christ A response to professor Hurtado p 83 ndash 96 HURTADO L W Devotion to Jesus and historical investigation a grateful clarifying and critical response

to professor Casey p 97-104 GREEN J B Larry W Hurtado One God One lord early

christian devotion and ancient jewish monotheism p 58-59 439 HURTADO apud GREEN J B Larry W Hurtado One God One lord p59 440 Ibidem p 134 441 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 129

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a elevaccedilatildeo de Jesus a Senhor exaltado fez natildeo apenas que a igreja entendesse que

ele tinha um ministeacuterio no presente junto agrave igreja mas proporcionou que a igreja

tambeacutem adorasse Jesus como Deus Essa resenha dos dados neotestamentaacuterios

somada agrave aplicaccedilatildeo a Jesus do texto profeacutetico de Is 4523 torna certo que o escopo

de Fl 210-11 eacute de uma adoraccedilatildeo a Jesus expressa atraveacutes de atitudes bem

concretas dobrar os joelhos e confessar Jesus como Senhor A importacircncia do texto

para a questatildeo eacute expressa categoricamente pela frase ldquoFl 29-11 eacute o texto existente

mais antigo no qual a adoraccedilatildeo a Jesus eacute representadardquo442

59 Conclusatildeo do capiacutetulo

Este capiacutetulo tratou do segmento dos versiacuteculos 210-11 que apresentam o

desdobramento da exaltaccedilatildeo de Jesus ldquoa fim de que todo o joelho se dobre ao nome

de Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra e toda liacutengua confesserdquo Eacute

interessante observar certo paralelismo com o verso 29 pois tanto a exaltaccedilatildeo

quanto o que decorre dela eacute descrito com dois verbos Laacute a exaltaccedilatildeo eacute descrita

combinando ldquoexaltarrdquo e ldquodar o nome sobre todos os nomesrdquo Aqui tambeacutem pode-se

dizer que ldquodobrar os joelhosrdquo e ldquoconfessarrdquo satildeo duas accedilotildees que estatildeo conectadas

como finalidade ou consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus Natildeo obstante as duas

atitudes satildeo provenientes da utilizaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo que o hino faz do texto de Is

4523 o que resulta na transferecircncia da esperanccedila profeacutetica em relaccedilatildeo a YHWH

para o Jesus exaltado Haacute ainda outra ampliaccedilatildeo que o hino cristoloacutegico faz em

relaccedilatildeo ao texto do Decircutero-Isaiacuteas Pois enquanto o profeta imaginava que todos os

povos ateacute os ldquoconfins da Terrardquo um dia reverenciariam o Senhor Fl 29-11 amplia

o alcance para todo o cosmos A exaltaccedilatildeo de Jesus requer que todos os seres ndash

anjos democircnios e seres humanos - se curvem diante dele e o reconheccedilam como

Senhor E dentro perspectiva escatoloacutegica do Novo Testamento entende-se que

Jesus jaacute assumiu a soberania coacutesmica e desde entatildeo todos satildeo convocados a

reconhececirc-lo como Senhor Nesse sentido o segmento analisado possui um papel

profeacutetico e pragmaacutetico pois tanto descreve o que seraacute realidade no futuro por

ocasiatildeo da parusia quanto convoca jaacute agora ouvintes e leitores a submeterem diante

442 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 128

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de Jesus e o confessarem como o Senhor de suas vidas A importacircncia

profundidade e as implicaccedilotildees do senhorio de Jesus Cristo seratildeo o assunto do

proacuteximo capiacutetulo

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6 Jesus eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

61 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

Nas palavras ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός o hino

alcanccedila o seu cliacutemax A narrativa que trouxe o drama cristoloacutegico que comeccedilou na

preexistecircncia passou pela encarnaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e foi ateacute a exaltaccedilatildeo que

mostrou o grande evento escatoloacutegico da exaltaccedilatildeo de Jesus seu alcance coacutesmico

e suas implicaccedilotildees soterioloacutegicas e pareneacuteticas chega ao seu auge na declaraccedilatildeo

Jesus Cristo eacute Senhor443 Eacute uma frase que responde a duas perguntas

fundamentais para os cristatildeos de Filipos e de todos os lugares e eacutepocas quem eacute

Jesus hoje O cristatildeo responde Ele eacute Senhor E agrave pergunta quem eacute Senhor hoje

ele responde Eacute Jesus E a partir dessa uacuteltima frase eacute possiacutevel entender o restante

do hino respondendo agraves pertinentes questotildees por que ele eacute Senhor Porque Deus

o Deus de Israel o exaltou E o que se deve fazer diante desse Senhor Submeter-

se a ele em obediecircncia e adoraccedilatildeo e confessaacute-lo como seu Senhor A proposta do

presente capiacutetulo eacute entender exegeticamente a uacuteltima frase do versiacuteculo 11 e

identificar todo o conteuacutedo teoloacutegico presente nela

62 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo

Eacute preciso perceber de imediato a ligaccedilatildeo existente entre esta sentenccedila e o

versiacuteculo 29 Com habilidade artiacutestica o autor ocultou o nome que foi dado a

Jesus em 29 para soacute agora revelaacute-lo O objetivo seria fazer dessa expressatildeo o

cliacutemax da passagem inteira444 de modo que agora Jesus passa a ser reconhecido

por algo novo que ele natildeo era quando apenas tinha a μορφῇ θεοῦ (26) Deve-se

lembrar a proposta hermenecircutica de ler o hino inteiro de forma progressiva

Tambeacutem haacute uma conexatildeo estreita com o que eacute descrito nos versiacuteculos 210-11

443 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 246 FITZMYER J A Teologia Paulina In NCBSJ p 1603 444 MARTIN R P A Hymn of Christ p 271

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pois essa afirmaccedilatildeo tanto eacute o conteuacutedo da confissatildeo que todo o universo deve

fazer agora e no final dos tempos quanto a proacutepria razatildeo pela qual eacute necessaacuterio

que todos se sujeitem a ele porque agora ele e apenas ele eacute o uacutenico κύριος do

universo445

Martin defende que essa eacute a confissatildeo das forccedilas espirituais que foram

subjugadas por Jesus excluindo a Igreja porque a confissatildeo natildeo eacute ldquoJesus Cristo eacute

nosso Senhorrdquo446 Ora o simples paralelo com outros dois textos no Novo

Testamento afasta esta interpretaccedilatildeo Em Rm 109 Paulo afirma ldquoPorque se

confessares [ὁμολογήσῃς] com tua boca que Jesus eacute Senhor e creres em teu

coraccedilatildeo que Deus o ressuscitou dentre os mortos seraacutes salvordquo Aqui o primeiro

criteacuterio soterioloacutegico apresentado por Paulo eacute confessar que Jesus eacute Senhor sem

qualquer necessidade de um pronome possessivo Outro texto que entra nessa

discussatildeo eacute 1Cor 123 ldquo ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute Senhorrsquo a natildeo ser no

Espiacuterito Santordquo Neste texto confessar Jesus como κύριος eacute evidecircncia da presenccedila

e accedilatildeo do Espiacuterito Santo no indiviacuteduo Dessa forma seria muito estranho que em

Filipenses o apoacutestolo imaginasse a sentenccedila que era praticamente a confissatildeo de feacute

fundamental dos ciacuterculos paulinos com exclusividade na boca de anjos democircnios

principados e potestades excluindo os seres humanos crentes em Jesus

621 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo no Novo Testamento

Os estudos literaacuterios no Novo Testamento identificam pequenos textos que

satildeo anteriores aos livros nos quais estatildeo inseridos e satildeo considerados confissotildees

de feacute primitivas denominadas tecnicamente de homologias447 A confissatildeo de

Jesus como Senhor que aparece aqui em Fl 211 eacute considerada uma dessas

445 MARTIN R P A Hymn of Christ p 272 446 MARTIN R P A Hymn of Christ p 279 447 Isso proveacutem da associaccedilatildeo da foacutermula com o termo grego ὁμολογία VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 52 KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-67 Kramer reputa a H Conzelmann a designaccedilatildeo da confissatildeo de feacute como homologia Outrossim STAUFFER E New Testament Theology p 338 apresenta um apecircndice com 12 criteacuterios para se identificar uma foacutermula credal no Novo Testamento Quanto agrave Rm 109 1Co 123 e Fl 211 cinco ou seis criteacuterios satildeo vaacutelidos

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foacutermulas confessionais Ela tambeacutem eacute identificada em Rm 109 1Cor 123 e 1Cor

86448

καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός (Fl 211) ὅτι ἐὰν ὁμολογήσῃς ἐν τῷ στόματί σου κύριον Ἰησοῦν καὶ πιστεύσῃς ἐν τῇ καρδίᾳ σου ὅτι ὁ θεὸς αὐτὸν ἤγειρεν ἐκ νεκρῶν σωθήσῃmiddot (Rm 109)

καὶ οὐδεὶς δύναται εἰπεῖνmiddot Κύριος Ἰησοῦς εἰ μὴ ἐν πνεύματι ἁγίῳ (1Cor 123)

ἀλλ᾽ ἡμῖν εἷς θεὸς ὁ πατὴρ ἐξ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεῖς εἰς αὐτόν καὶ εἷς κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς δι᾽ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεῖς δι᾽ αὐτοῦ (1Cor 86)

O termo grego ὁμολογία traz a noccedilatildeo de um compromisso feito em

puacuteblico449 No caso especiacutefico dessa confissatildeo seu objetivo natildeo eacute enumerar os

atos da histoacuteria da salvaccedilatildeo mas aclamar Jesus como Senhor ldquoAssim a

aclamaccedilatildeo eacute lsquoconfissatildeorsquo no sentido estrito da palavra pois a igreja confessa sua

lealdade a este particular Senhorrdquo450 Do ponto de vista histoacuterico esta confissatildeo eacute

reputada como a mais antiga do cristianismo451 sendo originaacuteria do cristianismo

de fala aramaica no qual teria a seguinte formulaccedilatildeo Yesualsquo hursquo mare452 Embora

seja uma confissatildeo bem simples traz uma enorme gama de significado teoloacutegico e

poliacutetico

lsquoJesus (Cristo) eacute Senhorrsquo eacute a quintessecircncia do credo cristatildeo no qual a palavra ldquoSenhorrdquo recebe o mais augusto sentido Quando os cristatildeos de geraccedilotildees posteriores se recusaram a dizer lsquoCeacutesar eacute Senhorrsquo recusaram-se porque sabiam que tais palavras natildeo constituiacuteam mera cortesia requerida pelo tiacutetulo era um

448 Rm 13b-4 tambeacutem eacute considerado uma foacutermula confessional mas aleacutem de ser um pouco mais elaborada que as foacutermulas citadas (talvez na direccedilatildeo de uma formulaccedilatildeo proacutexima a um credo) ela natildeo tem como foco o senhorio de Jesus mas a sua designaccedilatildeo como Filho de Deus Ademais a caracterizaccedilatildeo do gecircnero dos textos nem sempre eacute consensual de modo que nem todos os autores listam os mesmos textos quando falam de confissotildees de feacute Existe especial confusatildeo entre a designaccedilatildeo ldquohinordquo e ldquoconfissatildeo de feacuterdquo Destarte MARTIN R P A Hymn of Christ p XXVI indica Cl 26 ao lado dos textos citados acima O texto diz Ὡς οὖν παρελάβετε τὸν Χριστὸν Ἰησοῦν τὸν κύριον ἐν αὐτῷ περιπατεῖτε Natildeo haacute aqui a formula confessional como nos demais textos citados acima e por isso Cl 26 natildeo seraacute analisado aqui Por outro lado quando o texto remete agrave experiecircncia de receber Jesus como Senhor pode estar recordando exatamente a confissatildeo de feacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo como a experiecircncia inicial da vida cristatilde ocorrida no batismo 449 G Bornkmann apud VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 52 Do ponto de vista teoloacutegico O Michel define a concepccedilatildeo paulina de homologia como ldquoresposta ao evangelho de Cristo obediecircncia agrave sua mensagem aceitaccedilatildeo de sua declaraccedilatildeo e expressatildeo de seu compromissordquo O Michel apud RIDDERBOS H Teologia do apoacutestolo Paulo p 283 450 KRAMER W Christ Lord and Son of God p 67 451 Diversos autores entre eles FITZMYER J A κύριος In DENT p 2439 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 452 F F BRUCE apud MARSHALL I H The origins of New Testament Christology p 106

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tiacutetulo que dava o direito a Ceacutesar de receber honras divinas e neste sentido natildeo podiam atribuiacute-las a mais ningueacutem senatildeo a Jesus453 Em Romanos 109 a confissatildeo em questatildeo aparece como criteacuterio exterior

para a salvaccedilatildeo O texto preceitua dois elementos para a conversatildeo crer com o

coraccedilatildeo e confessar com a boca O conteuacutedo do crer eacute a ressurreiccedilatildeo de Jesus

ldquoque Deus o ressuscitou dentre os mortosrdquo Jaacute o da confissatildeo eacute o senhorio de

Jesus De fato eacute muito forte no Novo Testamento a relaccedilatildeo entre a ressurreiccedilatildeo e

o senhorio de Jesus454 Agora eacute importante perguntar por que o tiacutetulo que a

confissatildeo traz eacute Senhor e natildeo Filho de Deus Filho do homem Cristo Sumo

Sacerdote ou outros Entre outras consideraccedilotildees ele talvez fosse o mais adequado

agrave confissatildeo por conta da sua implicaccedilatildeo de discipulado No ministeacuterio de Jesus

antes da Paacutescoa conforme observado essa foi a noccedilatildeo predominante no uso do

termo Confessar Jesus como Senhor implicava em tornar-se seu disciacutepulo o que

envolvia renuacutencia e obediecircncia455 Por outro lado mediante esta confissatildeo

estabelecia-se uma polecircmica contra os muitos ldquosenhoresrdquo da cultura helecircnica456

Isso eacute o que leva a identificaccedilatildeo deste uacutenico Senhor pelo seu nome de nascimento

o Senhor eacute Jesus aquele Jesus de Nazareacute Posteriormente a mesma confissatildeo

tambeacutem funcionou como delimitaccedilatildeo agraves pretensotildees imperiais Afinal Ceacutesar

tambeacutem natildeo eacute senhor

Em 1Cor 123 a confissatildeo funciona como criteacuterio para avaliar nada menos

do que a obra do Espiacuterito Santo O contexto eacute a discussatildeo acerca dos carismas

Tendo em vista a grande confusatildeo que havia em torno desse tema em Corinto

Paulo estabelece o confessar Jesus como Senhor como criteacuterio para quem de fato

ldquofala pelo Espiacuterito de Deusrdquo De novo vem a questatildeo por que o tiacutetulo κύριος A

resposta passa pela estreita ligaccedilatildeo entre o reconhecimento do senhorio de Jesus e

o culto A proacutepria existecircncia de um culto cristatildeo gira em torno do fato de Jesus ser

o Senhor Destarte tambeacutem existe no Novo Testamento sobretudo em Paulo um

forte viacutenculo entre o senhorio de Jesus e a accedilatildeo do Espiacuterito 2Coriacutentios 317 ldquoPois

453 BRUCE F F Filipenses p 84 454 Em relaccedilatildeo a esse texto Leenhardt afirma ldquoSenhorio e ressurreiccedilatildeo satildeo inseparaacuteveis Eacute a feacute na ressurreiccedilatildeo que provecirc a base para a confissatildeo do Senhorio de Cristordquo F J Leenhardt apud GUTHRIE D New Testament Theology p 296 455 MacARTHUR Jr J F O Evangelho Segundo Jesus p 278-284 que refuta a tese de que essa seja simplesmente uma confissatildeo da divindade de Jesus embora isto esteja incluiacutedo Cf tambeacutem DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 202 456 VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 53 ldquoCom essa aclamaccedilatildeo a comunidade se submete ao Jesus exaltado como seu Senhor proclama seu domiacutenio perante o mundo e realiza uma polecircmica delimitaccedilatildeo contra as pretensotildees de qualquer outro κύριοςrdquo

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o Senhor eacute o Espiacuterito e onde se acha o Espiacuterito do Senhor aiacute estaacute a liberdaderdquo457

O entendimento relacionado eacute que no periacuteodo histoacuterico-salviacutefico do presente

entre a ascensatildeo e a segunda vinda o Senhor exaltado age atraveacutes do Espiacuterito

Especialmente junto agrave igreja ele eacute um kyrios pneumaacutetico O Espiacuterito eacute a

ldquopraesentia terrena do Senhor exaltadordquo458 O κύριος age na igreja e na vida do

crente atraveacutes do Espiacuterito Estar ldquono Senhorrdquo equivale a estar ldquono Espiacuteritordquo O

ministeacuterio de Jesus como Senhor eacute implementado atraveacutes da accedilatildeo do Espiacuterito e

toda a accedilatildeo do Espiacuterito estaacute em funccedilatildeo da obra de Jesus459 Dessa forma qualquer

ato lituacutergico (no caso dos coriacutentios a manifestaccedilatildeo dos dons) que natildeo ecoe o

senhorio de Jesus natildeo proveacutem do Espiacuterito Santo e natildeo pode fazer parte de um

culto cristatildeo

1Cor 86 estaacute em um segundo degrau no processo de desenvolvimento das

confissotildees de feacute no cristianismo primitivo porque talvez seja a primeira a ter dois

membros460 A evoluccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras estaacute em dois sentidos na inter-

relaccedilatildeo entre Jesus e o Pai e em colocar o ministeacuterio de Cristo junto agrave criaccedilatildeo

Deve-se destacar o contexto onde Paulo coloca essa confissatildeo No capiacutetulo 8 ele

estaacute discutindo a questatildeo do comer alimentos sacrificados aos iacutedolos os quais no

versiacuteculo 5 ele chama de ldquomuitos deuses e senhoresrdquo Para aquela situaccedilatildeo

existiam duas saiacutedas comuns ou cair no dualismo e se isolar da sociedade ou de

forma simples assimilar a cultura sem nenhum tipo de criacutetica461 Paulo rejeita

essas opccedilotildees e oferece uma soluccedilatildeo cristoloacutegica revolucionaacuteria ldquoSeguramente

uma das formulaccedilotildees mais assombrosas de cristologia alguma vez escrita em

qualquer seacuteculordquo462 Trata-se da reformulaccedilatildeo do texto mais famoso do

monoteiacutesmo judaico o shemaacute ldquoOuve oacute Israel Iahweh nosso Deus eacute o uacutenico

Iahwehrdquo (Dt 64) Cabe notar que na LXX as duas ocorrecircncias do tetragrama satildeo

substituiacutedas por κύριος A reformulaccedilatildeo paulina resulta em um shemaacute

457 Segundo W Kramer a associaccedilatildeo entre κύριος e πνεῦμα natildeo existia na tradiccedilatildeo foi criaccedilatildeo de Paulo KRAMER W Christ Lord and Son of God p 165 458 E KAumlSEMANN apud BRUCE FF Paulo o apoacutestolo da graccedila p 116 459 Na linguagem pouco cautelosa de Dunn ldquoIsto quer dizer que o Cristo glorificado agora eacute experimentado no Espiacuterito atraveacutes do Espiacuterito e como Espiacuteritordquo DUNN J D G Espiacuterito In DITNT p 736 460 Sobre 1Co 86 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 64 afirma que eacute ldquoa mais antiga confissatildeo de feacute em dois termosrdquo 461 WRIGHT N T Un Dios un Sentildeor un pueblo p 2-3 Segundo este autor a questatildeo dos iacutedolos era seriamente importante para os cristatildeos de Corinto pois em uma cidade como aquela eacute possiacutevel que toda a carne disponiacutevel tivesse sido oferecida em algum altar 462 Ibid p 5

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cristoloacutegico ou melhor em um monoteiacutesmo cristoloacutegico Eles continuam crendo

em um uacutenico Deus mas agora possuem um novo uacutenico Senhor Daiacute a primeira

resposta463 que Paulo daacute agrave questatildeo dos alimentos sacrificados eacute a de que natildeo

existem outros senhores da realidade soacute haacute um Senhor que eacute Jesus por meio de

quem todas as coisas foram criadas464

Haacute poucas duacutevidas de que o contexto originaacuterio de utilizaccedilatildeo da confissatildeo

em tela era o culto465 Cullmann propocircs como alternativa ao culto o contexto das

perseguiccedilotildees mas sua hipoacutetese natildeo obteve aprovaccedilatildeo entre os estudiosos466 Pode-

se precisar mais ainda o cenaacuterio do culto e especificar o momento do batismo467

Pois ali satildeo satisfeitas as exigecircncias do sentido de confissatildeo existem as

testemunhas que satildeo os membros da igreja e eacute assumido o compromisso com a feacute

professada468 No contexto heleniacutestico esse compromisso significava que o

batizado estava renunciando aos outros κύριοι para soacute reconhecer Jesus como

Senhor Nos ambientes onde se divulgava o culto ao imperador a confissatildeo

implicava que o indiviacuteduo estava negando as pretensotildees de Ceacutesar como Senhor e

afirmando o senhorio uacutenico absoluto e universal de Jesus E na perspectiva da

comunidade de feacute a confissatildeo era o compromisso de cooperaccedilatildeo com os outros

fieacuteis da comunidade (Fl 23-4) pois ter Jesus como Senhor significa ser servo dos

outros irmatildeos Sobretudo quando a pessoa confessava Jesus Cristo como Senhor

ela estava realizando uma antecipaccedilatildeo escatoloacutegica Na vida dela e no ambiente da

igreja torna-se real aquilo que Fl 210-11 apresenta como a realidade do final dos

tempos pessoas dobrando os joelhos diante de Jesus e confessando-o como

463 Na continuidade da discussatildeo Paulo apresenta o argumento de se pensar na consciecircncia do proacuteximo 464 Aleacutem dessas confissotildees que refletem a cristologia do κύριος VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 62-63 aponta tambeacutem para o texto de Efeacutesios 45 ldquohaacute um soacute Senhor uma soacute feacute um soacute batismordquo mas a identificaccedilatildeo deste texto como confissatildeo de feacute eacute pouco consensual 465 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 131-133 tenta protestar contra isso mas seus argumentos satildeo inconclusivos e ele mesmo deixa transparecer as relaccedilotildees lituacutergicas da confissatildeo 466 Conferir o posicionamento contraacuterio de CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 361 467 Assim KELLY J N D Primitivos credos cristianos p 30 SAacuteNCHEZ BOSCH J Maestro de los pueblos p 188 ndash 189 Admitem o sitz im leben no culto sem precisar o momento do batismo KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-67 VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 53 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 468 RIDDERBOS H Teologia do apoacutestolo Paulo p 264 ldquoaquilo que eacute tiacutepico de lsquoconfissatildeorsquo encontra-se assim no fato de que eacute a expressatildeo exterior da feacute Nesse sentido tem certo significado legal no qual o lsquofoacuterumrsquo ou as lsquotestemunhasrsquo podem ser vistos como o tribunal do mundo composto dos homens em geral mas tambeacutem como a Igreja ou seus representantes perante os quais algueacutem professa a sua feacute e assume um compromisso com o conteuacutedo da feacuterdquo

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Senhor469 Afinal ldquoesse eacute o verdadeiro alvo da esperanccedila biacuteblica e de toda

esperanccedila de futuro autenticamente cristatilderdquo470

622 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo em Fl 211

Em Filipenses 211 a foacutermula confessional eacute evidenciada pela conjunccedilatildeo

ὅτι entendido como um recitativum introduzindo uma citaccedilatildeo que no caso eacute a

confissatildeo de feacute471 Em relaccedilatildeo aos textos de Rm 109 e 1Cor 123 Fl 211 possui

um diferencial Aqui a confissatildeo natildeo eacute apenas Jesus eacute Senhor mas Jesus Cristo eacute

Senhor Basevi opina que essa variaccedilatildeo indica que aqui existem duas afirmaccedilotildees

de feacute Jesus eacute Messias e Jesus eacute Senhor472 Poreacutem isso eacute improvaacutevel porque aleacutem

do uso absoluto do termo κύριος para Jesus (Rm 1468 1Cor 35 e outros) Paulo

usa uma seacuterie de combinaccedilotildees como ldquoJesus Cristo nosso Senhorrdquo (Rm 14)

ldquonosso Senhor Jesus Cristordquo (Gl 618) ldquoSenhor Jesus Cristordquo (2Cor 1313) e

ldquoSenhor Jesusrdquo (1Co 1123) Em todas essas variaccedilotildees a ecircnfase estaacute no senhorio

de Jesus ldquosintaticamente nessas expressotildees lsquoJesusrsquo com ou sem lsquoCristorsquo

identifica o lsquoSenhorrsquo e lsquoSenhorrsquo define quem Jesus eacute para os cristatildeos e seu

relacionamento com elerdquo473 Em termos de origem da confissatildeo de feacute nos termos

apresentados aqui em Fl 211 eacute possiacutevel que a influecircncia das foacutermulas lituacutergicas jaacute

utilizadas nas becircnccedilatildeos (como em Fl 12) tenha levado Paulo a fazer uma leve

ampliaccedilatildeo da expressatildeo confessional resultando em uma frase mais completa

cristologicamente474 Seja como for mesmo assim o foco da confissatildeo eacute o tiacutetulo

469 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 147 470 DE BOOR W HAHN E Cartas aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 213 471 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 472 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 467-468 473 HURTADO L W Senhor In DPC p 1154 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 392 sugere que a expressatildeo ldquoJesus Cristordquo nessa ordem estaacute afirmando Deus ressuscitou este homem Jesus e lhe deu a funccedilatildeo e a dignidade de salvador messiacircnico Em contrapartida quando Paulo diz ldquoCristo Jesusrdquo o pensamento parte do Cristo preexistente que se revelou no homem Jesus de Nazareacute Natildeo parece contudo que exista toda essa reflexatildeo teoloacutegica em expressotildees usadas de forma tatildeo rotineira por Paulo Para Lohmeyer a ausecircncia do pronome ldquonossordquo apontaria para o senhorio de Jesus sobre todo o cosmos e natildeo apenas sobre a Igreja BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 16 474 HURTADO L W Senhor In DPC p 1152

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κύριος que ocupa posiccedilatildeo enfaacutetica na sentenccedila475 e a designaccedilatildeo ldquoCristordquo natildeo

funciona como tiacutetulo confessado

Por outro acircngulo existe uma razatildeo para a inclusatildeo de ldquoCristordquo na simples

confissatildeo de feacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo A questatildeo eacute que devido agrave expansatildeo da

mensagem cristatilde para ambientes com maioria gentiacutelica de grande influecircncia

helenista (como era a situaccedilatildeo da cidade de Filipos) onde Χριστὸς natildeo possuiacutea a

mesma relevacircncia que tinha no judaiacutesmo a manutenccedilatildeo da designaccedilatildeo judaica era

importante para estabelecer o viacutenculo da mensagem anunciada com seu ponto de

origem que eacute a feacute israelita Com muita probalidade Paulo concordaria com as

palavras de Jesus em Joatildeo ldquoporque a salvaccedilatildeo vem dos judeusrdquo (Jo 422)476

Dessa maneira ainda que ldquoCristordquo funcione na confissatildeo apenas como sobrenome

de Jesus477 ele era fundamental para mostrar a identidade do Senhor proclamado e

confessado que de outra forma para ouvidos natildeo judaicos poderia se confundido

com os vaacuterios κύριοι existentes na religiosidade oriental478

63 O tiacutetulo κύριος atribuiacutedo a Jesus

631 Panorama da atribuiccedilatildeo de κύριος a Jesus no Novo Testamento

Eacute possiacutevel identificar no cristianismo primitivo testemunhado pelo Novo

Testamento dois momentos distintos na aplicaccedilatildeo do tiacutetulo κύριος a Jesus O

primeiro momento eacute aquele que remonta ao ministeacuterio de Jesus anterior agrave

ressurreiccedilatildeo conforme o testemunho dos evangelhos Como aquele era um

ambiente de fala aramaica a utilizaccedilatildeo de κύριος pelos evangelistas por certo natildeo

eacute original mas tem como possiacuteveis correspondentes os termos Nesse רבי e מר

contexto eacute possiacutevel distinguir dois significados principais agrave aplicaccedilatildeo de κύριος a

Jesus durante esse periacuteodo anterior a Paacutescoa Boa parte das ocorrecircncias sobretudo

aquelas no vocativo podem ser classificadas como simples foacutermula de tratamento

475 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 369 ldquoκύριος eacute a palavra principalrdquo Igualmente MARTIN R P A Hymn of Christ p 271 476 Ele chega proacutexima a essa afirmaccedilatildeo em Rm 94-5 477 Assim MARTIN R P A Hymn of Christ p 279 478 BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 174

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sem qualquer conotaccedilatildeo religiosa (entre outros Jo 4111519 57 811 936)479

Em um outro grupo de referecircncias constata-se que o tiacutetulo eacute usado com sentido de

mestre fazendo um par linguiacutestico com δοῦλος trazendo subjacente a noccedilatildeo de

discipulado entre Jesus e seus interlocutores Veja-se por exemplo a tendecircncia

em Mateus de colocar κύριος onde Marcos utilizou ῥαββί e διδάσκαλος Isso

ocorre em Mt 825 Mc 438 Mt 174 Mc 95 Mt 1715 Mc 917 Mt 2033

Mc 1051 Isso mostra que nesse periacuteodo Jesus era reconhecido com mestre (de

uma maneira que tanto se aproximava quanto tinha diferenccedilas em relaccedilatildeo ao

mundo judaico contemporacircneo) Os evangelistas preservaram esse

reconhecimento natildeo soacute mediante o uso de κύριος como tambeacutem atraveacutes de outras

designaccedilotildees como ῥαββί (Mt 2378 262549 Mc 95 1121 1445 Jo 138

3226 431 625 118)480 διδάσκαλος (Mt 818 238 Mc 438 535 938 Lc

740 Jo 32 1128)481 e ἐπιστάτης (Lc 55 82445 93349 1713)482

O segundo momento da atribuiccedilatildeo de κύριος a Jesus no cristianismo

primitivo testemunhado no Novo Testamento estaacute ligado de maneira direta ao

objeto formal deste trabalho Pois foram a ressurreiccedilatildeo e a consequente exaltaccedilatildeo

de Jesus os catalisadores da utilizaccedilatildeo deste tiacutetulo com um amplo significado

cristoloacutegico Como observa Longenecker ldquolsquoSenhorrsquo foi um tiacutetulo poacutes-ressurreiccedilatildeo

e encontrou seu ponto de partida e iniacutecio racional na ressurreiccedilatildeo e exaltaccedilatildeo de

Jesusrdquo483 E o contraacuterio tambeacutem eacute verdade isto eacute a cristologia da exaltaccedilatildeo que se

desenvolveu a partir da ressurreiccedilatildeo estava essencialmente expressa no tiacutetulo em

questatildeo como evidencia o importante texto de At 236 As cartas paulinas

tambeacutem indicam a estreita relaccedilatildeo entre κύριος e a ressurreiccedilatildeo de Jesus (Rm

424 1Co 91 2Co 414) Isto eacute reforccedilado aqui em Fl 29-11 pela conexatildeo entre o

tiacutetulo e a exaltaccedilatildeo que pressupotildee a ressurreiccedilatildeo Ele passa a ser Senhor a partir

479 HURTADO L W Senhor In DPC p 1147 Schnelle entende que a importacircncia de Χριστὸς para os gentios era outra Ele afirma que as cerimocircnias de unccedilatildeo que ocorriam na regiatildeo do Mediterracircneo naquele periacuteodo geravam o senso comum religioso de que pessoas (ou coisas) ungidas satildeo sagradas santas e consagradas a deus Assim judeus e gentios compreenderiam a afirmaccedilatildeo Ἰησοῦς Χριστὸς como predicado da singularidade religiosa de Jesus ainda que seja discutiacutevel se a utilizaccedilatildeo paulina e neotestamentaacuteria tivesse essa perspectiva religiosa em vista SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 563 480 A forma transliterada de רבי 481 Nos evangelhos διδάσκαλος ocorre 49 vezes e apenas em Lc 246 natildeo se refere a Jesus 482 Eacute um termo exclusivo do evangelho de Lucas 483 LONGENECKER R The Christology of Early Jewish Christianity p 129 Na mesma direccedilatildeo afirma Hurtado ldquoem grupos cristatildeos primitivos a ressurreiccedilatildeo de Jesus continuou a ser considerada a base histoacuterica e demonstraccedilatildeo da sua exaltaccedilatildeordquo HURTADO L W Senhor In DPC p 1152

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da sua exaltaccedilatildeo484 ldquoNas passagens em que a teologia de Jesus Senhor eacute expliacutecita

aparece claramente que a ressurreiccedilatildeo era entendida como evento decisivo para

este se tornar Senhorrdquo485

Por conseguinte a conclusatildeo de que Jesus eacute o κύριος identificado com o

Deus uacutenico de Israel proporcionou um olhar retrospectivo aos cristatildeos levando-os

a designar Jesus antes da exaltaccedilatildeo com o mesmo tiacutetulo Eacute o caso especiacutefico da

literatura lucana486 Deve-se registrar entretanto que natildeo houve uma mistura de

horizontes cristoloacutegicos entre o ministeacuterio terreno e o exaltado de Jesus mas uma

uacutenica preocupaccedilatildeo com a identidade487 O objetivo de Lucas e outros era mostrar

que o exaltado eacute o mesmo homem que nasceu de Maria caminhou na Galileacuteia e

foi morto em Jerusaleacutem E eles se sentem agrave vontade para aplicar retroativamente

o tiacutetulo Senhor a Jesus porque Deus o exaltou a essa posiccedilatildeo no presente

E lembrando que essa reflexatildeo teoloacutegica remonta agraves primeiras etapas do

cristianismo eacute muito pertinente agrave exegese perguntar-se de onde os cristatildeos tiraram

esse tiacutetulo para explicar a pessoa e obra do Jesus exaltado e qual significado eles

estavam atribuindo a Jesus por meio dessa designaccedilatildeo A resposta para ambas as

perguntas passa em boa parte pela utilizaccedilatildeo de κύριος na Septuaginta e no

judaiacutesmo

632 Panorama da histoacuteria da pesquisa sobre o tiacutetulo κύριος

ldquoSenhorrdquo eacute uma designaccedilatildeo fundamental para a cristologia

neotestamentaacuteria sobretudo a paulina Isso prova a estatiacutestica e o papel que o

484 A partir daiacute o tiacutetulo pocircde ser associado a outros eventos cristoloacutegicos como a parusia Atraveacutes das epiacutestolas aos tessalonicenses percebe-se essa conexatildeo (1Ts 416 313 415 523) CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 361-362 485 DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 292 486 ROWE C K Acts 236 and the continuity of lukan Christology p 51 487 Veja-se por exemplo o quarto evangelho que tanto no proacutelogo quanto nos discursos de Jesus apresenta uma cristologia ldquoexaltadardquo mas tem o cuidado de narrativamente soacute aplicar o tiacutetulo κύριος a Jesus apoacutes a ressurreiccedilatildeo ou seja a partir de 2020 ldquoTendo dito isso mostrou-lhes as matildeos e o lado Os disciacutepulos entatildeo ficaram cheios de alegria por verem o Senhorrdquo

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tiacutetulo ocupa na narrativa teoloacutegica do apoacutestolo488 E considerando que os escritos

paulinos satildeo cronologicamente os primeiros do Novo Testamento eacute muito

provaacutevel que Paulo tenha sido um fomentador desse aspecto cristoloacutegico

Todavia isso natildeo foi uma inovaccedilatildeo paulina489 Por certo o apoacutestolo herdou dos

primeiros cristatildeos a designaccedilatildeo de Jesus como κύριος e usa o termo sem

explicaccedilotildees ou justificativas esperando ser entendido por seus leitores Apontam

nessa direccedilatildeo frases estereotipadas como ldquoSenhor Jesus Cristordquo (1Ts 11) e ldquonosso

Senhor Jesus Cristordquo (1Ts 13) as foacutermulas tradicionais citadas pelo apoacutestolo que

incluem a designaccedilatildeo como as confissotildees de feacute as becircnccedilatildeos usadas nas saudaccedilotildees

das cartas a expressatildeo μαράνα θά (1Cor 1622) bem como a releitura de textos

veterotestamentaacuterios aplicando a Jesus o que antes referia-se a Deus Esse uacuteltimo

fenocircmeno deve ser agora aprofundado pois nele encontra-se todo o conteuacutedo que

judeus cristatildeos como Paulo acreditavam estar presente quando chamavam Jesus

de Senhor

A Septuaginta utiliza κύριος cerca de 9 mil vezes Destas 6156 traduzem

o tetragrama 490יהוה A histoacuteria da interpretaccedilatildeo dessa ldquotraduccedilatildeordquo passou por trecircs

fases Na primeira chamou-se a atenccedilatildeo para o costume existente no judaiacutesmo

preacute-cristatildeo de evitar a pronuacutencia do tetragrama substituindo-o na liturgia por

Quando se produziu a LXX o termo grego escolhido para traduzir o nome 491אדני

de Deus seria o equivalente ao hebraico אדון isto eacute κύριος Isso supotildee que na

eacutepoca do surgimento do cristianismo tanto os judeus de fala aramaica quanto os

de fala grega chamavam Deus de ldquoSenhorrdquo Daiacute quando os primeiros cristatildeos

passaram a chamar Jesus dessa forma pela perspectiva judaica estavam

488 Quanto agrave estatiacutestica κύριος ocorre 274 vezes na literatura paulina global (nas 13 cartas atribuiacutedas a Paulo no Novo Testamento) Em termos de tiacutetulo cristoloacutegico apenas Χριστός supera essa marca com 382 ocorrecircncias O problema eacute que muitas vezes este uacuteltimo termo eacute usado apenas como nome (ou sobrenome) de Jesus perdendo importacircncia teoloacutegica na narrativa No caso de κύριος tambeacutem deve-se excluir os textos em que o tiacutetulo refere-se a Deus ou outro personagem Ainda assim o nuacutemero de referecircncias a Jesus eacute alto Segundo Hurtado seriam 180 considerando apenas nas cartas incontestadas (ele deixa de lado as pastorais 2Tessalonicensses e Efeacutesios) HURTADO L W Senhor In DPC p 1150 WITHERINGTON III B Cristo In DPC p 308 489 HURTADO L W Senhor In DPC p 1149 490 BIETENHARD H Senhor In DITNT p 2317 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1061 491 Segundo HURTADO L W The Origin of the Nomina Sacra a proposal p 655-673 essa reverecircncia ao nome divino influenciou o surgimento no cristianismo primitivo dos chamados nomina sacra satildeo quatro nomes que eram abreviados em textos cristatildeos primitivos (jaacute no 2ordm seacuteculo) por serem considerados sagrados a saber Ἰησοῦς Χριστός Κύριος e Θεός A novidade cristatilde conforme Hurtado eacute que entre os nomes reverenciados estatildeo tiacutetulos cristoloacutegicos bem como a ausecircncia de qualquer temor em pronunciar estes nomes

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designando-lhe com o nome do proacuteprio Deus algo muitiacutessimo relevante

teologicamente492

Em um segundo momento essa linha de argumentaccedilatildeo foi questionada493

Ocorre que as coacutepias da LXX em que o tetragrama eacute substituiacutedo de maneira

uniforme por κύριος satildeo coacutepias cristatildes Textos de uso judaico trazem exemplos da

preservaccedilatildeo do tetragrama em caracteres hebraicos ou em formas alternativas

com IAW e PIPI494 A conclusatildeo eacute que a mudanccedila no texto escrito de יהוה para

κύριος teria sido influenciada pelo uso cristatildeo da expressatildeo e natildeo o contraacuterio495

O terceiro momento na histoacuteria da pesquisa retorna parcialmente ao

primeiro Os trabalhos de J A Fitzmyer foram importantes para demonstrar que

era comum entre os judeus antes do cristianismo designar Deus como Senhor seja

como מר אדני ou κύριος (dependendo do idioma falado)496 Na mesma direccedilatildeo

Geza Vermes defende que desde o 2ordm seacuteculo antes de Cristo ldquoos judeus usaram o

tiacutetulo lsquoSenhorrsquo ao falar sobre ou com Deus em hebreu aramaico ou gregordquo497 E

para refutar a teoria da natildeo originalidade de κύριος na LXX Martin Roumlsel

ofereceu algumas proposiccedilotildees bastante pertinentes498 Ele comeccedila seu argumento

mostrando que os massoretas escolheram as vogais de אדני para vocalizar o

tetragrama Eacute uma informaccedilatildeo que reforccedila a tese de Fitzmyer de que ldquomeu

Senhorrdquo era o que deveria ser lido (qecircre) quando no texto aparecia o tetragrama

Roumlsel propotildee que os caracteres hebraicos da LXX provecircm de uma revisatildeo preacute-

cristatilde feita no texto e a forma IAW deveria ser o costume de uma determinada

comunidade judaica que preservou ao contraacuterio do restante do povo esta forma

492 FITZMYER J A To Advance the Gospel p 221 Ele atribui a Cullmann essa interpretaccedilatildeo 493 Para um resumo desses questionamentos cf FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 119-123 ROumlSEL M The Reading and Translation of the Divine Name in the Masoretic Tradition and the Greek Pentateuch p 414-419 494 Entre os textos em questatildeo estatildeo o Papiro Fouad 266 (Dt 31) os doze profetas menores (LXX) achados na caverna 4 de Qumran fragmentos de Leviacutetico 2-5 na mesma caverna fragmentos de Aacutequila (provenientes do Cairo) fragmentos da segunda coluna da Hexapla (conhecidos por Oriacutegenes e Jerocircnimo) Cf FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 120 495 Eacute a conclusatildeo por exemplo de FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1059 496 FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 124-127 FITZMYER J A To Advance the Gospel p 222-223 FITZMYER J A κύριος In DENT p 2443 497 VERMES G As vaacuterias faces de Jesus p 223 Da mesma forma HURTADO L W Senhor In DPC p 1148 498 ROumlSEL M The Reading and Translation of the Divine Name in the Masoretic Tradition and the Greek Pentateuch p 414-419

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de pronunciar o tetragrama499 Mas a principal proposta de Roumlsel eacute defender a

originalidade de κύριος como traduccedilatildeo do nome de Deus na LXX Para tal ele

busca identificar os criteacuterios teoloacutegicos usados pelos autores da traduccedilatildeo na

utilizaccedilatildeo do termo grego Ele observa que a tendecircncia geral da LXX eacute usar

κύριος para יהוה e θεός para אmacrהים Poreacutem em algumas ocasiotildees os tradutores

usaram θεός para o tetragrama no lugar de κύριος A conclusatildeo de Roumlsel eacute que os

tradutores preferiram θεός em contextos de julgamento ou condenaccedilatildeo e

demonstraccedilatildeo de poder enquanto optaram por κύριος em textos que ressaltam a

graccedila e a misericoacuterdia de Deus Naturalmente ele admite que essa distinccedilatildeo natildeo

existe no texto hebraico (que usa יהוה nos dois contextos) bem como natildeo eacute

possiacutevel discernir todos os criteacuterios envolvidos mas eacute uma proposta plausiacutevel em

favor da originalidade de κύριος na LXX Trazendo isso para Fl 29-11 quando o

texto identifica o nome dado por Deus a Jesus na sua exaltaccedilatildeo como κύριος o

autor quer mostrar que Deus agraciou Jesus com seu proacuteprio nome Portanto por

traacutes do tiacutetulo que eacute confessado no versiacuteculo 211 deve-se enxergar a relaccedilatildeo

κύριος-יהוה-אדני proveniente tanto da tradiccedilatildeo lituacutergica sinagogal quanto da

reflexatildeo cristatilde a partir da LXX

633 A importacircncia teoloacutegica de confessar Jesus como Senhor

Para a compreensatildeo da amplitude teoloacutegica da atribuiccedilatildeo de Jesus como

Senhor eacute preciso ainda responder agrave seguinte questatildeo ldquopor que os judeus tiveram a

ideia de ler precisamente Adonai em lugar do tetragrama sagradordquo500 Seja qual

for a resposta podem ter sido as mesmas razotildees que tambeacutem influenciaram a

escolha de κύριος na LXX Uma explicaccedilatildeo razoaacutevel eacute que a escolha passou por

uma interpretaccedilatildeo do nome de Deus501 Porque este sempre indica quem eacute Deus a

sua natureza que no Antigo Testamento eacute sempre soberania Por isso o termo

499 HURTADO L W Senhor In DPC p 1149 argumenta que a utilizaccedilatildeo das formas hebraicas na LXX ou dos caracteres PIPI era apenas um artifiacutecio literaacuterio mas na hora da leitura eles eram provavelmente substituiacutedos por κύριος Igualmente DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 296-297 500 Questionamento formulado por CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 264 501 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1059

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ldquoSenhorrdquo funciona como um resumo da feacute veterotestamentaacuteria502 E a soberania de

Deus se baseia tanto na criaccedilatildeo quanto na salvaccedilatildeo503 As duas realidades satildeo

testemunhas dessa soberania E aqui se encontra a conexatildeo com a cristologia do

Novo Testamento de modo particular com Fl 29-11 pois crer em Jesus como

Senhor eacute acreditar que ele compartilha a soberania de Deus nessas duas aacutereas Ele

eacute o Senhor da salvaccedilatildeo pois ela soacute eacute obtida atraveacutes da feacute nele (Rm 109) e eacute

Senhor da criaccedilatildeo porque aleacutem de ser o mediador dela (Cl 116 Jo 12) tudo

agora foi colocado debaixo de seus peacutes (1Cor 1527 Hb 28)

Na teologia paulina esse senhorio soberano de Jesus vincula-se em

particular a trecircs aacutereas Primeiro agrave contextos pareneacuteticos nos quais os cristatildeos satildeo

chamados a uma vida de obediecircncia ao seu κύριος (Rm 141-12 1Co 613-740)

ecoando a antiga conotaccedilatildeo do tiacutetulo que mostrava Jesus como Mestre O cristatildeo

deve agir como δοῦλος e tudo na sua vida deve corresponder ao seu Senhor504

Desse modo a exortaccedilatildeo de Fl 212 pode precisamente estar referindo-se agrave

obediecircncia (verbo ὑπακούω) que os cristatildeos filipenses tecircm demonstrado a Jesus

como Senhor algo que Paulo exorta para que continuem fazendo505 Com efeito o

versiacuteculo 11 faz a ligaccedilatildeo natural entre o indicativo do que Deus jaacute fez a virada

escatoloacutegica com a exaltaccedilatildeo de Cristo e a consequente disponibilidade de uma

nova vida pelo Espiacuterito Santo e o imperativo do que os cristatildeos devem fazer

quando estatildeo dentro dessa vida isto eacute estatildeo ἐν Χριστω (25) Mas na verdade a

confissatildeo de Jesus como Senhor coloca o mundo inteiro diante de um desafio a

questatildeo uacuteltima que importa no julgamento final ldquoser ou natildeo ser obediente Nosso

destino depende de nossa confrontaccedilatildeo com aquele que eacute Obedienterdquo506 O destino

do mundo e de cada ser humano passa pela resposta ao senhorio de Jesus pois

afinal eacute nesse espaccedilo que o ser humano encontra sua verdadeira humanidade no

espaccedilo da obediecircncia ao Senhor507 Eacute nessa linha que as implicaccedilotildees eacuteticas satildeo

encontradas na passagem natildeo em termos de imitaccedilatildeo de Jesus

502 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1062 503 Ibid p 1081-1082 504 DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 294 ldquono miacutenimo professar Jesus como Senhor expressava uma vida agora dedicada de serviccedilordquo 505 HURTADO L W Senhor In DPC p 1155 506 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 65 Morgan mostra que para E Kaumlsemann eacute exatamente essa confrontaccedilatildeo essa necessidade de resposta que faz do hino evangelho e natildeo mito 507 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 66

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O segundo contexto no qual o senhorio soberano de Jesus eacute sublinhado por

Paulo eacute o escatoloacutegico Jaacute foi exposto anteriormente o significado escatoloacutegico da

exaltaccedilatildeo de Jesus Destarte natildeo apenas Paulo usa κύριος para descrever a virada

escatoloacutegica que aconteceu a partir da ressurreiccedilatildeo como tambeacutem para expressar

o que pode ser chamado de vitoacuteria escatoloacutegica final Como notado acima o

futuro escatoloacutegico jaacute comeccedilou mas ainda natildeo chegou a sua plenitude E se

apropriando da linguagem veterotestamentaacuteria Paulo chama essa plenitude de

ldquodia do Senhorrdquo (1Ts 52 1Cor 55 2Cor 14) onde o ldquoSenhorrdquo eacute Jesus Cristo na

sua parusia Para o apoacutestolo nesse dia Jesus vai trazer duas coisas que o Antigo

Testamento reservava para Deus o julgamento de todos e a vitoacuteria definitiva

sobre o mal Eacute a hora em que por alegria ou constrangimento todos reconheceratildeo

Jesus como Senhor e se prostraratildeo diante dele508

O terceiro contexto no qual o senhorio soberano de Jesus eacute trabalhado na

literatura paulina eacute o lituacutergico Jaacute foi notada a forte conexatildeo que existe entre

κύριος e o culto A confissatildeo de feacute as foacutermulas de becircnccedilatildeos a suacuteplica μαράνα θά

a designaccedilatildeo da eucaristia como κυριακὸν δεῖπνον (1Cor 1120) confirmam a

tese Mais importante ainda como observado no capiacutetulo anterior eacute que o culto

cristatildeo foi o propulsor da feacute cristatilde primitiva no senhorio de Jesus Ali Jesus foi

reconhecido como Senhor soberano e cristatildeos judeus se prostraram diante dele o

adoraram e o confessaram como Senhor das suas vidas sem que por um momento

acreditassem estar traindo o seu monoteiacutesmo509 Aleacutem disso no culto cristatildeo onde

o senhorio de Cristo eacute celebrado os dois horizontes anteriores se conectam pois a

Igreja tanto alimenta quanto vivencia de forma antecipada sua esperanccedila

escatoloacutegica e ao mesmo tempo eacute desafiada a uma vida de obediecircncia ao seu

Senhor ldquoEacute a adoraccedilatildeo de Cristo e a lembranccedila do poder fornecido pela sua

ressurreiccedilatildeo para aqueles que estatildeo lsquoem Cristorsquo que capacita a sua resposta

eacuteticardquo510 O culto cristatildeo eacute assim um espaccedilo da accedilatildeo do Senhor exaltado na Terra

A comunidade reuacutene-se em nome dele e experimenta a accedilatildeo dele por intermeacutedio

508 HURTADO L W Senhor In DPC p 1155-1156 509 HURTADO L W Senhor In DPC p 1156-1157 510 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 160 Na frase imediatamente antes ele afirma de forma sugestiva que natildeo era o cantar repetitivo do modelo de Cristo que capacitava os cristatildeos a viverem a vida digna do evangelho

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do Espiacuterito especialmente na eucaristia511 E esse contexto lituacutergico encaminha o

significado eclesioloacutegico do senhorio de Jesus Porque a Igreja eacute a comunidade

daqueles que se reconhecem sobre o seu domiacutenio Ela eacute o corpo ldquocuja cabeccedila eacute o

Senhor de todas as coisasrdquo512 E como Senhor ele cuida dos seus servos pois a

exaltaccedilatildeo de Cristo coincide com o iniacutecio da obra intercessora de Jesus pela Igreja

(Rm 834) outro aspecto do ministeacuterio exaltado de Cristo E natildeo se deve esquecer

do papel do Espiacuterito Santo na Igreja como agente do Cristo exaltado conforme

apontado no iniacutecio deste capiacutetulo

Natildeo obstante se o exposto acima eacute o conteuacutedo religioso principal que

Paulo e os primeiros cristatildeos viam por detraacutes da designaccedilatildeo ldquoSenhorrdquo pode-se

dizer um conteuacutedo ldquojudaicordquo vale ressaltar o significado que a afirmaccedilatildeo do

senhorio teria para os cristatildeos natildeo judeus ou para aqueles judeus que estavam

debaixo da poderosa influecircncia helenista Boa parte dos lugares em que Paulo

transitava no primeiro seacuteculo sofria a influecircncia do helenismo religioso Nesse

contexto as pessoas entendiam que suas vidas estavam debaixo de forccedilas

espirituais completamente arbitraacuterias que determinavam seus destinos513 E diante

desses poderes elas consideravam-se completamente impotentes Eacute contra essa

realidade que a confissatildeo de Jesus como κύριος deve ser compreendida Para

aquelas pessoas o anuacutencio do senhorio de Jesus significava que os poderes

malignos que as controlavam foram destronados Agora o universo foi

reconciliado com Deus A realidade escatoloacutegica do senhorio de Jesus elimina as

fronteiras que separavam o velho mundo do novo mundo O novo mundo jaacute eacute real

Um mundo onde o Senhor eacute Jesus aquele que natildeo impocircs sua soberania como um

tirano mas abrindo matildeo se esvaziando servindo sendo obediente a Deus e

morrendo em favor daqueles a quem ele iria governar Eacute a esse Jesus que agora o

ser humano libertado eacute chamado a servir e ser obediente E essa obediecircncia como

indicado por Kaumlsemann natildeo vem por intermeacutedio da imitaccedilatildeo do exemplo dele

mas pela convicccedilatildeo de pertencer a ele514

Agora para aleacutem dos aspectos religiosos no cenaacuterio poliacutetico do 1ordm seacuteculo

dC sobretudo em Filipos as afirmaccedilotildees dos versiacuteculos 210-11 seriam notadas

511 SCHNELLE U Paulo Vida e pensamento p 565 ldquoA comunidade reuacutene-se na presenccedila do poderosa do Exaltado cujas forccedilas salviacutefica mas tambeacutem castigadoras operam na celebraccedilatildeo da ceiardquo 512 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship p 67 513 MARTIN R P A Hymn of Christ p 281 514 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 121

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Como em outros tempos a poliacutetica do impeacuterio romano estava entranhada de

simbolismos religiosos Por sinal para as pessoas daquela eacutepoca natildeo fazia

qualquer sentido separar poliacutetica e religiatildeo515 Entre os povos orientais era praacutetica

comum desde Alexandre Magno oferecer homenagens religiosas a governantes

vivos ldquohonras iguais a deusesrdquo que envolviam ldquotemplos sacrifiacutecios sacerdotes

festivais e jogosrdquo516 Nessa seccedilatildeo do impeacuterio o imperador romano ocupava um

espaccedilo entre deuses e seres humanos Registram-se aiacute sacrifiacutecios em nome do

imperador mas ainda natildeo para o imperador E jaacute no final do 1ordm seacuteculo aC cultos

imperiais eram populares na proviacutencia romana da Aacutesia No ocidente a tradiccedilatildeo era

venerar os imperadores mortos Na verdade tambeacutem ainda no 1ordm seacuteculo aC o

senado romano aprovou a lei da divinizaccedilatildeo poacutestuma dos imperadores Dessa

forma se durante a vida de Paulo o culto ao imperador ainda natildeo tinha se

consolidado era algo que estava se disseminando rapidamente ldquoo culto ao

imperador era a religiatildeo que registrava o mais raacutepido crescimento no mundo de

Paulo o mundo do Mediterracircneo orientalrdquo517 E certamente Paulo acompanhou de

perto as accedilotildees de Caliacutegula (37-41 dC) que aplicou a si mesmo o tiacutetulo Deus e

ainda tentou construir no Templo de Jerusaleacutem uma estaacutetua em sua proacutepria

homenagem518 e de Nero sob o qual a aclamaccedilatildeo do imperador vivo como κύριος

espalhou-se grandemente519 Tambeacutem natildeo eram estranhas nem para Paulo nem

para os filipenses os contornos poliacuteticos da crescente religiosidade em torno do

imperador Como observa Moessner ldquoEmbora o escopo do lsquoculto ao imperadorrsquo

na Filipos do primeiro seacuteculo cristatildeo permaneccedila discutiacutevel o que natildeo eacute disputado

eacute o extensivo capital poliacutetico que a veneraccedilatildeo do imperador entregou para Roma

no controle das suas lsquocolocircniasrsquordquo520

Diante desse cenaacuterio Fl 210-11 chama a atenccedilatildeo por trecircs razotildees Primeiro

o cristatildeo eacute chamado a rejeitar qualquer um que se apresente como senhor deus ou

515 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 84 516 AUNE D E Imperadores Romanos In DPC p 674 517 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 89 518 AUNE D E Imperadores Romanos In DPC p 674 519 HELLERMAN J H Philippians p 124 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 476 faz menccedilatildeo de uma inscriccedilatildeo grega do periacuteodo de Nero que celebrava ldquoO Kyrios do mundo inteiro Nerordquo 520 MOESSNER D P Turning Status lsquoUpside Downrsquo in Philippi Christ Jesusrsquo lsquoEmptying Himselfrsquo as Forfeiting Any Acknowledgment of His lsquoEquality with Godrsquo (Phil 26-11) p 132 KRENTZ cita com aprovaccedilatildeo a tese de R R Brewer de que havia em Filipos ldquoos Augustales libertos especialmente consagrados ao culto do divino Augusto e que este culto imperial prosseguiu por todo o seacuteculo I da Era Comumrdquo KRENTZ E Paulo os Jogos e a Miliacutecia p 325

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dominador deste mundo esteja vivo ou morto Soacute haacute um Senhor e o nome dele eacute

Jesus Cristo Consequentemente somente ele deve ser honrado como Deus

Somente a ele o ser humano deve prostrar-se reconhecendo sua autoridade Natildeo

somente o culto ao imperador mas toda e qualquer homenagem religiosa dedicada

a governantes humanos satildeo excluiacutedas aqui Segundo o argumento de Fl 210-11 eacute

que mesmo os imperadores romanos teratildeo de dobrar os joelhos diante de Jesus e

confessaacute-lo como κύριος521 A ironia eacute que teratildeo de reverenciar aquele que foi

morto por uma autoridade romana atraveacutes de uma penalidade romana (embora

requerido por liacutederes judeus) Nesse sentido a mensagem do senhorio de Jesus em

Fl 29-11 eacute que natildeo apenas democircnios e forccedilas espirituais foram subjugadas por

Jesus mas que todo poder e autoridade sobre essa Terra seja poliacutetica religiosa

juriacutedica militar ou econocircmica estaacute debaixo da autoridade suprema de Jesus522

Em terceiro lugar mas natildeo menos importante eacute o efeito a ser produzido pela

comparaccedilatildeo entre o senhorio de Ceacutesar e o de Jesus aquele era reconhecido como

senhor do impeacuterio enquanto este segundo Filipenses foi entronizado senhor de

todo o universo523 Para os cidadatildeos de Filipos que incluiacutea muitos soldados

veteranos do impeacuterio outros antigos habitantes da proacutepria capital e muitos outros

que por motivos diversos admiravam Roma orgulhavam-se da sua ligaccedilatildeo com

ela e bajulavam seus liacutederes poliacuteticos em troca de favores para todos eles a

mensagem de Fl 210-11 era a proacutepria subversatildeo de sua visatildeo de mundo afinal

ldquopara a maior parte do mundo romano a lsquodivindadersquo do imperador era oacutebvia e

inquestionaacutevel porque ele possuiacutea um poder evidentemente superior ao poder

de qualquer outro mortalrdquo524 Nesse aspecto a mensagem do senhorio absoluto de

Jesus em Fl 210-11 era uma mensagem revolucionaacuteria525 Ao mesmo tempo era

uma proclamaccedilatildeo de esperanccedila para a igreja de Filipos Lembre-se que enquanto

Paulo escreve sua carta ele estava preso em uma prisatildeo romana provavelmente na

521 HELLERMAN J H Philippians p 122 lembra que as autoridades romanas estatildeo incluiacutedas no termo ἐπιγείων 522 De um ponto de vista socioloacutegico essa mensagem poderia provocar nos cristatildeos e no cristianismo como movimento a sensaccedilatildeo de um novo status privilegiado Um novo mundo chegou e agora todos estatildeo subordinados a Jesus como Senhor e satildeo os cristatildeos que possuem um relacionamento especial com este Senhor eles estariam em uma posiccedilatildeo ldquosocialrdquo mais vantajosa que seus adversaacuterios WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philippians Hymn The Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 285 523 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philippians Hymn The Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 282 524 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 90 525 Natildeo eacute de modo algum necessaacuterio adotar a chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo da passagem para se extrair suas implicaccedilotildees soacutecio-poliacuteticas

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capital do impeacuterio e que segundo o registro do livro de Atos a igreja nasceu

naquela cidade sob oposiccedilatildeo das autoridades romanas Nessa perspectiva o vieacutes

escatoloacutegico da passagem eacute muito importante porque ela informa aos leitores que

a despeito das circunstacircncias visiacuteveis o verdadeiro Senhor do universo eacute aquele

que eles confessam como Senhor das suas vidas e um dia natildeo soacute eles mas

tambeacutem os que agora sentem-se poderosos inclusive perseguindo a Igreja se

prostraratildeo diante de Jesus e teratildeo de admitir sua insuficiecircncia e o senhorio de

Cristo Por outro acircngulo a maior arma que os governantes desse mundo possuem

eacute a morte e o anuacutencio da exaltaccedilatildeo de Jesus mostra que essa arma foi vencida

atraveacutes da ressureiccedilatildeo do Senhor Jesus526

64 Para gloacuteria de Deus Pai

Quanto agrave expressatildeo proposicional εἰς δόξαν θεοῦ πατρός o primeiro

desafio a ser enfrentado eacute sobre a sua originalidade Conforme discutido

anteriormente J Jeremias defendeu que a peccedila hiacutenica original natildeo continha essa

expressatildeo Ela teria sido acrescentada quando Paulo a editou para citaacute-la na carta

aos Filipenses Martin chega a dizer que ldquoparece conclusivo que a frase deveria

ser separada do texto da confissatildeordquo527 Entretanto conforme observado no

primeiro capiacutetulo desde a deacutecada de 1990 a pesquisa exegeacutetica estaacute caminhando

na direccedilatildeo contraacuteria afirmando a autoria paulina integral de Fl 26-11

Ainda mais relevante eacute a questatildeo sobre o significado desta uacuteltima frase do

conjunto inteiro de Fl 26-11 Por certo ela natildeo eacute a conclusatildeo apenas da segunda

parte do hino mas do hino inteiro Significa que tanto a exaltaccedilatildeo quanto a

humilhaccedilatildeo foram para a gloacuteria de Deus Pai528 Mais ainda haacute uma espeacutecie de

inclusio pois no primeiro verso do hino o Filho de Deus eacute identificado com Deus

Pai atraveacutes das expressotildees μορφῇ θεοῦ e εἶναι ἴσα θεῷ ou seja em termos de

quem ele era na sua preexistecircncia E agora na uacuteltima parte do texto ele eacute

identificado com Deus Pai atraveacutes do que recebe Ambos tinham a mesma

526 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 95 527 MARTIN R P A Hymn of Christ p 273 528 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 148

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ldquoformardquo agora ambos recebem a mesma adoraccedilatildeo sem qualquer competiccedilatildeo ou

diminuiccedilatildeo de um ou de outro529

Destarte a conclusatildeo do hino acompanha a exaltaccedilatildeo muito provavelmente

para afastar dos ouvintes e leitores qualquer noccedilatildeo de que Jesus Cristo seja um

segundo deus ao lado do Pai Seria assim uma afirmaccedilatildeo do monoteiacutesmo biacuteblico

que no Novo Testamento vai ser reformulado para um monoteiacutesmo

cristoloacutegico530 Refinando um pouco mais eacute muito plausiacutevel que essa sentenccedila

queira acentuar que a participaccedilatildeo de Cristo na divindade natildeo tem nada a ver com

rivalidade ou disputa Cristo natildeo eacute um insurgente que atraveacutes de um ato rebelde

conquistou pela forccedila o senhorio coacutesmico531 Ao contraacuterio Fl 211 retoma a

primeira parte do hino (Fl 26-8) e mostra que κύριος eacute o obediente aquele que

natildeo se apegou ao ser igual a Deus mas se esvaziou Abriu matildeo Renunciou

Assumiu o papel de servo se humilhou e serviu obedientemente ateacute a morte de

cruz Isso se relaciona com o versiacuteculo 29 que mostra que o senhorio foi dado

(ἐχαρίσατο) por Deus a Jesus Entatildeo se Fl 29-11 mostra que Jesus agora tem toda

autoridade (conforme Mt 2818) tambeacutem mostra que essa autoridade eacute

completamente derivada de Deus Pai532 e exercida para a gloacuteria do Pai ldquoO

Senhorio de Cristo leva agrave gloacuteria de Deusrdquo533 para que um dia ldquoDeus seja tudo em

todosrdquo (1Co 1528) Nas palavras de Kreitzer poderia se afirmar que a exaltaccedilatildeo

de Jesus eacute tambeacutem a exaltaccedilatildeo de Deus Pai534

Outra questatildeo importante nesta expressatildeo eacute o sentido do substantivo

πατρός Antes de tudo eacute preciso observar a forccedila do termo em Paulo Em sua

teologia a paternidade de Deus eacute vista em trecircs dimensotildees Deus eacute o Pai de Jesus eacute

o Pai dos cristatildeos e eacute o Pai do mundo Com efeito Guthrie opina que ldquonatildeo haacute

nenhum outro conceito de Deus que domine a teologia de Paulo mais do que

esserdquo535 A questatildeo que se levanta eacute qual a dimensatildeo dessa paternidade estaacute

presente em Fl 211 Em outras palavras Deus eacute pai de quem aqui536 Kaumlsemann

529 FOWL S Philippians p 104 530 MARTIN R P A Hymn of Christ p 274 531 MARTIN R P A Hymn of Christ p 275-276 532 HAWTHORNE G F Philippians p 117 533 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 251 534 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo p 121 535 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 383 536 Ao que tudo indica o primeiro a elaborar essas trecircs possibilidades para o termo πατρός na passagem foi Lohmeyer Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 277

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favorece agrave paternidade sobre agrave criaccedilatildeo537 Na sua opiniatildeo o hino como um todo

descreve a inter-relaccedilatildeo entre dois mundos o divino e o humano Cristo sai do

mundo divino entra no mundo humano e depois volta ao mundo divino O ponto

segundo Kaumlsemann eacute que nessa volta quando Cristo eacute exaltado como Senhor do

cosmos os dois ldquomundosrdquo estatildeo unidos debaixo do mesmo Senhor Atraveacutes do

evento escatoloacutegico descrito pelo hino ocorreu uma reconciliaccedilatildeo do cosmos com

a divindade Em outras palavras a instalaccedilatildeo de Jesus como Senhor possibilita

que Deus exerccedila sua paternidade sobre o universo538 Na verdade assim como o

Cristo preexistente foi o mediador da criaccedilatildeo o Cristo exaltado eacute o mediador da

salvaccedilatildeo e da nova criaccedilatildeo conduzindo o universo atual aos novos ceacuteus e nova

terra um novo cosmos em comunhatildeo com o Pai539 Naturalmente nem todos

aceitam e desfrutam dessa paternidade da mesma forma mas ela foi tornada

possiacutevel e estaacute disponiacutevel por assim dizer por causa da vitoacuteria de Jesus que pocircs

fim ao conflito coacutesmico Portanto para Fl 26-11 o senhorio de Jesus e a

paternidade de Deus andam juntos

Outrossim o substantivo δόξα expressa o que Deus Pai vai receber No

Novo Testamento o termo carrega o sentido veterotestamentaacuterio da ה כבוד יהו

podendo ser usado para expressar a manifestaccedilatildeo visiacutevel da divindade ou de seus

atributos Tambeacutem no Novo Testamento encontra-se o significado de louvor que eacute

destinado a Deus Eacute exatamente isso que εἰς δόξαν quer dizer aqui que Deus Pai

seja glorificado O tema aparece alhures em Paulo tanto quando ele recomenda

que todas as coisas devem ser feitas para a gloacuteria de Deus (Rm 157 2Cor 415)

como em doxologias como a de Fl 420 τῷ δὲ θεῷ καὶ πατρὶ ἡμῶν ἡ δόξα εἰς τοὺς

αἰῶνας τῶν αἰώνων ἀμήν (cf Rm 1627 2Tm 418) Proacuteximo a Fl 211 eacute tambeacutem

a primeira parte do texto de Ef 117 ἵνα ὁ θεὸς τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ ὁ

πατὴρ τῆς δόξης

No caso de Filipenses o termo δόξα possui ainda um caraacuteter soacutecio-poliacutetico

Ele traz em si a conotaccedilatildeo de fama honra e reconhecimento de status E como jaacute

537 Quanto a isso Kaumlsemann eacute seguido por MARTIN R P A Hymn of Christ p 277-278 538 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 113-114 Na mesma direccedilatildeo Byrne ldquoo objetivo final da sequecircncia inteira [Fl 26-11] eacute recuperar o universo para a soberania e gloacuteria de Deus O papel e a dignidade de Cristo satildeo meios e estatildeo subordinados a issordquo BYRNE B A carta aos Filipenses In NCBSJ p 448 539 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 504 ldquoA protologia e a escatologia a histoacuteria universal e a histoacuteria individual estatildeo em Paulo numa correspondecircncia muacutetua porque Deus eacute o princiacutepio e a meta de tudo o que existerdquo

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observado havia em Filipos e por todo o impeacuterio romano o chamado cursus

honorum uma cultura de valorizaccedilatildeo do prestiacutegio e reconhecimento puacuteblicos Sob

esse aspecto o uacuteltimo segmento do hino mostra que a exaltaccedilatildeo de Jesus

funcionou como a manifestaccedilatildeo puacuteblica da honra divina540 Eacute como se na

exaltaccedilatildeo de Jesus Deus manifestasse seus atributos ao mundo e fosse por ele

assim reconhecido (embora dentro de uma tensatildeo escatoloacutegica) De forma curiosa

esta perspectiva faz um link com o proacuteprio sentido veterotestamentaacuterio de δόξα

que eacute a manifestaccedilatildeo visiacutevel do poder e presenccedila divinos

65 Monoteiacutesmo cristoloacutegico

Na histoacuteria da Igreja os grandes conciacutelios ecumecircnicos satildeo em grande parte

a histoacuteria da discussatildeo em torno da divindade de Jesus E apoacutes a consolidaccedilatildeo

dessa doutrina e da doutrina da trindade no seacuteculo V o cristianismo nos seus

diversos segmentos natildeo experimentou mudanccedilas significativas a esse respeito O

desenvolvimento a partir do seacuteculo XVIII da criacutetica histoacuterica e sua aplicaccedilatildeo na

exegese do Novo Testamento mudou um pouco esse quadro Uma das questotildees

levantadas conforme jaacute observado neste trabalho eacute o suposto dualismo entre

cristianismo judaico e cristianismo gentiacutelico Como exemplo pode-se citar a

polecircmica afirmaccedilatildeo de Casey ldquoA deidade de Jesus eacute inerentemente natildeo judaica

a feacute que um segundo ser eacute Deus envolve a saiacuteda da comunidade judaicardquo541

Contudo a despeito de posiccedilotildees extremadas como esta cada vez mais a exegese

do Novo Testamento admite que os primeiros cristatildeos judeus jaacute criam na

divindade de Jesus sem que isso significasse uma renuacutencia ao seu monoteiacutesmo

Nesse processo eacute importante registrar o entendimento atual de que jaacute

havia no judaiacutesmo uma reflexatildeo acerca de agentes divinos muito proacuteximos de

Deus mas distintos dele o que natildeo era considerado um abandono do monoteiacutesmo

Esse papel podia ser desempenhado por figuras histoacutericas do passado como

Enoque pelo ldquoanjo de YHWHrdquo (Gn 167-14 181-22 Ex 32-6) ou mesmo pelo

Messias Tambeacutem haviam especulaccedilotildees sobre hipoacutestases ou personificaccedilotildees da

540 HELLERMAN J H Philippians p 124-125 541 CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 176

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divindade separadas dela envolvendo a Toraacute e a Sabedoria Divina542 aleacutem de

tradiccedilotildees judaicas que descreviam a exaltaccedilatildeo ao ceacuteu e a glorificaccedilatildeo de Adatildeo543

Quer dizer que para a feacute judaica ldquoDeus natildeo era considerado um no sentido

matemaacutetico de ser unitaacuteriordquo544 Esses antecedentes ajudam a mostrar que a

reflexatildeo cristatilde neotestamentaacuteria natildeo era desprovida de conexotildees com o judaiacutesmo

Mas daiacute a identificar um personagem contemporacircneo morto em uma cruz como

divino havia uma grande distacircncia De fato esta eacute uma das trecircs diferenccedilas baacutesicas

entre a especulaccedilatildeo acerca dos agentes divinos e a cristologia do Novo

Testamento a saber aqueles nunca eram vistos como pessoas de valor igual a

Deus e com campos autocircnomos de atuaccedilatildeo nunca recebiam adoraccedilatildeo cuacuteltica e

era inconcebiacutevel que algueacutem morto de forma tatildeo vergonhosa fosse venerado como

agente de Deus de alguma forma ligado a ele545

Como observado antes a ressurreiccedilatildeo foi o grande acontecimento que

impactou a feacute dos disciacutepulos de Jesus pois ldquoa elevaccedilatildeo ao senhorio coincide com

a ressurreiccedilatildeo de Cristo ou eacute corolaacuterio imediato delardquo546 Daiacute a compreensatildeo de

que aquele que tinha sido crucificado agora estaacute vivo e foi exaltado por Deus

forccedilou-os a uma necessaacuteria reflexatildeo teoloacutegica O primeiro passo importante foi

olhar para os textos do Antigo Testamento como Sl 1101547 Entre outros a

releitura desse texto a partir da exaltaccedilatildeo de Jesus foi muito importante para

atribuir soberania a Jesus pois permitiu entender o Jesus exaltado ao lado de Deus

Pai exercendo domiacutenio sobre a criaccedilatildeo E sendo a soberania um traccedilo fundamental

do Deus de Israel essa reflexatildeo permitiu que os cristatildeos incluiacutessem Jesus na

identidade do Deus uacutenico548 Aqui destaca-se tambeacutem a utilizaccedilatildeo do tiacutetulo

κύριος pois a soberania sobre o cosmos assumida por Jesus a partir da sua

542 WHITERINGTON III B Cristologia p 317 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 380 394 543 DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 337 544 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 394 545 SCHNELL U Paulo Vida e Pensamento p 608 546 DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 294 547 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 128-129 considera que este foi um passo decisivo para o cristianismo helenista entretanto este passo jaacute tinha se antecipado no cristianismo de fala aramaica 548 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 130 Ao contraacuterio DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 300-303 acredita que Paulo nunca fez essa identificaccedilatildeo de Jesus com Deus Aliaacutes para ele o proacuteprio uso de κύριος servia natildeo para identificar Jesus com Deus mas para distinguir Jesus de Deus

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exaltaccedilatildeo eacute exatamente descrita por essa designaccedilatildeo549 O senhorio de Jesus sobre

a criaccedilatildeo vai muito aleacutem do que Deus desejou para o homem na criaccedilatildeo (Gn 126

Sl 86)550 Esse senhorio significa a soberania de Jesus sobre o universo soberania

que ele recebe das matildeos do proacuteprio Deus o que no hino eacute expresso pela doaccedilatildeo

do nome sobre todo nome que eacute de fato a funccedilatildeo de κύριος Atraveacutes desse tiacutetulo

os primeiros cristatildeos desenvolveram e fortaleceram essa cristologia aplicando a

Jesus textos do Antigo Testamento que falavam de YHWH da sua soberania e da

esperanccedila que um dia todos os povos se submetessem a ele que nunca foi a

esperanccedila veterotestamentaacuteria para Adatildeo551 Eacute o caso da jaacute citada alusatildeo a Is 4523

aqui em Filipenses pois enquanto Isaiacuteas espera o dia em que todos se prostraratildeo e

confessaratildeo o nome de YHWH o texto paulino afirma que essa esperanccedila jaacute eacute

realidade para o nome de Jesus552

A atribuiccedilatildeo a Jesus do tiacutetulo Kyrios tem outra consequecircncia a mais que todos os tiacutetulos dados a Deus ndash agrave exceccedilatildeo do nome de ldquoPairdquo ndash podiam doravante ser conferidos a Jesus Se de acordo com a feacute primitiva o nome ldquoque eacute sobre todo nomerdquo isto eacute o nome mesmo de Deus ldquoSenhorrdquo Adonai Kyrios foi dado a Jesus desde a sua glorificaccedilatildeo a transferecircncia de atributos divinos tornou-se ilimitada553

E nessa reflexatildeo sobre a feacute na divindade de Jesus e o monoteiacutesmo tambeacutem

eacute interessante notar ainda relaccedilatildeo existente entre κύριος e θεός A LXX apresenta

549 Textos como o proacutelogo do quarto evangelho e Cl 115-20 acentuam a obra do Cristo preexistente sobre a criaccedilatildeo Note-se todavia que nestes textos o destaque recai tanto sobre a preexistecircncia do Cristo quanto sobre seu papel de mediador da criaccedilatildeo Ele eacute anterior e mediador da criaccedilatildeo de ldquotodas as coisas nos ceacuteus e sobre a terra as visiacuteveis e as invisiacuteveis sejam tronos sejam soberanias quer principados quer potestadesrdquo (Cl 116) O proacuteprio Paulo assume essa visatildeo no texto jaacute discutido de 1Cor 86 Os dois textos expressam a mediaccedilatildeo de Jesus sobre a criaccedilatildeo pela preposiccedilatildeo διὰ Mas Colossenses vai aleacutem e acrescenta a preposiccedilatildeo εἰς indicando que de alguma forma a criaccedilatildeo foi estabelecida para o Filho de Deus Pode-se conjecturar que eacute na exaltaccedilatildeo quando Cristo assume a soberania sobre o Cosmos na grande virada escatoloacutegica que esse εἰς comeccedila a ser cumprido alcanccedilado sua plenitude no novo ceacuteu e nova terra Essa perspectiva evidencia que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute muito mais do que a vindicaccedilatildeo do justo sofredor 550 Contrariamente ao que pensa WRIGHT N T The Climax of Covenant p 93 apesar de afirmar um pouco mais agrave frente (p95) ldquoA tarefa do homem que iria representar Israel e salvar o mundo eacute a tarefa a qual na linguagem do Antigo Testamento estaacute (embora paradoxalmente) reservada para o proacuteprio Deusrdquo 551 BAUCKHAM R The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 139 observa que eacute inviaacutevel interpretar Fl 26-11 como uma cristologia adacircmica e tirar o inteiro significado teoloacutegico da alusatildeo a Is 4523 Ele considera que Wright fracassou nessa tentativa 552 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p xxvi mostra que os rabinos Tannaim (que atuaram entre os anos 10 e 220 depois de Cristo) recorriam a Isaiacuteas 44-47 em sua defesa do monoteiacutesmo contra tendecircncias dentro do judaiacutesmo que o ameaccedilavam 553 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 308-309 Grifos dele

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os dois termos bem proacuteximos quase intercambiaacuteveis554 Entre os gentios agrave

exceccedilatildeo dos gregos o colorido divino de κύριος eacute indiscutiacutevel555 E esse

pensamento tornou-se a cosmovisatildeo helenista a ponto de o proacuteprio imperador

romano ganhar traccedilos de divindade ao ser aclamado como senhor Desse modo

seja para a percepccedilatildeo judaica seja para a percepccedilatildeo gentiacutelica chamar Jesus de

Senhor trazia claras implicaccedilotildees de divindade556

Assim sendo dentro da rigorosa feacute monoteiacutesta judaica a feacute na divindade

de Jesus produziu um novo tipo de monoteiacutesmo o chamado ldquomonoteiacutesmo

cristoloacutegicordquo A ideia eacute que Jesus natildeo passou a ser algo que Deus deixou de ser557

A feacute dos cristatildeos no senhorio de Cristo natildeo alterou sua convicccedilatildeo na soberania de

Deus558 Prova disso eacute que os primeiros cristatildeos natildeo deixaram de se referir a Deus

como ldquoSenhorrdquo quando passaram a designar Jesus com este tiacutetulo No caso de

Paulo a sua cristologia natildeo substituiu sua teologia Ao contraacuterio a sua cristologia

deve ser entendida dentro da sua teologia Quando Paulo trata de Jesus estaacute

lidando com o plano de salvaccedilatildeo traccedilado por Deus559

O corpus paulino oferece muitas indicaccedilotildees do fenocircmeno do monoteiacutesmo

cristoloacutegico 1Cor 86 por exemplo funciona como uma definiccedilatildeo desse

fenocircmeno As foacutermulas de becircnccedilatildeo sobretudo nas saudaccedilotildees das cartas paulinas

apontam na mesma direccedilatildeo ldquoχάρις ὑμῖν καὶ εἰρήνη ἀπὸ θεοῦ πατρὸς ἡμῶν καὶ

554 LONGENECKER R N The Christology of Early Jewish Christianity p 136 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1046 propotildeem que o exemplo mais antigo do uso de κύριος para uma divindade eacute a proacutepria LXX Isso prova como eles reconhecem que a escolha do termo natildeo foi por intermeacutedio da influecircncia helenista 555 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1046-1051 Segundo eles a noccedilatildeo de um deus soberano senhor da realidade era totalmente estranha aos gregos 556 Contra a opiniatildeo de CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 176 557 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 302 558 HURTADO L W The Origin of the Nomina Sacra a proposal p 663 671-673 defende que a reverecircncia demonstrada atraveacutes da abreviaccedilatildeo dos nomes divinos e cristoloacutegicos evidencia o padratildeo ldquobinitarianordquo de devoccedilatildeo existente no cristianismo primitivo Natildeo obstante ele salienta que esse fenocircmeno estava ligado aos ciacuterculos cristatildeos ldquoortodoxosrdquo de forte tradiccedilatildeo e conexatildeo com as tradiccedilotildees judaicas e o Antigo Testamento 559 WHITERINGTON III B Cristologia In DPC p 317 319 Em uma fraseologia mais polecircmica Kreitzer assevera que ldquoPaulo manteacutem um forte tom de subordinaccedilatildeo de Jesus Cristo a Deus Pai mesmo nas passagens mais exaltadasrdquo Aqui ele inclui Fl 211 KREITZER L J Escatologia In DPC p 474

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κυρίου Ἰησοῦ Χριστοῦrdquo560 E nesse elenco o texto inteiro de Fl 26-11 merece

destaque Essa natildeo eacute a histoacuteria dos feitos do grande heroacutei Jesus E exatamente na

segunda parte do hino fica expliacutecito que quem exaltou Jesus foi Deus Pai E eacute

Deus Pai quem daacute de forma graciosa ao Jesus exaltado seu proacuteprio nome E

finalmente o cliacutemax do hino a confissatildeo de Jesus como Senhor eacute nada menos do

que para a gloacuteria do Pai Portanto desde as primeiras reflexotildees os cristatildeos

entendiam que a feacute em Jesus e a adoraccedilatildeo dirigida a ele nada tinha a ver com um

segundo Deus Ocorreu que eles incluiacuteram Jesus no culto de adoraccedilatildeo a Deus e

por consequecircncia incluiacuteram Jesus no monoteiacutesmo que eles professavam561

Natildeo se encontra em Paulo poreacutem uma apresentaccedilatildeo desenvolvida acerca

da Trindade562 Paulo prepara um caminho que seraacute trilhado depois pela Igreja

Tambeacutem natildeo se deve qualificar Paulo como um ldquocristomonistardquo isto eacute como se a

cristologia fosse a uacutenica forma da teologia paulina563 A seccedilatildeo de Fl 29-11

expressa isso de forma categoacuterica pois ao mesmo tempo que daacute a Jesus a mais

alta exaltaccedilatildeo mostra que isso tudo ocorre por intermeacutedio de Deus Pai Eacute certo

que o pensamento paulino estaacute distante de perspectivas como o marcionismo que

separam Jesus do Deus do Antigo Testamento A cristologia talvez funcione no

pensamento paulino como o epicentro de onde ele articula uma tripla narrativa de

Deus de Israel e do mundo

560 A foacutermula eacute repetida de forma idecircntica em Rm 17 1Cor 13 Gl 13 Ef 12 Fl 12 2Ts 12 Fm 3 As cartas a Timoacuteteo acrescentam ἔλεος apoacutes χάρις 1Tm 12 2Tm 12 Das 13 cartas atribuiacutedas a Paulo no Novo Testamento apenas Colossenses e Tito natildeo possuem a foacutermula na saudaccedilatildeo e em 1Tessalonicesses encontra-se uma adaptaccedilatildeo da formulaccedilatildeo (1Ts 11) As cartas paulinas tambeacutem usam uma expressatildeo fixa para as despedidas poreacutem aleacutem da formulaccedilatildeo oscilar mais do que nas saudaccedilotildees a becircnccedilatildeo eacute relacionada apenas com Jesus Cristo A frase padratildeo eacute Ἡ χάρις τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ μεθ᾽ ὑμῶν Encontra-se (com pequenas variaccedilotildees) em Rm 1620 1Cor 1623 Fl 423 1Ts 528 2Ts 318 Fm 12 Quanto agrave origem nada impede que Paulo tenha sido o criador destas foacutermulas mas a maneira recorrente e fixa (no conteuacutedo e na disposiccedilatildeo dos termos) em que elas aparecem indicam que elas ecoam elementos lituacutergicos Cf HURTADO L W Senhor In DPC p 116 KRAMER W Christ Lord e Son of God p 90-93 151-156 considera que as foacutermulas de despedidas satildeo preacute-paulinas e de origem lituacutergica Jaacute as saudaccedilotildees seriam de autoria paulina ainda que Paulo tenha feito uso de elementos lituacutergicos anteriores a ele A distinccedilatildeo entretanto natildeo eacute boa devido agrave similaridade entre as foacutermulas A origem lituacutergica pode explicar a ocorrecircncia quase idecircntica ao uso paulino que aparece em Ap 2221 Ἡ χάρις τοῦ κυρίου Ἰησοῦ μετὰ πάντων 561 Ao contraacuterio do ciacuterculo paulino parece que as tradiccedilotildees joaninas lidaram com a acusaccedilatildeo de que a feacute em Cristo era uma ameaccedila ao monoteiacutesmo como testemunham Jo 518 e 1030-33 562 Natildeo se justifica uma afirmaccedilatildeo como a de Basevi segundo o qual nesse momento o autor ldquopotildee em evidecircncia o aspecto trinitaacuterio do textordquo BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 470 563 Bem observado por WHITERINGTON III B Cristologia In DPC p 318 Nessa linha parece que a expressatildeo ldquoteologia cristocecircntricardquo faz mais jus ao pensamento paulino do que o contraacuterio

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65 Conclusatildeo do capiacutetulo

Este capiacutetulo comeccedilou mostrando que a confissatildeo de feacute κύριος Ἰησοῦς

Χριστὸς responde agrave pergunta quem Jesus eacute hoje A essa altura fica claro quanta

coisa Jesus eacute quando eacute afirmado que ele eacute Senhor Afirma-se que Jesus eacute divino

sem discutir o ser divino ou o relacionamento entre Jesus e Deus Em que pese

essa divindade jaacute estivesse expressa no iniacutecio do hino aqui atesta-se que Jesus eacute

divino porque possui o mesmo nome de Deus tem a mesma autoridade soberana

sobre o universo que Deus e deve receber a obediecircncia e a adoraccedilatildeo que antes

eram devidas somente a Deus Essa uacuteltima frase demonstra que o fechamento do

hino que acabou de ser analisado eacute uma fundamental afirmaccedilatildeo da feacute cristatilde e do

culto cristatildeo um passo importante na direccedilatildeo da posterior doutrina da Trindade

Afirma-se ainda nesse toacutepico que nesse hoje Jesus jaacute estaacute exercendo sua

soberania sendo Senhor sobre os anjos as potestades espirituais e sobre todos os

governantes dessa Terra inclusive acima do imperador romano Por tudo isso o

segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός estudado nesse

capiacutetulo eacute o adequado e merecido gran finale para o hino de Fl 26-11

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Conclusatildeo

O objetivo formal deste trabalho foi pesquisar a exaltaccedilatildeo de Jesus conforme

retratada em Filipenses 29-11 que eacute a segunda parte da periacutecope de 26-11 Esta

passagem eacute um texto fundamental para a compreensatildeo da cristologia do Novo

Testamento porque em poucos versiacuteculos ela descreve as trecircs principais etapas do

evento Cristo a preexistecircncia a existecircncia encarnada que culmina na morte de cruz

e a sua poacutes-existecircncia exaltada E justo por essa concentraccedilatildeo cristoloacutegica ao longo

da histoacuteria da teologia Fl 26-11 sempre foi um campo muito feacutertil para a reflexatildeo

dogmaacutetica Na patriacutestica por exemplo foi um dos textos da Escritura mais

comentados pelos pais564 Nesse periacuteodo a exposiccedilatildeo da passagem era estritamente

teoloacutegica girando acima de tudo em torno da divindade e da humanidade de Jesus

as relaccedilotildees trinitaacuterias entre o Filho e o Pai supostas pelo texto a adoraccedilatildeo ao Cristo

divino junto com Deus Pai e do ponto de vista pastoral a humildade de Cristo

como exemplo para os cristatildeos565 O pano de fundo era a discussatildeo com o arianismo

e a argumentaccedilatildeo se concentra na primeira parte do hino (Fl 26-8)

A exegese teoloacutegica desenvolvida durante a reforma protestante seguiu os

mesmos trilhos da patriacutestica O epicentro da exposiccedilatildeo gira em torno das duas

naturezas de Cristo mas houve uma ecircnfase ainda maior no tema de Cristo como

modelo de humildade566 No periacuteodo entre o final do seacuteculo XIX e o iniacutecio do seacuteculo

XX aleacutem dos temas jaacute mencionados eacute possiacutevel destacar trecircs linhas de interpretaccedilatildeo

na exegese teoloacutegica da passagem Primeiro a ldquovisatildeo dogmaacuteticardquo desenvolvida por

luteranos que defende que o versiacuteculo 6 faz referecircncia apenas ao ministeacuterio terreno

de Jesus sem qualquer conexatildeo com a preexistecircncia567 Segundo a teoria kenoacutetica

redigida na sua forma claacutessica por G Thomasius em 1857 que propotildee que no

versiacuteculo 7 o esvaziamento do Filho de Deus envolveu a renuacutencia dos atributos da

onisciecircncia e da onipotecircncia568 Terceiro a interpretaccedilatildeo eacutetica que enxerga a

periacutecope como exortaccedilatildeo de Paulo aos cristatildeos a fim de imitarem a atitude de Cristo

que natildeo se apegou a sua gloacuteria ao seu status divino mas abriu matildeo em favor da

564 EDWARDS M J (ed) Galatians Ephesians Philippians 1999 p 236 565 Ibid p 236-256 566 TOMLIN G Comentaacuterio Biacuteblico da Reforma ndash Filipenses e Colossenses p 89-98 567 MARTIN R P A Hymn a Christ p 63-65 No final do seacuteculo XX essa interpretaccedilatildeo ganhou uma formulaccedilatildeo exegeacutetica atraveacutes da ldquocristologia adacircmicardquo desenvolvida por J D G Dunn 568 MARTIN R P A Hymn a Christ p 66-68

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salvaccedilatildeo da humanidade Da mesma forma os filipenses deveriam abrir matildeo de

todo orgulho no intuito de preservar a unidade da igreja569

O ponto de partida para a pesquisa exegeacutetica contemporacircnea de Fl 26-11

pode ser localizado em 1928 com a publicaccedilatildeo dos trabalhos de Ernst Lohmeyer

Quase 90 anos depois a quantidade de literatura especializada em torno destes seis

versiacuteculos eacute gigantesca Nesse periacuteodo os autores mais influentes em relaccedilatildeo agrave

passagem aleacutem de Lohmeyer foram E Kaumlsemann N T Wright e R P Martin570

O referencial para a realizaccedilatildeo desta pesquisa foram especialmente

Kaumlsemann e Martin Seguindo a sugestatildeo de ambos procurou-se dar o devido valor

aos versiacuteculos 9-11 no conjunto do hino cristoloacutegico fazendo assim uma leitura

progressiva do hino que culmina na exaltaccedilatildeo de Jesus o verdadeiro cliacutemax da

passagem

O caminho seguido para o desenvolvimento dessa proposta teve como

primeira estaccedilatildeo a discussatildeo em torno da carta aos Filipenses A carta eacute endereccedilada

a uma igreja fundada pelo apoacutestolo Paulo entre os anos 48-50 dC Era uma

comunidade com a qual ele tinha um estreito relacionamento pastoral Com efeito

o objetivo principal da carta eacute agradecer o apoio financeiro que o apoacutestolo recebeu

desta igreja e apresentar seus planos para estar em contato com a comunidade

primeiro de enviar missionaacuterios ateacute laacute e depois dele mesmo estar pessoalmente com

os filipenses E aproveitando o ensejo da correspondecircncia o apoacutestolo faz algumas

exortaccedilotildees agrave igreja sobretudo em relaccedilatildeo a adversaacuterios que se levantavam dentro e

fora da igreja

Do ponto de vista socioloacutegico o principal ponto a considerar eacute que a igreja

de Filipos estava localizada em uma colocircnia romana com boa parte da populaccedilatildeo

sendo romana e uma fortiacutessima influecircncia cultural de Roma Quando Paulo escreve

a carta estaacute preso possivelmente na capital do impeacuterio Esse pano de fundo eacute de

fato uma poderosa influecircncia na redaccedilatildeo de Filipenses de modo que por toda a

carta sobretudo em Fl 26-11 percebe-se um vocabulaacuterio e uma narrativa teoloacutegica

que interagem de forma criacutetica com a cultura a poliacutetica e a religiatildeo romanas

569 MARTIN R P A Hymn a Christ p 68-74 570 Martin considera os trecircs primeiros os marcos fundamentais na intepretaccedilatildeo de Fl 26-11 Cf MARTIN R P Carmen Christi Revisited p 1 Contudo o proacuteprio Martin deve ser incluiacutedo pois a sua obra A Hymn of Christ lanccedilada em 1967 (com o tiacutetulo Carmen Christi) atualizada em 1983 e depois em 1997 eacute de longe a pesquisa mais ampla acerca dos temas e da histoacuteria da exegese de Fl 26-11 no seacuteculo XX

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Quanto agrave autoria da carta natildeo haacute duacutevidas de que ela tenha sido escrita pelo

apoacutestolo Paulo e embora exista razoaacutevel debate se o formato atual seja o resultado

da uniatildeo de vaacuterias cartas menores que Paulo enviou agrave igreja a evidecircncia manuscrita

e histoacuterica favorece agrave tese de que a carta sempre existiu como hoje se encontra no

Novo Testamento

O objeto material deste trabalho foi o texto de Fl 29-11 que eacute uma parte

literariamente distinguiacutevel da passagem de Fl 26-11 que por sua vez estaacute inserida

na seccedilatildeo pareneacutetica da carta que vai de 127 a 217 mas eacute uma unidade textual

distinta entre outros motivos justamente porque a parecircnese eacute dominada por

imperativos que Paulo dirige agrave comunidade enquanto que em 26-11 os verbos

principais passam do imperativo para o indicativo e da 2ordf pessoa para a 3ordf pessoa

passando-se da exortaccedilatildeo para a narraccedilatildeo uma narrativa teoloacutegica de eventos

relacionados a Jesus A plausibilidade de se trabalhar apenas com os versiacuteculos 29-

11 eacute verificada sobretudo por duas mudanccedilas primeiro do sujeito dos verbos

principais que em 6-8 eacute o Filho de Deus e em 9-11 eacute Deus Pai depois da temaacutetica

pois na primeira parte haacute uma sucessatildeo de accedilotildees na descendente que vai da gloacuteria

preexistente ateacute agrave morte de cruz e na segunda parte haacute uma accedilatildeo uacutenica na

ascendente que eacute a exaltaccedilatildeo de Jesus e a descriccedilatildeo dos desdobramentos desse

evento Destarte a pesquisa evidenciou que entre as diversas propostas de

estruturaccedilatildeo do hino a divisatildeo em duas partes eacute que possui maior apoio acadecircmico

E considerando que a criacutetica textual natildeo encontrou motivos razoaacuteveis para

alteraccedilatildeo do texto grego apresentado por Nestle-Aland28571 a traduccedilatildeo proposta e

utilizada para esta dissertaccedilatildeo foi a seguinte 9E por isso Deus o exaltou sobremaneira e o agraciou com o nome acima de todo o nome 10a fim de que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 11e toda liacutengua confesse que Jesus Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

O segundo momento deste trabalho foi discorrer sobre as principais linhas

da interpretaccedilatildeo contemporacircnea de Fl 26-11 fazendo o Status Quaestionis572 O

primeiro debate seacuterio eacute acerca do gecircnero literaacuterio e da estrutura da passagem Desde

571 Novum Testametum Graece 572 Como vaacuterias questotildees (autoria gecircnero pano de fundo relaccedilatildeo com o contexto da carta entre outros) dizem respeito ao texto como um todo e natildeo soacute a 29-11 optou-se por fazer o Status

Quaestionis tendo em vista Fl 26-11 com destaque para os pontos diretamente relacionados agrave segunda parte do hino

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Lohmeyer a classificaccedilatildeo da mesma como hino se tornou predominante entre os

estudiosos De fato eacute quase unacircnime a opiniatildeo de que a passagem foi construiacuteda de

maneira poeacutetica mas o consenso termina na hora de definir qual eacute o gecircnero literaacuterio

usado nessa peccedila poeacutetica Vaacuterios argumentos foram levantados contra a designaccedilatildeo

do texto como hino e apesar de uma seacuterie de outras classificaccedilotildees literaacuterias terem

sido apresentadas a que ainda possui maior adesatildeo e mais argumentos em seu favor

eacute a classificaccedilatildeo de Fl 26-11 como um hino dividido em duas partes versiacuteculos 6-

8 e 9-11

Tambeacutem natildeo haacute concordacircncia quanto ao pano de fundo para interpretaccedilatildeo

do hino Satildeo vaacuterias propostas helenismo religioso o servo sofredor de YHWH a

sabedoria judaica Gn 1 e 3 e a comparaccedilatildeo com Adatildeo tradiccedilotildees relacionadas ao

ministeacuterio terreno de Jesus entre outras Na pesquisa recente o toacutepico mais

discutido eacute a leitura do hino em termos de uma cristologia adacircmica seja na forma

apresentada por J D G Dunn seja no modelo alternativo de N T Wright Mas

esse eacute daqueles problemas exegeacuteticos insoluacuteveis e talvez o melhor mesmo seja

encarar o texto como uma composiccedilatildeo cristatilde que interage (intencionalmente ou

natildeo) com vaacuterias tradiccedilotildees do mundo religioso contemporacircneo em especial do

contexto judaico-cristatildeo

Algo que parece caminhar para o consenso eacute a opiniatildeo sobre a autoria da

passagem Nos uacuteltimos 25 anos a maioria dos estudiosos da passagem tecircm sido

persuadidos pelos argumentos em favor da autoria paulina Essa eacute uma mudanccedila

significativa nos estudos neotestamentaacuterios pois Fl 26-11 foi e ainda eacute amplamente

usado como testemunho da cristologia e da liturgia do cristianismo preacute-paulino573

Por certo a autoria paulina natildeo exclui que o apoacutestolo herdou (como de fato ele

reconhece entre outros lugares em 1Cor 153 1123) e trabalhou a partir de

conteuacutedos foacutermulas e ecircnfases que jaacute existiam no cristianismo quando ele inicia sua

caminhada cristatilde e antes de ele iniciar sua produccedilatildeo literaacuteria Natildeo obstante a

alteraccedilatildeo na perspectiva do autor faz do texto um testemunho direto da teologia

paulina e natildeo do cristianismo preacute-paulino

573 Veja-se por exemplo J Gnilka que como outros antes dele entende a passagem como uma composiccedilatildeo preacute-paulina e assim enxerga a teologia paulina exclusivamente nas alteraccedilotildees que o apoacutestolo teria feito ao hino original Forma-se um castelo de hipoacutetese supotildee-se que Fl 26-11 existia antes de ser publicada na carta que Paulo escreveu supotildee-se que essa versatildeo anterior era um pouco diferente desta utilizada por Paulo e supotildee-se ainda que o apoacutestolo teria feito certas inserccedilotildees nessa versatildeo interior Simplesmente nenhuma das trecircs hipoacuteteses pode ser provada Cf GNILKA J O Elemento preacute-paulino no Querigma Paulino p 75-77

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Outro ponto fundamental na pesquisa sobre Fl 26-11 eacute a relaccedilatildeo entre o

texto e o seu contexto de modo especiacutefico a funccedilatildeo que o hino desempenha na

parecircnese paulina A discussatildeo passa essencialmente pela exegese do versiacuteculo 25

que introduz o hino fazendo sua ligaccedilatildeo com o contexto A chamada interpretaccedilatildeo

eacutetica toma a expressatildeo ἐν Χριστῷ que ocorre neste versiacuteculo de forma literal e

entende que aqui Paulo motiva os cristatildeos a olharem para Jesus Cristo como

exemplo das principais virtudes que eles deveriam apresentar Por traacutes de Fl 26-11

estaria o tema que aparece alhures em Paulo da imitaccedilatildeo a Cristo A primeira criacutetica

importante contra esta interpretaccedilatildeo bastante popular veio por intermeacutedio de Karl

Barth Ele observou ldquonatildeo eacute por uma referecircncia ao exemplo de Cristo que Paulo

quer fortalecer o argumento de 21-4rdquo574 Seguindo alguns insights de Barth

Kaumlsemann fez dessa questatildeo o tema principal da sua exegese da passagem

tornando-se o propositor da chamada interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica de Fl 26-11

A argumentaccedilatildeo apresentada por ele comeccedila na exegese do versiacuteculo 25

Aleacutem de entender a expressatildeo ἐν ὑμῖν coletivamente (ldquoentre vocecircsrdquo) e suprir em

25b a lacuna verbal com uma forma presente do verbo φρονέω o pilar principal da

exegese de Kaumlsemann foi dar o devido peso teoloacutegico agrave expressatildeo ἐν Χριστῷ Esta

importante expressatildeo combina perspectivas soterioloacutegicas escatoloacutegicas

eclesioloacutegicas e existenciais cujo sentido baacutesico eacute o espaccedilo de influecircncia para onde

a pessoa eacute trazida quando eacute alcanccedilada pela graccedila da salvaccedilatildeo (sentido que ele tomou

de Barth) com todos os dons relacionados mas tambeacutem com os imperativos da

vida cristatilde Nesse caso a exortaccedilatildeo paulina eacute que os cristatildeos devem viver em

conformidade como essa nova realidade (soterioloacutegica escatoloacutegica eclesioloacutegica

e existencial) para onde foram levados que eacute o espaccedilo do senhorio de Jesus O

objetivo natildeo eacute imitar Cristo mas obedecer a este que eacute o Senhor de todas coisas

conforme a confissatildeo feita no final do hino Essa maneira de olhar o texto natildeo soacute

afasta a temaacutetica da imitaccedilatildeo a Jesus como daacute o devido valor aos versiacuteculos 29-

11 O texto inteiro eacute visto como a narraccedilatildeo do evento escatoloacutegico que resultou no

senhorio universal de Jesus De fato o cliacutemax do hino eacute o senhorio de Jesus Quem

estaacute ἐν Χριστῷ estaacute debaixo do senhorio de Jesus e deve assim obedecer-lhe como

insinua o contexto imediato de 212

574 BARTH K Epistle to the Philippians p 59 Grifos dele

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A interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica tem como principal expoente contemporacircneo

R P Martin e foi certamente um dos pontos que esta dissertaccedilatildeo quis ressaltar

Considerando a popularidade da interpretaccedilatildeo eacutetica na exegese anglo-saxatilde e dada

a influecircncia desta escola na teologia brasileira e latino-americana eacute muito

necessaacuterio conhecer uma outra maneira de olhar a passagem para assim avaliar a

contribuiccedilatildeo teoloacutegica que ela faz ao entendimento do texto senatildeo como melhor

exegese no miacutenimo para corrigir inconsistecircncias da interpretaccedilatildeo eacutetica Ademais

um dos pontos que ficam para uma pesquisa posterior eacute uma investigaccedilatildeo exegeacutetica

ainda mais profunda de Fl 25 versiacuteculo chave para a compreensatildeo a conexatildeo entre

21-4 e 26-11

A terceira etapa desta dissertaccedilatildeo eacute ao mesmo tempo seu capiacutetulo central

Nele tratou-se do versiacuteculo 29 onde precisamente a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute

apresentada e sintaticamente eacute o segmento principal do periacuteodo 29-11 No

versiacuteculo 9 fica claro que o responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus eacute Deus Pai Embora

no Antigo Oriente o tema da exaltaccedilatildeo estivesse presente em vaacuterias tradiccedilotildees

parece que a principal influecircncia por traacutes de Fl 29 eacute a expectativa judaica da

exaltaccedilatildeo de Israel no final dos tempos No Novo Testamento os diversos grupos

literaacuterios reconhecem a exaltaccedilatildeo de Jesus com um acontecimento histoacuterico a partir

da sua ressurreiccedilatildeo e o consenso atual nos estudos neotestamentaacuterios eacute que essa

convicccedilatildeo retrocede agrave experiecircncia de feacute dos primeiros cristatildeos Isto eacute jaacute os

primeiros cristatildeos da comunidade de Jerusaleacutem de fala aramaica acreditavam que

Jesus Cristo estava exaltado nos ceacuteus ao lado do Pai (Sl 1101) soberano sobre todo

o universo e exatamente por isso eles podiam interagir com Jesus Cristo atraveacutes

de suas oraccedilotildees e das reuniotildees da comunidade cristatilde O consenso atual substituiu a

anterior e influente ideia de que uma cristologia do Jesus exaltado soacute foi construiacuteda

em comunidades gentiacutelicas quando o cristianismo sofre o impacto de religiotildees

pagatildes

Na cristologia paulina a exaltaccedilatildeo de Cristo eacute um tema central Para Paulo

o Cristo exaltado eacute o mesmo ser humano Jesus de Nazareacute que morreu crucificado

em Jerusaleacutem Apesar de em Fl 29 a exaltaccedilatildeo ser afirmada como um ato uacutenico a

partir de outros textos constata-se que Paulo compreendia essa exaltaccedilatildeo como

envolvendo a ressurreiccedilatildeo a ascensatildeo e a entronizaccedilatildeo de Jesus ao lado de Deus

Pai Por outro lado o principal aspecto do pensamento paulino acerca da exaltaccedilatildeo

de Jesus eacute escatologia O apoacutestolo entendeu que a exaltaccedilatildeo fazia parte da grande

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virada escatoloacutegica que aconteceu com o evento Cristo O futuro chegou e invadiu

o presente pois ele acredita que a chegada do Messias iniciou o tempo de salvaccedilatildeo

que era a expectativa judaica para o fim dos tempos Isso eacute evidenciado pela

referecircncia a Is 4523 um texto que trazia a esperanccedila de que no final dos tempos

todos os povos da terra se voltariam para YHWH confessando-o e submetendo-se

a ele Fl 29-11 mostra que essa esperanccedila se cumpriu em Jesus pois o proacuteprio Deus

o exaltou e assim o estabeleceu diante do universo como aquele que precisa ser

confessado e reverenciado Dessa forma a exaltaccedilatildeo de Jesus cumpre a expectativa

escatoloacutegica judaica do triunfo de Deus sobre os inimigos de Israel A exaltaccedilatildeo

afirma que YHWH triunfa atraveacutes de Jesus um triunfo cuja amplitude vai aleacutem dos

povos da terra mas alcanccedila todos os poderes do cosmos A dimensatildeo escatoloacutegica

tambeacutem confirma a correccedilatildeo da interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica do hino pois o propoacutesito

do texto natildeo eacute apresentar a vindicaccedilatildeo do justo sofredor mas narrar a virada

escatoloacutegica ocorrida atraveacutes da exaltaccedilatildeo de Cristo e mostrar que nesse momento

Jesus eacute muito mais do que o justo vindicado Ele eacute o Senhor do universo Mais do

que exemplo ele eacute aquele a quem todos devem obedecer e confessar

Outra tese fundamental assumida nesta dissertaccedilatildeo eacute a proposta de uma

leitura linear e progressiva do conjunto de Fl 26-11 A passagem eacute uma narrativa

cristoloacutegica (o tema eacute Jesus) que descreve o evento escatoloacutegico da encarnaccedilatildeo

crucificaccedilatildeo culminando na exaltaccedilatildeo o cliacutemax do texto conforme indicado por

R P Martin Neste sentido faz-se oposiccedilatildeo agrave perspectiva ciacuteclica que entende a

exaltaccedilatildeo como simples retorno ao estaacutegio da preexistecircncia com a uacutenica diferenccedila

que agora o Filho de Deus estaacute encarnado O ponto aqui eacute o exato entendimento do

composto verbal ὑπερύψωσεν utilizado no versiacuteculo 29 para descrever a exaltaccedilatildeo

Sem exagerar nem subestimar a forccedila da preposiccedilatildeo ὑπερ entende-se por certo que

existia uma intenccedilatildeo teoloacutegica em sua utilizaccedilatildeo que junto com outras

consideraccedilotildees eacute afirmar que a exaltaccedilatildeo levou Jesus a um status superior ao que o

Filho de Deus tinha na preexistecircncia Deixando de lado a discussatildeo dogmaacutetica sobre

essecircncias e naturezas ndash que natildeo estaacute presente no hino ndash percebe-se que a mudanccedila

natildeo foi em termos de divindade mas de funccedilatildeo a partir da exaltaccedilatildeo o Filho de

Deus desempenha uma funccedilatildeo que antes era exclusiva de Deus Pai que eacute a

soberania sobre o cosmos

Isso eacute confirmado porque sem qualquer duacutevida o hino mostra que a

exaltaccedilatildeo acarretou para Jesus a doaccedilatildeo de um novo nome Deus exaltou Jesus e

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agraciou-lhe com o nome sobre todo nome A utilizaccedilatildeo do verbo χαρίζομαι mostra

que esse novo nome e tudo o que ele representa natildeo foi conquistado a forccedila por um

Jesus revolucionaacuterio nem tampouco foi uma recompensa a um servo que foi

obediente ateacute a morte de cruz O novo nome assim como a proacutepria exaltaccedilatildeo foi

dado graciosamente pelo Pai Jesus que para os cristatildeos eacute instrumento da graccedila de

Deus na sua exaltaccedilatildeo foi destinataacuterio da mesma graccedila Qual nome Deus deu a

Jesus Eacute difiacutecil oferecer uma resposta absoluta mas de fato a proposta mais

plausiacutevel eacute a que identifica este nome com tiacutetulo Senhor explicitado no versiacuteculo

11 Nesse contexto nome significa funccedilatildeo missatildeo Um novo nome significa uma

nova funccedilatildeo desempenhada pelo Filho de Deus a partir da exaltaccedilatildeo Quer dizer que

na exaltaccedilatildeo Deus Pai daacute a Jesus privileacutegios responsabilidades e autoridade que o

Filho de Deus natildeo possuiacutea na preexistecircncia Nesta perspectiva o hino possui uma

cristologia de trecircs estaacutegios a preexistecircncia a existecircncia encarnada e a poacutes-

existecircncia exaltada que eacute caracterizada pelo senhorio de Jesus sobre o cosmos E

natildeo soacute essa soberania de Cristo eacute entendida como o cumprimento de esperanccedilas

escatoloacutegicas do povo de Israel como torna-se fundamento para a adoraccedilatildeo de Jesus

Cristo junto com Deus Pai no primitivo culto cristatildeo

E essa progressatildeo que culmina no tiacutetulo κύριος ainda ecoa criticamente a

ideologia romana do cursus honorum que buscava a divulgaccedilatildeo puacuteblica de tiacutetulos

honras cargos e tudo quanto promovesse a fama do indiviacuteduo Conforme a tese de

Hellerman Fl 26-11 apresenta uma mensagem contraacuteria um cursus pudorum pois

o Filho de Deus alcanccedilou o status maacuteximo imaginado por um cidadatildeo romano (o

κύριος isto eacute o status do imperador) seguindo um caminho de renuacutencia humildade

e sofrimento E mais do que um exemplo a ser seguido o hino proclama a dignidade

e superioridade do κύριος Jesus Cristo diante de quem todos inclusive os mais

nobres cidadatildeos de Roma deveriam dobrar os joelhos

A quarta seccedilatildeo desta pesquisa trabalhou a exegese dos versiacuteculos 210-11

com exceccedilatildeo do segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

discutido no uacuteltimo capiacutetulo Nesta etapa foi muito importante avaliar o uso que o

texto faz de Is 4523 um texto que critica a idolatria mostrando que soacute YHWH eacute

Deus e traz uma esperanccedila escatoloacutegica de um dia em que todos os povos da Terra

se voltaratildeo e se curvaratildeo diante de YHWH O hino cristoloacutegico faz duas alteraccedilotildees

significativas primeiro partindo do texto da Septuaginta ele faz uma releitura

cristoloacutegica fazendo com que aquilo que se esperava para YHWH agora se torna

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realidade em Cristo E justamente a segunda mudanccedila significativa foi no tempo

dos verbos que na LXX eram futuros e em Filipenses passam para o passado Em

outras palavras Fl 210-11 estaacute anunciando que a esperanccedila profeacutetica se cumpriu

em Jesus A exaltaccedilatildeo de Jesus marcou o iniacutecio dessa nova era escatoloacutegica que

ainda natildeo chegou em sua plenitude

A seguir o texto apresenta duas accedilotildees que devem ser feitas ἐν τῷ ὀνόματι

Ἰησοῦ Entre outras possibilidades esta expressatildeo foi tomada com causal ou seja

as accedilotildees de dobrar os joelhos e confessar indicadas imediatamente depois devem

ser feitas por conta do nome que agora Jesus tem Porque Deus o colocou como

Senhor de todo o cosmos todos devem prostrar-se diante dele O senhorio eacute a causa

eficiente e esse Senhor que merece ser reverenciado o texto deixa claro que eacute o

mesmo homem judeu que andou pela Galileacuteia tinha disciacutepulos e foi crucificado em

Jerusaleacutem Jesus Por isso a referecircncia expliacutecita ao seu nome excluindo explicaccedilotildees

mitoloacutegicas

A primeira accedilatildeo que Fl 210-11 indica que deve ocorrer diante e por causa

do nome de Jesus eacute o dobrar de joelhos Como expressatildeo religiosa era uma praacutetica

conhecida no Antigo Oriente e tambeacutem entre os judeus O que chama a atenccedilatildeo em

especial para a sensibilidade judaica eacute que fazer isso a Jesus equivalia a reconhecer

sua divindade junto com o Pai O texto tambeacutem traz o alcance dessa consequecircncia

da exaltaccedilatildeo de Jesus nos ceacuteus na Terra e debaixo da Terra Esta expressatildeo faz que

o senhorio de Jesus tenha um alcance coacutesmico Natildeo apenas seres humanos mas

todos os seres que podem ouvir esta mensagem satildeo chamados a atende-la sejam

eles visiacuteveis ou invisiacuteveis anjos democircnios ou pessoas Natildeo haacute nenhuma razatildeo

exegeacutetica ou teoloacutegica para se excluir a Igreja de todos esses que reverenciam Jesus

ao contraacuterio do que propotildeem Lohmeyer e Kaumlsemann E por sinal eacute importante

pontuar que as accedilotildees descritas em Fl 210-11 satildeo dirigidas a Jesus e natildeo a Deus

atraveacutes de Jesus

Nota-se tambeacutem nestes versiacuteculos uma tensatildeo escatoloacutegica por conta de

uma dupla perspectiva temporal Seguindo a sugestatildeo de Cullmann compreende-

se que existe uma perspectiva futura de um dia em que todos os seres estaratildeo

prostrados diante de Jesus Cristo Neste sentido o texto funciona como anuacutencio

profeacutetico da realidade da parusia Por outro lado diferente do judaiacutesmo o

cristianismo primitivo valorizou muito mais o presente pois entendeu que a partir

da exaltaccedilatildeo Cristo jaacute assumiu o senhorio sobre todas as coisas Recorrendo

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principalmente ao Sl 1101 os primeiros cristatildeos entendiam que o reinado de Jesus

jaacute comeccedilou as forccedilas malignas jaacute estatildeo subordinadas a ele mas somente seratildeo

julgadas e condenadas de forma definitiva na parusia E enquanto natildeo chega esse

grande dia a Igreja funciona como epicentro da soberania coacutesmica de Jesus pois

ela eacute o espaccedilo onde o senhorio dele eacute celebrado e em que as pessoas de maneira

espontacircnea prostram-se diante dele como κύριος Nessa linha a passagem

desempenha uma funccedilatildeo pragmaacutetica exortando todos os seus ouvintes e leitores a

colocarem em praacutetica o que seraacute realidade no dia do Senhor De fato a tensatildeo

escatoloacutegica do jaacute e ainda natildeo que permeia todo o Novo Testamento tambeacutem estaacute

por traacutes de Fl 210-11

A interpretaccedilatildeo do verbo ἐξομολογέω caminha dentro deste mesmo

enquadramento escatoloacutegico Antes de mais nada deve-se pontuar que o melhor

entendimento deste termo eacute o que leva em conta a sua ambiguidade Ele traz uma

conotaccedilatildeo predominantemente veterotestamentaacuteria que eacute de confissatildeo de feacute Entatildeo

pelo acircngulo do jaacute escatoloacutegico os ouvintes e leitores de Fl 210-11 satildeo desafiados

natildeo soacute a reconhecer Jesus Cristo como κύριος do cosmos mas a confessaacute-lo como

Senhor pessoal de suas vidas Na dimensatildeo do ainda-natildeo escatoloacutegico fica a

certeza de que na parusia todos teratildeo que confessar Jesus como Senhor e aqueles

que no eacuteon presente natildeo o fizeram de forma alegre e voluntaacuteria laacute o faratildeo por

reconhecimento e constrangimento Para esse grupo que inclui anjos democircnios e

pessoas que rejeitaram o senhorio de Cristo o confessar seraacute algo apenas formal

Em contrapartida quando a Igreja em suas reuniotildees celebra o senhorio de Cristo

ela antecipa uma realidade escatoloacutegica que simultaneamente estaacute em operaccedilatildeo

desde a exaltaccedilatildeo de Jesus

Destarte se as accedilotildees de dobrar os joelhos e confessar satildeo feitas para Jesus

eacute difiacutecil fugir da conclusatildeo de que o texto aponta para uma adoraccedilatildeo a Jesus Uma

tentativa de suavizar essa conclusatildeo eacute a tese originalmente proposta por W

Bousset de que essa cristologia de um Jesus exaltado e adorado pelos cristatildeos soacute

se tornou efetiva em comunidades heleniacutesticas Implicitamente o que se quer

defender aqui eacute que o cristianismo supostamente original ndash e aqui original equivale

a autecircntico ndash eacute apenas aquele da antiga comunidade primitiva de Jerusaleacutem de fala

aramaica para quem Jesus eacute apenas o Filho do Homem que viraacute na parusia Essa

proposta foi amplamente refutada entre outras razotildees pela avaliaccedilatildeo exegeacutetica da

suacuteplica μαράνα θά e pelo entendimento desenvolvido de forma particular por L

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W Hurtado de que o fator decisivo para a articulaccedilatildeo da cristologia primitiva foi a

inclusatildeo de Jesus Cristo no culto monoteiacutesta destinado a Deus Pai Nunca houve

uma cristologia sem contornos lituacutergicos Foi a adoraccedilatildeo a Jesus ao lado de Deus

em um culto ldquoBinitarianordquo o propulsor da cristologia neotestamentaacuteria Em

contrapartida nunca houve um cristianismo no qual Jesus natildeo fosse reconhecido no

culto como Senhor exaltado e com quem os cristatildeos podiam interagir Isso faz

pensar nas implicaccedilotildees para o culto cristatildeo que a desvalorizaccedilatildeo ou mesmo ou

desconhecimento da cristologia da exaltaccedilatildeo pode acarretar O tema desafia agrave

reflexatildeo teoloacutegica e pastoral e de antematildeo pode-se destacar o afastamento da

perspectiva lituacutergica neotestamentaacuteria promovendo um culto que olha para o Cristo

que jaacute veio ou para o Cristo que viraacute mas ignora o Cristo que estaacute presente e ativo

porque eacute Senhor de todas as coisas e tem na Igreja o epicentro dessa soberania

A quinta e uacuteltima etapa desse estudo da exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 eacute a

exegese da frase ldquoJesus Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pairdquo Na construccedilatildeo

narrativa do hino o cliacutemax ficou para a confissatildeo de feacute ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo Esta

eacute uma confissatildeo que aparece alhures no Novo Testamento e provavelmente foi a

primeira foacutermula confessional cristatilde retrocedendo ao cristianismo primitivo Ela

responde duas perguntas simultacircneas Quem eacute Jesus hoje Quem eacute Senhor hoje A

resposta eacute expliacutecita Hoje neste tempo presente da histoacuteria da salvaccedilatildeo Jesus eacute

Senhor E hoje no presente da histoacuteria humana em que sempre muitos se

apresentam ou satildeo identificados como senhores soacute haacute um Senhor Jesus Cristo

exaltado A forma baacutesica da expressatildeo eacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo de modo que aqui em Fl

211 o uso de Χριστὸς teria a intenccedilatildeo de mostrar o substrato judaico do evangelho

anunciado O Jesus que eacute Senhor eacute antes de mais nada o Messias de Israel

Tambeacutem chama a atenccedilatildeo que o conteuacutedo da principal afirmaccedilatildeo de feacute pelo

menos nos ciacuterculos paulinos privilegie o tiacutetulo κύριος em lugar de outras

designaccedilotildees cristoloacutegicas Satildeo vaacuterias as razotildees para isso Primeiro o tiacutetulo ecoa a

noccedilatildeo de discipulado fazendo par com δοῦλος reflexatildeo teoloacutegica que perpassa os

quatro evangelistas e tambeacutem estaacute presente em Paulo que considera o uacuteltimo termo

adequado para conceituar o cristatildeo Segundo o tiacutetulo κύριος conseguia resumir em

uma uacutenica palavra tudo o que os cristatildeos acreditavam acerca de Jesus a partir do

evento fundamental da ressurreiccedilatildeo e consequente exaltaccedilatildeo Neste ponto eacute de

extrema importacircncia perceber o pano de fundo judaico deste tiacutetulo A questatildeo eacute que

ldquoSenhorrdquo era a expressatildeo usada pelos judeus para se referirem a YHWH

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independente da liacutengua que falassem hebraico aramaico ou grego E quando o

Antigo Testamento foi traduzido para o grego eacute justamente κύριος a palavra

escolhida para substituir o tetragrama Significa dizer que para qualquer judeu do

1ordm seacuteculo chamar Jesus de Senhor era tornaacute-lo equivalente ao Deus de Israel E essa

era a intenccedilatildeo dos cristatildeos Reconhecer que pela exaltaccedilatildeo a soberania sobre a

criaccedilatildeo e a salvaccedilatildeo que antes eram exclusivas de Deus Pai agora satildeo

compartilhadas com Jesus Cristo O apoacutestolo Paulo vai tirar uma seacuterie de

implicaccedilotildees desta convicccedilatildeo no senhorio de Jesus Cristo na parecircnese chamando

os cristatildeos agrave obediecircncia diante do seu Senhor na escatologia mostrando que o

senhorio de Jesus marca o iniacutecio desse novo eacuteon que irrompeu mas que chegaraacute na

plenitude na vinda desse mesmo Senhor trazendo vitoacuteria e julgamento e na liturgia

de modo que uma seacuteria de expressotildees cuacutelticas nas cartas paulinas satildeo marcadas natildeo

soacute pelo κύριος como tambeacutem pela compreensatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus

Agora este tiacutetulo natildeo se tornou o resumo da feacute cristatilde apenas por conta do

seu pano de fundo judaico Certamente era importante para proclamaccedilatildeo cristatilde

sobretudo feita por Paulo que para ouvidos natildeo judaicos κύριος tambeacutem era

sinocircnimo de divindade e poder A diferenccedila eacute que ao contraacuterio dos judeus os

demais povos da eacutepoca acreditavam em vaacuterios ldquosenhoresrdquo que controlavam o

universo e suas vidas e exigiam submissatildeo e adoraccedilatildeo Para esses a mensagem

cristatilde eacute uma contra mensagem soacute existe um κύριος e ele eacute Senhor sobre todo e

qualquer um que se possa chamar de κύριος No ambiente romano da cidade de

Filipos esse anuacutencio era quase subversivo pois natildeo somente negam-se as

pretensotildees do imperador quanto se diz que o cristatildeo apenas deve reconhecer

obedecer e adorar como Senhor Jesus Cristo Em contrapartida era uma teologia de

esperanccedila para aqueles que estavam sendo perseguidos e discriminados por

autoridades romanas

No entanto a centralidade da exaltaccedilatildeo de Jesus na teologia cristatilde paulina e

neotestamentaacuteria natildeo equivale a um eclipse de Deus Pai A seccedilatildeo de Fl 29-11

comeccedila afirmando que foi Deus que exaltou Jesus e deu a ele a funccedilatildeo de Senhor

sobre o cosmos Ou seja tudo o que Jesus eacute como κύριος foi dado por Deus O

versiacuteculo 11 fecha isso mostrando que a exaltaccedilatildeo e todo o exerciacutecio da soberania

de Jesus incluindo o prostrar-se diante dele e confessaacute-lo satildeo para gloacuteria de Deus

Pai Deus eacute identificado aqui como ldquoPairdquo e o que deve ser entendido aqui eacute uma

paternidade sobre toda a criaccedilatildeo que se alienou de Deus por conta do pecado e da

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rebeliatildeo das forccedilas espirituais mas que eacute reconciliada com ele exatamente pelos

efeitos soterioloacutegicos da obra de Jesus Esse Deus Pai que exaltou Jesus e reconcilia

mundo consigo mesmo merece e deseja ser glorificado e honrado

Esta discussatildeo levanta o questionamento acerca da relaccedilatildeo entre Jesus Cristo

e Deus Pai no cristianismo primitivo Eacute certo que a reflexatildeo daquele periacuteodo natildeo

enxergava essa relaccedilatildeo nos termos da posterior doutrina da Trindade Tampouco

desenvolveu-se um cristomonismo no qual Jesus eacute enfatizado agraves custas de Deus

Ainda menos razoaacutevel eacute equiparar a cristologia do Novo Testamento agraves

especulaccedilotildees judaicas de agentes divinos que agem em nome de Deus e agraves vezes

ateacute representam Deus O cristianismo primitivo deu um passo teologicamente

revolucionaacuterio quando deu a Jesus dois aspectos que eram exclusividade de

YHWH a soberania (sobre a criaccedilatildeo e sobre a salvaccedilatildeo) e adoraccedilatildeo E o mais

interessante eacute que isso foi feito sem abrir matildeo da feacute e culto monoteiacutesta Esse eacute o

fenocircmeno denominado monoteiacutesmo cristoloacutegico os cristatildeos passaram a crer na

divindade de Jesus e na sua soberania sem achar que YHWH tivesse deixado de

ser divino e soberano Eles passaram a adoraacute-lo como Senhor no mesmo culto em

que dirigiam oraccedilotildees e louvores a Deus Fl 29-11 evidencia esse monoteiacutesmo

cristoloacutegico e assim constitui-se texto essencial para a compreensatildeo da feacute cristatilde

primitiva na divindade de Jesus como para a compreensatildeo de como essa feacute foi

articulada em termos completamente distintos da teologia eclesiaacutestica dos seacuteculos

posteriores

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Page 3: Jackson Willian Marques da Fonseca A exaltação de Jesus em

Todos os direitos reservados Eacute proibida reproduccedilatildeo total ou parcial do trabalho sem autorizaccedilatildeo da universidade do autor e do orientador

Jackson Willian Marques da Fonseca

Cursou o Seminaacuterio Teoloacutegico Presbiteriano Rev Ashbel Green Simonton (2004) e o Centro de Poacutes-Graduaccedilatildeo An-drew Jumper (2010) Graduou-se em teologia pela Universi-dade Presbiteriana Mackenzie (2012) Eacute ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) Leciona desde 2010 disciplinas relacionadas agrave exegese do Novo Testamento no Seminaacuterio Presbiteriano Simonton

Ficha Catalograacutefica

CDD 200

Fonseca Jackson Willian Marques da

A exaltaccedilatildeo de Jesus em Filipenses 29-11 Jackson Willian Mar-

ques da Fonseca orientador Isidoro Mazzarolo ndash 2016

171 f 30 cm

Dissertaccedilatildeo (mestrado)ndashPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio

de Janeiro Departamento de Teologia 2016

Inclui bibliografia

1 Teologia ndash Teses 2 Exaltaccedilatildeo de Jesus 3 Filipenses 29-11

4 Senhor 5 Cristologia do Novo Testamento 6 Hino cristoloacutegico I

Mazzarolo Isidoro II Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Ja-

neiro Departamento de Teologia III Tiacutetulo

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AGRADECIMENTOS

Agrave minha matildee Aurelidia Marques da Fonseca e minha avoacute Liacutedia Vasconcelos que me incentivaram e me deram condiccedilotildees de estudar a Escritura como Palavra de Deus

Agrave minha esposa Liz Mary da Silva Marques companheira e amor de toda a minha vida sem a qual vitoacuterias natildeo seriam alcanccediladas nem seriam celebradas

Agraves minhas filhas Taissa da Silva Marques e Sarah da Silva Marques A existecircncia de vocecircs traz alegria ao meu coraccedilatildeo e um sorriso aos laacutebios

Agrave Igreja Presbiteriana do Brasil que me daacute o privileacutegio de exercer o ministeacuterio de ensinar a Palavra de Deus como pastor de ovelhas e professor de futuros pastores

Agrave Igreja Presbiteriana das Aacuteguas comunidade onde o meu coraccedilatildeo cristatildeo tem sido renovado e que me possibilita dedicar o tempo necessaacuterio ao estudo

Ao meu orientador Professor Isidoro Mazzarolo pelo acompanhamento atencioso e incentivo constantes que me impulsionaram agrave realizaccedilatildeo deste trabalho

A todo o Departamento de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio por toda a estrutura acadecircmica disponibilizada e especialmente os seus professores que com excelecircncia ofereceram preciosa contribuiccedilatildeo a minha formaccedilatildeo

Ao Programa de bolsas de fomento CAPESPROSUP do ministeacuterio de educaccedilatildeo que ofereceu as condiccedilotildees financeiras adequadas para o cumprimento de todas as exigecircncias do curso de mestrado

E sobretudo agradeccedilo aquele que eacute soberano sobre todas as coisas que me susten-tou graciosamente em todas as circunstacircncias sendo o sentido uacuteltimo de toda e qualquer realizaccedilatildeo

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Resumo

Fonseca Jackson Willian Marques da Mazzarolo Isidoro (Orientador) A

exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Dissertaccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro

Filipenses 26-11 eacute texto fundamental na cristologia do cristianismo primi-

tivo e neotestamentaacuteria Inserido na parecircnese da carta de Paulo aos Filipenses a

passagem desenvolve uma narrativa cristoloacutegica que comeccedila na preexistecircncia

passa pela encarnaccedilatildeo e culmina na exaltaccedilatildeo de Jesus No contexto da carta funci-

ona como um chamado eacutetico aos que estatildeo ldquoem Cristordquo agrave obediecircncia ao Senhor

exaltado Literariamente o texto eacute um hino composto de duas partes 26-8 e 29-11

e a leitura proposta eacute ver nesta segunda seccedilatildeo o cliacutemax do hino que justamente trata

da exaltaccedilatildeo de Jesus O tema da exaltaccedilatildeo eacute apresentado dentro de uma perspectiva

escatoloacutegica pois o iniacutecio do senhorio de Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila isra-

elita no triunfo de Deus eacute a virada escatoloacutegica que traz o tempo de salvaccedilatildeo Atra-

veacutes da exaltaccedilatildeo Deus compartilhou com seu Filho a soberania sobre o universo

implicando que todos os seres precisam agora dobrar os joelhos diante de Jesus e

reconhececirc-lo como Senhor Aqueles que jaacute fazem isso voluntariamente vivenciam

antecipadamente o que seraacute a realidade escatoloacutegica final Esse novo papel de Jesus

eacute descrito pelo tiacutetulo κύριος que combinado com outros elementos do texto atribui

a ele contornos divinos e de igualdade com YHWH aleacutem de uma oposiccedilatildeo agraves ide-

ologias romanas A exaltaccedilatildeo de Jesus tambeacutem estaacute ligada com a revoluccedilatildeo cristo-

loacutegica que aconteceu no culto cristatildeo primitivo quando os cristatildeos judeus adoraram

