jardim público do jaraguá , porta de entrada de maceió no … · no brasil, até o final do...

13
Jardim público do Jaraguá, porta de entrada de Maceió no século XIX e XX FERRARE, JOSEMARY OMENA PASSOS (1); LEÃO, THARCILA MARIA SOARES (2) 1. Universidade Federal de Alagoas [email protected] 2. Universidade Federal de Alagoas [email protected] RESUMO: A inserção dos jardins na paisagem das cidades brasileiras a partir do século XVIII foi influenciada pelas novas ideias que estavam surgindo na Europa, voltadas para a criação de espaços coletivos ao ar livre, onde a burguesia podia ver e ser vista e está diretamente relacionada com a instalação da Corte Portuguesa no Brasil. A partir de meados do século XIX começa a existir uma elite urbana frequentadora desses jardins públicos, que surgem em maior número nas principais cidades do país. A implantação deles geralmente se dava em locais de destaque na cidade, ligados às principais edificações que representavam o poder local, religioso ou econômico. Além disso, difundiam-se também os jardins privados, como os parques e passeios públicos, jardins botânicos e hortos. Na cidade de Maceió, entre outros jardins, foi criado em meados do século XIX o Jardim Público do Jaraguá, bairro que teve seu desenvolvimento relacionado às atividades portuárias da enseada do Jaraguá. Este jardim foi inserido nas proximidades da igreja do Jaraguá, da Ponte de Embarque e Desembarque (porta de entrada dos comerciantes e visitantes que chegavam à Maceió), e em frente ao Consulado Provincial (atual Museu da Imagem e do Som) e próximo ao banco de Londres, instituição forte que investia recursos na mercantilização e na melhoria de infra-estrutura de trens e bondes. A localização privilegiada desse jardim, nas proximidades de algumas dessas principais edificações da cidade ligadas à economia mercantil, reforça a ideia de que se compunha em um espaço público de importância fundamental na paisagem urbana maceioense naquele período. O presente artigo busca demonstrar o papel do jardim público do Jaraguá, enquanto porta de entrada da cidade e local de integração social em meados do século XIX, verificando como se davam as relações do jardim com a sociedade, com as atividades portuárias e edificações do entorno. Dentro dessa ótica, buscou-se na história a compreensão de como esse jardim foi criado e como se configurou ao longo dos anos, identificando-se a partir de relatos da época (Relatórios dos Intendentes e dos Engenheiros) as intervenções que nele ocorreram, os elementos físicos que o caracterizaram e que construíram a paisagem litorânea deste importante núcleo da cidade (o bairro de Jaraguá) ao longo do tempo. Reflete, portanto, sobre o processo de construção da paisagem urbana atual, o que ajudará a pontuar diretrizes para uma intervenção prevista pela gestão municipal para esse jardim histórico, de forma a preservar suas características históricas tão carregadas de simbolismo. Palavras-chave: Jardim de Jaraguá; história urbana; Maceió.

Upload: doandat

Post on 30-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

“Jardim público do Jaraguá”, porta de entrada de Maceió no

século XIX e XX

FERRARE, JOSEMARY OMENA PASSOS (1); LEÃO, THARCILA MARIA

SOARES (2)

1. Universidade Federal de Alagoas [email protected]

2. Universidade Federal de Alagoas

[email protected]

RESUMO:

A inserção dos jardins na paisagem das cidades brasileiras a partir do século XVIII foi influenciada

pelas novas ideias que estavam surgindo na Europa, voltadas para a criação de espaços coletivos ao

ar livre, onde a burguesia podia ver e ser vista e está diretamente relacionada com a instalação da

Corte Portuguesa no Brasil. A partir de meados do século XIX começa a existir uma elite urbana

frequentadora desses jardins públicos, que surgem em maior número nas principais cidades do país.

