jawdat_el_haj - entre a governança administrativa e a governabilidade política-annotated
TRANSCRIPT
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Entre a governana administrativa e a governabilidade poltica:
uma perspectiva histrica das reformas administrativas no Brasil.
Jawdat Abu-El-Haj (*)
(*) Doutor em Cincias Polticas, professor do Programa de Ps-graduao em Sociologia e do Departamento
de Cincias Sociais da Universidade Federal do Cear.
Resumo O artigo apresenta os dilemas polticos das mudanas gerenciais no Brasil da Era Vargas aos governos Lula.
Identifica trs paradigmas que demarcaram a institucionalizao do Estado desde a dcada de 1930: o
burocrtico-racional (1938), o empresarial (1967) e o gerencial (1995). Sugeriu que a consolidao de uma
administrao pblica ecltica,durante os governos Cardoso, reforou o peso das barganhas polticas em
detrimento do desempenho institucional, gerando uma invaso de atribuies principalmente entre as trs
instncias da federao brasileira. O mesmo dilema permanece na era Lula sob a gideda exportabilidade, o novo modelo oficial de desenvolvimento.
Abstract The article presented the political dilemmas of public management change in Brazil from Vargas to Lula.
Identified three predominant paradigms: the rational-bureaucratic (1938), the entrepreneurial (1967) and the
managerial (1995). Suggested that the crystallization of an eclectic public administration, during the Cardoso
administrations, reinforced the weight of political bargaining, causing an invasion of turfs between the three
levels of the federation. The same dilemma continued during the Lula administrations under exportability, the new official development model.
Palavras chaves: administrao pblica, mudana poltica, globalizao, desenvolvimento.
A reforma do Estado a questo mais persistente na vida poltica brasileira e
continua sendo o foco para um desenvolvimento justo e sustentvel. Importante distinguir a
reforma do Estado da reforma administrativa. A primeira descreve mudanas na estrutura,
posio e forma de interveno do Estado na sociedade, enfocando ideologias, foras
polticas e legitimidade. Enquanto a segunda representa uma reviso dos mecanismos
administrativos e tcnicos adotados para viabilizar a interveno pblica.
Em 1930, a derrubada da primeira repblica inaugurou uma longa odissia para
reformular o modelo poltico brasileiro. At o presente, esse caminho perpassou por trs
grandes reformas do Estado: o estado interventor, o estado empresarial e o estado
regulador. Esse trabalho sintetiza a literatura da cincia poltica em torno desses grandes
momentos.
A primeira reforma adotou um modelo de interveno centralizadora do Estado na
sociedade, enquanto o governo foi organizado de acordo com o modelo administrativo
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racional-legal (1930-1945). A segunda nasceu durante o regime militar (1964-1985) e sua
poltica de um acelerado crescimento econmico designada como a reforma empresarial
do Estado. Os seus mecanismos administrativos assimilaram processos descentralizados da
tomada de decises. A (terceira) ltima, a reforma reguladora, foi concebida durante os
mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), e sua doutrina seguiu os moldes de
gerenciamento pblico. A ltima da era Lula (expanso do consumo popular, exportao e
experimentao com a primeira e mais siugnificativa expanso do setor pblico desde a
dcada de 1960 tendo a educao como seu foco principal.)
Era Vargas e o Estado Intervencionista
O Brasil da dcada de vinte vivenciou uma profunda mudana social: cresceram os
centros urbanos, nasceram novas classes sociais, apareceu a indstria e entraram em
decadncia as antigas elites cafeicultoras. O pas se encontrava numa conjuntura de intensa
mobilizao poltica, urbana, antagnica sociedade agrria. Especificamente, as crticas se
voltaram para: a manipulao dos votos, o uso poltico da administrao pblica e a
aplicao de polticas econmicas liberais, que beneficiavam os cafeicultores e seus
respectivos estados em detrimento de outros setores produtivos.
A decadncia dos cafeicultores j era evidente nos primeiros anos do sculo vinte. O
colapso dos preos do caf atingiu em cheio o poderio econmico dessas elites.
Desesperadas, as referidas elites utilizavam todos os meios para prorrogar a sua
permanncia no poder: aumentaram a represso dos assalariados industriais, aprofundaram
o empreguismo, praticaram a compra de votos e utilizaram o cmbio para aumentar as
exportaes do caf. (De Lorenzo e Costa, 1998).
Trs foras polticas se digladiavam para substituir a Primeira Repblica: a
esquerda liderada pelo PCB (Partido Comunista do Brasil), a extrema direita, representada
pela AIB (Ao Integralista Brasileira) e o centro, aglutinando a Aliana Liberal e o
catolicismo poltico. Cada agrupamento dependia de grupos sociais diferentes. O PCB se
inspirava nas lutas operrias. Os integralistas tiveram grande popularidade junto aos
segmentos conservadores das classes mdias urbanas e a alguns crculos operrios. As
foras centristas, representadas pela Aliana Liberal e lideradas por Getlio Vargas,
conseguiram reunir um amplo espectro: foras regionalistas contrrias hegemonia
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paulistana, profissionais liberais, militares, empresariado industrial e as elites polticas
reformistas. Objetivamente, o centro era o melhor posicionado para liderar o processo.
Reunia o poder das armas militares, a legitimidade do clero, os recursos do empresariado
industrial e a fora poltica das oligarquias estaduais.
No dia 11 de novembro de 1930, com o incentivo dos militares, Getlio Vargas
dissolveu o Congresso e todas as Assemblias Legislativas, alm de suspender os direitos
polticos. Para Vargas, os impasses brasileiros eram causados pela anarquia poltico-
administrativa. Assim, entre 1930 e 1945, desencadeou uma centralizao poltico-
administrativa jamais vista no Brasil. Nesse perodo, popularmente designado Era
Vargas, essa administrao caracteriza-se por uma combinao de interveno poltica do
governo federal nos estados, com uma centralizao administrativa inspirada na
organizao racional-legal das instituies governamentais. A sua implantao ocorreu
numa seqncia de dois intervalos. O primeiro localizado durante o governo provisrio
(novembro de 1930 a 16 de julho de 1934), enquanto o segundo corresponde fase
repressora do Estado Novo (Gomes, 1980).
A centralizao administrativa (1930-1934)
O assassinato do paraibano Joo Pessoa, candidato vice-presidncia de Vargas, no
dia 26 de julho de 1930, foi o estopim que apressou a derrubada, pela fora das armas, da
Primeira Repblica. Como todos os centros polticos heterogneos, a Aliana Liberal era
polarizada entre dois projetos divergentes. O primeiro era do Partido Democrata Paulista,
com suas bandeiras clssicas de eleies livres e governo constitucional; enquanto o
segundo reunia os tenentes e intelectuais autoritrios e defendia uma brusca centralizao
institucional e uma interveno estatal, em prol do desenvolvimento econmico (Lippi,
1982).
Getlio Vargas, seguidor do positivismo gacho, inclinava-se para o segundo grupo.
A nomeao de interventores nos estados, em substituio aos governadores, e a
reorganizao administrativa marcaram os primeiros atos do governo provisrio. Entre os
dias 14 e 26 de novembro de 1930, Vargas criou dois super ministrios: Ministrio da
Educao e Sade Pblica e Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio. O seu propsito
era enfrentar trs impasses herdados do antigo regime: a questo social, representada pelos
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protestos operrios; a crise econmica, causada pelo colapso dos preos do caf e a
assistncia agricultura que sofria de uma crise de abastecimento (DAraujo, 1999).
Gustavo Capanema, o novo ministro da Educao e Sade Pblica, protegido de
Francisco Campos, um dos mentores da Era Vargas e seu ministro da justia, promoveu
uma reorganizao administrativa, absorvendo rgos, extinguindo cargos e criando novas
funes. O objetivo era a centralizao de todos as entidades e reparties pblicas ligadas
a assuntos educacionais e de sade, numa nica administrao.
O Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio, autodenominado Ministrio da
Revoluo, teve o impacto mais prolongado pelo fato de haver redefinido as relaes
trabalhistas. Lindolfo Collor, ento ministro do Trabalho e principal intelectual das
reformas trabalhistas na Era Vargas, defendeu a tese segundo a qual, na sociedade
urbana-industrial os conflitos trabalhistas no somente eram recorrentes, mas naturais e
poderiam ser apaziguados com a formalizao e a regulao dos mercados de trabalho. A
organizao corporativa das classes sociais e as negociaes coletivas intermediadas pelo
Estado seriam um substituto tanto do socialismo estatizante como do capitalismo liberal
anrquico.
Juarez Tvora, ao assumir o Ministrio da Agricultura, em 14 de abril de 1932,
colocou trs metas como princpios que norteariam o desenvolvimento agrrio:
coordenao maior entre os rgos governamentais; a liberao das instituies pblicas do
jogo poltico; e a reduo da irracionalidade administrativa, manifestada pela duplicidade
de funes.
A centralizao institucional surtiu poucos efeitos para amenizar a estagnao
econmica e os conflitos sociais. Os confrontos trabalhistas permaneceram intensos e as
colises entre os comunistas e os integralistas se tornaram ocorrncias freqentes. O quadro
poltico se agravou, em julho de 1932, quando os paulistas deflagraram uma revolta,
protestando contra a nomeao de um interventor pernambucano e pedindo o fim do
governo de exceo (Skidmore, 1996).
Pressionado, em maio de 1933, Vargas convoca eleies da Assemblia
Constituinte. Em 1934, a terceira constituio brasileira promulgada e Vargas
empossado presidente, para um mandato de quatro anos, sem a possibilidade de reeleio.
Nesse intervalo, o governo procurou aprofundar a sua reforma administrativa, iniciando
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uma fase de conflitos latentes com o Legislativo, como conseqncia dos inquritos
administrativos direcionados a modificar a natureza da administrao pblica no Brasil.