Jesus ao lado de Deus Pai sem renunciar ao seu monoteiacutesmo O final do hino enfa-

tiza exatamente que a exaltaccedilatildeo de Jesus foi conduzida por Deus e resulta em sua

proacutepria gloacuteria

Palavras-Chave

Exaltaccedilatildeo de Jesus Filipenses 29-11 Senhor cristologia do Novo Testa-mento hino cristoloacutegico

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Abstract

Fonseca Jackson Willian Marques Mazzarolo Isidoro (Orientador) The

Exaltation of Jesus in Phil 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Disserta-ccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro

Philippians 26-11 is a fundamental text in the Christology of early Christi-

anity and the New Testament Inserted in the parenesis of Pauls letter to the Philip-

pians the passage develops a Christological narrative that begins in the preexist-

ence passes through the incarnation and culminates in the exaltation of Jesus In

the context of the letter functions as an ethical call to those who are in Christ in

obedience to the exalted Lord Literarily the text is a hymn composed of two parts

26-8 and 29-11 and the proposed reading is to see in this second section the climax

of the hymn which precisely deals with the exaltation of Jesus The theme of exal-

tation is displayed within an eschatological perspective since the beginning of the

lordship of Jesus is the fulfillment of the Israelite hope in the triumph of God it is

the eschatological turn that brings the fulfillment of salvation Through exaltation

God shared with His Son the sovereignty over the universe implying that all beings

must now bend to his knees before Jesus and acknowledge him as Lord Those who

already do so voluntarily experience in advance what will be the reality of the es-

chatological end This new role of Jesus is described by the title κύριος which com-

bined with the other elements of the text gives it contours to the divine and equality

with YHWH in addition to opposition to Roman ideologies The exaltation of Jesus

is also connected to the Christological revolution that happened in the worship of

the early Christian when the Jewish Christians worshipped Jesus alongside God

the Father without giving up their monotheism The end of the hymn emphasizes

exactly that the exaltation of Jesus was led by God and results in his own glory

Keywords

Exaltation of Jesus Philippians 29-11 the Lord Christology of the New Testament Christological hymn

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Sumaacuterio

1 Introduccedilatildeo 10

2 O texto a carta e o contexto 17

21 A cidade de Filipos 17

22 Paulo e a igreja de Filipos 20

23 A carta aos Filipenses 26

231 Autoria e integridade da carta 26

232 Objetivo da carta 28

233 Estrutura da carta 29

24 Criacutetica Textual de Fl 29-11 30

25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11 32

26 Delimitaccedilatildeo de Fl 29-11 32

3 Status Quaestionis da pesquisa a respeito de Fl 26-11 35

31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea 35

32 A pesquisa sobre o gecircnero e a estrutura de Fl 26-11 36

33 A pesquisa sobre autoria e origem de Fl 26-11 40

34 O pano de fundo de Fl 26-11 45

35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica) 48

4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e seu novo nome 59

41 Introduccedilatildeo do capiacutetulo 59

42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus 61

43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω 63

431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular 63

432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento 66

433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68

4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68

4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico 71

434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia 75

435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo 82

44 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a doaccedilatildeo de um novo nome 84

441 O verbo χαρίζομαι 84

442 O nome dado a Jesus 85

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4421 ldquoNomerdquo no Antigo Testamento e no judaiacutesmo 86

4422 ldquoNomerdquo no Novo Testamento 87

4423 A identificaccedilatildeo do nome dado a Jesus em Fl 29 88

45 Conclusatildeo do capiacutetulo 92

5 A reverecircncia e a confissatildeo ao Jesus exaltado 96

51 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 96

52 Isaiacuteas 4523 e a exaltaccedilatildeo de Jesus 96

53 Accedilotildees feitas ldquoem nome de Jesusrdquo 100

54 Joelhos dobrados ao nome de Jesus 102

55 O alcance da reverecircncia a Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 103

56 E toda liacutengua confesse 106

57 O significado biacuteblico-teoloacutegico da reverecircncia oferecida em Fl 210-11 108

571 Quem reverencia e quem eacute reverenciado 108

572 Quando eacute reverenciado 111

58 Fl 210-11 e a adoraccedilatildeo a Jesus 117

59 Conclusatildeo do capiacutetulo 120

6 Jesus eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai 122

61 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 122

62 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 122

621 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo no Novo Testamento 123

622 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo em Fl 211 128

63 O tiacutetulo κύριος atribuiacutedo a Jesus 129

631 Panorama da atribuiccedilatildeo de κύριος Jesus no Novo Testamento 129

632 Panorama da histoacuteria da pesquisa sobre o tiacutetulo κύριος 131

633 A importacircncia teoloacutegica de confessar Jesus como Senhor 134

64 Para gloacuteria de Deus Pai 140

65 Monoteiacutesmo cristoloacutegico 143

66 Conclusatildeo do capiacutetulo 148

7 Conclusatildeo 149

8 Referecircncias bibliograacuteficas 162

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ABREVIATURAS

BAGD - A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early

Christian Literature

Cf ndash Conferir

DENT ndash Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

DITAT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

DLNTD - Dictionary of the Later New Testament its Developments

DPL ndash Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas

DITNT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Novo Testamento

IDB - The Interpreterrsquos Dictionary of the Bible

NCBSJ ndash Novo Comentaacuterio Biacuteblico Satildeo Jerocircnimo

NDITEAT ndash Novo Dicionaacuterio Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento

TDNT ndash Theological Dictionary of the New Testament

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1 Introduccedilatildeo

A pesquisa ora apresentada estaacute situada dentro da ciecircncia teoloacutegica no

campo da teologia biacuteblica do Novo Testamento mais especificamente nas aacutereas

dos estudos da teologia paulina e do cristianismo primitivo O objeto material eacute o

texto biacuteblico paulino de Filipenses 29-11 e o objeto formal a partir deste texto eacute o

tema da exaltaccedilatildeo de Jesus Ele aparece no texto pela utilizaccedilatildeo do verbo

uperuyow e os conceitos relacionados a essa accedilatildeo de Deus exaltar Jesus um nome

que foi dado a ele diante desse nome haveraacute uma reverecircncia universal haacute uma

confissatildeo a ser feita e tudo isso ocorre para gloacuteria de Deus Pai

O objetivo do trabalho eacute apresentar uma compreensatildeo exegeacutetica do texto

salientando os aspectos literaacuterios histoacutericos e principalmente teoloacutegicos Na

perspectiva literaacuteria busca-se atraveacutes da criacutetica textual anaacutelise semacircntica sintaacuteti-

ca traduccedilatildeo delimitaccedilatildeo anaacutelise das formas anaacutelises linguiacutesticas e anaacutelises reda-

cionais entender o significado do texto em si e na sua relaccedilatildeo com a carta aos Fili-

penses Na dimensatildeo histoacuterica a proposta eacute investigar o uso de toda a periacutecope de

Fl 26-11 como um hino no culto cristatildeo primitivo anterior ou paralelo ao ministeacute-

rio de Paulo avaliar o seu significado dentro do desenvolvimento do cristianismo

primitivo e a interaccedilatildeo da sua mensagem com algumas cosmovisotildees contemporacirc-

neas como o judaiacutesmo o helenismo e a cultura romana Teologicamente a inten-

ccedilatildeo eacute verificar como o texto descreve o tema central da exaltaccedilatildeo de Jesus e sua

inter-relaccedilatildeo com outros toacutepicos teoloacutegicos tambeacutem presentes na periacutecope e im-

portantes para a feacute cristatilde como o monoteiacutesmo a divindade de Jesus a escatolo-

gia o culto cristatildeo e a atuaccedilatildeo de poderes celestiais no mundo para entatildeo extrair

as implicaccedilotildees dessa narrativa para a compreensatildeo tanto da teologia paulina

quanto da teologia do cristianismo primitivo

Estes objetivos jaacute indicam a relevacircncia acadecircmica do empreendimento

mormente para a pesquisa teoloacutegica Explicitando esta relevacircncia pode-se desta-

car a princiacutepio a importacircncia de investigar como Paulo e os primeiros cristatildeos

entenderam e articularam a sua feacute na exaltaccedilatildeo de Jesus Em decorrecircncia deste

toacutepico a pesquisa contribuiraacute para a compreensatildeo da elaboraccedilatildeo cristoloacutegica ocor-

rida entre os primeiros cristatildeos no periacuteodo entre as deacutecadas de 30 e 60 do primeiro

seacuteculo O trabalho tambeacutem seraacute importante para sublinhar os contornos poliacuteticos e

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socioloacutegicos da feacute professada pelos primeiros cristatildeos especialmente para os ci-

dadatildeos de Filipos destino da carta paulina estudada tendo em vista a forte ligaccedilatildeo

entre a cidade de Filipos e a capital do impeacuterio romano Outrossim a proacutepria anaacute-

lise exegeacutetica que seraacute oferecida estando os versiacuteculos 29-11 inseridos em uma

periacutecope central do corpus paulino eacute outro indiacutecio do valor cientiacutefico desta disser-

taccedilatildeo oferecendo a outros um exemplo da metodologia exegeacutetica aplicada E con-

siderando a enorme bibliografia associada agrave exegese desta passagem o trabalho

contribuiraacute para informar o status atual da pesquisa acadecircmica apresentando as

principais discussotildees e soluccedilotildees propostas

Para alcanccedilar os objetivos elencados acima foram usadas a priori as eta-

pas da metodologia histoacuterico-criacutetica conforme apresentadas por Wegner a saber

criacutetica textual traduccedilatildeo anaacutelise literaacuteria (incluindo delimitaccedilatildeo avaliaccedilatildeo da es-

trutura do texto verificaccedilatildeo do uso de fontes sobretudo veterotestamentaacuterias)

anaacutelise redacional dos contextos anaacutelise das formas (a discussatildeo sobre o gecircnero

literaacuterio do texto) e anaacutelise da histoacuteria das tradiccedilotildees1 Nem todas essas etapas apa-

recem explicitamente no decorrer do trabalho constituindo-se o mesmo como

aquilo que Lima denomina ldquocomentaacuterio exegeacuteticordquo isto eacute o resultado final da

exegese que pressupotildee diversas tarefas metodoloacutegicas2 Natildeo obstante para me-

lhor estudar o texto escolhido as etapas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico seratildeo com-

plementadas por outras metodologias Aqui entraratildeo em consideraccedilatildeo as anaacutelises

sincrocircnicas com as perspectivas linguiacutestico-sintaacutetica semacircntica e pragmaacutetica em

especial esta uacuteltima utilizada na discussatildeo sobre Fl 210-11 no capiacutetulo 4 Tam-

beacutem complementaraacute a pesquisa a abordagem socioloacutegica aproveitando-se dos

estudos de J H Hellerman a fim de verificar a interaccedilatildeo entre a mensagem do

texto e a cultura romana predominante na cidade de Filipos E ainda como com-

1 WEGNER U Exegese do Novo Testamento passim 2 LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 165-170

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plementaccedilatildeo ao meacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicional3 seratildeo desenvolvidas no esco-

po do trabalho as anaacutelises de conteuacutedo e teoloacutegica como indicadas por Wegner

identificando os conteuacutedos que a passagem quer ressaltar suas interaccedilotildees impli-

caccedilotildees e avaliaccedilatildeo teoloacutegica dos mesmos

O conteuacutedo do trabalho foi distribuiacutedo em cinco etapas A primeira tem

como objetivo responder ao que Fitzmyer chama de ldquoperguntas iniciasrdquo na aplica-

ccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico4 Dessa forma buscar-se-aacute aqui caracterizar os

destinataacuterios da carta aos Filipenses descrevendo histoacuterica e sociologicamente a

cidade de Filipos e seus moradores e pelo mesmo acircngulo discorrer sobre a atua-

ccedilatildeo de Paulo naquele lugar e a sobre a comunidade cristatilde resultante da atuaccedilatildeo do

apoacutestolo ali Esta etapa tambeacutem seraacute o espaccedilo para a discussatildeo de questotildees intro-

dutoacuterias relativas ao documento canocircnico Carta aos Filipenses Quem escreveu

Quando Onde Por que A carta eacute um documento uacutenico ou eacute a compilaccedilatildeo de

dois ou trecircs documentos anteriores Como se encontra atualmente no cacircnon do

Novo Testamento qual eacute a sua estrutura como seu conteuacutedo estaacute organizado E

finalmente esta etapa que se constituiraacute no primeiro capiacutetulo da dissertaccedilatildeo faraacute o

estabelecimento do texto a ser trabalhado mediante a criacutetica textual a traduccedilatildeo e

delimitaccedilatildeo

A segunda etapa da pesquisa se propotildee ao status quaestionis da exegese da

passagem Considerando que uma das teses defendidas neste trabalho eacute que a pe-

riacutecope de Fl 26-11 eacute uma narrativa teoloacutegica composta por duas partes e com dois

temas distintos embora interligados a saber 26-8 a encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo do

filho de Deus e 29-11 a exaltaccedilatildeo de Jesus e considerando ainda que esta pesqui-

sa estaacute delimitada no tema da exaltaccedilatildeo de Jesus a dissertaccedilatildeo como um todo es-

3 Por ldquomeacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicionalrdquo entende-se as etapas apresentadas na apresentaccedilatildeo do

meacutetodo pelos seguintes autores LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 75-76

(criacutetica textual traduccedilatildeo criacutetica literaacuteria criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica da redaccedilatildeo criacutetica das tradiccedilotildees comentaacuterio exegeacutetico) SCHNELLE U Introduccedilatildeo agrave Exegese do

Novo Testamento p 47-48 (criacutetica textual anaacutelise textual criacutetica literaacuteria e das fontes histoacuteria

das formas histoacuteria da tradiccedilatildeo histoacuteria dos conceitos e motivos comparaccedilatildeo sociorreligiosa

histoacuteria da redaccedilatildeo) FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p28-32 (perguntas introdutoacuterias

criacutetica textual anaacutelise filoloacutegica criacutetica das fontes anaacutelise dos gecircneros criacutetica das tradiccedilotildees criacuteti-

ca da redaccedilatildeo) SILVA C M D Metodologia de exegese biacuteblica p 11 passim que defende apoacutes a criacutetica textual e a delimitaccedilatildeo a aplicaccedilatildeo de teacutecnicas sincrocircnicas para entatildeo utilizar as

metodologias diacrocircnicas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico que apresenta como criacutetica literaacuteria criacutetica

dos gecircneros literaacuterios criacutetica da tradiccedilatildeo criacutetica da redaccedilatildeo) Em geral as etapas propostas para a

exegese diacrocircnica no Antigo Testamento satildeo as mesmas para o Novo Por exemplo SIMIAN-

YOFRE H (coord) Metodologia do Antigo Testamento p 73-108 informa o seguinte caminho

apoacutes a criacutetica textual criacutetica da constituiccedilatildeo do texto criacutetica da redaccedilatildeo e da composiccedilatildeo criacutetica da transmissatildeo criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica das tradiccedilotildees 4 FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p 28

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taraacute necessariamente fixada na segunda parte da passagem No entanto como se

trata de apenas uma uacutenica periacutecope as discussotildees introdutoacuterias sempre dizem res-

peito ao conjunto integral de Fl 26-11

Dessa forma a segunda etapa pretende mostrar que a exegese contemporacirc-

nea de Fl 26-11 remonta ao estudo do texto por Ernst Lohmeyer em 1928 Quase

90 anos depois eacute possiacutevel constatar alguns toacutepicos centrais na literatura acadecircmica

especializada Primeiro a discussatildeo sobre o gecircnero e a estrutura da passagem

Qual eacute o gecircnero literaacuterio especiacutefico desta periacutecope hino prosa exaltada encocircmio

ou ainda um outro gecircnero Em quantas partes o segmento deve ser dividido duas

trecircs ou quatro estrofes Quantos e quais versos devem ser colocados em cada es-

trofe A estrutura do suposto hino original eacute diferente desta encontrada hoje na

carta aos Filipenses O segundo toacutepico central na pesquisa deste texto estaacute relaci-

onado agrave sua autoria e origem A pergunta eacute se realmente o autor da carta aos Fili-

penses escreveu Fl 26-11 ou ele estaacute citando uma composiccedilatildeo cristatilde jaacute existente

antes da carta Ou ainda seraacute que Paulo estaacute citando um texto composto por ele

mesmo em outra ocasiatildeo Entre os toacutepicos centrais da pesquisa em terceiro lugar

estatildeo as questotildees que dizem respeito ao pano de fundo da passagem O problema

eacute quais satildeo os conceitos religiosos que estatildeo por traacutes de Fl 26-11 Esses concei-

tos vecircm do helenismo religioso do Antigo Testamento do judaiacutesmo ou do cristia-

nismo primitivo Como eles influenciaram esta composiccedilatildeo cristatilde e que tipo de

interaccedilotildees existem entre o texto e esses supostos conceitos O quarto e uacuteltimo

toacutepico central considerado no segundo capiacutetulo eacute acerca da funccedilatildeo que este texto

desempenha na carta aos Filipenses O impasse eacute o seguinte na argumentaccedilatildeo

que Paulo faz na carta o trecho de Fl 26-11 funciona como um exemplo do tipo

de comportamento que ele espera dos seus leitores (interpretaccedilatildeo eacutetica) ou este

texto seria a descriccedilatildeo do evento escatoloacutegico que trouxe os leitores cristatildeos para

o espaccedilo do senhorio de Jesus Cristo e a exortaccedilatildeo paulina seria para que estes

leitores vivessem em conformidade com esta realidade isto eacute em submissatildeo ao

seu senhor e salvador (interpretaccedilatildeo soterioloacutegica)

A terceira etapa da pesquisa ora apresentada vai adentrar na interpretaccedilatildeo

do texto propriamente dito O foco seraacute a interpretaccedilatildeo do versiacuteculo 29 As per-

guntas a serem respondidas satildeo Quem o texto apresenta como responsaacutevel pela

exaltaccedilatildeo de Jesus e qual a importacircncia disso Como a exaltaccedilatildeo era entendida no

Antigo Oriente no judaiacutesmo e nos escritos neotestamentaacuterio natildeo paulinos Como

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a exaltaccedilatildeo de Jesus aparece na teologia paulina e como ela estaacute diretamente liga-

da agrave visatildeo escatoloacutegica do apoacutestolo Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo descrita em

29 e a preexistecircncia de Cristo apresentada em 26 A exaltaccedilatildeo eacute simples volta agrave

preexistecircncia ou indica um estaacutegio superior Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo de

Jesus apresentada e a cultura romana de exaltaccedilatildeo Qual o significado teoloacutegico

da utilizaccedilatildeo do verbo χαρίζομαι na passagem Qual foi o nome dado a Jesus na

sua exaltaccedilatildeo e qual a importacircncia disso A resposta a todos esses questionamen-

tos vai demonstrar em linhas gerais que Deus Pai exaltou Jesus e o colocou como

Senhor de todo o universo compartilhando com ele seu proacuteprio nome e funccedilatildeo e

tudo isso foi interpretado por Paulo como a grande intervenccedilatildeo escatoloacutegica atra-

veacutes da qual Deus trouxe o uacuteltimo e definitivo eacuteon A forma como tal mensagem

foi apresentada certamente colidiu com a cultura romana de exaltaccedilatildeo pois para

Paulo o que foi exaltado eacute o mesmo que voluntariamente se colocou na posiccedilatildeo de

servo se humilhou e foi morto na cruz

A quarta etapa da dissertaccedilatildeo estudaraacute os versiacuteculos 210-11 com exceccedilatildeo

do segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός reservado ao proacute-

ximo capiacutetulo Aqui trata-se da utilizaccedilatildeo de Is 4523 a releitura cristoloacutegica e

escatoloacutegica feitas neste texto de Isaiacuteas o sentido da expressatildeo ldquoem nome de Je-

susrdquo no periacuteodo e qual significado o autor pretende comunicar atraveacutes das accedilotildees

de dobrar os joelhos e confessar Entre outras questotildees este capiacutetulo pretende

responder Quem eacute o destinataacuterio da reverecircncia indicada em 210-11 (Deus Pai ou

Jesus) Quem o texto pressupotildee que iraacute prestar essa reverecircncia (todos os seres

humanos toda a criaccedilatildeo ou apenas seres e poderes coacutesmicos) A Igreja estaacute inclu-

iacuteda ou natildeo nessa reverecircncia Qual a dimensatildeo temporal do texto eacute algo que jaacute

deve acontecer ou eacute a descriccedilatildeo de um evento futuro Sobretudo esse capiacutetulo seraacute

importante para entrar na discussatildeo da adoraccedilatildeo a Jesus Como a partir de sua

visatildeo escatoloacutegica e por intermeacutedio de uma releitura veterotestamentaacuteria Paulo

inclui o Jesus exaltado como alvo da adoraccedilatildeo que o ser humano deve oferecer

Como ele apresenta a reverecircncia e a confissatildeo a Jesus Cristo como um aconteci-

mento futuro de alcance coacutesmico mas que simultaneamente desafia os ouvintes e

leitores da passagem E como esse entendimento lanccedila luz sobre a praacutetica lituacutergica

dos primeiros cristatildeos

A quinta etapa do trabalho se debruccedila sobre a uacuteltima parte do versiacuteculo

211 a saber ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός Este trabalho

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adotaraacute como proposta de leitura de todo o conjunto de Fl 26-11 o conceito de

narrativa teoloacutegica e neste modo de ver a passagem alcanccedila o seu cliacutemax neste

ponto ou seja na confissatildeo do senhorio de Jesus O drama soterioloacutegico e escato-

loacutegico desenvolvido na passagem chega neste ponto respondendo agraves seguintes

perguntas Quem eacute Jesus hoje E quem eacute Senhor hoje Dessa forma este quinto

capiacutetulo comeccedilaraacute estudando o significado da confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo

no contexto geral do Novo Testamento e mais especificamente em Fl 211 Uma

atenccedilatildeo especial seraacute dedicada ao tiacutetulo κύριος primeiro identificando na literatu-

ra neotestamentaacuteria os diferentes estaacutegios na aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus perce-

bendo o que era atribuiacutedo a Jesus em cada momento Em seguida apresentar-se-aacute

uma breve histoacuteria da pesquisa sobre a relaccedilatildeo entre a aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus e

sua utilizaccedilatildeo na Septuaginta e dentro do judaiacutesmo tanto anterior quanto posteri-

or agrave Septuaginta A conclusatildeo da discussatildeo sobre κύριος seraacute a avaliaccedilatildeo do signi-

ficado teoloacutegico desta designaccedilatildeo cristoloacutegica isto eacute o que exatamente os primei-

ros cristatildeos estavam atribuindo a Jesus quando o chamaram de Senhor Qual im-

pacto dessa atribuiccedilatildeo na teologia liturgia e praacuteticas cristatildes Quais implicaccedilotildees

poliacuteticas e apologeacuteticas estariam subentendidas sobretudo frente agrave religiosidade

pagatilde e agraves ideologias romanas do culto ao imperador Apoacutes essa discussatildeo seguir-

se-aacute a anaacutelise da uacuteltima expressatildeo da periacutecope para gloacuteria de Deus Pai Entendida

como uma reivindicaccedilatildeo ao monoteiacutesmo esta afirmaccedilatildeo traraacute para o debate o

chamado monoteiacutesmo cristoloacutegico que procura responder como os primeiros cris-

tatildeos judeus puderam incluir Jesus no seu culto sem renunciar ao monoteiacutesmo vete-

rotestamentaacuterio E mais os primeiros cristatildeos judeus acreditavam na divindade de

Jesus Que tipo de argumentaccedilatildeo esteve envolvida nesta construccedilatildeo teoloacutegica

Satildeo questotildees essenciais que aproximaram a pesquisa de temas centrais da feacute cris-

tatilde como a divindade de Jesus e a doutrina da trindade

Com esses cinco capiacutetulos lanccedilando matildeo de extensa pesquisa bibliograacutefi-

ca e tendo como principais referenciais teoacutericos para compreensatildeo da passagem

Ernst Kaumlsemann e Ralph P Martin acredita-se que esta dissertaccedilatildeo ofereceraacute uma

exegese segura do texto de Filipenses 29-11 em conformidade com as metodolo-

gias exegeacuteticas contemporacircneas que aleacutem de contribuir com a proacutepria pesquisa

sobre estes versiacuteculos traraacute luz para alguns toacutepicos da discussatildeo exegeacutetica sobre

Fl 26-11 e sobre a cristologia neotestamentaacuteria em particular a paulina Por con-

seguinte o trabalho ofereceraacute subsiacutedios para a investigaccedilatildeo da cristologia na teo-

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logia dogmaacutetica e para articulaccedilatildeo de accedilotildees pastorais biacuteblica e cristologicamente

embasadas O resumo das principais conclusotildees a que se chegou na pesquisa seraacute

apresentado na conclusatildeo seguida das referecircncias bibliograacuteficas utilizadas

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2 O texto a carta e o contexto

Este capiacutetulo tenciona estabelecer uma aproximaccedilatildeo com o texto de Fl 29-

11 fazendo um olhar panoracircmico dos seus contextos Seguindo a loacutegica do maior

para o menor seratildeo apresentados a cidade de Filipos a igreja que existia na

cidade de Filipos a carta enviada aos cristatildeos dessa igreja e finalmente o texto de

Fl 29-11 objeto material da pesquisa Esta parte introdutoacuteria seraacute muito

importante para evitar que o texto seja estudado como se estivesse isolado no

tempo e no espaccedilo prevenindo assim argumentos anacrocircnicos e de fraacutegil

sustentaccedilatildeo literaacuteria

21 A cidade de Filipos

O texto a ser analisado faz parte da carta que o apoacutestolo Paulo escreveu

aos cristatildeos da cidade de Filipos que em meados do seacuteculo I dC era uma colocircnia

do Impeacuterio Romano da proviacutencia da Macedocircnia

A histoacuteria dessa cidade remonta ao ano 356 a C quando Filipe II rei da

Macedocircnia (o pai do famoso Alexandre o Grande) toma a cidade de Crenides dos

Tracianos e faz do local uma homenagem a si mesmo Filipos a cidade de Filipe5

Para o governante a cidade possuiacutea uma imediata importacircncia econocircmica e

militar pois as minas de ouro da regiatildeo o ajudariam a aparelhar seus exeacutercitos e

financiar suas batalhas6 Apoacutes quase duzentos anos de domiacutenio macedocircnio

Filipos passa para o controle romano em 168 a C quando o general romano

Emiacutelius Paulus derrota o rei macedocircnico Perseu e faz da Macedocircnia uma

proviacutencia romana dividida em quatro subproviacutencias uma das quais era o proacuteprio

5 A fundaccedilatildeo da cidade de Crenides ocorreu menos de cinco antes da accedilatildeo de Filipe II e remonta a um exilado ateniense chamado Caliacutestrato que foi para a regiatildeo com um grupo de colonizadores OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 3 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos

urbanos p 107 BRUCE F F Filipenses p 12 6 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355

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distrito da Macedocircnia no qual estava localizado Filipos7 Em 148 aC a

Macedocircnia eacute feita uma proviacutencia senatorial8 mas a importacircncia econocircmica da

cidade diminui devido agrave exaustatildeo dos recursos minerais9 A situaccedilatildeo muda no

seacuteculo I a C quando duas batalhas decisivas para a histoacuteria do Impeacuterio Romano

ocorrem proacuteximas a Filipos Em 42 aC as tropas lideradas por Brutus e Caacutessio

satildeo derrotadas pelo exeacutercito de Antocircnio e Otaviano pondo fim a era da Repuacuteblica

Romana10 A cidade eacute refundada por Antocircnio como Colonia Julia Filipense11 e eacute

iniciada uma intensa colonizaccedilatildeo romana quando ele transfere para laacute os veteranos

da sua vigeacutesima oitava legiatildeo12 Em 31 aC na mesma regiatildeo Antocircnio eacute

derrotado por Otaviano surgindo assim o Impeacuterio Romano propriamente dito

posto que em 29 aC ele eacute proclamado Imperador e em 27 a C Augustus13 Em

comemoraccedilatildeo ao tiacutetulo a cidade de Filipos recebeu um novo nome Vitoriosa

Colocircnia Augusto Juacutelia dos Filipenses14 Otaviano intensificou a colonizaccedilatildeo

romana levando para Filipos outro grupo de soldados veteranos (das tropas

derrotadas de Antocircnio) inclusive a coorte de pretorianos junto com famiacutelias

italianas que tiveram suas posses confiscadas por apoiarem Antocircnio15

O status de colocircnia desde 42 aC trouxe ganhos significativos para a

cidade de Filipos Ela possuiacutea uma administraccedilatildeo proacutepria a cargo de magistrados e

oficiais16 Os cidadatildeos eram considerados cidadatildeos romanos como se em Roma

estivessem Nos roacuteis das tribos da cidade de Roma os cidadatildeos romanos de Filipos

7 Embora a capital desse distrito fosse Tessalocircnica At 1612 registra ldquoFilipos cidade principal daquela regiatildeo da Macedocircnia e tambeacutem colocircnia romanardquo Cf BRUCE F F Filipenses p 12 sugere que a melhor traduccedilatildeo para esse verso eacute ldquo lsquoFilipos a primeira cidade dessa regiatildeo da Macedocircniarsquo ndash isto eacute o primeiro entre os quatro distritos em que a Macedocircnia fora dividida em 167 aCrdquo 8 Segundo OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 14-15 e HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355 isto ocorreu em 146 aC As proviacutencias podiam ser imperatorias (como a Siacuteria e a Galaacutecia-Licaocircnia) quando eram governadas por uma administraccedilatildeo militar subordinada diretamente ao imperador (geralmente nas fronteiras ou em cidades estrateacutegicas) ou senatorais (como Chipre Acaia e Macedocircnia) quando possuiacuteam uma administraccedilatildeo civil razoavelmente independente e ao mesmo tempo estavam pacificadas a ponto de natildeo precisarem de um contingente militar fixo Cf REICKE BO Histoacuteria do Tempo do

Novo Testamento p 236-237 e KOESTER Helmut Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 328 9 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 356 10 OROFINO Francisco op cit p 14 11 A praacutetica dos romanos de criarem colocircnias para garantir seus domiacutenios remonta ao seacuteculo IV a C quando a proacutepria Roma garantiu o domiacutenio da Itaacutelia atraveacutes da instalaccedilatildeo de colocircnias Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 12 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 107 13 Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 14 Em latim Colonia Julia Augusta Victrix Philippensium 15 BRUCE F F Filipenses p 12 16 O termos latinos respectivamente satildeo duumviri e lictores que em Atos 1622 e 35 aparecem traduzidos para o grego como στρατηγοὶ e ῥαβδοῦχος

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estavam inscritos na lista da tribo Voltinia17 A colocircnia recebeu o direito ao Jus

Italicum que proporcionava a sua populaccedilatildeo privileacutegios econocircmicos (isenccedilatildeo de

impostos sobre as Terras agricultaacuteveis e o direito a negociar ou conservar estas

Terras) poliacuteticos (independecircncia de receber interferecircncia do governador da

proviacutencia e possibilidade de regulamentar seus proacuteprios assuntos ciacutevicos) e

militares (proteccedilatildeo contra prisotildees arbitraacuterias e castigos corporais como flagelaccedilatildeo

e crucificaccedilatildeo)18 A importacircncia do status de colocircnia e os efeitos sociais

decorrentes satildeo bem expostos por W Barclay

Estas colocircnias tinham uma grande caracteriacutestica proacutepria Onde quer que existiam constituiacuteam pequenos fragmentos de Roma e a nota dominante era o orgulho de sua cidadania romana Se falava o idioma de Roma se usavam vestimentas romanas se observavam costumes romanos seus magistrados tinham tiacutetulos romanos e observavam as mesmas cerimocircnias que em Roma Onde quer que estivessem as colocircnias eram obrigatoacuteria e inalteravelmente romanas Nunca lhe ocorrera assimilar-se ao povo que laacute vivia Eram parte de Roma miniatura da cidade de Roma e jamais esqueciam disso19

Este processo de colonizaccedilatildeo fez a populaccedilatildeo de Filipos ser

predominantemente romana convivendo no entanto com antigos moradores

traacutecios e gregos aleacutem de grupos de imigrantes vindos do Egito da Anatoacutelia e da

Palestina20 Todos esses grupos formavam na metade do seacuteculo I dC um

contingente populacional em torno de 10 mil moradores21 sendo o latim o idioma

corrente e o grego possivelmente utilizado nas transaccedilotildees comerciais22 A parte

construiacuteda da cidade era pequena natildeo ultrapassando 1km223 A economia estava

baseada na agricultura e no comeacutercio este impulsionado pela Via Egnatia uma

importante rota comercial que ligava Roma agrave parte oriental do impeacuterio

culminando na cidade de Bizacircncio futura Constantinopla capital imperial no

seacuteculo IV dC24 Os habitantes tinham bom niacutevel de instruccedilatildeo e usando categorias

atuais a cidade poderia ser classificada como de classe meacutedia alta25 A realidade

religiosa da cidade no seacuteculo I d C era de grande sincretismo Existiam lado a

17 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 471 HELLERMAN Joseph H Vindicating

Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi

upon the Composition of Philippians 26-11 p88 Este uacuteltimo afirma que quando uma colocircnia romana era fundada ela era identificada como uma das tribos romanas 18 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 357-358 19 BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 10 20 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 108-109 21 FOWL Stephen E Philippians p 12 22 OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 15 23 MEEKS Wayne op cit p 109-110 24 SCHNELLE Udo op cit p 464 OROFINO Francisco op cit p 16 25 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 11

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lado o culto ao imperador e a adoraccedilatildeo de divindades gregas romanas egiacutepcias

aleacutem de deuses locais26 Segundo o relato de Atos 16 tambeacutem haviam judeus e

proseacutelitos do judaiacutesmo na cidade embora em nuacutemero reduzido A existecircncia de

uma sinagoga em Filipos soacute eacute atestada a partir do seacuteculo III dC27 Quando o

apoacutestolo Paulo chegou na cidade ela era de fato um centro urbano e poliacutetico na

regiatildeo28

22 Paulo e a igreja de Filipos A primeira visita de Paulo agrave cidade de Filipos ocorreu entre os anos de 48-

50 dC Ali o apoacutestolo fundou sua primeira comunidade em solo europeu O livro

de Atos narra a passagem de Paulo pela cidade em 1611-40 Embora a

fidedignidade histoacuterica deste capiacutetulo de Atos seja bastante discutida seus dados

essenciais satildeo considerados confiaacuteveis e uacuteteis para melhor compreensatildeo do iniacutecio

da igreja em Filipos29 Nessa perspectiva apoacutes alguns dias na cidade Paulo e seu

grupo de colaboradores missionaacuterios30 encontraram um lugar de oraccedilatildeo

26 Segundo BARTH Gerhard A carta aos Filipenses 1983 p 5 escavaccedilotildees comprovaram a existecircncia de mais de 24 divindades diferentes cultuadas em Filipos 27 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 465 nota 29 28 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 62 29 Ibid p 173 ldquoEmbora a narrativa em At 1616-2223-40 esteja enfeitada com traccedilos lendaacuterios seu cerne histoacuterico eacute confirmadordquo Mais otimista eacute HELLERMAN Joseph H Vindicating

Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi

upon the Composition of Philippians 26-11 p85-102 que vai construir toda uma interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 baseado na narrativa de Atos 1611-40 Um balanccedilo atual sobre a importacircncia de Atos para a reconstruccedilatildeo da cronologia paulina eacute feito por EDO Pablo M Cronologiacuteas Paulinas un

estado de la questioacuten p 177-198 Segundo ele tanto as informaccedilotildees das cartas quanto de Atos devem ser avaliadas criticamente mas a utilizaccedilatildeo do livro de Atos como fonte reduz de forma significativa as suposiccedilotildees e elaboraccedilotildees criativas dos pesquisadores 30 Considerando o relato de Atos eacute provaacutevel que a visita de Paulo a Filipos tenha sido acompanhada por Silas Timoacuteteo e Lucas O primeiro partiu junto com o apoacutestolo nessa viagem (At1540) Logo a seguir Timoacuteteo uniu-se aos dois (At 163) E eacute a partir de At 1610 que a narrativa de Atos passa para a primeira pessoa do plural indicando que o narrador passou a integrar os acontecimentos dali em diante A tese predominante eacute que o autor de Atos eacute Lucas Que o cenaacuterio da visita a Filipos foi assim admitem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los

Filipenses p 64 e OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 6

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(προσευχή) junto ao rio Gangites onde estavam reunidas algumas mulheres31

Entre elas estava Liacutedia uma gentia vendedora de puacuterpura temente a Deus isto eacute

simpatizante do judaiacutesmo32 Ela se converteu e foi batizada junto com a sua casa

surgindo ali o nuacutecleo inicial da igreja em Filipos O iniacutecio da igreja em uma

reuniatildeo de mulheres na casa de uma mulher mais as mulheres que aparecem

nomeadas na carta indicam a predominacircncia do elemento feminino naquela

igreja inclusive em funccedilotildees de lideranccedila Isto na verdade eacute o reflexo na igreja da

realidade social da regiatildeo pois na Macedocircnia as mulheres ocupavam um papel na

vida puacuteblica muito maior do que em outros lugares do mundo greco-romano da

eacutepoca33

Atos 16 tambeacutem registra a conversatildeo e o batismo de uma segunda famiacutelia

a do carcereiro que vigiava os missionaacuterios na prisatildeo Levando em conta a famiacutelia

de Liacutedia e a famiacutelia do carcereiro mais os nomes indicados na carta aos Filipenses

(Epafrodito Evoacutedia Sintique Clemente) conclui-se que a igreja de Filipos era

constituiacuteda em sua maioria por membros gentios pessoas de diversas origens e

segmentos sociais asiaacuteticos gregos romanos judeus mulheres com

31 O significado exato de προσευχή eacute discutido De um lado parece que o termo era utilizado como sinocircnimo de sinagoga na literatura judaica heleniacutestica (FOWL Stephen E Philippians p 13 nota 20) Por outro o fato de Lucas natildeo mencionar nem a presenccedila de homens na reuniatildeo nem a ocorrecircncia de um culto formal com leitura da Lei sendo um saacutebado favorece a posiccedilatildeo de que ali seria apenas um lugar de reuniotildees informais de mulheres simpatizantes do judaiacutesmo Assim HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 360 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo

aos Filipenses p 25 afirma que as ldquosinagogas nunca estavam fora da cidaderdquo BOCKMUEHL Markus The Epistle to the Philippians p 9 reforccedila a tese observando que Lucas faz questatildeo de mencionar quando Paulo visitava uma sinagoga em uma cidade Assim em Salamina (At 135) Atioquia da Psidia (At 1314) Icocircnio (At 141) Tessalocircnica (171) Bereacuteia (At 1710) Atenas (At 1717) e Corinto (1847) Segundo BRUCE F F Filipenses p15 eacute possiacutevel que natildeo houvesse na cidade o quoacuterum miacutenimo para o estabelecimento de uma sinagoga que era de 10 homens 32 Lucas utiliza a expressatildeo σεβομένη τὸν θεόν para descrever Liacutedia Segundo BAGD p 746 a expressatildeo era utilizada para os gentios que aderiam ao ldquomonoteiacutesmo eacutetico do Judaiacutesmordquo e frequentavam a sinagoga mas natildeo tinham a obrigaccedilatildeo de seguirem toda a lei judaica Os homens por exemplo natildeo precisavam circuncidar-se MEEKS Wayne A Os primeiros cristatildeos

urbanos p 89 nota 175 afirma que natildeo haacute consenso sobre o uso teacutecnico da expressatildeo (nem mesmo se era usado de forma teacutecnica) mas ela pode indicar tanto esses ldquosimpatizantesrdquo do judaiacutesmo quanto pode significar apenas ldquopiedosordquo aplicado inclusive a proseacutelitos e judeus nativos 33 Nessa linha FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 63 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 23-26 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 558

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independecircncia financeira e poder econocircmico comerciantes romanos militares e

possiacuteveis antigos colonizadores romanos34

Os registros de Atos Filipenses e 1Tessalonicensses confirmam que Paulo

foi forccedilado a sair da cidade debaixo de oposiccedilatildeo e perseguiccedilatildeo A atmosfera de

hostilidade contra o cristianismo continuou ali mesmo apoacutes a saiacuteda dos

missionaacuterios soacute que entatildeo transferiu-se para a igreja conforme se deduz da carta

Antes de escrever a carta aos Filipenses eacute possiacutevel que Paulo tenha visitado

pessoalmente a comunidade ao menos duas vezes conforme 2Cor 81-5 e At 203-

635

Questatildeo muito debatida eacute onde estava o apoacutestolo quando escreveu a carta

Seja qual for a resposta deve atender as seguintes condiccedilotildees supostas no texto de

Filipenses Paulo estava preso Sua prisatildeo eacute junto agrave guarda pretoriana e (113) e de

pessoas da τῆς Καίσαρος οἰκίας (422) Parece haver a possibilidade de o

julgamento terminar em morte (120 e 217) mas ao mesmo tempo Paulo nutre a

expectativa de reencontrar os filipenses (125-26) De alguma forma esta prisatildeo

contribuiu com a divulgaccedilatildeo do evangelho na regiatildeo (112-13) Aleacutem de Timoacuteteo

ele tinha poucas pessoas confiaacuteveis ao seu lado (219-21) e enquanto ele estava

preso aconteceram algumas viagens (pelo menos quatro) entre Filipos e a esta

cidade

Na pesquisa foram sugeridas quatro alternativas para atender essas

caracteriacutesticas A primeira possibilidade eacute a cidade de Corinto Em seu favor estatildeo

a proximidade geograacutefica com Filipos a existecircncia de um prococircnsul na cidade e

toda oposiccedilatildeo que o apoacutestolo enfrentou ali inclusive com perigo de morte No

entanto natildeo existe comprovaccedilatildeo de um aprisionamento do apoacutestolo em Corinto e

segundo At 181-218 Paulo contava com um razoaacutevel apoio nesta cidade

especialmente de Priscila e Aacutequila o que natildeo corresponde ao lamento de ter

34 Barclay faz a interessante avaliccedilatildeo do capiacutetulo 16 de Atos para a formaccedilatildeo da igreja de Filipos ldquoOs trecircs personagens satildeo de diferentes nacionalidades Lidia era uma asiaacutetica natildeo eacute necessaacuterio que estejamos diante de um nome proacuteprio e sim simplesmente ante o qualificativo lsquoa senhora da cidade de Liacutediarsquo A jovem escrava era grega O carcereiro era cidadatildeo romano Todo o impeacuterio estava reunido na igreja cristatilde Poreacutem natildeo estamos somente ante trecircs diferentes nacionalidades e sim tambeacutem ante trecircs estratos muito diferentes da sociedade Liacutedia era uma comerciante de puacuterpura uma das mercadorias mais caras do mundo antigo ela era equivalente a um priacutencipe mercador A jovem escrava ante a lei natildeo era uma pessoa mas sim uma ferramenta viva O carcereiro era um cidadatildeo romano um membro da forte classe meacutedia romana que se ocupava dos serviccedilos civis Nestes trecircs estavam representados o mais alto o mais baixo e o mediano da sociedade Natildeo haacute outro capiacutetulo da Biacuteblia que mostre tatildeo bem o caraacuteter universal da feacute que Jesus traz aos homensrdquo BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 11 35 MARTIN Ralph Filipenses p 22-23 e BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7

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apenas Timoacuteteo junto dele (219-21) A hipoacutetese de Corinto eacute aquela que goza de

menor aceitaccedilatildeo acadecircmica36

Uma segunda possibilidade que goza de maior adesatildeo eacute a tese que

Filipenses foi escrita em Eacutefeso37 Entre outros esta alternativa eacute sustentada pelos

seguintes argumentos a proximidade geograacutefica entre Eacutefeso e Filipos a

informaccedilatildeo de At 1922 dando conta que Timoacuteteo estava com Paulo em Eacutefeso e

de At 191025-26 da intensa evangelizaccedilatildeo que ocorreu na cidade e arredores

quando Paulo esteve ali e a possibilidade da expressatildeo πραιτώριον (113) referir-

se a sede do prococircnsul na cidade

Satildeo apresentados todavia trecircs argumentos centrais contra Eacutefeso

Primeiramente como no caso de Corinto inexiste comprovaccedilatildeo para uma prisatildeo

de Paulo em Eacutefeso (apesar de 2Cor 18-10 65 e 1123 indicarem que ele esteve

preso vaacuterias vezes) Na verdade a questatildeo natildeo eacute apenas se ele esteve ou natildeo preso

em Eacutefeso mas atribuir a esta cidade um aprisionamento que atenda agraves

caracteriacutesticas supostas em Filipenses isto eacute de duraccedilatildeo razoaacutevel risco de ser

condenado agrave morte e ao mesmo tempo liberdade para pregar o evangelho Em

segundo lugar sendo a carta escrita de Eacutefeso seria muito difiacutecil explicar o motivo

pelo qual o apoacutestolo nem sequer menciona a coleta aos pobres de Jerusaleacutem

assunto que dominava as preocupaccedilotildees do apoacutestolo no periacuteodo conforme indicam

as cartas aos Coriacutentios Ao contraacuterio Filipenses supotildee que a coleta jaacute tinha

terminado38 E finalmente eacute preciso discutir a existecircncia de um pretoacuterio na

cidade O entendimento mais baacutesico para a expressatildeo πραιτώριον em 113 eacute o da

guarda pessoal do imperador que ficava estabelecida em Roma o que tambeacutem

combina com a interpretaccedilatildeo mais natural do termo τῆς Καίσαρος οἰκίας em

42239 Poreacutem dentro da administraccedilatildeo romana πραιτώριον servia como

designaccedilatildeo de vaacuterias residecircncias oficiais a saber a residecircncia do general e de suas

36 HAWTHORNE Gerald F Philippians p 20 MARTIN Ralph Filipenses p 57-58 Eles informam que o primeiro a postular Corinto como lugar de origem da carta aos Filipenses foi G L Oeder em 1731 Com exceccedilatildeo de Hawthorne e Martin os demais autores pesquisados nem sequer consideram Corinto como possibilidade 37 KUumlMMELL Werner Georg Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 429 que informa que Eacutefeso foi proposta em 1897 por A Deissmann Em sentido contraacuterio HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19 afirma que Deissmann seguiu proposta apresentada originalmente por H Lisco em 1900 38 Os argumentos acima estatildeo principalmente esboccedilados em HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19-20 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 560 39 Assim FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 OrsquoBRIEN P T The

Epistle to the Philippians p 20-21

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tropas residecircncia dos governadores de proviacutencias nas capitais e fora das capitais

e palaacutecio dos procuradores de proviacutencia40 A hipoacutetese de que Paulo escreveu a

partir de Eacutefeso sustenta que o apoacutestolo usou a expressatildeo πραιτώριον de forma

mais geneacuterica natildeo se referindo necessariamente agrave casa do imperador ldquomas agrave casa

onde estava o administrador romano cheia de luxo mordomias e guardasrdquo41 No

entanto aleacutem de ser discutiacutevel que Paulo estivesse utilizando aqui uma linguagem

natildeo especiacutefica42 o argumento fundamental contra a hipoacutetese efeacutesia eacute a ausecircncia de

qualquer comprovaccedilatildeo histoacuterica para a existecircncia na cidade de um pretoacuterio ou de

uma guarda pretoriana43 Eacutefeso era uma proviacutencia senatorial e ldquonatildeo existe

exemplo nos tempos imperiais do emprego dessa expressatildeo [πραιτώριον] para a

sede de um prococircnsul o governador de uma proviacutencia senatorial como era a da

Aacutesia [Eacutefeso] nessa eacutepocardquo44

A terceira cidade postulada como lugar de onde Paulo escreveu Filipenses

eacute Cesareacuteia A hipoacutetese possui algumas vantagens em relaccedilatildeo agraves anteriores posto

que o livro de Atos menciona de forma expliacutecita que Paulo esteve preso nessa

cidade por um periacuteodo longo e laacute foi detido no πραιτώριον (At 2331-35) A

coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha sido efetuada Seu desejo de visitar os Filipenses

novamente natildeo contradiz sua intenccedilatildeo missionaacuteria de ir agrave Espanha visto ele poder

passar por Filipos indo para Espanha Ainda assim esta hipoacutetese possui

dificuldades O quadro da prisatildeo de Paulo em Cesareacuteia natildeo coaduna com o risco

de morte suposto em Filipenses Tambeacutem natildeo haacute indiacutecios de uma presenccedila cristatilde

na cidade que corresponda agrave realidade da carta ou seja tanto uma intensa

propagaccedilatildeo do cristianismo quanto divisotildees dentro da comunidade cristatilde Aleacutem

disso de todas as opccedilotildees (Roma seraacute discutida logo abaixo) Cesareacuteia eacute a cidade

mais distante de Filipos Apesar do argumento geograacutefico natildeo ser fundamental eacute

40 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 55 41 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 30 Adiante nas paacuteginas 55-56 ele afirma ldquoO pretoacuterio nesse contexto precisa ser considerado no sentido geneacutericordquo 42 Criacutetica levantada por FEE G D Comentaacuterio de la Epiacutestola a los Filipenses p 74 43 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 Nessa direccedilatildeo OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 22 argumenta que tropas militares natildeo ficavam estacionadas em proviacutencias senatorias porque eram governadas por civis Em contrapartida BROWN R Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p657 argumenta em favor de Eacutefeso como a melhor opccedilatildeo usando a seguinte afirmativa inteiramente especulativa ldquoEacutefeso era a cidade mais importante da proviacutencia romana da Aacutesia e sede do quartel-general proconsular de modo que deve ter havido uma importante presenccedila romana ali ateacute mesmo um praitorionrdquo 44 BRUCE F F Filipenses p 22 Natildeo obstante em favor de Eacutefeso entre outros estatildeo SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 9-13 BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7-8 GNILKA Joachim Epiacutestola aos Filipenses p 9 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 310-311

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um fator complicador para a proposta explicar as viagens e troca de informaccedilotildees

entre Paulo e a igreja de Filipos45

A sugestatildeo mais antiga para a proveniecircncia da carta aos Filipenses eacute

Roma Ela remonta ao seacuteculo II dC aparecendo no proacutelogo marcionita e

posteriormente em outros manuscritos Esta opccedilatildeo predominou sem

questionamentos ateacute o seacuteculo XVIII O grande argumento em favor da capital do

impeacuterio eacute que a descriccedilatildeo que Lucas faz em Atos 28 da prisatildeo de Paulo laacute

equivale aos pontos essenciais da carta aos Filipenses facilmente explica os

termos πραιτώριον e τῆς Καίσαρος οἰκίας o risco de morte vislumbrado por

Paulo eacute plausiacutevel visto ela jaacute ter apelado a Ceacutesar a coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha

sido concluiacuteda Paulo estaacute em uma cidade com a presenccedila razoaacutevel de cristatildeos

com os quais poreacutem possui um relacionamento distanciado a prisatildeo foi longa e

ele possuiacutea relativa liberdade para divulgar o evangelho (At 2830-31) Contra

Roma residem dois argumentos principais De um lado a distacircncia ateacute Filipos

que dificultaria a intensa comunicaccedilatildeo pressuposta na carta Do outro o desejo de

Paulo visitar novamente os filipenses vai contra os seus planos de atuar na

Espanha Quanto agrave primeira questatildeo embora muita valorizada no passado jaacute natildeo

goza de tanta aceitaccedilatildeo entre os estudiosos Considerando apenas uma viagem por

Terra nas boas condiccedilotildees das estradas romanas tem-se uma estimativa de 4

semanas Inferindo-se da carta pelo menos 4 viagens entre Filipos e Roma o

tempo total seria de 16 semanas que no contexto de dois anos de aprisionamento

(At 2830) eacute tempo suficiente Sendo a viagem pelo mar o tempo reduziria ainda

mais para aproximadamente 2 semanas cada viagem e tempo total de 8 semanas

Em relaccedilatildeo agrave suposta mudanccedila de planos de Paulo os anos na prisatildeo de Cesareiacutea e

em Roma podem ter feito o apoacutestolo alterar seus planos natildeo necessariamente

substituiacute-los mas talvez postergaacute-los46 De qualquer forma o quadro de Filipenses

natildeo indica que ele tenha desistido da Espanha Por uacuteltimo mas natildeo menos

importante haacute em favor de Roma um argumento relativo ao conteuacutedo

Considerando o pensamento do apoacutestolo no conjunto das suas cartas eacute possiacutevel 45 A hipoacutetese de Cesareacuteia foi originalmente apresentada em 1779 por H E G Paulus Cf BRUCE F F Filipenses p 22-23 MARTIN Ralph P Filipenses p 58-60 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 560-561 Este uacuteltimo eacute a favor da cidade de Cesareacuteia como lugar de origem para a carta 46 Ao final da prisatildeo de Roma quando provavelmente escreveu Filipenses jaacute tinham se passado mais de quatro anos de aprisionamento do apoacutestolo (somando-se Cesareacuteia e Roma) e quase 10 anos da redaccedilatildeo da carta aos Romanos (situada em meados na deacutecada de 50) onde Paulo registrou seus planos de fazer missatildeo na Espanha (Rm 1622-2328)

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enxergar em Filipenses um desenvolvimento em relaccedilatildeo agraves grandes cartas

anteriores (Romanos 1 e 2 Coriacutentios Gaacutelatas e 1Tessalonicenses) acompanhado

por um progresso da situaccedilatildeo eclesiaacutestica indo na direccedilatildeo das cartas pastorais e

ainda o amadurecimento no apoacutestolo de uma ldquoconsciecircncia de maacutertirrdquo (123 e

217)47 Diante do exposto a soluccedilatildeo para o local de origem da carta aos

Filipenses continuaraacute no campo das hipoacuteteses mas eacute plausiacutevel afirmar que

daquelas apresentadas acima Roma eacute a que possui maior probabilidade por

reunir e explicar uma maior quantidade de informaccedilotildees presentes na carta Sendo

Roma o local de proveniecircncia a data para a publicaccedilatildeo seria entre os anos 61 e 62

dC no final do seu cativeiro na capital48

23 A carta aos Filipenses

231 Autoria e Integridade

Na atual avaliaccedilatildeo do corpus paulino Filipenses eacute indiscutivelmente

considerada uma carta autecircntica49 Na histoacuteria da pesquisa natildeo se estabeleceu

nenhuma tese que negasse a autoria paulina de Filipenses O consenso nos estudos

paulinos contemporacircneos eacute em favor de Paulo como genuiacuteno autor da carta50

Situaccedilatildeo oposta eacute a avaliaccedilatildeo da integridade da carta Uma seacuterie de

observaccedilotildees levantam suspeitas se a carta aos Filipenses circulou desde o iniacutecio

como ela se apresenta hoje no corpus paulino isto eacute se desde o iniacutecio ela era um

escrito uacutenico que ia de 11 ateacute 423 As principais questotildees levantadas satildeo A) A

redaccedilatildeo de 31 (com a utilizaccedilatildeo do termo λοιπός) parece encaminhar de maneira

47 Argumento de SCHNELLE Udo Paulo Vida e pensamento p 467-472 48 Para os argumentos acima e em favor de Roma estatildeo entre outros SCHNELLE Udo Paulo

Vida e pensamento p 465-469 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 376-387 BOCKMUEHL Marcus The Epistle to the Philippians p 30-32 FOWL Stephen E Philippians p 9 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 72-76 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 19-26 49 De acordo com VOUGA Franccedilois A literatura paulina p 186 ela eacute uma das sete que pertencem ao conjunto das protopaulinas Ao lado deste seguem-se mais dois conjuntos as deuteropaulinas e as tritopaulinas 50 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 558 Segundo ele a tentativa mais famosa de negar a autoria paulina da carta foi feita sem sucesso por Ferdinand Christian Baur

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natural para agrave conclusatildeo da carta Entretanto ao inveacutes disso Paulo inicia uma

aacutespera repreensatildeo contra adversaacuterios51 B) O trecho de 410-20 deve preceder 11-

31 como gratidatildeo de Paulo pelo donativo enviado pela igreja atraveacutes de

Epafrodito52 C) O trecho de 32-43 natildeo faz menccedilatildeo da situaccedilatildeo de

aprisionamento de Paulo que eacute a situaccedilatildeo pressuposta para 11-3153 D) A

diferenccedila de tom com que Paulo trata os adversaacuterios na primeira parte (115-18)

em relaccedilatildeo agrave seccedilatildeo iniciada em 32 Mais do que indicar adversaacuterios diferentes

essa mudanccedila pode refletir dois momentos distintos na vida de Paulo duas

maneiras distintas de o apoacutestolo encarar seus adversaacuterios54 E) Uma seacuterie de frases

conclusivas em 47-9 e 419-2055 Os estudiosos partidaacuterios da hipoacutetese de

Filipenses como uma compilaccedilatildeo de vaacuterias cartas combinam todos esses

elementos acima e ainda outros e propotildeem que a carta atual eacute resultado da uniatildeo

de duas ou trecircs cartas menores A delimitaccedilatildeo do conteuacutedo exato de cada uma

dessas supostas cartas varia resultando em pelo menos seis arranjos diferentes de

conteuacutedo56

No entanto satildeo mais consistentes os argumentos em favor da unidade da

carta57 Em primeiro lugar natildeo haacute nenhuma evidecircncia manuscrita de que algum

dia a carta aos Filipenses circulou de forma diferente como ela hoje existe no

Novo Testamento Em segundo lugar existe uma seacuterie de correlaccedilotildees

morfoloacutegicas e conceituais entre as diversas seccedilotildees da carta inclusive entre 11-

31 e 32-49 O proacuteprio texto de Fl 26-11 ecoa em 37-11 e 320-21 Em terceiro

lugar as teorias de montagem levantam mais perguntas que respondem

acumulando conjecturas em cima de conjecturas como por exemplo quando se

tenta responder qual a intenccedilatildeo teve o editor final ao juntar desta forma as

supostas cartas avulsas Em quarto lugar ldquoa Antiguidade que conhecia bem o

gecircnero literaacuterio da coleccedilatildeo de cartas ou da correspondecircncia editada e vendida

51 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 52 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 21 53 Idem 54 BRUCE F F Filipenses p 27-29 55 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 300-303 56 VOUGA Franccedilois op cit p 300-303 vai apresentar os seis esquemas de organizaccedilatildeo trecircs relativos agrave existecircncia de duas cartas e trecircs para existecircncia de trecircs cartas O uacutenico consenso nessa visatildeo eacute que 11-31 forma uma unidade 57 Para os argumentos que seguem em favor da unidade da carta cf HAWTHORNE G F

Filipenses carta aos In DPC p 558-559 BRUCE F F Filipenses p 26-30 MARTIN Ralph P Filipenses p 23-35 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 18-20 BOCKMUELH Marcus op cit p 20-25 VOUGA Franccedilois op cit p 302-303

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como livro natildeo oferece nenhum exemplo de cartas ou de fragmentos epistolares

combinados ou re-redigidos sob forma de cartardquo58 Em quinto lugar eacute possiacutevel (e

provavelmente mais faacutecil) compreender o fluxo de pensamento da carta como uma

unidade59

232 Objetivo da carta

Quanto ao objetivo da carta a razatildeo principal para o envio desta carta estaacute

no acircmbito do relacionamento entre Paulo e a Igreja de Filipos que era do mais

alto niacutevel Nesse sentido pode-se dizer que Filipenses eacute uma carta de amizade60

Paulo escreve para agradecer agrave comunidade as ofertas enviadas recomendar a

recepccedilatildeo de Epafrodito que estaacute retornando anunciar o envio de Timoacuteteo e contar

sobre as circunstacircncias atuais do apoacutestolo preso

Natildeo obstante o apoacutestolo aproveita a oportunidade para orientar a

comunidade diante dos seacuterios desafios que ela tem enfrentado Se de um lado a

igreja natildeo estava passando por uma seacuteria crise teoloacutegica61 do outro ela estava

ameaccedilada por diversos adversaacuterios A caraterizaccedilatildeo exata desses adversaacuterios eacute

objeto de discussatildeo Eles podem ser encontrados em 115-18 128 32 e 318 O

grande problema eacute a chamada ldquoleitura atraveacutes do espelhordquo isto eacute reconstruir

grupos e ideias com base tatildeo somente nos argumentos contraacuterios oferecidos natildeo

sistematicamente por Paulo62 Dessa forma uma proposta cautelosa eacute a

identificaccedilatildeo de dois grupos de adversaacuterios por traacutes da argumentaccedilatildeo de paulina

em Filipenses63 O primeiro grupo apresentado em 115-18 seriam cristatildeos que

estavam atuando na cidade em que Paulo estava preso e que apesar de pregarem

Cristo faziam oposiccedilatildeo a Paulo afirmando que os sofrimentos dele eram

58 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 302 59 Ainda sim BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 9-10 e SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 11-12 favorecem a hipoacutetese que Filipenses eacute uma composiccedilatildeo de trecircs cartas de Paulo 60 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 12 SCHNELLE Udo Paulo vida

e pensamento p 469 afirma que ldquoPaulo sentia-se tatildeo ligado aos filipenses como a nenhuma outra comunidaderdquo 61 FOWL Stephen E Philippians p 11 62 Ibidem p 11-12 63 Segue-se aqui a explicaccedilatildeo apresentada por HAWHTHORNE G F Philippians p 24-27 e HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 561-562

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evidecircncias de sua fraqueza como liacuteder Ao que parece a divergecircncia de Paulo com

eles era de natureza mais pessoal do que teoloacutegica

Eacute verdade que alguns anunciam o Cristo [τὸν Χριστὸν κηρύσσουσιν] por inveja e porfia e outros por boa vontade estes por amor proclamam a Cristo [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] sabendo que fui posto para defesa do evangelho e aqueles por rivalidade natildeo sinceramente julgando com isso acrescentar sofrimentos agraves minhas prisotildees Mas que importa De qualquer maneira ndash ou com segundas intenccedilotildees ou sinceramente ndash Cristo eacute proclamado [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] e com isto me regozijo (115-18)64

A partir de 32 Paulo tem em vista outro tipo de adversaacuterios Ao contraacuterio dos

primeiros estes natildeo satildeo cristatildeos Eles confiam na carne exigem a circuncisatildeo e

outros rituais judaicos e com uma escatologia realizada prometem a possibilidade

de se alcanccedilar a perfeiccedilatildeo nesta vida e desde jaacute experimentar as daacutedivas do mundo

porvir Menosprezam o sofrimento e consequentemente a figura e a pregaccedilatildeo de

Paulo Enfim satildeo τοὺς ἐχθροὺς τοῦ σταυροῦ τοῦ Χριστοῦ Eles podem ser

qualificados como missionaacuterios judeus que representavam para os filipenses uma

ameaccedila real proveniente do ambiente exterior agrave igreja mas que natildeo

necessariamente jaacute estavam atuando junto agrave igreja

233 Estrutura da carta

Existem diversas propostas de arranjo do conteuacutedo da carta e muitas satildeo

plausiacuteveis Este trabalho no entanto oferece como contribuiccedilatildeo agrave pesquisa a

possibilidade de compreender o conteuacutedo da carta aos Filipenses estruturado em

seccedilotildees paralelas que se correspondem como pode ser visualizado abaixo

64 A traduccedilatildeo citada eacute de A Biacuteblia de Jerusaleacutem nova ediccedilatildeo revista e ampliada As demais citaccedilotildees biacuteblicas do trabalho seratildeo extraiacutedas dessa traduccedilatildeo salvo outra indicaccedilatildeo

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A - Saudaccedilatildeo ndash 11-2

B - Accedilatildeo de graccedilas ndash 13-11

C - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 112-26

D - Exortaccedilatildeo 127-217

Crsquo - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 219-30

Drsquo - Exortaccedilatildeo 31-49

Brsquo Accedilatildeo de Graccedilas ndash 410-20

Arsquo Saudaccedilatildeo ndash 421-23

24 Criacutetica Textual de Fl 29-11

Estes trecircs versiacuteculos natildeo apresentam nenhuma seacuteria dificuldade criacutetico-

textual mas eacute pertinente a consideraccedilatildeo das variantes existentes a fim de detectar

jaacute na proacutepria tradiccedilatildeo manuscrita tendecircncias na interpretaccedilatildeo do texto

Versiacuteculo 9b καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα O artigo τὸ que acompanha ὄνομα eacute omitido nos unciais D F G K L P

Y 075 e 0278 nos cursivos 81 104 365 630 1175 1241 1505 1881 e 2464

nos manuscritos que pertencem ao texto Bizantino (M) e ainda em Clemente

conforme Teoacutedoto Apoiam o texto sem a omissatildeo o papiro P46 os unciais a A

B C os cursivos 33 629 1175 1739 Segundo Metzger com a omissatildeo do artigo

o texto estaria afirmando ldquoque Jesus recebeu um nome natildeo especificado que

depois eacute definido com aquele nome que estaacute acima de todo nomerdquo65 O mesmo

autor explica que a omissatildeo pode ter surgido quando um copista se confundiu com

o final do verbo ἐχαρίσατο Outra possibilidade eacute que os copistas interpretaram

que Paulo natildeo estivesse referindo-se a um nome especiacutefico (um tiacutetulo como se

veraacute adiante na pesquisa) mas agrave noccedilatildeo de reputaccedilatildeo fama e honra66 isto eacute Deus

deu a Jesus a honra acima de todas as honras E embora a evidecircncia externa apoie

65 METZGER Bruce M Un Comentario Textual Al Nuevo Testamento Griego p 542 O mesmo comentaacuterio encontra-se em OMANSON Roger Variantes textuais do Novo

Testamento p 414 66 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120

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a autenticidade do artigo67 esta uacuteltima intepretaccedilatildeo eacute bastante plausiacutevel no

contexto

Versiacuteculo 11a καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται

O verbo ἐξομολογήσηται (verbo subjuntivo aoristo meacutedio 3ordf p singular de

ἐξομολογέω) eacute substituiacutedo por ἐξομολογήσεται (verbo no futuro do indicativo

ativo 3ordf p singular) nos unciais A C D F G K L P YVID 075 e 0278 nos

cursivos 6 33 81 104 365 630 1175 1241 1505 1739 1881 2464 muitos

outros manuscritos pertencentes ao texto majoritaacuterio e em uma leitura alternativa

presente em Irineu (Irvl) Apoiam o texto sem a substituiccedilatildeo o papiro P46 os

unciais a B Fc os cursivos 323 630c 2495 muitos manuscritos pertencentes ao

texto majoritaacuterio Irineu Clemente conforme Teoacutedoto e Clemente de Alexandria

Do ponto de vista da traduccedilatildeo o que estaacute em questatildeo seria a troca do subjuntivo

para o futuro Com o subjuntivo a traduccedilatildeo estaacute ldquopara toda liacutengua confessar

querdquo Com o futuro ficaria ldquoe toda liacutengua confessaraacute querdquo Omanson oferece

explicaccedilotildees para as duas mudanccedilas isto eacute se original fosse futuro os copistas

teriam alterado para o subjuntivo para concordar com o verbo κάμψῃ do versiacuteculo

10 que estaacute no subjuntivo Se a forma original foi o subjuntivo a alteraccedilatildeo dos

copistas tinha como objetivo concordar com o termo ὀμεῖται (juraraacute) que aparece

em alguns manuscritos da LXX em Isaiacuteas 4523 Nesse caso a evidecircncia externa

(seguindo o texto Alexandrino) favorece a manutenccedilatildeo do texto com o subjuntivo

Por outro lado parece que a divisatildeo dos manuscritos aponta para o que a exegese

do texto vai confirmar isto eacute que na passagem o verbo em questatildeo tanto tem uma

aplicaccedilatildeo presente desafiando ouvintes e leitores a confessarem Jesus como

Senhor quanto uma dimensatildeo futura proclamando o que seraacute realidade

escatoloacutegica final quando todos os seres se submeteratildeo a Jesus

Versiacuteculo 11b ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

Ainda neste versiacuteculo os unciais A F e G o cursivo 1505 e alguns poucos

divergentes do texto majoritaacuterio os manuscritos da antiga versatildeo latina b e g um

manuscrito da Vulgata e um da versatildeo Saiacutedica e uma das citaccedilotildees de Fl 211 na

67 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120

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traduccedilatildeo latina de Oriacutegenes omite o termo Χριστὸς68 Assim o texto seria lido

ldquoque Jesus eacute Senhorrdquo No entanto eacute possiacutevel explicar a omissatildeo como uma

tentativa de harmonizaccedilatildeo com o versiacuteculo 10 A qualidade dos testemunhos

externos e a presenccedila comum da designaccedilatildeo Ἰησοῦς Χριστὸς em Paulo (soacute

considerando as foacutermulas de benccedilatildeo nas saudaccedilotildees e despedidas a expressatildeo

aparece em todo corpus paulino com exceccedilatildeo de Colossenses e Tito) favorecem a

manutenccedilatildeo do texto como estaacute Exegeticamente a omissatildeo da expressatildeo pode

testemunhar a desvalorizaccedilatildeo do termo Χριστὸς como tiacutetulo que explica a pessoa

e obra de Jesus Eacute por isso entatildeo que a exegese deve-se perguntar pela utilizaccedilatildeo

da expressatildeo no texto

25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11

9διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ

πᾶν ὄνομα 10 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων 11καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος

Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός69

9E por isso Deus o exaltou sobremaneira e o agraciou com o nome acima

de todo o nome 10a fim de que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus

no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 11e toda liacutengua confesse que Jesus

Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

26 Delimitaccedilatildeo

A delimitaccedilatildeo do objeto material seraacute realizada aqui em dois momentos

Primeiro a distinccedilatildeo dos versiacuteculos 6 a 11 do seu contexto literaacuterio e depois o

estabelecimento dos versiacuteculos 9 a 11 como uma seccedilatildeo especiacutefica do texto de 26-

11

68 Existe ainda a atestaccedilatildeo uacutenica feita pelo uncial K da leitura Χριστὸς κύριος 69 Texto grego conforme NESTLE-ALAND Novum Testamentum Graece 28ordf ediccedilatildeo

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A delimitaccedilatildeo de 26-11 pode ser evidenciada por diversos argumentos

Antes de tudo existe a diferenccedila em relaccedilatildeo ao contexto anterior De 127 a 24

Paulo estaacute trabalhando a parecircnese ou seja apresentando exortaccedilotildees agrave igreja

sobretudo no que tange agrave sua unidade Veja-se os imperativos πολιτεύεσθε

(127) πληρώσατέ (22) φρονεῖτε (25) aleacutem de orientaccedilotildees do tipo ldquonatildeo faccedilam

isso mas faccedilam aquilordquo (23-4) Justamente o versiacuteculo 25 faz a transiccedilatildeo

mantendo-se no entanto na parecircnese

Nos versiacuteculos de 6 a 11 natildeo se encontram mais exortaccedilotildees e sim a

descriccedilatildeo de eventos relacionados agrave pessoa de Jesus Passa-se da 2ordf pessoa para a

3ordf E no contexto posterior a partir de 212 Paulo retoma o estilo pareneacutetico

anterior Voltam os verbos no imperativo e na 2ordf pessoa como o importante

κατεργάζεσθε

Haacute ainda consideraccedilotildees linguiacutesticas e literaacuterias indicando que esta

passagem foi construiacuteda em estilo poeacutetico e natildeo de prosa distinguindo-se do seu

contexto na carta Eacute possiacutevel inclusive que ela tenha tido uma existecircncia anterior

independente da proacutepria carta Poreacutem como essa discussatildeo eacute complexa e ao

mesmo tempo muito importante para a compreensatildeo de Fl 26-11 o assunto seraacute

discutido em capiacutetulo agrave parte

Quanto agrave delimitaccedilatildeo dos versiacuteculos 9 a 11 em relaccedilatildeo ao texto de 26-11

a primeira consideraccedilatildeo eacute a mudanccedila de tema Do versiacuteculo 6 a 8 o texto descreve

o caminho do Filho de Deus da existecircncia na forma de Deus ateacute a morte na cruz

passando pelo seu esvaziamento sua humanidade e sua humilhaccedilatildeo Os

versiacuteculos 9 a 11 descrevem Deus o exaltando dando-lhe um nome especial

joelhos se dobrando diante dele e toda liacutengua confessando-o Ou seja a primeira

parte do texto gira em torno do eixo existecircncia na forma de Deus - esvaziamento -

encarnaccedilatildeo ndash cruz enquanto que a segunda parte segue a temaacutetica da exaltaccedilatildeo ndash

adoraccedilatildeo ndash confissatildeo ndash gloacuteria de Deus Outra consideraccedilatildeo importante eacute que na

primeira parte Jesus eacute o sujeito de todos os verbos satildeo trecircs verbos no indicativo e

cinco no particiacutepio nominativo todos referindo-se a Jesus A partir do versiacuteculo 9

Deus passa a ser o sujeito e Jesus o objeto Satildeo dois verbos no indicativo tendo

Deus como sujeito e Jesus como objeto E haacute dois verbos no subjuntivo que estatildeo

sintaticamente subordinados aos verbos que tem Deus como sujeito E tambeacutem ali

Jesus continua sendo o objeto

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Portanto Filipenses 26-11 forma uma unidade textual na qual eacute possiacutevel

distinguir duas seccedilotildees 26-8 e 29-11 Esta pesquisa pretende trabalhar apenas

sobre esta uacuteltima parte

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3 Status Quaestionis da Pesquisa a respeito de Fl 26-11

31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea

O grande impulso para a pesquisa acadecircmica de Fl 26-11 foi dado em 1928

quando Ernst Lohmeyer apresentou sua anaacutelise da passagem na obra que se tornaria

claacutessica para a exegese da periacutecope Kyrios Jesus Eine Untersuchung zu Phil 25-

1170 Segundo Martin o caraacuteter poeacutetico da passagem jaacute tinha sido reconhecido antes

por Johannes Weiss em um artigo de 1899 argumento que foi confirmado por A

Deissmann em 192571 Contudo para Martin o grande meacuterito de Lohmeyer foi

detalhar essas caracteriacutesticas poeacuteticas percebendo-a como uma composiccedilatildeo

lituacutergica especificamente um hino composto por seis estrofes cada qual com trecircs

linhas e apresentando uma soacutelida argumentaccedilatildeo em favor dessa estrutura72 A partir

de entatildeo afirmar que Fl 26-11 eacute um hino cristoloacutegico citado por Paulo no contexto

da carta aos Filipenses tornou-se lugar comum nos estudos do Novo Testamento73

A proliferaccedilatildeo de textos acadecircmicos sobre a passagem foi enorme discutindo-a por

diversos acircngulos a tal ponto de se afirmar que Fl 26-11 ldquoeacute uma das mais exaltadas

uma das mais amadas e uma das mais discutidas e debatidas passagens no corpus

Paulinordquo74 A quantidade de literatura especializada relacionada agrave passagem

evidencia que a mesma eacute a mais importante da carta aos Filipenses75 Abaixo seraacute

apresentado o desenvolvimento da interpretaccedilatildeo acadecircmica sobre o texto segundo

os principais toacutepicos de discussatildeo gecircnero literaacuterio estrutura autoria origem pano

de fundo e funccedilatildeo na carta

70 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 6 e 31 Dois anos depois Lohmeyer reproduziu os resultados do estudo na publicaccedilatildeo do seu comentaacuterio da carta aos Filipenses 71 MARTIN R P A Hymn of Christ p 24 72 Ibid p 28-29 Escrevendo em 1965 Martin afirma que ateacute entatildeo ningueacutem tinha conseguido reverter a avaliaccedilatildeo de Lohmeyer que o texto eacute um hino e os poucos questionamentos natildeo afetaram o consenso na comunidade exegeacutetica 73 Parece que o primeiro a designar a passagem como um ldquohino cristoloacutegicordquo foi H Lietzmann em uma publicaccedilatildeo de 1954 conforme FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians

26-11 p 471 nota 2 74 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 29 75 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 115 HELLERMANN J H Vindicating

Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p85 vai aleacutem e afirma que Fl 26-11 eacute o texto que mais atrai atenccedilatildeo erudita no corpus Paulino

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32 A pesquisa sobre o Gecircnero e Estrutura de Fl 26-11

A importacircncia do estudo de Lohmeyer faz dele o ponto de partida para esta

discussatildeo Conforme mencionado ele qualificou a passagem como um hino

composto de duas partes (vs 6-8 e 9-11) cada parte com trecircs estrofes e cada estrofe

com trecircs linhas sendo a expressatildeo ldquoθανάτου δὲ σταυρουrdquo omitida da parte trecircs por

ser considerada um acreacutescimo paulino ao hino original O resultado eacute a seguinte

estrutura

I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ II ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος III καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου IV διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα V ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων VI καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός76

Outra influente compreensatildeo sobre a forma da passagem foi apresentada por J

Jeremias Ele seguiu Lohmeyer entendendo o Fl 26-11 como um hino preacute paulino

mas enxergou sua estrutura de forma diversa como segue

I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών II ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου

76 MARTIN R P A Hymn of Christ p 29

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III διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς77

Em primeiro lugar ele concluiu que o hino estaacute organizado em pares de versos

refletindo o esquema hebraico do paralelismo de membros Satildeo 12 versos Para

chegar a essa estrutura ele propotildee excluir trecircs linhas do texto qualificando-as como

acreacutescimos de Paulo ao hino original As linhas satildeo θανάτου δὲ σταυροῦ (final do

versiacuteculo 8) ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων (final do versiacuteculo 9) e εἰς

δόξαν θεοῦ πατρός (final do versiacuteculo 11) Dessa forma estes 12 versos estariam

distribuiacutedos em trecircs estrofes em que cada uma descreve um estaacutegio cristoloacutegico a

preacute-preexistecircncia (26ab-7ab) o ministeacuterio terreno (27cd-8ab) e a exaltaccedilatildeo (29-

11)78

Da perspectiva da organizaccedilatildeo dos versos outras propostas foram feitas mas

todas satildeo na verdade variaccedilotildees das propostas originais de Lohmeyer e Jeremias79

Grandes contestaccedilotildees no entanto foram dirigidas agrave classificaccedilatildeo da passagem sob

o gecircnero ldquohinordquo Embora ateacute a deacutecada de 1980 houvesse um consenso sobre essa

classificaccedilatildeo80 faltavam criteacuterios para julgar as conclusotildees exegeacuteticas isto eacute

determinadas passagens do Novo Testamento eram classificadas como hinos e

passavam a servir como paracircmetro para o julgamento de outras passagens

Evidencia-se um argumento circular pois sobre qual consideraccedilatildeo as primeiras

passagens foram consideradas hinos Em outras palavras qual seria o texto padratildeo

no Novo Testamento ou na literatura cristatilde primitiva para em comparaccedilatildeo avaliar

por exemplo se Fl 26-11 tem ou natildeo caracteriacutesticas hiacutenicas

Em 1992 Gordon Fee publicou um artigo expondo essas dificuldades81

Segundo Fee esta passagem natildeo podia ser considerada hino porque divergia da

77 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 195-196 78 MARTIN R P A Hymn of Christ p32-35 FEWSTER G P op cit p 195-196 79 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 Observe-se por exemplo a proposta de MARTIN R P op cit p 36-37 Ele segue Jeremias na perspectiva do paralelismo de membros mas adota a divisatildeo de Lohmeyer em seis estrofes somente omitindo o θανάτου δὲ σταυροῦ do final do vs 8 80 No prefaacutecio agrave nova ediccedilatildeo do seu livro em 1982 R P Martin atualiza a pesquisa sobre Fl 26-11 entre 1965 (data da primeira ediccedilatildeo) e 1982 e afirma ldquoo caraacuteter poeacutetico ou hiacutenico dos versos permanece um consenso virtual no debate recente sem nenhuma seacuteria tentativa de revertecirc-lordquo MARTIN R P op cit p xvi 81 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Prose Exalted p 29-46

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hinoacutedia tanto grega quanto semiacutetica Natildeo obstante Paulo utilize aqui uma prosa

exaltada isto natildeo eacute sinocircnimo de hino O papel do pronome relativo ὃς aqui eacute

diferente dos textos de Cl 115 e 1Tm 316 classificados como hinos e a sequecircncia

das frases eacute tiacutepica da argumentaccedilatildeo em prosa paulina (argumento que ele considera

mais forte) Assim ele considera que o texto possui um caraacuteter poeacutetico indiscutiacutevel

e ao mesmo tempo um inegaacutevel estilo narrativo Por isso ele classifica a passagem

como prosa exaltada82 Alguns autores seguiram Fee na rejeiccedilatildeo ao consenso de

classificar Fl 26-11 como hino83 e outros apresentaram variaccedilotildees da classificaccedilatildeo

da passagem como ldquoprosa exaltadardquo Collins propocircs a designaccedilatildeo ldquoprosa hiacutenicardquo84

enquanto Basevi chamou-a de ldquoprosa riacutetmicardquo85

Em 1997 Martin reagiu agraves conclusotildees de Fee reafirmando o caraacuteter hiacutenico da

passagem86 E em 2015 Martin e Nash apresentaram um artigo com uma

contundente defesa do gecircnero Hymnos para Fl 26-11 O texto deles realiza duas

tarefas87 Primeiro eles discorrem sobre o caraacuteter do gecircnero hino nos manuais de

retoacuterica grega com a devida cautela cronoloacutegica ou seja preferindo os manuais

que satildeo contemporacircneos agrave carta aos Filipenses e aqueles que satildeo anteriores a ela

em mais de um seacuteculo Em um segundo momento os autores demonstram como a

passagem em questatildeo reflete as caracteriacutesticas literaacuterias do gecircnero helenista hino

ldquoo texto apresenta todas as carateriacutesticas que os teoacutericos julgavam essenciais para o

gecircnerordquo88 Segundo estes criteacuterios o texto de Fl 26-11 possui a seguinte estrutura

82 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 259-260 Antes mesmo de Fee BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento p311 tinha classificado Fl 26-11 natildeo como hino mas como um encocircmio um gecircnero da retoacuterica grega que objetiva a apresentaccedilatildeo elogiosa de uma pessoa Mais recentemente tambeacutem HELLERMAN J Philippians p 106 considerou Fl 26-11 como encocircmio 83 Entre outros BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 116-117 FOWL S Philippians p108-110 84 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 85 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 443 nota 16 86 MARTIN R P A Hymn of Christ p lvii-lviii Eacute a 3ordf ediccedilatildeo da obra de Martin na qual ele apresenta e discute os principais temas da exegese acadecircmica de Fl 26-11 entre 1982 (data da segunda ediccedilatildeo) e 1997 (data da terceira) 87 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 90-138 88 Ibid p 109 Tambeacutem em 2015 apareceu um outro artigo criticando a classificaccedilatildeo de Fl 26-11 (e de Cl 115-20) como hino EDSALL B STRAWBRIDGE J R The Songs we Used to Sing

Hymn lsquoTraditionsrsquo and Reception in Pauline Letters p 290-311 argumenta que Fl 26-11 natildeo atende criteacuterios gregos para consideraacute-lo como hino e nas mais de 570 citaccedilotildees da passagem entre os pais da Igreja antes de 325 dC nunca ela eacute qualificada como hino O uacuteltimo argumento eacute uma deduccedilatildeo a partir do silecircncio e para o primeiro as respostas estatildeo no artigo de Martin e Nash que Edsall e Strawbrigdge natildeo tiveram como levar em consideraccedilatildeo

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Origem (ampliada por Syncrisis) ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ

ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ

ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν

δούλου λαβών

Nascimento ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot

Corpo καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος

MenteVirtudes ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν

Proezas γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου

Maneira de morrer θανάτου δὲ σταυροῦ

Eventos poacutestumos διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν

Nomes e tiacutetulos (ampliado por

Syncrisis)

καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ

πᾶν ὄνομα

ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ

κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων

Um dos pontos a favor dessa estrutura eacute que ela explica o texto sem precisar

excluir qualquer linha uma das caracteriacutesticas das propostas apresentadas acima O

trabalho de Martin e Nash portanto reforccedila o consenso exegeacutetico que jaacute dura quase

um seacuteculo de classificar Fl 26-11 como hino

Quanto agrave estrutura da passagem enquanto os resultados da proposta de

Martin e Nash ainda seratildeo avaliados pela comunidade exegeacutetica a organizaccedilatildeo que

parece mais difundida (tanto entre autores que classificam a passagem como hino

quanto entre os que divergem dessa classificaccedilatildeo) eacute a que percebe o texto dividido

em duas partes os vs 6-8 e os vs 9-11 a saber89

ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου θανάτου δὲ σταυροῦ

89 Entre os que seguem esta estrutura estatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 261-262 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 HAWTHORNE G F Philippians p 101-103 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 BARTH G A carta aos Filipenses p 45 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno

Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 445-446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii A favor de uma divisatildeo em trecircs partes aleacutem de Jeremias mencionado acima CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 297-298

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διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

Os argumentos para essa divisatildeo satildeo muacuteltiplos Cada parte eacute composta por

uma sentenccedila que por sua vez possui dois verbos principais Nos vs 6-8 satildeo

ἡγήσατο e ἐκένωσεν e em 9-11 ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο90 Se por um lado a

expressatildeo θανάτου δὲ σταυροῦ eacute o ponto criacutetico da primeira parte91 a utilizaccedilatildeo da

preposiccedilatildeo διὸ no vs 9 marca uma virada na descriccedilatildeo dramaacutetica Ela eacute nesse caso

uma preposiccedilatildeo consecutiva mostrando que a sequecircncia eacute consequecircncia do que foi

dito antes92 Existem tambeacutem diferenccedilas que apontam para a separaccedilatildeo das partes

A primeira daacute preferecircncia a versos com menos de dez siacutelabas enquanto na segunda

predominam os versos com mais de dez siacutelabas93 Nos vs 6-8 encontram-se cinco

particiacutepios em 9-11 nenhum sequer94 Aleacutem eacute claro da mudanccedila de sujeito nos

vs6-8 o sujeito dos verbos principais eacute Jesus e em 9-11 as accedilotildees principais satildeo

realizadas por Deus Pai

33 A pesquisa sobre a autoria e origem de Fl 26-11

Segundo Lohmeyer Fl 26-11 eacute um hino preacute-paulino uma composiccedilatildeo poeacutetica

utilizada nos cultos editada e citada por Paulo na carta aos Filipenses Este juiacutezo

foi divulgado e aceito por parte da comunidade acadecircmica em especial com o apoio

dos trabalhos de A M Hunter e E Schweizer95 Em 1965 Martin avaliava que a

maioria dos comentaristas alematildees e franceses seguiam as conclusotildees de Lohmeyer

90 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 91 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 92 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii afirma que a expressatildeo διὸ καὶ funciona como a peripeteia no drama grego descrevendo o reverso do destino do heroacutei viacutetima 93 BASEVI C op cit p 448 94 Idem 95 MARTIN R P A Hymn of Christ p 55

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enquanto a situaccedilatildeo entre os especialistas britacircnicos e americanos era exatamente

contraacuteria96

Entre os principais argumentos contraacuterios agrave autoria paulina de Fl 26-11 em

primeiro lugar vem a forma do texto De acordo com Lohmeyer o texto apresenta

caracteriacutesticas de um hino semiacutetico mas com formulaccedilotildees proacuteprias do idioma

grego Disso ele conclui que o autor compocircs o hino em grego mas seu idioma

nativo era semiacutetico97 O texto seria entatildeo um salmo judeu-cristatildeo originado na

primitiva comunidade judaico-cristatilde de Jerusaleacutem98 Um segundo argumento contra

a autoria paulina eacute a linguagem De um lado existem termos utilizados no texto que

satildeo hapax legomena no corpus Paulino e alguns inclusive no Novo Testamento

inteiro Os termos ἁρπαγμός ὑπερυψόω e καταχθόνιος nunca satildeo usados no Novo

Testamento aleacutem deste texto sendo que o primeiro eacute raro ateacute mesmo no grego

secular Tambeacutem natildeo se encontra no Novo Testamento a descriccedilatildeo do universo em

trecircs estaacutegios como na expressatildeo ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων e a

palavra μορφή soacute ocorre em Mc 161299 Outro dado interessante eacute que algumas

palavras encontradas aqui satildeo utilizadas por Paulo de forma diferente em outros

contextos O verbo κενόω por exemplo eacute usado pelo apoacutestolo em Rm 414 1Co

117 415 e 2Co 93 mas sempre o sentido eacute negativo contrariamente agrave Fl 27 O

substantivo σχῆμα eacute usado em 1Co 731 com sentido distinto de Fl 27 e o termo

ὑπήκοος que nunca eacute usado no Novo Testamento (nem na LXX) no sentido de

obediecircncia a Deus100 Ainda no campo da linguagem mais ligado aos conceitos

existem duas outras consideraccedilotildees que pesam contra a autoria paulina Eacute que satildeo

encontradas no hino ideias estranhas agrave teologia de Paulo Satildeo elas a designaccedilatildeo de

Jesus como εἶναι ἴσα θεῷ e como δοῦλος o uso do verbo ὑπερυψόω para expressar

a exaltaccedilatildeo de Jesus e o fato desta ser retratada como um dom que Jesus recebe da

parte de Deus atraveacutes do verbo χαρίζομαι101 Em contrapartida faltam temas

caracteriacutesticos da cristologia paulina a saber a doutrina da redenccedilatildeo pela cruz a

ressurreiccedilatildeo de Cristo e o papel da igreja102

96 MARTIN R P A Hymn of Christ p 61 97 O curioso dessa observaccedilatildeo de Lohmeyer eacute a ironia dela favorecer agrave autoria paulina (que alhures ele nega) pois em Paulo encontramos um cristatildeo cuja liacutengua nativa era semita mas que escrevia em grego 98 MARTIN R P A Hymn of Christ p 46-47 99 Ibid p 48 100 Ibid p 44 101 Ibid p 48-49 102 Ibid p 49

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A estes argumentos somam-se outros dois comeccedilando pela a suposiccedilatildeo que Fl

26-11 refletiria a cristologia do Servo do Senhor inspirada nos cacircnticos de servo

de Isaiacuteas 53 Ao que parece essa cristologia natildeo eacute orginalmente paulina mas soacute eacute

utilizada pelo apoacutestolo quando ele faz referecircncia ao que recebeu dos seus

predecessores no Evangelho103 E esse ponto traz agrave tona um outro argumento contra

autoria paulina que eacute o fato amplamente reconhecido pelos estudiosos

neotestamentaacuterios que boa parte da teologia de Paulo eacute reflexo da comunidade preacute

paulina e assim Fl 26-11 seria parte dessa heranccedila primitiva herdada por Paulo104

Natildeo obstante nem todos se convenceram de uma autoria natildeo paulina para Fl

26-11 Ateacute 1965 o expoente em favor da autenticidade paulina foi L Cerfaux105

Os argumentos apresentados por ele e por uma seacuterie de outros autores apoacutes ele

podem ser resumidos da seguinte forma Primeiramente em relaccedilatildeo agrave forma a

questatildeo levantada eacute por que Paulo pode ser considerado autor de outros textos

qualificados como poeacuteticos como 1Co 13 e natildeo ser o autor desta composiccedilatildeo na

carta aos Filipenses106 Nesse sentido percebe-se um cruzamento entre a questatildeo

do gecircnero literaacuterio do texto com a da autoria Isto porque um dos argumentos usados

para negar a autoria paulina do texto foi sua forma literaacuteria como um hino Esse

quadro poreacutem estaacute se alterando sobretudo atraveacutes da exegese do texto pela oacutetica

da retoacuterica grega Assim tanto Basevi que qualifica o texto como prosa riacutetmica

quanto Martin e Nash que defendem o texto como hino propotildee a autoria paulina107

Outro argumento usado contra a autoria paulina estaacute relacionado aos hapax

legomena No entanto o argumento eacute considerado inconclusivo pois passagens

tidas como paulinas tambeacutem possuem certo nuacutemero de hapax Eacute o caso de 1Co 13

que conteacutem trecircs palavras que natildeo aparecem em nenhum lugar do Novo Testamento

e outras trecircs que soacute ocorrem fora da literatura paulina108 Soma-se a isso o dado de

103 MARTIN R P A Hymn of Christ p 51-52 104 MARTIN R P A Hymn of Christ p 52-54 105 Avaliaccedilatildeo de MARTIN R P op cit p 55-56 Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de

Paulo p 292-293 106 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 O argumento eacute recuperado por BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 escrevendo 30 anos depois de Cerfaux 107 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 450 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A

Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 137 nota 110 Estes uacuteltimos de forma menos contundente que o primeiro 108 BLACK D A op cit p 276

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que Filipenses eacute a carta paulina com maior grau de hapax109 Destarte aleacutem de

existir no texto um grupo de palavras que refletem fielmente o pensamento paulino

satildeo em passagens de natureza poeacutetica que se esperam a utilizaccedilatildeo de um

vocabulaacuterio proacuteprio e natildeo usual consequentemente com um grau maior de

hapax110

Tambeacutem em favor da autoria paulina estaacute a intriacutenseca relaccedilatildeo entre 26-11 e

outras partes da carta aos Filipenses Dois paralelos satildeo muito importantes nesse

quesito Primeiro a conexatildeo entre 26-11 e 320-21 que pode ser visualizada a

seguir111

26-11 320-21

μορφῇ μορφὴν σύμμορφον

ὑπάρχων ὑπάρχει

σχήματι μετασχηματίσει

ἐταπείνωσεν ταπεινώσεως

ἐπουρανίων ἐν οὐρανοῖς

κύριος Ἰησοῦς

Χριστὸς

κύριον Ἰησοῦν

Χριστόν

δόξαν τῆς δόξης

Em segundo lugar a relaccedilatildeo de 26-11 com o contexto anterior a saber

ἡγούμενοι ὑπερέχοντας (23) com οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο (26) κενοδοξίαν (23)

com ἑαυτὸν ἐκένωσεν (27) ταπεινοφροσύνῃ (23) com ταπεινώσεως ἑαυτὸν (28)

ἐχαρίσθη (29) com ἐχαρίσατο (29)112 e mesmo o versiacuteculo 5 que faz a ponte

entre a seccedilatildeo anterior e o hino conecta-se ao versiacuteculo 22 atraveacutes do verbo

φρονεῖτε113

109 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 180-184 a epiacutestola como um todo possui 17 hapax em relaccedilatildeo ao corpus paulino e 39 em relaccedilatildeo ao Novo Testamento como um todo 110 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 276-277 111 Ibid p 278 112 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 113 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 194

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Quanto agraves ideias que formam o pano de fundo do hino tanto uma cristologia

influenciada pelas ideias do servo de YHWH natildeo eacute incompatiacutevel com o pensamento

paulino114 quanto eacute possiacutevel identificar a influecircncia sobre Fl 26-11 da temaacutetica do

segundo Adatildeo como em Rm 5 e 1Co 15 textos cuja autoria paulina natildeo eacute

discutida115 Natildeo obstante satildeo encontradas no hino ideias que verdadeiramente

correspondem agrave teologia paulina como o tema da obediecircncia de Jesus a ecircnfase na

morte de cruz e a exaltaccedilatildeo de Jesus como κύριος116

Uma uacuteltima reflexatildeo a ser feita no que diz respeito agrave autoria de Fl 26-11 eacute

sobre o conceito de autenticidade Conforme a argumentaccedilatildeo de Fee um

documento eacute considerado autecircntico quando ele foi escrito pela pessoa a quem o

escrito eacute atribuiacutedo Se Filipenses eacute atribuiacuteda a Paulo e ele realmente escreveu esta

carta ela eacute autecircntica Se 2Pedro eacute atribuiacuteda a Pedro e ele natildeo escreveu a carta ela

natildeo eacute autecircntica Quando este documento sofre interpolaccedilatildeo de um autor posterior

diz-se que aquela parte interpolada natildeo eacute autecircntica isto eacute natildeo pertence ao escritor

a quem a obra como um todo eacute atribuiacuteda No caso de Fl 26-11 a argumentaccedilatildeo

contra a autoria paulina resulta em uma interpolaccedilatildeo do proacuteprio autor do

documento na verdade ditada ou escrita junto com o restante do documento

original e que em uacuteltima anaacutelise eacute considerada inautecircntica117 Nas palavras de Fee

Concentrando-nos poreacutem nesta passagem a autenticidade toma um novo significado que o proacuteprio Paulo interpolou em 26 uma parte de material tradicional (material preacute-paulino) do qual natildeo era o autor original quer seja de forma literal ou parafraseada por ele em maior ou menor grau e por tanto ainda que a escreveu ele natildeo foi o autor por isso esta parte natildeo eacute autecircntica e natildeo se pode utilizar para reconstruir a teologia paulina Contudo esta eacute uma teoria muito estranha pois segundo esta definiccedilatildeo a maioria do Evangelho de Mateus teria que ser vista como natildeo autecircntica afinal nenhum dos materiais que ele aproveitou de Marcos ou de Q foram escritos por ele118

O protesto de Fee e as consideraccedilotildees acima tecircm persuadido cada vez mais

os autores em favor da autoria paulina Escrevendo em 2010 Hellerman afirma que

o consenso em favor da autoria preacute-paulina pertenceu agrave geraccedilatildeo anterior de

114 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 280 No prefaacutecio agrave ediccedilatildeo de 1997 da sua obra Martin afirma estar mais inclinado a reconhecer a influecircncia do Servo de YHWH de Isaiacuteas sobre Fl 26-11 do que na ediccedilatildeo original da sua obra em 1965 Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p lx Os expoentes dessa linha de interpretaccedilatildeo satildeo J Jeremias e L Cerfaux Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 294-297 e MARTIN R P A Hymn of Christ p 182-183 115 MARTIN R P op cit p 58 116 Ibid p 59-60 117 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 85-86 118 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 86

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eruditos119 Que essa eacute a tendecircncia percebe-se pela lista de eruditos que ele

apresenta favoraacutevel agrave autoria paulina Dos 12 autores mencionados apenas 2 satildeo

anteriores a 1990120 Parece que se estaacute a caminho de um novo consenso Natildeo

obstante mesmo entre os que defendem a autoria paulina o pano de fundo da

cristologia desenvolvida em Fl 26-11 eacute passiacutevel de discussatildeo como seraacute exposto

no item a seguir

34 O pano de fundo de Fl 26-11

Na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 os inteacuterpretes buscaram qual seria o pano

de fundo fundamental para as ideias desenvolvidas no texto A suposiccedilatildeo eacute que a

determinaccedilatildeo desse pano de fundo estabeleceria a rota correta para a interpretaccedilatildeo

da passagem Nesse intuito foram apresentadas seis propostas principais

Kaumlsemann propocircs o pano de fundo do helenismo religioso121 como

evidenciado na literatura Hermeacutetica Segundo ele Fl 26-11 eacute construiacutedo sobre o

mito gnoacutestico do homem divino o redentor celestial mas eacute uma composiccedilatildeo cristatilde

genuiacutena pois faz a releitura do mito e na verdade supera o mito122 A hipoacutetese de

Kaumlsemann natildeo recebeu muitas adesotildees entre outros motivos porque a literatura

Hermeacutetica na qual ela se baseia eacute datada a partir do segundo seacuteculo d C e eacute

discutiacutevel se no periacuteodo preacute-cristatildeo um mito gnoacutestico do redentor estava

completamente desenvolvido Aleacutem disso importantes elementos do referido mito

estatildeo ausentes no texto de Filipenses como o destino preacute-temporal do redentor e

um expliacutecito conflito ativo entre o redentor e os poderes coacutesmicos123

De acordo com Martin entre as propostas que procuram o pano de fundo

fora do proacuteprio cristianismo a hipoacutetese de Kaumlsemann foi a uacutenica tentativa seacuteria de

estudar o hino sem levar em consideraccedilatildeo o Antigo Testamento Todas as outras

119 HELLERMANN J H Vindicating Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p 100 nota 38 120 Idem Aos 12 mencionados por ele pode se acrescentar outros dois BLACK D A The

Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 269-289 e BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 439-472 121 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 87-89 Em sua oacutetica o helenismo religioso diferencia-se tanto do helenismo claacutessico quanto do helenismo popular 122 Ibid p 119 123 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 193-194

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propostas vatildeo buscar no Antigo Testamento ou em algum desdobramento dos seus

temas no judaiacutesmo a explicaccedilatildeo do que estaacute por traacutes de Fl 26- 11 Esse foi o

caminho original proposto por Lohmeyer De acordo com ele o hino eacute proveniente

de um contexto judaico cristatildeo mais especificamente a primitiva comunidade de

Jerusaleacutem que utilizaria o cacircntico nas celebraccedilotildees da eucaristia124 Um passo agrave

frente foi a delimitaccedilatildeo desse pano de fundo no Antigo Testamento OrsquoBrien indica

que Cerfaux e Jeremias foram os primeiros a identificar o pano de fundo da

passagem nos cacircnticos do Servo do Senhor de Isaiacuteas O uacuteltimo autor inclusive

mostra que importantes termos de Fl 26-11 devem ser interpretados a partir da

descriccedilatildeo do Servo Sofredor em Is 53125 Alguns seguiram e aprofundaram essa

perspectiva supondo que o hino original foi composto em aramaico e apresentando

possiacuteveis versotildees do hino em aramaico126 No entanto tal empreitada envolve alto

grau de especulaccedilatildeo inclusive quando a prova da existecircncia de um original

aramaico eacute a proacutepria possibilidade de traduzir para o aramaico127

OrsquoBrien tambeacutem associa a E Schweizer a proposta de levar o pano de fundo

do Servo sofredor para a temaacutetica do justo sofredor do judaiacutesmo Fruto da

martiriologia do periacuteodo macabeu a tese eacute que o justo sofredor eacute humilde e leal a

Deus se preciso ateacute a morte O problema aqui eacute a associaccedilatildeo do justo sofredor com

uma figura preexistente Schweizer tentou resolver o problema especulando uma

associaccedilatildeo entre este tema e o do filho do homem mas posteriormente ele mesmo

abandou essa ideia128

A sabedoria judaica tambeacutem foi postulada como o contexto original para as

ideias de Fl 26-11 Baseada sobretudo no livro da Sabedoria a tese eacute que o servo

justo se torna o instrumento da sabedoria A sabedoria eacute preexistente com Deus e

entra no mundo para habitar o servo justo A primeira objeccedilatildeo levantada aqui eacute que

a sabedoria ocupa principalmente um papel de mediadora da criaccedilatildeo enquanto que

esse natildeo eacute um tema apresentado em Fl 26-11 Outra questatildeo que natildeo encontrou

124 MARTIN R P A Hymn of Christ p 27-28 125 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194 JEREMIAS J Estudos do Novo

Testamento p 176-178 126 As duas principais traduccedilotildees satildeo apresentadas por MARTIN R P op cit p 40-41 e FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians 26-11 p470-483 127 Avaliaccedilatildeo de FEWSTER G The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarship p 193 Segundo ele como o aramaico do 1ordm seacuteculo natildeo eacute bem atestado algumas palavras gregas satildeo traduzidas conforme o aramaico de um periacuteodo posterior Ele tambeacutem afirma que contra o empreendimento estaacute o fato das traduccedilotildees resultantes serem distintas 128 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194-195

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uma explicaccedilatildeo plausiacutevel foi quando e onde aconteceu essa conexatildeo entre a

sabedoria e o justo129

Atualmente o pano de fundo mais discutido (o que natildeo quer dizer mais

adotado) para o hino de Fl 26-11 eacute o que olha para Gn 126-27 e 31-5

estabelecendo o contraste entre o primeiro e o segundo Adatildeo De fato a reflexatildeo eacute

encontrada na teologia paulina (Rm 518-19 e 1Co 1545-47) Eacute possiacutevel identificar

trecircs variaccedilotildees nesse tratamento A primeira acredita que por traacutes de Fl 26-11 estaacute a

especulaccedilatildeo judaica associada a Fiacutelon que vecirc um homem celestial em Gn 1 e um

homem terreno em Gn 3 O autor do hino apresenta um redentor relacionando as

duas figuras a Jesus130 A segunda variaccedilatildeo foi desenvolvida por J D G Dunn Ele

afasta a ideia de um homem celestial e de qualquer ideia de preexistecircncia no hino

Segundo ele Jesus estaacute na mesma posiccedilatildeo de Adatildeo um homem que possui a gloacuteria

divina Soacute que enquanto Adatildeo a perdeu por sucumbir agrave tentaccedilatildeo Jesus por sua

obediecircncia proporciona a sua restauraccedilatildeo na humanidade131 A terceira variaccedilatildeo da

chamada cristologia adacircmica eacute a proposta por N T Wright Aqui se visualiza uma

estreita conexatildeo entre Adatildeo Israel e Cristo A intenccedilatildeo de Deus para humanidade

estava perfeitamente apresentada em Adatildeo A desobediecircncia deste desfigurou esse

relacionamento poreacutem natildeo o destruiu Como parte do plano de restauraccedilatildeo desse

relacionamento Deus constitui Israel para levar suas intenccedilotildees para a humanidade

O projeto de Deus para Israel se cumpre em Jesus o Messias Nessa exegese

Wright entende que Filipenses natildeo estabelece um riacutegido paralelo entre Adatildeo e

Cristo e assim ao contraacuterio de Dunn Wright defende a ideia da preexistecircncia de

Cristo132

129 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 195-196 Ele mostra que a conexatildeo de Fl 26-11 com a sabedoria judaica foi formulada por D Georgi 130 Esta primeira alternativa remonta a J Heacutering e a O Cullmann Cf OrsquoBRIEN P T The Epistle

to the Philippians p 196 131 DUNN J D G Christology in the Making p 114-121 Para uma avaliaccedilatildeo da posiccedilatildeo de Dunn quanto a esta passagem cf OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 Dunn cita com aprovaccedilatildeo a proposta veiculada por Murphy-OrsquoConnor A opiniatildeo deste estudioso quanto a este tema pode ser resumida no seguinte periacuteodo ldquoEle era o que Adatildeo deveria ter sido o modelo inspirador do que Deus pretendia que o ser humano fosse A pureza de Cristo dava-lhe o direito de ser tratado como se fosse um deus isto eacute gozar da incorruptibilidade em que Adatildeo foi criado Entretanto ele natildeo usou esse direito em proveito proacuteprio Pelo contraacuterio entregou-se agraves consequecircncias de um modo de existecircncia inaugurado pelo Adatildeo caiacutedordquo (grifos acrescentados) MURPHY-OrsquoCONNOR J Paulo ndash Biografia criacutetica p 234 132 WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 56-98 FOWL S E Philippians p 114-115

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Resta ainda a possibilidade de encontrar o pano de fundo do hino no proacuteprio

cristianismo primitivo Haacute duas variaccedilotildees aqui Hawthorne acredita que o hino seja

o resultado da profunda meditaccedilatildeo que Paulo ou algum outro cristatildeo fez do gesto

de Jesus lavar os peacutes dos disciacutepulos e dos significados deste ato133 Para Hurtado a

primeira parte do hino ou seja 26-8 reflete a linguagem da parecircnese do

cristianismo primitivo ou mesmo de tradiccedilotildees do Jesus terreno que circulavam no

periacuteodo paulino134

Eacute provaacutevel que nunca se alcance um consenso quanto a essa questatildeo ateacute

porque a complexidade e profundidade da passagem insinua conexotildees com vaacuterios

contextos e cada qual traz um pouco de luz agrave exegese de Fl 26-11 Talvez seja

importante refletir na pergunta formulada por OrsquoBrien ldquoNatildeo poderia ser [Fl 26-

11] uma simples composiccedilatildeo cristatilde na qual o autor tirou certos conceitos de

diferentes contextos ndash talvez os combinando ou encontrando-os jaacute combinados ndash

para explicar o evento Cristordquo135

35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica)

Questatildeo tambeacutem muito importante para a interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 eacute o seu

papel no fluxo da argumentaccedilatildeo paulina em Filipenses Geralmente a pergunta eacute

formulada a partir da compreensatildeo de gecircnero e autoria Por que Paulo inseriu este

hino cristoloacutegico nesta carta e exatamente nesse contexto literaacuterio Ou Por que

Paulo compocircs este hino e o citou como parte de sua carta aos Filipenses Ou ainda

Qual papel 26-11 desempenha no argumento que o apoacutestolo desenvolve na carta

aos Filipenses A despeito da formulaccedilatildeo ainda natildeo foi encontrada uma resposta

consensual entre os estudiosos

Logo de iniacutecio o que entra em consideraccedilatildeo eacute a relaccedilatildeo entre 26-11 e o

contexto anterior A seccedilatildeo inteira de 127-218 na qual Paulo trabalha a parecircnese

133 HAWTHORNE G F Philippians p 78 e 87 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 134 Um dos problemas da exegese de Hurtado eacute justamente privilegiar a primeira parte do hino em detrimento da segunda cf 135 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196

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estaacute dividia em subseccedilotildees 127-30 21-4136 26-11 e 212-18 Eacute paciacutefico que 21-

4 eacute um trecho no qual Paulo exorta a igreja agrave unidade mediante uma atitude de

humildade

Εἴ τις οὖν παράκλησις ἐν Χριστῷ εἴ τι παραμύθιον ἀγάπης εἴ τις κοινωνία πνεύματος εἴ τις σπλάγχνα καὶ οἰκτιρμοί πληρώσατέ μου τὴν χαρὰν ἵνα τὸ αὐτὸ φρονῆτε τὴν αὐτὴν ἀγάπην ἔχοντες σύμψυχοι τὸ ἓν φρονοῦντες μηδὲν κατ᾽ ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ ἀλλήλους ἡγούμενοι ὑπερέχοντας ἑαυτῶν μὴ τὰ ἑαυτῶν ἕκαστος σκοποῦντες ἀλλὰ [καὶ] τὰ ἑτέρων ἕκαστοι (Fl 21-4)

A passagem toda eacute controlada pelo imperativo πληρώσατέ do versiacuteculo 22

e possui algumas conexotildees vocabulares e conceituais com Fl 26-11 como entre

ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἐταπείνωσεν (vs8) e entre as formulaccedilotildees μηδὲν κατ᾽

ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἀλλὰ ἑαυτὸν

ἐκένωσεν (vs7) O grande impasse estaacute na traduccedilatildeo de 25 que vincula todo o

conjunto 21-4 e 26-11 Em grego o versiacuteculo estaacute assim Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν

ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ137 Na verdade satildeo duas oraccedilotildees

Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν

ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ

A traduccedilatildeo desse versiacuteculo requer a resoluccedilatildeo de vaacuterias questotildees Em 25a

a primeira questatildeo eacute o referente do pronome demonstrativo Τοῦτο que eacute melhor

entendido como referindo-se ao argumento precedente e natildeo ao que vem a

136 O versiacuteculo 5 eacute considerado um versiacuteculo ponte tanto ele conclui o trecho de 21-4 quanto introduz 26-11 137 Existem dois problemas de criacutetica textual nesse versiacuteculo Alguns manuscritos inserem a conjunccedilatildeo γὰρ apoacutes o pronome demonstrativo Τοῦτο e outros substituem a forma verbal φρονεῖτε por froneisqw No entanto a evidecircncia manuscrita eacute contra a inserccedilatildeo das duas variantes e o texto eacute inteligiacutevel como estaacute A inclusatildeo de γὰρ eacute rapidamente discutida e desconsiderada por OMANSON R As Variantes Textuais do Novo Testamento p 413-414 FOWL S E Philippians p 89 observa que com a colocaccedilatildeo da conjunccedilatildeo o verbo deveria ser lido como indicativo (a forma eacute a mesma para o imperativo e o indicativo) dando a entender que os Filipenses jaacute estavam tendo o tipo de fronhsij desejado por Paulo Isto poreacutem contraria a argumentaccedilatildeo de 21-4 Contra agrave inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 264 apresenta trecircs argumentos o texto assindeacutetico tem melhor apoio textual a variante atesta o desejo dos escribas de se desfazerem do assiacutendeto e natildeo haacute nenhuma razatildeo plausiacutevel para se omitir a conjunccedilatildeo se ela fosse original Quanto agrave substituiccedilatildeo da forma verbal HAWTHORNE G F Philippians p 104-105 argumenta em favor do paralelismo das duas oraccedilotildees e opta pela forma verbal froneisqw isto eacute da 2ordf pessoa do plural para 3ordf pessoa do singular No entanto FEE G D op cit p264 mostra que Hawthorne cai no mesmo erro dos escribas usar uma variante inferior para tornar Paulo um escritor mais ordenado e legiacutevel

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seguir138 Paulo estaacute referindo-se a tudo o que exortou agrave igreja em 21-4 Outra

questatildeo menor eacute reconhecer que o sintagma ἐν ὑμῖν diz respeito ao que deve ter

lugar na comunidade cristatilde com acento eclesiaacutestico sugerindo a traduccedilatildeo ldquoentre

voacutesrdquo ao inveacutes de ldquoem voacutesrdquo que privilegiaria o aspecto da conduta individual139

Tambeacutem eacute necessaacuterio lidar em 25a com a traduccedilatildeo do verbo φρονέω Este eacute um

verbo importante na literatura paulina particularmente na carta aos Filipenses140

Seu sentido baacutesico eacute ldquopensarrdquo141 mas em Paulo seu significado eacute mais do que

atividade racional envolve decisatildeo vontade eacute a orientaccedilatildeo da vida os alvos que o

ser humano escolhe e o determinam em sua totalidade142 Isso fica evidenciado no

uso do termo em Romanos 85 οἱ γὰρ κατὰ σάρκα ὄντες τὰ τῆς σαρκὸς φρονοῦσιν

οἱ δὲ κατὰ πνεῦμα τὰ τοῦ πνεύματος Uma vida κατὰ σάρκα tem um φρονέω

determinado pela σάρξ Uma vida κατὰ πνεῦμα tem o seu φρονέω condicionado

pelo πνεῦμα A fim de se escolher uma forma verbal que corresponda na traduccedilatildeo

agrave todas essas nuances do verbo grego propotildee-se o verbo ldquoviverrdquo143 ficando 25a

traduzido como ldquoIsto vivei entre voacutesrdquo

A segunda oraccedilatildeo eacute ainda mais difiacutecil pois falta um verbo em 25b As

propostas de resoluccedilatildeo resultam em duas principais opccedilotildees de traduccedilotildees Uma supre

a lacuna com o verbo ἦν A ideia subjacente a essa opccedilatildeo eacute que a recomendaccedilatildeo de

Paulo agrave igreja estaria presente na vida e ministeacuterio de Jesus conforme seraacute

apresentado em 26-11 Jesus seria o exemplo maacuteximo do φρονέω que o cristatildeo

deve ter Esta interpretaccedilatildeo tambeacutem compreende a expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ

138 Assim FOWL S E Philippians p 90 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 266 Outra forma de entender eacute ver todo o versiacuteculo 25 como foacutermula de citaccedilatildeo considerando-se 26-11 material preacute-paulino Assim KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 116-117 139 Reconhecido por FEE G D op cit p 266-267 Ironicamente este argumento vai trabalhar contra a interpretaccedilatildeo eacutetica adotada pelo autor conforme a discussatildeo abaixo 140 Segundo PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 o termo ocorre 26 vezes no Novo Testamento sendo 22 nas cartas paulinas incontestaacuteveis das quais 10 ocorrecircncias apenas na carta aos Filipenses Em segundo lugar estaacute Romanos com 9 141 BAGD p 886 142 PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 GOETZMANN J Mente In DITNT p 1270-175 Este uacuteltimo afirma ldquoO pensar e o empenho do homem natildeo podem ser encarados em isolamento da orientaccedilatildeo global da sua vida esta uacuteltima seraacute refletida nos alvos que ele estabelece para sirdquo 143 O esforccedilo para corresponder a tudo o que o verbo significa aparece na traduccedilatildeo de FOWL S E Philippians p 88 ldquoSeja esse o seu padratildeo de pensamento accedilatildeo e sentimentohelliprdquo Uma alternativa em uma uacutenica palavra seria ldquoatituderdquo como fazem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los

Filipenses p 264 e BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 121 A dificuldade eacute que isso requer a inserccedilatildeo de termos auxiliares (Fee ldquoVossa atitude deveria serrdquo Bockmuehl ldquoEsta eacute a atitude que vocecircs devem ter entre vocecircsrdquo grifos acrescentados) aleacutem do incocircmodo de se traduzir um verbo por um substantivo

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literalmente isto eacute Paulo estaacute se referindo a algo (o φρονέω) que esteve presente

no comportamento na atitude na vida da pessoa qualificada como Cristo Jesus

Outra opccedilatildeo eacute suprir a lacuna verbal de 25b a partir da forma verbal de 25a

Aqui existem variantes De um lado estaria a hipoacutetese de φρονέω em uma forma

passada Quando essa escolha verbal eacute combinada com a interpretaccedilatildeo literal da

expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ mencionada acima o resultado eacute uma traduccedilatildeo do tipo

o que tambeacutem pensou agiu viveu Jesus Cristo144 Do outro lado estaacute a hipoacutetese do

φρονέω em uma forma presente combinada com uma interpretaccedilatildeo natildeo literal da

expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ Na histoacuteria da pesquisa sobre esta expressatildeo postulou-

se primeiramente por A Deissmann que ela se refere a um sentido espacial no qual

o cristatildeo possui a experiecircncia de intimidade com o Cristo ldquoEstar em Cristordquo refere-

se a uma experiecircncia miacutestica145 Essa maneira de entender foi aplicada agrave exegese de

Fl 25 ocasionando a seguinte traduccedilatildeo de 25b ldquocomo vocecircs tecircm em comunhatildeo

com Jesus Cristordquo146 Outro entendimento foi apresentado por K Barth que

enxerga na expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ o espaccedilo da realidade em que estatildeo

inseridos Paulo e seus leitores espaccedilo onde opera a lei da graccedila Eacute o espaccedilo da

comunhatildeo do corpo de Cristo Eacute o espaccedilo da Igreja147 Em outra direccedilatildeo postulou-

se a hipoacutetese da determinaccedilatildeo histoacuterica ldquoEstar em Cristordquo eacute ser determinado pelo

acontecimento histoacuterico da cruz e ressurreiccedilatildeo de Jesus cujos efeitos continuam no

presente148

Com exceccedilatildeo da primeira perspectiva as outras duas sobrevivem na exegese

atual conquanto isso natildeo signifique que alguma noccedilatildeo de comunhatildeo com o Jesus

Cristo vivo esteja excluiacuteda pois apesar da expressatildeo possuir um sentido teacutecnico em

Paulo ela natildeo possui de forma alguma um sentido uacutenico149 O conjunto de

ocorrecircncias mostram que Paulo utiliza a expressatildeo (com suas respectivas variaccedilotildees

ἐν Χριστῷ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ e ἐν κύριος) com duas intenccedilotildees principais para

descrever a accedilatildeo salviacutefica de Deus atraveacutes de Cristo e o espaccedilo de influecircncia que o

144 Como a traduccedilatildeo de HAWTHORNE G F Philippians p 105 ldquoEsta forma de pensamento deve ser adotada por vocecircs que tambeacutem foi a forma de pensamento adotada por Jesusrdquo grifos acrescentados 145 GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 102 146 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p 70 essa interpretaccedilatildeo ldquomiacutesticardquo de 25b foi realizada por Michaelis e C H Dodd 147 BARTH K Epistle to the Philippians p 60 148 GNILKA J op cit p 103 149 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453

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cristatildeo vive em decorrecircncia da salvaccedilatildeo trazida por Jesus150 Haacute portanto uma

combinaccedilatildeo de perspectivas na expressatildeo ἐν Χριστῷ soterioloacutegica pois ela

concentra afirmaccedilotildees da realizaccedilatildeo dos planos de Deus em Jesus151 eclesioloacutegica

porque ela serve para descrever a comunhatildeo iniciada no batismo entre os crentes

uns com os outros e com Jesus exaltado (estar em Cristo eacute estar no Corpo de Cristo

que equivale a estar na Igreja)152 escatoloacutegica visto que o espaccedilo salviacutefico ἐν

Χριστῷ eacute resultado da intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria fazendo irromper o novo

eacuteon o tempo escatoloacutegico e permitindo agravequeles que participam desse espaccedilo

experimentar de antematildeo as primiacutecias da nova criaccedilatildeo153 e finalmente uma

perspectiva existencial dado que ἐν Χριστῷ natildeo designa um lugar mas estar sob

uma influecircncia uma orientaccedilatildeo de vida contraacuteria ao antigo e ainda presente eacuteon

caracterizada pela direccedilatildeo do Espiacuterito Santo154 A combinaccedilatildeo dessas perspectivas

pode ser resumida nas seguintes palavras

Em seu sentido baacutesico ἐν Χριστῷ deve ser entendido de modo local-existencial por meio do batismo os crentes entram no espaccedilo do Cristo pneumaacutetico e constitui-se a nova existecircncia na doaccedilatildeo do espiacuterito como sinal da salvaccedilatildeo que comeccedila de modo real no tempo presente e se realiza plenamente no futuro O ser humano eacute arrancado da sua autolocalizaccedilatildeo e encontra a si mesmo seu self na relaccedilatildeo com Cristo155

Quando se aplica todo esse entendimento da expressatildeo ἐν Χριστῷ agrave exegese

de 25 a relaccedilatildeo entre 25 e 26-11 ganha contornos bem especiacuteficos Foi E

Kaumlsemann quem primeiro notou a importacircncia desta expressatildeo para a compreensatildeo

da passagem e sobretudo foi ele quem primeiro tirou dela todas as consequecircncias

exegeacuteticas para o conjunto 25 e 26-11 Em um celebrado artigo publicado em 1950

ele estudou o texto de Fl 26-11 dialogando com os mais importantes autores que o

precederam nessa pesquisa E Lohmeyer M Dibelius K Barth W Michaelis K

150 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 456 151 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 ldquoa foacutermula teacutecnica lsquoEm Cristorsquo remete sem duacutevida de nenhuma classe ao acontecimento da salvaccedilatildeo tem um caraacuteter soterioloacutegicordquo 152 MARTIN R P Hymn of Christ p 71 Segundo ele essa percepccedilatildeo remonta a R Bultmann Da mesma forma GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 105 153 Notado por RIDDERBOS H Teologia do Apoacutestolo Paulo p 62 na comparaccedilatildeo com a expressatildeo ldquoem Adatildeordquo Da mesma forma GNILKA J op cit p 106 afirma que ldquoEm Cristo ndash No Senhor Eacute o espaccedilo da salvaccedilatildeo escatoloacutegica a fronteira entre o mundo antigo e o novordquo 154 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453 que nota que o ldquoestar em Cristordquo leva ao ldquoestar no Espiacuteritordquo 155 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 618

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Staab e A Erhardt156 A grande pergunta que o seu artigo quer responder eacute a respeito

do papel que o hino de 26-11 desempenha na parecircnese paulina em Filipenses

Nessa direccedilatildeo ele vai criticar o que ele chamou de interpretaccedilatildeo eacutetica Essa

interpretaccedilatildeo que retrocede ao trabalho primordial de Lohmeyer em 1928 e persiste

ateacute os dias de hoje entende que 26-11 eacute onde Paulo apresenta aos Filipenses o

exemplo maacuteximo de todas as virtudes que ele recomenda agrave igreja Esta

interpretaccedilatildeo eacute justificada pelas traduccedilotildees de 25b mencionadas acima que suprem

a lacuna verbal da oraccedilatildeo pela inclusatildeo de ἦν ou de alguma forma passada do verbo

φρονέω Os argumentos apresentados em favor da interpretaccedilatildeo eacutetica satildeo de fato

Paulo utiliza a vida de Jesus para tirar consequecircncias para o comportamento cristatildeo

Eacute o que ele faz em Rm 152-3 e 2Co 89 e o argumento encaixaria bem no contexto

pareneacutetico de 21-4157 Em contrapartida o apoacutestolo natildeo esperaria que seus leitores

tivessem uma imitaccedilatildeo ldquoisomoacuterficardquo de Cristo Nenhum ser humano pode realmente

imitar o que estaacute descrito em Fl 26-11 a natildeo ser de forma anaacuteloga sobretudo no

que tange agrave renuacutencia para servir os outros158 Tambeacutem eacute possiacutevel construir uma

analogia entre a exaltaccedilatildeo de Jesus descrita em 29-11 com a esperanccedila cristatilde de

ετασχηματίσει τὸ σῶμα τῆς ταπεινώσεως ἡμῶν σύμμορφον τῷ σώματι τῆς δόξης

αὐτου apresentada em 321159 Por fim mas natildeo menos importante esta

interpretaccedilatildeo parece ser preferida por alguns estudiosos por natildeo ter necessidade de

supor um estaacutegio preacute-paulino para Fl 26-11 um tempo no qual o texto faria parte

do culto cristatildeo primitivo onde se cantava a salvaccedilatildeo trazida Deus em Jesus160

Acredita-se que a chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo de 26-11 repousa apenas no

contexto literaacuterio da carta161

Natildeo obstante apesar de cada um destes argumentos serem verdadeiros

quando totalizados e colocados na balanccedila ao lado da posiccedilatildeo contraacuteria o peso eacute

156 Escrevendo em 1998 Martin afirma que os dois marcos na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 satildeo a obra de Lohmeyer de 1928 e o artigo de Kaumlsemann de 1950 MARTIN R P Carmen Christi Revisited p 1 157 Reconhecido entre outros por BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 158 FOWL S E Philippians p 106-107 159 Ibid p 107 160 Criacutetica de BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 161 A interpretaccedilatildeo eacutetica da passagem eacute mantida entre outros por Lohmeyer Cerfaux Hurtado Susan Eastman Bockmuehl Fee Hawthorne Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 292 BOCKMUEHL M op cit p 122-123 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 37-39 FEE G D Comentario

de la Epiacutestola a los Filipenses p 262-263 HAWTHORNE G Philippians p 104-105 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 198-200

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muito maior em favor da outra interpretaccedilatildeo chamada ldquointerpretaccedilatildeo kerygmaacuteticardquo

ou ldquointerpretaccedilatildeo soterioloacutegicardquo postulada inicialmente em 1950 por E Kaumlsemann

e que tem em Ralph Martin o seu maior defensor contemporacircneo Satildeo vaacuterios os

pilares dessa interpretaccedilatildeo Antes de tudo a ecircnfase da conexatildeo entre 25 e 26-11 eacute

colocada na expressatildeo ἐν Χριστῷ acentuando toda a forccedila teoloacutegica que a

expressatildeo tem no corpus paulino como exposto acima Desse modo o que Paulo

estaacute afirmando em 25 eacute que os cristatildeos devem praticar as virtudes e

comportamentos indicados em 21-4 como conveacutem agravequeles que fazem parte do

Corpo de Cristo e estatildeo debaixo do senhorio dele De fato a interpretaccedilatildeo

soterioloacutegica acentua mais do que a interpretaccedilatildeo eacutetica o valor exegeacutetico da

expressatildeo ἐν Χριστῷ E esta maneira de entender o texto natildeo deixa de fazer justiccedila

ao contexto pareneacutetico de 21-4 e mais ainda de 127-218 Pois na perspectiva de

Paulo ele estaacute exortando a igreja a comunidade de batizados portanto pessoas que

fazem parte do corpo de Cristo que experimentaram o dom escatoloacutegico do Espiacuterito

Santo que se submeteram a Jesus como κύριος rejeitando todos os outros O que

o apoacutestolo estaacute dizendo eacute que os cristatildeos de Filipos devem viver em conformidade

com este espaccedilo espiritual escatoloacutegico cristoloacutegico onde foram inseridos como eacute

adequado aos que fazem parte da Igreja A diferenccedila eacute que a parecircnese estaacute mais

para a obediecircncia a Jesus do que para imitaccedilatildeo a Jesus como se constata pelo

contexto imediato posterior o versiacuteculo 212 Ωστε ἀγαπητοί μου καθὼς πάντοτε

ὑπηκούσατε μὴ ὡς ἐν τῇ παρουσίᾳ μου μόνον ἀλλὰ νῦν πολλῷ μᾶλλον ἐν τῇ

ἀπουσίᾳ μου μετὰ φόβου καὶ τρόμου τὴν ἑαυτῶν σωτηρίαν κατεργάζεσθεmiddot Natildeo

obstante natildeo se estaacute negando absolutamente que Cristo seja um modelo para os

cristatildeos162 mas que o papel de Fl 26-11 na epiacutestola natildeo eacute apresentar um modelo

eacutetico e sim descrever o acontecimento escatoloacutegico da salvaccedilatildeo ou melhor dizendo

apresentar uma eacutetica fundamentada na soteriologia163

162 Nas palavras de Barth ldquoCom isto sua conduta [a de Jesus descrita em 26-11] eacute a razatildeo para depois ser tambeacutem a norma e o criteacuterio para o cristatildeordquo BARTH G A carta aos Filipenses p 44 Um pouco mais hesitante afirma BYRNE B A Carta aos Filipenses In NCBSJ p 449 ldquoEmbora um aspecto de imitaccedilatildeo eacutetica natildeo seja necessariamente excluiacutedo Paulo mais provavelmente cita o hino para exortar os Filipenses a viver a atitude altruiacutesta (phronein) que deveria brotar de dentro deles por estarem lsquoem Cristorsquordquo 163 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 472 tenta oferecer uma soluccedilatildeo intermediaacuteria atraveacutes das categorias ldquoimagem primordialrdquo e ldquoimagem modelarrdquo Ele afirma ldquoComo imagem

primordial Jesus Cristo possibilita a nova existecircncia dos cristatildeos como imagem modelar ele os marca por sua proacutepria condutardquo (grifos dele) Faltou poreacutem um detalhamento maior de como isso funciona na interpretaccedilatildeo do hino e na relaccedilatildeo dele com o contexto

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Outra criacutetica levantada por Kaumlsemann contra a interpretaccedilatildeo eacutetica eacute que ela

tende a valorizar mais a primeira parte do hino isto eacute os versiacuteculos 6-8 de modo

que os versiacuteculos 9-11 natildeo seriam mais que um excurso ldquonecessaacuterios para nadardquo164

Isso porque se o objetivo do hino eacute apenas apresentar o exemplo de Jesus somente

nos versiacuteculos 6-8 trata-se da atitude de Jesus165 pois em 9-11 haacute uma mudanccedila de

sujeito Soacute que a segunda parte da passagem natildeo eacute um apecircndice um suplemento agrave

primeira ela eacute parte integrante e necessaacuteria166 Na verdade o hino eacute um todo tendo

o seu cliacutemax em 9-11 por conta do seu caraacuteter escatoloacutegico e narrativo como se

veraacute a seguir167

Nesta perspectiva Fl 26-11 descreve um evento na verdade o evento

escatoloacutegico por excelecircncia que tem efeitos sobre todo o universo ldquoEacute o ato de

salvaccedilatildeo o que se celebra se apresenta aqui o acontecimento da salvaccedilatildeo em todas

as suas caracteriacutesticasrdquo168 O hino eacute marcado pela visatildeo escatoloacutegica do cristianismo

primitivo que em relaccedilatildeo agrave apocaliacuteptica judaica distingue-se pela afirmaccedilatildeo do

caraacuteter presente da salvaccedilatildeo A era da salvaccedilatildeo jaacute chegou Deus jaacute exaltou Jesus

Ele jaacute eacute o κύριος que deve ser reverenciado e confessado Em relaccedilatildeo ao helenismo

religioso o texto distingue-se pela afirmaccedilatildeo de que esse κύριος realmente se fez

homem e foi morto na cruz169 Por sinal esta eacute a relaccedilatildeo entre 9-11 e 6-8 porque a

exaltaccedilatildeo sem a encarnaccedilatildeo e a cruz resultaria em uma ldquoteologia da gloacuteriardquo sem

164 Observaccedilatildeo extrema de Kaumlsemann contra a intepretaccedilatildeo eacutetica sobretudo no formato que ela apareceu nos livros de E Lohmeyer e M Dibelius KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 80 165 KREITZER L ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 ldquoEacute difiacutecil incorporar a estrofe final do hino cristoloacutegico dentro de uma interpretaccedilatildeo da passagem que foca somente o exemplo eacutetico de Jesusrdquo 166 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 Segundo MARTIN R P Filipenses p 106 as interpretaccedilotildees que divergem de Kaumlsemann entendem os versiacuteculos 9-11 como digressatildeo dada a dificuldade de se aplicar ao tema da imitaccedilatildeo de Cristo 167 Isso natildeo significa que inexistam diferenccedilas entre as duas seccedilotildees do hino Entre outras aleacutem da mudanccedila de sujeito do Filho para o Pai enquanto a primeira parte descreve a ldquodescidardquo do Filho a segunda parte descreve a sua ldquosubidardquo Cf MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 86 O que se estaacute propondo poreacutem eacute que a relaccedilatildeo entre essas partes natildeo eacute linear e sim progressiva de forma que 29-11 eacute a continuidade e o cliacutemax de 26-8 168 KAumlSEMANN E op cit p 94 169 KAumlSEMANN E op cit p 118-119 Na paacutegina 111 referindo-se agrave exaltaccedilatildeo de Jesus em 29-11 ele afirma ldquoAinda que natildeo se pense aqui em um ato no final dos tempos o acontecimento descrito eacute sem duacutevida escatoloacutegico enquanto tal da mesma maneira que a encarnaccedilatildeo a cruz [tratadas em 6-8] e a ressurreiccedilatildeo que satildeo consideradas sempre no Novo Testamento como acontecimentos escatoloacutegicos Segundo a concepccedilatildeo neotestamentaacuteria o tempo do fim comeccedila precisamente no que se realiza com Cristo e em Cristordquo Segundo KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 a desconsideraccedilatildeo do contexto escatoloacutegico eacute a grande negligecircncia na intepretaccedilatildeo de Fl 26-11 especialmente responsaacutevel pela omissatildeo do papel dos versiacuteculos 29-11

