jogo das possibilidades: modelar uma poÉtica...
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JOGO DAS POSSIBILIDADES: MODELAR UMA POÉTICA VISUAL-NARRATIVA
GAME OF POSSIBILITIES:
MODELING A VISUAL-NARRATIVE POETIC
Márcio Lins de Carvalho / UFPA
RESUMO Este artigo é um relato das reflexões derivadas do processo em andamento na minha pesquisa de doutorado no PPGArtes-UFPA, na linha de pesquisa de poéticas artísticas, onde desenvolvo um jogo que procura ser um dispositivo de experiências a qual o jogador possa encarnar um personagem e o desenvolva através das possibilidades que o jogo oferece. O artigo se articula como um livro-jogo de escolhas e deverá ser jogado para compreendê-lo totalmente. Aborda-se como a pesquisa foi concebida e que elementos de jogo foram influenciadores na poética em descrição, bem como os desdobramentos materiais, reflexivos e significativos que derivaram de tal; por fim trata de algumas dúvidas e aspirações que esse processo enfrenta no momento em que o artigo é concluído. PALAVRAS-CHAVE: jogo; experiência; escolhas; arquétipos; arcos narrativos. ABSTRACT This article is an account of the reflections derived from the process in progress in my PhD research in the PPGArtes-UFPA, in the research line of artistic poetry, where I develop a game that seeks to be a device of experiences to which the player can embody a character and develop it through the possibilities that the game offers. The article is articulated as a book-game of choices and should be played to fully understand it. It is approached as the research was conceived and that elements of game were influencers in the poetics in description, as well as the material, reflective and significant unfoldings that derived from such; finally it addresses some doubts and aspirations that this process faces at the moment the article is concluded. KEYWORDS: Game; experience; choices; archetypes; narrative archs.
CARVALHO, Márcio Lins de. Jogo das possibilidades: modelar uma poética visual-narrativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.2864-2876.
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Antes de iniciar o artigo, preciso deixar claro alguns pontos:
Estou na linha de pesquisa de poéticas artísticas do Programa de Pós Graduação
em Artes da Universidade Federal do Pará, onde as pesquisas desenvolvidas nessa
linha são focadas no processo artístico e não demandam uma tese escrita nos
rigores da academia.
Em virtude da minha pesquisa de doutorado, a qual estudo sobre jogos como meio
de expressão artística com foco na experiência, minha proposta de tese é criar um
jogo para evidenciar a experiência de criação e, posteriori, fruição do mesmo.
O jogo que proponho visa expor diferentes experiências de diferentes personagens
(imaginários ou não) que, por escolha do jogador, podem ter diferentes jornadas
com diferentes finais.
Com essas colocações postas, adentro neste escrito no qual pretendo mostrar o
processo da minha pesquisa até onde estou, explicitando as descobertas,
dificuldades e possibilidades que o meio jogo (e minhas reflexões sobre) me
proporcionou nesse primeiro ano de doutorado. Para tal, organizei esse artigo para
simular o modelo que adotei para a estrutura do jogo, atentando para cada momento
desse formato à uma fase do processo de criação que tenho desenvolvido na
academia.
Um breve estabelecimento de regra (ou leitura) A partir do subtítulo seguinte (Início), proponho um jogo com o leitor, ao final de cada
subtítulo, existe uma indicação da continuação do texto para um determinado
subtítulo seguinte, para melhor compreensão do texto recomendo seguir escolhendo
os subtítulos até os dois finais da narrativa que apresento aqui (os subtítulos
Arquétipos e Histórias).
Escolho esse formato por ser o que está estruturando o jogo que desenvolvo nesse
momento e expõe como a minha poética tem se dado durante a pesquisa.
Isto exposto, sigo para meu relato.
Início A proposta inicial que me fez entrar no doutorado é um caminho inverso à
dissertação que desenvolvi no mestrado, onde abordei a experiência de jogo como
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influência ao jogador a recriar tal numa obra diversa, fora jogo. No doutorado queria
criar um jogo onde a experiência fora-jogo fosse reinterpretada num ambiente
dentro-jogo.
