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UNIVERSIDADE DE SOROCABA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM EDUCAÇÃO
João Aguiar
PROGRAMA SOROCABA E REGIÃO 100 ANALFABETOS.
REFORMAS DO ESTADO E TERCEIRO SETOR
SOROCABA/SP
MAIO/2006
João Aguiar
PROGRAMA SOROCABA E REGIÃO 100 ANALFABETOS:
REFORMAS DO ESTADO E TERCEIRO SETOR.
Sorocaba/SP
MAIO /2006
João Aguiar
PROGRAMA SOROCABA E REGIÃO 100 ANALFABETOS:
REFORMAS DO ESTADO E TERCEIRO SETOR.
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa Pós Graduação
em Educação da Universidade de Sorocaba,
como exigência parcial para obtenção do
titulo de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Pedro Laudinor
Goergen
Sorocaba / SP
MAIO / 2006
João Aguiar
PRORAMA SOROCABA E REGIÃO 100 ANALFABETOS.
REFORMAS DO ESTADO E TERCEIRO SETOR.
Dissertação aprovada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre no Programa de Pós
Graduação em Educação da Universidade de
Sorocaba.
Banca Examinadora:
Ass.__________________________________________
1° Exam.: Prof. Dr. Jorge Luis Cammarano González
Ass.__________________________________________
2° Exam.: Prof. Dr. Jefferson Carrielo Martins
Ass.__________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Pedro Laudinor Goergen
Sorocaba, 29 de Maio de 2006
Dedico esta pesquisa à equipe do Programa
Sorocaba 100 Analfabetos e a todos àqueles que de
alguma forma ajudaram-me a fazer este trabalho.
Agradeço ao orientador Prof. Dr. Pedro
Laudinor Goergen pelo empenho e dedicação na
minha orientação. Agradeço também a todos os
professores que me ajudaram na senda das buscas
de novos conhecimentos.
A indentidade do magistério constitui uma situação
em que o ator experimenta momentos celestiais e
momentos infernais
Autor desconhecido
RESUMO
A presente pesquisa pressupõe a existência de certo antagonismo entre as lógicas do Estado
neoliberal e as lógicas da sociedade civil.
Por Estado neoliberal entende-se o Estado minimizado, enxuto, gerenciador e a área da
política formal, do público, que deixa de prestar políticas públicas, passando essa tarefa a cargo da
sociedade civil em geral. E por sociedade civil entende-se a área do privado, do mercado e de todos
os que pagam taxas, tributos e impostos mediante seu trabalho.
O fulcro norteador desse trabalho de pesquisa tenta analisar a existência do chamado
Terceiro Setor e conclui que as instituições que o formam, atuam concordes às lógicas do Estado
neoliberal e que, também, o Programa 100 Analfabetos, da Uniso, participa efetivamente dessa
estratégia do neoliberalismo.
Assim, no capítulo primeiro, faz-se um percurso informativo sobre a reforma do Estado, a
partir da década de 1990 e de suas implicações na educação, concluindo que o Estado, através da
reforma, desobriga-se da prestação de políticas públicas, transferindo esse ônus à sociedade civil.
Já no capítulo segundo constata-se que as instituições do Terceiro Setor, contraditoriamente
ao que se propõem, praticam uma política afinada às lógicas do Estado neoliberal, ou então,
constituem-se como o braço forte desse Estado para conseguir coesão e consenso para garantir
legitimidade e governabilidade.
E, por último, no capítulo terceiro, as análises sobre o 100 Analfabetos concluem que esse
Programa, embora preste um trabalho de relevante valor em termos de educação, junto à população
carente, também faz parte das lógicas do Estado neoliberal.
Palavras chave:
Educação; Extensão Universitária; Terceiro Setor (Organizações); Cidadania; Programa Sorocaba e
Região 100 Analfabetos; Voluntariado.
ABSTRACT
The following research estimates the existence of a certain antagonism between the
logics of the Neoliberal State and the civil society.
As Neoliberal State, the State is understood as minimized, compact, managing and the
area of formal politics, from public, that doesn’t perform public politics, passing in general
this task in charge of the civil society. And as civil society, it is understood the private, market
area and the area from all those that pay taxes, tributes and duties due its work.
The guiding fulcrum of this research tries to analyze the existence of the so-called
Third Sector and concludes that the institutions that form it, act according to the logics of the
Neoliberal State and that, also, the Program 100 Illiterates, from Uniso, participates
effectively on this neoliberalism strategy.
Thus, in the first chapter, it is made an informative passage in relation to the State
reform, from the 90´s and its implication on education, concluding that the State, through the
reform, is released of performing public politics, transferring its responsibility to the civil
society.
In the second chapter it is verified that the Third Sector institutions, contradictorily,
to what they are proposed to do, execute a politics linked to the logics of the Neoliberal State,
or, then, they constitute themselves as the power of this state in order to achieve cohesion and
consensus to warrant authenticity and governability.
And, finally, in the third chapter, the analyses referring to the 100 illiterates conclude
that this program, although performing a relevant value work in terms of education, closing
to the needy population, is also a part of the logics of the Neoliberal State.
Key words: Education; Universitier extension; Third Sector, (Organizations); Program from
Sorocaba and Region 100 Illiterates; citizenship, volunteers.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................10
2 Reformas do Estado a partir da Década de 1990 ......................... 15
2.1 Aspectos gerais.....................................................................................................15
2.2 Propostas do BID para o ensino............................................................................19
2.3 As formas interpretativas das políticas sociais.....................................................26
2.4 Função da educação no contexto da passagem do público ao privado ................31
2.5 Funções que a educação exerce no novo reordenamento político .......................34
2.6 O poder político assumindo a economia e a educação.........................................36
3 TERCEIRO SETOR: BRAÇO DIREITO DO ESTADO E
INTERMEDIADOR ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ........ 38
3.1 Abordagens iniciais ..............................................................................................38
3.2 Em que consiste o Terceiro Setor e o que propugna............................................39
3.3 As lógicas das alegações dos defensores do Terceiro Setor ................................41
3.3.1 Uma falácia despropositada ..............................................................................45
3.3.2 O engodo de que o Terceiro Setor sustentaria a sociedade civil.......................48
3.3.3 O Terceiro Setor poderia implantar laços de solidariedade local .....................51
4 ORIGEM, HISTÓRIA, ATUALIDADES E FINALIDADES DO
PROGRAMA......................................................................................................................... 54
4.1 Em que consiste o Programa 100 Analfabetos?...................................................54
4.2 Fatos relevantes que marcaram a construção do projeto.....................................57
4.2.1 Presença de entidades religiosas no programa ..................................................58
4.2.2 Desdobramentos de outros aspectos importantes do programa ........................59
4.2.3 A questão da cidadania e da construção do aluno cidadão no programa..........61
4.2.3.1 Sentido positivo dos termos cidadania e cidadão usados no programa .........64
4.2.3.2 Sentido negativo dos termos cidadania e cidadão usados no programa ........65
4.3 Trabalho docente e aspectos do voluntariado ......................................................66
4.3.1 Criativo e a criatividade na visão do programa.................................................67
4.3.2 Campanhas criativas..........................................................................................68
4.4 Materialidade e organização do programa ...........................................................70
4.4.1 Características e materialidade de alguns núcleos pesquisados........................71
4.4.2 Organização dos núcleos quanto ao regime de funcionamento.........................73
4.4.3 Atribuições e competências dos responsáveis pelo programa ..........................74
4.5 Aspectos gerais do voluntariado no programa .....................................................77
4.5.1 Concepções e algumas propostas do trabalho voluntário .................................79
4.5.1.1 Filantropia e voluntariado ..............................................................................80
4.5.1.2 Iniciativas do voluntariado nacional ..............................................................81
4.5.1.3 Voluntariado na Universidade de Sorocaba...................................................82
4.5.2 Características dos voluntários do programa ....................................................83
4.6 Entrevistas com os atores do Programa................................................................86
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................101
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 105
Anexo A Entidades assistenciais em Sorocaba ................................................................. 107
Anexo B Lei do voluntariado................................................................................................. 109
Anexo C Termo de adesão de voluntariado (da Uniso)................................................... 111
Anexo D Modelo de parceria ................................................................................................. 113
Anexo E Modelo de ficha de matrícula ............................................................................... 115
Anexo F Lei número 9790 de 20 de março de 1999 ........................................................ 118
Anexo G Cursos, atividades, formaturas e palestras apresentadas no programa ...... 127
10
1 INTRODUÇÃO
No começo da década de 90, do século passado, período em que situaremos o início de
nossa pesquisa, um processo de modernização sistemático e de perfil conservador vai se
formando e se firmando no Brasil. É o momento em que os empresários e o Estado brasileiros
tendem a enxergar a educação como o motor propulsor desse enfoque, visto que as mudanças,
necessárias na nova forma histórica do capitalismo brasileiro, teriam que enfrentar sérios e
ameaçadores problemas.
A tentativa, por parte dos agentes econômicos e do Estado, convergia para construir
um ser social altamente capacitado para o trabalho, e que se dispusesse a uma adaptação
completa à recente forma de organização social exigida pela configuração das relações
sociais. À luz dessa orientação pretendia-se reformar o Estado e as instituições sociais de
maior expressividade, entre elas, a da educação.
Na esfera educacional, as reformas engendram um movimento em que sobressaem
duas vertentes sensivelmente reconfigurativas.
A primeira busca possibilitar autonomia às agências educacionais, ao município, ao
micro, à sociedade local, ao focal, numa espécie de falsa autonomia, o que se reforça, a
posteriori, mediante vários modos de cobrança.
A segunda vertente alinha-se, no contexto da transferência dos deveres inalienáveis do
Estado e da extorsão dos direitos sociais subjetivos do cidadão, a esta mesma tendência,
representando um peso ainda maior para a sociedade.
O novo paradigma que se põe em curso, impõe certos dimensionamentos que tentam
reorientar a sociedade civil de forma centralizada e desconcentrada, com a intenção clara de
favorecer políticas públicas que satisfizessem a orquestração das novas orientações impostas
pelas lógicas do capital, visto que, o Estado brasileiro e suas instituições sociais, eram
anuentes às orientações das agências multilaterais, instrumentalizando nesse sentido, parte das
mudanças nas estruturas sociais.
Esse sentimento reformista é assumido também por grande parte dos acadêmicos e dos
intelectuais, destacando-se, nessa conjuntura, o fato de que as reformas educacionais foram
sempre orientadas para que a sociedade civil fosse assumindo, paulatinamente, os deveres e
responsabilidades do Estado.
O desejo de mudanças, esperado pela sociedade civil, esbarra continuamente nas
exigências cada vez maiores da nova ordem mundial imposta pela nova estruturação do poder
internacional sendo que, uma das sanhas do sistema capitalista globalizado se expressa no
11
mercantilismo da educação e dos bens produzidos. Isso se torna plausível, de um lado, pelo
espaço que o Estado abre ao capital e aos interesses privados para explorarem essa indústria
do saber. De outro lado, tal tendência se fortalece pelo baixo nível de qualidade da educação e
demais serviços oferecidos pelo Estado.
Essa questão da educação, no que tange ao descaso, ao mercantilismo privatista e ao
trágico abandono das responsabilidades, por parte do Estado, sobretudo no que se refere à
qualidade, tem deixado educadores e políticos muito indignados. O cidadão, carente de
educação, percebe essa situação cotidianamente. Basta olhar para as escolas públicas, onde se
encontram salas superlotadas, professores desmotivados e práticas de ensino, além de
qualitativamente sofríveis, sempre orientadas pela produtividade. Isso traz, como uma dentre
tantas conseqüências, o abandono do magistério, tão logo o professor vislumbre outra
possibilidade de emprego. O problema se manifesta em sua mais ampla gravidade quando o
cidadão, ao buscar educação de qualidade, precisa dirigir-se aos mercadores, porque nada
pode esperar do Estado, uma vez que a educação pública que este oferece fica muito aquém
das expectativas.
Essa situação cria uma determinada cultura em que as pessoas se acostumam e se
adaptam ao que vêem e encontram, em relação à educação. Assim, o dinamismo do processo
de construção da sociedade capitalista é entendido e assumido como algo perfeitamente
natural. Os meios de comunicação corroboram com este imaginário, introjetando nas pessoas
o modelo capitalista como algo natural, acabado, definitivo e irreversível, sem espaço para
atitudes que visem reverter esse processo.
O documento “Planejamento Político Estratégico do MEC, 1995/1998”, em sua
formulação mais imediata, constituiu-se uma leitura e base de reflexão obrigatórias em todas
as escolas do país, nesse período. Tratava-se de uma estratégia político-pedagógica para dar
suporte e reorientar as políticas educacionais pelas quais o país já vinha passando.
Além dos resultados esperados, o Planejamento Político Estratégico impunha novas
formas de atuação, novas metas e uma nova estrutura operacional, acentuando,
prioritariamente, a valorização da escola em todas as suas atribuições, responsabilizando o
aluno e a comunidade, promovendo a administração gerencial, o uso de tecnologias e
retirando do MEC suas funções executivas, deixando evidente a característica do documento
de transformar os deveres do Estado em encargos sociais, transferindo-os para a sociedade
civil.
Na perspectiva de desonerar-se das incumbências e do ônus financeiro do Estado com
a educação, o documento entende que a escola é o lugar privilegiado para se alcançar os
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resultados pretendidos, visto que, na escola há espaços modelares para se inculcar nos agentes
educativos e nos alunos, hábitos e crença com relação aos valores e normas que devem
governar toda a conduta humana. Daí, também a proposta de transferir aos Estados e
Municípios o encargo de agenciadores que realizam do fazer educacional. E a escola opera,
assim, no nível gerencial, porque é aí que a maioria, ou a totalidade dos resultados são
alcançados e aí se aninham os problemas e as soluções, segundo o documento.
Mas o documento está cheio de contradições. Se “elevar o padrão de escolarização da
população brasileira”, constitui um de seus objetivos mais nobres, como então se explicam o
mercantilismo, a filantropização e o voluntariado na educação e a transferência para a
sociedade civil dos encargos educacionais do Estado? Esse encaminhamento, a nosso ver, está
longe de representar uma contribuição para uma educação de qualidade que possa enfrentar e
solucionar os grandes desafios inerentes ao embate entre os interesses do capital e os deveres
do Estado. Dessa forma, resulta a proposta emergencial e suspeita, por parte do Estado, de
formar um pacto social.
Com esse propósito, sempre buscando garantir coesão e consenso sociais, mediante
um pacto social, o Estado investe em certas estratégias de governabilidade, como:
transformar a estrutura do mercado de trabalho, terceirizar e precarizar as relações de
trabalho, desnacionalizar a economia brasileira, reformar o Estado, restringindo o público e
ampliando o privado, relativizando os princípios constitucionais, transformando a sociedade
do emprego em sociedade do trabalho, com a conseqüente eliminação dos direitos sociais nas
relações trabalhistas, bem como fragilizando e cooptando as instituições políticas, como
sindicatos, partidos políticos, deixando, finalmente, as políticas sociais à mercê do Terceiro
Setor.
No arcabouço do ideário reformista, sobretudo através de certas iniciativas
particulares, como é o caso de determinados projetos (FUNES, 2003), de cunho ético-
religioso, a sociedade civil vê-se compelida moralmente a assumir políticas que, ao final, a
tornam responsável pelo abandono das políticas públicas. Assim acontece com projetos
filantrópicos ou religiosos muitas vezes de inspiração moralista, que assumem encargos
pontuais para suprir carências ou lacunas decorrentes da ausência do Estado nos vários níveis
educacionais.
É nessa perspectiva que a educação deixa de ser um serviço exclusivo do Estado,
podendo ser realizado por instituições não estatais, na qualidade de prestadoras de serviços.
Assim, o Estado provê, mas não executa esses serviços, tornando a educação não um direito
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de todos, mas um direito de quem pode comprar esse serviço e, de outro lado, como
benemerência para os que não têm recurso para pagar por ela.
Neste contexto surgem nas brechas das relações sociais, as iniciativas do Terceiro
Setor e de tantas outras entidades tentando oportunizar novo espaço de inclusão, ao mesmo
tempo em que favorecem a desoneração do Estado, transferindo seus deveres para a sociedade
civil.
Na tentativa de discutir essas questões de uma forma mais pontual, vamos referenciá-
las ao projeto de alfabetização que a Uniso mantém desde 1998, tentando lançar alguma luz
sobre o tema. Então perguntamos: Será que o Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos
faz o jogo da mencionada transferência dos deveres do Estado para responsabilidade da
sociedade civil, ou não?
Nosso propósito, portanto, é analisar alguns traços característicos do Programa 100
Analfabetos à luz das lógicas do novo reordenamento do Estado, a partir da década de 90.
No primeiro momento, indicaremos algumas evidências das lógicas das políticas
impostas pelo Estado, sempre caudatárias das lógicas do capital financeiro internacional, de
suas agências financiadoras e do mercado.
A seguir, tentaremos mostrar como o Terceiro Setor funciona no contexto da lógica do
Estado capitalista brasileiro e quais os mecanismos que o Estado utiliza para manter a coesão
e o consenso e formar opinião pública favorável, uma vez que esse mesmo Estado continua,
de um lado, refém das exigências do capitalismo universal e de sua lógica de mercado que
objetivam lucro e poder pela acumulação de riquezas e, de outro lado, esperança da sociedade
civil que luta por mais democracia e por melhorar a qualidade de cidadania, ou por mais
cidadania.
Nesse segundo momento do percurso, tentaremos mostrar que o Terceiro Setor e suas
Ongs podem ser entendidos como instrumentos do sistema capitalista e do mercado que,
servindo-se das pseudo-concessões que o Estado faz em nome da democracia, na verdade
representam mecanismos que interceptam e neutralizam as reivindicações da sociedade por
mais cidadania e por mais democracia.
Num terceiro passo colocaremos o Programa 100 Analfabetos no “olho desse
redemoinho” orquestrado pelas exigências da nova ordem mundial do capitalismo e
discutiremos se esse projeto da Uniso é parte de todas essas reformas engendradas para se
adequar às lógicas do capital e do mercado, ou se esse Projeto se constitui numa articulação
da sociedade civil para construir democracia e mais cidadania, como querem e como
argumentam seus mentores, executores e até seus atores atuais.
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Com esse objetivo realizamos entrevistas com diversas pessoas que idealizaram e
trabalham hoje no Programa, buscando conhecer os argumentos e interpretações que
apresentam referentes às exigências da própria Uniso para desenvolver um Projeto de
tamanha envergadura. Estudamos as razões sempre reforçadas a favor do crescimento e
dinamismo que se devem imprimir ao Programa, analisando as origens, as causas, a história, o
desenvolvimento, os desdobramentos e o formato atual do Programa, (até 2003).
Todo esse percurso não tem a pretensão de redefinir ou redimensionar o Programa,
mas segue apenas o propósito de analisá-lo sob o prisma de sua constituição e de sua história,
buscando entender qual é seu papel e onde se enquadra no interior do cenário em que se
confrontam as lógicas do capital e da sociedade civil.
Nossa expectativa é de que, feito esse percurso, tenhamos melhores condições de
emitir um juízo a respeito da pergunta formulada.
15
2 REFORMAS DO ESTADO A PARTIR DA DÉCADA DE 1990 2.1 Aspectos Gerais
A reforma do Estado que já havia dado seus primeiros passos na década de 70, entra
na década de 90 com graves problemas, dentre os quais, talvez o mais preocupante tivesse
sido o da inflação inercial, à qual nenhum plano de estabilização econômica conseguiu
debelar, nem mesmo o Plano Real, contrariamente ao que propalavam seus mentores. Um
outro grave problema foi o déficit público. Em vista disso, os governantes de então,
entenderam que reformas eficientes consistiriam em promover o ajuste fiscal e em consolidar
um serviço público com exclusividade ao atendimento qualitativo do cidadão. Bresser Pereira
credita a causa fundamental da crise econômica no Brasil, à crise do Estado que, a seu modo
de ver, tinha como causas imediatas a crise fiscal, a crise do modo de intervenção do Estado e
a crise do burocratismo estatal. Dizia que:
A reforma do Estado, que se tornou tema central nos anos 90 em todo o mundo, é uma
resposta ao processo de globalização em curso, que reduziu a autonomia dos Estados
em formular e implementar políticas, e principalmente à crise do Estado, que
começa a se delinear em quase todo o mundo nos anos 70, mas que só assume plena
definição nos anos 80. No Brasil, a reforma do Estado começou nesse momento, em
meio a uma grande crise econômica, que chega ao auge em 1990, ano fiscal, a
privatização e a abertura comercial, que vinham sendo ensaiados nos anos
anteriores, são então, atacados de frente. A reforma administrativa, entretanto, só
se tornou um tema central no Brasil em 1995, após a eleição e a posse de
Fernando Henrique Cardoso. Nesse ano ficou claro, para a sociedade brasileira que
essa reforma tornara-se condição, de um lado, da consolidação do ajuste fiscal
do Estado brasileiro e, e outro, da existência no país de um serviço público
moderno, profissional e eficiente, voltado para o atendimento das necessidades dos
cidadãos. (PEREIRA, 1996, p. 269)
Na visão desse autor, a crise do Estado, o patrimonialismo (ou coronelismo) e o
burocratismo piramidal são estruturas obsoletas, condenadas à derrocada total e que só a
delegação de poderes, com cobrança a posteriori, solucionaria os graves problemas da crise do
Estado brasileiro e que, com o governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil teria iniciado
16
uma verdadeira e nova administração pública, mediante a descentralização política,
transferindo recursos e atribuições para os governantes e administradores regionais e locais.
Vários outros autores comentam sobre a reforma do Estado, destacando a tecnificação do uso
da política nesse embate. Assim, por exemplo, Silva Júnior, comenta:
Na atual conjuntura histórica do país, faz-se presente um processo de profunda
tecnificação conduzido por um Poder Executivo, de ilimitados poderes, e comandado
por lideranças cuja ação rememora o tempo dos déspotas esclarecidos. A educação
em geral, mas especialmente, a educação superior brasileira, [...], passa, em sua
particularidade, pelo mesmo processo. Por um lado, mercadoriza-se ao extremo; por
outro, na sua especificidade, acentua-se o movimento de redefinição da esfera pública,
ao mesmo tempo em que se dissemina a crítica da antiga natureza dessa esfera e
constroem-se os pilares de um novo espaço, em cujo centro se encontra racionalidade
da produção capitalista. (SLVA JR.; SGUISSARDI, 2001, p. 78)
A partir dos anos 90, no contexto da reforma do Estado, formou-se na opinião pública
nacional, a idéia de que o funcionário público ganha muito e trabalha pouco e, ainda, presta
serviços de péssima qualidade. A versão dessa idéia, difundida pelos defensores da reforma
administrativa, apresentava apenas as desvantagens do funcionalismo público. Então, a idéia
da reforma consiste em minimizar o Estado, reduzindo suas formas de intervenção, que
seriam transferidas, mediante um pacto social, a grupos organizados e entidades privadas,
restando ao setor público apenas o papel de sustentador dos contratos, da moeda e da
propriedade privada. Dessa forma, o Estado fica sem forças para garantir o ordenamento
social e econômico e, quando isso ocorre, quando ele não mais possui a capacidade de ordenar
o conjunto das forças econômicas para o seu desenvolvimento, passa a lançar mão de políticas
de exceção. Mas somente a partir de meados da década de 90 surgiriam respostas adequadas
para enfrentar a crise.
Caracterizam-se como políticas de exceção vários ordenamentos, iniciativas e decisões
como as grandes frentes de trabalho temporário e outras como o Primeiro Emprego, o
Começar de Novo, o Renda Mínima, o Fome Zero, os Amigos da Escola, Comunidade
Solidária, etc., todas decorrentes de um Estado fragilizado, incapaz de criar regras e leis para
o atendimento das demandas sociais. O Estado perde, assim, a capacidade e a legitimidade de
promover políticas públicas que atendam aos que necessitam dessas políticas. As assim
chamadas, políticas de exceção, na realidade, são anti-políticas, porque retiram da sociedade
civil a capacidade reflexiva de organizar e fazer sua própria cultura e sua história. Veja-se, por
17
exemplo, a reforma da Previdência Social que transferiu a seguridade das pessoas para o
mercado e, nessas circunstâncias, retirou das pessoas a capacidade de agir sobre sua própria
cultura. Esse é apenas um dos exemplos flagrantes em que o Estado perdeu seu referencial
para garantir contratos, e acaba cedendo espaço para a iniciativa privada. Outra manifestação
e das mais graves desse movimento reformista está no engendramento de políticas
focalizadas, tópicas, em substituição a políticas mais amplas e universais. Para justificar essas
políticas tópicas, afirma-se que as políticas universais beneficiam apenas os já privilegiados.
As políticas focalizadas têm como função e objetivos a realização de políticas frágeis,
políticas narcóticas, “ópio do povo”. Pereira e Spink sublinham a necessidade do
fortalecimento de grupos, dentro do governo, que tenham condições de mudar essa política:
É necessário que esses núcleos ganhem força, para que tenham a capacidade de
contagiar o conjunto da administração. Porque a reforma apenas terá êxito se for
sustentada pelas lideranças do serviço público. Não digo as lideranças sindicais que,
infelizmente, estão atreladas às formas mais nocivas de corporativismo, mas sim as
lideranças de mentalidade que querem renovar-se, que tem entusiasmo pela função
pública, que tem o sentido de missão, de espírito público. (PEREIRA; SPINK, 1998,
p. 18)
O ataque do capital internacional e de suas agências financiadoras
contra as conquistas sociais dos vários Estados Nacionais, retira do Estado a maior parte de
suas atribuições, não só no que se refere à economia mas, sobretudo, no que se refere ao
social. A desconfiança de que o Estado é ineficaz em seu modo de fazer política carreia
justificativas para que as classes dominantes sempre seguidoras da cartilha neoliberal se
apropriem e usem em proveito próprio as políticas de exceção, substituindo as políticas
universais e impondo políticas de efeitos tópicos.
Dessa forma, a nova ordem racional resultante da política de reforma do Estado,
proposta pelo ex-ministro Luís Carlos Bresser Pereira, criador do MARE1, na verdade, apenas
formaliza o que já vinha sendo o modus operandi das agências multilaterais do mundo
evoluído, propõe, em seu Plano Diretor:
transferir para o setor público não-estatal esses serviços, através de um programa de
publicização, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou
seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização
1 Ministério da Administração e Reforma do Estado. Criado pela equipe econômico-administrativa do governo FHC. Teve em Luiz Carlos Bresser Pereira seu principal representante.
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específica do poder legislativo para celebrar contrato de gestão com o poder executivo
e, assim, ter direito à dotação orçamentária. Lograr, assim, uma maior autonomia e
uma maior responsabilidade para os dirigentes desses serviços. [...]. Lograr, assim,
finalmente, uma maior parceria entre o Estado que continuará a financiar a instituição,
a própria organização social e a sociedade que a serve e deverá também participar
minoritariamente do financiamento via compra de serviços e doações. (PEREIRA,
1995, p. 16)
A meta a ser alcançada pela administração gerencial do governo Fernando Henrique
Cardoso, que concentrava em Bresser Pereira suas atenções, consistia em enxugar o Estado,
estabilizar a economia e flexibilizar todas as instituições, tanto públicas quanto privadas, sob
o pretexto da construção de um Estado moderno e profissional. Dessa forma, a chamada
administração gerencial teve como um de seus princípios fundamentais, o “aumento da
eficiência da administração pública”, que seria, dessa maneira, no entender de Bresser Pereira,
o resultado de um complexo projeto de reforma que deveria ter como escopo o fortalecimento
da administração pública direta mediante a implantação de agências executivas de
organizações sociais por contrato de gestão.
A reforma do Estado e, caudatária dela, a reforma da educação nacional mudaram as
características da escola em todos os níveis, desde a básica à superior. Moldada sob a
dimensão do econômico, a escola, agora, vai produzir algo que atenda ao consumo e, dessa
forma, a educação deve mudar seus fundamentos teóricos e orientações práticas. Se antes
produzia conhecimentos e saberes, agora, com a reforma do Estado, a educação deve produzir
resultados ou produtos que têm como expressão concreta a adaptação e a inserção dos
estudantes no mercado. Isso torna a educação extremamente competidora, retirando-lhe a
tarefa de formadora de pessoas e cidadãos e transformando-a em agência prestadora de
serviços que, seguindo os parâmetros da reforma, assume as características de uma empresa
que vende serviços ou produto que devem ter boa aceitação no mercado. O fato de o Estado
eximir-se de financiar a educação, passando essa responsabilidade à sociedade civil,
caracteriza uma tendência universal de transferência do público para o privado ou, mais
precisamente, apropriação do público pelo privado. No tocante ainda à reforma do Estado e da
educação, Sguissardi e Silva Júnior, 2001, comentam que
No caso específico da reforma do Estado, é bastante evidente sua articulação com
diretrizes dos organismos internacionais, em especial FMI E BIRD/BANCO
MUNDIAL, que de longa data vêm sugerindo a países como o Brasil, entre outras
medidas urgentes, a busca do equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução
19
dos gastos públicos: desregulamentação dos mercados domésticos, pela eliminação
dos instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços, incentivos, etc,
privatização das empresas e dos serviços públicos, entre esses destacando-se os
serviços educacionais de ciência e pesquisa, de cultura e saúde. (SGUISSASRDI;
SILVA JUNIOR, 2001, p. 68)
2.2 Propostas do BID para o ensino
Em 1996 o BID, (Banco Interamericano de Desenvolvimento), através de seu
Departamento de Programas Sociais e Desenvolvimento Sustentado, lança um documento
intitulado “Ensino Superior na América Latina e no Caribe: Um Documento Estratégico”, no
qual o BID avoca para si a realização de experiências no ensino superior e manifesta a
intenção de reformar esse ensino seguindo a lógica da nova ordem que já despontara na
Europa e nos USA e que, então, estava se impondo também no Brasil. Como proposta inicial,
O banco deseja aplicar no Ensino Superior os mesmos critérios que são válidos para
todos os investimentos. Os financiamentos devem sustentar atividades que façam
sentido econômico, que gerem benefícios que o mercado pode proporcionar,
correspondem a uma prioridade social e que não sejam promovidos por uma atuação
isolada das forças do mercado. Outrossim, em uma área em que os gastos são
extremamente elevados e em que os clientes mais imediatos pertencem às faixas mais
altas da distribuição de renda, as considerações de justiça social são prioritárias. Por
fim, os objetivos que comportam em si um forte componente de reforma são
favorecidos pelo Banco na medida em que melhoram a eficiência, aumentam os
benefícios e/ou melhoram o perfil da justiça social. ( BANCO MUNDIAL, 1996, p.
11)
O texto reforça a idéia de tratar o ensino como qualquer um de seus demais setores de
investimentos, incluindo nessa estratégia reformista o fortalecimento do setor privado frente
ao público. O Banco pretende centralizar as forças para que o investimento no ensino receba o
mesmo tratamento de mercadoria dispensado às outras áreas, orientadas sempre para o lucro
alto, certo e seguro.