O conflito dos inquritos se deflagrou, em 16 de maio de 1935, pela sub-comisso
Nabuco. Maurcio Nabuco, diplomata e filho de Joaquim Nabuco, foi convocado por
Vargas para participar da Comisso Mista de Reforma Econmica-Financeira. Reconhecido
por seus mritos na reforma administrativa do Itamarty, Nabuco foi designado como relator
da Sub-comisso do servio pblico. Em setembro, apresentou ao ministro da Fazenda,
Artur de Sousa Costa, um dos mais minuciosos relatrios sobre o servio pblico brasileiro.
Descrevia uma situao catica, assinalando a ausncia de critrios para definies de
funes e salrios, e os fluxos desordenados de decises. Recomendou mudanas nos
mtodos de recrutamento, critrios para progresso funcional e um remanejamento de
rgos. Na sua concluso, Nabuco sugeriu a excluso dos extra-numerrios (funcionrios
nomeados) da folha de pagamentos, deixando a sua incorporao a uma comisso especial.
O diagnstico da sub-comisso Nabuco implicava um golpe fatal para o Estado
Patrimonialista da primeira repblica e estava predestinado a sofrer uma resistncia tenaz
das elites polticas.
A resposta do Legislativo foi negativa e o ministro da Fazenda reagiu, confiscando
as edies do relatrio e nomeando outra sub-comisso de parlamentares, esta sob a direo
do deputado Jos Bernardino. A sub-comisso Bernardino reiterou todos os critrios
tcnicos de Nabuco; todavia, recomendou a incorporao dos extranumerrios ao servio
pblico. Essa demanda implicava uma institucionalizao do controle oligrquico da
administrao pblica, uma vez que admitia, permanentemente, milhares de seguidores e
afilhados polticos no setor pblico.
Em dezembro de 1935, Vargas tomou a iniciativa e nomeou dois confidentes: Luiz
Simes Lopes (poltico gacho) e Moacir Ribeiro Briggs (diplomata), para dirigirem a
Comisso Presidencial e elaborarem um relatrio definitivo da situao do funcionalismo
pblico. Conhecida como Comisso do Reajustamento, esta criou um plano de cargos e
salrios, instituiu o concurso pblico como critrio de ingresso no servio pblico e criou o
Conselho Federal do Servio Pblico para promover a unificao das carreiras e dos
vencimentos nas reparties federais. Em outubro de 1936, as recomendaes foram
transformadas na Lei de Reajustamento dos Quadros e dos Vencimentos do Funcionalismo
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Pblico Civil da Unio (Lei 284). A administrao pblica brasileira se aproximou do
modelo clssico racional-legal (Wahlrich, 1983).
O modelo administrativo racional-legal, defendido por Simes e Briggs, era
influenciado pelas teorias clssicas da administrao pblica e sintetizava seis princpios: 1.
funcionrios pblicos sem lealdades polticas; 2. hierarquias e regras bem definidas; 3.
permanncia e estabilidade no emprego; 4. institucionalizao derivada de um perfil
profissional bem demarcado; 5. regulao interna para evitar arbitrariedades e 6. isonomia
salarial e das condies contratuais.
Os conflitos entre as elites polticas, no entanto, permaneceram como fonte de
instabilidade. Nos meados de 1937, apresentavam-se dois candidatos sucesso de Vargas:
Armando de Sales Oliveira, ex-governador de So Paulo e representante das elites
paulistas, e Jos Amrico de Almeida, um integrante do movimento tenentista. A vitria de
Armando Sales era inevitvel. Para impedir o retorno das elites paulistas ao poder e,
incentivado pelos militares Gis Monteiro e Eurico Dutra, no dia 10 de novembro de 1937,
Vargas sucumbiu tentao autoritria.
O Estado Novo foi marcado por contradies. De um lado, ps em prtica um dos
mais brutais sistemas de represso. Por outro, incentivou o aparecimento de uma nova elite
tecnoburocrtica, moderna, centrada no DASP (Departamento Administrativo do Servio
Pblico).
O DASP e a formalizao do Estado racional-burocrtico (1938-1945)
No dia 30 de julho de 1938, o DASP foi fundado pelo Decreto-lei 579, com a
incorporao Conselho Federal de Servio Pblico. A instituio foi pensada como um
centro de planejamento estratgico da reforma administrativa, tendo cinco atribuies: 1.
selecionar os candidatos aos cargos pblicos federais; 2. promover a readaptao dos
funcionrios de carreira aos novos padres administrativos; 3. padronizar as compras do
Estado, atravs de regras transparentes e licitaes; 4. auxiliar o Presidente na elaborao
dos projetos a serem submetidos sano e 5. inspecionar o servio pblico e apresentar
relatrios anuais sobre a situao do servio pblico.
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Para desempenhar o papel de coordenao, o DASP foi organizado em cinco
divises: organizao e coordenao, empregados pblicos, extranumerrios, seleo e
treinamento e materiais. Na poca, uma sexta diviso foi estabelecida, a das finanas; mas,
pela resistncia demonstrada pelo Ministrio da Fazenda, a sua operacionalizao foi
adiada at 1940, quando foi criada a Comisso do Oramento, localizada no Ministrio das
Finanas, mas presidida pelo diretor do DASP. A jurisprudncia financeira do DASP foi
ampliada, alguns meses antes da queda de Vargas, para englobar a preparao integral do
oramento geral da Unio.
Os fundadores do DASP evitaram as presses polticas, negando a transferncia de
pessoal dos outros ministrios para o preenchimento dos novos cargos. Um concurso
pblico para tcnicos de administrao foi aberto. As provas exigiam candidatos de
elevada preparao acadmica e uma especializao tcnica, de acordo com a funo a ser
preenchida. Por exemplo, os concursos eram divididos em trs fases: um exame escrito de
conhecimentos tcnicos; a elaborao de uma tese na rea de especializao e uma defesa
pblica do texto apresentado. Essa criteriosa seleo criou um grupo de construtores do
Estado Moderno, no Brasil, cuja legitimidade residia no conhecimento tcnico e na
capacidade de planejamento, atributos alheios aos tpicos funcionrios patrimonialistas da
Primeira Repblica. O novo estamento representava, na essncia, o embrio de uma nova
classe mdia urbana, disposta a assumir um papel poltico e administrativo central na
construo de uma sociedade urbana industrial, no Brasil.
Apesar do Estado Novo ter flertado com o integralismo, as referncias tericas dos
daspianos eram os clssicos da administrao pblica liberal: Max Weber, William
Willoughby, Henri Fayol e Luther Gulick alm dos Os relatrios da reforma administrativa
americana, do governo Roosevelt, The Presidents Committee on Administrative
Management Report (1936), e o relatrio da Brookings Institution (1937). Da obra original
de Weber, os daspianos derivaram os princpios gerais da administrao pblica racional-
legal. Esse modelo implica a existncia de instituies gerenciadas por uma racionalizada
burocracia; diviso de funes; autoridade limitada do cargo; remunerao fixa e de acordo
com a posio; especializao tcnica do funcionrio; a dedicao exclusiva; carreiras
estveis; separao entre a propriedade do funcionrio e os bens pblicos e comunicaes
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escritas e documentadas. Trs termos resumem a cultura organizacional desse tipo:
impessoalidade, imparcialidade e neutralidade.
A adaptao das teorias weberianas por William Willoughby, para os mecanismos
da democracia representativa, gerou uma comportamentalizao formal dos papis das
instncias polticas e administrativas. Seguindo esse autor, os daspianos distinguiam entre a
racionalizao administrativa (governana) e as negociaes polticas, os consensos
partidrios projetados em programas governamentais (governabilidade). A poltica a
arena de representao dos interesses sociais e particulares e exercida, principalmente no
poder Legislativo, pelos partidos. A administrao tcnica baseada na eficincia
operacional uma esfera exclusiva do Executivo, que gerencia as instituies
governamentais como um conselho diretor de uma sociedade annima. Para Willoughby,
h duas tpicas atividades administrativas: os fins do Estado, que englobavam os servios
fornecidos ao pblico (sade, educao, transporte, defesa nacional, finanas, relaes
exteriores, etc.) e atividades de planejamento e administrao. O segundo so funes
essenciais para o desempenho das primeiras. Essas atividades requerem a determinao e
definio de autoridade, organizao racional, pessoal e material, dotao oramentria e
adoo de mtodos adequados de trabalho.
Henri Fayol, o inspirado das reformas administrativas francesas, distinguiu entre
princpio administrativo e elementos administrativos. O primeiro composto pela diviso
de trabalho, autoridade, unidade de comando, unidade de direo, centralizao, hierarquia
e disciplina. Enquanto os elementos da administrao representam planejamento (previso
de resultados), organizao, comando e organizao (POCCC). Finalmente, Luther Gulick,
o intelectual orgnico das reformas administrativas da era Roosevelt, acreditava que as
instituies governamentais deveriam se organizar objetivamente nas seguintes linhas:
planejamento, organizao, recrutamento pessoal (staffing), direo, coordenao,
informao e oramento.
Seis princpios passaram a representar um consenso em torno da teoria clssica da
administrao pblica: 1. funcionrios pblicos apolticos (sem lealdades polticas); 2.
hierarquias e regras bem definidas; 3. permanncia e estabilidade no emprego; 4.
institucionalizao derivada de perfil profissional bem demarcado; 5. regulao interna para
evitar arbitrariedades e 6. isonomia salarial das condies contratuais.
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A doutrina daspiana adaptou os princpios da teoria tradicional e formulou nove
premissas que guiariam a atuao das instituies pblicas: 1. racionalizao da autoridade,
atravs de uma diviso hierrquica de trabalho; 2. estabelecimento de normas que
minimizassem a interferncia poltica; 3. ajustamento de salrios, de acordo com as funes
enquadradas na hierarquia interna; 4. seleo meritocrtica, baseada na competncia tcnica
dos servidores e determinada por um concurso rigoroso e especializado; 5. dedicao
exclusiva profisso, fixada atravs de um contrato de tempo integral; 6. unidade do
comando administrativo; 7. unidade da direo institucional; 8. centralizao administrativa
e 9. disciplina.