Imaginei uma sequência de jogos em que suas mecânicas conversassem com a
experiência a ser narrada, p.e.: um pai que é chamado no trabalho para acompanhar
o parto da esposa, como seria sua jornada? Imaginei um runner game1 onde o pai
desvia de vários obstáculos da cidade a fim de conseguir chegar a tempo para ver o
filho nascer.
A premissa era interessante, mas considerei rasa e sem muito potencial poético, era
o meio jogo se sobressaindo à mensagem. Apesar de insatisfeito com a proposta do
projeto, ele foi aprovado 一 muito pelo potencial, depois me foi informado pela minha
orientadora 一, porém era evidente que experiência fora-jogo passada para a
interface interativa do jogo necessitava de mais reflexão, de conceitos, design e
imagética. Me foi recomendado pela orientadora que estudasse sobre jogos que
passassem uma experiência completa, que tratassem de um processo com início
meio e fim.
Me vi com duas opções.
Na primeira, um vídeo game, já tinha poucos meses que não jogava mais (por conta
de trabalho e processo de seleção do doutorado) e poderia procurar alí algo que
pudesse me dar algumas ideias (visuais, narrativas, interativas etc) sobre como
abordar a experiência no meu jogo. Na segunda opção, um livro-jogo, tinha
comprado um desses meses atrás por pura nostalgia de ter me aventurado nas
histórias de organização confusa a princípio, mas que, seguindo as indicações
dadas pelo texto, compunham história coesa escrita pelo autor e que se constrói
pelas escolhas feitas pelo leitor.
Se quiser seguir com a opção do vídeo game, siga para o subtítulo vídeo game.
Se quiser seguir com a opção do livro-jogo, siga para o subtítulo livro-jogo.
Vídeo Game Depois da homologação do resultado da seleção e tendo a certeza que estava
aprovado no doutorado do PPGArtes/UFPA, me vi com mais tempo para usufruir de
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descanso e poder ver o ato de jogar não somente como meio de pesquisa, mas
como o divertimento que me fez gostar desse meio também como fruição. Escolhi
um jogo chamado Destiny2, que joguei na plataforma XBOX One, o qual havia
parado no meio para pleitear o doutorado.
Figura 1: tela do jogo Destiny, jogadores cooperando contra um inimigo. Fonte: site Venture Beat
Ao jogá-lo percebi vários elementos visuais que achei interessantes. Apesar de o
jogo ser um FPS3 visualmente tecnológico, ambientado num futuro distópico em que
o planeta Terra fora invadido por uma raça alienígena e o jogador encarna um herói
que rechaça essa ameaça com aparatos altamente tecnológicos e poderes
fantásticos advindos desses, a interface apresentada ao jogador se inspira em
iconologias antigas, próximas das imagens medievais, como brasões, títulos
similares à nobreza, facções (ou guildas), alguns instrumentos considerados
medievais como espadas e escudos (mas com a abordagem tecnológica do jogo),
entre outros.
O que mais me chamou a atenção foi a tela de seleção de missões que o jogador
dispõe, onde os mapas mostrados são representados como os feitos à mão, mapas
antigos com suas ranhuras, falhas de tinta, desproporções ante à real dimensão do
terreno a ser explorado pelo jogador. Admito que essa anacronia visual proposta
pelo jogo me chamou atenção, primeiramente, mais pela ousadia estética e beleza
da composição dos mesmos, mas posteriormente vi nessa representação um
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potencial elemento visual para o jogo que me dispus a desenvolver durante o
doutorado.
Figura 2: um dos mapas mostrado ao jogador de Destiny, ícones com brasões e outros símbolos mostram locais possíveis de visitar e/ou missões a serem completadas. Fonte: Gamepressure
Pensei no mapa como um espaço que o jogador construirá sua experiência em jogo,
valendo-se de um ponto de partida com opções a serem escolhidas, e cada escolha
feita comporia uma cidade, nesse argumento o mapa completo seria um mapa da
experiência de escolhas do jogador.