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uma ldquoteologia da cruzrdquo O que foi exaltado eacute aquele se encarnou se humilhou e foi

obediente ateacute a morte170

Nesse sentido a questatildeo por traacutes do hino natildeo eacute responder agrave questatildeo

dogmaacutetica sobre o relacionamento entre o Pai e o Filho171 ou sobre as duas

naturezas nem oferecer um padratildeo comportamental O seu objetivo eacute narrar o

evento histoacuterico da salvaccedilatildeo em um colorido escatoloacutegico culminando no atual

senhorio de Cristo sobre todo o universo Em favor desta interpretaccedilatildeo estaacute a

observaccedilatildeo de Martin e Nash que considerando Fl 26-11 um hino segundo os

criteacuterios da retoacuterica helenista afirmam que nessa perspectiva o hino

necessariamente apresenta uma sequecircncia cronoloacutegica172 Com efeito isso quer

dizer que o texto natildeo eacute uma peccedila dogmaacutetica mas uma narrativa apresentando uma

sucessatildeo de fases um iniacutecio um meio e um cliacutemax um auge Esse auge estaacute

justamente no que acontece apoacutes a morte de Cruz que representa o status presente

daquele cuja histoacuteria eacute narrada Falando sobre Fl 26-11 Becker comenta

Para reconhecer isso eacute preciso ter claro que Cristo sempre eacute descrito mediante uma histoacuteria Ela eacute o evento soterioloacutegico para todos os crentes Ela faz de Cristo a figura escatoloacutegica central da salvaccedilatildeo O seu destino como um todo aconteceu lsquopor noacutesrsquo Exatamente isso natildeo sua humildade subjetiva eacute o que se descreve com as afirmaccedilotildees sobre o sentido fundamental e objetivo desse evento e desse salvador Natildeo eacute por meio da imitaccedilatildeo que os cristatildeos estabelecem uma relaccedilatildeo com o modelo Cristo Sua relaccedilatildeo como Cristo natildeo se baseia na accedilatildeo imitativa mas sim em uma realidade viver no novo estado de salvaccedilatildeo173

E esse ldquonovo estado de salvaccedilatildeordquo essa realidade presente eacute descrita na

seccedilatildeo de 9-11 que deve ser considerado o apogeu da narrativa hiniacuteca174 pois o

cliacutemax no senhorio de Jesus faz de forma efetiva a conexatildeo com o contexto

pareneacutetico da carta Porque os cristatildeos estatildeo ldquoem Cristordquo eles estatildeo debaixo do

senhorio de Jesus Porque Jesus eacute o Senhor eles devem obedececirc-lo (versiacuteculo

212)175 Porque eles satildeo participantes desse evento escatoloacutegico e soterioloacutegico

devem viver correspondendo a essa nova existecircncia Diga-se aliaacutes que essa

maneira de entender Fl 26-11 daacute agrave passagem a condiccedilatildeo de coraccedilatildeo teoloacutegico da

170 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119 171 KAumlSEMANN E op cit p 94 ldquoNatildeo eacute uma relaccedilatildeo o que se descreve aqui e sim um acontecimento um dramardquo No mesmo local ele informa que tal reconhecimento ele tirou de K Barth 172 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 135 173 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 450-451 174 MARTIN R P A Hymn of Christ p xv xviii utiliza o termo alematildeo mitte 175 Ibid p xvi

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epiacutestola sem a qual faltaria na carta uma seccedilatildeo de exposiccedilatildeo teoloacutegica em torno da

qual gravitariam as seccedilotildees de exortaccedilotildees repreensatildeo aos adversaacuterios gratidatildeo e

apresentaccedilatildeo da situaccedilatildeo e planos do apoacutestolo

Outro dado em favor de 9-11 como cliacutemax do hino eacute a presenccedila da foacutermula

ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo A expressatildeo eacute reconhecida como a ldquoconfissatildeo de feacute por

excelecircncia que estaacute na origem de todas as demais e a todas abarcardquo176 O texto tanto

mostra quem eacute esse Senhor a ser confessado (eacute o que se tornou homem se

humilhou morreu na cruz foi exaltado por Deus e recebeu dele o nome sobre

todos) quanto em uma suposta utilizaccedilatildeo lituacutergica como hino antes da inserccedilatildeo na

carta desafiava os ouvintes a reverenciar e confessaacute-lo como Senhor No contexto

literaacuterio em que estaacute reforccedila a ideia de que estar ldquoem Cristordquo eacute simultaneamente

estar debaixo do senhorio de Jesus

Por outro lado considerar Fl 29-11 o cliacutemax do hino natildeo significa desprezar

26-8 para a interpretaccedilatildeo da passagem como um todo Na verdade natildeo se entende

29-11 sem 26-8 porque ambas as seccedilotildees fazem parte de uma uacutenica trama

narrativa literariamente formatada como um hino em duas partes e teologicamente

descrevendo o evento histoacuterico-salviacutefico fundamental O que se estaacute afirmando eacute

que o auge dessa trama estaacute em 29-11 e que essa maneira de entender o conjunto

de Fl 26-11 e o seu papel no contexto da carta aos Filipenses eacute mais bem explicado

pela chamada interpretaccedilatildeo soterioloacutegica

Por tudo isso a interpretaccedilatildeo soterioloacutegica proposta por Kaumlsemann deve ser

preferida e adotada nesta dissertaccedilatildeo177 por apresentar uma argumentaccedilatildeo coerente

para o hino como um todo fazendo jus agraves suas duas partes explicar de maneira

adequada a relaccedilatildeo do hino com o versiacuteculo 25 sobretudo a forccedila da expressatildeo ἐν

Χριστῷ e natildeo desconsiderar o contexto pareneacutetico da epiacutestola mas tirar a questatildeo

eacutetica do vieacutes da imitaccedilatildeo (como proposto pela chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo) para

o contexto da participaccedilatildeo ἐν Χριστῷ e da submissatildeo ao senhorio de Jesus

E dada a importacircncia do versiacuteculo 25 para a compreensatildeo de 26-11 diante

do que foi exposto acima e somando-se ao paralelismo existente entre as

176 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 284 embora aqui a foacutermula esteja em uma versatildeo aumentada Natildeo apenas ldquoJesus eacute Senhorrdquo mas ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 177 Esta interpretaccedilatildeo eacute adotada entre outros por MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 MARTIN R P Filipenses p 104-107 BARTH G A carta aos Filipenses p 43-45 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 449-451 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 111-118 Uma posiccedilatildeo intermediaacuteria eacute defendida por FOWL S E Philippians p 1006-108

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expressotildees ἐν ὑμῖν e ἐν Χριστῷ e de que o normal no grego em frases eliacutepticas

como 25b eacute suprir o verbo a partir da primeira proposiccedilatildeo178 a seguinte traduccedilatildeo

poderia ser sugerida para o versiacuteculo 25 ldquoVivam isto entre vocecircs como conveacutem

viver em Cristo Jesusrdquo que parafraseado seria ldquoVivam tudo isto que mencionei

acima entre vocecircs como conveacutem a todos que fazem parte do corpo de Cristo e estatildeo

debaixo do senhorio delerdquo

178 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 267

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4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o seu novo nome

41 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

A seccedilatildeo que se inicia em 29 vincula-se agrave anterior pelo tema O assunto de

26-8 eacute o mesmo de 29-11 Jesus soacute que agora em uma nova perspectiva Antes

encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo Agora exaltaccedilatildeo e senhorio O sujeito tambeacutem muda

mas o epicentro temaacutetico continua o mesmo179 Isso eacute sugerido pela posiccedilatildeo

enfaacutetica do pronome αὐτὸν mostrando que ldquoelerdquo o que se humilhou eacute o mesmo

ldquoelerdquo que seraacute exaltado180 Cristo continua o centro da narrativa181 Quer dizer na

primeira parte Jesus eacute o sujeito das accedilotildees ele natildeo se apegou ao ser igual ao Deus

ele se esvaziou ele assumiu a forma humana e a forma de servo e foi obediente

ateacute a morte Na segunda parte Deus o exalta daacute ele o nome sobre todo nome

diante do nome dele todos os joelhos se dobraratildeo e toda liacutengua confessaraacute que ele

eacute o Senhor A passagem como um todo eacute cristocecircntrica sem contudo abrir matildeo

do monoteiacutesmo182

Pela perspectiva da histoacuteria das formas eacute possiacutevel que toda a seccedilatildeo de 29-

11 esteja emoldurada segundo os antigos cerimoniais de entronizaccedilatildeo orientais

(especialmente egiacutepcios) presentes em alguns textos do Novo Testamento Nestes

rituais a entronizaccedilatildeo do rei divino seguia trecircs partes exaltaccedilatildeo a apresentaccedilatildeo

diante dos deuses e a entronizaccedilatildeo Em Fl 29-11 esta estrutura foi adaptada da

seguinte forma exaltaccedilatildeo (διὸ καὶ ὁ θεὸς ὑπερύψωσε αὐτὸν) proclamaccedilatildeo do

179 MARTIN R P A Hymn of Christ p 230 180 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141 HELLERMAN J H Philippians p 119 tambeacutem observa que o objeto direto αὐτὸν eacute enfaacutetico aqui 181 HELLERMAN J H Philippians p 118 182 Existem no entanto diferenccedilas entre Fl 26-8 e 29-11 Aleacutem do sujeito dos verbos nota-se o contraste na utilizaccedilatildeo dos particiacutepios satildeo cinco na primeira parte e nenhum na segunda Haacute tambeacutem uma mudanccedila no pano de fundo lexical poreacutem as opiniotildees satildeo diversas Enquanto BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los Filipenses

(Phil 26-11) p 447 defende que a terminologia de 26-8 possui colorido semiacutetico e 29-11 um vocabulaacuterio caracteristicamente helenista SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 argumenta exatamente o contraacuterio

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novo nome (καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα) e homenagem ao

entronizado por gestos e confissatildeo (os versiacuteculos 10-11)183

Do ponto de vista da retoacuterica grega como notado no capiacutetulo anterior

Martin e Nash entendem que o segmento διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν faz

parte do toacutepico ldquoEventos Poacutestumosrdquo e todo o restante do versiacuteculo 9 junto com os

versos 10 e 11 estariam incluiacutedos no toacutepico ldquoNomes e Tiacutetulosrdquo Todavia a

expressatildeo τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα funcionaria como uma syncrisis isto eacute um toacutepico

adicional que ampliaria o entendimento de outro toacutepico atraveacutes de comparaccedilatildeo184

Sintaticamente Fl 29-11 constitui uma uacutenica sentenccedila que pode ser

dividida em duas oraccedilotildees διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ

τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα seria o periacuteodo principal porque traz os dois verbos

no indicativo (ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο) e compreende todo o verso 9 Estes dois

verbos estatildeo conectados por um καὶ que pode ser entendido como epexegeacutetico

fazendo a frase toda ser uma hendiacuteadis ou seja os dois verbos natildeo apontam para

acontecimentos independentes mas satildeo dois aspectos de um mesmo evento185 A

exaltaccedilatildeo e o novo nome satildeo simultacircneos Um resultado semelhante eacute alcanccedilado

atraveacutes de uma outra abordagem sintaacutetica isto eacute quando se desmembra o periacuteodo

principal em duas pequenas oraccedilotildees cada qual com um verbo em uma relaccedilatildeo de

paralelismo sinoniacutemico186

O segundo periacuteodo eacute composto por duas oraccedilotildees subordinadas agraves oraccedilotildees

principais do versiacuteculo 9 e coordenadas entre si Este periacuteodo abrange os versos

10 e 11 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς

δόξαν θεοῦ πατρός Ele eacute comandado pela conjunccedilatildeo de propoacutesito ἵνα e traz seus

dois verbos no subjuntivo (κάμψῃ e ἐξομολογήσηται)187 Pode-se dizer que

enquanto o versiacuteculo 9 descreve a exaltaccedilatildeo de Jesus os versos 10 e 11 trazem o

propoacutesito (ou consequecircncia conforme seraacute discutido mais agrave frente) desta

183 MARTIN R P A Hymn of Christ p 242-243 GOPPELT L Teologia do Novo

Testamento p 331 Este uacuteltimo afirma que o mesmo modelo eacute encontrado em 1Tm 36 Hb 13-13 e Ap 56-14 184 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 112-113 185 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 289 Segundo ele na hendiacuteadis o segundo verbo desenvolve ou completa o significado do primeiro A mesma opiniatildeo tem HELLERMAN J H Philippians p 119 186 BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los

Filipenses (Phil 26-11) p 446 187 Entre outros esta perspectiva sintaacutetica eacute apresentada em SILVA Moiseacutes Philippians p 108

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exaltaccedilatildeo Portanto este capiacutetulo tem como objetivo investigar a descriccedilatildeo da

exaltaccedilatildeo no versiacuteculo 9 enquanto que os proacuteximos capiacutetulos se ocuparatildeo do

propoacutesito (ou consequecircncia) da exaltaccedilatildeo de Jesus apresentadas em Fl 210-11

O versiacuteculo 9 eacute iniciado pela expressatildeo διὸ καὶ O primeiro elemento διὸ eacute

uma conjunccedilatildeo inferencial Ela eacute em geral usada para coordenar o que segue com

o que vem antes e sua traduccedilatildeo comum eacute por isso por essa razatildeo O καὶ que vem

associado pode ser entendido como intensificando a conjunccedilatildeo188 indicando que a

inferecircncia eacute auto evidente189 ou que a conclusatildeo a seguir eacute de alguma forma

oacutebvia190 Essa interpretaccedilatildeo resultaria em uma traduccedilatildeo livre do tipo por isso

naturalmente obviamente Silva no entanto questiona esse raciociacutenio

mostrando que a utilizaccedilatildeo de διὸ e a combinaccedilatildeo διὸ καὶ no Novo Testamento

natildeo oferecem suporte para esta maneira de ver pois nem sempre a expressatildeo

combinada indica uma ldquoinferecircncia auto evidenterdquo e ao mesmo tempo a

conjunccedilatildeo sozinha agraves vezes pode de fato apontar nesta direccedilatildeo Ele prefere

sugerir que o papel do καὶ seja intensificar ou realccedilar a conjunccedilatildeo e que o uso

paulino pode estar influenciado pelo texto de Is 5312 na LXX (διὰ τοῦτο)191 Isto

encaminha uma traduccedilatildeo mais simples com apenas um ldquoe por issordquo192

42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus

O texto natildeo deixa duacutevida que o responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus eacute

Deus De fato a seccedilatildeo de 29-11 eacute marcada de forma profunda pelo monoteiacutesmo

Deus exalta Jesus compartilha com ele o seu proacuteprio nome e tudo isso resulta na

gloacuteria de Deus Eacute importante delimitar o que significa o substantivo θεὸς no

contexto da teologia paulina Enquanto judeu o conceito que Paulo tinha acerca

de Deus eacute profundamente marcado pelo Antigo Testamento como aliaacutes eacute o caso

188 FEE G Christology p 395 189 De acordo com BAGD p198 190 Conforme BALZ H SCHNEIDER G διό In DENT v I p 1018 HELLERMAN J H Philippians 118 percebe uma ironia aqui pois do ponto de vista da cultura romana predominante em Filipos a exaltaccedilatildeo de algueacutem qualificado na primeira parte como δοῦλος e que terminou sua vida crucificado seria tudo menos uma coisa oacutebvia 191 Isto foi primeiro afirmado por CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p295 e 304 Cerfaux acredita que por traacutes de Fl 26-11 existe uma grande influecircncia dos cacircnticos de servo em Isaiacuteas 192 SILVA Moiseacutes Philippians p 115

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de todos os autores neotestamentaacuterios embora com matizes diferentes Para o

apoacutestolo o θεὸς que enviou seu Filho ao mundo e agora o exaltou eacute o mesmo Deus

de Israel revelado nas Escrituras hebraicas Poreacutem o encontro com o Cristo

ressuscitado levou o apoacutestolo a inclui-lo na sua feacute monoteiacutesta A heranccedila judaica e

a convicccedilatildeo cristoloacutegica constituem assim o cerne do entendimento paulino de

Deus

Dessa forma o θεὸς para ele eacute o criador do mundo (Rm 12025) que atua

de maneira contiacutenua nele e se importa com ele a ponto de redimi-lo O impacto do

evangelho fez Paulo incluir nessa argumentaccedilatildeo o papel de Cristo na criaccedilatildeo

como mediador e finalidade (respectivamente em 1Co 85-6 e Cl 116)

Igualmente se no Antigo Testamento Israel poderia ser chamado de Filho de

Deus (Os 111) para Paulo Deus eacute o Pai de toda a criaccedilatildeo mas de maneira

particular ele eacute o Pai de Jesus e dos cristatildeos Esse Deus que eacute criador e Pai

tambeacutem reina soberano sobre todo o universo e um dia atuaraacute como juiz de todas

as pessoas (Rm 141012) E nestes temas verifica-se de novo a influecircncia

cristoloacutegica pois Paulo pode falar do reinado exercido por Jesus (1Co 1525 com

efeito a partir da sua exaltaccedilatildeo) e do juiacutezo que vem atraveacutes de Jesus na parusia

(Rm 216 2Co 510) E ainda a visatildeo paulina de Deus eacute caracterizada por uma

seacuterie de atributos compartilhados com a tradiccedilatildeo judaica a saber a gloacuteria (Rm

323 1Co 1031 Ef 117) a sabedoria (1Co 27 130 onde ele identifica Cristo

com a sabedoria de Deus) a santidade (percebida como exortaccedilatildeo em especial por

aqueles que agora satildeo filhos de Deus em Cristo como Rm 17 1Ts 47 1Co 619-

20) justiccedila (Rm 321-22 103 Gl 26) amor e graccedila (Rm 324 55 2Co 1313) e

fidelidade (1Co 19 1013) Para Paulo esse foi o Deus que exaltou Jesus193

Outro ponto importante eacute perguntar como a mudanccedila de sujeito no

contexto do hino seria notada pelos cidadatildeos filipenses Eacute muito provaacutevel que essa

virada na narrativa chamaria a atenccedilatildeo deles por conta da sua sensibilidade soacutecio-

poliacutetica O ponto eacute que no mundo romano da eacutepoca existia uma enorme

valorizaccedilatildeo da cultura da honra e do prestiacutegio puacuteblico ldquoStatus era uma

commoditie puacuteblica no mundo romanordquo194 Nesse sistema cultural quando se era

honrado por algueacutem a honra do homenageado aumentava proporcionalmente agrave

honra que o doador possuiacutea Em consequecircncia o ideal era ser honrado por um

193 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPL p 379-397 194 HELLERMAN J H Philippians p 119

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homem honrado receber prestiacutegio de quem ocupasse a mais alta posiccedilatildeo social195

Essa loacutegica eacute elevada agrave uacuteltima potecircncia em Fl 29 mostrando que Jesus foi

exaltado pelo ser mais honrado e exaltado do universo Deus A autoridade do

doador garante a eficaacutecia da honra recebida

43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω

O verbo ὑπερυψόω pode ser traduzido d forma literal como elevar algueacutem

ao lugar mais alto196O termo eacute um hapax no Novo Testamento e na literatura

cristatilde primitiva foi utilizada uma uacutenica vez na 1ordf carta de Clemente 145 Em

contrapartida o termo foi utilizado 50 vezes na LXX197BAGD indica que Fl 29

parece ecoar Sl 969 LXX ldquoPois tu eacutes Senhor o Altiacutessimo sobre a Terra

grandemente exaltado acima de todos os deusesrdquo198 Haacute dessa forma uma

perspectiva de comparaccedilatildeo a exaltaccedilatildeo de YHWH eacute considerada em relaccedilatildeo aos

deuses (τοὺς θεούς na LXX יםאה no texto hebraico) Interessante observar que

o texto hebraico utiliza a mesma preposiccedilatildeo nas duas partes do versiacuteculo (על)

enquanto a LXX utiliza ἐπὶ na primeira parte quando o termo de comparaccedilatildeo eacute a

Terra e ὑπὲρ na segunda parte quando o contraste eacute com os deuses Eacute esta uacuteltima

preposiccedilatildeo que Fl 29 vai usar Ademais essa relaccedilatildeo com o Salmo contribui para

a compreensatildeo comparativa do verbo ὑπερυψόω no conjunto de Fl 26-11 como

seraacute discutido abaixo

431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular

A ideia de exaltaccedilatildeo desempenhava papel importante nos mitos do Antigo

Oriente Por exemplo no mito babilocircnico Enucircma Elish Marduque foi exaltado na

assembleia dos deuses apoacutes derrotar Tiamate e Kingu o que lhe proporcionou a

195 HELLERMAN J H Philippians p 119 196 BAGD p 842 197 Segundo a contagem de MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v1 p 83-87 198 BAGD p 842 O versiacuteculo corresponde ao Sl 979 da Biacuteblia Hebraica Sl 979 O hebraico traz literalmente ldquoPois tu eacutes YHWH o Altiacutessimo sobre toda a Terra exaltado sobre todos os deusesrdquo

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soberania sobre o mundo Em consequecircncia ele instala na Terra Hamurabi como

seu representante exaltado entre os homens Entre os egiacutepcios existia o mito de

exaltaccedilatildeo do faraoacute Tutmose III realizado pelo deus sol Recirc Atraveacutes da exaltaccedilatildeo o

faraoacute foi coroado e instalado como filho de deus Tambeacutem existiam mitos

babilocircnicos que descreviam a tentativa de seres humanos buscarem a exaltaccedilatildeo

atraveacutes do esforccedilo proacuteprio Contudo o empreendimento terminava mal porque

natildeo contava com o favor dos deuses199

O Antigo Testamento utiliza alguns termos para expressar a ideia de

exaltaccedilatildeo No texto hebraico satildeo גדל גבה רום e א A LXX os traduz pelos נש

verbos ὑψόω e ὑπερυψόω O pensamento israelita eacute que somente Deus tem o

poder de exaltar (e ao mesmo tempo de humilhar) A auto-exaltaccedilatildeo humana eacute

sempre rejeitada Eacute algo que se opotildee a Deus e recebe a sua condenaccedilatildeo (Sl 757

Is 211 e 17) A exaltaccedilatildeo eacute vista de um modo mais positivo quando o homem estaacute

em uma situaccedilatildeo de opressatildeo e busca o socorro divino Ele eacute exaltado quando

Deus muda suas circunstacircncias exaltado a uma realidade melhor (Sl 37 34 8917

e 1129) Em relaccedilatildeo a Deus ele eacute exaltado nos cultos e demais cerimocircnias

religiosas atraveacutes da adoraccedilatildeo do seu povo (Sl 3433) E agrave medida que comeccedila a

surgir uma esperanccedila escatoloacutegica dentro do Antigo Testamento tambeacutem vai se

desenvolvendo uma expectativa de exaltaccedilatildeo do povo de Deus Eacute nesse contexto

que estatildeo inseridos os cacircnticos de servo em Isaiacuteas um dos possiacuteveis panos de

fundo para a narrativa da exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Entre outros L

Cerfaux acredita que todo o hino de Fl 26-11 estaacute sob a influecircncia desta tradiccedilatildeo

especiacutefica Dessa forma laacute eacute prometido que o servo receberaacute na exaltaccedilatildeo as

multidotildees (Is 5312) aqui seu triunfo estende-se ao cosmos Em Isaiacuteas (LXX) a

exaltaccedilatildeo eacute descrita com o verbo ὑψόω em Filipenses com o verbo ὑπερυψόω200

E aleacutem de Is 5213-5312 existe em Fl 29-11 a alusatildeo ao trecho de Is 4521-23

como seraacute avaliado adiante no trabalho

De fato o Novo Testamento interpreta o עבד do Decircutero-Isaiacuteas como uma

figura messiacircnica que tem o seu cumprimento em Jesus (At 826-40) Contudo no

contexto de Isaiacuteas tanto eacute possiacutevel que o termo faccedila referecircncia a um indiviacuteduo

199 Para todo este paraacutegrafo cf MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v 1 p 83-87 200 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 304-306 Para ele a mudanccedila de verbo diz respeito agrave intenccedilatildeo de Paulo de acentuar a exaltaccedilatildeo de Cristo sobre as potestades celestes

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quanto que ele esteja designando o povo de Israel como um todo201 E essas

alternativas natildeo satildeo necessariamente excludentes pois eacute provaacutevel que em algumas

passagens exista uma distinccedilatildeo entre o servo e Israel (Is 491-9 421-7 504-10)

e em outras (Is 5417 566 6317 658-9) uma identificaccedilatildeo entre ambos202 O

judaiacutesmo por sua vez interpretava o עבד como uma referecircncia ao povo de

Israel203 Tudo isso vai ser importante para a exegese proposta por N T Wright

para Fl 26-11 Na visatildeo dele por traacutes dessa passagem estaacute a expectativa da

exaltaccedilatildeo de Israel a uma posiccedilatildeo de proeminecircncia por conta da sua obediecircncia

algo que se cumpriu na exaltaccedilatildeo de Jesus Ele chama esse raciociacutenio de

ldquocristologia israelitardquo204 uma variaccedilatildeo da mais conhecida cristologia adacircmica O

fundamento para essa exegese seriam os ecos intertextuais entre Fl 26-11 e Gn

126-28 Sl 84-7 Dn 714 e acima de tudo Is 4523

Tambeacutem a literatura apocaliacuteptica judaica testemunha essa expectativa

escatoloacutegica sendo a exaltaccedilatildeo parte da esperanccedila humana Haacute tanto uma

perspectiva futura como algo que seraacute consumado no fim dos tempos quanto

espacial com a ideia de ser exaltado aos mais altos ceacuteus (particularmente na

tradiccedilatildeo de Enoque) Seja como for e a despeito de ser possiacutevel uma delimitaccedilatildeo

precisa das influecircncias veterotestamentaacuterias sobre Fl 29-11 eacute certo que esse texto

deve ser lido e interpretado a partir das expectativas israelitas de uma exaltaccedilatildeo

escatoloacutegica que o cristianismo primitivo entendeu estarem cumpridas na

exaltaccedilatildeo de Jesus

201 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 308 202 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 203 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 310 204 Para Wright a cristologia a partir de Adatildeo e a cristologia a partir do servo sofredor de Isaiacuteas natildeo satildeo contraditoacuterias Ambas satildeo cristologias baseadas em Israel Como uacuteltimo Adatildeo Jesus assumiu o papel que Israel deveria ter desempenhado segundo o Antigo Testamento Ainda segundo Wright Paulo natildeo chegou a essa conclusatildeo porque havia na feacute judaica preacute-cristatilde a expectativa da vinda de um Messias escatoloacutegico a partir de Isaiacuteas 53 Pelo contraacuterio foram os eventos da cruz que fizeram ele repensar o cliacutemax do plano salviacutefico de Deus WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 60-61

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432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento

O Novo Testamento articula o tema da exaltaccedilatildeo sobretudo atraveacutes do

verbo ὑψόω utilizado em vinte ocasiotildees Ele eacute aplicado a Jesus em Joatildeo 314

828 123234 At 233 531 Na mensagem de Jesus a exaltaccedilatildeo eacute vista dentro da

temaacutetica do discipulado e com uma dimensatildeo escatoloacutegica Ela eacute geralmente

trabalhada atraveacutes do binocircmio exaltaccedilatildeo-humilhaccedilatildeo A exaltaccedilatildeo passa pelo

caminho da humilhaccedilatildeo e obediecircncia diante de Deus Quem se exalta nesta vida

seraacute humilhando no julgamento final Quem se humilha (para servir a Deus e ao

proacuteximo) seraacute exaltado pelo proacuteprio Deus no juiacutezo final Tiago e 1Pedro vatildeo

exortar os cristatildeos a partir deste paradigma (Tg 410 1Pe 56) Diversos

testemunhos no Novo Testamento apontam para a esperanccedila da exaltaccedilatildeo dos

cristatildeos na parusia e a exaltaccedilatildeo de Jesus vai se tornar o fundamento desta

esperanccedila205

E para tratar da exaltaccedilatildeo de Jesus o Novo Testamento segue o padratildeo

veterotestamentaacuterio e natildeo a situa em termos de mito mas de histoacuteria O exaltado

eacute Jesus de Nazareacute o mesmo que foi levantado em uma cruz Destarte esse

conceito eacute trabalhado de forma diversificada nos escritos neotestamentaacuterios

Tradiccedilotildees primitivas presentes no livro de Atos em 233 e 531 designam a

entronizaccedilatildeo de Jesus como Senhor por meio do verbo ὑψόω206 Na literatura

paulina encontra-se em Fl 29-11 a exaltaccedilatildeo relacionada agrave ideia de senhorio mas

em Rm 14 ela diz respeito a Jesus ser designado Filho de Deus e 1Tm 316 a ele

ser recebido na gloacuteria207 No quarto evangelho o tema da exaltaccedilatildeo seraacute paralelo

ao da glorificaccedilatildeo atraveacutes do verbo δοξάζω (Jo 739 1216 175) Ali Jesus jaacute eacute

o exaltado na sua crucificaccedilatildeo que eacute o cumprimento da sua missatildeo Hebreus natildeo

utiliza o verbo ὑψόω e vai articular a teologia da exaltaccedilatildeo atraveacutes de outras

expressotildees coroado (19) ungido (113 1012 122) assentado agrave direita de Deus

(55) Em resumo como notado por Bruce todas as fontes do Novo Testamento

celebram a exaltaccedilatildeo de Jesus208

205 LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1910-1911 206 Ibid p 1911-1912 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112 a exaltaccedilatildeo de Jesus fazia parte do ldquolsquokerygmarsquo apostoacutelico conservado nos Atos dos Apoacutestolosrdquo 207 MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v I p 83-87 208 BRUCE F F Filipenses p 88

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Quanto agrave origem e disseminaccedilatildeo do conceito da exaltaccedilatildeo de Jesus no

Novo Testamento era corrente afirmar ateacute metade do seacuteculo passado que uma

cristologia da exaltaccedilatildeo isto eacute o reconhecimento de que o Jesus ressuscitado atua

no presente como κύριος podendo ser inclusive invocado e cultuado pela

comunidade foi um fenocircmeno surgido na comunidade cristatilde helenista Essa foi a

tese defendida originalmente por W Bousset na obra Kyrios Christos em 1913

De acordo com ele a comunidade cristatilde primitiva de Jerusaleacutem de fala aramaica

natildeo possuiacutea uma cristologia da exaltaccedilatildeo tese que foi aprovada e assumida por

Bultmann como observa Cullmann209

Posteriormente entretanto a tese recebeu muitas criacuteticas ficando

desprestigiada no final do seacuteculo 20210 Fundamental para esse processo de

superaccedilatildeo foi a identificaccedilatildeo de trechos e expressotildees nos livros do Novo

Testamento a maior parte em textos paulinos que remontam a um periacuteodo

anterior agrave produccedilatildeo destes livros Satildeo testemunhos do cristianismo mais primitivo

recolhidos e transmitidos pelos autores do Novo Testamento Entre estes textos

estatildeo alguns sermotildees no livro de Atos textos considerados hinos cristoloacutegicos

como 1Tm 316 e Fl 26-11 confissotildees de feacute como ldquoJesus eacute Senhorrdquo (Rm 1023

1Co 123) e acima de tudo a expressatildeo μαράναθά presente em 1Co 1622 Esta

expressatildeo que tambeacutem ocorre no cristianismo primitivo em Didaquecirc 106211 eacute a

transliteraccedilatildeo de uma frase aramaica que pode ser traduzida como uma suacuteplica

ldquoNosso Senhor vemrdquo212 Entende-se que ela estaacute por traacutes de Ap 2210b onde

estaria sendo citada de forma traduzida Enquanto suacuteplica seria uma peticcedilatildeo

dirigida ao proacuteprio Jesus Cristo exaltado213 seja para que ele realize sua parusia

seja para que ele se manifeste de uma forma especial agrave igreja que estaacute reunida em 209 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p280-281 mostra que na obra posterior ldquoJesus der Herrrdquo de 1916 Bousset abandou sua explicaccedilatildeo original mas acabou reassumindo-a na segunda ediccedilatildeo de Kyrios Christos em 1921 Curiosamente Cullmann informa que Bultmann adotou em sua Teologia do Novo Testamento a explicaccedilatildeo provisoacuteria dada por Bousset em 1916 210 Veja-se que aleacutem de Bultmann encontra-se uma adoccedilatildeo da tese de Bousset em KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-71 obra lanccedilada em 1966 e GOPPELT L Teologia do

Novo Testamento p 327-333 que remonta a meados da deacutecada de 1970 211 ldquoQue venha a graccedila e passe este mundo Hosana ao filho de Davi Se algueacutem for santo que venha Se algueacutem natildeo for santo faccedila penitecircncia Maranata Ameacutemrdquo Texto segundo FITZMYER J A To Advance The Gospel p 224 212 Existe discussatildeo sobre a correta divisatildeo da expressatildeo e consequentemente sua respectiva traduccedilatildeo A saber μαραν ἀθῆ - ldquoNosso Senhor estaacute vindordquo μαραν ἄθα ndash ldquoNosso Senhor veiordquo ou ldquoNosso Senhor estaacute aquirdquo μαράνα θά - ldquoNosso Senhor vemrdquo Cf FITZMYER J A To

Advance The Gospel p 226 A uacuteltima forma eacute a adotada no Novo Testamento grego de Nestleacute-Aland 213 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 29 GOPPELT L Teologia

do Novo Testamento p 278

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torno da eucaristia214 De qualquer jeito a expressatildeo μαράναθά e os demais

extratos do cristianismo primitivo no Novo Testamento atestam que desde o iniacutecio

da igreja jaacute na comunidade de fala aramaica em Jerusaleacutem os cristatildeos criam em

um Jesus exaltado Senhor dos cosmos mas tambeacutem Senhor da comunidade e de

suas vidas Senhor com quem eles podiam se relacionar de forma especial no

culto215 Logo apoacutes a ressurreiccedilatildeo quando os disciacutepulos ser reuniram como igreja

cristatilde creram que sobre eles Jesus estava como Senhor exaltado Eacute a ressurreiccedilatildeo

o acontecimento fundamental para o surgimento do conceito de exaltaccedilatildeo de

Jesus Nas palavras de Cullmann

Eacute a convicccedilatildeo dos disciacutepulos de que a ressurreiccedilatildeo de Cristo havia inaugurado o fim dos tempos O que jaacute havia sido realizado dava agrave sua esperanccedila esta firme confianccedila o fim dos tempos jaacute havia comeccedilado Cristo natildeo podia ser para eles meramente o Filho do Homem que havia de vir Ele devia tambeacutem ter uma significaccedilatildeo presente jaacute que este presente pertencia ao tempo da consumaccedilatildeo A esperanccedila ardente da manifestaccedilatildeo proacutexima do seacuteculo vindouro natildeo eacute pois a causa mas a consequecircncia da feacute na ressurreiccedilatildeo de Cristo 216

433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina

4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina

A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute um tema central na cristologia paulina Eacute ela que

revela ldquoa verdadeira identidade de Jesus daacute um significado definitivo a sua vida e

morte e fornece a base para a esperanccedila cristatilderdquo217 Isto pode remontar a sua

proacutepria experiecircncia com Jesus (e portanto das suas comunidades) que natildeo foi

uma experiecircncia com o Jesus terreno (como os 12 apoacutestolos) mas

fundamentalmente com o Cristo exaltado A sua experiecircncia de encontrar o Jesus

exaltado na estrada para Damasco tornou-se o epicentro da sua cristologia Isso

214 ldquoTemos visto a dupla significaccedilatildeo de Maranata lsquoVem a noacutes que estamos reunidos em teu nome e lsquoVem definitivamentersquo [] A ceia evoca com efeito retrospectivamente a uacuteltima refeiccedilatildeo de Jesus antes de sua morte e as da Paacutescoa onde o ressuscitado apareceu e por outro lado ela prefigura o banquete messiacircnico de Cristo e dos seus reunidos no Reino de Deusrdquo CULMMANN O Cristo e o Tempo p 199 215 Entre outros BROWN R Introduccion a la cristologia del Nuevo Testamento p 121-158 e SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 24-38 216 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 272 217 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522

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natildeo quer dizer que Paulo imaginasse o Cristo exaltado dissociado do Jesus

histoacuterico como pensaram Bultmann e outros Para Paulo o exaltado natildeo era

ningueacutem diferente daquele Jesus que foi crucificado em Jerusaleacutem e ressuscitou

trecircs dias depois Nessa perspectiva o hino de Fl 26-11 ocupa papel importante

pois como expressatildeo de uma cristologia paulina autecircntica (articulada de forma

original por ele ou aproveitada de tradiccedilatildeo lituacutergica jaacute existente) ele revela que

este que agora estaacute exaltado eacute Senhor e deve ser reverenciado e confessado natildeo eacute

outro senatildeo aquele que se encarnou completamente assumindo a forma humana e

humilhou-se como servo e morreu na cruz como aacutepice da sua obediecircncia ao Pai218

Essa cristologia da exaltaccedilatildeo articulada por Paulo segue e desenvolve

linhas que jaacute existiam no cristianismo anterior a ele como a leitura cristoloacutegica do

Sl 1101 a profissatildeo de feacute de Jesus como κύριος e os trechos de cunho lituacutergico

mais desenvolvidos como Rm 13-4 1Co 153-8 Cl 115-20 1Tm 316 A partir

dessa base cristoloacutegica tradicional somada a sua matriz de pensamento judaica e a

sua experiecircncia de encontro com Cristo o apoacutestolo desenvolve sua cristologia da

exaltaccedilatildeo a partir de quatro aspectos219 a ressurreiccedilatildeo a ascensatildeo a

entronizaccedilatildeo220 e a parusia221

Aqui em Fl 29 eacute provaacutevel que as primeiras trecircs accedilotildees estejam incluiacutedas no

verbo ὑπερύψωσεν222 Neste texto a exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute descrita em estaacutegios

Tudo estaacute indicado atraveacutes de um uacutenico verbo223 Como notado por Bockmuehl

ldquoPaulo enfatiza somente o fato natildeo o processo desta exaltaccedilatildeo que em outros

lugares envolve ressurreiccedilatildeo ascensatildeo e sentar-se agrave direita de Deusrdquo224

A ressurreiccedilatildeo atesta o iniacutecio da exaltaccedilatildeo sendo a reversatildeo imediata do

auge da sua humilhaccedilatildeo a morte de cruz A ressurreiccedilatildeo eacute mais do que um 218 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522-523 219 Conforme MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523-524 220 Nem todos os autores trabalham com a categoria da ldquoentronizaccedilatildeordquo de Cristo como algo distinto da ascensatildeo dado que o Novo Testamento natildeo menciona um acontecimento especiacutefico relacionado agrave entronizaccedilatildeo Geralmente a discussatildeo acerca da ldquoascensatildeordquo jaacute inclui a entronizaccedilatildeo 221 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112-113 apresenta a partir da obra de J MacArthur uma descriccedilatildeo da exaltaccedilatildeo que tambeacutem conteacutem quatro aspectos com a diferenccedila que o quarto aspecto natildeo eacute a parusia mas a atuaccedilatildeo de Jesus no governo celestial 222 Assim pensa entre muitos outros HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 485 Segundo ele a parte da parusia apareceraacute nos versiacuteculos 10 e 11 quando todos iratildeo confessar e se ajoelhar diante de Jesus O pensamento contraacuterio foi defendido por Lohmeyer em sua exposiccedilatildeo claacutessica da passagem Para ele o verbo diz respeito ao assentar-se de Cristo agrave direita de Deus Pai e natildeo agrave ressurreiccedilatildeo Isso indicaria a origem natildeo paulina do hino pois o apoacutestolo contrariamente iria se referir agrave ressurreiccedilatildeo e natildeo agrave exaltaccedilatildeo Isso aproxima de acordo com este autor o pensamento do hino da teologia joanina BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 14 223 OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 236 224 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141

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simples voltar agrave vida eacute uma nova existecircncia gloriosa natildeo mais sujeita agraves

fraquezas da vida humana e aos poderes malignos que ainda atuam neste universo

Quanto agrave ascensatildeo Paulo natildeo a menciona de maneira expliacutecita o que natildeo quer

dizer que ele natildeo conhecesse nada a respeito Em alguma medida Paulo

pressupotildee uma transiccedilatildeo entre o ministeacuterio terreno de Jesus (que vai ateacute a cruz e

se desenvolve na Terra) e o ministeacuterio exaltado (que comeccedila na ressurreiccedilatildeo mas

vai se desenvolver no ceacuteu) mas parece que ele natildeo descreve essa transiccedilatildeo como

ascensatildeo sendo mesmo possiacutevel que ele natildeo conhecesse essa tradiccedilatildeo225 Natildeo

obstante o Jesus ressurreto vai ser entronizado Paulo descreve esta realidade por

intermeacutedio da metaacutefora do ldquoestar sentado agrave direita de Deusrdquo e ter os inimigos

debaixo dos peacutes ambas tiradas do Sl 1101 (talvez em combinaccedilatildeo com o Sl 86)

Cinco vezes ele usa explicitamente esse versiacuteculo Rm 834 1Cor 1525 Ef

12022 Cl 31226 E eacute bastante possiacutevel que por traacutes de Fl 29-11 tambeacutem esteja

presente uma reflexatildeo cristoloacutegica que parte do Sl 1101 A ideia eacute que Cristo estaacute

exercendo a sua soberania sobre todo o universo acima de todo poder e

autoridade E quando ocorrer a parusia a gloacuteria do Senhor exaltado seraacute revelada

(1Cor 17) seus inimigos seratildeo derrotados em definitivo (1Cor 1524-26) e todo o

universo o aclamaraacute como Senhor

Quanto agrave exaltaccedilatildeo como entronizaccedilatildeo a perspectiva paulina envolve a

temaacutetica da vitoacuteria de Jesus sobre poderes espirituais que por sua vez remonta agrave

perspectiva veterotestamentaacuteria de YHWH como guerreiro divino Conforme

Reid encontra-se no Antigo Testamento a visatildeo de YHWH como um guerreiro

que luta primeiro em favor e junto com seu povo Israel mas posteriormente

contra ele por conta da sua desobediecircncia227 O paradigma para essa perspectiva

foi a luta de YHWH contra as forccedilas do Egito em favor da libertaccedilatildeo do seu povo

A infidelidade de Israel agrave alianccedila fez com que YHWH se tornasse guerreiro contra

Israel revogando o ecircxodo e levando seu povo ao exiacutelio Isto eacute descrito por Isaiacuteas

como a ldquoobra insoacutelitardquo de YHWH (Is 2821) A uacuteltima fase dessa perspectiva no

Antigo Testamento eacute a esperanccedila escatoloacutegica de quando YHWH agiraacute como

guerreiro divino contra os inimigos de Israel Seraacute o dia da restauraccedilatildeo atraveacutes do

225 Diferente do que defende MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523 Lohfink citado por Maile argumenta que Paulo natildeo conhecia a estrutura lucana de ressurreiccedilatildeo quarenta dias e ascensatildeo 226 Caso se desconsidere Efeacutesios e Colossenses como cartas autecircnticas entatildeo temos duas ocorrecircncias expliacutecitas 227 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209

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triunfo contra todos aqueles que se levantaram contra o povo da alianccedila Eacute a partir

deste pano de fundo veterotestametaacuterio que Paulo vai compreender a exaltaccedilatildeo de

Jesus Cristo que teraacute assim uma orientaccedilatildeo tanto monoteiacutesta quanto escatoloacutegica

isto eacute a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute vista como a realizaccedilatildeo do triunfo de YHWH sobre

os inimigos cumprindo a esperanccedila judaica da intervenccedilatildeo divina no fim dos

tempos Eacute por isso que em Fl 29 o sujeito eacute explicitamente mencionado ao

contraacuterio da primeira parte 26-8 enfatizando que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o

cumprimento do plano escatoloacutegico de Deus

4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico

O que foi dito acima jaacute aponta para a importacircncia da escatologia para a

compreensatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus na teologia paulina A escatologia eacute uma das

estruturas fundamentais da teologia paulina228 Ela natildeo eacute apenas um ponto de

partida para a sua reflexatildeo teoloacutegica mas todas as linhas da sua argumentaccedilatildeo satildeo

influenciadas por essa base A escatologia paulina funciona de forma

bidimensional uma dimensatildeo temporal (presente e futuro) e uma dimensatildeo

espacial (terreno e celeste)229 Com efeito eacute a primeira dimensatildeo que predomina

Como muitos autores judeus do primeiro seacuteculo Paulo entendia que o

aparecimento do Messias significava a chegada do futuro tempo de salvaccedilatildeo De

forma mais especiacutefica ele entende que a ldquoressurreiccedilatildeo de Jesus eacute primordialmente

um acontecimento escatoloacutegicordquo230 que fez o futuro escatoloacutegico invadir o

presente Em consequecircncia a partir da ressurreiccedilatildeo o reino de Deus eacute posto em

accedilatildeo na histoacuteria humana os inimigos de YHWH satildeo derrotados e o cosmos eacute

colocado debaixo do senhorio de Jesus E nisso Paulo natildeo estaacute sozinho no

228 Eacute melhor utilizar o plural ldquoestruturasrdquo como H Ridderboss do que entrar na discussatildeo que natildeo alcanccedila nenhum consenso sobre qual seria a ldquoestruturardquo fundamental para o pensamento paulino Segundo Ridderboss essas estruturas seriam a revelaccedilatildeo do misteacuterio na plenitude do tempo a relaccedilatildeo entre escatologia e cristologia Cristo como o primogecircnito dos mortos e uacuteltimo Adatildeo ldquoestar em Cristordquo (o velho e o novo homem) a carne e o Espiacuterito Cristo como imagem de Deus Cristo como primogecircnito da criaccedilatildeo Cristo como exaltado RIDDERBOS H A teologia do

apoacutestolo Paulo p 47-99 229 KREITZER L Escatologia In DPC p 478-479 230 KREITZER L Escatologia In DPC p 464

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cristianismo primitivo Ele compartilha a determinaccedilatildeo escatoloacutegica de todo o

kerygma cristatildeo231

Quando se entende a ressurreiccedilatildeo de Jesus como parte da sua exaltaccedilatildeo e

se reconhece que em Fl 29 o verbo ὑπερύψωσεν pressupotildee a ressurreiccedilatildeo fica

muito claro todo o contexto escatoloacutegico que envolve a exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl

29-11232 Ainda mais quando se leva em consideraccedilatildeo a utilizaccedilatildeo do texto de

Isaiacuteas 4523 no versiacuteculo 10 visto ser esse um texto de forte acento escatoloacutegico

quando YHWH anuncia a realidade de um futuro tempo de salvaccedilatildeo O hino de Fl

26-11 estaacute afirmando que esse tempo chegou no momento em que Deus

ὑπερύψωσεν Jesus A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o cumprimento escatoloacutegico de Is 45

pois atraveacutes da confissatildeo de Jesus como κύριος eacute que vem o reconhecimento

escatoloacutegico universal de YHWH como criador233 Existe um fortiacutessimo

monoteiacutesmo escatoloacutegico expresso nas profecias do Decircutero-Isaiacuteas que anuncia

entre outras coisas um futuro ato de salvaccedilatildeo que resultaraacute em um

reconhecimento universal de YHWH como soberano234 Fl 29-11 estaacute mostrando

que esse ato de salvaccedilatildeo jaacute aconteceu (a encarnaccedilatildeo a morte e ressurreiccedilatildeo de

Jesus) e resultou em Deus exaltando Jesus para que ele seja reconhecido como

soberano universal O reconhecimento de Jesus como soberano eacute a aceitaccedilatildeo da

soberania de YHWH Portanto Fl 29-11 eacute ldquouma versatildeo cristoloacutegica da

escatologia monoteiacutesta do Deutero Isaiacuteasrdquo235 Esse raciociacutenio revela como o hino

constroacutei a sua cristologia sem recuar um palmo sequer do seu monoteiacutesmo

Atraveacutes da exaltaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel detectar em Fl 29-11 uma

dimensatildeo escatoloacutegica espacial Primeiro porque o senhorio de Jesus abrange

todas as partes do cosmos como se percebe na triacuteplice expressatildeo ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων Segundo porque do ponto de vista dos leitores da carta

231 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101 232 Entre outros GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 354 e MARTIN R P A

Hymn of Christ p 239 afirmam que o verbo ὑπερύψωσεν abrange tanto a ressurreiccedilatildeo quanto a ascensatildeo Para Martin um paralelo seria o texto de 1Pe 318-20 onde a expressatildeo ζῳοποιηθεὶς δὲ πνεύματι expressaria toda a realidade do ministeacuterio poacutes-ressurreiccedilatildeo de Jesus Em outra direccedilatildeo LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1912 afirma que no Novo Testamento a exaltaccedilatildeo natildeo foi identificada com a ressurreiccedilatildeo ainda que isso houvesse acontecido em tempos primitivos 233 GOPPELT L Teologia do Novo Testamento p 331-332 234 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 132-133 235 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 133 Segundo ele Isaiacuteas 40-66 foi fundamento escrituriacutestico para os primitivos cristatildeos compreenderem o significado dos eventos relacionados a Jesus e ao seu futuro Eacute uma influecircncia que perpassa todos os escritos do Novo Testamento Contudo ele chama atenccedilatildeo para o fato que eles natildeo liam as assim chamadas passagens-servo isoladas dos temas da salvaccedilatildeo escatoloacutegica e do monoteiacutesmo escatoloacutegico que dominam aqueles capiacutetulos

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(e talvez um dia daqueles que ouviram e cantaram o hino) os versiacuteculos 10-11

desafia os que estatildeo na Terra a reverenciar e confessar aquele que estaacute sentado

agora nos ceacuteus agrave direita do Pai (embora esta expressatildeo natildeo esteja presente aqui

faz parte da perspectiva paulina da exaltaccedilatildeo) E isso encaminha um terceiro

aspecto pois a comunidade de feacute eacute o espaccedilo no qual o Cristo exaltado reina

atraveacutes do Espiacuterito Santo236 A Igreja funciona como epicentro do reinado

coacutesmico de Jesus

Assim tanto em um acircngulo temporal quanto em uma dimensatildeo espacial

natildeo se pode subestimar a importacircncia da escatologia para a compreensatildeo do

conjunto de Fl 26-11 sobretudo na parte que trata da exaltaccedilatildeo A ausecircncia desta

perspectiva no tratamento exegeacutetico da passagem foi denunciada por Kaumlsemann

ao constatar que ldquotalvez seja a caracteriacutestica mais singular e mais surpreendente

da histoacuteria recente da exegese do nosso texto o fato de que a palavra chave

lsquoescatoloacutegicorsquo desapareccedila por traacutes dessas outras palavras chaves lsquoeacuteticorsquo e

lsquomiacuteticorsquordquo237 Se na exegese atual ldquomitordquo como palavra chave para entender o texto

natildeo goza da mesma popularidade que no passado o mesmo natildeo se pode dizer a

respeito da palavra chave ldquoeacuteticordquo

Destarte no pensamento paulino essa linha escatoloacutegica que se desenvolve

a partir do Antigo Testamento vai culminar em Cristo atraveacutes de quem Deus

triunfa sobre os seus inimigos Paulo vai descrever esse triunfo de Deus em Cristo

atraveacutes dos eventos da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus (o ponto de partida) e da

parusia (o ponto de culminacircncia) Nesse intervalo de tempo Cristo estaacute no ceacuteu

exercendo seu domiacutenio sobre seus adversaacuterios e guiando seu povo aqui na Terra

que continua lutando contra as forccedilas hostis ainda que gozando os benefiacutecios e as

vantagens da vitoacuteria de Cristo na cruz e na expectativa da consumaccedilatildeo na

parusia238 A exaltaccedilatildeo de Cristo efetua uma espeacutecie de troca de soberania no

universo um universo que ateacute entatildeo estava em confronto com poderes que

tentavam escravizaacute-lo239

236 VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 253 237 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101-102 Esta observaccedilatildeo eacute de certa forma irocircnica pois o proacuteprio Kaumlsemann entende que por traacutes do hino estaacute o mito do redentor coacutesmico e que esse pano de fundo mitoloacutegico eacute fundamental para o entendimento do hino e rejeitar o modelo de interpretaccedilatildeo eacutetico 238 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209 239 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119

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Esses poderes e autoridades que agora estatildeo subordinados ao Cristo

exaltado satildeo conforme Reid equivalentes agraves naccedilotildees inimigas de Israel240 Na

verdade o judaiacutesmo interpretava esses poderes espirituais ou democircnios como as

forccedilas atuantes por detraacutes das naccedilotildees inimigas e seus deuses Enquanto inimigos

de Israel esses poderes satildeo inimigos de YHWH e em consequecircncia tornam-se

inimigos de Cristo A crucificaccedilatildeo pode ser vista como o contiacutenuo ataque desses

poderes contra Israel a tentativa de destruir aquele que representava o povo da

alianccedila O aparente ecircxito deles na morte de Jesus significou no entanto sua

proacutepria derrota O seu ataque ao segundo Adatildeo obediente foi sua proacutepria derrota

ldquoCristo os levou apoacutes si no cortejo triunfal da cruz revelou a derrota deles e os

expocircs publicamenterdquo241

Assim na narrativa paulina a exaltaccedilatildeo natildeo eacute uma simples vindicaccedilatildeo do

justo sofredor o reconhecimento e aceitaccedilatildeo de Deus Pai da obediecircncia do seu

Filho e muito menos a recompensa por um sacrifiacutecio voluntaacuterio A cruz e a

exaltaccedilatildeo estatildeo no centro de um drama soterioloacutegico pois de acordo com o

substrato judaico com o qual Paulo trabalha natildeo existe salvaccedilatildeo sem o triunfo

escatoloacutegico de YHWH sobre os inimigos de Israel A cruz e a exaltaccedilatildeo natildeo satildeo

dois toacutepicos que se equivalem um ao lado do outro mas dois capiacutetulos de uma

mesma sequecircncia narrativa Essa metaacutefora faz perceber que a ldquomorte de cruzrdquo natildeo

eacute sozinha o cumprimento da esperanccedila escatoloacutegica israelita E em contrapartida

os inimigos que agora estatildeo subordinados ao Cristo exaltado soacute foram vencidos

porque ele era o Filho de Deus que natildeo apegou ao ser igual a Deus mas assumiu

a forma humana adotou a forma de servo e foi obediente ateacute a morte e morte de

cruz O Exaltado eacute o crucificado Para Paulo o acontecimento escatoloacutegico da

crucificaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo de Jesus foi a derrota destes poderes e a sua subordinaccedilatildeo

ao Cristo exaltado ldquoDesse modo o tema paulino da exaltaccedilatildeo e entronizaccedilatildeo de

Cristo simboliza o triunfo de Deus em Cristordquo242

240 REID D G Triunfo In DPC p 1209 241 REID D G Triunfo In DPC p 1211 242 Ibid p 1210

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434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia

A reflexatildeo anterior contribui para elucidaccedilatildeo do papel da exaltaccedilatildeo na

trama do texto de Fl 26-11 como um todo A questatildeo eacute dimensionar o valor exato

do verbo ὑπερυψόω no contexto Satildeo duas opccedilotildees A primeira acentua o valor

comparativo do verbo reconhecendo a forccedila da preposiccedilatildeo ὑπὲρ presente na

palavra Nesse caso a interpretaccedilatildeo resultante eacute que Cristo foi exaltado a uma

posiccedilatildeo superior a que ele tinha na sua preexistecircncia isto eacute Fl 29 vai aleacutem de Fl

26243 A segunda possibilidade eacute dar ao verbo um valor superlativo indicando

que Cristo estaacute exaltado acima de todos e na mais alta posiccedilatildeo Em favor desta

linha de interpretaccedilatildeo afirma-se antes de tudo que o verbo aqui eacute derivado da

LXX de Is 5213 que afirma que o servo de YHWH se ldquoelevaraacute seraacute exaltado

[ὑψωθήσεται] seraacute posto nas alturasrdquo Outro argumento eacute que os verbos

compostos com ὑπὲρ fazem parte do estilo caracteriacutestico de Paulo geralmente

com sentido superlativo Aleacutem disso o uso aqui teria mais a ver com o estilo do

autor do que com um significado superior ao uso do verbo simples (ὑψόω)244

Todavia ainda que a tradiccedilatildeo dos cacircnticos de servo tenha influenciado a

elaboraccedilatildeo do hino cristoloacutegico natildeo haacute como provar que justo o texto de Is 5213

esteja por traacutes de Fl 29 Ademais o verbo que Paulo usa eacute diferente do utilizado

pela LXX em Is 5213 De fato seria de se esperar que Paulo usasse o verbo mais

comum ὑψόω pois aleacutem de prover um paralelo perfeito com o texto de Isaiacuteas jaacute

era utilizado no cristianismo primitivo para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus245 Ele

contudo escolheu ὑπερυψόω246 Quanto agrave preferecircncia paulina por verbos

compostos eacute difiacutecil de imaginar que em uma passagem com palavras tatildeo

selecionadas formando um delicado e criativo equiliacutebrio teoloacutegico Paulo

escolhesse descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus com um termo que nunca usou em outro

lugar apenas por uma questatildeo de ldquoestilo literaacuteriordquo E quanto agrave comparaccedilatildeo com os 243 Enquanto proposta foi adotada na claacutessica exegese da passagem feita por E Lohmeyer 244 Entre os que adotam a posiccedilatildeo superlativa estatildeo OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 235-236 245 Assim em At 233 e 531 textos reconhecidos como tradiccedilotildees primitivas utilizadas por Lucas tradiccedilotildees que Paulo deve ter conhecido ὑψόω tambeacutem eacute utilizado pelo quarto evangelho para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus (314 828 e 1232) mas o texto eacute posterior a Paulo 246 Como nota MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 83 ldquonatildeo obstante tenha havido um texto como inspiraccedilatildeo [do hino] a terminologia e o estilo satildeo uma construccedilatildeo nova Por outro lado eacute difiacutecil sustentar a tese de CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 305 para quem a mudanccedila do verbo foi porque Paulo queria estender a exaltaccedilatildeo de Jesus para aleacutem da humanidade a fim de incluir o seu senhorio sobre as potestades

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outros compostos verbais que fazem uso da mesma preposiccedilatildeo ela eacute instrutiva

mas natildeo determinante247 Nada impede que Paulo que estaacute usando um hapax

legomena utilize este composto verbal de uma forma especiacutefica por conta do seu

contexto248 Dessa forma o fato exegeacutetico eacute que o verbo ὑπερυψόω eacute usado no

corpus paulino e no Novo Testamento de maneira exclusiva dentro da passagem

de Fl 26-11 e este contexto literaacuterio deve ser o privilegiado para explicaacute-la

Assim sendo partindo do pressuposto que Paulo tinha um outro verbo a

sua disposiccedilatildeo (ὑψόω) mesmo que natildeo se deva exagerar o valor do composto

verbal natildeo eacute boa exegese subestimar que foi exatamente este o termo que Paulo

escolheu Como observa Cullmann ldquoNotamos que este ὑπερύψωσεν natildeo eacute uma

mera figura de retoacuterica mas que o prefixo ὑπερ lsquosobrersquo tem de ser tomado em

seu pleno sentidordquo249 Em outras palavras o verbo ὑπερυψόω vai aleacutem do que o

simples ὑψόω250 Por conseguinte eacute bastante plausiacutevel compreender a passagem

como um todo e o versiacuteculo 9 em particular concedendo um valor comparativo e

assim especiacutefico ao verbo ὑπερυψόω251

Em primeiro lugar a interpretaccedilatildeo natural de Fl 29 eacute que Jesus recebe um

nome que natildeo tinha anteriormente Conforme seraacute aprofundado a seguir esse

novo nome indica um novo ofiacutecio uma nova funccedilatildeo do Filho de Deus diante do

cosmos Uma outra consideraccedilatildeo eacute que o grande argumento em favor da

interpretaccedilatildeo superlativa eacute dogmaacutetico natildeo exegeacutetico pois diz respeito agrave

impossibilidade de se ir aleacutem da ldquoigualdade com Deusrdquo pressuposta em Fl 26252

247 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 and the Exaltation of the Lord p 118 afirma que Paulo aprecia muito as construccedilotildees com ὑπερ mas essas comparaccedilotildees satildeo uma base insuficiente para afastar o sentido comparativo do verbo 248 Por exemplo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 290 argumenta que ldquona grande maioria dos casosrdquo em que Paulo usa verbos compostos com a preposiccedilatildeo ὑπὲρ natildeo indica uma posiccedilatildeo superior agrave anterior Ora eacute possiacutevel extrair uma conclusatildeo segura apenas pela combinaccedilatildeo da mesma preposiccedilatildeo com outros verbos completamente diferentes que ainda assim soacute possuem essa utilizaccedilatildeo ldquona grande maioria dos casosrdquo 249 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 285 250 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 236 Ele por sua vez toma essa informaccedilatildeo de J Heacutering 251 Segundo SILVA Moiseacutes Philippians p 115 a etimologia da forma verbal aponta para um sentido comparativo 252 Por conta disso o tratamento que a cristologia dogmaacutetica da Igreja Antiga dava a passagem sempre fazia do versiacuteculo 6 o centro do hino KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 94

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Soacute que a exaltaccedilatildeo natildeo quer dizer uma mudanccedila de οὐσία mas de funccedilatildeo253 Paulo

natildeo estaacute seguindo uma agenda de discussatildeo ontoloacutegica mas desenvolve uma

narrativa cristoloacutegica para descrever um evento soterioloacutegico e escatoloacutegico que

acarreta implicaccedilotildees eclesioloacutegicas tendo em vista o contexto pareneacutetico de 127-

217254 Como destaca Bockmuehl ldquoEnquanto natildeo haacute nenhuma sugestatildeo de uma

mudanccedila do ser existe apesar de tudo uma mudanccedila de nome e de funccedilatildeordquo

(grifos dele)255 O paralelo neotestamentaacuterio seria Mt 2818 onde apenas apoacutes a

ressurreiccedilatildeo Jesus recebe toda autoridade sobre o ceacuteu e sobre a Terra256

Deve-se ainda notar que a interpretaccedilatildeo do hino de forma linear (e natildeo

ciacuteclica) a partir de um pano de fundo histoacuterico-salviacutefico deixa claro que a ecircnfase

da narrativa estaacute na virada escatoloacutegica que ocorre a partir do 29 O hino caminha

para exaltaccedilatildeo e tem seu cliacutemax nela Eacute muito difiacutecil sustentar exegeticamente que

tudo o que eacute descrito em 29-11 jaacute estava presente nas expressotildees ἐν μορφῇ θεοῦ

τὸ εἶναι ἴσα θεῷ De fato ldquono iniacutecio ele era ἐν μορφῇ θεοῦ mas natildeo era

253 SILVA Moiseacutes Philippians p 115 considera afirmaccedilatildeo de que a exaltaccedilatildeo levou o Filho de Deus a um estaacutegio superior ao que ele tinha na preexistecircncia estranha ao texto Seria de fato estranho se o conjunto de Fl 26-11 natildeo mencionasse qualquer tipo de preexistecircncia No entanto preexistecircncia e exaltaccedilatildeo fazem parte do mesmo conjunto literaacuterio Natildeo tentar relacionaacute-las eacute que eacute estranho Como observa CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p236 ldquoSe Jesus era jaacute em sua preexistecircncia a imagem de Deus ndash eacute com efeito do v 6 que eacute preciso partir [] ndash e se agora se diz que Deus fez mais do que elevaacute-lo natildeo significa isto que depois de sua morte Jesus natildeo voltou tatildeo somente agrave existecircncia que tinha antes de sua encarnaccedilatildeo [] mas que em virtude de uma nova funccedilatildeo entrou em relaccedilatildeo ainda mais estreita com Deus relaccedilatildeo que lhe confere o tiacutetulo Kyrios com plena soberania sobre o universo inteirordquo (grifos dele) 254 O ponto eacute bem observado por HELLERMANN J H Philippians p 105-106 Entretanto parece que ele vai longe demais ao afirmar que o interesse de Paulo no hino seria apenas socioloacutegico O hino possui implicaccedilotildees socioloacutegicas mas esse natildeo eacute o seu objetivo principal 255 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 144 Na mesma paacutegina ele ainda faz a ousada afirmaccedilatildeo que ldquoA humilhaccedilatildeo e o triunfo da encarnaccedilatildeo em outras palavras fez uma diferenccedila identificaacutevel mesmo dentro da divindaderdquo 256 Este paraacutegrafo eacute importante para afastar qualquer relaccedilatildeo entre a exegese proposta e algum tipo de arianismo De acordo com BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico

de la epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 464 os arianos tomavam os versiacuteculos 9-11 como prova de que antes da exaltaccedilatildeo Cristo natildeo era Deus como o Pai Poreacutem como observado acima natildeo estaacute se discutindo aqui a divindade do Filho de Deus que deve ser considerada completa e sem alteraccedilotildees ao longo de toda a passagem do versiacuteculo 26 a 211 Destarte CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 114-115 ao mesmo tempo que afirma que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute estaacutegio acima do que ele possuiacutea na sua preexistecircncia vai ao extremo quando defende que em nenhum momento do hino Jesus eacute considerado inteiramente divino

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κύριοςrdquo257 Haacute uma progressatildeo natildeo apenas um retorno ldquoO novo status de Jesus

Cristo eacute mais do que uma mera volta para a preexistente igualdade com Deusrdquo258

Outro ponto diz respeito agrave tese que a exaltaccedilatildeo eacute uma simples volta ao

estaacutegio da preexistecircncia ou que a exaltaccedilatildeo eacute relativa ao Jesus encarnado

apenas259 Afirmaccedilotildees como esta deixam de perceber o peso e o significado do

tiacutetulo κύριος dado a Jesus a partir da exaltaccedilatildeo segundo o contexto do proacuteprio

hino260 Na verdade na perspectiva escatoloacutegica de Paulo a exaltaccedilatildeo de Jesus

corresponde agrave intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria de modo que um novo eacuteon chegou

o novo e definitivo eacuteon e ao contraacuterio do antigo esse eacute caracterizado pela

soberania de Jesus e pela necessidade de se reverenciaacute-lo como Senhor do

universo Diversos textos no corpus paulino tanto das cartas autecircnticas quanto

daquelas consideradas posteriores satildeo unacircnimes em afirmar que foi agora a partir

da exaltaccedilatildeo que os poderes desse mundo aqueles que dominavam no antigo eacuteon

estatildeo todos subordinados a Jesus (cf Ef 121-22 Cl 215 1Co 1524-25)

257 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 29-30 Em sentido oposto FOWL S E Philippians p 104 entende que esse tipo de intepretaccedilatildeo sugere que alguma coisa estava ausente na divindade de Cristo pressuposta no versiacuteculo 6 o que seria na sua visatildeo impossiacutevel do ponto de vista teoloacutegico A questatildeo entretanto eacute o que determina a interpretaccedilatildeo da passagem ela mesma ou algum sistema teoloacutegico Ele observa ldquoSimplesmente tratar esta passagem como uma narrativa direta na qual um evento cria as condiccedilotildees para o proacuteximo evento levantaria seacuterias questotildees sobre a loacutegica teoloacutegica da passagem que devem no miacutenimo ser notadasrdquo O ponto eacute aleacutem de notar essas questotildees respondecirc-las de forma coerente com o texto e como ele mesmo reconhece quando se daacute atenccedilatildeo apenas ao fluxo narrativo da passagem eacute difiacutecil fugir da ideia que Cristo recebeu algo que natildeo tinha anteriormente 258 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 grifos dele Na mesma linha BARTH G A carta aos Filipenses p 47 ldquoesta exaltaccedilatildeo natildeo significa apenas a restauraccedilatildeo do seu estado anterior em subsistecircncia divina mas que ela lhe concede mais do que possuiacutea anteriormenterdquo 259 FOWL S E Philippians p 104 informa que Tomaacutes de Aquino enfrentando a questatildeo teoloacutegica de uma possiacutevel mudanccedila em Cristo nos versiacuteculos 9-11 aponta duas possiacuteveis soluccedilotildees A primeira adotada por Ambroacutesio propotildee que a exaltaccedilatildeo corresponde agrave divinizaccedilatildeo da natureza humana de Jesus A segunda que remonta a Agostinho defende que a exaltaccedilatildeo eacute apenas a manifestaccedilatildeo agrave criaccedilatildeo daquilo era verdade desde a eternidade Ocorre tatildeo soacute uma mudanccedila na revelaccedilatildeo Segundo Fowl Aquino considera as duas explicaccedilotildees plausiacuteveis para o texto Em tempos mais recentes HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 486 estaacute entre os que seguem a primeira soluccedilatildeo enquanto HELLERMAN J H Philippians p 120-121 se aproxima da segunda quando a partir de categorias socioloacutegicas afirma que na exaltaccedilatildeo Jesus natildeo recebeu um novo nome mas sim uma aclamaccedilatildeo puacuteblica da sua reputaccedilatildeo Contudo a primeira soluccedilatildeo de Aquino deve ser rejeitada porque o autor do texto natildeo desenvolveu sua argumentaccedilatildeo seguindo a categoria ldquoduas naturezasrdquo que conquanto seja uma categoria teoloacutegica legiacutetima eacute anacrocircnica ao texto O sentido do fluxo narrativo eacute que o evento do versiacuteculo 9 estaacute relacionado ao mesmo personagem que eacute sujeito no versiacuteculo 6 Dizer que no versiacuteculo 6 trata-se da natureza divina e no versiacuteculo 9 da natureza humana natildeo eacute razoaacutevel exegeticamente Tampouco a segunda soluccedilatildeo de Aquino eacute uma saiacuteda melhor porque ela desloca o fenocircmeno da exaltaccedilatildeo de Jesus para o mundo Eacute o mundo que muda possuindo uma nova visatildeo sobre Deus Embora isso de fato tenha ocorrido eacute uma consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus e natildeo a exaltaccedilatildeo em si 260 Conforme OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 ldquoEm seu estado exaltado Jesus tem uma nova posiccedilatildeo que envolve o exerciacutecio do senhorio universalrdquo

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Uma quinta observaccedilatildeo envolve a percepccedilatildeo que em geral a opccedilatildeo pelo

verbo como superlativo eacute muito comum nas explicaccedilotildees da passagem de cunho

eacutetico onde o objetivo de Fl 26-11 seria natildeo mais que a apresentaccedilatildeo aos cristatildeos

de um modelo de vida baseado nas atitudes de Jesus261 E para estabelecer um

paralelo entre a exaltaccedilatildeo de Jesus e a futura exaltaccedilatildeo dos cristatildeos natildeo seria

interessante entender a primeira em termos de uma nova missatildeo um novo ofiacutecio

(como defende este trabalho) Seria melhor (segundo os proponentes da

interpretaccedilatildeo eacutetica) compreender a exaltaccedilatildeo apenas como a justificaccedilatildeo de Jesus

o reconhecimento da humilhaccedilatildeo dele por Deus O complicado eacute que isso daacute aos

versiacuteculos 9-11 um valor completamente relativo diante de 6-8 Veja por

exemplo a afirmaccedilatildeo de Fee ldquoCom esta nota de exaltaccedilatildeo Paulo tanto afirma a

correccedilatildeo do paradigma ao qual ele chamou os filipenses e manteacutem ante os seus

olhos a vindicaccedilatildeo que aguarda aqueles que estatildeo em Cristordquo262 Nesse modo de

ver os versiacuteculos 9-11 servem apenas para confirmar o valor de 6-8 o verdadeiro

centro da passagem

Por sua vez a aplicaccedilatildeo do modelo interpretativo paradigmaacutetico na

segunda parte do hino reduz a exaltaccedilatildeo de Jesus a um modelo para os cristatildeos se

Deus exaltou Jesus porque ele renunciou aos seus interesses e foi obediente da

mesma forma exaltaraacute todo aquele que abrir matildeo do seu interesse em favor da

missatildeo de Deus para sua vida263 O detalhe eacute que na perspectiva paulina a

exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute um modelo do tipo Deus fez uma vez vai fazer de

novo A exaltaccedilatildeo de Jesus fundamenta a esperanccedila cristatilde porque ela inaugurou

um novo tempo escatoloacutegico pondo em operaccedilatildeo uma nova criaccedilatildeo (ldquoSe algueacutem

estaacute em Cristo eacute nova criatura Passaram-se as coisas antigas eis que se fez

261 Cf o capiacutetulo anterior 262 FEE G D Pauline Christology p 393 Tambeacutem em FEE G D Comentario de la Epiacutestola

a los Filipenses p 262 ldquoO contexto deixa claro que os vs 6-8 funcionam principalmente como um paradigmardquo Jaacute BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141-142 segue a mesma direccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus como vindicaccedilatildeo da parte de Deus mas acrescenta que isso seria uma necessidade para que Deus manifeste a sua justiccedila Por conseguinte caso se considere o texto como um credo em uma prosa exaltada como sugere Fee rejeitando qualquer relaccedilatildeo do texto com o gecircnero hino isso natildeo alteraria a avaliaccedilatildeo exposta acima posto que os credos satildeo afirmaccedilotildees concisas das verdades centrais da feacute com acento especial na cristologia e soteriologia (e natildeo na eacutetica ou parecircnese) 263 Eacute o que pensa FOWL S Christology and Ethics in Philippians 25-11 p 147 quando diz que se os filipenses estiverem unidos colocando em praacutetica as virtudes listadas em Fl 22-4 mesmo diante de perseguiccedilotildees ldquoentatildeo Deus iraacute salvaacute-los da mesma forma que salvou o Cristo obediente humilhado e sofredor em 26-11rdquo

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realidade novardquo 2Co 517)264 Se Deus exaltou Jesus em Fl 29 a mensagem

paulina natildeo eacute ser exaltado como ele mas exaltado por ele (Fl 321) A partir da

exaltaccedilatildeo Jesus eacute o agente escatoloacutegico que cumpriraacute a esperanccedila cristatilde265 O

conjunto inteiro de Fl 26-11 descreve o evento escatoloacutegico da encarnaccedilatildeo morte

e exaltaccedilatildeo do Filho de Deus e esse evento singular traz o indiviacuteduo crente para o

domiacutenio de Cristo Esse eacute o significado exato do estar ldquoἐν Χριστῷrdquo (25) domiacutenio

no qual se entra atraveacutes da confissatildeo na ressurreiccedilatildeo de Jesus (Rm 109)266 e pelo

sacramento do batismo que estabelece uma uniatildeo entre o fiel e o Jesus ressurreto

(Rm 63-11) a ponto de aquele jaacute experimentar no presente os efeitos

escatoloacutegicos da ressurreiccedilatildeo deste E eacute a experiecircncia desse poder quando se estaacute

em Cristo que capacita o fiel agrave resposta eacutetica necessaacuteria ao evangelho e natildeo a

tentativa de imitar Jesus267

A esperanccedila cristatilde natildeo eacute vencer a morte como ele venceu mas vencer

porque ele venceu porque eacute a ressurreiccedilatildeo dele que torna possiacutevel a ressurreiccedilatildeo

dos mortos no futuro (ldquoCom efeito visto que a morte veio por um homem

tambeacutem por um homem vem a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo 1Co 1521) Enquanto

Senhor do cosmos ele tem a ldquoforccedila que lhe daacute poder de submeter a si todas as

coisasrdquo e por esse motivo os cristatildeos podem esperar que ele transfiguraraacute o seu

corpo humilhado (Fl 321) ldquoFazer viver os mortos eacute direito escatoloacutegico

exclusivo de Deusrdquo comenta Becker ldquocontudo em Fl 321 Cristo tem o poder de

transfigurar os homens mortaisrdquo268 porque a partir da exaltaccedilatildeo Deus o agraciou

com essa autoridade

Dessa forma natildeo basta ao indiviacuteduo fazer como Jesus fez (se que eacute

possiacutevel) mas submeter-se a ele como Senhor Por isso o hino culmina na

exaltaccedilatildeo celebra Jesus como Senhor e desafia os leitores agrave submissatildeo e

obediecircncia a ele Tudo agora depende de ser ou natildeo ser obediente a Jesus o

κύριος269 O tema da obediecircncia vai ser explicitamente usado por Paulo no

264 ὥστε εἴ τις ἐν Χριστῷ καινὴ κτίσιςmiddot τὰ ἀρχαῖα παρῆλθεν ἰδοὺ γέγονεν καινά Notar que o verbo γίνομαι estaacute no indicativo perfeito talvez para indicar a continuidade dos efeitos dessa nova realidade escatoloacutegica no presente 265 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 157 266 Texto que inclusive associa a confissatildeo de Jesus como Senhor agrave ressurreiccedilatildeo ldquoPorque se confessares com tua boca que Jesus eacute Senhor [κύριον Ἰησοῦν] e creres em teu coraccedilatildeo que Deus o ressuscitou dentre os mortos seraacutes salvordquo 267 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 160 268 BECKER J Apoacutestolo Paulo vida obra e teologia p 563 269 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 65

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contexto imediato em Fl 212 atraveacutes do verbo ὑπακούω quando ele retoma a

parecircnese extraindo do hino implicaccedilotildees para a igreja O caminho para essa

obediecircncia eacute pontuado por Morgan ldquoNoacutes nos tornamos obedientes natildeo pela

imitaccedilatildeo de um modelo mas atraveacutes de uma palavra que nos diz que pertencemos

a elerdquo270

A uacuteltima consideraccedilatildeo em favor deste sentido comparativo de ὑπερύψωσεν

eacute que ele pode fechar com a interpretaccedilatildeo do tipo res rapienda de Fl 26 a saber

quando a expressatildeo οὐχ ἁρπαγμὸν eacute interpretada indicando que o Filho de Deus

embora existindo ἐν μορφῇ θεοῦ ainda natildeo possuiacutea o governo soberano sobre

todo o universo (significado no contexto da expressatildeo τὸ εἶναι ἴσα θεῷ) e natildeo

buscou consegui-lo de forma independente alheio agrave vontade do Pai271 Aliaacutes o

hino nem mesmo sugere que o Filho de Deus almejasse por isso pois senatildeo

chegariacuteamos agrave conclusatildeo de que a obediecircncia e humilhaccedilatildeo do Filho de Deus

foram um meio para um fim um caminho para se chegar na soberania Se o

cliacutemax do hino realmente eacute a exaltaccedilatildeo entatildeo ele natildeo tem como objetivo justificar

porque Jesus foi exaltado mas mostrar para os leitores quem eacute o verdadeiro

Senhor de todo o cosmos272 ou ainda mais especificamente responder ldquocomo eacute

possiacutevel confessar o senhorio de algueacutem que viveu e morreu como um homem

qualquer e chamar de Senhor algueacutem que na sua vida se configurou a um

escravordquo273 A resposta de Fl 26-11 eacute que ele natildeo era um homem qualquer mas

tinha a imagem de Deus e foi ateacute a cruz em submissatildeo a Deus E natildeo foi ele quem

270 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 67 271 Assim MARTIN R P A Hymn of a Christ p 148-153 Tambeacutem CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 233-234 que enxerga todo o hino de Fl 26-11 como uma antiacutetese entre Jesus e Adatildeo Este desejou a igualdade com Deus e abriu matildeo da obediecircncia a Deus para buscaacute-la Em sentido totalmente oposto o Filho de Deus aleacutem de natildeo desejar ser igual a Deus (que Cullmann interpreta natildeo em termos de divindade mas de soberania sobre o universo) submeteu-se com humildade e obediecircncia a Deus Na mesma linha COLLINS A Y Psalms

Philippians 26-11 and the Origins of Christology p336 que opta pela interpretaccedilatildeo res

rapienda e ainda declara ldquoO enredo da passagem requer que o estado final de Jesus seja maior que o estado inicialrdquo Por sua vez GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 351 avalia essa interpretaccedilatildeo como ldquorazoaacutevelrdquo Ele afirma ldquoO hino certamente sugere alguma forma na qual a exaltaccedilatildeo ia aleacutem do estado preexistenterdquo Natildeo obstante o proacuteprio R P Martin entende que a sua interpretaccedilatildeo seria uma variaccedilatildeo entre as claacutessicas posiccedilotildees res rapta (Cristo jaacute possuiacutea a igualdade com Deus na preexistecircncia e natildeo se apegou a isso e a exaltaccedilatildeo natildeo muda nada em relaccedilatildeo a isso) e res rapienda (Cristo natildeo possuiacutea a igualdade com Deus inclusive a divindade que seriam recebidas na exaltaccedilatildeo) WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 62-81 faz uma extensa avaliaccedilatildeo das interpretaccedilotildees do termo ἁρπαγμός na literatura especializada e identifica 17 possibilidades diferentes Na avaliaccedilatildeo dele a exegese de Cullmann e Martin deve ser classificada como res rapienda 272 Conforme VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 268 mostra que o tema do hino eacute a afirmaccedilatildeo de que o Senhor do mundo eacute o crucificado 273 BARBAGLIO G As cartas de Paulo II p 378

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se exaltou mas o proacuteprio Deus o colocou na posiccedilatildeo mais elevada do universo

compartilhando sua soberania com ele Ou seja o κύριος que Deus exaltou natildeo

satildeo os imperadores de Roma nem as divindades orientais O κύριος exaltado pelo

uacutenico Deus de Israel eacute aquele que natildeo buscou a exaltaccedilatildeo se esvaziou e assumiu a

forma de servo e foi obediente a Deus ateacute a morte de cruz O κύριος eacute aquele que

agora eacute soberano sobre todo o universo acima de todos os poderes visiacuteveis e

invisiacuteveis Este κύριος deve ser confessado e reverenciado por todos sem

exceccedilatildeo E o reconhecimento de que esse κύριος eacute Jesus Cristo glorifica Deus Pai

o Deus uacutenico de Israel

Portanto ainda que natildeo seja impossiacutevel tomar o verbo ὑπερύψωσεν em

uma dimensatildeo superlativa parece que faz mais jus ao texto como um todo e ao

papel desempenhado pela exaltaccedilatildeo de Jesus no conjunto a dimensatildeo

comparativa

435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo

O Jesus exaltado apresentado em Fl 26-11 eacute diametralmente oposto agraves

figuras consideradas exaltadas no ambiente soacutecio-poliacutetico da eacutepoca paulina O

anuacutencio da exaltaccedilatildeo de Jesus eacute contra cultural quase subversivo tanto no que diz

respeito ao seu status atual como κύριος como no que se refere ao caminho que

ele trilhou ateacute chegar a esse status de exaltaccedilatildeo Porque ao contraacuterio das

autoridades que chegavam ao poder atraveacutes da violecircncia e do roubo o Filho de

Deus nem sequer desejou o poder274 Ao inveacutes da apoteose ocorreu a kenosis275

Ele optou pela obediecircncia agir como servo humilhou-se e morreu recebendo a

pena romana da crucificaccedilatildeo276

Eacute uma mensagem que causaria impacto em qualquer canto do impeacuterio

romano onde ecoasse a ideologia do cursus honorum Este pensamento levava os

cidadatildeos romanos na capital e em toda extensatildeo do impeacuterio a lutar entre si por

tiacutetulos cargos homenagens e outras situaccedilotildees que acarretassem prestiacutegio e

274 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 475 275 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 143 276 WRIGHT N T Paulo novas perspectivas p 89 ldquoo supliacutecio da cruz veio a se tornar um siacutembolo eficaz e temido nas matildeos do poder imperial bem antes de vir a se tornar o siacutembolo de qualquer outra coisardquo

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reconhecimento que tempos depois eram listadas de forma ascendente e

colocadas em inscriccedilotildees puacuteblicas277 Esse coacutedigo cultural era muito importante

para a cidade de Filipos enquanto colocircnia romana que tanto se orgulhava da sua

ligaccedilatildeo com o impeacuterio exibindo sua influecircncia por toda parte Para esse cenaacuterio

sociocultural Fl 26-11 funciona como uma mensagem contra cultural

descrevendo o caminho de Jesus como cursus pudorum onde ele abriu matildeo da

sua alta posiccedilatildeo de honra prestiacutegio e gloacuteria e desceu para servir aos outros

chegando ao mais baixo patamar da condiccedilatildeo humana da eacutepoca a morte de

cruz278 A mensagem cristatilde proclamava um Senhor acima de todos os senhores

que natildeo chegou a esse status pelo cursus honorum romano mas que seguiu pelo

cursus pudorum

Soacute que o texto natildeo termina afirmando que o humilhado foi simplesmente

exaltado O texto vai adiante para mostrar que o exaltado recebeu o nome sobre

todo nome o proacuteprio tiacutetulo κύριος e agora eacute o uacutenico que deve ser reverenciado e

confessado (Fl 210-11) por todos os seres do universo O imperador romano era

considerado Senhor do impeacuterio e no culto ao imperador a figura dele

representava a unidade do impeacuterio Fl 29-11 apresenta Jesus como Senhor do

universo e a unidade do universo nele eacute celebrada no culto cristatildeo279 Tudo isso

aponta para a clara dimensatildeo poliacutetica da exaltaccedilatildeo de Cristo280 que como

realidade escatoloacutegica traz seacuterias implicaccedilotildees para a vida dos cidadatildeos de Filipos

que estatildeo debaixo do poder de Roma281 A partir de entatildeo eacute impossiacutevel para os

cristatildeos reconhecerem a reivindicaccedilatildeo de domiacutenio do imperador ou de qualquer

outro Com a exaltaccedilatildeo de Jesus eles estatildeo debaixo de um novo Senhor de um

277 HELLERMAN J H Philippians p 106 278 Idem Enquanto cursus honorum significa um caminho de honras cursus pudorum quer dizer um caminho de vergonha de humilhaccedilotildees 279 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the

Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 282 280 O proacuteprio formato da passagem como reconhecido de forma ampla segue a estrutura dos cerimoniais de entronizaccedilatildeo do rei pode intencionar um contraste com os governantes contemporacircneos que foram entronizados E pelo acircngulo da retoacuterica grega chega-se a mesma impressatildeo pois como nota MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive

Hymnos a Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 130 em geral esse toacutepico era utilizado em referecircncia a deificaccedilatildeo poacutes-morte do imperador Daiacute em Fl 26-11 este toacutepico funciona como uma aguda retoacuterica apontada contra Roma Tambeacutem nessa perspectiva KRENTZ E Paulo os jogos e a miliacutecia p 325 cita R R Brewer segundo o qual Paulo teria formulado Fl 29-11 com a intenccedilatildeo de fazer oposiccedilatildeo ao culto ao imperador Nero 281 FOWL S E Philippians p 105 ldquoEsses versos assentam o fundamento para a contra-poliacutetica que Paulo deseja que os filipenses incorporem em sua vida comumrdquo

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novo domiacutenio282 e possuem uma nova cidadania o que o apoacutestolo expressa

atraveacutes do verbo πολιτεύομαι em Fl 127283 Atraveacutes da afirmaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de

Cristo ldquoPaulo introduz uma autoridade nova e insuperaacutevel do tempo

escatoloacutegicordquo284

44 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a doaccedilatildeo de um novo nome

441 O verbo χαρίζομαι

Como apontado no iniacutecio deste capiacutetulo o verbo ἐχαρίσατο estaacute nessa

frase em paralelo com o verbo anterior ὑπερύψωσεν ldquoamplificando seu

significado e indicando sua naturezardquo285 No Novo Testamento χαρίζομαι

significa uma doaccedilatildeo feita de forma livre graciosa como um favor feito a

algueacutem286 Em Fl 29 naturalmente o favor eacute feito por Deus Eacute curioso que fora do

Novo Testamento χαρίζομαι natildeo ocorre tendo Deus como sujeito antes do seacuteculo

II dC A partir de entatildeo passa a ser usado no sentido de ldquodar graciosamenterdquo que

eacute o sentido predominante na LXX a provaacutevel fonte de influecircncia

neotestamentaacuteria287

282 FOWL S E Philippians p 105 283 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the

Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 269-287 propotildee fazer uma leitura da passagem toda de Fl 26-11 privilegiando a funccedilatildeo social que ela desempenharia na comunidade cristatilde primitiva Desse modo o humilhado que eacute exaltado representaria o iniacutecio da transformaccedilatildeo do cristianismo de uma subcultura dentro do judaiacutesmo para uma comunidade religiosa independente com poder e autoridade legiacutetimos 284 SCHNELLE UDO Teologia do Novo Testamento p 285-286 Este autor prefere falar de uma dimensatildeo poliacutetica da teologia paulina ao inveacutes de uma teologia anti-imperial de Paulo como se o apoacutestolo de forma expliacutecita ou velada estivesse articulando uma criacutetica a Roma Ele avalia que esta uacuteltima interpretaccedilatildeo tem sido importante na literatura teoloacutegica anglo-americana Em contrapartida FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical

Scholarship p 202 salienta que a passagem em anaacutelise ldquoteria funcionado como uma forma puacuteblica de resistecircncia contra o culto imperialrdquo se tivesse sido utilizada repetidamente como hino na comunidade 285 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 237 286 BAGD p 876-877 O verbo eacute muito importante para Paulo como indica a estatiacutestica Satildeo 23 ocorrecircncias no Novo Testamento sendo 11 nas cartas paulinas a saber Rm 832 1Co 212 2Co 27 2Co 210 (3x) 2Co 1213 Gl 318 Ef 432 (2x) Fl 129 e 29 Cl 213 e 313 (2x) Fm 122 287 ESSER H H χάρις In DITNT v I p907-915

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No contexto de Fl 29-11 o verbo χαρίζομαι acentua que a exaltaccedilatildeo natildeo

foi a conquista do heroacutei Jesus Cristo Muito pelo contraacuterio o verbo sugere que a

exaltaccedilatildeo de Jesus foi uma ldquodaacutediva da graccedilardquo288 e que embora Jesus merecesse

Deus natildeo o exaltou como se fosse obrigado ou constrangido a isso por uma lei

moral coacutesmica nem mesmo pela accedilatildeo de Jesus descrita nos versiacuteculos 6-8289 A

exaltaccedilatildeo de Jesus foi um ato livre da graccedila de Deus290 Trazendo isso para um

contexto trinitaacuterio o relacionamento que o conjunto de Fl 26-11 supotildee entre

Cristo e Deus Pai natildeo eacute do tipo em que ldquoobediecircncia eacute oferecida em troca de

exaltaccedilatildeordquo291 Eacute muito mais um relacionamento de dom e doaccedilatildeo que fluem de

uma superabundacircncia de amor292

442 O nome dado a Jesus

No pequeno segmento τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα duas vezes o

substantivo ὄνομα eacute utilizado sendo que na primeira ele eacute acompanhado do

artigo293 indicando que o nome recebido eacute especiacutefico e especial (natildeo eacute ldquoum

nomerdquo mas ldquoo nomerdquo) e na segunda vez eacute antecedido pelo adjetivo πᾶν

indicando que ldquoo nomerdquo estaacute acima de todos os nomes existentes em um paralelo

com Ef 120-21 Jaacute a preposiccedilatildeo ὑπὲρ estaacute conectada a um duplo acusativo Nesse

caso ela significa ldquosobrerdquo ldquoaleacutemrdquo ldquomais querdquo294 expressando uma

intensificaccedilatildeo um conceito superlativo295 Ou seja Fl 29 estaacute afirmando que o

nome dado a Jesus eacute o mais exaltado mais glorioso que qualquer outro nome do

universo O artigo que antecede a preposiccedilatildeo funciona aqui como pronome

288 MARTIN R P Filipenses p 114 289 FOWL S E Philippians p 101 290 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 113 reconhece que Jesus tinha meacuteritos isto eacute a obediecircncia a humildade o aceitar a missatildeo do Pai mas ldquonatildeo se pode vincular a exaltaccedilatildeo a algum meacuterito especiacuteficordquo 291 FOWL S E Philippians p 101 Como observa OrsquoBrien P T The Epistle to the

Philippians p 234 se Cristo tivesse se humilhado mirando algum tipo de exaltaccedilatildeo isso natildeo seria uma verdadeira e sincera renuacutencia e sim uma forma de procurar o seu proacuteprio interesse 292 Idem 293 Alguns manuscritos omitem o artigo Conferir a discussatildeo sobre a criacutetica textual do texto na introduccedilatildeo 294 BAGD p 839 295 PATSCH H ὑπὲρ In DENT v II p 1874 Segundo ele o mesmo acontece em Ef 122

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relativo296 ligando o objeto direto τὸ ὄνομα agrave oraccedilatildeo preposicional ὑπὲρ πᾶν

ὄνομα o nome o qual eacute sobre todo nome

4421 ldquoNomerdquo no Antigo Testamento e no judaiacutesmo

No Israel antigo e em outros povos contemporacircneos nomear significa

estabelecer uma relaccedilatildeo de domiacutenio sobre o que eacute nomeado297 Assim em Gn

219-20 Adatildeo exerce domiacutenio sobre a criaccedilatildeo ao dar nome aos animais No Sl

1474 YHWH daacute o nome agraves estrelas e eacute Senhor delas O nome de YHWH estaacute

sobre Israel porque este eacute o seu povo (Is 6319) Nomear uma cidade ou uma terra

eacute sujeitaacute-la ao seu poder (2Sm 1228 Sl 4911)298 Ainda nesse contexto o nome eacute

mais do que um roacutetulo que diferencia pessoas Ele expressa a identidade a

verdadeira natureza do indiviacuteduo299 Consequentemente um novo nome indica

uma nova realidade uma mudanccedila de vida uma virada na histoacuteria como no caso

de Jacoacute em Gn 3228 e em particular a promessa de um novo nome para Israel em

Is 622

O nome de YHWH eacute um aspecto essencial da revelaccedilatildeo biacuteblica Deus se

apresenta com um nome pessoal atraveacutes do qual pode ser invocado Ao mesmo

tempo seu nome eacute expressatildeo de soberania e poder Eacute um modo alternativo de

falar do proacuteprio YHWH Seu nome passa a ter uma existecircncia proacutepria e

independente como expressatildeo do proacuteprio YHWH Faz o papel que nas demais

religiotildees eacute desempenhado pelas imagens rituais A esperanccedila veterotestamentaacuteria

eacute que um dia todo joelho se dobre somente diante do nome de YHWH300

O judaiacutesmo entretanto vai aos poucos deixando de lado a utilizaccedilatildeo do

tetragrama A tradiccedilatildeo rabiacutenica evita a todo custo a menccedilatildeo considerada infraccedilatildeo

do 3ordm mandamento A mesma tradiccedilatildeo informa que apoacutes a morte de Simatildeo o Justo

(200 aC) os sacerdotes deixaram de pronunciar o nome sagrado nas accedilotildees de

296 HELLERMAN J H Philippians p 120 297 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p 1395 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 253 298 Essa uacuteltima concepccedilatildeo pode ajudar a compreender a praacutetica poliacutetica de nomear cidades e territoacuterios Com efeito esse foi o caso da cidade de Filipos que passou a ter esse nome quando foi dominada por Filipe II da Macedocircnia em 356 aC 299 HAWTHORNE G F Philippians p 91 300 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p 1395-1396

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graccedilas No culto do templo apenas o Sumo Sacerdote poderia fazecirc-lo no dia da

expiaccedilatildeo Nas leituras da Escritura era substituiacutedo por שם Essa tendecircncia em

relaccedilatildeo ao tetragrama tambeacutem se encontra em Josefo que natildeo emprega nem

mesmo o substituto tradicional κύριος Quando precisa ele se refere ao ὄνομα ou

a προσηγορίᾳ (tiacutetulo apelativo de Deus)301

Tambeacutem faz parte desse pano de fundo o interesse judaico de maneira

especial no formato representado por Qumran nos ldquonomes poderosos de Deus e

dos seus agentes celestiaisrdquo referindo-se a arcanjos de muitos nomes e que

traziam o nome e o poder de Deus302 Depois os gnoacutesticos vatildeo valorizar essa

especulaccedilatildeo em torno de nomes divinos e celestiais e citaccedilotildees de Fl 26-11 nos

pais da igreja indicam que esta passagem foi nesse sentido utilizada por eles303

4422 ldquoNomerdquo no Novo Testamento

No Novo Testamento o substantivo ὄνομα aleacutem de outros usos eacute utilizado

teologicamente de forma bastante diversificada Bietenhard comenta que nos

escritos neotestamentaacuterios ldquoo nome a pessoa e a accedilatildeo de Deus estatildeo com vaacuterias

diferenciaccedilotildees inseparavelmente ligados ao nome a pessoa e accedilatildeo de Jesus

Cristordquo304 Por exemplo em Joatildeo 176 eacute Jesus quem revela o nome de Deus como

Pai aos homens Jesus age em nome de Deus e em prol do nome de Deus Mas o

nome de Jesus em si mesmo ganha importacircncia Agrave semelhanccedila do que os judeus

fizeram com o nome de Deus tambeacutem ocorre no Novo Testamento a substituiccedilatildeo

do nome de Jesus pela expressatildeo ldquoo nomerdquo (At 541 3Jo 7) ldquoA plenitude da obra

salviacutefica de Cristo eacute contida no nome dEle (assim como a obra salviacutefica de Javeacute

tambeacutem se continha no seu nome)rdquo305 O perdatildeo de pecados estaacute vinculado agrave feacute

no nome de Jesus (At 1043 1Jo 212) Quem invoca o nome de Jesus pertence agrave

igreja e eacute salvo (At 914 1Co 12 At 217-21 Rm 1013) talvez uma aplicaccedilatildeo

cristoloacutegica de Jl 232 Ser cristatildeo eacute ter a vida inteira dominada por esse nome

301 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p1396-1397 O proacuteximo capiacutetulo discutiraacute a questatildeo da substituiccedilatildeo no judaiacutesmo do tetragrama por κύριος 302 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 143 303 Idem 304 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 271 305 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT p 1401

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Inclusive o Novo Testamento registra Jesus dando um novo nome a algumas

pessoas o que segundo a tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria pode indicar uma nova

direccedilatildeo de vida306

Talvez o paralelo neotestamentaacuterio mais proacuteximo de Fl 29 seja Ef 120-

21 que expressa a soberania do Jesus exaltado sobre todos os poderes

Que ele fez operar em Cristo ressuscitando-o de entre os mortos e fazendo-o assentar agrave sua direita nos ceacuteus muito acima de qualquer Principado e Autoridade e Poder e Soberania e de todo o nome que se pode nomear [καὶ παντὸς ὀνόματος ὀνομαζομένου] natildeo soacute neste seacuteculo mas tambeacutem no vindouro

Outro paralelo importante para Fl 29 eacute Hb 14 onde tambeacutem se fala de um

nome para o Jesus exaltado Em Filipenses esse nome indica soberania e em

Hebreus eacute um nome superior aos anjos (um paralelo aos poderes espirituais de

Efeacutesios) que aqui se refere agrave natureza e agrave posiccedilatildeo de Filho307

4423 A Identificaccedilatildeo nome dado a Jesus em Fl 29

Antes de mais nada deve-se notar a pouca probabilidade da exegese

alcanccedilar uma resposta definitiva para a questatildeo qual o nome foi dado a Jesus em

sua exaltaccedilatildeo O obstaacuteculo quase insuperaacutevel eacute que o texto em si natildeo apresenta

uma resposta expliacutecita308 No entanto pode-se avaliar entre as possiacuteveis soluccedilotildees

qual seria a melhor resposta ou pelo menos a mais provaacutevel Assim de antematildeo

percebe-se que algumas propostas satildeo menos recomendaacuteveis e consequentemente

recebem pouco apoio Entre estas estatildeo a identificaccedilatildeo deste nome com o nome

proacuteprio Ἰησοῦς ou em uma forma mais ampliada Ἰησοῦς Χριστὸς Segundo o

306 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 559 307 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 563 308 Nas palavras bem-humoradas de BOCKMUEHL M The Epistle to the Phillipians p 142 ldquoA questatildeo precisa eacute difiacutecil de decidir com certeza e eacute talvez em qualquer caso uma tempestade em uma xiacutecara de chaacute exegeacuteticardquo Natildeo obstante como notado na criacutetica textual alguns manuscritos omitem o artigo na expressatildeo τὸ ὄνομα o que de acordo com HELLERMAN J H Philippians p 120 indica que alguns escribas e pais da igreja entenderam ὄνομα natildeo como um tiacutetulo mas como um reconhecimento Deus exaltou Jesus e deu a ele fama reconhecimento universal E mesmo admitindo que o texto com artigo seja com certeza o mais bem testemunhado significando o tiacutetulo κύριος que aparece no versiacuteculo 11 Hellerman defende que esse sentido de fama e reconhecimento puacuteblico deva ser incluiacutedo na exegese do nome dado ao Jesus exaltado tendo em vista o contexto soacutecio-poliacutetico de Filipos Em uma cultura onde as pessoas brigavam para ter uma reputaccedilatildeo reconhecida Fl 29 afirma que Deus deu a Jesus a ldquoreputaccedilatildeo que estaacute acima de toda a reputaccedilatildeordquo Segundo BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 270 ὄνομα como reputaccedilatildeo eacute encontrado no Novo Testamento em Mc 614 e Ap 31

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Novo Testamento entretanto eacute este o nome que Jesus possuiacutea desde o seu

nascimento e Fl 29 fala de uma reverecircncia a um novo nome que ele recebeu a

partir da sua exaltaccedilatildeo Natildeo obstante Fl 211 vai fazer referecircncia a Ἰησοῦς

Χριστὸς de uma forma tradicional sem o peso do significado que o versiacuteculo 9

indica Entre os pais da igreja as propostas variaram entre υἱὸς e θεός mas natildeo haacute

nada no texto que substancie essas soluccedilotildees309

Um caminho razoaacutevel para soluccedilatildeo eacute considerando que quem daacute o nome eacute

Deus pensar que ele deu a Jesus o seu proacuteprio nome Segundo o Antigo

Testamento esse nome eacute YHWH que a LXX traduz por κύριος Justamente esse o

nome que segundo Fl 211 desde a exaltaccedilatildeo toda liacutengua deve confessar Este

versiacuteculo eacute fundamental nesta identificaccedilatildeo pois ele estaacute fazendo uma releitura

cristoloacutegica de Is 4523 texto que anuncia um tempo de salvaccedilatildeo futura no qual

todo joelho se dobraraacute diante de YHWH e toda liacutengua juraraacute por ele A sequecircncia

de Is 4524 tambeacutem eacute importante ז ר צדקות וע י אמ Igrave ביהוה ל dizendo Soacute emldquo א

YHWH haacute justiccedila e forccedilardquo Ora em Fl 29-11 o proacuteprio YHWH estaacute dando esse

nome a Jesus para que agora diante do nome dele todo joelho se dobre e toda

liacutengua confesse

OrsquoBrien apresenta quatro argumentos em favor da identificaccedilatildeo de τὸ

ὄνομα como κύριος Primeiro na oraccedilatildeo subordinada dos versiacuteculos 10-11 Jesus eacute

identificado com κύριος e pode assim receber reverecircncia universal Segundo ele

considera plausiacutevel entender as expressotildees τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ e τὸ ὑπὲρ πᾶν

ὄνομα como justapostas Terceiro para judeus como Paulo um nome superlativo

como este sempre seria entendido como equivalente a YHWH E em quarto

lugar cria-se uma simetria no hino como um todo pois aquele que era ἴσα θεῷ

passa a ser δοῦλος e agora se torna κύριος310

Esta identificaccedilatildeo faz jus ao contexto escatoloacutegico da passagem e agrave

perspectiva mais ampla do Novo Testamento que como seraacute visto relaciona o

tiacutetulo κύριος dado a Jesus com a sua ressurreiccedilatildeo e consequentemente sua

exaltaccedilatildeo311 Tambeacutem eacute preciso perceber que nesta interpretaccedilatildeo o termo ὄνομα eacute

309 MARTIN R P A Hymn of Christ p 235 310 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 311 MARTIN escrevendo em 1967 afirmou que havia um consenso geral para reconhecer que o nome dado a Jesus na exaltaccedilatildeo eacute mesmo κύριος Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 245 No entanto SILVA Moiseacutes Philippians p 110-111 faz algumas reservas a essa identificaccedilatildeo lembrando que o texto natildeo eacute expliacutecito a esse respeito

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tomado como ofiacutecio funccedilatildeo missatildeo312 Isso eacute corroborado pela tendecircncia

teoloacutegica judaica iniciada no Antigo Testamento de pensar ם como uma ש

hipoacutestase de YHWH O ם de YHWH eacute uma entidade transcendente atraveacutes da ש

qual o proacuteprio YHWH atua no mundo Sobre esse pano de fundo Fl 29 significa

que YHWH deu a Jesus muito mais que um tiacutetulo mas colocou sobre ele o seu

poder Especificando ainda mais pode-se dizer que esse poder significa

autoridade um novo ofiacutecio que Cristo desempenharaacute ao lado do Pai e diante do

cosmos Uma nova funccedilatildeo na histoacuteria da salvaccedilatildeo313 O paralelo de Fl 29-11 com

as cerimocircnias de entronizaccedilatildeo do antigo oriente percebido anteriormente

corrobora essa visatildeo pois neles um novo nome significa ser investido em uma

nova posiccedilatildeo de poder e autoridade314 No caso de Cristo investido como Senhor

soberano do cosmo A partir da exaltaccedilatildeo ele atua como Senhor do universo

exercendo a soberania que antes pertencia apenas a YHWH com o diferencial que

esse Senhor coacutesmico eacute o mesmo personagem histoacuterico que viveu na Galileia e foi

crucificado em Jerusaleacutem conhecido como Jesus de Nazareacute Esta identificaccedilatildeo era

fundamental para distinguir a mensagem do hino das especulaccedilotildees mitoloacutegicas

contemporacircneas

Essa maneira de enxergar o substantivo ὄνομα ajuda ainda a perceber a

conexatildeo entre a exaltaccedilatildeo e a preexistecircncia de Cristo como visto acima O

problema pode ser formulado assim se a partir de Fl 26 entende-se que Cristo

tinha a plena igualdade com Deus como ele pode ser exaltado a uma posiccedilatildeo

superior O que poderia ser maior do que ser igual a Deus Mediante a categoria

ldquofunccedilatildeordquo ao inveacutes de ldquoessecircnciardquo consegue-se sair desse dilema dogmaacutetico Em

outras palavras natildeo houve uma mudanccedila ontoloacutegica no Filho de Deus mas

funcional E de fato os dados neotestamentaacuterios indicam que a partir da exaltaccedilatildeo

Cristo passou a exercer uma nova funccedilatildeo no cosmos algo que ele natildeo tinha antes

Essa nova funccedilatildeo eacute a soberania sobre o universo que o versiacuteculo Fl 211 (e

aliaacutes o Novo Testamento em geral) vai associar ao novo nome que ele recebeu

312 Entre outros MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 114 que afirma que um novo nome pode ser o equivalente a uma nova missatildeo 313 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 237 BOCKMUEHL M The Epistle

to the Philippians p 142 nota que no mundo antigo em geral e no judaiacutesmo em particular nomes eram importantes pelo que significavam e natildeo como roacutetulos 314 BARTH G A carta aos Filipenses p 47 CULLMANN O Cristologia do Novo

Testamento p 285 afirma ldquono judaiacutesmo como em todas as religiotildees antigas o nome representa ao mesmo tempo um poderrdquo (grifos dele) Em contrapartida SILVA Moiseacutes Phillipians p 110 eacute bastante reticente com essa interpretaccedilatildeo

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κύριος315 Por certo foi um passo decisivo no desenvolvimento da cristologia

primitiva a feacute que Jesus foi exaltado por Deus para ao lado dele governar sobre

todo o universo Porque Jesus compartilha a soberania de Deus ele pode

compartilhar o proacuteprio nome de Deus Afinal como visto acima o nome sobre

todo nome significava para os judeus o proacuteprio tetragrama YHWH que entre os

judeus de fala grega tinha como substituto adequado o tiacutetulo κύριος que a partir

da exaltaccedilatildeo tambeacutem eacute o nome de Jesus A importacircncia desse desenvolvimento

teoloacutegico eacute que ldquopara o monoteiacutesmo judaico soberania sobre todas as coisas era a

definiccedilatildeo de quem Deus eacuterdquo316 O resultado eacute a inclusatildeo de Jesus na identidade do

Deus uacutenico de Israel317 O ponto de partida principal para essa reflexatildeo

neotestamentaacuteria eacute a leitura cristoloacutegica do Salmo 1101 O hino cristoloacutegico

entretanto recorre a Isaiacuteas 4523318

Aleacutem da soberania essa nova funccedilatildeo de Jesus tambeacutem pode ser associada

agrave categoria da ldquorevelaccedilatildeordquo Este ponto eacute sublinhando por Kaumlsemann

Reconhecendo que realmente τὸ ὄνομα aponta para a designaccedilatildeo de Jesus como

κύριος do universo ele avalia o que novo nome traz uma novidade revelacional A

partir de agora o relacionamento do cosmos com Deus passa pelo Jesus κύριος

O kyrios eacute Deus em sua relaccedilatildeo com o mundo Na entronizaccedilatildeo a representaccedilatildeo de Deus diante do mundo se transferiu para aquele que foi elevado Eacute atraveacutes dele somente que Deus exerce sua accedilatildeo sobre o cosmo (no sentido de 1Co 1528 poderia dizer-se ateacute a parusia) Consciente ou inconscientemente eacute com Cristo com quem tem que tratar o mundo na medida que tem que tratar com Deus A partir de agora ele eacute o seu senhor e seu juiz319

315 Assim MARTIN R P A Hymn of Christ p 236-237 316 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 130 317 Idem Segundo HURTADO L W Senhor Jesus Cristo p 818 o fato de Jesus receber o nome de Deus eacute ldquoo mais proacuteximo que chegamos a um equivalente de um elo lsquoontoloacutegicorsquo de Deus com Jesusrdquo 318 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 130 Natildeo obstante ao contraacuterio do que foi exposto aqui HELLERMAN J H Vindicating Godrsquos Servants in Philippi

and in Philippians p 96-97 acredita que o termo ὄνομα deve ser conectado a κύριος mas natildeo se trata de um novo dado a Jesus e sim da manifestaccedilatildeo puacuteblica do nome que ele jaacute tinha ao longo de toda a sua carreira Parece contudo que sua exegese eacute influenciada pelo desejo de fazer um paralelo entre Fl 26-11 com At 1611-40 onde Paulo soacute revela seu ldquotiacutetulordquo de cidadatildeo romano depois do sofrimento e da humilhaccedilatildeo 319 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 110

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45 Conclusatildeo do capiacutetulo

Diante do exposto acima eacute possiacutevel nesta conclusatildeo enfrentar uma uacuteltima

questatildeo por que Deus exaltou Jesus Para isso eacute necessaacuterio voltar agrave expressatildeo διὸ

καὶ que inicia o versiacuteculo 9 e pode ser interpretada como estabelecendo uma

relaccedilatildeo de causa e efeito entre 26-8 e 29-11 A causa da exaltaccedilatildeo eacute a

humilhaccedilatildeo De acordo com Martin isso fez Lohmeyer entender que 29-11 eacute

simplesmente a realizaccedilatildeo em Jesus do princiacutepio divino da exaltaccedilatildeo dos justos o

sofrimento do justo leva necessariamente agrave exaltaccedilatildeo320 Seria uma espeacutecie de

resultado loacutegico Contudo como bem observado por Martin ldquoO hino natildeo foi

escrito para provar a validade de um princiacutepiordquo321

Com efeito natildeo se pode negar que a tradiccedilatildeo judaica afirma que Deus

defende e recompensa o sofrimento do servo justo Por exemplo os cacircnticos do

servo de Deus em Isaiacuteas trazem uma expectativa de exaltaccedilatildeo do servo apoacutes o seu

sofrimento Segundo a tradiccedilatildeo sinoacutetica o proacuteprio Jesus ensinou que os que se

humilham diante de Deus por obediecircncia seratildeo exaltados pelo proacuteprio Deus (Mt

2312 Lc 1411 1814) E quem ousaria afirmar que Jesus natildeo merecia ser

exaltado Isso tudo aponta na direccedilatildeo da exaltaccedilatildeo como uma recompensa ao

sofrimento obediente de Jesus uma resposta de Deus a todas as accedilotildees descritas

nos versiacuteculos 6-8322 No entanto natildeo se deve menosprezar a importacircncia do

verbo χαρίζομαι utilizado no contexto apontando para uma exaltaccedilatildeo como obra

da graccedila de Deus

Talvez o melhor na verdade fosse afastar esta questatildeo (o motivo pelo qual

Deus exaltou Jesus) da exegese do texto que tem muito mais jeito de especulaccedilatildeo

dogmaacutetica do que investigaccedilatildeo exegeacutetica Eacute bem provaacutevel que o papel da

expressatildeo διὸ καὶ no contexto vaacute aleacutem do estabelecimento de uma relaccedilatildeo tipo

causa-feito Na verdade ela faz a transiccedilatildeo de um acontecimento escatoloacutegico

para outro ou melhor ainda conecta dois acontecimentos que fazem parte do

mesmo evento escatoloacutegico O pano de fundo escatoloacutegico da exaltaccedilatildeo que foi

desenvolvido ao longo deste capiacutetulo a compreensatildeo especiacutefica de Paulo acerca

320 MARTIN R P A Hymn of Christ p 233-235 Esta opiniatildeo foi adotada depois por HAWTHORNE G F Philippians p 113 321 MARTIN R P A Hymn of Christ p 234 322 Assim OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 233-234

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desta exaltaccedilatildeo a perspectiva linear de interpretaccedilatildeo do hino323 que tem como

cliacutemax a exaltaccedilatildeo324 apontam nessa direccedilatildeo

Porque o problema das interpretaccedilotildees que valorizam a ideia de

recompensa eacute que elas acabam por natildeo fazer jus agrave importacircncia do cenaacuterio descrito

em Fl 29-11 fazendo deste segmento um anexo um posfaacutecio agrave obra principal que

estaria em Fl 26-8 Se fosse assim exaltaccedilatildeo seria tatildeo somente o reconhecimento

do caminho de Jesus como justo325 e consequentemente esse caminho por ter

sido aprovado por Deus se tornaria agora o caminho-modelo para todas as

pessoas326 No entanto na exegese defendida neste trabalho a exaltaccedilatildeo de Jesus

vai certamente aleacutem disso Ela faz parte do evento escatoloacutegico que trouxe um

novo eacuteon o tempo de triunfo sobre os inimigos de Deus e salvaccedilatildeo para todos os

povos conforme a expectativa veterotestamentaacuteria Natildeo daacute para separar a morte e

ressurreiccedilatildeo de Jesus do seu significado escatoloacutegico e dos seus efeitos

soterioloacutegicos

O texto possui uma sequecircncia de acontecimentos interconectados pelo

tema (Jesus) numa linha progressiva que comeccedila na preexistecircncia passa pela

encarnaccedilatildeo e o sacrifiacutecio na cruz e termina na exaltaccedilatildeo que eacute (para os leitores do

texto) o estado atual de Jesus O texto revela o caminho desse que agora eacute o

κύριος de todo o cosmos e sobretudo da Igreja daqueles que jaacute no presente o

confessam e dobram os joelhos diante do seu nome

Esse momento eacute oportuno para discutir uma interpretaccedilatildeo recente que

tambeacutem afasta o conceito de ldquorecompensardquo no texto Eacute o entendimento defendido

principalmente por N T Wright que todo conjunto de Fl 26-11 deve ser

323 Conferir a discussatildeo no capiacutetulo anterior 324 MARTIN R P Filipenses p 129 ldquoo ponto central do ensino do hino ndash como parece certo ndash natildeo eacute o kenosis nem uma lista das caracteriacutesticas da vida terrena de Jesus em humilhaccedilatildeo e obediecircncia mas Seu senhorio presente e final e o caminho que Ele tomou para esse tiacutetulordquo (grifos dele) 325 MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v I p 83-87 argumenta que Fl 29-11 seria apenas um comentaacuterio antigo onde os eventos da Paacutescoa satildeo a vindicaccedilatildeo de Jesus Deus reconhecendo Jesus como justo 326 Isto eacute afirmado com clareza por Moiseacutes Silva que justifica a utilizaccedilatildeo do conceito de ldquorecompensardquo agrave exaltaccedilatildeo de Jesus na medida que ldquoo hino cristoloacutegico implica a correspondecircncia entre a experiecircncia de Cristo e a santificaccedilatildeo do crenterdquo A ideia eacute que assim como Cristo foi recompensado por sua obediecircncia o cristatildeo tambeacutem seraacute A despeito da correccedilatildeo desta teologia especiacutefica o ponto eacute que a interpretaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus no conjunto de Fl 26-11 eacute determinada pela necessidade de fazer do texto um paradigma para a vida cristatilde Cf SILVA Moiseacutes Philippians p 109 Tambeacutem BRUCE F F Filipenses p 81 descreve o versiacuteculo 29 como ldquoa suprema ilustraccedilatildeo de suas proacuteprias palavras lsquoquem a si mesmo se humilhar seraacute exaltadorsquo

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encarado como revelaccedilatildeo do caraacuteter de Deus ou como se tornou comum afirmar

o caraacuteter do Deus de Israel ldquoA real ecircnfase teoloacutegica do hino entatildeo natildeo eacute

simplesmente uma nova visatildeo de Jesus Eacute um novo entendimento de Deusrdquo327

Para Wright isso significa que divindade eacute sinocircnimo de doaccedilatildeo e natildeo obtenccedilatildeo328

Foi assim que Jesus interpretou a sua igualdade com Deus As accedilotildees de 26-8 satildeo

a revelaccedilatildeo disso enquanto que a exaltaccedilatildeo seria o reconhecimento por parte de

Deus Pai que realmente a encarnaccedilatildeo e morte de Jesus satildeo ldquoa revelaccedilatildeo do amor

divino em accedilatildeordquo329

S E Fowl trabalhando a partir da exegese de Wright afirma que tanto o

sofrimento de Jesus narrado em 26-8 quanto a exaltaccedilatildeo dele descrito em 29-11

satildeo essencialmente revelaccedilatildeo de Deus ao mundo manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Deus

de Israel330 E para o sofrimento servir a esse propoacutesito revelacional ele precisa ser

vindicado por Deus E aiacute que entra a exaltaccedilatildeo pois como vindicaccedilatildeo do

sofrimento de Jesus ela atesta que o Deus apresentado no conjunto eacute realmente o

Deus de Israel e Jesus eacute realmente seu Cristo331

Eacute verdadeiramente certo que o hino de Fl 26-11 estaacute ancorado no

monoteiacutesmo veterotestamentaacuterio Isso fica especialmente claro na seccedilatildeo dos

versiacuteculos 9-11 pois a exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute narrada como um heroacutei pagatildeo que

depois de vencer na Terra tambeacutem vai vencer no ceacuteu tomando o lugar dos outros

deuses Jesus natildeo tomou o lugar de Deus Ele foi exaltado por Deus Deus

compartilha gratuitamente com ele a soberania que era exclusivamente sua sem

no entanto deixar de tecirc-la todos os seres satildeo chamados a reconhecer Jesus como

κύριος mas no final tudo isso que acontece eacute εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

Em contrapartida como jaacute observado neste capiacutetulo o tema do conjunto

inteiro de Fl 26-11 eacute Jesus o Filho de Deus jaacute indicado pelo pronome relativo ὃς

que abre o hino no versiacuteculo 6 O que eacute apresentado aqui eacute a sua decisatildeo pessoal e

voluntaacuteria de se encarnar de assumir a forma de servo de se humilhar e ser

327 WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 84 328 Idem citando palavras de C F D Moule Nesse sentido Wright eacute seguido por FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 40 e 45 329 Ibid p 86 330 FOWL S E Philippians p 101 Que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute muito mais que a vindicaccedilatildeo de Jesus foi exposto acima 331 FOWL S E Philippians p 101 Essa linha de raciociacutenio fecha com a interpretaccedilatildeo eacutetica da passagem como um todo pois se o caraacuteter de Deus eacute vindicar o justo sofredor entatildeo o cristatildeo pode esperar que esse mesmo Deus faraacute isso com ele quando nesse mundo sofre de forma injusta Nas paacuteginas 106 e 107 Fowl afirma que essa argumentaccedilatildeo ajuda a responder uma das criacuteticas feitas agrave chamada interpretaccedilatildeo eacutetica

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obediente ateacute a morte e morte de cruz E em seguida a accedilatildeo gratuita de Deus em

exaltaacute-lo como Senhor com todos os contornos jaacute apresentados e outros que ainda

seratildeo explorados E dentro do cristianismo primitivo o texto era muito mais do

que uma mera lista de eventos Ele oferecia uma interpretaccedilatildeo do evento

escatoloacutegico que envolveu a encarnaccedilatildeo a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

cumprindo as esperanccedilas do povo de Israel332 A interpretaccedilatildeo de Wright e Fowl

tenta deslocar o epicentro do hino de Cristo para Deus Pai (o Deus de Israel) e faz

do amor o tema da passagem Natildeo soacute a passagem natildeo fala de amor (nenhum termo

eacute usado nesse sentido) como essa exegese parece nascer de uma preocupaccedilatildeo

externa ao texto333 natildeo levando em consideraccedilatildeo a narrativa em si que eacute

fundamentalmente cristoloacutegica E eacute por esse vieacutes cristoloacutegico que aparece o tema

da revelaccedilatildeo de Deus porque na teologia cristatilde Cristo eacute a revelaccedilatildeo de Deus

Tanto o sofrimento quanto a exaltaccedilatildeo de Cristo satildeo revelaccedilatildeo de Deus ao

mundo334 algo acentuado justamente quando se daacute a devida atenccedilatildeo ao contexto

escatoloacutegico envolvido nesses eventos

E como se veraacute adiante sobretudo no quarto capiacutetulo mais do que

descrever ou reafirmar o caraacuteter do Deus de Israel o hino cristoloacutegico de Fl 26-

11 sobretudo quando trata da exaltaccedilatildeo de Cristo foi muito importante para o

cristianismo primitivo redefinir o monoteiacutesmo judaico em termos de um

monoteiacutesmo cristoloacutegico Mas antes enfrentar a discussatildeo do monoteiacutesmo que

aparece claramente no final do versiacuteculo 11 eacute necessaacuterio considerar o conteuacutedo

dos versos 10 e 11 que apresentam os desdobramentos da exaltaccedilatildeo de Jesus

nada menos do que o universo inteiro reverenciaacute-lo e confessaacute-lo como Senhor

332 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 24 para quem nos versiacuteculos 6-8 se oferece uma interpretaccedilatildeo da encarnaccedilatildeo e da morte de Jesus e nos versiacuteculos 9-11 da ressurreiccedilatildeo de Jesus Interpretaccedilatildeo que podia ser cantada nos cultos (caso Fl 26-11 tenha existido como um hino de fato) ou confessada pelos convertidos (entendendo o texto como confissatildeo) 333 A tendecircncia da exegese contemporacircnea de compreender Paulo dentro do judaiacutesmo e natildeo contra o judaiacutesmo 334 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 75-76 foi talvez o primeiro a defender o aspecto revelacional de Fl 26-11 Para ele o hino natildeo trata diretamente da relaccedilatildeo entre Deus e a igreja ou entre Deus e os crentes mas sim da relaccedilatildeo total entre Deus e o mundo O hino descreve a revelaccedilatildeo de Deus ao mundo inteiro Em especial quanto agrave seccedilatildeo de Fl 29-11 ele afirma ldquonatildeo se trata unicamente de sentimentos eacuteticos apropriados mas ao contraacuterio de uma vitoacuteria sobre o mundo da eliminaccedilatildeo das oposiccedilotildees ateacute o cumprimento escatoloacutegico desejado por Deusrdquo

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5 A reverecircncia e a confissatildeo ao Jesus exaltado

51 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

O objetivo do presente capiacutetulo eacute estudar o texto de Fl 210-11 com exceccedilatildeo

do uacuteltimo segmento que seraacute analisado no proacuteximo capiacutetulo Assim o texto a ser

trabalhado eacute o seguinte ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται

Todo o segmento dos versiacuteculos 10 e 11 depende da conjunccedilatildeo ἵνα Ela eacute a

ligaccedilatildeo com o versiacuteculo 9 Ela traz duas possibilidades para o conjunto a ideia de

finalidade Jesus foi exaltado a fim de que todo joelho se dobre e toda liacutengua o

confesse ou a ideia de resultado consequecircncia Jesus foi exaltado

consequentemente agora todo o joelho deve se dobrar e toda a liacutengua deve confessaacute-

lo Existe uma leve vantagem para a primeira opccedilatildeo visto ser esse o uso

predominante de ἵνα no grego claacutessico no Novo Testamento e inclusive no corpus

paulino335 entendendo assim a submissatildeo e reverecircncia de todo o universo a Jesus

como partes da intenccedilatildeo divina ao exaltar Jesus e ao mesmo tempo natildeo dar a

impressatildeo que o conteuacutedo dos versiacuteculos 10 e 11 satildeo uma espeacutecie de resultado

casual Contudo natildeo se deve insistir na distinccedilatildeo pois as duas noccedilotildees andam juntas

na literatura biacuteblica do Antigo e do Novo Testamento e eacute possiacutevel que ambas

estejam presentes neste texto336

52 Isaiacuteas 4523 e a exaltaccedilatildeo de Jesus

Antes de tudo eacute preciso registrar a tendecircncia paulina de citar textos do

Antigo Testamento que trazem afirmaccedilotildees sobre YHWH e aplicaacute-las a Jesus por

intermeacutedio do tiacutetulo κύριος De acordo com Hurtado eacute certo que essa transferecircncia

ocorre em Rm 1013 (citando Jl 35) 1Cor 131 (citando Jr 923-24) 1Cor 1026

335 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 292 336 MARTIN R P A Hymn of Christ p 249 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 opina que as duas ideias estatildeo presentes

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(citando Sl 241) e 2Cor 1017 (citando Jr 923-24)337 Aleacutem dessas citaccedilotildees

existem textos paulinos que fazem alusotildees a passagens do Antigo Testamento que

falam de YHWH e Paulo as emprega para Jesus como Senhor Satildeo elas 1Cor 1021

(aludindo a Ml 1721) 1Cor 1022 (aludindo a Dt 3221) 2Co 316 (aludindo a Ex

3434) 1Ts 313 (Zc 145) 1Ts 46 (aludindo a Sl 941) e o texto em anaacutelise de Fl

210-11 considerada a mais impressionante alusatildeo paulina o que reforccedila a

importacircncia da exegese em curso338

Para iniciar o estudo desse periacuteodo eacute necessaacuterio verificar a relaccedilatildeo do

mesmo com o texto aludido de Isaiacuteas 4523 Se a expressatildeo ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων for separada como um aposto de Fl 210-11339 a

justaposiccedilatildeo dos textos deixa clara a ligaccedilatildeo entre eles

Is 4523 (LXX) ἐμοὶ κάμψει πᾶν γόνυ καὶ ἐξομολογήσεται πᾶσα γλῶσσα τῷ θεῷ

Fl 210-11 ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ καὶ πᾶσα γλῶσσα

ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

Deve-se notar que o contexto de Is 4523 traz duas ecircnfases A primeira eacute a

feacute de que soacute YHWH eacute Deus Haacute uma clara criacutetica agrave idolatria ldquoNatildeo tecircm

conhecimento os que carregam os seus iacutedolos de madeira os que dirigem as suas

suacuteplicas a um deus que natildeo pode salvar Natildeo haacute outro Deus fora de mimrdquo (Is 4520-

21) E logo chama a atenccedilatildeo que o hino em Filipenses vai fazer uma aplicaccedilatildeo

cristoloacutegica a partir de um texto do Antigo Testamento que traz um monoteiacutesmo

acentuado um expediente muito semelhante ao usado por Paulo em 1Cor 86 em

relaccedilatildeo ao shemaacute Como se veraacute adiante eacute possiacutevel que a intenccedilatildeo exata do autor

seja mostrar que o senhorio de Jesus a partir da exaltaccedilatildeo eacute algo completamente

diferente da idolatria Continua-se na verdade no mesmo monoteiacutesmo A segunda

ecircnfase no contexto de Is 45 eacute a nota escatoloacutegica isto eacute a expectativa que um dia

todos os confins da terra se voltaratildeo para YHWH se prostraratildeo diante dele e diratildeo

337 HURTADO L W Senhor In DPL p 1150-1151 Existem citaccedilotildees em que Paulo manteve κύριος referindo-se a Deus o que segundo Hurtado ocorre em 10 referecircncias Ele tambeacutem menciona duas passagens em que a identificaccedilatildeo eacute disputada Satildeo elas Rm 1411 (Is 4523) e 1Cor 216 (Is 4013) 338 HURTADO L W Senhor In DPL p 1151 339 Como notado por FOWL S Philippians p 103 a frase quebra a alusatildeo a Is 4523

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que soacute nele haacute justiccedila e forccedila340 Por sinal haacute em Is 45 uma dupla perspectiva de

futuro que seraacute exatamente aquela que melhor explica Fl 210-11 pois esse uacuteltimo

dia que traraacute o reconhecimento universal de YHWH natildeo traraacute junto uma alegria

universal Seraacute um tempo de juacutebilo para o povo de Deus que jaacute vivencia essa

experiecircncia e anseia por essa ocasiatildeo poreacutem de constrangimento para aqueles que

rejeitam o Senhor ldquoA ele viratildeo cobertos de vergonha todos os que se irritaram

contra elerdquo (Is 4524)341

De fato o monoteiacutesmo escatoloacutegico era parte fundamental do judaiacutesmo do

segundo templo uma esperanccedila expressa e alimentada pelo Decircutero-Isaiacuteas A

leitura escatoloacutegica de Isaiacuteas 45 estava presente no judaiacutesmo como evidenciam por

exemplo textos de Enoque Descrevendo o que aconteceraacute na vinda do juiz do

mundo Enoque 485 diz ldquoTodos os que habitam sobre a terra seca iratildeo prostrar-se

diante dele e cultuaacute-lo e adoraacute-lo exaltaacute-lo e cantar louvores ao nome do Senhor

dos espiacuteritosrdquo342 Ademais antes da sua utilizaccedilatildeo cristatilde o texto de Is 4523

desempenhou papel importante na liturgia sinagogal sendo incluiacutedo nas antigas

oraccedilotildees lsquoAlecircnu e Nishmat Kol Hay recomendadas pela Mishnah para o final da

Haggadah343 Isso evidencia que uma audiecircncia judaica perceberia com clareza a

operaccedilatildeo teoloacutegica que estaacute se desenrolando no hino de Filipenses (mas natildeo eacute certo

se leitores natildeo judeus teriam a mesma percepccedilatildeo)344 isto eacute que o monoteiacutesmo

escatoloacutegico se tornou monoteiacutesmo cristoloacutegico345

O Novo Testamento utiliza Is 4523 em dois lugares Em Rm 1411 Paulo

explicitamente cita o texto ldquoCom efeito estaacute escrito Por minha vida diz o Senhor

todo joelho se dobraraacute diante de mim e toda liacutengua daraacute gloacuteria a Deusrdquo Nesse caso

o texto de Isaiacuteas eacute usado para fortalecer a argumentaccedilatildeo de um juiacutezo escatoloacutegico

que estaacute por vir expresso antes e depois da citaccedilatildeo ldquoPois todos noacutes

340 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 considera que as ecircnfases de Isaiacuteas 45 satildeo a singularidade de Deus e o universalismo Este uacuteltimo tema estaacute presente de fato mas como ele mesmo reconhece em termos de expectativa para o futuro Por isso eacute melhor falar de uma esperanccedila escatoloacutegica que eacute universal em sua abrangecircncia 341 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 243 342 Conforme MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 207 343 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 344 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 82 Esse eacute o provaacutevel cenaacuterio da Igreja de Filipos uma comunidade predominantemente gentiacutelica Por conseguinte a avaliaccedilatildeo acima aponta para duas direccedilotildees que o autor do hino estava familiarizado com o Antigo Testamento e provavelmente com o judaiacutesmo e ao mesmo tempo favorece a tese de que Fl 26-11 existiu antes de ser usado na carta aos Filipenses isto eacute foi produzido em um contexto sensiacutevel agraves interrelaccedilotildees estabelecidas com o texto veterotesmentaacuterio 345 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 133

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compareceremos ao tribunal de Deus [Is 4523] Assim cada um de noacutes prestaraacute

contas a Deus de si proacutepriordquo (Rm 1410-12)