A partir de 1942, o modelo do DASP se alastrou aos Estados, comeando com a
organizao do Departamento do Servio Pblico da Bahia. A pedido dos governos
estaduais, outros daspinhos (designados como DSP Departamento de Servio Pblico)
foram fundados no Par, Maranho, Piau, Cear, Paraba, Alagoas, Sergipe, Esprito Santo,
Rio de Janeiro e Gois. Seguindo as diretrizes centrais, os daspinhos foram encarregados
pela anlise de racionalizao das instituies pblicas, estaduais e municipais. Para
melhorar o seu desempenho, as unidades e os setores de estatsticas dos escritrios
estaduais do IBGE foram transferidos aos daspinhos.
O destino do DASP, o ncleo planejador da reforma administrativa do Estado Novo,
foi selado junto a Vargas. Ironicamente, os dois generais que forneceram as armas para a
instalao do Estado Novo lideraram a deposio de Getlio Vargas, no dia 29 de outubro
de 1945. A aproximao de Vargas dos sindicatos, em 1942, a aprovao da CLT
(Consolidao das Leis Trabalhistas), em 1943, e a possibilidade de uma nova Assemblia
Constituinte, desta vez com o apoio da esquerda, alertaram a linha dura do Exrcito,
dominada por uma parania anti-comunista. Os seus dois representantes, Gis Monteiro e
Eurico Dutra, do grupo autoritrio das foras armadas, considerado amigvel aos pases do
eixo, durante a segunda guerra mundial, aliaram-se ala conservadora-liberal, liderada por
Juarez Tvora e Juracy Magalhes, rechaaram os oficiais legalistas, integrantes da FEB
(Fora Expedicionria Brasileira) na Itlia, e exigiram a renncia de Vargas. Temiam uma
aproximao deste com os comunistas e a deflagrao de um novo golpe do Estado, de
inclinaes esquerdistas.
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No mesmo dia da queda de Vargas, Luiz Simes Lopes e todos os diretores do
DASP pediram exonerao. Moacir Briggs assumiu a direo, at o dia 11 de dezembro de
1945, quando deixou seu cargo, em protesto contra as nomeaes polticas praticadas pelo
governo interino de Jos Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. Na sua
ofensiva contra o DASP, Linhares alegou que as atribuies deste rgo teriam excedido os
poderes normais da burocracia numa sociedade democrtica. A sua crtica se baseou em
duas funes consideradas remanescentes do centralismo autoritrio: a elaborao e
aprovao dos oramentos da Unio e a fiscalizao dos gastos governamentais.
Os verdadeiros motivos da ofensiva contra o DASP, como revelou Mrio Wagner
Cunha, eram as nomeaes polticas e, principalmente de parentescos, feitas por Linhares.
Em pouco mais de dois meses, entre 29 de outubro de 1945 e 02 de janeiro de 1946,
milhares de aliados polticos e familiares do presidente interino ingressaram sem concurso
no governo federal. A situao foi agravada pela Constituinte de 1946, que transformou as
nomeaes temporrias em cargos permanentes do servio pblico. Em 1948, o potentado
DASP perdeu o que restou de suas atribuies deliberativas e foi reduzido a um escritrio
de assessoramento tcnico.
O surpreendente desmoronamento do DASP tem duas interpretaes. Wahlrich
(1983) atribuiu a sua fragilidade tradio oligrquica brasileira. Sugeriu que o
afastamento de Vargas retirou o escudo poltico daquela instituio, deixando seus
funcionrios vulnerveis ofensiva oligrquica. Esses grupos ficaram latentes na vida
poltica brasileira, esperando uma oportunidade para retomar os seus mandos dentro da
administrao pblica. Na luta pelo poder, entre as novas elites tecnoburocrticas e as
antigas elites polticas, o primeiro grupo no conseguiu resguardar a sua autonomia.
A segunda explicao de Wagner Cunha, localiza na cultura organizacional elitista
do DASP as razes do naufrgio. O excessivo isolamento da nova tecnoburocracia e a
proteo semi-paternal oferecida por Vargas o inibiram de estabelecer uma rede de
proteo poltica, que poderia sustentar a instituio, aps a mudana do regime. A
dedicao quase monstica dos seus dois fundadores, Moacir Briggs e Luiz Simes Lopes,
s noes de meritocracia, racionalizao e imparcialidade distanciou a instituio das
foras polticas vivas na sociedade brasileira. Perante a ofensiva clientelista, nenhum
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partido poltico se mobilizou para proteger o smbolo maior da meritocracia pblica no
Brasil.
Sintetizando as duas explicaes, provvel que o divrcio entre os meios e os fins
empregados pelo Estado Novo tenha sido o motivo maior do fracasso do DASP. Seduzido
pelo imediatismo autoritrio, Vargas renunciou aos objetivos democrticos da revoluo de
trinta e a Constituio de 1934. Esse perodo (1930-1937) foi um dos mais ricos intervalos
da construo poltica no Brasil: decaram as instituies das oligarquias fundirias;
ascenderam ao poder novas classes sociais; despertou um novo sindicalismo, representativo
dos assalariados urbanos e das massas rurais; apareceram projetos de desenvolvimento
industrial e se iniciou a reorganizao de uma moderna administrao pblica. A tentao
autoritria, de 1937, interrompeu o processo democrtico de mudana social. Apesar das
aparncias slidas do Estado Novo e suas instituies polticas, os pilares do regime eram
frgeis, pois no se edificavam sobre um amplo consenso poltico. Arruinado o Estado
Novo, as elites conservadoras, sob o pretexto da redemocratizao, retomaram as suas
prticas clientelistas e invadiram as instituies pblicas, pilhando o Estado e seus fundos
pblicos.
A experincia daspiana no foi inteiramente perdida. Apesar do seu
desaparecimento como ncleo estratgico dentro da administrao pblica, deixou o
embrio de uma nova tica pblica, endossada pelas foras democrticas. Noes bsicas
de um pblico universal, estado racional a servio do bem-estar geral da sociedade e um
conceito de instituies pblicas, resistentes s manipulaes polticas so heranas que
sobrevivem, como doutrinas administrativas consagradas, na sociedade brasileira. Muitos
dos daspianos permaneceram no setor pblico e tiveram um papel decisivo no planejamento
industrial. Alguns dos cones do desenvolvimentismo iniciaram suas carreiras no seleto
quadro daspiano, entre eles: Guerreiro Ramos (fundador do ISEB), Celso Furtado (o mentor
do desenvolvimentismo no Brasil), Lucas Lopes (principal administrador do plano de
metas) e Luiz Simes Lopes (presidente do DASP, entre 1938 e 1945, e idealizador da
Fundao Getlio Vargas).
Proto-desenvolvimentismo: as comisses econmicas e a criao do BNDE
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O fracassado projeto daspiano reforou o aspecto pulverizado das aes
governamentais. As atenes se voltaram, exclusivamente, ao controle da inflao e ao
ajuste da balana de pagamentos. Entre 1945 e 1955, uma srie de relatrios econmicos
procurou delimitar o papel do Estado e suas formas de interveno. Dois pioneiros estudos,
Relatrio Niemeyer (1931) e o Memorando da Misso Cooke (1942), haviam defendido a
ampliao do mercado interno, a diversificao da produo e uma poltica industrial mais
agressiva. Todavia, em 1948, a Misso Abbink recuou, em relao s recomendaes
iniciais, da industrializao, e advogou uma poltica monetarista mais rgida, para contornar
a inflao, atrair investimentos internacionais e acelerar as exportaes. Por uma dcada, a
inconsistente e confusa fase dos relatrios econmicos paralisou o governo brasileiro.
Somente em dezembro de 1950, com a instalao da Comisso Mista Brasil-Estados
Unidos, foi reativado o debate em torno do futuro do Estado e da economia. Duas posies
latentes haviam se materializado: a monetarista e a desenvolvimentista. O relatrio final da
Comisso Mista se inclinou a favor das teses desenvolvimentistas e, com a re-eleio de
Vargas Presidncia, em 31 de janeiro de 1951, esse grupo adquiriu uma preeminncia na
vida pblica (Malan, 1977).
O desenvolvimentismo atribua ao Estado a liderana na transio de uma sociedade
agrria para a industrial, em dois aspectos: investimentos pblicos diretos em
empreendimentos econmicos e sociais e a formulao de uma poltica industrial de
integrao dos setores industriais (insumos bsicos e indstrias de bens de capitais). A
poltica industrial teria aspectos protecionistas, sistema de incentivos e intermediao
financeira.
A Comisso conduziu uma abrangente pesquisa sobre a situao de infra-estrutura
econmica e o grau de desenvolvimento industrial. Identificou cinco setores que
necessitavam de apoio imediato, para expandir o mercado interno: ferrovias (50% dos
investimentos totais); energia eltrica (34%); construo pesada de estradas e portos (6%) e
transporte martimo (6%). Trs sugestes imediatas foram includas: a importao de
mquinas agrcolas para intensificar a produo de alimentos; construo de silos para
reduzir as oscilaes de preos de produtos e expanso das plantas industriais j existentes.
Recomendou a criao do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDE), em
20 de junho de 1952, um banco de desenvolvimento para coordenar os investimentos infra-
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estruturais previstos, com os recursos do Export-Import Bank e do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (Sola, 1998).
A tendncia desenvolvimentista foi reforada, em 1953, com a concluso do
relatrio do Grupo Misto CEPAL-BNDES, sob a presidncia do economista Celso Furtado,
ento funcionrio da CEPAL (Comisso Econmica e de Planejamento da Amrica Latina).
Os dois estudos serviram de base para o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitscheck,
iniciado em 1956, sob a coordenao de Lucas Lopes.