A implantação deles geralmente se dava em locais de destaque na cidade, ligados às principais

edificações que representavam o poder local, religioso ou econômico. Além disso, difundiam-se

também os jardins privados, como os parques e passeios públicos, jardins botânicos e hortos. Na

cidade de Maceió, entre outros jardins, foi criado em meados do século XIX o Jardim Público do

Jaraguá, bairro que teve seu desenvolvimento relacionado às atividades portuárias da enseada do

Jaraguá. Este jardim foi inserido nas proximidades da igreja do Jaraguá, da Ponte de Embarque e

Desembarque (porta de entrada dos comerciantes e visitantes que chegavam à Maceió), e em frente

ao Consulado Provincial (atual Museu da Imagem e do Som) e próximo ao banco de Londres,

instituição forte que investia recursos na mercantilização e na melhoria de infra-estrutura de trens e

bondes. A localização privilegiada desse jardim, nas proximidades de algumas dessas principais

edificações da cidade ligadas à economia mercantil, reforça a ideia de que se compunha em um

espaço público de importância fundamental na paisagem urbana maceioense naquele período. O

presente artigo busca demonstrar o papel do jardim público do Jaraguá, enquanto porta de entrada

da cidade e local de integração social em meados do século XIX, verificando como se davam as

relações do jardim com a sociedade, com as atividades portuárias e edificações do entorno. Dentro

dessa ótica, buscou-se na história a compreensão de como esse jardim foi criado e como se

configurou ao longo dos anos, identificando-se a partir de relatos da época (Relatórios dos

Intendentes e dos Engenheiros) as intervenções que nele ocorreram, os elementos físicos que o

caracterizaram e que construíram a paisagem litorânea deste importante núcleo da cidade (o bairro

de Jaraguá) ao longo do tempo. Reflete, portanto, sobre o processo de construção da paisagem

urbana atual, o que ajudará a pontuar diretrizes para uma intervenção prevista pela gestão municipal

para esse jardim histórico, de forma a preservar suas características históricas tão carregadas de

simbolismo.

Palavras-chave: Jardim de Jaraguá; história urbana; Maceió.

Page 2: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

O TEMPO NA HISTÓRIA DA PAISAGEM DOS JARDINS

A existência dos jardins remonta à época da Antiguidade, quando era um espaço destinado

à meditação e contemplação da natureza, uma metáfora do Éden na busca pelo paraíso e

tranquilidade celestial. Até o fim do século XVII, os jardins ocidentais eram locais de paz e

tranquilidade que tinham como suas principais funções a meditação e a apreciação da

vegetação; normalmente situavam-se confinados em mosteiros, palácios e conventos. O

surgimento dos primeiros espaços ajardinados para uso coletivo surgiram na Europa em fins

do século XVIII e início do XIX, sendo chamados de passeios públicos e alamedas, que

mantiveram as características dos jardins dos palácios e que agregavam a função de

contemplação, meditação, passeio e fruição dos prazeres ao ar livre (ROBBA e MACEDO,

2002).

No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos

existentes nas propriedades religiosas ou quintais de residências, que tinham como principal

função o plantio de árvores frutíferas, hortaliças e plantas medicinais. Além desses

pequenos jardins, existiam também os hortos e jardins botânicos, com a função primordial

de pesquisa e investigação da flora nativa com objetivos comerciais e científicos.

Apenas em 1783 foi construído o primeiro espaço ajardinado destinado ao público no Brasil,

o Passeio Público do Rio de Janeiro que, com ideias importadas da Europa, tinha como

principais objetivos o deleite e descanso do povo e apreciação da paisagem marinha. Além

disso, o Passeio Público deveria funcionar como um espaço para demonstração de poder e

riqueza da burguesia mercantil em ascensão. No entanto, por se localizar afastado do centro

da cidade, com o passar do tempo o Passeio Público se tornou um local vazio e inseguro,

pouco atraente para as senhoras e cavalheiros da elite local.

Somente a partir da segunda metade do século XIX, principalmente com o enriquecimento

do país através da exportação do café e da borracha, ocorreram mudanças nas cidades que

possibilitaram a inserção de espaços ajardinados nas residências e nos espaços públicos de

forma mais ampla. Os hábitos da população, especialmente da elite, começaram a mudar e

o jardim começou a ser frequentado pela população. Assim, em 1862 o Passeio Público do

Rio de Janeiro foi restaurado por Auguste François Marie Glaziou, botânico francês que

elaborou diversos projetos para as principais cidades brasileiras durante o período imperial,

e serviu de modelo para as demais cidades.

Page 3: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Além do enriquecimento do país através da exportação, o processo de secularização teve

um importante papel na proliferação dos jardins públicos nas cidades brasileiras. Entre

outras coisas, o processo de secularização inseriu na paisagem urbana novas edificações

de caráter monumental como teatros, escolas, hospitais e mercados que passaram a

compartilhar o espaço com a Igreja e estimularam o surgimento de novos espaços públicos.