Comecei a esboçar as mecânicas e possíveis possibilidades de usos dos mapas no
jogo que desenvolvo.
Figura 3: desenhos que fiz para experimentar a composição de mapas no jogo, além de possíveis nomes para o próprio. Fonte: Autor.
Mas algumas dúvidas começaram a surgir. Uma delas era sobre o elemento de
desafio que todo jogo propõe; como entregar desafio ao jogador ao criar mapas?
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Uma segunda dúvida também pairou; que elementos usar para deixar evidente as
escolhas do jogador?
Se quiser seguir para a primeira dúvida, siga para o subtítulo desafio.
Se quiser seguir para a segunda dúvida, siga para o subtítulo escolhas.
Livro-jogo Ao me ver com tempo para descansar do extenuante processo de seleção que
passei, resolvi voltar ao livro-jogo O Feiticeiro da Montanha de Fogo4, nesses livros
一 também chamados de “aventuras solo” 一 você toma as decisões do personagem
principal através das opções dadas pelo próprio livro no final de cada capítulo,
geralmente são dadas duas ou mais opções ao leitor/jogador que, ao escolher uma
delas, é conduzido a uma página distante da que estava lendo, onde tem a
continuação baseado na escolha feita.
Primeiramente não atentei ao sistema como uma pista ao jogo que desenvolvia, mas
o ato de marcar as páginas que passava deixou a mim uma pista de um processo de
experiência ao desenvolver a história do meu personagem no livro-jogo.
Figura 4: marcadores no livro jogo supracitado, os pontos que passei foram indicativos de uma jornada narrativa particular. Fonte: Autor.
A narrativa se mostrou um guia interessante para conduzir sensivelmente o jogador,
os marcadores eram como pontos de ligação visual referentes às escolhas feitas
durante a leitura. Narrativa e escolhas passaram a ser elementos importantes que
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poderiam enriquecer o jogo que desenvolvo para evidenciar o trajeto da experiência
do jogador.
Neste ponto abordo uma estrutura “quase invisível” que o jogo poderia ter, como
uma árvore de escolhas e consequências propostas ao jogador para que uma
história se desenvolva. Resolvi materializar isso de alguma forma e resolvi elaborar
um esquema dessas escolhas para deixar claro e visível como tudo poderia
funcionar; usei cartões conectados por linhas para ver como tudo poderia funcionar.
Figura 5: cartões costurados em ligação de opções, para materializar a organização de uma história e suas possibilidades. Fonte: Autor.
Mas dúvidas se mostraram na reflexão desse sistema; fazer com que isso se
manifeste visualmente seria um desafio, talvez cartões com as escolhas ofertadas
ao jogador seriam boas opções? Estruturar o jogo numa linha coerente poderia ser
outra opção, talvez estabelecer arcos narrativos para que o jogador pudesse
entender suas escolhas como algo que desenvolve seu personagem na história?
Se quiser seguir para a primeira dúvida, siga para o subtítulo escolhas.
Se quiser seguir para a segunda dúvida, siga para o subtítulo arcos narrativos.
CARVALHO, Márcio Lins de. Jogo das possibilidades: modelar uma poética visual-narrativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.2864-2876.
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Desafio Obstáculos e problemas são forças que movem um jogador a se engajar na
experiência de jogo; na proposta da criação de um mapa de experiência a questão
“o que faria um jogador criar o mapa de sua experiência?” demanda um elemento
adicional que motiva esse percurso imaginário proposto pelo jogo ao seu jogador.
Nesse momento do desenvolvimento do jogo, uma obra surgiu como possível
proposição dos motivos para a elaboração desse mapa. No livro O sonho do
cartógrafo: meditações de Fra Mauro na corte de Veneza do século XVI, do
romancista James Cowen, é mostrado uma construção imaginária do escritor do
diário de Fra Mauro, um monge do Mosteiro de San Michelle di Murano, tem como
sonho criar o mapa de toda a criação de Deus, porém o mesmo tem medo de viajar
e não tem intuito de sair de sua cela no mosteiro, para realizar seu sonho o monge
começa a receber visitas de viajantes, mercadores, informantes, até mesmo de
agentes do Papa da época, que fornecem a ele informações orais de suas
experiências pelo mundo a fim de ajudá-lo na criação cartográfica.