Ironicamente, foram os daspianos, Lucas Lopes e Celso Furtado, os impulsores da
nova onda desenvolvimentista. Aprovados na primeira leva de concurso do DASP, ambos
haviam sido expurgados pela poltica clientelista que destruiu a instituio, em 1945.
Voltaram na dcada de cinqenta, formulando o referido plano de metas e induzindo um
dos processos mais curiosos de industrializao, nos pases em desenvolvimento.
Kubitscheck e as contradies do desenvolvimentismo
Ao assumir a Presidncia, em 1956, Juscelino Kubitschek (JK) enfrentou trs
desafios. Herdou instituies pblicas debilitadas pelo clientelismo e inabilitadas para
formular complexas polticas pblicas. Segundo, a sua frgil sustentao partidria no
permitiu ousadas reformas administrativas, semelhantes s da dcada de trinta. Finalmente,
a sua vitria eleitoral foi por uma margem reduzida de 36% dos votos vlidos, com o
agravante de, em So Paulo, o maior colgio eleitoral e o centro econmico do Brasil, haver
recebido somente a aprovao de 9% do eleitorado (Skidmore, 1996).
Para satisfazer as demandas contraditrias dos seus aliados, JK adotou uma prtica
que se tornara clssica nas coalizes partidrias. Em 1956, a CEPA (Comisso de Estudos e
Planejamento Administrativo), constituda pelo presidente eleito para diagnosticar a
administrao pblica, apresentou duas frmulas para uma reforma administrativa: uma
reformulao ampla, nos moldes da adotada na dcada de trinta; e outra, de uma
administrao paralela (bolses de excelncia), inspirada no GEIA (Grupo Executivo da
Indstria Automobilstica). (Almeida, 1972). O pragmtico Kubitscheck adotou a segunda
alternativa e dividiu a administrao pblica em dois campos: o econmico e o social.
Enquanto os ministrios sociais foram reservados s negociatas polticas e nomeaes de
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aliados, as instituies econmicas receberam a proteo pessoal de Kubitscheck e foram
preenchidas pelos melhores tcnicos do Estado (Gomes, 1991).
Essa peculiar diviso entre o econmico e o social era um reflexo da teoria
desenvolvimentista, predominante na dcada de cinqenta. Acreditava-se que a
industrializao e o crescimento econmico seriam suficientes para resolver os impasses
sociais. Roberto Campos descreveu a essncia dessa noo:
(...) a opo pelo desenvolvimento implica a aceitao da idia de
que mais importante maximizar o ritmo de desenvolvimento
econmico, que corrigir as desigualdades sociais. Se o ritmo de
desenvolvimento econmico rpido, a desigualdade pode ser
tolervel e pode ser corrigida a tempo. Se baixa o ritmo de
desenvolvimento por falta de incentivos adequados, o exerccio da
justia distributiva se transforma numa repartio de pobreza.
Essa estratgia revelou ser um impasse formidvel para o desenvolvimento
sustentvel e socialmente justo, no Brasil, e continua sendo um dos impasses mais agudos
dos nossos dias (Cardoso, 1977).
Kubitscheck dependeu de duas instituies para promover a transio industrial: o
BNDE e o Conselho Nacional de Desenvolvimento (CND), criado em fevereiro de 1956. O
primeiro era a fonte de financiamento, enquanto o segundo assumia o planejamento
setorial. Para evitar a fragmentao interburocrtica e as interferncias polticas de grupos
empresariais, tomou quatro medidas: nomeou Lucas Lopes, ex-governador mineiro,
presidncia, tanto do CND como do BNDE; garantiu equipe tcnica plena autonomia para
contratar seus integrantes; estabeleceu um canal direto com a presidncia da repblica e
reservou, para tanto, uma dotao financeira, anual, independente do oramento da Unio.
A ltima medida assegurou a independncia financeira do Banco, at 1967. Os recursos do
BNDE eram oriundos de uma sobretaxa aplicada sobre a importao de petrleo, transporte
ferrovirio, transporte martimo e energia eltrica. Posteriormente, outra sobretaxa, de 15%,
foi adicionada ao imposto de renda de grandes empresas e fortunas. Os recursos anuais do
BNDE, durante a presidncia de Kubitscheck, alcanaram uma mdia de 22% de todos os
investimentos federais (Lafer, 1987).
Highlight
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Dois objetivos nortearam a estratgia desenvolvimentista de JK: substituio de
importaes e melhoria da infra-estrutura bsica. A primeira estratgia foi direcionada ao
setor privado, enquanto a segunda foi desencadeada com os recursos do Programa de
Reaparelhamento Econmico. Como as presidncias do CND e do BNDE foram unificadas,
o planejamento econmico adquiriu uma grande vitalidade, atenuando os obstculos
polticos e as morosidades administrativas.
Quatro grupos executivos (GEs) foram escalonados para planejar a substituio de
importaes de setores prioritrios: GEIA (Grupo Executivo da Indstria Automobilstica),
GEICON (Grupo Executivo da Indstria de Construo Naval), GEIMAPE (Grupo
Executivo da Indstria Mecnica Pesada) e GEIMAQ (Grupo Executivo da Indstria de
Bens de Capitais). Os GEs reuniram empresrios e executivos do setor pblico, na
programao de investimentos e na importao de tecnologias. Por outro lado, as metas de
expanso da infra-estrutura focalizaram cinco gargalos: energia eltrica, transporte,
alimentao, indstria de base e educao. Foram organizados 30 Grupos de Trabalho, para
traar polticas setoriais e alcanar metas de produo sugeridas pelos relatrios da
Comisso Mista Brasil-Estados Unidos e do Grupo Misto BNDE-CEPAL (Sola, 1998).
O Plano de Metas foi um sucesso produtivo. Na maioria dos casos, os GTs
ultrapassaram as expectativas. Entre 1956 e 1960, a feio econmica brasileira mudou
radicalmente, de uma tpica sociedade agrria para uma moderna economia industrial.
Todavia, os pressupostos tericos do desenvolvimentismo e suas prticas institucionais
causaram graves incoerncias entre: desenvolvimento econmico, desenvolvimento poltico
e desenvolvimento social.
Primeiro, a recusa de Kubitscheck em promover uma ampla reforma administrativa
significava a entrega do planejamento econmico s vontades subjetivas, em vez das aes
institucionais de longa durao (Nunes, 1997). Por exemplo, com a sada de Lucas Lopes
para assumir o Ministrio da Fazenda, em junho de 1958, o CND perdeu a sua importncia
como rgo de planejamento. A situao se agravou, em maio de 1959, quando toda a
equipe original deixou o BNDE, aps o enfarte sofrido por Lopes e a nomeao de Lcio
Meira para a presidncia da instituio. Naquele ms, Kubitscheck declarou encerrado o
Plano de Metas e enviou ao Congresso Nacional o seu relatrio final.
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Segundo, a separao estabelecida entre desenvolvimento econmico e incluso
social acelerou o crescimento econmico e intensificou a industrializao, e, ao mesmo
tempo, estancou o mercado interno. Esse fato significava que a acumulao de capital no
era determinada por fatores internos, mas precisava de recursos externos para financiar a
expanso econmica. Terminado o ciclo desenvolvimentista, o Brasil exibia relaes de
dependncia externa bem mais complexas do que nas dcadas anteriores.
Por outro lado, a acelerada industrializao implicava um crescimento econmico
superior ao ingresso da populao no consumo interno. Esse fato gerou trs impasses
imediatos, que repercutiram sobre o colapso da democracia, em 1964: um endividamento
externo e de curta durao; uma inflao galopante (principalmente pelos custos da
construo de Braslia) e uma excessiva concentrao industrial no Sudeste. Concluda a
investida desenvolvimentista de JK, a dvida externa tinha subido de US$2,0 bilhes, em
1955, para US$2,7 bilhes, em 1960, e com 60% das somas com maturidade de 3 anos. A
inflao alcanou uma taxa de 22,6%, considerada excessivamente elevada para os padres
da poca. Enquanto So Paulo aumentou a sua parcela do setor industrial de 48%, em 1955,
para 55%, em 1960, alcanando 82% nos setores de consumo de massa. (Gomes, 1991).
A experincia desenvolvimentista mostrou que o crescimento no poderia precluir
os direitos sociais. Essa opo ergue uma economia insustentvel, uma vez que gera uma
crescente dependncia externa, com graves desequilbrios estruturais: inflao elevada,
desigualdade regional e graves problemas sociais. O meio para alcanar o desenvolvimento
scio-econmico justo garantir uma continuidade administrativa e uma convergncia
entre metas econmicas e sociais.
Jango e as Reformas de Base.
A eleio de 1960 complicou, mais ainda, a herana desenvolvimentista deixada por
Kubitscheck. Como o sistema eleitoral permitia uma disputa independente entre a
presidncia e a vice-presidncia, o novo governo reuniu dois candidatos antagnicos. O
udenista Jnio Quadros derrotou o candidato oficial General Lott e o ex-governador
paulista Adhemar de Barros. Por outro lado, o candidato do PTB e ex-ministro de trabalho,
Joo Goulart, foi mais votado do que Milton Campos, ex-governador de Minas, um
respeitadopoltico da elite tradicional.
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O excntrico Quadros iniciou seu mandato aplicando polticas monetaristas
clssicas para contornar a inflao. Todavia, em maro de 1961, repentinamente convidou o
cientista poltico Cndido Mendes, um desenvolvimentista moderado, para presidir a sua
assessoria econmica e passou a defender uma sntese de estabilizao monetria com a
retomada de interveno do Estado. Essa virada no foi bem recebida pelo seu partido, a
UDN. A sua situao se agravou quando, sob os conselhos do seu ministro das relaes
exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco, propagou uma poltica externa autnoma do
eixo americano. Uma semana aps a sua condecorao de Che Guevara, Carlos Lacerda
pediu a sua renncia durante a conveno da UDN, em maio de 1961. Abandonado pelos
correligionrios, Quadros renunciou Presidncia, em 25 de agosto de 1961 (Benevides,
1981).