Efetivamente, no Brasil o processo de secularização teve início no século XVIII e influenciou

a configuração das praças e espaços públicos através da inserção de princípios artísticos

em seu traçado, a criação de passeios que tinham como objetivo a melhor visualização das

edificações monumentais que se situavam no entorno das praças e a inserção de

monumentos comemorativos (LEÃO, 2010).

Desde a chegada da Missão Artística Francesa no Brasil, no ano de 1816, a gestão pública

já havia despertado para o embelezamento das cidades. Nas cidades brasileiras, a partir da

segunda metade do século XIX e início do século XX, foi criado um novo padrão estético,

compatível com o ideário de modernização e progresso defendido naquela época que

denotava um novo padrão de sociabilidade civilizado e moderno. Esses novos padrões

estéticos e de sociabilidade acarretaram a valorização da paisagem urbana e manifestavam

a ascensão social e de poder da burguesia, favorecendo a implantação dos espaços

ajardinados na cidade (MOURA FILHA, 2000).

O “JARDIM PÚBLICO DO JARAGUÁ”

A cidade de Maceió - AL teve suas origens relacionadas ao antigo Engenho Massayó e à

enseada de Jaraguá, quando ainda era um pequeno povoado em meados do século XVIII.

Em 1816 o pequeno povoado foi elevado à categoria de vila pelo seu crescimento e

desenvolvimento econômico e em 1839 foi elevada, em um mesmo decreto régio, a cidade e

capital da província de Alagoas com a transferência da sede administrativa de Santa Maria

Madalena do Sul (atual Marechal Deodoro) para Maceió devido, principalmente, à sua

excelente localização na enseada do Jaraguá. Essa mudança gerou um maior

desenvolvimento econômico para a nova capital, embora seu aspecto urbano já não fosse

condizente com sua nova posição. Além disso, ocorriam no país ações de embelezamento e

higienização que estavam ligadas ao processo de secularização. Foi na busca de um novo

padrão estético e de sociabilidade para a nova posição de capital, seguindo o exemplo de

cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife e outras capitais, que foram inseridos na

paisagem urbana maceioense os jardins públicos.

Page 4: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

A escolha dos locais de implantação dos primeiros jardins públicos em Maceió,

especialmente o Jardim do Jaraguá, situado em uma das áreas mais privilegiadas da cidade

na época, provavelmente também, teve como fator determinante a proximidade de algumas

das edificações mais imponentes e representativas da Igreja, do Estado e da economia

local, como: a Igreja de N. Sra. Mãe do Povo (Figura 1), o Consulado Provincial (Figura 2), a

Ponte de Embarque e o Banco de Londres, instituição forte que investia recursos na

mercantilização e na melhoria de infraestrutura de trens e bondes.

Figura 1: Igreja de N. Sra. Mãe do Povo. Fonte: Acervo digital do APA.

Figura 2: Consulado Provincial. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.

De acordo com os Officios dos Engenheiros (disponível no acervo do Arquivo Público de

Alagoas), o primeiro jardim implantado em Maceió foi o jardim do Palacete da Assembleia,

no entorno do Palacete da Assembleia e nas proximidades da Praça Dom Pedro II, o

“coração” de Maceió segundo Craveiro Costa (1981), em meados da década de 1850. O

Jardim do Jaraguá seria implantado, logo em seguida, nos arredores do Largo da Igreja de

N. Sra. Mãe do Povo. Esses parecem ser os principais jardins da cidade, visto que são os

mais citados nos relatórios e documentos. No entanto, vale salientar que o relatório dos

Officios dos Engenheiros, em 1878, cita 3 jardins públicos na cidade: o jardim do Jaraguá, o

jardim do Palacete de Assembleia e o jardim do Cemitério, sendo este último pouco citado

nos documentos encontrados.

Até o presente momento, não se tem a clareza da extensão até onde funcionou o Jardim de

Jaraguá. Os relatórios do final do século XIX contidos nos Officios dos Engenheiros o citam

como tendo funcionado na Praça N. Sra. Mãe do Povo, denominado também de largo da

Igreja do Jaraguá. Já as mensagens dos Intendentes Municipais, a partir do início do século

XX, denominam o jardim como Praça Wanderley de Mendonça, atual Praça Dois Leões, o

que não coincide com a localização do largo da Igreja (Ver figura 3). Embora a definição da

localização exata da abrangência do Jardim de Jaraguá não seja a intenção deste presente

trabalho, a busca por esta informação configura um objetivo para uma pesquisa futura.