Com base no mencionado documento, prevêem como critérios exclusivos de avaliação
dos investimentos realizados os conceitos de custo/benefício, eficácia/inoperância e
criatividade e prosperidade como os únicos critérios de avaliação. Isso indica que os custos
econômicos são altos para o Estado e os benefícios mínimos, fato preocupante, em virtude dos
20
resultados medíocres, ou seja, há “sacrifícios fiscais com resultados pobres”. Com relação ao
ensino superior Chauí comenta que [...], o BID trata o ensino superior exatamente como trata todos os seus outros
investimentos (portanto, numa perspectiva administrativo-operacional) e apoiará os
projetos com forte componente de reforma. Em outras palavras, financiará os projetos
adequados à idéia de investimento bancário, oferecendo-se como suplemento para
ações cujo sucesso não pode depender apenas da atuação isolada das forças de
mercado. O banco pretende, assim, reunir, centralizar e racionalizar essas forças para
que haja um sucesso no investimento. (CHAUÍ, 2000, p. 198)
O documento do BID afirma que as universidades públicas são inoperantes, possuem
baixa qualidade de ensino e pesquisa, havendo condescendência nos processos seletivos dos
docentes, são desqualificados, chegando a ser escandalosa em muitos casos, além do excesso
de professores e de funcionários. A carência de encontros, palestras e seminários tornam
incoerentes os seus sistemas de avaliação. O documento propõe, ademais, a criação de um
sistema de punição e recompensa para aprimorar a disciplina e a aquisição de conhecimentos.
Critica ferozmente o poder dos estudantes ao mesmo tempo em que deplora a pedagogia de
ensinar das universidades púbicas, enaltecendo, por outro lado, a ação das universidades
privadas, numa clara tendência de privatizar as públicas, pois aquelas, além de portadoras de
serviços de excelente qualidade, são aliadas dos governos democráticos, limitam os conflitos
políticos, são eficientes e, “em termos evolutivos, adaptam-se a ambientes mutantes e fazem
muito do que as universidades públicas, paquidérmicas, nunca conseguem fazer bem feito.
Vivem em mercados competitivos, ganham seu próprio dinheiro, regem-se de forma
autônoma. (CHAUÍ,2000, p. 157).
Todavia, o documento não fala da inadimplência dos discentes que atualmente levam
algumas instituições de ensino particular a fecharem suas portas e a encerrarem cursos por
inviabilidade econômica motivada, não em último lugar, pelo desemprego dos alunos que
necessitam trabalhar para financiar seus cursos, além de tantos outros problemas sociais,
antigos e novos, que não carece detalhar nesse momento. Independente disso, o documento
insiste nas reformas de teor privatista, seguindo a lógica do neoliberalismo. Conforme
comenta (Chauí, 2000, p.159): “O ideal neoliberal, que comanda a redação do texto, torna,
pois, as universidades privadas um exemplo de modernidade e eficácia, apesar da “formação
de baixa qualidade”. Donde a finalidade proposta pelo banco”.
21
E acrescenta a seguir que O diagnóstico produz a receita: o BID só investirá no ensino superior público da
região se tais problemas forem resolvidos e, portanto, se houver uma forte tendência à
sua reforma a fim de diminuir os gastos públicos para que tais gastos se dirijam
prioritariamente ao ensino básico, cuja situação é calamitosa. O modelo
administrativo proposto pelo banco é tomado a partir dos padrões gerenciais das
universidades privadas e de institutos de pesquisa privados e públicos “porque suas
organizações hierárquicas facilitam um gerenciamento sadio, obtêm a maior parte de
seus recursos das anuidades ou de financiamentos competitivos e mantêm vínculos
estreitos com seus mercados”. (CHAUÍ, 2000, p. 201)
No arcabouço do ideário neoliberal em que o documento se inspira, as universidades
privadas são exemplos de eficácia, modernidade e produção qualitativa. Deseja-se que sejam
privatizadas as universidades públicas e estas, uma vez privatizadas, cedam às exigências do
mercado. Talvez seria exatamente esse o resultado que os ideólogos do Banco desejam
alcançar por meio desse documento. Nas entrelinhas deixam transparecer que só haverá
investimento se houver reforma que privatize o bem público, que aplique os dispositivos da
administração gerencial para se obter recursos e financiamentos competitivos no mercado.
Uma vez que o financiamento fica atrelado à lógica do mercado, do lucro e da acumulação de
capitais, a proposta fere toda a tradição da formação humana integral, formação essa que deve
animar todo o ensino e pesquisa.
Quem acompanha as propostas governamentais para a reforma do ensino superior não
pode deixar de nela reconhecer todas as exigências do BID. Ali estão a redefinição da
autonomia universitária, a proposta de flexibilização dos currículos em razão dos
mercados, novas propostas para avaliação de estudantes (Provão, ENEM) e de
professores, novo sistema de recompensas e punições para a produtividade, e a defesa
das parcerias com o setor privado. Todavia, seria um equívoco supor que se trata de um “pacote” vindo do exterior. Em
primeiro lugar, porque os dados com que o Banco trabalha para fazer o diagnóstico
foram retirados de fontes latino-americanas, entre as quais, as brasileiras. Em segundo
lugar, porque há uma sintonia ideológica fina entre o pensamento do banco e o MEC,
que reza pela mesma cartilha neoliberal de privatização do que é público e do mercado
como destino fatal e ultima ratio de todas as ações humanas. (CHAUÍ, 2000, p. 201-2)
22
Nesse compasso das reformas, há fortes indícios de que as instituições públicas de
caráter definitivo e pluridimensional, como as escolas, hospitais públicos e outras instituições
prestadoras de serviços serão transformados em organizações sociais, que são organismos
sociais, fundações públicas de direito privado, ou ainda, propriedades públicas não estatais, e
que venham a colaborar na sedimentação da nova ordem econômica, sob a égide do capital e
de sua acumulação flexível. Sobre isso, assim se pronuncia Chesnais (1996, p.15-16):
O capital monetário, obcecado pelo “fetichismo da liquidez”, tem comportamentos
patologicamente nervosos, para não dizer medrosos, de modo que a busca de
credibilidade diante dos mercados tornou-se o “novo Graal” dos governos. O nível de
endividamento dos Estados perante os grandes fundos de aplicação privados (os
mercados) deixa-lhes pouca margem para agir senão em conformidade com as
posições definidas por tais mercados...salvo que questionem os postulados do
liberalismo. Pelo contrário, assim que surgem dificuldades, as instituições financeiras
internacionais e as maiores potências do globo precipitam-se em defesa dos
privilégios desse capital monetário, quaisquer que sejam o preço a apagar e os custos a
socializar por via fiscal.
Ainda na esteira da reforma do Estado, o ex-ministro Bresser Pereira, através do
MARE, dá início ao processo de privatização das empresas estatais, incluindo aqui as IES2 e
as IFES, cujos embates tanto teóricos quanto práticos tiveram repercussão no Brasil e no
exterior. A esse respeito, uma profusão de dados, inferências e conteúdos muito ricos, em que
se percebe que as duas maiores instituições que controlam a economia, Estado e mercado,
atuam com o propósito imediato de esquecer a violência dos golpes do mercado financeiro, do
apoderar-se do patrimônio público através das privatizações e até de ações de quadrilhas no
poder que transmutam o fundo público numa espécie de condomínio privado. Fazendo um
paralelo entre a administração patrimonialista e a proposta de administração gerencial,
Pereira, (1996, p.272) comenta que:
Como a administração pública vinha combater o patrimonialismo e foi implantada no
século XIX, no momento em que a burocracia dava seus primeiros passos, era natural
que desconfiasse de tudo e de todos, dos políticos, dos funcionários e dos cidadãos. Já
a administração gerencial, sem ser ingênua, parte do pressuposto de que já chegamos a
um nível cultural e político em que o patrimonialismo está condenado, que o
2 Instituições de Ensino Superior. IFES: Instituições Federais de Ensino Superior.
23
burocratismo está condenado e que é possível desenvolver estratégias administrativas
baseadas na delegação de autoridade e na cobrança “a posteriori”.
Nessa perspectiva, “que leva a efeito no Brasil a proposta do neoliberalismo
econômico”, propõe-se, então, um Estado forte, inibidor do poder dos sindicatos e dos
movimentos operários opositores, o Estado “controlador do dinheiro público, dos encargos
sociais e dos investimentos na economia porque vislumbraria, como meta principal, a
estabilidade monetária”, zerar o déficit público, criar poupança interna para fazer
investimentos, isso obtido mediante a contenção de gastos sociais e com a criação de um
exército de mão de obra de reserva, que viria quebrar o poderio dos sindicatos ou de qualquer
oposição às reformas empreendidas. Paralelo a essas mudanças, haveria ainda uma reforma
fiscal para incrementar os investimentos privados, reduzindo os impostos sobre o capital e as
fortunas, aumentando explosivamente impostos e taxas sobre a renda individual, sobre o
trabalho, o consumo, sobre a cesta básica e o comércio.
Aos poucos, foram-se delineando os contornos da nova administração pública:
(descentralização do ponto de vista político, transferindo recursos e atribuições para os
níveis políticos regionais e locais; (2), descentralização administrativa, pela delegação
de autoridade para os administradores públicos, transformados em gerentes
crescentemente autônomos; (3) organizações com poucos níveis hierárquicos em vez
de piramidal; (4) organizações flexíveis ao invés de unitárias e monolíticas, nas quais
as idéias de multiplicidade, de competição administrativa e de conflito tenham lugar;
(5) pressuposto da confiança limitada e não da desconfiança total; (6) definição dos
objetivos a serem atingidos na forma de indicadores de desempenho sempre que
possível quantitativos, que constituirão o centro do contrato de gestão entre o ministro
e o responsável pelo órgão que está sendo transformado em agência; (7) controle por
resultados a posteriori, em vez do controle rígido, passo a passo, dos processos
administrativos; e (8) administração voltada para o atendimento do cidadão, ao invés
de auto-referida. (PEREIRA 1996, p. 272)
Dessa forma, o Estado afastar-se-ia definitivamente da regulação da economia,
deixando a critério do mercado, com sua peculiar “racionalidade”, operar a propalada
desregulação, o que significaria que o Estado deixa de investir na área social e na esfera de
serviços, promovendo, ao mesmo tempo, a adoção de uma rígida legislação antigreve e um
amplo programa de privatização.
O primeiro passo seria dado pela venda direta das empresas estatais altamente
produtivas, como a Companhia Siderúrgica Nacional, as empresas de telecomunicações e as
24
indústrias químicas. A segunda forma de privatizações dar-se-ia através das transformações
das empresas estatais em organizações sociais de natureza pública não-estatal, ou seja,
empresas privadas com características peculiares para captar recursos de toda e qualquer
fonte, até do Estado, submetendo os serviços sociais à regência da lógica do mercado, ou,
então, transferindo à sociedade civil, às empresas já privatizadas, da saúde, da educação, a
prestação de serviços sociais ou, ainda, mercantilizando-os. Fica, portanto, bastante evidente
que uma nova forma de tratar as questões sociais está contida no projeto neoliberal:
Enfim, o novo trato à “questão social”, contido no projeto neoliberal, significa a
coexistência de três tipos de respostas:
• Por um lado, a precarização das políticas sociais estatais. Significa a manutenção
destas políticas sociais e assistenciais, fornecidas gratuitamente pelo Estado, num
nível marginal. Esse tipo de resposta, no contexto da política neoliberal, exige um
duplo processo complementar de desconcentração e focalização das políticas sociais
estatais. Isto configura o tipo de resposta do Estado “questão social”, dirigido às
populações mais carentes.
• Por outro lado, a privatização da seguridade e das políticas sociais e assistenciais,
seguindo dois caminhos:
a) A remercantilização dos serviços sociais. Estes, por serem lucrativos, são
remercantilizados, sendo traspassados para o mercado e vendidos ao consumidor
como uma nova forma de apropriação da mais valia do trabalhador. Isto conforma o
tipo de fornecimento empresarial de serviços sociais, dirigidos aos cidadãos
plenamente integrados.
b) A refilantropização das respostas à “questão social”. Na medida em que amplos
setores da população ficarão descobertos pela assistência estatal (precária e
focalizada) e também não terão condições de acesso aos serviços privados (caros),
transfere-se à órbita da sociedade civil a iniciativa de assisti-la mediante práticas
filantrópicas e caritativas. (MONTAÑO, 1999, p. 65)
A reforma do Estado impõe novas formas de relações sociais, fazendo ruir o velho
desejo de convivência no Estado de Bem-estar Social com a nova forma de acumulação
flexível que gera mudanças no próprio relacionamento entre as pessoas. E as desfigurações
que a reforma do Estado provocou no âmbito da política, da economia e do social, o desmonte
do Estado na economia e nos setores de prestações de serviços, faz com que se introjete a
racionalidade mercantil no cerne do Estado Gestor, desvencilhando-se dos encargos do setor
de serviços, cuja responsabilidade é transferida para o privado, para o mercado. Confirmando
essas tendências, Sguissardi; Silva Júnior, (2001, p 107) constatam que:
25
[...], a nova ordem emergente tem que conviver com os traços fordistas remanescentes
à época atual, conjugando elementos do velho e do novo. Parece decorrer daí a
necessidade de organismos globais que, com poder político e econômico, produzam a
sedimentação da nova ordem, sob a mesma hegemonia do capital (especialmente o
financeiro) no âmbito nacional e global, agora, em uma nova forma, em um novo
regime de acumulação: A Acumulação Flexível. Nesse cenário emergem os
intelectuais coletivos internacionais –os organismos multilaterais, como o Fundo
Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento Econômico, a Organização Mundial do Comércio, UNESCO,
CEPAL, etc, com novas funções específicas voltadas para a consolidação em nível
global da Acumulação Flexível.
Assim também, um novo padrão mercadológico se impõe, configurando a formação de
um cidadão diferente, conformando cada indivíduo em sua dimensão privada; em vez de
promover eqüidade social, abrem-se espaços para a privatização. Longe, portanto, de formar o
cidadão livre e consciente, forma-se o cidadão “produtivo, -útil, mudo, competitivo e
solidário, vencido e só”. Assim, “O ser social que trabalha, deve somente ter o necessário para
viver, mas deve ser constantemente induzido a querer viver para ter ou sonhar com novos
produtos”. (ANTUNES, 1995, p. 92).
A reforma, seguindo o receituário neoliberal, exige vultosos investimentos por parte
dos países pobres, gerados mediante endividamento de altos juros que rendem descomunais
dividendos aos países ricos para financiarem sua indústria bélica e o militarismo que lhes
garante o título de “the world policy”, (a polícia universal, em tradução livre). Acrescentando-
se a esse poderio econômico o poder da influência midiática, dominado em 90% pelos países
centrais, temos como resultado a situação de desequilíbrio internacional em que um rol
enorme de países pobres se encontram dominados por um pequeno número de nações ricas.
É no contexto dessas estratégias neoliberais que as mencionadas reformas articulam,
por exemplo, a Lei do Voluntariado3 e outras formas de restrições à força de trabalho, com
enormes vantagens para a mais valia e o acúmulo de capital. E assim, em virtude das brechas
que as leis da desregulamentação abriram no sistema jurídico, as universidades privadas
3 Lei Federal 9608 de 18/02/1998. Conhecida como “Lei do Voluntariado”, pala qual o Estado, para se eximir de qualquer vínculo empregatício com seus usuários, outorga essa lei que também desobriga todo o Terceiro Setor de criar qualquer vínculo de natureza empregatícia ou de obrigações indenizáveis com seus empregados. Essa Lei também é parte das reformas do Estado e do ensino que, paulatinamente, vai flexibilizando e desregulando o que não estiver nas lógicas do novo ordenamento jurídico de atendimento ao capital e ao mercado.
26
sentem-se tacitamente obrigadas a prestarem serviços sociais gratuitos à comunidade e
aquelas que desejam ter boa cotação junto ao MEC, investem no voluntariado, nos serviços
gratuitos, quase que exigindo do corpo docente trabalhos dessa natureza. Dessa forma, muitas
vezes, levam o docente a trabalhar mais tempo nesse tipo de serviço que em trabalho
remunerado.
2.3 As formas interpretativas das políticas sociais
Há, pelo menos, três formas de interpretar as políticas sociais. Seu sentido primeiro
consiste em continuar e fortalecer o processo do desenvolvimento humano, com o objetivo de
sustentar e garantir que a população tenha um mínimo de acesso aos bens materiais e culturais
como educação, saúde, habitação, saneamento, melhorando sua perspectiva de oportunidades
e uma vida razoavelmente digna. Sem afetar as camadas de alta renda, tais políticas tentam
encetar eqüidade que favoreça a disponibilização de capital humano mais habilitado sem que
isto exija grandes investimentos. Coraggio, (1994, apud TOMMASI et al, 2003, p. 78) capta
bem esta estratégia ao dizer que
O sentido objetivo das novas políticas sociais, para além das suas verdadeiras
intenções ou do seu marketing, pode ser interpretado de três formas principais:
As políticas sociais estão orientadas para dar continuidade ao processo de
desenvolvimento humano que ocorreu apesar da falência do processo de
industrialização e desenvolvimento econômico. Sua bandeira é investir os recursos
públicos ‘nas pessoas’, garantindo que todos tenham acesso a um mínimo de
educação, saúde, alimentação, saneamento básico e habitação, bem como às condições
para aumentar as expectativas de vida e para alcançar uma distribuição mais eqüitativa
das oportunidades. Essas políticas não incluem uma definição como conseguir que o
‘capital humano’ seja algo mais do que um recurso de baixo custo para o capital, e de
fato promovem a eqüidade, [...].
Num segundo momento, as políticas sociais são entendidas como esforço
compensador dos efeitos da evolução tecnológica e econômica, tornando-se complementação
absolutamente necessária para assegurar os ajustes político, fiscal e estrutural, ensejando que
as forças gigantescas do mercado competitivo neutralizem o ideário dos direitos inalienáveis e
27
universais. Nesse sentido, o propósito principal é o de mercantilizar a política, o que se
alcança mediante a regulação política dos serviços básicos:
[...], são o complemento necessário para garantir a continuidade da política de ajuste
estrutural, delineada para liberar as forças do mercado e acabar com a cultura de
direitos universais a bens e serviços básicos garantidos pelo Estado. Quando as
tendências regressivas do mercado não se revertem, estas políticas concebidas como
intervenções conjunturais eficientes, convertem-se em políticas estruturais
ineficientes, modificando a relação entre a política, a economia e a sociedade, e
fomentando o clientelismo político.[...]
As políticas sociais são elaboradas para instrumentalizar a política econômica, mais do
que para continuá-la ou compensá-la. [...]. Seu principal objetivo é a reestruturação do
governo, descentralizando-o ao mesmo tempo em que o reduz, deixando nas mãos da
sociedade civil competitiva a alocação de recurso, sem mediação estatal. Outro efeito
importante é introjetar nas funções públicas os valores e critérios do mercado, (a
eficiência como critério básico, todos devem pagar pelo que recebem, os órgãos
descentralizados devem concorrer pelos recursos públicos com base na eficiência da
prestação de serviços segundo indicadores uniformes etc.), deixando como único
resíduo da solidariedade, a benemerência pública (redes de seguro social) e
preferencialmente privada, para os miseráveis. (CORAGGIO, 2003 p.78)
De acordo com um certo senso comum que dá apoio e acaba por legitimar as políticas
neoliberais, trafegar pela contramão dessa política poderia acarretar muitos problemas para os
países que assim o fizessem, porque, mais que as ameaças, devem temer as retaliações.
Nações que na década de 90 tentaram “desalinhar-se” da lógica neoliberal ou ensaiar uma via
própria, nacional, tiveram suas moedas fortemente atacadas e só restabeleceram a ordem
nacional após a conversão ao antigo sistema. Exemplos de tais iniciativas ocorreram com os
“tigres asiáticos”, com o México em 1987 e com outros países que não resistiram ao ataque do
sistema econômico internacional. Visto desse prisma, há uma certa conspiração e um conluio
entre os países ricos contra os países em desenvolvimento e os países pobres. Por mais que se
resista a esta interpretação da política que vem sendo desenvolvida, em termos universais,
pensar diferente seria tentar camuflar, com propósitos ideológicos ou por leitura errônea, a
realidade que aí está e pode ser constatada por todos. Ainda na interpretação de Coraggio,
(1994, apud TOMMASI et al, 2003, p.80) um país para se mostrar competitivo e atrair
capitais para a produção deve atender a muitos pré-requisitos das exigências neoliberais, tais
como:
28
Uma oferta de força de trabalho social e tecnicamente flexível;
[...]
Redução de custos diretos, principalmente salários e serviços na produção;
Proteção dos direitos à propriedade e ao lucro privados, não apenas mediante leis de
proteção às patentes, como também minimizando a probabilidade tanto da
conflagração de graves crises sociais ou econômicas, como de intervenções arbitrárias
do poder político na economia.
A partir de 1995, já no início das reformas, com a tendência de transferir a gestão da
saúde, educação, segurança, habitação e tudo o que se refere às políticas públicas para a
sociedade e a família e colocando tudo sob a responsabilidade do privado, desobrigando,
assim, o Estado de suas responsabilidades sociais, vai sendo implementado uma nova forma
de gerir as questões do público e do privado:
[...], ainda que o público, (em seu sentido corrente) derive do privado, (do âmbito da
sociedade civil) e a ele se submeta, a compreensão da abrangência e da definição
dessas esferas depende diretamente do movimento das relações sociais de produção,
que, por sua vez, constituem-se a partir da racionalidade do atual modo de produção: o
capitalismo. Os espaços públicos e privados são fluidos, mas distintos e relacionados
entre si. De toda forma, no capitalismo, o entendimento do público e do privado e de
seu movimento somente pode-se dar com a compreensão do movimento do capital e
das crises do capitalismo, que instalam novos modos de conformação do público e do
privado, que redesenham as relações entre o Estado e a sociedade e inauguram novos
paradigmas políticos, [...]. (SILVA JÚNIOR, 2002, p. 23)
Mas, pelo visto, o Estado não “só perdeu de vista” a sua função pública como também
transferiu ao mercado, a competência da solução dos grandes e graves problemas sociais. O
Estado reformado, na ótica dos principais governantes, transfere a base de auferição de lucros
para o consumo, para o comércio e prestações de serviços. Faz incidir toda a carga tributária
para a sociedade civil e sobre o que ela produz e consome. Essa guinada na base da tributação
destrói até mesmo o princípio de solidariedade universal capitalista, que afirma: “quem tem
mais, paga mais,...quem tem menos, paga menos”. Ao contrário desse princípio capitalista, o
Estado reformista empurrou, de forma indireta, tributos, taxas e impostos para produtos
consumidos em grande escala, como cigarros, carros, bebidas, alimentos, etc., e transferiu ao
29
setor privado a exploração de empresas extremamente lucrativas como estradas, pedágios,
energias e serviços primários, responsabilizando o próprio usuário pelo financiamento desses
serviços. Dessa forma, a maneira mais simples de o Estado desincumbir-se de tudo o que se
refere a políticas públicas, consiste em, de um lado, praticar uma política estatal de oferta
marginal e, de outro lado, privatizar o que é público, produtivo, entregando-o ao mercado,
para que este realize a equalização, sobretudo mediante processo de “publicização”:
[...] ‘publicização’, na prática social-democrata deste século, universalizada a partir da
grande Depressão, é uma operação mediante a qual o público se privatiza à condição
de que o privado não apenas se exponha à publicidade, mas se transforme pelos
critérios do público. Em outras palavras, o macro acordo que é o Estado de bem-estar
opera privatizando parte da riqueza pública, desde que esse ‘novo’ privado seja
modificado pelo interesse público, que não é uma simples soma dos referidos
interesses privados. Assim, subsídios fiscais, por exemplo, que são recursos públicos,
podem ser dados ao setor privado da economia, desde que os resultados advindos
dessa operação não sejam apenas dependentes da vontade dos proprietários do capital.
(OLIVEIRA, 1999, p.56)
Dessa maneira, privatizando o que é público, o usuário que não estiver satisfeito com
os serviços sociais oferecidos pelo Estado de forma marginal, terá como alternativa adquiri-
los no mercado. Assim, o que era um direito do cidadão, passa a ser um serviço prestado pelo
setor privado que oferece qualidade melhor, porém, às expensas daqueles que podem pagar
por isso.
Na lógica mercantil, agora, esses serviços só estarão ao alcance de quem tiver poder de
compra. E quem não tiver deve recorrer ao Estado reformado que também oferece os serviços
de forma marginal, porém, não raro, insuficientes e de qualidade precária, como atestam, por
exemplo, o atendimento nos hospitais públicos, a qualidade da educação pública e tantos
outros serviços sociais prestados pelo Estado.
No caso da educação, a qualidade é entendida como produtividade. Usando
estatísticas exalta-se o número de alunos promovidos, mesmo que isso ocorra em virtude da
progressão continuada, que promove o aluno para as séries subseqüentes, ainda que ele não
tenha adquirido um mínimo necessário de conhecimentos. Não raro, no Brasil, qualidade da
educação passou a significar produtividade, ou seja, a promoção de alunos sem capacitá-los
mediante a apropriação de saberes e habilidades técnicas e teóricas. Estas parecem ser as
conseqüências da falta de compromisso do Estado com relação à educação pública.
30
O espaço aberto pela ausência do Estado, tanto em termos quantitativos quanto
qualitativos, passa a ser ocupado por novos interlocutores que, de certo modo, suprem a
distância que se abre entre o Estado e a sociedade civil. Com referência à proposta da
educação profissional de nível técnico, Ferretti; Silva Júnior, (2000, p. 12) afirmam que:
De fato, as políticas formuladas para a área social não são políticas sociais, mas
econômicas, em geral assemelhadas às surgidas por conhecidos organismos
multilaterais. Ocorrem mudanças de paradigmas das políticas públicas brasileiras: do
paradigma da demanda social para o paradigma da oferta econômica, em meio a um
movimento a um só tempo, de expressão da esfera privada em detrimento da esfera
pública e de hipertrofia do poder executivo em detrimento do poder legislativo. [...] e
conduz à inequívoca subsunção da esfera educacional à esfera econômica, em
processo que aqui se denomina de mercantilização da educação, orientando, no plano
simbólico-cultural, pela lógica da competência e pela ideologia da empregabilidade ou
laboralidade, nos casos do Médio e Educação Profissional Técnica.
Infere-se ainda que o ideário reformista cumpre uma função ideológica quando investe
contra todas as conquistas sociais das classes trabalhadora e do trabalho da mais valia,
simulando neutralidade, para mascarar os efeitos nefastos dos processos reformistas, com
relação à extraordinária ampliação do desemprego estrutural, à precariedade do trabalho, ao
aumento da exclusão social, à absorção do público pelo privado, todos elementos definidores
do quadro social preocupante que vivemos. Mesmo assim, e por mais engenhoso que seja o
disfarce ideológico, fica evidente que a lógica da desregulamentação, da descentralização e da
privatização, minimiza a esfera dos direitos sociais, reduz-se o limitado espaço público
construído pelas lutas dos trabalhadores, suprime as leis, normas e regulamentos, para
favorecer ao máximo a lei da circulação das mercadorias e do consumo. Assim ,
[...] a paixão pelo efêmero, pelas imagens velozes, pela moda e pelo descartável,
depende de uma mudança sofrida no setor da circulação das mercadorias e do
consumo. De fato, as novas tecnologias deram origem a um tipo novo de publicidade e
marketing no qual não se vendem e compram mercadorias, mas o símbolo delas, isto
é, vendem-se e compram-se imagens que, por serem efêmeras, precisam ser
substituídas rapidamente. Em outras palavras, a mercadoria, que já é um fetiche, se
duplica numa imagem de prestígio, poder, juventude, sucesso, competência, etc.,
portanto, num simulacro de si mesma e é esse simulacro que opera na esfera do
consumo. (CHAUÍ, 2000, p. 22)
31
Preocupado com o risco sério e ameaçador do capital e sua lógica Fernandes, 19944,
lembra que, através das reformas iniciadas na esteira das estratégicas da política neoliberal,
ocorre uma diferenciação entre o público e o privado. Esse argumento é reforçado por
Coraggio, quando afirma que
São (as políticas sociais) o ‘Cavalo de Tróia’ do mercado e do ajuste econômico no
mundo da política e da solidariedade social. Seu principal objetivo é a reestruturação
do governo, descentralizando-o ao mesmo tempo que o reduz, deixando nas mãos da
sociedade civil competitiva a alocação de recursos, sem a mediação estatal. Outro
efeito importante é introjetar nas funções públicas os valores e critérios do mercado,
deixando como resíduo de solidariedade e da beneficência pública e preferencialmente
privada, para os miseráveis. Em conseqüência a elaboração das políticas setoriais
(como as políticas públicas para a educação, particularmente para o nível superior)
fica subordinada às políticas de ajuste estrutural, e freqüentemente entra em
contradição com os objetivos declarados. (CORAGGIO, apud TOMMASI et al, 2003,
p.78)
Dessa forma, um trabalho de busca de entendimento à luz do verdadeiro espírito da lei
fica prejudicado, em virtude da insofismável tendência neoliberal de desregular tudo o que até
então fora possível garantir para que o Estado não fosse saqueado pelo privado. O fundo
público fora arrastado para um condomínio privado, o patrimônio público foi assaltado.
2.4 Função da educação no contexto da passagem do público ao privado
No contexto da reprodução da ordem social hegemônica, o sistema educacional
contribui de forma muito acentuada para colaborar na distribuição do capital cultural. Visando
o açambarcamento do público pelo privado, uma certa violência simbólica vai enquadrando
progressivamente a educação e a cultura e impondo silêncio às vozes destoantes da lógica
privatista.
4 Cf. FERNANDES, R. C. Privado, Porém, Público: O terceiro Setor na América Latina. Edição Relumé-Dumará, Rio de Janeiro, 1994.
32
E dentro do processo educacional existe um conjunto de regras não pronunciadas, não
ditas e não discutidas, que dispõem sobre o que pode e o que não pode ser posto em
discussão, caracterizando uma forma de violência simbólica, cuja dimensão maior consiste em
descentralizar ações do Estado transferindo-as para pequenos grupos, sobretudo no que tange
à educação:
Há também, uma crescente autonomização de pequenos grupos, realmente separada da
estrutura global de Estado, que pode perfeitamente continuar regida por um modelo
piramidal, hierarquizado.
Assim, essa ‘democracia de pequenos grupos’ não deixa de repercutir sobre a função
tradicional do comando do Estado. Conseqüentemente, ela pode, de forma indireta,
colocar em questionamento o sistema hierárquico tradicional, entretanto sem
vulnerabilizar os diferentes níveis de direção, coordenação e síntese, que continuam
monopolizados pela direção do Estado. Neste sentido, poder-se-ia falar de um tipo de
estrutura de poder ‘neo taylorista’, talvez mais participativo, menos autoritário, mas
ainda piramidal e centralizador. (BRINHOSA, 1996, p. 43)
Políticas implantadas e implementadas pelo Estado reformado casam perfeitamente
com as transformações pelas quais o mundo da produção passa atualmente, exigindo um perfil
dos trabalhadores da educação, em que as garantias de estabilidade não mais significam
possibilidades de novas conquistas, nem tampouco novas qualificações, mas um total
desprendimento de direitos trabalhistas, uma vez que, passando do público para o privado,
nem mais existirá o contrato de trabalho de longo e médio prazos, mas tão somente contratos
temporários, sem nenhuma garantia social.
De outro lado, por parte dos organismos gerenciadores dos serviços públicos, ocorre
uma desconcentração generalizada em áreas onde as relações capital e trabalho se estreitam
para justapor o público ao privado. Parece ser democrático que, nesse trajeto do público ao
privado, as escolas garantam a qualidade de ensino, qualidade essa que, por sua vez, garantiria
o equacionamento das desigualdades sociais, assegurando melhores condições de vida aos
cidadãos. Nessa direção tenta-se a descentralização do sistema e autonomizar os
estabelecimentos de ensino para, segundo as estratégias dos reformadores, torná-los
eficientes, produtivos e unificadores. Esses organismos gerenciadores dos serviços públicos
defendem que a forma de gestão pública, centralizada, levou ao fracasso a educação e que, no
sentido oposto, a escola privada gera eqüidade, excelência de qualidade de vida e coloca seus
33
alunos em condições de concorrer competitivamente no mercado, quer pela via do
desenvolvimento científico, quer pela via do tecnológico.