No dia da renncia, o vice-presidente Joo Goulart se encontrava na China. Durante
nove dias, uma batalha jurdica foi travada entre os constitucionalistas, defendendo o direito
de o vice assumir a presidncia, e a UDN, que tentava barr-lo. Um compromisso
parlamentarista foi acertado para evitar uma crise institucional. Foi permitido a Jango
assumir a Presidncia, sob a condio, no entanto, de conviver com o Parlamentarismo. Os
poderes presidenciais foram reduzidos nomeao de funcionrios efetivos, a qual
dependia da aprovao do primeiro ministro. Esse arranjo perdurou at o dia 6 de janeiro de
1963, quando um plebiscito restaurou os poderes presidenciais. Nesse intervalo, o governo
enfrentou numerosas ameaas de golpes militares. A instabilidade poltica era tanta que,
durante um ano de regime parlamentarista, quatro gabinetes se alteraram.
Alm da instabilidade poltica e da oposio acirrada da UDN, Jango no dispunha
de instituies pblicas de qualidade. Os confrontos polticos eram to acirrados, que as
nomeaes polticas para cargos de direo institucional eram praticadas por todo o
espectro partidrio, inclusive, da prpria presidncia da repblica (Carvalho, 1976).
Na economia, Goulart encontrou uma situao catica: uma inflao galopante,
dvida externa pesada e baixa produtividade. Influenciado pelos desenvolvimentistas,
defendeu uma estratgia estruturalista. Mas, ao mesmo tempo, assessorado pelo sbio So
Tiago Dantas, procurou Celso Furtado para formular um plano econmico antiinflacionrio.
As medidas estruturalistas foram enviadas ao Congresso Nacional, em julho de 1962,
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conhecidas como Reformas de Base, enquanto o plano de estabilizao inflacionria, o
Plano Trienal, foi posto em prtica em setembro do mesmo ano.
As Reformas de Base compunham-se de dois eixos: um emergencial e o outro
relevante. O emergencial objetivou: melhorar a situao social atravs do abastecimento de
alimentos, da erradicao do analfabetismo e dinamizao do mercado de trabalho;
combater a alta inflao e melhorar a eficcia da administrao pblica e iniciar uma
reforma agrria. Doze medidas relevantes foram formuladas para viabilizar os objetivos
emergenciais: plano econmico anti-inflacionrio, reforma tributria, reforma
administrativa, desapropriao e redistribuio de terra no campo, reforma cambial,
reforma bancria, cdigo das telecomunicaes, controle da remessa de lucros para o
exterior, punies para o abuso do poder econmico, reformulao da poltica do comrcio
exterior, nacionalizao das empresas concessionrias e institucionalizao do
planejamento econmico e social. Duas medidas, todavia, foram as mais polmicas e os
motivos da derrubada da democracia no Brasil: a reforma agrria e a regulamentao do
capital internacional (Viana, 1980).
A questo agrria no Brasil, no decorrer das dcadas de 1950 e 1960, foi despertada
tanto por razes tcnicas como por mobilizaes polticas dos camponeses. A
industrializao acelerada provocou uma desordenada transio demogrfica urbana e uma
grave crise de abastecimento alimentar. Por exemplo: entre 1952 e 1961, a produo
agrcola aumentou 59,8%, enquanto no mesmo intervalo, a populao urbana se expandiu
de 10 milhes de habitantes para 35 milhes. Esse fato causava o encolhimento do mercado
interno para produtos industriais e implicava um entrave estrutural para a retomada do
desenvolvimento. O aumento da produtividade agrria se tornou uma necessidade
imprescindvel para a sustentao da industrializao.
Dois paradigmas antagnicos se posicionavam para solucionar a questo agrria. A
primeira, adotada pelo governo, defendia uma reforma baseada na desapropriao do
latifndio. No projeto enviado ao Congresso, Goulart acusou o instituto da propriedade
(referindo-se ao latifndio improdutivo) de ser o gargalo da decolagem do
desenvolvimento interno. O projeto conclamou: essas vastas terras foram conservadas para
fins especulativos ou por problemas de herana, sem que a sociedade e o poder pblico se
animem a neles interferir para lhes dar finalidades produtivas. A outra abordagem,
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propagada pelas foras conservadores, apoiava-se na teoria neo-clssica, ao associar o
impasse agrcola baixa produtividade da terra. Uma combinao de mecanizao com
alargamento da fronteira agrcola resolveria o impasse, sem causar conflitos sociais no
campo ou contestar a ordem tradicional da grande propriedade privada.
A regulamentao do capital internacional foi a segunda questo mais polmica.
Duas posies competiam dentro do prprio governo. De um lado, Leonel Brizola assumiu
uma posio maximalista, defendendo a estatizao dos empreendimentos internacionais
nos setores infra-estruturais. Como governador do Rio Grande do Sul, Brizola havia
estatizado a ITT (International Telefone and Telegraph) e causado uma reao negativa do
governo americano. A posio minimalista era advogada por Santiago Dantas e favorecia
uma sntese de regulamentao do capital internacional, aumento dos impostos sobre a
remessa de lucros e a aquisio de empresas estrangeiras em setores de infra-estrutura
(telecomunicaes e energia eltrica), por preos de custo (Bandeira, 1983).
As foras conservadoras, representadas por segmentos agrrios do PSD e da UDN,
interpretaram as reformas de base como uma guinada comunista do governo. A UDN
acusou Goulart de questionar a propriedade privada, enquanto o governo americano temia
uma poltica externa brasileira com inclinaes socialistas. Em janeiro de 1964, Goulart
regulamentou a Lei da Remessa de Lucros, provocando a ira do governo americano. No dia
13 de maro, Goulart marcou um comcio no Rio de Janeiro em defesa da reforma agrria.
Perante uma massa de 150.000 manifestantes, anunciou duas medidas inditas: a
estatizao de todas as refinarias de petrleo e a desapropriao das propriedades com rea
acima de 100 hectares adjacentes s vias pblicas federais. No dia 31 de maro, as Foras
Armadas, apoiadas por diversos governadores, derrubaram Goulart (De Carli, 1980).
Ao assumir, Jango herdava uma economia em crise, um sistema partidrio
conflitante, uma administrao pblica infiltrada por interesses privados e uma
efervescncia social e sindical jamais vista na histria brasileira. Enquanto a sociedade
organizada demandava a universalizao dos direitos da cidadania, as elites conservadoras
interpretavam as medidas reformistas como uma radicalizao comunista. A inabilidade de
Goulart, em elaborar uma clara estratgia poltica e um plano administrativo para
implementar as reformas de base, permitiu oposio conservadora paralisar o governo e
desmobilizar a sociedade organizada.
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Dessa conjuntura conflitante, conclui-se que o equilbrio entre a mobilizao
democrtica, a administrao pblica e a viabilidade poltica so ingredientes chaves para o
sucesso das reformas sociais. Debilitando as instituies pblicas e criando um conflito
poltico irreconcilivel, o governo comprometia a prpria governabilidade. Um governo
reformista bem sucedido aquele que incentiva a formao de um consenso poltico-
partidrio, aliado a uma administrao pblica gil e racional.
Decreto-Lei 200: a reforma empresarial do Estado
A reforma do Estado (Decreto-Lei 200), lanada em 25 de fevereiro de 1967,
formalizou a estrutura institucional do governo federal e criou uma gesto descentralizada.
No Artigo 5, definiu quatro pilares do Estado: administrao direta (presidncia da
repblica e os ministrios); autarquias e fundaes (entidades governamentais direcionadas
para executar as atividades tpicas do setor pblico); empresas de economia mista
(sociedades annimas cujas aes com direito a voto pertencem, na sua maioria, Unio) e
empresas pblicas (entidades da administrao direta, criadas para desempenhar atividades
de natureza empresarial que o governo levado a exercer por convenincia ou contingncia
administrativa). (Lima e Abranches, 1987).
Para permitir a descentralizao, o governo distinguiu entre atividades de direo e
atividades de execuo. No primeiro grupo estariam as aes de planejamento,
coordenao, superviso e controle, enquanto no segundo estariam as de fornecimento de
servios. A descentralizao se daria atravs da delegao de competncias e da dotao
oramentria especfica. Essas entidades, alm dos recursos pblicos, poderiam captar
financiamento externo. No caso das empresas controladas pelo Estado, tanto pblicas como
mistas, a reforma objetivou oferecer condies eqitativas do setor privado, no
financiamento e na gesto. De acordo com o pargrafo nico do Artigo 27, s empresas
estatais foram garantidas condies de financiamento idnticas s do setor privado,
incluindo a captao de financiamento internacional. O favoritismo de uma lgica
empresarial e as possibilidades de captar recursos externos ao setor pblico levou
multiplicao de empresas pblicas que esperavam uma dotao oramentria mais
favorvel, com emprstimos externos. Por exemplo: enquanto entre 1960 e 1969 foram
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criadas 39 novas empresas federais, no intervalo de 1970-1976 o ritmo acelerou para 70
federais.
Trs motivos explicam a adoo da reforma empresarial. Primeiro, houve uma
identificao ideolgica mais prxima com a economia do mercado durante a guerra fria.
Segundo, o crescimento vertiginoso do nmero de instituies e empresas pblicas, na
dcada de 1950, exigiu uma nova sistemtica de controle administrativo. Finalmente, no
caso das empresas pblicas, a flexibilizao e a adoo de gerenciamento privado
objetivaram a captao de recursos internacionais e a possibilidade de fuses entre
empresas estatais, multinacionais e empresas nacionais. Por exemplo: em 1947, existiam 30
autarquias, compostas por institutos e caixas de previdncia. Entre 1947 e 1967, esse
nmero subiu para 80, refletindo a expanso da interveno pblica na infra-estrutura,
indstria pesada, produtos primrios e abastecimento alimentar. O crescimento institucional
inviabilizou um controle central mais eficiente e diversificado dessa ampla estrutura
pblica. Finalmente, no caso das empresas pblicas, a flexibilizao e a adoo de
gerenciamento privado objetivaram a captao de recursos internacionais e a possibilidade
de fuses entre empresas estatais e as multinacionais em projetos especiais.