O outro lugar em que o texto aparece no Novo Testamento eacute aqui em

Filipenses A citaccedilatildeo natildeo eacute literal como em Romanos346 mas eacute possiacutevel notar as

significativas alteraccedilotildees feitas pelo hino a partir do texto baacutesico de Isaiacuteas Primeiro

na forma dos verbos κάμπτω e ἐξομολογέω respectivamente curvar-se e confessar

A LXX usa ambos os verbos no indicativo futuro347 Paulo por sua vez usa os dois

no subjuntivo aoristo O que era entatildeo uma promessa de Deus para o futuro o hino

cristoloacutegico mostra com uma realidade cumprida348 Segundo os objetos dos dois

verbos satildeo substituiacutedos o pronome pessoal ἐμοὶ pela locuccedilatildeo ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ

e a expressatildeo τῷ θεῷ por ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς Essas duas substituiccedilotildees

chamam atenccedilatildeo pela repeticcedilatildeo do substantivo Ἰησοῦς enfatizando a releitura

cristoloacutegica que estaacute em operaccedilatildeo isto eacute o que antes era uma promessa relacionada

agrave accedilatildeo de Deus no fim dos tempos agora eacute uma realidade escatoloacutegica em Jesus

Cristo349 Eacute ainda pertinente notar que em Romanos o contexto da citaccedilatildeo de Isaiacuteas

tambeacutem eacute escatoloacutegico poreacutem ali Paulo manteacutem o aspecto futuro do Antigo

Testamento enquanto que em Filipenses o verbo no subjuntivo aoristo indica algo

que jaacute aconteceu Isso evidencia o equiliacutebrio entre o jaacute e o ainda natildeo da escatologia

paulina As duas citaccedilotildees tambeacutem mostram a harmonia que existia na teologia de

Paulo entre cristologia e monoteiacutesmo Ele pode aplicar o mesmo versiacuteculo do

Antigo Testamento tanto para algo que teve lugar a partir da exaltaccedilatildeo de Jesus

Cristo quanto para accedilatildeo futura de Deus Pai que segundo Rm 1410-12 julgaraacute toda

humanidade

346 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 afirma que o autor do hino (que para ele natildeo eacute Paulo) estaacute citando de forma inconsciente pois enxerga a si mesmo como um homem em situaccedilatildeo pneumaacutetica sob direta accedilatildeo do Espiacuterito Santo Tudo isso poreacutem eacute uma grande conjectura difiacutecil de provar Eacute possiacutevel ainda que o autor do hino esteja partindo de um texto de Isaiacuteas diferente do Texto Massoreacutetico e da versatildeo da LXX aceita atualmente A possibilidade eacute aventada por MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 214 Isso poderia explicar algumas das alteraccedilotildees do texto de Filipenses mas natildeo a mais importante que eacute a sua releitura cristoloacutegica 347 O texto hebraico traz respectivamente os verbos כרע e שבע no yiqtol reconhecido com uma forma futura cf JOUumlON P MURAOKA T A Grammar of Biblical Hebrew p 114 348 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 349 Eacute possiacutevel que exista alguma relaccedilatildeo entre o texto de Filipense e o texto de Enoque A sugestatildeo eacute feita por Michel observando que Enoque 617 aplica Is 4523 ao Messias MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 207 O problema eacute confirmar se o texto de Enoque eacute de fato anterior ao de Filipenses e que assim a influecircncia seria inversa Segundo BROWN R E PERKINS P SALDARINI A J Apoacutecrifos Manuscritos do Mar Morto e Outros Tipos de Literatura Judaica IN NCBSJ p 951 o conjunto dos capiacutetulos 37-71 onde encontra-se a referecircncia acima tem a sua dataccedilatildeo disputada variando entre o seacuteculo 1 aC ateacute o 3 dC

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Haacute ainda uma terceira alteraccedilatildeo de Filipenses em relaccedilatildeo ao texto de Isaiacuteas

Acima a expressatildeo ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων foi separada para

visualizaccedilatildeo do paralelo entre Is 4523 e Fl 210-11 A questatildeo eacute que natildeo existe um

equivalente direto dessa expressatildeo em Isaiacuteas 4523 mas o versiacuteculo imediatamente

anterior (4522) mostra que o alcance das promessas apresentadas no contexto do

oraacuteculo profeacutetico eacute a Terra inteira Isso fica claro no seguinte segmento hebraico

רץ que a Septuaginta traduziu como οἱ ἀπ᾽ ἐσχάτου τῆς γῆς Portanto כל־אפסי־א

parece que Paulo opera uma ampliaccedilatildeo Se em Isaiacuteas a escatologia fala de uma

reverecircncia universal de todo joelho e toda liacutengua incluindo todas as naccedilotildees ateacute os

limites da Terra Filipenses apresenta uma escatologia coacutesmica que vai aleacutem dos

limites da Terra alcanccedilando todo o cosmos350

53 Accedilotildees feitas ldquoEm nome de Jesusrdquo

A expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι eacute usada na maioria das vezes com uma conotaccedilatildeo

temporal e assim significa que algo deve acontecer quando o nome eacute mencionado

ou invocado351 Em Filipenses a ideia seria que a pessoa deve prostrar-se e fazer

confissatildeo quando o nome de Jesus eacute mencionado Conquanto o aspecto temporal

possa estar presente parece que haacute mais coisas envolvidas A expressatildeo

preposicional utilizada no Novo Testamento ecoa a expressatildeo hebraica muito בשם

utilizada no Antigo Testamento em associaccedilatildeo com YHWH352 Sua traduccedilatildeo

regular na LXX eacute pela expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι em uma tentativa segundo ele de

traduzir com exatidatildeo o hebraico Na traduccedilatildeo grega a expressatildeo liga-se

principalmente a verbos relacionados a accedilotildees de culto indicando que nome

invocado eacute o fundamento o pressuposto e a condiccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do culto353

Em linhas gerais no Antigo e no Novo Testamento a expressatildeo significa natildeo apenas

mencionar pronunciar ou invocar o nome mas tambeacutem agir por comissatildeo O Novo

350 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 307 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 351 BAGD p 572 352 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT p 262 263 e 271 BIETENHARD H Nome In DITNT p 1396 Para HARTMAN L ὄνομα In DENT p 563 a expressatildeo neotestamentaacuteria deve ser considerada um semitismo 353 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 564-565

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Testamento em particular vai utilizaacute-la 40 vezes sendo que em 8 o nome referido eacute

o de Deus e em 28 eacute o de Cristo

Na literatura paulina a expressatildeo ocorre em 1Cor 54 611 2Ts 36 Ef 520

Cl 317e aqui em Fl 210354 Em 2Ts 36 a ideia eacute dar instruccedilotildees com base na

autoridade do soberano Jesus355 Em 1Cor 54 ἐν τῷ ὀνόματι pode ser ligada a trecircs

termos diferentes no contexto significando tanto a autoridade do nome de Jesus

quanto a invocaccedilatildeo do seu nome 1Cor 611 mostra a salvaccedilatildeo recebida em nome

de Jesus Cristo (ldquoMas voacutes vos lavastes mas fostes santificados mas fostes

justificados em nome do Senhor Jesusrdquo) Os textos de Ef e Cl satildeo paralelos e

indicam que todas as coisas devem ser feitas em nome do Senhor Jesus isto eacute ldquotoda

a vida deve ser vivida sob a consciente autoridade de Cristo e com dedicaccedilatildeo ativa

e grata a sua pessoa magniacuteficardquo356 O texto de Filipenses amplia essa reivindicaccedilatildeo

de obediecircncia para todo o cosmos pois o que seraacute feito ἐν τῷ ὀνόματι alcanccedila quem

estaacute no ceacuteu na terra e debaixo da terra

Em particular o uso da expressatildeo em Fl 210 deve ser entendido como

causal isto eacute o nome que a partir da exaltaccedilatildeo Jesus tem eacute a causa eficiente da

submissatildeo357 Porque Jesus tem o nome e desempenha a funccedilatildeo de Senhor todos

devem prostrar-se diante dele

A utilizaccedilatildeo do substantivo Ἰησοῦς aqui natildeo significa que o nome ao qual

todo joelho deve se dobrar e toda liacutengua deve confessar seja simplesmente ldquoJesusrdquo

Na verdade o texto quer sublinhar que essas accedilotildees acontecem ao nome que agora

estaacute vinculado ao personagem histoacuterico chamado desde o nascimento de Jesus e

esse nome eacute ldquoSenhorrdquo358 Todavia eacute fundamental para a narrativa identificar o

κύριος como o homem de Nazareacute que andou pela regiatildeo da Galileacuteia e arredores e

foi crucificado em Jerusaleacutem Quer dizer que o exaltado natildeo eacute um personagem

miacutetico algum tipo de semideus ou espiacuterito Esse que foi exaltado por Deus ao

senhorio de todo universo eacute o Filho de Deus encarnado chamado Jesus359 A

354 Aqui a despeito da discussatildeo de autoria considera-se Efeacutesios Colossenses e 2Tessalonicenses parte da literatura paulina 355 LUTER JR A B Nome In DPC p 880 356 LUTER JR A B Nome In DPC p 881 357 HELLERMAN J H Philippians p 121 358 HAWTHORNE G F Philippians p 115 HELLERMAN J H Philippians p 121 359 MARTIN R P Hymn of Christ p 254 HAWTHORNE G F Philippians p 115

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exaltaccedilatildeo natildeo mudou a identidade de Jesus Ele assumiu uma nova funccedilatildeo mas natildeo

se tornou uma nova pessoa360

54 Joelhos dobrados ao nome de Jesus

O verbo κάμπτω eacute aplicado na LXX para situaccedilotildees de devoccedilatildeo religiosa

como em 1Cr 2920 ldquoE toda assembleia bendisse a Iahweh Deus de seus pais e se

ajoelhou [κάμψαντες τὰ γόνατα] para se prostrar diante de Deus e diante do reirdquo

2Cr 2929 ldquoTerminando o holocausto o rei e todos os que os acompanhavam se

ajoelharam [ἔκαμψεν] e se prostraramrdquo Dn 611 ldquotrecircs vezes por dia ele se punha

de joelhos [κάμπτων ἐπὶ τὰ γόνατα] orando e confessando a seu Deusrdquo aleacutem do

jaacute citado Is 4523 O Novo Testamento usa o verbo apenas quatro vezes sempre em

conexatildeo com o substantivo γόνυ (Ef 314 Rm 114 1411 e aqui em Filipenses) e

acompanha a LXX no aspecto da devoccedilatildeo361

Cerfaux opina que cair de joelhos diante do rei era a praacutetica entre os suacuteditos

dos reis orientais bem como uma praacutetica regular nas oraccedilotildees No mundo grego o

comum seria orar em peacute362 Pelo menos era uma praacutetica conhecida e praticada no

judaiacutesmo como se depreende dos textos acima No entanto como observa Martin

o contraste principal natildeo eacute entre o estilo lituacutergico grego ou oriental mas sim entre

uma atitude religiosa comum (o orar e o adorar em peacute) e o sentimento de aguda

necessidade e humildade do adorador diante de Deus que o levava em situaccedilotildees

extraordinaacuterias a prostrar-se em devoccedilatildeo visto que natildeo fazia parte da rotina

religiosa contemporacircnea o ajoelhar-se diante da divindade363 No caso de Fl 210 a

ideia eacute de uma profunda sujeiccedilatildeo e reconhecimento diante do senhorio de Jesus

Embora em outro contexto um paralelo neotestamentaacuterio seria Ap 58 ldquoAo receber

o livro os quatro seres viventes e os vinte e quatro Anciatildeos prostraram-se diante do

Cordeirordquo O texto descreve uma realidade celestial de prostraccedilatildeo diante de Jesus

o que (como eacute a perspectiva do livro de Apocalipse) funciona com paradigma para

360 Eacute interessante comparar essa descriccedilatildeo do hino com o fenocircmeno social do apego aos tiacutetulos Quantos pessoas ao receberem um tiacutetulo qualquer querem esquecer sua identidade como eram conhecidas anteriormente para serem agora somente reconhecidas pelo tiacutetulo 361 BAGD p 402 BALZ H SCHNEIDER G κάμπτω In DENT p 2190 362 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 306 363 MARTIN R P A Hymn of Christ p 265

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a Igreja aqui na Terra fazer o mesmo364 A reverecircncia ao Cordeiro que foi morto eacute

o reconhecimento da honra daquele que justamente foi desonrado e blasfemado na

sua morte na cruz365 E um dia como seraacute exposto abaixo os mesmos que o

mataram estaratildeo diante dele outra vez natildeo mais para desonraacute-lo mas de joelhos

dobrados diante dele

55 O alcance da reverecircncia a Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra

Na liacutengua grega ἐπουρανίων eacute usado de forma literal para referir-se aos seres

celestiais ἐπιγείων aos seres que habitam na Terra e καταχθονίων aos seres que

habitam debaixo da terra366 Os dois primeiros estatildeo geralmente em oposiccedilatildeo e

ἐπιγείων inclui os seres humanos Entre os seres celestiais estatildeo aliados e inimigos

de Deus367 estes uacuteltimos descritos em Ef 612 ldquocontra os Principados contra as

Autoridades contra os Dominadores deste mundo de trevas contra os Espiacuteritos do

Mal que povoam as regiotildees celestiais [ἐν τοῖς ἐπουρανίοις]rdquo

Na exegese contemporacircnea foi Lightfoot quem primeiro defendeu a

interpretaccedilatildeo de que a lista triacuteplice envolve tudo o que existe no universo incluindo

seres humanos seres espirituais (anjos e democircnios) e a proacutepria natureza em si

Nesse caso os trecircs adjetivos satildeo tomados como neutros A inclusatildeo dos elementos

naturais vem da comparaccedilatildeo com passagens como o Sl 148 e Rm 822 que mostram

o relacionamento da natureza com o seu criador368 De fato o caraacuteter poeacutetico da

passagem favorece a opiniatildeo de Lightfoot pois talvez Paulo natildeo estivesse

distinguindo trecircs grupos mas tatildeo soacute expressando a universalidade da reverecircncia

prestada a Jesus369

Uma segunda possibilidade de interpretaccedilatildeo eacute entender que por traacutes da

expressatildeo triacuteplice apenas estatildeo seres racionais sejam seres humanos anjos ou

364 BRUCE F F Filipenses p 82 365 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 116 366 BAGD p 290 360 e 420 367 MICHEL O ἐπουράνιος In DENT p 1562 368 MARTIN R P A Hymn of Christ p 257-258 A tese de Lightfoot foi adotada entre outros por SILVA M Philippians p 116 FOWL S Philippians p 103 embora este uacuteltimo cite com aprovaccedilatildeo a opiniatildeo de Crisoacutestomo de que a referecircncia seria aos seres racionais 369 BRUCE F F Filipenses p 83 Ele indica que as referecircncias a ceacuteu e terra no hino de Cl 115-20 seria um paralelo poeacutetico ao texto de Filipenses

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democircnios entendendo as trecircs palavras como masculinas O ponto eacute que apenas eles

podem cumprir as accedilotildees descritas na sequecircncia narrativa370 Essa perspectiva em

uma forma modificada remonta agrave antiga exegese feita pelos pais da igreja e talvez

seja a que talvez encontre maior nuacutemero de adeptos entre os estudiosos Em seu

favor estaria por exemplo o paralelo com Ap 513 ldquoκαὶ πᾶν κτίσμα ὃ ἐν τῷ οὐρανῷ

καὶ ἐπὶ τῆς γῆς καὶ ὑποκάτω τῆς γῆς καὶ ἐπὶ τῆς θαλάσσης καὶ τὰ ἐν αὐτοῖς

πάνταrdquo371 Para delimitar ainda esses seres racionais em questatildeo haacute duas

propostas de identificaccedilatildeo dos respectivos habitantes dos trecircs compartimentos do

universo apresentados pelo texto os anjos no ceacuteu os seres humanos que estatildeo na

Terra e os que estatildeo debaixo da Terra (no Sheol) ou simplesmente anjos seres

humanos e democircnios372

Um terceiro entendimento dessa expressatildeo defende a inexistecircncia de uma

situaccedilatildeo cuacuteltica em Fl 210-11 O cenaacuterio eacute determinado pelas antigas cerimocircnias

de entronizaccedilatildeo Assim sendo natildeo haacute aqui seres humanos nem Igreja nem mesmo

anjos O que existem satildeo os poderes que atuavam em todo o universo de forma

rebelde para com Deus Em uma palavra satildeo democircnios Eles dominavam essas trecircs

aacutereas da realidade conforme a antiga cosmologia que o judaiacutesmo compartilhava E

quando o cristianismo primitivo celebrou a vitoacuteria e exaltaccedilatildeo de Jesus incluiu sua

vitoacuteria sobre os poderes373 A ideia natildeo eacute de um reconhecimento voluntaacuterio e alegre

do senhorio Jesus mas que as forccedilas demoniacuteacas ldquosatildeo compelidas a admitir que ele

eacute o vencedor e eles apresentam sua submissatildeo pela sua prostraccedilatildeo diante delerdquo374

Para combinar essa interpretaccedilatildeo com o segmento inteiro dos versiacuteculos 210-11

Martin aponta a ligaccedilatildeo entre a confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo do versiacuteculo 10

com os exorcismos presentes nos evangelhos sinoacuteticos O ponto de comparaccedilatildeo eacute

que quando o nome de Jesus eacute proclamado os poderes demoniacuteacos se submetem

370 HAWTHORNE G F Philippians p 115 371 BALZ H SCHNEIDER G καταχθόνιος In DENT p 2259 Assim FEE G Comentario

de la Epiacutestola a los Filipenses p 293-294 SILVA M Philippians p 116 mostra que essa possibilidade eacute a menos objetaacutevel HELLERMAN J H Philippians p 122 372 MARTIN R P Hymn of Christ p 258 informa que a primeira versatildeo foi defendida por Clemente de Alexandria e Teodoreto enquanto que a segunda por Crisoacutestomo BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 146 defende a primeira alternativa informando natildeo existe atestaccedilatildeo para a inclusatildeo dos democircnios na expressatildeo καταχθόνιος Na mesma direccedilatildeo DE BOOR W HAHN E Carta aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 212 entende que a cosmovisatildeo biacuteblica natildeo visualiza Satanaacutes e os democircnios debaixo da Terra 373 Parece que a tese foi originalmente postulada por M Dibelius conforme MARTIN R P A

Hymn of Christ p 260 Nessa mesma linha KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 109 BARTH G A carta aos Filipenses p 48 374 MARTIN R P A Hymn of Christ p 261

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No segundo seacuteculo Justino afirma que a expulsatildeo de democircnios eacute possiacutevel porque

Jesus eacute o Senhor de todos os poderes Para fechar essa interpretaccedilatildeo Martin defende

que o verbo ἐξομολογέω tem na passagem sentido neutro diferente da confissatildeo de

feacute no sentido eclesiaacutestico mas como nas cerimocircnias de entronizaccedilatildeo antigas trata-

se apenas da admissatildeo da autoridade do Jesus exaltado como Senhor

Diante do exposto pode-se dizer que Martin estaacute certo no que afirma e

errado no que nega De fato a exaltaccedilatildeo de Jesus levou agrave submissatildeo de todos os

poderes a Jesus Satildeo democircnios que jaacute foram derrotados mas que reconheceratildeo essa

realidade na parusia apenas Entretanto natildeo eacute uma exegese razoaacutevel fazer da

expressatildeo totalizante ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων uma referecircncia

exclusiva aos democircnios375 Na verdade a carta aos Filipenses demonstra que os

crentes daquela cidade natildeo estavam muito preocupados com democircnios mas sim

com as autoridades romanas que se opunham agrave igreja376 Assim sendo a lista triacuteplice

de adjetivos juntos com a dupla πᾶνπᾶσα quer mostrar que o senhorio de Jesus

possui alcance coacutesmico Existe aqui uma cristologia coacutesmica muito semelhante a

esboccedilada em Cl 115-20377 Todo o universo visiacutevel e invisiacutevel foi impactado pela

exaltaccedilatildeo de Jesus Essa era uma mensagem fundamental para a mentalidade

helenista que ao contraacuterio da judaica valorizava muito mais a dimensatildeo espacial

do que a temporal Na visatildeo helenista existe o mundo divino que estaacute acima nos

ceacuteus e o mundo ldquoabaixordquo que eacute Terra possuiacuteda e dominada pelos poderes arbitraacuterios

e malignos378 A certeza de que haacute agora um uacutenico Senhor sobre todos os ldquomundosrdquo

era de fato uma boa notiacutecia Muito mais ainda quando o anuacutencio desse senhorio

faz parte do evangelho que mostra que o novo Senhor eacute um bom Senhor que

governa com amor e proporciona liberdade

E se Jesus eacute Senhor de todo universo espera-se que todo o universo se

submeta diante dele e o reconheccedila como tal No maacuteximo pode-se excluir os

elementos da natureza (vegetais animais e minerais) que natildeo podem realizar as

accedilotildees descritas pelos verbos κάμπτω e ἐξομολογέω ainda que tambeacutem eles estejam

375 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 mostra que o equiacutevoco dessa interpretaccedilatildeo comeccedila na suposiccedilatildeo de que a passagem depende exclusivamente de uma cosmologia gnoacutestica ou heleniacutestica 376 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 377 Lohmeyer sugere que as origens dessa cristologia coacutesmica remontam a junccedilatildeo preacute cristatilde das tradiccedilotildees do filho do homem de Dn 713-14 e do servo sofredor de Is 53 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 17-18 378 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship p 59-60

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subordinados ao Cristo exaltado e sejam alvo da transformaccedilatildeo escatoloacutegica que

estaacute em curso e culminaraacute em um novo ceacuteu e uma nova terra (Rm 819-21 Ap 211)

Essa interpretaccedilatildeo caminha de acordo com o Antigo Testamento no qual YHWH

faz exortaccedilatildeo para que ele seja adorado e receba a gloacuteria devida ao seu nome uma

exortaccedilatildeo que eacute dirigida ao povo de Israel (Sl 951-17) e tambeacutem aos seres

celestiais (Sl 291-2 1482) agraves pessoas em geral (Sl 471-2) a todo ser que respira

(Sl 1506) agrave toda a Terra (Sl 661-2) e finalmente agrave toda a criaccedilatildeo que eacute convocada

a adorar o Senhor (Sl 6934 969-13 984-9) A uacutenica mudanccedila eacute que agora o tiacutetulo

ldquoSenhorrdquo natildeo se refere apenas a YHWH mas tambeacutem a Jesus379

56 E toda liacutengua confesse

O verbo ἐξομολογέω pode ser tomado em um sentido neutro de admitir

reconhecer sem nenhum elemento de gratidatildeo ou devoccedilatildeo sincera envolvida380 A

ideia eacute que o termo estaria mais proacuteximo da aclamaccedilatildeo nas antigas cerimocircnias de

entronizaccedilatildeo do que do conceito moderno de confissatildeo pessoal de feacute Natildeo eacute uma

experiecircncia religiosa mas uma ldquoaccedilatildeo de direito sagradordquo onde ldquose reconhece

puacuteblica e indefectivelmente o proclamadordquo381

Entretanto o respectivo sentido neutro do verbo em questatildeo eacute caracteriacutestica

do seu uso no grego secular A Septuaginta vai carregar o sentido do grupo de

palavras relacionadas a ὁμολογέω com conteuacutedo hebraico veterotestamentaacuterio que

seria a leitura natural para um judeu Dessa forma as ideias baacutesicas subjacentes satildeo

confessar pecados e exaltar a Deus No Novo Testamento por sua vez o sentido

mais importante do grupo de palavras eacute o de dar testemunho com uma conotaccedilatildeo

legal Como em Lc 128 e Mt 1032 a confissatildeo implica em um comprometimento

com Jesus que traraacute implicaccedilotildees escatoloacutegicas no julgamento final Eacute natural que

essas palavras passem daiacute para a ideia de confissatildeo de feacute (Rm 109-10) O ponto eacute

que confessar eacute se comprometer com quem eacute confessado de modo que essa acepccedilatildeo

carrega junto aspectos do entendimento anterior Contudo parece que a

379 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 242 380 MARTIN R P A Hymn of Christ p 263-264 381 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 112

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terminologia passou de um compromisso pessoal de feacute para funcionar como

diferenciaccedilatildeo teoloacutegica entre grupos cristatildeos (1Jo 42)

O uso predominante de ἐξομολογέω no Novo Testamento natildeo segue o uso

do grego secular mas a perspectiva judaica de utilizaccedilatildeo no culto na adoraccedilatildeo

Dessa forma prioritariamente envolve a igreja que adora o Cristo Exaltado sobre a

Terra e no ceacuteu Mas natildeo se deve excluir a expectativa escatoloacutegica do texto e o seu

alcance coacutesmico que inclui todo o universo Esta natildeo pode ser uma exegese do tipo

isso-ou-aquilo isto eacute ou ἐξομολογέω tem um alcance exclusivamente coacutesmico ou

apenas eclesiaacutestico Nenhuma ldquoliacutenguardquo deveria ser excluiacuteda das palavras πᾶσα

γλῶσσα pois a intenccedilatildeo do autor eacute mostrar que o Jesus exaltado eacute Senhor de todo

o universo e a expectativa escatoloacutegica envolve nada menos do que todo universo

reconhecendo o senhorio de Jesus Literalmente falando um dia todos os seres

racionais reconheceratildeo que soacute existe um Senhor e o nome dele eacute Jesus382 E como

isso inclui democircnios e pessoas que rejeitam Jesus Cristo eacute certo que eles natildeo faratildeo

isso com alegria ou voluntariedade mas contra a sua proacutepria vontade diante de um

poder a que natildeo podem resistir No caso desse grupo ἐξομολογέω tem sem

duacutevidas um significado apenas formal sem qualquer conotaccedilatildeo de louvor accedilatildeo de

graccedilas e confissatildeo de feacute Em contrapartida a Igreja antecipa essa realidade

escatoloacutegica quando aqui e agora dobra os seus joelhos e confessa Jesus como

κύριος e faz isso de livre e espontacircnea vontade com alegria e louvor Por sua vez

a funccedilatildeo pragmaacutetica do hino eacute convocar os ouvintes e leitores a desde jaacute se juntarem

nessa adoraccedilatildeo e assumirem o senhorio de Jesus sobre suas vidas Para esse grupo

ἐξομολογέω tem o sentido prioritariamente biacuteblico de confissatildeo de feacute Natildeo se pode

afastar essa hipoacutetese simplesmente atribuindo ldquoconfissatildeo de feacuterdquo ao individualismo

moderno e estranha ao cristianismo primitivo383 Esse eacute um argumento falacioso

porque o objeto do verbo ἐξομολογέω eacute a sentenccedila κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

reconhecida como uma das mais antigas confissotildees de feacute cristatildes utilizada no

382 HAWTHORNE G F Philippians p 116 Aqui volta-se novamente agrave discussatildeo de quem estaacute por traacutes da lista triacuteplice ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων Conquanto Hawthorne tenha optado pelo entendimento de que o texto se refere a todos os seres racionais ele observa que a expressatildeo ldquotoda a liacutenguardquo eacute sinocircnima de todos os povos da Terra (Is 6618 Dn 34 e 7 Ap 59 79 1011) 383 Opiniatildeo esboccedilada por MARTIN R P A Hymn of Christ p 264

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periacuteodo preacute paulino na igreja de fala aramaica384 e que talvez seja a matildee das

posteriores confissotildees de feacute385

Dessa forma a exegese do texto deve admitir a ambiguidade do verbo

utilizado e consideraacute-lo em conjunto com o horizonte escatoloacutegico presente na

passagem para solucionar a tensatildeo existente no universalismo encontrado aqui386

Natildeo eacute necessaacuterio trazer para o verbo ἐξομολογέω um improvaacutevel exclusivo sentido

proveniente do grego claacutessico para explicar que nem todos confessaratildeo Jesus como

Senhor de maneira espontacircnea Aliaacutes o verbo em tela eacute parte de uma passagem com

profundas influecircncias do Antigo Testamento e da LXX em particular e faz parte

de uma alusatildeo ao texto de Is 4523 que traz o mesmo verbo alterando apenas o seu

aspecto temporal Ou seja o sentido neutro de simples admissatildeo estaacute presente em

ἐξομολογέω como tambeacutem o aspecto positivo de um alegre e sincero

reconhecimento A escatologia paulina e a do cristianismo primitivo presentes na

passagem satildeo decisivas para a elucidaccedilatildeo da questatildeo387

57 O significado biacuteblico-teoloacutegico da reverecircncia oferecida em Fl 210-11

571 Quem reverencia e quem eacute reverenciado

Satildeo possiacuteveis duas interpretaccedilotildees sobre o destinataacuterio e a ocasiatildeo vinculados

agraves accedilotildees aqui descritas A primeira possibilidade enxerga o texto dentro de um

contexto lituacutergico Essa perspectiva comeccedila pela anaacutelise da relaccedilatildeo entre os verbos

κάμπτω e ἐξομολογέω e a expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ Em Fl 29-11 o sentido

384 FITZMYER J κύριος In DENT p 2439 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 385 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 284 386 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 247-250 apresenta seis extensos argumentos em favor do sentido neutro de ἐξομολογέω Ele poreacutem nem conjectura a possibilidade do autor estar usando o verbo de forma propositadamente ambiacutegua O ponto eacute que a maioria dos autores que defendem o verbo como neutro querem com isso afastar a implicaccedilatildeo teoloacutegica de que no final dos tempos todos os seres sem exceccedilatildeo ofereceratildeo uma adoraccedilatildeo voluntaacuteria e alegre a Jesus incluindo os poderes atualmente hostis a Deus No entanto ao fazerem isso esquecem que o verbo no texto tambeacutem funciona para a Igreja a qual natildeo faz uma mera admissatildeo do senhorio de Jesus Nesse sentido essa interpretaccedilatildeo soacute eacute coerente quando a Igreja eacute excluiacuteda da cena e apenas as forccedilas contraacuterias a Deus os democircnios satildeo visualizados Eacute a proposta original de Lohmeyer seguida por Martin Todavia coerecircncia natildeo eacute correccedilatildeo e esta interpretaccedilatildeo deve ser afastada por outras consideraccedilotildees 387 Apesar do contraacuterio parecer oacutebvio a tese de Martin de interpretar ἐξομολογέω agrave luz do grego claacutessico eacute seguida por vaacuterios exegetas como HELLERMAN J H Philippians p 123

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desta uacuteltima expressatildeo natildeo eacute instrumental como se as accedilotildees dos verbos em questatildeo

fossem feitas atraveacutes do nome de Jesus mas dirigidas a Deus Pai Ao contraacuterio a

honra eacute dirigida ao Cristo exaltado388 Tudo aqui eacute feito para o proacuteprio Jesus e por

causa do nome que agora ele tem Na locuccedilatildeo preposicional o genitivo Ἰησοῦ eacute

possessivo ou seja dobrar o joelho e confessar o nome que pertence a Jesus e jaacute

ficou estabelecido que esse nome eacute o tiacutetulo κύριος O Cristo exaltado como κύριος

eacute o recipiente das accedilotildees descritas nos versiacuteculos 10-11389 A evidecircncia da

Septuaginta fortalece esse argumento pois nela cultuar ldquoem nome de Deusrdquo

significa adoraccedilatildeo dirigida ao proacuteprio Deus390 Entre outros eacute o caso de 2Sm 2250

Sl 439 625 e 8813 textos que literalmente usam a expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι

Assim a ecircnfase da frase estaacute na proclamaccedilatildeo de Jesus como Senhor Quando

o nome daquele que tem o nome sobre todo nome eacute proclamado todos devem dobrar

os joelhos reverenciaacute-lo e reconhececirc-lo como Senhor Em outras palavras

adoraccedilatildeo dever ser dirigida a Jesus391 A situaccedilatildeo tiacutepica no culto cristatildeo em que isso

pode acontecer eacute o batismo onde o batizado se ajoelha e faz a confissatildeo do nome

de Jesus392 Quanto agrave outra questatildeo que discute a existecircncia de uma adoraccedilatildeo a Jesus

no cristianismo neotestamentaacuterio ela seraacute enfrentada mais agrave frente

A outra alternativa de interpretaccedilatildeo foi apresentada inicialmente por

Lohmeyer Segundo ele a igreja natildeo estaacute presente em nenhum lugar da passagem

O texto descreve um drama coacutesmico e mostra Jesus como Senhor do cosmos e natildeo

Senhor da Igreja393 Jesus continua sendo o alvo da reverecircncia mas quem se

submete natildeo satildeo os cristatildeos e sim os poderes coacutesmicos Existe aqui para esta

interpretaccedilatildeo uma descriccedilatildeo miacutetica paralela as que satildeo feitas no livro de

Apocalipse descrevendo uma cena do ldquooutro mundordquo com a linguagem deste

mundo Cristo estaacute assumindo o domiacutenio celestial e eacute saudado por isso394

388 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 240 389 MARTN R P A Hymn of Christ p 249-250 Da mesma forma pensa BRUCE F F Filipenses p 83 HAWTHORNE G Philippians p 115 entre outros 390 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 391 MARTIN R P A Hymn of Christ p 251-252 BOCKMUEHL M The Epistle to the

Philippians p 145 392 MARTIN R P Filipenses p 115 De fato o batismo eacute considerado por alguns como a possiacutevel situaccedilatildeo lituacutergica na qual o hino originalmente teria sido usado se algum dia ele existiu fora da carta aos Filipenses cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 81-82 393 Esse foi um dos pontos fundamentais para Lohmeyer rejeitar a autoria paulina do hino Da mesma forma KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 109 394 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p 253 Lohmeyer estaacute usando mito conforme a definiccedilatildeo de Bultmann ldquoo uso de imagens para expressar o outro mundo em termos deste mundo e o divino em termos de vida humana o outro lado em termos deste ladordquo

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Kaumlsemann adotou e desenvolveu essa interpretaccedilatildeo mostrando que a utilizaccedilatildeo do

nome ldquoJesusrdquo na passagem eacute fundamental para distinguir o mito do uso cristatildeo do

mito Pois na medida em que o autor utiliza nessa segunda parte o nome terreno do

κύριος exaltado ele assume que esse κύριος eacute o mesmo homem-servo descrito na

primeira parte que se humilhou foi obediente e morreu em uma cruz Esta ligaccedilatildeo

do κύριος com Jesus mostra que o hino apenas utiliza a estrutura do mito mas

afasta-se dele em um ponto determinante

O duplo uso do adjetivo πᾶνπᾶσα jaacute indica algo total universal Com a lista

triacuteplice de adjetivos ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων percebe-se que o

autor quer descrever aqui accedilotildees que vatildeo muito aleacutem de uma situaccedilatildeo restrita a um

ambiente eclesiaacutestico Seja como for que se entenda cada uma das trecircs palavras

elas querem acentuar que o senhorio de Jesus eacute coacutesmico universal estaacute fora de

qualquer limitaccedilatildeo geograacutefica No entanto eacute problemaacutetico seguir esta ideia

esboccedilada acima e excluir a situaccedilatildeo de culto do quadro de Fl 29-11 Primeiro como

argumentado na exposiccedilatildeo sobre o versiacuteculo 25 o hino apresenta o que significa

estar ἐν Χριστῷ e nesse sentido inclui e diz respeito diretamente aos cristatildeos Se o

quadro pintado eacute coacutesmico eacute porque o alcance do senhorio de Jesus Cristo tambeacutem

eacute coacutesmico Isso natildeo exclui a igreja mas a inclui395 Segundo por conta do vieacutes

escatoloacutegico da passagem a Igreja jaacute aqui e agora pode e deve dobrar-se diante do

nome de Jesus e confessaacute-lo como seu Senhor antecipando o final dos tempos

Todos aqueles que um dia ouviram o hino ou ouviram a carta de Paulo ser lida no

culto ou hoje a leem satildeo desafiados a reverenciar e confessar Jesus Chegaraacute o

tempo em que todos faratildeo isso voluntariamente com alegria ou constrangidos por

simples constataccedilatildeo da realidade396 Nas palavras de De Boor

Bilhotildees de pessoas passaram por esta terra e morreram sem ter conhecido Jesus Todas elas o conheceratildeo todas dobraratildeo o joelho diante dele [] Atualmente milhotildees ainda natildeo sabem nada a respeito de Jesus milhotildees o rejeitam desprezam ridicularizam ou odeiam poreacutem esses milhotildees hatildeo de se ajoelhar diante dele todos sem exceccedilatildeo [] Com que juacutebilo e beatitude se ajoelharatildeo diante de Jesus aqueles que se deixaram salvar por ele que por isso o amaram e viveram para ele Como de pavor cairatildeo de joelhos aqueles que passaram orgulhosamente por ele ou o combateram397

395 BRUCE F F Filipenses p 89 396 Natildeo significa assim que um dia todo o universo tornar-se-aacute disciacutepulo voluntaacuterio e feliz de Jesus VOLF-GUNDRY J M Universalismo In DPC p 1220-1221 397 DE BOOR W HAHN E Cartas aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 212

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O fato eacute que Fl 210-11 opera dentro do famoso esquema neotestamentaacuterio

do jaacute-e-ainda-natildeo escatoloacutegico O curioso eacute que o proacuteprio Kaumlsemann caiu no erro

que criticou de desprezar o escatoloacutegico em favor do miacutetico

E embora natildeo decisivo um argumento adicional em favor da tese que inclui

a Igreja nessa submissatildeo a Jesus eacute a pergunta pela funccedilatildeo pragmaacutetica do texto isto

eacute por que e com qual objetivo foi escrito tal texto398 E a resposta provaacutevel natildeo eacute

simplesmente informar os leitores de um evento coacutesmico mas descrever um evento

escatoloacutegico e desafiar os leitores a reconhecer Jesus como Senhor e em

consequecircncia viver o estilo de vida correspondente a essa submissatildeo que eacute o

objetivo da parecircnese paulina no contexto como visto um pouco antes

572 Quando eacute reverenciado

A questatildeo eacute qual perspectiva temporal estaacute envolvida no senhorio de Jesus

e consequentemente na reverecircncia oferecida a Jesus isto eacute Jesus jaacute assumiu o seu

senhorio sobre o cosmos e as accedilotildees de Fl 210-11 jaacute satildeo oferecidas a ele como tal

ou tudo isso soacute ocorreraacute na parusia Quando seraacute esse momento em que todo o

universo se prostraraacute diante de Jesus Existe assim uma tensatildeo escatoloacutegica no

texto A melhor soluccedilatildeo eacute a que foi desenvolvida por Cullmann399 Dentro da

perspectiva da histoacuteria da salvaccedilatildeo Cullmann defende que para o cristianismo

primitivo o evento Cristo ndash a apariccedilatildeo do Messias sua morte e ressurreiccedilatildeo ndash eacute o

acontecimento central da histoacuteria da salvaccedilatildeo

Eacute o ponto central que daacute o verdadeiro sentido salviacutefico ao passado agrave luz do

evento central a narrativa do Antigo Testamento eacute compreendida como preparatoacuteria

para a apariccedilatildeo do Cristo400 Quanto ao futuro o cristianismo primitivo alterou o

seu significado em relaccedilatildeo ao judaiacutesmo Neste toda a esperanccedila de salvaccedilatildeo tendia

398 EGGER W Metodologia do Novo Testamento p 131 399 Nesse quesito ele foi seguido de perto por MARTIN R P A Hymn of Christ p 267-270 Outra soluccedilatildeo eacute apresentada por BARTH G A carta aos Filipenses p 48 52-53 Ele entende que Fl 210-11 apresenta o que os poderes espirituais ofereceram a Jesus no momento da sua exaltaccedilatildeo Seguindo o padratildeo das cerimocircnias de entronizaccedilatildeo no momento da ressurreiccedilatildeo exaltaccedilatildeo os poderes espirituais que atuavam no universo de forma rebelde se prostraram diante de Jesus e reconheceram ele como o legiacutetimo Senhor do cosmos Disso ele conclui que o hino traz uma escatologia diferente daquela caracteristicamente paulina ou seja uma escatologia jaacute completa e realizada sem esperanccedila futura 400 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 179

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para o futuro para o que Deus tinha preparado para o final dos tempos Jaacute os

primeiros cristatildeos entenderam que o acontecimento salviacutefico preparado por Deus jaacute

aconteceu Para eles ldquoo futuro natildeo eacute mais como no judaiacutesmo o telos doador de

sentido a toda a histoacuteria Na realidade o τέλος que daacute seu sentido agrave histoacuteria eacute Jesus

Cristo que jaacute veiordquo401 Isso natildeo significa poreacutem que o futuro perdeu o seu valor

Ele foi sim resignificado no cristianismo primitivo em relaccedilatildeo ao judaiacutesmo

O papel do futuro fica ainda mais claro quando se entende o sentido

histoacuterico-salviacutefico do presente nesse esquema Antes de tudo eacute um presente

delimitado Natildeo eacute um presente ad eternum Ele comeccedilou na exaltaccedilatildeo de Cristo e

terminaraacute na sua parusia402 E o conteuacutedo cristoloacutegico desse presente eacute o reinado de

Jesus Aqui volta-se para o conteuacutedo de Fl 210-11 Para o cristianismo primitivo

a exaltaccedilatildeo de Jesus caracteriza o iniacutecio da sua soberania coacutesmica nos ceacuteus na

Terra e debaixo da Terra403

W Bousset sustentou que essa era uma compreensatildeo que somente se

desenvolveu no cristianismo em comunidades cristatildes helenistas O foco cristoloacutegico

palestinense era apenas a expectativa da volta do filho do homem404 Inclusive o

tiacutetulo κύριος era entendido por esse vieacutes escatoloacutegico Jesus eacute o κύριος que viraacute na

parusia Contudo essa riacutegida diferenciaccedilatildeo entre uma cristologia helenista e outra

401 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 182 Grifos dele 402 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194 Assim tambeacutem KAumlSEMANN E Ensayos

Exegeticos p 111 ldquoSegundo a concepccedilatildeo neotestamentaacuteria o tempo do fim comeccedila precisamente com o que se realiza com Cristo e em Cristo Naturalmente o que aqui se descreve natildeo pode considerar-se todavia como acabado Ele se cumpre continuamente ateacute que chegue a parusiardquo 403 Segundo 1Cor 1524 no final desse presente Jesus entregaraacute o reino a Deus Pai Eacute difiacutecil no entanto distinguir entre um Reino de Deus e um Reino de Cristo (Regnum Dei e Regnum Christi) Kreitzer opina que ao inveacutes de forccedilar a passagem nessa direccedilatildeo eacute necessaacuterio compatibilizaacute-la com outros textos paulinos e assim concluir que natildeo existe uma diferenccedila real entre Reino de Deus e Reino de Cristo KREITZER L J Reino de DeusCristo In DPC p 1054-1055 Pode-se tatildeo somente dizer que nesse periacuteodo da histoacuteria da salvaccedilatildeo Deus estaacute reinando atraveacutes de Cristo ldquoNo pensamento do apoacutestolo natildeo haacute distinccedilatildeo real entre o reino de Deus e o reino de Cristordquo GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 385 Veja que Ap 115 vislumbra um reinado conjunto entre Deus e o Messias ldquoO reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo e ele reinaraacute pelos seacuteculos dos seacuteculosrdquo 404 Para BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 173 essa ecircnfase no senhorio presente de Jesus inclusive com suas implicaccedilotildees lituacutergicas ldquoeacute o aspecto caracteriacutestico da comunidade escatoloacutegica do cristianismo helenista pois foi nela que pela primeira vez a figura de Jesus Cristo natildeo eacute apenas a do salvador escatoloacutegicordquo

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aramaico-palestinense foi considerada muito duvidosa e mesmo equivocada405 de

modo que se reconheceu que o cristianismo primitivo jaacute no seu primeiro segmento

em Jerusaleacutem sempre teve uma cristologia da exaltaccedilatildeo com amplos coloridos

lituacutergicos conjugada com a expectativa escatoloacutegica de uma futura parusia de

Cristo406 Esse duplo foco no reinado presente e na esperanccedila futura pode ter

seguido o caminho apontado por Marshall ldquoa igreja natildeo tinha razatildeo para supor que

Jesus iria retornar como Senhor se ele natildeo tivesse sido exaltado por Deusrdquo por

outro lado ldquosobre a base da ressurreiccedilatildeo os disciacutepulos devem ter argumentado

que Jesus deve ser o Senhor exaltado e portanto o Senhor vindouro e Filho do

Homemrdquo407

No Novo Testamento a cristologia do presente estaacute associada de modo

especial ao Salmo 1101 e a confissatildeo de feacute ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo Ambos os

elementos estatildeo presentes aqui em Fl 210-11 (o que reforccedila a importacircncia

cristoloacutegica desse texto) A confissatildeo de feacute aparece explicitamente no verso 11 e

seraacute objeto do proacuteximo capiacutetulo O Sl 1101 pode estar impliacutecito na expressatildeo πᾶν

γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων O Salmo diz ldquoOraacuteculo de

Iahweh ao meu senhor lsquoSenta-te agrave minha direita ateacute que eu ponha teus inimigos

como escabelo de teus peacutesrsquordquo Esse texto tornou-se uma fonte de reflexatildeo

cristoloacutegica jaacute na fase mais primitiva da igreja408 um caminho indicado pelo proacuteprio

Jesus segundo os evangelhos sinoacuteticos (Mt 224-16 Mc 1235-37 Lc 2041-44) E

ainda nesta fase inicial ele foi ligado a um versiacuteculo de outro salmo de intepretaccedilatildeo

messiacircnica o Sl 87 que afirma ldquoPara que domine as obras de tuas matildeos sob seus

peacutes tudo colocasterdquo409 A associaccedilatildeo entre os dois salmos pode ser constatada em

405 Parece que a ideia uma igreja heleniacutestica separada de Jerusaleacutem e anterior agrave conversatildeo de Paulo foi apresentada pela primeira vez em 1912 (um ano antes do lanccedilamento da obra de Bousset) em um artigo de W Heimuumlller como informa HENGEL M Between Jesus and Paul p 32-33 Destarte Hengel tambeacutem afirma que cresceu entre os estudiosos da aacuterea a consciecircncia de que na Igreja de Jerusaleacutem havia cristatildeos de fala grega de modo que formulaccedilotildees cristoloacutegicas feitas em grego natildeo necessariamente refletem um periacuteodo posterior Nas palavras de DODD C H Segundo as

Escrituras p 116 ldquoremontar a uma eacutepoca em que natildeo havia nenhum cristatildeo de liacutengua grega eacute uma tarefa desesperadorardquo 406 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 24-38 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 147-151 RIDDERBOS H A teologia do

apoacutestolo Paulo p 85 407 MARSHALL I H The Origins of New Testament Christology p 102-103 408 DODD C H Segundo as Escrituras p 104-105 BRUCE F F Paulo apoacutestolo da graccedila p 111 Ambos os autores relacionam o salmo 1101 como um dos mais antigos testimonia da igreja pimitiva 409 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 296

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1Cor 1525-27 Ef 120-22 1Pe 322 e Hb 113-29410 Os dois salmos foram ligados

agrave exaltaccedilatildeo de Jesus e assim ao tiacutetulo κύριος O ldquoSenta-te agrave minha direitardquo ligou-

se agrave ascensatildeo de Jesus (chegando a ser incluiacutedo no chamado ldquoCredo apostoacutelicordquo)

o ldquosob seus peacutes tudo colocasterdquo relacionava-se ao senhorio presente e universal de

Cristo e os ldquoinimigosrdquo do Sl 1101 foram interpretados como os principados e

potestades indicando a soberania espiritual de Jesus411 E como notado acima o

entendimento correto da expressatildeo πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων inclui o conceito da subordinaccedilatildeo das forccedilas coacutesmicas ao Jesus

exaltado Justamente o reinado de Cristo no presente envolve a subjugaccedilatildeo de todos

esses ldquoinimigosrdquo que no entanto seratildeo finalmente derrotados na parusia nessa

tensatildeo entre presente e futuro 412

Dessa forma para o cristianismo primitivo o reinado de Cristo jaacute comeccedilou

em sua exaltaccedilatildeo413 e o seu senhorio sobre as forccedilas coacutesmicas estaacute dentro da famosa

categoria neotestamentaacuteria do jaacute-e-ainda-natildeo ou seja Cristo jaacute as subjugou e eacute

Senhor sobre elas mas elas ainda natildeo foram destruiacutedas e ainda exercem algum tipo

de atividade no mundo414 Esse paradoxo estaacute bem expresso em outros textos do

cristianismo primitivo como em 1Pe 322 ldquoque tendo subido ao ceacuteu estaacute agrave direita

de Deus estando-lhe sujeitos os anjos as Dominaccedilotildees e as Potestadesrdquo e na

Segunda Epiacutestola de Policarpo aos Filipenses 21 ldquocrendo naquele que ressuscitou

nosso Senhor Jesus Cristo dos mortos e lhe deu a gloacuteria e o trono agrave sua direita Tudo

o que existe no ceacuteu ou na terra lhe estaacute submissordquo415

410 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 296 411 DODD C H Segundo as Escrituras p 118 CULLMANN O Cristologia do Novo

Testamento p 292 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 239 Neste uacuteltimo o autor defende que a interpretaccedilatildeo dos inimigos do Sl 1101 como potestades pelo Novo Testamento foi intermediada pela crenccedila existente no judaiacutesmo tardio de que as naccedilotildees satildeo governadas por anjos 412 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 113 vai entender que esse tema da subjugaccedilatildeo dos poderes eacute uma adaptaccedilatildeo cristatilde do mito helenista do salvador entronizado presente especialmente na quarta eacutecloga de Virgiacutelio 413 A interpretaccedilatildeo da temaacutetica do reino de Deus nos evangelhos sinoacuteticos daacute conta que o ministeacuterio terreno de Jesus jaacute inaugurou esse reino A presenccedila de Jesus jaacute eacute a manifestaccedilatildeo do Reino Soacute que a accedilatildeo de Jesus que traz o reino natildeo eacute soacute a encarnaccedilatildeo e sua pregaccedilatildeo mas o complexo de eventos que marca essa virada escatoloacutegica e cujo uacuteltimo acontecimento foi a exaltaccedilatildeo Dessa forma Paulo de forma acertada enfatiza o reinado de Cristo a partir da sua exaltaccedilatildeo sem estabelecer necessariamente uma contradiccedilatildeo com os sinoacuteticos 414 BARCLAY W Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 46 apresenta um tipo de universalismo romacircntico atraveacutes do qual defende que o senhorio de Cristo nunca envolve subjugaccedilatildeo Segundo ele no final dos tempos todo o universo aclamara Jesus como Senhor constrangido pelo tamanho do seu amor e sacrifiacutecio 415 POLICARPO DE ESMIRNA Segunda Carta aos Filipenses p 139-140

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Ademais os primeiros cristatildeos diluiacuteam essa tensatildeo entre o presente e futuro

histoacuterico salviacutefico na sua experiecircncia de adoraccedilatildeo ldquoSempre nos momentos de culto

cristatildeo tempo e espaccedilo satildeo obliterados e a igreja adoradora sobre a Terra eacute uma em

eternidade com a Igreja nos lugares celestiaisrdquo416 De fato haacute uma forte conexatildeo

entre Fl 26-11 e o culto cristatildeo Se a passagem natildeo tiver sua origem em um hino

cristatildeo primitivo (o que eacute improvaacutevel como visto acima) a ideia de dobrar os

joelhos e fazer confissatildeo e no caso particularmente a confissatildeo ldquoJesus eacute Senhorrdquo

remetem de fato ao contexto de culto Destarte natildeo existe um dilema real entre a

adoraccedilatildeo a Jesus no presente e no futuro O texto fala de uma adoraccedilatildeo no presente

e no futuro descrevendo o que agora jaacute acontece na Igreja e o futuro que envolveraacute

todo o universo417

O segundo conteuacutedo teologicamente importante do presente na histoacuteria da

salvaccedilatildeo eacute a igreja418 O periacuteodo entre a ascensatildeo e a parusia eacute o tempo da igreja E

se Cristo estaacute reinando sobre todo o universo a igreja eacute ldquoo centro espacial dessa

soberaniardquo pois nela essa soberania torna-se visiacutevel419 Isso ocorre porque dentro

desse periacuteodo delimitado como presente e dentro desse espaccedilo que eacute o cosmos eacute na

Igreja que se pode encontrar aqueles que dobram os seus joelhos ao nome de Jesus

e confessam com seus laacutebios que Jesus Cristo eacute Senhor Aquilo que seraacute no tempo

futuro uma realidade universal jaacute acontece no tempo presente no espaccedilo chamado

Igreja Nesse contexto deve ser mencionada a proximidade entre o Jesus exaltado e

Espiacuterito Santo Porque nesse presente da histoacuteria da salvaccedilatildeo a Igreja eacute a

comunidade caracterizada pela presenccedila do Espiacuterito e dirigida por ele E esse

fenocircmeno eacute consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus Estar na Igreja eacute equivalente a estar

em Cristo que eacute sinocircnimo de estar no Espiacuterito Ou ainda na oacutetica do presente da

histoacuteria da salvaccedilatildeo estar na Igreja e estar no Espiacuterito equivale a vivenciar o reinado

do Cristo exaltado420 E por outro lado o Espiacuterito Santo eacute nesse tempo o agente de

Cristo pois ele age na comunidade promovendo o nome de Jesus421 ldquoAssim o

416 MOULE C F D The Birth of the New Testament p 149 417 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo p 120 418 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194-195 419 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194 420 KREITZER L J Reino de DeusCristo In DPC p 1054 421 WITHERINGTON III B Cristologia In DPC p 324 Isso natildeo implica dizer que Paulo confundia o Senhor exaltado com o Espiacuterito Santo

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Senhor exaltado estaacute presente e disponiacutevel para o fiel por meio do Espiacuterito que nele

habitardquo422

E essa perspectiva possui uma dupla funccedilatildeo pragmaacutetica Para a Igreja

propriamente dita o hino faz ver aleacutem do presente para contemplar a realidade

escatoloacutegica completa quando todas as forccedilas poderes e seres que hoje se opotildeem

e mesmo perseguem o corpo de Cristo aqui na Terra dobraratildeo os joelhos diante do

Senhor da Igreja e confessaratildeo o seu nome reconhecendo entatildeo sua derrota423

Assim ldquoquando o hino eacute cantado e seu poderoso senhorio eacute reconhecido e

confessado a Igreja mostra que mesmo agora e aqui sobre a Terra existe um

presente Reino de Cristo e que ela eacute chamada a viver (e sofrer) sob o senhorio dele

que eacute a cabeccedila da Igrejardquo424 Nessa perspectiva o texto tanto traz esperanccedila pois

mostra a realidade que hoje soacute eacute conhecida pela feacute425 quanto reafirma para o cristatildeo

a sua situaccedilatildeo atual de estar ldquoἐν Χριστῷrdquo (Fl 25) e que a sua vida deve

corresponder a essa situaccedilatildeo escatoloacutegica na qual ele estaacute inserido tendo Jesus o

Senhor do cosmos como seu senhor pessoal426 Aqui reencontra-se o elemento

pareneacutetico da passagem

Por outro lado esse texto traz uma dimensatildeo ainda maior Como nem todas

as pessoas que vivem nesse tempo presente estatildeo dentro desse espaccedilo chamado

Igreja Fl 210-11 tambeacutem cumpre a funccedilatildeo de desafiar seus ouvintes e leitores a jaacute

se submeterem e a confessarem Jesus como seu κύριος Nessa linha Fl 210-11

vislumbra um duplo reconhecimento do senhorio de Jesus Aqueles que tanto aqui

e agora quanto no final dos tempos celebram alegremente Jesus como Senhor e

422 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 524 423 Ao contraacuterio do exposto acima HAWTHORNE G F Philippians p 116 apresenta uma opiniatildeo bem peculiar Na visatildeo dele o hino esboccedila a expectativa de que um dia todo o universo se submeteraacute alegremente a Jesus como Senhor Ele parte da premissa de que o texto tem em mira todos os seres inteligentes do universo e que todos eles tecircm a liberdade de escolher a quem vatildeo se submeter Nesse sentido o hino estaria afirmando que Deus exaltou Jesus com essa intenccedilatildeo poreacutem por causa da liberdade dos seres a proacutepria expectativa de Deus pode ser frustrada Eacute difiacutecil no entanto considerando os dados biacuteblicos pensar que essa seja a expectativa de Deus em relaccedilatildeo aos democircnios por exemplo 424 MARTIN R P A Hymn of Christ p 291 425 MARTIN R P A Hymn of Christ p 269-270 Cullmann indica que no momento da Eucaristia em cada culto cristatildeo a Igreja experimenta a atualizaccedilatildeo da histoacuteria da salvaccedilatildeo evocando os acontecimentos do evento central (morte e ressurreiccedilatildeo) e antecipando algo que soacute deveria ocorrer no final dos tempos que eacute a comunhatildeo com Jesus Cristo ressurreto CULLMANN O Cristo e o

Tempo p 199 Isso daacute alguma razatildeo aos que pensam que Fl 26-11 se originou em um contexto eucariacutestico Essa era a tese de Lohmeyer que entre outros argumentos afirmou que nesta periacutecope ldquoa feacute da igreja eacute direcionada a um alvo puramente escatoloacutegicordquo E Lohmeyer apud ldquoMARTIN R P A Hymn of Christ p 94 426 MARTIN R P Filipenses p 115-116

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por isso com gratidatildeo e de forma voluntaacuteria dobram os joelhos diante de Jesus

Em contrapartida aqueles que aqui rejeitam Jesus Cristo na sua parusia teratildeo de

curvar-se diante dele com vergonha e tristeza427

58 Fl 210-11 e a adoraccedilatildeo a Jesus

Conforme observado acima os verbos κάμπτω e ἐξομολογέω descrevem

accedilotildees religiosas que satildeo dirigidas ao proacuteprio Jesus No contexto biacuteblico satildeo verbos

proacuteprios da adoraccedilatildeo428 Cabe aqui entatildeo aprofundar um pouco a discussatildeo de uma

adoraccedilatildeo a Jesus no Novo Testamento e em Fl 210-11 de modo especiacutefico

A questatildeo eacute que alguns estudiosos continuaram seguindo o esquema de uma

comunidade heleniacutestica distinta do cristianismo palestinense com uma ecircnfase

cristoloacutegica completamente diferenciada Nesta perspectiva muitos consideraram

que a adoraccedilatildeo a Jesus no culto resultante de uma cristologia da exaltaccedilatildeo foi uma

deturpaccedilatildeo equivalente agrave criaccedilatildeo de uma nova religiatildeo em relaccedilatildeo aos cristatildeos de

Jerusaleacutem429 O pressuposto eacute que seria inconcebiacutevel para um judeu adorar outra

pessoa ao lado de Deus Para sair desse dilema uma das propostas foi reconhecer

que a liturgia das igrejas palestinense e heleniacutestica a saber os hinos as oraccedilotildees o

proacuteprio culto sempre foi destinado a Deus Jesus desempenhava um duplo papel o

de conteuacutedo do culto onde a igreja louvava e agradecia a Deus por Jesus e

mediador do culto as oraccedilotildees accedilotildees de graccedilas e louvores chegam ao Pai por meio

do Senhor Jesus De fato ambas as funccedilotildees de Jesus satildeo atestadas no Novo

Testamento Como mediador Jo 162326 Rm 18 Ef 520 Cl 317 1Tm 25 entre

outros Como conteuacutedo os hinos de Fl 26-11 Cl 115-20 1 Tm 316 e em especial

a celebraccedilatildeo da Ceia do Senhor Mas deve se parar por aiacute J D G Dunn acha que

sim430 Ele recomenda cautela quando se fala de um culto a Jesus no cristianismo

primitivo Ele sugere seguir a terminologia proposta no conciacutelio de Niceacuteia em 787

427 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 146-147 428 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses (Phil 26-11) p 467-468 429 BULTMANN R Crer e compreender p 109 afirma ldquoo cristianismo heleniacutestico eacute uma religiatildeo de culto ele eacute no fundo uma religiatildeo totalmente nova em relaccedilatildeo ao protocristianismo palestinenserdquo Jaacute FULLER R H The foundations of New Testament Christology p 158 considera que uma adoraccedilatildeo a Jesus nem na igreja helenista ocorreu 430 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 305-308

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distinguindo culto e veneraccedilatildeo ldquotemos que falar da veneraccedilatildeo de Cristo

significando com isso algo menos que o culto plenordquo431 Entretanto essas satildeo

categorias anacrocircnicas quando utilizadas dentro do Novo Testamento432 E a

consideraccedilatildeo de outras evidecircncias no Novo Testamento aponta na direccedilatildeo de que

no cristianismo primitivo Jesus era realmente adorado junto com Deus Pai

Primeiro existem alguns exemplos de oraccedilotildees dirigidas a Jesus Embora em

Atos o tiacutetulo κύριος seja usado de forma um pouco ambiacutegua433 o que as vezes

dificulta saber se a referecircncia eacute a Deus ou a Jesus eacute possiacutevel que o referente seja

Jesus nos seguintes textos 124 132 e especialmente 759-60 onde Estevatildeo

invoca (ἐπικαλούμενον) o Senhor Jesus e em seguida ajoelhou-se e clamou ao

Senhor (θεὶς δὲ τὰ γόνατα ἔκραξεν) pedindo que ele perdoe os seus assassinos434

Atitude de Estevatildeo lembra a de Jesus na cruz mas enquanto Jesus se dirigiu a Deus

Pai Estevatildeo se dirigiu ao Jesus exaltado435 No corpus paulino se admite que o

provaacutevel uacutenico exemplo de oraccedilatildeo dirigida a Jesus eacute 2Co 128 ldquo trecircs vezes pedi

ao Senhor que o afastasse de mimrdquo436 A expressatildeo transliterada μαράνα θά em

1Cor 1622 tambeacutem deve ser encarada como uma suacuteplica dirigida ao Jesus exaltado

assim como sua equivalente traduzida em Ap 2210b437

O paralelo mais estreito com Fl 210-11 no Novo Testamento eacute Ap 513 que

apresenta Jesus recebendo ao lado de Deus Pai adoraccedilatildeo de todos os seres do

cosmos ldquoEntatildeo ouvi que toda criatura que haacute no ceacuteu e sobre a terra debaixo da

terra e sobre o mar e tudo o que neles haacute estava dizendo Agravequele que estaacute sentado

431 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 308 432 Como observa HURTADO L W As Origens da Adoraccedilatildeo Cristatilde p 110 ldquoA antiga distinccedilatildeo entre lsquoveneraccedilatildeorsquo e lsquoadoraccedilatildeorsquo a que Dunn se refere natildeo eacute tatildeo antiga o bastante para que seja levada em conta na exegese do NTrdquo 433 O uso ambiacuteguo que Atos faz do tiacutetulo pressupotildee a divindade de Jesus como se veraacute no ponto 413 do proacuteximo capiacutetulo Por conseguinte segundo WITHERINGTON III B Lord In DLNTD p 670 ldquoEsta ambiguumlidade natildeo incomodou Lucas porque em sua visatildeo a terminologia eacute igualmente apropriada quando usada para Deus ou para Jesus especialmente porque ele via Jesus como um objeto de culto apropriadordquo O tiacutetulo seraacute κύριος seraacute analisado com maior profundidade no proacuteximo capiacutetulo 434 Quanto agrave identificaccedilatildeo de κύριος nesses textos como sendo Jesus WITHERINGTON III B op cit p 670 MARSHALL I H Atos passim e DUNN J D G The Christ and the Spirit p 245-248 concordam em relaccedilatildeo a 760 A identificaccedilatildeo de 124 eacute proposta por Marshall e 132 por Witherington III Dunn considera que 124 refere-se a Deus e que 132 eacute ambiacuteguo 435 MARSHALL I H op cit p 145-146 436 Entre outros assim pensam CULLMANN O A oraccedilatildeo no Novo Testamento p 200 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 306 MARXEN W Christology In IDB p 151 437 BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 176-178 defende que o Novo Testamento testemunha apenas exemplos de oraccedilotildees feitas a Jesus fora do ambiente lituacutergico na vida pessoal como 2Co 128 e outros Para ele oraccedilotildees lituacutergicas dirigidas diretamente a Jesus na antiguidade soacute satildeo encontradas nos Atos dos apoacutestolos apoacutecrifos

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no trono e ao Cordeiro seja o louvor e a honra e a gloacuteria e o domiacutenio pelos seacuteculos

dos seacuteculosrdquo Em ambos os textos o culto a Jesus natildeo eacute separado do culto a Deus

Pai Eacute interessante notar ainda que o texto de Apocalipse traz as mesmas duas

tensotildees presentes aqui em Filipenses Ele apresenta uma realidade escatoloacutegica

futura que deve ser replicada no presente e traz a questatildeo ndash ateacute de uma forma mais

impressionante pela doxologia empregada ndash se esse louvor a Jesus eacute prestado

sinceramente por todos ou se alguns o faratildeo apenas por reconhecimento

L W Hurtado aprofundou a pesquisa nessa direccedilatildeo Ele chamou a atenccedilatildeo

para a estreita relaccedilatildeo entre o culto a Jesus e o desenvolvimento da cristologia no

cristianismo primitivo438 Ao contraacuterio de outros estudiosos ele natildeo considera que

a fonte da cristologia palestinense esteja nas especulaccedilotildees judaicas poacutes-exiacutelicas

como na famosa personificaccedilatildeo da sabedoria Para ele o judaiacutesmo ofereceu a

linguagem e os modelos para a articulaccedilatildeo da cristologia poreacutem a propulsatildeo do

pensamento cristoloacutegico ocorreu no culto cristatildeo As diversas especulaccedilotildees do

judaiacutesmo poacutes-exiacutelico natildeo alteraram o seu culto A partir da ressurreiccedilatildeo e exaltaccedilatildeo

de Jesus os cristatildeos judeus alteram o seu culto passando a ter um culto

ldquoBinitarianordquo Percebe-se a estreita relaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus com o culto Era

ldquotanta gloacuteria divina superlativa e sem precedentes que eles [os primeiros cristatildeos]

sentiram-se compelidos a responder devocionalmente como eles fizeramrdquo439

Esta inovaccedilatildeo religiosa natildeo afetou o monoteiacutesmo como se veraacute no proacuteximo

capiacutetulo O culto a Jesus natildeo eacute um culto separado do culto a Deus O culto no

cristianismo primitivo dirigia-se tanto a Deus quanto a Jesus Cabe notar que

segundo padrotildees judaicos de pensamento se algueacutem estaacute ao lado de Deus

compartilha da soberania de Deus tem inclusive o proacuteprio nome de Deus (Fl 210-

11) esse algueacutem natildeo pode receber nada menos que a mesma adoraccedilatildeo que eacute a dada

a Deus Quer dizer que simplesmente prestar honras a Jesus sem cultuaacute-lo ao lado

de Deus era uma forma sofisticada de politeiacutesmo para os padrotildees judaicos440 Isso

reforccedila a tese do paraacutegrafo anterior pois pela oacutetica judaica o culto era o verdadeiro

teste praacutetico do monoteiacutesmo separando quem adora de quem eacute adorado441 Assim

438 CASEY P M Lord Jesus Christ A response to professor Hurtado p 83 ndash 96 HURTADO L W Devotion to Jesus and historical investigation a grateful clarifying and critical response

to professor Casey p 97-104 GREEN J B Larry W Hurtado One God One lord early

christian devotion and ancient jewish monotheism p 58-59 439 HURTADO apud GREEN J B Larry W Hurtado One God One lord p59 440 Ibidem p 134 441 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 129

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a elevaccedilatildeo de Jesus a Senhor exaltado fez natildeo apenas que a igreja entendesse que

ele tinha um ministeacuterio no presente junto agrave igreja mas proporcionou que a igreja

tambeacutem adorasse Jesus como Deus Essa resenha dos dados neotestamentaacuterios

somada agrave aplicaccedilatildeo a Jesus do texto profeacutetico de Is 4523 torna certo que o escopo

de Fl 210-11 eacute de uma adoraccedilatildeo a Jesus expressa atraveacutes de atitudes bem

concretas dobrar os joelhos e confessar Jesus como Senhor A importacircncia do texto

para a questatildeo eacute expressa categoricamente pela frase ldquoFl 29-11 eacute o texto existente

mais antigo no qual a adoraccedilatildeo a Jesus eacute representadardquo442

59 Conclusatildeo do capiacutetulo

Este capiacutetulo tratou do segmento dos versiacuteculos 210-11 que apresentam o

desdobramento da exaltaccedilatildeo de Jesus ldquoa fim de que todo o joelho se dobre ao nome

de Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra e toda liacutengua confesserdquo Eacute

interessante observar certo paralelismo com o verso 29 pois tanto a exaltaccedilatildeo

quanto o que decorre dela eacute descrito com dois verbos Laacute a exaltaccedilatildeo eacute descrita

combinando ldquoexaltarrdquo e ldquodar o nome sobre todos os nomesrdquo Aqui tambeacutem pode-se

dizer que ldquodobrar os joelhosrdquo e ldquoconfessarrdquo satildeo duas accedilotildees que estatildeo conectadas

como finalidade ou consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus Natildeo obstante as duas

atitudes satildeo provenientes da utilizaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo que o hino faz do texto de Is

4523 o que resulta na transferecircncia da esperanccedila profeacutetica em relaccedilatildeo a YHWH

para o Jesus exaltado Haacute ainda outra ampliaccedilatildeo que o hino cristoloacutegico faz em

relaccedilatildeo ao texto do Decircutero-Isaiacuteas Pois enquanto o profeta imaginava que todos os

povos ateacute os ldquoconfins da Terrardquo um dia reverenciariam o Senhor Fl 29-11 amplia

o alcance para todo o cosmos A exaltaccedilatildeo de Jesus requer que todos os seres ndash

anjos democircnios e seres humanos - se curvem diante dele e o reconheccedilam como

Senhor E dentro perspectiva escatoloacutegica do Novo Testamento entende-se que

Jesus jaacute assumiu a soberania coacutesmica e desde entatildeo todos satildeo convocados a

reconhececirc-lo como Senhor Nesse sentido o segmento analisado possui um papel

profeacutetico e pragmaacutetico pois tanto descreve o que seraacute realidade no futuro por

ocasiatildeo da parusia quanto convoca jaacute agora ouvintes e leitores a submeterem diante

442 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 128

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de Jesus e o confessarem como o Senhor de suas vidas A importacircncia

profundidade e as implicaccedilotildees do senhorio de Jesus Cristo seratildeo o assunto do

proacuteximo capiacutetulo

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6 Jesus eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

61 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

Nas palavras ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός o hino

alcanccedila o seu cliacutemax A narrativa que trouxe o drama cristoloacutegico que comeccedilou na

preexistecircncia passou pela encarnaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e foi ateacute a exaltaccedilatildeo que

mostrou o grande evento escatoloacutegico da exaltaccedilatildeo de Jesus seu alcance coacutesmico

e suas implicaccedilotildees soterioloacutegicas e pareneacuteticas chega ao seu auge na declaraccedilatildeo

Jesus Cristo eacute Senhor443 Eacute uma frase que responde a duas perguntas

fundamentais para os cristatildeos de Filipos e de todos os lugares e eacutepocas quem eacute

Jesus hoje O cristatildeo responde Ele eacute Senhor E agrave pergunta quem eacute Senhor hoje

ele responde Eacute Jesus E a partir dessa uacuteltima frase eacute possiacutevel entender o restante

do hino respondendo agraves pertinentes questotildees por que ele eacute Senhor Porque Deus

o Deus de Israel o exaltou E o que se deve fazer diante desse Senhor Submeter-

se a ele em obediecircncia e adoraccedilatildeo e confessaacute-lo como seu Senhor A proposta do

presente capiacutetulo eacute entender exegeticamente a uacuteltima frase do versiacuteculo 11 e

identificar todo o conteuacutedo teoloacutegico presente nela

62 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo

Eacute preciso perceber de imediato a ligaccedilatildeo existente entre esta sentenccedila e o

versiacuteculo 29 Com habilidade artiacutestica o autor ocultou o nome que foi dado a

Jesus em 29 para soacute agora revelaacute-lo O objetivo seria fazer dessa expressatildeo o

cliacutemax da passagem inteira444 de modo que agora Jesus passa a ser reconhecido

por algo novo que ele natildeo era quando apenas tinha a μορφῇ θεοῦ (26) Deve-se

lembrar a proposta hermenecircutica de ler o hino inteiro de forma progressiva

Tambeacutem haacute uma conexatildeo estreita com o que eacute descrito nos versiacuteculos 210-11

443 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 246 FITZMYER J A Teologia Paulina In NCBSJ p 1603 444 MARTIN R P A Hymn of Christ p 271

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pois essa afirmaccedilatildeo tanto eacute o conteuacutedo da confissatildeo que todo o universo deve

fazer agora e no final dos tempos quanto a proacutepria razatildeo pela qual eacute necessaacuterio

que todos se sujeitem a ele porque agora ele e apenas ele eacute o uacutenico κύριος do

universo445

Martin defende que essa eacute a confissatildeo das forccedilas espirituais que foram

subjugadas por Jesus excluindo a Igreja porque a confissatildeo natildeo eacute ldquoJesus Cristo eacute

nosso Senhorrdquo446 Ora o simples paralelo com outros dois textos no Novo

Testamento afasta esta interpretaccedilatildeo Em Rm 109 Paulo afirma ldquoPorque se

confessares [ὁμολογήσῃς] com tua boca que Jesus eacute Senhor e creres em teu

coraccedilatildeo que Deus o ressuscitou dentre os mortos seraacutes salvordquo Aqui o primeiro

criteacuterio soterioloacutegico apresentado por Paulo eacute confessar que Jesus eacute Senhor sem

qualquer necessidade de um pronome possessivo Outro texto que entra nessa

discussatildeo eacute 1Cor 123 ldquo ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute Senhorrsquo a natildeo ser no

Espiacuterito Santordquo Neste texto confessar Jesus como κύριος eacute evidecircncia da presenccedila

e accedilatildeo do Espiacuterito Santo no indiviacuteduo Dessa forma seria muito estranho que em

Filipenses o apoacutestolo imaginasse a sentenccedila que era praticamente a confissatildeo de feacute

fundamental dos ciacuterculos paulinos com exclusividade na boca de anjos democircnios

principados e potestades excluindo os seres humanos crentes em Jesus

621 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo no Novo Testamento

Os estudos literaacuterios no Novo Testamento identificam pequenos textos que

satildeo anteriores aos livros nos quais estatildeo inseridos e satildeo considerados confissotildees

de feacute primitivas denominadas tecnicamente de homologias447 A confissatildeo de

Jesus como Senhor que aparece aqui em Fl 211 eacute considerada uma dessas

445 MARTIN R P A Hymn of Christ p 272 446 MARTIN R P A Hymn of Christ p 279 447 Isso proveacutem da associaccedilatildeo da foacutermula com o termo grego ὁμολογία VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 52 KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-67 Kramer reputa a H Conzelmann a designaccedilatildeo da confissatildeo de feacute como homologia Outrossim STAUFFER E New Testament Theology p 338 apresenta um apecircndice com 12 criteacuterios para se identificar uma foacutermula credal no Novo Testamento Quanto agrave Rm 109 1Co 123 e Fl 211 cinco ou seis criteacuterios satildeo vaacutelidos

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foacutermulas confessionais Ela tambeacutem eacute identificada em Rm 109 1Cor 123 e 1Cor

86448

καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός (Fl 211) ὅτι ἐὰν ὁμολογήσῃς ἐν τῷ στόματί σου κύριον Ἰησοῦν καὶ πιστεύσῃς ἐν τῇ καρδίᾳ σου ὅτι ὁ θεὸς αὐτὸν ἤγειρεν ἐκ νεκρῶν σωθήσῃmiddot (Rm 109)

καὶ οὐδεὶς δύναται εἰπεῖνmiddot Κύριος Ἰησοῦς εἰ μὴ ἐν πνεύματι ἁγίῳ (1Cor 123)

ἀλλ᾽ ἡμῖν εἷς θεὸς ὁ πατὴρ ἐξ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεῖς εἰς αὐτόν καὶ εἷς κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς δι᾽ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεῖς δι᾽ αὐτοῦ (1Cor 86)

O termo grego ὁμολογία traz a noccedilatildeo de um compromisso feito em

puacuteblico449 No caso especiacutefico dessa confissatildeo seu objetivo natildeo eacute enumerar os

atos da histoacuteria da salvaccedilatildeo mas aclamar Jesus como Senhor ldquoAssim a

aclamaccedilatildeo eacute lsquoconfissatildeorsquo no sentido estrito da palavra pois a igreja confessa sua

lealdade a este particular Senhorrdquo450 Do ponto de vista histoacuterico esta confissatildeo eacute

reputada como a mais antiga do cristianismo451 sendo originaacuteria do cristianismo

de fala aramaica no qual teria a seguinte formulaccedilatildeo Yesualsquo hursquo mare452 Embora

seja uma confissatildeo bem simples traz uma enorme gama de significado teoloacutegico e

poliacutetico

lsquoJesus (Cristo) eacute Senhorrsquo eacute a quintessecircncia do credo cristatildeo no qual a palavra ldquoSenhorrdquo recebe o mais augusto sentido Quando os cristatildeos de geraccedilotildees posteriores se recusaram a dizer lsquoCeacutesar eacute Senhorrsquo recusaram-se porque sabiam que tais palavras natildeo constituiacuteam mera cortesia requerida pelo tiacutetulo era um

448 Rm 13b-4 tambeacutem eacute considerado uma foacutermula confessional mas aleacutem de ser um pouco mais elaborada que as foacutermulas citadas (talvez na direccedilatildeo de uma formulaccedilatildeo proacutexima a um credo) ela natildeo tem como foco o senhorio de Jesus mas a sua designaccedilatildeo como Filho de Deus Ademais a caracterizaccedilatildeo do gecircnero dos textos nem sempre eacute consensual de modo que nem todos os autores listam os mesmos textos quando falam de confissotildees de feacute Existe especial confusatildeo entre a designaccedilatildeo ldquohinordquo e ldquoconfissatildeo de feacuterdquo Destarte MARTIN R P A Hymn of Christ p XXVI indica Cl 26 ao lado dos textos citados acima O texto diz Ὡς οὖν παρελάβετε τὸν Χριστὸν Ἰησοῦν τὸν κύριον ἐν αὐτῷ περιπατεῖτε Natildeo haacute aqui a formula confessional como nos demais textos citados acima e por isso Cl 26 natildeo seraacute analisado aqui Por outro lado quando o texto remete agrave experiecircncia de receber Jesus como Senhor pode estar recordando exatamente a confissatildeo de feacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo como a experiecircncia inicial da vida cristatilde ocorrida no batismo 449 G Bornkmann apud VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 52 Do ponto de vista teoloacutegico O Michel define a concepccedilatildeo paulina de homologia como ldquoresposta ao evangelho de Cristo obediecircncia agrave sua mensagem aceitaccedilatildeo de sua declaraccedilatildeo e expressatildeo de seu compromissordquo O Michel apud RIDDERBOS H Teologia do apoacutestolo Paulo p 283 450 KRAMER W Christ Lord and Son of God p 67 451 Diversos autores entre eles FITZMYER J A κύριος In DENT p 2439 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 452 F F BRUCE apud MARSHALL I H The origins of New Testament Christology p 106

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tiacutetulo que dava o direito a Ceacutesar de receber honras divinas e neste sentido natildeo podiam atribuiacute-las a mais ningueacutem senatildeo a Jesus453 Em Romanos 109 a confissatildeo em questatildeo aparece como criteacuterio exterior

para a salvaccedilatildeo O texto preceitua dois elementos para a conversatildeo crer com o

coraccedilatildeo e confessar com a boca O conteuacutedo do crer eacute a ressurreiccedilatildeo de Jesus

ldquoque Deus o ressuscitou dentre os mortosrdquo Jaacute o da confissatildeo eacute o senhorio de

Jesus De fato eacute muito forte no Novo Testamento a relaccedilatildeo entre a ressurreiccedilatildeo e

o senhorio de Jesus454 Agora eacute importante perguntar por que o tiacutetulo que a

confissatildeo traz eacute Senhor e natildeo Filho de Deus Filho do homem Cristo Sumo

Sacerdote ou outros Entre outras consideraccedilotildees ele talvez fosse o mais adequado

agrave confissatildeo por conta da sua implicaccedilatildeo de discipulado No ministeacuterio de Jesus

antes da Paacutescoa conforme observado essa foi a noccedilatildeo predominante no uso do

termo Confessar Jesus como Senhor implicava em tornar-se seu disciacutepulo o que

envolvia renuacutencia e obediecircncia455 Por outro lado mediante esta confissatildeo

estabelecia-se uma polecircmica contra os muitos ldquosenhoresrdquo da cultura helecircnica456

Isso eacute o que leva a identificaccedilatildeo deste uacutenico Senhor pelo seu nome de nascimento

o Senhor eacute Jesus aquele Jesus de Nazareacute Posteriormente a mesma confissatildeo

tambeacutem funcionou como delimitaccedilatildeo agraves pretensotildees imperiais Afinal Ceacutesar

tambeacutem natildeo eacute senhor

Em 1Cor 123 a confissatildeo funciona como criteacuterio para avaliar nada menos

do que a obra do Espiacuterito Santo O contexto eacute a discussatildeo acerca dos carismas

Tendo em vista a grande confusatildeo que havia em torno desse tema em Corinto

Paulo estabelece o confessar Jesus como Senhor como criteacuterio para quem de fato

ldquofala pelo Espiacuterito de Deusrdquo De novo vem a questatildeo por que o tiacutetulo κύριος A

resposta passa pela estreita ligaccedilatildeo entre o reconhecimento do senhorio de Jesus e

o culto A proacutepria existecircncia de um culto cristatildeo gira em torno do fato de Jesus ser

o Senhor Destarte tambeacutem existe no Novo Testamento sobretudo em Paulo um

forte viacutenculo entre o senhorio de Jesus e a accedilatildeo do Espiacuterito 2Coriacutentios 317 ldquoPois

453 BRUCE F F Filipenses p 84 454 Em relaccedilatildeo a esse texto Leenhardt afirma ldquoSenhorio e ressurreiccedilatildeo satildeo inseparaacuteveis Eacute a feacute na ressurreiccedilatildeo que provecirc a base para a confissatildeo do Senhorio de Cristordquo F J Leenhardt apud GUTHRIE D New Testament Theology p 296 455 MacARTHUR Jr J F O Evangelho Segundo Jesus p 278-284 que refuta a tese de que essa seja simplesmente uma confissatildeo da divindade de Jesus embora isto esteja incluiacutedo Cf tambeacutem DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 202 456 VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 53 ldquoCom essa aclamaccedilatildeo a comunidade se submete ao Jesus exaltado como seu Senhor proclama seu domiacutenio perante o mundo e realiza uma polecircmica delimitaccedilatildeo contra as pretensotildees de qualquer outro κύριοςrdquo

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o Senhor eacute o Espiacuterito e onde se acha o Espiacuterito do Senhor aiacute estaacute a liberdaderdquo457

O entendimento relacionado eacute que no periacuteodo histoacuterico-salviacutefico do presente

entre a ascensatildeo e a segunda vinda o Senhor exaltado age atraveacutes do Espiacuterito

Especialmente junto agrave igreja ele eacute um kyrios pneumaacutetico O Espiacuterito eacute a

ldquopraesentia terrena do Senhor exaltadordquo458 O κύριος age na igreja e na vida do

crente atraveacutes do Espiacuterito Estar ldquono Senhorrdquo equivale a estar ldquono Espiacuteritordquo O

ministeacuterio de Jesus como Senhor eacute implementado atraveacutes da accedilatildeo do Espiacuterito e

toda a accedilatildeo do Espiacuterito estaacute em funccedilatildeo da obra de Jesus459 Dessa forma qualquer

ato lituacutergico (no caso dos coriacutentios a manifestaccedilatildeo dos dons) que natildeo ecoe o

senhorio de Jesus natildeo proveacutem do Espiacuterito Santo e natildeo pode fazer parte de um

culto cristatildeo

1Cor 86 estaacute em um segundo degrau no processo de desenvolvimento das

confissotildees de feacute no cristianismo primitivo porque talvez seja a primeira a ter dois

membros460 A evoluccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras estaacute em dois sentidos na inter-

relaccedilatildeo entre Jesus e o Pai e em colocar o ministeacuterio de Cristo junto agrave criaccedilatildeo

Deve-se destacar o contexto onde Paulo coloca essa confissatildeo No capiacutetulo 8 ele

estaacute discutindo a questatildeo do comer alimentos sacrificados aos iacutedolos os quais no

versiacuteculo 5 ele chama de ldquomuitos deuses e senhoresrdquo Para aquela situaccedilatildeo

existiam duas saiacutedas comuns ou cair no dualismo e se isolar da sociedade ou de

forma simples assimilar a cultura sem nenhum tipo de criacutetica461 Paulo rejeita

essas opccedilotildees e oferece uma soluccedilatildeo cristoloacutegica revolucionaacuteria ldquoSeguramente

uma das formulaccedilotildees mais assombrosas de cristologia alguma vez escrita em

qualquer seacuteculordquo462 Trata-se da reformulaccedilatildeo do texto mais famoso do

monoteiacutesmo judaico o shemaacute ldquoOuve oacute Israel Iahweh nosso Deus eacute o uacutenico

Iahwehrdquo (Dt 64) Cabe notar que na LXX as duas ocorrecircncias do tetragrama satildeo

substituiacutedas por κύριος A reformulaccedilatildeo paulina resulta em um shemaacute

457 Segundo W Kramer a associaccedilatildeo entre κύριος e πνεῦμα natildeo existia na tradiccedilatildeo foi criaccedilatildeo de Paulo KRAMER W Christ Lord and Son of God p 165 458 E KAumlSEMANN apud BRUCE FF Paulo o apoacutestolo da graccedila p 116 459 Na linguagem pouco cautelosa de Dunn ldquoIsto quer dizer que o Cristo glorificado agora eacute experimentado no Espiacuterito atraveacutes do Espiacuterito e como Espiacuteritordquo DUNN J D G Espiacuterito In DITNT p 736 460 Sobre 1Co 86 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 64 afirma que eacute ldquoa mais antiga confissatildeo de feacute em dois termosrdquo 461 WRIGHT N T Un Dios un Sentildeor un pueblo p 2-3 Segundo este autor a questatildeo dos iacutedolos era seriamente importante para os cristatildeos de Corinto pois em uma cidade como aquela eacute possiacutevel que toda a carne disponiacutevel tivesse sido oferecida em algum altar 462 Ibid p 5

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cristoloacutegico ou melhor em um monoteiacutesmo cristoloacutegico Eles continuam crendo

em um uacutenico Deus mas agora possuem um novo uacutenico Senhor Daiacute a primeira

resposta463 que Paulo daacute agrave questatildeo dos alimentos sacrificados eacute a de que natildeo

existem outros senhores da realidade soacute haacute um Senhor que eacute Jesus por meio de

quem todas as coisas foram criadas464

Haacute poucas duacutevidas de que o contexto originaacuterio de utilizaccedilatildeo da confissatildeo

em tela era o culto465 Cullmann propocircs como alternativa ao culto o contexto das

perseguiccedilotildees mas sua hipoacutetese natildeo obteve aprovaccedilatildeo entre os estudiosos466 Pode-

se precisar mais ainda o cenaacuterio do culto e especificar o momento do batismo467

Pois ali satildeo satisfeitas as exigecircncias do sentido de confissatildeo existem as

testemunhas que satildeo os membros da igreja e eacute assumido o compromisso com a feacute

professada468 No contexto heleniacutestico esse compromisso significava que o

batizado estava renunciando aos outros κύριοι para soacute reconhecer Jesus como

Senhor Nos ambientes onde se divulgava o culto ao imperador a confissatildeo

implicava que o indiviacuteduo estava negando as pretensotildees de Ceacutesar como Senhor e

afirmando o senhorio uacutenico absoluto e universal de Jesus E na perspectiva da

comunidade de feacute a confissatildeo era o compromisso de cooperaccedilatildeo com os outros

fieacuteis da comunidade (Fl 23-4) pois ter Jesus como Senhor significa ser servo dos

outros irmatildeos Sobretudo quando a pessoa confessava Jesus Cristo como Senhor

ela estava realizando uma antecipaccedilatildeo escatoloacutegica Na vida dela e no ambiente da

igreja torna-se real aquilo que Fl 210-11 apresenta como a realidade do final dos

tempos pessoas dobrando os joelhos diante de Jesus e confessando-o como

463 Na continuidade da discussatildeo Paulo apresenta o argumento de se pensar na consciecircncia do proacuteximo 464 Aleacutem dessas confissotildees que refletem a cristologia do κύριος VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 62-63 aponta tambeacutem para o texto de Efeacutesios 45 ldquohaacute um soacute Senhor uma soacute feacute um soacute batismordquo mas a identificaccedilatildeo deste texto como confissatildeo de feacute eacute pouco consensual 465 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 131-133 tenta protestar contra isso mas seus argumentos satildeo inconclusivos e ele mesmo deixa transparecer as relaccedilotildees lituacutergicas da confissatildeo 466 Conferir o posicionamento contraacuterio de CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 361 467 Assim KELLY J N D Primitivos credos cristianos p 30 SAacuteNCHEZ BOSCH J Maestro de los pueblos p 188 ndash 189 Admitem o sitz im leben no culto sem precisar o momento do batismo KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-67 VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 53 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 468 RIDDERBOS H Teologia do apoacutestolo Paulo p 264 ldquoaquilo que eacute tiacutepico de lsquoconfissatildeorsquo encontra-se assim no fato de que eacute a expressatildeo exterior da feacute Nesse sentido tem certo significado legal no qual o lsquofoacuterumrsquo ou as lsquotestemunhasrsquo podem ser vistos como o tribunal do mundo composto dos homens em geral mas tambeacutem como a Igreja ou seus representantes perante os quais algueacutem professa a sua feacute e assume um compromisso com o conteuacutedo da feacuterdquo

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Senhor469 Afinal ldquoesse eacute o verdadeiro alvo da esperanccedila biacuteblica e de toda

esperanccedila de futuro autenticamente cristatilderdquo470

622 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo em Fl 211

Em Filipenses 211 a foacutermula confessional eacute evidenciada pela conjunccedilatildeo

ὅτι entendido como um recitativum introduzindo uma citaccedilatildeo que no caso eacute a

confissatildeo de feacute471 Em relaccedilatildeo aos textos de Rm 109 e 1Cor 123 Fl 211 possui

um diferencial Aqui a confissatildeo natildeo eacute apenas Jesus eacute Senhor mas Jesus Cristo eacute

Senhor Basevi opina que essa variaccedilatildeo indica que aqui existem duas afirmaccedilotildees

de feacute Jesus eacute Messias e Jesus eacute Senhor472 Poreacutem isso eacute improvaacutevel porque aleacutem

do uso absoluto do termo κύριος para Jesus (Rm 1468 1Cor 35 e outros) Paulo

usa uma seacuterie de combinaccedilotildees como ldquoJesus Cristo nosso Senhorrdquo (Rm 14)

ldquonosso Senhor Jesus Cristordquo (Gl 618) ldquoSenhor Jesus Cristordquo (2Cor 1313) e

ldquoSenhor Jesusrdquo (1Co 1123) Em todas essas variaccedilotildees a ecircnfase estaacute no senhorio

de Jesus ldquosintaticamente nessas expressotildees lsquoJesusrsquo com ou sem lsquoCristorsquo

identifica o lsquoSenhorrsquo e lsquoSenhorrsquo define quem Jesus eacute para os cristatildeos e seu

relacionamento com elerdquo473 Em termos de origem da confissatildeo de feacute nos termos

apresentados aqui em Fl 211 eacute possiacutevel que a influecircncia das foacutermulas lituacutergicas jaacute

utilizadas nas becircnccedilatildeos (como em Fl 12) tenha levado Paulo a fazer uma leve

ampliaccedilatildeo da expressatildeo confessional resultando em uma frase mais completa

cristologicamente474 Seja como for mesmo assim o foco da confissatildeo eacute o tiacutetulo

469 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 147 470 DE BOOR W HAHN E Cartas aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 213 471 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 472 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 467-468 473 HURTADO L W Senhor In DPC p 1154 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 392 sugere que a expressatildeo ldquoJesus Cristordquo nessa ordem estaacute afirmando Deus ressuscitou este homem Jesus e lhe deu a funccedilatildeo e a dignidade de salvador messiacircnico Em contrapartida quando Paulo diz ldquoCristo Jesusrdquo o pensamento parte do Cristo preexistente que se revelou no homem Jesus de Nazareacute Natildeo parece contudo que exista toda essa reflexatildeo teoloacutegica em expressotildees usadas de forma tatildeo rotineira por Paulo Para Lohmeyer a ausecircncia do pronome ldquonossordquo apontaria para o senhorio de Jesus sobre todo o cosmos e natildeo apenas sobre a Igreja BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 16 474 HURTADO L W Senhor In DPC p 1152

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κύριος que ocupa posiccedilatildeo enfaacutetica na sentenccedila475 e a designaccedilatildeo ldquoCristordquo natildeo

funciona como tiacutetulo confessado

Por outro acircngulo existe uma razatildeo para a inclusatildeo de ldquoCristordquo na simples

confissatildeo de feacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo A questatildeo eacute que devido agrave expansatildeo da

mensagem cristatilde para ambientes com maioria gentiacutelica de grande influecircncia

helenista (como era a situaccedilatildeo da cidade de Filipos) onde Χριστὸς natildeo possuiacutea a

mesma relevacircncia que tinha no judaiacutesmo a manutenccedilatildeo da designaccedilatildeo judaica era

importante para estabelecer o viacutenculo da mensagem anunciada com seu ponto de

origem que eacute a feacute israelita Com muita probalidade Paulo concordaria com as

palavras de Jesus em Joatildeo ldquoporque a salvaccedilatildeo vem dos judeusrdquo (Jo 422)476

Dessa maneira ainda que ldquoCristordquo funcione na confissatildeo apenas como sobrenome

de Jesus477 ele era fundamental para mostrar a identidade do Senhor proclamado e

confessado que de outra forma para ouvidos natildeo judaicos poderia se confundido

com os vaacuterios κύριοι existentes na religiosidade oriental478

63 O tiacutetulo κύριος atribuiacutedo a Jesus

631 Panorama da atribuiccedilatildeo de κύριος a Jesus no Novo Testamento

Eacute possiacutevel identificar no cristianismo primitivo testemunhado pelo Novo

Testamento dois momentos distintos na aplicaccedilatildeo do tiacutetulo κύριος a Jesus O

primeiro momento eacute aquele que remonta ao ministeacuterio de Jesus anterior agrave

ressurreiccedilatildeo conforme o testemunho dos evangelhos Como aquele era um

ambiente de fala aramaica a utilizaccedilatildeo de κύριος pelos evangelistas por certo natildeo

eacute original mas tem como possiacuteveis correspondentes os termos Nesse רבי e מר

contexto eacute possiacutevel distinguir dois significados principais agrave aplicaccedilatildeo de κύριος a

Jesus durante esse periacuteodo anterior a Paacutescoa Boa parte das ocorrecircncias sobretudo

aquelas no vocativo podem ser classificadas como simples foacutermula de tratamento

475 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 369 ldquoκύριος eacute a palavra principalrdquo Igualmente MARTIN R P A Hymn of Christ p 271 476 Ele chega proacutexima a essa afirmaccedilatildeo em Rm 94-5 477 Assim MARTIN R P A Hymn of Christ p 279 478 BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 174

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sem qualquer conotaccedilatildeo religiosa (entre outros Jo 4111519 57 811 936)479

Em um outro grupo de referecircncias constata-se que o tiacutetulo eacute usado com sentido de

mestre fazendo um par linguiacutestico com δοῦλος trazendo subjacente a noccedilatildeo de

discipulado entre Jesus e seus interlocutores Veja-se por exemplo a tendecircncia

em Mateus de colocar κύριος onde Marcos utilizou ῥαββί e διδάσκαλος Isso

ocorre em Mt 825 Mc 438 Mt 174 Mc 95 Mt 1715 Mc 917 Mt 2033

Mc 1051 Isso mostra que nesse periacuteodo Jesus era reconhecido com mestre (de

uma maneira que tanto se aproximava quanto tinha diferenccedilas em relaccedilatildeo ao

mundo judaico contemporacircneo) Os evangelistas preservaram esse

reconhecimento natildeo soacute mediante o uso de κύριος como tambeacutem atraveacutes de outras

designaccedilotildees como ῥαββί (Mt 2378 262549 Mc 95 1121 1445 Jo 138

3226 431 625 118)480 διδάσκαλος (Mt 818 238 Mc 438 535 938 Lc

740 Jo 32 1128)481 e ἐπιστάτης (Lc 55 82445 93349 1713)482

O segundo momento da atribuiccedilatildeo de κύριος a Jesus no cristianismo

primitivo testemunhado no Novo Testamento estaacute ligado de maneira direta ao

objeto formal deste trabalho Pois foram a ressurreiccedilatildeo e a consequente exaltaccedilatildeo

de Jesus os catalisadores da utilizaccedilatildeo deste tiacutetulo com um amplo significado

cristoloacutegico Como observa Longenecker ldquolsquoSenhorrsquo foi um tiacutetulo poacutes-ressurreiccedilatildeo

e encontrou seu ponto de partida e iniacutecio racional na ressurreiccedilatildeo e exaltaccedilatildeo de

Jesusrdquo483 E o contraacuterio tambeacutem eacute verdade isto eacute a cristologia da exaltaccedilatildeo que se

desenvolveu a partir da ressurreiccedilatildeo estava essencialmente expressa no tiacutetulo em

questatildeo como evidencia o importante texto de At 236 As cartas paulinas

tambeacutem indicam a estreita relaccedilatildeo entre κύριος e a ressurreiccedilatildeo de Jesus (Rm

424 1Co 91 2Co 414) Isto eacute reforccedilado aqui em Fl 29-11 pela conexatildeo entre o

tiacutetulo e a exaltaccedilatildeo que pressupotildee a ressurreiccedilatildeo Ele passa a ser Senhor a partir

479 HURTADO L W Senhor In DPC p 1147 Schnelle entende que a importacircncia de Χριστὸς para os gentios era outra Ele afirma que as cerimocircnias de unccedilatildeo que ocorriam na regiatildeo do Mediterracircneo naquele periacuteodo geravam o senso comum religioso de que pessoas (ou coisas) ungidas satildeo sagradas santas e consagradas a deus Assim judeus e gentios compreenderiam a afirmaccedilatildeo Ἰησοῦς Χριστὸς como predicado da singularidade religiosa de Jesus ainda que seja discutiacutevel se a utilizaccedilatildeo paulina e neotestamentaacuteria tivesse essa perspectiva religiosa em vista SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 563 480 A forma transliterada de רבי 481 Nos evangelhos διδάσκαλος ocorre 49 vezes e apenas em Lc 246 natildeo se refere a Jesus 482 Eacute um termo exclusivo do evangelho de Lucas 483 LONGENECKER R The Christology of Early Jewish Christianity p 129 Na mesma direccedilatildeo afirma Hurtado ldquoem grupos cristatildeos primitivos a ressurreiccedilatildeo de Jesus continuou a ser considerada a base histoacuterica e demonstraccedilatildeo da sua exaltaccedilatildeordquo HURTADO L W Senhor In DPC p 1152

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da sua exaltaccedilatildeo484 ldquoNas passagens em que a teologia de Jesus Senhor eacute expliacutecita

aparece claramente que a ressurreiccedilatildeo era entendida como evento decisivo para

este se tornar Senhorrdquo485

Por conseguinte a conclusatildeo de que Jesus eacute o κύριος identificado com o

Deus uacutenico de Israel proporcionou um olhar retrospectivo aos cristatildeos levando-os

a designar Jesus antes da exaltaccedilatildeo com o mesmo tiacutetulo Eacute o caso especiacutefico da

literatura lucana486 Deve-se registrar entretanto que natildeo houve uma mistura de

horizontes cristoloacutegicos entre o ministeacuterio terreno e o exaltado de Jesus mas uma

uacutenica preocupaccedilatildeo com a identidade487 O objetivo de Lucas e outros era mostrar

que o exaltado eacute o mesmo homem que nasceu de Maria caminhou na Galileacuteia e

foi morto em Jerusaleacutem E eles se sentem agrave vontade para aplicar retroativamente

o tiacutetulo Senhor a Jesus porque Deus o exaltou a essa posiccedilatildeo no presente

E lembrando que essa reflexatildeo teoloacutegica remonta agraves primeiras etapas do

cristianismo eacute muito pertinente agrave exegese perguntar-se de onde os cristatildeos tiraram

esse tiacutetulo para explicar a pessoa e obra do Jesus exaltado e qual significado eles

estavam atribuindo a Jesus por meio dessa designaccedilatildeo A resposta para ambas as

perguntas passa em boa parte pela utilizaccedilatildeo de κύριος na Septuaginta e no

judaiacutesmo

632 Panorama da histoacuteria da pesquisa sobre o tiacutetulo κύριος

ldquoSenhorrdquo eacute uma designaccedilatildeo fundamental para a cristologia

neotestamentaacuteria sobretudo a paulina Isso prova a estatiacutestica e o papel que o

484 A partir daiacute o tiacutetulo pocircde ser associado a outros eventos cristoloacutegicos como a parusia Atraveacutes das epiacutestolas aos tessalonicenses percebe-se essa conexatildeo (1Ts 416 313 415 523) CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 361-362 485 DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 292 486 ROWE C K Acts 236 and the continuity of lukan Christology p 51 487 Veja-se por exemplo o quarto evangelho que tanto no proacutelogo quanto nos discursos de Jesus apresenta uma cristologia ldquoexaltadardquo mas tem o cuidado de narrativamente soacute aplicar o tiacutetulo κύριος a Jesus apoacutes a ressurreiccedilatildeo ou seja a partir de 2020 ldquoTendo dito isso mostrou-lhes as matildeos e o lado Os disciacutepulos entatildeo ficaram cheios de alegria por verem o Senhorrdquo

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tiacutetulo ocupa na narrativa teoloacutegica do apoacutestolo488 E considerando que os escritos

paulinos satildeo cronologicamente os primeiros do Novo Testamento eacute muito

provaacutevel que Paulo tenha sido um fomentador desse aspecto cristoloacutegico

Todavia isso natildeo foi uma inovaccedilatildeo paulina489 Por certo o apoacutestolo herdou dos

primeiros cristatildeos a designaccedilatildeo de Jesus como κύριος e usa o termo sem

explicaccedilotildees ou justificativas esperando ser entendido por seus leitores Apontam

nessa direccedilatildeo frases estereotipadas como ldquoSenhor Jesus Cristordquo (1Ts 11) e ldquonosso

Senhor Jesus Cristordquo (1Ts 13) as foacutermulas tradicionais citadas pelo apoacutestolo que

incluem a designaccedilatildeo como as confissotildees de feacute as becircnccedilatildeos usadas nas saudaccedilotildees

das cartas a expressatildeo μαράνα θά (1Cor 1622) bem como a releitura de textos

veterotestamentaacuterios aplicando a Jesus o que antes referia-se a Deus Esse uacuteltimo

fenocircmeno deve ser agora aprofundado pois nele encontra-se todo o conteuacutedo que

judeus cristatildeos como Paulo acreditavam estar presente quando chamavam Jesus

de Senhor

A Septuaginta utiliza κύριος cerca de 9 mil vezes Destas 6156 traduzem

o tetragrama 490יהוה A histoacuteria da interpretaccedilatildeo dessa ldquotraduccedilatildeordquo passou por trecircs

fases Na primeira chamou-se a atenccedilatildeo para o costume existente no judaiacutesmo

preacute-cristatildeo de evitar a pronuacutencia do tetragrama substituindo-o na liturgia por

Quando se produziu a LXX o termo grego escolhido para traduzir o nome 491אדני

de Deus seria o equivalente ao hebraico אדון isto eacute κύριος Isso supotildee que na

eacutepoca do surgimento do cristianismo tanto os judeus de fala aramaica quanto os

de fala grega chamavam Deus de ldquoSenhorrdquo Daiacute quando os primeiros cristatildeos

passaram a chamar Jesus dessa forma pela perspectiva judaica estavam

488 Quanto agrave estatiacutestica κύριος ocorre 274 vezes na literatura paulina global (nas 13 cartas atribuiacutedas a Paulo no Novo Testamento) Em termos de tiacutetulo cristoloacutegico apenas Χριστός supera essa marca com 382 ocorrecircncias O problema eacute que muitas vezes este uacuteltimo termo eacute usado apenas como nome (ou sobrenome) de Jesus perdendo importacircncia teoloacutegica na narrativa No caso de κύριος tambeacutem deve-se excluir os textos em que o tiacutetulo refere-se a Deus ou outro personagem Ainda assim o nuacutemero de referecircncias a Jesus eacute alto Segundo Hurtado seriam 180 considerando apenas nas cartas incontestadas (ele deixa de lado as pastorais 2Tessalonicensses e Efeacutesios) HURTADO L W Senhor In DPC p 1150 WITHERINGTON III B Cristo In DPC p 308 489 HURTADO L W Senhor In DPC p 1149 490 BIETENHARD H Senhor In DITNT p 2317 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1061 491 Segundo HURTADO L W The Origin of the Nomina Sacra a proposal p 655-673 essa reverecircncia ao nome divino influenciou o surgimento no cristianismo primitivo dos chamados nomina sacra satildeo quatro nomes que eram abreviados em textos cristatildeos primitivos (jaacute no 2ordm seacuteculo) por serem considerados sagrados a saber Ἰησοῦς Χριστός Κύριος e Θεός A novidade cristatilde conforme Hurtado eacute que entre os nomes reverenciados estatildeo tiacutetulos cristoloacutegicos bem como a ausecircncia de qualquer temor em pronunciar estes nomes

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designando-lhe com o nome do proacuteprio Deus algo muitiacutessimo relevante

teologicamente492

Em um segundo momento essa linha de argumentaccedilatildeo foi questionada493

Ocorre que as coacutepias da LXX em que o tetragrama eacute substituiacutedo de maneira

uniforme por κύριος satildeo coacutepias cristatildes Textos de uso judaico trazem exemplos da

preservaccedilatildeo do tetragrama em caracteres hebraicos ou em formas alternativas

com IAW e PIPI494 A conclusatildeo eacute que a mudanccedila no texto escrito de יהוה para

κύριος teria sido influenciada pelo uso cristatildeo da expressatildeo e natildeo o contraacuterio495

O terceiro momento na histoacuteria da pesquisa retorna parcialmente ao

primeiro Os trabalhos de J A Fitzmyer foram importantes para demonstrar que

era comum entre os judeus antes do cristianismo designar Deus como Senhor seja

como מר אדני ou κύριος (dependendo do idioma falado)496 Na mesma direccedilatildeo

Geza Vermes defende que desde o 2ordm seacuteculo antes de Cristo ldquoos judeus usaram o

tiacutetulo lsquoSenhorrsquo ao falar sobre ou com Deus em hebreu aramaico ou gregordquo497 E

para refutar a teoria da natildeo originalidade de κύριος na LXX Martin Roumlsel

ofereceu algumas proposiccedilotildees bastante pertinentes498 Ele comeccedila seu argumento

mostrando que os massoretas escolheram as vogais de אדני para vocalizar o

tetragrama Eacute uma informaccedilatildeo que reforccedila a tese de Fitzmyer de que ldquomeu

Senhorrdquo era o que deveria ser lido (qecircre) quando no texto aparecia o tetragrama

Roumlsel propotildee que os caracteres hebraicos da LXX provecircm de uma revisatildeo preacute-

cristatilde feita no texto e a forma IAW deveria ser o costume de uma determinada

comunidade judaica que preservou ao contraacuterio do restante do povo esta forma

492 FITZMYER J A To Advance the Gospel p 221 Ele atribui a Cullmann essa interpretaccedilatildeo 493 Para um resumo desses questionamentos cf FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 119-123 ROumlSEL M The Reading and Translation of the Divine Name in the Masoretic Tradition and the Greek Pentateuch p 414-419 494 Entre os textos em questatildeo estatildeo o Papiro Fouad 266 (Dt 31) os doze profetas menores (LXX) achados na caverna 4 de Qumran fragmentos de Leviacutetico 2-5 na mesma caverna fragmentos de Aacutequila (provenientes do Cairo) fragmentos da segunda coluna da Hexapla (conhecidos por Oriacutegenes e Jerocircnimo) Cf FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 120 495 Eacute a conclusatildeo por exemplo de FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1059 496 FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 124-127 FITZMYER J A To Advance the Gospel p 222-223 FITZMYER J A κύριος In DENT p 2443 497 VERMES G As vaacuterias faces de Jesus p 223 Da mesma forma HURTADO L W Senhor In DPC p 1148 498 ROumlSEL M The Reading and Translation of the Divine Name in the Masoretic Tradition and the Greek Pentateuch p 414-419

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de pronunciar o tetragrama499 Mas a principal proposta de Roumlsel eacute defender a

originalidade de κύριος como traduccedilatildeo do nome de Deus na LXX Para tal ele

busca identificar os criteacuterios teoloacutegicos usados pelos autores da traduccedilatildeo na

utilizaccedilatildeo do termo grego Ele observa que a tendecircncia geral da LXX eacute usar

κύριος para יהוה e θεός para אmacrהים Poreacutem em algumas ocasiotildees os tradutores

usaram θεός para o tetragrama no lugar de κύριος A conclusatildeo de Roumlsel eacute que os

tradutores preferiram θεός em contextos de julgamento ou condenaccedilatildeo e

demonstraccedilatildeo de poder enquanto optaram por κύριος em textos que ressaltam a

graccedila e a misericoacuterdia de Deus Naturalmente ele admite que essa distinccedilatildeo natildeo

existe no texto hebraico (que usa יהוה nos dois contextos) bem como natildeo eacute

possiacutevel discernir todos os criteacuterios envolvidos mas eacute uma proposta plausiacutevel em

favor da originalidade de κύριος na LXX Trazendo isso para Fl 29-11 quando o

texto identifica o nome dado por Deus a Jesus na sua exaltaccedilatildeo como κύριος o

autor quer mostrar que Deus agraciou Jesus com seu proacuteprio nome Portanto por

traacutes do tiacutetulo que eacute confessado no versiacuteculo 211 deve-se enxergar a relaccedilatildeo

κύριος-יהוה-אדני proveniente tanto da tradiccedilatildeo lituacutergica sinagogal quanto da

reflexatildeo cristatilde a partir da LXX

633 A importacircncia teoloacutegica de confessar Jesus como Senhor

Para a compreensatildeo da amplitude teoloacutegica da atribuiccedilatildeo de Jesus como

Senhor eacute preciso ainda responder agrave seguinte questatildeo ldquopor que os judeus tiveram a

ideia de ler precisamente Adonai em lugar do tetragrama sagradordquo500 Seja qual

for a resposta podem ter sido as mesmas razotildees que tambeacutem influenciaram a

escolha de κύριος na LXX Uma explicaccedilatildeo razoaacutevel eacute que a escolha passou por

uma interpretaccedilatildeo do nome de Deus501 Porque este sempre indica quem eacute Deus a

sua natureza que no Antigo Testamento eacute sempre soberania Por isso o termo

499 HURTADO L W Senhor In DPC p 1149 argumenta que a utilizaccedilatildeo das formas hebraicas na LXX ou dos caracteres PIPI era apenas um artifiacutecio literaacuterio mas na hora da leitura eles eram provavelmente substituiacutedos por κύριος Igualmente DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 296-297 500 Questionamento formulado por CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 264 501 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1059

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ldquoSenhorrdquo funciona como um resumo da feacute veterotestamentaacuteria502 E a soberania de

Deus se baseia tanto na criaccedilatildeo quanto na salvaccedilatildeo503 As duas realidades satildeo

testemunhas dessa soberania E aqui se encontra a conexatildeo com a cristologia do

Novo Testamento de modo particular com Fl 29-11 pois crer em Jesus como

Senhor eacute acreditar que ele compartilha a soberania de Deus nessas duas aacutereas Ele

eacute o Senhor da salvaccedilatildeo pois ela soacute eacute obtida atraveacutes da feacute nele (Rm 109) e eacute

Senhor da criaccedilatildeo porque aleacutem de ser o mediador dela (Cl 116 Jo 12) tudo

agora foi colocado debaixo de seus peacutes (1Cor 1527 Hb 28)

Na teologia paulina esse senhorio soberano de Jesus vincula-se em

particular a trecircs aacutereas Primeiro agrave contextos pareneacuteticos nos quais os cristatildeos satildeo

chamados a uma vida de obediecircncia ao seu κύριος (Rm 141-12 1Co 613-740)

ecoando a antiga conotaccedilatildeo do tiacutetulo que mostrava Jesus como Mestre O cristatildeo

deve agir como δοῦλος e tudo na sua vida deve corresponder ao seu Senhor504

Desse modo a exortaccedilatildeo de Fl 212 pode precisamente estar referindo-se agrave

obediecircncia (verbo ὑπακούω) que os cristatildeos filipenses tecircm demonstrado a Jesus

como Senhor algo que Paulo exorta para que continuem fazendo505 Com efeito o

versiacuteculo 11 faz a ligaccedilatildeo natural entre o indicativo do que Deus jaacute fez a virada

escatoloacutegica com a exaltaccedilatildeo de Cristo e a consequente disponibilidade de uma

nova vida pelo Espiacuterito Santo e o imperativo do que os cristatildeos devem fazer

quando estatildeo dentro dessa vida isto eacute estatildeo ἐν Χριστω (25) Mas na verdade a

confissatildeo de Jesus como Senhor coloca o mundo inteiro diante de um desafio a

questatildeo uacuteltima que importa no julgamento final ldquoser ou natildeo ser obediente Nosso

destino depende de nossa confrontaccedilatildeo com aquele que eacute Obedienterdquo506 O destino

do mundo e de cada ser humano passa pela resposta ao senhorio de Jesus pois

afinal eacute nesse espaccedilo que o ser humano encontra sua verdadeira humanidade no

espaccedilo da obediecircncia ao Senhor507 Eacute nessa linha que as implicaccedilotildees eacuteticas satildeo

encontradas na passagem natildeo em termos de imitaccedilatildeo de Jesus

502 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1062 503 Ibid p 1081-1082 504 DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 294 ldquono miacutenimo professar Jesus como Senhor expressava uma vida agora dedicada de serviccedilordquo 505 HURTADO L W Senhor In DPC p 1155 506 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 65 Morgan mostra que para E Kaumlsemann eacute exatamente essa confrontaccedilatildeo essa necessidade de resposta que faz do hino evangelho e natildeo mito 507 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 66

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O segundo contexto no qual o senhorio soberano de Jesus eacute sublinhado por

Paulo eacute o escatoloacutegico Jaacute foi exposto anteriormente o significado escatoloacutegico da

exaltaccedilatildeo de Jesus Destarte natildeo apenas Paulo usa κύριος para descrever a virada

escatoloacutegica que aconteceu a partir da ressurreiccedilatildeo como tambeacutem para expressar

o que pode ser chamado de vitoacuteria escatoloacutegica final Como notado acima o

futuro escatoloacutegico jaacute comeccedilou mas ainda natildeo chegou a sua plenitude E se

apropriando da linguagem veterotestamentaacuteria Paulo chama essa plenitude de

ldquodia do Senhorrdquo (1Ts 52 1Cor 55 2Cor 14) onde o ldquoSenhorrdquo eacute Jesus Cristo na

sua parusia Para o apoacutestolo nesse dia Jesus vai trazer duas coisas que o Antigo

Testamento reservava para Deus o julgamento de todos e a vitoacuteria definitiva

sobre o mal Eacute a hora em que por alegria ou constrangimento todos reconheceratildeo

Jesus como Senhor e se prostraratildeo diante dele508

O terceiro contexto no qual o senhorio soberano de Jesus eacute trabalhado na

literatura paulina eacute o lituacutergico Jaacute foi notada a forte conexatildeo que existe entre

κύριος e o culto A confissatildeo de feacute as foacutermulas de becircnccedilatildeos a suacuteplica μαράνα θά

a designaccedilatildeo da eucaristia como κυριακὸν δεῖπνον (1Cor 1120) confirmam a

tese Mais importante ainda como observado no capiacutetulo anterior eacute que o culto

cristatildeo foi o propulsor da feacute cristatilde primitiva no senhorio de Jesus Ali Jesus foi

reconhecido como Senhor soberano e cristatildeos judeus se prostraram diante dele o

adoraram e o confessaram como Senhor das suas vidas sem que por um momento

acreditassem estar traindo o seu monoteiacutesmo509 Aleacutem disso no culto cristatildeo onde

o senhorio de Cristo eacute celebrado os dois horizontes anteriores se conectam pois a

Igreja tanto alimenta quanto vivencia de forma antecipada sua esperanccedila

escatoloacutegica e ao mesmo tempo eacute desafiada a uma vida de obediecircncia ao seu

Senhor ldquoEacute a adoraccedilatildeo de Cristo e a lembranccedila do poder fornecido pela sua

ressurreiccedilatildeo para aqueles que estatildeo lsquoem Cristorsquo que capacita a sua resposta

eacuteticardquo510 O culto cristatildeo eacute assim um espaccedilo da accedilatildeo do Senhor exaltado na Terra

A comunidade reuacutene-se em nome dele e experimenta a accedilatildeo dele por intermeacutedio

508 HURTADO L W Senhor In DPC p 1155-1156 509 HURTADO L W Senhor In DPC p 1156-1157 510 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 160 Na frase imediatamente antes ele afirma de forma sugestiva que natildeo era o cantar repetitivo do modelo de Cristo que capacitava os cristatildeos a viverem a vida digna do evangelho

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do Espiacuterito especialmente na eucaristia511 E esse contexto lituacutergico encaminha o

significado eclesioloacutegico do senhorio de Jesus Porque a Igreja eacute a comunidade

daqueles que se reconhecem sobre o seu domiacutenio Ela eacute o corpo ldquocuja cabeccedila eacute o

Senhor de todas as coisasrdquo512 E como Senhor ele cuida dos seus servos pois a

exaltaccedilatildeo de Cristo coincide com o iniacutecio da obra intercessora de Jesus pela Igreja

(Rm 834) outro aspecto do ministeacuterio exaltado de Cristo E natildeo se deve esquecer

do papel do Espiacuterito Santo na Igreja como agente do Cristo exaltado conforme

apontado no iniacutecio deste capiacutetulo

Natildeo obstante se o exposto acima eacute o conteuacutedo religioso principal que

Paulo e os primeiros cristatildeos viam por detraacutes da designaccedilatildeo ldquoSenhorrdquo pode-se

dizer um conteuacutedo ldquojudaicordquo vale ressaltar o significado que a afirmaccedilatildeo do

senhorio teria para os cristatildeos natildeo judeus ou para aqueles judeus que estavam

debaixo da poderosa influecircncia helenista Boa parte dos lugares em que Paulo

transitava no primeiro seacuteculo sofria a influecircncia do helenismo religioso Nesse

contexto as pessoas entendiam que suas vidas estavam debaixo de forccedilas

espirituais completamente arbitraacuterias que determinavam seus destinos513 E diante

desses poderes elas consideravam-se completamente impotentes Eacute contra essa

realidade que a confissatildeo de Jesus como κύριος deve ser compreendida Para

aquelas pessoas o anuacutencio do senhorio de Jesus significava que os poderes

malignos que as controlavam foram destronados Agora o universo foi

reconciliado com Deus A realidade escatoloacutegica do senhorio de Jesus elimina as

fronteiras que separavam o velho mundo do novo mundo O novo mundo jaacute eacute real

Um mundo onde o Senhor eacute Jesus aquele que natildeo impocircs sua soberania como um

tirano mas abrindo matildeo se esvaziando servindo sendo obediente a Deus e

morrendo em favor daqueles a quem ele iria governar Eacute a esse Jesus que agora o

ser humano libertado eacute chamado a servir e ser obediente E essa obediecircncia como

indicado por Kaumlsemann natildeo vem por intermeacutedio da imitaccedilatildeo do exemplo dele

mas pela convicccedilatildeo de pertencer a ele514

Agora para aleacutem dos aspectos religiosos no cenaacuterio poliacutetico do 1ordm seacuteculo

dC sobretudo em Filipos as afirmaccedilotildees dos versiacuteculos 210-11 seriam notadas

511 SCHNELLE U Paulo Vida e pensamento p 565 ldquoA comunidade reuacutene-se na presenccedila do poderosa do Exaltado cujas forccedilas salviacutefica mas tambeacutem castigadoras operam na celebraccedilatildeo da ceiardquo 512 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship p 67 513 MARTIN R P A Hymn of Christ p 281 514 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 121

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Como em outros tempos a poliacutetica do impeacuterio romano estava entranhada de

simbolismos religiosos Por sinal para as pessoas daquela eacutepoca natildeo fazia

qualquer sentido separar poliacutetica e religiatildeo515 Entre os povos orientais era praacutetica

comum desde Alexandre Magno oferecer homenagens religiosas a governantes

vivos ldquohonras iguais a deusesrdquo que envolviam ldquotemplos sacrifiacutecios sacerdotes

festivais e jogosrdquo516 Nessa seccedilatildeo do impeacuterio o imperador romano ocupava um

espaccedilo entre deuses e seres humanos Registram-se aiacute sacrifiacutecios em nome do

imperador mas ainda natildeo para o imperador E jaacute no final do 1ordm seacuteculo aC cultos

imperiais eram populares na proviacutencia romana da Aacutesia No ocidente a tradiccedilatildeo era

venerar os imperadores mortos Na verdade tambeacutem ainda no 1ordm seacuteculo aC o

senado romano aprovou a lei da divinizaccedilatildeo poacutestuma dos imperadores Dessa

forma se durante a vida de Paulo o culto ao imperador ainda natildeo tinha se

consolidado era algo que estava se disseminando rapidamente ldquoo culto ao

imperador era a religiatildeo que registrava o mais raacutepido crescimento no mundo de

Paulo o mundo do Mediterracircneo orientalrdquo517 E certamente Paulo acompanhou de

perto as accedilotildees de Caliacutegula (37-41 dC) que aplicou a si mesmo o tiacutetulo Deus e

ainda tentou construir no Templo de Jerusaleacutem uma estaacutetua em sua proacutepria

homenagem518 e de Nero sob o qual a aclamaccedilatildeo do imperador vivo como κύριος

espalhou-se grandemente519 Tambeacutem natildeo eram estranhas nem para Paulo nem

para os filipenses os contornos poliacuteticos da crescente religiosidade em torno do

imperador Como observa Moessner ldquoEmbora o escopo do lsquoculto ao imperadorrsquo

na Filipos do primeiro seacuteculo cristatildeo permaneccedila discutiacutevel o que natildeo eacute disputado

eacute o extensivo capital poliacutetico que a veneraccedilatildeo do imperador entregou para Roma

no controle das suas lsquocolocircniasrsquordquo520

Diante desse cenaacuterio Fl 210-11 chama a atenccedilatildeo por trecircs razotildees Primeiro

o cristatildeo eacute chamado a rejeitar qualquer um que se apresente como senhor deus ou

515 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 84 516 AUNE D E Imperadores Romanos In DPC p 674 517 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 89 518 AUNE D E Imperadores Romanos In DPC p 674 519 HELLERMAN J H Philippians p 124 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 476 faz menccedilatildeo de uma inscriccedilatildeo grega do periacuteodo de Nero que celebrava ldquoO Kyrios do mundo inteiro Nerordquo 520 MOESSNER D P Turning Status lsquoUpside Downrsquo in Philippi Christ Jesusrsquo lsquoEmptying Himselfrsquo as Forfeiting Any Acknowledgment of His lsquoEquality with Godrsquo (Phil 26-11) p 132 KRENTZ cita com aprovaccedilatildeo a tese de R R Brewer de que havia em Filipos ldquoos Augustales libertos especialmente consagrados ao culto do divino Augusto e que este culto imperial prosseguiu por todo o seacuteculo I da Era Comumrdquo KRENTZ E Paulo os Jogos e a Miliacutecia p 325

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dominador deste mundo esteja vivo ou morto Soacute haacute um Senhor e o nome dele eacute

Jesus Cristo Consequentemente somente ele deve ser honrado como Deus

Somente a ele o ser humano deve prostrar-se reconhecendo sua autoridade Natildeo

somente o culto ao imperador mas toda e qualquer homenagem religiosa dedicada

a governantes humanos satildeo excluiacutedas aqui Segundo o argumento de Fl 210-11 eacute

que mesmo os imperadores romanos teratildeo de dobrar os joelhos diante de Jesus e

confessaacute-lo como κύριος521 A ironia eacute que teratildeo de reverenciar aquele que foi

morto por uma autoridade romana atraveacutes de uma penalidade romana (embora

requerido por liacutederes judeus) Nesse sentido a mensagem do senhorio de Jesus em

Fl 29-11 eacute que natildeo apenas democircnios e forccedilas espirituais foram subjugadas por

Jesus mas que todo poder e autoridade sobre essa Terra seja poliacutetica religiosa

juriacutedica militar ou econocircmica estaacute debaixo da autoridade suprema de Jesus522

Em terceiro lugar mas natildeo menos importante eacute o efeito a ser produzido pela

comparaccedilatildeo entre o senhorio de Ceacutesar e o de Jesus aquele era reconhecido como

senhor do impeacuterio enquanto este segundo Filipenses foi entronizado senhor de

todo o universo523 Para os cidadatildeos de Filipos que incluiacutea muitos soldados

veteranos do impeacuterio outros antigos habitantes da proacutepria capital e muitos outros

que por motivos diversos admiravam Roma orgulhavam-se da sua ligaccedilatildeo com

ela e bajulavam seus liacutederes poliacuteticos em troca de favores para todos eles a

mensagem de Fl 210-11 era a proacutepria subversatildeo de sua visatildeo de mundo afinal

ldquopara a maior parte do mundo romano a lsquodivindadersquo do imperador era oacutebvia e

inquestionaacutevel porque ele possuiacutea um poder evidentemente superior ao poder

de qualquer outro mortalrdquo524 Nesse aspecto a mensagem do senhorio absoluto de

Jesus em Fl 210-11 era uma mensagem revolucionaacuteria525 Ao mesmo tempo era

uma proclamaccedilatildeo de esperanccedila para a igreja de Filipos Lembre-se que enquanto

Paulo escreve sua carta ele estava preso em uma prisatildeo romana provavelmente na

521 HELLERMAN J H Philippians p 122 lembra que as autoridades romanas estatildeo incluiacutedas no termo ἐπιγείων 522 De um ponto de vista socioloacutegico essa mensagem poderia provocar nos cristatildeos e no cristianismo como movimento a sensaccedilatildeo de um novo status privilegiado Um novo mundo chegou e agora todos estatildeo subordinados a Jesus como Senhor e satildeo os cristatildeos que possuem um relacionamento especial com este Senhor eles estariam em uma posiccedilatildeo ldquosocialrdquo mais vantajosa que seus adversaacuterios WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philippians Hymn The Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 285 523 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philippians Hymn The Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 282 524 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 90 525 Natildeo eacute de modo algum necessaacuterio adotar a chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo da passagem para se extrair suas implicaccedilotildees soacutecio-poliacuteticas

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capital do impeacuterio e que segundo o registro do livro de Atos a igreja nasceu

naquela cidade sob oposiccedilatildeo das autoridades romanas Nessa perspectiva o vieacutes

escatoloacutegico da passagem eacute muito importante porque ela informa aos leitores que

a despeito das circunstacircncias visiacuteveis o verdadeiro Senhor do universo eacute aquele

que eles confessam como Senhor das suas vidas e um dia natildeo soacute eles mas

tambeacutem os que agora sentem-se poderosos inclusive perseguindo a Igreja se

prostraratildeo diante de Jesus e teratildeo de admitir sua insuficiecircncia e o senhorio de

Cristo Por outro acircngulo a maior arma que os governantes desse mundo possuem

eacute a morte e o anuacutencio da exaltaccedilatildeo de Jesus mostra que essa arma foi vencida

atraveacutes da ressureiccedilatildeo do Senhor Jesus526

64 Para gloacuteria de Deus Pai

Quanto agrave expressatildeo proposicional εἰς δόξαν θεοῦ πατρός o primeiro

desafio a ser enfrentado eacute sobre a sua originalidade Conforme discutido

anteriormente J Jeremias defendeu que a peccedila hiacutenica original natildeo continha essa

expressatildeo Ela teria sido acrescentada quando Paulo a editou para citaacute-la na carta

aos Filipenses Martin chega a dizer que ldquoparece conclusivo que a frase deveria

ser separada do texto da confissatildeordquo527 Entretanto conforme observado no

primeiro capiacutetulo desde a deacutecada de 1990 a pesquisa exegeacutetica estaacute caminhando

na direccedilatildeo contraacuteria afirmando a autoria paulina integral de Fl 26-11

Ainda mais relevante eacute a questatildeo sobre o significado desta uacuteltima frase do

conjunto inteiro de Fl 26-11 Por certo ela natildeo eacute a conclusatildeo apenas da segunda

parte do hino mas do hino inteiro Significa que tanto a exaltaccedilatildeo quanto a

humilhaccedilatildeo foram para a gloacuteria de Deus Pai528 Mais ainda haacute uma espeacutecie de

inclusio pois no primeiro verso do hino o Filho de Deus eacute identificado com Deus

Pai atraveacutes das expressotildees μορφῇ θεοῦ e εἶναι ἴσα θεῷ ou seja em termos de

quem ele era na sua preexistecircncia E agora na uacuteltima parte do texto ele eacute

identificado com Deus Pai atraveacutes do que recebe Ambos tinham a mesma

526 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 95 527 MARTIN R P A Hymn of Christ p 273 528 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 148

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ldquoformardquo agora ambos recebem a mesma adoraccedilatildeo sem qualquer competiccedilatildeo ou

diminuiccedilatildeo de um ou de outro529

Destarte a conclusatildeo do hino acompanha a exaltaccedilatildeo muito provavelmente

para afastar dos ouvintes e leitores qualquer noccedilatildeo de que Jesus Cristo seja um

segundo deus ao lado do Pai Seria assim uma afirmaccedilatildeo do monoteiacutesmo biacuteblico

que no Novo Testamento vai ser reformulado para um monoteiacutesmo

cristoloacutegico530 Refinando um pouco mais eacute muito plausiacutevel que essa sentenccedila

queira acentuar que a participaccedilatildeo de Cristo na divindade natildeo tem nada a ver com

rivalidade ou disputa Cristo natildeo eacute um insurgente que atraveacutes de um ato rebelde

conquistou pela forccedila o senhorio coacutesmico531 Ao contraacuterio Fl 211 retoma a

primeira parte do hino (Fl 26-8) e mostra que κύριος eacute o obediente aquele que

natildeo se apegou ao ser igual a Deus mas se esvaziou Abriu matildeo Renunciou

Assumiu o papel de servo se humilhou e serviu obedientemente ateacute a morte de

cruz Isso se relaciona com o versiacuteculo 29 que mostra que o senhorio foi dado

(ἐχαρίσατο) por Deus a Jesus Entatildeo se Fl 29-11 mostra que Jesus agora tem toda

autoridade (conforme Mt 2818) tambeacutem mostra que essa autoridade eacute

completamente derivada de Deus Pai532 e exercida para a gloacuteria do Pai ldquoO

Senhorio de Cristo leva agrave gloacuteria de Deusrdquo533 para que um dia ldquoDeus seja tudo em

todosrdquo (1Co 1528) Nas palavras de Kreitzer poderia se afirmar que a exaltaccedilatildeo

de Jesus eacute tambeacutem a exaltaccedilatildeo de Deus Pai534

Outra questatildeo importante nesta expressatildeo eacute o sentido do substantivo

πατρός Antes de tudo eacute preciso observar a forccedila do termo em Paulo Em sua

teologia a paternidade de Deus eacute vista em trecircs dimensotildees Deus eacute o Pai de Jesus eacute

o Pai dos cristatildeos e eacute o Pai do mundo Com efeito Guthrie opina que ldquonatildeo haacute

nenhum outro conceito de Deus que domine a teologia de Paulo mais do que

esserdquo535 A questatildeo que se levanta eacute qual a dimensatildeo dessa paternidade estaacute

presente em Fl 211 Em outras palavras Deus eacute pai de quem aqui536 Kaumlsemann

529 FOWL S Philippians p 104 530 MARTIN R P A Hymn of Christ p 274 531 MARTIN R P A Hymn of Christ p 275-276 532 HAWTHORNE G F Philippians p 117 533 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 251 534 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo p 121 535 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 383 536 Ao que tudo indica o primeiro a elaborar essas trecircs possibilidades para o termo πατρός na passagem foi Lohmeyer Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 277