Page 5: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Figura 3: Provável localização do Jardim do Jaraguá e edificações históricas em seu entorno. Fonte: autoras, adaptado do Google Maps.

A intenção de aformosear os pontos mais representativos de Maceió, dotando-a de uma

aspecto condizente com sua posição de capital evidencia-se no relatório de Silvino Elvidio

Carneiro da Cunha quando assim se refere ao Porto do Jaraguá, no entorno do jardim aqui

estudado:

Jardim de Jaraguá [...] Será um recreio muito agradável, que terá no futuro

a população de Jaragua. Já que tão avultada despeza se fez com esta obra,

que muito concorrerá para o aformoseamento do porto [...] (CUNHA, 1872,

p.48-49).

O Porto do Jaraguá foi fundamental para o desenvolvimento urbano de Maceió. Além de ter

exercido um importante papel como local simbólico, por onde chegavam as novidades dos

navios, marcava a entrada da cidade e configurava um local de atração para a população.

As proximidades com a Ponte de Embarque (Figuras 4 e 5) certamente tornaram o Jardim

do Jaraguá um ponto focal para os que chegavam e saíam da capital por via marítima e

para a população maceioense.

Page 6: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Figura 4: Ponte de embarque, Jaraguá. Fonte: Acervo digital do APA (Arquivo Público de Alagoas)

Figura 5: Portal da ponte de embarque, Jaraguá.Fonte: Acervo digital do APA (Arquivo Público de Alagoas)

Assim como os demais jardins públicos da cidade, o Jardim do Jaraguá tinha um horário de

visitação: de segunda à sábado, das 15:00 às 18:00 horas e aos domingos, das 06:00 da

manhã às 18:00 horas da noite (Officios dos Engenheiros, 1877). Provavelmente o horário

mais amplo de domingo se devia ao fato de as missas e eventos promovidos pela igreja

acontecerem com mais frequência neste dia da semana, e em decorrência, o jardim teria

uma maior visitação, exigindo um horário mais estendido.

Além de funcionar como local de integração, distração e lazer, o Jardim do Jaraguá, assim

como os demais jardins da época, também tinha uma função utilitária pois abrigava em seu

interior um chafariz que distribuía água para a população mediante o pagamento de 10 réis

por balde (OFFICIOS DOS ENGENHEIROS, 1883). Todavia, o croqui do chafariz (Figura 6),

encontrado no acervo do Arquivo Público, demonstra que havia, além da função utilitária,

uma intenção estética com esse jardim. Pelo formato do chafariz, supõe-se que era em ferro

advindo das Fonderiesdu Val d’Osne (Fundições do Val d’Osne), o principal centro de

fundição artística da França que forneceu diversas peças artísticas em ferro fundido para

vários países, como Chile, Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. Em Maceió, atualmente

ainda podem ser visualizadas algumas estátuas e postes em ferro fundido no bairro do

Jaraguá e no Centro.

O chafariz possuía alguns pilares que sustentavam uma espécie de coroa, se assemelhando

à Fonte Escocesa (Figura 7), localizada junto à Praça do Viaduto Alim Pedro, no Rio de

Janeiro (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, s/d), o que reforça a afirmação

de que a cidade do Rio de Janeiro era tida como modelo a ser reproduzido pelas demais

capitais do país. Atualmente, não se sabe ao certo qual a localização do chafariz do Jardim

do Jaraguá e o local da praça não se identifica nenhuma referência ou resquício visível de

sua existência.

Page 7: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Figura 6:Croqui de chafariz para Praça de N. Sra. Mãe do Povo. Fonte: Officios dos Engenheiros, s/data.

Figura 7: Fonte Escocesa, Rio De Janeiro. Fonte: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, s/d.

As atividades exercidas no Jardim do Jaraguá possuíam também uma intensa relação com

as festividades religiosas da Igreja de N. Sra. Mãe do Povo e as melhorias que ali eram

feitas eram impulsionadas por essas festividades. Em 25 de janeiro de 1881 o engenheiro

responsável pelas obras da capital relata a necessidade de “iluminação da Praça ajardinada

em frente da matriz de Jaraguá em virtude da festividade de N. Sra. Mãe do Povo”

(OFFICIOS DOS ENGENHEIROS, 1881).Nesses dias festivos, apesar de ser um local

público, as atividades comerciais ali desenvolvidas necessitavam de uma solicitação, como

pode ser verificado nos Officios dos Engenheiros (1882-1884) que cita um “Requerimento

para estabelecer máquina de fabricar sorvetes no jardim do Jaraguá na festa de N. Sra. Mãe

do Povo”, demonstrando o controle que havia sobre esse espaço.