A presena empresarial do Estado na economia se localizou em cinco setores:
insumos bsicos, utilidades pblicas, armazenagem, transportes e comunicaes. A
estratgia do governo combinava um esforo de cartelizao do setor pblico econmico e,
ao mesmo tempo, garantia a sua insero no mercado igualmente dos agentes privados.
Quatro grandes conglomerados industriais faziam parte dessa estratgia: Petrobrs (fundada
em outubro de 1953), Eletrobrs (junho de 1962), Telebrs (1972) e Siderbrs (setembro de
1973).
A crise do petrleo, de 1974, e o avano da oposio atingiram em cheio a reforma
de 1967 e provocaram o recuo da estratgia empresarial e o retorno centralizao. As
modificaes ocorreram em duas fases: 1. a organizao, em 19 de maro de 1974, do
Conselho de Desenvolvimento Econmico (CDE) e os seus respectivos conselhos setoriais
e 2. a criao da SEST (Secretaria Especial das Empresas Estatais), em dezembro de 1979.
Na primeira instncia, o CDE e seus 30 conselhos setoriais foram encarregados da
superviso ministerial das empresas estatais. Os conselhos seriam subordinados ao CDE,
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presidido pelo prprio presidente, e teriam poderes para facilitar a coordenao do conjunto
do setor econmico estatal (Wahlrich, 1980).
Quando um estudo encomendado pelo FINEP (Financiadora de Estudos e
Projetos)revelou a ineficcia dos conselhos de coordenao, o governo abandonou o
modelo empresarial do Decreto-lei 200, e retomou o controle centralizado. Ironicamente,
foi o economista Delfim Neto, o autor do milagre (1968-1974), o crebro dessa investida.
Ao ser nomeado, em agosto de 1979, apresentou um plano composto por quatro objetivos:
controle inflacionrio; incentivo s exportaes; substituio do petrleo pelo lcool e
disciplinamento dos preos das utilidades pblicas. Esse ltimo ponto, considerado
secundrio no seu programa, foi um golpe fatal no setor pblico. A SEST (Secretaria
Especial das Empresas Estatais) foi criada para aplicar a ltima exigncia e enquadrar as
empresas estatais dentro das metas inflacionrias do governo.
A nova guinada representou um golpe fatal para o setor pblico. Em 1979, acelerou-
se uma tendncia detectada a partir de 1976, quando os preos das utilidades pblicas
comearam a ter um reajuste inferior inflao. Por exemplo: por volta de 1980, os preos
de energia, telecomunicaes e ao estavam valendo, em mdia, 65% dos preos de 1975.
O efeito imediato foi uma queda de 30% dos investimentos das estatais, recuando de 4,66%
do PIB, em 1975, para 1,66%, em 1989. Essa poltica se revelou desastrosa. A dvida
externa cresceu vertiginosamente, a inflao passou de um fato preocupante para uma crise
severa e as contas pblicas entraram em plena desorganizao (Abu-El-Haj, 1991).
A estatizao da dvida externa e a exploso da inflao foram as duas
conseqncias mais graves da nova poltica econmica. A reforma empresarial do Estado
permitiu s empresas estatais contrarem emprstimos externos. Com a poltica de
cartelizao aliada ao desempenho positivo da economia brasileira, durante o Milagre, as
empresas estatais foram as maiores captadoras de investimentos externos. Como resultado,
a dvida externa que era privada, at 1972, sofreu uma inverso de acordo com a qual a
dvida privada externa passou de 75,1% para 24,9% do total. A poltica de centralizao e
correo de tarifas abaixo da inflao, praticada a partir de 1976 e acelerada com a criao
da SEST, multiplicou as dvidas do setor pblico. Paralelamente, houve um aumento
significativo dos juros internacionais, piorando a situao da dvida externa.
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A experincia do regime autoritrio confirma que o uso poltico das empresas
pblicas e as instituies governamentais provocaram efeitos desastrosos. Alm da
represso poltica e dos retrocessos sociais, o governo de exceo, munido de controles
sociais e de contestaes polticas, debilitou o setor pblico, desgastou a infra-estrutura,
provocou um surto inflacionrio e causou um recuo geral da economia e das contas
pblicas. At nossos dias, esses danos deixados pelo regime autoritrio continuam
exercendo um efeito decisivo sobre o desempenho do setor pblico no Brasil.
A redemocratizao de 1988: desenvolvimento econmico com sustentabilidade social
O retorno das liberdades polticas, coroado com a aprovao de uma Constituio
democrtica, criou novas esperanas de um desenvolvimento econmico com justia social.
A redemocratizao, todavia, enfrentava o duro teste da viabilidade. Trs desafios
dominaram o cenrio: uma inflao persistente, um novo pacto federativo e a
experimentao de uma nova poltica industrial.
A inflao subiu de uma mdia de 70%, nos ltimos dois anos do regime militar,
para 239%, em 1985, e acelerou para uma situao hiperinflacionria, em 1989, alcanando
1.860%. Durante essa dcada, foram oito malogrados planos econmicos aplicados pelo
Estado, na tentativa de contornar a subida de preos: Plano Cruzado (maro-dezembro de
1986); Plano Bresser (junho-dezembro de 1987), Plano Arroz com Feijo (1988); Plano
Vero (janeiro-junho de 1989); Plano Collor I (maro-abril de 1990); Plano Collor II
(janeiro-abril de 1991) e Plano Marclio (janeiro-abril 1991). Muitas dessas tentativas
foram concebidas por economistas de oposio ao Governo, utilizando uma lgica
heterodoxa (distinta da ortodoxia monetarista), que combinava a indexao salarial com o
congelamento de preos. Os fracassos criaram a impresso de que a poltica econmica da
democracia brasileira beirava o populismo econmico, ou seja, apresentao de metas
econmicas e sociais, por partidos governistas, que, objetivamente, eram inalcanveis
dentro das estruturas econmicas e institucionais existentes (Pereira, 2000).
Nas polticas sociais, o novo pacto federativo priorizou o municpio como o campo
da implementao e o espao de deliberaes democrticas (Dagnino, 1994). O Artigo 18
da Constituio definiu trs nveis do sistema poltico-administrativo da Repblica,
enquanto o Artigo 34 assegurou a autonomia municipal. Os direitos sade pblica foram
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estabelecidos, nos artigos 196 e 198, e as Leis orgnicas n 8.080/90 e n 1.142/90
regulamentaram os princpios da universalidade, integralidade, descentralizao e controle
social. Na educao, a Constituio estabeleceu que o ensino fundamental no s seria
obrigatrio e gratuito, independentemente da idade, mas um direito pblico cujo no-
fornecimento implicava a responsabilidade da autoridade competente. A onda da
municipalizao foi estendida assistncia social pela LOAS (Lei Orgnica da Assistncia
Social, Lei n 8.742/93) e tambm infra-estrutura bsica: transporte, saneamento e
habitao. A carta magna trouxe uma inovao peculiar, ao garantir, no Artigo 193, a
participao dos cidados, por meio de suas organizaes representativas, na formulao
das polticas e no exerccio do controle social das aes em todos os nveis da Federao.
Trs ressalvas apareceram, em relao ao avano dos direitos sociais da
Constituio de 1988. Primeiro, a universalizao no foi acompanhada por um
desenvolvimento institucional capaz de gerenciar uma crescente complexidade, gerada pelo
ingresso macio de novos grupos no sistema de proteo social. Principalmente, a
administrao pblica municipal, o elo mais frgil do sistema administrativo brasileiro, no
recebeu qualquer regulao para administrar, de forma eqitativa, as suas novas atribuies.
Segundo, a participao da sociedade ficou circunscrita aos conselhos paritrios de controle
social, mas, igualmente ao setor administrativo, seus mecanismos de participao,
atribuies e direitos legais ficaram obscuros, dependendo da iniciativa pessoal do chefe do
poder local. Finalmente, o devido financiamento para os municpios e estados no foi
adequado ao tamanho da tarefa colossal de administrar toda poltica social bsica, num pas
amplo e diversificado como o Brasil.
Paralelamente ao avano social, houve uma tentativa de formular um novo modelo
de desenvolvimento econmico. As cmaras setoriais foram concebidas como uma nova
poltica industrial, capaz de reconciliar a competitividade da empresa nacional com a
substituio de importaes. Previa negociaes coletivas entre empregados e empresrios,
por intermdio do Estado, e formulao de uma programao de investimentos e produo,
compatvel com nveis de competitividade internacional. Acreditava-se que esse caminho
iria reconciliar o controle proprietrio local na indstria com produtividade e qualidade,
ameaadas pela inflao e pelos juros altos.
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O embrio dessa poltica localizado em dezembro de 1991, com a adoo dos
acordos das cmaras setoriais da indstria automobilstica (Diniz, 1997). Um acordo
coletivo, reunindo a indstria, o sindicato dos metalrgicos do ABC paulista e o governo
federal, previa uma queda de 22% dos preos dos carros, com a reduo de 12% do IPI e
ICMS, e a prorrogao da data base (data do reajuste anual de salrios dos empregados do
setor automobilstico), de 1 de abril para 1 de julho. Um segundo acordo, assinado em
fevereiro de 1993, foi mais abrangente, ao estabelecer metas progressivas de produo,
iniciando com 1,2 milhes de veculos, em 1993, e subindo para 1,5 milhes, em 1995, e 2
milhes, em 2000. Os empregados teriam um ganho salarial de 20%, at 1995.