Mas, o que não se diz é que esses recursos ao privado implicam no afastamento da
escola de sua função incrementadora da responsabilidade estatal pela educação popular, o
que, por sua vez, leva ao aumento das desigualdades sociais, em razão da desobrigação do
Estado para com a educação pública. Dessa forma, o Estado abdica de sua função de
mediador das demandas sociais que as relações de produção capitalista exigem, e passa a
exercer o papel do capital, tangido pela lógica do valor e pela obtenção de mais valia,
independentemente das formas e dos regimes que o Estado assume.
Para os quadros públicos, o Estado não investe mais em educação, em qualificação de
força de trabalho, visto que as máquinas podem fazer esse trabalho. Assim, a escola pública
fica manietada, uma vez que o fazer público é considerado ineficiente e seu trabalho
descartável, por estar preso à política centralizadora do Estado. Na perspectiva
descentralizadora, da passagem do público ao privado, assume destaque a reformulação do
papel dos municípios e das comunidades, pois é exatamente aí que se monta o cenário das
realizações daquilo que o poder central delega. Esse recurso ao município, à comunidade,
como já mencionamos anteriormente, constitui, talvez, a forma mais cabal de o Estado
desincumbir-se das obrigações sociais e, mais ainda, ganhar forças para transferir ao privado
tudo o que o público tem de rentável, num processo infindável de privatização, disfarçado
como estratégia de implementação de justos princípios democráticos que teriam sua forma
mais embrionária nos municípios e nos grupos menores. Contudo, o poder central do Estado
se reserva o direito de reter em suas mãos as funções e os diferentes níveis de direção e de
coordenação. Todos esses procedimentos inserem-se nos sinuosos movimentos do capitalismo
internacional. O Banco Mundial e os demais organismos multilaterais já chegaram ao ponto
de propor a privatização de todo o ensino como uma alternativa mais imediata de adaptar as
políticas educacionais ao mercado e insistem em
[...] uma política favorável à privatização da educação. Segundo seus estudos, a
privatização oferece aos pais e à comunidade a possibilidade de um controle mais
direto sobre o pessoal e a direção das escolas, permite aos pais estabelecer padrões de
qualidade para a educação de seus filhos, incremento à habilidade dos professores,
administradores e pais para adaptar os programas às necessidades e condições da
comunidade para as atividades da escola e melhora a eficiência para estimular a
competência entre os estabelecimentos. (TEDESCO, 1991, p. 24)
34
Toda essa preocupação com a privatização da educação e a passagem do público ao
privado assenta-se na premissa de que é mais barato ao Estado “financiar um estabelecimento
privado, que ofereça educação gratuita, que financiar uma escola pública”. O capital e suas
agências multilaterais montam esse discurso e o difundem no interior dos Estados Nacionais
na medida em que as instituições educacionais e para-educacionais passam a ser os difusores
dessa idéia, moldada segundo os interesses do capital e do mercado. Dessa forma, esse
discurso vai avançando na defesa do privado e ensejando a construção do minimal state,
mediante o desmonte do público outrora construído coletivamente. Entendem os teóricos do
Estado Mínimo ou Estado Gestor que esse tipo de Estado levará à autonomia democrática,
delegando à sociedade civil, ao privado, a ação educacional. E é aí, nos trâmites do poder do
capital, do dinheiro, das novas formas de relações sociais de produção, que a sociedade civil e
o Estado vão se reconfigurando em um novo perfil sócio, econômico e cultural.
2.5 Funções que a Educação Exerce no Novo Reordenamento.
A educação de um povo acompanha a evolução de sua história. Costumes, tradições e
valores transformam-se ao longo dos tempos. O que é aceito em certo momento, noutro já
pode ser rejeitado. A maneira como os homens organizam a produção de sua vida material e
espiritual e a relação de produção que os homens estabelecem com a natureza determinam o
nível de solidariedade e de felicidade de um povo. Como, então, a sociedade capitalista
organiza as forças de produção e distribuição dos bens produzidos?
Parte da população se sustenta mediante o trabalho e outra tira proveito desse trabalho.
Esta última, uma minoria, são os donos do capital que é investido na produção de bens,
serviços e outros produtos. A riqueza, auferida através da comercialização desses bens, vai
sendo acumulada pelos donos do capital, enquanto os trabalhadores vivem da venda de sua
força de trabalho. Este cenário da vida material tem seu correspondente na vida cultural e
espiritual, na política, no direito, na educação que espelham exatamente a forma de produção
da existência material de cada momento histórico.
Esse princípio explica, em boa medida, o que vem ocorrendo no Brasil, a partir dos
anos 90, com a abertura total do mercado brasileiro aos produtos estrangeiros. As reformas na
educação, por exemplo, foram acompanhando as exigências das agências internacionais que
35
financiavam a educação brasileira e, como a lógica imperante passou a ser a lógica do
mercado, também a educação passou a incorporar características de mercadoria.
Ora, a mercadoria é acessível àqueles que possuem recursos para adquiri-las. São
aqueles que, em menor ou maior medida, têm acesso ao capital. Conseqüentemente, o
trabalhador e os que não possuem o capital ficam privados da educação formal, pelo menos
daquela de melhor qualidade, que, como vimos, passou a ser oferecida predominantemente
por agências privadas que tratam a educação como mercadoria. Enquanto o Estado de Bem-
Estar facilitava o acesso à educação a quem a desejasse, agora, o Estado Gestor, ao privatizar
os serviços públicos, como a educação, o trabalhador já não consegue auferir, pela venda de
sua força de trabalho, os recursos necessários para pagar por ela. O que pode parecer
assustador num primeiro momento é minimizado pelos ideólogos do sistema com o
argumento de que a qualificação do trabalhador não precisa ser de muita qualidade, uma vez
que uma cultura geral poderá fazer esse trabalhador transitar por todas as etapas, de forma
relativamente fácil. Então, por que dar ao trabalhador uma educação sofisticada se ele nunca a
irá usar no seu trabalho? De qualquer maneira, essa cultura geral será suficiente para que,
também ele, possa consumir educação, mercadoria na qual se transformou a escola na lógica
da produção neoliberal.
E nessa lógica, o conhecimento é produzido e, assim, o sistema capitalista fragmenta o
conhecimento para manter e controlar as produções ideológicas. Nesse ritmo, a
descentralização do dispêndio com educação e a autonomia da gestão escolar retira do Estado
o ônus educacional, visto ser ele supostamente ineficiente na gestão de sua responsabilidade
pública, como afirmam os reformadores. Atribui-se, então, ao Estado apenas o trabalho de
coordenar as estratégias, a regulamentação e a avaliação de resultados.
E é nessa atuação como regulador, financiador das políticas sociais e avaliador da
qualidade educacional, que o Estado assume tacitamente os interesses do capital e do
mercado, fazendo com que recursos que ele regateia à educação subsidiem setores privados,
inclusive aqueles envolvidos com a educação. Tal situação, não é preciso dizer, favorece e
aprofunda ainda mais as desigualdades sociais, econômicas e educacionais. No quanto se
refere ao trabalhador de educação, o tratamento que lhe é dispensado pode equiparar-se ao de
qualquer outro trabalhador que atua uma área que não representa maior interesse para o
sistema.
Tendo sido transferidas as responsabilidades públicas para o setor privado, este
maximiza a produção de conhecimentos, sem preocupação nenhuma com a democratização e
a difusão destes conhecimentos entre as camadas populares. Em virtude disso, o controle da
36
produção de capital cultural fica restrito aos que têm o poder de compra, ao capital. No
município, na comunidade pequena, a idéia consiste em ensejar que a comunidade local
controle a própria escola que utilizarem. Nesse compasso, vai se configurando a ingerência da
economia capitalista no poder político, tendo como conseqüência, a submissão da política ao
mercado. Em outros termos, a gestão dos interesses públicos ajusta-se à política de abertura
do mercado interno, à política de contenção fiscal e privatização de serviços públicos, à
política que reduz os direitos previdenciários e trabalhistas, com o claro propósito de regular o
mercado de trabalho em favor de interesses privados.
2.6 O Poder político assume a economia e a educação
O processo de liberalização da economia que se caracteriza pela busca exacerbada da
eqüidade orçamentária, erigido fundamentalmente sobre a redução dos gastos públicos e pela
abertura comercial, pela liberalização financeira e ingresso de capital estrangeiro, pela
desregulamentação dos mercados domésticos e a eliminação de toda intervenção do Estado,
como ainda, pela privatização das empresas e dos serviços públicos, formaram o alicerce para
o desmonte completo do público, com enormes vantagens para o setor privado.
No Brasil, essa reforma inicia-se com o governo Collor, mas foi com FHC, que teve
enorme incremento, a ponto de o ministro do MARE, do referido governo, assim se
pronuncia, sobre o significado da reforma:
[...] superar de vez a crise fiscal, de forma que o país volte a apresentar uma poupança
pública que lhe permita estabilizar solidamente os preços e financiar os investimentos.
Significa completar a mudança na forma de intervenção do Estado no plano
econômico e social, através de reformas voltadas para o mercado e para a justiça
social. Reformar o Estado significa, finalmente, rever a estrutura do aparelho estatal e
do seu pessoal, a partir de uma crítica não apenas das velhas práticas patrimonialistas
ou clientelistas, mas também do modelo burocrático clássico, com o objetivo de tornar
seus serviços mais baratos e de melhor qualidade. (PEREIRA, 1996, p. 164)
Os reformadores tinham a percepção de que várias crises assolavam o país. Por crise
econômica entendiam a perda do crédito público nacional e internacional. E, por crise do
aparelho administrativo do Estado, entendiam a existência do clientelismo, funcionalismo
inepto, desprofissionalizado e incompetente. A intenção imediata da reforma propunha
37
reduzir o custo da administração pública, tornando-a flexível e eficiente, garantindo boa
qualidade na prestação desses serviços públicos.
Sem dúvida que a flexibilização do aparelho do Estado, com a intenção clara de
propiciar a privatização, tornou-se um dos principais intentos do governo reformista para dar
ao setor privado a oportunidade única e histórica de dominar as instâncias públicas, retirando
deveres e responsabilidades do Estado, passando-os à sociedade civil. Para isso, o Estado
contou com os meios de comunicação que, soberbamente, realçavam as qualidades do privado
e individual, defendendo ainda a adoção de organizações flexíveis que viriam dar origem às
organizações sociais.
38
3 TERCEIRO SETOR: BRAÇO DIREITO DO ESTADO E
INNERMEDIADOR ENTRE O ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
3.1 Abordagens Iniciais
Faz muito sentido o título de Terceiro Setor dado às organizações e grupos filiados a
ele para indicar que tipo de trabalho prestam no interior da sociedade e do Estado. Se entender
que o Estado comporia o Primeiro Setor e a mídia um Segundo Setor, então realmente poderia
chamá-lo de Terceiro Setor.
Para dirimir alguns mal-entendidos, relativos ao conceito de Estado, devemos
esclarecer que esse conceito deve ser interpretado como sendo formado pela área política
formal, do setor público e também pela área social marginal. De outro lado, ao nos referirmos
à sociedade civil, temos em mente que essa esfera deve ser entendida como o privado, como a
área econômica e como o mercado. No Terceiro Setor, localizamos, mais explicitamente, a
área social, ou a atividade pública na área social. Essas divisões parecem definir certos limites
para melhor intelecção do uso constante nesse trabalho.
Como já aventamos no capítulo I, o Estado Brasileiro, para garantir o consenso, impõe
a lógica do capital e apresenta um mínimo de respostas às demandas das questões sociais. E
ainda mais, o binômio coerção e consenso é peça necessária para a existência desse tipo de
capitalismo e as contradições surgem à medida que esse capitalismo tenta justificar as lacunas
que vão aparecendo nas refregas entre as lógicas do Estado capitalista e as da sociedade civil,
que vão exigindo mais políticas sociais de boa qualidade. O capitalismo segue uma lógica
linear na montagem do desenvolvimento das relações entre trabalhadores e os donos do
capital, quer pela socialização das forças produtivas, ou pela apropriação privada dos produtos
de todas as atividades econômicas. Escamoteia as injunções entre poder e subserviência ao
poder e tantas outras incongruências que vão se apresentado no interior das relações das
classes sociais.
Até pelo senso comum é sabido que os que mais pagam impostos, em termos
proporcionais, são os pobres e os trabalhadores, de vez que a taxação incide mais
pesadamente sobre os gêneros de primeira necessidade. E para solucionar a questão, o Estado
propõe a contenção de gastos.
39
Uma tese preocupante que circula até entre os mais bem intencionados analistas é a que
tenta convencer a sociedade de que a solução das questões sociais, como um todo, só se viabiliza se
a própria sociedade assumir essas questões. Em outros termos, que as questões sociais devem
passar, necessariamente, pelas mãos da própria sociedade civil para que esta, livre das amarras do
Estado, possa resolver os graves dilemas que enfrentam as políticas sociais. Com esse argumento, o
discurso dos defensores do Terceiro Setor parece coberto de razões quando defende que a sociedade
civil deve assumir as atribuições do Estado no que concerne às políticas sociais. Submetido, porém,
a uma análise mais abrangente percebe-se que tal discurso é, na verdade, falso e traiçoeiro,
profundamente ideológico.
3.2 Em que consiste o Terceiro Setor e o que propugna
Todas aquelas sociedades, instituições, grupos, fundações, organizações que se propõem a
auxiliar o Estado na prestação dos serviços essenciais que, na prática, seriam instituições sem fins
lucrativos, ensejaram aquele tipo de organismo social chamado Terceiro Setor 1 . O mais
representativo de todos são as ONGs. Do ponto de vista formal e legal, as ONGs não têm fins
lucrativos. Na prática, porém, essas associações são iniciativas tomadas em perfeita sintonia com o
Estado, sobretudo aquelas que recebem subvenções do erário público.
Assim, no neoliberalismo, em termos gerais, são produzidas as seguintes identidades:
ESTADO = público = área social marginal + área ‘política’ formal.
SOCIEDADE CIVIL = privado = área econômica = mercado.
A isto a ‘nova esquerda’ adiciona uma área de interseção, que desempenharia funções
públicas a partir de espaços/iniciativas privados [...]. Segundo afirma, ‘surge no mundo um
terceiro personagem. Além do Estado e do mercado, há um ‘terceiro setor’, ‘não-
governamental e não-lucrativo, [...]. Neste caso, preserva-se a compartimentação
Estado/sociedade civil [...], típica do pensamento liberal, introduzindo uma novidade entre as
duas esferas, uma outra de interseção. Assim:
‘TERCEIRO SETOR’ = área ‘social’ (atividade pública na área privada). (MONTAÑO,
1999, p. 59-60)
1 O Terceiro Setor é constituído pelo conjunto de todas as organizações sociais que têm uma atividade publica na área privada, (Cf. MONTAÑO, C. 1999, pp. 59 e 60).
40
Na prática, tais entidades são constituídas para suprir o Estado naquilo em que este se torna
omisso. Contudo, não obstante essa finalidade, as ONGs podem funcionar, e não raro funcionam,
como aparelhos ideológicos a serviço do Estado.
De acordo com Arruda (apud TOMMASI, 2003, p.50) afirma que a definição que o Banco
apresenta das ONGs está muito próximo do conceito de ONGs comprometidas com a questão social
e que as ONGs são organizações privadas que desenvolvem atividades visando aliviar o sofrimento
dos pobres, promover os interesses destes, proteger o meio ambiente, prover serviços sociais
básicos ou empreender desenvolvimento comunitária.Esse constitui o sentido expresso, porém, o
significado oculto do que são as ONGs não vem expresso em seus documentos de origem, assim:
[...] a definição que o Banco adota hoje de ONGs é bastante próxima do que são as ONGs
comprometidas com o social: “organizações privadas que desenvolvem atividades visando
aliviar o sofrimento dos pobres, promover os interesses destes, proteger o meio ambiente,
prover serviços sociais básicos ou empreender desenvolvimento comunitário” [...]. Observa-
se também que as ONGs são fundadas em valores como o altruísmo e o trabalho voluntário,
em contraste com as empresas privadas, que se orientam pela busca do lucro. [...].
Este debate entre ONGs está apenas se iniciando e talvez jamais resulte num desfecho
consensual. Felizmente, as divergências não têm impedido que elas trabalhem
articuladamente em colaboração bilateral, em forma de redes ou mesmo de associações
nacionais, regionais ou globais.
As colocações do Banco Mundial sobre as ONGs está longe de serem consensuais, mas as
controvérsias não impedem o debate. De outro lado, é bastante complexa a discussão que o Banco
aponta em seus documentos. Para a instituição, há ONGs operativas, que seriam as que se dedicam
ao planejamento e implantação de projetos, e ONGs advocatícias, ou seja, aquelas que advogam a
favor dos movimentos sociais e por políticas sociais, nos Estados Nacionais. A nosso ver, porém,
quase todas as ONGs se enquadraram em ambas as definições, mesmo quando uma assume esta ou
aquela função.
A definição de Ong, porém, é um problema complexo paras as próprias ONGs. O debate
sobre suas finalidades e sua natureza, que é condicionante de sua auto-definição, caminha
numa dupla vertente. Há os que consideram que as ONGs são organizações com um fim em
si mesmas, ou são mais uma forma de organização da sociedade civil, que tem direito a um
espaço próprio de representatividade no âmbito da política. Há os que definem as ONGs
como entidades-meio e não entidades-fim, cujo objetivo último é servir aos movimentos
41
sociais e às suas entidades representativas. E entre ambas há uma variedade de outras
definições e este debate é importante precisamente porque é na definição de cada ONG a
respeito de seus próprios objetivos e natureza que se enraíza sua postura a respeito de
questões como quem deve definir os objetivos e a estratégia que orienta as ações da ONG e
quem deve decidir se a ONG deve ou não colaborar com agências de governo, instituições
bilaterais ou multilaterais de financiamento. (ARRUDA, apud TOMMASI, 2003, p.50)
3.3 As lógicas das alegações dos defensores do Terceiro Setor
Em virtude dos desmandos do Estado na gestão das políticas sociais, surgem essas
organizações e associações denominadas de Terceiro Setor sob a alegação de que sua existência e
atividades suprem o Estado naquilo em que o Estado não consegue atuar, ou, se atuasse, sempre
deixaria lacunas enormes, devido ao fato de o Estado reformado, ser muito lento e frágil para levar
a efeito tudo o que ele se propõe a fazer. Também em virtude disso, surge a mais valia sobre o
trabalhador, através da exacerbação do filantrópico e do caritativo, tão intimamente arraigados
histórica, original e motivadoramente no modo próprio da sociedade viver sempre desprotegida. “É
nesse espaço que surgirá o Terceiro Setor, atendendo a população excluída ou parcialmente
integrada, o que se constitui como uma luva na mão do projeto neoliberal”, (MONTAÑO, 2002, p.
47).
Dentre as razões mais estranhas, alegadas pelos defensores do Terceiro Setor, destacam-se
algumas que merecem um pouco mais de atenção, devido ao seu caráter aliciador e até sugestivo,
como, por exemplo, aquela que defende ser o Terceiro Setor um reforçador da sociedade civil.
Assim, haveria
[...] um fortalecimento de vertentes aparentemente radicais, [...] fundadas seja num
anticapitalismo romântico de inspiração católica (a glorificação do ‘saber popular’ do ‘povo’,
com o apelo a valores de ‘solidariedade’), seja na repulsa anarcóide ao universalismo da
modernidade (a entronização abstrata do ‘protagonismo da sociedade civil’, a
desconsideração do Estado, o antiinstitucionalismo vulgar, a reificação das ‘diferenças’), seja
no irracionalismo aberto (a validação das ‘racionalidades alternativas’), seja no relativismo
mais primário (com a equalização de todas as formas de sociedade). (NETTO, 1996, p. 127)
42
Embutido sob essa marca moralizadora e qualitativa propagada pelo próprio Estado
neoliberal, uma grande investida contra a qualidade dos serviços prestados pelos funcionários
públicos de todos os níveis, foi iniciada pelo Estado, desmoralizando não só o funcionalismo
público, mas o próprio Estado, imprimindo-lhe a imagem de um paquiderme sonolento, perdulário e
auto-corrosivo, creditando esse estado de coisas, com todas as suas mazelas, ao Estado de Bem-
Estar Social. Todavia, essa postura no discurso do Terceiro Setor, não mostra as razões maiores que
solapam a base racional daquela idéia escondida sob alegações dessa natureza. A qualidade dos
serviços depende, sobretudo, da competência do trabalhador e de uma remuneração condigna ao seu
trabalho. De outro lado, contratar servidores sem preparo técnico e muito mal remunerados, leva,
necessariamente, ao sucateamento da qualidade dos serviços prestados. Portanto, não se sustenta a
esperança de que a qualidade dos serviços melhorariam sem uma boa preparação técnica e sem uma
remuneração adequada e justa.
Outra idéia viciosa colocada pelo Terceiro Setor é a de que sua atuação junto à sociedade
civil criaria um espaço e um modo alternativo de produção e de consumo que proporcionaria maior
oferta e maior acesso ao consumo. Se analisarmos essa questão sob o prisma da economia, veremos
que a pretensão de tal idéia é ilusória, porque nenhum passe de mágica pode resolver a questão da
produção e do consumo, uma vez que, conforme Montaño, (1999, p. 69),
Neste caso,[...] ‘o caráter alternativo do qual se fala nas diferentes análises dos autores que
trabalham a problemática da economia social e/ou do terceiro setor se põe geralmente num
sentido integração diferencial dentro da ordem capitalista. Longe está daquela visão proposta
para o sistema cooperativo como uma terceira via, sendo raras, por não falar inexistentes no
debate, as propostas tendentes a superar o capitalismo’. Não é, portanto, ‘alternativo’, ao
sistema, porém, o ‘terceiro setor’ coloca-se como diferente do Estado e da empresa privada,
mas dentro (e sem questionar os fundamentos) do sistema capitalista.
Porém, é de todos sabido que produção e consumo dependem da capacidade de investimento
de uma nação, e essa capacidade está diretamente ligada à operosidade de seu povo. Contudo, essa
visão defendida pelo Terceiro Setor, além de um tanto simplista em virtude de não perceber certo
domínio do econômico sobre o político, carece, ainda, de um esclarecimento científico e não resiste
a uma análise mais incisiva, uma vez que ela imagina o Terceiro Setor como sendo um braço
paralelo ao Estado e às empresas, diferente do Estado, mas “dentro do Estado”, aceitando sem
crítica tudo o que este impõe como normas e leis, especialmente as arbitrariedades e truculências
das medidas provisórias.
43
É bastante perceptível que as alegações motivadas pelo Terceiro Setor, constituem-se numa
espécie de integração e colaboração subserviente à lógica capitalista, sem nenhum compromisso
com um projeto de superação do Estado burguês neoliberal. Assim, para se manter afinado à lógica
neoliberal, o Estado tem privatizado empresas lucrativas, num processo cujo limite será, em última
instância, a privatização do poder decisório central, o que, aliás, de certo modo, já está ocorrendo
através do nepotismo, do fisiologismo, da corrupção, do tráfico de influências e de tantos outros
desvios dos poderes centrais que governam nossos países.
A idéia do Terceiro Setor se mostra muito forte, mas cujos efeitos práticos contradizem ao
que promete, haja vista, por exemplo, a promessa, tantas vezes renovada, de que a atuação do
Terceiro Setor junto à sociedade civil melhoraria a qualidade dos serviços sociais prestados à
população. Ao contrário disso, conforme Laurell, (1995, p. 163), ocorre que
[...], as estratégias concretas ideologizadas pelos governos neoliberais para reduzir a ação
estatal no terreno do bem-estar social são: a privatização do financiamento e da produção dos
serviços; cortes dos gastos sociais, eliminando-se programas e reduzindo-se benefícios;
canalização (ou focalização) dos gastos para os grupos carentes e a descentralização em nível
local.
Algo semelhante ocorre com a idéia de que engendraria espaços de bens e de serviços. Ora,
se entendermos que o Estado não procura fins lucrativos em suas atividades, mas apenas suprir
necessidades sociais e que o Terceiro Setor igualmente não busca vantagens privadas, como se
explicam, então, as lutas intestinas pelo acesso ao poder de grupos, partidos políticos e de pessoas
particulares? Podemos até suspeitar e perguntar: Será que esses tentáculos, esses braços do
Terceiro Setor não se articulam como autênticos cabos eleitorais de pessoas no poder do Estado?
Como entender que as atividades filantrópicas das empresas privadas, sua “caridade empresarial”
não vise fins lucrativos? Pelo contrário, visam mais que lucros econômicos, visam, sobretudo,
dividendos políticos que, ao fim e ao cabo, não se coadunam com os puros propósitos que
anunciam. Então, como não suspeitar que a ajuda de muitos candidatos a cargos eletivos para a
melhoria dos serviços essenciais da população pobre não traga embutidas segundas intenções que
vêm ao encontro dos interesses pessoais do candidato? Segundo Montaño, (1999, p. 70),
[...] resulta impressionantemente ingênuo que as atividades filantrópicas das empresas
(chamadas sistematicamente de ‘iniciativa privada’, também incluídas no ‘terceiro setor’, não
44
visem, mesmo que indireta e encobertamente, fins lucrativos. [...]. Como pensar que a
caridade de um candidato a vereador numa favela não tenha fins eleitorais/lucrativos; como
ignorar o interesse de um hotel em diminuir a violência do bairro (claro, não as causas da
violência, mas apenas seus efeitos) como forma de tranqüilizar os turistas e aumentar o fluxo
de hóspedes ; como não ter consciência do interesse eminentemente lucrativo e político da
atividade filantrópica empresarial?
Pelos motivos já declinados acima, fica muito claro que a atividade filantrópica empresarial
tem como finalidade não só fazer esse jogo das lógicas do capital, mas, sobretudo, satisfazer
interesses lucrativos e políticos. Cabe ainda questionar qual a origem do dinheiro que é fornecido
para as ONGs. Essas organizações são aparelhos agenciadores do Estado, sempre com
investimentos maiores que os retornos financeiros. Daí também a razão de se suspeitar que esse
apelo à filantropia e à caridade públicas se converta em fortíssima ideologia do Estado neoliberal
para legitimar essa ação omissa e obter consenso. De acordo com Arruda (1998, apud TOMMASI
et al, 2003, p. 43),
Apesar de promover doutrinariamente a ideologia do livre mercado, o Banco Mundial
continua sendo uma instituição intervencionista por natureza. Em conseqüência, opera de
forma contraditória, por um lado, como comercial visando primeiramente a ampliação dos
seus investimentos e a maximização do lucro deles proveniente e, por outro, intervindo
continuamente no espaço dos mercados, seja em benefício do setor privado, seja na promoção
de políticas de seguridade social, de alívio da fome e redução da pobreza.
Por outro lado, os organismos financeiros internacionais impõem condições para fazer os
empréstimos aos países tomadores de recursos, tais como, exigir de todo Terceiro Setor perfeita
integração ao Estado, à sua ideologia, perdendo, assim, toda e qualquer atividade e motivação
autóctone. Mas sempre está presente o mesmo pensamento: tem que seguir à risca a lógica do
capital, do contrário, as organizações e os municípios ficam sem verbas por incompatibilidade
ideológica. Vejam-se os casos de prefeituras e de partidos não alinhados ao governo, cujos vizinhos
adjacentes recebem verbas até para seus mais supérfluos projetos, enquanto as prefeituras
destoantes da lógica neoliberal vêem seus munícipes procurarem apoio e ajuda financeira.
Imaginem o poder de persuasão ideológica dessa lógica venenosa!
Em vista disso, portanto, o Terceiro Setor não se constitui absolutamente numa instituição
alternativa que venha a conduzir a sociedade civil no caminho da retomada de seus direitos
45
essenciais. Muito pelo contrário, pelo que já afirmamos, está perfeitamente integrada na lógica da
hegemonia do capital especulativo internacional.
3.3.1 Uma falácia despropositada
Uma idéia fartamente difundida para justificar a ação do Terceiro Setor no espaço da
sociedade civil é a presunçosa expectativa de que suas atividades retomariam e supririam as
políticas sociais, há muito abandonadas pelo Estado. O mesmo discurso argumenta, ainda, que, pela
delegação e individualização dos encargos, do tratamento in loco, por assim dizer na casa do
interessado, representaria um tratamento apropriado e mais eficiente. Porém, essa premissa tem uma
feição por demais filantrópica, conjuminada às tendências emotivo-caritativas, conduzindo o
usuário a uma eterna dependência, com relação ao voluntariado, ao fragmentário, ao micro, ao
mínimo, conferindo ainda mais razão ao Estado, na sua política de contenção de gastos. Ao
contrário disso, a gravidade dos problemas sociais evidenciam cada vez mais que os investimentos
sociais por parte do Estado são absolutamente necessários. Neste contexto, é bom lembrar também
que o voluntariado jamais substituiria o profissional estatal remunerado, sob pena de uma ruptura
nas políticas sociais do Estado, ao contrário de seu incremento e supressão das lacunas do Estado.
Para esta questão, digamos que as políticas sociais promovidas no ‘terceiro Setor’ tendem à
multifragmentção do trato da ‘questão social’, pois além de sua setorização genérica, elas são
agora fragmentadas, dada a pequena área de abrangência das organizações deste setor em
microempresas [...]. O chamado ‘terceiro setor’ mal poderia compensar, em quantidade,
qualidade, variabilidade as políticas sociais e assistenciais abandonadas pelo Estado.
(MONTAÑO, 1999, p. 73)
Haveria sim, no nosso modo de interpretação, uma perda do espaço profissional o que,
necessariamente, aumentaria o desemprego, substituído por um voluntariado oportunista e ingênuo,
preso à subserviência da lógica acumulativa do capital.
Por outro lado, essa situação converteria postos de emprego formal em subempregos
precários e informais, próprios da tradição escravocrata brasileira, em que muitas vezes se trabalha
sem vínculo empregatício e salário fixo ou mesmo apenas em troca da alimentação para a
sobrevivência. Nesse limite extremo e desolado, as empresas e o Estado se vêem fortalecidos na sua
46
política de dispensar seus empregados a qualquer momento, substituindo postos de trabalho
permanentes, ocupados por pessoas com salário razoável e fixo, por empregos precários, com
salários baixos e sem garantias trabalhistas nem previdenciárias. Por tudo o que foi afirmado, o
Terceiro Setor pode tornar-se um elemento a mais que corrobora algumas posturas neoliberais, tais
como a mercantilização dos bens sociais, extinção da noção de bens sociais, redução de gastos
públicos com políticas sociais. Conforme Castanho (1997, apud LOMBARDI, 2001, p. 28),
[...]. As principais posturas do neoliberalismo foram (e continuam sendo):
a) restrição ao poder “excessivo” do movimento operário e do sindicalismo, pressionando
as empresas por salários e o Estado por políticas sociais;
b) manutenção de Estado forte apenas para conter o sindicalismo e controlar a moeda;
c) no mais, minimização do Estado quanto a investimentos na economia e em política
social;
d) disciplina orçamentária;
e) restauração da taxa “natural” de desemprego e recriação do “exército de reserva” de
trabalhadores;
f) estabilidade monetária;
g) restauração da taxa de lucro das empresas restituídas à competitividade via
produtividade.
Alcançados esses objetivos, o Estado produziria uma dualidade interna desconexa e
antagônica: veja-se, de um lado, a esfera do privado-mercantil com serviços de qualidade excelente,
seja na educação, na saúde ou onde quer que seja, porém, acessíveis àqueles que dispõem do
necessário poder de compra. De outro lado, na esfera do público-gratuito com serviços de qualidade
sofrível oferecidos aos trabalhadores, despossuídos e pobres. Podemos até suspeitar de que se trata
de uma certa institucionalização tácita do provisório, onde “nada é para valer”, tudo é provisório e
se vai jogando para um inatingível futuro as realizações de melhorias sociais.