Ciente de que seu mapa não terá a precisão geográfica-métrica, Fra Mauro assume
que seu mapa é fruto de seus anseios e desejos, um mapa enriquecido pelo seu
imaginário e de quem ele recebe em sua cela, vendo nesse caminho uma forma
legítima de tentar alcançar a criação em si.
Eu especulo. Os criadores de mapas têm de especular, pois sabem que não estão de posse de todos os dados. Estamos sempre lidando com narrativas em segunda mão, resumos de impressões. Não trabalhamos com uma ciência exata. O que fazemos é imaginar contornos litorâneos, penhascos e estuários para compensar aquilo que não conhecemos.” (COWEN, 1999, pp.33).
Tendo essa perspectiva de que a criação de mapas pode ser, também, uma criação
sob a subjetividade do próprio cartógrafo, me ficou evidente que tanto a elaboração
do mapa pelo jogador quanto a interpretação deste mesmo mapa quando finalizado
é diversa e, talvez, não somente na construção do mapa em si, também na
interpretação dos caminhos trilhados, o desafio habite.
Nesse ponto percebi que o caráter imagético do mapa pode carregar uma camada
interessante de representação da experiência, aberta a reflexão do jogador em
relação a jornada que trilhará.
CARVALHO, Márcio Lins de. Jogo das possibilidades: modelar uma poética visual-narrativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.2864-2876.
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A proposta do jogo começou a se configurar em colocar o jogador no lugar similar ao
de Fra Mauro, que recebe um personagem que relata sua história, e no de seus
visitantes, que relatam a ele suas viagens, as experiências e suas possibilidades são
dadas (incorporando o papel dos visitantes) e cada possibilidade habitará um ponto
no mapa (como Fra Mauro provavelmente teria colocado).
Tal modelo de representação acabou por me revelar que essas possibilidades
poderiam construir um tipo de arquétipo, modelos gerais que diferem em
determinados pontos, mas seguem um modelo comum de personalidade,
comportamento ou moral. O que acabou levando para a reflexão do papel que esses
arquétipos fariam numa representação em mapas.
Para continuar às considerações, seguir para o subtítulo arquétipos.
Escolhas Para um jogo que deriva de uma pesquisa sobre experiência, ter noção de que é
virtualmente impossível lidar com todas as possibilidades de escolhas que um
fenômeno nos entrega é imprescindível para se conformar com os limites que temos
ao explorar esse campo. Portanto limitar as escolhas do jogador foi o modo que me
pareceu mais viável para aliar os elementos visuais e funcionais que compõem o
jogo.
A forma de exposição de escolhas foi um dos pontos que mereceu ser refletido na
interface do jogo, os marcadores num livro ou cidades entre caminhos num mapa,
poderiam ser indicações das escolhas feitas, precisava haver um suporte para expor
as opções dadas ao jogador, nesse momento me apareceram as cartas.
CARVALHO, Márcio Lins de. Jogo das possibilidades: modelar uma poética visual-narrativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.2864-2876.
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Figura 6: estudos para interface do jogo, aqui as cartas começam a aparecer como formas de mostrar as opções que o jogo oferece a seu jogador. Fonte: Autor.
As cartas se mostraram como um pequeno rasgo de interface ante a interface maior
que abriga o jogo e permite ao jogador identificar a opção dada para a construção de
experiência proposta.
Aspirando chegar a alguma conclusão, me vieram dois caminhos, diferentes e
complementares. Essas escolhas podem trabalhar os arquétipos dos personagens,
máscaras que o jogador poderá vestir para encarar uma perspectiva sobre o que é
apresentado nas cartas. Depois, paralelamente à construção dessas personas em
jogo, a história e seus conflitos/obstáculos precisará de um significado (que
compreendo, irá variar para cada jogador); o que o personagem viesse a passar se
enriqueceria mais se ressoasse com os sentimentos, experiências e perspectivas de
vida de quem joga.