No governo de Itamar Franco, a poltica das cmaras setoriais produziu os efeitos
mais prolongados. Em maro de 1993, a Presidncia da Repblica reduziu o IPI dos carros
populares (carros com motor 1.0) para 1%. O aumento da produo foi imediato. Somente
83.335 carros da categoria at 1.0 era produzidos, em 1992, o que representava 14,4% de
um total de 579.666 unidades. Num intervalo de trs anos, os populares pularam para
595.845 unidades, de um total de 1.107.189, o equivalente a 53% da produo.
Surpreendentemente, os ganhos dessa poltica foram assimtricos. O governo
ampliou a sua arrecadao de R$1.08 bilhes, em 1991, para R$1.65 bilhes, em 1996. As
montadoras expandiram a produo de 1.391.435 unidades, em 1993, para 1.629.008, em
1995, sem significativos investimentos adicionais. Previam os tcnicos que a expanso da
produo requeria US10 bilhes; todavia, os investimentos reais se limitaram a US$ 6.23
bilhes. Os trabalhadores do setor foram os maiores prejudicados. Apesar dos esforos das
cmaras setoriais em preservar os empregos durante a atualizao tecnolgica e at as
promessas de aumentos salariais, entre 1991 e 1996, 23,2% dos empregos do setor foram
eliminados, na regio do ABC paulista. Em 1996, a produo automobilstica brasileira
triplicou comparada existente nos meados da dcada de oitenta, enquanto o setor
empregava somente 68% da mdia da dcada anterior. Os salrios seguiram a curva
declinante da empregabilidade, encolhendo em 54,8%, entre maro de 1995 e abril de 1988.
A poltica industrial das cmaras setoriais se revelou limitada por trs razes.
Primeiro, a morosidade das negociaes coletivas foi incompatvel com a velocidade de
investimentos e da introduo de novas tecnologias e produtos. Segundo, essa poltica se
adequou a setores concentrados como o automobilstico; todavia, foi invivel, na maioria
-
dos setores industriais de uma organizao industrial horizontal, nos quais predominam
mdias e pequenas empresas. Finalmente, os ganhos dessa poltica foram desiguais. As
indstrias receberam incentivos fiscais para aumentar os investimentos e o governo
conseguiu ampliar a arrecadao. O efeito sobre os empregos e o poder aquisitivo dos
assalariados, no entanto, foi negativo. As cmaras setoriais, na verdade, levaram a um
aumento brusco de demisses, nos setores negociados.
Era FHC: o Estado regulador e a sociedade globalizada
A permanncia da inflao e as dificuldades em retomar o desenvolvimento
econmico dentro da tradicional substituio de importaes, aliados a um quadro
internacional favorvel a polticas pblicas orientadas para o mercado, induziram a
redefinio do papel do Estado na sociedade. Esse projeto nasceu a partir do sucesso do
controle inflacionrio, pelo Plano Real, posto em vigor no dia 27 de maio de 1994, no
Governo Itamar, pelo ento ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso. Aps uma
dcada de hiperinflao, as taxas despencaram de 42% mensais, registradas em abril, para
1,55%, em setembro, e 0,57%, em dezembro de 1994 (Franco, 1995).
Eleito presidente, em 1994, para o exerccio 1995-1998, Fernando Henrique
Cardoso apresentou um dos programas mais abrangentes de reforma do Estado e da
administrao pblica, desde a revoluo de trinta. A reforma do Estado da era Cardoso
combinou trs redefinies do Estado: uma nova reformulao do pacto federativo,
reestruturao econmica e adoo de uma nova concepo de administrao pblica,
denominada de gerencial.
O primeiro passo para redefinir o pacto federativo ocorreu em janeiro de 1994 (?),
quando o governo, sob o pretexto de reduzir o dficit pblico e melhorar a eficincia dos
gastos governamentais, aprovou no Congresso uma medida provisria que criava o Fundo
Social Emergencial, com os recursos da reduo em 15% das transferncias financeiras
para estados e municpios. O fundo, que chegou a acumular US16 bilhes, ficaria
disponvel para o Executivo Federal, por um perodo renovvel de dois anos. A
centralizao financeira na Unio fortaleceu a direo poltico-eleitoral do governo federal,
enfraqueceu os estados e subordinou os municpios.
-
A reforma reguladora do Estado modificou, estruturalmente, o seu papel
institucional e sua lgica de interveno. O manifesto mais claro do novo projeto apareceu
no dia 23 de agosto de 1995, na Exposio de Motivos 311, do Ministrio da Fazenda.
Previa as seguintes modificaes. Primeiro, o Estado deveria se reservar estritamente
poltica social. Segundo, os investimentos econmicos deveriam ser exclusivos do setor
privado. Terceiro, avaliava-se o monoplio estatal das utilidades pblicas como danoso ao
progresso econmico, uma vez que desestimulava investimentos, comprometendo a
produtividade e a qualidade dos servios prestados aos cidados. Quarto, a privatizao do
setor econmico pblico democratizaria a propriedade privada e diminuiria as
possibilidades de monopolizao. Finalmente, o Estado garantiria um ganho fiscal
permanente, com o aumento da arrecadao de impostos das empresas privatizadas e da
ampliao da produo e de servios prestados por investidores privados.
As privatizaes poderiam ser divididas em duas fases. Na primeira (1991-1994),
foram vendidas empresas pblicas industriais, em setores tais como: aeronutica,
minerao, ao, ferro, qumicos, petroqumicos e fertilizantes. A segunda, iniciada em 1995
e concluda em 1999, transferiu setores de utilidades pblicas e bancos pblicos ao controle
privado.
A venda das empresas de utilidades pblicas requeria alteraes constitucionais. A
aprovao da nova Lei de Concesso dos Servios Pblicos (Lei 8.987/95), em 07 de julho
de 1995, submeteu as concesses a licitaes prvias; quebrou o monoplio estatal das
utilidades pblicas e autorizou os investimentos privados. Em seguida, foram aprovadas
leis especficas, para as telecomunicaes, energia eltrica e petrleo (Franco, 2000).
A emenda constitucional n 08 extinguiu o monoplio estatal das telecomunicaes.
A Lei n 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Mnima e Lei Geral das Telecomunicaes),
obrigou o Estado a encerrar seu papel de provedor dos servios de telecomunicaes e
passar a regular os servios ofertados pela iniciativa privada, atravs da ANATEL (criada
pela Resoluo 33, de julho de 1998).
As mudanas na rea petrolfera evitaram a privatizao e se contentaram com a
extino do monoplio pblico do petrleo. A Emenda Constitucional n 09, aprovada em
09 de novembro de 1995, autorizou o Governo Federal a contratar empresas pblicas e
privadas para prover servios e produtos antes reservados Petrobrs (explorao,
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produo, refino, exportao, importao e transporte de petrleo). A lei n 9.478/97,
conhecida como Lei do Petrleo, revogou alguns marcos jurdicos do nacionalismo, tais
como: as leis de 1953, que garantiam o monoplio pblico da explorao do subsolo, e as
leis de 1963 (principalmente, a lei 2.004, de dezembro de 1963) que estendia o monoplio
comercializao interna e externa.
No setor eltrico, a lei n 8.987/95 distinguiu atividades de gerao, transmisso e
distribuio de energia eltrica. O Estado teria uma participao significativa na gerao,
todavia, permitiria a criao da figura do produtor independente, selecionado atravs de
uma licitao pblica. Os investidores ficariam com acesso livre transmisso e
distribuio.
A reforma gerencial foi o terceiro componente da reforma reguladora do Estado.
Para Bresser Pereira, o modelo atualizava a administrao pblica e permitia a sua
adaptao s mudanas sociais, econmicas e tecnolgicas, iniciadas desde a segunda
metade do sculo XX e aceleradas com a globalizao econmica. As mudanas sociais
descrevem uma segmentao crescente da sociedade, gerando uma multiplicao de
demandas. O aspecto econmico causado pela acelerao dos fluxos financeiros
internacionais, enquanto o aspecto tecnolgico se centra na revoluo de informtica e,
principalmente, das telecomunicaes.
A reforma gerencial do Estado vista como uma modernizao da administrao
pblica clssica. Assegura s instituies pblicas uma autonomia financeira e
administrativa na prestao de servios. caracterizada pela flexibilidade, e a estabilidade
vista como secundria. Um contrato de gesto, firmado entre o Estado e entidade
pblica, em torno de metas especficas a serem atingidas, o principal instrumento de
controle. Nesse sentido, uma estrutura administrativa voltada exclusivamente para a
obteno de resultados e se aproxima da lgica da empresa privada (Pereira, 1998).
As atribuies do Estado so divididas em atividades exclusivas e outras no-
exclusivas. A primeira localizada na regulamentao, fiscalizao, fomento, segurana
pblica e seguridade social bsica. Os servios so caracterizados como atividades no-
exclusivas do Estado e, portanto, abertas ao ingresso de investidores privados. A
flexibilizao da ao estatal, nas atividades no-exclusivas, promovida pela privatizao,
terceirizao e publicizao. A primeira transferia a propriedade estatal para investidores
-
privados. A segunda contratava empresas privadas para o desempenho de servios
auxiliares e de apoio, enquanto a publicizao transformava uma organizao estatal em
uma organizao de direito privado.
As tcnicas utilizadas na concepo gerencial se aproximaram do setor privado e,
em grande parte, repetiram a lgica da reforma de 1967 (Decreto-lei 200). Trs metas
bsicas guiavam as instituies governamentais na delimitao das suas prioridades:
definir com exatido o pblico alvo, garantir a autonomia do administrador na gesto dos
recursos humanos, materiais e financeiros para atingir os objetivos contratados, e cobrar
resultados estabelecidos num contrato de gesto.
Essaconcepo passou por uma reviso em conseqncia das crises asitica (1997)
e russa (1998), agravando-se com o ataque especulativo contra o Real em 1999 e o colapso
bancrio da Argentina em 2001. Um novo consenso emergiu composto de dois eixos: uso
das taxas de cmbio como instrumento da substituio competitiva de importaes e um
aumento dos saldos comerciais para reduzir a dependncia sobre os IEDs (Investimentos
Estangeiros Diretos).