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favorece agrave paternidade sobre agrave criaccedilatildeo537 Na sua opiniatildeo o hino como um todo

descreve a inter-relaccedilatildeo entre dois mundos o divino e o humano Cristo sai do

mundo divino entra no mundo humano e depois volta ao mundo divino O ponto

segundo Kaumlsemann eacute que nessa volta quando Cristo eacute exaltado como Senhor do

cosmos os dois ldquomundosrdquo estatildeo unidos debaixo do mesmo Senhor Atraveacutes do

evento escatoloacutegico descrito pelo hino ocorreu uma reconciliaccedilatildeo do cosmos com

a divindade Em outras palavras a instalaccedilatildeo de Jesus como Senhor possibilita

que Deus exerccedila sua paternidade sobre o universo538 Na verdade assim como o

Cristo preexistente foi o mediador da criaccedilatildeo o Cristo exaltado eacute o mediador da

salvaccedilatildeo e da nova criaccedilatildeo conduzindo o universo atual aos novos ceacuteus e nova

terra um novo cosmos em comunhatildeo com o Pai539 Naturalmente nem todos

aceitam e desfrutam dessa paternidade da mesma forma mas ela foi tornada

possiacutevel e estaacute disponiacutevel por assim dizer por causa da vitoacuteria de Jesus que pocircs

fim ao conflito coacutesmico Portanto para Fl 26-11 o senhorio de Jesus e a

paternidade de Deus andam juntos

Outrossim o substantivo δόξα expressa o que Deus Pai vai receber No

Novo Testamento o termo carrega o sentido veterotestamentaacuterio da ה כבוד יהו

podendo ser usado para expressar a manifestaccedilatildeo visiacutevel da divindade ou de seus

atributos Tambeacutem no Novo Testamento encontra-se o significado de louvor que eacute

destinado a Deus Eacute exatamente isso que εἰς δόξαν quer dizer aqui que Deus Pai

seja glorificado O tema aparece alhures em Paulo tanto quando ele recomenda

que todas as coisas devem ser feitas para a gloacuteria de Deus (Rm 157 2Cor 415)

como em doxologias como a de Fl 420 τῷ δὲ θεῷ καὶ πατρὶ ἡμῶν ἡ δόξα εἰς τοὺς

αἰῶνας τῶν αἰώνων ἀμήν (cf Rm 1627 2Tm 418) Proacuteximo a Fl 211 eacute tambeacutem

a primeira parte do texto de Ef 117 ἵνα ὁ θεὸς τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ ὁ

πατὴρ τῆς δόξης

No caso de Filipenses o termo δόξα possui ainda um caraacuteter soacutecio-poliacutetico

Ele traz em si a conotaccedilatildeo de fama honra e reconhecimento de status E como jaacute

537 Quanto a isso Kaumlsemann eacute seguido por MARTIN R P A Hymn of Christ p 277-278 538 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 113-114 Na mesma direccedilatildeo Byrne ldquoo objetivo final da sequecircncia inteira [Fl 26-11] eacute recuperar o universo para a soberania e gloacuteria de Deus O papel e a dignidade de Cristo satildeo meios e estatildeo subordinados a issordquo BYRNE B A carta aos Filipenses In NCBSJ p 448 539 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 504 ldquoA protologia e a escatologia a histoacuteria universal e a histoacuteria individual estatildeo em Paulo numa correspondecircncia muacutetua porque Deus eacute o princiacutepio e a meta de tudo o que existerdquo

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observado havia em Filipos e por todo o impeacuterio romano o chamado cursus

honorum uma cultura de valorizaccedilatildeo do prestiacutegio e reconhecimento puacuteblicos Sob

esse aspecto o uacuteltimo segmento do hino mostra que a exaltaccedilatildeo de Jesus

funcionou como a manifestaccedilatildeo puacuteblica da honra divina540 Eacute como se na

exaltaccedilatildeo de Jesus Deus manifestasse seus atributos ao mundo e fosse por ele

assim reconhecido (embora dentro de uma tensatildeo escatoloacutegica) De forma curiosa

esta perspectiva faz um link com o proacuteprio sentido veterotestamentaacuterio de δόξα

que eacute a manifestaccedilatildeo visiacutevel do poder e presenccedila divinos

65 Monoteiacutesmo cristoloacutegico

Na histoacuteria da Igreja os grandes conciacutelios ecumecircnicos satildeo em grande parte

a histoacuteria da discussatildeo em torno da divindade de Jesus E apoacutes a consolidaccedilatildeo

dessa doutrina e da doutrina da trindade no seacuteculo V o cristianismo nos seus

diversos segmentos natildeo experimentou mudanccedilas significativas a esse respeito O

desenvolvimento a partir do seacuteculo XVIII da criacutetica histoacuterica e sua aplicaccedilatildeo na

exegese do Novo Testamento mudou um pouco esse quadro Uma das questotildees

levantadas conforme jaacute observado neste trabalho eacute o suposto dualismo entre

cristianismo judaico e cristianismo gentiacutelico Como exemplo pode-se citar a

polecircmica afirmaccedilatildeo de Casey ldquoA deidade de Jesus eacute inerentemente natildeo judaica

a feacute que um segundo ser eacute Deus envolve a saiacuteda da comunidade judaicardquo541

Contudo a despeito de posiccedilotildees extremadas como esta cada vez mais a exegese

do Novo Testamento admite que os primeiros cristatildeos judeus jaacute criam na

divindade de Jesus sem que isso significasse uma renuacutencia ao seu monoteiacutesmo

Nesse processo eacute importante registrar o entendimento atual de que jaacute

havia no judaiacutesmo uma reflexatildeo acerca de agentes divinos muito proacuteximos de

Deus mas distintos dele o que natildeo era considerado um abandono do monoteiacutesmo

Esse papel podia ser desempenhado por figuras histoacutericas do passado como

Enoque pelo ldquoanjo de YHWHrdquo (Gn 167-14 181-22 Ex 32-6) ou mesmo pelo

Messias Tambeacutem haviam especulaccedilotildees sobre hipoacutestases ou personificaccedilotildees da

540 HELLERMAN J H Philippians p 124-125 541 CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 176

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divindade separadas dela envolvendo a Toraacute e a Sabedoria Divina542 aleacutem de

tradiccedilotildees judaicas que descreviam a exaltaccedilatildeo ao ceacuteu e a glorificaccedilatildeo de Adatildeo543

Quer dizer que para a feacute judaica ldquoDeus natildeo era considerado um no sentido

matemaacutetico de ser unitaacuteriordquo544 Esses antecedentes ajudam a mostrar que a

reflexatildeo cristatilde neotestamentaacuteria natildeo era desprovida de conexotildees com o judaiacutesmo

Mas daiacute a identificar um personagem contemporacircneo morto em uma cruz como

divino havia uma grande distacircncia De fato esta eacute uma das trecircs diferenccedilas baacutesicas

entre a especulaccedilatildeo acerca dos agentes divinos e a cristologia do Novo

Testamento a saber aqueles nunca eram vistos como pessoas de valor igual a

Deus e com campos autocircnomos de atuaccedilatildeo nunca recebiam adoraccedilatildeo cuacuteltica e

era inconcebiacutevel que algueacutem morto de forma tatildeo vergonhosa fosse venerado como

agente de Deus de alguma forma ligado a ele545

Como observado antes a ressurreiccedilatildeo foi o grande acontecimento que

impactou a feacute dos disciacutepulos de Jesus pois ldquoa elevaccedilatildeo ao senhorio coincide com

a ressurreiccedilatildeo de Cristo ou eacute corolaacuterio imediato delardquo546 Daiacute a compreensatildeo de

que aquele que tinha sido crucificado agora estaacute vivo e foi exaltado por Deus

forccedilou-os a uma necessaacuteria reflexatildeo teoloacutegica O primeiro passo importante foi

olhar para os textos do Antigo Testamento como Sl 1101547 Entre outros a

releitura desse texto a partir da exaltaccedilatildeo de Jesus foi muito importante para

atribuir soberania a Jesus pois permitiu entender o Jesus exaltado ao lado de Deus

Pai exercendo domiacutenio sobre a criaccedilatildeo E sendo a soberania um traccedilo fundamental

do Deus de Israel essa reflexatildeo permitiu que os cristatildeos incluiacutessem Jesus na

identidade do Deus uacutenico548 Aqui destaca-se tambeacutem a utilizaccedilatildeo do tiacutetulo

κύριος pois a soberania sobre o cosmos assumida por Jesus a partir da sua

542 WHITERINGTON III B Cristologia p 317 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 380 394 543 DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 337 544 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 394 545 SCHNELL U Paulo Vida e Pensamento p 608 546 DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 294 547 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 128-129 considera que este foi um passo decisivo para o cristianismo helenista entretanto este passo jaacute tinha se antecipado no cristianismo de fala aramaica 548 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 130 Ao contraacuterio DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 300-303 acredita que Paulo nunca fez essa identificaccedilatildeo de Jesus com Deus Aliaacutes para ele o proacuteprio uso de κύριος servia natildeo para identificar Jesus com Deus mas para distinguir Jesus de Deus

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exaltaccedilatildeo eacute exatamente descrita por essa designaccedilatildeo549 O senhorio de Jesus sobre

a criaccedilatildeo vai muito aleacutem do que Deus desejou para o homem na criaccedilatildeo (Gn 126

Sl 86)550 Esse senhorio significa a soberania de Jesus sobre o universo soberania

que ele recebe das matildeos do proacuteprio Deus o que no hino eacute expresso pela doaccedilatildeo

do nome sobre todo nome que eacute de fato a funccedilatildeo de κύριος Atraveacutes desse tiacutetulo

os primeiros cristatildeos desenvolveram e fortaleceram essa cristologia aplicando a

Jesus textos do Antigo Testamento que falavam de YHWH da sua soberania e da

esperanccedila que um dia todos os povos se submetessem a ele que nunca foi a

esperanccedila veterotestamentaacuteria para Adatildeo551 Eacute o caso da jaacute citada alusatildeo a Is 4523

aqui em Filipenses pois enquanto Isaiacuteas espera o dia em que todos se prostraratildeo e

confessaratildeo o nome de YHWH o texto paulino afirma que essa esperanccedila jaacute eacute

realidade para o nome de Jesus552

A atribuiccedilatildeo a Jesus do tiacutetulo Kyrios tem outra consequecircncia a mais que todos os tiacutetulos dados a Deus ndash agrave exceccedilatildeo do nome de ldquoPairdquo ndash podiam doravante ser conferidos a Jesus Se de acordo com a feacute primitiva o nome ldquoque eacute sobre todo nomerdquo isto eacute o nome mesmo de Deus ldquoSenhorrdquo Adonai Kyrios foi dado a Jesus desde a sua glorificaccedilatildeo a transferecircncia de atributos divinos tornou-se ilimitada553

E nessa reflexatildeo sobre a feacute na divindade de Jesus e o monoteiacutesmo tambeacutem

eacute interessante notar ainda relaccedilatildeo existente entre κύριος e θεός A LXX apresenta

549 Textos como o proacutelogo do quarto evangelho e Cl 115-20 acentuam a obra do Cristo preexistente sobre a criaccedilatildeo Note-se todavia que nestes textos o destaque recai tanto sobre a preexistecircncia do Cristo quanto sobre seu papel de mediador da criaccedilatildeo Ele eacute anterior e mediador da criaccedilatildeo de ldquotodas as coisas nos ceacuteus e sobre a terra as visiacuteveis e as invisiacuteveis sejam tronos sejam soberanias quer principados quer potestadesrdquo (Cl 116) O proacuteprio Paulo assume essa visatildeo no texto jaacute discutido de 1Cor 86 Os dois textos expressam a mediaccedilatildeo de Jesus sobre a criaccedilatildeo pela preposiccedilatildeo διὰ Mas Colossenses vai aleacutem e acrescenta a preposiccedilatildeo εἰς indicando que de alguma forma a criaccedilatildeo foi estabelecida para o Filho de Deus Pode-se conjecturar que eacute na exaltaccedilatildeo quando Cristo assume a soberania sobre o Cosmos na grande virada escatoloacutegica que esse εἰς comeccedila a ser cumprido alcanccedilado sua plenitude no novo ceacuteu e nova terra Essa perspectiva evidencia que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute muito mais do que a vindicaccedilatildeo do justo sofredor 550 Contrariamente ao que pensa WRIGHT N T The Climax of Covenant p 93 apesar de afirmar um pouco mais agrave frente (p95) ldquoA tarefa do homem que iria representar Israel e salvar o mundo eacute a tarefa a qual na linguagem do Antigo Testamento estaacute (embora paradoxalmente) reservada para o proacuteprio Deusrdquo 551 BAUCKHAM R The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 139 observa que eacute inviaacutevel interpretar Fl 26-11 como uma cristologia adacircmica e tirar o inteiro significado teoloacutegico da alusatildeo a Is 4523 Ele considera que Wright fracassou nessa tentativa 552 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p xxvi mostra que os rabinos Tannaim (que atuaram entre os anos 10 e 220 depois de Cristo) recorriam a Isaiacuteas 44-47 em sua defesa do monoteiacutesmo contra tendecircncias dentro do judaiacutesmo que o ameaccedilavam 553 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 308-309 Grifos dele

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os dois termos bem proacuteximos quase intercambiaacuteveis554 Entre os gentios agrave

exceccedilatildeo dos gregos o colorido divino de κύριος eacute indiscutiacutevel555 E esse

pensamento tornou-se a cosmovisatildeo helenista a ponto de o proacuteprio imperador

romano ganhar traccedilos de divindade ao ser aclamado como senhor Desse modo

seja para a percepccedilatildeo judaica seja para a percepccedilatildeo gentiacutelica chamar Jesus de

Senhor trazia claras implicaccedilotildees de divindade556

Assim sendo dentro da rigorosa feacute monoteiacutesta judaica a feacute na divindade

de Jesus produziu um novo tipo de monoteiacutesmo o chamado ldquomonoteiacutesmo

cristoloacutegicordquo A ideia eacute que Jesus natildeo passou a ser algo que Deus deixou de ser557

A feacute dos cristatildeos no senhorio de Cristo natildeo alterou sua convicccedilatildeo na soberania de

Deus558 Prova disso eacute que os primeiros cristatildeos natildeo deixaram de se referir a Deus

como ldquoSenhorrdquo quando passaram a designar Jesus com este tiacutetulo No caso de

Paulo a sua cristologia natildeo substituiu sua teologia Ao contraacuterio a sua cristologia

deve ser entendida dentro da sua teologia Quando Paulo trata de Jesus estaacute

lidando com o plano de salvaccedilatildeo traccedilado por Deus559

O corpus paulino oferece muitas indicaccedilotildees do fenocircmeno do monoteiacutesmo

cristoloacutegico 1Cor 86 por exemplo funciona como uma definiccedilatildeo desse

fenocircmeno As foacutermulas de becircnccedilatildeo sobretudo nas saudaccedilotildees das cartas paulinas

apontam na mesma direccedilatildeo ldquoχάρις ὑμῖν καὶ εἰρήνη ἀπὸ θεοῦ πατρὸς ἡμῶν καὶ

554 LONGENECKER R N The Christology of Early Jewish Christianity p 136 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1046 propotildeem que o exemplo mais antigo do uso de κύριος para uma divindade eacute a proacutepria LXX Isso prova como eles reconhecem que a escolha do termo natildeo foi por intermeacutedio da influecircncia helenista 555 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1046-1051 Segundo eles a noccedilatildeo de um deus soberano senhor da realidade era totalmente estranha aos gregos 556 Contra a opiniatildeo de CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 176 557 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 302 558 HURTADO L W The Origin of the Nomina Sacra a proposal p 663 671-673 defende que a reverecircncia demonstrada atraveacutes da abreviaccedilatildeo dos nomes divinos e cristoloacutegicos evidencia o padratildeo ldquobinitarianordquo de devoccedilatildeo existente no cristianismo primitivo Natildeo obstante ele salienta que esse fenocircmeno estava ligado aos ciacuterculos cristatildeos ldquoortodoxosrdquo de forte tradiccedilatildeo e conexatildeo com as tradiccedilotildees judaicas e o Antigo Testamento 559 WHITERINGTON III B Cristologia In DPC p 317 319 Em uma fraseologia mais polecircmica Kreitzer assevera que ldquoPaulo manteacutem um forte tom de subordinaccedilatildeo de Jesus Cristo a Deus Pai mesmo nas passagens mais exaltadasrdquo Aqui ele inclui Fl 211 KREITZER L J Escatologia In DPC p 474

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κυρίου Ἰησοῦ Χριστοῦrdquo560 E nesse elenco o texto inteiro de Fl 26-11 merece

destaque Essa natildeo eacute a histoacuteria dos feitos do grande heroacutei Jesus E exatamente na

segunda parte do hino fica expliacutecito que quem exaltou Jesus foi Deus Pai E eacute

Deus Pai quem daacute de forma graciosa ao Jesus exaltado seu proacuteprio nome E

finalmente o cliacutemax do hino a confissatildeo de Jesus como Senhor eacute nada menos do

que para a gloacuteria do Pai Portanto desde as primeiras reflexotildees os cristatildeos

entendiam que a feacute em Jesus e a adoraccedilatildeo dirigida a ele nada tinha a ver com um

segundo Deus Ocorreu que eles incluiacuteram Jesus no culto de adoraccedilatildeo a Deus e

por consequecircncia incluiacuteram Jesus no monoteiacutesmo que eles professavam561

Natildeo se encontra em Paulo poreacutem uma apresentaccedilatildeo desenvolvida acerca

da Trindade562 Paulo prepara um caminho que seraacute trilhado depois pela Igreja

Tambeacutem natildeo se deve qualificar Paulo como um ldquocristomonistardquo isto eacute como se a

cristologia fosse a uacutenica forma da teologia paulina563 A seccedilatildeo de Fl 29-11

expressa isso de forma categoacuterica pois ao mesmo tempo que daacute a Jesus a mais

alta exaltaccedilatildeo mostra que isso tudo ocorre por intermeacutedio de Deus Pai Eacute certo

que o pensamento paulino estaacute distante de perspectivas como o marcionismo que

separam Jesus do Deus do Antigo Testamento A cristologia talvez funcione no

pensamento paulino como o epicentro de onde ele articula uma tripla narrativa de

Deus de Israel e do mundo

560 A foacutermula eacute repetida de forma idecircntica em Rm 17 1Cor 13 Gl 13 Ef 12 Fl 12 2Ts 12 Fm 3 As cartas a Timoacuteteo acrescentam ἔλεος apoacutes χάρις 1Tm 12 2Tm 12 Das 13 cartas atribuiacutedas a Paulo no Novo Testamento apenas Colossenses e Tito natildeo possuem a foacutermula na saudaccedilatildeo e em 1Tessalonicesses encontra-se uma adaptaccedilatildeo da formulaccedilatildeo (1Ts 11) As cartas paulinas tambeacutem usam uma expressatildeo fixa para as despedidas poreacutem aleacutem da formulaccedilatildeo oscilar mais do que nas saudaccedilotildees a becircnccedilatildeo eacute relacionada apenas com Jesus Cristo A frase padratildeo eacute Ἡ χάρις τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ μεθ᾽ ὑμῶν Encontra-se (com pequenas variaccedilotildees) em Rm 1620 1Cor 1623 Fl 423 1Ts 528 2Ts 318 Fm 12 Quanto agrave origem nada impede que Paulo tenha sido o criador destas foacutermulas mas a maneira recorrente e fixa (no conteuacutedo e na disposiccedilatildeo dos termos) em que elas aparecem indicam que elas ecoam elementos lituacutergicos Cf HURTADO L W Senhor In DPC p 116 KRAMER W Christ Lord e Son of God p 90-93 151-156 considera que as foacutermulas de despedidas satildeo preacute-paulinas e de origem lituacutergica Jaacute as saudaccedilotildees seriam de autoria paulina ainda que Paulo tenha feito uso de elementos lituacutergicos anteriores a ele A distinccedilatildeo entretanto natildeo eacute boa devido agrave similaridade entre as foacutermulas A origem lituacutergica pode explicar a ocorrecircncia quase idecircntica ao uso paulino que aparece em Ap 2221 Ἡ χάρις τοῦ κυρίου Ἰησοῦ μετὰ πάντων 561 Ao contraacuterio do ciacuterculo paulino parece que as tradiccedilotildees joaninas lidaram com a acusaccedilatildeo de que a feacute em Cristo era uma ameaccedila ao monoteiacutesmo como testemunham Jo 518 e 1030-33 562 Natildeo se justifica uma afirmaccedilatildeo como a de Basevi segundo o qual nesse momento o autor ldquopotildee em evidecircncia o aspecto trinitaacuterio do textordquo BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 470 563 Bem observado por WHITERINGTON III B Cristologia In DPC p 318 Nessa linha parece que a expressatildeo ldquoteologia cristocecircntricardquo faz mais jus ao pensamento paulino do que o contraacuterio

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65 Conclusatildeo do capiacutetulo

Este capiacutetulo comeccedilou mostrando que a confissatildeo de feacute κύριος Ἰησοῦς

Χριστὸς responde agrave pergunta quem Jesus eacute hoje A essa altura fica claro quanta

coisa Jesus eacute quando eacute afirmado que ele eacute Senhor Afirma-se que Jesus eacute divino

sem discutir o ser divino ou o relacionamento entre Jesus e Deus Em que pese

essa divindade jaacute estivesse expressa no iniacutecio do hino aqui atesta-se que Jesus eacute

divino porque possui o mesmo nome de Deus tem a mesma autoridade soberana

sobre o universo que Deus e deve receber a obediecircncia e a adoraccedilatildeo que antes

eram devidas somente a Deus Essa uacuteltima frase demonstra que o fechamento do

hino que acabou de ser analisado eacute uma fundamental afirmaccedilatildeo da feacute cristatilde e do

culto cristatildeo um passo importante na direccedilatildeo da posterior doutrina da Trindade

Afirma-se ainda nesse toacutepico que nesse hoje Jesus jaacute estaacute exercendo sua

soberania sendo Senhor sobre os anjos as potestades espirituais e sobre todos os

governantes dessa Terra inclusive acima do imperador romano Por tudo isso o

segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός estudado nesse

capiacutetulo eacute o adequado e merecido gran finale para o hino de Fl 26-11

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Conclusatildeo

O objetivo formal deste trabalho foi pesquisar a exaltaccedilatildeo de Jesus conforme

retratada em Filipenses 29-11 que eacute a segunda parte da periacutecope de 26-11 Esta

passagem eacute um texto fundamental para a compreensatildeo da cristologia do Novo

Testamento porque em poucos versiacuteculos ela descreve as trecircs principais etapas do

evento Cristo a preexistecircncia a existecircncia encarnada que culmina na morte de cruz

e a sua poacutes-existecircncia exaltada E justo por essa concentraccedilatildeo cristoloacutegica ao longo

da histoacuteria da teologia Fl 26-11 sempre foi um campo muito feacutertil para a reflexatildeo

dogmaacutetica Na patriacutestica por exemplo foi um dos textos da Escritura mais

comentados pelos pais564 Nesse periacuteodo a exposiccedilatildeo da passagem era estritamente

teoloacutegica girando acima de tudo em torno da divindade e da humanidade de Jesus

as relaccedilotildees trinitaacuterias entre o Filho e o Pai supostas pelo texto a adoraccedilatildeo ao Cristo

divino junto com Deus Pai e do ponto de vista pastoral a humildade de Cristo

como exemplo para os cristatildeos565 O pano de fundo era a discussatildeo com o arianismo

e a argumentaccedilatildeo se concentra na primeira parte do hino (Fl 26-8)

A exegese teoloacutegica desenvolvida durante a reforma protestante seguiu os

mesmos trilhos da patriacutestica O epicentro da exposiccedilatildeo gira em torno das duas

naturezas de Cristo mas houve uma ecircnfase ainda maior no tema de Cristo como

modelo de humildade566 No periacuteodo entre o final do seacuteculo XIX e o iniacutecio do seacuteculo

XX aleacutem dos temas jaacute mencionados eacute possiacutevel destacar trecircs linhas de interpretaccedilatildeo

na exegese teoloacutegica da passagem Primeiro a ldquovisatildeo dogmaacuteticardquo desenvolvida por

luteranos que defende que o versiacuteculo 6 faz referecircncia apenas ao ministeacuterio terreno

de Jesus sem qualquer conexatildeo com a preexistecircncia567 Segundo a teoria kenoacutetica

redigida na sua forma claacutessica por G Thomasius em 1857 que propotildee que no

versiacuteculo 7 o esvaziamento do Filho de Deus envolveu a renuacutencia dos atributos da

onisciecircncia e da onipotecircncia568 Terceiro a interpretaccedilatildeo eacutetica que enxerga a

periacutecope como exortaccedilatildeo de Paulo aos cristatildeos a fim de imitarem a atitude de Cristo

que natildeo se apegou a sua gloacuteria ao seu status divino mas abriu matildeo em favor da

564 EDWARDS M J (ed) Galatians Ephesians Philippians 1999 p 236 565 Ibid p 236-256 566 TOMLIN G Comentaacuterio Biacuteblico da Reforma ndash Filipenses e Colossenses p 89-98 567 MARTIN R P A Hymn a Christ p 63-65 No final do seacuteculo XX essa interpretaccedilatildeo ganhou uma formulaccedilatildeo exegeacutetica atraveacutes da ldquocristologia adacircmicardquo desenvolvida por J D G Dunn 568 MARTIN R P A Hymn a Christ p 66-68

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salvaccedilatildeo da humanidade Da mesma forma os filipenses deveriam abrir matildeo de

todo orgulho no intuito de preservar a unidade da igreja569

O ponto de partida para a pesquisa exegeacutetica contemporacircnea de Fl 26-11

pode ser localizado em 1928 com a publicaccedilatildeo dos trabalhos de Ernst Lohmeyer

Quase 90 anos depois a quantidade de literatura especializada em torno destes seis

versiacuteculos eacute gigantesca Nesse periacuteodo os autores mais influentes em relaccedilatildeo agrave

passagem aleacutem de Lohmeyer foram E Kaumlsemann N T Wright e R P Martin570

O referencial para a realizaccedilatildeo desta pesquisa foram especialmente

Kaumlsemann e Martin Seguindo a sugestatildeo de ambos procurou-se dar o devido valor

aos versiacuteculos 9-11 no conjunto do hino cristoloacutegico fazendo assim uma leitura

progressiva do hino que culmina na exaltaccedilatildeo de Jesus o verdadeiro cliacutemax da

passagem

O caminho seguido para o desenvolvimento dessa proposta teve como

primeira estaccedilatildeo a discussatildeo em torno da carta aos Filipenses A carta eacute endereccedilada

a uma igreja fundada pelo apoacutestolo Paulo entre os anos 48-50 dC Era uma

comunidade com a qual ele tinha um estreito relacionamento pastoral Com efeito

o objetivo principal da carta eacute agradecer o apoio financeiro que o apoacutestolo recebeu

desta igreja e apresentar seus planos para estar em contato com a comunidade

primeiro de enviar missionaacuterios ateacute laacute e depois dele mesmo estar pessoalmente com

os filipenses E aproveitando o ensejo da correspondecircncia o apoacutestolo faz algumas

exortaccedilotildees agrave igreja sobretudo em relaccedilatildeo a adversaacuterios que se levantavam dentro e

fora da igreja

Do ponto de vista socioloacutegico o principal ponto a considerar eacute que a igreja

de Filipos estava localizada em uma colocircnia romana com boa parte da populaccedilatildeo

sendo romana e uma fortiacutessima influecircncia cultural de Roma Quando Paulo escreve

a carta estaacute preso possivelmente na capital do impeacuterio Esse pano de fundo eacute de

fato uma poderosa influecircncia na redaccedilatildeo de Filipenses de modo que por toda a

carta sobretudo em Fl 26-11 percebe-se um vocabulaacuterio e uma narrativa teoloacutegica

que interagem de forma criacutetica com a cultura a poliacutetica e a religiatildeo romanas

569 MARTIN R P A Hymn a Christ p 68-74 570 Martin considera os trecircs primeiros os marcos fundamentais na intepretaccedilatildeo de Fl 26-11 Cf MARTIN R P Carmen Christi Revisited p 1 Contudo o proacuteprio Martin deve ser incluiacutedo pois a sua obra A Hymn of Christ lanccedilada em 1967 (com o tiacutetulo Carmen Christi) atualizada em 1983 e depois em 1997 eacute de longe a pesquisa mais ampla acerca dos temas e da histoacuteria da exegese de Fl 26-11 no seacuteculo XX

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Quanto agrave autoria da carta natildeo haacute duacutevidas de que ela tenha sido escrita pelo

apoacutestolo Paulo e embora exista razoaacutevel debate se o formato atual seja o resultado

da uniatildeo de vaacuterias cartas menores que Paulo enviou agrave igreja a evidecircncia manuscrita

e histoacuterica favorece agrave tese de que a carta sempre existiu como hoje se encontra no

Novo Testamento

O objeto material deste trabalho foi o texto de Fl 29-11 que eacute uma parte

literariamente distinguiacutevel da passagem de Fl 26-11 que por sua vez estaacute inserida

na seccedilatildeo pareneacutetica da carta que vai de 127 a 217 mas eacute uma unidade textual

distinta entre outros motivos justamente porque a parecircnese eacute dominada por

imperativos que Paulo dirige agrave comunidade enquanto que em 26-11 os verbos

principais passam do imperativo para o indicativo e da 2ordf pessoa para a 3ordf pessoa

passando-se da exortaccedilatildeo para a narraccedilatildeo uma narrativa teoloacutegica de eventos

relacionados a Jesus A plausibilidade de se trabalhar apenas com os versiacuteculos 29-

11 eacute verificada sobretudo por duas mudanccedilas primeiro do sujeito dos verbos

principais que em 6-8 eacute o Filho de Deus e em 9-11 eacute Deus Pai depois da temaacutetica

pois na primeira parte haacute uma sucessatildeo de accedilotildees na descendente que vai da gloacuteria

preexistente ateacute agrave morte de cruz e na segunda parte haacute uma accedilatildeo uacutenica na

ascendente que eacute a exaltaccedilatildeo de Jesus e a descriccedilatildeo dos desdobramentos desse

evento Destarte a pesquisa evidenciou que entre as diversas propostas de

estruturaccedilatildeo do hino a divisatildeo em duas partes eacute que possui maior apoio acadecircmico

E considerando que a criacutetica textual natildeo encontrou motivos razoaacuteveis para

alteraccedilatildeo do texto grego apresentado por Nestle-Aland28571 a traduccedilatildeo proposta e

utilizada para esta dissertaccedilatildeo foi a seguinte 9E por isso Deus o exaltou sobremaneira e o agraciou com o nome acima de todo o nome 10a fim de que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 11e toda liacutengua confesse que Jesus Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

O segundo momento deste trabalho foi discorrer sobre as principais linhas

da interpretaccedilatildeo contemporacircnea de Fl 26-11 fazendo o Status Quaestionis572 O

primeiro debate seacuterio eacute acerca do gecircnero literaacuterio e da estrutura da passagem Desde

571 Novum Testametum Graece 572 Como vaacuterias questotildees (autoria gecircnero pano de fundo relaccedilatildeo com o contexto da carta entre outros) dizem respeito ao texto como um todo e natildeo soacute a 29-11 optou-se por fazer o Status

Quaestionis tendo em vista Fl 26-11 com destaque para os pontos diretamente relacionados agrave segunda parte do hino

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Lohmeyer a classificaccedilatildeo da mesma como hino se tornou predominante entre os

estudiosos De fato eacute quase unacircnime a opiniatildeo de que a passagem foi construiacuteda de

maneira poeacutetica mas o consenso termina na hora de definir qual eacute o gecircnero literaacuterio

usado nessa peccedila poeacutetica Vaacuterios argumentos foram levantados contra a designaccedilatildeo

do texto como hino e apesar de uma seacuterie de outras classificaccedilotildees literaacuterias terem

sido apresentadas a que ainda possui maior adesatildeo e mais argumentos em seu favor

eacute a classificaccedilatildeo de Fl 26-11 como um hino dividido em duas partes versiacuteculos 6-

8 e 9-11

Tambeacutem natildeo haacute concordacircncia quanto ao pano de fundo para interpretaccedilatildeo

do hino Satildeo vaacuterias propostas helenismo religioso o servo sofredor de YHWH a

sabedoria judaica Gn 1 e 3 e a comparaccedilatildeo com Adatildeo tradiccedilotildees relacionadas ao

ministeacuterio terreno de Jesus entre outras Na pesquisa recente o toacutepico mais

discutido eacute a leitura do hino em termos de uma cristologia adacircmica seja na forma

apresentada por J D G Dunn seja no modelo alternativo de N T Wright Mas

esse eacute daqueles problemas exegeacuteticos insoluacuteveis e talvez o melhor mesmo seja

encarar o texto como uma composiccedilatildeo cristatilde que interage (intencionalmente ou

natildeo) com vaacuterias tradiccedilotildees do mundo religioso contemporacircneo em especial do

contexto judaico-cristatildeo

Algo que parece caminhar para o consenso eacute a opiniatildeo sobre a autoria da

passagem Nos uacuteltimos 25 anos a maioria dos estudiosos da passagem tecircm sido

persuadidos pelos argumentos em favor da autoria paulina Essa eacute uma mudanccedila

significativa nos estudos neotestamentaacuterios pois Fl 26-11 foi e ainda eacute amplamente

usado como testemunho da cristologia e da liturgia do cristianismo preacute-paulino573

Por certo a autoria paulina natildeo exclui que o apoacutestolo herdou (como de fato ele

reconhece entre outros lugares em 1Cor 153 1123) e trabalhou a partir de

conteuacutedos foacutermulas e ecircnfases que jaacute existiam no cristianismo quando ele inicia sua

caminhada cristatilde e antes de ele iniciar sua produccedilatildeo literaacuteria Natildeo obstante a

alteraccedilatildeo na perspectiva do autor faz do texto um testemunho direto da teologia

paulina e natildeo do cristianismo preacute-paulino

573 Veja-se por exemplo J Gnilka que como outros antes dele entende a passagem como uma composiccedilatildeo preacute-paulina e assim enxerga a teologia paulina exclusivamente nas alteraccedilotildees que o apoacutestolo teria feito ao hino original Forma-se um castelo de hipoacutetese supotildee-se que Fl 26-11 existia antes de ser publicada na carta que Paulo escreveu supotildee-se que essa versatildeo anterior era um pouco diferente desta utilizada por Paulo e supotildee-se ainda que o apoacutestolo teria feito certas inserccedilotildees nessa versatildeo interior Simplesmente nenhuma das trecircs hipoacuteteses pode ser provada Cf GNILKA J O Elemento preacute-paulino no Querigma Paulino p 75-77

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Outro ponto fundamental na pesquisa sobre Fl 26-11 eacute a relaccedilatildeo entre o

texto e o seu contexto de modo especiacutefico a funccedilatildeo que o hino desempenha na

parecircnese paulina A discussatildeo passa essencialmente pela exegese do versiacuteculo 25

que introduz o hino fazendo sua ligaccedilatildeo com o contexto A chamada interpretaccedilatildeo

eacutetica toma a expressatildeo ἐν Χριστῷ que ocorre neste versiacuteculo de forma literal e

entende que aqui Paulo motiva os cristatildeos a olharem para Jesus Cristo como

exemplo das principais virtudes que eles deveriam apresentar Por traacutes de Fl 26-11

estaria o tema que aparece alhures em Paulo da imitaccedilatildeo a Cristo A primeira criacutetica

importante contra esta interpretaccedilatildeo bastante popular veio por intermeacutedio de Karl

Barth Ele observou ldquonatildeo eacute por uma referecircncia ao exemplo de Cristo que Paulo

quer fortalecer o argumento de 21-4rdquo574 Seguindo alguns insights de Barth

Kaumlsemann fez dessa questatildeo o tema principal da sua exegese da passagem

tornando-se o propositor da chamada interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica de Fl 26-11

A argumentaccedilatildeo apresentada por ele comeccedila na exegese do versiacuteculo 25

Aleacutem de entender a expressatildeo ἐν ὑμῖν coletivamente (ldquoentre vocecircsrdquo) e suprir em

25b a lacuna verbal com uma forma presente do verbo φρονέω o pilar principal da

exegese de Kaumlsemann foi dar o devido peso teoloacutegico agrave expressatildeo ἐν Χριστῷ Esta

importante expressatildeo combina perspectivas soterioloacutegicas escatoloacutegicas

eclesioloacutegicas e existenciais cujo sentido baacutesico eacute o espaccedilo de influecircncia para onde

a pessoa eacute trazida quando eacute alcanccedilada pela graccedila da salvaccedilatildeo (sentido que ele tomou

de Barth) com todos os dons relacionados mas tambeacutem com os imperativos da

vida cristatilde Nesse caso a exortaccedilatildeo paulina eacute que os cristatildeos devem viver em

conformidade como essa nova realidade (soterioloacutegica escatoloacutegica eclesioloacutegica

e existencial) para onde foram levados que eacute o espaccedilo do senhorio de Jesus O

objetivo natildeo eacute imitar Cristo mas obedecer a este que eacute o Senhor de todas coisas

conforme a confissatildeo feita no final do hino Essa maneira de olhar o texto natildeo soacute

afasta a temaacutetica da imitaccedilatildeo a Jesus como daacute o devido valor aos versiacuteculos 29-

11 O texto inteiro eacute visto como a narraccedilatildeo do evento escatoloacutegico que resultou no

senhorio universal de Jesus De fato o cliacutemax do hino eacute o senhorio de Jesus Quem

estaacute ἐν Χριστῷ estaacute debaixo do senhorio de Jesus e deve assim obedecer-lhe como

insinua o contexto imediato de 212

574 BARTH K Epistle to the Philippians p 59 Grifos dele

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A interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica tem como principal expoente contemporacircneo

R P Martin e foi certamente um dos pontos que esta dissertaccedilatildeo quis ressaltar

Considerando a popularidade da interpretaccedilatildeo eacutetica na exegese anglo-saxatilde e dada

a influecircncia desta escola na teologia brasileira e latino-americana eacute muito

necessaacuterio conhecer uma outra maneira de olhar a passagem para assim avaliar a

contribuiccedilatildeo teoloacutegica que ela faz ao entendimento do texto senatildeo como melhor

exegese no miacutenimo para corrigir inconsistecircncias da interpretaccedilatildeo eacutetica Ademais

um dos pontos que ficam para uma pesquisa posterior eacute uma investigaccedilatildeo exegeacutetica

ainda mais profunda de Fl 25 versiacuteculo chave para a compreensatildeo a conexatildeo entre

21-4 e 26-11

A terceira etapa desta dissertaccedilatildeo eacute ao mesmo tempo seu capiacutetulo central

Nele tratou-se do versiacuteculo 29 onde precisamente a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute

apresentada e sintaticamente eacute o segmento principal do periacuteodo 29-11 No

versiacuteculo 9 fica claro que o responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus eacute Deus Pai Embora

no Antigo Oriente o tema da exaltaccedilatildeo estivesse presente em vaacuterias tradiccedilotildees

parece que a principal influecircncia por traacutes de Fl 29 eacute a expectativa judaica da

exaltaccedilatildeo de Israel no final dos tempos No Novo Testamento os diversos grupos

literaacuterios reconhecem a exaltaccedilatildeo de Jesus com um acontecimento histoacuterico a partir

da sua ressurreiccedilatildeo e o consenso atual nos estudos neotestamentaacuterios eacute que essa

convicccedilatildeo retrocede agrave experiecircncia de feacute dos primeiros cristatildeos Isto eacute jaacute os

primeiros cristatildeos da comunidade de Jerusaleacutem de fala aramaica acreditavam que

Jesus Cristo estava exaltado nos ceacuteus ao lado do Pai (Sl 1101) soberano sobre todo

o universo e exatamente por isso eles podiam interagir com Jesus Cristo atraveacutes

de suas oraccedilotildees e das reuniotildees da comunidade cristatilde O consenso atual substituiu a

anterior e influente ideia de que uma cristologia do Jesus exaltado soacute foi construiacuteda

em comunidades gentiacutelicas quando o cristianismo sofre o impacto de religiotildees

pagatildes

Na cristologia paulina a exaltaccedilatildeo de Cristo eacute um tema central Para Paulo

o Cristo exaltado eacute o mesmo ser humano Jesus de Nazareacute que morreu crucificado

em Jerusaleacutem Apesar de em Fl 29 a exaltaccedilatildeo ser afirmada como um ato uacutenico a

partir de outros textos constata-se que Paulo compreendia essa exaltaccedilatildeo como

envolvendo a ressurreiccedilatildeo a ascensatildeo e a entronizaccedilatildeo de Jesus ao lado de Deus

Pai Por outro lado o principal aspecto do pensamento paulino acerca da exaltaccedilatildeo

de Jesus eacute escatologia O apoacutestolo entendeu que a exaltaccedilatildeo fazia parte da grande

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virada escatoloacutegica que aconteceu com o evento Cristo O futuro chegou e invadiu

o presente pois ele acredita que a chegada do Messias iniciou o tempo de salvaccedilatildeo

que era a expectativa judaica para o fim dos tempos Isso eacute evidenciado pela

referecircncia a Is 4523 um texto que trazia a esperanccedila de que no final dos tempos

todos os povos da terra se voltariam para YHWH confessando-o e submetendo-se

a ele Fl 29-11 mostra que essa esperanccedila se cumpriu em Jesus pois o proacuteprio Deus

o exaltou e assim o estabeleceu diante do universo como aquele que precisa ser

confessado e reverenciado Dessa forma a exaltaccedilatildeo de Jesus cumpre a expectativa

escatoloacutegica judaica do triunfo de Deus sobre os inimigos de Israel A exaltaccedilatildeo

afirma que YHWH triunfa atraveacutes de Jesus um triunfo cuja amplitude vai aleacutem dos

povos da terra mas alcanccedila todos os poderes do cosmos A dimensatildeo escatoloacutegica

tambeacutem confirma a correccedilatildeo da interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica do hino pois o propoacutesito

do texto natildeo eacute apresentar a vindicaccedilatildeo do justo sofredor mas narrar a virada

escatoloacutegica ocorrida atraveacutes da exaltaccedilatildeo de Cristo e mostrar que nesse momento

Jesus eacute muito mais do que o justo vindicado Ele eacute o Senhor do universo Mais do

que exemplo ele eacute aquele a quem todos devem obedecer e confessar

Outra tese fundamental assumida nesta dissertaccedilatildeo eacute a proposta de uma

leitura linear e progressiva do conjunto de Fl 26-11 A passagem eacute uma narrativa

cristoloacutegica (o tema eacute Jesus) que descreve o evento escatoloacutegico da encarnaccedilatildeo

crucificaccedilatildeo culminando na exaltaccedilatildeo o cliacutemax do texto conforme indicado por

R P Martin Neste sentido faz-se oposiccedilatildeo agrave perspectiva ciacuteclica que entende a

exaltaccedilatildeo como simples retorno ao estaacutegio da preexistecircncia com a uacutenica diferenccedila

que agora o Filho de Deus estaacute encarnado O ponto aqui eacute o exato entendimento do

composto verbal ὑπερύψωσεν utilizado no versiacuteculo 29 para descrever a exaltaccedilatildeo

Sem exagerar nem subestimar a forccedila da preposiccedilatildeo ὑπερ entende-se por certo que

existia uma intenccedilatildeo teoloacutegica em sua utilizaccedilatildeo que junto com outras

consideraccedilotildees eacute afirmar que a exaltaccedilatildeo levou Jesus a um status superior ao que o

Filho de Deus tinha na preexistecircncia Deixando de lado a discussatildeo dogmaacutetica sobre

essecircncias e naturezas ndash que natildeo estaacute presente no hino ndash percebe-se que a mudanccedila

natildeo foi em termos de divindade mas de funccedilatildeo a partir da exaltaccedilatildeo o Filho de

Deus desempenha uma funccedilatildeo que antes era exclusiva de Deus Pai que eacute a

soberania sobre o cosmos

Isso eacute confirmado porque sem qualquer duacutevida o hino mostra que a

exaltaccedilatildeo acarretou para Jesus a doaccedilatildeo de um novo nome Deus exaltou Jesus e

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agraciou-lhe com o nome sobre todo nome A utilizaccedilatildeo do verbo χαρίζομαι mostra

que esse novo nome e tudo o que ele representa natildeo foi conquistado a forccedila por um

Jesus revolucionaacuterio nem tampouco foi uma recompensa a um servo que foi

obediente ateacute a morte de cruz O novo nome assim como a proacutepria exaltaccedilatildeo foi

dado graciosamente pelo Pai Jesus que para os cristatildeos eacute instrumento da graccedila de

Deus na sua exaltaccedilatildeo foi destinataacuterio da mesma graccedila Qual nome Deus deu a

Jesus Eacute difiacutecil oferecer uma resposta absoluta mas de fato a proposta mais

plausiacutevel eacute a que identifica este nome com tiacutetulo Senhor explicitado no versiacuteculo

11 Nesse contexto nome significa funccedilatildeo missatildeo Um novo nome significa uma

nova funccedilatildeo desempenhada pelo Filho de Deus a partir da exaltaccedilatildeo Quer dizer que

na exaltaccedilatildeo Deus Pai daacute a Jesus privileacutegios responsabilidades e autoridade que o

Filho de Deus natildeo possuiacutea na preexistecircncia Nesta perspectiva o hino possui uma

cristologia de trecircs estaacutegios a preexistecircncia a existecircncia encarnada e a poacutes-

existecircncia exaltada que eacute caracterizada pelo senhorio de Jesus sobre o cosmos E

natildeo soacute essa soberania de Cristo eacute entendida como o cumprimento de esperanccedilas

escatoloacutegicas do povo de Israel como torna-se fundamento para a adoraccedilatildeo de Jesus

Cristo junto com Deus Pai no primitivo culto cristatildeo

E essa progressatildeo que culmina no tiacutetulo κύριος ainda ecoa criticamente a

ideologia romana do cursus honorum que buscava a divulgaccedilatildeo puacuteblica de tiacutetulos

honras cargos e tudo quanto promovesse a fama do indiviacuteduo Conforme a tese de

Hellerman Fl 26-11 apresenta uma mensagem contraacuteria um cursus pudorum pois

o Filho de Deus alcanccedilou o status maacuteximo imaginado por um cidadatildeo romano (o

κύριος isto eacute o status do imperador) seguindo um caminho de renuacutencia humildade

e sofrimento E mais do que um exemplo a ser seguido o hino proclama a dignidade

e superioridade do κύριος Jesus Cristo diante de quem todos inclusive os mais

nobres cidadatildeos de Roma deveriam dobrar os joelhos

A quarta seccedilatildeo desta pesquisa trabalhou a exegese dos versiacuteculos 210-11

com exceccedilatildeo do segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

discutido no uacuteltimo capiacutetulo Nesta etapa foi muito importante avaliar o uso que o

texto faz de Is 4523 um texto que critica a idolatria mostrando que soacute YHWH eacute

Deus e traz uma esperanccedila escatoloacutegica de um dia em que todos os povos da Terra

se voltaratildeo e se curvaratildeo diante de YHWH O hino cristoloacutegico faz duas alteraccedilotildees

significativas primeiro partindo do texto da Septuaginta ele faz uma releitura

cristoloacutegica fazendo com que aquilo que se esperava para YHWH agora se torna

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realidade em Cristo E justamente a segunda mudanccedila significativa foi no tempo

dos verbos que na LXX eram futuros e em Filipenses passam para o passado Em

outras palavras Fl 210-11 estaacute anunciando que a esperanccedila profeacutetica se cumpriu

em Jesus A exaltaccedilatildeo de Jesus marcou o iniacutecio dessa nova era escatoloacutegica que

ainda natildeo chegou em sua plenitude

A seguir o texto apresenta duas accedilotildees que devem ser feitas ἐν τῷ ὀνόματι

Ἰησοῦ Entre outras possibilidades esta expressatildeo foi tomada com causal ou seja

as accedilotildees de dobrar os joelhos e confessar indicadas imediatamente depois devem

ser feitas por conta do nome que agora Jesus tem Porque Deus o colocou como

Senhor de todo o cosmos todos devem prostrar-se diante dele O senhorio eacute a causa

eficiente e esse Senhor que merece ser reverenciado o texto deixa claro que eacute o

mesmo homem judeu que andou pela Galileacuteia tinha disciacutepulos e foi crucificado em

Jerusaleacutem Jesus Por isso a referecircncia expliacutecita ao seu nome excluindo explicaccedilotildees

mitoloacutegicas

A primeira accedilatildeo que Fl 210-11 indica que deve ocorrer diante e por causa

do nome de Jesus eacute o dobrar de joelhos Como expressatildeo religiosa era uma praacutetica

conhecida no Antigo Oriente e tambeacutem entre os judeus O que chama a atenccedilatildeo em

especial para a sensibilidade judaica eacute que fazer isso a Jesus equivalia a reconhecer

sua divindade junto com o Pai O texto tambeacutem traz o alcance dessa consequecircncia

da exaltaccedilatildeo de Jesus nos ceacuteus na Terra e debaixo da Terra Esta expressatildeo faz que

o senhorio de Jesus tenha um alcance coacutesmico Natildeo apenas seres humanos mas

todos os seres que podem ouvir esta mensagem satildeo chamados a atende-la sejam

eles visiacuteveis ou invisiacuteveis anjos democircnios ou pessoas Natildeo haacute nenhuma razatildeo

exegeacutetica ou teoloacutegica para se excluir a Igreja de todos esses que reverenciam Jesus

ao contraacuterio do que propotildeem Lohmeyer e Kaumlsemann E por sinal eacute importante

pontuar que as accedilotildees descritas em Fl 210-11 satildeo dirigidas a Jesus e natildeo a Deus

atraveacutes de Jesus

Nota-se tambeacutem nestes versiacuteculos uma tensatildeo escatoloacutegica por conta de

uma dupla perspectiva temporal Seguindo a sugestatildeo de Cullmann compreende-

se que existe uma perspectiva futura de um dia em que todos os seres estaratildeo

prostrados diante de Jesus Cristo Neste sentido o texto funciona como anuacutencio

profeacutetico da realidade da parusia Por outro lado diferente do judaiacutesmo o

cristianismo primitivo valorizou muito mais o presente pois entendeu que a partir

da exaltaccedilatildeo Cristo jaacute assumiu o senhorio sobre todas as coisas Recorrendo

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principalmente ao Sl 1101 os primeiros cristatildeos entendiam que o reinado de Jesus

jaacute comeccedilou as forccedilas malignas jaacute estatildeo subordinadas a ele mas somente seratildeo

julgadas e condenadas de forma definitiva na parusia E enquanto natildeo chega esse

grande dia a Igreja funciona como epicentro da soberania coacutesmica de Jesus pois

ela eacute o espaccedilo onde o senhorio dele eacute celebrado e em que as pessoas de maneira

espontacircnea prostram-se diante dele como κύριος Nessa linha a passagem

desempenha uma funccedilatildeo pragmaacutetica exortando todos os seus ouvintes e leitores a

colocarem em praacutetica o que seraacute realidade no dia do Senhor De fato a tensatildeo

escatoloacutegica do jaacute e ainda natildeo que permeia todo o Novo Testamento tambeacutem estaacute

por traacutes de Fl 210-11

A interpretaccedilatildeo do verbo ἐξομολογέω caminha dentro deste mesmo

enquadramento escatoloacutegico Antes de mais nada deve-se pontuar que o melhor

entendimento deste termo eacute o que leva em conta a sua ambiguidade Ele traz uma

conotaccedilatildeo predominantemente veterotestamentaacuteria que eacute de confissatildeo de feacute Entatildeo

pelo acircngulo do jaacute escatoloacutegico os ouvintes e leitores de Fl 210-11 satildeo desafiados

natildeo soacute a reconhecer Jesus Cristo como κύριος do cosmos mas a confessaacute-lo como

Senhor pessoal de suas vidas Na dimensatildeo do ainda-natildeo escatoloacutegico fica a

certeza de que na parusia todos teratildeo que confessar Jesus como Senhor e aqueles

que no eacuteon presente natildeo o fizeram de forma alegre e voluntaacuteria laacute o faratildeo por

reconhecimento e constrangimento Para esse grupo que inclui anjos democircnios e

pessoas que rejeitaram o senhorio de Cristo o confessar seraacute algo apenas formal

Em contrapartida quando a Igreja em suas reuniotildees celebra o senhorio de Cristo

ela antecipa uma realidade escatoloacutegica que simultaneamente estaacute em operaccedilatildeo

desde a exaltaccedilatildeo de Jesus

Destarte se as accedilotildees de dobrar os joelhos e confessar satildeo feitas para Jesus

eacute difiacutecil fugir da conclusatildeo de que o texto aponta para uma adoraccedilatildeo a Jesus Uma

tentativa de suavizar essa conclusatildeo eacute a tese originalmente proposta por W

Bousset de que essa cristologia de um Jesus exaltado e adorado pelos cristatildeos soacute

se tornou efetiva em comunidades heleniacutesticas Implicitamente o que se quer

defender aqui eacute que o cristianismo supostamente original ndash e aqui original equivale

a autecircntico ndash eacute apenas aquele da antiga comunidade primitiva de Jerusaleacutem de fala

aramaica para quem Jesus eacute apenas o Filho do Homem que viraacute na parusia Essa

proposta foi amplamente refutada entre outras razotildees pela avaliaccedilatildeo exegeacutetica da

suacuteplica μαράνα θά e pelo entendimento desenvolvido de forma particular por L

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W Hurtado de que o fator decisivo para a articulaccedilatildeo da cristologia primitiva foi a

inclusatildeo de Jesus Cristo no culto monoteiacutesta destinado a Deus Pai Nunca houve

uma cristologia sem contornos lituacutergicos Foi a adoraccedilatildeo a Jesus ao lado de Deus

em um culto ldquoBinitarianordquo o propulsor da cristologia neotestamentaacuteria Em

contrapartida nunca houve um cristianismo no qual Jesus natildeo fosse reconhecido no

culto como Senhor exaltado e com quem os cristatildeos podiam interagir Isso faz

pensar nas implicaccedilotildees para o culto cristatildeo que a desvalorizaccedilatildeo ou mesmo ou

desconhecimento da cristologia da exaltaccedilatildeo pode acarretar O tema desafia agrave

reflexatildeo teoloacutegica e pastoral e de antematildeo pode-se destacar o afastamento da

perspectiva lituacutergica neotestamentaacuteria promovendo um culto que olha para o Cristo

que jaacute veio ou para o Cristo que viraacute mas ignora o Cristo que estaacute presente e ativo

porque eacute Senhor de todas as coisas e tem na Igreja o epicentro dessa soberania

A quinta e uacuteltima etapa desse estudo da exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 eacute a

exegese da frase ldquoJesus Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pairdquo Na construccedilatildeo

narrativa do hino o cliacutemax ficou para a confissatildeo de feacute ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo Esta

eacute uma confissatildeo que aparece alhures no Novo Testamento e provavelmente foi a

primeira foacutermula confessional cristatilde retrocedendo ao cristianismo primitivo Ela

responde duas perguntas simultacircneas Quem eacute Jesus hoje Quem eacute Senhor hoje A

resposta eacute expliacutecita Hoje neste tempo presente da histoacuteria da salvaccedilatildeo Jesus eacute

Senhor E hoje no presente da histoacuteria humana em que sempre muitos se

apresentam ou satildeo identificados como senhores soacute haacute um Senhor Jesus Cristo

exaltado A forma baacutesica da expressatildeo eacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo de modo que aqui em Fl

211 o uso de Χριστὸς teria a intenccedilatildeo de mostrar o substrato judaico do evangelho

anunciado O Jesus que eacute Senhor eacute antes de mais nada o Messias de Israel

Tambeacutem chama a atenccedilatildeo que o conteuacutedo da principal afirmaccedilatildeo de feacute pelo

menos nos ciacuterculos paulinos privilegie o tiacutetulo κύριος em lugar de outras

designaccedilotildees cristoloacutegicas Satildeo vaacuterias as razotildees para isso Primeiro o tiacutetulo ecoa a

noccedilatildeo de discipulado fazendo par com δοῦλος reflexatildeo teoloacutegica que perpassa os

quatro evangelistas e tambeacutem estaacute presente em Paulo que considera o uacuteltimo termo

adequado para conceituar o cristatildeo Segundo o tiacutetulo κύριος conseguia resumir em

uma uacutenica palavra tudo o que os cristatildeos acreditavam acerca de Jesus a partir do

evento fundamental da ressurreiccedilatildeo e consequente exaltaccedilatildeo Neste ponto eacute de

extrema importacircncia perceber o pano de fundo judaico deste tiacutetulo A questatildeo eacute que

ldquoSenhorrdquo era a expressatildeo usada pelos judeus para se referirem a YHWH

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independente da liacutengua que falassem hebraico aramaico ou grego E quando o

Antigo Testamento foi traduzido para o grego eacute justamente κύριος a palavra

escolhida para substituir o tetragrama Significa dizer que para qualquer judeu do

1ordm seacuteculo chamar Jesus de Senhor era tornaacute-lo equivalente ao Deus de Israel E essa

era a intenccedilatildeo dos cristatildeos Reconhecer que pela exaltaccedilatildeo a soberania sobre a

criaccedilatildeo e a salvaccedilatildeo que antes eram exclusivas de Deus Pai agora satildeo

compartilhadas com Jesus Cristo O apoacutestolo Paulo vai tirar uma seacuterie de

implicaccedilotildees desta convicccedilatildeo no senhorio de Jesus Cristo na parecircnese chamando

os cristatildeos agrave obediecircncia diante do seu Senhor na escatologia mostrando que o

senhorio de Jesus marca o iniacutecio desse novo eacuteon que irrompeu mas que chegaraacute na

plenitude na vinda desse mesmo Senhor trazendo vitoacuteria e julgamento e na liturgia

de modo que uma seacuteria de expressotildees cuacutelticas nas cartas paulinas satildeo marcadas natildeo

soacute pelo κύριος como tambeacutem pela compreensatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus

Agora este tiacutetulo natildeo se tornou o resumo da feacute cristatilde apenas por conta do

seu pano de fundo judaico Certamente era importante para proclamaccedilatildeo cristatilde

sobretudo feita por Paulo que para ouvidos natildeo judaicos κύριος tambeacutem era

sinocircnimo de divindade e poder A diferenccedila eacute que ao contraacuterio dos judeus os

demais povos da eacutepoca acreditavam em vaacuterios ldquosenhoresrdquo que controlavam o

universo e suas vidas e exigiam submissatildeo e adoraccedilatildeo Para esses a mensagem

cristatilde eacute uma contra mensagem soacute existe um κύριος e ele eacute Senhor sobre todo e

qualquer um que se possa chamar de κύριος No ambiente romano da cidade de

Filipos esse anuacutencio era quase subversivo pois natildeo somente negam-se as

pretensotildees do imperador quanto se diz que o cristatildeo apenas deve reconhecer

obedecer e adorar como Senhor Jesus Cristo Em contrapartida era uma teologia de

esperanccedila para aqueles que estavam sendo perseguidos e discriminados por

autoridades romanas

No entanto a centralidade da exaltaccedilatildeo de Jesus na teologia cristatilde paulina e

neotestamentaacuteria natildeo equivale a um eclipse de Deus Pai A seccedilatildeo de Fl 29-11

comeccedila afirmando que foi Deus que exaltou Jesus e deu a ele a funccedilatildeo de Senhor

sobre o cosmos Ou seja tudo o que Jesus eacute como κύριος foi dado por Deus O

versiacuteculo 11 fecha isso mostrando que a exaltaccedilatildeo e todo o exerciacutecio da soberania

de Jesus incluindo o prostrar-se diante dele e confessaacute-lo satildeo para gloacuteria de Deus

Pai Deus eacute identificado aqui como ldquoPairdquo e o que deve ser entendido aqui eacute uma

paternidade sobre toda a criaccedilatildeo que se alienou de Deus por conta do pecado e da

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rebeliatildeo das forccedilas espirituais mas que eacute reconciliada com ele exatamente pelos

efeitos soterioloacutegicos da obra de Jesus Esse Deus Pai que exaltou Jesus e reconcilia

mundo consigo mesmo merece e deseja ser glorificado e honrado

Esta discussatildeo levanta o questionamento acerca da relaccedilatildeo entre Jesus Cristo

e Deus Pai no cristianismo primitivo Eacute certo que a reflexatildeo daquele periacuteodo natildeo

enxergava essa relaccedilatildeo nos termos da posterior doutrina da Trindade Tampouco

desenvolveu-se um cristomonismo no qual Jesus eacute enfatizado agraves custas de Deus

Ainda menos razoaacutevel eacute equiparar a cristologia do Novo Testamento agraves

especulaccedilotildees judaicas de agentes divinos que agem em nome de Deus e agraves vezes

ateacute representam Deus O cristianismo primitivo deu um passo teologicamente

revolucionaacuterio quando deu a Jesus dois aspectos que eram exclusividade de

YHWH a soberania (sobre a criaccedilatildeo e sobre a salvaccedilatildeo) e adoraccedilatildeo E o mais

interessante eacute que isso foi feito sem abrir matildeo da feacute e culto monoteiacutesta Esse eacute o

fenocircmeno denominado monoteiacutesmo cristoloacutegico os cristatildeos passaram a crer na

divindade de Jesus e na sua soberania sem achar que YHWH tivesse deixado de

ser divino e soberano Eles passaram a adoraacute-lo como Senhor no mesmo culto em

que dirigiam oraccedilotildees e louvores a Deus Fl 29-11 evidencia esse monoteiacutesmo

cristoloacutegico e assim constitui-se texto essencial para a compreensatildeo da feacute cristatilde

primitiva na divindade de Jesus como para a compreensatildeo de como essa feacute foi

articulada em termos completamente distintos da teologia eclesiaacutestica dos seacuteculos

posteriores

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Apostoacutelicos 2ordf ed Satildeo Paulo Paulus 1995 REICKE BO Histoacuteria do Tempo do Novo Testamento Santo Andreacute Academia CristatildePaulus 2015 REID D G Triunfo In HAWTHORNE Gerald F MARTIN Ralph P REID Daniel G (orgs) Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas 2ordf ediccedilatildeo Satildeo Paulo Vida NovaPaulusLoyola 2008 p1207-1216 RIDDERBOS H Teologia do Apoacutestolo Paulo Satildeo Paulo Cultura Cristatilde 2004 ROumlSEL M The Reading and Translation of the Divine Name in the Masoretic Tradition and the Greek Pentateuch Journal for the Study of Old Testament Los AngelesLondonNova DeliSingapura v 31 nordm 4 p 411-428 2007 ROWE C Acts 236 and the continuity of Lukan Christology New Testament

Studies Cambridge nordm 53 p 37-56 2007 SAacuteNCHEZ BOSCH J Maestro de los pueblos Navarra Verbo Divino 2007

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SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses Estudos Biacuteblicos Petroacutepolis v 102 nordm 2 p 9-13 2009 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento Petroacutepolis Vozes 1973 (Mysterium Salutis III2) SCHNELLE U Introduccedilatildeo agrave Exegese do Novo Testamento Satildeo Paulo Loyola 2004 ______ Paulo Vida e Pensamento Santo Andreacute Academia CristatildePaulus 2014 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship Naperville SCM 1960 SEIFRID M A Em Cristo In HAWTHORNE Gerald F MARTIN Ralph P REID Daniel G (orgs) Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas 2ordf ediccedilatildeo Satildeo Paulo Vida NovaPaulusLoyola 2008 p 452-457 SILVA C M D Metodologia de Exegese Biacuteblica 3ordf ed Satildeo Paulo Paulinas 2015 SILVA Moiseacutes Philippians 2ordf ediccedilatildeo Grand Rapids Baker Academic 2005 SIMIAN-YOFRE H (Org) Metodologia do Antigo Testamento Satildeo Paulo Loyola 2000 STAUFFER E New Testament London SCM 1955 TOMLIN G (org) Comentaacuterio Biacuteblico da Reforma ndash Filipenses e

Colossenses Satildeo Paulo Cultura Cristatilde 2015 VERMES G As vaacuterias faces de Jesus Rio de Janeiro Record 2006 VIELHAUER P A Histoacuteria da Literatura Cristatilde Primitiva Santo Andreacute Academia Cristatilde 2005 VOLF-GUNDRY J M Universalismo In HAWTHORNE Gerald F MARTIN Ralph P REID Daniel G (orgs) Dicionaacuterio de Paulo e suas

cartas 2ordf ediccedilatildeo Satildeo Paulo Vida NovaPaulusLoyola 2008 p 1217-1223 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses In MARGUERAT Daniel (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia 3ordf ediccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2015 VOUGA Franccedilois A literatura paulina In MARGUERAT Daniel (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia 3ordf ediccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2015

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WEGNER Uwe Exegese do Novo Testamento 7ordf ed Satildeo Leopoldo Sinodal 2012 WITHERINGTON III B Cristo In HAWTHORNE Gerald F MARTIN Ralph P REID Daniel G (orgs) Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas 2ordf ediccedilatildeo Satildeo Paulo Vida NovaPaulusLoyola 2008 p 307-313 ______ Cristologia In HAWTHORNE Gerald F MARTIN Ralph P REID Daniel G (orgs) Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas 2ordf ediccedilatildeo Satildeo Paulo Vida NovaPaulusLoyola 2008 p 313-332 ______ Lord In MARTIN R P DAVIDS P H Dictionary of the Later New

Testament its developments Downers Grove Intervarsity 1997 p 667-678 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) Perspectives in

Religious Studies Waco v 23 nordm 2 p 269-288 1996 WRIGHT N T Paulo Novas Perspectivas Satildeo Paulo Loyola 2009 ______ The Climax of the Covenant LondonNew York T amp T Clark 2004 ______ Un Dios un Sentildeor un pueblo p 1-13 2006 Disponiacutevel em lthttpntwrightpagecom19900510un-dios-un-senor-un-pueblogt Acesso em 21 de setembro de 2009

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Page 4: Jackson Willian Marques da Fonseca A exaltação de Jesus em

AGRADECIMENTOS

Agrave minha matildee Aurelidia Marques da Fonseca e minha avoacute Liacutedia Vasconcelos que me incentivaram e me deram condiccedilotildees de estudar a Escritura como Palavra de Deus

Agrave minha esposa Liz Mary da Silva Marques companheira e amor de toda a minha vida sem a qual vitoacuterias natildeo seriam alcanccediladas nem seriam celebradas

Agraves minhas filhas Taissa da Silva Marques e Sarah da Silva Marques A existecircncia de vocecircs traz alegria ao meu coraccedilatildeo e um sorriso aos laacutebios

Agrave Igreja Presbiteriana do Brasil que me daacute o privileacutegio de exercer o ministeacuterio de ensinar a Palavra de Deus como pastor de ovelhas e professor de futuros pastores

Agrave Igreja Presbiteriana das Aacuteguas comunidade onde o meu coraccedilatildeo cristatildeo tem sido renovado e que me possibilita dedicar o tempo necessaacuterio ao estudo

Ao meu orientador Professor Isidoro Mazzarolo pelo acompanhamento atencioso e incentivo constantes que me impulsionaram agrave realizaccedilatildeo deste trabalho

A todo o Departamento de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio por toda a estrutura acadecircmica disponibilizada e especialmente os seus professores que com excelecircncia ofereceram preciosa contribuiccedilatildeo a minha formaccedilatildeo

Ao Programa de bolsas de fomento CAPESPROSUP do ministeacuterio de educaccedilatildeo que ofereceu as condiccedilotildees financeiras adequadas para o cumprimento de todas as exigecircncias do curso de mestrado

E sobretudo agradeccedilo aquele que eacute soberano sobre todas as coisas que me susten-tou graciosamente em todas as circunstacircncias sendo o sentido uacuteltimo de toda e qualquer realizaccedilatildeo

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Resumo

Fonseca Jackson Willian Marques da Mazzarolo Isidoro (Orientador) A

exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Dissertaccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro

Filipenses 26-11 eacute texto fundamental na cristologia do cristianismo primi-

tivo e neotestamentaacuteria Inserido na parecircnese da carta de Paulo aos Filipenses a

passagem desenvolve uma narrativa cristoloacutegica que comeccedila na preexistecircncia

passa pela encarnaccedilatildeo e culmina na exaltaccedilatildeo de Jesus No contexto da carta funci-

ona como um chamado eacutetico aos que estatildeo ldquoem Cristordquo agrave obediecircncia ao Senhor

exaltado Literariamente o texto eacute um hino composto de duas partes 26-8 e 29-11

e a leitura proposta eacute ver nesta segunda seccedilatildeo o cliacutemax do hino que justamente trata

da exaltaccedilatildeo de Jesus O tema da exaltaccedilatildeo eacute apresentado dentro de uma perspectiva

escatoloacutegica pois o iniacutecio do senhorio de Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila isra-

elita no triunfo de Deus eacute a virada escatoloacutegica que traz o tempo de salvaccedilatildeo Atra-

veacutes da exaltaccedilatildeo Deus compartilhou com seu Filho a soberania sobre o universo

implicando que todos os seres precisam agora dobrar os joelhos diante de Jesus e

reconhececirc-lo como Senhor Aqueles que jaacute fazem isso voluntariamente vivenciam

antecipadamente o que seraacute a realidade escatoloacutegica final Esse novo papel de Jesus

eacute descrito pelo tiacutetulo κύριος que combinado com outros elementos do texto atribui

a ele contornos divinos e de igualdade com YHWH aleacutem de uma oposiccedilatildeo agraves ide-

ologias romanas A exaltaccedilatildeo de Jesus tambeacutem estaacute ligada com a revoluccedilatildeo cristo-

loacutegica que aconteceu no culto cristatildeo primitivo quando os cristatildeos judeus adoraram

Jesus ao lado de Deus Pai sem renunciar ao seu monoteiacutesmo O final do hino enfa-

tiza exatamente que a exaltaccedilatildeo de Jesus foi conduzida por Deus e resulta em sua

proacutepria gloacuteria

Palavras-Chave

Exaltaccedilatildeo de Jesus Filipenses 29-11 Senhor cristologia do Novo Testa-mento hino cristoloacutegico

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Abstract

Fonseca Jackson Willian Marques Mazzarolo Isidoro (Orientador) The

Exaltation of Jesus in Phil 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Disserta-ccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro

Philippians 26-11 is a fundamental text in the Christology of early Christi-

anity and the New Testament Inserted in the parenesis of Pauls letter to the Philip-

pians the passage develops a Christological narrative that begins in the preexist-

ence passes through the incarnation and culminates in the exaltation of Jesus In

the context of the letter functions as an ethical call to those who are in Christ in

obedience to the exalted Lord Literarily the text is a hymn composed of two parts

26-8 and 29-11 and the proposed reading is to see in this second section the climax

of the hymn which precisely deals with the exaltation of Jesus The theme of exal-

tation is displayed within an eschatological perspective since the beginning of the

lordship of Jesus is the fulfillment of the Israelite hope in the triumph of God it is

the eschatological turn that brings the fulfillment of salvation Through exaltation

God shared with His Son the sovereignty over the universe implying that all beings

must now bend to his knees before Jesus and acknowledge him as Lord Those who

already do so voluntarily experience in advance what will be the reality of the es-

chatological end This new role of Jesus is described by the title κύριος which com-

bined with the other elements of the text gives it contours to the divine and equality

with YHWH in addition to opposition to Roman ideologies The exaltation of Jesus

is also connected to the Christological revolution that happened in the worship of

the early Christian when the Jewish Christians worshipped Jesus alongside God

the Father without giving up their monotheism The end of the hymn emphasizes

exactly that the exaltation of Jesus was led by God and results in his own glory

Keywords

Exaltation of Jesus Philippians 29-11 the Lord Christology of the New Testament Christological hymn

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Sumaacuterio

1 Introduccedilatildeo 10

2 O texto a carta e o contexto 17

21 A cidade de Filipos 17

22 Paulo e a igreja de Filipos 20

23 A carta aos Filipenses 26

231 Autoria e integridade da carta 26

232 Objetivo da carta 28

233 Estrutura da carta 29

24 Criacutetica Textual de Fl 29-11 30

25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11 32

26 Delimitaccedilatildeo de Fl 29-11 32

3 Status Quaestionis da pesquisa a respeito de Fl 26-11 35

31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea 35

32 A pesquisa sobre o gecircnero e a estrutura de Fl 26-11 36

33 A pesquisa sobre autoria e origem de Fl 26-11 40

34 O pano de fundo de Fl 26-11 45

35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica) 48

4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e seu novo nome 59

41 Introduccedilatildeo do capiacutetulo 59

42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus 61

43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω 63

431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular 63

432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento 66

433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68

4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68

4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico 71

434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia 75

435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo 82

44 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a doaccedilatildeo de um novo nome 84

441 O verbo χαρίζομαι 84

442 O nome dado a Jesus 85

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4421 ldquoNomerdquo no Antigo Testamento e no judaiacutesmo 86

4422 ldquoNomerdquo no Novo Testamento 87

4423 A identificaccedilatildeo do nome dado a Jesus em Fl 29 88

45 Conclusatildeo do capiacutetulo 92

5 A reverecircncia e a confissatildeo ao Jesus exaltado 96

51 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 96

52 Isaiacuteas 4523 e a exaltaccedilatildeo de Jesus 96

53 Accedilotildees feitas ldquoem nome de Jesusrdquo 100

54 Joelhos dobrados ao nome de Jesus 102

55 O alcance da reverecircncia a Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 103

56 E toda liacutengua confesse 106

57 O significado biacuteblico-teoloacutegico da reverecircncia oferecida em Fl 210-11 108

571 Quem reverencia e quem eacute reverenciado 108

572 Quando eacute reverenciado 111

58 Fl 210-11 e a adoraccedilatildeo a Jesus 117

59 Conclusatildeo do capiacutetulo 120

6 Jesus eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai 122

61 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 122

62 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 122

621 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo no Novo Testamento 123

622 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo em Fl 211 128

63 O tiacutetulo κύριος atribuiacutedo a Jesus 129

631 Panorama da atribuiccedilatildeo de κύριος Jesus no Novo Testamento 129

632 Panorama da histoacuteria da pesquisa sobre o tiacutetulo κύριος 131

633 A importacircncia teoloacutegica de confessar Jesus como Senhor 134

64 Para gloacuteria de Deus Pai 140

65 Monoteiacutesmo cristoloacutegico 143

66 Conclusatildeo do capiacutetulo 148

7 Conclusatildeo 149

8 Referecircncias bibliograacuteficas 162

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ABREVIATURAS

BAGD - A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early

Christian Literature

Cf ndash Conferir

DENT ndash Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

DITAT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

DLNTD - Dictionary of the Later New Testament its Developments

DPL ndash Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas

DITNT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Novo Testamento

IDB - The Interpreterrsquos Dictionary of the Bible

NCBSJ ndash Novo Comentaacuterio Biacuteblico Satildeo Jerocircnimo

NDITEAT ndash Novo Dicionaacuterio Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento

TDNT ndash Theological Dictionary of the New Testament

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1 Introduccedilatildeo

A pesquisa ora apresentada estaacute situada dentro da ciecircncia teoloacutegica no

campo da teologia biacuteblica do Novo Testamento mais especificamente nas aacutereas

dos estudos da teologia paulina e do cristianismo primitivo O objeto material eacute o

texto biacuteblico paulino de Filipenses 29-11 e o objeto formal a partir deste texto eacute o

tema da exaltaccedilatildeo de Jesus Ele aparece no texto pela utilizaccedilatildeo do verbo

uperuyow e os conceitos relacionados a essa accedilatildeo de Deus exaltar Jesus um nome

que foi dado a ele diante desse nome haveraacute uma reverecircncia universal haacute uma

confissatildeo a ser feita e tudo isso ocorre para gloacuteria de Deus Pai

O objetivo do trabalho eacute apresentar uma compreensatildeo exegeacutetica do texto

salientando os aspectos literaacuterios histoacutericos e principalmente teoloacutegicos Na

perspectiva literaacuteria busca-se atraveacutes da criacutetica textual anaacutelise semacircntica sintaacuteti-

ca traduccedilatildeo delimitaccedilatildeo anaacutelise das formas anaacutelises linguiacutesticas e anaacutelises reda-

cionais entender o significado do texto em si e na sua relaccedilatildeo com a carta aos Fili-

penses Na dimensatildeo histoacuterica a proposta eacute investigar o uso de toda a periacutecope de

Fl 26-11 como um hino no culto cristatildeo primitivo anterior ou paralelo ao ministeacute-

rio de Paulo avaliar o seu significado dentro do desenvolvimento do cristianismo

primitivo e a interaccedilatildeo da sua mensagem com algumas cosmovisotildees contemporacirc-

neas como o judaiacutesmo o helenismo e a cultura romana Teologicamente a inten-

ccedilatildeo eacute verificar como o texto descreve o tema central da exaltaccedilatildeo de Jesus e sua

inter-relaccedilatildeo com outros toacutepicos teoloacutegicos tambeacutem presentes na periacutecope e im-

portantes para a feacute cristatilde como o monoteiacutesmo a divindade de Jesus a escatolo-

gia o culto cristatildeo e a atuaccedilatildeo de poderes celestiais no mundo para entatildeo extrair

as implicaccedilotildees dessa narrativa para a compreensatildeo tanto da teologia paulina

quanto da teologia do cristianismo primitivo

Estes objetivos jaacute indicam a relevacircncia acadecircmica do empreendimento

mormente para a pesquisa teoloacutegica Explicitando esta relevacircncia pode-se desta-

car a princiacutepio a importacircncia de investigar como Paulo e os primeiros cristatildeos

entenderam e articularam a sua feacute na exaltaccedilatildeo de Jesus Em decorrecircncia deste

toacutepico a pesquisa contribuiraacute para a compreensatildeo da elaboraccedilatildeo cristoloacutegica ocor-

rida entre os primeiros cristatildeos no periacuteodo entre as deacutecadas de 30 e 60 do primeiro

seacuteculo O trabalho tambeacutem seraacute importante para sublinhar os contornos poliacuteticos e

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socioloacutegicos da feacute professada pelos primeiros cristatildeos especialmente para os ci-

dadatildeos de Filipos destino da carta paulina estudada tendo em vista a forte ligaccedilatildeo

entre a cidade de Filipos e a capital do impeacuterio romano Outrossim a proacutepria anaacute-

lise exegeacutetica que seraacute oferecida estando os versiacuteculos 29-11 inseridos em uma

periacutecope central do corpus paulino eacute outro indiacutecio do valor cientiacutefico desta disser-

taccedilatildeo oferecendo a outros um exemplo da metodologia exegeacutetica aplicada E con-

siderando a enorme bibliografia associada agrave exegese desta passagem o trabalho

contribuiraacute para informar o status atual da pesquisa acadecircmica apresentando as

principais discussotildees e soluccedilotildees propostas

Para alcanccedilar os objetivos elencados acima foram usadas a priori as eta-

pas da metodologia histoacuterico-criacutetica conforme apresentadas por Wegner a saber

criacutetica textual traduccedilatildeo anaacutelise literaacuteria (incluindo delimitaccedilatildeo avaliaccedilatildeo da es-

trutura do texto verificaccedilatildeo do uso de fontes sobretudo veterotestamentaacuterias)

anaacutelise redacional dos contextos anaacutelise das formas (a discussatildeo sobre o gecircnero

literaacuterio do texto) e anaacutelise da histoacuteria das tradiccedilotildees1 Nem todas essas etapas apa-

recem explicitamente no decorrer do trabalho constituindo-se o mesmo como

aquilo que Lima denomina ldquocomentaacuterio exegeacuteticordquo isto eacute o resultado final da

exegese que pressupotildee diversas tarefas metodoloacutegicas2 Natildeo obstante para me-

lhor estudar o texto escolhido as etapas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico seratildeo com-

plementadas por outras metodologias Aqui entraratildeo em consideraccedilatildeo as anaacutelises

sincrocircnicas com as perspectivas linguiacutestico-sintaacutetica semacircntica e pragmaacutetica em

especial esta uacuteltima utilizada na discussatildeo sobre Fl 210-11 no capiacutetulo 4 Tam-

beacutem complementaraacute a pesquisa a abordagem socioloacutegica aproveitando-se dos

estudos de J H Hellerman a fim de verificar a interaccedilatildeo entre a mensagem do

texto e a cultura romana predominante na cidade de Filipos E ainda como com-

1 WEGNER U Exegese do Novo Testamento passim 2 LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 165-170

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plementaccedilatildeo ao meacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicional3 seratildeo desenvolvidas no esco-

po do trabalho as anaacutelises de conteuacutedo e teoloacutegica como indicadas por Wegner

identificando os conteuacutedos que a passagem quer ressaltar suas interaccedilotildees impli-

caccedilotildees e avaliaccedilatildeo teoloacutegica dos mesmos

O conteuacutedo do trabalho foi distribuiacutedo em cinco etapas A primeira tem

como objetivo responder ao que Fitzmyer chama de ldquoperguntas iniciasrdquo na aplica-

ccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico4 Dessa forma buscar-se-aacute aqui caracterizar os

destinataacuterios da carta aos Filipenses descrevendo histoacuterica e sociologicamente a

cidade de Filipos e seus moradores e pelo mesmo acircngulo discorrer sobre a atua-

ccedilatildeo de Paulo naquele lugar e a sobre a comunidade cristatilde resultante da atuaccedilatildeo do

apoacutestolo ali Esta etapa tambeacutem seraacute o espaccedilo para a discussatildeo de questotildees intro-

dutoacuterias relativas ao documento canocircnico Carta aos Filipenses Quem escreveu

Quando Onde Por que A carta eacute um documento uacutenico ou eacute a compilaccedilatildeo de

dois ou trecircs documentos anteriores Como se encontra atualmente no cacircnon do

Novo Testamento qual eacute a sua estrutura como seu conteuacutedo estaacute organizado E

finalmente esta etapa que se constituiraacute no primeiro capiacutetulo da dissertaccedilatildeo faraacute o

estabelecimento do texto a ser trabalhado mediante a criacutetica textual a traduccedilatildeo e

delimitaccedilatildeo

A segunda etapa da pesquisa se propotildee ao status quaestionis da exegese da

passagem Considerando que uma das teses defendidas neste trabalho eacute que a pe-

riacutecope de Fl 26-11 eacute uma narrativa teoloacutegica composta por duas partes e com dois

temas distintos embora interligados a saber 26-8 a encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo do

filho de Deus e 29-11 a exaltaccedilatildeo de Jesus e considerando ainda que esta pesqui-

sa estaacute delimitada no tema da exaltaccedilatildeo de Jesus a dissertaccedilatildeo como um todo es-

3 Por ldquomeacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicionalrdquo entende-se as etapas apresentadas na apresentaccedilatildeo do

meacutetodo pelos seguintes autores LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 75-76

(criacutetica textual traduccedilatildeo criacutetica literaacuteria criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica da redaccedilatildeo criacutetica das tradiccedilotildees comentaacuterio exegeacutetico) SCHNELLE U Introduccedilatildeo agrave Exegese do

Novo Testamento p 47-48 (criacutetica textual anaacutelise textual criacutetica literaacuteria e das fontes histoacuteria

das formas histoacuteria da tradiccedilatildeo histoacuteria dos conceitos e motivos comparaccedilatildeo sociorreligiosa

histoacuteria da redaccedilatildeo) FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p28-32 (perguntas introdutoacuterias

criacutetica textual anaacutelise filoloacutegica criacutetica das fontes anaacutelise dos gecircneros criacutetica das tradiccedilotildees criacuteti-

ca da redaccedilatildeo) SILVA C M D Metodologia de exegese biacuteblica p 11 passim que defende apoacutes a criacutetica textual e a delimitaccedilatildeo a aplicaccedilatildeo de teacutecnicas sincrocircnicas para entatildeo utilizar as

metodologias diacrocircnicas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico que apresenta como criacutetica literaacuteria criacutetica

dos gecircneros literaacuterios criacutetica da tradiccedilatildeo criacutetica da redaccedilatildeo) Em geral as etapas propostas para a

exegese diacrocircnica no Antigo Testamento satildeo as mesmas para o Novo Por exemplo SIMIAN-

YOFRE H (coord) Metodologia do Antigo Testamento p 73-108 informa o seguinte caminho

apoacutes a criacutetica textual criacutetica da constituiccedilatildeo do texto criacutetica da redaccedilatildeo e da composiccedilatildeo criacutetica da transmissatildeo criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica das tradiccedilotildees 4 FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p 28

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taraacute necessariamente fixada na segunda parte da passagem No entanto como se

trata de apenas uma uacutenica periacutecope as discussotildees introdutoacuterias sempre dizem res-

peito ao conjunto integral de Fl 26-11

Dessa forma a segunda etapa pretende mostrar que a exegese contemporacirc-

nea de Fl 26-11 remonta ao estudo do texto por Ernst Lohmeyer em 1928 Quase

90 anos depois eacute possiacutevel constatar alguns toacutepicos centrais na literatura acadecircmica

especializada Primeiro a discussatildeo sobre o gecircnero e a estrutura da passagem

Qual eacute o gecircnero literaacuterio especiacutefico desta periacutecope hino prosa exaltada encocircmio

ou ainda um outro gecircnero Em quantas partes o segmento deve ser dividido duas

trecircs ou quatro estrofes Quantos e quais versos devem ser colocados em cada es-

trofe A estrutura do suposto hino original eacute diferente desta encontrada hoje na

carta aos Filipenses O segundo toacutepico central na pesquisa deste texto estaacute relaci-

onado agrave sua autoria e origem A pergunta eacute se realmente o autor da carta aos Fili-

penses escreveu Fl 26-11 ou ele estaacute citando uma composiccedilatildeo cristatilde jaacute existente

antes da carta Ou ainda seraacute que Paulo estaacute citando um texto composto por ele

mesmo em outra ocasiatildeo Entre os toacutepicos centrais da pesquisa em terceiro lugar

estatildeo as questotildees que dizem respeito ao pano de fundo da passagem O problema

eacute quais satildeo os conceitos religiosos que estatildeo por traacutes de Fl 26-11 Esses concei-

tos vecircm do helenismo religioso do Antigo Testamento do judaiacutesmo ou do cristia-

nismo primitivo Como eles influenciaram esta composiccedilatildeo cristatilde e que tipo de

interaccedilotildees existem entre o texto e esses supostos conceitos O quarto e uacuteltimo

toacutepico central considerado no segundo capiacutetulo eacute acerca da funccedilatildeo que este texto

desempenha na carta aos Filipenses O impasse eacute o seguinte na argumentaccedilatildeo

que Paulo faz na carta o trecho de Fl 26-11 funciona como um exemplo do tipo

de comportamento que ele espera dos seus leitores (interpretaccedilatildeo eacutetica) ou este

texto seria a descriccedilatildeo do evento escatoloacutegico que trouxe os leitores cristatildeos para

o espaccedilo do senhorio de Jesus Cristo e a exortaccedilatildeo paulina seria para que estes

leitores vivessem em conformidade com esta realidade isto eacute em submissatildeo ao

seu senhor e salvador (interpretaccedilatildeo soterioloacutegica)

A terceira etapa da pesquisa ora apresentada vai adentrar na interpretaccedilatildeo

do texto propriamente dito O foco seraacute a interpretaccedilatildeo do versiacuteculo 29 As per-

guntas a serem respondidas satildeo Quem o texto apresenta como responsaacutevel pela

exaltaccedilatildeo de Jesus e qual a importacircncia disso Como a exaltaccedilatildeo era entendida no

Antigo Oriente no judaiacutesmo e nos escritos neotestamentaacuterio natildeo paulinos Como

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a exaltaccedilatildeo de Jesus aparece na teologia paulina e como ela estaacute diretamente liga-

da agrave visatildeo escatoloacutegica do apoacutestolo Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo descrita em

29 e a preexistecircncia de Cristo apresentada em 26 A exaltaccedilatildeo eacute simples volta agrave

preexistecircncia ou indica um estaacutegio superior Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo de

Jesus apresentada e a cultura romana de exaltaccedilatildeo Qual o significado teoloacutegico

da utilizaccedilatildeo do verbo χαρίζομαι na passagem Qual foi o nome dado a Jesus na

sua exaltaccedilatildeo e qual a importacircncia disso A resposta a todos esses questionamen-

tos vai demonstrar em linhas gerais que Deus Pai exaltou Jesus e o colocou como

Senhor de todo o universo compartilhando com ele seu proacuteprio nome e funccedilatildeo e

tudo isso foi interpretado por Paulo como a grande intervenccedilatildeo escatoloacutegica atra-

veacutes da qual Deus trouxe o uacuteltimo e definitivo eacuteon A forma como tal mensagem

foi apresentada certamente colidiu com a cultura romana de exaltaccedilatildeo pois para

Paulo o que foi exaltado eacute o mesmo que voluntariamente se colocou na posiccedilatildeo de

servo se humilhou e foi morto na cruz

A quarta etapa da dissertaccedilatildeo estudaraacute os versiacuteculos 210-11 com exceccedilatildeo

do segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός reservado ao proacute-

ximo capiacutetulo Aqui trata-se da utilizaccedilatildeo de Is 4523 a releitura cristoloacutegica e

escatoloacutegica feitas neste texto de Isaiacuteas o sentido da expressatildeo ldquoem nome de Je-

susrdquo no periacuteodo e qual significado o autor pretende comunicar atraveacutes das accedilotildees

de dobrar os joelhos e confessar Entre outras questotildees este capiacutetulo pretende

responder Quem eacute o destinataacuterio da reverecircncia indicada em 210-11 (Deus Pai ou

Jesus) Quem o texto pressupotildee que iraacute prestar essa reverecircncia (todos os seres

humanos toda a criaccedilatildeo ou apenas seres e poderes coacutesmicos) A Igreja estaacute inclu-

iacuteda ou natildeo nessa reverecircncia Qual a dimensatildeo temporal do texto eacute algo que jaacute

deve acontecer ou eacute a descriccedilatildeo de um evento futuro Sobretudo esse capiacutetulo seraacute

importante para entrar na discussatildeo da adoraccedilatildeo a Jesus Como a partir de sua

visatildeo escatoloacutegica e por intermeacutedio de uma releitura veterotestamentaacuteria Paulo

inclui o Jesus exaltado como alvo da adoraccedilatildeo que o ser humano deve oferecer

Como ele apresenta a reverecircncia e a confissatildeo a Jesus Cristo como um aconteci-

mento futuro de alcance coacutesmico mas que simultaneamente desafia os ouvintes e

leitores da passagem E como esse entendimento lanccedila luz sobre a praacutetica lituacutergica

dos primeiros cristatildeos

A quinta etapa do trabalho se debruccedila sobre a uacuteltima parte do versiacuteculo

211 a saber ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός Este trabalho

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adotaraacute como proposta de leitura de todo o conjunto de Fl 26-11 o conceito de

narrativa teoloacutegica e neste modo de ver a passagem alcanccedila o seu cliacutemax neste

ponto ou seja na confissatildeo do senhorio de Jesus O drama soterioloacutegico e escato-

loacutegico desenvolvido na passagem chega neste ponto respondendo agraves seguintes

perguntas Quem eacute Jesus hoje E quem eacute Senhor hoje Dessa forma este quinto

capiacutetulo comeccedilaraacute estudando o significado da confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo

no contexto geral do Novo Testamento e mais especificamente em Fl 211 Uma

atenccedilatildeo especial seraacute dedicada ao tiacutetulo κύριος primeiro identificando na literatu-

ra neotestamentaacuteria os diferentes estaacutegios na aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus perce-

bendo o que era atribuiacutedo a Jesus em cada momento Em seguida apresentar-se-aacute

uma breve histoacuteria da pesquisa sobre a relaccedilatildeo entre a aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus e

sua utilizaccedilatildeo na Septuaginta e dentro do judaiacutesmo tanto anterior quanto posteri-

or agrave Septuaginta A conclusatildeo da discussatildeo sobre κύριος seraacute a avaliaccedilatildeo do signi-

ficado teoloacutegico desta designaccedilatildeo cristoloacutegica isto eacute o que exatamente os primei-

ros cristatildeos estavam atribuindo a Jesus quando o chamaram de Senhor Qual im-

pacto dessa atribuiccedilatildeo na teologia liturgia e praacuteticas cristatildes Quais implicaccedilotildees

poliacuteticas e apologeacuteticas estariam subentendidas sobretudo frente agrave religiosidade

pagatilde e agraves ideologias romanas do culto ao imperador Apoacutes essa discussatildeo seguir-

se-aacute a anaacutelise da uacuteltima expressatildeo da periacutecope para gloacuteria de Deus Pai Entendida

como uma reivindicaccedilatildeo ao monoteiacutesmo esta afirmaccedilatildeo traraacute para o debate o

chamado monoteiacutesmo cristoloacutegico que procura responder como os primeiros cris-

tatildeos judeus puderam incluir Jesus no seu culto sem renunciar ao monoteiacutesmo vete-

rotestamentaacuterio E mais os primeiros cristatildeos judeus acreditavam na divindade de

Jesus Que tipo de argumentaccedilatildeo esteve envolvida nesta construccedilatildeo teoloacutegica

Satildeo questotildees essenciais que aproximaram a pesquisa de temas centrais da feacute cris-

tatilde como a divindade de Jesus e a doutrina da trindade

Com esses cinco capiacutetulos lanccedilando matildeo de extensa pesquisa bibliograacutefi-

ca e tendo como principais referenciais teoacutericos para compreensatildeo da passagem

Ernst Kaumlsemann e Ralph P Martin acredita-se que esta dissertaccedilatildeo ofereceraacute uma

exegese segura do texto de Filipenses 29-11 em conformidade com as metodolo-

gias exegeacuteticas contemporacircneas que aleacutem de contribuir com a proacutepria pesquisa

sobre estes versiacuteculos traraacute luz para alguns toacutepicos da discussatildeo exegeacutetica sobre

Fl 26-11 e sobre a cristologia neotestamentaacuteria em particular a paulina Por con-

seguinte o trabalho ofereceraacute subsiacutedios para a investigaccedilatildeo da cristologia na teo-

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logia dogmaacutetica e para articulaccedilatildeo de accedilotildees pastorais biacuteblica e cristologicamente

embasadas O resumo das principais conclusotildees a que se chegou na pesquisa seraacute

apresentado na conclusatildeo seguida das referecircncias bibliograacuteficas utilizadas

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2 O texto a carta e o contexto

Este capiacutetulo tenciona estabelecer uma aproximaccedilatildeo com o texto de Fl 29-

11 fazendo um olhar panoracircmico dos seus contextos Seguindo a loacutegica do maior

para o menor seratildeo apresentados a cidade de Filipos a igreja que existia na

cidade de Filipos a carta enviada aos cristatildeos dessa igreja e finalmente o texto de

Fl 29-11 objeto material da pesquisa Esta parte introdutoacuteria seraacute muito

importante para evitar que o texto seja estudado como se estivesse isolado no

tempo e no espaccedilo prevenindo assim argumentos anacrocircnicos e de fraacutegil

sustentaccedilatildeo literaacuteria

21 A cidade de Filipos

O texto a ser analisado faz parte da carta que o apoacutestolo Paulo escreveu

aos cristatildeos da cidade de Filipos que em meados do seacuteculo I dC era uma colocircnia

do Impeacuterio Romano da proviacutencia da Macedocircnia

A histoacuteria dessa cidade remonta ao ano 356 a C quando Filipe II rei da

Macedocircnia (o pai do famoso Alexandre o Grande) toma a cidade de Crenides dos

Tracianos e faz do local uma homenagem a si mesmo Filipos a cidade de Filipe5

Para o governante a cidade possuiacutea uma imediata importacircncia econocircmica e

militar pois as minas de ouro da regiatildeo o ajudariam a aparelhar seus exeacutercitos e

financiar suas batalhas6 Apoacutes quase duzentos anos de domiacutenio macedocircnio

Filipos passa para o controle romano em 168 a C quando o general romano

Emiacutelius Paulus derrota o rei macedocircnico Perseu e faz da Macedocircnia uma

proviacutencia romana dividida em quatro subproviacutencias uma das quais era o proacuteprio

5 A fundaccedilatildeo da cidade de Crenides ocorreu menos de cinco antes da accedilatildeo de Filipe II e remonta a um exilado ateniense chamado Caliacutestrato que foi para a regiatildeo com um grupo de colonizadores OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 3 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos

urbanos p 107 BRUCE F F Filipenses p 12 6 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355

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distrito da Macedocircnia no qual estava localizado Filipos7 Em 148 aC a

Macedocircnia eacute feita uma proviacutencia senatorial8 mas a importacircncia econocircmica da

cidade diminui devido agrave exaustatildeo dos recursos minerais9 A situaccedilatildeo muda no

seacuteculo I a C quando duas batalhas decisivas para a histoacuteria do Impeacuterio Romano

ocorrem proacuteximas a Filipos Em 42 aC as tropas lideradas por Brutus e Caacutessio

satildeo derrotadas pelo exeacutercito de Antocircnio e Otaviano pondo fim a era da Repuacuteblica

Romana10 A cidade eacute refundada por Antocircnio como Colonia Julia Filipense11 e eacute

iniciada uma intensa colonizaccedilatildeo romana quando ele transfere para laacute os veteranos

da sua vigeacutesima oitava legiatildeo12 Em 31 aC na mesma regiatildeo Antocircnio eacute

derrotado por Otaviano surgindo assim o Impeacuterio Romano propriamente dito

posto que em 29 aC ele eacute proclamado Imperador e em 27 a C Augustus13 Em

comemoraccedilatildeo ao tiacutetulo a cidade de Filipos recebeu um novo nome Vitoriosa

Colocircnia Augusto Juacutelia dos Filipenses14 Otaviano intensificou a colonizaccedilatildeo

romana levando para Filipos outro grupo de soldados veteranos (das tropas

derrotadas de Antocircnio) inclusive a coorte de pretorianos junto com famiacutelias

italianas que tiveram suas posses confiscadas por apoiarem Antocircnio15

O status de colocircnia desde 42 aC trouxe ganhos significativos para a

cidade de Filipos Ela possuiacutea uma administraccedilatildeo proacutepria a cargo de magistrados e

oficiais16 Os cidadatildeos eram considerados cidadatildeos romanos como se em Roma

estivessem Nos roacuteis das tribos da cidade de Roma os cidadatildeos romanos de Filipos

7 Embora a capital desse distrito fosse Tessalocircnica At 1612 registra ldquoFilipos cidade principal daquela regiatildeo da Macedocircnia e tambeacutem colocircnia romanardquo Cf BRUCE F F Filipenses p 12 sugere que a melhor traduccedilatildeo para esse verso eacute ldquo lsquoFilipos a primeira cidade dessa regiatildeo da Macedocircniarsquo ndash isto eacute o primeiro entre os quatro distritos em que a Macedocircnia fora dividida em 167 aCrdquo 8 Segundo OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 14-15 e HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355 isto ocorreu em 146 aC As proviacutencias podiam ser imperatorias (como a Siacuteria e a Galaacutecia-Licaocircnia) quando eram governadas por uma administraccedilatildeo militar subordinada diretamente ao imperador (geralmente nas fronteiras ou em cidades estrateacutegicas) ou senatorais (como Chipre Acaia e Macedocircnia) quando possuiacuteam uma administraccedilatildeo civil razoavelmente independente e ao mesmo tempo estavam pacificadas a ponto de natildeo precisarem de um contingente militar fixo Cf REICKE BO Histoacuteria do Tempo do

Novo Testamento p 236-237 e KOESTER Helmut Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 328 9 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 356 10 OROFINO Francisco op cit p 14 11 A praacutetica dos romanos de criarem colocircnias para garantir seus domiacutenios remonta ao seacuteculo IV a C quando a proacutepria Roma garantiu o domiacutenio da Itaacutelia atraveacutes da instalaccedilatildeo de colocircnias Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 12 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 107 13 Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 14 Em latim Colonia Julia Augusta Victrix Philippensium 15 BRUCE F F Filipenses p 12 16 O termos latinos respectivamente satildeo duumviri e lictores que em Atos 1622 e 35 aparecem traduzidos para o grego como στρατηγοὶ e ῥαβδοῦχος

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estavam inscritos na lista da tribo Voltinia17 A colocircnia recebeu o direito ao Jus

Italicum que proporcionava a sua populaccedilatildeo privileacutegios econocircmicos (isenccedilatildeo de

impostos sobre as Terras agricultaacuteveis e o direito a negociar ou conservar estas

Terras) poliacuteticos (independecircncia de receber interferecircncia do governador da

proviacutencia e possibilidade de regulamentar seus proacuteprios assuntos ciacutevicos) e

militares (proteccedilatildeo contra prisotildees arbitraacuterias e castigos corporais como flagelaccedilatildeo

e crucificaccedilatildeo)18 A importacircncia do status de colocircnia e os efeitos sociais

decorrentes satildeo bem expostos por W Barclay

Estas colocircnias tinham uma grande caracteriacutestica proacutepria Onde quer que existiam constituiacuteam pequenos fragmentos de Roma e a nota dominante era o orgulho de sua cidadania romana Se falava o idioma de Roma se usavam vestimentas romanas se observavam costumes romanos seus magistrados tinham tiacutetulos romanos e observavam as mesmas cerimocircnias que em Roma Onde quer que estivessem as colocircnias eram obrigatoacuteria e inalteravelmente romanas Nunca lhe ocorrera assimilar-se ao povo que laacute vivia Eram parte de Roma miniatura da cidade de Roma e jamais esqueciam disso19

Este processo de colonizaccedilatildeo fez a populaccedilatildeo de Filipos ser

predominantemente romana convivendo no entanto com antigos moradores

traacutecios e gregos aleacutem de grupos de imigrantes vindos do Egito da Anatoacutelia e da

Palestina20 Todos esses grupos formavam na metade do seacuteculo I dC um

contingente populacional em torno de 10 mil moradores21 sendo o latim o idioma

corrente e o grego possivelmente utilizado nas transaccedilotildees comerciais22 A parte

construiacuteda da cidade era pequena natildeo ultrapassando 1km223 A economia estava

baseada na agricultura e no comeacutercio este impulsionado pela Via Egnatia uma

importante rota comercial que ligava Roma agrave parte oriental do impeacuterio

culminando na cidade de Bizacircncio futura Constantinopla capital imperial no

seacuteculo IV dC24 Os habitantes tinham bom niacutevel de instruccedilatildeo e usando categorias

atuais a cidade poderia ser classificada como de classe meacutedia alta25 A realidade

religiosa da cidade no seacuteculo I d C era de grande sincretismo Existiam lado a

17 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 471 HELLERMAN Joseph H Vindicating

Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi

upon the Composition of Philippians 26-11 p88 Este uacuteltimo afirma que quando uma colocircnia romana era fundada ela era identificada como uma das tribos romanas 18 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 357-358 19 BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 10 20 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 108-109 21 FOWL Stephen E Philippians p 12 22 OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 15 23 MEEKS Wayne op cit p 109-110 24 SCHNELLE Udo op cit p 464 OROFINO Francisco op cit p 16 25 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 11

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lado o culto ao imperador e a adoraccedilatildeo de divindades gregas romanas egiacutepcias

aleacutem de deuses locais26 Segundo o relato de Atos 16 tambeacutem haviam judeus e

proseacutelitos do judaiacutesmo na cidade embora em nuacutemero reduzido A existecircncia de

uma sinagoga em Filipos soacute eacute atestada a partir do seacuteculo III dC27 Quando o

apoacutestolo Paulo chegou na cidade ela era de fato um centro urbano e poliacutetico na

regiatildeo28

22 Paulo e a igreja de Filipos A primeira visita de Paulo agrave cidade de Filipos ocorreu entre os anos de 48-

50 dC Ali o apoacutestolo fundou sua primeira comunidade em solo europeu O livro

de Atos narra a passagem de Paulo pela cidade em 1611-40 Embora a

fidedignidade histoacuterica deste capiacutetulo de Atos seja bastante discutida seus dados

essenciais satildeo considerados confiaacuteveis e uacuteteis para melhor compreensatildeo do iniacutecio

da igreja em Filipos29 Nessa perspectiva apoacutes alguns dias na cidade Paulo e seu

grupo de colaboradores missionaacuterios30 encontraram um lugar de oraccedilatildeo

26 Segundo BARTH Gerhard A carta aos Filipenses 1983 p 5 escavaccedilotildees comprovaram a existecircncia de mais de 24 divindades diferentes cultuadas em Filipos 27 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 465 nota 29 28 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 62 29 Ibid p 173 ldquoEmbora a narrativa em At 1616-2223-40 esteja enfeitada com traccedilos lendaacuterios seu cerne histoacuterico eacute confirmadordquo Mais otimista eacute HELLERMAN Joseph H Vindicating

Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi

upon the Composition of Philippians 26-11 p85-102 que vai construir toda uma interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 baseado na narrativa de Atos 1611-40 Um balanccedilo atual sobre a importacircncia de Atos para a reconstruccedilatildeo da cronologia paulina eacute feito por EDO Pablo M Cronologiacuteas Paulinas un

estado de la questioacuten p 177-198 Segundo ele tanto as informaccedilotildees das cartas quanto de Atos devem ser avaliadas criticamente mas a utilizaccedilatildeo do livro de Atos como fonte reduz de forma significativa as suposiccedilotildees e elaboraccedilotildees criativas dos pesquisadores 30 Considerando o relato de Atos eacute provaacutevel que a visita de Paulo a Filipos tenha sido acompanhada por Silas Timoacuteteo e Lucas O primeiro partiu junto com o apoacutestolo nessa viagem (At1540) Logo a seguir Timoacuteteo uniu-se aos dois (At 163) E eacute a partir de At 1610 que a narrativa de Atos passa para a primeira pessoa do plural indicando que o narrador passou a integrar os acontecimentos dali em diante A tese predominante eacute que o autor de Atos eacute Lucas Que o cenaacuterio da visita a Filipos foi assim admitem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los

Filipenses p 64 e OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 6

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(προσευχή) junto ao rio Gangites onde estavam reunidas algumas mulheres31

Entre elas estava Liacutedia uma gentia vendedora de puacuterpura temente a Deus isto eacute

simpatizante do judaiacutesmo32 Ela se converteu e foi batizada junto com a sua casa

surgindo ali o nuacutecleo inicial da igreja em Filipos O iniacutecio da igreja em uma

reuniatildeo de mulheres na casa de uma mulher mais as mulheres que aparecem

nomeadas na carta indicam a predominacircncia do elemento feminino naquela

igreja inclusive em funccedilotildees de lideranccedila Isto na verdade eacute o reflexo na igreja da

realidade social da regiatildeo pois na Macedocircnia as mulheres ocupavam um papel na

vida puacuteblica muito maior do que em outros lugares do mundo greco-romano da

eacutepoca33

Atos 16 tambeacutem registra a conversatildeo e o batismo de uma segunda famiacutelia

a do carcereiro que vigiava os missionaacuterios na prisatildeo Levando em conta a famiacutelia

de Liacutedia e a famiacutelia do carcereiro mais os nomes indicados na carta aos Filipenses

(Epafrodito Evoacutedia Sintique Clemente) conclui-se que a igreja de Filipos era

constituiacuteda em sua maioria por membros gentios pessoas de diversas origens e

segmentos sociais asiaacuteticos gregos romanos judeus mulheres com

31 O significado exato de προσευχή eacute discutido De um lado parece que o termo era utilizado como sinocircnimo de sinagoga na literatura judaica heleniacutestica (FOWL Stephen E Philippians p 13 nota 20) Por outro o fato de Lucas natildeo mencionar nem a presenccedila de homens na reuniatildeo nem a ocorrecircncia de um culto formal com leitura da Lei sendo um saacutebado favorece a posiccedilatildeo de que ali seria apenas um lugar de reuniotildees informais de mulheres simpatizantes do judaiacutesmo Assim HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 360 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo

aos Filipenses p 25 afirma que as ldquosinagogas nunca estavam fora da cidaderdquo BOCKMUEHL Markus The Epistle to the Philippians p 9 reforccedila a tese observando que Lucas faz questatildeo de mencionar quando Paulo visitava uma sinagoga em uma cidade Assim em Salamina (At 135) Atioquia da Psidia (At 1314) Icocircnio (At 141) Tessalocircnica (171) Bereacuteia (At 1710) Atenas (At 1717) e Corinto (1847) Segundo BRUCE F F Filipenses p15 eacute possiacutevel que natildeo houvesse na cidade o quoacuterum miacutenimo para o estabelecimento de uma sinagoga que era de 10 homens 32 Lucas utiliza a expressatildeo σεβομένη τὸν θεόν para descrever Liacutedia Segundo BAGD p 746 a expressatildeo era utilizada para os gentios que aderiam ao ldquomonoteiacutesmo eacutetico do Judaiacutesmordquo e frequentavam a sinagoga mas natildeo tinham a obrigaccedilatildeo de seguirem toda a lei judaica Os homens por exemplo natildeo precisavam circuncidar-se MEEKS Wayne A Os primeiros cristatildeos

urbanos p 89 nota 175 afirma que natildeo haacute consenso sobre o uso teacutecnico da expressatildeo (nem mesmo se era usado de forma teacutecnica) mas ela pode indicar tanto esses ldquosimpatizantesrdquo do judaiacutesmo quanto pode significar apenas ldquopiedosordquo aplicado inclusive a proseacutelitos e judeus nativos 33 Nessa linha FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 63 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 23-26 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 558

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independecircncia financeira e poder econocircmico comerciantes romanos militares e

possiacuteveis antigos colonizadores romanos34

Os registros de Atos Filipenses e 1Tessalonicensses confirmam que Paulo

foi forccedilado a sair da cidade debaixo de oposiccedilatildeo e perseguiccedilatildeo A atmosfera de

hostilidade contra o cristianismo continuou ali mesmo apoacutes a saiacuteda dos

missionaacuterios soacute que entatildeo transferiu-se para a igreja conforme se deduz da carta

Antes de escrever a carta aos Filipenses eacute possiacutevel que Paulo tenha visitado

pessoalmente a comunidade ao menos duas vezes conforme 2Cor 81-5 e At 203-

635

Questatildeo muito debatida eacute onde estava o apoacutestolo quando escreveu a carta

Seja qual for a resposta deve atender as seguintes condiccedilotildees supostas no texto de

Filipenses Paulo estava preso Sua prisatildeo eacute junto agrave guarda pretoriana e (113) e de

pessoas da τῆς Καίσαρος οἰκίας (422) Parece haver a possibilidade de o

julgamento terminar em morte (120 e 217) mas ao mesmo tempo Paulo nutre a

expectativa de reencontrar os filipenses (125-26) De alguma forma esta prisatildeo

contribuiu com a divulgaccedilatildeo do evangelho na regiatildeo (112-13) Aleacutem de Timoacuteteo

ele tinha poucas pessoas confiaacuteveis ao seu lado (219-21) e enquanto ele estava

preso aconteceram algumas viagens (pelo menos quatro) entre Filipos e a esta

cidade

Na pesquisa foram sugeridas quatro alternativas para atender essas

caracteriacutesticas A primeira possibilidade eacute a cidade de Corinto Em seu favor estatildeo

a proximidade geograacutefica com Filipos a existecircncia de um prococircnsul na cidade e

toda oposiccedilatildeo que o apoacutestolo enfrentou ali inclusive com perigo de morte No

entanto natildeo existe comprovaccedilatildeo de um aprisionamento do apoacutestolo em Corinto e

segundo At 181-218 Paulo contava com um razoaacutevel apoio nesta cidade

especialmente de Priscila e Aacutequila o que natildeo corresponde ao lamento de ter

34 Barclay faz a interessante avaliccedilatildeo do capiacutetulo 16 de Atos para a formaccedilatildeo da igreja de Filipos ldquoOs trecircs personagens satildeo de diferentes nacionalidades Lidia era uma asiaacutetica natildeo eacute necessaacuterio que estejamos diante de um nome proacuteprio e sim simplesmente ante o qualificativo lsquoa senhora da cidade de Liacutediarsquo A jovem escrava era grega O carcereiro era cidadatildeo romano Todo o impeacuterio estava reunido na igreja cristatilde Poreacutem natildeo estamos somente ante trecircs diferentes nacionalidades e sim tambeacutem ante trecircs estratos muito diferentes da sociedade Liacutedia era uma comerciante de puacuterpura uma das mercadorias mais caras do mundo antigo ela era equivalente a um priacutencipe mercador A jovem escrava ante a lei natildeo era uma pessoa mas sim uma ferramenta viva O carcereiro era um cidadatildeo romano um membro da forte classe meacutedia romana que se ocupava dos serviccedilos civis Nestes trecircs estavam representados o mais alto o mais baixo e o mediano da sociedade Natildeo haacute outro capiacutetulo da Biacuteblia que mostre tatildeo bem o caraacuteter universal da feacute que Jesus traz aos homensrdquo BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 11 35 MARTIN Ralph Filipenses p 22-23 e BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7

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apenas Timoacuteteo junto dele (219-21) A hipoacutetese de Corinto eacute aquela que goza de

menor aceitaccedilatildeo acadecircmica36

Uma segunda possibilidade que goza de maior adesatildeo eacute a tese que

Filipenses foi escrita em Eacutefeso37 Entre outros esta alternativa eacute sustentada pelos

seguintes argumentos a proximidade geograacutefica entre Eacutefeso e Filipos a

informaccedilatildeo de At 1922 dando conta que Timoacuteteo estava com Paulo em Eacutefeso e

de At 191025-26 da intensa evangelizaccedilatildeo que ocorreu na cidade e arredores

quando Paulo esteve ali e a possibilidade da expressatildeo πραιτώριον (113) referir-

se a sede do prococircnsul na cidade

Satildeo apresentados todavia trecircs argumentos centrais contra Eacutefeso

Primeiramente como no caso de Corinto inexiste comprovaccedilatildeo para uma prisatildeo

de Paulo em Eacutefeso (apesar de 2Cor 18-10 65 e 1123 indicarem que ele esteve

preso vaacuterias vezes) Na verdade a questatildeo natildeo eacute apenas se ele esteve ou natildeo preso

em Eacutefeso mas atribuir a esta cidade um aprisionamento que atenda agraves

caracteriacutesticas supostas em Filipenses isto eacute de duraccedilatildeo razoaacutevel risco de ser

condenado agrave morte e ao mesmo tempo liberdade para pregar o evangelho Em

segundo lugar sendo a carta escrita de Eacutefeso seria muito difiacutecil explicar o motivo

pelo qual o apoacutestolo nem sequer menciona a coleta aos pobres de Jerusaleacutem

assunto que dominava as preocupaccedilotildees do apoacutestolo no periacuteodo conforme indicam

as cartas aos Coriacutentios Ao contraacuterio Filipenses supotildee que a coleta jaacute tinha

terminado38 E finalmente eacute preciso discutir a existecircncia de um pretoacuterio na

cidade O entendimento mais baacutesico para a expressatildeo πραιτώριον em 113 eacute o da

guarda pessoal do imperador que ficava estabelecida em Roma o que tambeacutem

combina com a interpretaccedilatildeo mais natural do termo τῆς Καίσαρος οἰκίας em

42239 Poreacutem dentro da administraccedilatildeo romana πραιτώριον servia como

designaccedilatildeo de vaacuterias residecircncias oficiais a saber a residecircncia do general e de suas

36 HAWTHORNE Gerald F Philippians p 20 MARTIN Ralph Filipenses p 57-58 Eles informam que o primeiro a postular Corinto como lugar de origem da carta aos Filipenses foi G L Oeder em 1731 Com exceccedilatildeo de Hawthorne e Martin os demais autores pesquisados nem sequer consideram Corinto como possibilidade 37 KUumlMMELL Werner Georg Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 429 que informa que Eacutefeso foi proposta em 1897 por A Deissmann Em sentido contraacuterio HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19 afirma que Deissmann seguiu proposta apresentada originalmente por H Lisco em 1900 38 Os argumentos acima estatildeo principalmente esboccedilados em HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19-20 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 560 39 Assim FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 OrsquoBRIEN P T The

Epistle to the Philippians p 20-21

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tropas residecircncia dos governadores de proviacutencias nas capitais e fora das capitais

e palaacutecio dos procuradores de proviacutencia40 A hipoacutetese de que Paulo escreveu a

partir de Eacutefeso sustenta que o apoacutestolo usou a expressatildeo πραιτώριον de forma

mais geneacuterica natildeo se referindo necessariamente agrave casa do imperador ldquomas agrave casa

onde estava o administrador romano cheia de luxo mordomias e guardasrdquo41 No

entanto aleacutem de ser discutiacutevel que Paulo estivesse utilizando aqui uma linguagem

natildeo especiacutefica42 o argumento fundamental contra a hipoacutetese efeacutesia eacute a ausecircncia de

qualquer comprovaccedilatildeo histoacuterica para a existecircncia na cidade de um pretoacuterio ou de

uma guarda pretoriana43 Eacutefeso era uma proviacutencia senatorial e ldquonatildeo existe

exemplo nos tempos imperiais do emprego dessa expressatildeo [πραιτώριον] para a

sede de um prococircnsul o governador de uma proviacutencia senatorial como era a da

Aacutesia [Eacutefeso] nessa eacutepocardquo44

A terceira cidade postulada como lugar de onde Paulo escreveu Filipenses

eacute Cesareacuteia A hipoacutetese possui algumas vantagens em relaccedilatildeo agraves anteriores posto

que o livro de Atos menciona de forma expliacutecita que Paulo esteve preso nessa

cidade por um periacuteodo longo e laacute foi detido no πραιτώριον (At 2331-35) A

coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha sido efetuada Seu desejo de visitar os Filipenses

novamente natildeo contradiz sua intenccedilatildeo missionaacuteria de ir agrave Espanha visto ele poder

passar por Filipos indo para Espanha Ainda assim esta hipoacutetese possui

dificuldades O quadro da prisatildeo de Paulo em Cesareacuteia natildeo coaduna com o risco

de morte suposto em Filipenses Tambeacutem natildeo haacute indiacutecios de uma presenccedila cristatilde

na cidade que corresponda agrave realidade da carta ou seja tanto uma intensa

propagaccedilatildeo do cristianismo quanto divisotildees dentro da comunidade cristatilde Aleacutem

disso de todas as opccedilotildees (Roma seraacute discutida logo abaixo) Cesareacuteia eacute a cidade

mais distante de Filipos Apesar do argumento geograacutefico natildeo ser fundamental eacute

40 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 55 41 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 30 Adiante nas paacuteginas 55-56 ele afirma ldquoO pretoacuterio nesse contexto precisa ser considerado no sentido geneacutericordquo 42 Criacutetica levantada por FEE G D Comentaacuterio de la Epiacutestola a los Filipenses p 74 43 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 Nessa direccedilatildeo OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 22 argumenta que tropas militares natildeo ficavam estacionadas em proviacutencias senatorias porque eram governadas por civis Em contrapartida BROWN R Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p657 argumenta em favor de Eacutefeso como a melhor opccedilatildeo usando a seguinte afirmativa inteiramente especulativa ldquoEacutefeso era a cidade mais importante da proviacutencia romana da Aacutesia e sede do quartel-general proconsular de modo que deve ter havido uma importante presenccedila romana ali ateacute mesmo um praitorionrdquo 44 BRUCE F F Filipenses p 22 Natildeo obstante em favor de Eacutefeso entre outros estatildeo SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 9-13 BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7-8 GNILKA Joachim Epiacutestola aos Filipenses p 9 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 310-311

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um fator complicador para a proposta explicar as viagens e troca de informaccedilotildees

entre Paulo e a igreja de Filipos45

A sugestatildeo mais antiga para a proveniecircncia da carta aos Filipenses eacute

Roma Ela remonta ao seacuteculo II dC aparecendo no proacutelogo marcionita e

posteriormente em outros manuscritos Esta opccedilatildeo predominou sem

questionamentos ateacute o seacuteculo XVIII O grande argumento em favor da capital do

impeacuterio eacute que a descriccedilatildeo que Lucas faz em Atos 28 da prisatildeo de Paulo laacute

equivale aos pontos essenciais da carta aos Filipenses facilmente explica os

termos πραιτώριον e τῆς Καίσαρος οἰκίας o risco de morte vislumbrado por

Paulo eacute plausiacutevel visto ela jaacute ter apelado a Ceacutesar a coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha

sido concluiacuteda Paulo estaacute em uma cidade com a presenccedila razoaacutevel de cristatildeos

com os quais poreacutem possui um relacionamento distanciado a prisatildeo foi longa e

ele possuiacutea relativa liberdade para divulgar o evangelho (At 2830-31) Contra

Roma residem dois argumentos principais De um lado a distacircncia ateacute Filipos

que dificultaria a intensa comunicaccedilatildeo pressuposta na carta Do outro o desejo de

Paulo visitar novamente os filipenses vai contra os seus planos de atuar na

Espanha Quanto agrave primeira questatildeo embora muita valorizada no passado jaacute natildeo

goza de tanta aceitaccedilatildeo entre os estudiosos Considerando apenas uma viagem por

Terra nas boas condiccedilotildees das estradas romanas tem-se uma estimativa de 4

semanas Inferindo-se da carta pelo menos 4 viagens entre Filipos e Roma o

tempo total seria de 16 semanas que no contexto de dois anos de aprisionamento

(At 2830) eacute tempo suficiente Sendo a viagem pelo mar o tempo reduziria ainda

mais para aproximadamente 2 semanas cada viagem e tempo total de 8 semanas

Em relaccedilatildeo agrave suposta mudanccedila de planos de Paulo os anos na prisatildeo de Cesareiacutea e

em Roma podem ter feito o apoacutestolo alterar seus planos natildeo necessariamente

substituiacute-los mas talvez postergaacute-los46 De qualquer forma o quadro de Filipenses

natildeo indica que ele tenha desistido da Espanha Por uacuteltimo mas natildeo menos

importante haacute em favor de Roma um argumento relativo ao conteuacutedo

Considerando o pensamento do apoacutestolo no conjunto das suas cartas eacute possiacutevel 45 A hipoacutetese de Cesareacuteia foi originalmente apresentada em 1779 por H E G Paulus Cf BRUCE F F Filipenses p 22-23 MARTIN Ralph P Filipenses p 58-60 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 560-561 Este uacuteltimo eacute a favor da cidade de Cesareacuteia como lugar de origem para a carta 46 Ao final da prisatildeo de Roma quando provavelmente escreveu Filipenses jaacute tinham se passado mais de quatro anos de aprisionamento do apoacutestolo (somando-se Cesareacuteia e Roma) e quase 10 anos da redaccedilatildeo da carta aos Romanos (situada em meados na deacutecada de 50) onde Paulo registrou seus planos de fazer missatildeo na Espanha (Rm 1622-2328)

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enxergar em Filipenses um desenvolvimento em relaccedilatildeo agraves grandes cartas

anteriores (Romanos 1 e 2 Coriacutentios Gaacutelatas e 1Tessalonicenses) acompanhado

por um progresso da situaccedilatildeo eclesiaacutestica indo na direccedilatildeo das cartas pastorais e

ainda o amadurecimento no apoacutestolo de uma ldquoconsciecircncia de maacutertirrdquo (123 e

217)47 Diante do exposto a soluccedilatildeo para o local de origem da carta aos

Filipenses continuaraacute no campo das hipoacuteteses mas eacute plausiacutevel afirmar que

daquelas apresentadas acima Roma eacute a que possui maior probabilidade por

reunir e explicar uma maior quantidade de informaccedilotildees presentes na carta Sendo

Roma o local de proveniecircncia a data para a publicaccedilatildeo seria entre os anos 61 e 62

dC no final do seu cativeiro na capital48

23 A carta aos Filipenses

231 Autoria e Integridade

Na atual avaliaccedilatildeo do corpus paulino Filipenses eacute indiscutivelmente

considerada uma carta autecircntica49 Na histoacuteria da pesquisa natildeo se estabeleceu

nenhuma tese que negasse a autoria paulina de Filipenses O consenso nos estudos

paulinos contemporacircneos eacute em favor de Paulo como genuiacuteno autor da carta50

Situaccedilatildeo oposta eacute a avaliaccedilatildeo da integridade da carta Uma seacuterie de

observaccedilotildees levantam suspeitas se a carta aos Filipenses circulou desde o iniacutecio

como ela se apresenta hoje no corpus paulino isto eacute se desde o iniacutecio ela era um

escrito uacutenico que ia de 11 ateacute 423 As principais questotildees levantadas satildeo A) A

redaccedilatildeo de 31 (com a utilizaccedilatildeo do termo λοιπός) parece encaminhar de maneira

47 Argumento de SCHNELLE Udo Paulo Vida e pensamento p 467-472 48 Para os argumentos acima e em favor de Roma estatildeo entre outros SCHNELLE Udo Paulo

Vida e pensamento p 465-469 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 376-387 BOCKMUEHL Marcus The Epistle to the Philippians p 30-32 FOWL Stephen E Philippians p 9 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 72-76 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 19-26 49 De acordo com VOUGA Franccedilois A literatura paulina p 186 ela eacute uma das sete que pertencem ao conjunto das protopaulinas Ao lado deste seguem-se mais dois conjuntos as deuteropaulinas e as tritopaulinas 50 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 558 Segundo ele a tentativa mais famosa de negar a autoria paulina da carta foi feita sem sucesso por Ferdinand Christian Baur

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natural para agrave conclusatildeo da carta Entretanto ao inveacutes disso Paulo inicia uma

aacutespera repreensatildeo contra adversaacuterios51 B) O trecho de 410-20 deve preceder 11-

31 como gratidatildeo de Paulo pelo donativo enviado pela igreja atraveacutes de

Epafrodito52 C) O trecho de 32-43 natildeo faz menccedilatildeo da situaccedilatildeo de

aprisionamento de Paulo que eacute a situaccedilatildeo pressuposta para 11-3153 D) A

diferenccedila de tom com que Paulo trata os adversaacuterios na primeira parte (115-18)

em relaccedilatildeo agrave seccedilatildeo iniciada em 32 Mais do que indicar adversaacuterios diferentes

essa mudanccedila pode refletir dois momentos distintos na vida de Paulo duas

maneiras distintas de o apoacutestolo encarar seus adversaacuterios54 E) Uma seacuterie de frases

conclusivas em 47-9 e 419-2055 Os estudiosos partidaacuterios da hipoacutetese de

Filipenses como uma compilaccedilatildeo de vaacuterias cartas combinam todos esses

elementos acima e ainda outros e propotildeem que a carta atual eacute resultado da uniatildeo

de duas ou trecircs cartas menores A delimitaccedilatildeo do conteuacutedo exato de cada uma

dessas supostas cartas varia resultando em pelo menos seis arranjos diferentes de

conteuacutedo56

No entanto satildeo mais consistentes os argumentos em favor da unidade da

carta57 Em primeiro lugar natildeo haacute nenhuma evidecircncia manuscrita de que algum

dia a carta aos Filipenses circulou de forma diferente como ela hoje existe no

Novo Testamento Em segundo lugar existe uma seacuterie de correlaccedilotildees

morfoloacutegicas e conceituais entre as diversas seccedilotildees da carta inclusive entre 11-

31 e 32-49 O proacuteprio texto de Fl 26-11 ecoa em 37-11 e 320-21 Em terceiro

lugar as teorias de montagem levantam mais perguntas que respondem

acumulando conjecturas em cima de conjecturas como por exemplo quando se

tenta responder qual a intenccedilatildeo teve o editor final ao juntar desta forma as

supostas cartas avulsas Em quarto lugar ldquoa Antiguidade que conhecia bem o

gecircnero literaacuterio da coleccedilatildeo de cartas ou da correspondecircncia editada e vendida

51 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 52 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 21 53 Idem 54 BRUCE F F Filipenses p 27-29 55 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 300-303 56 VOUGA Franccedilois op cit p 300-303 vai apresentar os seis esquemas de organizaccedilatildeo trecircs relativos agrave existecircncia de duas cartas e trecircs para existecircncia de trecircs cartas O uacutenico consenso nessa visatildeo eacute que 11-31 forma uma unidade 57 Para os argumentos que seguem em favor da unidade da carta cf HAWTHORNE G F

Filipenses carta aos In DPC p 558-559 BRUCE F F Filipenses p 26-30 MARTIN Ralph P Filipenses p 23-35 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 18-20 BOCKMUELH Marcus op cit p 20-25 VOUGA Franccedilois op cit p 302-303

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como livro natildeo oferece nenhum exemplo de cartas ou de fragmentos epistolares

combinados ou re-redigidos sob forma de cartardquo58 Em quinto lugar eacute possiacutevel (e

provavelmente mais faacutecil) compreender o fluxo de pensamento da carta como uma

unidade59

232 Objetivo da carta

Quanto ao objetivo da carta a razatildeo principal para o envio desta carta estaacute

no acircmbito do relacionamento entre Paulo e a Igreja de Filipos que era do mais

alto niacutevel Nesse sentido pode-se dizer que Filipenses eacute uma carta de amizade60

Paulo escreve para agradecer agrave comunidade as ofertas enviadas recomendar a

recepccedilatildeo de Epafrodito que estaacute retornando anunciar o envio de Timoacuteteo e contar

sobre as circunstacircncias atuais do apoacutestolo preso

Natildeo obstante o apoacutestolo aproveita a oportunidade para orientar a

comunidade diante dos seacuterios desafios que ela tem enfrentado Se de um lado a

igreja natildeo estava passando por uma seacuteria crise teoloacutegica61 do outro ela estava

ameaccedilada por diversos adversaacuterios A caraterizaccedilatildeo exata desses adversaacuterios eacute

objeto de discussatildeo Eles podem ser encontrados em 115-18 128 32 e 318 O

grande problema eacute a chamada ldquoleitura atraveacutes do espelhordquo isto eacute reconstruir

grupos e ideias com base tatildeo somente nos argumentos contraacuterios oferecidos natildeo

sistematicamente por Paulo62 Dessa forma uma proposta cautelosa eacute a

identificaccedilatildeo de dois grupos de adversaacuterios por traacutes da argumentaccedilatildeo de paulina

em Filipenses63 O primeiro grupo apresentado em 115-18 seriam cristatildeos que

estavam atuando na cidade em que Paulo estava preso e que apesar de pregarem

Cristo faziam oposiccedilatildeo a Paulo afirmando que os sofrimentos dele eram

58 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 302 59 Ainda sim BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 9-10 e SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 11-12 favorecem a hipoacutetese que Filipenses eacute uma composiccedilatildeo de trecircs cartas de Paulo 60 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 12 SCHNELLE Udo Paulo vida

e pensamento p 469 afirma que ldquoPaulo sentia-se tatildeo ligado aos filipenses como a nenhuma outra comunidaderdquo 61 FOWL Stephen E Philippians p 11 62 Ibidem p 11-12 63 Segue-se aqui a explicaccedilatildeo apresentada por HAWHTHORNE G F Philippians p 24-27 e HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 561-562

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evidecircncias de sua fraqueza como liacuteder Ao que parece a divergecircncia de Paulo com

eles era de natureza mais pessoal do que teoloacutegica

Eacute verdade que alguns anunciam o Cristo [τὸν Χριστὸν κηρύσσουσιν] por inveja e porfia e outros por boa vontade estes por amor proclamam a Cristo [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] sabendo que fui posto para defesa do evangelho e aqueles por rivalidade natildeo sinceramente julgando com isso acrescentar sofrimentos agraves minhas prisotildees Mas que importa De qualquer maneira ndash ou com segundas intenccedilotildees ou sinceramente ndash Cristo eacute proclamado [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] e com isto me regozijo (115-18)64

A partir de 32 Paulo tem em vista outro tipo de adversaacuterios Ao contraacuterio dos

primeiros estes natildeo satildeo cristatildeos Eles confiam na carne exigem a circuncisatildeo e

outros rituais judaicos e com uma escatologia realizada prometem a possibilidade

de se alcanccedilar a perfeiccedilatildeo nesta vida e desde jaacute experimentar as daacutedivas do mundo

porvir Menosprezam o sofrimento e consequentemente a figura e a pregaccedilatildeo de

Paulo Enfim satildeo τοὺς ἐχθροὺς τοῦ σταυροῦ τοῦ Χριστοῦ Eles podem ser

qualificados como missionaacuterios judeus que representavam para os filipenses uma

ameaccedila real proveniente do ambiente exterior agrave igreja mas que natildeo

necessariamente jaacute estavam atuando junto agrave igreja

233 Estrutura da carta

Existem diversas propostas de arranjo do conteuacutedo da carta e muitas satildeo

plausiacuteveis Este trabalho no entanto oferece como contribuiccedilatildeo agrave pesquisa a

possibilidade de compreender o conteuacutedo da carta aos Filipenses estruturado em

seccedilotildees paralelas que se correspondem como pode ser visualizado abaixo

64 A traduccedilatildeo citada eacute de A Biacuteblia de Jerusaleacutem nova ediccedilatildeo revista e ampliada As demais citaccedilotildees biacuteblicas do trabalho seratildeo extraiacutedas dessa traduccedilatildeo salvo outra indicaccedilatildeo