Se quiser seguir para a primeira consideração, siga para o subtítulo arquétipos.
Se quiser seguir para a segunda consideração, siga para o subtítulo histórias.
Arcos Narrativos Um ponto perceptível ao se trabalhar com as variadas opções é que as escolhas
desenvolvem arcos narrativos que constroem personagens.
CARVALHO, Márcio Lins de. Jogo das possibilidades: modelar uma poética visual-narrativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.2864-2876.
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Um arco narrativo são variações numa história que servem de modelo (e não regra)
para os diferentes acontecimentos que delineiam o comportamento, caráter e
mesmo a moral (se tal for aplicável) de um personagem e uma história; o modelo
popular é o de três atos5, originado do conceito de monomito 一 ou “A Jornada do
Herói” como é mais conhecido 一, desenvolvido por Joseph Campbell no livro O
Herói de Mil Faces, onde mostra um início, meio e fim, com uma introdução inicial,
seguido da apresentação e desenvolvimento do problema, terminando com o clímax
e resolução. Muito usado, este é um molde simples e largamente usado na contação
de uma história.
Como estamos lidando com escolhas que definem um personagem que o jogador
encarnará, tais precisam seguir um modelo igual ou similar aos três atos, as opções
precisam deixar evidente que o personagem tem um determinado status inicial e que
esbarrará com um problema que (negando ou não) precisará resolver, como será
resolvido caberá às escolhas do jogador ante as opções dadas.
Essa imprecisão de “como será resolvido” é onde encontro um dos maiores
potenciais da minha pesquisa, pois engloba uma faceta da experiência em jogo: a da
construção de histórias significativas, onde as escolhas estabelecem um ponto de
vista do jogador ante os acontecimentos mostrados pelo jogo.
Para seguir a consideração desta faceta, siga para o subtítulo histórias.
Arquétipos A construção arquetípica que o jogador deverá passar na experiência proposta pelo
jogo me é um dos pontos de maior interesse na pesquisa, os arquétipos de
personagem são máscaras que variam durante e entre cada história contada. Mais
conhecido pelo trabalho do estudioso Carl Gustav Jung, ele estabelece um espectro
de comportamentos que delineiam como certos personagens encaram a história que
estão inseridos, bem como são vistos por seus expectadores.
No jogo, me ficou evidente que as grande áreas que abrigam certos arquétipos
poderiam ser terrenos férteis para apresentar personagens diferentes no jogo e
explorar máscaras que variam nessa faceta; as grandes áreas são: liberdade, em
certa oposição à ordem, e ego, em certa oposição à social. Em cada uma dessas
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áreas, arquétipos habitam e se movimentam para enriquecer o comportamento e o
protagonismo de personagens numa história.
Figura 7: gráfico expondo os doze arquétipos e suas colocações no espectro das grandes áreas. Fonte: A Luz é Invencível.
Visualizar que arquétipos serão seguidos pelo jogadores, ou mesmo quais as
flutuações dos mesmos numa mesma jogatina, é onde vejo que terei pistas para
entender a transposição da experiência fora-jogo para o jogo em si, os arquétipos
podem traçar uma linha que poderá ser vista e analisada para deixar evidente as
perspectivas de diferentes jogadores sobre uma experiência, levando em conta o
“avatar”6 que encarna dentro de jogo.
Minha pesquisa ainda está num caráter fetal, dúvidas ainda me incorrem nesse
processo, como “quais histórias devo disponibilizar?” ou “que escolhas cada história
deverá ter”, mas acredito que tenho em mãos um modelo (não definitivo, portanto
mutável) para construir um dispositivo que me permita entender não somente o
processo que relatei nesse artigo, mas que desdobramentos poderei ter na provável
obra que derivará de tal.
Histórias De todos os momentos, esse é onde me encontro mais próximo, tenho em mente
que as histórias contadas, independente de personagens, precisam se valer do arco
narrativo posto ao jogador e das escolhas do mesmo para que se componha uma
história significativa.