Essa situação gera uma outra ambivalência que se manifesta na presença de duas classes, de
dois níveis de cidadanias: uma, a cidadania plena-total, dos que se apropriam dos bens e dos
saberes. De outro lado, a cidadania mínima-marginal, dos que vivem à margem do saber, do poder e
de tudo o que essas dimensões humanas propiciam.
E o pior que se observa no cenário dessa contradição social é que o Terceiro Setor esvazia,
amortece e elimina, corrói e destrói a luta de classes, o motor que mantém acesas as esperanças de
47
socialização. As táticas e os jogos de poder, utilizados pelas propostas do capital, retira das
entranhas da sociedade civil o elemento fundante, que se traduz pelo discurso do precário, do
mercantilista e do filantrópico, por cuja via, como explicita Ana Cristina Laurell, “seriam atingidos
três dos objetivos neoliberais: remercantilizar os bens sociais, reduzir o gasto social público e
suprimir a noção de direitos sociais”. (Laurell, 1995, p. 169).
Assim, esse discurso de que o Terceiro Setor compensaria as lacunas das políticas sociais,
não só elimina a possibilidade de avanço e continuidade ao universalismo dos direitos sociais, como
também dilapida as perspectivas e as vontades justas de construção de instituições solidárias e
coletivas, o que o torna uma instância perfeitamente funcional à estratégia hegemônica do grande
capital.
Outra grande falácia que os defensores do Terceiro Setor avocam para justificar sua ação
junto à sociedade civil, sempre na lógica dos interesses do capital, é aquela que chamaremos aqui de
“o canto da sereia”, e que afirma que o Terceiro Setor seria uma fonte alternativa de ocupação
profissional. Segundo palavras de Montaño, (1999, p. 66-7)
No âmbito profissional do Serviço Social afirma-se: o ‘terceiro setor’ viria compensar os
serviços sociais e assistenciais que, via privatização ou esvaziamento de recursos, o Estado
deixa de brindar, repondo as políticas sociais, agora na esfera da sociedade civil; por conta
disso, o ‘terceiro setor’ se constituiria em fonte alternativa (no sentido substantivo) de
ocupação profissional.
Não é este o espaço para analisar a apologética bibliografia, as ‘bondades’ deste chamado
‘terceiro setor’ [...], nem as considerações, ainda inocentes, sobre as ‘compensações’ que este
‘setor’ traria ao Serviço Social e às políticas sociais, em face do desmonte do Estado e da
agudização das contradições.
Observe-se que ocupação profissional, nesse caso, será aquela em que o trabalhador estaria
“ocupado” por um período de uma legislatura do apaniguador e não ocupação profissional
entendida como permanente qualificação técnica e intelectual. Ora, essa forma de ocupação
profissional precária é um dos pressupostos do programa de privatização.
No momento em que procede a privatização de uma empresa, fica-se diante de duas posturas
típicas: Do lado da empresa, ocorre a mercantilização das questões sociais e, do lado do Terceiro
Setor, a filantropização.
O grande mal atual, na verdade, é o desemprego que ronda todos os lares, tanto os do
capitalismo central quanto os do capitalismo periférico. Então, dizer que o Terceiro Setor formará
48
quadros de qualificação profissional alternativo seria negar a lógica mais elementar, conquanto ele,
o Terceiro Setor, apela para o voluntarismo, o filantrópico, o caritativo, exacerbando as idéias das
pessoas jogarem para o além, e não para o agora, o aqui, o desejo de se realizarem como pessoas
humanas, amortecendo o desejo de mudanças sociais e construção de uma sociedade justa e
solidária. Ao que tudo indica, porém, em nada colaboraria para que outros postos de serviços ou de
ocupação profissional fossem criados, pois o vínculo empregatício, nesse caso, torna-se
perturbadoramente instável, altamente flexível e excessivamente dependente de capital externo,
como também sujeito a financiamento determinantemente específico e, ainda assim, sua prática
estaria jungida a uma demanda assistencialista, voluntarista, escamoteando de todas as formas o
fazer profissional. Tal projeto molda-se à lógica do retorno ao passado, ao não pensado, ao controle
mais fácil do Estado que, embora sem agir diretamente, favorece, até mesmo com muito maior
eficiência, a política de acúmulo e de concentração de rendas cada vez mais absurdas.
Ainda há, de outro lado, um outro julgamento, por parte dos defensores das ações do
Terceiro Setor, de que este poderia substituir o poder estatal e pudesse diminuir as interferências
estatais nos diversos âmbitos da sociedade civil. Na realidade, isso se apresenta como uma idéia e
promessas ilusórias, enquanto o Estado preservar como instituição plena de direitos e, ao mesmo
tempo, com sua tradição paternalista, razão pela qual é considerado nocivo à organização social e
destruidor das liberdades sociais.
Corresponde aos fatos que, na lógica do capitalismo concentrador, o Estado se constitui
como essa instituição cerceadora das liberdades individuais e coletivas. Aqueles, portanto, que
julgam o Estado como inibidor e propõe um Estado minimizado, são favoráveis à sua destruição e
colaboram para que o Terceiro Setor assuma as políticas públicas e exerça o poder desarticulador
das conquistas sociais historicamente construídas.
Um Estado mínimo enseja o desenvolvimento e crescimento, sem medida, do Terceiro
Setor, colaborando para que este se transforme em uma instituição intermediária entre a sociedade
civil e o Estado, o que ainda mais desarticula a sociedade civil. De outro lado, um Estado
maximizado possibilitaria a garantia do estado de direito justo e universal, valendo para todos.
Portanto, o Terceiro Setor não substitui o Estado, mas se torna um soldado defensor dos interesses
do capital e um áulico à procura de poderes subservientes.
3.3.2 O engodo de que o Terceiro Setor sustentaria a sociedade civil
49
Um outro pensamento utilizado pela lógica do capital consiste em atribuir certo poder ao
Terceiro Setor sob a alegação de que este se torna um grande reforço de sustentação da sociedade
civil.
Analisando essa tese, percebe-se, de imediato, o engodo argumentativo para justificar tal
proposta. Será imaginável, é a pergunta que fazemos, que, ficando à margem do poder e
subserviente a ele, se reforçaria a sociedade civil? Onde e em que base isso reforçaria a sociedade
civil? Isso parece soar como ingenuidade muito simplista:
O ‘terceiro’ setor reforçaria a sociedade civil.
Afirmação que perpassa segmentos progressistas da sociedade (a chamada ‘nova esquerda’)
quando em oposição à estratégia da ‘tomada do Estado’, desenvolvem a idéia de ‘fortalecer a
sociedade civil’.
Neste pensamento podem perfeitamente se esconder os germes de uma perspectiva
conciliadora. É preciso lembrar que é na sociedade civil que o capital se assenta. Ali se
desenvolvem as relações de produção, de exploração; ali se produzem as mercadorias cujo
valor excedente é apropriado pelos donos dos meios de produção; ali o rico, o possuidor de
bens, exerce sua soberba de classe, enquanto aquele que nada possui além de sua força de
trabalho (cada vez mais desvalorizada) se submete e aceita (passivamente ou não) sua
situação como natural/divina ou como incompreensível e inalterável; ali os valores,
ideologias e interesses da classe hegemônica são naturalizados, sacralizados e socializados,
sendo fetichizados e transmutados em valores, ideologias e interesses de todos: o American
way of life é claro exemplo disso. (MONTAÑO, 1999, p. 67-8)
É o que se deduz, pois, qualquer articulação, passando pelo Terceiro Setor, para reforçar a
sociedade civil, passa pelo reforço inicial do Estado. Então, nas perspectivas do Terceiro Setor, não
há como reforçar a sociedade civil sem antes reforçar o Estado. E isso como premissa inicial,
desnuda e elimina qualquer tentativa de reforçar a sociedade civil. Somente se organiza e se reforça
sem as peias do Estado, sem as amarras do Terceiro Setor que são, logicamente, atuações
camufladas do Estado capitalista. Portanto, essa interpretação reforça os traços de uma idéia anti-
capitalista romântica, aquela que entende que, ao reforçar a sociedade civil e despertar laços de
solidariedade, a exemplo do que apregoa o espírito ético-religioso e outras interpretações mercantil-
filantrópicas, viria, como corolário, o reforço da sociedade civil capaz de encetar mudanças
estruturais.Ainda conforme Montaño, (1999, p. 68),
50
Portanto, é também na sociedade civil onde são reproduzidas, sem interferência da
‘limitadora’ lógica democrática, as relações sociais e o status quo. As lógicas da sociedade
civil (travestida em mercado), como observamos, estão prenhes de concorrência, onde quem
mais possui, e não que reúne maior número de vontades, é o dono da palavra. Aqui também
prevalece o espírito meritocrático, tão ao gosto da reengenharia do neoliberalismo.
Essas idéias, em nosso entender, lançam as bases para uma proposta profundamente
conciliadora, uma vez que dificultam ações mais incisivas, mobilizadoras, para exigir que o Estado,
seus dirigentes, cuidem de suas feridas. Não fosse isso, para que pagar tributos, taxas e impostos?
Não poderia essa prática estatal constituir-se num assalto institucionalizado, auferindo altíssimos
dividendos para o Estado?
Nessa lógica, o capital se desenvolve, se estabelece e se configura nas dobras da sociedade
civil e aí constrói o palco das lutas nas relações de produção. É da sociedade que o capital extrai a
mais valia e que o senhor se apodera do escravo e, com isso, estabelece subserviência da força do
trabalho à lógica do capital. Essa situação ocorre sempre por uma consciência que assimila tudo isso
como se fosse uma situação incompreensível, ou mesmo, como uma situação que secularmente se
mantém inalterada. E outras vezes aceita a situação como sendo lógica, natural, possibilitando uma
certa normalidade dos interesses das classes hegemônicas, assumindo como se fossem seus os
interesses, os valores e as ideologias dos dominantes e da lógica capital/mercado. Esse tipo de
pensar aceita até um certo servilismo no âmbito internacional, aquele que conclui que o que é bom
para os países ricos, será melhor ainda para o Brasil.
Essa naturalização do fluxo dos fatos torna tudo comum a todos, estabelecendo um certo
laissez faire, onde a grande oferta de tudo parece estar ao alcance de todos. Oferta de serviços, de
produtos, de excesso de todo tipo de mão de obra, debruçando-se num esbanjamento desmedido: a
multiplicidade de formas e de rótulos de um mesmo produto, de um mesmo princípio ativo, tudo
isso torna, ideologicamente, tudo acessível a todos, camuflando as diferenças e as disparidades
gritantes entre os que têm poder, poder de compra, poder real, e os que não têm nenhum ceitil de
poder, qualquer tipo de poder, ou por outra, que só têm sua força de trabalho como poder. O medo
de pensar essa tese, traduz-se mais como uma pseudo-equalização social do que como um
instrumento apto para exigir democracia.
E o problema mais pleno de conseqüências dessa forma de pensar é que ele propicia o
engendramento de uma cultura política da consciência de uma constante crise, tornando tudo muito
provisório e precário, eliminando a discussão sobre formas de rearticular a sociedade civil,
51
construindo, outrossim, uma opinião pública aficionada pela satisfação das necessidades mais
imediatas, pela posse de tudo o que se produz, criando necessidades de consumo no trabalhador e
nos pobres, como também uma necessidade quase narcótica de ter acesso aos fetiches do
consumismo. Isso tudo, nas dobras e nas fissuras do social é muito bem construído e costurado pela
ideologia e pela lógica do capital que usurpa o maior bem do trabalhador e dos pobres: o seu poder
de decidir.
Por outro lado, tudo isso é muito triste e lamentável porque essa lógica contém, em seu
discurso, uma engenhosa montagem, cadenciada, persuasiva, que parece ter validade universal e,
sobretudo, quando entra em jogo o status and money. Isso faz lembrar aguerridos intelectuais,
da palavra e do saber, que, ao chegar ao poder, abandonam as convicções de mudanças sociais,
mostrando que, muito provavelmente, nunca as tiveram convictamente.
3.3.3 A idéia de que o Terceiro Setor poderia implantar laços de solidariedade
local A idéia de que o Terceiro Setor reforça, constrói e dinamiza os traços de solidariedade e de
fraternidade no local onde atua, tem um componente muito capcioso e astuto. Talvez esse pretenso
espírito comunitário seja estimulado mais pelos dividendos políticos que enseja aos seus ideólogos
que pela eficiência no fortalecimento dos laços solidários de uma comunidade. Afirmam ainda que,
no micro universo, no município, na comunidade enfim, um novo cimento social está solidificando
as classes antagônicas.
Nas palavras de Fernandes, (1994, p. 132-4), é destacada a “filantropia empresarial” nos
seguintes termos:
[...], governantes recém eleitos que pedem o apoio da ‘sociedade civil’; ‘grandes empresas,
nacionais e internacionais, (que) adotam políticas de investimento social’; ‘fundações norte-
americanas (que) apóiam projetos de promoção de filantropia empresarial na América
Latina’, ‘hotéis de cinco estrelas (que) financiam projetos para diminuir a violência e
melhorar as condições em áreas turísticas’.
Tudo isso colabora para que essa idéia ardilosa, eivada de uma linguagem também cheia de
astúcia, fundamenta-se sobre dois patamares, ou duas bases que são, ao mesmo tempo,
estimuladoras e contraditórias na origem. Estimuladoras porque levam as pessoas a uma
52
determinada ação, como mutirões, ajuda mútua e outras do gênero. E contraditórias porque se
propõem a um tipo de ação que contradiz a si mesma. Veja-se que, quanto mais o Estado se
desvencilha das responsabilidades de atender às demandas sociais, mais a impotente sociedade civil,
não tendo outra saída, centra-se no local, na comunidade, no município, nos indivíduos, assumindo
funções e atividades imediatistas, implicitamente religiosas e caritativas, de salvar desabrigados e
marginalizados de suas desventuras. Essa é a opção do pensar imediatista, individualista, intimista e
egoísta que recusa pensar grande, pensar alto, pensar universalmente em soluções definitivas. Essa
perspectiva momentânea e transitória arrasta grande parte da sociedade civil a pensar localmente:
“salvemos a nós, os outros que se fomentem”. Em muitos casos, todavia, esse pensar bairrista vem
confortar muitas das consciências culpadas. Só porque possuem um “palmo de terra” a mais que seu
vizinho, pessoas há que se julgam indignas de possuir tal bem e ficam “de consciência pesada”.
Dessa forma, o dever moral e a fé religiosa os impulsionam a agir para pacificar sua
consciência culpada. E, por serem ações individualistas, restritas ao local, os graves problemas
sociais continuam a castigar a população e as diferenças sociais aumentam.
De outro lado, essa visão intimista e egoísta contempla uma certa percepção escravista,
segundo a qual as pessoas trabalham para não sucumbirem à extrema miséria. E aqui desponta o
construto de certa auto-responsabilização individual, na mesma proporção em que o Estado se
desresponsabiliza dos serviços e das políticas sociais, demandadas pela sociedade civil. Como
analisa Fernandes, (1994, p. 68) a ausência de respostas e soluções por parte do poder público
estatal reforça a substituição paulatina da solidariedade universal pelas formas particulares de
solidariedade: “o desempregado é solidário com o desempregado, o homossexual com o
homossexual, o camelô com os vendedores ambulantes, os sem tetos com os sem tetos, [...]”.
Com isso fica explícito esse outro princípio traiçoeiro da lógica neoliberal e da intervenção
do Terceiro Setor, ao se transformar um princípio unificador, o princípio da solidariedade universal,
em responsabilidades particulares. Essas carências e necessidades particulares devem,
necessariamente se auto-responsabilizar e auto-solucionar, o que desagrega, fraciona e desarticula a
sociedade civil, uma vez que, nessa perspectiva, o indivíduo passa a ser responsabilizado por tudo,
desde a desgraça em que se encontra até a solução se desejar obtê-la. Tal ideologia exime o grupo, o
coletivo de quaisquer responsabilidades sociais.
Outra ação deletéria e desgastante nesse processo é a acachapante sensação de nulidade que
as pessoas são induzidas a assumir. Assim, não são mais as pessoas que conquistam seus direitos,
não são elas que têm direito às políticas sociais, mas é o Estado capitalista neoliberal que
53
“concede”, que oferece, num gesto que humilha e mina o senso de organização em torno dos
direitos dos cidadãos. Não se fala nem se pensa em cidadania, em direitos do cidadão, mas em
ajuda, auxílio, esvaziando o conceito de cidadania, o que responsabiliza indiretamente os
indivíduos, desarticula as ações coletivas de luta pelos direitos e isenta o Estado de suas
responsabilidades.
54
4 ORIGEM, HISTÓRIA, DESENVOLVIMENTO,ATUALIDADE E
FINALIDADES DO PROGRAMA
Com a finalidade de analisar o processo de formação, origem e desenvolvimento do
Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos, e situá-lo no contexto histórico da Uniso1, buscando
apreender seu momento de construção e estruturação, levantamos as informações pertinentes à
pesquisa e fomos à literatura direcionada ao assunto em foco, na tentativa de formular algumas
questões sobre o mesmo e sua validade dentro do contexto da Uniso.
Procuramos evitar ao máximo a transcrição direta das falas dos entrevistados sobre o
assunto, prescindindo, assim, das impressões pessoais dos falantes, não nos atendo simplesmente às
conclusões a que chegaram, mas ao itinerário que percorreram para alcançá-las, procurando analisar
não apenas o conteúdo expresso, mas também o oculto e o intencional.
4.1 Em que consiste o Programa 100 Analfabetos
O Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos é um projeto cuja expectativa maior
consiste em tentar erradicar o analfabetismo em Sorocaba e Região, mobilizando a sociedade local
sorocabana e cada município circunvizinho, para o combate desse problema em toda a região,
conforme proposta do Projeto Político-Pedagógico do Programa,
A meta do Projeto era alfabetizar 500 pessoas, entre jovens e adultos. Essa meta não foi
somente alcançada, mas em muito superada, contando o Programa, em Dezembro de 2002,
com 2338 alunos matriculados, tanto nos cursos criados em função da demanda de alunos
que solicitaram sua continuidade, fazendo com que a Uniso oferecesse novas fases, com
ensino de 5ª a 8ª série e também o ensino médio. (UNISO, PROJETO POLÍTICO
PEDAGÓGICO, p. 7, Sorocaba, jan. de 2003).
No Diário Oficial do Estado de São Paulo do dia 21/07/l998, nas páginas 06 e 07, encontra- 1 Ver rodapé p. 28 desta edição.
55
se uma série de entrevistas2 concedidas pelos agentes educacionais que iniciaram o Programa
Sorocaba e Região 100 Analfabetos, inclusive um depoimento do então bispo arquidiocesano, Dom
José Lambert sobre a proposta do Programa. O primeiro coordenador do Projeto, Airton Manoel
dos Santos, Professor da Uniso, na época, afirmou ao jornal que ao todo são onze municípios que
participam do Projeto, com vinte e cinco núcleos ou salas de aula funcionando. Nos dias vinte e
oito e vinte e nove de julho de 1998 aconteceram reuniões para a formação de professores para
atuarem no Programa.
Ao todo, 110 pessoas participaram do curso, dentre as quais setenta e cinco eram
voluntários, trinta e cinco alunos dos cursos de graduação da Uniso. A presença dos alunos deveu-
se à intensa campanha feita para que os alunos de graduação assumissem a causa do voluntariado.
Também participaram outras pessoas na condição de servidores-voluntários, pessoas
arregimentadas junto às paróquias da arquidiocese de Sorocaba para serem aproveitadas como
futuros instrutores-voluntários, formando um verdadeiro grupo de reserva para alfabetizar,
possivelmente, todos os analfabetos de Sorocaba e Região, pois o Programa nasceu sob o signo da
grandiosidade, este contagiou e entusiasmou todos os que se envolveram no projeto. No Diário
Oficial do Estado, Poder Legislativo, (em 21 de julho, 1998, à p. 08), lê-se o seguinte comentário:
[...] o Programa visa alfabetizar 500 pessoas maiores de 18 anos de idade, nos 25 núcleos em
51 comunidades espalhadas pela cidade [...], a proposta, no futuro, é de que o aluno possa
alfabetizar-se, cursar o Ensino Médio e cursar uma graduação universitária que escolher.
Inicialmente todos os núcleos estavam ligados às paróquias, funcionando em salões
paroquiais, salas de catequese e até em salas improvisadas, uma vez que, nas palavras do Prof. João
José Correia Sampaio, coordenador da Campanha da Fraternidade da Arquidiocese de Sorocaba, em
1998, “..., a parceria entre a Uniso e a Arquidiocese de Sorocaba tem como ação concreta a criação
do Projeto de alfabetização”. A essa parceria certamente se deve o grande número de participantes
nesse primeiro dia de formação de professores-voluntários, visto que o bispo arquidiocesano havia
convocado os párocos para enviarem pessoas interessadas em trabalhar como voluntários num
“certo” projeto de alfabetização. O efeito dessa convocação foi que, nesse primeiro momento,
acorressem 120 pessoas para participar do encontro. Hoje, porém, os cursos anuais de formação de
professores-voluntários reúnem um número bem menor de participantes, em média 20 a 30 pessoas. 2 Universidade de Sorocaba, Centro de Ciências Humanas. Projeto Sorocaba e Região 100 Analfabetos. Diário Oficial do Estado de São Paulo, Poder Legislativo, p. 08, Terça-feira, São Paulo, 21/07/1998.
56
Nesse início, o programa conseguiu atrair expressivo número de professores aposentados,
mas desses apenas um número pequeno começou efetivamente a trabalhar. Em entrevista concedida
ao referido jornal, (Diário Oficial do Estado, Poder Legislativo, em 21 de jul. de 1998, p. 8), o Prof.
Airton Manoel dos Santos afirma que:
A abordagem do Programa pretende conquistar um novo caminho à educação, promovendo a
continuidade dos estudos aos participantes, alunos do Programa, o que significa dizer que,
após concluírem a oitava série do Ensino Fundamental, freqüentarão a suplência, do Ensino
Médio e, em seguida, poderão partir rumo à Universidade, cursar uma graduação, podendo
até fazer Pós-Graduação, porque o Programa visa a promoção do ser humano na sua
totalidade, culminando com a expressão do cidadão completo.
Conforme ainda o Diário Oficial do Estado, desse dia, (21 de jul.,1998,p. 8), na seção Poder
Legislativo, os participantes se reuniram num sábado e domingo consecutivos, das oito às treze
horas. A formulação dos conteúdos mínimos abordados e discutidos e as estratégias de atendimento
ao adolescente e ao adulto analfabetos foram temas abordados e trabalhados pelo então
coordenador, Prof. Airton Manoel dos Santos, enquanto o Professor João José Correia Sampaio,
diretor do Centro de Ciências Humanas da Uniso e coordenador da Campanha da Fraternidade da
Arquidiocese de Sorocaba, no ano de l998, dissertou sobre a formação de professores e temas
referentes ao trabalho em sala de aula, como questões didáticas, heterogeneidades e potencialidades,
bem como o diálogo do cotidiano no processo de ensino e aprendizagem.
Na oportunidade, temas como: a criatividade, questões didático-metodológicas, a
promoção dos alunos, a partir de sua bagagem de conhecimentos, a autopromoção diante do saber,
qualificações para exames e orientações didático-metodológicas também foram enfocadas pelo
coordenador da Campanha da Fraternidade.
No encerramento do curso, o reitor da Uniso, Prof. Aldo Vannuchi, diante de tanto
entusiasmo por parte dos agentes do Programa, lembrou que não estaria nas intenções do Programa
erradicar de uma vez por todas o analfabetismo em Sorocaba e Região, mas que, nas perspectivas
dos trabalhos do Programa, haveria a possibilidade de educar um grande número de analfabetos,
sobretudo porque a parceira da Uniso com a Arquidiocese de Sorocaba poderia mobilizar um
grande número de paroquianos desejosos de atuar num trabalho voluntário.
57
Para dar início aos trabalhos, segundo o reitor, a Uniso responderia pela parte técnico-
pedagógica e a Arquidiocese com o poder de atrair os necessitados de educação, incentivando-os a
conquistar cidadania, ou seja, a se alfabetizarem e adquirirem um diploma. Dessa forma, somaram-
se à equipe técnica 5 supervisores, escolhidos entre os professores do Colégio Dom Aguirre, que
pertence à mesma mantenedora da Uniso, Fundação Dom Aguirre e mais 20 alfabetizadores
pertencentes aos cursos de graduação da Uniso, os quais trouxeram para o evento técnicas de
capacitação e de criatividade nos momentos de discussão do primeiro curso de capacitação de
professores.
4.2 Fatos relevantes que marcaram a construção do programa
Na realidade, o Programa se traduziu, nesse primeiro encontro, numa ação concreta da
Campanha da Fraternidade da Arquidiocese de Sorocaba, pois assim imaginavam seus
idealizadores. E ainda conforme o referido jornal, de onde extraímos a referência, informa que:
[...] e a Campanha da Fraternidade não só debateu a temática da Educação, como também
resultou em ações concretas, entre elas, uma campanha chamada “Programa de Alfabetização
de jovens e adultos, projeto Sorocaba e Região sem Analfabetos”, [...]; A campanha da
Fraternidade vem dar um grito de basta a essa situação, sendo também uma ação concreta
diante dessa indignação, ao assumir o trabalho de alfabetização de 30000 analfabetos só em
Sorocaba, [...] e a Campanha da Fraternidade assume um projeto de alfabetizar jovens e
adultos em Sorocaba e Região. (Diário Oficial do Estado, Poder Legislativo, S. Paulo,
21/07/1998, p. 8)
Hoje, todavia, o Programa tornou-se mais autônomo e se constitui expressão real de um
projeto educacional, como veremos mais adiante, sem, no entanto, deixar de ser um programa que
representa uma forma alternativa de cobrir as lacunas das políticas educativas do Estado.
Eleito novo Governo Federal em 2002, o presidente Lula nomeou para o Ministério da
Educação o ex-reitor da Universidade de Brasília, Cristóvam Buarque, que, em fevereiro de 2003,
fez um apelo aos reitores das universidades do país com o intuito de iniciar um ousado programa
que possibilitasse debelar o analfabetismo do solo nacional.
Atendendo ao apelo do ministro, o reitor da Uniso, Prof. Aldo Vannuchi reiterou que a
Uniso crê no sonho do ministro e, como prova disso, envidaria todos os esforços para dinamizar o
58
Programa que já havia sido iniciado em 1998 e que vinha crescendo com dedicação e afinco. Assim,
conforme Projeto Político Pedagógico do Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos, (2003, p.7)
Se todas as 156 Universidades Brasileiras ouvissem o apelo/desafio do Sr. Ministro da
Educação, Prof. Cristovam Buarque, para que debelemos, quanto antes o
analfabetismo em nossa terra, tenho a certezas de que o sonho se tornará, rapidamente,
em realidade.A Universidade de Sorocaba, Uniso, acredita nesse sonho e, como prova
disso, apresenta aqui o seu Programa ‘Sorocaba e Região 100 Analfabetos’, instituído
em 1998 e sustentado vitoriosamente, ano a ano, por centenas de professores
voluntários de Sorocaba e outras quatro cidades vizinhas. No ano passado, tínhamos
2338 alunos no Programa, todos matriculados gratuitamente e preparando-se para
concluir, na sua maioria, a 4ª série do ensino fundamental. A Uniso, como
Universidade Comunitária de inspiração cristã, vê esse Programa como uma das
formas mais felizes e coerentes de concretizar sua missão e realizar os objetivos
maiores de uma Universidade à medida das necessidades mais sérias de nosso País.
Dessa forma, esse Programa passou a ser referência nacional no que tange à Educação de
Jovens e Adultos, uma vez que a Uniso se constitui na única universidade, no Estado de São Paulo,
a manter um Programa de educação de jovens e Adultos de tamanha envergadura.
4.2.1 Presença de entidades religiosas no programa
Foi bastante marcante a presença da Igreja Católica, por meio de seus agentes religiosos, da
Arquidiocese de Sorocaba, na montagem didático-pedagógica e estruturação do Programa. Isso se
comprova mediante algumas matérias do D.O.E., (em 21 de jul., 1998, p. 8), já citadas, onde se lê:
“Igreja e Uniso juntas contra o analfabetismo”. Outra manchete diz: “Igreja e Universidade numa
parceria inédita em Sorocaba”.
No livro de registros das reuniões da equipe coordenadora do Programa 100 Analfabetos,
aberto pela coordenadora, Profa. Beatriz Elaine Picini Magagna, em 1º de abril de 1999, consta que,
até aquele momento, haviam sido realizadas oito reuniões. Dentre os assuntos de maior incidência
destacam-se os relativos à formação dos professores, ao estabelecimento de metas e objetivos para
certo período de trabalho e à maior dedicação da coordenação aos núcleos. Um tema central,
surgido na primeira reunião, refere-se à questão da relação entre a Uniso e o Programa, uma vez que
havia muitas dúvidas sobre a função específica da Uniso em relação ao Programa, o qual, na sua
59
origem, havia se caracterizado mais como uma ação concreta da Campanha da Fraternidade de l998,
portanto da alçada da Arquidiocese de Sorocaba. (daí a presença forte da Igreja Católica na
formulação e construção do Programa) e não propriamente um projeto que ostentasse as
características da Uniso. Mas mesmo com a intervenção da Uniso, por ser ela uma universidade
comunitária ligada à Igreja e mantida por uma fundação católica, o programa manteve esse caráter
religioso, católico, que, aliás, assumiria sua primeira forma concreta nas paróquias de Sorocaba e de
cidades da região. Portanto, o Programa nasceu sob o signo da Campanha da Fraternidade de 1998,
cujo lema “Educação Para Todos” levou as instituições católicas a se movimentarem para realizar
algum tipo de trabalho voltado à educação.
Quando da implantação do Programa na cidade de Tatuí, também ficou manifesto o tom
religioso. Assim, após a aprovação pela Câmara Municipal dessa cidade, em sessão do dia 19 de
mar.,1999, com uma moção de apoio e congratulações à Uniso pela iniciativa, o primeiro núcleo do
projeto, foi instalado na Paróquia Santa Cruz e o segundo na Paróquia Nossa Senhora das Graças.
Uma moção de aplauso e congratulações à Universidade, pelo Programa ‘Sorocaba e Região
100 Analfabetos’ aprovada pela Câmara Municipal de Tatuí, na sessão de 19 de março. O
autor da moção, vereador Jorge Roberto Rizek, apresenta como justificativa que o Programa
é o primeiro e tem como objetivo ‘auxiliar os alunos a conseguir emprego, pois as exigências
hoje são muitas e a alfabetização se torna primordial para que os participantes tenham
possibilidade de encontrar trabalho’. As congratulações se estendem à professora Maria
Aparecida Rosa e às Paróquias de Santa Cruz e Nossa Senhora das Graças, responsáveis pelo
desenvolvimento naquela cidade. (JORNAL UNISO NOTÍCIAS, 20 de abr., 1999, p. 04)
Pode-se, aliás, constatar que em toda a sua concepção, formulação, articulação e
implementação, o projeto, sempre conta com uma forte presença da Igreja Católica.
4.2.2 Desdobramentos de outros aspectos importantes do programa
Passado o entusiasmo inicial e a efervescência da Campanha da Fraternidade de 1998, a
Uniso assumiu integralmente o Projeto, não obstante continuasse usando as dependências das
paróquias.