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A - Saudaccedilatildeo ndash 11-2

B - Accedilatildeo de graccedilas ndash 13-11

C - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 112-26

D - Exortaccedilatildeo 127-217

Crsquo - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 219-30

Drsquo - Exortaccedilatildeo 31-49

Brsquo Accedilatildeo de Graccedilas ndash 410-20

Arsquo Saudaccedilatildeo ndash 421-23

24 Criacutetica Textual de Fl 29-11

Estes trecircs versiacuteculos natildeo apresentam nenhuma seacuteria dificuldade criacutetico-

textual mas eacute pertinente a consideraccedilatildeo das variantes existentes a fim de detectar

jaacute na proacutepria tradiccedilatildeo manuscrita tendecircncias na interpretaccedilatildeo do texto

Versiacuteculo 9b καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα O artigo τὸ que acompanha ὄνομα eacute omitido nos unciais D F G K L P

Y 075 e 0278 nos cursivos 81 104 365 630 1175 1241 1505 1881 e 2464

nos manuscritos que pertencem ao texto Bizantino (M) e ainda em Clemente

conforme Teoacutedoto Apoiam o texto sem a omissatildeo o papiro P46 os unciais a A

B C os cursivos 33 629 1175 1739 Segundo Metzger com a omissatildeo do artigo

o texto estaria afirmando ldquoque Jesus recebeu um nome natildeo especificado que

depois eacute definido com aquele nome que estaacute acima de todo nomerdquo65 O mesmo

autor explica que a omissatildeo pode ter surgido quando um copista se confundiu com

o final do verbo ἐχαρίσατο Outra possibilidade eacute que os copistas interpretaram

que Paulo natildeo estivesse referindo-se a um nome especiacutefico (um tiacutetulo como se

veraacute adiante na pesquisa) mas agrave noccedilatildeo de reputaccedilatildeo fama e honra66 isto eacute Deus

deu a Jesus a honra acima de todas as honras E embora a evidecircncia externa apoie

65 METZGER Bruce M Un Comentario Textual Al Nuevo Testamento Griego p 542 O mesmo comentaacuterio encontra-se em OMANSON Roger Variantes textuais do Novo

Testamento p 414 66 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120

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a autenticidade do artigo67 esta uacuteltima intepretaccedilatildeo eacute bastante plausiacutevel no

contexto

Versiacuteculo 11a καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται

O verbo ἐξομολογήσηται (verbo subjuntivo aoristo meacutedio 3ordf p singular de

ἐξομολογέω) eacute substituiacutedo por ἐξομολογήσεται (verbo no futuro do indicativo

ativo 3ordf p singular) nos unciais A C D F G K L P YVID 075 e 0278 nos

cursivos 6 33 81 104 365 630 1175 1241 1505 1739 1881 2464 muitos

outros manuscritos pertencentes ao texto majoritaacuterio e em uma leitura alternativa

presente em Irineu (Irvl) Apoiam o texto sem a substituiccedilatildeo o papiro P46 os

unciais a B Fc os cursivos 323 630c 2495 muitos manuscritos pertencentes ao

texto majoritaacuterio Irineu Clemente conforme Teoacutedoto e Clemente de Alexandria

Do ponto de vista da traduccedilatildeo o que estaacute em questatildeo seria a troca do subjuntivo

para o futuro Com o subjuntivo a traduccedilatildeo estaacute ldquopara toda liacutengua confessar

querdquo Com o futuro ficaria ldquoe toda liacutengua confessaraacute querdquo Omanson oferece

explicaccedilotildees para as duas mudanccedilas isto eacute se original fosse futuro os copistas

teriam alterado para o subjuntivo para concordar com o verbo κάμψῃ do versiacuteculo

10 que estaacute no subjuntivo Se a forma original foi o subjuntivo a alteraccedilatildeo dos

copistas tinha como objetivo concordar com o termo ὀμεῖται (juraraacute) que aparece

em alguns manuscritos da LXX em Isaiacuteas 4523 Nesse caso a evidecircncia externa

(seguindo o texto Alexandrino) favorece a manutenccedilatildeo do texto com o subjuntivo

Por outro lado parece que a divisatildeo dos manuscritos aponta para o que a exegese

do texto vai confirmar isto eacute que na passagem o verbo em questatildeo tanto tem uma

aplicaccedilatildeo presente desafiando ouvintes e leitores a confessarem Jesus como

Senhor quanto uma dimensatildeo futura proclamando o que seraacute realidade

escatoloacutegica final quando todos os seres se submeteratildeo a Jesus

Versiacuteculo 11b ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

Ainda neste versiacuteculo os unciais A F e G o cursivo 1505 e alguns poucos

divergentes do texto majoritaacuterio os manuscritos da antiga versatildeo latina b e g um

manuscrito da Vulgata e um da versatildeo Saiacutedica e uma das citaccedilotildees de Fl 211 na

67 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120

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traduccedilatildeo latina de Oriacutegenes omite o termo Χριστὸς68 Assim o texto seria lido

ldquoque Jesus eacute Senhorrdquo No entanto eacute possiacutevel explicar a omissatildeo como uma

tentativa de harmonizaccedilatildeo com o versiacuteculo 10 A qualidade dos testemunhos

externos e a presenccedila comum da designaccedilatildeo Ἰησοῦς Χριστὸς em Paulo (soacute

considerando as foacutermulas de benccedilatildeo nas saudaccedilotildees e despedidas a expressatildeo

aparece em todo corpus paulino com exceccedilatildeo de Colossenses e Tito) favorecem a

manutenccedilatildeo do texto como estaacute Exegeticamente a omissatildeo da expressatildeo pode

testemunhar a desvalorizaccedilatildeo do termo Χριστὸς como tiacutetulo que explica a pessoa

e obra de Jesus Eacute por isso entatildeo que a exegese deve-se perguntar pela utilizaccedilatildeo

da expressatildeo no texto

25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11

9διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ

πᾶν ὄνομα 10 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων 11καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος

Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός69

9E por isso Deus o exaltou sobremaneira e o agraciou com o nome acima

de todo o nome 10a fim de que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus

no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 11e toda liacutengua confesse que Jesus

Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

26 Delimitaccedilatildeo

A delimitaccedilatildeo do objeto material seraacute realizada aqui em dois momentos

Primeiro a distinccedilatildeo dos versiacuteculos 6 a 11 do seu contexto literaacuterio e depois o

estabelecimento dos versiacuteculos 9 a 11 como uma seccedilatildeo especiacutefica do texto de 26-

11

68 Existe ainda a atestaccedilatildeo uacutenica feita pelo uncial K da leitura Χριστὸς κύριος 69 Texto grego conforme NESTLE-ALAND Novum Testamentum Graece 28ordf ediccedilatildeo

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A delimitaccedilatildeo de 26-11 pode ser evidenciada por diversos argumentos

Antes de tudo existe a diferenccedila em relaccedilatildeo ao contexto anterior De 127 a 24

Paulo estaacute trabalhando a parecircnese ou seja apresentando exortaccedilotildees agrave igreja

sobretudo no que tange agrave sua unidade Veja-se os imperativos πολιτεύεσθε

(127) πληρώσατέ (22) φρονεῖτε (25) aleacutem de orientaccedilotildees do tipo ldquonatildeo faccedilam

isso mas faccedilam aquilordquo (23-4) Justamente o versiacuteculo 25 faz a transiccedilatildeo

mantendo-se no entanto na parecircnese

Nos versiacuteculos de 6 a 11 natildeo se encontram mais exortaccedilotildees e sim a

descriccedilatildeo de eventos relacionados agrave pessoa de Jesus Passa-se da 2ordf pessoa para a

3ordf E no contexto posterior a partir de 212 Paulo retoma o estilo pareneacutetico

anterior Voltam os verbos no imperativo e na 2ordf pessoa como o importante

κατεργάζεσθε

Haacute ainda consideraccedilotildees linguiacutesticas e literaacuterias indicando que esta

passagem foi construiacuteda em estilo poeacutetico e natildeo de prosa distinguindo-se do seu

contexto na carta Eacute possiacutevel inclusive que ela tenha tido uma existecircncia anterior

independente da proacutepria carta Poreacutem como essa discussatildeo eacute complexa e ao

mesmo tempo muito importante para a compreensatildeo de Fl 26-11 o assunto seraacute

discutido em capiacutetulo agrave parte

Quanto agrave delimitaccedilatildeo dos versiacuteculos 9 a 11 em relaccedilatildeo ao texto de 26-11

a primeira consideraccedilatildeo eacute a mudanccedila de tema Do versiacuteculo 6 a 8 o texto descreve

o caminho do Filho de Deus da existecircncia na forma de Deus ateacute a morte na cruz

passando pelo seu esvaziamento sua humanidade e sua humilhaccedilatildeo Os

versiacuteculos 9 a 11 descrevem Deus o exaltando dando-lhe um nome especial

joelhos se dobrando diante dele e toda liacutengua confessando-o Ou seja a primeira

parte do texto gira em torno do eixo existecircncia na forma de Deus - esvaziamento -

encarnaccedilatildeo ndash cruz enquanto que a segunda parte segue a temaacutetica da exaltaccedilatildeo ndash

adoraccedilatildeo ndash confissatildeo ndash gloacuteria de Deus Outra consideraccedilatildeo importante eacute que na

primeira parte Jesus eacute o sujeito de todos os verbos satildeo trecircs verbos no indicativo e

cinco no particiacutepio nominativo todos referindo-se a Jesus A partir do versiacuteculo 9

Deus passa a ser o sujeito e Jesus o objeto Satildeo dois verbos no indicativo tendo

Deus como sujeito e Jesus como objeto E haacute dois verbos no subjuntivo que estatildeo

sintaticamente subordinados aos verbos que tem Deus como sujeito E tambeacutem ali

Jesus continua sendo o objeto

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Portanto Filipenses 26-11 forma uma unidade textual na qual eacute possiacutevel

distinguir duas seccedilotildees 26-8 e 29-11 Esta pesquisa pretende trabalhar apenas

sobre esta uacuteltima parte

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3 Status Quaestionis da Pesquisa a respeito de Fl 26-11

31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea

O grande impulso para a pesquisa acadecircmica de Fl 26-11 foi dado em 1928

quando Ernst Lohmeyer apresentou sua anaacutelise da passagem na obra que se tornaria

claacutessica para a exegese da periacutecope Kyrios Jesus Eine Untersuchung zu Phil 25-

1170 Segundo Martin o caraacuteter poeacutetico da passagem jaacute tinha sido reconhecido antes

por Johannes Weiss em um artigo de 1899 argumento que foi confirmado por A

Deissmann em 192571 Contudo para Martin o grande meacuterito de Lohmeyer foi

detalhar essas caracteriacutesticas poeacuteticas percebendo-a como uma composiccedilatildeo

lituacutergica especificamente um hino composto por seis estrofes cada qual com trecircs

linhas e apresentando uma soacutelida argumentaccedilatildeo em favor dessa estrutura72 A partir

de entatildeo afirmar que Fl 26-11 eacute um hino cristoloacutegico citado por Paulo no contexto

da carta aos Filipenses tornou-se lugar comum nos estudos do Novo Testamento73

A proliferaccedilatildeo de textos acadecircmicos sobre a passagem foi enorme discutindo-a por

diversos acircngulos a tal ponto de se afirmar que Fl 26-11 ldquoeacute uma das mais exaltadas

uma das mais amadas e uma das mais discutidas e debatidas passagens no corpus

Paulinordquo74 A quantidade de literatura especializada relacionada agrave passagem

evidencia que a mesma eacute a mais importante da carta aos Filipenses75 Abaixo seraacute

apresentado o desenvolvimento da interpretaccedilatildeo acadecircmica sobre o texto segundo

os principais toacutepicos de discussatildeo gecircnero literaacuterio estrutura autoria origem pano

de fundo e funccedilatildeo na carta

70 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 6 e 31 Dois anos depois Lohmeyer reproduziu os resultados do estudo na publicaccedilatildeo do seu comentaacuterio da carta aos Filipenses 71 MARTIN R P A Hymn of Christ p 24 72 Ibid p 28-29 Escrevendo em 1965 Martin afirma que ateacute entatildeo ningueacutem tinha conseguido reverter a avaliaccedilatildeo de Lohmeyer que o texto eacute um hino e os poucos questionamentos natildeo afetaram o consenso na comunidade exegeacutetica 73 Parece que o primeiro a designar a passagem como um ldquohino cristoloacutegicordquo foi H Lietzmann em uma publicaccedilatildeo de 1954 conforme FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians

26-11 p 471 nota 2 74 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 29 75 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 115 HELLERMANN J H Vindicating

Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p85 vai aleacutem e afirma que Fl 26-11 eacute o texto que mais atrai atenccedilatildeo erudita no corpus Paulino

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32 A pesquisa sobre o Gecircnero e Estrutura de Fl 26-11

A importacircncia do estudo de Lohmeyer faz dele o ponto de partida para esta

discussatildeo Conforme mencionado ele qualificou a passagem como um hino

composto de duas partes (vs 6-8 e 9-11) cada parte com trecircs estrofes e cada estrofe

com trecircs linhas sendo a expressatildeo ldquoθανάτου δὲ σταυρουrdquo omitida da parte trecircs por

ser considerada um acreacutescimo paulino ao hino original O resultado eacute a seguinte

estrutura

I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ II ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος III καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου IV διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα V ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων VI καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός76

Outra influente compreensatildeo sobre a forma da passagem foi apresentada por J

Jeremias Ele seguiu Lohmeyer entendendo o Fl 26-11 como um hino preacute paulino

mas enxergou sua estrutura de forma diversa como segue

I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών II ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου

76 MARTIN R P A Hymn of Christ p 29

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III διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς77

Em primeiro lugar ele concluiu que o hino estaacute organizado em pares de versos

refletindo o esquema hebraico do paralelismo de membros Satildeo 12 versos Para

chegar a essa estrutura ele propotildee excluir trecircs linhas do texto qualificando-as como

acreacutescimos de Paulo ao hino original As linhas satildeo θανάτου δὲ σταυροῦ (final do

versiacuteculo 8) ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων (final do versiacuteculo 9) e εἰς

δόξαν θεοῦ πατρός (final do versiacuteculo 11) Dessa forma estes 12 versos estariam

distribuiacutedos em trecircs estrofes em que cada uma descreve um estaacutegio cristoloacutegico a

preacute-preexistecircncia (26ab-7ab) o ministeacuterio terreno (27cd-8ab) e a exaltaccedilatildeo (29-

11)78

Da perspectiva da organizaccedilatildeo dos versos outras propostas foram feitas mas

todas satildeo na verdade variaccedilotildees das propostas originais de Lohmeyer e Jeremias79

Grandes contestaccedilotildees no entanto foram dirigidas agrave classificaccedilatildeo da passagem sob

o gecircnero ldquohinordquo Embora ateacute a deacutecada de 1980 houvesse um consenso sobre essa

classificaccedilatildeo80 faltavam criteacuterios para julgar as conclusotildees exegeacuteticas isto eacute

determinadas passagens do Novo Testamento eram classificadas como hinos e

passavam a servir como paracircmetro para o julgamento de outras passagens

Evidencia-se um argumento circular pois sobre qual consideraccedilatildeo as primeiras

passagens foram consideradas hinos Em outras palavras qual seria o texto padratildeo

no Novo Testamento ou na literatura cristatilde primitiva para em comparaccedilatildeo avaliar

por exemplo se Fl 26-11 tem ou natildeo caracteriacutesticas hiacutenicas

Em 1992 Gordon Fee publicou um artigo expondo essas dificuldades81

Segundo Fee esta passagem natildeo podia ser considerada hino porque divergia da

77 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 195-196 78 MARTIN R P A Hymn of Christ p32-35 FEWSTER G P op cit p 195-196 79 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 Observe-se por exemplo a proposta de MARTIN R P op cit p 36-37 Ele segue Jeremias na perspectiva do paralelismo de membros mas adota a divisatildeo de Lohmeyer em seis estrofes somente omitindo o θανάτου δὲ σταυροῦ do final do vs 8 80 No prefaacutecio agrave nova ediccedilatildeo do seu livro em 1982 R P Martin atualiza a pesquisa sobre Fl 26-11 entre 1965 (data da primeira ediccedilatildeo) e 1982 e afirma ldquoo caraacuteter poeacutetico ou hiacutenico dos versos permanece um consenso virtual no debate recente sem nenhuma seacuteria tentativa de revertecirc-lordquo MARTIN R P op cit p xvi 81 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Prose Exalted p 29-46

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hinoacutedia tanto grega quanto semiacutetica Natildeo obstante Paulo utilize aqui uma prosa

exaltada isto natildeo eacute sinocircnimo de hino O papel do pronome relativo ὃς aqui eacute

diferente dos textos de Cl 115 e 1Tm 316 classificados como hinos e a sequecircncia

das frases eacute tiacutepica da argumentaccedilatildeo em prosa paulina (argumento que ele considera

mais forte) Assim ele considera que o texto possui um caraacuteter poeacutetico indiscutiacutevel

e ao mesmo tempo um inegaacutevel estilo narrativo Por isso ele classifica a passagem

como prosa exaltada82 Alguns autores seguiram Fee na rejeiccedilatildeo ao consenso de

classificar Fl 26-11 como hino83 e outros apresentaram variaccedilotildees da classificaccedilatildeo

da passagem como ldquoprosa exaltadardquo Collins propocircs a designaccedilatildeo ldquoprosa hiacutenicardquo84

enquanto Basevi chamou-a de ldquoprosa riacutetmicardquo85

Em 1997 Martin reagiu agraves conclusotildees de Fee reafirmando o caraacuteter hiacutenico da

passagem86 E em 2015 Martin e Nash apresentaram um artigo com uma

contundente defesa do gecircnero Hymnos para Fl 26-11 O texto deles realiza duas

tarefas87 Primeiro eles discorrem sobre o caraacuteter do gecircnero hino nos manuais de

retoacuterica grega com a devida cautela cronoloacutegica ou seja preferindo os manuais

que satildeo contemporacircneos agrave carta aos Filipenses e aqueles que satildeo anteriores a ela

em mais de um seacuteculo Em um segundo momento os autores demonstram como a

passagem em questatildeo reflete as caracteriacutesticas literaacuterias do gecircnero helenista hino

ldquoo texto apresenta todas as carateriacutesticas que os teoacutericos julgavam essenciais para o

gecircnerordquo88 Segundo estes criteacuterios o texto de Fl 26-11 possui a seguinte estrutura

82 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 259-260 Antes mesmo de Fee BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento p311 tinha classificado Fl 26-11 natildeo como hino mas como um encocircmio um gecircnero da retoacuterica grega que objetiva a apresentaccedilatildeo elogiosa de uma pessoa Mais recentemente tambeacutem HELLERMAN J Philippians p 106 considerou Fl 26-11 como encocircmio 83 Entre outros BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 116-117 FOWL S Philippians p108-110 84 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 85 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 443 nota 16 86 MARTIN R P A Hymn of Christ p lvii-lviii Eacute a 3ordf ediccedilatildeo da obra de Martin na qual ele apresenta e discute os principais temas da exegese acadecircmica de Fl 26-11 entre 1982 (data da segunda ediccedilatildeo) e 1997 (data da terceira) 87 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 90-138 88 Ibid p 109 Tambeacutem em 2015 apareceu um outro artigo criticando a classificaccedilatildeo de Fl 26-11 (e de Cl 115-20) como hino EDSALL B STRAWBRIDGE J R The Songs we Used to Sing

Hymn lsquoTraditionsrsquo and Reception in Pauline Letters p 290-311 argumenta que Fl 26-11 natildeo atende criteacuterios gregos para consideraacute-lo como hino e nas mais de 570 citaccedilotildees da passagem entre os pais da Igreja antes de 325 dC nunca ela eacute qualificada como hino O uacuteltimo argumento eacute uma deduccedilatildeo a partir do silecircncio e para o primeiro as respostas estatildeo no artigo de Martin e Nash que Edsall e Strawbrigdge natildeo tiveram como levar em consideraccedilatildeo

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Origem (ampliada por Syncrisis) ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ

ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ

ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν

δούλου λαβών

Nascimento ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot

Corpo καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος

MenteVirtudes ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν

Proezas γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου

Maneira de morrer θανάτου δὲ σταυροῦ

Eventos poacutestumos διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν

Nomes e tiacutetulos (ampliado por

Syncrisis)

καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ

πᾶν ὄνομα

ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ

κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων

Um dos pontos a favor dessa estrutura eacute que ela explica o texto sem precisar

excluir qualquer linha uma das caracteriacutesticas das propostas apresentadas acima O

trabalho de Martin e Nash portanto reforccedila o consenso exegeacutetico que jaacute dura quase

um seacuteculo de classificar Fl 26-11 como hino

Quanto agrave estrutura da passagem enquanto os resultados da proposta de

Martin e Nash ainda seratildeo avaliados pela comunidade exegeacutetica a organizaccedilatildeo que

parece mais difundida (tanto entre autores que classificam a passagem como hino

quanto entre os que divergem dessa classificaccedilatildeo) eacute a que percebe o texto dividido

em duas partes os vs 6-8 e os vs 9-11 a saber89

ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου θανάτου δὲ σταυροῦ

89 Entre os que seguem esta estrutura estatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 261-262 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 HAWTHORNE G F Philippians p 101-103 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 BARTH G A carta aos Filipenses p 45 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno

Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 445-446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii A favor de uma divisatildeo em trecircs partes aleacutem de Jeremias mencionado acima CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 297-298

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διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

Os argumentos para essa divisatildeo satildeo muacuteltiplos Cada parte eacute composta por

uma sentenccedila que por sua vez possui dois verbos principais Nos vs 6-8 satildeo

ἡγήσατο e ἐκένωσεν e em 9-11 ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο90 Se por um lado a

expressatildeo θανάτου δὲ σταυροῦ eacute o ponto criacutetico da primeira parte91 a utilizaccedilatildeo da

preposiccedilatildeo διὸ no vs 9 marca uma virada na descriccedilatildeo dramaacutetica Ela eacute nesse caso

uma preposiccedilatildeo consecutiva mostrando que a sequecircncia eacute consequecircncia do que foi

dito antes92 Existem tambeacutem diferenccedilas que apontam para a separaccedilatildeo das partes

A primeira daacute preferecircncia a versos com menos de dez siacutelabas enquanto na segunda

predominam os versos com mais de dez siacutelabas93 Nos vs 6-8 encontram-se cinco

particiacutepios em 9-11 nenhum sequer94 Aleacutem eacute claro da mudanccedila de sujeito nos

vs6-8 o sujeito dos verbos principais eacute Jesus e em 9-11 as accedilotildees principais satildeo

realizadas por Deus Pai

33 A pesquisa sobre a autoria e origem de Fl 26-11

Segundo Lohmeyer Fl 26-11 eacute um hino preacute-paulino uma composiccedilatildeo poeacutetica

utilizada nos cultos editada e citada por Paulo na carta aos Filipenses Este juiacutezo

foi divulgado e aceito por parte da comunidade acadecircmica em especial com o apoio

dos trabalhos de A M Hunter e E Schweizer95 Em 1965 Martin avaliava que a

maioria dos comentaristas alematildees e franceses seguiam as conclusotildees de Lohmeyer

90 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 91 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 92 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii afirma que a expressatildeo διὸ καὶ funciona como a peripeteia no drama grego descrevendo o reverso do destino do heroacutei viacutetima 93 BASEVI C op cit p 448 94 Idem 95 MARTIN R P A Hymn of Christ p 55

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enquanto a situaccedilatildeo entre os especialistas britacircnicos e americanos era exatamente

contraacuteria96

Entre os principais argumentos contraacuterios agrave autoria paulina de Fl 26-11 em

primeiro lugar vem a forma do texto De acordo com Lohmeyer o texto apresenta

caracteriacutesticas de um hino semiacutetico mas com formulaccedilotildees proacuteprias do idioma

grego Disso ele conclui que o autor compocircs o hino em grego mas seu idioma

nativo era semiacutetico97 O texto seria entatildeo um salmo judeu-cristatildeo originado na

primitiva comunidade judaico-cristatilde de Jerusaleacutem98 Um segundo argumento contra

a autoria paulina eacute a linguagem De um lado existem termos utilizados no texto que

satildeo hapax legomena no corpus Paulino e alguns inclusive no Novo Testamento

inteiro Os termos ἁρπαγμός ὑπερυψόω e καταχθόνιος nunca satildeo usados no Novo

Testamento aleacutem deste texto sendo que o primeiro eacute raro ateacute mesmo no grego

secular Tambeacutem natildeo se encontra no Novo Testamento a descriccedilatildeo do universo em

trecircs estaacutegios como na expressatildeo ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων e a

palavra μορφή soacute ocorre em Mc 161299 Outro dado interessante eacute que algumas

palavras encontradas aqui satildeo utilizadas por Paulo de forma diferente em outros

contextos O verbo κενόω por exemplo eacute usado pelo apoacutestolo em Rm 414 1Co

117 415 e 2Co 93 mas sempre o sentido eacute negativo contrariamente agrave Fl 27 O

substantivo σχῆμα eacute usado em 1Co 731 com sentido distinto de Fl 27 e o termo

ὑπήκοος que nunca eacute usado no Novo Testamento (nem na LXX) no sentido de

obediecircncia a Deus100 Ainda no campo da linguagem mais ligado aos conceitos

existem duas outras consideraccedilotildees que pesam contra a autoria paulina Eacute que satildeo

encontradas no hino ideias estranhas agrave teologia de Paulo Satildeo elas a designaccedilatildeo de

Jesus como εἶναι ἴσα θεῷ e como δοῦλος o uso do verbo ὑπερυψόω para expressar

a exaltaccedilatildeo de Jesus e o fato desta ser retratada como um dom que Jesus recebe da

parte de Deus atraveacutes do verbo χαρίζομαι101 Em contrapartida faltam temas

caracteriacutesticos da cristologia paulina a saber a doutrina da redenccedilatildeo pela cruz a

ressurreiccedilatildeo de Cristo e o papel da igreja102

96 MARTIN R P A Hymn of Christ p 61 97 O curioso dessa observaccedilatildeo de Lohmeyer eacute a ironia dela favorecer agrave autoria paulina (que alhures ele nega) pois em Paulo encontramos um cristatildeo cuja liacutengua nativa era semita mas que escrevia em grego 98 MARTIN R P A Hymn of Christ p 46-47 99 Ibid p 48 100 Ibid p 44 101 Ibid p 48-49 102 Ibid p 49

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A estes argumentos somam-se outros dois comeccedilando pela a suposiccedilatildeo que Fl

26-11 refletiria a cristologia do Servo do Senhor inspirada nos cacircnticos de servo

de Isaiacuteas 53 Ao que parece essa cristologia natildeo eacute orginalmente paulina mas soacute eacute

utilizada pelo apoacutestolo quando ele faz referecircncia ao que recebeu dos seus

predecessores no Evangelho103 E esse ponto traz agrave tona um outro argumento contra

autoria paulina que eacute o fato amplamente reconhecido pelos estudiosos

neotestamentaacuterios que boa parte da teologia de Paulo eacute reflexo da comunidade preacute

paulina e assim Fl 26-11 seria parte dessa heranccedila primitiva herdada por Paulo104

Natildeo obstante nem todos se convenceram de uma autoria natildeo paulina para Fl

26-11 Ateacute 1965 o expoente em favor da autenticidade paulina foi L Cerfaux105

Os argumentos apresentados por ele e por uma seacuterie de outros autores apoacutes ele

podem ser resumidos da seguinte forma Primeiramente em relaccedilatildeo agrave forma a

questatildeo levantada eacute por que Paulo pode ser considerado autor de outros textos

qualificados como poeacuteticos como 1Co 13 e natildeo ser o autor desta composiccedilatildeo na

carta aos Filipenses106 Nesse sentido percebe-se um cruzamento entre a questatildeo

do gecircnero literaacuterio do texto com a da autoria Isto porque um dos argumentos usados

para negar a autoria paulina do texto foi sua forma literaacuteria como um hino Esse

quadro poreacutem estaacute se alterando sobretudo atraveacutes da exegese do texto pela oacutetica

da retoacuterica grega Assim tanto Basevi que qualifica o texto como prosa riacutetmica

quanto Martin e Nash que defendem o texto como hino propotildee a autoria paulina107

Outro argumento usado contra a autoria paulina estaacute relacionado aos hapax

legomena No entanto o argumento eacute considerado inconclusivo pois passagens

tidas como paulinas tambeacutem possuem certo nuacutemero de hapax Eacute o caso de 1Co 13

que conteacutem trecircs palavras que natildeo aparecem em nenhum lugar do Novo Testamento

e outras trecircs que soacute ocorrem fora da literatura paulina108 Soma-se a isso o dado de

103 MARTIN R P A Hymn of Christ p 51-52 104 MARTIN R P A Hymn of Christ p 52-54 105 Avaliaccedilatildeo de MARTIN R P op cit p 55-56 Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de

Paulo p 292-293 106 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 O argumento eacute recuperado por BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 escrevendo 30 anos depois de Cerfaux 107 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses p 450 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A

Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 137 nota 110 Estes uacuteltimos de forma menos contundente que o primeiro 108 BLACK D A op cit p 276

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que Filipenses eacute a carta paulina com maior grau de hapax109 Destarte aleacutem de

existir no texto um grupo de palavras que refletem fielmente o pensamento paulino

satildeo em passagens de natureza poeacutetica que se esperam a utilizaccedilatildeo de um

vocabulaacuterio proacuteprio e natildeo usual consequentemente com um grau maior de

hapax110

Tambeacutem em favor da autoria paulina estaacute a intriacutenseca relaccedilatildeo entre 26-11 e

outras partes da carta aos Filipenses Dois paralelos satildeo muito importantes nesse

quesito Primeiro a conexatildeo entre 26-11 e 320-21 que pode ser visualizada a

seguir111

26-11 320-21

μορφῇ μορφὴν σύμμορφον

ὑπάρχων ὑπάρχει

σχήματι μετασχηματίσει

ἐταπείνωσεν ταπεινώσεως

ἐπουρανίων ἐν οὐρανοῖς

κύριος Ἰησοῦς

Χριστὸς

κύριον Ἰησοῦν

Χριστόν

δόξαν τῆς δόξης

Em segundo lugar a relaccedilatildeo de 26-11 com o contexto anterior a saber

ἡγούμενοι ὑπερέχοντας (23) com οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο (26) κενοδοξίαν (23)

com ἑαυτὸν ἐκένωσεν (27) ταπεινοφροσύνῃ (23) com ταπεινώσεως ἑαυτὸν (28)

ἐχαρίσθη (29) com ἐχαρίσατο (29)112 e mesmo o versiacuteculo 5 que faz a ponte

entre a seccedilatildeo anterior e o hino conecta-se ao versiacuteculo 22 atraveacutes do verbo

φρονεῖτε113

109 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 180-184 a epiacutestola como um todo possui 17 hapax em relaccedilatildeo ao corpus paulino e 39 em relaccedilatildeo ao Novo Testamento como um todo 110 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 276-277 111 Ibid p 278 112 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 113 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 194

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Quanto agraves ideias que formam o pano de fundo do hino tanto uma cristologia

influenciada pelas ideias do servo de YHWH natildeo eacute incompatiacutevel com o pensamento

paulino114 quanto eacute possiacutevel identificar a influecircncia sobre Fl 26-11 da temaacutetica do

segundo Adatildeo como em Rm 5 e 1Co 15 textos cuja autoria paulina natildeo eacute

discutida115 Natildeo obstante satildeo encontradas no hino ideias que verdadeiramente

correspondem agrave teologia paulina como o tema da obediecircncia de Jesus a ecircnfase na

morte de cruz e a exaltaccedilatildeo de Jesus como κύριος116

Uma uacuteltima reflexatildeo a ser feita no que diz respeito agrave autoria de Fl 26-11 eacute

sobre o conceito de autenticidade Conforme a argumentaccedilatildeo de Fee um

documento eacute considerado autecircntico quando ele foi escrito pela pessoa a quem o

escrito eacute atribuiacutedo Se Filipenses eacute atribuiacuteda a Paulo e ele realmente escreveu esta

carta ela eacute autecircntica Se 2Pedro eacute atribuiacuteda a Pedro e ele natildeo escreveu a carta ela

natildeo eacute autecircntica Quando este documento sofre interpolaccedilatildeo de um autor posterior

diz-se que aquela parte interpolada natildeo eacute autecircntica isto eacute natildeo pertence ao escritor

a quem a obra como um todo eacute atribuiacuteda No caso de Fl 26-11 a argumentaccedilatildeo

contra a autoria paulina resulta em uma interpolaccedilatildeo do proacuteprio autor do

documento na verdade ditada ou escrita junto com o restante do documento

original e que em uacuteltima anaacutelise eacute considerada inautecircntica117 Nas palavras de Fee

Concentrando-nos poreacutem nesta passagem a autenticidade toma um novo significado que o proacuteprio Paulo interpolou em 26 uma parte de material tradicional (material preacute-paulino) do qual natildeo era o autor original quer seja de forma literal ou parafraseada por ele em maior ou menor grau e por tanto ainda que a escreveu ele natildeo foi o autor por isso esta parte natildeo eacute autecircntica e natildeo se pode utilizar para reconstruir a teologia paulina Contudo esta eacute uma teoria muito estranha pois segundo esta definiccedilatildeo a maioria do Evangelho de Mateus teria que ser vista como natildeo autecircntica afinal nenhum dos materiais que ele aproveitou de Marcos ou de Q foram escritos por ele118

O protesto de Fee e as consideraccedilotildees acima tecircm persuadido cada vez mais

os autores em favor da autoria paulina Escrevendo em 2010 Hellerman afirma que

o consenso em favor da autoria preacute-paulina pertenceu agrave geraccedilatildeo anterior de

114 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 280 No prefaacutecio agrave ediccedilatildeo de 1997 da sua obra Martin afirma estar mais inclinado a reconhecer a influecircncia do Servo de YHWH de Isaiacuteas sobre Fl 26-11 do que na ediccedilatildeo original da sua obra em 1965 Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p lx Os expoentes dessa linha de interpretaccedilatildeo satildeo J Jeremias e L Cerfaux Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 294-297 e MARTIN R P A Hymn of Christ p 182-183 115 MARTIN R P op cit p 58 116 Ibid p 59-60 117 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 85-86 118 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 86

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eruditos119 Que essa eacute a tendecircncia percebe-se pela lista de eruditos que ele

apresenta favoraacutevel agrave autoria paulina Dos 12 autores mencionados apenas 2 satildeo

anteriores a 1990120 Parece que se estaacute a caminho de um novo consenso Natildeo

obstante mesmo entre os que defendem a autoria paulina o pano de fundo da

cristologia desenvolvida em Fl 26-11 eacute passiacutevel de discussatildeo como seraacute exposto

no item a seguir

34 O pano de fundo de Fl 26-11

Na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 os inteacuterpretes buscaram qual seria o pano

de fundo fundamental para as ideias desenvolvidas no texto A suposiccedilatildeo eacute que a

determinaccedilatildeo desse pano de fundo estabeleceria a rota correta para a interpretaccedilatildeo

da passagem Nesse intuito foram apresentadas seis propostas principais

Kaumlsemann propocircs o pano de fundo do helenismo religioso121 como

evidenciado na literatura Hermeacutetica Segundo ele Fl 26-11 eacute construiacutedo sobre o

mito gnoacutestico do homem divino o redentor celestial mas eacute uma composiccedilatildeo cristatilde

genuiacutena pois faz a releitura do mito e na verdade supera o mito122 A hipoacutetese de

Kaumlsemann natildeo recebeu muitas adesotildees entre outros motivos porque a literatura

Hermeacutetica na qual ela se baseia eacute datada a partir do segundo seacuteculo d C e eacute

discutiacutevel se no periacuteodo preacute-cristatildeo um mito gnoacutestico do redentor estava

completamente desenvolvido Aleacutem disso importantes elementos do referido mito

estatildeo ausentes no texto de Filipenses como o destino preacute-temporal do redentor e

um expliacutecito conflito ativo entre o redentor e os poderes coacutesmicos123

De acordo com Martin entre as propostas que procuram o pano de fundo

fora do proacuteprio cristianismo a hipoacutetese de Kaumlsemann foi a uacutenica tentativa seacuteria de

estudar o hino sem levar em consideraccedilatildeo o Antigo Testamento Todas as outras

119 HELLERMANN J H Vindicating Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p 100 nota 38 120 Idem Aos 12 mencionados por ele pode se acrescentar outros dois BLACK D A The

Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 269-289 e BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 439-472 121 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 87-89 Em sua oacutetica o helenismo religioso diferencia-se tanto do helenismo claacutessico quanto do helenismo popular 122 Ibid p 119 123 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 193-194

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propostas vatildeo buscar no Antigo Testamento ou em algum desdobramento dos seus

temas no judaiacutesmo a explicaccedilatildeo do que estaacute por traacutes de Fl 26- 11 Esse foi o

caminho original proposto por Lohmeyer De acordo com ele o hino eacute proveniente

de um contexto judaico cristatildeo mais especificamente a primitiva comunidade de

Jerusaleacutem que utilizaria o cacircntico nas celebraccedilotildees da eucaristia124 Um passo agrave

frente foi a delimitaccedilatildeo desse pano de fundo no Antigo Testamento OrsquoBrien indica

que Cerfaux e Jeremias foram os primeiros a identificar o pano de fundo da

passagem nos cacircnticos do Servo do Senhor de Isaiacuteas O uacuteltimo autor inclusive

mostra que importantes termos de Fl 26-11 devem ser interpretados a partir da

descriccedilatildeo do Servo Sofredor em Is 53125 Alguns seguiram e aprofundaram essa

perspectiva supondo que o hino original foi composto em aramaico e apresentando

possiacuteveis versotildees do hino em aramaico126 No entanto tal empreitada envolve alto

grau de especulaccedilatildeo inclusive quando a prova da existecircncia de um original

aramaico eacute a proacutepria possibilidade de traduzir para o aramaico127

OrsquoBrien tambeacutem associa a E Schweizer a proposta de levar o pano de fundo

do Servo sofredor para a temaacutetica do justo sofredor do judaiacutesmo Fruto da

martiriologia do periacuteodo macabeu a tese eacute que o justo sofredor eacute humilde e leal a

Deus se preciso ateacute a morte O problema aqui eacute a associaccedilatildeo do justo sofredor com

uma figura preexistente Schweizer tentou resolver o problema especulando uma

associaccedilatildeo entre este tema e o do filho do homem mas posteriormente ele mesmo

abandou essa ideia128

A sabedoria judaica tambeacutem foi postulada como o contexto original para as

ideias de Fl 26-11 Baseada sobretudo no livro da Sabedoria a tese eacute que o servo

justo se torna o instrumento da sabedoria A sabedoria eacute preexistente com Deus e

entra no mundo para habitar o servo justo A primeira objeccedilatildeo levantada aqui eacute que

a sabedoria ocupa principalmente um papel de mediadora da criaccedilatildeo enquanto que

esse natildeo eacute um tema apresentado em Fl 26-11 Outra questatildeo que natildeo encontrou

124 MARTIN R P A Hymn of Christ p 27-28 125 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194 JEREMIAS J Estudos do Novo

Testamento p 176-178 126 As duas principais traduccedilotildees satildeo apresentadas por MARTIN R P op cit p 40-41 e FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians 26-11 p470-483 127 Avaliaccedilatildeo de FEWSTER G The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarship p 193 Segundo ele como o aramaico do 1ordm seacuteculo natildeo eacute bem atestado algumas palavras gregas satildeo traduzidas conforme o aramaico de um periacuteodo posterior Ele tambeacutem afirma que contra o empreendimento estaacute o fato das traduccedilotildees resultantes serem distintas 128 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194-195

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uma explicaccedilatildeo plausiacutevel foi quando e onde aconteceu essa conexatildeo entre a

sabedoria e o justo129

Atualmente o pano de fundo mais discutido (o que natildeo quer dizer mais

adotado) para o hino de Fl 26-11 eacute o que olha para Gn 126-27 e 31-5

estabelecendo o contraste entre o primeiro e o segundo Adatildeo De fato a reflexatildeo eacute

encontrada na teologia paulina (Rm 518-19 e 1Co 1545-47) Eacute possiacutevel identificar

trecircs variaccedilotildees nesse tratamento A primeira acredita que por traacutes de Fl 26-11 estaacute a

especulaccedilatildeo judaica associada a Fiacutelon que vecirc um homem celestial em Gn 1 e um

homem terreno em Gn 3 O autor do hino apresenta um redentor relacionando as

duas figuras a Jesus130 A segunda variaccedilatildeo foi desenvolvida por J D G Dunn Ele

afasta a ideia de um homem celestial e de qualquer ideia de preexistecircncia no hino

Segundo ele Jesus estaacute na mesma posiccedilatildeo de Adatildeo um homem que possui a gloacuteria

divina Soacute que enquanto Adatildeo a perdeu por sucumbir agrave tentaccedilatildeo Jesus por sua

obediecircncia proporciona a sua restauraccedilatildeo na humanidade131 A terceira variaccedilatildeo da

chamada cristologia adacircmica eacute a proposta por N T Wright Aqui se visualiza uma

estreita conexatildeo entre Adatildeo Israel e Cristo A intenccedilatildeo de Deus para humanidade

estava perfeitamente apresentada em Adatildeo A desobediecircncia deste desfigurou esse

relacionamento poreacutem natildeo o destruiu Como parte do plano de restauraccedilatildeo desse

relacionamento Deus constitui Israel para levar suas intenccedilotildees para a humanidade

O projeto de Deus para Israel se cumpre em Jesus o Messias Nessa exegese

Wright entende que Filipenses natildeo estabelece um riacutegido paralelo entre Adatildeo e

Cristo e assim ao contraacuterio de Dunn Wright defende a ideia da preexistecircncia de

Cristo132

129 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 195-196 Ele mostra que a conexatildeo de Fl 26-11 com a sabedoria judaica foi formulada por D Georgi 130 Esta primeira alternativa remonta a J Heacutering e a O Cullmann Cf OrsquoBRIEN P T The Epistle

to the Philippians p 196 131 DUNN J D G Christology in the Making p 114-121 Para uma avaliaccedilatildeo da posiccedilatildeo de Dunn quanto a esta passagem cf OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 Dunn cita com aprovaccedilatildeo a proposta veiculada por Murphy-OrsquoConnor A opiniatildeo deste estudioso quanto a este tema pode ser resumida no seguinte periacuteodo ldquoEle era o que Adatildeo deveria ter sido o modelo inspirador do que Deus pretendia que o ser humano fosse A pureza de Cristo dava-lhe o direito de ser tratado como se fosse um deus isto eacute gozar da incorruptibilidade em que Adatildeo foi criado Entretanto ele natildeo usou esse direito em proveito proacuteprio Pelo contraacuterio entregou-se agraves consequecircncias de um modo de existecircncia inaugurado pelo Adatildeo caiacutedordquo (grifos acrescentados) MURPHY-OrsquoCONNOR J Paulo ndash Biografia criacutetica p 234 132 WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 56-98 FOWL S E Philippians p 114-115

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Resta ainda a possibilidade de encontrar o pano de fundo do hino no proacuteprio

cristianismo primitivo Haacute duas variaccedilotildees aqui Hawthorne acredita que o hino seja

o resultado da profunda meditaccedilatildeo que Paulo ou algum outro cristatildeo fez do gesto

de Jesus lavar os peacutes dos disciacutepulos e dos significados deste ato133 Para Hurtado a

primeira parte do hino ou seja 26-8 reflete a linguagem da parecircnese do

cristianismo primitivo ou mesmo de tradiccedilotildees do Jesus terreno que circulavam no

periacuteodo paulino134

Eacute provaacutevel que nunca se alcance um consenso quanto a essa questatildeo ateacute

porque a complexidade e profundidade da passagem insinua conexotildees com vaacuterios

contextos e cada qual traz um pouco de luz agrave exegese de Fl 26-11 Talvez seja

importante refletir na pergunta formulada por OrsquoBrien ldquoNatildeo poderia ser [Fl 26-

11] uma simples composiccedilatildeo cristatilde na qual o autor tirou certos conceitos de

diferentes contextos ndash talvez os combinando ou encontrando-os jaacute combinados ndash

para explicar o evento Cristordquo135

35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica)

Questatildeo tambeacutem muito importante para a interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 eacute o seu

papel no fluxo da argumentaccedilatildeo paulina em Filipenses Geralmente a pergunta eacute

formulada a partir da compreensatildeo de gecircnero e autoria Por que Paulo inseriu este

hino cristoloacutegico nesta carta e exatamente nesse contexto literaacuterio Ou Por que

Paulo compocircs este hino e o citou como parte de sua carta aos Filipenses Ou ainda

Qual papel 26-11 desempenha no argumento que o apoacutestolo desenvolve na carta

aos Filipenses A despeito da formulaccedilatildeo ainda natildeo foi encontrada uma resposta

consensual entre os estudiosos

Logo de iniacutecio o que entra em consideraccedilatildeo eacute a relaccedilatildeo entre 26-11 e o

contexto anterior A seccedilatildeo inteira de 127-218 na qual Paulo trabalha a parecircnese

133 HAWTHORNE G F Philippians p 78 e 87 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 134 Um dos problemas da exegese de Hurtado eacute justamente privilegiar a primeira parte do hino em detrimento da segunda cf 135 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196

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estaacute dividia em subseccedilotildees 127-30 21-4136 26-11 e 212-18 Eacute paciacutefico que 21-

4 eacute um trecho no qual Paulo exorta a igreja agrave unidade mediante uma atitude de

humildade

Εἴ τις οὖν παράκλησις ἐν Χριστῷ εἴ τι παραμύθιον ἀγάπης εἴ τις κοινωνία πνεύματος εἴ τις σπλάγχνα καὶ οἰκτιρμοί πληρώσατέ μου τὴν χαρὰν ἵνα τὸ αὐτὸ φρονῆτε τὴν αὐτὴν ἀγάπην ἔχοντες σύμψυχοι τὸ ἓν φρονοῦντες μηδὲν κατ᾽ ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ ἀλλήλους ἡγούμενοι ὑπερέχοντας ἑαυτῶν μὴ τὰ ἑαυτῶν ἕκαστος σκοποῦντες ἀλλὰ [καὶ] τὰ ἑτέρων ἕκαστοι (Fl 21-4)

A passagem toda eacute controlada pelo imperativo πληρώσατέ do versiacuteculo 22

e possui algumas conexotildees vocabulares e conceituais com Fl 26-11 como entre

ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἐταπείνωσεν (vs8) e entre as formulaccedilotildees μηδὲν κατ᾽

ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἀλλὰ ἑαυτὸν

ἐκένωσεν (vs7) O grande impasse estaacute na traduccedilatildeo de 25 que vincula todo o

conjunto 21-4 e 26-11 Em grego o versiacuteculo estaacute assim Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν

ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ137 Na verdade satildeo duas oraccedilotildees

Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν

ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ

A traduccedilatildeo desse versiacuteculo requer a resoluccedilatildeo de vaacuterias questotildees Em 25a

a primeira questatildeo eacute o referente do pronome demonstrativo Τοῦτο que eacute melhor

entendido como referindo-se ao argumento precedente e natildeo ao que vem a

136 O versiacuteculo 5 eacute considerado um versiacuteculo ponte tanto ele conclui o trecho de 21-4 quanto introduz 26-11 137 Existem dois problemas de criacutetica textual nesse versiacuteculo Alguns manuscritos inserem a conjunccedilatildeo γὰρ apoacutes o pronome demonstrativo Τοῦτο e outros substituem a forma verbal φρονεῖτε por froneisqw No entanto a evidecircncia manuscrita eacute contra a inserccedilatildeo das duas variantes e o texto eacute inteligiacutevel como estaacute A inclusatildeo de γὰρ eacute rapidamente discutida e desconsiderada por OMANSON R As Variantes Textuais do Novo Testamento p 413-414 FOWL S E Philippians p 89 observa que com a colocaccedilatildeo da conjunccedilatildeo o verbo deveria ser lido como indicativo (a forma eacute a mesma para o imperativo e o indicativo) dando a entender que os Filipenses jaacute estavam tendo o tipo de fronhsij desejado por Paulo Isto poreacutem contraria a argumentaccedilatildeo de 21-4 Contra agrave inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 264 apresenta trecircs argumentos o texto assindeacutetico tem melhor apoio textual a variante atesta o desejo dos escribas de se desfazerem do assiacutendeto e natildeo haacute nenhuma razatildeo plausiacutevel para se omitir a conjunccedilatildeo se ela fosse original Quanto agrave substituiccedilatildeo da forma verbal HAWTHORNE G F Philippians p 104-105 argumenta em favor do paralelismo das duas oraccedilotildees e opta pela forma verbal froneisqw isto eacute da 2ordf pessoa do plural para 3ordf pessoa do singular No entanto FEE G D op cit p264 mostra que Hawthorne cai no mesmo erro dos escribas usar uma variante inferior para tornar Paulo um escritor mais ordenado e legiacutevel

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seguir138 Paulo estaacute referindo-se a tudo o que exortou agrave igreja em 21-4 Outra

questatildeo menor eacute reconhecer que o sintagma ἐν ὑμῖν diz respeito ao que deve ter

lugar na comunidade cristatilde com acento eclesiaacutestico sugerindo a traduccedilatildeo ldquoentre

voacutesrdquo ao inveacutes de ldquoem voacutesrdquo que privilegiaria o aspecto da conduta individual139

Tambeacutem eacute necessaacuterio lidar em 25a com a traduccedilatildeo do verbo φρονέω Este eacute um

verbo importante na literatura paulina particularmente na carta aos Filipenses140

Seu sentido baacutesico eacute ldquopensarrdquo141 mas em Paulo seu significado eacute mais do que

atividade racional envolve decisatildeo vontade eacute a orientaccedilatildeo da vida os alvos que o

ser humano escolhe e o determinam em sua totalidade142 Isso fica evidenciado no

uso do termo em Romanos 85 οἱ γὰρ κατὰ σάρκα ὄντες τὰ τῆς σαρκὸς φρονοῦσιν

οἱ δὲ κατὰ πνεῦμα τὰ τοῦ πνεύματος Uma vida κατὰ σάρκα tem um φρονέω

determinado pela σάρξ Uma vida κατὰ πνεῦμα tem o seu φρονέω condicionado

pelo πνεῦμα A fim de se escolher uma forma verbal que corresponda na traduccedilatildeo

agrave todas essas nuances do verbo grego propotildee-se o verbo ldquoviverrdquo143 ficando 25a

traduzido como ldquoIsto vivei entre voacutesrdquo

A segunda oraccedilatildeo eacute ainda mais difiacutecil pois falta um verbo em 25b As

propostas de resoluccedilatildeo resultam em duas principais opccedilotildees de traduccedilotildees Uma supre

a lacuna com o verbo ἦν A ideia subjacente a essa opccedilatildeo eacute que a recomendaccedilatildeo de

Paulo agrave igreja estaria presente na vida e ministeacuterio de Jesus conforme seraacute

apresentado em 26-11 Jesus seria o exemplo maacuteximo do φρονέω que o cristatildeo

deve ter Esta interpretaccedilatildeo tambeacutem compreende a expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ

138 Assim FOWL S E Philippians p 90 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 266 Outra forma de entender eacute ver todo o versiacuteculo 25 como foacutermula de citaccedilatildeo considerando-se 26-11 material preacute-paulino Assim KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 116-117 139 Reconhecido por FEE G D op cit p 266-267 Ironicamente este argumento vai trabalhar contra a interpretaccedilatildeo eacutetica adotada pelo autor conforme a discussatildeo abaixo 140 Segundo PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 o termo ocorre 26 vezes no Novo Testamento sendo 22 nas cartas paulinas incontestaacuteveis das quais 10 ocorrecircncias apenas na carta aos Filipenses Em segundo lugar estaacute Romanos com 9 141 BAGD p 886 142 PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 GOETZMANN J Mente In DITNT p 1270-175 Este uacuteltimo afirma ldquoO pensar e o empenho do homem natildeo podem ser encarados em isolamento da orientaccedilatildeo global da sua vida esta uacuteltima seraacute refletida nos alvos que ele estabelece para sirdquo 143 O esforccedilo para corresponder a tudo o que o verbo significa aparece na traduccedilatildeo de FOWL S E Philippians p 88 ldquoSeja esse o seu padratildeo de pensamento accedilatildeo e sentimentohelliprdquo Uma alternativa em uma uacutenica palavra seria ldquoatituderdquo como fazem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los

Filipenses p 264 e BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 121 A dificuldade eacute que isso requer a inserccedilatildeo de termos auxiliares (Fee ldquoVossa atitude deveria serrdquo Bockmuehl ldquoEsta eacute a atitude que vocecircs devem ter entre vocecircsrdquo grifos acrescentados) aleacutem do incocircmodo de se traduzir um verbo por um substantivo

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literalmente isto eacute Paulo estaacute se referindo a algo (o φρονέω) que esteve presente

no comportamento na atitude na vida da pessoa qualificada como Cristo Jesus

Outra opccedilatildeo eacute suprir a lacuna verbal de 25b a partir da forma verbal de 25a

Aqui existem variantes De um lado estaria a hipoacutetese de φρονέω em uma forma

passada Quando essa escolha verbal eacute combinada com a interpretaccedilatildeo literal da

expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ mencionada acima o resultado eacute uma traduccedilatildeo do tipo

o que tambeacutem pensou agiu viveu Jesus Cristo144 Do outro lado estaacute a hipoacutetese do

φρονέω em uma forma presente combinada com uma interpretaccedilatildeo natildeo literal da

expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ Na histoacuteria da pesquisa sobre esta expressatildeo postulou-

se primeiramente por A Deissmann que ela se refere a um sentido espacial no qual

o cristatildeo possui a experiecircncia de intimidade com o Cristo ldquoEstar em Cristordquo refere-

se a uma experiecircncia miacutestica145 Essa maneira de entender foi aplicada agrave exegese de

Fl 25 ocasionando a seguinte traduccedilatildeo de 25b ldquocomo vocecircs tecircm em comunhatildeo

com Jesus Cristordquo146 Outro entendimento foi apresentado por K Barth que

enxerga na expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ o espaccedilo da realidade em que estatildeo

inseridos Paulo e seus leitores espaccedilo onde opera a lei da graccedila Eacute o espaccedilo da

comunhatildeo do corpo de Cristo Eacute o espaccedilo da Igreja147 Em outra direccedilatildeo postulou-

se a hipoacutetese da determinaccedilatildeo histoacuterica ldquoEstar em Cristordquo eacute ser determinado pelo

acontecimento histoacuterico da cruz e ressurreiccedilatildeo de Jesus cujos efeitos continuam no

presente148

Com exceccedilatildeo da primeira perspectiva as outras duas sobrevivem na exegese

atual conquanto isso natildeo signifique que alguma noccedilatildeo de comunhatildeo com o Jesus

Cristo vivo esteja excluiacuteda pois apesar da expressatildeo possuir um sentido teacutecnico em

Paulo ela natildeo possui de forma alguma um sentido uacutenico149 O conjunto de

ocorrecircncias mostram que Paulo utiliza a expressatildeo (com suas respectivas variaccedilotildees

ἐν Χριστῷ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ e ἐν κύριος) com duas intenccedilotildees principais para

descrever a accedilatildeo salviacutefica de Deus atraveacutes de Cristo e o espaccedilo de influecircncia que o

144 Como a traduccedilatildeo de HAWTHORNE G F Philippians p 105 ldquoEsta forma de pensamento deve ser adotada por vocecircs que tambeacutem foi a forma de pensamento adotada por Jesusrdquo grifos acrescentados 145 GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 102 146 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p 70 essa interpretaccedilatildeo ldquomiacutesticardquo de 25b foi realizada por Michaelis e C H Dodd 147 BARTH K Epistle to the Philippians p 60 148 GNILKA J op cit p 103 149 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453

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cristatildeo vive em decorrecircncia da salvaccedilatildeo trazida por Jesus150 Haacute portanto uma

combinaccedilatildeo de perspectivas na expressatildeo ἐν Χριστῷ soterioloacutegica pois ela

concentra afirmaccedilotildees da realizaccedilatildeo dos planos de Deus em Jesus151 eclesioloacutegica

porque ela serve para descrever a comunhatildeo iniciada no batismo entre os crentes

uns com os outros e com Jesus exaltado (estar em Cristo eacute estar no Corpo de Cristo

que equivale a estar na Igreja)152 escatoloacutegica visto que o espaccedilo salviacutefico ἐν

Χριστῷ eacute resultado da intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria fazendo irromper o novo

eacuteon o tempo escatoloacutegico e permitindo agravequeles que participam desse espaccedilo

experimentar de antematildeo as primiacutecias da nova criaccedilatildeo153 e finalmente uma

perspectiva existencial dado que ἐν Χριστῷ natildeo designa um lugar mas estar sob

uma influecircncia uma orientaccedilatildeo de vida contraacuteria ao antigo e ainda presente eacuteon

caracterizada pela direccedilatildeo do Espiacuterito Santo154 A combinaccedilatildeo dessas perspectivas

pode ser resumida nas seguintes palavras

Em seu sentido baacutesico ἐν Χριστῷ deve ser entendido de modo local-existencial por meio do batismo os crentes entram no espaccedilo do Cristo pneumaacutetico e constitui-se a nova existecircncia na doaccedilatildeo do espiacuterito como sinal da salvaccedilatildeo que comeccedila de modo real no tempo presente e se realiza plenamente no futuro O ser humano eacute arrancado da sua autolocalizaccedilatildeo e encontra a si mesmo seu self na relaccedilatildeo com Cristo155

Quando se aplica todo esse entendimento da expressatildeo ἐν Χριστῷ agrave exegese

de 25 a relaccedilatildeo entre 25 e 26-11 ganha contornos bem especiacuteficos Foi E

Kaumlsemann quem primeiro notou a importacircncia desta expressatildeo para a compreensatildeo

da passagem e sobretudo foi ele quem primeiro tirou dela todas as consequecircncias

exegeacuteticas para o conjunto 25 e 26-11 Em um celebrado artigo publicado em 1950

ele estudou o texto de Fl 26-11 dialogando com os mais importantes autores que o

precederam nessa pesquisa E Lohmeyer M Dibelius K Barth W Michaelis K

150 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 456 151 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 ldquoa foacutermula teacutecnica lsquoEm Cristorsquo remete sem duacutevida de nenhuma classe ao acontecimento da salvaccedilatildeo tem um caraacuteter soterioloacutegicordquo 152 MARTIN R P Hymn of Christ p 71 Segundo ele essa percepccedilatildeo remonta a R Bultmann Da mesma forma GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 105 153 Notado por RIDDERBOS H Teologia do Apoacutestolo Paulo p 62 na comparaccedilatildeo com a expressatildeo ldquoem Adatildeordquo Da mesma forma GNILKA J op cit p 106 afirma que ldquoEm Cristo ndash No Senhor Eacute o espaccedilo da salvaccedilatildeo escatoloacutegica a fronteira entre o mundo antigo e o novordquo 154 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453 que nota que o ldquoestar em Cristordquo leva ao ldquoestar no Espiacuteritordquo 155 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 618

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Staab e A Erhardt156 A grande pergunta que o seu artigo quer responder eacute a respeito

do papel que o hino de 26-11 desempenha na parecircnese paulina em Filipenses

Nessa direccedilatildeo ele vai criticar o que ele chamou de interpretaccedilatildeo eacutetica Essa

interpretaccedilatildeo que retrocede ao trabalho primordial de Lohmeyer em 1928 e persiste

ateacute os dias de hoje entende que 26-11 eacute onde Paulo apresenta aos Filipenses o

exemplo maacuteximo de todas as virtudes que ele recomenda agrave igreja Esta

interpretaccedilatildeo eacute justificada pelas traduccedilotildees de 25b mencionadas acima que suprem

a lacuna verbal da oraccedilatildeo pela inclusatildeo de ἦν ou de alguma forma passada do verbo

φρονέω Os argumentos apresentados em favor da interpretaccedilatildeo eacutetica satildeo de fato

Paulo utiliza a vida de Jesus para tirar consequecircncias para o comportamento cristatildeo

Eacute o que ele faz em Rm 152-3 e 2Co 89 e o argumento encaixaria bem no contexto

pareneacutetico de 21-4157 Em contrapartida o apoacutestolo natildeo esperaria que seus leitores

tivessem uma imitaccedilatildeo ldquoisomoacuterficardquo de Cristo Nenhum ser humano pode realmente

imitar o que estaacute descrito em Fl 26-11 a natildeo ser de forma anaacuteloga sobretudo no

que tange agrave renuacutencia para servir os outros158 Tambeacutem eacute possiacutevel construir uma

analogia entre a exaltaccedilatildeo de Jesus descrita em 29-11 com a esperanccedila cristatilde de

ετασχηματίσει τὸ σῶμα τῆς ταπεινώσεως ἡμῶν σύμμορφον τῷ σώματι τῆς δόξης

αὐτου apresentada em 321159 Por fim mas natildeo menos importante esta

interpretaccedilatildeo parece ser preferida por alguns estudiosos por natildeo ter necessidade de

supor um estaacutegio preacute-paulino para Fl 26-11 um tempo no qual o texto faria parte

do culto cristatildeo primitivo onde se cantava a salvaccedilatildeo trazida Deus em Jesus160

Acredita-se que a chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo de 26-11 repousa apenas no

contexto literaacuterio da carta161

Natildeo obstante apesar de cada um destes argumentos serem verdadeiros

quando totalizados e colocados na balanccedila ao lado da posiccedilatildeo contraacuteria o peso eacute

156 Escrevendo em 1998 Martin afirma que os dois marcos na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 satildeo a obra de Lohmeyer de 1928 e o artigo de Kaumlsemann de 1950 MARTIN R P Carmen Christi Revisited p 1 157 Reconhecido entre outros por BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 158 FOWL S E Philippians p 106-107 159 Ibid p 107 160 Criacutetica de BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 161 A interpretaccedilatildeo eacutetica da passagem eacute mantida entre outros por Lohmeyer Cerfaux Hurtado Susan Eastman Bockmuehl Fee Hawthorne Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 292 BOCKMUEHL M op cit p 122-123 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 37-39 FEE G D Comentario

de la Epiacutestola a los Filipenses p 262-263 HAWTHORNE G Philippians p 104-105 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 198-200

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muito maior em favor da outra interpretaccedilatildeo chamada ldquointerpretaccedilatildeo kerygmaacuteticardquo

ou ldquointerpretaccedilatildeo soterioloacutegicardquo postulada inicialmente em 1950 por E Kaumlsemann

e que tem em Ralph Martin o seu maior defensor contemporacircneo Satildeo vaacuterios os

pilares dessa interpretaccedilatildeo Antes de tudo a ecircnfase da conexatildeo entre 25 e 26-11 eacute

colocada na expressatildeo ἐν Χριστῷ acentuando toda a forccedila teoloacutegica que a

expressatildeo tem no corpus paulino como exposto acima Desse modo o que Paulo

estaacute afirmando em 25 eacute que os cristatildeos devem praticar as virtudes e

comportamentos indicados em 21-4 como conveacutem agravequeles que fazem parte do

Corpo de Cristo e estatildeo debaixo do senhorio dele De fato a interpretaccedilatildeo

soterioloacutegica acentua mais do que a interpretaccedilatildeo eacutetica o valor exegeacutetico da

expressatildeo ἐν Χριστῷ E esta maneira de entender o texto natildeo deixa de fazer justiccedila

ao contexto pareneacutetico de 21-4 e mais ainda de 127-218 Pois na perspectiva de

Paulo ele estaacute exortando a igreja a comunidade de batizados portanto pessoas que

fazem parte do corpo de Cristo que experimentaram o dom escatoloacutegico do Espiacuterito

Santo que se submeteram a Jesus como κύριος rejeitando todos os outros O que

o apoacutestolo estaacute dizendo eacute que os cristatildeos de Filipos devem viver em conformidade

com este espaccedilo espiritual escatoloacutegico cristoloacutegico onde foram inseridos como eacute

adequado aos que fazem parte da Igreja A diferenccedila eacute que a parecircnese estaacute mais

para a obediecircncia a Jesus do que para imitaccedilatildeo a Jesus como se constata pelo

contexto imediato posterior o versiacuteculo 212 Ωστε ἀγαπητοί μου καθὼς πάντοτε

ὑπηκούσατε μὴ ὡς ἐν τῇ παρουσίᾳ μου μόνον ἀλλὰ νῦν πολλῷ μᾶλλον ἐν τῇ

ἀπουσίᾳ μου μετὰ φόβου καὶ τρόμου τὴν ἑαυτῶν σωτηρίαν κατεργάζεσθεmiddot Natildeo

obstante natildeo se estaacute negando absolutamente que Cristo seja um modelo para os

cristatildeos162 mas que o papel de Fl 26-11 na epiacutestola natildeo eacute apresentar um modelo

eacutetico e sim descrever o acontecimento escatoloacutegico da salvaccedilatildeo ou melhor dizendo

apresentar uma eacutetica fundamentada na soteriologia163

162 Nas palavras de Barth ldquoCom isto sua conduta [a de Jesus descrita em 26-11] eacute a razatildeo para depois ser tambeacutem a norma e o criteacuterio para o cristatildeordquo BARTH G A carta aos Filipenses p 44 Um pouco mais hesitante afirma BYRNE B A Carta aos Filipenses In NCBSJ p 449 ldquoEmbora um aspecto de imitaccedilatildeo eacutetica natildeo seja necessariamente excluiacutedo Paulo mais provavelmente cita o hino para exortar os Filipenses a viver a atitude altruiacutesta (phronein) que deveria brotar de dentro deles por estarem lsquoem Cristorsquordquo 163 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 472 tenta oferecer uma soluccedilatildeo intermediaacuteria atraveacutes das categorias ldquoimagem primordialrdquo e ldquoimagem modelarrdquo Ele afirma ldquoComo imagem

primordial Jesus Cristo possibilita a nova existecircncia dos cristatildeos como imagem modelar ele os marca por sua proacutepria condutardquo (grifos dele) Faltou poreacutem um detalhamento maior de como isso funciona na interpretaccedilatildeo do hino e na relaccedilatildeo dele com o contexto

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Outra criacutetica levantada por Kaumlsemann contra a interpretaccedilatildeo eacutetica eacute que ela

tende a valorizar mais a primeira parte do hino isto eacute os versiacuteculos 6-8 de modo

que os versiacuteculos 9-11 natildeo seriam mais que um excurso ldquonecessaacuterios para nadardquo164

Isso porque se o objetivo do hino eacute apenas apresentar o exemplo de Jesus somente

nos versiacuteculos 6-8 trata-se da atitude de Jesus165 pois em 9-11 haacute uma mudanccedila de

sujeito Soacute que a segunda parte da passagem natildeo eacute um apecircndice um suplemento agrave

primeira ela eacute parte integrante e necessaacuteria166 Na verdade o hino eacute um todo tendo

o seu cliacutemax em 9-11 por conta do seu caraacuteter escatoloacutegico e narrativo como se

veraacute a seguir167

Nesta perspectiva Fl 26-11 descreve um evento na verdade o evento

escatoloacutegico por excelecircncia que tem efeitos sobre todo o universo ldquoEacute o ato de

salvaccedilatildeo o que se celebra se apresenta aqui o acontecimento da salvaccedilatildeo em todas

as suas caracteriacutesticasrdquo168 O hino eacute marcado pela visatildeo escatoloacutegica do cristianismo

primitivo que em relaccedilatildeo agrave apocaliacuteptica judaica distingue-se pela afirmaccedilatildeo do

caraacuteter presente da salvaccedilatildeo A era da salvaccedilatildeo jaacute chegou Deus jaacute exaltou Jesus

Ele jaacute eacute o κύριος que deve ser reverenciado e confessado Em relaccedilatildeo ao helenismo

religioso o texto distingue-se pela afirmaccedilatildeo de que esse κύριος realmente se fez

homem e foi morto na cruz169 Por sinal esta eacute a relaccedilatildeo entre 9-11 e 6-8 porque a

exaltaccedilatildeo sem a encarnaccedilatildeo e a cruz resultaria em uma ldquoteologia da gloacuteriardquo sem

164 Observaccedilatildeo extrema de Kaumlsemann contra a intepretaccedilatildeo eacutetica sobretudo no formato que ela apareceu nos livros de E Lohmeyer e M Dibelius KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 80 165 KREITZER L ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 ldquoEacute difiacutecil incorporar a estrofe final do hino cristoloacutegico dentro de uma interpretaccedilatildeo da passagem que foca somente o exemplo eacutetico de Jesusrdquo 166 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 Segundo MARTIN R P Filipenses p 106 as interpretaccedilotildees que divergem de Kaumlsemann entendem os versiacuteculos 9-11 como digressatildeo dada a dificuldade de se aplicar ao tema da imitaccedilatildeo de Cristo 167 Isso natildeo significa que inexistam diferenccedilas entre as duas seccedilotildees do hino Entre outras aleacutem da mudanccedila de sujeito do Filho para o Pai enquanto a primeira parte descreve a ldquodescidardquo do Filho a segunda parte descreve a sua ldquosubidardquo Cf MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 86 O que se estaacute propondo poreacutem eacute que a relaccedilatildeo entre essas partes natildeo eacute linear e sim progressiva de forma que 29-11 eacute a continuidade e o cliacutemax de 26-8 168 KAumlSEMANN E op cit p 94 169 KAumlSEMANN E op cit p 118-119 Na paacutegina 111 referindo-se agrave exaltaccedilatildeo de Jesus em 29-11 ele afirma ldquoAinda que natildeo se pense aqui em um ato no final dos tempos o acontecimento descrito eacute sem duacutevida escatoloacutegico enquanto tal da mesma maneira que a encarnaccedilatildeo a cruz [tratadas em 6-8] e a ressurreiccedilatildeo que satildeo consideradas sempre no Novo Testamento como acontecimentos escatoloacutegicos Segundo a concepccedilatildeo neotestamentaacuteria o tempo do fim comeccedila precisamente no que se realiza com Cristo e em Cristordquo Segundo KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 a desconsideraccedilatildeo do contexto escatoloacutegico eacute a grande negligecircncia na intepretaccedilatildeo de Fl 26-11 especialmente responsaacutevel pela omissatildeo do papel dos versiacuteculos 29-11

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uma ldquoteologia da cruzrdquo O que foi exaltado eacute aquele se encarnou se humilhou e foi

obediente ateacute a morte170

Nesse sentido a questatildeo por traacutes do hino natildeo eacute responder agrave questatildeo

dogmaacutetica sobre o relacionamento entre o Pai e o Filho171 ou sobre as duas

naturezas nem oferecer um padratildeo comportamental O seu objetivo eacute narrar o

evento histoacuterico da salvaccedilatildeo em um colorido escatoloacutegico culminando no atual

senhorio de Cristo sobre todo o universo Em favor desta interpretaccedilatildeo estaacute a

observaccedilatildeo de Martin e Nash que considerando Fl 26-11 um hino segundo os

criteacuterios da retoacuterica helenista afirmam que nessa perspectiva o hino

necessariamente apresenta uma sequecircncia cronoloacutegica172 Com efeito isso quer

dizer que o texto natildeo eacute uma peccedila dogmaacutetica mas uma narrativa apresentando uma

sucessatildeo de fases um iniacutecio um meio e um cliacutemax um auge Esse auge estaacute

justamente no que acontece apoacutes a morte de Cruz que representa o status presente

daquele cuja histoacuteria eacute narrada Falando sobre Fl 26-11 Becker comenta

Para reconhecer isso eacute preciso ter claro que Cristo sempre eacute descrito mediante uma histoacuteria Ela eacute o evento soterioloacutegico para todos os crentes Ela faz de Cristo a figura escatoloacutegica central da salvaccedilatildeo O seu destino como um todo aconteceu lsquopor noacutesrsquo Exatamente isso natildeo sua humildade subjetiva eacute o que se descreve com as afirmaccedilotildees sobre o sentido fundamental e objetivo desse evento e desse salvador Natildeo eacute por meio da imitaccedilatildeo que os cristatildeos estabelecem uma relaccedilatildeo com o modelo Cristo Sua relaccedilatildeo como Cristo natildeo se baseia na accedilatildeo imitativa mas sim em uma realidade viver no novo estado de salvaccedilatildeo173

E esse ldquonovo estado de salvaccedilatildeordquo essa realidade presente eacute descrita na

seccedilatildeo de 9-11 que deve ser considerado o apogeu da narrativa hiniacuteca174 pois o

cliacutemax no senhorio de Jesus faz de forma efetiva a conexatildeo com o contexto

pareneacutetico da carta Porque os cristatildeos estatildeo ldquoem Cristordquo eles estatildeo debaixo do

senhorio de Jesus Porque Jesus eacute o Senhor eles devem obedececirc-lo (versiacuteculo

212)175 Porque eles satildeo participantes desse evento escatoloacutegico e soterioloacutegico

devem viver correspondendo a essa nova existecircncia Diga-se aliaacutes que essa

maneira de entender Fl 26-11 daacute agrave passagem a condiccedilatildeo de coraccedilatildeo teoloacutegico da

170 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119 171 KAumlSEMANN E op cit p 94 ldquoNatildeo eacute uma relaccedilatildeo o que se descreve aqui e sim um acontecimento um dramardquo No mesmo local ele informa que tal reconhecimento ele tirou de K Barth 172 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 135 173 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 450-451 174 MARTIN R P A Hymn of Christ p xv xviii utiliza o termo alematildeo mitte 175 Ibid p xvi

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epiacutestola sem a qual faltaria na carta uma seccedilatildeo de exposiccedilatildeo teoloacutegica em torno da

qual gravitariam as seccedilotildees de exortaccedilotildees repreensatildeo aos adversaacuterios gratidatildeo e

apresentaccedilatildeo da situaccedilatildeo e planos do apoacutestolo

Outro dado em favor de 9-11 como cliacutemax do hino eacute a presenccedila da foacutermula

ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo A expressatildeo eacute reconhecida como a ldquoconfissatildeo de feacute por

excelecircncia que estaacute na origem de todas as demais e a todas abarcardquo176 O texto tanto

mostra quem eacute esse Senhor a ser confessado (eacute o que se tornou homem se

humilhou morreu na cruz foi exaltado por Deus e recebeu dele o nome sobre

todos) quanto em uma suposta utilizaccedilatildeo lituacutergica como hino antes da inserccedilatildeo na

carta desafiava os ouvintes a reverenciar e confessaacute-lo como Senhor No contexto

literaacuterio em que estaacute reforccedila a ideia de que estar ldquoem Cristordquo eacute simultaneamente

estar debaixo do senhorio de Jesus

Por outro lado considerar Fl 29-11 o cliacutemax do hino natildeo significa desprezar

26-8 para a interpretaccedilatildeo da passagem como um todo Na verdade natildeo se entende

29-11 sem 26-8 porque ambas as seccedilotildees fazem parte de uma uacutenica trama

narrativa literariamente formatada como um hino em duas partes e teologicamente

descrevendo o evento histoacuterico-salviacutefico fundamental O que se estaacute afirmando eacute

que o auge dessa trama estaacute em 29-11 e que essa maneira de entender o conjunto

de Fl 26-11 e o seu papel no contexto da carta aos Filipenses eacute mais bem explicado

pela chamada interpretaccedilatildeo soterioloacutegica

Por tudo isso a interpretaccedilatildeo soterioloacutegica proposta por Kaumlsemann deve ser

preferida e adotada nesta dissertaccedilatildeo177 por apresentar uma argumentaccedilatildeo coerente

para o hino como um todo fazendo jus agraves suas duas partes explicar de maneira

adequada a relaccedilatildeo do hino com o versiacuteculo 25 sobretudo a forccedila da expressatildeo ἐν

Χριστῷ e natildeo desconsiderar o contexto pareneacutetico da epiacutestola mas tirar a questatildeo

eacutetica do vieacutes da imitaccedilatildeo (como proposto pela chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo) para

o contexto da participaccedilatildeo ἐν Χριστῷ e da submissatildeo ao senhorio de Jesus

E dada a importacircncia do versiacuteculo 25 para a compreensatildeo de 26-11 diante

do que foi exposto acima e somando-se ao paralelismo existente entre as

176 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 284 embora aqui a foacutermula esteja em uma versatildeo aumentada Natildeo apenas ldquoJesus eacute Senhorrdquo mas ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 177 Esta interpretaccedilatildeo eacute adotada entre outros por MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 MARTIN R P Filipenses p 104-107 BARTH G A carta aos Filipenses p 43-45 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 449-451 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 111-118 Uma posiccedilatildeo intermediaacuteria eacute defendida por FOWL S E Philippians p 1006-108

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expressotildees ἐν ὑμῖν e ἐν Χριστῷ e de que o normal no grego em frases eliacutepticas

como 25b eacute suprir o verbo a partir da primeira proposiccedilatildeo178 a seguinte traduccedilatildeo

poderia ser sugerida para o versiacuteculo 25 ldquoVivam isto entre vocecircs como conveacutem

viver em Cristo Jesusrdquo que parafraseado seria ldquoVivam tudo isto que mencionei

acima entre vocecircs como conveacutem a todos que fazem parte do corpo de Cristo e estatildeo

debaixo do senhorio delerdquo

178 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 267

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4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o seu novo nome

41 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

A seccedilatildeo que se inicia em 29 vincula-se agrave anterior pelo tema O assunto de

26-8 eacute o mesmo de 29-11 Jesus soacute que agora em uma nova perspectiva Antes

encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo Agora exaltaccedilatildeo e senhorio O sujeito tambeacutem muda

mas o epicentro temaacutetico continua o mesmo179 Isso eacute sugerido pela posiccedilatildeo

enfaacutetica do pronome αὐτὸν mostrando que ldquoelerdquo o que se humilhou eacute o mesmo

ldquoelerdquo que seraacute exaltado180 Cristo continua o centro da narrativa181 Quer dizer na

primeira parte Jesus eacute o sujeito das accedilotildees ele natildeo se apegou ao ser igual ao Deus

ele se esvaziou ele assumiu a forma humana e a forma de servo e foi obediente

ateacute a morte Na segunda parte Deus o exalta daacute ele o nome sobre todo nome

diante do nome dele todos os joelhos se dobraratildeo e toda liacutengua confessaraacute que ele

eacute o Senhor A passagem como um todo eacute cristocecircntrica sem contudo abrir matildeo

do monoteiacutesmo182

Pela perspectiva da histoacuteria das formas eacute possiacutevel que toda a seccedilatildeo de 29-

11 esteja emoldurada segundo os antigos cerimoniais de entronizaccedilatildeo orientais

(especialmente egiacutepcios) presentes em alguns textos do Novo Testamento Nestes

rituais a entronizaccedilatildeo do rei divino seguia trecircs partes exaltaccedilatildeo a apresentaccedilatildeo

diante dos deuses e a entronizaccedilatildeo Em Fl 29-11 esta estrutura foi adaptada da

seguinte forma exaltaccedilatildeo (διὸ καὶ ὁ θεὸς ὑπερύψωσε αὐτὸν) proclamaccedilatildeo do

179 MARTIN R P A Hymn of Christ p 230 180 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141 HELLERMAN J H Philippians p 119 tambeacutem observa que o objeto direto αὐτὸν eacute enfaacutetico aqui 181 HELLERMAN J H Philippians p 118 182 Existem no entanto diferenccedilas entre Fl 26-8 e 29-11 Aleacutem do sujeito dos verbos nota-se o contraste na utilizaccedilatildeo dos particiacutepios satildeo cinco na primeira parte e nenhum na segunda Haacute tambeacutem uma mudanccedila no pano de fundo lexical poreacutem as opiniotildees satildeo diversas Enquanto BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los Filipenses

(Phil 26-11) p 447 defende que a terminologia de 26-8 possui colorido semiacutetico e 29-11 um vocabulaacuterio caracteristicamente helenista SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 argumenta exatamente o contraacuterio

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novo nome (καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα) e homenagem ao

entronizado por gestos e confissatildeo (os versiacuteculos 10-11)183

Do ponto de vista da retoacuterica grega como notado no capiacutetulo anterior

Martin e Nash entendem que o segmento διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν faz

parte do toacutepico ldquoEventos Poacutestumosrdquo e todo o restante do versiacuteculo 9 junto com os

versos 10 e 11 estariam incluiacutedos no toacutepico ldquoNomes e Tiacutetulosrdquo Todavia a

expressatildeo τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα funcionaria como uma syncrisis isto eacute um toacutepico

adicional que ampliaria o entendimento de outro toacutepico atraveacutes de comparaccedilatildeo184

Sintaticamente Fl 29-11 constitui uma uacutenica sentenccedila que pode ser

dividida em duas oraccedilotildees διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ

τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα seria o periacuteodo principal porque traz os dois verbos

no indicativo (ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο) e compreende todo o verso 9 Estes dois

verbos estatildeo conectados por um καὶ que pode ser entendido como epexegeacutetico

fazendo a frase toda ser uma hendiacuteadis ou seja os dois verbos natildeo apontam para

acontecimentos independentes mas satildeo dois aspectos de um mesmo evento185 A

exaltaccedilatildeo e o novo nome satildeo simultacircneos Um resultado semelhante eacute alcanccedilado

atraveacutes de uma outra abordagem sintaacutetica isto eacute quando se desmembra o periacuteodo

principal em duas pequenas oraccedilotildees cada qual com um verbo em uma relaccedilatildeo de

paralelismo sinoniacutemico186

O segundo periacuteodo eacute composto por duas oraccedilotildees subordinadas agraves oraccedilotildees

principais do versiacuteculo 9 e coordenadas entre si Este periacuteodo abrange os versos

10 e 11 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς

δόξαν θεοῦ πατρός Ele eacute comandado pela conjunccedilatildeo de propoacutesito ἵνα e traz seus

dois verbos no subjuntivo (κάμψῃ e ἐξομολογήσηται)187 Pode-se dizer que

enquanto o versiacuteculo 9 descreve a exaltaccedilatildeo de Jesus os versos 10 e 11 trazem o

propoacutesito (ou consequecircncia conforme seraacute discutido mais agrave frente) desta

183 MARTIN R P A Hymn of Christ p 242-243 GOPPELT L Teologia do Novo

Testamento p 331 Este uacuteltimo afirma que o mesmo modelo eacute encontrado em 1Tm 36 Hb 13-13 e Ap 56-14 184 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the

Light of Ancient Rhetorical Theory p 112-113 185 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 289 Segundo ele na hendiacuteadis o segundo verbo desenvolve ou completa o significado do primeiro A mesma opiniatildeo tem HELLERMAN J H Philippians p 119 186 BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los

Filipenses (Phil 26-11) p 446 187 Entre outros esta perspectiva sintaacutetica eacute apresentada em SILVA Moiseacutes Philippians p 108

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exaltaccedilatildeo Portanto este capiacutetulo tem como objetivo investigar a descriccedilatildeo da

exaltaccedilatildeo no versiacuteculo 9 enquanto que os proacuteximos capiacutetulos se ocuparatildeo do

propoacutesito (ou consequecircncia) da exaltaccedilatildeo de Jesus apresentadas em Fl 210-11

O versiacuteculo 9 eacute iniciado pela expressatildeo διὸ καὶ O primeiro elemento διὸ eacute

uma conjunccedilatildeo inferencial Ela eacute em geral usada para coordenar o que segue com

o que vem antes e sua traduccedilatildeo comum eacute por isso por essa razatildeo O καὶ que vem

associado pode ser entendido como intensificando a conjunccedilatildeo188 indicando que a

inferecircncia eacute auto evidente189 ou que a conclusatildeo a seguir eacute de alguma forma

oacutebvia190 Essa interpretaccedilatildeo resultaria em uma traduccedilatildeo livre do tipo por isso

naturalmente obviamente Silva no entanto questiona esse raciociacutenio

mostrando que a utilizaccedilatildeo de διὸ e a combinaccedilatildeo διὸ καὶ no Novo Testamento

natildeo oferecem suporte para esta maneira de ver pois nem sempre a expressatildeo

combinada indica uma ldquoinferecircncia auto evidenterdquo e ao mesmo tempo a

conjunccedilatildeo sozinha agraves vezes pode de fato apontar nesta direccedilatildeo Ele prefere

sugerir que o papel do καὶ seja intensificar ou realccedilar a conjunccedilatildeo e que o uso

paulino pode estar influenciado pelo texto de Is 5312 na LXX (διὰ τοῦτο)191 Isto

encaminha uma traduccedilatildeo mais simples com apenas um ldquoe por issordquo192

42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus

O texto natildeo deixa duacutevida que o responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus eacute

Deus De fato a seccedilatildeo de 29-11 eacute marcada de forma profunda pelo monoteiacutesmo

Deus exalta Jesus compartilha com ele o seu proacuteprio nome e tudo isso resulta na

gloacuteria de Deus Eacute importante delimitar o que significa o substantivo θεὸς no

contexto da teologia paulina Enquanto judeu o conceito que Paulo tinha acerca

de Deus eacute profundamente marcado pelo Antigo Testamento como aliaacutes eacute o caso

188 FEE G Christology p 395 189 De acordo com BAGD p198 190 Conforme BALZ H SCHNEIDER G διό In DENT v I p 1018 HELLERMAN J H Philippians 118 percebe uma ironia aqui pois do ponto de vista da cultura romana predominante em Filipos a exaltaccedilatildeo de algueacutem qualificado na primeira parte como δοῦλος e que terminou sua vida crucificado seria tudo menos uma coisa oacutebvia 191 Isto foi primeiro afirmado por CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p295 e 304 Cerfaux acredita que por traacutes de Fl 26-11 existe uma grande influecircncia dos cacircnticos de servo em Isaiacuteas 192 SILVA Moiseacutes Philippians p 115

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de todos os autores neotestamentaacuterios embora com matizes diferentes Para o

apoacutestolo o θεὸς que enviou seu Filho ao mundo e agora o exaltou eacute o mesmo Deus

de Israel revelado nas Escrituras hebraicas Poreacutem o encontro com o Cristo

ressuscitado levou o apoacutestolo a inclui-lo na sua feacute monoteiacutesta A heranccedila judaica e

a convicccedilatildeo cristoloacutegica constituem assim o cerne do entendimento paulino de

Deus

Dessa forma o θεὸς para ele eacute o criador do mundo (Rm 12025) que atua

de maneira contiacutenua nele e se importa com ele a ponto de redimi-lo O impacto do

evangelho fez Paulo incluir nessa argumentaccedilatildeo o papel de Cristo na criaccedilatildeo

como mediador e finalidade (respectivamente em 1Co 85-6 e Cl 116)

Igualmente se no Antigo Testamento Israel poderia ser chamado de Filho de

Deus (Os 111) para Paulo Deus eacute o Pai de toda a criaccedilatildeo mas de maneira

particular ele eacute o Pai de Jesus e dos cristatildeos Esse Deus que eacute criador e Pai

tambeacutem reina soberano sobre todo o universo e um dia atuaraacute como juiz de todas

as pessoas (Rm 141012) E nestes temas verifica-se de novo a influecircncia

cristoloacutegica pois Paulo pode falar do reinado exercido por Jesus (1Co 1525 com

efeito a partir da sua exaltaccedilatildeo) e do juiacutezo que vem atraveacutes de Jesus na parusia

(Rm 216 2Co 510) E ainda a visatildeo paulina de Deus eacute caracterizada por uma

seacuterie de atributos compartilhados com a tradiccedilatildeo judaica a saber a gloacuteria (Rm

323 1Co 1031 Ef 117) a sabedoria (1Co 27 130 onde ele identifica Cristo

com a sabedoria de Deus) a santidade (percebida como exortaccedilatildeo em especial por

aqueles que agora satildeo filhos de Deus em Cristo como Rm 17 1Ts 47 1Co 619-

20) justiccedila (Rm 321-22 103 Gl 26) amor e graccedila (Rm 324 55 2Co 1313) e

fidelidade (1Co 19 1013) Para Paulo esse foi o Deus que exaltou Jesus193

Outro ponto importante eacute perguntar como a mudanccedila de sujeito no

contexto do hino seria notada pelos cidadatildeos filipenses Eacute muito provaacutevel que essa

virada na narrativa chamaria a atenccedilatildeo deles por conta da sua sensibilidade soacutecio-

poliacutetica O ponto eacute que no mundo romano da eacutepoca existia uma enorme

valorizaccedilatildeo da cultura da honra e do prestiacutegio puacuteblico ldquoStatus era uma

commoditie puacuteblica no mundo romanordquo194 Nesse sistema cultural quando se era

honrado por algueacutem a honra do homenageado aumentava proporcionalmente agrave

honra que o doador possuiacutea Em consequecircncia o ideal era ser honrado por um

193 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPL p 379-397 194 HELLERMAN J H Philippians p 119

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homem honrado receber prestiacutegio de quem ocupasse a mais alta posiccedilatildeo social195

Essa loacutegica eacute elevada agrave uacuteltima potecircncia em Fl 29 mostrando que Jesus foi

exaltado pelo ser mais honrado e exaltado do universo Deus A autoridade do

doador garante a eficaacutecia da honra recebida

43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω

O verbo ὑπερυψόω pode ser traduzido d forma literal como elevar algueacutem

ao lugar mais alto196O termo eacute um hapax no Novo Testamento e na literatura

cristatilde primitiva foi utilizada uma uacutenica vez na 1ordf carta de Clemente 145 Em

contrapartida o termo foi utilizado 50 vezes na LXX197BAGD indica que Fl 29

parece ecoar Sl 969 LXX ldquoPois tu eacutes Senhor o Altiacutessimo sobre a Terra

grandemente exaltado acima de todos os deusesrdquo198 Haacute dessa forma uma

perspectiva de comparaccedilatildeo a exaltaccedilatildeo de YHWH eacute considerada em relaccedilatildeo aos

deuses (τοὺς θεούς na LXX יםאה no texto hebraico) Interessante observar que

o texto hebraico utiliza a mesma preposiccedilatildeo nas duas partes do versiacuteculo (על)

enquanto a LXX utiliza ἐπὶ na primeira parte quando o termo de comparaccedilatildeo eacute a

Terra e ὑπὲρ na segunda parte quando o contraste eacute com os deuses Eacute esta uacuteltima

preposiccedilatildeo que Fl 29 vai usar Ademais essa relaccedilatildeo com o Salmo contribui para

a compreensatildeo comparativa do verbo ὑπερυψόω no conjunto de Fl 26-11 como

seraacute discutido abaixo

431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular

A ideia de exaltaccedilatildeo desempenhava papel importante nos mitos do Antigo

Oriente Por exemplo no mito babilocircnico Enucircma Elish Marduque foi exaltado na

assembleia dos deuses apoacutes derrotar Tiamate e Kingu o que lhe proporcionou a

195 HELLERMAN J H Philippians p 119 196 BAGD p 842 197 Segundo a contagem de MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v1 p 83-87 198 BAGD p 842 O versiacuteculo corresponde ao Sl 979 da Biacuteblia Hebraica Sl 979 O hebraico traz literalmente ldquoPois tu eacutes YHWH o Altiacutessimo sobre toda a Terra exaltado sobre todos os deusesrdquo

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soberania sobre o mundo Em consequecircncia ele instala na Terra Hamurabi como

seu representante exaltado entre os homens Entre os egiacutepcios existia o mito de

exaltaccedilatildeo do faraoacute Tutmose III realizado pelo deus sol Recirc Atraveacutes da exaltaccedilatildeo o

faraoacute foi coroado e instalado como filho de deus Tambeacutem existiam mitos

babilocircnicos que descreviam a tentativa de seres humanos buscarem a exaltaccedilatildeo

atraveacutes do esforccedilo proacuteprio Contudo o empreendimento terminava mal porque

natildeo contava com o favor dos deuses199

O Antigo Testamento utiliza alguns termos para expressar a ideia de

exaltaccedilatildeo No texto hebraico satildeo גדל גבה רום e א A LXX os traduz pelos נש

verbos ὑψόω e ὑπερυψόω O pensamento israelita eacute que somente Deus tem o

poder de exaltar (e ao mesmo tempo de humilhar) A auto-exaltaccedilatildeo humana eacute

sempre rejeitada Eacute algo que se opotildee a Deus e recebe a sua condenaccedilatildeo (Sl 757

Is 211 e 17) A exaltaccedilatildeo eacute vista de um modo mais positivo quando o homem estaacute

em uma situaccedilatildeo de opressatildeo e busca o socorro divino Ele eacute exaltado quando

Deus muda suas circunstacircncias exaltado a uma realidade melhor (Sl 37 34 8917

e 1129) Em relaccedilatildeo a Deus ele eacute exaltado nos cultos e demais cerimocircnias

religiosas atraveacutes da adoraccedilatildeo do seu povo (Sl 3433) E agrave medida que comeccedila a

surgir uma esperanccedila escatoloacutegica dentro do Antigo Testamento tambeacutem vai se

desenvolvendo uma expectativa de exaltaccedilatildeo do povo de Deus Eacute nesse contexto

que estatildeo inseridos os cacircnticos de servo em Isaiacuteas um dos possiacuteveis panos de

fundo para a narrativa da exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Entre outros L

Cerfaux acredita que todo o hino de Fl 26-11 estaacute sob a influecircncia desta tradiccedilatildeo

especiacutefica Dessa forma laacute eacute prometido que o servo receberaacute na exaltaccedilatildeo as

multidotildees (Is 5312) aqui seu triunfo estende-se ao cosmos Em Isaiacuteas (LXX) a

exaltaccedilatildeo eacute descrita com o verbo ὑψόω em Filipenses com o verbo ὑπερυψόω200

E aleacutem de Is 5213-5312 existe em Fl 29-11 a alusatildeo ao trecho de Is 4521-23

como seraacute avaliado adiante no trabalho

De fato o Novo Testamento interpreta o עבד do Decircutero-Isaiacuteas como uma

figura messiacircnica que tem o seu cumprimento em Jesus (At 826-40) Contudo no

contexto de Isaiacuteas tanto eacute possiacutevel que o termo faccedila referecircncia a um indiviacuteduo

199 Para todo este paraacutegrafo cf MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v 1 p 83-87 200 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 304-306 Para ele a mudanccedila de verbo diz respeito agrave intenccedilatildeo de Paulo de acentuar a exaltaccedilatildeo de Cristo sobre as potestades celestes

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quanto que ele esteja designando o povo de Israel como um todo201 E essas

alternativas natildeo satildeo necessariamente excludentes pois eacute provaacutevel que em algumas

passagens exista uma distinccedilatildeo entre o servo e Israel (Is 491-9 421-7 504-10)

e em outras (Is 5417 566 6317 658-9) uma identificaccedilatildeo entre ambos202 O

judaiacutesmo por sua vez interpretava o עבד como uma referecircncia ao povo de

Israel203 Tudo isso vai ser importante para a exegese proposta por N T Wright

para Fl 26-11 Na visatildeo dele por traacutes dessa passagem estaacute a expectativa da

exaltaccedilatildeo de Israel a uma posiccedilatildeo de proeminecircncia por conta da sua obediecircncia

algo que se cumpriu na exaltaccedilatildeo de Jesus Ele chama esse raciociacutenio de

ldquocristologia israelitardquo204 uma variaccedilatildeo da mais conhecida cristologia adacircmica O

fundamento para essa exegese seriam os ecos intertextuais entre Fl 26-11 e Gn

126-28 Sl 84-7 Dn 714 e acima de tudo Is 4523

Tambeacutem a literatura apocaliacuteptica judaica testemunha essa expectativa

escatoloacutegica sendo a exaltaccedilatildeo parte da esperanccedila humana Haacute tanto uma

perspectiva futura como algo que seraacute consumado no fim dos tempos quanto

espacial com a ideia de ser exaltado aos mais altos ceacuteus (particularmente na

tradiccedilatildeo de Enoque) Seja como for e a despeito de ser possiacutevel uma delimitaccedilatildeo

precisa das influecircncias veterotestamentaacuterias sobre Fl 29-11 eacute certo que esse texto

deve ser lido e interpretado a partir das expectativas israelitas de uma exaltaccedilatildeo

escatoloacutegica que o cristianismo primitivo entendeu estarem cumpridas na

exaltaccedilatildeo de Jesus

201 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 308 202 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 203 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 310 204 Para Wright a cristologia a partir de Adatildeo e a cristologia a partir do servo sofredor de Isaiacuteas natildeo satildeo contraditoacuterias Ambas satildeo cristologias baseadas em Israel Como uacuteltimo Adatildeo Jesus assumiu o papel que Israel deveria ter desempenhado segundo o Antigo Testamento Ainda segundo Wright Paulo natildeo chegou a essa conclusatildeo porque havia na feacute judaica preacute-cristatilde a expectativa da vinda de um Messias escatoloacutegico a partir de Isaiacuteas 53 Pelo contraacuterio foram os eventos da cruz que fizeram ele repensar o cliacutemax do plano salviacutefico de Deus WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 60-61

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432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento

O Novo Testamento articula o tema da exaltaccedilatildeo sobretudo atraveacutes do

verbo ὑψόω utilizado em vinte ocasiotildees Ele eacute aplicado a Jesus em Joatildeo 314

828 123234 At 233 531 Na mensagem de Jesus a exaltaccedilatildeo eacute vista dentro da

temaacutetica do discipulado e com uma dimensatildeo escatoloacutegica Ela eacute geralmente

trabalhada atraveacutes do binocircmio exaltaccedilatildeo-humilhaccedilatildeo A exaltaccedilatildeo passa pelo

caminho da humilhaccedilatildeo e obediecircncia diante de Deus Quem se exalta nesta vida

seraacute humilhando no julgamento final Quem se humilha (para servir a Deus e ao

proacuteximo) seraacute exaltado pelo proacuteprio Deus no juiacutezo final Tiago e 1Pedro vatildeo

exortar os cristatildeos a partir deste paradigma (Tg 410 1Pe 56) Diversos

testemunhos no Novo Testamento apontam para a esperanccedila da exaltaccedilatildeo dos

cristatildeos na parusia e a exaltaccedilatildeo de Jesus vai se tornar o fundamento desta

esperanccedila205

E para tratar da exaltaccedilatildeo de Jesus o Novo Testamento segue o padratildeo

veterotestamentaacuterio e natildeo a situa em termos de mito mas de histoacuteria O exaltado

eacute Jesus de Nazareacute o mesmo que foi levantado em uma cruz Destarte esse

conceito eacute trabalhado de forma diversificada nos escritos neotestamentaacuterios

Tradiccedilotildees primitivas presentes no livro de Atos em 233 e 531 designam a

entronizaccedilatildeo de Jesus como Senhor por meio do verbo ὑψόω206 Na literatura

paulina encontra-se em Fl 29-11 a exaltaccedilatildeo relacionada agrave ideia de senhorio mas

em Rm 14 ela diz respeito a Jesus ser designado Filho de Deus e 1Tm 316 a ele

ser recebido na gloacuteria207 No quarto evangelho o tema da exaltaccedilatildeo seraacute paralelo

ao da glorificaccedilatildeo atraveacutes do verbo δοξάζω (Jo 739 1216 175) Ali Jesus jaacute eacute

o exaltado na sua crucificaccedilatildeo que eacute o cumprimento da sua missatildeo Hebreus natildeo

utiliza o verbo ὑψόω e vai articular a teologia da exaltaccedilatildeo atraveacutes de outras

expressotildees coroado (19) ungido (113 1012 122) assentado agrave direita de Deus

(55) Em resumo como notado por Bruce todas as fontes do Novo Testamento

celebram a exaltaccedilatildeo de Jesus208

205 LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1910-1911 206 Ibid p 1911-1912 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112 a exaltaccedilatildeo de Jesus fazia parte do ldquolsquokerygmarsquo apostoacutelico conservado nos Atos dos Apoacutestolosrdquo 207 MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v I p 83-87 208 BRUCE F F Filipenses p 88

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Quanto agrave origem e disseminaccedilatildeo do conceito da exaltaccedilatildeo de Jesus no

Novo Testamento era corrente afirmar ateacute metade do seacuteculo passado que uma

cristologia da exaltaccedilatildeo isto eacute o reconhecimento de que o Jesus ressuscitado atua

no presente como κύριος podendo ser inclusive invocado e cultuado pela

comunidade foi um fenocircmeno surgido na comunidade cristatilde helenista Essa foi a

tese defendida originalmente por W Bousset na obra Kyrios Christos em 1913

De acordo com ele a comunidade cristatilde primitiva de Jerusaleacutem de fala aramaica

natildeo possuiacutea uma cristologia da exaltaccedilatildeo tese que foi aprovada e assumida por

Bultmann como observa Cullmann209

Posteriormente entretanto a tese recebeu muitas criacuteticas ficando

desprestigiada no final do seacuteculo 20210 Fundamental para esse processo de

superaccedilatildeo foi a identificaccedilatildeo de trechos e expressotildees nos livros do Novo

Testamento a maior parte em textos paulinos que remontam a um periacuteodo

anterior agrave produccedilatildeo destes livros Satildeo testemunhos do cristianismo mais primitivo

recolhidos e transmitidos pelos autores do Novo Testamento Entre estes textos

estatildeo alguns sermotildees no livro de Atos textos considerados hinos cristoloacutegicos

como 1Tm 316 e Fl 26-11 confissotildees de feacute como ldquoJesus eacute Senhorrdquo (Rm 1023

1Co 123) e acima de tudo a expressatildeo μαράναθά presente em 1Co 1622 Esta

expressatildeo que tambeacutem ocorre no cristianismo primitivo em Didaquecirc 106211 eacute a

transliteraccedilatildeo de uma frase aramaica que pode ser traduzida como uma suacuteplica

ldquoNosso Senhor vemrdquo212 Entende-se que ela estaacute por traacutes de Ap 2210b onde

estaria sendo citada de forma traduzida Enquanto suacuteplica seria uma peticcedilatildeo

dirigida ao proacuteprio Jesus Cristo exaltado213 seja para que ele realize sua parusia

seja para que ele se manifeste de uma forma especial agrave igreja que estaacute reunida em 209 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p280-281 mostra que na obra posterior ldquoJesus der Herrrdquo de 1916 Bousset abandou sua explicaccedilatildeo original mas acabou reassumindo-a na segunda ediccedilatildeo de Kyrios Christos em 1921 Curiosamente Cullmann informa que Bultmann adotou em sua Teologia do Novo Testamento a explicaccedilatildeo provisoacuteria dada por Bousset em 1916 210 Veja-se que aleacutem de Bultmann encontra-se uma adoccedilatildeo da tese de Bousset em KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-71 obra lanccedilada em 1966 e GOPPELT L Teologia do

Novo Testamento p 327-333 que remonta a meados da deacutecada de 1970 211 ldquoQue venha a graccedila e passe este mundo Hosana ao filho de Davi Se algueacutem for santo que venha Se algueacutem natildeo for santo faccedila penitecircncia Maranata Ameacutemrdquo Texto segundo FITZMYER J A To Advance The Gospel p 224 212 Existe discussatildeo sobre a correta divisatildeo da expressatildeo e consequentemente sua respectiva traduccedilatildeo A saber μαραν ἀθῆ - ldquoNosso Senhor estaacute vindordquo μαραν ἄθα ndash ldquoNosso Senhor veiordquo ou ldquoNosso Senhor estaacute aquirdquo μαράνα θά - ldquoNosso Senhor vemrdquo Cf FITZMYER J A To

Advance The Gospel p 226 A uacuteltima forma eacute a adotada no Novo Testamento grego de Nestleacute-Aland 213 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 29 GOPPELT L Teologia

do Novo Testamento p 278

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torno da eucaristia214 De qualquer jeito a expressatildeo μαράναθά e os demais

extratos do cristianismo primitivo no Novo Testamento atestam que desde o iniacutecio

da igreja jaacute na comunidade de fala aramaica em Jerusaleacutem os cristatildeos criam em

um Jesus exaltado Senhor dos cosmos mas tambeacutem Senhor da comunidade e de

suas vidas Senhor com quem eles podiam se relacionar de forma especial no

culto215 Logo apoacutes a ressurreiccedilatildeo quando os disciacutepulos ser reuniram como igreja

cristatilde creram que sobre eles Jesus estava como Senhor exaltado Eacute a ressurreiccedilatildeo

o acontecimento fundamental para o surgimento do conceito de exaltaccedilatildeo de

Jesus Nas palavras de Cullmann

Eacute a convicccedilatildeo dos disciacutepulos de que a ressurreiccedilatildeo de Cristo havia inaugurado o fim dos tempos O que jaacute havia sido realizado dava agrave sua esperanccedila esta firme confianccedila o fim dos tempos jaacute havia comeccedilado Cristo natildeo podia ser para eles meramente o Filho do Homem que havia de vir Ele devia tambeacutem ter uma significaccedilatildeo presente jaacute que este presente pertencia ao tempo da consumaccedilatildeo A esperanccedila ardente da manifestaccedilatildeo proacutexima do seacuteculo vindouro natildeo eacute pois a causa mas a consequecircncia da feacute na ressurreiccedilatildeo de Cristo 216

433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina

4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina

A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute um tema central na cristologia paulina Eacute ela que

revela ldquoa verdadeira identidade de Jesus daacute um significado definitivo a sua vida e

morte e fornece a base para a esperanccedila cristatilderdquo217 Isto pode remontar a sua

proacutepria experiecircncia com Jesus (e portanto das suas comunidades) que natildeo foi

uma experiecircncia com o Jesus terreno (como os 12 apoacutestolos) mas

fundamentalmente com o Cristo exaltado A sua experiecircncia de encontrar o Jesus

exaltado na estrada para Damasco tornou-se o epicentro da sua cristologia Isso

214 ldquoTemos visto a dupla significaccedilatildeo de Maranata lsquoVem a noacutes que estamos reunidos em teu nome e lsquoVem definitivamentersquo [] A ceia evoca com efeito retrospectivamente a uacuteltima refeiccedilatildeo de Jesus antes de sua morte e as da Paacutescoa onde o ressuscitado apareceu e por outro lado ela prefigura o banquete messiacircnico de Cristo e dos seus reunidos no Reino de Deusrdquo CULMMANN O Cristo e o Tempo p 199 215 Entre outros BROWN R Introduccion a la cristologia del Nuevo Testamento p 121-158 e SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 24-38 216 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 272 217 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522

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natildeo quer dizer que Paulo imaginasse o Cristo exaltado dissociado do Jesus

histoacuterico como pensaram Bultmann e outros Para Paulo o exaltado natildeo era

ningueacutem diferente daquele Jesus que foi crucificado em Jerusaleacutem e ressuscitou

trecircs dias depois Nessa perspectiva o hino de Fl 26-11 ocupa papel importante

pois como expressatildeo de uma cristologia paulina autecircntica (articulada de forma

original por ele ou aproveitada de tradiccedilatildeo lituacutergica jaacute existente) ele revela que

este que agora estaacute exaltado eacute Senhor e deve ser reverenciado e confessado natildeo eacute

outro senatildeo aquele que se encarnou completamente assumindo a forma humana e

humilhou-se como servo e morreu na cruz como aacutepice da sua obediecircncia ao Pai218

Essa cristologia da exaltaccedilatildeo articulada por Paulo segue e desenvolve

linhas que jaacute existiam no cristianismo anterior a ele como a leitura cristoloacutegica do

Sl 1101 a profissatildeo de feacute de Jesus como κύριος e os trechos de cunho lituacutergico

mais desenvolvidos como Rm 13-4 1Co 153-8 Cl 115-20 1Tm 316 A partir

dessa base cristoloacutegica tradicional somada a sua matriz de pensamento judaica e a

sua experiecircncia de encontro com Cristo o apoacutestolo desenvolve sua cristologia da

exaltaccedilatildeo a partir de quatro aspectos219 a ressurreiccedilatildeo a ascensatildeo a

entronizaccedilatildeo220 e a parusia221

Aqui em Fl 29 eacute provaacutevel que as primeiras trecircs accedilotildees estejam incluiacutedas no

verbo ὑπερύψωσεν222 Neste texto a exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute descrita em estaacutegios

Tudo estaacute indicado atraveacutes de um uacutenico verbo223 Como notado por Bockmuehl

ldquoPaulo enfatiza somente o fato natildeo o processo desta exaltaccedilatildeo que em outros

lugares envolve ressurreiccedilatildeo ascensatildeo e sentar-se agrave direita de Deusrdquo224

A ressurreiccedilatildeo atesta o iniacutecio da exaltaccedilatildeo sendo a reversatildeo imediata do

auge da sua humilhaccedilatildeo a morte de cruz A ressurreiccedilatildeo eacute mais do que um 218 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522-523 219 Conforme MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523-524 220 Nem todos os autores trabalham com a categoria da ldquoentronizaccedilatildeordquo de Cristo como algo distinto da ascensatildeo dado que o Novo Testamento natildeo menciona um acontecimento especiacutefico relacionado agrave entronizaccedilatildeo Geralmente a discussatildeo acerca da ldquoascensatildeordquo jaacute inclui a entronizaccedilatildeo 221 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112-113 apresenta a partir da obra de J MacArthur uma descriccedilatildeo da exaltaccedilatildeo que tambeacutem conteacutem quatro aspectos com a diferenccedila que o quarto aspecto natildeo eacute a parusia mas a atuaccedilatildeo de Jesus no governo celestial 222 Assim pensa entre muitos outros HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 485 Segundo ele a parte da parusia apareceraacute nos versiacuteculos 10 e 11 quando todos iratildeo confessar e se ajoelhar diante de Jesus O pensamento contraacuterio foi defendido por Lohmeyer em sua exposiccedilatildeo claacutessica da passagem Para ele o verbo diz respeito ao assentar-se de Cristo agrave direita de Deus Pai e natildeo agrave ressurreiccedilatildeo Isso indicaria a origem natildeo paulina do hino pois o apoacutestolo contrariamente iria se referir agrave ressurreiccedilatildeo e natildeo agrave exaltaccedilatildeo Isso aproxima de acordo com este autor o pensamento do hino da teologia joanina BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 14 223 OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 236 224 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141

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simples voltar agrave vida eacute uma nova existecircncia gloriosa natildeo mais sujeita agraves

fraquezas da vida humana e aos poderes malignos que ainda atuam neste universo

Quanto agrave ascensatildeo Paulo natildeo a menciona de maneira expliacutecita o que natildeo quer

dizer que ele natildeo conhecesse nada a respeito Em alguma medida Paulo

pressupotildee uma transiccedilatildeo entre o ministeacuterio terreno de Jesus (que vai ateacute a cruz e

se desenvolve na Terra) e o ministeacuterio exaltado (que comeccedila na ressurreiccedilatildeo mas

vai se desenvolver no ceacuteu) mas parece que ele natildeo descreve essa transiccedilatildeo como

ascensatildeo sendo mesmo possiacutevel que ele natildeo conhecesse essa tradiccedilatildeo225 Natildeo

obstante o Jesus ressurreto vai ser entronizado Paulo descreve esta realidade por

intermeacutedio da metaacutefora do ldquoestar sentado agrave direita de Deusrdquo e ter os inimigos

debaixo dos peacutes ambas tiradas do Sl 1101 (talvez em combinaccedilatildeo com o Sl 86)

Cinco vezes ele usa explicitamente esse versiacuteculo Rm 834 1Cor 1525 Ef

12022 Cl 31226 E eacute bastante possiacutevel que por traacutes de Fl 29-11 tambeacutem esteja

presente uma reflexatildeo cristoloacutegica que parte do Sl 1101 A ideia eacute que Cristo estaacute

exercendo a sua soberania sobre todo o universo acima de todo poder e

autoridade E quando ocorrer a parusia a gloacuteria do Senhor exaltado seraacute revelada

(1Cor 17) seus inimigos seratildeo derrotados em definitivo (1Cor 1524-26) e todo o

universo o aclamaraacute como Senhor

Quanto agrave exaltaccedilatildeo como entronizaccedilatildeo a perspectiva paulina envolve a

temaacutetica da vitoacuteria de Jesus sobre poderes espirituais que por sua vez remonta agrave

perspectiva veterotestamentaacuteria de YHWH como guerreiro divino Conforme

Reid encontra-se no Antigo Testamento a visatildeo de YHWH como um guerreiro

que luta primeiro em favor e junto com seu povo Israel mas posteriormente

contra ele por conta da sua desobediecircncia227 O paradigma para essa perspectiva

foi a luta de YHWH contra as forccedilas do Egito em favor da libertaccedilatildeo do seu povo

A infidelidade de Israel agrave alianccedila fez com que YHWH se tornasse guerreiro contra

Israel revogando o ecircxodo e levando seu povo ao exiacutelio Isto eacute descrito por Isaiacuteas

como a ldquoobra insoacutelitardquo de YHWH (Is 2821) A uacuteltima fase dessa perspectiva no

Antigo Testamento eacute a esperanccedila escatoloacutegica de quando YHWH agiraacute como

guerreiro divino contra os inimigos de Israel Seraacute o dia da restauraccedilatildeo atraveacutes do

225 Diferente do que defende MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523 Lohfink citado por Maile argumenta que Paulo natildeo conhecia a estrutura lucana de ressurreiccedilatildeo quarenta dias e ascensatildeo 226 Caso se desconsidere Efeacutesios e Colossenses como cartas autecircnticas entatildeo temos duas ocorrecircncias expliacutecitas 227 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209

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triunfo contra todos aqueles que se levantaram contra o povo da alianccedila Eacute a partir

deste pano de fundo veterotestametaacuterio que Paulo vai compreender a exaltaccedilatildeo de

Jesus Cristo que teraacute assim uma orientaccedilatildeo tanto monoteiacutesta quanto escatoloacutegica

isto eacute a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute vista como a realizaccedilatildeo do triunfo de YHWH sobre

os inimigos cumprindo a esperanccedila judaica da intervenccedilatildeo divina no fim dos

tempos Eacute por isso que em Fl 29 o sujeito eacute explicitamente mencionado ao

contraacuterio da primeira parte 26-8 enfatizando que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o

cumprimento do plano escatoloacutegico de Deus

4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico

O que foi dito acima jaacute aponta para a importacircncia da escatologia para a

compreensatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus na teologia paulina A escatologia eacute uma das

estruturas fundamentais da teologia paulina228 Ela natildeo eacute apenas um ponto de

partida para a sua reflexatildeo teoloacutegica mas todas as linhas da sua argumentaccedilatildeo satildeo

influenciadas por essa base A escatologia paulina funciona de forma

bidimensional uma dimensatildeo temporal (presente e futuro) e uma dimensatildeo

espacial (terreno e celeste)229 Com efeito eacute a primeira dimensatildeo que predomina

Como muitos autores judeus do primeiro seacuteculo Paulo entendia que o

aparecimento do Messias significava a chegada do futuro tempo de salvaccedilatildeo De

forma mais especiacutefica ele entende que a ldquoressurreiccedilatildeo de Jesus eacute primordialmente

um acontecimento escatoloacutegicordquo230 que fez o futuro escatoloacutegico invadir o

presente Em consequecircncia a partir da ressurreiccedilatildeo o reino de Deus eacute posto em

accedilatildeo na histoacuteria humana os inimigos de YHWH satildeo derrotados e o cosmos eacute

colocado debaixo do senhorio de Jesus E nisso Paulo natildeo estaacute sozinho no

228 Eacute melhor utilizar o plural ldquoestruturasrdquo como H Ridderboss do que entrar na discussatildeo que natildeo alcanccedila nenhum consenso sobre qual seria a ldquoestruturardquo fundamental para o pensamento paulino Segundo Ridderboss essas estruturas seriam a revelaccedilatildeo do misteacuterio na plenitude do tempo a relaccedilatildeo entre escatologia e cristologia Cristo como o primogecircnito dos mortos e uacuteltimo Adatildeo ldquoestar em Cristordquo (o velho e o novo homem) a carne e o Espiacuterito Cristo como imagem de Deus Cristo como primogecircnito da criaccedilatildeo Cristo como exaltado RIDDERBOS H A teologia do

apoacutestolo Paulo p 47-99 229 KREITZER L Escatologia In DPC p 478-479 230 KREITZER L Escatologia In DPC p 464

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cristianismo primitivo Ele compartilha a determinaccedilatildeo escatoloacutegica de todo o

kerygma cristatildeo231

Quando se entende a ressurreiccedilatildeo de Jesus como parte da sua exaltaccedilatildeo e

se reconhece que em Fl 29 o verbo ὑπερύψωσεν pressupotildee a ressurreiccedilatildeo fica

muito claro todo o contexto escatoloacutegico que envolve a exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl

29-11232 Ainda mais quando se leva em consideraccedilatildeo a utilizaccedilatildeo do texto de

Isaiacuteas 4523 no versiacuteculo 10 visto ser esse um texto de forte acento escatoloacutegico

quando YHWH anuncia a realidade de um futuro tempo de salvaccedilatildeo O hino de Fl

26-11 estaacute afirmando que esse tempo chegou no momento em que Deus

ὑπερύψωσεν Jesus A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o cumprimento escatoloacutegico de Is 45

pois atraveacutes da confissatildeo de Jesus como κύριος eacute que vem o reconhecimento

escatoloacutegico universal de YHWH como criador233 Existe um fortiacutessimo

monoteiacutesmo escatoloacutegico expresso nas profecias do Decircutero-Isaiacuteas que anuncia

entre outras coisas um futuro ato de salvaccedilatildeo que resultaraacute em um

reconhecimento universal de YHWH como soberano234 Fl 29-11 estaacute mostrando

que esse ato de salvaccedilatildeo jaacute aconteceu (a encarnaccedilatildeo a morte e ressurreiccedilatildeo de

Jesus) e resultou em Deus exaltando Jesus para que ele seja reconhecido como

soberano universal O reconhecimento de Jesus como soberano eacute a aceitaccedilatildeo da

soberania de YHWH Portanto Fl 29-11 eacute ldquouma versatildeo cristoloacutegica da

escatologia monoteiacutesta do Deutero Isaiacuteasrdquo235 Esse raciociacutenio revela como o hino

constroacutei a sua cristologia sem recuar um palmo sequer do seu monoteiacutesmo

Atraveacutes da exaltaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel detectar em Fl 29-11 uma

dimensatildeo escatoloacutegica espacial Primeiro porque o senhorio de Jesus abrange

todas as partes do cosmos como se percebe na triacuteplice expressatildeo ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων Segundo porque do ponto de vista dos leitores da carta

231 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101 232 Entre outros GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 354 e MARTIN R P A

Hymn of Christ p 239 afirmam que o verbo ὑπερύψωσεν abrange tanto a ressurreiccedilatildeo quanto a ascensatildeo Para Martin um paralelo seria o texto de 1Pe 318-20 onde a expressatildeo ζῳοποιηθεὶς δὲ πνεύματι expressaria toda a realidade do ministeacuterio poacutes-ressurreiccedilatildeo de Jesus Em outra direccedilatildeo LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1912 afirma que no Novo Testamento a exaltaccedilatildeo natildeo foi identificada com a ressurreiccedilatildeo ainda que isso houvesse acontecido em tempos primitivos 233 GOPPELT L Teologia do Novo Testamento p 331-332 234 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 132-133 235 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 133 Segundo ele Isaiacuteas 40-66 foi fundamento escrituriacutestico para os primitivos cristatildeos compreenderem o significado dos eventos relacionados a Jesus e ao seu futuro Eacute uma influecircncia que perpassa todos os escritos do Novo Testamento Contudo ele chama atenccedilatildeo para o fato que eles natildeo liam as assim chamadas passagens-servo isoladas dos temas da salvaccedilatildeo escatoloacutegica e do monoteiacutesmo escatoloacutegico que dominam aqueles capiacutetulos

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(e talvez um dia daqueles que ouviram e cantaram o hino) os versiacuteculos 10-11

desafia os que estatildeo na Terra a reverenciar e confessar aquele que estaacute sentado

agora nos ceacuteus agrave direita do Pai (embora esta expressatildeo natildeo esteja presente aqui

faz parte da perspectiva paulina da exaltaccedilatildeo) E isso encaminha um terceiro

aspecto pois a comunidade de feacute eacute o espaccedilo no qual o Cristo exaltado reina

atraveacutes do Espiacuterito Santo236 A Igreja funciona como epicentro do reinado

coacutesmico de Jesus

Assim tanto em um acircngulo temporal quanto em uma dimensatildeo espacial

natildeo se pode subestimar a importacircncia da escatologia para a compreensatildeo do

conjunto de Fl 26-11 sobretudo na parte que trata da exaltaccedilatildeo A ausecircncia desta

perspectiva no tratamento exegeacutetico da passagem foi denunciada por Kaumlsemann

ao constatar que ldquotalvez seja a caracteriacutestica mais singular e mais surpreendente

da histoacuteria recente da exegese do nosso texto o fato de que a palavra chave

lsquoescatoloacutegicorsquo desapareccedila por traacutes dessas outras palavras chaves lsquoeacuteticorsquo e

lsquomiacuteticorsquordquo237 Se na exegese atual ldquomitordquo como palavra chave para entender o texto

natildeo goza da mesma popularidade que no passado o mesmo natildeo se pode dizer a

respeito da palavra chave ldquoeacuteticordquo

Destarte no pensamento paulino essa linha escatoloacutegica que se desenvolve

a partir do Antigo Testamento vai culminar em Cristo atraveacutes de quem Deus

triunfa sobre os seus inimigos Paulo vai descrever esse triunfo de Deus em Cristo

atraveacutes dos eventos da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus (o ponto de partida) e da

parusia (o ponto de culminacircncia) Nesse intervalo de tempo Cristo estaacute no ceacuteu

exercendo seu domiacutenio sobre seus adversaacuterios e guiando seu povo aqui na Terra

que continua lutando contra as forccedilas hostis ainda que gozando os benefiacutecios e as

vantagens da vitoacuteria de Cristo na cruz e na expectativa da consumaccedilatildeo na

parusia238 A exaltaccedilatildeo de Cristo efetua uma espeacutecie de troca de soberania no

universo um universo que ateacute entatildeo estava em confronto com poderes que

tentavam escravizaacute-lo239

236 VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 253 237 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101-102 Esta observaccedilatildeo eacute de certa forma irocircnica pois o proacuteprio Kaumlsemann entende que por traacutes do hino estaacute o mito do redentor coacutesmico e que esse pano de fundo mitoloacutegico eacute fundamental para o entendimento do hino e rejeitar o modelo de interpretaccedilatildeo eacutetico 238 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209 239 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119

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Esses poderes e autoridades que agora estatildeo subordinados ao Cristo

exaltado satildeo conforme Reid equivalentes agraves naccedilotildees inimigas de Israel240 Na

verdade o judaiacutesmo interpretava esses poderes espirituais ou democircnios como as

forccedilas atuantes por detraacutes das naccedilotildees inimigas e seus deuses Enquanto inimigos

de Israel esses poderes satildeo inimigos de YHWH e em consequecircncia tornam-se

inimigos de Cristo A crucificaccedilatildeo pode ser vista como o contiacutenuo ataque desses

poderes contra Israel a tentativa de destruir aquele que representava o povo da

alianccedila O aparente ecircxito deles na morte de Jesus significou no entanto sua

proacutepria derrota O seu ataque ao segundo Adatildeo obediente foi sua proacutepria derrota

ldquoCristo os levou apoacutes si no cortejo triunfal da cruz revelou a derrota deles e os

expocircs publicamenterdquo241

Assim na narrativa paulina a exaltaccedilatildeo natildeo eacute uma simples vindicaccedilatildeo do

justo sofredor o reconhecimento e aceitaccedilatildeo de Deus Pai da obediecircncia do seu

Filho e muito menos a recompensa por um sacrifiacutecio voluntaacuterio A cruz e a

exaltaccedilatildeo estatildeo no centro de um drama soterioloacutegico pois de acordo com o

substrato judaico com o qual Paulo trabalha natildeo existe salvaccedilatildeo sem o triunfo

escatoloacutegico de YHWH sobre os inimigos de Israel A cruz e a exaltaccedilatildeo natildeo satildeo

dois toacutepicos que se equivalem um ao lado do outro mas dois capiacutetulos de uma

mesma sequecircncia narrativa Essa metaacutefora faz perceber que a ldquomorte de cruzrdquo natildeo

eacute sozinha o cumprimento da esperanccedila escatoloacutegica israelita E em contrapartida

os inimigos que agora estatildeo subordinados ao Cristo exaltado soacute foram vencidos

porque ele era o Filho de Deus que natildeo apegou ao ser igual a Deus mas assumiu

a forma humana adotou a forma de servo e foi obediente ateacute a morte e morte de

cruz O Exaltado eacute o crucificado Para Paulo o acontecimento escatoloacutegico da

crucificaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo de Jesus foi a derrota destes poderes e a sua subordinaccedilatildeo

ao Cristo exaltado ldquoDesse modo o tema paulino da exaltaccedilatildeo e entronizaccedilatildeo de

Cristo simboliza o triunfo de Deus em Cristordquo242

240 REID D G Triunfo In DPC p 1209 241 REID D G Triunfo In DPC p 1211 242 Ibid p 1210

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434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia

A reflexatildeo anterior contribui para elucidaccedilatildeo do papel da exaltaccedilatildeo na

trama do texto de Fl 26-11 como um todo A questatildeo eacute dimensionar o valor exato

do verbo ὑπερυψόω no contexto Satildeo duas opccedilotildees A primeira acentua o valor

comparativo do verbo reconhecendo a forccedila da preposiccedilatildeo ὑπὲρ presente na

palavra Nesse caso a interpretaccedilatildeo resultante eacute que Cristo foi exaltado a uma

posiccedilatildeo superior a que ele tinha na sua preexistecircncia isto eacute Fl 29 vai aleacutem de Fl

26243 A segunda possibilidade eacute dar ao verbo um valor superlativo indicando

que Cristo estaacute exaltado acima de todos e na mais alta posiccedilatildeo Em favor desta

linha de interpretaccedilatildeo afirma-se antes de tudo que o verbo aqui eacute derivado da

LXX de Is 5213 que afirma que o servo de YHWH se ldquoelevaraacute seraacute exaltado

[ὑψωθήσεται] seraacute posto nas alturasrdquo Outro argumento eacute que os verbos

compostos com ὑπὲρ fazem parte do estilo caracteriacutestico de Paulo geralmente

com sentido superlativo Aleacutem disso o uso aqui teria mais a ver com o estilo do

autor do que com um significado superior ao uso do verbo simples (ὑψόω)244

Todavia ainda que a tradiccedilatildeo dos cacircnticos de servo tenha influenciado a

elaboraccedilatildeo do hino cristoloacutegico natildeo haacute como provar que justo o texto de Is 5213

esteja por traacutes de Fl 29 Ademais o verbo que Paulo usa eacute diferente do utilizado

pela LXX em Is 5213 De fato seria de se esperar que Paulo usasse o verbo mais

comum ὑψόω pois aleacutem de prover um paralelo perfeito com o texto de Isaiacuteas jaacute

era utilizado no cristianismo primitivo para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus245 Ele

contudo escolheu ὑπερυψόω246 Quanto agrave preferecircncia paulina por verbos

compostos eacute difiacutecil de imaginar que em uma passagem com palavras tatildeo

selecionadas formando um delicado e criativo equiliacutebrio teoloacutegico Paulo

escolhesse descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus com um termo que nunca usou em outro

lugar apenas por uma questatildeo de ldquoestilo literaacuteriordquo E quanto agrave comparaccedilatildeo com os 243 Enquanto proposta foi adotada na claacutessica exegese da passagem feita por E Lohmeyer 244 Entre os que adotam a posiccedilatildeo superlativa estatildeo OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 235-236 245 Assim em At 233 e 531 textos reconhecidos como tradiccedilotildees primitivas utilizadas por Lucas tradiccedilotildees que Paulo deve ter conhecido ὑψόω tambeacutem eacute utilizado pelo quarto evangelho para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus (314 828 e 1232) mas o texto eacute posterior a Paulo 246 Como nota MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 83 ldquonatildeo obstante tenha havido um texto como inspiraccedilatildeo [do hino] a terminologia e o estilo satildeo uma construccedilatildeo nova Por outro lado eacute difiacutecil sustentar a tese de CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 305 para quem a mudanccedila do verbo foi porque Paulo queria estender a exaltaccedilatildeo de Jesus para aleacutem da humanidade a fim de incluir o seu senhorio sobre as potestades

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outros compostos verbais que fazem uso da mesma preposiccedilatildeo ela eacute instrutiva

mas natildeo determinante247 Nada impede que Paulo que estaacute usando um hapax

legomena utilize este composto verbal de uma forma especiacutefica por conta do seu

contexto248 Dessa forma o fato exegeacutetico eacute que o verbo ὑπερυψόω eacute usado no

corpus paulino e no Novo Testamento de maneira exclusiva dentro da passagem

de Fl 26-11 e este contexto literaacuterio deve ser o privilegiado para explicaacute-la

Assim sendo partindo do pressuposto que Paulo tinha um outro verbo a

sua disposiccedilatildeo (ὑψόω) mesmo que natildeo se deva exagerar o valor do composto

verbal natildeo eacute boa exegese subestimar que foi exatamente este o termo que Paulo

escolheu Como observa Cullmann ldquoNotamos que este ὑπερύψωσεν natildeo eacute uma

mera figura de retoacuterica mas que o prefixo ὑπερ lsquosobrersquo tem de ser tomado em

seu pleno sentidordquo249 Em outras palavras o verbo ὑπερυψόω vai aleacutem do que o

simples ὑψόω250 Por conseguinte eacute bastante plausiacutevel compreender a passagem

como um todo e o versiacuteculo 9 em particular concedendo um valor comparativo e

assim especiacutefico ao verbo ὑπερυψόω251

Em primeiro lugar a interpretaccedilatildeo natural de Fl 29 eacute que Jesus recebe um

nome que natildeo tinha anteriormente Conforme seraacute aprofundado a seguir esse

novo nome indica um novo ofiacutecio uma nova funccedilatildeo do Filho de Deus diante do

cosmos Uma outra consideraccedilatildeo eacute que o grande argumento em favor da

interpretaccedilatildeo superlativa eacute dogmaacutetico natildeo exegeacutetico pois diz respeito agrave

impossibilidade de se ir aleacutem da ldquoigualdade com Deusrdquo pressuposta em Fl 26252

247 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 and the Exaltation of the Lord p 118 afirma que Paulo aprecia muito as construccedilotildees com ὑπερ mas essas comparaccedilotildees satildeo uma base insuficiente para afastar o sentido comparativo do verbo 248 Por exemplo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 290 argumenta que ldquona grande maioria dos casosrdquo em que Paulo usa verbos compostos com a preposiccedilatildeo ὑπὲρ natildeo indica uma posiccedilatildeo superior agrave anterior Ora eacute possiacutevel extrair uma conclusatildeo segura apenas pela combinaccedilatildeo da mesma preposiccedilatildeo com outros verbos completamente diferentes que ainda assim soacute possuem essa utilizaccedilatildeo ldquona grande maioria dos casosrdquo 249 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 285 250 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 236 Ele por sua vez toma essa informaccedilatildeo de J Heacutering 251 Segundo SILVA Moiseacutes Philippians p 115 a etimologia da forma verbal aponta para um sentido comparativo 252 Por conta disso o tratamento que a cristologia dogmaacutetica da Igreja Antiga dava a passagem sempre fazia do versiacuteculo 6 o centro do hino KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 94

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Soacute que a exaltaccedilatildeo natildeo quer dizer uma mudanccedila de οὐσία mas de funccedilatildeo253 Paulo

natildeo estaacute seguindo uma agenda de discussatildeo ontoloacutegica mas desenvolve uma

narrativa cristoloacutegica para descrever um evento soterioloacutegico e escatoloacutegico que

acarreta implicaccedilotildees eclesioloacutegicas tendo em vista o contexto pareneacutetico de 127-

217254 Como destaca Bockmuehl ldquoEnquanto natildeo haacute nenhuma sugestatildeo de uma

mudanccedila do ser existe apesar de tudo uma mudanccedila de nome e de funccedilatildeordquo

(grifos dele)255 O paralelo neotestamentaacuterio seria Mt 2818 onde apenas apoacutes a

ressurreiccedilatildeo Jesus recebe toda autoridade sobre o ceacuteu e sobre a Terra256

Deve-se ainda notar que a interpretaccedilatildeo do hino de forma linear (e natildeo

ciacuteclica) a partir de um pano de fundo histoacuterico-salviacutefico deixa claro que a ecircnfase

da narrativa estaacute na virada escatoloacutegica que ocorre a partir do 29 O hino caminha

para exaltaccedilatildeo e tem seu cliacutemax nela Eacute muito difiacutecil sustentar exegeticamente que

tudo o que eacute descrito em 29-11 jaacute estava presente nas expressotildees ἐν μορφῇ θεοῦ