Governo Lula: o novo consenso da exportabilidade
A superao do modelo da dcada de 1990 se iniciou dentro do ncleo decisrio do
governo Cardoso. Aps o ataque especulativo contra o Real, o grupo "desenvolvimentista",
integrado por Prsio Arida, Paulo Renato de Souza, Luiz Carlos Bresser Pereira e Jos
Serra, demandou o abrandamento da poltica de juros altos promovida por Pedro Malan e
Gustavo Franco. Em 2002, no seminrio do BNDES, o que era um descontentamento
interno passou para uma ampla reviso do papel do Estado. Reunindo representantes de
todo espectro ideolgico brasileiro alm de economistas de renomes internacional, nasceu
a tese de exportabilidade, a doutrina central dos dois governos Lula. A nova linha
sintetizou dois mecanismos: promoo competitiva de exportaes e utilizao do cmbio
para resguardar o capital nacional dos importados sem recorrer ao explicito protecionismo,
inviabilizado pelo ingresso do Brasil na OMC (Organizao Mundial do Comrcio). (Abu-
El-Haj 2007)
Na ocasio Guido Mantega e Luciano Coutinho lanaram os quatro pilares centrais
da poltica econmica do governo Lula: 1. assegurar o controle da inflao; 2. manter
-
constantemente um supervit comercial; 3. desdolarizar a dvida interna e 4. aumentar
significativamente as reservas internacionais.
O consenso da exportabilidade no se encastelou na academia, mas alcanou as
duas mais expressivas entidades empresariais: CNI (Confederao Nacional da Indstria) e
FIESP (Federao da Indstria do Estado de So Paulo), e a tecnocracia do BNDES e do
IPEA (Instituto de Planejamento Econmico e Administrativo), dois importantes centros
de planejamento econmico. Pedro da Motta Veiga (2002), consultor da CNI, Roberto
Magno Iglesias (Veiga e Iglesias 2002), ex-secretario adjunto de poltica econmica do
Ministrio da Fazenda, Ricardo Markwald (Markwald e Puga 2002), diretor da FUNCEX -
Fundao do Comrcio Exterior, Renato Fonseca (2002), ex-coordenador do departamento
de economia e estatstica da CNI, Marcelo de Paiva Abreu, professor da PUC-RJ e
consultor da FIERJ (Federao das Industrias do Estado do Rio de Janeiro), e Armando
Castelar Pinheiro, chefe do departamento de pesquisa econmica do BNDES, (Castelar
Pinheiro, Markwald e Pereira 2002) recomendaram a exportabilidade aos candidatos
presidenciais de 2002.
O que era uma medida emergencial no governo Cardoso contra os ataques
especulativos, transformou-senum modelo de desenvolvimento no primeiro governo Lula.
As exportaes formariam o dorso de uma poltica industrial voltada para o comrcio
exterior visando ganhos de competitividadeque seriam processados por amplos setores
empresariais. O BNDES comandado inicialmente por Mantega e posteriormente por
Coutinho, seriainstrumento de induo de um complexo industrial competitivo capaz de
elevar os padres gerais de desempenho. (Coutinho 2002)
No segundo governo Lula essa poltica alcanou um patamar mais elevado ainda
tendo dois eixos: aglomerao empresarial e formao de multinacionais brasileiras. No
caso brasileiro a fuso entre Brasil Telecom e a Oi, e subsequente ingresso da Portugal
Telecom como investidor estratgico no novo supertele; as alianas entre Bradesco e
Banco do Brasil nos investimentos africanos, a instalao da Embraer na China, a abertura
de novas siderurgicas do grupo Gerdau nos Estados Unidos, os investimentos
internacionais da Vale dos Rio Doce e a captao de fundos externos pela Petrobrs so
alguns dos exemplos do novo consenso desenvolvimentista. (Coutinho 2010)
-
Essa linha de atuao empresarial foi complementada pelo programa Fome Zero e
Bolsa Famila, alcanando 12 milhes de famlias o equivalente a 35 milhes de habitantes
no maior programa de transferncia de renda na histria do Brasil. A conjugao entre a
capitalizao empresarial e a expanso do consumo interno, na opinio dos formuladores
de polticas, evitaria os usuais erros tpicos da esquerda keynesiana como da direita
ortodoxa, assegurando uma continuidade do desenvolvimento econmico com distribuio
equitativa de renda.
Concluso
A redemocratizao assinalou transformaes profundas na ordem social brasileira:
apareceram novas elites polticas, reestruturou-se o pacto federativo, adotou-se um novo
modelo administrativo e alterou-se a relao entre o Estado e a empresa privada. Apesar
das mudanas scio-econmicas profundas, alguns impasses so herdados do passado e
representam desafios a serem enfrentados.
Governabilidade: o primeiro e o mais grave o modelo de governabilidade
praticado entre o partido governista e os partidrios de sustentao poltica. A
governabilidade, entendida como uma sntese programtica de diversos partidos em torno
de princpios poltico-administrativos, substituda pelo ecletismo poltico. O ecletismo
poltico a juno de partidos com programas e vises do mundo, diferentes e
freqentemente conflitantes, no mesmo governo, causando uma inconsistncia nos planos,
objetivos e aes do setor pblico. Persistentemente, os interesses imediatos e pessoais dos
lderes partidrios predominam nas nomeaes polticas dos cargos de direo. Essa prtica
um vcio generalizado, tanto na Unio como nos governos estaduais e municipais. Duas
repercusses negativas na vida poltica aparecem: a perda de eficcia poltica (perda do
entusiasmo participativo do cidado, pela vida pblica) e o desaparecimento de uma
oposio programtica, debates polticos e alternativas governamentais.
A federao: as distores na governabilidade repercutiram no equilbrio federativo.
Ironicamente, foi no regime democrtico que houve uma hipertrofia da Unio, um
encolhimento do papel administrativo dos governos estaduais e na subordinao dos
municpios Unio. O ecletismo poltico levou falta de definio de atribuies, papis e
poderes das trs instncias da Repblica. Essa distoro aumenta a desigualdade de
-
desempenho entre municpios, estados e regies, pois os resultados concretos dependem de
fatores subjetivos, acesso poltico e lealdades partidrias.
O Controle social: as deficincias regulatrias no se restringem ao setor privado,
pois so gritantes no setor pblico. So notrios o jogo financeiro nas administraes
municipais, as violaes das leis e as intimidaes aos conselhos participativos; em suma, a
insuficincia de uma fiscalizao sistemtica do poder pblico. Essa lacuna deixa a
populao vulnervel s arbitrariedades polticas e aos mandos administrativos. A
participao do cidado, sem a proteo da lei e a adequada fiscalizao do poder pblico,
um mero discurso formalista para cumprir os ritos constitucionais.
A regulao econmica: a regulao dos servios pblicos e privados, a grande
esperana de um novo modelo mais flexvel do setor pblico, se tornou o elo mais frgil.
As lacunas das agncias reguladoras (telecomunicaes, eletricidade, transportes, etc.)
comprometem o desempenho geral da economia, pois aumentam os preos das utilidades
pblicas e reduzem a capacidade de investimentos. Em longo prazo, essa deficincia
ameaa a vitalidade do mercado interno e compromete a competitividade internacional da
indstria.
O gerenciamento pblico: a falta de continuidade nas reformas administrativas
criou um Estado hbrido. As suas melhores instituies so reservadas s intervenes
econmicas, enquanto as deficincias so localizadas nas instncias sociais. Com a
transferncia da implementao de polticas sociais aos municpios, essa lacuna alargou-
se onde a administrao local o elo mais frgil do sistema administrativo. Sem um
projeto de desenvolvimento institucional que enfatize a transparncia administrativa, a
fiscalizao financeira continuada e a proteo do cidado das perseguies polticas,
dificilmente qualquer governo ter as condies objetivas para realizar as to sonhadas e
desejadas reformas sociais.
Nos dois governos petistas, avolumou-se uma excessiva preocupao com o
desempenho externo. Atravs de uma insero internacional competitiva de empresas
brasileiras esperava-se uma transferncia de competncias e elevao generalizadas de
desempenho. Todavia, apesar da agressiva poltica de reduo da pobreza extremada e o
apoio incansvel s exportaes, a competitividade externa persistentemente teve um
desempenho aqum dos outros integrantes dos BRICS (Rssia, ndia e China).
-
Atualmente, o governo Dilma reconhece a necessidade de polticas de equilbrio regional,
incentivos gerao de tecnologias prprias e uma recuperao da infraestrutura bsica.
Sem essa planejada, ampla e persistente interveno pblica focada na reduo das
desigualdades regionais e sociais, mais uma vez a corrente fase de expanso econmica
ser mais uma oportunidade perdida na longa caminhada para uma sociedade
desenvolvida e socialmente justa.
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Branchfire BookmarksElegia para uma religio - chico de oliveira
Entre a governana administrativa e a governabilidade poltica:uma perspectiva histrica das reformas administrativas no Brasil.Jawdat Abu-El-Haj (*)ResumoAbstractPalavras chaves: administrao pblica, mudana poltica, globalizao, desenvolvimento.Era Vargas e o Estado IntervencionistaA centralizao administrativa (1930-1934)O DASP e a formalizao do Estado racional-burocrtico (1938-1945)Proto-desenvolvimentismo: as comisses econmicas e a criao do BNDEKubitscheck e as contradies do desenvolvimentismoJango e as Reformas de Base.Decreto-Lei 200: a reforma empresarial do EstadoA redemocratizao de 1988: desenvolvimento econmico com sustentabilidade socialEra FHC: o Estado regulador e a sociedade globalizadaGoverno Lula: o novo consenso da exportabilidadeConclusoReferncias