Estabeleceu-se que toda a montagem de um determinado núcleo, bem como sua articulação
e sua própria materialidade deveriam ter início na comunidade local, sendo, a partir desse momento,
60
assumido pela Universidade de Sorocaba, recebendo todo o apoio material para alunos e
professores, incluindo também o necessário suporte didático-pedagógico.
A natureza dos assuntos tratados nas reuniões da equipe de coordenação do Programa
evidenciam que seus agentes, professores, monitores e supervisores preocupavam-se em respeitar a
cultura e os saberes que os alunos já possuíam, tratando de enriquecer essa cultura e esses saberes
com os conhecimentos de cada agente do Programa. Assim, no Livro de Atas de Reuniões da
Equipe Coordenadora do Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos, (em 1 de abr., 2000, p. 5),
destaca-se que:
[...] esclareceu-se que toda montagem dos núcleos, bem como toda articulação deve partir da
comunidade, e que o papel a ser desempenhado pela Universidade é o de dar suporte
didático-pedagógico e material de apoio para os professores e como o Programa teve início
com primeira e quarta séries, esse será o primeiro material a ser fornecido. E mesmo com o
material de apoio os professores devem respeitar a cultura do local e enriquecer com suas
experiências.
Essa expectativa está muito presente nas disposições dos trabalhos da equipe de
coordenação.
Muitos outros temas são abordados nessas reuniões, além dos específicos sobre ensino,
aprendizagem, relações pedagógicas e outros afins. São realizadas, por exemplo, palestras sobre
ética e cidadania e assuntos paralelos a esses, como a auto-estima e outros do campo da Psicologia e
das Artes. Tudo isso com o propósito de capacitar o professor para um desempenho mais
competente em seu trabalho, mediante a discussão de questões do interesse do público do Programa.
Analisando os aspectos positivos do Programa ao longo dos vários anos de sua existência,
alguns merecem destaque maior, como, por exemplo, a própria existência do Programa e sua
atuação que se tornam fatos de incontestável repercussão em Sorocaba e Região, em razão do
grande número de pessoas envolvidas no trabalho de alfabetização. Também as reuniões de
capacitação constituem momentos férteis pelos debates pedagógicos vivenciados por todos os
participantes do Programa. Tais destaques revelam, por outro lado, a situação em que se encontrava
a alfabetização em Sorocaba e Região, bem como o tipo de preocupação ou despreocupação que
caracteriza os gestores públicos ligados à educação.
61
4.2.3 A questão da cidadania e da construção do aluno cidadão
Na ótica da equipe coordenadora, um outro sinal positivo muito presente dizia respeito à
própria supervisão oferecida pela Uniso, a boa qualidade do trabalho dos agentes-sujeitos. Tal
excelência elevava o trabalho ao nível de uma ação social paralela de abrangência tal que poderia
contribuir significativamente para o resgate da cidadania de seus alunos.
O termo “cidadania” é empregado pela equipe como sinônimo de apropriação de alguns
saberes pelo aluno, ou seja, à medida que o aluno vai aprendendo, ele vai se tornando mais cidadão
e se ele desistir do Programa, deixa de ser cidadão, ou se torna menos cidadão. Em certas falas, do
professor do Núcleo Catedral, Armindo Pereira, era afirmado que o objetivo seria “construir
cidadãos que possam ser responsáveis”. Inquirido sobre o que é ser responsável, o professor fez
afirmações genéricas, tais como: “é saber votar, saber e compreender sua posição na sociedade,
obedecer às leis, ser cidadão; ser responsável”, ou seja, ser cidadão para ele seria cumprir leis, pagar
impostos, sem, no entanto, saber o porquê disso tudo. (Entrevista concedida no dia 18 de mar. De
2003)
Portanto, a questão da cidadania é colocada aqui em termos quantitativos, de apropriação
de saberes e aquisição de um diploma. Nessa lógica, aumentando o número de portadores de
diploma, aumentar-se-ia a cidadania. Essa interpretação do termo, ao modo quantitativo,
desconsidera sua outra face, a qualitativa. Um simples texto da imprensa ilustra e clareia bem esse
fato. O jornal A Folha de S. Paulo, (3 de fev. 2003, A, p, 4), comenta:
A sociedade brasileira possui um senso político e econômico marcadamente dualista. Uns são
os que se sentem brasileiros, que votam e que escolhem seu presidente, governadores e seus
representantes nas esferas municipais, estaduais e federais. Esses são, em tese, os que têm a
cara do Brasil. Incutiram-lhes que seus votos podem mudar a situação do País. Na outra
esfera estão os que compõem a elite econômica, que determinam que modelo de economia
deve prevalecer, que prática política o governo deve adotar.
Uma vez que essa elite econômico-dominante pensa e age como as elites dos países de
capitalismo avançado, em que a economia se amolda e é coordenada pelos interesses do mercado,
62
temos nesse cenário, um total e paradoxal desvirtuamento do conceito de cidadania. De um lado, há
aqueles que elegem seus representantes, mas não participam do governo; e, de outro, a elite, cujo
voto parece não eleger ninguém, mas que terá nas mãos as rédeas do processo político-econômico,
sejam quais forem os eleitos. Unem-se capitalistas e estado como forças determinantes do processo
político-econômico sem se importarem, a não ser seus discursos com os direitos de cidadania da
população. Por isso, a utilização dos termos “cidadania” e “cidadão”, no sentido abordado pelos
agentes do Programa e especialmente pelos professores e instrutores, parece-nos estar perfeitamente
afinados às estratégias das elites político-econômicas brasileiras. E, nesse sentido, o termo
“cidadania” de conotação quantitativa, tal como foi usado até mesmo pela equipe coordenadora,
revela-se contaminado por essa lógica da dualidade. Isso não é bem entendido pelos participantes
do Programa, segundo o que pudemos depreender das entrevistas com membros da equipe
coordenadora.
No jornal Uniso Notícias, (ano VIII, n. 303, p. 3), a coordenadora do Programa
confirma:
‘[...] o aumento da visibilidade, devido ao grande número de núcleos na região, resulta na
confiança das comunidades e no crédito ao Programa por parte dos alunos’.
‘O conjunto de colaboradores que atua como professores, coordenadores e supervisores,
supre uma lacuna deixada pelo Estado no combate ao analfabetismo, por isso, o trabalho se
torna extremamente importante’.
Para ser voluntário do programa, e construir cidadania, basta entrar em contato com a equipe
de coordenação do 100 Analfabetos, [...], não precisa ter experiência como professor, uma
vez que o Projeto oferece todo o apoio pedagógico e o treinamento aos voluntários.
Por mais que se tente estabelecer diferenças e semelhanças entre esses conceitos, cidadania
e cidadão, não fica claro o sentido e o significado de “cidadania” e de “cidadão” para além da
conotação quantitativa que lhe é conferida pelos agentes do Programa. Porém, ao fazer alguém
acreditar que, ao aprender a ler e a votar, estará exercendo o direito de ser cidadão, corre-se o risco
de induzir os alunos a um engodo e cometer um grave erro didático-pedagógico. Na interpretação
dos mentores do Programa esse discurso sobre a cidadania, nos termos anteriormente aventados,
constitui um aspecto positivo. Ou seja, embora os agentes do Programa façam um trabalho tópico e
focal de grande utilidade para a população carente de Sorocaba e Região, no referente ao contexto
63
político, o trabalho do Programa 100 Analfabetos, parecem não se aperceber dos riscos imanentes a
esse jogo de transferências das obrigações e responsabilidades do Estado para a sociedade civil.
Nossa suposição se sustenta pelo freqüente uso dos conceitos de cidadania e auto-estima no
discurso dos agentes do Programa.
O professor e supervisor Jocelino José dos Santos propôs, em reunião no dia 01 de abr. de
1999, propôs que nas discussões sobre metas para o ano 2000, o tema a ser tratado fosse “Brasil 500
Anos”, e aí incluir a questão da cidadania. Na mesma reunião, jornal Uniso Notícias, (n. 173, 10 de
out. de 1999, p. 4), o Dr. Alberto Magno Rodrigues dissertou sobre “Noções de Cidadania”, cujo
teor se aproximou muito do conceito cidadania utilizado como “coragem de aprender”. Em certo
momento o palestrante diz: “Cidadania é algo que se aprende desde criança”. E a Dra. Eveli Helena
Randazzo proferiu palestra sobre auto-estima, afirmando que “auto-estima se aprende na escola”.
[...], e mesmo é até contraditório dizer que auto-estima não constrói o cidadão. Sem dúvida, a
auto-estima é algo muito pessoal e não depende só de quem deseja ter auto-estima. Assim
também, a cidadania não é algo que se constrói individualmente. Depende do esforço pessoal,
mas também depende de muitas outras coisas, como o esforço comunitário por um certo
mutirão, para fazer algum trabalho em grupo, etc.
E, sob o título “Alunos do 100 Analfabetos Aprendem Matemática Elaborando Projetos de
Construção Civil”, a Assessoria de Comunicação do Jornal Uniso Notícias inicia o artigo com a
seguinte expressão: “[...] não basta aprender Matemática, devemos aprender a ser cidadãos”. E foi
nessa perspectiva que os alunos do núcleo Vila Melges elaboraram um projeto de construção de
uma casa econômica, na escala 1:100. Nesses trabalhos aplicaram a conversão de medidas,
metragem quadrada, área e questões sobre consumo de material. O que chama a atenção, nesse
caso, é o fato de a questão do conceito de cidadania ser lembrado como sendo algo que está além da
apreensão de conteúdos matemáticos, sem, todavia, definir exatamente o que é:
‘Não basta aprender Matemática, devemos aprender a ser cidadãos’. Focados nessa
premissa, os alunos do projeto Sorocaba e Região 100 Analfabetos, do núcleo Vila Melges,
tiveram a oportunidade de aplicar os conhecimentos adquiridos nas aulas de Matemática,
elaborando um projeto de construção de casa econômica. [...] O responsável pela realização
da atividade foi o professor de Matemática, João Cézar Terenciano, do Mestrado da Uniso.
(Jornal UNISO NOTÍCIAS, 28 de abr. de 2001, p. 04)
64
4.2.3.1 Sentido positivo dos termos cidadania e cidadão usados no programa
A expressão cidadania completa ou cidadão completo foi largamente utilizada no primeiro
curso de formação de professores-voluntários. Na fala do bispo diocesano de Sorocaba, da época,
Dom José Lambert, fica muito claro essa tendência:
[...], o projeto visa formar cidadãos conscientes e que possam se tornar completos em sua
cidadania. Não apenas saber ler e escrever um simples bilhete, mas, sobretudo, saber
reivindicar seus direitos, suas necessidades e fazer da cidadania uma força tal que possa
juntar com outras forças para conquistar mais cidadania ,ainda, além de tudo, o objetivo é
despertar cidadania.[...]. (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO, Poder Legislativo, 21 de jul.,
1998, p. 07)
Na mesma linha de raciocínio a secretária de Educação de Tietê e coordenadora do 100
Analfabetos naquele município, Profa. Maria Conceição Dal Bó Vieira, afirmou, em entrevista do
dia 12/03/2004, que “a construção de cidadania é um passo decisivo para a implantação do
Programa aqui em Tietê”.
Um sentido positivo atribuído ao termo cidadania consiste em tratá-lo como “crescimento
espiritual”. Nesse sentido, cidadania aconteceria se ao aluno, além de aprender as matérias das
várias disciplinas, também “crescesse espiritualmente”. E o espiritual a que se referem tanto os
documentos quanto as falas dos entrevistados está expresso no sentido cristão do termo, como se
“crescer espiritualmente” também significasse aquisição de cidadania. E por se tratar de espiritual,
cristão, daí para o voluntário há apenas um passo. Nesse sentido, tudo está inter-relacionado:
cristão, espiritual, voluntário, características muito peculiares do Programa:
[...]. Foram discutidas as diversas experiências dos professores do Programa, inclusive
vivências entre os professores. Formaram-se oito grupos de, aproximadamente, sete pessoas,
iniciando-se a discussão, após uma hora os grupos foram desfeitos e cada grupo nomeou um
representante para apresentar o resultado da discussão, a saber: ASPECTOS POSITIVOS: a)
existência do Programa; b) material de 1ª a 4ª série; c) reuniões de capacitação; d) ser
oficialmente da Uniso; e) Supervisão da Uniso; f) ser uma ação social de abrangência que
pode resgatar a cidadania; g) carinho recíproco; h) troca de experiências; i) crescimento
65
espiritual do educador. (LIVRO DE ATAS do Programa 100 Analfabetos, 28 de out., 2000,
p. 10)
Nessa reunião, esses aspectos foram destacados como genuinamente positivos por tudo o
que o Programa tinha realizado até aquele momento. E, tendo como referência o fator de que o
Programa tem sua forma embrionária alicerçada no tema da Campanha da Fraternidade de 1998,
onde se destaca o assunto “Educação para Todos”, era de se esperar que esses aspectos, o cristão, o
espiritual e o voluntário estivessem tão presentes. Outrossim, esse tripé (cristão, espiritual e
voluntário) mantém uma certa coerência com o objetivo da própria Uniso, que se propõe a formar e
a educar pessoas em Sorocaba e Região, mediante princípios cristãos3.
4.2.3.2 Sentido negativo dos termos cidadania e cidadão usados no programa
Os aspectos ou sentidos negativos do programa, presentes nas atas, aludem geralmente a
questões menores, porém, não menos importantes, como os defeitos didáticos nas apostilas
adotadas, a falta de incentivo financeiro por parte do Poder Público em assumir a idéia do trabalho
voluntário na educação, e também o pequeno ou quase nulo interesse da mídia pela divulgação do
programa.
[...], reunião com os professores do Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos, presidida
pela professora Beatriz Elaine Picini Magagna, coordenadora do Programa, para tratar de
vários assuntos, tais como: APECTOS NEGATIVOS: a) Apostilas de 5ª a 8ª George
Whashington, apresenta muitas falhas; b) falta de incentivo financeiro; c) falta de divulgação
pela mídia; d) falta de voluntários comprometidos; e) falta de preparo do educador; f) falta de
informações entre os núcleos; g) descomprometimento do professor; i) falta de compreensão
da sociedade; j) falta de material para aluno; k) falta de reconhecimento do professor, digo,
com o professor voluntário e cidadania precária. (LIVRO DE ATAS do Programa 100
Analfabetos, 28 de out. de 2000, p. 10)
3 Nos objetivos da Uniso, no que se refere à sua missão, é afirmado o seguinte: “Missão da Uniso:” Ser uma Universidade que, através da Integração e Ensino, Pesquisa e Extensão, produza conhecimentos e forme profissionais em Sorocaba e Região, para serem agentes de mudanças sociais à luz de princípios cristãos (grifos nossos).
66
Diante desse quadro bastante preocupante, sugestões são constantemente apresentadas
explicitando a necessidade de estreitamento das relações entre equipe coordenadora, professores,
alunos e a Universidade, o que transparece na exigência de um maior número de reuniões, de busca
de parcerias com as empresas locais, de uma certa necessidade de divulgar ainda mais essa
iniciativa educacional. Em entrevista com a secretária do Programa, Talita Luci Mendes Falcão, em
(12 de abr. de 2003), foi dito que “[...] os agentes educadores têm manifestado certa apreensão no
que toca à preparação técnica do educador e compromisso deste com os alunos e com o Programa e
para que os alunos não percam a oportunidade de garantir cidadania”.
Outras necessidades como a inclusão dos alunos nas atividades da Universidade e
uma inserção maior do Programa junto à comunidade local e outros incentivos aos alunos são
reclamados pelos agentes-educadores e equipe coordenadora. Conforme afirmação da
coordenadora, (em entrevista do dia 28 de abr. de 2003), afirma:
[...] onde o Programa se instala, a aceitação dos que se envolvem no trabalho é muito
positiva. Mas não é tão fácil convencer alguém ou um prefeito a assumir algumas
responsabilidades sobre educação e, por outro lado, nem todos querem ter responsabilidade
com trabalho voluntário.
4.3 Trabalho docente e aspectos do voluntariado
A interpretação e a visão da equipe sobre os aspectos positivos e negativos aqui apontados e
as sugestões que foram apresentadas, parecem fazer parte de certa tendência bastante desconexa
entre o trabalho docente e o voluntariado. Embora alguns professores-voluntários se dediquem com
mais entusiasmo e, nesse entusiasmo parece estar muito presente o componente espiritual e
religioso, outros voluntários atuam por pura falta de opção de emprego no mercado de trabalho e
mesmo porque o valor de um salário mínimo que um voluntário recebe, por vezes, é a única forma
de ter alguma renda. A maioria dos agentes entrevistados percebe que essa questão se torna o ponto
mais vulnerável do Programa e o menos produtivo. E parece residir nessa questão, conforme fala da
secretária do Programa, (em entrevista no dia 12 de abr. de 2003), “o ponto fraco de todo o
67
trabalho”. Por outro lado, na visão do reitor e do pró-reitor comunitário, a ação do voluntariado
caracterizaria a especificidade da razão da existência do Programa.
Observando mais atentamente e analisando com mais detalhe, pode-se perceber que, para
quem está mais diretamente envolvido com o trabalho, professor e coordenador, estas questões que
afloram são mais contundentes, enquanto que, para quem pensa o Programa - pois o Programa é
dinâmico e continua a exigir revisões e mudanças, essas questões não são tão relevantes. E, nessa
inadequação entre quem pensa e quem faz o Programa, parece estar centralizada a maioria das
incertezas a respeito do próprio futuro do Programa.
Inquirida sobre a questão: “Educar para quê ?”, a coordenadora apresentou as mais variadas
respostas, dentre elas destacam-se:
‘educar para integrar o sujeito à sociedade’, ‘educar para desenvolver e alimentar a auto-
estima do aluno’, ‘para que ele possa atuar na sociedade e exercer sua cidadania’. ‘Educar
também para que o aluno possa melhorar sua qualidade de vida e atuar como cidadão e como
profissional, para que possa conhecer o mundo e nele se inserir como cidadão, para que possa
desenvolver o senso psicológico de sua existência, comunicar-se com o mundo de forma
clara e objetiva’. (MAGAGNA, Beatriz Elaine Picini, Cidadania e Voluntariado no 100
Analfabetos. (28 de out. de 2003. Entrevista)
Uma outra pergunta dirigida à coordenadora sobre novas abordagens da prática dos
agentes do Programa revelou alguns sintomas bastante significativos da prática pedagógica, como
esforço de afirmar uma postura qualitativa que ainda não se sedimentou na prática dos agentes. Tais
expressões práticas se traduzem pelo desejo de como conhecer a história de cada educando no seu
mundo particular, de trabalhar a realidade a fim de despertar nele o senso crítico e inserir os
conteúdos e saberes de cada professor no bojo do contexto de vida de cada educando.
4.3.1 O criativo e a criatividade na visão do programa
No que concerne ao criativo e à criatividade, dentro das perspectivas de trabalho do
Programa, essa dimensão está direcionada à formação do cidadão.
Criatividade consiste, para o Programa, em construir cidadania, tornar o aluno um cidadão,
mas não autônomo, capaz de interpretar as relações políticas, econômicas para que possa buscar
68
sua definição de mundo e apropriação do campo profissional. O “criativo” e a “criatividade”, nas
preocupações mais imediatas do Programa, referem-se mais a uma interpretação, repetição e
reprodução de conteúdos do que à criação do novo, à busca constante de outros saberes e novos
horizontes. Ou seja, não são colocados em termos de avanços qualitativos, mas na perspectiva de
reafirmar o já posto.
Um outro sentido atribuído ao criativo, pelos agentes do Programa, está articulado à busca
de parcerias, seja política, financeira, social, mas sobretudo econômica. E parceria, nesse caso, é
entendida como solicitação às empresas e ao Poder Público para fornecer serviços e doação de
verbas para as atividades do Programa.
O professor Airton Manoel dos Santos fez um relato do Programa no Centro Acadêmico de
Economia, ocasião em que o presidente do Centro, Emerson Cañas, doou um cheque de um mil
reais ao 100 Analfabetos, dinheiro esse arrecadado pelos alunos com a venda de camisetas, cujos
caracteres impressos referenciavam slogans com os objetivos do Programa:
[...], o professor Airton Manoel dos Santos, coordenador do Programa ‘Sorocaba e Região
100 Analfabetos’, fez um relato sobre o Programa.
Sensibilizados com o programa de alfabetização, o Centro Acadêmico de Economia, através
de seu presidente, Emerson Cañas, doou um cheque de R$1000,00, (um mil reais) para o
Sorocaba e Região 100 Analfabetos”. O dinheiro foi arrecadado pelos alunos de Economia,
através da venda de camisetas com slogan referente ao objetivo do programa.
Émerson também incentivou os colegas e pessoas presentes a doarem cadernos e outros
materiais escolares para os núcleos de alfabetização. (UNISO NOTÍCIAS, 04 de mar., 1999,
p. 03).
4.3.2 Campanhas criativas
O Programa também faz campanha para conseguir parcerias com o intuito de angariar
doações.
“Qualquer tipo de ajuda é útil para a manutenção do projeto”.
E nessa dimensão, a presidenta das famílias rotaryanas de Sorocaba, Araides Pereira
Buganza doou uma grande quantia de lápis, estojos e cadernos para o Núcleo Caguaçu de Sorocaba.
69
Para alguns alunos, esses gestos filantrópicos constituem a única forma de conseguir algum
material para estudar e permanecer na escola.
O Programa vive também de doações, “[...], qualquer tipo de doações é útil para a
manutenção do Programa”, segundo Magagna. E para a aluna Severina Aparecida Diniz, os
materiais dão um novo ânimo à continuidade dos estudos. “É muito bom receber tudo isso, pois não
tenho como comprar”.
O voluntariado e as parcerias (parceria entendida aqui como recepção de doações de
qualquer tipo de valores ou gêneros escolares), constituem o grande eixo de sustentação do Projeto.
Sob o título “100 Analfabetos precisa de doações de material escolar”, o Programa
implantou uma campanha, em 2003, com essa finalidade, e a mídia deu destaque:
O Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos está aceitando doações de material escolar,
entre outras coisas, para o benefício de mais de dois mil alunos. Segundo a Coordenadora,
Professora Beatriz Elaine Picini Magagna, qualquer tipo de ajuda sempre é útil para a
manutenção do projeto.
Uma das ações que se deve tomar é, por exemplo, a da Associação das Famílias Rotaryanas
(Afros). Há algumas semanas, a presidenta Araides Peres Buganza entregou vários materiais
(lápis, canetas, estojo e cadernos) para o núcleo Caguaçu, em Sorocaba. Para uma das alunas
do projeto, Severina Idalina Diniz, os materiais dão um novo ânimo para continuar os
estudos. ‘É sempre bom receber tudo isso, pois não tenho como comprar’.
Severina, que tinha parado de estudar por falta de oportunidade, participa do Projeto com
seus quatro filhos há quatro meses. Ela veio de Pernambuco em busca de uma vida melhor e
agora está estudando em busca de mais conhecimento. ‘fiquei muito feliz por conseguir
escrever o meu nome e quero aprender mais’, diz.
Para os interessados em fazer doações, basta entrar em contato com a coordenação do
programa, no campus Seminário. (UNISO NOTÍCIAS, 16 de nov. de 2000, p. 04)
Todas as referências ao Programa até aqui expostas foram recolhidas das entrevistas
concedidas pelos agentes entrevistados e por meio de outras fontes, como o Jornal Uniso Notícias,
(fev. de 1999 a dez. de 2003), Jornal Cruzeiro do Sul, entrevistas com alunos e ex-alunos, com
professores e ex-professores. Por tudo o que se depreende das coletas de informações, leituras de
dados referentes à história do Programa e à sua prática, há que se entender que, no cômputo geral
dos pontos positivos e negativos do Programa, deve-se concluir que essa iniciativa merece todo
respeito do público e das autoridades públicas educacionais. Ressalta-se, ainda, o grande esforço
que é investido nesse Projeto e, por constituir um trabalho de tal envergadura, somente uma
70
instituição comunitária, gerenciada por pessoas comprometidas com o ser humano e com o social
podem levar a cabo, mesmo sabendo (ou não) que, no geral, estão fazendo aquilo que o Estado
deveria fazer.
4.4 Materialidade e organização do programa
A pesquisa sobre os núcleos e sobre as realidades dos alunos e dos professores mostra
situações muito díspares umas das outras. Nem sempre os núcleos apresentam características
semelhantes, às vezes ostentam até contradições em sua organização. De ano em ano, o Programa
vai assumindo também novas feições, às vezes crescendo, outras vezes se retraindo.
No ano de 1998, o Programa já possuía vinte e um núcleos, concentrados todos em
Sorocaba. Nesse ano, foram alfabetizados e formados 145 alunos de primeira à quarta séries. E
1999, um total de 231 alunos de primeira à quarta séries freqüentaram o Programa. No ano de 2000,
além dos cinqüenta núcleos que funcionavam em Sorocaba, outros quinze foram implantados nos
seguintes municípios: Boituva, Ibiúna, Laranjal Paulista, Piedade, Pilar do Sul, Salto, Salto de
Pirapora e Votorantim. Havia quatro supervisores para atender ao município de Sorocaba e mais
oito para atender às demais cidades, onde funcionavam os núcleos. Em Sorocaba havia, só nesse
ano, 175 alfabetizadores em atividade. Cada núcleo funcionava em turnos diferentes, mas nem
todos os alfabetizadores, atuavam em sala de aula. E na Região havia 57 alfabetizadores em
atividade, um verdadeiro exército de voluntários.
Só o município de Sorocaba contava com 1232 alunos, distribuídos da seguinte forma: 393
de primeira a quarta série; 809 de quinta a oitava série e 30 alunos de Ensino Médio.
A Região de Sorocaba estava assim distribuída: Ibiúna com 112 alunos de primeira à quarta
séries. Salto com 42 de primeira à quarta séries e 7 alunos de quinta à oitava séries; Laranjal
Paulista com 96 alunos de primeira à quarta séries; Salto de Pirapora possuía apenas 3 alunos e
Votorantim estava com 45 alunos de primeira à quarta séries e vinte e nove de quinta à oitava
séries. No final do ano de 2000, o Programa já havia atendido a 1566 alunos.
Em 2001, os municípios de Boituva e Piedade deixaram de participar do Programa.
Nenhuma razão convincente foi apresentada que pudesse justificar tal medida, mesmo porque os
71
agentes não tinham informações precisas sobre isso. O fato é que até hoje Boituva4 não faz parte
desse trabalho de alfabetização, enquanto o município de Piedade voltou a ativar o convênio com a
Uniso em 2002.
Por outro lado, outros municípios como Alumínio, Araçoiaba da Serra, Jumirim, Mairinque,
Itapetininga, São Roque e Tietê, ingressaram no Programa, formando assim um total de 13
municípios participantes do Programa. No entanto, a cidade de Sorocaba perdeu dez núcleos e a
Região de Sorocaba continuou com os mesmos quinze núcleos.
O número de professores disponíveis em Sorocaba aumentou para 200. Também na Região
de Sorocaba houve sensível aumento de professores disponíveis: de 17 no ano de 2000, esse número
aumentou para 50, um enorme salto quantitativo. Diminuiu bastante o número de alunos formados
de primeira a quarta séries, tanto em Sorocaba quanto na Região toda.
No ano de 2002, o Programa sofreu perdas muito significativas quanto ao número de
municípios que faziam parte do Programa. Dessa forma, dos nove municípios integrantes do
convênio, apenas cinco continuavam no Projeto 100 Analfabetos. O número dos núcleos,
conseqüentemente, sofreu profunda queda. Diminuiu ainda o número de supervisores, tanto em
Sorocaba quanto na Região toda. O número de alunos diminuiu sensivelmente nas séries de
primeira a quarta, porém, de quinta a oitava e o Ensino Médio aumentaram em medida
inversamente proporcional. Já no ano de 2003 houve muitas adesões de vários municípios,
compondo um total de 13 municípios fazendo parte do Programa.
O município de Tietê imprimiu um grande dinamismo ao Projeto, conseguindo montar doze
núcleos, levando a Região a superar, pela primeira vez, o município de Sorocaba. (RELATÓRIOS
ANUAIS do Programa, anos: 2000, 2001,2002 e 2003)
4.4.1 Características e materialidade de alguns núcleos pesquisados
Foram escolhidos três núcleos para a pesquisa, com a finalidade de caracterizá-los no que
toca à sua materialidade e características principais.
As pesquisas foram realizadas em julho do ano de 2003. São os seguintes:
4 Em virtude de questões políticas, alguns prefeitos da Região de Sorocaba não aceitam o convênio com a Uniso. Outros, além de não aceitarem o convênio, rescindem-no, quando de sua existência. Fato ocorrido com a Prefeitura de Boituva-SP que, a partir de 2001, rescindiu o convênio com a Uniso e até o momento não mais faz parte do Programa.
72
Primeiro: Núcleo Consolata.
O núcleo está situado na Praça Santa Filomena, no Bairro Rio Acima, no centro da cidade de
Votorantim.
O bairro possui boa infra-estrutura, como água e luz, rede de esgotos e iluminação pública.
É servido por várias linhas de ônibus. Possui ainda duas escolas estaduais e uma municipal, com
também posto da polícia militar. O comércio é bastante dinâmico no bairro.
No ano de 2002 havia uma sala de 16 alunos de 1a. a 4a. séries. A idade variava bastante de
um para outro aluno, nessa mesma série. Quem ministrava as aulas era uma professora voluntária.
Havia ainda uma sala de 5 ª a 8 ª séries, com um total de 18 alunos, sendo atendida por
professores de disciplinas diferentes. Para estes, a razão maior para a obtenção do certificado de
conclusão do Ensino Fundamental se dava em virtude das exigências do mercado de trabalho.
O funcionamento do núcleo era de Segunda a sexta-feira.
Segundo: Núcleo Santo Antônio.
Este núcleo está localizado na Av. Joaquim Estalislau de Arruda, n. 81, no Bairro de Árvore
Grande. O núcleo funciona nas dependências da Igreja Católica local.
O bairro é servido por várias linhas de ônibus, tanto para o centro da cidade quanto para as
cidades vizinhas.
O bairro é bastante movimentado. Possui água, luz, iluminação pública, asfalto e rede de
esgoto. Possui posto de saúde, hospital, escolas estaduais e municipais, bem como posto da polícia
militar. O comércio é muito movimentado.
Havia uma sala de 1ªa 4ª série e duas salas de 5ª a 8ª série e uma sala de Ensino Médio
bastante numerosa.
Ao todo, dez professores trabalhavam nesse núcleo em 2003, assim distribuídos: uma
professora alfabetizadora, cinco no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries e quatro professores do
Ensino Médio.
Terceiro: Núcleo do Jardim Simus.
Esse núcleo funciona nas dependênciaS da Igreja Católica do bairro, na Avenida Dr.
Américo de Figueiredo, s/n, no Jardim Simus, na Zona Oeste da cidade, muito próximo à Avenida
73
General Carneiro, onde o comércio é bastante evoluído e muito variado. Há várias agências
bancárias no bairro, posto da polícia militar, escolas estaduais e escolas municipais, bem como
iluminação pública e posto de saúde. De modo geral, o interesse por aprender a ler decorre da
esperança de poderem se empregar melhor, como também para ler as sinalizações de rua, os
outdoors que existem em profusão na cidade e os programas de tevê.
Esse núcleo começou a funcionar em 2000 e, em 2003, possuía: uma sala de 1ª a 4ª séries;
uma sala de 5ª a 8ª séries; e uma sala de Ensino Médio.
No total havia 91 alunos.
O núcleo funcionava das 19 às 21 horas, nas terças, quartas, quintas e sextas-feiras.
Uma das características de destaque desse núcleo consiste em que os alunos não
apresentavam maiores números de faltas, como era praxe nos demais núcleos.