No entanto, com o passar do tempo, assim como ocorreu com o Passeio Público do Rio de

Janeiro, os jardins públicos de Maceió ficaram em “estado lamentável”, necessitando de

reparação e da contratação de mais um jardineiro, já que a existência de apenas um

profissional não estava sendo satisfatória para cuidar dos dois principais jardins: Jaraguá e

Palacete da Assembleia (OFFICIOS DOS ENGENHEIROS, 1878 a 1881). Os relatórios dos

Intendentes e os Officios dos Engenheiros citam a destruição dos jardins por parte de

pessoas mal intencionadas e animais que destruíam o gradil e a vegetação ali existente,

além do roubo dos bancos que possuíam pé em ferro, alertando para a importância da

vigilância dos postos do exército e da polícia:

[...]Tive tambem grande cuidado com o pequeno jardim do Palacete do Congresso do Estado, restaurado pelo ex-intendente, dr. Joaquim José de

Page 8: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Araújo. Conservei-o, entretanto, sempre fechado, afim de escapar á sanha de malfeitores de toda especie que constantemente o damnificavam.

Da propria praça da Cathedral, local sobremodo concorrido pela população desta cidade, e aformoseada pelo dr. J. B. Wanderley de Mendonça, quando intendente, roubaram os bancosahicollocados.

Mandei collocar novos, convenientemente seguros, que ainda permanecem, graças talvez ávigilancia dos postos do exercito e da policiaahi existentes (...) Mantenho no serviço da praça um zelador, um jardineiro e um servente. (MARQUES, 1907, grifo nosso.)

Com o objetivo de trazer de volta o jardim para o convívio cotidiano da população, a partir do

início do século XX se iniciaram uma série de reformas e reparos no Jardim do Jaraguá e

nos demais jardins da cidade, tais como o conserto e a pintura do gradil que circundava o

jardim, entre outras ações. Em 26 de janeiro de 1905 um dispositivo da lei n. 87 autorizou a

demolição do Jardim do Jaraguá para seu aformoseamento.

Realmente o que ali ostentava o nome de jardim não passava de um local destinado ao agazalho dos animais vagabundos daquelle bairro. Foi, pois, meu primeiro cuidado reformal-o, como dezejava, emprestando-lhe um aspecto que bem dissesse com o nosso adiantamento moral e progresso material. (MARQUES, 1906).

Foi contratado então o famoso artista alagoano Rosalvo Ribeiro, recém chegado de Paris,

para elaborar o projeto para o Jardim do Jaraguá, tambémconhecido na época como Praça

Wanderley de Mendonça. Para o seu “aformoseamento” foram encomendados da Europa

diversas estátuas decorativas, fontes, lampiões, bancos, entre outros elementos (Figuras 8 e

9). Mais uma vez fica nítida a preocupação com a estética do local, a importação de

modelos europeus, junto com a valorização de peças decorativas de fora do país e com o

conforto térmico. Além disso, percebe-se a importância da existência e do embelezamento

do jardim devido à sua localização privilegiada:

Alem das frondosas arvores que o ensombram o jardim tem como ornamento uma bellaestatua da Liberdade graciosos animaes em bronze em elegantes pedastaes de alvenaria e um artístico kiosque de madeira. E´ illuminado por 11 poderosos fócos de luz electrica, erguidos em artisticos postes de ferro fundidos na Allemanha. Não tendo gradil, a principio, caro me custou guardal-o da perversidade dos desocupados. Hoje, felizmente, nada tenho a exprobar, convencida como se acha a população do florescente bairro, da necessidade da sua existência, graças a sua situação topographica e aformoseamentos , que o tornam um local sobremodo agradavel (MARQUES, 1907).

Page 9: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Figuras 8 e 9: Jardim do Jaraguá, também conhecido como Praça Wanderley de Mendonça, início do século XX. S/d. Fonte: acervo digital do Museu da Imagem e do Som de Alagoas (MISA).