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Para entender que tipo de “história significativa” estou tentando alcançar, tenho
como ajuda o trabalho de Hans Ulrich Gumbrecht com seu conceito de produção de
sentido e produção de presença, onde deixo o próprio intelectual explicar cada
termo.
Na produção de sentido, pode-se explicar:
Se atribuirmos um sentido a alguma coisa presente, isto é, se formarmos uma ideia do que essa coisa pode ser em relação a nós mesmo, parece que atenuamos inevitavelmente o impacto dessa coisa sobre o nosso corpo e nossos sentidos. (GUMBRECHT, 2010, pp. 14).
Enquanto que para produção de presença, o trecho elucidativo diz:
Se producere quer dizer, literalmente, “trazer para frente”, “empurrar para frente”, então a expressão “produção de presença” sublinharia que o efeito de tangibilidade que surge com as materialidades de comunicação é também um efeito permanente. Em outras palavras, falar de “produção de presença” implica que o efeito de tangibilidade (espacial) surgido com os meios de comunicação está sujeito, no espaço, a movimentos de maior ou menor proximidade e de maior ou menor intensidade. (GUMBRECHT, 2010, pp. 38-39).
O que pretendo alcançar com as histórias contadas, paralelamente aos arquétipos, é
que o jogador produza sentido e presença durante o jogo, que as histórias possam
afetá-los e que durante cada jogo esses sentidos e presenças possam mudar e se
resignificar, trazendo outros pontos de vista sobre o jogo em si e seus elementos,
fazendo do jogo um dispositivo de reflexão da experiência vivida dentro e fora do
jogo, permitindo ao jogador fazer paralelos entre as experiências. Ou não. Essas
variações me parecem frutos interessante para se expor nesta pesquisa.
Notas 1 Estilo de jogo onde um personagem controlado pelo jogador corre incessantemente, o jogador controla apenas os comandos necessários para que o personagem desvie dos obstáculos encontrados no caminho até seu destino. 2 Jogo lançado em 2014 e desenvolvido pela empresa Bungie. 3 Sigla para First Person Shooter, ou Atirador em Primeira Pessoa numa tradução literal. 4 De Steve Jackson e Ian Livingstone, publicado no Brasil pela Jambô Editora. 5 Mostrado no livro “Manual do Roteiro”, de Syd Field. 6 O termo é usado para designar a persona que o jogador encarna dentro do ambiente de jogo. Em “Super Mario Bros”, p.e. o avatar que o jogador encarna é o personagem Mario, que o jogador controla visando a conclusão de sua jornada para salvar a princesa e derrotar o vilão.
CARVALHO, Márcio Lins de. Jogo das possibilidades: modelar uma poética visual-narrativa, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.2864-2876.
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Referências TAKAHASHI, Dean. Preorder analysis suggests Destiny could be the biggest game of the year with 10M to 15M copies sold. Disponível em: https://venturebeat.com/2014/06/27/ preorder-analysis-suggests-destiny-could-be-the-biggest-game-of-the-year-with-10-15m-units-sold/ - Acessado em 22 de maio de 2018 GAMEPRESSURE.COM. Galaxy | Exploration in Destiny Guide. Disponível em: https://gui des.gamepressure.com/destiny/guide.asp?ID=25717. Acessado em 21 de maio de 2018 JACKSON, Steve, LIVINGSTONE, Ian. O Feiticeiro da Montanha de Fogo. Porto Alegre: Jambô Editora, 2009 COWEN, James. O sonho do cartógrafo: meditações de Fra Mauro na corte de Veneza do século XVI. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. GOLDEN, Carl. Os 12 Arquétipos Comuns. Disponível em: https://portal2013br.wordpres s.com/2014/08/31/os-12-arquetipos-comuns. Acessado em: 25/05/2018 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença - O que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, Ed. PUC Rio, 2010.
Márcio Lins de Carvalho Doutorando em Artes pelo PPGArtes/UFPA e técnico pela Fundação Cultural do Estado do Pará. Desenvolve pesquisa em artes digitais, com focos nos jogos eletrônicos, sob a lente da experiência.