4.4.2 Organização dos núcleos quanto ao regime de funcionamento
Conforme o Regimento do Projeto, nas cidades onde se estabelece um núcleo, o
responsável da comunidade ou quem o prefeito indicar, organizará o núcleo ou as classes que serão
divididas em:
I Alfabetização Básica:
a) Primeira Fase: iniciantes, 1ª.e 2ª . séries.
b) Segunda Fase: 3ª.e 4ª. séries.
II Suplência I:
a) Terceira Fase: 5ª.e 6ª. séries.
b) Quarta Fase: 7ªe 8ª séries.
III Suplência II:
Quinta Fase: 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio.
E, de acordo ainda com o Regimento do Programa, os alunos serão submetidos a exames ao
término da 4ª. série e 8ª. série do Ensino Fundamental, como também ao final da 3ª. série do Ensino
74
Médio, para ser averiguada a possibilidade da aquisição de certificados de conclusão, bem como a
continuidade nos estudos.
Nesse sentido, o currículo do curso se organiza de acordo com as determinações legais da
LDB 9394/94, cujos princípios básicos correspondem a:
a) compreensão dos direitos e deveres do cidadão, do Estado, da família, e dos grupos em
geral que compõem a comunidade;
b) respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem;
c) desenvolvimento do homem de forma integral e sua participação na construção do bem
comum, bem como melhorar a qualidade de vida, dominando os recursos científicos para
vencer as dificuldades do meio;
d) condenação de todo tratamento desigual por convicção religiosa, filosófica ou preconceito
de qualquer espécie. (CONSTITUIÇÃO FEDERATIVA DO BRASIL, 1988, Capítulo I,
artigo 5º, incisos VI, VII e VIII)
Os núcleos estão organizados para funcionarem com o mínimo de quatro horas semanais
para as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e de duas horas semanais, por disciplinas, de
5ª. e 8ª. séries e também do Ensino Médio.
4.4.3 Atribuições e competências dos responsáveis pelo funcionamento do
programa
As atribuições e as competências daqueles que trabalham no Programa variam de acordo
com os cargos e funções que ocupam.
No geral, essas atribuições seguem as identidades e estrutura naturais e normais de qualquer
empresa educacional. Assim, cada um assume suas responsabilidades pertinentes às respectivas
funções dentro da estruturação do Programa.
Dessa forma, a cada um compete:
75
A) Ao Coordenador:
Conforme o Regimento do Programa, em seu capítulo 13º, compete ao coordenador:
a) zelar para se cumpra a ordem educacional e administrativa vigentes e responder pelo
programa perante as autoridades de ensino e junto à Uniso;
b) promover reuniões semanais como os supervisores e com o secretário do Programa e
elaborarem juntos os exames a serem aplicados aos alunos dos vários núcleos;
c) promover reuniões de aprimoramento com os professores e efetuar visitas periódicas aos
núcleos, visando toda escrituração. Também deve ocupar-se de toda correspondência,
abrindo, rubricando e encerrando livros em uso na secretaria, bem como capacitar, junto
com os supervisores, os professores que queiram ingressar no Programa.
B) À Coordenação do Programa:
Aos supervisores competem:
a) Acompanhamento permanente dos núcleos, visando o aprimoramento do processo
ensino-aprendizagem;
b) Manter cadastros atualizados de alunos, bem como dos professores;
c) Intermediar com a secretaria do Programa ficha de preenchimento para a aquisição de
passe estudante;
d) Promover reuniões periódicas de aperfeiçoamento com os professores;
e) Elaborar, junto com a coordenação, os exames a serem aplicados aos alunos do
Programa;
f) Participar das reuniões semanais com a coordenação e com a secretaria;
g) Intermediar esclarecimentos necessários, bem como divulgar aos núcleos, instruções e
editais relativos aos testes de escolaridade.
76
C) À Secretária do Programa:
A secretaria é o órgão encarregado de executar todos os trabalhos pertinentes à escrituração,
ao arquivo e à correspondência do Programa. A ele compete:
a) Responder pelo expediente e pelos serviços gerais da secretaria;
b) Subscrever, juntamente com o coordenador, certificados, matrículas, registrar todas as
menções e, sempre que couber, outros documentos pertinentes ao alunos;
c) Organizar e ter sob sua responsabilidade os arquivos do Programa, zelando pela ordem e
conservação;
d) Promover a escrituração das atas de abertura e encerramento dos livros obrigatórios e os
papéis de sua responsabilidade;
e) Redigir e encaminhar;
f) Redigir e encaminhar a correspondência oficial do Programa;
g) Secretariar as solenidades e reuniões promovidas pelo Programa;
h) Cumprir e fazer cumprir as determinações do coordenador;
i) Termos de visitas das autoridades de ensino;
j) Atas das reuniões pedagógicas semanais com os supervisores;
k) Registro de matrículas;
l) Livro de menções.
D) Ao Corpo Docente:
Compete ao corpo docente: passar anualmente por curso de capacitação de 4 horas, para:
77
a) reler a história da educação, compreendendo a exclusão de tantos jovens e adultos da
escolaridade básica;
b) conhecer os aspectos legais da LDB 9394/96;
c) aprender estratégias de motivação;
d) discutir e assimilar o material do Programa.
E) Aos Alunos:
Ao aluno compete:
a) cumprir com as disposições do Regimento, cooperando para que o Programa possa lhes
dar o melhor ensino;
b) portar-se convenientemente em todas as dependências dos núcleos;
c) comunicar ao supervisor qualquer problema que tenha enquanto aluno do Programa;
d) manter sempre um ambiente de respeito para com os colegas e professores.
(REGIMENTO DO PROGRAMA, capítulos II ao IV, artigos 13º ao 21º)
Levando em conta as características da maioria dos alunos, como pessoas já adultas, a
maioria já inserida precariamente no mercado de trabalho, é interessante realçar que os alunos do
100 Analfabetos se assemelham em quase tudo aos alunos regularmente adequados aos estudos de
suas respectivas faixas etárias. São jovens e adultos, a maioria trabalhando, com expectativas de
(re)inserção no mercado de trabalho e com um olhar muito peculiar sobre o mundo e sua existência.
4.5 Aspectos gerais do voluntariado no programa
Amparados pela Lei Federal 9.608, de 18/02/985, o Programa exige, como condição maior
para o professor, assinar um contrato, através de um documento intitulado “Termo de Adesão ao 5 Cf. Lei do Voluntariado, ao rodapé da p. 28.
78
Voluntariado”, conhecida como “Lei do Voluntário”, que descaracteriza qualquer vínculo
empregatício entre o assinante e a instituição e no qual vem explicitamente expresso que se trata de
um serviço de natureza voluntária, não gerando qualquer vínculo de relação trabalhista,
previdenciária ou fundiária entre as partes, sem direito a nenhuma remuneração ou indenização
pelos serviços prestados.(Ver Anexo B, à p. 114).
Na ocasião da rescisão do Termo de Adesão ao Voluntariado, nenhuma das partes terá
qualquer ligação trabalhista ou qualquer ônus. E, sem a assinatura desse Termo, o “voluntário” não
inicia seu trabalho.
Em relação, portanto, ao caráter legal do voluntário, julgam os defensores do voluntariado
que não se trata de um salário que o voluntário recebe, mesmo que o valor monetário seja
exatamente um salário mínimo, mas sim, de uma ajuda de custo, o que descaracteriza vínculo
empregatício.
O ano de 2001 foi eleito o Ano Internacional do Voluntariado. Para relembrar e comemorar
o fato, a Prefeitura de Sorocaba e a Uniso realizaram ciclos de palestras. E para incentivar e discutir
o tema “Programa Voluntariado: Lazer Levado a Sério”, no dia 24 de abr., 2001, foi realizado uma
série de eventos. Em março daquele mesmo ano, houve a realização do “Programa Voluntários
Ruas de Lazer”. Em maio, realizou-se o “Dia do Desafio”. Em junho, “O Inverno Quente”. Em
julho, “As Férias Quentes”. Em agosto, “O Festival de Pipas”. Em setembro, “O Passeio Ciclístico”
e, em outubro, “O Espaço de Lazer”. Em todos esses eventos foi muito marcante a chamada de
atenção do público para a questão do trabalho voluntário, entendido, nesses eventos, conforme o
espírito e a idéia fixados no Manual do Voluntário da Prefeitura de Sorocaba. (UNISO NOTÍCIAS,
24 de abr., 2001, p. 3).
Do mesmo modo e
Considerando que 2001 é o ano Internacional do Voluntariado. Tendo isso em vista, a
Prefeitura Municipal de Sorocaba e a Uniso realizaram, dia 24 de março, no Salão Verde do
Campus Seminário, palestras sobre o ‘Programa Voluntariado: Lazer Levado a Sério’, para
incentivar e discutir o tema. Segundo o Manual do Voluntário da prefeitura, ‘voluntário é o
cidadão que, motivado pelos valores de participação e solidariedade, doa seu tempo, seu
trabalho e talento, de maneira espontânea e não remunerada, para causas de interesse social’.
E, para 2001, a agenda do voluntariado sorocabano está repleta de programações. No mês de
março tivemos o Programa Voluntários Ruas de Lazer; para abril está agendada a Expo
79
Verde; em maio haverá o Dia do Desafio; em junho será realizado o Inverno Quente; em
julho, as Férias Quentes; em agosto, o Festival de Pipas, em setembro, o Passeio Ciclístico e
em outubro será desenvolvido o Espaço de Lazer. (UNISO NOTÍCIAS, 11 de abr., 2001, p.
04)
O site http://www.universiabrasil.net/materia.jsp?id=2278, consultado em 22/02/2004,
informa que o Programa, “Nascido com a pretensão de ser um programa paroquial”, incentivado
pela Campanha da Fraternidade de 1998 da Igreja Católica, cujo tema era Educação, “[...] o
Sorocaba e Região 100 Analfabetos, estruturado pela Universidade de Sorocaba, tem sido usado
como referência para o projeto ‘Brasil Alfabetizado’, do Ministério da Educação, (MEC)”. Isso faz
da Uniso a única Universidade do Estado de São Paulo inclusa na lista de instituições
alfabetizadoras do Ministério.
Quando o Programa inicia um projeto em um município, o procedimento de praxe é o
seguinte: A Câmara local vota uma lei municipal permitindo alocar recursos à iniciativa. O prefeito
a sanciona e, então, preferencialmente, as igrejas são solicitadas a oferecer espaço físico para a
instalação física dos núcleos. Abrem-se inscrições para professores-voluntários. Esses voluntários
passam por um período de capacitação na Uniso, em Sorocaba, com a coordenadora do Programa e
com os supervisores. Têm contato com o material didático do Programa e informações gerais de
como tudo funciona, inclusive e, especialmente, a Lei do Voluntariado. Foi o que ocorreu, por
exemplo, no município de Tietê, com uma forte presença da Igreja Católica.
4.5.1 Concepções e algumas propostas do trabalho voluntário
Para esclarecer algumas concepções e propostas do trabalho voluntário, parece-nos
proveitoso, neste momento, ouvir algumas vozes mais legítimas de comunidades, onde o trabalho
voluntário tem bastante destaque e alcance e onde a divulgação pela mídia lhe confere ainda mais
presença e repercussão.
Dessa forma, podemos nos reportar a alguns trabalhos de maior visibilidade no contexto
nacional como, por exemplo o de Stephen Kanitz, (2001) que, pela ênfase à filantropia e ao
voluntariado, constitui-se num marco de referência nessa área.
80
4.5.1.1 Filantropia e Voluntariado.
Contrariamente ao que defende Montaño (1999), que defende uma ação profunda e incisiva
do Estado na atuação junto à sociedade civil, KANITZ6, (2001), propõe a retirada do Estado nessa
atuação, deixando à sociedade a tarefa de auto-organizar-se e fazer do voluntariado um mecanismo
prazeroso de prestação de todo tipo de trabalho voluntário. Dessa maneira, argumenta Kanitz:
[...], nunca neste país teve tanta exclusão e tantos problemas sociais como agora. Por isso, de
alguns anos para cá, tem crescido um movimento que acredita que talvez fosse melhor que a
sociedade e a comunidade cuidassem da área social, diante da incapacidade do Estado de
resolver essas pendências. [...]. Cresce também a noção de que a responsabilidade social no
fundo é do ser humano, do indivíduo, por meio do trabalho voluntário, da filantropia, das
fundações criadas por acionistas das grandes empresas. É benéfico para todos que seja assim.
Uma sociedade somente será cidadã se seus participantes forem atuantes na área social de
forma mais pró-ativa do que simplesmente como contribuintes. Pagar os impostos e deixar
todos os problemas sociais para o governo é um modo de não-envolvimento. Quando o
indivíduo faz uma doação, ele descobre que a filantropia é um prazer e não somente uma
obrigação. (KANITZ, 2001, p. 23)
Apesar das afirmações desse autor serem aceitas e respeitadas por grande parte dos que se
propõem a pensar essa questão, somos da opinião que essa postura de creditar à sociedade civil a
responsabilidade e até o direito de resolver as questões sociais, faz parte daquele jogo em que o
Estado se retira da execução de políticas públicas de qualidade e joga sobre os ombros da sociedade
essa tarefa difícil. Muitos realmente embarcam nessas idéias, sem perceber que táticas o Estado está
usando para solucionar esses problemas. Acreditam ainda que assim fazendo, as empresas
assumiriam parte da “responsabilidade social”, ajudando, com isso, a resolver os graves problemas
nacionais.
Portanto, contrariamente a essas posições, como já dissemos anteriormente, a filantropia se
nos apresenta como um grande engodo que disfarça a minimalização do Estado e sua desoneração
das incumbências sociais mediante a transferência dessa responsabilidade à sociedade civil.
6 KANITZ, Stephem é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da universidade de São Paulo-SP e também articulista da Revista VEJA. É criador do prêmio “Bem Eficiente”, que, com apoio de empresas como a ACCOR, BANCO DIBENS S. A., DM9-DDB Publicidade LTDA, Firmemick e Cia. Ltda. Grupo Solvayl e
81
4.5.1.2 Iniciativas do voluntariado nacional
Poderíamos citar aqui dezenas de iniciativas que trabalham com o voluntariado, porém,
algumas há que merecem mais atenção. Entre elas destacam-se o trabalho de Herbert de Souza, o
Betinho, e o Instituto Ayrton Senna, que tiveram grande visibilidade no Brasil.
Nesse mesmo nível encontra-se também o trabalho da médica Zilda Arns, batalhadora pelos
direitos das gestantes e das crianças, e que luta para que a Pastoral da Criança atinja a todos os
municípios brasileiros.
Merece lembrança, ainda, a respeitada iniciativa de Milu Vilella, presidenta do Instituto
Brasil Voluntário, órgão que deseja encampar todo o território nacional para que, individualmente,
cada pessoa possa fazer alguma coisa, por mínima que seja, em prol do voluntariado. Para Milu
Vilella (apud PINTO, 2002, p. 424)
No Brasil, [...]. houve uma explosão de pessoas querendo participar de projetos sociais. De
janeiro a setembro de deste ano, 11640 pessoas ligaram para o centro de Voluntariado de São
Paulo em busca de alguma atividade. Um crescimento excepcional. Basta ver que, desde a
criação do centro, em 1998, até o ano de passado, havíamos recebido um total de 15 mil
ligações. Costumo dizer que somos fazedores de pontos. Uma de nossas funções é ligar um
ponto ao outro. Ou seja, colocar em contato quem deseja fazer alguma coisa com aqueles que
precisam. O interesse que o voluntário começa a despertar é incrível. O tema foi incorporado
aos cursos de pós-graduação sobre o Terceiro Setor de sete instituições de ensino superior,
entre as quais a USP, a UnB, a FGV e a PUC de São Paulo. Até mesmo a Rede Globo usou o
tema numa de suas novelas. Pedi ao Manoel Carlos e fui prontamente atendida. Um dos
personagens da novela contava histórias para doentes num hospital.
Nesta concepção de voluntariado, a questão moral está muito presente e tenta-se, através
dessas iniciativas, construir uma nova concepção moral, não apenas a que desenvolve um
sentimento de dever moral, que orienta o comportamento, mas, sobretudo, a idéia de estender essa
concepção de dever para prática voluntária, engajando o sujeito num trabalho que lhe rende
dividendos pessoais e morais.
Essa visão de engajamento na prática voluntária é a que marca decisivamente toda a
concepção do voluntário. Em outra parte de seu discurso, Vilella afirma: Intermédica de Saúde, premia entidade do Terceiro Setor após auditoria independente nas áreas financeiras, de produtividade, programas terapêuticos, dentre outros.
82
[...]. A gente mostra que é a soma de milhões de pequenas ações que vai resultar num país
melhor. O empresário Jorge Gerdau costuma citar um dado importante. Cada real usado em
ações de voluntariado multiplica-se por 12. Ao passo que, de cada real desembolsado no
pagamento de impostos, apenas 20 centavos chegam aos mais necessitados. Não há
estatísticas seguras. Estima-se em 20 milhões a parcela da população envolvida com alguma
ação. Em geral as pessoas se mexem nas horas das enchentes e das secas. Mas é no dia-a-dia
que você precisa educar a população para ser militante social. Encomendamos a alguns
institutos de pesquisa um mapeamento da questão no Brasil. Precisamos dimensionar o que é
esse voluntariado e quantas horas, em média, as pessoas dão de trabalho. Descobrimos que
mais de 60% dos voluntários estão nas religiões ou nas filosofias religiosas. Essa construção
de um novo padrão moral de solidariedade e participação ocorre tanto com as pessoas físicas,
enquanto seres individuais, como também com as empresas (pessoas jurídicas), chamadas a
investir em ações voluntárias. (VILELLA, apud PINTO, 2002, p. 424)
4.5.1.3 Voluntariado na Universidade de Sorocaba.
O Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos constitui indubitavelmente um baluarte do
trabalho voluntário, empreendido por uma Universidade na região de Sorocaba. E, como ficou
exaustivamente aqui demonstrado, foi no reitor da Uniso, Prof. Aldo Vannuchi que o Programa
encontrou seu grande aliado. Talvez, acreditamos, se não fosse o entusiasmo e a determinação do
Reitor, o Programa Sorocaba e Região não tivesse sido criado e nem tido uma história tão cheia de
realizações, como também não teria tido a abrangência que tem hoje.
Para o reitor, o voluntário aguerrido não é apenas o assistencialista, o voluntarista ou o que
chama de “enquadrado”. Na sua opinião e concepção:
Existe o voluntariado meramente assistencialista, que é mais obra de caridade do que
exercício político de cidadania. Existe também o voluntariado ‘enquadrado’, que é,
simplesmente, realizar, por compromisso partidário ou apenas por adesão acrítica, certos
trabalhos sociais que o governo deveria fazer e não faz. Existe, enfim, o voluntariado
voluntarista dos que chamam a si determinadas responsabilidades sociais, acreditando que
seu engajamento trará a solução imediata e total deste ou daquele problema. O Programa
Sorocaba e Região 100 Analfabetos nasceu da convicção de que a Universidade só se realiza
plenamente na medida em que ensina e aprende com a sociedade, a partir do potencial das
classes populares.Por isso, precisa abrir-se à realidade de sua ambiência de vida e trabalho,
marcada pelo desemprego, pelas más condições de vida e também, marcadamente, pelo
analfabetismo. Esse Programa tem se efetivado, mediante o trabalho voluntário de centenas
de pessoas, alunos e ex-alunos da Uniso ou não da Uniso. Esse trabalho voluntário merece
83
críticas, sem dúvidas. E por isso mesmo precisa estar sendo sempre revisado. Seu êxito não
pode ser medido apenas pelo número de jovens e adultos que acabam alfabetizados.
Primeiro, porque o Programa não visa apenas alfabetizar, pura e simplesmente, mas também
impulsionar os alunos à prática responsável e criativa da cidadania. Em segundo lugar,
porque os alfabetizadores devem desenvolver um trabalho voluntário sim, mas profissional,
ou seja, permeado pelos conhecimentos atualizados das ciências da educação.
(VANNUCCHI, 2003).
Assim, na visão do reitor Prof. Aldo Vannucchi, tanto a Universidade quanto o seu
Programa de alfabetização, o 100 Analfabetos, formam cidadãos responsáveis para educar pessoas
que estão fora do processo de aprendizagem normal e, ao mesmo tempo, têm no Programa uma
excelente oportunidade para conquistar cidadania.
Por outro lado ainda, esse Programa faz da Universidade de Sorocaba a única entidade de
educação a prestar trabalho de tamanha envergadura no país e ser um referencial para todo o Brasil.
Além de tudo isso, o Programa está atuando onde o Estado se faz muito ausente, deixando
um vácuo no que toca às políticas sociais. Se a Universidade presta esse serviço com tanta
dedicação e coragem é porque toda a direção dela compactua com essa idéia. Todos esses destaques
positivos não alteram nossa opinião de que, em termos de política global, a Uniso está fazendo o
jogo da lógica do capital e do Estado brasileiro, que transferem para a sociedade civil toda a
responsabilidade pelas políticas públicas.
4.5.2 Características dos voluntários do programa
Em 2003, houve um aumento no número de voluntários que trabalhavam no Programa.
Aproximadamente 220 pessoas realizavam algum tipo de trabalho voluntário, devido, sobretudo, ao
aumento da demanda, uma vez que nesse ano o município de Tietê entrou para o Programa 100
Analfabetos e imprimiu grande esforço para debelar o analfabetismo município. O aumento da
demanda, no geral, foi de aproximadamente 20%.
No que se refere ao grau de instrução dos voluntários desse ano, apuramos que
aproximadamente 40% dos professores voluntários possuíam o nível superior, enquanto os demais
só possuíam o fundamental completo, o Ensino Médio ou então eram formados apenas pelos cursos
oferecidos pelo Programa.
84
Quanto à faixa etária dos voluntários, há uma grande diferença, estendendo-se dos 17 aos 60
anos de idade, mas a média é de 35 anos aproximadamente.
Cerca de 150 do total de voluntários exercem outras atividades profissionais fora do
Programa. É mínimo o número dos que trabalham há mais de dois anos no Programa. De modo
geral, o tempo de permanência no Programa varia entre dois a seis meses, o que caracteriza uma
tendência muito inconstante da atuação dentro do Programa.
Nenhum voluntário trabalha desde a fundação do Projeto, o que nos autoriza a dizer que o
entusiasmo daquele primeiro encontro do dia 21 de fev., 1998 foi, em grande medida, estimulado
pela Arquidiocese de Sorocaba, em função da Campanha da Fraternidade daquele ano, cujo tema
“Educação Para Todos” serviu para atrair a grande maioria de voluntários que eram ligados à Igreja
Católica. Mesmo que aquele entusiasmo inicial tenha arrefecido e a inconstância dos professores
voluntários seja uma tônica do Programa, é surpreendente como o 100 Analfabetos consegue
manter-se apenas com voluntários em seus quadros. Constata-se, ainda, que o Programa independe
da vontade dos políticos locais, no que tange à prática do Programa. Isso se deve à força com que o
Programa consegue se enraizar nas comunidades onde ele se estabelece.
Dos voluntários entrevistados sobre o significado de seu trabalho para saber o que
entendiam por trabalho voluntário, recebemos respostas muito variadas:
• Trabalhar sem pensar em nada em troca.
• Fazer alguma coisa boa para quem necessita.
• Abrir o coração para o próximo.
• Trabalhar gratuitamente, sem ver o tempo passar.
• É uma troca de ensinar e aprender.
• É algo feito sem remuneração alguma.
• Bem que poderia ser registrado em carteira.
• É bom para começar a trabalhar (entrar no mercado de trabalho).
85
• É preciso ajudar a Uniso a educar jovens e adultos.
• Ajudar para que outros enxerguem a realidade.
• Um pouquinho de ajuda ao próximo.
Inquiridos sobre o apelo ao voluntariado feito por artistas de novelas e por jogadores de
futebol, bem como o realizado pela mídia, os professores voluntários emitiram respostas que
denotam perfeitamente seu grau de entendimento político da realidade no Brasil:
• O voluntariado de alguma maneira ajuda o país a sair da ignorância.
• Há muita gente precisando de ajuda e não há quem faça.
* O trabalho tem que ser feito por amor, se não será pura vaidade.
* Se cada um fizesse um pouquinho desse tipo de trabalho, o Brasil não estaria tão mal
como está em educação.
• É porque as pessoas só falam e só criticam e não fazem nada.
• Construir um país diferente.
• Para mostrar às autoridades que pode ser diferente.
• Há muitas pessoas que não sabem o que fazer com o seu tempo disponível.
Como temos afirmado ao longo desse trabalho, percebemos que o Projeto da Uniso cumpre,
no local, no município, no micro, no individual, um trabalho pontual de grande relevância para
aqueles que não tiveram oportunidade de estudar, porém, em relação às lógicas do Estado, em seu
trabalho de transferir à sociedade civil esse peso das políticas sociais, temos idéia de que a Uniso
faz esse jogo das lógicas do Estado e do capital.
86
4.6 Entrevistas com atores do programa
Faremos aqui algumas análises das falas e depoimentos de alguns atores do Programa que
foram entrevistados.
Algumas destas entrevistas deram-se de forma bastante informal, ou seja, na forma de uma
conversa normal, em que o entrevistado falava espontaneamente sem que o entrevistador fizesse
qualquer pergunta.
Em outras ocasiões, porém, o entrevistado falava com certo receio, preocupado com o que
iria dizer para não se comprometer com o Programa. Uma tônica, todavia, ficou muito flagrante: os
que ainda vivenciam o Programa, são mais contidos e apontam só os aspectos positivos do
Programa, ao passo que, os que já se desligaram Programa, sejam eles alunos ou professores,
revelam certa descrença e muitas críticas ao Programa. No geral, porém, todos reconhecem que o
Programa é muito útil em sua atuação tópica, embora alguns desconfiam de sua consistência sócio-
política.
A rotatividade dos alunos no Programa também ficou bastante evidente nas entrevistas. Uns
entram, outros saem com freqüência, mas o que ficou mais claro foi a ausência do Estado na
prestação desse tipo de educação.
Escolhemos algumas das muitas entrevistas porque, no decorrer dessa pesquisa, pouco foi
dito sobre a fala dos atores nas entrevistas aqui elencadas. Outras, porém, que foram citadas com
freqüência no decorrer da pesquisa, deixamos de elencar. Porém, as mais expressivas serão citadas.
Para a maioria dos atores foram usados pseudônimos.
a) Entrevista com Maria Conceição Dal Bó Vieira.
Sobre o surgimento, a instalação e desenvolvimento do Programa Sorocaba e Região 100
Analfabetos, a secretária de Educação Municipal da cidade de Tietê, Maria da Conceição Dal Bó
Vieira, afirmou que, no dia 18 de fev., 2003, os vereadores aprovaram a Lei Municipal de número
2713 que foi, posteriormente, sancionada pelo prefeito municipal. A lei autorizava o executivo
municipal a celebrar convênio com a Universidade de Sorocaba, para realizar alfabetização de
jovens e adultos no município de Tietê, através do Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos,
87
ao mesmo tempo em que liberava verbas (a entrevistada não soube informar o montante) para
pagamento de um salário mínimo para cada professor-monitor em atividade no Programa.
Visto que na maioria dos demais municípios o trabalho se fazia voluntariamente, sem
remuneração alguma, a Secretária Municipal de Tietê, afirmou na entrevista que, na sua opinião,
um monitor-professor deveria, sim, receber alguma compensação financeira por seu trabalho.
É claro que um professor que trabalha, tem que receber algum valor, como recompensa por
seu trabalho, assim, vai se sentir melhor motivado. Melhor seria se ele pudesse ter vínculo
empregatício, previdenciário e salário mensal. (Fala da entrevistada, no dia 15 de maio de
2003)
Isso se diferenciava bastante do que até, então, ouvíamos sobre esse assunto. Contudo, a
Prefeitura de Tietê continua contribuindo com uma ajuda de custo para os professores, enquanto a
Uniso, por seu turno, efetua acompanhamento pedagógico, capacitação efetiva dos professores e
oferece materiais de apoio aos alunos. A vigência do convênio/contrato foi feita por prazo
indeterminado.
[...] e a verdade é que tanto o prefeito como os vereadores e os agentes educativos do
município estavam, todos, muito entusiasmados com o projeto, pois tínhamos a certeza de
que poderíamos minimizar sensivelmente o analfabetismo em Tietê. E isso já foi conseguido
em grande parte. (Fala da entrevistada, em 15 de maio de 2003)
Na época, assinaram esse contrato o prefeito de Tietê, Sr. José Carlos Melaré, o reitor da
Uniso, Professor Aldo Vannucchi, o presidente da Câmara dos Vereadores e a Pró-reitora de
pesquisa e Pós-Graduação da Uniso, Professora Marli Gerennut.
E, ainda, conforme a exposição da secretária, os voluntários-professores do Programa
colocam-se à disposição, livre e espontaneamente, para auxiliar a Prefeitura em tarefas de caráter
comunitário e filantrópico, com o objetivo de desenvolver esse Projeto em Tietê. “Ficamos
surpresos com o número de inscritos para trabalhar no Programa. Pensávamos que seria difícil
conseguir voluntários, mas já no primeiro dia das inscrições, 23 pessoas já haviam sido inscritas”.
(Fala da secretária, em 15 de maio de 2003).
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O município de Tietê conta com 10 núcleos funcionando e todo o trabalho de coordenação
dos núcleos está a cargo da Secretária Municipal de Educação, cuja iniciativa, segundo a mesma,
demanda muito tempo e muita dedicação.
b) José Abimael de Castro.
A entrevista com José Abimael de Castro, ex-professor do núcleo Catedral, em Sorocaba,
revelou uma situação até constrangedora para os padrões do Programa. Afirmou que, por estar
desempregado e sem perspectivas de emprego imediato, aceitou a idéia. Submeteu-se ao processo
de capacitação, “..., mas, isso deveu-se mais a uma necessidade de momento, talvez por falta de
opção, [...], eu estava desempregado mesmo, [...], que por vocação para o voluntariado e realizar
um trabalho filantrópico”. Passou pelos mesmos trâmites legais exigidos pelo Programa, assinou a
Lei do Voluntariado e iniciou seu trabalho em março de 2003. A sala era composta por 16 alunos na
faixa etária entre os 17 aos 52 anos de idade.
As dificuldades maiores consistiam em fazer o aluno entender que alfabetização não se faz da
noite para o dia, [...] mas é muito gratificante saber que um analfabeto conseguiu ler e
escrever, por isso o professor, quase sempre, desdobra-se em seus esforços para que os alunos
aprendam o máximo que puderem, porque a gente não pensava apenas na formação técnica
do aluno, mês em sua inserção para o mundo da cultura e do trabalho. (Fala do entrevistado,
23 de maio de 2003)
Abimael considera que a metodologia do Programa permanece centrada numa idéia lógica,
evolutiva, com pouca participação do aluno e que um certo mecanicismo envolve o fazer do
professor.
Acha que o conteúdo é um pouco pesado para alguns alunos e um tanto fraco para outros,
isso em virtude da heterogeneidade da composição das salas, uma vez que era impossível dar um
atendimento personalizado a cada aluno. Como havia alunos das quatro séries numa mesma sala, o
trabalho ficava muito prejudicado, levando alguns mais adiantados a perderem o interesse pelas
aulas. Em julho desse ano, Abimael assumiu oito aulas na rede estadual de ensino, numa escola
próxima a sua casa, razão pela qual abandonou o Programa.
89
c) Maria Cleide dos Santos.