Embora sem data, identifica-se bem como o projeto do jardim, em estilo francês, dispôs as

plantas em formato simétrico e inseriu palmeiras imperiais, dando ao local status de bilhete

postal, sendo retratado em diversas coleções destes à época1, denotando sua importância

como porta de entrada de Maceió. (Figura10 e 11).

Figura 10: Postal retratando a Praça de Jaraguá e Capitania do Porto. S/d. Fonte: Campello, 2009.

Figura 11: Postal retratando a Praça da Liberdade e Ponte de Embarque no Porto. S/d. Fonte: Campello, 2009.

No entanto, com o crescimento urbano e a decorrente expansão para a parte alta da cidade

que se processou durante o início do século XX, o bairro de Jaraguá tornou-se uma zona de

meretrício, frequentada pelos boêmios da cidade e, posteriormente, já no final do século XX

entrou em decadência, passando por um longo período de marginalização e abandono,

junto com o local que abrigou o Jardim Público.

Em 1984 o sítio histórico do Jaraguá veio a ser tombado pelo Estado de Alagoas, mas,

apenas em 2004, o bairro passou por um processo de revitalização que tinha como principal

foco o turismo, gerando mudanças de uso e maior investimento no local com a implantação

de bares, boates e restaurantes.

1 Sobre isto vale conferir o trabalho de CAMPELLO, 2009.

Page 10: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

O Código de Urbanismo e Edificações do Município de Maceió (2007), vigente até o

presente momento, inclui a área do Jardim do Jaraguá na ZEP 1 (Zona Especial de

Preservação Cultural) “constituída pelo sítio histórico de Jaraguá, tendo sua preservação

direcionada à vocação comercial, de moradia, de lazer, de cultura e de turismo” (SEMPLA,

2007). Dentro da ZEP 1, o jardim está incluído no Setor de Preservação Rigorosa (SPR 1)

“constituído pelo núcleo do bairro de Jaraguá, que mantém a morfologia urbana e a tipologia

das edificações de interesse histórico e arquitetônico, sujeitas à preservação” (SEMPLA,

2007).

Apesar de estar situado em uma ZEP, dentro de um SPR (Ver Figura 12) observa-se que as

normatizações do Código supracitado dizem respeito às questões relativas ao gabarito de

altura das edificações, às atividades que ali devem ser desenvolvidas e ao uso. O jardim

público, hoje transformado em praça, por não ser tombado, não tem um regimento

específico que determine as possibilidades e diretrizes nas reformas que ali são feitas,

assim como ocorre com outros locais que abrigaram jardins ou praças importantes de

Maceió, como o jardim do Palacete da Assembleia e a Praça Dom Pedro II, por exemplo.

Figura 12: Mapa da ZEP 1 – Jaraguá. Fonte: SEMPLA, 2007.

PRESERVAÇÃO DOS RESQUÍCIOS DE UM JARDIM: NOVOS HORIZONTES A

SEREM TRILHADOS EM MACEIÓ

O Jardim do Jaraguá já não existe mais em sua totalidade, com sua vegetação, seu

chafariz, sua vitalidade ligada à Ponte de Embarque e Desembarque. No entanto, há ainda

alguns resquícios do projeto elaborado por Rosalvo Ribeiro, como as esculturas de

Page 11: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

leões2em ferro, os postes e possivelmente algumas árvores que precisam ser considerados

e preservados. O projeto elaborado no início do século XX merece ser estudado com

profundidade para verificar suas permanências atuais, tanto pela importância de Rosalvo

Ribeiro enquanto artista alagoano quanto pela importância do jardim para a sociedade

maceioense daquele período e pela configuração atual de espaço público arborizado para a

cidade.

Diante da grande descaracterização do local como Jardim Público é importante refletir no

momento sobre como preservar esses pequenos resquícios que ainda sobrevivem e,

principalmente, como fazer uma referência ao jardim que existiu no século XIX, tão

carregado de simbolismo, que exerceu um papel tão importante como porta de entrada e

local de integração social, de forma a não deixar que o mesmo seja totalmente esquecido

pela população e que se perca um pedaço de nossa história.

Para Félix (1998) a memória é essencial para nossa compreensão do presente e seus

problemas e para a definição dos laços de identidade local. Além disso a autora chama a

atenção para a fragilidade de uma sociedade que desconhece seu passado:

Todo o grupo social que esquece seu passado, que apaga sua memória é mais facilmente presa de artimanhas e interesses de grupos; penaliza seu presente e desorienta-se diante do futuro. (FÉLIX, 1998, p.19)

Nesse mesmo sentido, de acordo com Le Goff (2000) tanto a recordação quanto o

esquecimento configuram manipulações sobre a memória, afirmando que:

Apoderar-se da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória colectiva (LE GOFF, 2000, p.12).