τὸ εἶναι ἴσα θεῷ De fato ldquono iniacutecio ele era ἐν μορφῇ θεοῦ mas natildeo era

253 SILVA Moiseacutes Philippians p 115 considera afirmaccedilatildeo de que a exaltaccedilatildeo levou o Filho de Deus a um estaacutegio superior ao que ele tinha na preexistecircncia estranha ao texto Seria de fato estranho se o conjunto de Fl 26-11 natildeo mencionasse qualquer tipo de preexistecircncia No entanto preexistecircncia e exaltaccedilatildeo fazem parte do mesmo conjunto literaacuterio Natildeo tentar relacionaacute-las eacute que eacute estranho Como observa CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p236 ldquoSe Jesus era jaacute em sua preexistecircncia a imagem de Deus ndash eacute com efeito do v 6 que eacute preciso partir [] ndash e se agora se diz que Deus fez mais do que elevaacute-lo natildeo significa isto que depois de sua morte Jesus natildeo voltou tatildeo somente agrave existecircncia que tinha antes de sua encarnaccedilatildeo [] mas que em virtude de uma nova funccedilatildeo entrou em relaccedilatildeo ainda mais estreita com Deus relaccedilatildeo que lhe confere o tiacutetulo Kyrios com plena soberania sobre o universo inteirordquo (grifos dele) 254 O ponto eacute bem observado por HELLERMANN J H Philippians p 105-106 Entretanto parece que ele vai longe demais ao afirmar que o interesse de Paulo no hino seria apenas socioloacutegico O hino possui implicaccedilotildees socioloacutegicas mas esse natildeo eacute o seu objetivo principal 255 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 144 Na mesma paacutegina ele ainda faz a ousada afirmaccedilatildeo que ldquoA humilhaccedilatildeo e o triunfo da encarnaccedilatildeo em outras palavras fez uma diferenccedila identificaacutevel mesmo dentro da divindaderdquo 256 Este paraacutegrafo eacute importante para afastar qualquer relaccedilatildeo entre a exegese proposta e algum tipo de arianismo De acordo com BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico

de la epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 464 os arianos tomavam os versiacuteculos 9-11 como prova de que antes da exaltaccedilatildeo Cristo natildeo era Deus como o Pai Poreacutem como observado acima natildeo estaacute se discutindo aqui a divindade do Filho de Deus que deve ser considerada completa e sem alteraccedilotildees ao longo de toda a passagem do versiacuteculo 26 a 211 Destarte CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 114-115 ao mesmo tempo que afirma que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute estaacutegio acima do que ele possuiacutea na sua preexistecircncia vai ao extremo quando defende que em nenhum momento do hino Jesus eacute considerado inteiramente divino

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κύριοςrdquo257 Haacute uma progressatildeo natildeo apenas um retorno ldquoO novo status de Jesus

Cristo eacute mais do que uma mera volta para a preexistente igualdade com Deusrdquo258

Outro ponto diz respeito agrave tese que a exaltaccedilatildeo eacute uma simples volta ao

estaacutegio da preexistecircncia ou que a exaltaccedilatildeo eacute relativa ao Jesus encarnado

apenas259 Afirmaccedilotildees como esta deixam de perceber o peso e o significado do

tiacutetulo κύριος dado a Jesus a partir da exaltaccedilatildeo segundo o contexto do proacuteprio

hino260 Na verdade na perspectiva escatoloacutegica de Paulo a exaltaccedilatildeo de Jesus

corresponde agrave intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria de modo que um novo eacuteon chegou

o novo e definitivo eacuteon e ao contraacuterio do antigo esse eacute caracterizado pela

soberania de Jesus e pela necessidade de se reverenciaacute-lo como Senhor do

universo Diversos textos no corpus paulino tanto das cartas autecircnticas quanto

daquelas consideradas posteriores satildeo unacircnimes em afirmar que foi agora a partir

da exaltaccedilatildeo que os poderes desse mundo aqueles que dominavam no antigo eacuteon

estatildeo todos subordinados a Jesus (cf Ef 121-22 Cl 215 1Co 1524-25)

257 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 29-30 Em sentido oposto FOWL S E Philippians p 104 entende que esse tipo de intepretaccedilatildeo sugere que alguma coisa estava ausente na divindade de Cristo pressuposta no versiacuteculo 6 o que seria na sua visatildeo impossiacutevel do ponto de vista teoloacutegico A questatildeo entretanto eacute o que determina a interpretaccedilatildeo da passagem ela mesma ou algum sistema teoloacutegico Ele observa ldquoSimplesmente tratar esta passagem como uma narrativa direta na qual um evento cria as condiccedilotildees para o proacuteximo evento levantaria seacuterias questotildees sobre a loacutegica teoloacutegica da passagem que devem no miacutenimo ser notadasrdquo O ponto eacute aleacutem de notar essas questotildees respondecirc-las de forma coerente com o texto e como ele mesmo reconhece quando se daacute atenccedilatildeo apenas ao fluxo narrativo da passagem eacute difiacutecil fugir da ideia que Cristo recebeu algo que natildeo tinha anteriormente 258 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 grifos dele Na mesma linha BARTH G A carta aos Filipenses p 47 ldquoesta exaltaccedilatildeo natildeo significa apenas a restauraccedilatildeo do seu estado anterior em subsistecircncia divina mas que ela lhe concede mais do que possuiacutea anteriormenterdquo 259 FOWL S E Philippians p 104 informa que Tomaacutes de Aquino enfrentando a questatildeo teoloacutegica de uma possiacutevel mudanccedila em Cristo nos versiacuteculos 9-11 aponta duas possiacuteveis soluccedilotildees A primeira adotada por Ambroacutesio propotildee que a exaltaccedilatildeo corresponde agrave divinizaccedilatildeo da natureza humana de Jesus A segunda que remonta a Agostinho defende que a exaltaccedilatildeo eacute apenas a manifestaccedilatildeo agrave criaccedilatildeo daquilo era verdade desde a eternidade Ocorre tatildeo soacute uma mudanccedila na revelaccedilatildeo Segundo Fowl Aquino considera as duas explicaccedilotildees plausiacuteveis para o texto Em tempos mais recentes HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 486 estaacute entre os que seguem a primeira soluccedilatildeo enquanto HELLERMAN J H Philippians p 120-121 se aproxima da segunda quando a partir de categorias socioloacutegicas afirma que na exaltaccedilatildeo Jesus natildeo recebeu um novo nome mas sim uma aclamaccedilatildeo puacuteblica da sua reputaccedilatildeo Contudo a primeira soluccedilatildeo de Aquino deve ser rejeitada porque o autor do texto natildeo desenvolveu sua argumentaccedilatildeo seguindo a categoria ldquoduas naturezasrdquo que conquanto seja uma categoria teoloacutegica legiacutetima eacute anacrocircnica ao texto O sentido do fluxo narrativo eacute que o evento do versiacuteculo 9 estaacute relacionado ao mesmo personagem que eacute sujeito no versiacuteculo 6 Dizer que no versiacuteculo 6 trata-se da natureza divina e no versiacuteculo 9 da natureza humana natildeo eacute razoaacutevel exegeticamente Tampouco a segunda soluccedilatildeo de Aquino eacute uma saiacuteda melhor porque ela desloca o fenocircmeno da exaltaccedilatildeo de Jesus para o mundo Eacute o mundo que muda possuindo uma nova visatildeo sobre Deus Embora isso de fato tenha ocorrido eacute uma consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus e natildeo a exaltaccedilatildeo em si 260 Conforme OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 ldquoEm seu estado exaltado Jesus tem uma nova posiccedilatildeo que envolve o exerciacutecio do senhorio universalrdquo

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Uma quinta observaccedilatildeo envolve a percepccedilatildeo que em geral a opccedilatildeo pelo

verbo como superlativo eacute muito comum nas explicaccedilotildees da passagem de cunho

eacutetico onde o objetivo de Fl 26-11 seria natildeo mais que a apresentaccedilatildeo aos cristatildeos

de um modelo de vida baseado nas atitudes de Jesus261 E para estabelecer um

paralelo entre a exaltaccedilatildeo de Jesus e a futura exaltaccedilatildeo dos cristatildeos natildeo seria

interessante entender a primeira em termos de uma nova missatildeo um novo ofiacutecio

(como defende este trabalho) Seria melhor (segundo os proponentes da

interpretaccedilatildeo eacutetica) compreender a exaltaccedilatildeo apenas como a justificaccedilatildeo de Jesus

o reconhecimento da humilhaccedilatildeo dele por Deus O complicado eacute que isso daacute aos

versiacuteculos 9-11 um valor completamente relativo diante de 6-8 Veja por

exemplo a afirmaccedilatildeo de Fee ldquoCom esta nota de exaltaccedilatildeo Paulo tanto afirma a

correccedilatildeo do paradigma ao qual ele chamou os filipenses e manteacutem ante os seus

olhos a vindicaccedilatildeo que aguarda aqueles que estatildeo em Cristordquo262 Nesse modo de

ver os versiacuteculos 9-11 servem apenas para confirmar o valor de 6-8 o verdadeiro

centro da passagem

Por sua vez a aplicaccedilatildeo do modelo interpretativo paradigmaacutetico na

segunda parte do hino reduz a exaltaccedilatildeo de Jesus a um modelo para os cristatildeos se

Deus exaltou Jesus porque ele renunciou aos seus interesses e foi obediente da

mesma forma exaltaraacute todo aquele que abrir matildeo do seu interesse em favor da

missatildeo de Deus para sua vida263 O detalhe eacute que na perspectiva paulina a

exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute um modelo do tipo Deus fez uma vez vai fazer de

novo A exaltaccedilatildeo de Jesus fundamenta a esperanccedila cristatilde porque ela inaugurou

um novo tempo escatoloacutegico pondo em operaccedilatildeo uma nova criaccedilatildeo (ldquoSe algueacutem

estaacute em Cristo eacute nova criatura Passaram-se as coisas antigas eis que se fez

261 Cf o capiacutetulo anterior 262 FEE G D Pauline Christology p 393 Tambeacutem em FEE G D Comentario de la Epiacutestola

a los Filipenses p 262 ldquoO contexto deixa claro que os vs 6-8 funcionam principalmente como um paradigmardquo Jaacute BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141-142 segue a mesma direccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus como vindicaccedilatildeo da parte de Deus mas acrescenta que isso seria uma necessidade para que Deus manifeste a sua justiccedila Por conseguinte caso se considere o texto como um credo em uma prosa exaltada como sugere Fee rejeitando qualquer relaccedilatildeo do texto com o gecircnero hino isso natildeo alteraria a avaliaccedilatildeo exposta acima posto que os credos satildeo afirmaccedilotildees concisas das verdades centrais da feacute com acento especial na cristologia e soteriologia (e natildeo na eacutetica ou parecircnese) 263 Eacute o que pensa FOWL S Christology and Ethics in Philippians 25-11 p 147 quando diz que se os filipenses estiverem unidos colocando em praacutetica as virtudes listadas em Fl 22-4 mesmo diante de perseguiccedilotildees ldquoentatildeo Deus iraacute salvaacute-los da mesma forma que salvou o Cristo obediente humilhado e sofredor em 26-11rdquo

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realidade novardquo 2Co 517)264 Se Deus exaltou Jesus em Fl 29 a mensagem

paulina natildeo eacute ser exaltado como ele mas exaltado por ele (Fl 321) A partir da

exaltaccedilatildeo Jesus eacute o agente escatoloacutegico que cumpriraacute a esperanccedila cristatilde265 O

conjunto inteiro de Fl 26-11 descreve o evento escatoloacutegico da encarnaccedilatildeo morte

e exaltaccedilatildeo do Filho de Deus e esse evento singular traz o indiviacuteduo crente para o

domiacutenio de Cristo Esse eacute o significado exato do estar ldquoἐν Χριστῷrdquo (25) domiacutenio

no qual se entra atraveacutes da confissatildeo na ressurreiccedilatildeo de Jesus (Rm 109)266 e pelo

sacramento do batismo que estabelece uma uniatildeo entre o fiel e o Jesus ressurreto

(Rm 63-11) a ponto de aquele jaacute experimentar no presente os efeitos

escatoloacutegicos da ressurreiccedilatildeo deste E eacute a experiecircncia desse poder quando se estaacute

em Cristo que capacita o fiel agrave resposta eacutetica necessaacuteria ao evangelho e natildeo a

tentativa de imitar Jesus267

A esperanccedila cristatilde natildeo eacute vencer a morte como ele venceu mas vencer

porque ele venceu porque eacute a ressurreiccedilatildeo dele que torna possiacutevel a ressurreiccedilatildeo

dos mortos no futuro (ldquoCom efeito visto que a morte veio por um homem

tambeacutem por um homem vem a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo 1Co 1521) Enquanto

Senhor do cosmos ele tem a ldquoforccedila que lhe daacute poder de submeter a si todas as

coisasrdquo e por esse motivo os cristatildeos podem esperar que ele transfiguraraacute o seu

corpo humilhado (Fl 321) ldquoFazer viver os mortos eacute direito escatoloacutegico

exclusivo de Deusrdquo comenta Becker ldquocontudo em Fl 321 Cristo tem o poder de

transfigurar os homens mortaisrdquo268 porque a partir da exaltaccedilatildeo Deus o agraciou

com essa autoridade

Dessa forma natildeo basta ao indiviacuteduo fazer como Jesus fez (se que eacute

possiacutevel) mas submeter-se a ele como Senhor Por isso o hino culmina na

exaltaccedilatildeo celebra Jesus como Senhor e desafia os leitores agrave submissatildeo e

obediecircncia a ele Tudo agora depende de ser ou natildeo ser obediente a Jesus o

κύριος269 O tema da obediecircncia vai ser explicitamente usado por Paulo no

264 ὥστε εἴ τις ἐν Χριστῷ καινὴ κτίσιςmiddot τὰ ἀρχαῖα παρῆλθεν ἰδοὺ γέγονεν καινά Notar que o verbo γίνομαι estaacute no indicativo perfeito talvez para indicar a continuidade dos efeitos dessa nova realidade escatoloacutegica no presente 265 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 157 266 Texto que inclusive associa a confissatildeo de Jesus como Senhor agrave ressurreiccedilatildeo ldquoPorque se confessares com tua boca que Jesus eacute Senhor [κύριον Ἰησοῦν] e creres em teu coraccedilatildeo que Deus o ressuscitou dentre os mortos seraacutes salvordquo 267 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 160 268 BECKER J Apoacutestolo Paulo vida obra e teologia p 563 269 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 65

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contexto imediato em Fl 212 atraveacutes do verbo ὑπακούω quando ele retoma a

parecircnese extraindo do hino implicaccedilotildees para a igreja O caminho para essa

obediecircncia eacute pontuado por Morgan ldquoNoacutes nos tornamos obedientes natildeo pela

imitaccedilatildeo de um modelo mas atraveacutes de uma palavra que nos diz que pertencemos

a elerdquo270

A uacuteltima consideraccedilatildeo em favor deste sentido comparativo de ὑπερύψωσεν

eacute que ele pode fechar com a interpretaccedilatildeo do tipo res rapienda de Fl 26 a saber

quando a expressatildeo οὐχ ἁρπαγμὸν eacute interpretada indicando que o Filho de Deus

embora existindo ἐν μορφῇ θεοῦ ainda natildeo possuiacutea o governo soberano sobre

todo o universo (significado no contexto da expressatildeo τὸ εἶναι ἴσα θεῷ) e natildeo

buscou consegui-lo de forma independente alheio agrave vontade do Pai271 Aliaacutes o

hino nem mesmo sugere que o Filho de Deus almejasse por isso pois senatildeo

chegariacuteamos agrave conclusatildeo de que a obediecircncia e humilhaccedilatildeo do Filho de Deus

foram um meio para um fim um caminho para se chegar na soberania Se o

cliacutemax do hino realmente eacute a exaltaccedilatildeo entatildeo ele natildeo tem como objetivo justificar

porque Jesus foi exaltado mas mostrar para os leitores quem eacute o verdadeiro

Senhor de todo o cosmos272 ou ainda mais especificamente responder ldquocomo eacute

possiacutevel confessar o senhorio de algueacutem que viveu e morreu como um homem

qualquer e chamar de Senhor algueacutem que na sua vida se configurou a um

escravordquo273 A resposta de Fl 26-11 eacute que ele natildeo era um homem qualquer mas

tinha a imagem de Deus e foi ateacute a cruz em submissatildeo a Deus E natildeo foi ele quem

270 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 67 271 Assim MARTIN R P A Hymn of a Christ p 148-153 Tambeacutem CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 233-234 que enxerga todo o hino de Fl 26-11 como uma antiacutetese entre Jesus e Adatildeo Este desejou a igualdade com Deus e abriu matildeo da obediecircncia a Deus para buscaacute-la Em sentido totalmente oposto o Filho de Deus aleacutem de natildeo desejar ser igual a Deus (que Cullmann interpreta natildeo em termos de divindade mas de soberania sobre o universo) submeteu-se com humildade e obediecircncia a Deus Na mesma linha COLLINS A Y Psalms

Philippians 26-11 and the Origins of Christology p336 que opta pela interpretaccedilatildeo res

rapienda e ainda declara ldquoO enredo da passagem requer que o estado final de Jesus seja maior que o estado inicialrdquo Por sua vez GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 351 avalia essa interpretaccedilatildeo como ldquorazoaacutevelrdquo Ele afirma ldquoO hino certamente sugere alguma forma na qual a exaltaccedilatildeo ia aleacutem do estado preexistenterdquo Natildeo obstante o proacuteprio R P Martin entende que a sua interpretaccedilatildeo seria uma variaccedilatildeo entre as claacutessicas posiccedilotildees res rapta (Cristo jaacute possuiacutea a igualdade com Deus na preexistecircncia e natildeo se apegou a isso e a exaltaccedilatildeo natildeo muda nada em relaccedilatildeo a isso) e res rapienda (Cristo natildeo possuiacutea a igualdade com Deus inclusive a divindade que seriam recebidas na exaltaccedilatildeo) WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 62-81 faz uma extensa avaliaccedilatildeo das interpretaccedilotildees do termo ἁρπαγμός na literatura especializada e identifica 17 possibilidades diferentes Na avaliaccedilatildeo dele a exegese de Cullmann e Martin deve ser classificada como res rapienda 272 Conforme VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 268 mostra que o tema do hino eacute a afirmaccedilatildeo de que o Senhor do mundo eacute o crucificado 273 BARBAGLIO G As cartas de Paulo II p 378

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se exaltou mas o proacuteprio Deus o colocou na posiccedilatildeo mais elevada do universo

compartilhando sua soberania com ele Ou seja o κύριος que Deus exaltou natildeo

satildeo os imperadores de Roma nem as divindades orientais O κύριος exaltado pelo

uacutenico Deus de Israel eacute aquele que natildeo buscou a exaltaccedilatildeo se esvaziou e assumiu a

forma de servo e foi obediente a Deus ateacute a morte de cruz O κύριος eacute aquele que

agora eacute soberano sobre todo o universo acima de todos os poderes visiacuteveis e

invisiacuteveis Este κύριος deve ser confessado e reverenciado por todos sem

exceccedilatildeo E o reconhecimento de que esse κύριος eacute Jesus Cristo glorifica Deus Pai

o Deus uacutenico de Israel

Portanto ainda que natildeo seja impossiacutevel tomar o verbo ὑπερύψωσεν em

uma dimensatildeo superlativa parece que faz mais jus ao texto como um todo e ao

papel desempenhado pela exaltaccedilatildeo de Jesus no conjunto a dimensatildeo

comparativa

435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo

O Jesus exaltado apresentado em Fl 26-11 eacute diametralmente oposto agraves

figuras consideradas exaltadas no ambiente soacutecio-poliacutetico da eacutepoca paulina O

anuacutencio da exaltaccedilatildeo de Jesus eacute contra cultural quase subversivo tanto no que diz

respeito ao seu status atual como κύριος como no que se refere ao caminho que

ele trilhou ateacute chegar a esse status de exaltaccedilatildeo Porque ao contraacuterio das

autoridades que chegavam ao poder atraveacutes da violecircncia e do roubo o Filho de

Deus nem sequer desejou o poder274 Ao inveacutes da apoteose ocorreu a kenosis275

Ele optou pela obediecircncia agir como servo humilhou-se e morreu recebendo a

pena romana da crucificaccedilatildeo276

Eacute uma mensagem que causaria impacto em qualquer canto do impeacuterio

romano onde ecoasse a ideologia do cursus honorum Este pensamento levava os

cidadatildeos romanos na capital e em toda extensatildeo do impeacuterio a lutar entre si por

tiacutetulos cargos homenagens e outras situaccedilotildees que acarretassem prestiacutegio e

274 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 475 275 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 143 276 WRIGHT N T Paulo novas perspectivas p 89 ldquoo supliacutecio da cruz veio a se tornar um siacutembolo eficaz e temido nas matildeos do poder imperial bem antes de vir a se tornar o siacutembolo de qualquer outra coisardquo

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reconhecimento que tempos depois eram listadas de forma ascendente e

colocadas em inscriccedilotildees puacuteblicas277 Esse coacutedigo cultural era muito importante

para a cidade de Filipos enquanto colocircnia romana que tanto se orgulhava da sua

ligaccedilatildeo com o impeacuterio exibindo sua influecircncia por toda parte Para esse cenaacuterio

sociocultural Fl 26-11 funciona como uma mensagem contra cultural

descrevendo o caminho de Jesus como cursus pudorum onde ele abriu matildeo da

sua alta posiccedilatildeo de honra prestiacutegio e gloacuteria e desceu para servir aos outros

chegando ao mais baixo patamar da condiccedilatildeo humana da eacutepoca a morte de

cruz278 A mensagem cristatilde proclamava um Senhor acima de todos os senhores

que natildeo chegou a esse status pelo cursus honorum romano mas que seguiu pelo

cursus pudorum

Soacute que o texto natildeo termina afirmando que o humilhado foi simplesmente

exaltado O texto vai adiante para mostrar que o exaltado recebeu o nome sobre

todo nome o proacuteprio tiacutetulo κύριος e agora eacute o uacutenico que deve ser reverenciado e

confessado (Fl 210-11) por todos os seres do universo O imperador romano era

considerado Senhor do impeacuterio e no culto ao imperador a figura dele

representava a unidade do impeacuterio Fl 29-11 apresenta Jesus como Senhor do

universo e a unidade do universo nele eacute celebrada no culto cristatildeo279 Tudo isso

aponta para a clara dimensatildeo poliacutetica da exaltaccedilatildeo de Cristo280 que como

realidade escatoloacutegica traz seacuterias implicaccedilotildees para a vida dos cidadatildeos de Filipos

que estatildeo debaixo do poder de Roma281 A partir de entatildeo eacute impossiacutevel para os

cristatildeos reconhecerem a reivindicaccedilatildeo de domiacutenio do imperador ou de qualquer

outro Com a exaltaccedilatildeo de Jesus eles estatildeo debaixo de um novo Senhor de um

277 HELLERMAN J H Philippians p 106 278 Idem Enquanto cursus honorum significa um caminho de honras cursus pudorum quer dizer um caminho de vergonha de humilhaccedilotildees 279 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the

Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 282 280 O proacuteprio formato da passagem como reconhecido de forma ampla segue a estrutura dos cerimoniais de entronizaccedilatildeo do rei pode intencionar um contraste com os governantes contemporacircneos que foram entronizados E pelo acircngulo da retoacuterica grega chega-se a mesma impressatildeo pois como nota MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive

Hymnos a Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 130 em geral esse toacutepico era utilizado em referecircncia a deificaccedilatildeo poacutes-morte do imperador Daiacute em Fl 26-11 este toacutepico funciona como uma aguda retoacuterica apontada contra Roma Tambeacutem nessa perspectiva KRENTZ E Paulo os jogos e a miliacutecia p 325 cita R R Brewer segundo o qual Paulo teria formulado Fl 29-11 com a intenccedilatildeo de fazer oposiccedilatildeo ao culto ao imperador Nero 281 FOWL S E Philippians p 105 ldquoEsses versos assentam o fundamento para a contra-poliacutetica que Paulo deseja que os filipenses incorporem em sua vida comumrdquo

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novo domiacutenio282 e possuem uma nova cidadania o que o apoacutestolo expressa

atraveacutes do verbo πολιτεύομαι em Fl 127283 Atraveacutes da afirmaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de

Cristo ldquoPaulo introduz uma autoridade nova e insuperaacutevel do tempo

escatoloacutegicordquo284

44 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a doaccedilatildeo de um novo nome

441 O verbo χαρίζομαι

Como apontado no iniacutecio deste capiacutetulo o verbo ἐχαρίσατο estaacute nessa

frase em paralelo com o verbo anterior ὑπερύψωσεν ldquoamplificando seu

significado e indicando sua naturezardquo285 No Novo Testamento χαρίζομαι

significa uma doaccedilatildeo feita de forma livre graciosa como um favor feito a

algueacutem286 Em Fl 29 naturalmente o favor eacute feito por Deus Eacute curioso que fora do

Novo Testamento χαρίζομαι natildeo ocorre tendo Deus como sujeito antes do seacuteculo

II dC A partir de entatildeo passa a ser usado no sentido de ldquodar graciosamenterdquo que

eacute o sentido predominante na LXX a provaacutevel fonte de influecircncia

neotestamentaacuteria287

282 FOWL S E Philippians p 105 283 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the

Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 269-287 propotildee fazer uma leitura da passagem toda de Fl 26-11 privilegiando a funccedilatildeo social que ela desempenharia na comunidade cristatilde primitiva Desse modo o humilhado que eacute exaltado representaria o iniacutecio da transformaccedilatildeo do cristianismo de uma subcultura dentro do judaiacutesmo para uma comunidade religiosa independente com poder e autoridade legiacutetimos 284 SCHNELLE UDO Teologia do Novo Testamento p 285-286 Este autor prefere falar de uma dimensatildeo poliacutetica da teologia paulina ao inveacutes de uma teologia anti-imperial de Paulo como se o apoacutestolo de forma expliacutecita ou velada estivesse articulando uma criacutetica a Roma Ele avalia que esta uacuteltima interpretaccedilatildeo tem sido importante na literatura teoloacutegica anglo-americana Em contrapartida FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical

Scholarship p 202 salienta que a passagem em anaacutelise ldquoteria funcionado como uma forma puacuteblica de resistecircncia contra o culto imperialrdquo se tivesse sido utilizada repetidamente como hino na comunidade 285 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 237 286 BAGD p 876-877 O verbo eacute muito importante para Paulo como indica a estatiacutestica Satildeo 23 ocorrecircncias no Novo Testamento sendo 11 nas cartas paulinas a saber Rm 832 1Co 212 2Co 27 2Co 210 (3x) 2Co 1213 Gl 318 Ef 432 (2x) Fl 129 e 29 Cl 213 e 313 (2x) Fm 122 287 ESSER H H χάρις In DITNT v I p907-915

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No contexto de Fl 29-11 o verbo χαρίζομαι acentua que a exaltaccedilatildeo natildeo

foi a conquista do heroacutei Jesus Cristo Muito pelo contraacuterio o verbo sugere que a

exaltaccedilatildeo de Jesus foi uma ldquodaacutediva da graccedilardquo288 e que embora Jesus merecesse

Deus natildeo o exaltou como se fosse obrigado ou constrangido a isso por uma lei

moral coacutesmica nem mesmo pela accedilatildeo de Jesus descrita nos versiacuteculos 6-8289 A

exaltaccedilatildeo de Jesus foi um ato livre da graccedila de Deus290 Trazendo isso para um

contexto trinitaacuterio o relacionamento que o conjunto de Fl 26-11 supotildee entre

Cristo e Deus Pai natildeo eacute do tipo em que ldquoobediecircncia eacute oferecida em troca de

exaltaccedilatildeordquo291 Eacute muito mais um relacionamento de dom e doaccedilatildeo que fluem de

uma superabundacircncia de amor292

442 O nome dado a Jesus

No pequeno segmento τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα duas vezes o

substantivo ὄνομα eacute utilizado sendo que na primeira ele eacute acompanhado do

artigo293 indicando que o nome recebido eacute especiacutefico e especial (natildeo eacute ldquoum

nomerdquo mas ldquoo nomerdquo) e na segunda vez eacute antecedido pelo adjetivo πᾶν

indicando que ldquoo nomerdquo estaacute acima de todos os nomes existentes em um paralelo

com Ef 120-21 Jaacute a preposiccedilatildeo ὑπὲρ estaacute conectada a um duplo acusativo Nesse

caso ela significa ldquosobrerdquo ldquoaleacutemrdquo ldquomais querdquo294 expressando uma

intensificaccedilatildeo um conceito superlativo295 Ou seja Fl 29 estaacute afirmando que o

nome dado a Jesus eacute o mais exaltado mais glorioso que qualquer outro nome do

universo O artigo que antecede a preposiccedilatildeo funciona aqui como pronome

288 MARTIN R P Filipenses p 114 289 FOWL S E Philippians p 101 290 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 113 reconhece que Jesus tinha meacuteritos isto eacute a obediecircncia a humildade o aceitar a missatildeo do Pai mas ldquonatildeo se pode vincular a exaltaccedilatildeo a algum meacuterito especiacuteficordquo 291 FOWL S E Philippians p 101 Como observa OrsquoBrien P T The Epistle to the

Philippians p 234 se Cristo tivesse se humilhado mirando algum tipo de exaltaccedilatildeo isso natildeo seria uma verdadeira e sincera renuacutencia e sim uma forma de procurar o seu proacuteprio interesse 292 Idem 293 Alguns manuscritos omitem o artigo Conferir a discussatildeo sobre a criacutetica textual do texto na introduccedilatildeo 294 BAGD p 839 295 PATSCH H ὑπὲρ In DENT v II p 1874 Segundo ele o mesmo acontece em Ef 122

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relativo296 ligando o objeto direto τὸ ὄνομα agrave oraccedilatildeo preposicional ὑπὲρ πᾶν

ὄνομα o nome o qual eacute sobre todo nome

4421 ldquoNomerdquo no Antigo Testamento e no judaiacutesmo

No Israel antigo e em outros povos contemporacircneos nomear significa

estabelecer uma relaccedilatildeo de domiacutenio sobre o que eacute nomeado297 Assim em Gn

219-20 Adatildeo exerce domiacutenio sobre a criaccedilatildeo ao dar nome aos animais No Sl

1474 YHWH daacute o nome agraves estrelas e eacute Senhor delas O nome de YHWH estaacute

sobre Israel porque este eacute o seu povo (Is 6319) Nomear uma cidade ou uma terra

eacute sujeitaacute-la ao seu poder (2Sm 1228 Sl 4911)298 Ainda nesse contexto o nome eacute

mais do que um roacutetulo que diferencia pessoas Ele expressa a identidade a

verdadeira natureza do indiviacuteduo299 Consequentemente um novo nome indica

uma nova realidade uma mudanccedila de vida uma virada na histoacuteria como no caso

de Jacoacute em Gn 3228 e em particular a promessa de um novo nome para Israel em

Is 622

O nome de YHWH eacute um aspecto essencial da revelaccedilatildeo biacuteblica Deus se

apresenta com um nome pessoal atraveacutes do qual pode ser invocado Ao mesmo

tempo seu nome eacute expressatildeo de soberania e poder Eacute um modo alternativo de

falar do proacuteprio YHWH Seu nome passa a ter uma existecircncia proacutepria e

independente como expressatildeo do proacuteprio YHWH Faz o papel que nas demais

religiotildees eacute desempenhado pelas imagens rituais A esperanccedila veterotestamentaacuteria

eacute que um dia todo joelho se dobre somente diante do nome de YHWH300

O judaiacutesmo entretanto vai aos poucos deixando de lado a utilizaccedilatildeo do

tetragrama A tradiccedilatildeo rabiacutenica evita a todo custo a menccedilatildeo considerada infraccedilatildeo

do 3ordm mandamento A mesma tradiccedilatildeo informa que apoacutes a morte de Simatildeo o Justo

(200 aC) os sacerdotes deixaram de pronunciar o nome sagrado nas accedilotildees de

296 HELLERMAN J H Philippians p 120 297 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p 1395 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 253 298 Essa uacuteltima concepccedilatildeo pode ajudar a compreender a praacutetica poliacutetica de nomear cidades e territoacuterios Com efeito esse foi o caso da cidade de Filipos que passou a ter esse nome quando foi dominada por Filipe II da Macedocircnia em 356 aC 299 HAWTHORNE G F Philippians p 91 300 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p 1395-1396

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graccedilas No culto do templo apenas o Sumo Sacerdote poderia fazecirc-lo no dia da

expiaccedilatildeo Nas leituras da Escritura era substituiacutedo por שם Essa tendecircncia em

relaccedilatildeo ao tetragrama tambeacutem se encontra em Josefo que natildeo emprega nem

mesmo o substituto tradicional κύριος Quando precisa ele se refere ao ὄνομα ou

a προσηγορίᾳ (tiacutetulo apelativo de Deus)301

Tambeacutem faz parte desse pano de fundo o interesse judaico de maneira

especial no formato representado por Qumran nos ldquonomes poderosos de Deus e

dos seus agentes celestiaisrdquo referindo-se a arcanjos de muitos nomes e que

traziam o nome e o poder de Deus302 Depois os gnoacutesticos vatildeo valorizar essa

especulaccedilatildeo em torno de nomes divinos e celestiais e citaccedilotildees de Fl 26-11 nos

pais da igreja indicam que esta passagem foi nesse sentido utilizada por eles303

4422 ldquoNomerdquo no Novo Testamento

No Novo Testamento o substantivo ὄνομα aleacutem de outros usos eacute utilizado

teologicamente de forma bastante diversificada Bietenhard comenta que nos

escritos neotestamentaacuterios ldquoo nome a pessoa e a accedilatildeo de Deus estatildeo com vaacuterias

diferenciaccedilotildees inseparavelmente ligados ao nome a pessoa e accedilatildeo de Jesus

Cristordquo304 Por exemplo em Joatildeo 176 eacute Jesus quem revela o nome de Deus como

Pai aos homens Jesus age em nome de Deus e em prol do nome de Deus Mas o

nome de Jesus em si mesmo ganha importacircncia Agrave semelhanccedila do que os judeus

fizeram com o nome de Deus tambeacutem ocorre no Novo Testamento a substituiccedilatildeo

do nome de Jesus pela expressatildeo ldquoo nomerdquo (At 541 3Jo 7) ldquoA plenitude da obra

salviacutefica de Cristo eacute contida no nome dEle (assim como a obra salviacutefica de Javeacute

tambeacutem se continha no seu nome)rdquo305 O perdatildeo de pecados estaacute vinculado agrave feacute

no nome de Jesus (At 1043 1Jo 212) Quem invoca o nome de Jesus pertence agrave

igreja e eacute salvo (At 914 1Co 12 At 217-21 Rm 1013) talvez uma aplicaccedilatildeo

cristoloacutegica de Jl 232 Ser cristatildeo eacute ter a vida inteira dominada por esse nome

301 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT v II p1396-1397 O proacuteximo capiacutetulo discutiraacute a questatildeo da substituiccedilatildeo no judaiacutesmo do tetragrama por κύριος 302 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 143 303 Idem 304 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 271 305 BIETENHARD H ὄνομα In DITNT p 1401

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Inclusive o Novo Testamento registra Jesus dando um novo nome a algumas

pessoas o que segundo a tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria pode indicar uma nova

direccedilatildeo de vida306

Talvez o paralelo neotestamentaacuterio mais proacuteximo de Fl 29 seja Ef 120-

21 que expressa a soberania do Jesus exaltado sobre todos os poderes

Que ele fez operar em Cristo ressuscitando-o de entre os mortos e fazendo-o assentar agrave sua direita nos ceacuteus muito acima de qualquer Principado e Autoridade e Poder e Soberania e de todo o nome que se pode nomear [καὶ παντὸς ὀνόματος ὀνομαζομένου] natildeo soacute neste seacuteculo mas tambeacutem no vindouro

Outro paralelo importante para Fl 29 eacute Hb 14 onde tambeacutem se fala de um

nome para o Jesus exaltado Em Filipenses esse nome indica soberania e em

Hebreus eacute um nome superior aos anjos (um paralelo aos poderes espirituais de

Efeacutesios) que aqui se refere agrave natureza e agrave posiccedilatildeo de Filho307

4423 A Identificaccedilatildeo nome dado a Jesus em Fl 29

Antes de mais nada deve-se notar a pouca probabilidade da exegese

alcanccedilar uma resposta definitiva para a questatildeo qual o nome foi dado a Jesus em

sua exaltaccedilatildeo O obstaacuteculo quase insuperaacutevel eacute que o texto em si natildeo apresenta

uma resposta expliacutecita308 No entanto pode-se avaliar entre as possiacuteveis soluccedilotildees

qual seria a melhor resposta ou pelo menos a mais provaacutevel Assim de antematildeo

percebe-se que algumas propostas satildeo menos recomendaacuteveis e consequentemente

recebem pouco apoio Entre estas estatildeo a identificaccedilatildeo deste nome com o nome

proacuteprio Ἰησοῦς ou em uma forma mais ampliada Ἰησοῦς Χριστὸς Segundo o

306 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 559 307 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 563 308 Nas palavras bem-humoradas de BOCKMUEHL M The Epistle to the Phillipians p 142 ldquoA questatildeo precisa eacute difiacutecil de decidir com certeza e eacute talvez em qualquer caso uma tempestade em uma xiacutecara de chaacute exegeacuteticardquo Natildeo obstante como notado na criacutetica textual alguns manuscritos omitem o artigo na expressatildeo τὸ ὄνομα o que de acordo com HELLERMAN J H Philippians p 120 indica que alguns escribas e pais da igreja entenderam ὄνομα natildeo como um tiacutetulo mas como um reconhecimento Deus exaltou Jesus e deu a ele fama reconhecimento universal E mesmo admitindo que o texto com artigo seja com certeza o mais bem testemunhado significando o tiacutetulo κύριος que aparece no versiacuteculo 11 Hellerman defende que esse sentido de fama e reconhecimento puacuteblico deva ser incluiacutedo na exegese do nome dado ao Jesus exaltado tendo em vista o contexto soacutecio-poliacutetico de Filipos Em uma cultura onde as pessoas brigavam para ter uma reputaccedilatildeo reconhecida Fl 29 afirma que Deus deu a Jesus a ldquoreputaccedilatildeo que estaacute acima de toda a reputaccedilatildeordquo Segundo BIETENHARD H ὄνομα In TDNT v IV p 270 ὄνομα como reputaccedilatildeo eacute encontrado no Novo Testamento em Mc 614 e Ap 31

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Novo Testamento entretanto eacute este o nome que Jesus possuiacutea desde o seu

nascimento e Fl 29 fala de uma reverecircncia a um novo nome que ele recebeu a

partir da sua exaltaccedilatildeo Natildeo obstante Fl 211 vai fazer referecircncia a Ἰησοῦς

Χριστὸς de uma forma tradicional sem o peso do significado que o versiacuteculo 9

indica Entre os pais da igreja as propostas variaram entre υἱὸς e θεός mas natildeo haacute

nada no texto que substancie essas soluccedilotildees309

Um caminho razoaacutevel para soluccedilatildeo eacute considerando que quem daacute o nome eacute

Deus pensar que ele deu a Jesus o seu proacuteprio nome Segundo o Antigo

Testamento esse nome eacute YHWH que a LXX traduz por κύριος Justamente esse o

nome que segundo Fl 211 desde a exaltaccedilatildeo toda liacutengua deve confessar Este

versiacuteculo eacute fundamental nesta identificaccedilatildeo pois ele estaacute fazendo uma releitura

cristoloacutegica de Is 4523 texto que anuncia um tempo de salvaccedilatildeo futura no qual

todo joelho se dobraraacute diante de YHWH e toda liacutengua juraraacute por ele A sequecircncia

de Is 4524 tambeacutem eacute importante ז ר צדקות וע י אמ Igrave ביהוה ל dizendo Soacute emldquo א

YHWH haacute justiccedila e forccedilardquo Ora em Fl 29-11 o proacuteprio YHWH estaacute dando esse

nome a Jesus para que agora diante do nome dele todo joelho se dobre e toda

liacutengua confesse

OrsquoBrien apresenta quatro argumentos em favor da identificaccedilatildeo de τὸ

ὄνομα como κύριος Primeiro na oraccedilatildeo subordinada dos versiacuteculos 10-11 Jesus eacute

identificado com κύριος e pode assim receber reverecircncia universal Segundo ele

considera plausiacutevel entender as expressotildees τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ e τὸ ὑπὲρ πᾶν

ὄνομα como justapostas Terceiro para judeus como Paulo um nome superlativo

como este sempre seria entendido como equivalente a YHWH E em quarto

lugar cria-se uma simetria no hino como um todo pois aquele que era ἴσα θεῷ

passa a ser δοῦλος e agora se torna κύριος310

Esta identificaccedilatildeo faz jus ao contexto escatoloacutegico da passagem e agrave

perspectiva mais ampla do Novo Testamento que como seraacute visto relaciona o

tiacutetulo κύριος dado a Jesus com a sua ressurreiccedilatildeo e consequentemente sua

exaltaccedilatildeo311 Tambeacutem eacute preciso perceber que nesta interpretaccedilatildeo o termo ὄνομα eacute

309 MARTIN R P A Hymn of Christ p 235 310 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 311 MARTIN escrevendo em 1967 afirmou que havia um consenso geral para reconhecer que o nome dado a Jesus na exaltaccedilatildeo eacute mesmo κύριος Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 245 No entanto SILVA Moiseacutes Philippians p 110-111 faz algumas reservas a essa identificaccedilatildeo lembrando que o texto natildeo eacute expliacutecito a esse respeito

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tomado como ofiacutecio funccedilatildeo missatildeo312 Isso eacute corroborado pela tendecircncia

teoloacutegica judaica iniciada no Antigo Testamento de pensar ם como uma ש

hipoacutestase de YHWH O ם de YHWH eacute uma entidade transcendente atraveacutes da ש

qual o proacuteprio YHWH atua no mundo Sobre esse pano de fundo Fl 29 significa

que YHWH deu a Jesus muito mais que um tiacutetulo mas colocou sobre ele o seu

poder Especificando ainda mais pode-se dizer que esse poder significa

autoridade um novo ofiacutecio que Cristo desempenharaacute ao lado do Pai e diante do

cosmos Uma nova funccedilatildeo na histoacuteria da salvaccedilatildeo313 O paralelo de Fl 29-11 com

as cerimocircnias de entronizaccedilatildeo do antigo oriente percebido anteriormente

corrobora essa visatildeo pois neles um novo nome significa ser investido em uma

nova posiccedilatildeo de poder e autoridade314 No caso de Cristo investido como Senhor

soberano do cosmo A partir da exaltaccedilatildeo ele atua como Senhor do universo

exercendo a soberania que antes pertencia apenas a YHWH com o diferencial que

esse Senhor coacutesmico eacute o mesmo personagem histoacuterico que viveu na Galileia e foi

crucificado em Jerusaleacutem conhecido como Jesus de Nazareacute Esta identificaccedilatildeo era

fundamental para distinguir a mensagem do hino das especulaccedilotildees mitoloacutegicas

contemporacircneas

Essa maneira de enxergar o substantivo ὄνομα ajuda ainda a perceber a

conexatildeo entre a exaltaccedilatildeo e a preexistecircncia de Cristo como visto acima O

problema pode ser formulado assim se a partir de Fl 26 entende-se que Cristo

tinha a plena igualdade com Deus como ele pode ser exaltado a uma posiccedilatildeo

superior O que poderia ser maior do que ser igual a Deus Mediante a categoria

ldquofunccedilatildeordquo ao inveacutes de ldquoessecircnciardquo consegue-se sair desse dilema dogmaacutetico Em

outras palavras natildeo houve uma mudanccedila ontoloacutegica no Filho de Deus mas

funcional E de fato os dados neotestamentaacuterios indicam que a partir da exaltaccedilatildeo

Cristo passou a exercer uma nova funccedilatildeo no cosmos algo que ele natildeo tinha antes

Essa nova funccedilatildeo eacute a soberania sobre o universo que o versiacuteculo Fl 211 (e

aliaacutes o Novo Testamento em geral) vai associar ao novo nome que ele recebeu

312 Entre outros MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 114 que afirma que um novo nome pode ser o equivalente a uma nova missatildeo 313 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 237 BOCKMUEHL M The Epistle

to the Philippians p 142 nota que no mundo antigo em geral e no judaiacutesmo em particular nomes eram importantes pelo que significavam e natildeo como roacutetulos 314 BARTH G A carta aos Filipenses p 47 CULLMANN O Cristologia do Novo

Testamento p 285 afirma ldquono judaiacutesmo como em todas as religiotildees antigas o nome representa ao mesmo tempo um poderrdquo (grifos dele) Em contrapartida SILVA Moiseacutes Phillipians p 110 eacute bastante reticente com essa interpretaccedilatildeo

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κύριος315 Por certo foi um passo decisivo no desenvolvimento da cristologia

primitiva a feacute que Jesus foi exaltado por Deus para ao lado dele governar sobre

todo o universo Porque Jesus compartilha a soberania de Deus ele pode

compartilhar o proacuteprio nome de Deus Afinal como visto acima o nome sobre

todo nome significava para os judeus o proacuteprio tetragrama YHWH que entre os

judeus de fala grega tinha como substituto adequado o tiacutetulo κύριος que a partir

da exaltaccedilatildeo tambeacutem eacute o nome de Jesus A importacircncia desse desenvolvimento

teoloacutegico eacute que ldquopara o monoteiacutesmo judaico soberania sobre todas as coisas era a

definiccedilatildeo de quem Deus eacuterdquo316 O resultado eacute a inclusatildeo de Jesus na identidade do

Deus uacutenico de Israel317 O ponto de partida principal para essa reflexatildeo

neotestamentaacuteria eacute a leitura cristoloacutegica do Salmo 1101 O hino cristoloacutegico

entretanto recorre a Isaiacuteas 4523318

Aleacutem da soberania essa nova funccedilatildeo de Jesus tambeacutem pode ser associada

agrave categoria da ldquorevelaccedilatildeordquo Este ponto eacute sublinhando por Kaumlsemann

Reconhecendo que realmente τὸ ὄνομα aponta para a designaccedilatildeo de Jesus como

κύριος do universo ele avalia o que novo nome traz uma novidade revelacional A

partir de agora o relacionamento do cosmos com Deus passa pelo Jesus κύριος

O kyrios eacute Deus em sua relaccedilatildeo com o mundo Na entronizaccedilatildeo a representaccedilatildeo de Deus diante do mundo se transferiu para aquele que foi elevado Eacute atraveacutes dele somente que Deus exerce sua accedilatildeo sobre o cosmo (no sentido de 1Co 1528 poderia dizer-se ateacute a parusia) Consciente ou inconscientemente eacute com Cristo com quem tem que tratar o mundo na medida que tem que tratar com Deus A partir de agora ele eacute o seu senhor e seu juiz319

315 Assim MARTIN R P A Hymn of Christ p 236-237 316 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 130 317 Idem Segundo HURTADO L W Senhor Jesus Cristo p 818 o fato de Jesus receber o nome de Deus eacute ldquoo mais proacuteximo que chegamos a um equivalente de um elo lsquoontoloacutegicorsquo de Deus com Jesusrdquo 318 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 130 Natildeo obstante ao contraacuterio do que foi exposto aqui HELLERMAN J H Vindicating Godrsquos Servants in Philippi

and in Philippians p 96-97 acredita que o termo ὄνομα deve ser conectado a κύριος mas natildeo se trata de um novo dado a Jesus e sim da manifestaccedilatildeo puacuteblica do nome que ele jaacute tinha ao longo de toda a sua carreira Parece contudo que sua exegese eacute influenciada pelo desejo de fazer um paralelo entre Fl 26-11 com At 1611-40 onde Paulo soacute revela seu ldquotiacutetulordquo de cidadatildeo romano depois do sofrimento e da humilhaccedilatildeo 319 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 110

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45 Conclusatildeo do capiacutetulo

Diante do exposto acima eacute possiacutevel nesta conclusatildeo enfrentar uma uacuteltima

questatildeo por que Deus exaltou Jesus Para isso eacute necessaacuterio voltar agrave expressatildeo διὸ

καὶ que inicia o versiacuteculo 9 e pode ser interpretada como estabelecendo uma

relaccedilatildeo de causa e efeito entre 26-8 e 29-11 A causa da exaltaccedilatildeo eacute a

humilhaccedilatildeo De acordo com Martin isso fez Lohmeyer entender que 29-11 eacute

simplesmente a realizaccedilatildeo em Jesus do princiacutepio divino da exaltaccedilatildeo dos justos o

sofrimento do justo leva necessariamente agrave exaltaccedilatildeo320 Seria uma espeacutecie de

resultado loacutegico Contudo como bem observado por Martin ldquoO hino natildeo foi

escrito para provar a validade de um princiacutepiordquo321

Com efeito natildeo se pode negar que a tradiccedilatildeo judaica afirma que Deus

defende e recompensa o sofrimento do servo justo Por exemplo os cacircnticos do

servo de Deus em Isaiacuteas trazem uma expectativa de exaltaccedilatildeo do servo apoacutes o seu

sofrimento Segundo a tradiccedilatildeo sinoacutetica o proacuteprio Jesus ensinou que os que se

humilham diante de Deus por obediecircncia seratildeo exaltados pelo proacuteprio Deus (Mt

2312 Lc 1411 1814) E quem ousaria afirmar que Jesus natildeo merecia ser

exaltado Isso tudo aponta na direccedilatildeo da exaltaccedilatildeo como uma recompensa ao

sofrimento obediente de Jesus uma resposta de Deus a todas as accedilotildees descritas

nos versiacuteculos 6-8322 No entanto natildeo se deve menosprezar a importacircncia do

verbo χαρίζομαι utilizado no contexto apontando para uma exaltaccedilatildeo como obra

da graccedila de Deus

Talvez o melhor na verdade fosse afastar esta questatildeo (o motivo pelo qual

Deus exaltou Jesus) da exegese do texto que tem muito mais jeito de especulaccedilatildeo

dogmaacutetica do que investigaccedilatildeo exegeacutetica Eacute bem provaacutevel que o papel da

expressatildeo διὸ καὶ no contexto vaacute aleacutem do estabelecimento de uma relaccedilatildeo tipo

causa-feito Na verdade ela faz a transiccedilatildeo de um acontecimento escatoloacutegico

para outro ou melhor ainda conecta dois acontecimentos que fazem parte do

mesmo evento escatoloacutegico O pano de fundo escatoloacutegico da exaltaccedilatildeo que foi

desenvolvido ao longo deste capiacutetulo a compreensatildeo especiacutefica de Paulo acerca

320 MARTIN R P A Hymn of Christ p 233-235 Esta opiniatildeo foi adotada depois por HAWTHORNE G F Philippians p 113 321 MARTIN R P A Hymn of Christ p 234 322 Assim OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 233-234

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desta exaltaccedilatildeo a perspectiva linear de interpretaccedilatildeo do hino323 que tem como

cliacutemax a exaltaccedilatildeo324 apontam nessa direccedilatildeo

Porque o problema das interpretaccedilotildees que valorizam a ideia de

recompensa eacute que elas acabam por natildeo fazer jus agrave importacircncia do cenaacuterio descrito

em Fl 29-11 fazendo deste segmento um anexo um posfaacutecio agrave obra principal que

estaria em Fl 26-8 Se fosse assim exaltaccedilatildeo seria tatildeo somente o reconhecimento

do caminho de Jesus como justo325 e consequentemente esse caminho por ter

sido aprovado por Deus se tornaria agora o caminho-modelo para todas as

pessoas326 No entanto na exegese defendida neste trabalho a exaltaccedilatildeo de Jesus

vai certamente aleacutem disso Ela faz parte do evento escatoloacutegico que trouxe um

novo eacuteon o tempo de triunfo sobre os inimigos de Deus e salvaccedilatildeo para todos os

povos conforme a expectativa veterotestamentaacuteria Natildeo daacute para separar a morte e

ressurreiccedilatildeo de Jesus do seu significado escatoloacutegico e dos seus efeitos

soterioloacutegicos

O texto possui uma sequecircncia de acontecimentos interconectados pelo

tema (Jesus) numa linha progressiva que comeccedila na preexistecircncia passa pela

encarnaccedilatildeo e o sacrifiacutecio na cruz e termina na exaltaccedilatildeo que eacute (para os leitores do

texto) o estado atual de Jesus O texto revela o caminho desse que agora eacute o

κύριος de todo o cosmos e sobretudo da Igreja daqueles que jaacute no presente o

confessam e dobram os joelhos diante do seu nome

Esse momento eacute oportuno para discutir uma interpretaccedilatildeo recente que

tambeacutem afasta o conceito de ldquorecompensardquo no texto Eacute o entendimento defendido

principalmente por N T Wright que todo conjunto de Fl 26-11 deve ser

323 Conferir a discussatildeo no capiacutetulo anterior 324 MARTIN R P Filipenses p 129 ldquoo ponto central do ensino do hino ndash como parece certo ndash natildeo eacute o kenosis nem uma lista das caracteriacutesticas da vida terrena de Jesus em humilhaccedilatildeo e obediecircncia mas Seu senhorio presente e final e o caminho que Ele tomou para esse tiacutetulordquo (grifos dele) 325 MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v I p 83-87 argumenta que Fl 29-11 seria apenas um comentaacuterio antigo onde os eventos da Paacutescoa satildeo a vindicaccedilatildeo de Jesus Deus reconhecendo Jesus como justo 326 Isto eacute afirmado com clareza por Moiseacutes Silva que justifica a utilizaccedilatildeo do conceito de ldquorecompensardquo agrave exaltaccedilatildeo de Jesus na medida que ldquoo hino cristoloacutegico implica a correspondecircncia entre a experiecircncia de Cristo e a santificaccedilatildeo do crenterdquo A ideia eacute que assim como Cristo foi recompensado por sua obediecircncia o cristatildeo tambeacutem seraacute A despeito da correccedilatildeo desta teologia especiacutefica o ponto eacute que a interpretaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus no conjunto de Fl 26-11 eacute determinada pela necessidade de fazer do texto um paradigma para a vida cristatilde Cf SILVA Moiseacutes Philippians p 109 Tambeacutem BRUCE F F Filipenses p 81 descreve o versiacuteculo 29 como ldquoa suprema ilustraccedilatildeo de suas proacuteprias palavras lsquoquem a si mesmo se humilhar seraacute exaltadorsquo

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encarado como revelaccedilatildeo do caraacuteter de Deus ou como se tornou comum afirmar

o caraacuteter do Deus de Israel ldquoA real ecircnfase teoloacutegica do hino entatildeo natildeo eacute

simplesmente uma nova visatildeo de Jesus Eacute um novo entendimento de Deusrdquo327

Para Wright isso significa que divindade eacute sinocircnimo de doaccedilatildeo e natildeo obtenccedilatildeo328

Foi assim que Jesus interpretou a sua igualdade com Deus As accedilotildees de 26-8 satildeo

a revelaccedilatildeo disso enquanto que a exaltaccedilatildeo seria o reconhecimento por parte de

Deus Pai que realmente a encarnaccedilatildeo e morte de Jesus satildeo ldquoa revelaccedilatildeo do amor

divino em accedilatildeordquo329

S E Fowl trabalhando a partir da exegese de Wright afirma que tanto o

sofrimento de Jesus narrado em 26-8 quanto a exaltaccedilatildeo dele descrito em 29-11

satildeo essencialmente revelaccedilatildeo de Deus ao mundo manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Deus

de Israel330 E para o sofrimento servir a esse propoacutesito revelacional ele precisa ser

vindicado por Deus E aiacute que entra a exaltaccedilatildeo pois como vindicaccedilatildeo do

sofrimento de Jesus ela atesta que o Deus apresentado no conjunto eacute realmente o

Deus de Israel e Jesus eacute realmente seu Cristo331

Eacute verdadeiramente certo que o hino de Fl 26-11 estaacute ancorado no

monoteiacutesmo veterotestamentaacuterio Isso fica especialmente claro na seccedilatildeo dos

versiacuteculos 9-11 pois a exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute narrada como um heroacutei pagatildeo que

depois de vencer na Terra tambeacutem vai vencer no ceacuteu tomando o lugar dos outros

deuses Jesus natildeo tomou o lugar de Deus Ele foi exaltado por Deus Deus

compartilha gratuitamente com ele a soberania que era exclusivamente sua sem

no entanto deixar de tecirc-la todos os seres satildeo chamados a reconhecer Jesus como

κύριος mas no final tudo isso que acontece eacute εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

Em contrapartida como jaacute observado neste capiacutetulo o tema do conjunto

inteiro de Fl 26-11 eacute Jesus o Filho de Deus jaacute indicado pelo pronome relativo ὃς

que abre o hino no versiacuteculo 6 O que eacute apresentado aqui eacute a sua decisatildeo pessoal e

voluntaacuteria de se encarnar de assumir a forma de servo de se humilhar e ser

327 WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 84 328 Idem citando palavras de C F D Moule Nesse sentido Wright eacute seguido por FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 40 e 45 329 Ibid p 86 330 FOWL S E Philippians p 101 Que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute muito mais que a vindicaccedilatildeo de Jesus foi exposto acima 331 FOWL S E Philippians p 101 Essa linha de raciociacutenio fecha com a interpretaccedilatildeo eacutetica da passagem como um todo pois se o caraacuteter de Deus eacute vindicar o justo sofredor entatildeo o cristatildeo pode esperar que esse mesmo Deus faraacute isso com ele quando nesse mundo sofre de forma injusta Nas paacuteginas 106 e 107 Fowl afirma que essa argumentaccedilatildeo ajuda a responder uma das criacuteticas feitas agrave chamada interpretaccedilatildeo eacutetica

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obediente ateacute a morte e morte de cruz E em seguida a accedilatildeo gratuita de Deus em

exaltaacute-lo como Senhor com todos os contornos jaacute apresentados e outros que ainda

seratildeo explorados E dentro do cristianismo primitivo o texto era muito mais do

que uma mera lista de eventos Ele oferecia uma interpretaccedilatildeo do evento

escatoloacutegico que envolveu a encarnaccedilatildeo a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

cumprindo as esperanccedilas do povo de Israel332 A interpretaccedilatildeo de Wright e Fowl

tenta deslocar o epicentro do hino de Cristo para Deus Pai (o Deus de Israel) e faz

do amor o tema da passagem Natildeo soacute a passagem natildeo fala de amor (nenhum termo

eacute usado nesse sentido) como essa exegese parece nascer de uma preocupaccedilatildeo

externa ao texto333 natildeo levando em consideraccedilatildeo a narrativa em si que eacute

fundamentalmente cristoloacutegica E eacute por esse vieacutes cristoloacutegico que aparece o tema

da revelaccedilatildeo de Deus porque na teologia cristatilde Cristo eacute a revelaccedilatildeo de Deus

Tanto o sofrimento quanto a exaltaccedilatildeo de Cristo satildeo revelaccedilatildeo de Deus ao

mundo334 algo acentuado justamente quando se daacute a devida atenccedilatildeo ao contexto

escatoloacutegico envolvido nesses eventos

E como se veraacute adiante sobretudo no quarto capiacutetulo mais do que

descrever ou reafirmar o caraacuteter do Deus de Israel o hino cristoloacutegico de Fl 26-

11 sobretudo quando trata da exaltaccedilatildeo de Cristo foi muito importante para o

cristianismo primitivo redefinir o monoteiacutesmo judaico em termos de um

monoteiacutesmo cristoloacutegico Mas antes enfrentar a discussatildeo do monoteiacutesmo que

aparece claramente no final do versiacuteculo 11 eacute necessaacuterio considerar o conteuacutedo

dos versos 10 e 11 que apresentam os desdobramentos da exaltaccedilatildeo de Jesus

nada menos do que o universo inteiro reverenciaacute-lo e confessaacute-lo como Senhor

332 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 24 para quem nos versiacuteculos 6-8 se oferece uma interpretaccedilatildeo da encarnaccedilatildeo e da morte de Jesus e nos versiacuteculos 9-11 da ressurreiccedilatildeo de Jesus Interpretaccedilatildeo que podia ser cantada nos cultos (caso Fl 26-11 tenha existido como um hino de fato) ou confessada pelos convertidos (entendendo o texto como confissatildeo) 333 A tendecircncia da exegese contemporacircnea de compreender Paulo dentro do judaiacutesmo e natildeo contra o judaiacutesmo 334 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 75-76 foi talvez o primeiro a defender o aspecto revelacional de Fl 26-11 Para ele o hino natildeo trata diretamente da relaccedilatildeo entre Deus e a igreja ou entre Deus e os crentes mas sim da relaccedilatildeo total entre Deus e o mundo O hino descreve a revelaccedilatildeo de Deus ao mundo inteiro Em especial quanto agrave seccedilatildeo de Fl 29-11 ele afirma ldquonatildeo se trata unicamente de sentimentos eacuteticos apropriados mas ao contraacuterio de uma vitoacuteria sobre o mundo da eliminaccedilatildeo das oposiccedilotildees ateacute o cumprimento escatoloacutegico desejado por Deusrdquo

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5 A reverecircncia e a confissatildeo ao Jesus exaltado

51 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

O objetivo do presente capiacutetulo eacute estudar o texto de Fl 210-11 com exceccedilatildeo

do uacuteltimo segmento que seraacute analisado no proacuteximo capiacutetulo Assim o texto a ser

trabalhado eacute o seguinte ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται

Todo o segmento dos versiacuteculos 10 e 11 depende da conjunccedilatildeo ἵνα Ela eacute a

ligaccedilatildeo com o versiacuteculo 9 Ela traz duas possibilidades para o conjunto a ideia de

finalidade Jesus foi exaltado a fim de que todo joelho se dobre e toda liacutengua o

confesse ou a ideia de resultado consequecircncia Jesus foi exaltado

consequentemente agora todo o joelho deve se dobrar e toda a liacutengua deve confessaacute-

lo Existe uma leve vantagem para a primeira opccedilatildeo visto ser esse o uso

predominante de ἵνα no grego claacutessico no Novo Testamento e inclusive no corpus

paulino335 entendendo assim a submissatildeo e reverecircncia de todo o universo a Jesus

como partes da intenccedilatildeo divina ao exaltar Jesus e ao mesmo tempo natildeo dar a

impressatildeo que o conteuacutedo dos versiacuteculos 10 e 11 satildeo uma espeacutecie de resultado

casual Contudo natildeo se deve insistir na distinccedilatildeo pois as duas noccedilotildees andam juntas

na literatura biacuteblica do Antigo e do Novo Testamento e eacute possiacutevel que ambas

estejam presentes neste texto336

52 Isaiacuteas 4523 e a exaltaccedilatildeo de Jesus

Antes de tudo eacute preciso registrar a tendecircncia paulina de citar textos do

Antigo Testamento que trazem afirmaccedilotildees sobre YHWH e aplicaacute-las a Jesus por

intermeacutedio do tiacutetulo κύριος De acordo com Hurtado eacute certo que essa transferecircncia

ocorre em Rm 1013 (citando Jl 35) 1Cor 131 (citando Jr 923-24) 1Cor 1026

335 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 292 336 MARTIN R P A Hymn of Christ p 249 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 opina que as duas ideias estatildeo presentes

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(citando Sl 241) e 2Cor 1017 (citando Jr 923-24)337 Aleacutem dessas citaccedilotildees

existem textos paulinos que fazem alusotildees a passagens do Antigo Testamento que

falam de YHWH e Paulo as emprega para Jesus como Senhor Satildeo elas 1Cor 1021

(aludindo a Ml 1721) 1Cor 1022 (aludindo a Dt 3221) 2Co 316 (aludindo a Ex

3434) 1Ts 313 (Zc 145) 1Ts 46 (aludindo a Sl 941) e o texto em anaacutelise de Fl

210-11 considerada a mais impressionante alusatildeo paulina o que reforccedila a

importacircncia da exegese em curso338

Para iniciar o estudo desse periacuteodo eacute necessaacuterio verificar a relaccedilatildeo do

mesmo com o texto aludido de Isaiacuteas 4523 Se a expressatildeo ἐπουρανίων καὶ

ἐπιγείων καὶ καταχθονίων for separada como um aposto de Fl 210-11339 a

justaposiccedilatildeo dos textos deixa clara a ligaccedilatildeo entre eles

Is 4523 (LXX) ἐμοὶ κάμψει πᾶν γόνυ καὶ ἐξομολογήσεται πᾶσα γλῶσσα τῷ θεῷ

Fl 210-11 ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ καὶ πᾶσα γλῶσσα

ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

Deve-se notar que o contexto de Is 4523 traz duas ecircnfases A primeira eacute a

feacute de que soacute YHWH eacute Deus Haacute uma clara criacutetica agrave idolatria ldquoNatildeo tecircm

conhecimento os que carregam os seus iacutedolos de madeira os que dirigem as suas

suacuteplicas a um deus que natildeo pode salvar Natildeo haacute outro Deus fora de mimrdquo (Is 4520-

21) E logo chama a atenccedilatildeo que o hino em Filipenses vai fazer uma aplicaccedilatildeo

cristoloacutegica a partir de um texto do Antigo Testamento que traz um monoteiacutesmo

acentuado um expediente muito semelhante ao usado por Paulo em 1Cor 86 em

relaccedilatildeo ao shemaacute Como se veraacute adiante eacute possiacutevel que a intenccedilatildeo exata do autor

seja mostrar que o senhorio de Jesus a partir da exaltaccedilatildeo eacute algo completamente

diferente da idolatria Continua-se na verdade no mesmo monoteiacutesmo A segunda

ecircnfase no contexto de Is 45 eacute a nota escatoloacutegica isto eacute a expectativa que um dia

todos os confins da terra se voltaratildeo para YHWH se prostraratildeo diante dele e diratildeo

337 HURTADO L W Senhor In DPL p 1150-1151 Existem citaccedilotildees em que Paulo manteve κύριος referindo-se a Deus o que segundo Hurtado ocorre em 10 referecircncias Ele tambeacutem menciona duas passagens em que a identificaccedilatildeo eacute disputada Satildeo elas Rm 1411 (Is 4523) e 1Cor 216 (Is 4013) 338 HURTADO L W Senhor In DPL p 1151 339 Como notado por FOWL S Philippians p 103 a frase quebra a alusatildeo a Is 4523

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que soacute nele haacute justiccedila e forccedila340 Por sinal haacute em Is 45 uma dupla perspectiva de

futuro que seraacute exatamente aquela que melhor explica Fl 210-11 pois esse uacuteltimo

dia que traraacute o reconhecimento universal de YHWH natildeo traraacute junto uma alegria

universal Seraacute um tempo de juacutebilo para o povo de Deus que jaacute vivencia essa

experiecircncia e anseia por essa ocasiatildeo poreacutem de constrangimento para aqueles que

rejeitam o Senhor ldquoA ele viratildeo cobertos de vergonha todos os que se irritaram

contra elerdquo (Is 4524)341

De fato o monoteiacutesmo escatoloacutegico era parte fundamental do judaiacutesmo do

segundo templo uma esperanccedila expressa e alimentada pelo Decircutero-Isaiacuteas A

leitura escatoloacutegica de Isaiacuteas 45 estava presente no judaiacutesmo como evidenciam por

exemplo textos de Enoque Descrevendo o que aconteceraacute na vinda do juiz do

mundo Enoque 485 diz ldquoTodos os que habitam sobre a terra seca iratildeo prostrar-se

diante dele e cultuaacute-lo e adoraacute-lo exaltaacute-lo e cantar louvores ao nome do Senhor

dos espiacuteritosrdquo342 Ademais antes da sua utilizaccedilatildeo cristatilde o texto de Is 4523

desempenhou papel importante na liturgia sinagogal sendo incluiacutedo nas antigas

oraccedilotildees lsquoAlecircnu e Nishmat Kol Hay recomendadas pela Mishnah para o final da

Haggadah343 Isso evidencia que uma audiecircncia judaica perceberia com clareza a

operaccedilatildeo teoloacutegica que estaacute se desenrolando no hino de Filipenses (mas natildeo eacute certo

se leitores natildeo judeus teriam a mesma percepccedilatildeo)344 isto eacute que o monoteiacutesmo

escatoloacutegico se tornou monoteiacutesmo cristoloacutegico345

O Novo Testamento utiliza Is 4523 em dois lugares Em Rm 1411 Paulo

explicitamente cita o texto ldquoCom efeito estaacute escrito Por minha vida diz o Senhor

todo joelho se dobraraacute diante de mim e toda liacutengua daraacute gloacuteria a Deusrdquo Nesse caso

o texto de Isaiacuteas eacute usado para fortalecer a argumentaccedilatildeo de um juiacutezo escatoloacutegico

que estaacute por vir expresso antes e depois da citaccedilatildeo ldquoPois todos noacutes

340 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 considera que as ecircnfases de Isaiacuteas 45 satildeo a singularidade de Deus e o universalismo Este uacuteltimo tema estaacute presente de fato mas como ele mesmo reconhece em termos de expectativa para o futuro Por isso eacute melhor falar de uma esperanccedila escatoloacutegica que eacute universal em sua abrangecircncia 341 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 243 342 Conforme MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 207 343 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 344 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 82 Esse eacute o provaacutevel cenaacuterio da Igreja de Filipos uma comunidade predominantemente gentiacutelica Por conseguinte a avaliaccedilatildeo acima aponta para duas direccedilotildees que o autor do hino estava familiarizado com o Antigo Testamento e provavelmente com o judaiacutesmo e ao mesmo tempo favorece a tese de que Fl 26-11 existiu antes de ser usado na carta aos Filipenses isto eacute foi produzido em um contexto sensiacutevel agraves interrelaccedilotildees estabelecidas com o texto veterotesmentaacuterio 345 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 133

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compareceremos ao tribunal de Deus [Is 4523] Assim cada um de noacutes prestaraacute

contas a Deus de si proacutepriordquo (Rm 1410-12)

O outro lugar em que o texto aparece no Novo Testamento eacute aqui em

Filipenses A citaccedilatildeo natildeo eacute literal como em Romanos346 mas eacute possiacutevel notar as

significativas alteraccedilotildees feitas pelo hino a partir do texto baacutesico de Isaiacuteas Primeiro

na forma dos verbos κάμπτω e ἐξομολογέω respectivamente curvar-se e confessar

A LXX usa ambos os verbos no indicativo futuro347 Paulo por sua vez usa os dois

no subjuntivo aoristo O que era entatildeo uma promessa de Deus para o futuro o hino

cristoloacutegico mostra com uma realidade cumprida348 Segundo os objetos dos dois

verbos satildeo substituiacutedos o pronome pessoal ἐμοὶ pela locuccedilatildeo ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ

e a expressatildeo τῷ θεῷ por ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς Essas duas substituiccedilotildees

chamam atenccedilatildeo pela repeticcedilatildeo do substantivo Ἰησοῦς enfatizando a releitura

cristoloacutegica que estaacute em operaccedilatildeo isto eacute o que antes era uma promessa relacionada

agrave accedilatildeo de Deus no fim dos tempos agora eacute uma realidade escatoloacutegica em Jesus

Cristo349 Eacute ainda pertinente notar que em Romanos o contexto da citaccedilatildeo de Isaiacuteas

tambeacutem eacute escatoloacutegico poreacutem ali Paulo manteacutem o aspecto futuro do Antigo

Testamento enquanto que em Filipenses o verbo no subjuntivo aoristo indica algo

que jaacute aconteceu Isso evidencia o equiliacutebrio entre o jaacute e o ainda natildeo da escatologia

paulina As duas citaccedilotildees tambeacutem mostram a harmonia que existia na teologia de

Paulo entre cristologia e monoteiacutesmo Ele pode aplicar o mesmo versiacuteculo do

Antigo Testamento tanto para algo que teve lugar a partir da exaltaccedilatildeo de Jesus

Cristo quanto para accedilatildeo futura de Deus Pai que segundo Rm 1410-12 julgaraacute toda

humanidade

346 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 afirma que o autor do hino (que para ele natildeo eacute Paulo) estaacute citando de forma inconsciente pois enxerga a si mesmo como um homem em situaccedilatildeo pneumaacutetica sob direta accedilatildeo do Espiacuterito Santo Tudo isso poreacutem eacute uma grande conjectura difiacutecil de provar Eacute possiacutevel ainda que o autor do hino esteja partindo de um texto de Isaiacuteas diferente do Texto Massoreacutetico e da versatildeo da LXX aceita atualmente A possibilidade eacute aventada por MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 214 Isso poderia explicar algumas das alteraccedilotildees do texto de Filipenses mas natildeo a mais importante que eacute a sua releitura cristoloacutegica 347 O texto hebraico traz respectivamente os verbos כרע e שבע no yiqtol reconhecido com uma forma futura cf JOUumlON P MURAOKA T A Grammar of Biblical Hebrew p 114 348 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 349 Eacute possiacutevel que exista alguma relaccedilatildeo entre o texto de Filipense e o texto de Enoque A sugestatildeo eacute feita por Michel observando que Enoque 617 aplica Is 4523 ao Messias MICHEL O ὁμολογέω In TDNT p 207 O problema eacute confirmar se o texto de Enoque eacute de fato anterior ao de Filipenses e que assim a influecircncia seria inversa Segundo BROWN R E PERKINS P SALDARINI A J Apoacutecrifos Manuscritos do Mar Morto e Outros Tipos de Literatura Judaica IN NCBSJ p 951 o conjunto dos capiacutetulos 37-71 onde encontra-se a referecircncia acima tem a sua dataccedilatildeo disputada variando entre o seacuteculo 1 aC ateacute o 3 dC

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Haacute ainda uma terceira alteraccedilatildeo de Filipenses em relaccedilatildeo ao texto de Isaiacuteas

Acima a expressatildeo ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων foi separada para

visualizaccedilatildeo do paralelo entre Is 4523 e Fl 210-11 A questatildeo eacute que natildeo existe um

equivalente direto dessa expressatildeo em Isaiacuteas 4523 mas o versiacuteculo imediatamente

anterior (4522) mostra que o alcance das promessas apresentadas no contexto do

oraacuteculo profeacutetico eacute a Terra inteira Isso fica claro no seguinte segmento hebraico

רץ que a Septuaginta traduziu como οἱ ἀπ᾽ ἐσχάτου τῆς γῆς Portanto כל־אפסי־א

parece que Paulo opera uma ampliaccedilatildeo Se em Isaiacuteas a escatologia fala de uma

reverecircncia universal de todo joelho e toda liacutengua incluindo todas as naccedilotildees ateacute os

limites da Terra Filipenses apresenta uma escatologia coacutesmica que vai aleacutem dos

limites da Terra alcanccedilando todo o cosmos350

53 Accedilotildees feitas ldquoEm nome de Jesusrdquo

A expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι eacute usada na maioria das vezes com uma conotaccedilatildeo

temporal e assim significa que algo deve acontecer quando o nome eacute mencionado

ou invocado351 Em Filipenses a ideia seria que a pessoa deve prostrar-se e fazer

confissatildeo quando o nome de Jesus eacute mencionado Conquanto o aspecto temporal

possa estar presente parece que haacute mais coisas envolvidas A expressatildeo

preposicional utilizada no Novo Testamento ecoa a expressatildeo hebraica muito בשם

utilizada no Antigo Testamento em associaccedilatildeo com YHWH352 Sua traduccedilatildeo

regular na LXX eacute pela expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι em uma tentativa segundo ele de

traduzir com exatidatildeo o hebraico Na traduccedilatildeo grega a expressatildeo liga-se

principalmente a verbos relacionados a accedilotildees de culto indicando que nome

invocado eacute o fundamento o pressuposto e a condiccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do culto353

Em linhas gerais no Antigo e no Novo Testamento a expressatildeo significa natildeo apenas

mencionar pronunciar ou invocar o nome mas tambeacutem agir por comissatildeo O Novo

350 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 307 MARTIN R P A Hymn of Christ p 256 351 BAGD p 572 352 BIETENHARD H ὄνομα In TDNT p 262 263 e 271 BIETENHARD H Nome In DITNT p 1396 Para HARTMAN L ὄνομα In DENT p 563 a expressatildeo neotestamentaacuteria deve ser considerada um semitismo 353 HARTMAN L ὄνομα In DENT p 564-565

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Testamento em particular vai utilizaacute-la 40 vezes sendo que em 8 o nome referido eacute

o de Deus e em 28 eacute o de Cristo

Na literatura paulina a expressatildeo ocorre em 1Cor 54 611 2Ts 36 Ef 520

Cl 317e aqui em Fl 210354 Em 2Ts 36 a ideia eacute dar instruccedilotildees com base na

autoridade do soberano Jesus355 Em 1Cor 54 ἐν τῷ ὀνόματι pode ser ligada a trecircs

termos diferentes no contexto significando tanto a autoridade do nome de Jesus

quanto a invocaccedilatildeo do seu nome 1Cor 611 mostra a salvaccedilatildeo recebida em nome

de Jesus Cristo (ldquoMas voacutes vos lavastes mas fostes santificados mas fostes

justificados em nome do Senhor Jesusrdquo) Os textos de Ef e Cl satildeo paralelos e

indicam que todas as coisas devem ser feitas em nome do Senhor Jesus isto eacute ldquotoda

a vida deve ser vivida sob a consciente autoridade de Cristo e com dedicaccedilatildeo ativa

e grata a sua pessoa magniacuteficardquo356 O texto de Filipenses amplia essa reivindicaccedilatildeo

de obediecircncia para todo o cosmos pois o que seraacute feito ἐν τῷ ὀνόματι alcanccedila quem

estaacute no ceacuteu na terra e debaixo da terra

Em particular o uso da expressatildeo em Fl 210 deve ser entendido como

causal isto eacute o nome que a partir da exaltaccedilatildeo Jesus tem eacute a causa eficiente da

submissatildeo357 Porque Jesus tem o nome e desempenha a funccedilatildeo de Senhor todos

devem prostrar-se diante dele

A utilizaccedilatildeo do substantivo Ἰησοῦς aqui natildeo significa que o nome ao qual

todo joelho deve se dobrar e toda liacutengua deve confessar seja simplesmente ldquoJesusrdquo

Na verdade o texto quer sublinhar que essas accedilotildees acontecem ao nome que agora

estaacute vinculado ao personagem histoacuterico chamado desde o nascimento de Jesus e

esse nome eacute ldquoSenhorrdquo358 Todavia eacute fundamental para a narrativa identificar o

κύριος como o homem de Nazareacute que andou pela regiatildeo da Galileacuteia e arredores e

foi crucificado em Jerusaleacutem Quer dizer que o exaltado natildeo eacute um personagem

miacutetico algum tipo de semideus ou espiacuterito Esse que foi exaltado por Deus ao

senhorio de todo universo eacute o Filho de Deus encarnado chamado Jesus359 A

354 Aqui a despeito da discussatildeo de autoria considera-se Efeacutesios Colossenses e 2Tessalonicenses parte da literatura paulina 355 LUTER JR A B Nome In DPC p 880 356 LUTER JR A B Nome In DPC p 881 357 HELLERMAN J H Philippians p 121 358 HAWTHORNE G F Philippians p 115 HELLERMAN J H Philippians p 121 359 MARTIN R P Hymn of Christ p 254 HAWTHORNE G F Philippians p 115

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exaltaccedilatildeo natildeo mudou a identidade de Jesus Ele assumiu uma nova funccedilatildeo mas natildeo

se tornou uma nova pessoa360

54 Joelhos dobrados ao nome de Jesus

O verbo κάμπτω eacute aplicado na LXX para situaccedilotildees de devoccedilatildeo religiosa

como em 1Cr 2920 ldquoE toda assembleia bendisse a Iahweh Deus de seus pais e se

ajoelhou [κάμψαντες τὰ γόνατα] para se prostrar diante de Deus e diante do reirdquo

2Cr 2929 ldquoTerminando o holocausto o rei e todos os que os acompanhavam se

ajoelharam [ἔκαμψεν] e se prostraramrdquo Dn 611 ldquotrecircs vezes por dia ele se punha

de joelhos [κάμπτων ἐπὶ τὰ γόνατα] orando e confessando a seu Deusrdquo aleacutem do

jaacute citado Is 4523 O Novo Testamento usa o verbo apenas quatro vezes sempre em

conexatildeo com o substantivo γόνυ (Ef 314 Rm 114 1411 e aqui em Filipenses) e

acompanha a LXX no aspecto da devoccedilatildeo361

Cerfaux opina que cair de joelhos diante do rei era a praacutetica entre os suacuteditos

dos reis orientais bem como uma praacutetica regular nas oraccedilotildees No mundo grego o

comum seria orar em peacute362 Pelo menos era uma praacutetica conhecida e praticada no

judaiacutesmo como se depreende dos textos acima No entanto como observa Martin

o contraste principal natildeo eacute entre o estilo lituacutergico grego ou oriental mas sim entre

uma atitude religiosa comum (o orar e o adorar em peacute) e o sentimento de aguda

necessidade e humildade do adorador diante de Deus que o levava em situaccedilotildees

extraordinaacuterias a prostrar-se em devoccedilatildeo visto que natildeo fazia parte da rotina

religiosa contemporacircnea o ajoelhar-se diante da divindade363 No caso de Fl 210 a

ideia eacute de uma profunda sujeiccedilatildeo e reconhecimento diante do senhorio de Jesus

Embora em outro contexto um paralelo neotestamentaacuterio seria Ap 58 ldquoAo receber

o livro os quatro seres viventes e os vinte e quatro Anciatildeos prostraram-se diante do

Cordeirordquo O texto descreve uma realidade celestial de prostraccedilatildeo diante de Jesus

o que (como eacute a perspectiva do livro de Apocalipse) funciona com paradigma para

360 Eacute interessante comparar essa descriccedilatildeo do hino com o fenocircmeno social do apego aos tiacutetulos Quantos pessoas ao receberem um tiacutetulo qualquer querem esquecer sua identidade como eram conhecidas anteriormente para serem agora somente reconhecidas pelo tiacutetulo 361 BAGD p 402 BALZ H SCHNEIDER G κάμπτω In DENT p 2190 362 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 306 363 MARTIN R P A Hymn of Christ p 265

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a Igreja aqui na Terra fazer o mesmo364 A reverecircncia ao Cordeiro que foi morto eacute

o reconhecimento da honra daquele que justamente foi desonrado e blasfemado na

sua morte na cruz365 E um dia como seraacute exposto abaixo os mesmos que o

mataram estaratildeo diante dele outra vez natildeo mais para desonraacute-lo mas de joelhos

dobrados diante dele

55 O alcance da reverecircncia a Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra

Na liacutengua grega ἐπουρανίων eacute usado de forma literal para referir-se aos seres

celestiais ἐπιγείων aos seres que habitam na Terra e καταχθονίων aos seres que

habitam debaixo da terra366 Os dois primeiros estatildeo geralmente em oposiccedilatildeo e

ἐπιγείων inclui os seres humanos Entre os seres celestiais estatildeo aliados e inimigos

de Deus367 estes uacuteltimos descritos em Ef 612 ldquocontra os Principados contra as

Autoridades contra os Dominadores deste mundo de trevas contra os Espiacuteritos do

Mal que povoam as regiotildees celestiais [ἐν τοῖς ἐπουρανίοις]rdquo

Na exegese contemporacircnea foi Lightfoot quem primeiro defendeu a

interpretaccedilatildeo de que a lista triacuteplice envolve tudo o que existe no universo incluindo

seres humanos seres espirituais (anjos e democircnios) e a proacutepria natureza em si

Nesse caso os trecircs adjetivos satildeo tomados como neutros A inclusatildeo dos elementos

naturais vem da comparaccedilatildeo com passagens como o Sl 148 e Rm 822 que mostram

o relacionamento da natureza com o seu criador368 De fato o caraacuteter poeacutetico da

passagem favorece a opiniatildeo de Lightfoot pois talvez Paulo natildeo estivesse

distinguindo trecircs grupos mas tatildeo soacute expressando a universalidade da reverecircncia

prestada a Jesus369

Uma segunda possibilidade de interpretaccedilatildeo eacute entender que por traacutes da

expressatildeo triacuteplice apenas estatildeo seres racionais sejam seres humanos anjos ou

364 BRUCE F F Filipenses p 82 365 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 116 366 BAGD p 290 360 e 420 367 MICHEL O ἐπουράνιος In DENT p 1562 368 MARTIN R P A Hymn of Christ p 257-258 A tese de Lightfoot foi adotada entre outros por SILVA M Philippians p 116 FOWL S Philippians p 103 embora este uacuteltimo cite com aprovaccedilatildeo a opiniatildeo de Crisoacutestomo de que a referecircncia seria aos seres racionais 369 BRUCE F F Filipenses p 83 Ele indica que as referecircncias a ceacuteu e terra no hino de Cl 115-20 seria um paralelo poeacutetico ao texto de Filipenses

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democircnios entendendo as trecircs palavras como masculinas O ponto eacute que apenas eles

podem cumprir as accedilotildees descritas na sequecircncia narrativa370 Essa perspectiva em

uma forma modificada remonta agrave antiga exegese feita pelos pais da igreja e talvez

seja a que talvez encontre maior nuacutemero de adeptos entre os estudiosos Em seu

favor estaria por exemplo o paralelo com Ap 513 ldquoκαὶ πᾶν κτίσμα ὃ ἐν τῷ οὐρανῷ

καὶ ἐπὶ τῆς γῆς καὶ ὑποκάτω τῆς γῆς καὶ ἐπὶ τῆς θαλάσσης καὶ τὰ ἐν αὐτοῖς

πάνταrdquo371 Para delimitar ainda esses seres racionais em questatildeo haacute duas

propostas de identificaccedilatildeo dos respectivos habitantes dos trecircs compartimentos do

universo apresentados pelo texto os anjos no ceacuteu os seres humanos que estatildeo na

Terra e os que estatildeo debaixo da Terra (no Sheol) ou simplesmente anjos seres

humanos e democircnios372

Um terceiro entendimento dessa expressatildeo defende a inexistecircncia de uma

situaccedilatildeo cuacuteltica em Fl 210-11 O cenaacuterio eacute determinado pelas antigas cerimocircnias

de entronizaccedilatildeo Assim sendo natildeo haacute aqui seres humanos nem Igreja nem mesmo

anjos O que existem satildeo os poderes que atuavam em todo o universo de forma

rebelde para com Deus Em uma palavra satildeo democircnios Eles dominavam essas trecircs

aacutereas da realidade conforme a antiga cosmologia que o judaiacutesmo compartilhava E

quando o cristianismo primitivo celebrou a vitoacuteria e exaltaccedilatildeo de Jesus incluiu sua

vitoacuteria sobre os poderes373 A ideia natildeo eacute de um reconhecimento voluntaacuterio e alegre

do senhorio Jesus mas que as forccedilas demoniacuteacas ldquosatildeo compelidas a admitir que ele

eacute o vencedor e eles apresentam sua submissatildeo pela sua prostraccedilatildeo diante delerdquo374

Para combinar essa interpretaccedilatildeo com o segmento inteiro dos versiacuteculos 210-11

Martin aponta a ligaccedilatildeo entre a confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo do versiacuteculo 10

com os exorcismos presentes nos evangelhos sinoacuteticos O ponto de comparaccedilatildeo eacute

que quando o nome de Jesus eacute proclamado os poderes demoniacuteacos se submetem

370 HAWTHORNE G F Philippians p 115 371 BALZ H SCHNEIDER G καταχθόνιος In DENT p 2259 Assim FEE G Comentario

de la Epiacutestola a los Filipenses p 293-294 SILVA M Philippians p 116 mostra que essa possibilidade eacute a menos objetaacutevel HELLERMAN J H Philippians p 122 372 MARTIN R P Hymn of Christ p 258 informa que a primeira versatildeo foi defendida por Clemente de Alexandria e Teodoreto enquanto que a segunda por Crisoacutestomo BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 146 defende a primeira alternativa informando natildeo existe atestaccedilatildeo para a inclusatildeo dos democircnios na expressatildeo καταχθόνιος Na mesma direccedilatildeo DE BOOR W HAHN E Carta aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 212 entende que a cosmovisatildeo biacuteblica natildeo visualiza Satanaacutes e os democircnios debaixo da Terra 373 Parece que a tese foi originalmente postulada por M Dibelius conforme MARTIN R P A

Hymn of Christ p 260 Nessa mesma linha KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 109 BARTH G A carta aos Filipenses p 48 374 MARTIN R P A Hymn of Christ p 261

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No segundo seacuteculo Justino afirma que a expulsatildeo de democircnios eacute possiacutevel porque

Jesus eacute o Senhor de todos os poderes Para fechar essa interpretaccedilatildeo Martin defende

que o verbo ἐξομολογέω tem na passagem sentido neutro diferente da confissatildeo de

feacute no sentido eclesiaacutestico mas como nas cerimocircnias de entronizaccedilatildeo antigas trata-

se apenas da admissatildeo da autoridade do Jesus exaltado como Senhor

Diante do exposto pode-se dizer que Martin estaacute certo no que afirma e

errado no que nega De fato a exaltaccedilatildeo de Jesus levou agrave submissatildeo de todos os

poderes a Jesus Satildeo democircnios que jaacute foram derrotados mas que reconheceratildeo essa

realidade na parusia apenas Entretanto natildeo eacute uma exegese razoaacutevel fazer da

expressatildeo totalizante ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων uma referecircncia

exclusiva aos democircnios375 Na verdade a carta aos Filipenses demonstra que os

crentes daquela cidade natildeo estavam muito preocupados com democircnios mas sim

com as autoridades romanas que se opunham agrave igreja376 Assim sendo a lista triacuteplice

de adjetivos juntos com a dupla πᾶνπᾶσα quer mostrar que o senhorio de Jesus

possui alcance coacutesmico Existe aqui uma cristologia coacutesmica muito semelhante a

esboccedilada em Cl 115-20377 Todo o universo visiacutevel e invisiacutevel foi impactado pela

exaltaccedilatildeo de Jesus Essa era uma mensagem fundamental para a mentalidade

helenista que ao contraacuterio da judaica valorizava muito mais a dimensatildeo espacial

do que a temporal Na visatildeo helenista existe o mundo divino que estaacute acima nos

ceacuteus e o mundo ldquoabaixordquo que eacute Terra possuiacuteda e dominada pelos poderes arbitraacuterios

e malignos378 A certeza de que haacute agora um uacutenico Senhor sobre todos os ldquomundosrdquo

era de fato uma boa notiacutecia Muito mais ainda quando o anuacutencio desse senhorio

faz parte do evangelho que mostra que o novo Senhor eacute um bom Senhor que

governa com amor e proporciona liberdade

E se Jesus eacute Senhor de todo universo espera-se que todo o universo se

submeta diante dele e o reconheccedila como tal No maacuteximo pode-se excluir os

elementos da natureza (vegetais animais e minerais) que natildeo podem realizar as

accedilotildees descritas pelos verbos κάμπτω e ἐξομολογέω ainda que tambeacutem eles estejam

375 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 mostra que o equiacutevoco dessa interpretaccedilatildeo comeccedila na suposiccedilatildeo de que a passagem depende exclusivamente de uma cosmologia gnoacutestica ou heleniacutestica 376 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 377 Lohmeyer sugere que as origens dessa cristologia coacutesmica remontam a junccedilatildeo preacute cristatilde das tradiccedilotildees do filho do homem de Dn 713-14 e do servo sofredor de Is 53 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 17-18 378 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship p 59-60

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subordinados ao Cristo exaltado e sejam alvo da transformaccedilatildeo escatoloacutegica que

estaacute em curso e culminaraacute em um novo ceacuteu e uma nova terra (Rm 819-21 Ap 211)

Essa interpretaccedilatildeo caminha de acordo com o Antigo Testamento no qual YHWH

faz exortaccedilatildeo para que ele seja adorado e receba a gloacuteria devida ao seu nome uma

exortaccedilatildeo que eacute dirigida ao povo de Israel (Sl 951-17) e tambeacutem aos seres

celestiais (Sl 291-2 1482) agraves pessoas em geral (Sl 471-2) a todo ser que respira

(Sl 1506) agrave toda a Terra (Sl 661-2) e finalmente agrave toda a criaccedilatildeo que eacute convocada

a adorar o Senhor (Sl 6934 969-13 984-9) A uacutenica mudanccedila eacute que agora o tiacutetulo

ldquoSenhorrdquo natildeo se refere apenas a YHWH mas tambeacutem a Jesus379

56 E toda liacutengua confesse

O verbo ἐξομολογέω pode ser tomado em um sentido neutro de admitir

reconhecer sem nenhum elemento de gratidatildeo ou devoccedilatildeo sincera envolvida380 A

ideia eacute que o termo estaria mais proacuteximo da aclamaccedilatildeo nas antigas cerimocircnias de

entronizaccedilatildeo do que do conceito moderno de confissatildeo pessoal de feacute Natildeo eacute uma

experiecircncia religiosa mas uma ldquoaccedilatildeo de direito sagradordquo onde ldquose reconhece

puacuteblica e indefectivelmente o proclamadordquo381

Entretanto o respectivo sentido neutro do verbo em questatildeo eacute caracteriacutestica

do seu uso no grego secular A Septuaginta vai carregar o sentido do grupo de

palavras relacionadas a ὁμολογέω com conteuacutedo hebraico veterotestamentaacuterio que

seria a leitura natural para um judeu Dessa forma as ideias baacutesicas subjacentes satildeo

confessar pecados e exaltar a Deus No Novo Testamento por sua vez o sentido

mais importante do grupo de palavras eacute o de dar testemunho com uma conotaccedilatildeo

legal Como em Lc 128 e Mt 1032 a confissatildeo implica em um comprometimento

com Jesus que traraacute implicaccedilotildees escatoloacutegicas no julgamento final Eacute natural que

essas palavras passem daiacute para a ideia de confissatildeo de feacute (Rm 109-10) O ponto eacute

que confessar eacute se comprometer com quem eacute confessado de modo que essa acepccedilatildeo

carrega junto aspectos do entendimento anterior Contudo parece que a

379 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 242 380 MARTIN R P A Hymn of Christ p 263-264 381 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 112

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terminologia passou de um compromisso pessoal de feacute para funcionar como

diferenciaccedilatildeo teoloacutegica entre grupos cristatildeos (1Jo 42)

O uso predominante de ἐξομολογέω no Novo Testamento natildeo segue o uso

do grego secular mas a perspectiva judaica de utilizaccedilatildeo no culto na adoraccedilatildeo

Dessa forma prioritariamente envolve a igreja que adora o Cristo Exaltado sobre a

Terra e no ceacuteu Mas natildeo se deve excluir a expectativa escatoloacutegica do texto e o seu

alcance coacutesmico que inclui todo o universo Esta natildeo pode ser uma exegese do tipo

isso-ou-aquilo isto eacute ou ἐξομολογέω tem um alcance exclusivamente coacutesmico ou

apenas eclesiaacutestico Nenhuma ldquoliacutenguardquo deveria ser excluiacuteda das palavras πᾶσα

γλῶσσα pois a intenccedilatildeo do autor eacute mostrar que o Jesus exaltado eacute Senhor de todo

o universo e a expectativa escatoloacutegica envolve nada menos do que todo universo

reconhecendo o senhorio de Jesus Literalmente falando um dia todos os seres

racionais reconheceratildeo que soacute existe um Senhor e o nome dele eacute Jesus382 E como

isso inclui democircnios e pessoas que rejeitam Jesus Cristo eacute certo que eles natildeo faratildeo

isso com alegria ou voluntariedade mas contra a sua proacutepria vontade diante de um

poder a que natildeo podem resistir No caso desse grupo ἐξομολογέω tem sem

duacutevidas um significado apenas formal sem qualquer conotaccedilatildeo de louvor accedilatildeo de

graccedilas e confissatildeo de feacute Em contrapartida a Igreja antecipa essa realidade

escatoloacutegica quando aqui e agora dobra os seus joelhos e confessa Jesus como

κύριος e faz isso de livre e espontacircnea vontade com alegria e louvor Por sua vez

a funccedilatildeo pragmaacutetica do hino eacute convocar os ouvintes e leitores a desde jaacute se juntarem

nessa adoraccedilatildeo e assumirem o senhorio de Jesus sobre suas vidas Para esse grupo

ἐξομολογέω tem o sentido prioritariamente biacuteblico de confissatildeo de feacute Natildeo se pode

afastar essa hipoacutetese simplesmente atribuindo ldquoconfissatildeo de feacuterdquo ao individualismo

moderno e estranha ao cristianismo primitivo383 Esse eacute um argumento falacioso

porque o objeto do verbo ἐξομολογέω eacute a sentenccedila κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς

reconhecida como uma das mais antigas confissotildees de feacute cristatildes utilizada no

382 HAWTHORNE G F Philippians p 116 Aqui volta-se novamente agrave discussatildeo de quem estaacute por traacutes da lista triacuteplice ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων Conquanto Hawthorne tenha optado pelo entendimento de que o texto se refere a todos os seres racionais ele observa que a expressatildeo ldquotoda a liacutenguardquo eacute sinocircnima de todos os povos da Terra (Is 6618 Dn 34 e 7 Ap 59 79 1011) 383 Opiniatildeo esboccedilada por MARTIN R P A Hymn of Christ p 264

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periacuteodo preacute paulino na igreja de fala aramaica384 e que talvez seja a matildee das

posteriores confissotildees de feacute385

Dessa forma a exegese do texto deve admitir a ambiguidade do verbo

utilizado e consideraacute-lo em conjunto com o horizonte escatoloacutegico presente na

passagem para solucionar a tensatildeo existente no universalismo encontrado aqui386

Natildeo eacute necessaacuterio trazer para o verbo ἐξομολογέω um improvaacutevel exclusivo sentido

proveniente do grego claacutessico para explicar que nem todos confessaratildeo Jesus como

Senhor de maneira espontacircnea Aliaacutes o verbo em tela eacute parte de uma passagem com

profundas influecircncias do Antigo Testamento e da LXX em particular e faz parte

de uma alusatildeo ao texto de Is 4523 que traz o mesmo verbo alterando apenas o seu

aspecto temporal Ou seja o sentido neutro de simples admissatildeo estaacute presente em

ἐξομολογέω como tambeacutem o aspecto positivo de um alegre e sincero

reconhecimento A escatologia paulina e a do cristianismo primitivo presentes na

passagem satildeo decisivas para a elucidaccedilatildeo da questatildeo387

57 O significado biacuteblico-teoloacutegico da reverecircncia oferecida em Fl 210-11

571 Quem reverencia e quem eacute reverenciado

Satildeo possiacuteveis duas interpretaccedilotildees sobre o destinataacuterio e a ocasiatildeo vinculados

agraves accedilotildees aqui descritas A primeira possibilidade enxerga o texto dentro de um

contexto lituacutergico Essa perspectiva comeccedila pela anaacutelise da relaccedilatildeo entre os verbos

κάμπτω e ἐξομολογέω e a expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ Em Fl 29-11 o sentido

384 FITZMYER J κύριος In DENT p 2439 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 385 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 284 386 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 247-250 apresenta seis extensos argumentos em favor do sentido neutro de ἐξομολογέω Ele poreacutem nem conjectura a possibilidade do autor estar usando o verbo de forma propositadamente ambiacutegua O ponto eacute que a maioria dos autores que defendem o verbo como neutro querem com isso afastar a implicaccedilatildeo teoloacutegica de que no final dos tempos todos os seres sem exceccedilatildeo ofereceratildeo uma adoraccedilatildeo voluntaacuteria e alegre a Jesus incluindo os poderes atualmente hostis a Deus No entanto ao fazerem isso esquecem que o verbo no texto tambeacutem funciona para a Igreja a qual natildeo faz uma mera admissatildeo do senhorio de Jesus Nesse sentido essa interpretaccedilatildeo soacute eacute coerente quando a Igreja eacute excluiacuteda da cena e apenas as forccedilas contraacuterias a Deus os democircnios satildeo visualizados Eacute a proposta original de Lohmeyer seguida por Martin Todavia coerecircncia natildeo eacute correccedilatildeo e esta interpretaccedilatildeo deve ser afastada por outras consideraccedilotildees 387 Apesar do contraacuterio parecer oacutebvio a tese de Martin de interpretar ἐξομολογέω agrave luz do grego claacutessico eacute seguida por vaacuterios exegetas como HELLERMAN J H Philippians p 123

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desta uacuteltima expressatildeo natildeo eacute instrumental como se as accedilotildees dos verbos em questatildeo

fossem feitas atraveacutes do nome de Jesus mas dirigidas a Deus Pai Ao contraacuterio a

honra eacute dirigida ao Cristo exaltado388 Tudo aqui eacute feito para o proacuteprio Jesus e por

causa do nome que agora ele tem Na locuccedilatildeo preposicional o genitivo Ἰησοῦ eacute

possessivo ou seja dobrar o joelho e confessar o nome que pertence a Jesus e jaacute

ficou estabelecido que esse nome eacute o tiacutetulo κύριος O Cristo exaltado como κύριος

eacute o recipiente das accedilotildees descritas nos versiacuteculos 10-11389 A evidecircncia da

Septuaginta fortalece esse argumento pois nela cultuar ldquoem nome de Deusrdquo

significa adoraccedilatildeo dirigida ao proacuteprio Deus390 Entre outros eacute o caso de 2Sm 2250

Sl 439 625 e 8813 textos que literalmente usam a expressatildeo ἐν τῷ ὀνόματι

Assim a ecircnfase da frase estaacute na proclamaccedilatildeo de Jesus como Senhor Quando

o nome daquele que tem o nome sobre todo nome eacute proclamado todos devem dobrar

os joelhos reverenciaacute-lo e reconhececirc-lo como Senhor Em outras palavras

adoraccedilatildeo dever ser dirigida a Jesus391 A situaccedilatildeo tiacutepica no culto cristatildeo em que isso

pode acontecer eacute o batismo onde o batizado se ajoelha e faz a confissatildeo do nome

de Jesus392 Quanto agrave outra questatildeo que discute a existecircncia de uma adoraccedilatildeo a Jesus

no cristianismo neotestamentaacuterio ela seraacute enfrentada mais agrave frente

A outra alternativa de interpretaccedilatildeo foi apresentada inicialmente por

Lohmeyer Segundo ele a igreja natildeo estaacute presente em nenhum lugar da passagem

O texto descreve um drama coacutesmico e mostra Jesus como Senhor do cosmos e natildeo

Senhor da Igreja393 Jesus continua sendo o alvo da reverecircncia mas quem se

submete natildeo satildeo os cristatildeos e sim os poderes coacutesmicos Existe aqui para esta

interpretaccedilatildeo uma descriccedilatildeo miacutetica paralela as que satildeo feitas no livro de

Apocalipse descrevendo uma cena do ldquooutro mundordquo com a linguagem deste

mundo Cristo estaacute assumindo o domiacutenio celestial e eacute saudado por isso394

388 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 240 389 MARTN R P A Hymn of Christ p 249-250 Da mesma forma pensa BRUCE F F Filipenses p 83 HAWTHORNE G Philippians p 115 entre outros 390 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 145 391 MARTIN R P A Hymn of Christ p 251-252 BOCKMUEHL M The Epistle to the

Philippians p 145 392 MARTIN R P Filipenses p 115 De fato o batismo eacute considerado por alguns como a possiacutevel situaccedilatildeo lituacutergica na qual o hino originalmente teria sido usado se algum dia ele existiu fora da carta aos Filipenses cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 81-82 393 Esse foi um dos pontos fundamentais para Lohmeyer rejeitar a autoria paulina do hino Da mesma forma KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 109 394 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p 253 Lohmeyer estaacute usando mito conforme a definiccedilatildeo de Bultmann ldquoo uso de imagens para expressar o outro mundo em termos deste mundo e o divino em termos de vida humana o outro lado em termos deste ladordquo

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Kaumlsemann adotou e desenvolveu essa interpretaccedilatildeo mostrando que a utilizaccedilatildeo do

nome ldquoJesusrdquo na passagem eacute fundamental para distinguir o mito do uso cristatildeo do

mito Pois na medida em que o autor utiliza nessa segunda parte o nome terreno do

κύριος exaltado ele assume que esse κύριος eacute o mesmo homem-servo descrito na

primeira parte que se humilhou foi obediente e morreu em uma cruz Esta ligaccedilatildeo

do κύριος com Jesus mostra que o hino apenas utiliza a estrutura do mito mas

afasta-se dele em um ponto determinante

O duplo uso do adjetivo πᾶνπᾶσα jaacute indica algo total universal Com a lista

triacuteplice de adjetivos ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων percebe-se que o

autor quer descrever aqui accedilotildees que vatildeo muito aleacutem de uma situaccedilatildeo restrita a um

ambiente eclesiaacutestico Seja como for que se entenda cada uma das trecircs palavras

elas querem acentuar que o senhorio de Jesus eacute coacutesmico universal estaacute fora de

qualquer limitaccedilatildeo geograacutefica No entanto eacute problemaacutetico seguir esta ideia

esboccedilada acima e excluir a situaccedilatildeo de culto do quadro de Fl 29-11 Primeiro como

argumentado na exposiccedilatildeo sobre o versiacuteculo 25 o hino apresenta o que significa

estar ἐν Χριστῷ e nesse sentido inclui e diz respeito diretamente aos cristatildeos Se o

quadro pintado eacute coacutesmico eacute porque o alcance do senhorio de Jesus Cristo tambeacutem

eacute coacutesmico Isso natildeo exclui a igreja mas a inclui395 Segundo por conta do vieacutes

escatoloacutegico da passagem a Igreja jaacute aqui e agora pode e deve dobrar-se diante do

nome de Jesus e confessaacute-lo como seu Senhor antecipando o final dos tempos

Todos aqueles que um dia ouviram o hino ou ouviram a carta de Paulo ser lida no

culto ou hoje a leem satildeo desafiados a reverenciar e confessar Jesus Chegaraacute o

tempo em que todos faratildeo isso voluntariamente com alegria ou constrangidos por

simples constataccedilatildeo da realidade396 Nas palavras de De Boor

Bilhotildees de pessoas passaram por esta terra e morreram sem ter conhecido Jesus Todas elas o conheceratildeo todas dobraratildeo o joelho diante dele [] Atualmente milhotildees ainda natildeo sabem nada a respeito de Jesus milhotildees o rejeitam desprezam ridicularizam ou odeiam poreacutem esses milhotildees hatildeo de se ajoelhar diante dele todos sem exceccedilatildeo [] Com que juacutebilo e beatitude se ajoelharatildeo diante de Jesus aqueles que se deixaram salvar por ele que por isso o amaram e viveram para ele Como de pavor cairatildeo de joelhos aqueles que passaram orgulhosamente por ele ou o combateram397

395 BRUCE F F Filipenses p 89 396 Natildeo significa assim que um dia todo o universo tornar-se-aacute disciacutepulo voluntaacuterio e feliz de Jesus VOLF-GUNDRY J M Universalismo In DPC p 1220-1221 397 DE BOOR W HAHN E Cartas aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 212

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O fato eacute que Fl 210-11 opera dentro do famoso esquema neotestamentaacuterio

do jaacute-e-ainda-natildeo escatoloacutegico O curioso eacute que o proacuteprio Kaumlsemann caiu no erro

que criticou de desprezar o escatoloacutegico em favor do miacutetico

E embora natildeo decisivo um argumento adicional em favor da tese que inclui

a Igreja nessa submissatildeo a Jesus eacute a pergunta pela funccedilatildeo pragmaacutetica do texto isto

eacute por que e com qual objetivo foi escrito tal texto398 E a resposta provaacutevel natildeo eacute

simplesmente informar os leitores de um evento coacutesmico mas descrever um evento

escatoloacutegico e desafiar os leitores a reconhecer Jesus como Senhor e em

consequecircncia viver o estilo de vida correspondente a essa submissatildeo que eacute o

objetivo da parecircnese paulina no contexto como visto um pouco antes

572 Quando eacute reverenciado

A questatildeo eacute qual perspectiva temporal estaacute envolvida no senhorio de Jesus

e consequentemente na reverecircncia oferecida a Jesus isto eacute Jesus jaacute assumiu o seu

senhorio sobre o cosmos e as accedilotildees de Fl 210-11 jaacute satildeo oferecidas a ele como tal

ou tudo isso soacute ocorreraacute na parusia Quando seraacute esse momento em que todo o

universo se prostraraacute diante de Jesus Existe assim uma tensatildeo escatoloacutegica no

texto A melhor soluccedilatildeo eacute a que foi desenvolvida por Cullmann399 Dentro da

perspectiva da histoacuteria da salvaccedilatildeo Cullmann defende que para o cristianismo

primitivo o evento Cristo ndash a apariccedilatildeo do Messias sua morte e ressurreiccedilatildeo ndash eacute o

acontecimento central da histoacuteria da salvaccedilatildeo

Eacute o ponto central que daacute o verdadeiro sentido salviacutefico ao passado agrave luz do

evento central a narrativa do Antigo Testamento eacute compreendida como preparatoacuteria

para a apariccedilatildeo do Cristo400 Quanto ao futuro o cristianismo primitivo alterou o

seu significado em relaccedilatildeo ao judaiacutesmo Neste toda a esperanccedila de salvaccedilatildeo tendia

398 EGGER W Metodologia do Novo Testamento p 131 399 Nesse quesito ele foi seguido de perto por MARTIN R P A Hymn of Christ p 267-270 Outra soluccedilatildeo eacute apresentada por BARTH G A carta aos Filipenses p 48 52-53 Ele entende que Fl 210-11 apresenta o que os poderes espirituais ofereceram a Jesus no momento da sua exaltaccedilatildeo Seguindo o padratildeo das cerimocircnias de entronizaccedilatildeo no momento da ressurreiccedilatildeo exaltaccedilatildeo os poderes espirituais que atuavam no universo de forma rebelde se prostraram diante de Jesus e reconheceram ele como o legiacutetimo Senhor do cosmos Disso ele conclui que o hino traz uma escatologia diferente daquela caracteristicamente paulina ou seja uma escatologia jaacute completa e realizada sem esperanccedila futura 400 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 179

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para o futuro para o que Deus tinha preparado para o final dos tempos Jaacute os

primeiros cristatildeos entenderam que o acontecimento salviacutefico preparado por Deus jaacute

aconteceu Para eles ldquoo futuro natildeo eacute mais como no judaiacutesmo o telos doador de

sentido a toda a histoacuteria Na realidade o τέλος que daacute seu sentido agrave histoacuteria eacute Jesus

Cristo que jaacute veiordquo401 Isso natildeo significa poreacutem que o futuro perdeu o seu valor

Ele foi sim resignificado no cristianismo primitivo em relaccedilatildeo ao judaiacutesmo

O papel do futuro fica ainda mais claro quando se entende o sentido

histoacuterico-salviacutefico do presente nesse esquema Antes de tudo eacute um presente

delimitado Natildeo eacute um presente ad eternum Ele comeccedilou na exaltaccedilatildeo de Cristo e

terminaraacute na sua parusia402 E o conteuacutedo cristoloacutegico desse presente eacute o reinado de

Jesus Aqui volta-se para o conteuacutedo de Fl 210-11 Para o cristianismo primitivo

a exaltaccedilatildeo de Jesus caracteriza o iniacutecio da sua soberania coacutesmica nos ceacuteus na

Terra e debaixo da Terra403

W Bousset sustentou que essa era uma compreensatildeo que somente se

desenvolveu no cristianismo em comunidades cristatildes helenistas O foco cristoloacutegico

palestinense era apenas a expectativa da volta do filho do homem404 Inclusive o

tiacutetulo κύριος era entendido por esse vieacutes escatoloacutegico Jesus eacute o κύριος que viraacute na

parusia Contudo essa riacutegida diferenciaccedilatildeo entre uma cristologia helenista e outra

401 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 182 Grifos dele 402 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194 Assim tambeacutem KAumlSEMANN E Ensayos

Exegeticos p 111 ldquoSegundo a concepccedilatildeo neotestamentaacuteria o tempo do fim comeccedila precisamente com o que se realiza com Cristo e em Cristo Naturalmente o que aqui se descreve natildeo pode considerar-se todavia como acabado Ele se cumpre continuamente ateacute que chegue a parusiardquo 403 Segundo 1Cor 1524 no final desse presente Jesus entregaraacute o reino a Deus Pai Eacute difiacutecil no entanto distinguir entre um Reino de Deus e um Reino de Cristo (Regnum Dei e Regnum Christi) Kreitzer opina que ao inveacutes de forccedilar a passagem nessa direccedilatildeo eacute necessaacuterio compatibilizaacute-la com outros textos paulinos e assim concluir que natildeo existe uma diferenccedila real entre Reino de Deus e Reino de Cristo KREITZER L J Reino de DeusCristo In DPC p 1054-1055 Pode-se tatildeo somente dizer que nesse periacuteodo da histoacuteria da salvaccedilatildeo Deus estaacute reinando atraveacutes de Cristo ldquoNo pensamento do apoacutestolo natildeo haacute distinccedilatildeo real entre o reino de Deus e o reino de Cristordquo GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 385 Veja que Ap 115 vislumbra um reinado conjunto entre Deus e o Messias ldquoO reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo e ele reinaraacute pelos seacuteculos dos seacuteculosrdquo 404 Para BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 173 essa ecircnfase no senhorio presente de Jesus inclusive com suas implicaccedilotildees lituacutergicas ldquoeacute o aspecto caracteriacutestico da comunidade escatoloacutegica do cristianismo helenista pois foi nela que pela primeira vez a figura de Jesus Cristo natildeo eacute apenas a do salvador escatoloacutegicordquo

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aramaico-palestinense foi considerada muito duvidosa e mesmo equivocada405 de

modo que se reconheceu que o cristianismo primitivo jaacute no seu primeiro segmento

em Jerusaleacutem sempre teve uma cristologia da exaltaccedilatildeo com amplos coloridos

lituacutergicos conjugada com a expectativa escatoloacutegica de uma futura parusia de

Cristo406 Esse duplo foco no reinado presente e na esperanccedila futura pode ter

seguido o caminho apontado por Marshall ldquoa igreja natildeo tinha razatildeo para supor que

Jesus iria retornar como Senhor se ele natildeo tivesse sido exaltado por Deusrdquo por

outro lado ldquosobre a base da ressurreiccedilatildeo os disciacutepulos devem ter argumentado

que Jesus deve ser o Senhor exaltado e portanto o Senhor vindouro e Filho do

Homemrdquo407

No Novo Testamento a cristologia do presente estaacute associada de modo

especial ao Salmo 1101 e a confissatildeo de feacute ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo Ambos os

elementos estatildeo presentes aqui em Fl 210-11 (o que reforccedila a importacircncia

cristoloacutegica desse texto) A confissatildeo de feacute aparece explicitamente no verso 11 e

seraacute objeto do proacuteximo capiacutetulo O Sl 1101 pode estar impliacutecito na expressatildeo πᾶν

γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων O Salmo diz ldquoOraacuteculo de

Iahweh ao meu senhor lsquoSenta-te agrave minha direita ateacute que eu ponha teus inimigos

como escabelo de teus peacutesrsquordquo Esse texto tornou-se uma fonte de reflexatildeo

cristoloacutegica jaacute na fase mais primitiva da igreja408 um caminho indicado pelo proacuteprio

Jesus segundo os evangelhos sinoacuteticos (Mt 224-16 Mc 1235-37 Lc 2041-44) E

ainda nesta fase inicial ele foi ligado a um versiacuteculo de outro salmo de intepretaccedilatildeo

messiacircnica o Sl 87 que afirma ldquoPara que domine as obras de tuas matildeos sob seus

peacutes tudo colocasterdquo409 A associaccedilatildeo entre os dois salmos pode ser constatada em

405 Parece que a ideia uma igreja heleniacutestica separada de Jerusaleacutem e anterior agrave conversatildeo de Paulo foi apresentada pela primeira vez em 1912 (um ano antes do lanccedilamento da obra de Bousset) em um artigo de W Heimuumlller como informa HENGEL M Between Jesus and Paul p 32-33 Destarte Hengel tambeacutem afirma que cresceu entre os estudiosos da aacuterea a consciecircncia de que na Igreja de Jerusaleacutem havia cristatildeos de fala grega de modo que formulaccedilotildees cristoloacutegicas feitas em grego natildeo necessariamente refletem um periacuteodo posterior Nas palavras de DODD C H Segundo as

Escrituras p 116 ldquoremontar a uma eacutepoca em que natildeo havia nenhum cristatildeo de liacutengua grega eacute uma tarefa desesperadorardquo 406 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 24-38 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 147-151 RIDDERBOS H A teologia do

apoacutestolo Paulo p 85 407 MARSHALL I H The Origins of New Testament Christology p 102-103 408 DODD C H Segundo as Escrituras p 104-105 BRUCE F F Paulo apoacutestolo da graccedila p 111 Ambos os autores relacionam o salmo 1101 como um dos mais antigos testimonia da igreja pimitiva 409 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 296

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1Cor 1525-27 Ef 120-22 1Pe 322 e Hb 113-29410 Os dois salmos foram ligados

agrave exaltaccedilatildeo de Jesus e assim ao tiacutetulo κύριος O ldquoSenta-te agrave minha direitardquo ligou-

se agrave ascensatildeo de Jesus (chegando a ser incluiacutedo no chamado ldquoCredo apostoacutelicordquo)

o ldquosob seus peacutes tudo colocasterdquo relacionava-se ao senhorio presente e universal de

Cristo e os ldquoinimigosrdquo do Sl 1101 foram interpretados como os principados e

potestades indicando a soberania espiritual de Jesus411 E como notado acima o

entendimento correto da expressatildeo πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ

καταχθονίων inclui o conceito da subordinaccedilatildeo das forccedilas coacutesmicas ao Jesus

exaltado Justamente o reinado de Cristo no presente envolve a subjugaccedilatildeo de todos

esses ldquoinimigosrdquo que no entanto seratildeo finalmente derrotados na parusia nessa

tensatildeo entre presente e futuro 412

Dessa forma para o cristianismo primitivo o reinado de Cristo jaacute comeccedilou

em sua exaltaccedilatildeo413 e o seu senhorio sobre as forccedilas coacutesmicas estaacute dentro da famosa

categoria neotestamentaacuteria do jaacute-e-ainda-natildeo ou seja Cristo jaacute as subjugou e eacute

Senhor sobre elas mas elas ainda natildeo foram destruiacutedas e ainda exercem algum tipo

de atividade no mundo414 Esse paradoxo estaacute bem expresso em outros textos do

cristianismo primitivo como em 1Pe 322 ldquoque tendo subido ao ceacuteu estaacute agrave direita

de Deus estando-lhe sujeitos os anjos as Dominaccedilotildees e as Potestadesrdquo e na

Segunda Epiacutestola de Policarpo aos Filipenses 21 ldquocrendo naquele que ressuscitou

nosso Senhor Jesus Cristo dos mortos e lhe deu a gloacuteria e o trono agrave sua direita Tudo

o que existe no ceacuteu ou na terra lhe estaacute submissordquo415

410 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 296 411 DODD C H Segundo as Escrituras p 118 CULLMANN O Cristologia do Novo

Testamento p 292 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 239 Neste uacuteltimo o autor defende que a interpretaccedilatildeo dos inimigos do Sl 1101 como potestades pelo Novo Testamento foi intermediada pela crenccedila existente no judaiacutesmo tardio de que as naccedilotildees satildeo governadas por anjos 412 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 113 vai entender que esse tema da subjugaccedilatildeo dos poderes eacute uma adaptaccedilatildeo cristatilde do mito helenista do salvador entronizado presente especialmente na quarta eacutecloga de Virgiacutelio 413 A interpretaccedilatildeo da temaacutetica do reino de Deus nos evangelhos sinoacuteticos daacute conta que o ministeacuterio terreno de Jesus jaacute inaugurou esse reino A presenccedila de Jesus jaacute eacute a manifestaccedilatildeo do Reino Soacute que a accedilatildeo de Jesus que traz o reino natildeo eacute soacute a encarnaccedilatildeo e sua pregaccedilatildeo mas o complexo de eventos que marca essa virada escatoloacutegica e cujo uacuteltimo acontecimento foi a exaltaccedilatildeo Dessa forma Paulo de forma acertada enfatiza o reinado de Cristo a partir da sua exaltaccedilatildeo sem estabelecer necessariamente uma contradiccedilatildeo com os sinoacuteticos 414 BARCLAY W Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 46 apresenta um tipo de universalismo romacircntico atraveacutes do qual defende que o senhorio de Cristo nunca envolve subjugaccedilatildeo Segundo ele no final dos tempos todo o universo aclamara Jesus como Senhor constrangido pelo tamanho do seu amor e sacrifiacutecio 415 POLICARPO DE ESMIRNA Segunda Carta aos Filipenses p 139-140

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Ademais os primeiros cristatildeos diluiacuteam essa tensatildeo entre o presente e futuro

histoacuterico salviacutefico na sua experiecircncia de adoraccedilatildeo ldquoSempre nos momentos de culto

cristatildeo tempo e espaccedilo satildeo obliterados e a igreja adoradora sobre a Terra eacute uma em

eternidade com a Igreja nos lugares celestiaisrdquo416 De fato haacute uma forte conexatildeo

entre Fl 26-11 e o culto cristatildeo Se a passagem natildeo tiver sua origem em um hino

cristatildeo primitivo (o que eacute improvaacutevel como visto acima) a ideia de dobrar os

joelhos e fazer confissatildeo e no caso particularmente a confissatildeo ldquoJesus eacute Senhorrdquo

remetem de fato ao contexto de culto Destarte natildeo existe um dilema real entre a

adoraccedilatildeo a Jesus no presente e no futuro O texto fala de uma adoraccedilatildeo no presente

e no futuro descrevendo o que agora jaacute acontece na Igreja e o futuro que envolveraacute

todo o universo417

O segundo conteuacutedo teologicamente importante do presente na histoacuteria da

salvaccedilatildeo eacute a igreja418 O periacuteodo entre a ascensatildeo e a parusia eacute o tempo da igreja E

se Cristo estaacute reinando sobre todo o universo a igreja eacute ldquoo centro espacial dessa

soberaniardquo pois nela essa soberania torna-se visiacutevel419 Isso ocorre porque dentro

desse periacuteodo delimitado como presente e dentro desse espaccedilo que eacute o cosmos eacute na

Igreja que se pode encontrar aqueles que dobram os seus joelhos ao nome de Jesus

e confessam com seus laacutebios que Jesus Cristo eacute Senhor Aquilo que seraacute no tempo

futuro uma realidade universal jaacute acontece no tempo presente no espaccedilo chamado

Igreja Nesse contexto deve ser mencionada a proximidade entre o Jesus exaltado e

Espiacuterito Santo Porque nesse presente da histoacuteria da salvaccedilatildeo a Igreja eacute a

comunidade caracterizada pela presenccedila do Espiacuterito e dirigida por ele E esse

fenocircmeno eacute consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus Estar na Igreja eacute equivalente a estar

em Cristo que eacute sinocircnimo de estar no Espiacuterito Ou ainda na oacutetica do presente da

histoacuteria da salvaccedilatildeo estar na Igreja e estar no Espiacuterito equivale a vivenciar o reinado

do Cristo exaltado420 E por outro lado o Espiacuterito Santo eacute nesse tempo o agente de

Cristo pois ele age na comunidade promovendo o nome de Jesus421 ldquoAssim o

416 MOULE C F D The Birth of the New Testament p 149 417 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo p 120 418 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194-195 419 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 194 420 KREITZER L J Reino de DeusCristo In DPC p 1054 421 WITHERINGTON III B Cristologia In DPC p 324 Isso natildeo implica dizer que Paulo confundia o Senhor exaltado com o Espiacuterito Santo

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Senhor exaltado estaacute presente e disponiacutevel para o fiel por meio do Espiacuterito que nele

habitardquo422

E essa perspectiva possui uma dupla funccedilatildeo pragmaacutetica Para a Igreja

propriamente dita o hino faz ver aleacutem do presente para contemplar a realidade

escatoloacutegica completa quando todas as forccedilas poderes e seres que hoje se opotildeem

e mesmo perseguem o corpo de Cristo aqui na Terra dobraratildeo os joelhos diante do

Senhor da Igreja e confessaratildeo o seu nome reconhecendo entatildeo sua derrota423

Assim ldquoquando o hino eacute cantado e seu poderoso senhorio eacute reconhecido e

confessado a Igreja mostra que mesmo agora e aqui sobre a Terra existe um

presente Reino de Cristo e que ela eacute chamada a viver (e sofrer) sob o senhorio dele

que eacute a cabeccedila da Igrejardquo424 Nessa perspectiva o texto tanto traz esperanccedila pois

mostra a realidade que hoje soacute eacute conhecida pela feacute425 quanto reafirma para o cristatildeo

a sua situaccedilatildeo atual de estar ldquoἐν Χριστῷrdquo (Fl 25) e que a sua vida deve

corresponder a essa situaccedilatildeo escatoloacutegica na qual ele estaacute inserido tendo Jesus o

Senhor do cosmos como seu senhor pessoal426 Aqui reencontra-se o elemento

pareneacutetico da passagem

Por outro lado esse texto traz uma dimensatildeo ainda maior Como nem todas

as pessoas que vivem nesse tempo presente estatildeo dentro desse espaccedilo chamado

Igreja Fl 210-11 tambeacutem cumpre a funccedilatildeo de desafiar seus ouvintes e leitores a jaacute

se submeterem e a confessarem Jesus como seu κύριος Nessa linha Fl 210-11

vislumbra um duplo reconhecimento do senhorio de Jesus Aqueles que tanto aqui

e agora quanto no final dos tempos celebram alegremente Jesus como Senhor e

422 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 524 423 Ao contraacuterio do exposto acima HAWTHORNE G F Philippians p 116 apresenta uma opiniatildeo bem peculiar Na visatildeo dele o hino esboccedila a expectativa de que um dia todo o universo se submeteraacute alegremente a Jesus como Senhor Ele parte da premissa de que o texto tem em mira todos os seres inteligentes do universo e que todos eles tecircm a liberdade de escolher a quem vatildeo se submeter Nesse sentido o hino estaria afirmando que Deus exaltou Jesus com essa intenccedilatildeo poreacutem por causa da liberdade dos seres a proacutepria expectativa de Deus pode ser frustrada Eacute difiacutecil no entanto considerando os dados biacuteblicos pensar que essa seja a expectativa de Deus em relaccedilatildeo aos democircnios por exemplo 424 MARTIN R P A Hymn of Christ p 291 425 MARTIN R P A Hymn of Christ p 269-270 Cullmann indica que no momento da Eucaristia em cada culto cristatildeo a Igreja experimenta a atualizaccedilatildeo da histoacuteria da salvaccedilatildeo evocando os acontecimentos do evento central (morte e ressurreiccedilatildeo) e antecipando algo que soacute deveria ocorrer no final dos tempos que eacute a comunhatildeo com Jesus Cristo ressurreto CULLMANN O Cristo e o

Tempo p 199 Isso daacute alguma razatildeo aos que pensam que Fl 26-11 se originou em um contexto eucariacutestico Essa era a tese de Lohmeyer que entre outros argumentos afirmou que nesta periacutecope ldquoa feacute da igreja eacute direcionada a um alvo puramente escatoloacutegicordquo E Lohmeyer apud ldquoMARTIN R P A Hymn of Christ p 94 426 MARTIN R P Filipenses p 115-116

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por isso com gratidatildeo e de forma voluntaacuteria dobram os joelhos diante de Jesus

Em contrapartida aqueles que aqui rejeitam Jesus Cristo na sua parusia teratildeo de

curvar-se diante dele com vergonha e tristeza427

58 Fl 210-11 e a adoraccedilatildeo a Jesus

Conforme observado acima os verbos κάμπτω e ἐξομολογέω descrevem

accedilotildees religiosas que satildeo dirigidas ao proacuteprio Jesus No contexto biacuteblico satildeo verbos

proacuteprios da adoraccedilatildeo428 Cabe aqui entatildeo aprofundar um pouco a discussatildeo de uma

adoraccedilatildeo a Jesus no Novo Testamento e em Fl 210-11 de modo especiacutefico

A questatildeo eacute que alguns estudiosos continuaram seguindo o esquema de uma

comunidade heleniacutestica distinta do cristianismo palestinense com uma ecircnfase

cristoloacutegica completamente diferenciada Nesta perspectiva muitos consideraram

que a adoraccedilatildeo a Jesus no culto resultante de uma cristologia da exaltaccedilatildeo foi uma

deturpaccedilatildeo equivalente agrave criaccedilatildeo de uma nova religiatildeo em relaccedilatildeo aos cristatildeos de

Jerusaleacutem429 O pressuposto eacute que seria inconcebiacutevel para um judeu adorar outra

pessoa ao lado de Deus Para sair desse dilema uma das propostas foi reconhecer

que a liturgia das igrejas palestinense e heleniacutestica a saber os hinos as oraccedilotildees o

proacuteprio culto sempre foi destinado a Deus Jesus desempenhava um duplo papel o

de conteuacutedo do culto onde a igreja louvava e agradecia a Deus por Jesus e

mediador do culto as oraccedilotildees accedilotildees de graccedilas e louvores chegam ao Pai por meio

do Senhor Jesus De fato ambas as funccedilotildees de Jesus satildeo atestadas no Novo

Testamento Como mediador Jo 162326 Rm 18 Ef 520 Cl 317 1Tm 25 entre

outros Como conteuacutedo os hinos de Fl 26-11 Cl 115-20 1 Tm 316 e em especial

a celebraccedilatildeo da Ceia do Senhor Mas deve se parar por aiacute J D G Dunn acha que

sim430 Ele recomenda cautela quando se fala de um culto a Jesus no cristianismo

primitivo Ele sugere seguir a terminologia proposta no conciacutelio de Niceacuteia em 787

427 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 146-147 428 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los

Filipenses (Phil 26-11) p 467-468 429 BULTMANN R Crer e compreender p 109 afirma ldquoo cristianismo heleniacutestico eacute uma religiatildeo de culto ele eacute no fundo uma religiatildeo totalmente nova em relaccedilatildeo ao protocristianismo palestinenserdquo Jaacute FULLER R H The foundations of New Testament Christology p 158 considera que uma adoraccedilatildeo a Jesus nem na igreja helenista ocorreu 430 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 305-308

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distinguindo culto e veneraccedilatildeo ldquotemos que falar da veneraccedilatildeo de Cristo

significando com isso algo menos que o culto plenordquo431 Entretanto essas satildeo

categorias anacrocircnicas quando utilizadas dentro do Novo Testamento432 E a

consideraccedilatildeo de outras evidecircncias no Novo Testamento aponta na direccedilatildeo de que

no cristianismo primitivo Jesus era realmente adorado junto com Deus Pai

Primeiro existem alguns exemplos de oraccedilotildees dirigidas a Jesus Embora em

Atos o tiacutetulo κύριος seja usado de forma um pouco ambiacutegua433 o que as vezes

dificulta saber se a referecircncia eacute a Deus ou a Jesus eacute possiacutevel que o referente seja

Jesus nos seguintes textos 124 132 e especialmente 759-60 onde Estevatildeo

invoca (ἐπικαλούμενον) o Senhor Jesus e em seguida ajoelhou-se e clamou ao

Senhor (θεὶς δὲ τὰ γόνατα ἔκραξεν) pedindo que ele perdoe os seus assassinos434

Atitude de Estevatildeo lembra a de Jesus na cruz mas enquanto Jesus se dirigiu a Deus

Pai Estevatildeo se dirigiu ao Jesus exaltado435 No corpus paulino se admite que o

provaacutevel uacutenico exemplo de oraccedilatildeo dirigida a Jesus eacute 2Co 128 ldquo trecircs vezes pedi

ao Senhor que o afastasse de mimrdquo436 A expressatildeo transliterada μαράνα θά em

1Cor 1622 tambeacutem deve ser encarada como uma suacuteplica dirigida ao Jesus exaltado

assim como sua equivalente traduzida em Ap 2210b437

O paralelo mais estreito com Fl 210-11 no Novo Testamento eacute Ap 513 que

apresenta Jesus recebendo ao lado de Deus Pai adoraccedilatildeo de todos os seres do

cosmos ldquoEntatildeo ouvi que toda criatura que haacute no ceacuteu e sobre a terra debaixo da

terra e sobre o mar e tudo o que neles haacute estava dizendo Agravequele que estaacute sentado