Maria Cleide dos Santos, 25, professora do núcleo São Roque, em Tietê-SP, que funciona na
sala de catequese da paróquia de mesmo nome, afirmou que ficou sabendo do processo de seleção
do Programa por meio de um cartaz afixado em um painel de avisos da igreja. Inscreveu-se e fez
prova de capacitação e averiguação e foi aprovada. Assinou o Termo de Voluntariado e começou a
trabalhar no núcleo São Roque. “Eu estava muito ansiosa e não tinha segurança. Sabe, era o meu
primeiro emprego. Ah!, eu estava muito ansiosa e feliz”. A sala onde trabalha é ampla e arejada,
projetada para comportar umas oitenta pessoas. Ela é entusiasmada com seu trabalho. Em agosto de
2003, havia dezoito alunos em sua sala: três deles na primeira série; quatro na segunda série e três
na terceira série e os demais na quarta série. Realizamos duas visitas a esse núcleo e percebemos um
clima de muita amizade entre a professora e alunos.
Maria Cleide só cursou o Magistério, mas gostaria de ingressar no curso de Pedagogia.
Acontece que as aulas são à noite, mesmo horário das aulas do “100 Analfabetos”, o que a
impossibilita de estudar e trabalhar. Como não conseguiu aulas na rede municipal, nem tampouco
na estadual, vai continuando com o trabalho no Programa. “Gostaria de ser registrada, mas já
trabalhei até de empregada doméstica e ainda hoje trabalho dois dias por semana, limpando casa
para fazer meu pé de meia”. (Fala da entrevistada no dia 15 de maio de 2003).
d) Maria Clotilde.
Na entrevista com a professora Maria Clotilde, do núcleo Consolata, apareceram situações
contundentes sobre a maneira como o professor encara o Programa. Inicialmente, a professora se
posiciona como entusiasta, mas no decorrer da entrevista ela afirma, como num desabafo, revelando
que uma boa parte dos professores estão no Projeto circunstancialmente, quer por falta de emprego,
quer mesmo à espera de outras oportunidades ou até se capacitando melhor para enfrentar o
mercado de trabalho, pois, quem oferecer melhor e maior teor de polivalência, certamente terá
melhores oportunidades de vender sua força de trabalho ou o seu “saber fazer”. Parece ser essa a
lógica do desemprego estrutural e do mercado: aproveitar os extrema e extenuadamente
competentes. E é certo que uma boa parte dos professores do Programa se colocam nessas
perspectivas. (Entrevistada no dia 18 de maio de 2003).
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e) Antônio Carlos de Oliveira.
O coordenador do Programa em Araçoiaba da Serra, Antônio Carlos de Oliveira, está
bastante entusiasmado com o desenvolvimento da iniciativa naquele município, pois, ao todo, conta
com, aproximadamente, 500 alunos matriculados, incluídos, nesse total, os alunos do Ensino
Fundamental e os alunos do Ensino Médio. Disse que a arregimentação de professores segue
critérios de qualidade e que o candidato deve ter muito boa vontade para educar e deve visar muito
mais ao trabalho voluntário que o recebimento de uma ajuda de custo. Afirmou ainda que há um
grande número de evasões. “Há uma certa rotatividade: uns entram, outros saem, mas os núcleos
andam sempre lotados. E é muito comum as faltas dos alunos”.
Disse ainda que os alunos de 1ª. a 4ª séries recebem o certificado do próprio núcleo onde
estudam, mas os de 5ª a 8ª.séries e os do Ensino Médio necessitam prestar exames semestrais, por
iniciativa da Secretaria da Educação, para eliminar matéria por matéria. E a própria Secretaria é que
fornece os referidos certificados.
Sobre as perspectivas de futuro do Programa em Araçoiaba da Serra, disse:
Eu vejo nosso trabalho educacional com esses alunos que não tiveram ocasião de estudar no
tempo certo, como da maior importância para o Município e, sobretudo, para os alunos
também, pois se trata de uma iniciativa que a Uniso teve e que merece toda consideração. Se
todas as universidades do país encarassem um projeto como esse, certamente o analfabetismo
seria eliminado em poucos anos. (Fala do Entrevistado, 22 de maio de 2003).
f) Profa. Maria Cilza.
O depoimento da professora Cilza deixa bastante claro uma tendência ético-religiosa que
permeia as ações de uma grande parte dos candidatos a professor do Programa. “Antes só havia um
núcleo que ensinava a alunos de 1ª a 4ª séries. Então, eu disse para a minha amiga: por que só de 1ª.
a 4ª. ? Será que não podemos implantar o ensino de 5ª. a 8ª. ?”. E foi o que o que elas fizeram:
“Falamos com a Márcia, coordenadora daqui da Uniso, e fomos à luta”.
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A professora Cilza é muito dinâmica, implantou núcleos de Ensino Fundamental na Vila
Sabiá, na Vila João Romão e na Vila Zacarias, onde também já funciona o Ensino Médio.
No início, para chamar a atenção do povo, colocamos cartazes nos ônibus urbanos das vilas e
em alguns estabelecimentos comerciais. Pensávamos que não haveria adesões, mas, para
nossa surpresa, tivemos a inscrição de 124 alunos. E aí, o que fazer com todos esses inscritos
? Falei com dois diretores de escolas estaduais, pedi ordem na Delegacia de Ensino de
Sorocaba, consegui mais duas professoras voluntárias e demos início no ano de 2000. (Fala
da entrevistada, 18 de agosto de 2003).
Como não havia professores suficientes para lecionar todas as matérias, os professores que
tinham mais afinidades com determinada matéria começaram a trabalhar com essa disciplina e
assim fizeram a adequação do Ensino Fundamental. Nos anos de 2001 e 2002 trabalharam com as
salas de 1ª. a 4ª. Séries. Em 2003 iniciaram os trabalhos com o Ensino Médio e, segundo a
professora Cilza, a tendência atual concentra-se numa reorientação e maior dinamismo ao Ensino
Médio, uma vez que a procura por essa modalidade é muito grande no Bairro.
Trata-se de um trabalho absolutamente voluntário, uma vez que o município de Sorocaba
não mantém convênio com a Uniso. E, em muitas situações, são os próprios professores que
providenciam materiais básicos para os alunos. “Mesmo assim, não desanimamos: nossa coragem,
nossa paixão pelo trabalho e, ainda mais, a nossa fé, nos leva a mover montanhas, porque trabalhar
nessas condições, só com muita fé em Deus e no seu trabalho”, declara a professora Cilza.
(Entrevista do dia 18 de agosto de 2003).
Perguntada se todos os professores do grupo têm uma tendência religiosa, a professora
afirmou que sim, o que caracteriza um trabalho voluntário e cristão, condições absolutamente
necessárias do voluntariado, no entender, é claro, da professora. “No nosso grupo de professores,
todos são muito religiosos e gostamos muito de realizar esse trabalho, porque sabemos que, se nós
não fizermos isso, ninguém fará em nosso lugar”, declara a professora. Ainda pudemos constatar
que não há uma preferência por esta ou por outra religião. O grupo é bastante ecumênico: há
católicos, evangélicos, espíritas e Testemunhas de Geová. O que marca esse grupo de professores é
exatamente a sua práxis: “Fazemos isso não porque o Estado não faz nada, mas fazemos para
comungarmos com pessoas que têm o mesmo ideal e a mesma fé que a gente tem”, sentencia a
professora, na mesma entrevista do dia 18 de agosto de 2003.
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Quanto ao caráter qualitativo do trabalho educacional, afirmou que muitos não
compreendem a ação do voluntário e porque se trata de um trabalho não remunerado, imaginam que
se trata de um passatempo, de uma ação sem compromisso e, talvez, em virtude disso, alguns alunos
desistem do Programa, mas que em hipótese nenhuma a qualidade fica prejudicada por se tratar de
um trabalho voluntário, mas, pelo contrário, é exatamente por se tratar de um trabalho voluntário
que os professores se dedicam com mais afeto e persistência.
g) Gisele Domingues do Amaral Franqui.
Para concluir o curso de Pedagogia, na Uniso, Gisele Domingues do Amaral Franqui
necessitava de um certificado constando 180 dias de aulas dadas, comprovando, assim, sua
experiência profissional. Como não conseguia estágio para adquirir o referido certificado, Gisele foi
trabalhar como voluntária no Programa.
Como o professor anterior havia deixado o núcleo, Gisele assumiu todo o trabalho, dando
todas as matérias de 5ª. a 8ª. séries. “Eu dei todas as matérias, cada dia uma, de 2ª. a 6ª.feira, de
fevereiro a novembro de 2003. Tive que parar em 2004 porque preciso de trabalhar, entrar na
carreira , porque é daí que vou conseguir meu sustento”. (Entrevista do dia 18 de agosto de 2003)
A questão do voluntariado outra vez é colocada como empecilho para essa professora.
Gisele se adaptou perfeitamente ao Programa, mas não pôde continuar devido à sua busca
profissional, pois sentia uma verdadeira paixão pelo trabalho, uma vez que era muito gratificante
trabalhar e ensinar pessoas adultas que estão muito interessados em aprender. Os alunos concluintes
do Ensino Fundamental desejavam continuar no Ensino Médio com a mesma professora Gisele,
“[...], mas eu expliquei para eles que eu precisava ter um emprego fixo, ser remunerada, trabalhar
registrada, porque seria daí que eu retiraria meu sustento. Também não queria me comprometer com
eles e depois ter que largá-los no meio do caminho”. (Entrevista do dia 18 de agosto de 2003). Com
isso, a professora foi adiando e, até agora, nem continuou o trabalho de que tanto gosta e nem tão
pouco conseguiu emprego.
Perguntada se recebia algum valor pelo trabalho, disse que “não, o trabalho era totalmente
voluntário mesmo. Mas, em se tratando de retorno no sentido do crescimento humano e afetivo, não
tem comparação com nenhum outro trabalho”, comenta a professora. “É um serviço que você faz
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com paixão, com muito amor mesmo. É gostoso saber que você tem pessoas esperando por sua
presença na sala de aula e ficam sorrindo para você”. (Entrevista do dia 18 de agosto de 2003).
Gisele lamenta não poder continuar seu trabalho, mas fazendo uma constatação, a professora
diz que, além de ser voluntária, ainda tinha que comprar giz, lápis e até varrer a sala com os alunos.
Mesmo havendo muita troca entre os seus alunos e a professora, há certas situações que fogem ao
controle do próprio trabalho dos agentes. “A princípio a gente acha tudo muito bonito e até meio
romântico, mas com o passar dos meses você se percebe sem futuro nenhum. Então, trabalhar só
por amor à profissão, ou só por espírito filantrópico, só dá certo para quem tem independência
econômica”. (Entrevista do dia 18 de agosto de 2003)
Gisele afirma que, se seu trabalho no Programa tivesse um vínculo empregatício, jamais o
deixaria, porém, como voluntária, não tem nenhuma expectativa de futuro, todavia, mesmo que
tivesse um emprego com melhor remuneração, e com outro público discente, preferiria receber
menos, contudo, ter alunos como os do 100 Analfabetos. “Se eu conseguir um emprego e tiver
algumas horas vagas durante a semana, ainda volto para doar um pouco do meu tempo” (Entrevista
do dia 18 de agosto de 2003).
h) Andréia Razel.
A empresa Seágua, localizada no município de Mairinque-SP, deparou-se com o problema
do analfabetismo dentro de suas próprias dependências e tentava de alguma maneira encontrar uma
solução possível. Andréia Razel, diretora do Departamento de Recursos Humanos da empresa
encontrou no site da Uniso informações sobre o Programa de Alfabetização e manteve os primeiros
contatos com a coordenação do 100 Analfabetos e já deu início aos trabalhos em 2001. “Nossos
funcionários tinham muitas dificuldades para estudar fora da empresa e suas deficiências se faziam
muito presentes na conversa, na informalidade, no cotidiano e nas relações mais simples”.
(Entrevista do dia 23 de agosto de 2003)
Andréia e seu gerente geral sentiram a necessidade de melhorar o nível de conhecimentos
dos funcionários da empresa e como tem um cuidado peculiar com seus funcionários no que toca à
higiene, saúde, segurança e, em especial ao “o nível cultural”, ela e o gerente geral resolveram
montar o núcleo dentro da própria empresa para que o funcionário não perdesse tempo para estudar
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e, ao mesmo tempo, se sentisse motivado para tanto. Num galpão desativado da empresa montaram
duas salas de aula, “para que o funcionário pudesse conciliar trabalho e estudo”, ao mesmo tempo
que pudessem ter “certo controle sobe os estudos do funcionário-estudante”, mesmo sabendo que
depois de alfabetizado o funcionário pudesse mudar de empresa e conseguir emprego melhor.
“Flexibilizaram os horários dos funcionários-estudantes, para que pudessem, ainda, adequar
a vida de cada um com a realidade de estudo”, disse Andréia, e acrescenta: “No mesmo momento
procuramos trazer seus filhos e esposas para estudar conosco, pois a Uniso aconselhou-nos a
estender o ensino às demais pessoas da comunidade, e foi o que fizemos”. (Entrevista do dia 23 de
agosto de 2003)
Sempre que possível, faziam a adequação de textos à vida do cotidiano de cada estudante, o
que tornou o ambiente de estudo muito agradável e proveitoso para todos os envolvidos, de vez que
os próprios funcionários mais capacitados lecionavam voluntariamente, o que amenizou o trabalho
da Uniso, e os custos da própria empresa. “Usamos os próprios funcionários para lecionar e isso
criou um vínculo muito interessante, porque existe um tipo de relação hierárquico no trabalho e na
sala de aula existe outro tipo de relação”. Segundo a gerente Andréia, esse trabalho aproximou
muito os funcionários e foi possível construir um clima familiar dentro da empresa, clima esse que a
empresa vinha perseguindo há anos e que só foi possível com o aumento do nível cultural dos
funcionários menos aculturados.
A questão da qualidade do ensino fica bem patente, segundo Andréia, no tocante à
construção da auto-estima do funcionário, pois, quanto mais ele consegue aprender, melhor será
aproveitado na empresa. Isso também se refletiu na confiança e na disposição para o trabalho.
Ainda conforme Andréia, antes da iniciativa do convênio com a Uniso, havia certo
descontentamento na empresa por parte de muitos funcionários, mas hoje o clima é perfeitamente
sadio, sem desconfiança e sem pressão sobre o funcionário. Portanto, um clima de muita confiança
foi nascendo na empresa.
Nossa empresa se transformou numa espécie de família, onde há algumas briguinhas, sim,
mas tudo é controlado sem traumas e sem ressentimentos. Nas aulas são trabalhados alguns
filmes e até teatro os alunos já apresentaram, o que, no todo, muito tem contribuído para o
bom relacionamento e o crescimento pessoal dos alunos. Os próprios dirigentes se envolvem
muito com esse trabalho educacional, porque, embora seja uma empresa como outra
qualquer, a questão educacional está bastante presente. Até o ano de 2002 a empresa só
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atendia aos funcionários e seus parentes mais próximos. A partir do ano de 2003 a empresa
começou a atender a pessoas carentes do bairro onde está estabelecida. Ainda que não
tenhamos muita experiência nesse campo, aos poucos nossa empresa vai se tornando um
centro irradiador de conhecimentos e de cultura. (Fala da entrevistada, 23 de agosto de 2003)
i) Maria Dolores
De três alunos entrevistados que freqüentam atualmente o Programa, um deles, Maria
Dolores, credita toda sua formação e crescimento cultural ao Programa. Outrossim, acha que apenas
cumpre uma função social de excelente qualidade e que, iniciativas como essas, deveriam ter todo
o apoio do governo. “[...] e acho até que se os municípios embarcassem nessa, o Brasil seria
diferente hoje”. (Entrevista de 12 de nov. de 2003)
Maria Dolores, 42, solteira, ex-aluna do núcleo Consolata, que funciona numa sala apensa
às dependências da Igreja Católica, à Praça Santa Filomena, s/n, Rio Acima, no município de
Votorantim, se diz muito satisfeita com o que recebeu do Programa em matéria de ensino.
Freqüentou o núcleo por um ano: de março a novembro de 2003. A vontade de aprender as
primeiras letras era muito grande, uma vez que, quando morou em São Paulo, sofria muito com o
fato de não saber ler nem escrever. Apenas escrevia o nome, que aprendera no antigo Mobral, onde
estudou por apenas um mês. Dessa época até 2003, quando iniciou a primeira série no Programa da
Uniso, passou por muitas decepções e vexames. Quando procurava emprego e a atendente pedia
para preencher uma ficha de inscrição, Dolores abandonava o recinto alegando os mais variados
pretextos. “Às vezes eu até chorava em silêncio em minha casa, porque serviço para mim era só de
limpeza, sem registro em carteira”.
A convite de um casal que se mudou para Votorantim, Maria Dolores foi morar nessa
cidade com o referido casal, para cuidar da casa. Como morava próximo à Praça Santa Filomena,
onde funcionava o núcleo do 100 Analfabetos, matriculou-se e freqüentou o Programa por um ano.
Hoje, talvez, esteja apta para cursar a quinta série do Ensino Fundamental, mas para
Dolores, as expectativas, quanto ao saber, chegaram ao máximo: saber ler e escrever, copiar, fazer
cálculos elementares e “até já sei acompanhar novelas, que é o que eu mais gosto e também entendo
o que eles falam lá. Mas, de jornal eu não gosto porque não entendo”. A aluna teve boa empatia
com a professora Alcinda Trindade, e em sua declaração acrescenta que
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[...] quando a professora perguntou onde eu tinha nascido, eu disse que foi em Picos, no
Piauí. Aí ela veio, me abraçou e me disse que também tinha nascido lá. Daí prá frente foi só
amizade. Eu não imaginava que aqui em Sorocaba também pudesse ter gente de lá. Lá em
São Paulo, quando eu morava lá, eu conheci algumas pessoas de Picos. Lá tinha muita gente
do norte, mas tinha pouca gente de Picos. E aquela professora do Mobral era muito braba.
Por isso acho que eu parei de estudar lá. Mas, aqui, depois que eu conheci a dona Alcinda, eu
me senti em casa. (Fala da entrevistada, 12 nov. de 2003)
Perguntada sobre as expectativas de continuidade nos estudos, Maria Dolores disse que
gosta de estudar, mas que é difícil porque tem que se esforçar muito e que também há muitos
doutores e gente estudada que não ganham o que ela recebe como empregada doméstica...então,
“por que estudar tanto?”, argumenta que, em casos como esses, o Programa 100 Analfabetos
cumpre convincentemente seu papel.
j) Pedro Simões de Brito
O ex-aluno, Pedro Simões de Brito, que estudou por dois anos no Programa, considera que
foi proveitoso, mas que poderia ter aprendido muito mais se não tivesse tanta falta de professor.
Inquirido sobre a causa das constantes faltas do professor, ficou generalizando sem adentrar às
verdadeiras causas do problema, como a Lei do Voluntariado, o emprego informal e outras
abordagens do gênero que ainda serão motivos de outras considerações neste trabalho. “Não quero
culpar ninguém, não, mas eu tenho certeza que, se o professor não faltasse tanto, a gente se
interessava mais”. (Fala do entrevistado em 17 de nov. de 2003)
Simões acredita que, de qualquer maneira, o Programa ajudou-o bastante no que se refere
ao interesse pelos estudos. Tanto é assim que passou a freqüentar outro curso para aproveitar
melhor o seu tempo, segundo depoimentos do aluno.
k) Fabiano Albano Soares
Atual aluno, Fabiano Albano Soares, 20, diz ter admiração pelo Programa, creditando tudo o
que aprendeu até hoje ao Programa. Não tem idéia clara dos saberes adquiridos fora do ensino
sistemático, ficando patente em sua declaração como assimilou o trabalho voluntário e acha que, se
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terminar o Ensino Médio, seu grande desejo, em médio prazo, poderá até colaborar com o Programa
em sinal de gratidão:
[...], sabe, e se não fosse a dona Graça, que dá aula de graça pra gente lá no salão da Igreja,
eu hoje nem sabia ‘lê nem escrevê’. Se eu me formar, depois de formado eu achar um bom
emprego eu vou dar aula também, sem ganhar nada, só como voluntário. Sabe, foi o único
lugar que me aceitaram. (Fala do entrevistado, 01 de agosto de 2003)
Aluno do núcleo Lopes de Oliveira, em Sorocaba, em novembro de 2002, terminou a 2ª.
série e pretende dar continuidade em 2004 e seguir estudando. Morava no sítio e trabalhava no
plantio de cebola e a escola ficava muito distante. Mudou-se para Sorocaba em 2002 e não tardou
muito o despertar para o interesse de estudar. Em agosto de 2002, conseguiu matricular-se no
núcleo Lopes de Oliveira, após contatos com o pessoal da Igreja Católica local. Empenhou-se com
determinação, conseguiu aprender a ler e a escrever. Agora deseja tão somente cursar até o Ensino
Médio. Dizque “Faculdade é coisa pra rico e não pra pobre”. Pelo Programa, Fabiano tem grande
admiração e respeito e tudo o que conseguiu até o presente em matéria de estudo deve ao 100
Analfabetos.
Pelo visto, as expectativas de Fabiano quanto ao saber e ao se capacitar para o mercado vai
até os limites da oferta do 100 Analfabetos: Ensino Médio.
O baixo nível de aspiração do aluno leva-o a não ler quase nada. “..., jornal ?..., só o que
fala de esportes,...”. A questão do voluntariado, uma certa simbiose entre o Programa e a ação da
Igreja Católica na condução das políticas orientadoras do Programa, parece nortear todo o trabalho
dos agentes históricos que permeiam a concepção, a implantação e a condução do que até agora se
tem posto e feito.
E, nessa perspectiva, entender a existência do 100 Analfabetos num contexto mais amplo,
será o trabalho de perceber as tendências das atuais políticas educacionais, engendradas a partir dos
anos 90, que nos fazem buscar as origens, a história, a proposta (ou as propostas) e a finalidade do
Programa.
Essa questão fica muito justificada no depoimento do aluno Fabiano Soares, quando afirma
que, caso se forme, também pretende participar do trabalho do voluntariado. Fica muito claro a
assimilação da idéia do voluntariado como a solução para a educação no Brasil.
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l) Maurício Conte
Maurício Conte, 54 anos, aluno do núcleo do Bairro do Cercado, no município de Araçoiaba
da Serra-SP, terminou o Ensino Fundamental, no primeiro semestre de 2003. Pretende cursar o
Ensino Médio, mas como conseguiu um emprego para trabalhar à noite, não poderá, enquanto
estiver trabalhando nesse emprego, freqüentar os estudos. “É muito triste ter que abandonar os
estudos, justamente agora que eu estava embalado. Mas assim que eu tiver oportunidade de voltar,
não tenho dúvida: volto mesmo”. (entrevista do dia 18 de agosto de 2003).
Maurício Conte só conseguiu a colocação no mercado de trabalho porque a empresa exigiu
que o candidato tivesse o Ensino Fundamental concluído e, como Maurício se enquadrava nas
condições exigidas, preferiu o emprego ao estudo. “Não ficar só com o ginásio, não. Se eu achar
outro emprego que precisa do colegial, então eu vou me sentir na pior, porque não tenho onde
estudar. Mas no momento o emprego é mais importante do que o estudo”. O aluno não tem
perspectiva quanto aos estudos, desejando apenas terminar o Ensino Médio, seu maior objetivo, e se
possível, um curso profissionalizante, mas não tem idéia clara sobre qual curso fazer. Sobre a ação e
o trabalho dos professores, Maurício reclamou das insistentes faltas de alguns deles, sobretudo do
professor de Matemática.
m) Isaías Correa da Silva e Válter Tonoza.
Esta entrevista foi realizada com os dois alunos conjuntamente.
Isaías Correa da Silva, 52 anos, fez o Ensino Fundamental no núcleo da Vila Sabiá. O aluno
mudou-se para Sorocaba em 2001 para que suas duas filhas pudessem estudar na Uniso, cursando
Administração de Empresas e Direito, respectivamente, já que onde estudavam, na Baixada
Santista, tornou-se impossível estudar devido ao alto custo das mensalidades. Já aposentado, Isaías
inteirou-se do Programa 100 Analfabetos e tomou gosto pelos estudos. “As professoras são muito
dedicadas e muito amigas com todos os alunos. Elas não têm preferência por nenhum aluno, mas se
algum tem dificuldade, elas ensinam até fora do horário, se precisar”. (Fala do entrevistado, dia 18
de agosto de 2003). Todavia, Isaías é bastante solidário com algumas professoras que trabalham no
Programa. “Elas não recebem nada pelo trabalho de ensinar, então, existe muitas trocas de
professoras. Eu acho que o governo ou a Uniso deveria, pelo menos, dar uma ajuda de custo, nem
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que fosse só um salário mínimo”. A mesma opinião foi apresentada por seu colega de classe, Válter
Tonoza, que deseja, como seu colega Isaías, terminar o Ensino Médio e cursar uma Universidade.
“Eu me despertei para estudar porque nunca tive tempo e oportunidade. Agora que minha filha e
meu filho já estão formados e já estão trabalhando, não vou ficar pescando ou levando uma vida
inútil. Estudar é muito gratificante”, afirma Válter.
Os amigos estudam juntos para se preparar para as provas simuladas e para as provas
promovidas pela Secretaria Estadual de Educação e estão se associando para montar um negócio
juntos.
n) Professor e Reitor Aldo Vannucchi.
Na fala do Reitor da Uniso, Professor Aldo Vannucchi, ficou bastante marcado seu interesse
pelo 100 Analfabetos.
Esse Programa constitui a menina dos olhos dos cursos de extensão da Uniso e vamos
envidar todos os esforços possíveis e imagináveis para que a maioria, senão todos os
analfabetos de Sorocaba e Região, possa ser alfabetizada. (Discurso de abertura da Formatura
das turmas de 2004, no dia 27 de jun. de 2004)
Em falas informais, nesse mesmo dia, 27 de jun. de 2003, o reitor afirmou que o Programa
está tendo tamanha repercussão nacional que muita gente está se inspirando nessa iniciativa para
implantar programas semelhantes em outras Universidades, “[...], o que para nós todos da Uniso,
desde os pioneiros até os bravos, bravíssimos voluntários de hoje não deixa de ser motivo de grande
júbilo”, afirmou o reitor.
Inquirido sobre a questão do voluntariado, o reitor acredita, como a maioria da equipe
coordenadora, que é aí, exatamente, “[...], na disposição dos voluntários que o Programa encontra a
sua razão de ser e de existir”.
Para o reitor, não basta estar bem capacitado e ter competência para um determinado
trabalho: o importante “[...] é termos fé em Deus, fé no homem e paixão por aquilo que fazemos no
dia a dia. Na simplicidade é que demonstramos a grandeza da nossa fé, da nossa coragem e da nossa
valentia”. A postura voluntariosa nas falas do reitor deixa claro que, apesar de todos os atropelos
que o Programa vem experimentando, essa iniciativa educacional, pontual, de uma instituição de
100
ensino, constitui uma causa finalística da Uniso e, mesmo carregando essa pecha, a Uniso, como
Universidade Comunitária, deve dar o exemplo de filantropia e de espírito cristão, o que na lógica
das análises aqui realizadas, seguramente não deixa de ser uma posição no mínimo controversa e
polêmica.
Neste momento, já podemos levantar algumas hipóteses a respeito do Programa da Uniso e
uma delas é a de que o Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos nasceu no interior da Uniso
para preencher uma lacuna da própria Uniso que, como Universidade Comunitária e de confissão
católica, ainda não possuía nenhum trabalho voluntário para atender à população de baixa renda. E
a Uniso o assumiu como Projeto de sua área de extensão universitária.
Na linha das reformas do Estado e da Educação o 100 Analfabetos cumpre uma exigência
fundamental mantida por aquelas reformas, qual seja, “a de prestar serviços filantrópicos, mediante
trabalho voluntário, sem fins lucrativos”. E este trabalho tem como fim buscar entender e
compreender as origens e o processo de formação e de desenvolvimento das propostas e atividades
do Programa, dentro do movimento que transfere deveres do Estado para a sociedade civil. As teses
críticas aqui levantadas não têm, em nenhum momento, a intenção de menosprezar o trabalho e o
engajamento de pessoas bem intencionadas, mas trazer à reflexão do leitor questões e riscos,
embutidos na estratégia neoliberal, de desresponsabilizar e minimizar o Estado, transferindo suas
obrigações para a sociedade civil.
Embora iniciativas como a do 100 Analfabetos possam ser louváveis por contribuírem para a
redução dos problemas sociais, elas nunca devem substituir uma política pública séria e
conseqüente que, em última análise, é responsável pela criação das condições para que os cidadãos
possam levar uma vida digna e humana.
101
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de buscar entender minimamente, como as reformas do Estado e da Educação se
estruturaram no Brasil e o papel do Terceiro Setor na composição dessa estruturação, constatamos
que todas essas reformas foram executadas para atender à lógica do capital internacional, que,
através de suas agências multilaterais, impõe as formas com que os Estados Nacionais devem tratar
as políticas públicas, entre elas, a política educacional.
Muito embora as referências analisadas nessa pesquisa não tenham tido um alcance à altura
do tema tratado, fica muito patente que, no Brasil, essas reformas são marcadas, de um lado, por
uma classe político-dominante que se reveza no poder e perpetua um estado de dependência com
relação às exigências impostas pelo FMI, BID E BANCO MUNDIAL, em especial, no quanto se
refere à educação.
De outro lado, no Brasil, a passagem do fordismo-keynesiano para o Estado Mínimo, ou
Estado enxuto, e apenas gestor, começou muito tardiamente e como o remédio foi aplicado em
doses muito fortes, a sociedade brasileira se viu intoxicada pela violência de tais impactos,
particularmente quando a educação pública foi relegada à condição de um produto mercantil a ser
oferecido à população por instituições privadas em troca de pagamento. Certamente, é esta política
neoliberal, em grande medida, responsável pelo índice de analfabetismo (17% acima dos 14 anos de
idade) que existe no Brasil.
No arcabouço das reformas, um processo de desregulamentação e de privatização vai
costurando a malha da política neoliberal para a área da educação. O processo de privatização que
assolou a economia a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, de 1994 até 2002, teve graves
reflexos sobre a área social que, daí em diante, teve que se satisfazer com as sobras de recursos de
uma estratégia política que privilegia a área econômica. O novo governo interrompeu as
privatizações, porém continuou aplicando o remédio drástico das reformas neoliberais, dentre as
quais, a reforma da Previdência Social, e a forte contenção orçamentária que continuou afetando
102
particularmente a área social. Para não ficarmos em generalidades, podemos mencionar o caso da
reforma da Previdência que acabou com o sonho de milhares de trabalhadores que não conseguem
usufruir de seus direitos de aposentadoria pelo simples fato de morrerem antes.
Em virtude de o Estado, sozinho, não conseguir efetuar as mudanças necessárias para o
atendimento das carências da sociedade civil, ou porque a lógica do mercado enfrenta uma série de
contradições internas, ou porque ainda a subserviência, proposital ou não, às lógicas do capital,
introduziu a grande contradição na prática do capitalismo, surgem, no redemoinho da orquestração
reformista, as conseqüências mais perversas que o capitalismo pode produzir e certamente tem que
enfrentar se quiser sobreviver. A contradição não está entre o capitalismo e o Estado, nem entre a
sociedade civil e o Estado. Ela se aloja nas dobras da lógica da sociedade civil que luta por mais
democracia e por melhor qualidade de vida, contra a lógica do capital que só pensa e só quer o
lucro. Assim, o Estado fica prensado entre atender a sociedade civil ou atender o capital. E, do
mesmo modo que “entre os vagalhões e o rochedo quem padece são os mariscos”, entre essas duas
dimensões da pugna política, quem padece são os trabalhadores e os pobres, que nunca tiveram voz,
nem vez.