É essencial que se parta da compreensão de que a cidade é um local de permanências,

rupturas, continuidades, de relações do antigo com o novo. Para Félix (1998) a

compreensão do presente não pode ser completa sem o conhecimento do passado e das

forças que constroem a identidade dos grupos sociais.

Pactuando dessa compreensão, faz-se necessário compreender os mecanismos de

manipulação da memória coletiva que envolve os jardins públicos maceioenses e que

construíram e vêm construindo sua identidade, embora muito transformados. É importante

2 A presença das esculturas de leões em ferro no local gerou a atual toponímia popularmente aceita: Praça Dois

Leões.

Page 12: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

que se considere esses locais que abrigaram outrora, esses jardins públicos como espaços

sedimentadores do tempo e da história no espaço urbano; pois, somente o seu devido

conhecimento nos ajudará a compreender a problemática atual dos nossos espaços

públicos, além de contribuir para reforçar a nossa identidade como maceioenses. E,

também, para o reconhecimento e a valorização de nosso patrimônio histórico nos

momentos de intervenções atualizadoras de forma que estas transmitam em seus ‘novos’

traçados a essencialidade de ‘antigas’ concepções, porém, conjugadas na

contemporaneidade e na temporalidade que ainda está por vir, de modo a que se possa vir a

acompanhar, “o passado no futuro da cidade.”3:

REFERENCIAS

CAMPELLO, Maria de Fátima de Mello Barreto. A construção coletiva da imagem de

Maceió: Cartões-postais 1903/1934. Tese de Doutorado em Desenvolvimento Urbano,

Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009.

COSTA, Craveiro. Maceió. Maceió: Sergasa, 1981 (2º edição).

CUNHA, Silvino Elvidio Carneiro da. Relatorio lido perante a Assembléa Legislativa da

provincia das Alagoas no acto de sua installação em 7 de fevereiro de 1872 pelo

presidente da mesma, o exm. snr.dr. Silvino Elvidio Carneiro da Cunha. Maceió, Typ.

Commercial de A.J. da Costa, 1872.

FÉLIX, Loiva Otero. História & Memória. A problemática da pesquisa. Passo Fundo:

Ediufp, 1998.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Volume 2 – Memória. Edições 70, 2000.

LEÃO, Tharcila Maria Soares Leão. A história da paisagem da Praça Dom Pedro II em

Maceió-AL. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Urbano, Universidade Federal

de Pernambuco, Recife, 2010.

MARQUES, Manoel Sampaio. Mensagem apresentada ao Conselho Municipal em

sessão de posse do novo Intendente pelo Intendente Dr. Manoel Sampaio Marques em

1907. Maceió, Arquivo Público de Alagoas, 1907.

_________. Mensagem que ao Conselho Municipal apresentou o Intendente Dr.

Manoel Sampaio Marques em 1906. Maceió, Arquivo Público de Alagoas, 1906.

MEIRA, Ana Lúcia. O passado no futuro da cidade: políticas públicas e participação

popular na preservação do patrimônio cultural de porto alegre. Porto Alegre: URGS, 2004.

3 Tal como aborda e analisa MEIRA, 2004.

Page 13: Jardim público do Jaraguá , porta de entrada de Maceió no … · No Brasil, até o final do setecentos os jardins eram raramente encontrados, limitando-se aos existentes nas propriedades

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

MOURA FILHA, Maria Berthilde. O cenário da vida urbana: a definição de um projeto

estético para as cidades brasileiras na virada do século XIX/XX. João Pessoa: Editora

Universitária UFPB, 2000.

PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Projeto Fontes e Chafarizes – Fichas

Fontes. Secretaria Extraordinária de Promoção, Defesa, Desenvolvimento e Revitalização

do Patrimônio e da Memória Histórico- Cultural. Coordenadoria de Projetos Especiais.

Gerência de Projetos e Obras. Gerência de Arqueologia, s/d.

ROBBA, Fabio, MACEDO, Silvio Soares. Praças Brasileiras. São Paulo, Editora da

Universidade de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002.

SEMPLA. Código de Urbanismo e Edificações do Município de Maceió. Maceió, 2007.