431 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 308 432 Como observa HURTADO L W As Origens da Adoraccedilatildeo Cristatilde p 110 ldquoA antiga distinccedilatildeo entre lsquoveneraccedilatildeorsquo e lsquoadoraccedilatildeorsquo a que Dunn se refere natildeo eacute tatildeo antiga o bastante para que seja levada em conta na exegese do NTrdquo 433 O uso ambiacuteguo que Atos faz do tiacutetulo pressupotildee a divindade de Jesus como se veraacute no ponto 413 do proacuteximo capiacutetulo Por conseguinte segundo WITHERINGTON III B Lord In DLNTD p 670 ldquoEsta ambiguumlidade natildeo incomodou Lucas porque em sua visatildeo a terminologia eacute igualmente apropriada quando usada para Deus ou para Jesus especialmente porque ele via Jesus como um objeto de culto apropriadordquo O tiacutetulo seraacute κύριος seraacute analisado com maior profundidade no proacuteximo capiacutetulo 434 Quanto agrave identificaccedilatildeo de κύριος nesses textos como sendo Jesus WITHERINGTON III B op cit p 670 MARSHALL I H Atos passim e DUNN J D G The Christ and the Spirit p 245-248 concordam em relaccedilatildeo a 760 A identificaccedilatildeo de 124 eacute proposta por Marshall e 132 por Witherington III Dunn considera que 124 refere-se a Deus e que 132 eacute ambiacuteguo 435 MARSHALL I H op cit p 145-146 436 Entre outros assim pensam CULLMANN O A oraccedilatildeo no Novo Testamento p 200 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 306 MARXEN W Christology In IDB p 151 437 BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 176-178 defende que o Novo Testamento testemunha apenas exemplos de oraccedilotildees feitas a Jesus fora do ambiente lituacutergico na vida pessoal como 2Co 128 e outros Para ele oraccedilotildees lituacutergicas dirigidas diretamente a Jesus na antiguidade soacute satildeo encontradas nos Atos dos apoacutestolos apoacutecrifos

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no trono e ao Cordeiro seja o louvor e a honra e a gloacuteria e o domiacutenio pelos seacuteculos

dos seacuteculosrdquo Em ambos os textos o culto a Jesus natildeo eacute separado do culto a Deus

Pai Eacute interessante notar ainda que o texto de Apocalipse traz as mesmas duas

tensotildees presentes aqui em Filipenses Ele apresenta uma realidade escatoloacutegica

futura que deve ser replicada no presente e traz a questatildeo ndash ateacute de uma forma mais

impressionante pela doxologia empregada ndash se esse louvor a Jesus eacute prestado

sinceramente por todos ou se alguns o faratildeo apenas por reconhecimento

L W Hurtado aprofundou a pesquisa nessa direccedilatildeo Ele chamou a atenccedilatildeo

para a estreita relaccedilatildeo entre o culto a Jesus e o desenvolvimento da cristologia no

cristianismo primitivo438 Ao contraacuterio de outros estudiosos ele natildeo considera que

a fonte da cristologia palestinense esteja nas especulaccedilotildees judaicas poacutes-exiacutelicas

como na famosa personificaccedilatildeo da sabedoria Para ele o judaiacutesmo ofereceu a

linguagem e os modelos para a articulaccedilatildeo da cristologia poreacutem a propulsatildeo do

pensamento cristoloacutegico ocorreu no culto cristatildeo As diversas especulaccedilotildees do

judaiacutesmo poacutes-exiacutelico natildeo alteraram o seu culto A partir da ressurreiccedilatildeo e exaltaccedilatildeo

de Jesus os cristatildeos judeus alteram o seu culto passando a ter um culto

ldquoBinitarianordquo Percebe-se a estreita relaccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus com o culto Era

ldquotanta gloacuteria divina superlativa e sem precedentes que eles [os primeiros cristatildeos]

sentiram-se compelidos a responder devocionalmente como eles fizeramrdquo439

Esta inovaccedilatildeo religiosa natildeo afetou o monoteiacutesmo como se veraacute no proacuteximo

capiacutetulo O culto a Jesus natildeo eacute um culto separado do culto a Deus O culto no

cristianismo primitivo dirigia-se tanto a Deus quanto a Jesus Cabe notar que

segundo padrotildees judaicos de pensamento se algueacutem estaacute ao lado de Deus

compartilha da soberania de Deus tem inclusive o proacuteprio nome de Deus (Fl 210-

11) esse algueacutem natildeo pode receber nada menos que a mesma adoraccedilatildeo que eacute a dada

a Deus Quer dizer que simplesmente prestar honras a Jesus sem cultuaacute-lo ao lado

de Deus era uma forma sofisticada de politeiacutesmo para os padrotildees judaicos440 Isso

reforccedila a tese do paraacutegrafo anterior pois pela oacutetica judaica o culto era o verdadeiro

teste praacutetico do monoteiacutesmo separando quem adora de quem eacute adorado441 Assim

438 CASEY P M Lord Jesus Christ A response to professor Hurtado p 83 ndash 96 HURTADO L W Devotion to Jesus and historical investigation a grateful clarifying and critical response

to professor Casey p 97-104 GREEN J B Larry W Hurtado One God One lord early

christian devotion and ancient jewish monotheism p 58-59 439 HURTADO apud GREEN J B Larry W Hurtado One God One lord p59 440 Ibidem p 134 441 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 129

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a elevaccedilatildeo de Jesus a Senhor exaltado fez natildeo apenas que a igreja entendesse que

ele tinha um ministeacuterio no presente junto agrave igreja mas proporcionou que a igreja

tambeacutem adorasse Jesus como Deus Essa resenha dos dados neotestamentaacuterios

somada agrave aplicaccedilatildeo a Jesus do texto profeacutetico de Is 4523 torna certo que o escopo

de Fl 210-11 eacute de uma adoraccedilatildeo a Jesus expressa atraveacutes de atitudes bem

concretas dobrar os joelhos e confessar Jesus como Senhor A importacircncia do texto

para a questatildeo eacute expressa categoricamente pela frase ldquoFl 29-11 eacute o texto existente

mais antigo no qual a adoraccedilatildeo a Jesus eacute representadardquo442

59 Conclusatildeo do capiacutetulo

Este capiacutetulo tratou do segmento dos versiacuteculos 210-11 que apresentam o

desdobramento da exaltaccedilatildeo de Jesus ldquoa fim de que todo o joelho se dobre ao nome

de Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra e toda liacutengua confesserdquo Eacute

interessante observar certo paralelismo com o verso 29 pois tanto a exaltaccedilatildeo

quanto o que decorre dela eacute descrito com dois verbos Laacute a exaltaccedilatildeo eacute descrita

combinando ldquoexaltarrdquo e ldquodar o nome sobre todos os nomesrdquo Aqui tambeacutem pode-se

dizer que ldquodobrar os joelhosrdquo e ldquoconfessarrdquo satildeo duas accedilotildees que estatildeo conectadas

como finalidade ou consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus Natildeo obstante as duas

atitudes satildeo provenientes da utilizaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo que o hino faz do texto de Is

4523 o que resulta na transferecircncia da esperanccedila profeacutetica em relaccedilatildeo a YHWH

para o Jesus exaltado Haacute ainda outra ampliaccedilatildeo que o hino cristoloacutegico faz em

relaccedilatildeo ao texto do Decircutero-Isaiacuteas Pois enquanto o profeta imaginava que todos os

povos ateacute os ldquoconfins da Terrardquo um dia reverenciariam o Senhor Fl 29-11 amplia

o alcance para todo o cosmos A exaltaccedilatildeo de Jesus requer que todos os seres ndash

anjos democircnios e seres humanos - se curvem diante dele e o reconheccedilam como

Senhor E dentro perspectiva escatoloacutegica do Novo Testamento entende-se que

Jesus jaacute assumiu a soberania coacutesmica e desde entatildeo todos satildeo convocados a

reconhececirc-lo como Senhor Nesse sentido o segmento analisado possui um papel

profeacutetico e pragmaacutetico pois tanto descreve o que seraacute realidade no futuro por

ocasiatildeo da parusia quanto convoca jaacute agora ouvintes e leitores a submeterem diante

442 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 128

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de Jesus e o confessarem como o Senhor de suas vidas A importacircncia

profundidade e as implicaccedilotildees do senhorio de Jesus Cristo seratildeo o assunto do

proacuteximo capiacutetulo

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6 Jesus eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

61 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo

Nas palavras ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός o hino

alcanccedila o seu cliacutemax A narrativa que trouxe o drama cristoloacutegico que comeccedilou na

preexistecircncia passou pela encarnaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e foi ateacute a exaltaccedilatildeo que

mostrou o grande evento escatoloacutegico da exaltaccedilatildeo de Jesus seu alcance coacutesmico

e suas implicaccedilotildees soterioloacutegicas e pareneacuteticas chega ao seu auge na declaraccedilatildeo

Jesus Cristo eacute Senhor443 Eacute uma frase que responde a duas perguntas

fundamentais para os cristatildeos de Filipos e de todos os lugares e eacutepocas quem eacute

Jesus hoje O cristatildeo responde Ele eacute Senhor E agrave pergunta quem eacute Senhor hoje

ele responde Eacute Jesus E a partir dessa uacuteltima frase eacute possiacutevel entender o restante

do hino respondendo agraves pertinentes questotildees por que ele eacute Senhor Porque Deus

o Deus de Israel o exaltou E o que se deve fazer diante desse Senhor Submeter-

se a ele em obediecircncia e adoraccedilatildeo e confessaacute-lo como seu Senhor A proposta do

presente capiacutetulo eacute entender exegeticamente a uacuteltima frase do versiacuteculo 11 e

identificar todo o conteuacutedo teoloacutegico presente nela

62 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo

Eacute preciso perceber de imediato a ligaccedilatildeo existente entre esta sentenccedila e o

versiacuteculo 29 Com habilidade artiacutestica o autor ocultou o nome que foi dado a

Jesus em 29 para soacute agora revelaacute-lo O objetivo seria fazer dessa expressatildeo o

cliacutemax da passagem inteira444 de modo que agora Jesus passa a ser reconhecido

por algo novo que ele natildeo era quando apenas tinha a μορφῇ θεοῦ (26) Deve-se

lembrar a proposta hermenecircutica de ler o hino inteiro de forma progressiva

Tambeacutem haacute uma conexatildeo estreita com o que eacute descrito nos versiacuteculos 210-11

443 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 246 FITZMYER J A Teologia Paulina In NCBSJ p 1603 444 MARTIN R P A Hymn of Christ p 271

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pois essa afirmaccedilatildeo tanto eacute o conteuacutedo da confissatildeo que todo o universo deve

fazer agora e no final dos tempos quanto a proacutepria razatildeo pela qual eacute necessaacuterio

que todos se sujeitem a ele porque agora ele e apenas ele eacute o uacutenico κύριος do

universo445

Martin defende que essa eacute a confissatildeo das forccedilas espirituais que foram

subjugadas por Jesus excluindo a Igreja porque a confissatildeo natildeo eacute ldquoJesus Cristo eacute

nosso Senhorrdquo446 Ora o simples paralelo com outros dois textos no Novo

Testamento afasta esta interpretaccedilatildeo Em Rm 109 Paulo afirma ldquoPorque se

confessares [ὁμολογήσῃς] com tua boca que Jesus eacute Senhor e creres em teu

coraccedilatildeo que Deus o ressuscitou dentre os mortos seraacutes salvordquo Aqui o primeiro

criteacuterio soterioloacutegico apresentado por Paulo eacute confessar que Jesus eacute Senhor sem

qualquer necessidade de um pronome possessivo Outro texto que entra nessa

discussatildeo eacute 1Cor 123 ldquo ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute Senhorrsquo a natildeo ser no

Espiacuterito Santordquo Neste texto confessar Jesus como κύριος eacute evidecircncia da presenccedila

e accedilatildeo do Espiacuterito Santo no indiviacuteduo Dessa forma seria muito estranho que em

Filipenses o apoacutestolo imaginasse a sentenccedila que era praticamente a confissatildeo de feacute

fundamental dos ciacuterculos paulinos com exclusividade na boca de anjos democircnios

principados e potestades excluindo os seres humanos crentes em Jesus

621 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo no Novo Testamento

Os estudos literaacuterios no Novo Testamento identificam pequenos textos que

satildeo anteriores aos livros nos quais estatildeo inseridos e satildeo considerados confissotildees

de feacute primitivas denominadas tecnicamente de homologias447 A confissatildeo de

Jesus como Senhor que aparece aqui em Fl 211 eacute considerada uma dessas

445 MARTIN R P A Hymn of Christ p 272 446 MARTIN R P A Hymn of Christ p 279 447 Isso proveacutem da associaccedilatildeo da foacutermula com o termo grego ὁμολογία VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 52 KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-67 Kramer reputa a H Conzelmann a designaccedilatildeo da confissatildeo de feacute como homologia Outrossim STAUFFER E New Testament Theology p 338 apresenta um apecircndice com 12 criteacuterios para se identificar uma foacutermula credal no Novo Testamento Quanto agrave Rm 109 1Co 123 e Fl 211 cinco ou seis criteacuterios satildeo vaacutelidos

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foacutermulas confessionais Ela tambeacutem eacute identificada em Rm 109 1Cor 123 e 1Cor

86448

καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός (Fl 211) ὅτι ἐὰν ὁμολογήσῃς ἐν τῷ στόματί σου κύριον Ἰησοῦν καὶ πιστεύσῃς ἐν τῇ καρδίᾳ σου ὅτι ὁ θεὸς αὐτὸν ἤγειρεν ἐκ νεκρῶν σωθήσῃmiddot (Rm 109)

καὶ οὐδεὶς δύναται εἰπεῖνmiddot Κύριος Ἰησοῦς εἰ μὴ ἐν πνεύματι ἁγίῳ (1Cor 123)

ἀλλ᾽ ἡμῖν εἷς θεὸς ὁ πατὴρ ἐξ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεῖς εἰς αὐτόν καὶ εἷς κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς δι᾽ οὗ τὰ πάντα καὶ ἡμεῖς δι᾽ αὐτοῦ (1Cor 86)

O termo grego ὁμολογία traz a noccedilatildeo de um compromisso feito em

puacuteblico449 No caso especiacutefico dessa confissatildeo seu objetivo natildeo eacute enumerar os

atos da histoacuteria da salvaccedilatildeo mas aclamar Jesus como Senhor ldquoAssim a

aclamaccedilatildeo eacute lsquoconfissatildeorsquo no sentido estrito da palavra pois a igreja confessa sua

lealdade a este particular Senhorrdquo450 Do ponto de vista histoacuterico esta confissatildeo eacute

reputada como a mais antiga do cristianismo451 sendo originaacuteria do cristianismo

de fala aramaica no qual teria a seguinte formulaccedilatildeo Yesualsquo hursquo mare452 Embora

seja uma confissatildeo bem simples traz uma enorme gama de significado teoloacutegico e

poliacutetico

lsquoJesus (Cristo) eacute Senhorrsquo eacute a quintessecircncia do credo cristatildeo no qual a palavra ldquoSenhorrdquo recebe o mais augusto sentido Quando os cristatildeos de geraccedilotildees posteriores se recusaram a dizer lsquoCeacutesar eacute Senhorrsquo recusaram-se porque sabiam que tais palavras natildeo constituiacuteam mera cortesia requerida pelo tiacutetulo era um

448 Rm 13b-4 tambeacutem eacute considerado uma foacutermula confessional mas aleacutem de ser um pouco mais elaborada que as foacutermulas citadas (talvez na direccedilatildeo de uma formulaccedilatildeo proacutexima a um credo) ela natildeo tem como foco o senhorio de Jesus mas a sua designaccedilatildeo como Filho de Deus Ademais a caracterizaccedilatildeo do gecircnero dos textos nem sempre eacute consensual de modo que nem todos os autores listam os mesmos textos quando falam de confissotildees de feacute Existe especial confusatildeo entre a designaccedilatildeo ldquohinordquo e ldquoconfissatildeo de feacuterdquo Destarte MARTIN R P A Hymn of Christ p XXVI indica Cl 26 ao lado dos textos citados acima O texto diz Ὡς οὖν παρελάβετε τὸν Χριστὸν Ἰησοῦν τὸν κύριον ἐν αὐτῷ περιπατεῖτε Natildeo haacute aqui a formula confessional como nos demais textos citados acima e por isso Cl 26 natildeo seraacute analisado aqui Por outro lado quando o texto remete agrave experiecircncia de receber Jesus como Senhor pode estar recordando exatamente a confissatildeo de feacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo como a experiecircncia inicial da vida cristatilde ocorrida no batismo 449 G Bornkmann apud VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 52 Do ponto de vista teoloacutegico O Michel define a concepccedilatildeo paulina de homologia como ldquoresposta ao evangelho de Cristo obediecircncia agrave sua mensagem aceitaccedilatildeo de sua declaraccedilatildeo e expressatildeo de seu compromissordquo O Michel apud RIDDERBOS H Teologia do apoacutestolo Paulo p 283 450 KRAMER W Christ Lord and Son of God p 67 451 Diversos autores entre eles FITZMYER J A κύριος In DENT p 2439 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 452 F F BRUCE apud MARSHALL I H The origins of New Testament Christology p 106

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tiacutetulo que dava o direito a Ceacutesar de receber honras divinas e neste sentido natildeo podiam atribuiacute-las a mais ningueacutem senatildeo a Jesus453 Em Romanos 109 a confissatildeo em questatildeo aparece como criteacuterio exterior

para a salvaccedilatildeo O texto preceitua dois elementos para a conversatildeo crer com o

coraccedilatildeo e confessar com a boca O conteuacutedo do crer eacute a ressurreiccedilatildeo de Jesus

ldquoque Deus o ressuscitou dentre os mortosrdquo Jaacute o da confissatildeo eacute o senhorio de

Jesus De fato eacute muito forte no Novo Testamento a relaccedilatildeo entre a ressurreiccedilatildeo e

o senhorio de Jesus454 Agora eacute importante perguntar por que o tiacutetulo que a

confissatildeo traz eacute Senhor e natildeo Filho de Deus Filho do homem Cristo Sumo

Sacerdote ou outros Entre outras consideraccedilotildees ele talvez fosse o mais adequado

agrave confissatildeo por conta da sua implicaccedilatildeo de discipulado No ministeacuterio de Jesus

antes da Paacutescoa conforme observado essa foi a noccedilatildeo predominante no uso do

termo Confessar Jesus como Senhor implicava em tornar-se seu disciacutepulo o que

envolvia renuacutencia e obediecircncia455 Por outro lado mediante esta confissatildeo

estabelecia-se uma polecircmica contra os muitos ldquosenhoresrdquo da cultura helecircnica456

Isso eacute o que leva a identificaccedilatildeo deste uacutenico Senhor pelo seu nome de nascimento

o Senhor eacute Jesus aquele Jesus de Nazareacute Posteriormente a mesma confissatildeo

tambeacutem funcionou como delimitaccedilatildeo agraves pretensotildees imperiais Afinal Ceacutesar

tambeacutem natildeo eacute senhor

Em 1Cor 123 a confissatildeo funciona como criteacuterio para avaliar nada menos

do que a obra do Espiacuterito Santo O contexto eacute a discussatildeo acerca dos carismas

Tendo em vista a grande confusatildeo que havia em torno desse tema em Corinto

Paulo estabelece o confessar Jesus como Senhor como criteacuterio para quem de fato

ldquofala pelo Espiacuterito de Deusrdquo De novo vem a questatildeo por que o tiacutetulo κύριος A

resposta passa pela estreita ligaccedilatildeo entre o reconhecimento do senhorio de Jesus e

o culto A proacutepria existecircncia de um culto cristatildeo gira em torno do fato de Jesus ser

o Senhor Destarte tambeacutem existe no Novo Testamento sobretudo em Paulo um

forte viacutenculo entre o senhorio de Jesus e a accedilatildeo do Espiacuterito 2Coriacutentios 317 ldquoPois

453 BRUCE F F Filipenses p 84 454 Em relaccedilatildeo a esse texto Leenhardt afirma ldquoSenhorio e ressurreiccedilatildeo satildeo inseparaacuteveis Eacute a feacute na ressurreiccedilatildeo que provecirc a base para a confissatildeo do Senhorio de Cristordquo F J Leenhardt apud GUTHRIE D New Testament Theology p 296 455 MacARTHUR Jr J F O Evangelho Segundo Jesus p 278-284 que refuta a tese de que essa seja simplesmente uma confissatildeo da divindade de Jesus embora isto esteja incluiacutedo Cf tambeacutem DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 202 456 VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 53 ldquoCom essa aclamaccedilatildeo a comunidade se submete ao Jesus exaltado como seu Senhor proclama seu domiacutenio perante o mundo e realiza uma polecircmica delimitaccedilatildeo contra as pretensotildees de qualquer outro κύριοςrdquo

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o Senhor eacute o Espiacuterito e onde se acha o Espiacuterito do Senhor aiacute estaacute a liberdaderdquo457

O entendimento relacionado eacute que no periacuteodo histoacuterico-salviacutefico do presente

entre a ascensatildeo e a segunda vinda o Senhor exaltado age atraveacutes do Espiacuterito

Especialmente junto agrave igreja ele eacute um kyrios pneumaacutetico O Espiacuterito eacute a

ldquopraesentia terrena do Senhor exaltadordquo458 O κύριος age na igreja e na vida do

crente atraveacutes do Espiacuterito Estar ldquono Senhorrdquo equivale a estar ldquono Espiacuteritordquo O

ministeacuterio de Jesus como Senhor eacute implementado atraveacutes da accedilatildeo do Espiacuterito e

toda a accedilatildeo do Espiacuterito estaacute em funccedilatildeo da obra de Jesus459 Dessa forma qualquer

ato lituacutergico (no caso dos coriacutentios a manifestaccedilatildeo dos dons) que natildeo ecoe o

senhorio de Jesus natildeo proveacutem do Espiacuterito Santo e natildeo pode fazer parte de um

culto cristatildeo

1Cor 86 estaacute em um segundo degrau no processo de desenvolvimento das

confissotildees de feacute no cristianismo primitivo porque talvez seja a primeira a ter dois

membros460 A evoluccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras estaacute em dois sentidos na inter-

relaccedilatildeo entre Jesus e o Pai e em colocar o ministeacuterio de Cristo junto agrave criaccedilatildeo

Deve-se destacar o contexto onde Paulo coloca essa confissatildeo No capiacutetulo 8 ele

estaacute discutindo a questatildeo do comer alimentos sacrificados aos iacutedolos os quais no

versiacuteculo 5 ele chama de ldquomuitos deuses e senhoresrdquo Para aquela situaccedilatildeo

existiam duas saiacutedas comuns ou cair no dualismo e se isolar da sociedade ou de

forma simples assimilar a cultura sem nenhum tipo de criacutetica461 Paulo rejeita

essas opccedilotildees e oferece uma soluccedilatildeo cristoloacutegica revolucionaacuteria ldquoSeguramente

uma das formulaccedilotildees mais assombrosas de cristologia alguma vez escrita em

qualquer seacuteculordquo462 Trata-se da reformulaccedilatildeo do texto mais famoso do

monoteiacutesmo judaico o shemaacute ldquoOuve oacute Israel Iahweh nosso Deus eacute o uacutenico

Iahwehrdquo (Dt 64) Cabe notar que na LXX as duas ocorrecircncias do tetragrama satildeo

substituiacutedas por κύριος A reformulaccedilatildeo paulina resulta em um shemaacute

457 Segundo W Kramer a associaccedilatildeo entre κύριος e πνεῦμα natildeo existia na tradiccedilatildeo foi criaccedilatildeo de Paulo KRAMER W Christ Lord and Son of God p 165 458 E KAumlSEMANN apud BRUCE FF Paulo o apoacutestolo da graccedila p 116 459 Na linguagem pouco cautelosa de Dunn ldquoIsto quer dizer que o Cristo glorificado agora eacute experimentado no Espiacuterito atraveacutes do Espiacuterito e como Espiacuteritordquo DUNN J D G Espiacuterito In DITNT p 736 460 Sobre 1Co 86 CULLMANN O Cristo e o Tempo p 64 afirma que eacute ldquoa mais antiga confissatildeo de feacute em dois termosrdquo 461 WRIGHT N T Un Dios un Sentildeor un pueblo p 2-3 Segundo este autor a questatildeo dos iacutedolos era seriamente importante para os cristatildeos de Corinto pois em uma cidade como aquela eacute possiacutevel que toda a carne disponiacutevel tivesse sido oferecida em algum altar 462 Ibid p 5

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cristoloacutegico ou melhor em um monoteiacutesmo cristoloacutegico Eles continuam crendo

em um uacutenico Deus mas agora possuem um novo uacutenico Senhor Daiacute a primeira

resposta463 que Paulo daacute agrave questatildeo dos alimentos sacrificados eacute a de que natildeo

existem outros senhores da realidade soacute haacute um Senhor que eacute Jesus por meio de

quem todas as coisas foram criadas464

Haacute poucas duacutevidas de que o contexto originaacuterio de utilizaccedilatildeo da confissatildeo

em tela era o culto465 Cullmann propocircs como alternativa ao culto o contexto das

perseguiccedilotildees mas sua hipoacutetese natildeo obteve aprovaccedilatildeo entre os estudiosos466 Pode-

se precisar mais ainda o cenaacuterio do culto e especificar o momento do batismo467

Pois ali satildeo satisfeitas as exigecircncias do sentido de confissatildeo existem as

testemunhas que satildeo os membros da igreja e eacute assumido o compromisso com a feacute

professada468 No contexto heleniacutestico esse compromisso significava que o

batizado estava renunciando aos outros κύριοι para soacute reconhecer Jesus como

Senhor Nos ambientes onde se divulgava o culto ao imperador a confissatildeo

implicava que o indiviacuteduo estava negando as pretensotildees de Ceacutesar como Senhor e

afirmando o senhorio uacutenico absoluto e universal de Jesus E na perspectiva da

comunidade de feacute a confissatildeo era o compromisso de cooperaccedilatildeo com os outros

fieacuteis da comunidade (Fl 23-4) pois ter Jesus como Senhor significa ser servo dos

outros irmatildeos Sobretudo quando a pessoa confessava Jesus Cristo como Senhor

ela estava realizando uma antecipaccedilatildeo escatoloacutegica Na vida dela e no ambiente da

igreja torna-se real aquilo que Fl 210-11 apresenta como a realidade do final dos

tempos pessoas dobrando os joelhos diante de Jesus e confessando-o como

463 Na continuidade da discussatildeo Paulo apresenta o argumento de se pensar na consciecircncia do proacuteximo 464 Aleacutem dessas confissotildees que refletem a cristologia do κύριος VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 62-63 aponta tambeacutem para o texto de Efeacutesios 45 ldquohaacute um soacute Senhor uma soacute feacute um soacute batismordquo mas a identificaccedilatildeo deste texto como confissatildeo de feacute eacute pouco consensual 465 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 131-133 tenta protestar contra isso mas seus argumentos satildeo inconclusivos e ele mesmo deixa transparecer as relaccedilotildees lituacutergicas da confissatildeo 466 Conferir o posicionamento contraacuterio de CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 361 467 Assim KELLY J N D Primitivos credos cristianos p 30 SAacuteNCHEZ BOSCH J Maestro de los pueblos p 188 ndash 189 Admitem o sitz im leben no culto sem precisar o momento do batismo KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-67 VIELHAUER P A histoacuteria da literatura cristatilde primitiva p 53 BIETENHARD H κύριος In DITNT p 2320 468 RIDDERBOS H Teologia do apoacutestolo Paulo p 264 ldquoaquilo que eacute tiacutepico de lsquoconfissatildeorsquo encontra-se assim no fato de que eacute a expressatildeo exterior da feacute Nesse sentido tem certo significado legal no qual o lsquofoacuterumrsquo ou as lsquotestemunhasrsquo podem ser vistos como o tribunal do mundo composto dos homens em geral mas tambeacutem como a Igreja ou seus representantes perante os quais algueacutem professa a sua feacute e assume um compromisso com o conteuacutedo da feacuterdquo

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Senhor469 Afinal ldquoesse eacute o verdadeiro alvo da esperanccedila biacuteblica e de toda

esperanccedila de futuro autenticamente cristatilderdquo470

622 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo em Fl 211

Em Filipenses 211 a foacutermula confessional eacute evidenciada pela conjunccedilatildeo

ὅτι entendido como um recitativum introduzindo uma citaccedilatildeo que no caso eacute a

confissatildeo de feacute471 Em relaccedilatildeo aos textos de Rm 109 e 1Cor 123 Fl 211 possui

um diferencial Aqui a confissatildeo natildeo eacute apenas Jesus eacute Senhor mas Jesus Cristo eacute

Senhor Basevi opina que essa variaccedilatildeo indica que aqui existem duas afirmaccedilotildees

de feacute Jesus eacute Messias e Jesus eacute Senhor472 Poreacutem isso eacute improvaacutevel porque aleacutem

do uso absoluto do termo κύριος para Jesus (Rm 1468 1Cor 35 e outros) Paulo

usa uma seacuterie de combinaccedilotildees como ldquoJesus Cristo nosso Senhorrdquo (Rm 14)

ldquonosso Senhor Jesus Cristordquo (Gl 618) ldquoSenhor Jesus Cristordquo (2Cor 1313) e

ldquoSenhor Jesusrdquo (1Co 1123) Em todas essas variaccedilotildees a ecircnfase estaacute no senhorio

de Jesus ldquosintaticamente nessas expressotildees lsquoJesusrsquo com ou sem lsquoCristorsquo

identifica o lsquoSenhorrsquo e lsquoSenhorrsquo define quem Jesus eacute para os cristatildeos e seu

relacionamento com elerdquo473 Em termos de origem da confissatildeo de feacute nos termos

apresentados aqui em Fl 211 eacute possiacutevel que a influecircncia das foacutermulas lituacutergicas jaacute

utilizadas nas becircnccedilatildeos (como em Fl 12) tenha levado Paulo a fazer uma leve

ampliaccedilatildeo da expressatildeo confessional resultando em uma frase mais completa

cristologicamente474 Seja como for mesmo assim o foco da confissatildeo eacute o tiacutetulo

469 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 147 470 DE BOOR W HAHN E Cartas aos Efeacutesios Filipenses e Colossenses p 213 471 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 294 472 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 467-468 473 HURTADO L W Senhor In DPC p 1154 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 392 sugere que a expressatildeo ldquoJesus Cristordquo nessa ordem estaacute afirmando Deus ressuscitou este homem Jesus e lhe deu a funccedilatildeo e a dignidade de salvador messiacircnico Em contrapartida quando Paulo diz ldquoCristo Jesusrdquo o pensamento parte do Cristo preexistente que se revelou no homem Jesus de Nazareacute Natildeo parece contudo que exista toda essa reflexatildeo teoloacutegica em expressotildees usadas de forma tatildeo rotineira por Paulo Para Lohmeyer a ausecircncia do pronome ldquonossordquo apontaria para o senhorio de Jesus sobre todo o cosmos e natildeo apenas sobre a Igreja BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 16 474 HURTADO L W Senhor In DPC p 1152

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κύριος que ocupa posiccedilatildeo enfaacutetica na sentenccedila475 e a designaccedilatildeo ldquoCristordquo natildeo

funciona como tiacutetulo confessado

Por outro acircngulo existe uma razatildeo para a inclusatildeo de ldquoCristordquo na simples

confissatildeo de feacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo A questatildeo eacute que devido agrave expansatildeo da

mensagem cristatilde para ambientes com maioria gentiacutelica de grande influecircncia

helenista (como era a situaccedilatildeo da cidade de Filipos) onde Χριστὸς natildeo possuiacutea a

mesma relevacircncia que tinha no judaiacutesmo a manutenccedilatildeo da designaccedilatildeo judaica era

importante para estabelecer o viacutenculo da mensagem anunciada com seu ponto de

origem que eacute a feacute israelita Com muita probalidade Paulo concordaria com as

palavras de Jesus em Joatildeo ldquoporque a salvaccedilatildeo vem dos judeusrdquo (Jo 422)476

Dessa maneira ainda que ldquoCristordquo funcione na confissatildeo apenas como sobrenome

de Jesus477 ele era fundamental para mostrar a identidade do Senhor proclamado e

confessado que de outra forma para ouvidos natildeo judaicos poderia se confundido

com os vaacuterios κύριοι existentes na religiosidade oriental478

63 O tiacutetulo κύριος atribuiacutedo a Jesus

631 Panorama da atribuiccedilatildeo de κύριος a Jesus no Novo Testamento

Eacute possiacutevel identificar no cristianismo primitivo testemunhado pelo Novo

Testamento dois momentos distintos na aplicaccedilatildeo do tiacutetulo κύριος a Jesus O

primeiro momento eacute aquele que remonta ao ministeacuterio de Jesus anterior agrave

ressurreiccedilatildeo conforme o testemunho dos evangelhos Como aquele era um

ambiente de fala aramaica a utilizaccedilatildeo de κύριος pelos evangelistas por certo natildeo

eacute original mas tem como possiacuteveis correspondentes os termos Nesse רבי e מר

contexto eacute possiacutevel distinguir dois significados principais agrave aplicaccedilatildeo de κύριος a

Jesus durante esse periacuteodo anterior a Paacutescoa Boa parte das ocorrecircncias sobretudo

aquelas no vocativo podem ser classificadas como simples foacutermula de tratamento

475 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 369 ldquoκύριος eacute a palavra principalrdquo Igualmente MARTIN R P A Hymn of Christ p 271 476 Ele chega proacutexima a essa afirmaccedilatildeo em Rm 94-5 477 Assim MARTIN R P A Hymn of Christ p 279 478 BULTMANN R Teologia do Novo Testamento p 174

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sem qualquer conotaccedilatildeo religiosa (entre outros Jo 4111519 57 811 936)479

Em um outro grupo de referecircncias constata-se que o tiacutetulo eacute usado com sentido de

mestre fazendo um par linguiacutestico com δοῦλος trazendo subjacente a noccedilatildeo de

discipulado entre Jesus e seus interlocutores Veja-se por exemplo a tendecircncia

em Mateus de colocar κύριος onde Marcos utilizou ῥαββί e διδάσκαλος Isso

ocorre em Mt 825 Mc 438 Mt 174 Mc 95 Mt 1715 Mc 917 Mt 2033

Mc 1051 Isso mostra que nesse periacuteodo Jesus era reconhecido com mestre (de

uma maneira que tanto se aproximava quanto tinha diferenccedilas em relaccedilatildeo ao

mundo judaico contemporacircneo) Os evangelistas preservaram esse

reconhecimento natildeo soacute mediante o uso de κύριος como tambeacutem atraveacutes de outras

designaccedilotildees como ῥαββί (Mt 2378 262549 Mc 95 1121 1445 Jo 138

3226 431 625 118)480 διδάσκαλος (Mt 818 238 Mc 438 535 938 Lc

740 Jo 32 1128)481 e ἐπιστάτης (Lc 55 82445 93349 1713)482

O segundo momento da atribuiccedilatildeo de κύριος a Jesus no cristianismo

primitivo testemunhado no Novo Testamento estaacute ligado de maneira direta ao

objeto formal deste trabalho Pois foram a ressurreiccedilatildeo e a consequente exaltaccedilatildeo

de Jesus os catalisadores da utilizaccedilatildeo deste tiacutetulo com um amplo significado

cristoloacutegico Como observa Longenecker ldquolsquoSenhorrsquo foi um tiacutetulo poacutes-ressurreiccedilatildeo

e encontrou seu ponto de partida e iniacutecio racional na ressurreiccedilatildeo e exaltaccedilatildeo de

Jesusrdquo483 E o contraacuterio tambeacutem eacute verdade isto eacute a cristologia da exaltaccedilatildeo que se

desenvolveu a partir da ressurreiccedilatildeo estava essencialmente expressa no tiacutetulo em

questatildeo como evidencia o importante texto de At 236 As cartas paulinas

tambeacutem indicam a estreita relaccedilatildeo entre κύριος e a ressurreiccedilatildeo de Jesus (Rm

424 1Co 91 2Co 414) Isto eacute reforccedilado aqui em Fl 29-11 pela conexatildeo entre o

tiacutetulo e a exaltaccedilatildeo que pressupotildee a ressurreiccedilatildeo Ele passa a ser Senhor a partir

479 HURTADO L W Senhor In DPC p 1147 Schnelle entende que a importacircncia de Χριστὸς para os gentios era outra Ele afirma que as cerimocircnias de unccedilatildeo que ocorriam na regiatildeo do Mediterracircneo naquele periacuteodo geravam o senso comum religioso de que pessoas (ou coisas) ungidas satildeo sagradas santas e consagradas a deus Assim judeus e gentios compreenderiam a afirmaccedilatildeo Ἰησοῦς Χριστὸς como predicado da singularidade religiosa de Jesus ainda que seja discutiacutevel se a utilizaccedilatildeo paulina e neotestamentaacuteria tivesse essa perspectiva religiosa em vista SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 563 480 A forma transliterada de רבי 481 Nos evangelhos διδάσκαλος ocorre 49 vezes e apenas em Lc 246 natildeo se refere a Jesus 482 Eacute um termo exclusivo do evangelho de Lucas 483 LONGENECKER R The Christology of Early Jewish Christianity p 129 Na mesma direccedilatildeo afirma Hurtado ldquoem grupos cristatildeos primitivos a ressurreiccedilatildeo de Jesus continuou a ser considerada a base histoacuterica e demonstraccedilatildeo da sua exaltaccedilatildeordquo HURTADO L W Senhor In DPC p 1152

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da sua exaltaccedilatildeo484 ldquoNas passagens em que a teologia de Jesus Senhor eacute expliacutecita

aparece claramente que a ressurreiccedilatildeo era entendida como evento decisivo para

este se tornar Senhorrdquo485

Por conseguinte a conclusatildeo de que Jesus eacute o κύριος identificado com o

Deus uacutenico de Israel proporcionou um olhar retrospectivo aos cristatildeos levando-os

a designar Jesus antes da exaltaccedilatildeo com o mesmo tiacutetulo Eacute o caso especiacutefico da

literatura lucana486 Deve-se registrar entretanto que natildeo houve uma mistura de

horizontes cristoloacutegicos entre o ministeacuterio terreno e o exaltado de Jesus mas uma

uacutenica preocupaccedilatildeo com a identidade487 O objetivo de Lucas e outros era mostrar

que o exaltado eacute o mesmo homem que nasceu de Maria caminhou na Galileacuteia e

foi morto em Jerusaleacutem E eles se sentem agrave vontade para aplicar retroativamente

o tiacutetulo Senhor a Jesus porque Deus o exaltou a essa posiccedilatildeo no presente

E lembrando que essa reflexatildeo teoloacutegica remonta agraves primeiras etapas do

cristianismo eacute muito pertinente agrave exegese perguntar-se de onde os cristatildeos tiraram

esse tiacutetulo para explicar a pessoa e obra do Jesus exaltado e qual significado eles

estavam atribuindo a Jesus por meio dessa designaccedilatildeo A resposta para ambas as

perguntas passa em boa parte pela utilizaccedilatildeo de κύριος na Septuaginta e no

judaiacutesmo

632 Panorama da histoacuteria da pesquisa sobre o tiacutetulo κύριος

ldquoSenhorrdquo eacute uma designaccedilatildeo fundamental para a cristologia

neotestamentaacuteria sobretudo a paulina Isso prova a estatiacutestica e o papel que o

484 A partir daiacute o tiacutetulo pocircde ser associado a outros eventos cristoloacutegicos como a parusia Atraveacutes das epiacutestolas aos tessalonicenses percebe-se essa conexatildeo (1Ts 416 313 415 523) CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 361-362 485 DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 292 486 ROWE C K Acts 236 and the continuity of lukan Christology p 51 487 Veja-se por exemplo o quarto evangelho que tanto no proacutelogo quanto nos discursos de Jesus apresenta uma cristologia ldquoexaltadardquo mas tem o cuidado de narrativamente soacute aplicar o tiacutetulo κύριος a Jesus apoacutes a ressurreiccedilatildeo ou seja a partir de 2020 ldquoTendo dito isso mostrou-lhes as matildeos e o lado Os disciacutepulos entatildeo ficaram cheios de alegria por verem o Senhorrdquo

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tiacutetulo ocupa na narrativa teoloacutegica do apoacutestolo488 E considerando que os escritos

paulinos satildeo cronologicamente os primeiros do Novo Testamento eacute muito

provaacutevel que Paulo tenha sido um fomentador desse aspecto cristoloacutegico

Todavia isso natildeo foi uma inovaccedilatildeo paulina489 Por certo o apoacutestolo herdou dos

primeiros cristatildeos a designaccedilatildeo de Jesus como κύριος e usa o termo sem

explicaccedilotildees ou justificativas esperando ser entendido por seus leitores Apontam

nessa direccedilatildeo frases estereotipadas como ldquoSenhor Jesus Cristordquo (1Ts 11) e ldquonosso

Senhor Jesus Cristordquo (1Ts 13) as foacutermulas tradicionais citadas pelo apoacutestolo que

incluem a designaccedilatildeo como as confissotildees de feacute as becircnccedilatildeos usadas nas saudaccedilotildees

das cartas a expressatildeo μαράνα θά (1Cor 1622) bem como a releitura de textos

veterotestamentaacuterios aplicando a Jesus o que antes referia-se a Deus Esse uacuteltimo

fenocircmeno deve ser agora aprofundado pois nele encontra-se todo o conteuacutedo que

judeus cristatildeos como Paulo acreditavam estar presente quando chamavam Jesus

de Senhor

A Septuaginta utiliza κύριος cerca de 9 mil vezes Destas 6156 traduzem

o tetragrama 490יהוה A histoacuteria da interpretaccedilatildeo dessa ldquotraduccedilatildeordquo passou por trecircs

fases Na primeira chamou-se a atenccedilatildeo para o costume existente no judaiacutesmo

preacute-cristatildeo de evitar a pronuacutencia do tetragrama substituindo-o na liturgia por

Quando se produziu a LXX o termo grego escolhido para traduzir o nome 491אדני

de Deus seria o equivalente ao hebraico אדון isto eacute κύριος Isso supotildee que na

eacutepoca do surgimento do cristianismo tanto os judeus de fala aramaica quanto os

de fala grega chamavam Deus de ldquoSenhorrdquo Daiacute quando os primeiros cristatildeos

passaram a chamar Jesus dessa forma pela perspectiva judaica estavam

488 Quanto agrave estatiacutestica κύριος ocorre 274 vezes na literatura paulina global (nas 13 cartas atribuiacutedas a Paulo no Novo Testamento) Em termos de tiacutetulo cristoloacutegico apenas Χριστός supera essa marca com 382 ocorrecircncias O problema eacute que muitas vezes este uacuteltimo termo eacute usado apenas como nome (ou sobrenome) de Jesus perdendo importacircncia teoloacutegica na narrativa No caso de κύριος tambeacutem deve-se excluir os textos em que o tiacutetulo refere-se a Deus ou outro personagem Ainda assim o nuacutemero de referecircncias a Jesus eacute alto Segundo Hurtado seriam 180 considerando apenas nas cartas incontestadas (ele deixa de lado as pastorais 2Tessalonicensses e Efeacutesios) HURTADO L W Senhor In DPC p 1150 WITHERINGTON III B Cristo In DPC p 308 489 HURTADO L W Senhor In DPC p 1149 490 BIETENHARD H Senhor In DITNT p 2317 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1061 491 Segundo HURTADO L W The Origin of the Nomina Sacra a proposal p 655-673 essa reverecircncia ao nome divino influenciou o surgimento no cristianismo primitivo dos chamados nomina sacra satildeo quatro nomes que eram abreviados em textos cristatildeos primitivos (jaacute no 2ordm seacuteculo) por serem considerados sagrados a saber Ἰησοῦς Χριστός Κύριος e Θεός A novidade cristatilde conforme Hurtado eacute que entre os nomes reverenciados estatildeo tiacutetulos cristoloacutegicos bem como a ausecircncia de qualquer temor em pronunciar estes nomes

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designando-lhe com o nome do proacuteprio Deus algo muitiacutessimo relevante

teologicamente492

Em um segundo momento essa linha de argumentaccedilatildeo foi questionada493

Ocorre que as coacutepias da LXX em que o tetragrama eacute substituiacutedo de maneira

uniforme por κύριος satildeo coacutepias cristatildes Textos de uso judaico trazem exemplos da

preservaccedilatildeo do tetragrama em caracteres hebraicos ou em formas alternativas

com IAW e PIPI494 A conclusatildeo eacute que a mudanccedila no texto escrito de יהוה para

κύριος teria sido influenciada pelo uso cristatildeo da expressatildeo e natildeo o contraacuterio495

O terceiro momento na histoacuteria da pesquisa retorna parcialmente ao

primeiro Os trabalhos de J A Fitzmyer foram importantes para demonstrar que

era comum entre os judeus antes do cristianismo designar Deus como Senhor seja

como מר אדני ou κύριος (dependendo do idioma falado)496 Na mesma direccedilatildeo

Geza Vermes defende que desde o 2ordm seacuteculo antes de Cristo ldquoos judeus usaram o

tiacutetulo lsquoSenhorrsquo ao falar sobre ou com Deus em hebreu aramaico ou gregordquo497 E

para refutar a teoria da natildeo originalidade de κύριος na LXX Martin Roumlsel

ofereceu algumas proposiccedilotildees bastante pertinentes498 Ele comeccedila seu argumento

mostrando que os massoretas escolheram as vogais de אדני para vocalizar o

tetragrama Eacute uma informaccedilatildeo que reforccedila a tese de Fitzmyer de que ldquomeu

Senhorrdquo era o que deveria ser lido (qecircre) quando no texto aparecia o tetragrama

Roumlsel propotildee que os caracteres hebraicos da LXX provecircm de uma revisatildeo preacute-

cristatilde feita no texto e a forma IAW deveria ser o costume de uma determinada

comunidade judaica que preservou ao contraacuterio do restante do povo esta forma

492 FITZMYER J A To Advance the Gospel p 221 Ele atribui a Cullmann essa interpretaccedilatildeo 493 Para um resumo desses questionamentos cf FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 119-123 ROumlSEL M The Reading and Translation of the Divine Name in the Masoretic Tradition and the Greek Pentateuch p 414-419 494 Entre os textos em questatildeo estatildeo o Papiro Fouad 266 (Dt 31) os doze profetas menores (LXX) achados na caverna 4 de Qumran fragmentos de Leviacutetico 2-5 na mesma caverna fragmentos de Aacutequila (provenientes do Cairo) fragmentos da segunda coluna da Hexapla (conhecidos por Oriacutegenes e Jerocircnimo) Cf FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 120 495 Eacute a conclusatildeo por exemplo de FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1059 496 FITZMYER J A The Semitic Background of the New Testament p 124-127 FITZMYER J A To Advance the Gospel p 222-223 FITZMYER J A κύριος In DENT p 2443 497 VERMES G As vaacuterias faces de Jesus p 223 Da mesma forma HURTADO L W Senhor In DPC p 1148 498 ROumlSEL M The Reading and Translation of the Divine Name in the Masoretic Tradition and the Greek Pentateuch p 414-419

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de pronunciar o tetragrama499 Mas a principal proposta de Roumlsel eacute defender a

originalidade de κύριος como traduccedilatildeo do nome de Deus na LXX Para tal ele

busca identificar os criteacuterios teoloacutegicos usados pelos autores da traduccedilatildeo na

utilizaccedilatildeo do termo grego Ele observa que a tendecircncia geral da LXX eacute usar

κύριος para יהוה e θεός para אmacrהים Poreacutem em algumas ocasiotildees os tradutores

usaram θεός para o tetragrama no lugar de κύριος A conclusatildeo de Roumlsel eacute que os

tradutores preferiram θεός em contextos de julgamento ou condenaccedilatildeo e

demonstraccedilatildeo de poder enquanto optaram por κύριος em textos que ressaltam a

graccedila e a misericoacuterdia de Deus Naturalmente ele admite que essa distinccedilatildeo natildeo

existe no texto hebraico (que usa יהוה nos dois contextos) bem como natildeo eacute

possiacutevel discernir todos os criteacuterios envolvidos mas eacute uma proposta plausiacutevel em

favor da originalidade de κύριος na LXX Trazendo isso para Fl 29-11 quando o

texto identifica o nome dado por Deus a Jesus na sua exaltaccedilatildeo como κύριος o

autor quer mostrar que Deus agraciou Jesus com seu proacuteprio nome Portanto por

traacutes do tiacutetulo que eacute confessado no versiacuteculo 211 deve-se enxergar a relaccedilatildeo

κύριος-יהוה-אדני proveniente tanto da tradiccedilatildeo lituacutergica sinagogal quanto da

reflexatildeo cristatilde a partir da LXX

633 A importacircncia teoloacutegica de confessar Jesus como Senhor

Para a compreensatildeo da amplitude teoloacutegica da atribuiccedilatildeo de Jesus como

Senhor eacute preciso ainda responder agrave seguinte questatildeo ldquopor que os judeus tiveram a

ideia de ler precisamente Adonai em lugar do tetragrama sagradordquo500 Seja qual

for a resposta podem ter sido as mesmas razotildees que tambeacutem influenciaram a

escolha de κύριος na LXX Uma explicaccedilatildeo razoaacutevel eacute que a escolha passou por

uma interpretaccedilatildeo do nome de Deus501 Porque este sempre indica quem eacute Deus a

sua natureza que no Antigo Testamento eacute sempre soberania Por isso o termo

499 HURTADO L W Senhor In DPC p 1149 argumenta que a utilizaccedilatildeo das formas hebraicas na LXX ou dos caracteres PIPI era apenas um artifiacutecio literaacuterio mas na hora da leitura eles eram provavelmente substituiacutedos por κύριος Igualmente DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 296-297 500 Questionamento formulado por CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 264 501 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1059

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ldquoSenhorrdquo funciona como um resumo da feacute veterotestamentaacuteria502 E a soberania de

Deus se baseia tanto na criaccedilatildeo quanto na salvaccedilatildeo503 As duas realidades satildeo

testemunhas dessa soberania E aqui se encontra a conexatildeo com a cristologia do

Novo Testamento de modo particular com Fl 29-11 pois crer em Jesus como

Senhor eacute acreditar que ele compartilha a soberania de Deus nessas duas aacutereas Ele

eacute o Senhor da salvaccedilatildeo pois ela soacute eacute obtida atraveacutes da feacute nele (Rm 109) e eacute

Senhor da criaccedilatildeo porque aleacutem de ser o mediador dela (Cl 116 Jo 12) tudo

agora foi colocado debaixo de seus peacutes (1Cor 1527 Hb 28)

Na teologia paulina esse senhorio soberano de Jesus vincula-se em

particular a trecircs aacutereas Primeiro agrave contextos pareneacuteticos nos quais os cristatildeos satildeo

chamados a uma vida de obediecircncia ao seu κύριος (Rm 141-12 1Co 613-740)

ecoando a antiga conotaccedilatildeo do tiacutetulo que mostrava Jesus como Mestre O cristatildeo

deve agir como δοῦλος e tudo na sua vida deve corresponder ao seu Senhor504

Desse modo a exortaccedilatildeo de Fl 212 pode precisamente estar referindo-se agrave

obediecircncia (verbo ὑπακούω) que os cristatildeos filipenses tecircm demonstrado a Jesus

como Senhor algo que Paulo exorta para que continuem fazendo505 Com efeito o

versiacuteculo 11 faz a ligaccedilatildeo natural entre o indicativo do que Deus jaacute fez a virada

escatoloacutegica com a exaltaccedilatildeo de Cristo e a consequente disponibilidade de uma

nova vida pelo Espiacuterito Santo e o imperativo do que os cristatildeos devem fazer

quando estatildeo dentro dessa vida isto eacute estatildeo ἐν Χριστω (25) Mas na verdade a

confissatildeo de Jesus como Senhor coloca o mundo inteiro diante de um desafio a

questatildeo uacuteltima que importa no julgamento final ldquoser ou natildeo ser obediente Nosso

destino depende de nossa confrontaccedilatildeo com aquele que eacute Obedienterdquo506 O destino

do mundo e de cada ser humano passa pela resposta ao senhorio de Jesus pois

afinal eacute nesse espaccedilo que o ser humano encontra sua verdadeira humanidade no

espaccedilo da obediecircncia ao Senhor507 Eacute nessa linha que as implicaccedilotildees eacuteticas satildeo

encontradas na passagem natildeo em termos de imitaccedilatildeo de Jesus

502 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1062 503 Ibid p 1081-1082 504 DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 294 ldquono miacutenimo professar Jesus como Senhor expressava uma vida agora dedicada de serviccedilordquo 505 HURTADO L W Senhor In DPC p 1155 506 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 65 Morgan mostra que para E Kaumlsemann eacute exatamente essa confrontaccedilatildeo essa necessidade de resposta que faz do hino evangelho e natildeo mito 507 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 66

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O segundo contexto no qual o senhorio soberano de Jesus eacute sublinhado por

Paulo eacute o escatoloacutegico Jaacute foi exposto anteriormente o significado escatoloacutegico da

exaltaccedilatildeo de Jesus Destarte natildeo apenas Paulo usa κύριος para descrever a virada

escatoloacutegica que aconteceu a partir da ressurreiccedilatildeo como tambeacutem para expressar

o que pode ser chamado de vitoacuteria escatoloacutegica final Como notado acima o

futuro escatoloacutegico jaacute comeccedilou mas ainda natildeo chegou a sua plenitude E se

apropriando da linguagem veterotestamentaacuteria Paulo chama essa plenitude de

ldquodia do Senhorrdquo (1Ts 52 1Cor 55 2Cor 14) onde o ldquoSenhorrdquo eacute Jesus Cristo na

sua parusia Para o apoacutestolo nesse dia Jesus vai trazer duas coisas que o Antigo

Testamento reservava para Deus o julgamento de todos e a vitoacuteria definitiva

sobre o mal Eacute a hora em que por alegria ou constrangimento todos reconheceratildeo

Jesus como Senhor e se prostraratildeo diante dele508

O terceiro contexto no qual o senhorio soberano de Jesus eacute trabalhado na

literatura paulina eacute o lituacutergico Jaacute foi notada a forte conexatildeo que existe entre

κύριος e o culto A confissatildeo de feacute as foacutermulas de becircnccedilatildeos a suacuteplica μαράνα θά

a designaccedilatildeo da eucaristia como κυριακὸν δεῖπνον (1Cor 1120) confirmam a

tese Mais importante ainda como observado no capiacutetulo anterior eacute que o culto

cristatildeo foi o propulsor da feacute cristatilde primitiva no senhorio de Jesus Ali Jesus foi

reconhecido como Senhor soberano e cristatildeos judeus se prostraram diante dele o

adoraram e o confessaram como Senhor das suas vidas sem que por um momento

acreditassem estar traindo o seu monoteiacutesmo509 Aleacutem disso no culto cristatildeo onde

o senhorio de Cristo eacute celebrado os dois horizontes anteriores se conectam pois a

Igreja tanto alimenta quanto vivencia de forma antecipada sua esperanccedila

escatoloacutegica e ao mesmo tempo eacute desafiada a uma vida de obediecircncia ao seu

Senhor ldquoEacute a adoraccedilatildeo de Cristo e a lembranccedila do poder fornecido pela sua

ressurreiccedilatildeo para aqueles que estatildeo lsquoem Cristorsquo que capacita a sua resposta

eacuteticardquo510 O culto cristatildeo eacute assim um espaccedilo da accedilatildeo do Senhor exaltado na Terra

A comunidade reuacutene-se em nome dele e experimenta a accedilatildeo dele por intermeacutedio

508 HURTADO L W Senhor In DPC p 1155-1156 509 HURTADO L W Senhor In DPC p 1156-1157 510 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 160 Na frase imediatamente antes ele afirma de forma sugestiva que natildeo era o cantar repetitivo do modelo de Cristo que capacitava os cristatildeos a viverem a vida digna do evangelho

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do Espiacuterito especialmente na eucaristia511 E esse contexto lituacutergico encaminha o

significado eclesioloacutegico do senhorio de Jesus Porque a Igreja eacute a comunidade

daqueles que se reconhecem sobre o seu domiacutenio Ela eacute o corpo ldquocuja cabeccedila eacute o

Senhor de todas as coisasrdquo512 E como Senhor ele cuida dos seus servos pois a

exaltaccedilatildeo de Cristo coincide com o iniacutecio da obra intercessora de Jesus pela Igreja

(Rm 834) outro aspecto do ministeacuterio exaltado de Cristo E natildeo se deve esquecer

do papel do Espiacuterito Santo na Igreja como agente do Cristo exaltado conforme

apontado no iniacutecio deste capiacutetulo

Natildeo obstante se o exposto acima eacute o conteuacutedo religioso principal que

Paulo e os primeiros cristatildeos viam por detraacutes da designaccedilatildeo ldquoSenhorrdquo pode-se

dizer um conteuacutedo ldquojudaicordquo vale ressaltar o significado que a afirmaccedilatildeo do

senhorio teria para os cristatildeos natildeo judeus ou para aqueles judeus que estavam

debaixo da poderosa influecircncia helenista Boa parte dos lugares em que Paulo

transitava no primeiro seacuteculo sofria a influecircncia do helenismo religioso Nesse

contexto as pessoas entendiam que suas vidas estavam debaixo de forccedilas

espirituais completamente arbitraacuterias que determinavam seus destinos513 E diante

desses poderes elas consideravam-se completamente impotentes Eacute contra essa

realidade que a confissatildeo de Jesus como κύριος deve ser compreendida Para

aquelas pessoas o anuacutencio do senhorio de Jesus significava que os poderes

malignos que as controlavam foram destronados Agora o universo foi

reconciliado com Deus A realidade escatoloacutegica do senhorio de Jesus elimina as

fronteiras que separavam o velho mundo do novo mundo O novo mundo jaacute eacute real

Um mundo onde o Senhor eacute Jesus aquele que natildeo impocircs sua soberania como um

tirano mas abrindo matildeo se esvaziando servindo sendo obediente a Deus e

morrendo em favor daqueles a quem ele iria governar Eacute a esse Jesus que agora o

ser humano libertado eacute chamado a servir e ser obediente E essa obediecircncia como

indicado por Kaumlsemann natildeo vem por intermeacutedio da imitaccedilatildeo do exemplo dele

mas pela convicccedilatildeo de pertencer a ele514

Agora para aleacutem dos aspectos religiosos no cenaacuterio poliacutetico do 1ordm seacuteculo

dC sobretudo em Filipos as afirmaccedilotildees dos versiacuteculos 210-11 seriam notadas

511 SCHNELLE U Paulo Vida e pensamento p 565 ldquoA comunidade reuacutene-se na presenccedila do poderosa do Exaltado cujas forccedilas salviacutefica mas tambeacutem castigadoras operam na celebraccedilatildeo da ceiardquo 512 SCHWEIZER E Lordship and Discipleship p 67 513 MARTIN R P A Hymn of Christ p 281 514 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 121

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Como em outros tempos a poliacutetica do impeacuterio romano estava entranhada de

simbolismos religiosos Por sinal para as pessoas daquela eacutepoca natildeo fazia

qualquer sentido separar poliacutetica e religiatildeo515 Entre os povos orientais era praacutetica

comum desde Alexandre Magno oferecer homenagens religiosas a governantes

vivos ldquohonras iguais a deusesrdquo que envolviam ldquotemplos sacrifiacutecios sacerdotes

festivais e jogosrdquo516 Nessa seccedilatildeo do impeacuterio o imperador romano ocupava um

espaccedilo entre deuses e seres humanos Registram-se aiacute sacrifiacutecios em nome do

imperador mas ainda natildeo para o imperador E jaacute no final do 1ordm seacuteculo aC cultos

imperiais eram populares na proviacutencia romana da Aacutesia No ocidente a tradiccedilatildeo era

venerar os imperadores mortos Na verdade tambeacutem ainda no 1ordm seacuteculo aC o

senado romano aprovou a lei da divinizaccedilatildeo poacutestuma dos imperadores Dessa

forma se durante a vida de Paulo o culto ao imperador ainda natildeo tinha se

consolidado era algo que estava se disseminando rapidamente ldquoo culto ao

imperador era a religiatildeo que registrava o mais raacutepido crescimento no mundo de

Paulo o mundo do Mediterracircneo orientalrdquo517 E certamente Paulo acompanhou de

perto as accedilotildees de Caliacutegula (37-41 dC) que aplicou a si mesmo o tiacutetulo Deus e

ainda tentou construir no Templo de Jerusaleacutem uma estaacutetua em sua proacutepria

homenagem518 e de Nero sob o qual a aclamaccedilatildeo do imperador vivo como κύριος

espalhou-se grandemente519 Tambeacutem natildeo eram estranhas nem para Paulo nem

para os filipenses os contornos poliacuteticos da crescente religiosidade em torno do

imperador Como observa Moessner ldquoEmbora o escopo do lsquoculto ao imperadorrsquo

na Filipos do primeiro seacuteculo cristatildeo permaneccedila discutiacutevel o que natildeo eacute disputado

eacute o extensivo capital poliacutetico que a veneraccedilatildeo do imperador entregou para Roma

no controle das suas lsquocolocircniasrsquordquo520

Diante desse cenaacuterio Fl 210-11 chama a atenccedilatildeo por trecircs razotildees Primeiro

o cristatildeo eacute chamado a rejeitar qualquer um que se apresente como senhor deus ou

515 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 84 516 AUNE D E Imperadores Romanos In DPC p 674 517 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 89 518 AUNE D E Imperadores Romanos In DPC p 674 519 HELLERMAN J H Philippians p 124 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 476 faz menccedilatildeo de uma inscriccedilatildeo grega do periacuteodo de Nero que celebrava ldquoO Kyrios do mundo inteiro Nerordquo 520 MOESSNER D P Turning Status lsquoUpside Downrsquo in Philippi Christ Jesusrsquo lsquoEmptying Himselfrsquo as Forfeiting Any Acknowledgment of His lsquoEquality with Godrsquo (Phil 26-11) p 132 KRENTZ cita com aprovaccedilatildeo a tese de R R Brewer de que havia em Filipos ldquoos Augustales libertos especialmente consagrados ao culto do divino Augusto e que este culto imperial prosseguiu por todo o seacuteculo I da Era Comumrdquo KRENTZ E Paulo os Jogos e a Miliacutecia p 325

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dominador deste mundo esteja vivo ou morto Soacute haacute um Senhor e o nome dele eacute

Jesus Cristo Consequentemente somente ele deve ser honrado como Deus

Somente a ele o ser humano deve prostrar-se reconhecendo sua autoridade Natildeo

somente o culto ao imperador mas toda e qualquer homenagem religiosa dedicada

a governantes humanos satildeo excluiacutedas aqui Segundo o argumento de Fl 210-11 eacute

que mesmo os imperadores romanos teratildeo de dobrar os joelhos diante de Jesus e

confessaacute-lo como κύριος521 A ironia eacute que teratildeo de reverenciar aquele que foi

morto por uma autoridade romana atraveacutes de uma penalidade romana (embora

requerido por liacutederes judeus) Nesse sentido a mensagem do senhorio de Jesus em

Fl 29-11 eacute que natildeo apenas democircnios e forccedilas espirituais foram subjugadas por

Jesus mas que todo poder e autoridade sobre essa Terra seja poliacutetica religiosa

juriacutedica militar ou econocircmica estaacute debaixo da autoridade suprema de Jesus522

Em terceiro lugar mas natildeo menos importante eacute o efeito a ser produzido pela

comparaccedilatildeo entre o senhorio de Ceacutesar e o de Jesus aquele era reconhecido como

senhor do impeacuterio enquanto este segundo Filipenses foi entronizado senhor de

todo o universo523 Para os cidadatildeos de Filipos que incluiacutea muitos soldados

veteranos do impeacuterio outros antigos habitantes da proacutepria capital e muitos outros

que por motivos diversos admiravam Roma orgulhavam-se da sua ligaccedilatildeo com

ela e bajulavam seus liacutederes poliacuteticos em troca de favores para todos eles a

mensagem de Fl 210-11 era a proacutepria subversatildeo de sua visatildeo de mundo afinal

ldquopara a maior parte do mundo romano a lsquodivindadersquo do imperador era oacutebvia e

inquestionaacutevel porque ele possuiacutea um poder evidentemente superior ao poder

de qualquer outro mortalrdquo524 Nesse aspecto a mensagem do senhorio absoluto de

Jesus em Fl 210-11 era uma mensagem revolucionaacuteria525 Ao mesmo tempo era

uma proclamaccedilatildeo de esperanccedila para a igreja de Filipos Lembre-se que enquanto

Paulo escreve sua carta ele estava preso em uma prisatildeo romana provavelmente na

521 HELLERMAN J H Philippians p 122 lembra que as autoridades romanas estatildeo incluiacutedas no termo ἐπιγείων 522 De um ponto de vista socioloacutegico essa mensagem poderia provocar nos cristatildeos e no cristianismo como movimento a sensaccedilatildeo de um novo status privilegiado Um novo mundo chegou e agora todos estatildeo subordinados a Jesus como Senhor e satildeo os cristatildeos que possuem um relacionamento especial com este Senhor eles estariam em uma posiccedilatildeo ldquosocialrdquo mais vantajosa que seus adversaacuterios WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philippians Hymn The Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 285 523 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philippians Hymn The Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 282 524 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 90 525 Natildeo eacute de modo algum necessaacuterio adotar a chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo da passagem para se extrair suas implicaccedilotildees soacutecio-poliacuteticas

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capital do impeacuterio e que segundo o registro do livro de Atos a igreja nasceu

naquela cidade sob oposiccedilatildeo das autoridades romanas Nessa perspectiva o vieacutes

escatoloacutegico da passagem eacute muito importante porque ela informa aos leitores que

a despeito das circunstacircncias visiacuteveis o verdadeiro Senhor do universo eacute aquele

que eles confessam como Senhor das suas vidas e um dia natildeo soacute eles mas

tambeacutem os que agora sentem-se poderosos inclusive perseguindo a Igreja se

prostraratildeo diante de Jesus e teratildeo de admitir sua insuficiecircncia e o senhorio de

Cristo Por outro acircngulo a maior arma que os governantes desse mundo possuem

eacute a morte e o anuacutencio da exaltaccedilatildeo de Jesus mostra que essa arma foi vencida

atraveacutes da ressureiccedilatildeo do Senhor Jesus526

64 Para gloacuteria de Deus Pai

Quanto agrave expressatildeo proposicional εἰς δόξαν θεοῦ πατρός o primeiro

desafio a ser enfrentado eacute sobre a sua originalidade Conforme discutido

anteriormente J Jeremias defendeu que a peccedila hiacutenica original natildeo continha essa

expressatildeo Ela teria sido acrescentada quando Paulo a editou para citaacute-la na carta

aos Filipenses Martin chega a dizer que ldquoparece conclusivo que a frase deveria

ser separada do texto da confissatildeordquo527 Entretanto conforme observado no

primeiro capiacutetulo desde a deacutecada de 1990 a pesquisa exegeacutetica estaacute caminhando

na direccedilatildeo contraacuteria afirmando a autoria paulina integral de Fl 26-11

Ainda mais relevante eacute a questatildeo sobre o significado desta uacuteltima frase do

conjunto inteiro de Fl 26-11 Por certo ela natildeo eacute a conclusatildeo apenas da segunda

parte do hino mas do hino inteiro Significa que tanto a exaltaccedilatildeo quanto a

humilhaccedilatildeo foram para a gloacuteria de Deus Pai528 Mais ainda haacute uma espeacutecie de

inclusio pois no primeiro verso do hino o Filho de Deus eacute identificado com Deus

Pai atraveacutes das expressotildees μορφῇ θεοῦ e εἶναι ἴσα θεῷ ou seja em termos de

quem ele era na sua preexistecircncia E agora na uacuteltima parte do texto ele eacute

identificado com Deus Pai atraveacutes do que recebe Ambos tinham a mesma

526 WRIGHT N T Novas perspectivas sobre Paulo p 95 527 MARTIN R P A Hymn of Christ p 273 528 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 148

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ldquoformardquo agora ambos recebem a mesma adoraccedilatildeo sem qualquer competiccedilatildeo ou

diminuiccedilatildeo de um ou de outro529

Destarte a conclusatildeo do hino acompanha a exaltaccedilatildeo muito provavelmente

para afastar dos ouvintes e leitores qualquer noccedilatildeo de que Jesus Cristo seja um

segundo deus ao lado do Pai Seria assim uma afirmaccedilatildeo do monoteiacutesmo biacuteblico

que no Novo Testamento vai ser reformulado para um monoteiacutesmo

cristoloacutegico530 Refinando um pouco mais eacute muito plausiacutevel que essa sentenccedila

queira acentuar que a participaccedilatildeo de Cristo na divindade natildeo tem nada a ver com

rivalidade ou disputa Cristo natildeo eacute um insurgente que atraveacutes de um ato rebelde

conquistou pela forccedila o senhorio coacutesmico531 Ao contraacuterio Fl 211 retoma a

primeira parte do hino (Fl 26-8) e mostra que κύριος eacute o obediente aquele que

natildeo se apegou ao ser igual a Deus mas se esvaziou Abriu matildeo Renunciou

Assumiu o papel de servo se humilhou e serviu obedientemente ateacute a morte de

cruz Isso se relaciona com o versiacuteculo 29 que mostra que o senhorio foi dado

(ἐχαρίσατο) por Deus a Jesus Entatildeo se Fl 29-11 mostra que Jesus agora tem toda

autoridade (conforme Mt 2818) tambeacutem mostra que essa autoridade eacute

completamente derivada de Deus Pai532 e exercida para a gloacuteria do Pai ldquoO

Senhorio de Cristo leva agrave gloacuteria de Deusrdquo533 para que um dia ldquoDeus seja tudo em

todosrdquo (1Co 1528) Nas palavras de Kreitzer poderia se afirmar que a exaltaccedilatildeo

de Jesus eacute tambeacutem a exaltaccedilatildeo de Deus Pai534

Outra questatildeo importante nesta expressatildeo eacute o sentido do substantivo

πατρός Antes de tudo eacute preciso observar a forccedila do termo em Paulo Em sua

teologia a paternidade de Deus eacute vista em trecircs dimensotildees Deus eacute o Pai de Jesus eacute

o Pai dos cristatildeos e eacute o Pai do mundo Com efeito Guthrie opina que ldquonatildeo haacute

nenhum outro conceito de Deus que domine a teologia de Paulo mais do que

esserdquo535 A questatildeo que se levanta eacute qual a dimensatildeo dessa paternidade estaacute

presente em Fl 211 Em outras palavras Deus eacute pai de quem aqui536 Kaumlsemann

529 FOWL S Philippians p 104 530 MARTIN R P A Hymn of Christ p 274 531 MARTIN R P A Hymn of Christ p 275-276 532 HAWTHORNE G F Philippians p 117 533 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 251 534 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo p 121 535 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 383 536 Ao que tudo indica o primeiro a elaborar essas trecircs possibilidades para o termo πατρός na passagem foi Lohmeyer Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 277

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favorece agrave paternidade sobre agrave criaccedilatildeo537 Na sua opiniatildeo o hino como um todo

descreve a inter-relaccedilatildeo entre dois mundos o divino e o humano Cristo sai do

mundo divino entra no mundo humano e depois volta ao mundo divino O ponto

segundo Kaumlsemann eacute que nessa volta quando Cristo eacute exaltado como Senhor do

cosmos os dois ldquomundosrdquo estatildeo unidos debaixo do mesmo Senhor Atraveacutes do

evento escatoloacutegico descrito pelo hino ocorreu uma reconciliaccedilatildeo do cosmos com

a divindade Em outras palavras a instalaccedilatildeo de Jesus como Senhor possibilita

que Deus exerccedila sua paternidade sobre o universo538 Na verdade assim como o

Cristo preexistente foi o mediador da criaccedilatildeo o Cristo exaltado eacute o mediador da

salvaccedilatildeo e da nova criaccedilatildeo conduzindo o universo atual aos novos ceacuteus e nova

terra um novo cosmos em comunhatildeo com o Pai539 Naturalmente nem todos

aceitam e desfrutam dessa paternidade da mesma forma mas ela foi tornada

possiacutevel e estaacute disponiacutevel por assim dizer por causa da vitoacuteria de Jesus que pocircs

fim ao conflito coacutesmico Portanto para Fl 26-11 o senhorio de Jesus e a

paternidade de Deus andam juntos

Outrossim o substantivo δόξα expressa o que Deus Pai vai receber No

Novo Testamento o termo carrega o sentido veterotestamentaacuterio da ה כבוד יהו

podendo ser usado para expressar a manifestaccedilatildeo visiacutevel da divindade ou de seus

atributos Tambeacutem no Novo Testamento encontra-se o significado de louvor que eacute

destinado a Deus Eacute exatamente isso que εἰς δόξαν quer dizer aqui que Deus Pai

seja glorificado O tema aparece alhures em Paulo tanto quando ele recomenda

que todas as coisas devem ser feitas para a gloacuteria de Deus (Rm 157 2Cor 415)

como em doxologias como a de Fl 420 τῷ δὲ θεῷ καὶ πατρὶ ἡμῶν ἡ δόξα εἰς τοὺς

αἰῶνας τῶν αἰώνων ἀμήν (cf Rm 1627 2Tm 418) Proacuteximo a Fl 211 eacute tambeacutem

a primeira parte do texto de Ef 117 ἵνα ὁ θεὸς τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ ὁ

πατὴρ τῆς δόξης

No caso de Filipenses o termo δόξα possui ainda um caraacuteter soacutecio-poliacutetico

Ele traz em si a conotaccedilatildeo de fama honra e reconhecimento de status E como jaacute

537 Quanto a isso Kaumlsemann eacute seguido por MARTIN R P A Hymn of Christ p 277-278 538 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 113-114 Na mesma direccedilatildeo Byrne ldquoo objetivo final da sequecircncia inteira [Fl 26-11] eacute recuperar o universo para a soberania e gloacuteria de Deus O papel e a dignidade de Cristo satildeo meios e estatildeo subordinados a issordquo BYRNE B A carta aos Filipenses In NCBSJ p 448 539 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 504 ldquoA protologia e a escatologia a histoacuteria universal e a histoacuteria individual estatildeo em Paulo numa correspondecircncia muacutetua porque Deus eacute o princiacutepio e a meta de tudo o que existerdquo

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observado havia em Filipos e por todo o impeacuterio romano o chamado cursus

honorum uma cultura de valorizaccedilatildeo do prestiacutegio e reconhecimento puacuteblicos Sob

esse aspecto o uacuteltimo segmento do hino mostra que a exaltaccedilatildeo de Jesus

funcionou como a manifestaccedilatildeo puacuteblica da honra divina540 Eacute como se na

exaltaccedilatildeo de Jesus Deus manifestasse seus atributos ao mundo e fosse por ele

assim reconhecido (embora dentro de uma tensatildeo escatoloacutegica) De forma curiosa

esta perspectiva faz um link com o proacuteprio sentido veterotestamentaacuterio de δόξα

que eacute a manifestaccedilatildeo visiacutevel do poder e presenccedila divinos

65 Monoteiacutesmo cristoloacutegico

Na histoacuteria da Igreja os grandes conciacutelios ecumecircnicos satildeo em grande parte

a histoacuteria da discussatildeo em torno da divindade de Jesus E apoacutes a consolidaccedilatildeo

dessa doutrina e da doutrina da trindade no seacuteculo V o cristianismo nos seus

diversos segmentos natildeo experimentou mudanccedilas significativas a esse respeito O

desenvolvimento a partir do seacuteculo XVIII da criacutetica histoacuterica e sua aplicaccedilatildeo na

exegese do Novo Testamento mudou um pouco esse quadro Uma das questotildees

levantadas conforme jaacute observado neste trabalho eacute o suposto dualismo entre

cristianismo judaico e cristianismo gentiacutelico Como exemplo pode-se citar a

polecircmica afirmaccedilatildeo de Casey ldquoA deidade de Jesus eacute inerentemente natildeo judaica

a feacute que um segundo ser eacute Deus envolve a saiacuteda da comunidade judaicardquo541

Contudo a despeito de posiccedilotildees extremadas como esta cada vez mais a exegese

do Novo Testamento admite que os primeiros cristatildeos judeus jaacute criam na

divindade de Jesus sem que isso significasse uma renuacutencia ao seu monoteiacutesmo

Nesse processo eacute importante registrar o entendimento atual de que jaacute

havia no judaiacutesmo uma reflexatildeo acerca de agentes divinos muito proacuteximos de

Deus mas distintos dele o que natildeo era considerado um abandono do monoteiacutesmo

Esse papel podia ser desempenhado por figuras histoacutericas do passado como

Enoque pelo ldquoanjo de YHWHrdquo (Gn 167-14 181-22 Ex 32-6) ou mesmo pelo

Messias Tambeacutem haviam especulaccedilotildees sobre hipoacutestases ou personificaccedilotildees da

540 HELLERMAN J H Philippians p 124-125 541 CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 176

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divindade separadas dela envolvendo a Toraacute e a Sabedoria Divina542 aleacutem de

tradiccedilotildees judaicas que descreviam a exaltaccedilatildeo ao ceacuteu e a glorificaccedilatildeo de Adatildeo543

Quer dizer que para a feacute judaica ldquoDeus natildeo era considerado um no sentido

matemaacutetico de ser unitaacuteriordquo544 Esses antecedentes ajudam a mostrar que a

reflexatildeo cristatilde neotestamentaacuteria natildeo era desprovida de conexotildees com o judaiacutesmo

Mas daiacute a identificar um personagem contemporacircneo morto em uma cruz como

divino havia uma grande distacircncia De fato esta eacute uma das trecircs diferenccedilas baacutesicas

entre a especulaccedilatildeo acerca dos agentes divinos e a cristologia do Novo

Testamento a saber aqueles nunca eram vistos como pessoas de valor igual a

Deus e com campos autocircnomos de atuaccedilatildeo nunca recebiam adoraccedilatildeo cuacuteltica e

era inconcebiacutevel que algueacutem morto de forma tatildeo vergonhosa fosse venerado como

agente de Deus de alguma forma ligado a ele545

Como observado antes a ressurreiccedilatildeo foi o grande acontecimento que

impactou a feacute dos disciacutepulos de Jesus pois ldquoa elevaccedilatildeo ao senhorio coincide com

a ressurreiccedilatildeo de Cristo ou eacute corolaacuterio imediato delardquo546 Daiacute a compreensatildeo de

que aquele que tinha sido crucificado agora estaacute vivo e foi exaltado por Deus

forccedilou-os a uma necessaacuteria reflexatildeo teoloacutegica O primeiro passo importante foi

olhar para os textos do Antigo Testamento como Sl 1101547 Entre outros a

releitura desse texto a partir da exaltaccedilatildeo de Jesus foi muito importante para

atribuir soberania a Jesus pois permitiu entender o Jesus exaltado ao lado de Deus

Pai exercendo domiacutenio sobre a criaccedilatildeo E sendo a soberania um traccedilo fundamental

do Deus de Israel essa reflexatildeo permitiu que os cristatildeos incluiacutessem Jesus na

identidade do Deus uacutenico548 Aqui destaca-se tambeacutem a utilizaccedilatildeo do tiacutetulo

κύριος pois a soberania sobre o cosmos assumida por Jesus a partir da sua

542 WHITERINGTON III B Cristologia p 317 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 380 394 543 DUNN J D G Teologia do apoacutestolo Paulo p 337 544 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPC p 394 545 SCHNELL U Paulo Vida e Pensamento p 608 546 DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 294 547 DUNN J D G Unidade e Diversidade no Novo Testamento p 128-129 considera que este foi um passo decisivo para o cristianismo helenista entretanto este passo jaacute tinha se antecipado no cristianismo de fala aramaica 548 BAUCKHAM R J The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 130 Ao contraacuterio DUNN J D G Teologia do Apoacutestolo Paulo p 300-303 acredita que Paulo nunca fez essa identificaccedilatildeo de Jesus com Deus Aliaacutes para ele o proacuteprio uso de κύριος servia natildeo para identificar Jesus com Deus mas para distinguir Jesus de Deus

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exaltaccedilatildeo eacute exatamente descrita por essa designaccedilatildeo549 O senhorio de Jesus sobre

a criaccedilatildeo vai muito aleacutem do que Deus desejou para o homem na criaccedilatildeo (Gn 126

Sl 86)550 Esse senhorio significa a soberania de Jesus sobre o universo soberania

que ele recebe das matildeos do proacuteprio Deus o que no hino eacute expresso pela doaccedilatildeo

do nome sobre todo nome que eacute de fato a funccedilatildeo de κύριος Atraveacutes desse tiacutetulo

os primeiros cristatildeos desenvolveram e fortaleceram essa cristologia aplicando a

Jesus textos do Antigo Testamento que falavam de YHWH da sua soberania e da

esperanccedila que um dia todos os povos se submetessem a ele que nunca foi a

esperanccedila veterotestamentaacuteria para Adatildeo551 Eacute o caso da jaacute citada alusatildeo a Is 4523

aqui em Filipenses pois enquanto Isaiacuteas espera o dia em que todos se prostraratildeo e

confessaratildeo o nome de YHWH o texto paulino afirma que essa esperanccedila jaacute eacute

realidade para o nome de Jesus552

A atribuiccedilatildeo a Jesus do tiacutetulo Kyrios tem outra consequecircncia a mais que todos os tiacutetulos dados a Deus ndash agrave exceccedilatildeo do nome de ldquoPairdquo ndash podiam doravante ser conferidos a Jesus Se de acordo com a feacute primitiva o nome ldquoque eacute sobre todo nomerdquo isto eacute o nome mesmo de Deus ldquoSenhorrdquo Adonai Kyrios foi dado a Jesus desde a sua glorificaccedilatildeo a transferecircncia de atributos divinos tornou-se ilimitada553

E nessa reflexatildeo sobre a feacute na divindade de Jesus e o monoteiacutesmo tambeacutem

eacute interessante notar ainda relaccedilatildeo existente entre κύριος e θεός A LXX apresenta

549 Textos como o proacutelogo do quarto evangelho e Cl 115-20 acentuam a obra do Cristo preexistente sobre a criaccedilatildeo Note-se todavia que nestes textos o destaque recai tanto sobre a preexistecircncia do Cristo quanto sobre seu papel de mediador da criaccedilatildeo Ele eacute anterior e mediador da criaccedilatildeo de ldquotodas as coisas nos ceacuteus e sobre a terra as visiacuteveis e as invisiacuteveis sejam tronos sejam soberanias quer principados quer potestadesrdquo (Cl 116) O proacuteprio Paulo assume essa visatildeo no texto jaacute discutido de 1Cor 86 Os dois textos expressam a mediaccedilatildeo de Jesus sobre a criaccedilatildeo pela preposiccedilatildeo διὰ Mas Colossenses vai aleacutem e acrescenta a preposiccedilatildeo εἰς indicando que de alguma forma a criaccedilatildeo foi estabelecida para o Filho de Deus Pode-se conjecturar que eacute na exaltaccedilatildeo quando Cristo assume a soberania sobre o Cosmos na grande virada escatoloacutegica que esse εἰς comeccedila a ser cumprido alcanccedilado sua plenitude no novo ceacuteu e nova terra Essa perspectiva evidencia que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute muito mais do que a vindicaccedilatildeo do justo sofredor 550 Contrariamente ao que pensa WRIGHT N T The Climax of Covenant p 93 apesar de afirmar um pouco mais agrave frente (p95) ldquoA tarefa do homem que iria representar Israel e salvar o mundo eacute a tarefa a qual na linguagem do Antigo Testamento estaacute (embora paradoxalmente) reservada para o proacuteprio Deusrdquo 551 BAUCKHAM R The Worship of Jesus in Philippians 29-11 p 139 observa que eacute inviaacutevel interpretar Fl 26-11 como uma cristologia adacircmica e tirar o inteiro significado teoloacutegico da alusatildeo a Is 4523 Ele considera que Wright fracassou nessa tentativa 552 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p xxvi mostra que os rabinos Tannaim (que atuaram entre os anos 10 e 220 depois de Cristo) recorriam a Isaiacuteas 44-47 em sua defesa do monoteiacutesmo contra tendecircncias dentro do judaiacutesmo que o ameaccedilavam 553 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 308-309 Grifos dele

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os dois termos bem proacuteximos quase intercambiaacuteveis554 Entre os gentios agrave

exceccedilatildeo dos gregos o colorido divino de κύριος eacute indiscutiacutevel555 E esse

pensamento tornou-se a cosmovisatildeo helenista a ponto de o proacuteprio imperador

romano ganhar traccedilos de divindade ao ser aclamado como senhor Desse modo

seja para a percepccedilatildeo judaica seja para a percepccedilatildeo gentiacutelica chamar Jesus de

Senhor trazia claras implicaccedilotildees de divindade556

Assim sendo dentro da rigorosa feacute monoteiacutesta judaica a feacute na divindade

de Jesus produziu um novo tipo de monoteiacutesmo o chamado ldquomonoteiacutesmo

cristoloacutegicordquo A ideia eacute que Jesus natildeo passou a ser algo que Deus deixou de ser557

A feacute dos cristatildeos no senhorio de Cristo natildeo alterou sua convicccedilatildeo na soberania de

Deus558 Prova disso eacute que os primeiros cristatildeos natildeo deixaram de se referir a Deus

como ldquoSenhorrdquo quando passaram a designar Jesus com este tiacutetulo No caso de

Paulo a sua cristologia natildeo substituiu sua teologia Ao contraacuterio a sua cristologia

deve ser entendida dentro da sua teologia Quando Paulo trata de Jesus estaacute

lidando com o plano de salvaccedilatildeo traccedilado por Deus559

O corpus paulino oferece muitas indicaccedilotildees do fenocircmeno do monoteiacutesmo

cristoloacutegico 1Cor 86 por exemplo funciona como uma definiccedilatildeo desse

fenocircmeno As foacutermulas de becircnccedilatildeo sobretudo nas saudaccedilotildees das cartas paulinas

apontam na mesma direccedilatildeo ldquoχάρις ὑμῖν καὶ εἰρήνη ἀπὸ θεοῦ πατρὸς ἡμῶν καὶ

554 LONGENECKER R N The Christology of Early Jewish Christianity p 136 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1046 propotildeem que o exemplo mais antigo do uso de κύριος para uma divindade eacute a proacutepria LXX Isso prova como eles reconhecem que a escolha do termo natildeo foi por intermeacutedio da influecircncia helenista 555 FOESTER W QUELL G κύριος In TDNT p 1046-1051 Segundo eles a noccedilatildeo de um deus soberano senhor da realidade era totalmente estranha aos gregos 556 Contra a opiniatildeo de CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 176 557 DUNN J D G A teologia do apoacutestolo Paulo p 302 558 HURTADO L W The Origin of the Nomina Sacra a proposal p 663 671-673 defende que a reverecircncia demonstrada atraveacutes da abreviaccedilatildeo dos nomes divinos e cristoloacutegicos evidencia o padratildeo ldquobinitarianordquo de devoccedilatildeo existente no cristianismo primitivo Natildeo obstante ele salienta que esse fenocircmeno estava ligado aos ciacuterculos cristatildeos ldquoortodoxosrdquo de forte tradiccedilatildeo e conexatildeo com as tradiccedilotildees judaicas e o Antigo Testamento 559 WHITERINGTON III B Cristologia In DPC p 317 319 Em uma fraseologia mais polecircmica Kreitzer assevera que ldquoPaulo manteacutem um forte tom de subordinaccedilatildeo de Jesus Cristo a Deus Pai mesmo nas passagens mais exaltadasrdquo Aqui ele inclui Fl 211 KREITZER L J Escatologia In DPC p 474

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κυρίου Ἰησοῦ Χριστοῦrdquo560 E nesse elenco o texto inteiro de Fl 26-11 merece

destaque Essa natildeo eacute a histoacuteria dos feitos do grande heroacutei Jesus E exatamente na

segunda parte do hino fica expliacutecito que quem exaltou Jesus foi Deus Pai E eacute

Deus Pai quem daacute de forma graciosa ao Jesus exaltado seu proacuteprio nome E

finalmente o cliacutemax do hino a confissatildeo de Jesus como Senhor eacute nada menos do

que para a gloacuteria do Pai Portanto desde as primeiras reflexotildees os cristatildeos

entendiam que a feacute em Jesus e a adoraccedilatildeo dirigida a ele nada tinha a ver com um

segundo Deus Ocorreu que eles incluiacuteram Jesus no culto de adoraccedilatildeo a Deus e

por consequecircncia incluiacuteram Jesus no monoteiacutesmo que eles professavam561

Natildeo se encontra em Paulo poreacutem uma apresentaccedilatildeo desenvolvida acerca

da Trindade562 Paulo prepara um caminho que seraacute trilhado depois pela Igreja

Tambeacutem natildeo se deve qualificar Paulo como um ldquocristomonistardquo isto eacute como se a

cristologia fosse a uacutenica forma da teologia paulina563 A seccedilatildeo de Fl 29-11

expressa isso de forma categoacuterica pois ao mesmo tempo que daacute a Jesus a mais

alta exaltaccedilatildeo mostra que isso tudo ocorre por intermeacutedio de Deus Pai Eacute certo

que o pensamento paulino estaacute distante de perspectivas como o marcionismo que

separam Jesus do Deus do Antigo Testamento A cristologia talvez funcione no

pensamento paulino como o epicentro de onde ele articula uma tripla narrativa de

Deus de Israel e do mundo

560 A foacutermula eacute repetida de forma idecircntica em Rm 17 1Cor 13 Gl 13 Ef 12 Fl 12 2Ts 12 Fm 3 As cartas a Timoacuteteo acrescentam ἔλεος apoacutes χάρις 1Tm 12 2Tm 12 Das 13 cartas atribuiacutedas a Paulo no Novo Testamento apenas Colossenses e Tito natildeo possuem a foacutermula na saudaccedilatildeo e em 1Tessalonicesses encontra-se uma adaptaccedilatildeo da formulaccedilatildeo (1Ts 11) As cartas paulinas tambeacutem usam uma expressatildeo fixa para as despedidas poreacutem aleacutem da formulaccedilatildeo oscilar mais do que nas saudaccedilotildees a becircnccedilatildeo eacute relacionada apenas com Jesus Cristo A frase padratildeo eacute Ἡ χάρις τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ μεθ᾽ ὑμῶν Encontra-se (com pequenas variaccedilotildees) em Rm 1620 1Cor 1623 Fl 423 1Ts 528 2Ts 318 Fm 12 Quanto agrave origem nada impede que Paulo tenha sido o criador destas foacutermulas mas a maneira recorrente e fixa (no conteuacutedo e na disposiccedilatildeo dos termos) em que elas aparecem indicam que elas ecoam elementos lituacutergicos Cf HURTADO L W Senhor In DPC p 116 KRAMER W Christ Lord e Son of God p 90-93 151-156 considera que as foacutermulas de despedidas satildeo preacute-paulinas e de origem lituacutergica Jaacute as saudaccedilotildees seriam de autoria paulina ainda que Paulo tenha feito uso de elementos lituacutergicos anteriores a ele A distinccedilatildeo entretanto natildeo eacute boa devido agrave similaridade entre as foacutermulas A origem lituacutergica pode explicar a ocorrecircncia quase idecircntica ao uso paulino que aparece em Ap 2221 Ἡ χάρις τοῦ κυρίου Ἰησοῦ μετὰ πάντων 561 Ao contraacuterio do ciacuterculo paulino parece que as tradiccedilotildees joaninas lidaram com a acusaccedilatildeo de que a feacute em Cristo era uma ameaccedila ao monoteiacutesmo como testemunham Jo 518 e 1030-33 562 Natildeo se justifica uma afirmaccedilatildeo como a de Basevi segundo o qual nesse momento o autor ldquopotildee em evidecircncia o aspecto trinitaacuterio do textordquo BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 470 563 Bem observado por WHITERINGTON III B Cristologia In DPC p 318 Nessa linha parece que a expressatildeo ldquoteologia cristocecircntricardquo faz mais jus ao pensamento paulino do que o contraacuterio

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65 Conclusatildeo do capiacutetulo

Este capiacutetulo comeccedilou mostrando que a confissatildeo de feacute κύριος Ἰησοῦς

Χριστὸς responde agrave pergunta quem Jesus eacute hoje A essa altura fica claro quanta

coisa Jesus eacute quando eacute afirmado que ele eacute Senhor Afirma-se que Jesus eacute divino

sem discutir o ser divino ou o relacionamento entre Jesus e Deus Em que pese

essa divindade jaacute estivesse expressa no iniacutecio do hino aqui atesta-se que Jesus eacute

divino porque possui o mesmo nome de Deus tem a mesma autoridade soberana

sobre o universo que Deus e deve receber a obediecircncia e a adoraccedilatildeo que antes

eram devidas somente a Deus Essa uacuteltima frase demonstra que o fechamento do

hino que acabou de ser analisado eacute uma fundamental afirmaccedilatildeo da feacute cristatilde e do

culto cristatildeo um passo importante na direccedilatildeo da posterior doutrina da Trindade

Afirma-se ainda nesse toacutepico que nesse hoje Jesus jaacute estaacute exercendo sua

soberania sendo Senhor sobre os anjos as potestades espirituais e sobre todos os

governantes dessa Terra inclusive acima do imperador romano Por tudo isso o

segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός estudado nesse

capiacutetulo eacute o adequado e merecido gran finale para o hino de Fl 26-11

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Conclusatildeo

O objetivo formal deste trabalho foi pesquisar a exaltaccedilatildeo de Jesus conforme

retratada em Filipenses 29-11 que eacute a segunda parte da periacutecope de 26-11 Esta

passagem eacute um texto fundamental para a compreensatildeo da cristologia do Novo

Testamento porque em poucos versiacuteculos ela descreve as trecircs principais etapas do

evento Cristo a preexistecircncia a existecircncia encarnada que culmina na morte de cruz

e a sua poacutes-existecircncia exaltada E justo por essa concentraccedilatildeo cristoloacutegica ao longo

da histoacuteria da teologia Fl 26-11 sempre foi um campo muito feacutertil para a reflexatildeo

dogmaacutetica Na patriacutestica por exemplo foi um dos textos da Escritura mais

comentados pelos pais564 Nesse periacuteodo a exposiccedilatildeo da passagem era estritamente

teoloacutegica girando acima de tudo em torno da divindade e da humanidade de Jesus

as relaccedilotildees trinitaacuterias entre o Filho e o Pai supostas pelo texto a adoraccedilatildeo ao Cristo

divino junto com Deus Pai e do ponto de vista pastoral a humildade de Cristo

como exemplo para os cristatildeos565 O pano de fundo era a discussatildeo com o arianismo

e a argumentaccedilatildeo se concentra na primeira parte do hino (Fl 26-8)

A exegese teoloacutegica desenvolvida durante a reforma protestante seguiu os

mesmos trilhos da patriacutestica O epicentro da exposiccedilatildeo gira em torno das duas

naturezas de Cristo mas houve uma ecircnfase ainda maior no tema de Cristo como

modelo de humildade566 No periacuteodo entre o final do seacuteculo XIX e o iniacutecio do seacuteculo

XX aleacutem dos temas jaacute mencionados eacute possiacutevel destacar trecircs linhas de interpretaccedilatildeo

na exegese teoloacutegica da passagem Primeiro a ldquovisatildeo dogmaacuteticardquo desenvolvida por

luteranos que defende que o versiacuteculo 6 faz referecircncia apenas ao ministeacuterio terreno

de Jesus sem qualquer conexatildeo com a preexistecircncia567 Segundo a teoria kenoacutetica

redigida na sua forma claacutessica por G Thomasius em 1857 que propotildee que no

versiacuteculo 7 o esvaziamento do Filho de Deus envolveu a renuacutencia dos atributos da

onisciecircncia e da onipotecircncia568 Terceiro a interpretaccedilatildeo eacutetica que enxerga a

periacutecope como exortaccedilatildeo de Paulo aos cristatildeos a fim de imitarem a atitude de Cristo

que natildeo se apegou a sua gloacuteria ao seu status divino mas abriu matildeo em favor da

564 EDWARDS M J (ed) Galatians Ephesians Philippians 1999 p 236 565 Ibid p 236-256 566 TOMLIN G Comentaacuterio Biacuteblico da Reforma ndash Filipenses e Colossenses p 89-98 567 MARTIN R P A Hymn a Christ p 63-65 No final do seacuteculo XX essa interpretaccedilatildeo ganhou uma formulaccedilatildeo exegeacutetica atraveacutes da ldquocristologia adacircmicardquo desenvolvida por J D G Dunn 568 MARTIN R P A Hymn a Christ p 66-68

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salvaccedilatildeo da humanidade Da mesma forma os filipenses deveriam abrir matildeo de

todo orgulho no intuito de preservar a unidade da igreja569

O ponto de partida para a pesquisa exegeacutetica contemporacircnea de Fl 26-11

pode ser localizado em 1928 com a publicaccedilatildeo dos trabalhos de Ernst Lohmeyer

Quase 90 anos depois a quantidade de literatura especializada em torno destes seis

versiacuteculos eacute gigantesca Nesse periacuteodo os autores mais influentes em relaccedilatildeo agrave

passagem aleacutem de Lohmeyer foram E Kaumlsemann N T Wright e R P Martin570

O referencial para a realizaccedilatildeo desta pesquisa foram especialmente

Kaumlsemann e Martin Seguindo a sugestatildeo de ambos procurou-se dar o devido valor

aos versiacuteculos 9-11 no conjunto do hino cristoloacutegico fazendo assim uma leitura

progressiva do hino que culmina na exaltaccedilatildeo de Jesus o verdadeiro cliacutemax da

passagem

O caminho seguido para o desenvolvimento dessa proposta teve como

primeira estaccedilatildeo a discussatildeo em torno da carta aos Filipenses A carta eacute endereccedilada

a uma igreja fundada pelo apoacutestolo Paulo entre os anos 48-50 dC Era uma

comunidade com a qual ele tinha um estreito relacionamento pastoral Com efeito

o objetivo principal da carta eacute agradecer o apoio financeiro que o apoacutestolo recebeu

desta igreja e apresentar seus planos para estar em contato com a comunidade

primeiro de enviar missionaacuterios ateacute laacute e depois dele mesmo estar pessoalmente com

os filipenses E aproveitando o ensejo da correspondecircncia o apoacutestolo faz algumas

exortaccedilotildees agrave igreja sobretudo em relaccedilatildeo a adversaacuterios que se levantavam dentro e

fora da igreja

Do ponto de vista socioloacutegico o principal ponto a considerar eacute que a igreja

de Filipos estava localizada em uma colocircnia romana com boa parte da populaccedilatildeo

sendo romana e uma fortiacutessima influecircncia cultural de Roma Quando Paulo escreve

a carta estaacute preso possivelmente na capital do impeacuterio Esse pano de fundo eacute de

fato uma poderosa influecircncia na redaccedilatildeo de Filipenses de modo que por toda a

carta sobretudo em Fl 26-11 percebe-se um vocabulaacuterio e uma narrativa teoloacutegica

que interagem de forma criacutetica com a cultura a poliacutetica e a religiatildeo romanas

569 MARTIN R P A Hymn a Christ p 68-74 570 Martin considera os trecircs primeiros os marcos fundamentais na intepretaccedilatildeo de Fl 26-11 Cf MARTIN R P Carmen Christi Revisited p 1 Contudo o proacuteprio Martin deve ser incluiacutedo pois a sua obra A Hymn of Christ lanccedilada em 1967 (com o tiacutetulo Carmen Christi) atualizada em 1983 e depois em 1997 eacute de longe a pesquisa mais ampla acerca dos temas e da histoacuteria da exegese de Fl 26-11 no seacuteculo XX

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Quanto agrave autoria da carta natildeo haacute duacutevidas de que ela tenha sido escrita pelo

apoacutestolo Paulo e embora exista razoaacutevel debate se o formato atual seja o resultado

da uniatildeo de vaacuterias cartas menores que Paulo enviou agrave igreja a evidecircncia manuscrita

e histoacuterica favorece agrave tese de que a carta sempre existiu como hoje se encontra no

Novo Testamento

O objeto material deste trabalho foi o texto de Fl 29-11 que eacute uma parte

literariamente distinguiacutevel da passagem de Fl 26-11 que por sua vez estaacute inserida

na seccedilatildeo pareneacutetica da carta que vai de 127 a 217 mas eacute uma unidade textual

distinta entre outros motivos justamente porque a parecircnese eacute dominada por

imperativos que Paulo dirige agrave comunidade enquanto que em 26-11 os verbos

principais passam do imperativo para o indicativo e da 2ordf pessoa para a 3ordf pessoa

passando-se da exortaccedilatildeo para a narraccedilatildeo uma narrativa teoloacutegica de eventos

relacionados a Jesus A plausibilidade de se trabalhar apenas com os versiacuteculos 29-

11 eacute verificada sobretudo por duas mudanccedilas primeiro do sujeito dos verbos

principais que em 6-8 eacute o Filho de Deus e em 9-11 eacute Deus Pai depois da temaacutetica

pois na primeira parte haacute uma sucessatildeo de accedilotildees na descendente que vai da gloacuteria

preexistente ateacute agrave morte de cruz e na segunda parte haacute uma accedilatildeo uacutenica na

ascendente que eacute a exaltaccedilatildeo de Jesus e a descriccedilatildeo dos desdobramentos desse

evento Destarte a pesquisa evidenciou que entre as diversas propostas de

estruturaccedilatildeo do hino a divisatildeo em duas partes eacute que possui maior apoio acadecircmico

E considerando que a criacutetica textual natildeo encontrou motivos razoaacuteveis para

alteraccedilatildeo do texto grego apresentado por Nestle-Aland28571 a traduccedilatildeo proposta e

utilizada para esta dissertaccedilatildeo foi a seguinte 9E por isso Deus o exaltou sobremaneira e o agraciou com o nome acima de todo o nome 10a fim de que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 11e toda liacutengua confesse que Jesus Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai

O segundo momento deste trabalho foi discorrer sobre as principais linhas

da interpretaccedilatildeo contemporacircnea de Fl 26-11 fazendo o Status Quaestionis572 O

primeiro debate seacuterio eacute acerca do gecircnero literaacuterio e da estrutura da passagem Desde

571 Novum Testametum Graece 572 Como vaacuterias questotildees (autoria gecircnero pano de fundo relaccedilatildeo com o contexto da carta entre outros) dizem respeito ao texto como um todo e natildeo soacute a 29-11 optou-se por fazer o Status

Quaestionis tendo em vista Fl 26-11 com destaque para os pontos diretamente relacionados agrave segunda parte do hino

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Lohmeyer a classificaccedilatildeo da mesma como hino se tornou predominante entre os

estudiosos De fato eacute quase unacircnime a opiniatildeo de que a passagem foi construiacuteda de

maneira poeacutetica mas o consenso termina na hora de definir qual eacute o gecircnero literaacuterio

usado nessa peccedila poeacutetica Vaacuterios argumentos foram levantados contra a designaccedilatildeo

do texto como hino e apesar de uma seacuterie de outras classificaccedilotildees literaacuterias terem

sido apresentadas a que ainda possui maior adesatildeo e mais argumentos em seu favor

eacute a classificaccedilatildeo de Fl 26-11 como um hino dividido em duas partes versiacuteculos 6-

8 e 9-11

Tambeacutem natildeo haacute concordacircncia quanto ao pano de fundo para interpretaccedilatildeo

do hino Satildeo vaacuterias propostas helenismo religioso o servo sofredor de YHWH a

sabedoria judaica Gn 1 e 3 e a comparaccedilatildeo com Adatildeo tradiccedilotildees relacionadas ao

ministeacuterio terreno de Jesus entre outras Na pesquisa recente o toacutepico mais

discutido eacute a leitura do hino em termos de uma cristologia adacircmica seja na forma

apresentada por J D G Dunn seja no modelo alternativo de N T Wright Mas

esse eacute daqueles problemas exegeacuteticos insoluacuteveis e talvez o melhor mesmo seja

encarar o texto como uma composiccedilatildeo cristatilde que interage (intencionalmente ou

natildeo) com vaacuterias tradiccedilotildees do mundo religioso contemporacircneo em especial do

contexto judaico-cristatildeo

Algo que parece caminhar para o consenso eacute a opiniatildeo sobre a autoria da

passagem Nos uacuteltimos 25 anos a maioria dos estudiosos da passagem tecircm sido

persuadidos pelos argumentos em favor da autoria paulina Essa eacute uma mudanccedila

significativa nos estudos neotestamentaacuterios pois Fl 26-11 foi e ainda eacute amplamente

usado como testemunho da cristologia e da liturgia do cristianismo preacute-paulino573

Por certo a autoria paulina natildeo exclui que o apoacutestolo herdou (como de fato ele

reconhece entre outros lugares em 1Cor 153 1123) e trabalhou a partir de

conteuacutedos foacutermulas e ecircnfases que jaacute existiam no cristianismo quando ele inicia sua

caminhada cristatilde e antes de ele iniciar sua produccedilatildeo literaacuteria Natildeo obstante a

alteraccedilatildeo na perspectiva do autor faz do texto um testemunho direto da teologia

paulina e natildeo do cristianismo preacute-paulino

573 Veja-se por exemplo J Gnilka que como outros antes dele entende a passagem como uma composiccedilatildeo preacute-paulina e assim enxerga a teologia paulina exclusivamente nas alteraccedilotildees que o apoacutestolo teria feito ao hino original Forma-se um castelo de hipoacutetese supotildee-se que Fl 26-11 existia antes de ser publicada na carta que Paulo escreveu supotildee-se que essa versatildeo anterior era um pouco diferente desta utilizada por Paulo e supotildee-se ainda que o apoacutestolo teria feito certas inserccedilotildees nessa versatildeo interior Simplesmente nenhuma das trecircs hipoacuteteses pode ser provada Cf GNILKA J O Elemento preacute-paulino no Querigma Paulino p 75-77

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Outro ponto fundamental na pesquisa sobre Fl 26-11 eacute a relaccedilatildeo entre o

texto e o seu contexto de modo especiacutefico a funccedilatildeo que o hino desempenha na

parecircnese paulina A discussatildeo passa essencialmente pela exegese do versiacuteculo 25

que introduz o hino fazendo sua ligaccedilatildeo com o contexto A chamada interpretaccedilatildeo

eacutetica toma a expressatildeo ἐν Χριστῷ que ocorre neste versiacuteculo de forma literal e

entende que aqui Paulo motiva os cristatildeos a olharem para Jesus Cristo como

exemplo das principais virtudes que eles deveriam apresentar Por traacutes de Fl 26-11

estaria o tema que aparece alhures em Paulo da imitaccedilatildeo a Cristo A primeira criacutetica

importante contra esta interpretaccedilatildeo bastante popular veio por intermeacutedio de Karl

Barth Ele observou ldquonatildeo eacute por uma referecircncia ao exemplo de Cristo que Paulo

quer fortalecer o argumento de 21-4rdquo574 Seguindo alguns insights de Barth

Kaumlsemann fez dessa questatildeo o tema principal da sua exegese da passagem

tornando-se o propositor da chamada interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica de Fl 26-11

A argumentaccedilatildeo apresentada por ele comeccedila na exegese do versiacuteculo 25

Aleacutem de entender a expressatildeo ἐν ὑμῖν coletivamente (ldquoentre vocecircsrdquo) e suprir em

25b a lacuna verbal com uma forma presente do verbo φρονέω o pilar principal da

exegese de Kaumlsemann foi dar o devido peso teoloacutegico agrave expressatildeo ἐν Χριστῷ Esta

importante expressatildeo combina perspectivas soterioloacutegicas escatoloacutegicas

eclesioloacutegicas e existenciais cujo sentido baacutesico eacute o espaccedilo de influecircncia para onde

a pessoa eacute trazida quando eacute alcanccedilada pela graccedila da salvaccedilatildeo (sentido que ele tomou

de Barth) com todos os dons relacionados mas tambeacutem com os imperativos da

vida cristatilde Nesse caso a exortaccedilatildeo paulina eacute que os cristatildeos devem viver em

conformidade como essa nova realidade (soterioloacutegica escatoloacutegica eclesioloacutegica

e existencial) para onde foram levados que eacute o espaccedilo do senhorio de Jesus O

objetivo natildeo eacute imitar Cristo mas obedecer a este que eacute o Senhor de todas coisas

conforme a confissatildeo feita no final do hino Essa maneira de olhar o texto natildeo soacute

afasta a temaacutetica da imitaccedilatildeo a Jesus como daacute o devido valor aos versiacuteculos 29-

11 O texto inteiro eacute visto como a narraccedilatildeo do evento escatoloacutegico que resultou no

senhorio universal de Jesus De fato o cliacutemax do hino eacute o senhorio de Jesus Quem

estaacute ἐν Χριστῷ estaacute debaixo do senhorio de Jesus e deve assim obedecer-lhe como

insinua o contexto imediato de 212

574 BARTH K Epistle to the Philippians p 59 Grifos dele

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A interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica tem como principal expoente contemporacircneo

R P Martin e foi certamente um dos pontos que esta dissertaccedilatildeo quis ressaltar

Considerando a popularidade da interpretaccedilatildeo eacutetica na exegese anglo-saxatilde e dada

a influecircncia desta escola na teologia brasileira e latino-americana eacute muito

necessaacuterio conhecer uma outra maneira de olhar a passagem para assim avaliar a

contribuiccedilatildeo teoloacutegica que ela faz ao entendimento do texto senatildeo como melhor

exegese no miacutenimo para corrigir inconsistecircncias da interpretaccedilatildeo eacutetica Ademais

um dos pontos que ficam para uma pesquisa posterior eacute uma investigaccedilatildeo exegeacutetica

ainda mais profunda de Fl 25 versiacuteculo chave para a compreensatildeo a conexatildeo entre

21-4 e 26-11

A terceira etapa desta dissertaccedilatildeo eacute ao mesmo tempo seu capiacutetulo central

Nele tratou-se do versiacuteculo 29 onde precisamente a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute

apresentada e sintaticamente eacute o segmento principal do periacuteodo 29-11 No

versiacuteculo 9 fica claro que o responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus eacute Deus Pai Embora

no Antigo Oriente o tema da exaltaccedilatildeo estivesse presente em vaacuterias tradiccedilotildees

parece que a principal influecircncia por traacutes de Fl 29 eacute a expectativa judaica da

exaltaccedilatildeo de Israel no final dos tempos No Novo Testamento os diversos grupos

literaacuterios reconhecem a exaltaccedilatildeo de Jesus com um acontecimento histoacuterico a partir

da sua ressurreiccedilatildeo e o consenso atual nos estudos neotestamentaacuterios eacute que essa

convicccedilatildeo retrocede agrave experiecircncia de feacute dos primeiros cristatildeos Isto eacute jaacute os

primeiros cristatildeos da comunidade de Jerusaleacutem de fala aramaica acreditavam que

Jesus Cristo estava exaltado nos ceacuteus ao lado do Pai (Sl 1101) soberano sobre todo

o universo e exatamente por isso eles podiam interagir com Jesus Cristo atraveacutes

de suas oraccedilotildees e das reuniotildees da comunidade cristatilde O consenso atual substituiu a

anterior e influente ideia de que uma cristologia do Jesus exaltado soacute foi construiacuteda

em comunidades gentiacutelicas quando o cristianismo sofre o impacto de religiotildees

pagatildes

Na cristologia paulina a exaltaccedilatildeo de Cristo eacute um tema central Para Paulo

o Cristo exaltado eacute o mesmo ser humano Jesus de Nazareacute que morreu crucificado

em Jerusaleacutem Apesar de em Fl 29 a exaltaccedilatildeo ser afirmada como um ato uacutenico a

partir de outros textos constata-se que Paulo compreendia essa exaltaccedilatildeo como

envolvendo a ressurreiccedilatildeo a ascensatildeo e a entronizaccedilatildeo de Jesus ao lado de Deus

Pai Por outro lado o principal aspecto do pensamento paulino acerca da exaltaccedilatildeo

de Jesus eacute escatologia O apoacutestolo entendeu que a exaltaccedilatildeo fazia parte da grande

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virada escatoloacutegica que aconteceu com o evento Cristo O futuro chegou e invadiu

o presente pois ele acredita que a chegada do Messias iniciou o tempo de salvaccedilatildeo

que era a expectativa judaica para o fim dos tempos Isso eacute evidenciado pela

referecircncia a Is 4523 um texto que trazia a esperanccedila de que no final dos tempos

todos os povos da terra se voltariam para YHWH confessando-o e submetendo-se

a ele Fl 29-11 mostra que essa esperanccedila se cumpriu em Jesus pois o proacuteprio Deus

o exaltou e assim o estabeleceu diante do universo como aquele que precisa ser

confessado e reverenciado Dessa forma a exaltaccedilatildeo de Jesus cumpre a expectativa

escatoloacutegica judaica do triunfo de Deus sobre os inimigos de Israel A exaltaccedilatildeo

afirma que YHWH triunfa atraveacutes de Jesus um triunfo cuja amplitude vai aleacutem dos

povos da terra mas alcanccedila todos os poderes do cosmos A dimensatildeo escatoloacutegica

tambeacutem confirma a correccedilatildeo da interpretaccedilatildeo kerygmaacutetica do hino pois o propoacutesito

do texto natildeo eacute apresentar a vindicaccedilatildeo do justo sofredor mas narrar a virada

escatoloacutegica ocorrida atraveacutes da exaltaccedilatildeo de Cristo e mostrar que nesse momento

Jesus eacute muito mais do que o justo vindicado Ele eacute o Senhor do universo Mais do

que exemplo ele eacute aquele a quem todos devem obedecer e confessar

Outra tese fundamental assumida nesta dissertaccedilatildeo eacute a proposta de uma

leitura linear e progressiva do conjunto de Fl 26-11 A passagem eacute uma narrativa

cristoloacutegica (o tema eacute Jesus) que descreve o evento escatoloacutegico da encarnaccedilatildeo

crucificaccedilatildeo culminando na exaltaccedilatildeo o cliacutemax do texto conforme indicado por

R P Martin Neste sentido faz-se oposiccedilatildeo agrave perspectiva ciacuteclica que entende a

exaltaccedilatildeo como simples retorno ao estaacutegio da preexistecircncia com a uacutenica diferenccedila

que agora o Filho de Deus estaacute encarnado O ponto aqui eacute o exato entendimento do

composto verbal ὑπερύψωσεν utilizado no versiacuteculo 29 para descrever a exaltaccedilatildeo

Sem exagerar nem subestimar a forccedila da preposiccedilatildeo ὑπερ entende-se por certo que

existia uma intenccedilatildeo teoloacutegica em sua utilizaccedilatildeo que junto com outras

consideraccedilotildees eacute afirmar que a exaltaccedilatildeo levou Jesus a um status superior ao que o

Filho de Deus tinha na preexistecircncia Deixando de lado a discussatildeo dogmaacutetica sobre

essecircncias e naturezas ndash que natildeo estaacute presente no hino ndash percebe-se que a mudanccedila

natildeo foi em termos de divindade mas de funccedilatildeo a partir da exaltaccedilatildeo o Filho de

Deus desempenha uma funccedilatildeo que antes era exclusiva de Deus Pai que eacute a

soberania sobre o cosmos

Isso eacute confirmado porque sem qualquer duacutevida o hino mostra que a

exaltaccedilatildeo acarretou para Jesus a doaccedilatildeo de um novo nome Deus exaltou Jesus e

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agraciou-lhe com o nome sobre todo nome A utilizaccedilatildeo do verbo χαρίζομαι mostra

que esse novo nome e tudo o que ele representa natildeo foi conquistado a forccedila por um

Jesus revolucionaacuterio nem tampouco foi uma recompensa a um servo que foi

obediente ateacute a morte de cruz O novo nome assim como a proacutepria exaltaccedilatildeo foi

dado graciosamente pelo Pai Jesus que para os cristatildeos eacute instrumento da graccedila de

Deus na sua exaltaccedilatildeo foi destinataacuterio da mesma graccedila Qual nome Deus deu a

Jesus Eacute difiacutecil oferecer uma resposta absoluta mas de fato a proposta mais

plausiacutevel eacute a que identifica este nome com tiacutetulo Senhor explicitado no versiacuteculo

11 Nesse contexto nome significa funccedilatildeo missatildeo Um novo nome significa uma

nova funccedilatildeo desempenhada pelo Filho de Deus a partir da exaltaccedilatildeo Quer dizer que

na exaltaccedilatildeo Deus Pai daacute a Jesus privileacutegios responsabilidades e autoridade que o

Filho de Deus natildeo possuiacutea na preexistecircncia Nesta perspectiva o hino possui uma

cristologia de trecircs estaacutegios a preexistecircncia a existecircncia encarnada e a poacutes-

existecircncia exaltada que eacute caracterizada pelo senhorio de Jesus sobre o cosmos E

natildeo soacute essa soberania de Cristo eacute entendida como o cumprimento de esperanccedilas

escatoloacutegicas do povo de Israel como torna-se fundamento para a adoraccedilatildeo de Jesus

Cristo junto com Deus Pai no primitivo culto cristatildeo

E essa progressatildeo que culmina no tiacutetulo κύριος ainda ecoa criticamente a

ideologia romana do cursus honorum que buscava a divulgaccedilatildeo puacuteblica de tiacutetulos

honras cargos e tudo quanto promovesse a fama do indiviacuteduo Conforme a tese de

Hellerman Fl 26-11 apresenta uma mensagem contraacuteria um cursus pudorum pois

o Filho de Deus alcanccedilou o status maacuteximo imaginado por um cidadatildeo romano (o

κύριος isto eacute o status do imperador) seguindo um caminho de renuacutencia humildade

e sofrimento E mais do que um exemplo a ser seguido o hino proclama a dignidade

e superioridade do κύριος Jesus Cristo diante de quem todos inclusive os mais

nobres cidadatildeos de Roma deveriam dobrar os joelhos

A quarta seccedilatildeo desta pesquisa trabalhou a exegese dos versiacuteculos 210-11

com exceccedilatildeo do segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός

discutido no uacuteltimo capiacutetulo Nesta etapa foi muito importante avaliar o uso que o

texto faz de Is 4523 um texto que critica a idolatria mostrando que soacute YHWH eacute

Deus e traz uma esperanccedila escatoloacutegica de um dia em que todos os povos da Terra

se voltaratildeo e se curvaratildeo diante de YHWH O hino cristoloacutegico faz duas alteraccedilotildees

significativas primeiro partindo do texto da Septuaginta ele faz uma releitura

cristoloacutegica fazendo com que aquilo que se esperava para YHWH agora se torna

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realidade em Cristo E justamente a segunda mudanccedila significativa foi no tempo

dos verbos que na LXX eram futuros e em Filipenses passam para o passado Em

outras palavras Fl 210-11 estaacute anunciando que a esperanccedila profeacutetica se cumpriu

em Jesus A exaltaccedilatildeo de Jesus marcou o iniacutecio dessa nova era escatoloacutegica que

ainda natildeo chegou em sua plenitude

A seguir o texto apresenta duas accedilotildees que devem ser feitas ἐν τῷ ὀνόματι

Ἰησοῦ Entre outras possibilidades esta expressatildeo foi tomada com causal ou seja

as accedilotildees de dobrar os joelhos e confessar indicadas imediatamente depois devem

ser feitas por conta do nome que agora Jesus tem Porque Deus o colocou como

Senhor de todo o cosmos todos devem prostrar-se diante dele O senhorio eacute a causa

eficiente e esse Senhor que merece ser reverenciado o texto deixa claro que eacute o

mesmo homem judeu que andou pela Galileacuteia tinha disciacutepulos e foi crucificado em

Jerusaleacutem Jesus Por isso a referecircncia expliacutecita ao seu nome excluindo explicaccedilotildees

mitoloacutegicas

A primeira accedilatildeo que Fl 210-11 indica que deve ocorrer diante e por causa

do nome de Jesus eacute o dobrar de joelhos Como expressatildeo religiosa era uma praacutetica

conhecida no Antigo Oriente e tambeacutem entre os judeus O que chama a atenccedilatildeo em

especial para a sensibilidade judaica eacute que fazer isso a Jesus equivalia a reconhecer

sua divindade junto com o Pai O texto tambeacutem traz o alcance dessa consequecircncia

da exaltaccedilatildeo de Jesus nos ceacuteus na Terra e debaixo da Terra Esta expressatildeo faz que

o senhorio de Jesus tenha um alcance coacutesmico Natildeo apenas seres humanos mas

todos os seres que podem ouvir esta mensagem satildeo chamados a atende-la sejam

eles visiacuteveis ou invisiacuteveis anjos democircnios ou pessoas Natildeo haacute nenhuma razatildeo

exegeacutetica ou teoloacutegica para se excluir a Igreja de todos esses que reverenciam Jesus

ao contraacuterio do que propotildeem Lohmeyer e Kaumlsemann E por sinal eacute importante

pontuar que as accedilotildees descritas em Fl 210-11 satildeo dirigidas a Jesus e natildeo a Deus

atraveacutes de Jesus

Nota-se tambeacutem nestes versiacuteculos uma tensatildeo escatoloacutegica por conta de

uma dupla perspectiva temporal Seguindo a sugestatildeo de Cullmann compreende-

se que existe uma perspectiva futura de um dia em que todos os seres estaratildeo

prostrados diante de Jesus Cristo Neste sentido o texto funciona como anuacutencio

profeacutetico da realidade da parusia Por outro lado diferente do judaiacutesmo o

cristianismo primitivo valorizou muito mais o presente pois entendeu que a partir

da exaltaccedilatildeo Cristo jaacute assumiu o senhorio sobre todas as coisas Recorrendo

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principalmente ao Sl 1101 os primeiros cristatildeos entendiam que o reinado de Jesus

jaacute comeccedilou as forccedilas malignas jaacute estatildeo subordinadas a ele mas somente seratildeo

julgadas e condenadas de forma definitiva na parusia E enquanto natildeo chega esse

grande dia a Igreja funciona como epicentro da soberania coacutesmica de Jesus pois

ela eacute o espaccedilo onde o senhorio dele eacute celebrado e em que as pessoas de maneira

espontacircnea prostram-se diante dele como κύριος Nessa linha a passagem

desempenha uma funccedilatildeo pragmaacutetica exortando todos os seus ouvintes e leitores a

colocarem em praacutetica o que seraacute realidade no dia do Senhor De fato a tensatildeo

escatoloacutegica do jaacute e ainda natildeo que permeia todo o Novo Testamento tambeacutem estaacute

por traacutes de Fl 210-11

A interpretaccedilatildeo do verbo ἐξομολογέω caminha dentro deste mesmo

enquadramento escatoloacutegico Antes de mais nada deve-se pontuar que o melhor

entendimento deste termo eacute o que leva em conta a sua ambiguidade Ele traz uma

conotaccedilatildeo predominantemente veterotestamentaacuteria que eacute de confissatildeo de feacute Entatildeo

pelo acircngulo do jaacute escatoloacutegico os ouvintes e leitores de Fl 210-11 satildeo desafiados

natildeo soacute a reconhecer Jesus Cristo como κύριος do cosmos mas a confessaacute-lo como

Senhor pessoal de suas vidas Na dimensatildeo do ainda-natildeo escatoloacutegico fica a

certeza de que na parusia todos teratildeo que confessar Jesus como Senhor e aqueles

que no eacuteon presente natildeo o fizeram de forma alegre e voluntaacuteria laacute o faratildeo por

reconhecimento e constrangimento Para esse grupo que inclui anjos democircnios e

pessoas que rejeitaram o senhorio de Cristo o confessar seraacute algo apenas formal

Em contrapartida quando a Igreja em suas reuniotildees celebra o senhorio de Cristo

ela antecipa uma realidade escatoloacutegica que simultaneamente estaacute em operaccedilatildeo

desde a exaltaccedilatildeo de Jesus

Destarte se as accedilotildees de dobrar os joelhos e confessar satildeo feitas para Jesus

eacute difiacutecil fugir da conclusatildeo de que o texto aponta para uma adoraccedilatildeo a Jesus Uma

tentativa de suavizar essa conclusatildeo eacute a tese originalmente proposta por W

Bousset de que essa cristologia de um Jesus exaltado e adorado pelos cristatildeos soacute

se tornou efetiva em comunidades heleniacutesticas Implicitamente o que se quer

defender aqui eacute que o cristianismo supostamente original ndash e aqui original equivale

a autecircntico ndash eacute apenas aquele da antiga comunidade primitiva de Jerusaleacutem de fala

aramaica para quem Jesus eacute apenas o Filho do Homem que viraacute na parusia Essa

proposta foi amplamente refutada entre outras razotildees pela avaliaccedilatildeo exegeacutetica da

suacuteplica μαράνα θά e pelo entendimento desenvolvido de forma particular por L

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W Hurtado de que o fator decisivo para a articulaccedilatildeo da cristologia primitiva foi a

inclusatildeo de Jesus Cristo no culto monoteiacutesta destinado a Deus Pai Nunca houve

uma cristologia sem contornos lituacutergicos Foi a adoraccedilatildeo a Jesus ao lado de Deus

em um culto ldquoBinitarianordquo o propulsor da cristologia neotestamentaacuteria Em

contrapartida nunca houve um cristianismo no qual Jesus natildeo fosse reconhecido no

culto como Senhor exaltado e com quem os cristatildeos podiam interagir Isso faz

pensar nas implicaccedilotildees para o culto cristatildeo que a desvalorizaccedilatildeo ou mesmo ou

desconhecimento da cristologia da exaltaccedilatildeo pode acarretar O tema desafia agrave

reflexatildeo teoloacutegica e pastoral e de antematildeo pode-se destacar o afastamento da

perspectiva lituacutergica neotestamentaacuteria promovendo um culto que olha para o Cristo

que jaacute veio ou para o Cristo que viraacute mas ignora o Cristo que estaacute presente e ativo

porque eacute Senhor de todas as coisas e tem na Igreja o epicentro dessa soberania

A quinta e uacuteltima etapa desse estudo da exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 eacute a

exegese da frase ldquoJesus Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pairdquo Na construccedilatildeo

narrativa do hino o cliacutemax ficou para a confissatildeo de feacute ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo Esta

eacute uma confissatildeo que aparece alhures no Novo Testamento e provavelmente foi a

primeira foacutermula confessional cristatilde retrocedendo ao cristianismo primitivo Ela

responde duas perguntas simultacircneas Quem eacute Jesus hoje Quem eacute Senhor hoje A

resposta eacute expliacutecita Hoje neste tempo presente da histoacuteria da salvaccedilatildeo Jesus eacute

Senhor E hoje no presente da histoacuteria humana em que sempre muitos se

apresentam ou satildeo identificados como senhores soacute haacute um Senhor Jesus Cristo

exaltado A forma baacutesica da expressatildeo eacute ldquoJesus eacute Senhorrdquo de modo que aqui em Fl

211 o uso de Χριστὸς teria a intenccedilatildeo de mostrar o substrato judaico do evangelho

anunciado O Jesus que eacute Senhor eacute antes de mais nada o Messias de Israel

Tambeacutem chama a atenccedilatildeo que o conteuacutedo da principal afirmaccedilatildeo de feacute pelo

menos nos ciacuterculos paulinos privilegie o tiacutetulo κύριος em lugar de outras

designaccedilotildees cristoloacutegicas Satildeo vaacuterias as razotildees para isso Primeiro o tiacutetulo ecoa a

noccedilatildeo de discipulado fazendo par com δοῦλος reflexatildeo teoloacutegica que perpassa os

quatro evangelistas e tambeacutem estaacute presente em Paulo que considera o uacuteltimo termo

adequado para conceituar o cristatildeo Segundo o tiacutetulo κύριος conseguia resumir em

uma uacutenica palavra tudo o que os cristatildeos acreditavam acerca de Jesus a partir do

evento fundamental da ressurreiccedilatildeo e consequente exaltaccedilatildeo Neste ponto eacute de

extrema importacircncia perceber o pano de fundo judaico deste tiacutetulo A questatildeo eacute que

ldquoSenhorrdquo era a expressatildeo usada pelos judeus para se referirem a YHWH

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independente da liacutengua que falassem hebraico aramaico ou grego E quando o

Antigo Testamento foi traduzido para o grego eacute justamente κύριος a palavra

escolhida para substituir o tetragrama Significa dizer que para qualquer judeu do

1ordm seacuteculo chamar Jesus de Senhor era tornaacute-lo equivalente ao Deus de Israel E essa

era a intenccedilatildeo dos cristatildeos Reconhecer que pela exaltaccedilatildeo a soberania sobre a

criaccedilatildeo e a salvaccedilatildeo que antes eram exclusivas de Deus Pai agora satildeo

compartilhadas com Jesus Cristo O apoacutestolo Paulo vai tirar uma seacuterie de

implicaccedilotildees desta convicccedilatildeo no senhorio de Jesus Cristo na parecircnese chamando

os cristatildeos agrave obediecircncia diante do seu Senhor na escatologia mostrando que o

senhorio de Jesus marca o iniacutecio desse novo eacuteon que irrompeu mas que chegaraacute na

plenitude na vinda desse mesmo Senhor trazendo vitoacuteria e julgamento e na liturgia

de modo que uma seacuteria de expressotildees cuacutelticas nas cartas paulinas satildeo marcadas natildeo

soacute pelo κύριος como tambeacutem pela compreensatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus

Agora este tiacutetulo natildeo se tornou o resumo da feacute cristatilde apenas por conta do

seu pano de fundo judaico Certamente era importante para proclamaccedilatildeo cristatilde

sobretudo feita por Paulo que para ouvidos natildeo judaicos κύριος tambeacutem era

sinocircnimo de divindade e poder A diferenccedila eacute que ao contraacuterio dos judeus os

demais povos da eacutepoca acreditavam em vaacuterios ldquosenhoresrdquo que controlavam o

universo e suas vidas e exigiam submissatildeo e adoraccedilatildeo Para esses a mensagem

cristatilde eacute uma contra mensagem soacute existe um κύριος e ele eacute Senhor sobre todo e

qualquer um que se possa chamar de κύριος No ambiente romano da cidade de

Filipos esse anuacutencio era quase subversivo pois natildeo somente negam-se as

pretensotildees do imperador quanto se diz que o cristatildeo apenas deve reconhecer

obedecer e adorar como Senhor Jesus Cristo Em contrapartida era uma teologia de

esperanccedila para aqueles que estavam sendo perseguidos e discriminados por

autoridades romanas

No entanto a centralidade da exaltaccedilatildeo de Jesus na teologia cristatilde paulina e

neotestamentaacuteria natildeo equivale a um eclipse de Deus Pai A seccedilatildeo de Fl 29-11

comeccedila afirmando que foi Deus que exaltou Jesus e deu a ele a funccedilatildeo de Senhor

sobre o cosmos Ou seja tudo o que Jesus eacute como κύριος foi dado por Deus O

versiacuteculo 11 fecha isso mostrando que a exaltaccedilatildeo e todo o exerciacutecio da soberania

de Jesus incluindo o prostrar-se diante dele e confessaacute-lo satildeo para gloacuteria de Deus

Pai Deus eacute identificado aqui como ldquoPairdquo e o que deve ser entendido aqui eacute uma

paternidade sobre toda a criaccedilatildeo que se alienou de Deus por conta do pecado e da

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rebeliatildeo das forccedilas espirituais mas que eacute reconciliada com ele exatamente pelos

efeitos soterioloacutegicos da obra de Jesus Esse Deus Pai que exaltou Jesus e reconcilia

mundo consigo mesmo merece e deseja ser glorificado e honrado

Esta discussatildeo levanta o questionamento acerca da relaccedilatildeo entre Jesus Cristo

e Deus Pai no cristianismo primitivo Eacute certo que a reflexatildeo daquele periacuteodo natildeo

enxergava essa relaccedilatildeo nos termos da posterior doutrina da Trindade Tampouco

desenvolveu-se um cristomonismo no qual Jesus eacute enfatizado agraves custas de Deus

Ainda menos razoaacutevel eacute equiparar a cristologia do Novo Testamento agraves

especulaccedilotildees judaicas de agentes divinos que agem em nome de Deus e agraves vezes

ateacute representam Deus O cristianismo primitivo deu um passo teologicamente

revolucionaacuterio quando deu a Jesus dois aspectos que eram exclusividade de

YHWH a soberania (sobre a criaccedilatildeo e sobre a salvaccedilatildeo) e adoraccedilatildeo E o mais

interessante eacute que isso foi feito sem abrir matildeo da feacute e culto monoteiacutesta Esse eacute o

fenocircmeno denominado monoteiacutesmo cristoloacutegico os cristatildeos passaram a crer na

divindade de Jesus e na sua soberania sem achar que YHWH tivesse deixado de

ser divino e soberano Eles passaram a adoraacute-lo como Senhor no mesmo culto em

que dirigiam oraccedilotildees e louvores a Deus Fl 29-11 evidencia esse monoteiacutesmo

cristoloacutegico e assim constitui-se texto essencial para a compreensatildeo da feacute cristatilde

primitiva na divindade de Jesus como para a compreensatildeo de como essa feacute foi

articulada em termos completamente distintos da teologia eclesiaacutestica dos seacuteculos

posteriores

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