Para amenizar o enfrentamento entre as lógicas do capital e as lógicas da sociedade civil, o
Estado vai fazendo mínimas concessões à sociedade civil e máximas concessões ao capital. Na
lógica keynesiana, o jogo consistia em articular os trabalhadores mediante sua associação em
entidades públicas, apoiadas pelo Estado, para valorizar ao máximo suas demandas, de modo que
tivessem acesso aos bens de consumo oferecidos pelo mercado. Na atual fase neoliberal, a lógica
consiste em maximizar a oferta mediante o apoio financeiro cedido aos mercadores e, quem quiser
consumir, que vá ao mercado, ainda que poucos tenham condições de fazê-lo. O discurso da
ideologia neoliberal prega que todos (fortes e fracos, diga-se) têm direitos iguais de enfrentar as
adversidades e lutar pela inclusão. Uma vez que o Estado reduzido abdicou de suas
responsabilidades, transferindo-as para o capital e para a sociedade civil, quem tiver força e poder
(econômico) vencerá.
O fato é que esse jogo, historicamente, tem dado sempre grande vantagem ao poder do
capital, que nunca perdeu um round sequer. Pois, quando o Estado não consegue mais atender a
ambas as partes, em virtude do crescimento qualitativo e quantitativo de ambos, para manter a
coesão e o consenso, o Estado coopta um outro ator: transfere a prática de fazer políticas públicas
ao Terceiro Setor, que vai tentando assumir o jogo de manter a coesão e o consenso, mediante as
reservas que o Estado lhe concede.
103
Nesse trabalho de pesquisa, constatamos também que vários outros elementos são
reinventados pelo Estado que, através da inculcação constante, persistente e persuasiva da mídia, da
propaganda e de muitos recursos financeiros aplicados na formação da construção de uma opinião
pública nacional, dá legitimidade a outras dimensões da lógica do capital. Assim, quando o Estado
delega poderes explícitos ou tácitos ao Terceiro Setor, este precariza, filantropiza e mercantiliza os
bens do progresso e da cultura, jogando para a arena do mercado a solução das demandas da
sociedade civil, introduzindo mecanismos como o voluntariado. Programas como “Amigos da
escola” são exemplos desse tipo de política.
A orquestração das razões do voluntariado está enraizadas nas razões do capital, pois como
declinamos durante o trajeto de nossa pesquisa, as razões alegadas pelos defensores do Terceiro
Setor introduzem a idéia do voluntariado com o propósito de substituir o Estado naquelas ações em
que o Estado vem fracassando ou já fracassou por conta de sua própria desestruturação neoliberal.
Surgem, no bojo dessas articulações entre o Estado, o capital e a sociedade civil, questões
como o desemprego estrutural e a pobreza de milhões que, para o momento, parecem insolúveis ao
menos no interior do modelo político, hoje hegemônico.
A presente pesquisa não propõe soluções, mas quer apenas contribuir para uma discussão
mais profunda dessas questões e tentar perceber que o 100 Analfabetos, por sua teoria e prática,
embora realize serviços reconhecidamente importantes para as pessoas atingidas, pode estar
colaborando para a continuidade da manutenção desse estado de coisas, ou seja, que embora no
local, no micro, na família, na comunidade e no município o Programa faça um trabalho pontual
importante para soluções de problemas individuais ou de pequenos grupos, no geral, o Programa
pode estar corroborando com a lógica do capital e do Estado excludentes. Isso se percebe pelos
vários motivos nomeados e registrados no transcorrer dessa pesquisa.
Ademais, essas iniciativas pontuais, como já afirmamos, são próprias do espírito caritativo e
moralístico que vê a realidade apenas sob o prisma do imediato, relegando para o futuro, os
projetos mais abrangentes que visem soluções mais permanentes e de ordem estrutural.
As incongruências e as injunções que o 100 Analfabetos carrega em sua gênese, com um
discurso carregado de apelos emocionais, moralizantes e voluntaristas, deixam manifestas as
contradições entre o âmbito do capital-mercado-privado, de um lado, e o âmbito do estatal-público-
civil, de outro. A ausência do público-estatal da vida das pessoas e da comunidade agrega valor e
importância à iniciativa voluntária da Uniso, sobretudo do ponto de vista das necessidades mais
imediatas das pessoas e comunidades, garantindo-lhe grande repercussão em Sorocaba e Região.
104
Conscientemente ou não, esse abnegado e respeitável trabalho não deixa de ser parte fundamental
daquela lógica na qual o Estado capitalista transfere à sociedade civil as soluções dos problemas
sociais que, em nossa interpretação, deveriam ser enfrentados pelo Estado através de políticas
sociais conseqüentes e abrangentes que buscassem soluções estruturais para esses problemas.
Contrariamente à posição de muitos, que acreditam que a solução dos graves problemas
sociais brasileiros está na prestação de trabalhos voluntários, de iniciativas intimistas e até egoístas,
propomos uma reflexão mais abrangente, tentando visualizar perspectivas maiores, coletivas e não
pontuais; nacionais, e não municipais; ao médio e longo prazos e não imediatistas.
O exame que ao longo dessa pesquisa fizemos do Programa Sorocaba e Região 100
Analfabetos parece corroborar nossa suspeita, independente dos méritos locais e imediatos do
Programa. Essa foi a trajetória de nosso projeto que, esperamos, tenha contribuído para explicitar
alguns pontos, mas sobretudo para estimular a reflexão sobre um tema que é profundamente grave e
preocupante, particularmente em países periféricos que seguem o traçado do neoliberalismo com
severas conseqüências para parcelas enormes da população.
105
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jul.,1998.
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Disponível em: http://www.universiabrasil.net/materia.jsp?id=2278. Acesso em 23 abr. 2001.
107
UNISO: UNIVERSIDADE DE SOROCABA, Jornal UNISO NOTÍCIAS, fev. de 1998 a dez. de
2003.
UNIDO: UNIVESRSIDADE DE SOROCABA, Projeto Político Pedagógico, Sorocaba-SP: jan. de
2003.
108
ANEXOS
ANEXO A – ENTIDADES ASSISTENCIAIS EM SOROCABA.
1- Associação Amigos dos Autistas – AMAS.
Atende Síndrome do Autismo, à Rua Nova Odessa, 2001. Jardim Vera Cruz em Sorocaba.
2 - Instituição Terapêutica de Grupos de Habilitação e Reabilitação.
Atendimento a criança e adolescente com paralisia cerebral.
Avenida Comendador Pereira Inácio, 1991, no Lageado. Sorocaba.
3- Obra Social Dom Bosco. Colégio Salesiano São José.
Assistência a comunidade de baixa renda.
Fica na Rua Gustavo Teixeira, 411 – no Mangal-Sorocaba.
4- Grupo de educação e Prevenção da AIDS – GEPASO.
Atendimento aos portadores do HIV.
Situa-se à Rua Dr. Nogueira Martins, 383 – Centro - Sorocaba.
5- Fernando Dini Neto.
Atendimento a dependentes químicos e assistência alimentar.
Situa-se à Avenida Paraguay, 267- Barcelona – Sorocaba.
6- Centro de Integração da Mulher.
Atende mulheres em situação de violência.
Situa-se à Rua Campos Sales – Pinheiros – Sorocaba.
109
7- Associação Protetora dos Insanos de Sorocaba.
Situa-se na Avenida General Carneiro, 1136 – Cerrado – Sorocaba.
8- Associação Sorocabana de Apoio à Vida.
Atende à prevenção do suicídio e dá apoio emocional para a comunidade.
Localiza-se na Rua Nogueira Martins, 334 – Centro – Sorocaba.
9- Associação Cristã de Assistencial Plena.
Atende a trabalhadores desempregados de trabalhadores de baixíssima renda.
Atende à Rua Orlando Silva Freitas, 75 – Centro – Sorocaba.
110
ANEXO B - LEI DO VOLUNTARIADO
Dispõe sobre o serviço Voluntário e dá outras providências:
Artigo 1º - Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não remunerada,
prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins
não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de
assistência social, inclusive mutualidade.
Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de
natureza trabaalhista, previdenciária ou afim.
Artigo 2º - O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de Termo de adesão
entre a entidade pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o
objeto e as condições de seu exercício.
Artigo 3º - O prestador de serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas que
comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias.
Parágrafo único. As despesas a serem ressarcidas deverão estar expressamente autorizadas
pela entidade a que for prestado o serviço voluntário.
Artigo 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Artigo 5º - Revogam-se as disposições em contrário.
TERMO DE ADESÃO
NOME------------------------------------------------------------------------------------
IDENTIDADE---------------------------------------------------------------------------
CPF----------------------------------------------------------------------------------------
111
ENDEREÇO-----------------------------------------------------------------------------
BAIRRO---------------------------------------------------------------------------------
CEP---------------------------------------------------------------------------------------
TEL.--------------------------------------------------------------------------------------
TIPO DE SERVIÇO QUE O VOLUNTÁRIO VAI PRESTAR----------------
INSTITUIÇÃO ONDE O VOLUNTÁRIO VAI PRESTAR O SERVIÇO------
---------------------------------------------------------------------------------------------.
NOME-------------------------------------------------------------------------------------
ENDEREÇO------------------------------------------------------------------------------
CGC----------------------------------------------------------------------------------------
Declaro que estou ciente e aceito os termos da Lei do Serviço Voluntário, número 9608, de
18 de fevereiro de l998.
Rio de Janeiro, ---------de ---------------------------------de --------------------------
ASSINATURA DO VOLUNTÁRIO---------------------------------------------------
NOME DO RESONSÁVEL-------------------------------------------------------------
ASSINATURA DO RESPONSÁVEL-------------------------------------------------
RESPONSÁVEL PELA INSTITUIÇÃO (CARGO)--------------------------------
TESTEMUNHAS-------------------------------------------------------------------------
112
ANEXO C – TERMO DE ADESÃO DE VOLUNTARIADO (DA
UNISO).
Pelo presente Termo de Adesão de voluntariado, de um lado a Fundação Dom Aguirre,
entidade mantenedora da Universidade de Sorocaba, sediada nesta cidade de Sorocaba, à Rua
Pernambuco, número 70, inscrita no CNPJ sob número 71.487.094/0001-13, e de outro, o
voluntário abaixo qualificado, têm como justo e acordado o que segue:
Voluntário
---------------------------------------------------------------------------------------------------------.
Endereço----------------------------------------------------------------------------------------------.
Bairro-------------------------------------------------------------------------------------------------.
Cidade------------------------------------------------------------------------------------------------.
UF-----------------------------------------------------------------------------------------------------.
RG----------------------------------------------------------------------------------------------------.
CPF--------------------------------------------------------------------------------------------------.
Telefone---------------------------------------------------------------------------------------------.
1º - O voluntário se oferece, de livre e espontânea vontade, para auxiliar a Universidade de
Sorocaba, em tarefas de caráter comunitário e filantrópico, que tem por objetivo desenvolver
programa de Educação de Jovens e Adultos em Sorocaba e Região, compreendendo Alfabetização,
Ensino Fundamental e Ensino Médio. (Obs. Parte integrante do Termo de Adesão do Voluntariado).
2º - Tais serviços serão prestados por prazo indeterminado, em dias e horas a serem
indicados pelo voluntário.
3º - O objeto do presente Termo de Adesão é um serviço de natureza voluntária, não
gerando qualquer vínculo de relação trabalhista, previdenciária ou fundiária entre as partes, não
havendo, portanto, qualquer remuneração ou indenização pelos serviços prestados.
113
4º - Fica estipulado que, em decorrência da natureza gratuita e não econômica da
colaboração prestada, o presente Termo poderá ser rescindido a qualquer tempo, sem nenhum ônus
às partes.
5º - O presente Termo é celebrado nos termos da Lei Federal número 9608, de 18 de
fevereiro de 1998.
E, por estarem de acordo com o estipulado, diante das testemunhas abaixo assinadas, firmam
o presente, em duas vias de igual teor, a fim de produzir os efeitos pretendidos.
Sorocaba,------de-------------------------------de --------------------------------------------------.
--------------------------------- -----------------------------------------------
Pe. Tadeu Rocha de Moraes Prof. Aldo Vannucchi
Secretário Executivo da FDA Reitor da Uniso
----------------------------------------
Voluntário
1.a Testemunha 2.a Testemunha
---------------------------- --------------------------------------
114
ANEXO D – MODELO DE PARCERIA
Parceria celebrada entre a Universidade de Sorocaba e a Prefeitura Municipal de
------------------------------------------------------------------------------.
A Universidade de Sorocaba, Universidade Comunitária, com sede em Sorocaba, na Av. Dr.
Eugênio Salerno, 140, neste ato representa por seu Reitor, prof. Aldo Vannucchi, e a
Prefeitura de ----------------------------------------------------------------, pessoa jurídica de
direito público, inscrita no CNPJ sob número --------------------------, com sede na cidade de-
-----------------------------------, na Rua----------------------------------, n.--------------------,
neste ato representada pelo prefeito municipal, Sr(a)--------------------------------------------,
concordam em celebrar a presente PARCERIA, sujeitando-se às cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
DO OBJETO
1.1. Trabalhar conjuntamente em prol da alfabetização e/ou do Ensino Fundamental no Município
de-------------------------------, através do Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos.
CLÁUSULA SEGUNDA
DAS OBRIGAÇÕES DA PREFEITURA MUNICIPAL
2.1. Contribuir com uma ajuda de custo para o professor(a) voluntário(a) do Programa Sorocaba e
Região 100 Analfabetos.
2.2. Buscar junto com os professores as áreas necessárias ao ministério das aulas do Programa
Sorocaba e Região 100 Analfabetos.
CLÁUSULA TERCEIRA
115
DAS OBRIGAÇÕES DA UNIVERSIDADE DE SOROCABA – FUNDAÇÃO DOM
AGUIRRE
3.1. Efetuar o acompanhamento pedagógico do Programa Sorocaba e Região 100 Analfabetos
neste município, através de contato direto com o (a) Coordenador(a) nomeado(a) pela Prefeitura.
3.2. Fornecer material de apoio pedagógico para os Professores e alunos.
CLÁÚSULA QUARTA
DA VIGÊNCIA.
4.1 – Esta parceria terá vigência por prazo indeterminado, a partir de -------de---------------------de---
---------------------------------.
CLÁUSULA QUINTA
DA DENÚNCIA
5.1. Esta parceria poderá ser denunciada por qualquer das partes, sem qualquer ônus, através de
notificação prévia de 30 (trinta) dias.
CLÁUSULA SEXTA
DO FORO
6.1. Para solução das controvérsias oriundas da presente parceria fica eleito o foro da Comarca de
Sorocaba.
E por estarem de acordo com o que versa esta Parceria, diante das testemunhas abaixo assinadas,
firmam a presente em duas vias de igual teor a fim de produzir os efeitos pretendidos.
Sorocaba,----------------de-------------------------------de-----------------.
Prof. Aldo Vannucchi-----------------------------------------------------------------
Reitor da Universidade
116
Prefeito Municipal---------------------------------------------------------------------.
Testemunhas (nomes por extenso)----------------------------------------------------------------------.
ANEXO E- MODELO DE FICHA DE MATRÍCULA.
(Logotipo da Uniso).
Universidade
De Sorocaba
PRÓ-REITORIA COMUNITÁRIA.
PROEJUS
“PROGRAMA DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DA UNISO”
MATRÍCULA
Nome do Aluno
Sexo RG CPF
Endereço
Bairro Cidade
CEP Telefone residencial Tel. Comercial
Data de nascimento Nacionalidade Naturalidade Estado Civil
117
O aluno é portador de deficiência/
( )Não ( )Sim- Qual? ( )Visual ( )Auditiva ( )Física ( )Outras..............................
Fase em que estuda:
( )1.a fase: 1.a a 4.a série ( )2.a fase( ) 5.a a8.a série ( )3.ª fase: Ensino Médio.
Sorocaba, -------de------------------------de------------------------------.
--------------------------------------------------------------------------------.
Assinatura do Aluno(a) ou Responsável Legal.
REQUERIMENTO DE MATRÍCULA E
DECLARAÇÃO DE GRATUIDADE
Sr. Reitor:
Eu-------------------------------------------------------------------------------------------, RG--------------------
CPF--------------------------------------------, residente e domiciliado na cidade de -------------------------
Na Rua--------------------------------------, n.------------------------------------bairro--------------------------
Requero minha matrícula no Programa de Educação de Jovens e Adultos da UNIVERSIDADE DE
SOROCABA, declarando, para todos os efeitos, estar de acordo com as normas legais e regimentais
desta Instituição e que a FUNDAÇÃO DOM AGUIRRE, mantenedora da UNIVERSIDADE DE
SOROCABA, concede a gratuidade total, compreendendo o período de janeiro a dezembro de ------
118
referente aos custos do Programa.
Sorocaba, ------------de------------------------------------de------------.
Assinatura do(a) Aluno(a)
Responsável Legal------------------------------------RG----------------------------CPF------------------------
me(Somente no caso do aluno(a) ser menor
119
ANEXO F - LEI NÚMERO 9790 DE 20 DE MARÇO DE 1999.
Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como
Organizações da Sociedade Civil de interesse público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá
outras providências.
Capítulo I – Da qualificação como organização da sociedade civil de interesse público.
Art. 1.o Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de interesse público as
pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e
normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por resta Lei.
Parágrafo 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de
direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores,
empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos,
bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferido mediante o exercício de suas
atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social.
Parágrafo 2º A autora da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento
dos requisitos instituídos por esta Lei.
Art. 2º Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3º desta
Lei:
I – as sociedades comerciais;
II- os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional;
III- as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e
visões devocionais e confessionais;
IV- as organizações partidárias ou assemelhadas, inclusive suas fundações;
120
V – as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo
restrito de associados ou sócios;
VI – as entidades ou empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados;
VII- as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;
VIII- as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras;
IX- as organizações sociais;
X- as cooperativas;
XI- as fundações públicas;
XII- as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão
público ou por fundações públicas;
XIII- as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema
financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.
Art. 3º - A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da
universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente
será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos
sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:
I – promoção da assistência social;
II – promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III – promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação
das organizações de que trata esta Lei;
IV – promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das
organizações de que trata esta Lei;
V – promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;
VII- promoção do voluntariado;
VIII – promoção e desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
IX - experimentação não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas
alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X – promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria e de
outros valores universais;
121
XII – estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e
divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às
atividades mencionadas neste artigo.
Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas
configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas,
por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de
serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do
setor público que atuam em áreas afins.
Art. 4º Atendido o disposto no artigo 3º, exige-se ainda, para qualificarem-se como
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas
sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre:
I – a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
economicidade e da eficiência;
II – a adoção de práticas de gestão administrativa. necessárias e suficientes a coibir a
obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em
decorrência da participação no respectivo processo decisório;
III – a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para
opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações
patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade;
IV – a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido
será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente
que tenha o mesmo objeto social da extinta;
V – a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por
esta Lei, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos
durante o período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoas
jurídica, qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto
social;
VI – a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade que atuam
efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos,
respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região
correspondente a sua área de atuação;
122
VII – as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que determinarão,
no mínimo:
a) a observância dos princípios fundamentais contabilidade e das Normas Brasileiras de
Contabilidade;
b) que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, ao
relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as
certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-se à disposição para
exame de qualquer cidadão;
c) a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso, da
aplicação dos eventuais recursos objeto do termo de parceria conforme previsto em
regulamento;
d) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será conforme determina o
parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal.
Parágrafo único. É permitida a participação de servidores públicos na composição de
diretoria ou conselho de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, vedada a
percepção de remuneração ou subsídio a qualquer título.
Parágrafo incluído pela MPv n. 37, de 08 de maio, 2002.
(Redação dada pela Lei n. 10.539, de 23/09/2002)
Artigo 5º Cumpridos os requisitos dos artigos 3º e 4º desta Lei, a pessoa jurídica de
direito privado sem fins lucrativos, interessada em obter a qualificação instituída por esta
Lei, deverá formular requerimento escrito ao Ministério da Justiça, instruído com cópias
autenticadas dos seguintes documentos:
I – estatuto registrado em cartório;
II- ata de eleição de sua atual diretoria;
III – balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício;
IV – declaração de isenção do imposto de renda;
V – inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes.
123
Art. 6º Recebido o requerimento previsto no artigo anterior, o Ministério da Justiça
decidirá, no prazo de trinta dias, deferindo ou não o pedido.
Inciso 1º No caso de deferimento, o Ministério da Justiça emitirá, no prazo de quinze
dias da decisão, certificado de qualificação da requerente como Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público.
Inciso 2º Indeferido o pedido, o Ministério da Justiça, no prazo do inciso 1º, dará ciência
da decisão, mediante publicação no Diário Oficial.
Inciso 3º O pedido de qualificação somente será indeferido quando:
I – a requerente enquadrar-se nas hipóteses previstas no art. 2º desta Lei;
II – a requerente não atender aos requisitos descritos nos arts. 3º e 4º desta Lei;
III – a documentação apresentada estiver incompleta.
Art. 7º Perde-se a qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público,
a pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de
iniciativa popular ou do Ministério Público, no qual serão assegurados ampla defesa e o
devido contraditório.
Art. 8º Vedado o anonimato, e desde que amparado por fundadas evidências de erro ou
fraude, qualquer cidadão, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, é parte
legítima para requerer, judicial ou administrativamente, a perda da qualificação
instituída por esta Lei.
Capítulo II – Do termo de parceria
Art. 9º O Termo de Parceria firmado de comum acordo entre o Poder Público e as
Organizações da Sociedade Civil de interesse Público destinado à formação de vínculo
de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse
público previstas no art. 3º desta Lei.
Art. 10 O Termo de Parceria firmado de comum acordo entre o Poder público e as
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público discriminará direitos,
responsabilidades e obrigações das partes signatárias.
124
Inciso 1º A celebração do Termo de Parceria será precedida de consulta aos conselhos de
Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, no respectivos níveis
de governo.
Inciso 2º São cláusulas essenciais do Termo de Parceria:
I – a do objeto, que conterá a especificação do programa proposto pela Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público;
II – a de estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os respectivos prazos
de execução ou cronograma;
III – a de previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem
utilizados, mediante indicadores de resultado;
IV – a de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento,
estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização e o
detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos, com recurso
oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores, empregados e
consultores;
V – a estabelecer as obrigações da Sociedade Civil de interesse Público, entre as quais a
de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a execução
do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas propostas
com os resultados alcançados, independente das previsões mencionadas no inciso IV;
VI – a de publicação, na imprensa oficial do Município, do Estado ou da União,
conforme o alcance das atividades celebradas entre o órgão parceiro e a Organização da
Sociedade Civil de Interesse público, de extrato do Termo de Parceria e de
demonstrativo da sua execução física e financeira, conforme modelo simplificado
estabelecido no regulamento desta Lei, contendo os dados principais da documentação
obrigatória do inciso V, sob pena de não liberação dos recursos previsto no Termo de
Parceira.
Art. 11º A execução do objeto do Termo de Parceira será acompanhada e fiscalizada por
órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada, e
pelos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes,
em cada nível de governo.
125
Inciso 1º Os resultados atingidos com a execução do Termo de Parceria devem ser
analisados por comissão de avaliação, composta de comum acordo entre o órgão
parceiro e a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.
Inciso 2º.A comissão encaminhará à autoridade competente relatório conclusivo sobre a
avaliação procedida.
Inciso 3º Os Termos de Parceria destinados ao fomento de atividades nas áreas de que
trata esta Lei estarão sujeitos aos mecanismos de controle social previsto na legislação.
Art. 12 Os responsáveis pela fiscalização do Termo de Parceira, ao tomarem
conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou
bens de origem pública pela organização parceira, darão imediata ciência ao Tribunal de
contas respectivo e ao Ministério Público, sob pena de responsabilidade solidária.
Art. 13 Sem prejuízo da medida a que se refere o art. 12 desta Lei, havendo indícios
fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela
fiscalização representarão ao Ministério Publico, à Advocacia Geral da União, para que
requeiram ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e
o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que
possam Ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público, além de
outras medidas consubstanciadas na Lei número 8429, de 02 de junho de 1992 e na Lei
Complementar número 64, de 18 de maio de 1990.
Inciso 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos art. 822 e
825 do Código de Processo Civil.
Inciso 2º Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de
bens, contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no País e no exterior, nos
termos da lei e dos tratados internacionais.
Inciso 3º Até o término da ação, o Poder Público permanecerá como depositário e gestor
dos bens e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuidade das
atividades sociais da organização parceira.
126
Art. 14 A organização parceira fará publicar, no prazo máximo de trinta dias, contado da
assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que
adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego
de recursos provenientes do Poder Público, observados os princípios estabelecidos no
inciso I do art. 4º desta Lei.
Art. 15 Caso a organização adquira bem imóvel com recurso provenientes da celebração
do Termo de Parceria, este será gravado com cláusula de inalienabilidade.
Capítulo III – Das disposições finais e transitórias.
Art. 16 É vedada às entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público a participação em campanhas de interesse político-partidário ou
eleitorais, sob quaisquer meios ou formas.
Art. 17 O Ministério da Justiça permitirá, mediante requerimento dos interessados, livre
acesso político a todas as informações pertinentes às Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público.
Art. 18 As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com
base em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público, desde que atendidos os requisitos para tanto exigidos, sendo-
lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até dois anos contados da
vigência desta Lei.
Inciso 1º Findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a
qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia
automática de suas qualificações anteriores.
Inciso 2º Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica
perderá automaticamente a qualificação obtida nos termos desta Lei.
Art. 19 O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de trinta dias.
127
Art. 20º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 23 de março de 1999; 178º da Independência e 111º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Renan Calheiros
Pedro Malan
Ailton Barcelos Fernandes
Paulo Renato de Souza
Francisco Dorneles
Waldek Ornelas
José Serra
Paulo Paiva
Clóvis de Barros Carvalho
128
ANEXO G – CURSOS, ATIVIDADES (FORMATURAS) E
PALESTRAS SOBRE CAPACITAÇÃO DOS PROFESSORES
PERÍODO ATIVIDADE
28/02
a 08/03/98
Curso de Extensão Cultural para capacitação dos professores e
supervisores voluntários.
25/04/98 Curso de Extensão Cultural para capacitação dos professores.
28/04/98 Reunião Secretariado de Educação de Capela do Alto para apoio ao
Programa
23 e 24/05/98 Curso de Extensão Cultural para capacitação dos professores.
06/06/98 Curso de Extensão Cultural para capacitação dos professores.
1,2,3/07/98 Curso de Extensão Cultural para capacitação dos professores de
Mairinque
01/08/98 Curso de Extensão Cultural para capacitação dos professores de
Angatuba
17/09/98 Curso de Extensão Cultural para capacitação dos professores de
Capela do Alto.
20/09/98 Curso de Extensão Cultural para capacitação dos professores de
Cabreúva.
03/10/98 Curso de Extensão Cultural.
31/10/98 Formatura dos alunos do Programa – 145 alunos da 4ª série do
Ensino Fundamental
24 e 26/11/98
e
02 e 04/12/98
Seminário: “Aliança pela Educação”
12,13,19
e 20/12/98
Curso de Extensão Cultural para capacitação de novos professores
Dezembro/98 • Nº de professores – 230
129
• Nº de alunos: 3000
09/02/99 Encontro para implantação do Programa no bairro Aparecidinha
27/02/ e 27/03 Curso de Extensão Cultural para capacitação de professores de Tatuí.
22/04/99 Formatura dos alunos do Programa – 83 alunos da 4ª série do Ensino
Fundamental.
15 e 16/05/99 Curso de Extensão Cultural para capacitação de professores de
Boituva.
05 e 06/06/99 Curso de Extensão Cultural para capacitação de professores de
Laranjal Paulista.
12 e 13/06/99 Curso de Extensão Cultural para capacitação de professores de Salto
de Pirapora.
17 e 18/06/99 Curso de Extensão Cultural para capacitação de professores de Tietê.
22 a 25/06/99 Apresentação do Programa no COLE – Unicamp.
26/06/99 Reunião com professores do Programa.
03 e 04/07/99 Curso de Extensão Cultural para capacitação de professores de
Alumínio.
18/07/99 Curso de Extensão Cultural para capacitação dos professores.
21 e 22/08/99 Curso de Extensão Cultural para capacitação de professores de
Ibiúna.
28 e 29/08/99 Curso de Extensão Cultural para capacitação de professores de
Tapiraí.
18/09/99 Curso de Extensão Cultural para capacitação de professores de
Tapiraí.
2,9 e 30/10/99 Curso de Extensão para capacitação de novos professores
23/10/99 Formatura dos alunos do Programa – 148 alunos da 4ª série do
Ensino Fundamental.
Dezembro/99 • Nº de professores – 310
• Nº de alunos – 6500
25/03/00 Capacitação com professores de Laranjal Paulista
19/06 Reunião com professores
Palestra no núcleo Presbiteriana: “Perfil profissional e mercado de
130
trabalho”.
05/08 Reunião com professores.
28/10 Reunião com professores
25/11 Formatura dos alunos do Programa – 127 alunos da 4ª série do
Ensino Fundamental.
Dezembro/00 • Nº de professores: 210
• Nº de alunos: 1566
25 e 26/01/01 Capacitação com os Professores
24/02 Discussão Metodológica
25 e 26/01/01 Capacitação com os Professores.
24/04 Palestra:
“A Educação de Jovens e Adultos na Sociedade Moderna”.
07/05 Capacitação com professores de Araçoiaba da Serra.
15/05 Palestra:
“A Língua que a gente fala, a língua que a gente escreve”.
11/06 Palestra:
“A questão ambiental no cotidiano”.
21/06 Capacitação com professores de Salto de Piarapora – comunidade
Porta de Pirapora.
04/09 Palestra:
“Modernidade e Pós-Modernidade”.
15/09 Estudo e adaptação do material de apoio de 5ª a 8ª série.
18/09 Palestra:
“Ética no mundo de hoje”.
24/09 Palestra:
“Violência na escola: em tragédia, nem fatalidade, apensa desafios”.
01/10 Estudo e adaptação do material de apoio do Ensino Médio.
03/10 Palestra:
“Inclusão/Exclusão Social: Reflexos para a Educação dos Jovens e
Adultos”.
10/11 Formatura dos alunos do Programa – 280 alunos, sendo 246 da 4ª
131
série – 33 da 8ª série do Ensino Fundamental e 1 do Ensino Médio.
Dezembro/01 • Nº de professores: 250
• Nº de alunos: 1730
11/03/02 Reunião com os professores.
16/04 “Estar/Ser motivado para a aprendizagem. O que é isso?
Reflexões para o ensino de Jovens e Adultos no Programa Sorocaba
e Região 100 Analfabetos”.
16/05 “Consumir sem consumismo: a educação na formação do
consumidor”.
13/06 “Alimentação e desenvolvimento humano”.
29/06 Formatura dos alunos do Programa – 143 alunos, sendo 77 da 4ª
série – 61 da 8ª série do Ensino Fundamental e 5 do Ensino Médio.
01/07 “A importância da arte na Educação de Jovens e Adultos”.
13/08 “Acolhendo o Jovem e Adulto”.
10/09 Capacitação com os professores de Salto de Pirapora – comunidade
Cafundó.
11/09 “Educação de Jovens e Adultos: conscientização segundo Paulo
Freire”.
10/10 “Século XXI: os desafios do mundo globalizado”.
24/10 Visita dos alunos do Programa à Cidade Universitária.
28/10 Capacitação com os professores do Presídio de Aparecidinha.
31/10 Visita dos alunos do Programa à Cidade Universitária.
23/11 Formatura dos alunos do Programa – 136 alunos, sendo 129 da 4ª
série – 6 da 8ª série do Ensino Fundamental e do Ensino Médio
Dezembro/02 • Nº de professores: 148
• Nº de alunos: 2331