jornada de trabalho

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ARTIGO ARTICLE Resumo A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) propicia, desde o início da déca- da, informações sobre a existência e a extensão do trabalho em afazeres domésticos. Esta informação, acrescida da jornada no mercado de trabalho, pos- sibilita a construção de um indicador sobre a inten- sidade da jornada total de trabalho no mercado e extramercado. Este ensaio analisa a intensidade da jornada total de trabalho para homens e mulheres, considerando as condições de inserção ocupacional, o rendimento familiar e o ciclo familiar. A análise explicita que mulheres em ocupações menos es- táveis, de menor qualificação, maior renda e com filhos mais jovens tendem a ter jornadas totais mais longas quando comparadas às dos homens em situ- ação ocupacional e familiar semelhante e às das mulheres com ocupações mais qualificadas, de mais alta renda e também com filhos jovens. Os resulta- dos do ensaio indicam a necessidade de políticas públicas capazes de construir instrumentos de pro- teção às mulheres e que considerem a diferenciação social relacionada ao tipo de inserção no mercado. Ademais, o estudo aponta que as políticas de em- prego não podem ficar restritas ao mercado de tra- balho, necessitando também alcançar as condições de organização do núcleo familiar. Palavras-chave tempo de trabalho; gênero; ocupação; mercado de trabalho; desigualdade. GÊNERO E JORNADA DE TRABALHO: ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE MERCADO DE TRABALHO E FAMÍLIA GENDER AND THE WORK WEEK: ANALYSIS OF THE RELATIONSHIPS BETWEEN THE WORK MARKET AND THE FAMILY Claudio Salvadori Dedecca 1 Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro 2 Fernando Hajime Ishii 3 Abstract the National Survey per Household Sampling (NSHS) has provided, since the early 2000’s, information on the existence and extent of work in household chores. This information, added of the work week in the work market, allows for the construction of an index of the intensity of the total work week in the market and in the extra-market. This essay analyzes the intensity of the total work week for men and women, considering the conditions of occupational insertion, family income, and the family cycle. The analysis shows that women who hold less stable occupations that require less qualification, who have better incomes, and have younger children tend to have longer total work weeks compared to that of men in similar occupational and family conditions and also to women who hold more qualified, higher income positions and also have young children. The results of the assay indicate the need for public policies that are capable of building instruments to protect women and that consider the social differentiation related to the type of insertion in the market. Furthermore, the study shows that job policies cannot be restricted to the work market. It is also necessary to reach the family nucleus organization conditions. Keywords time of work; gender; occupation; work market; inequality. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009 65

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    Resumo A Pesquisa Nacional por Amostra deDomiclios (Pnad) propicia, desde o incio da dca-da, informaes sobre a existncia e a extenso dotrabalho em afazeres domsticos. Esta informao,acrescida da jornada no mercado de trabalho, pos-sibilita a construo de um indicador sobre a inten-sidade da jornada total de trabalho no mercado eextramercado. Este ensaio analisa a intensidade dajornada total de trabalho para homens e mulheres,considerando as condies de insero ocupacional,o rendimento familiar e o ciclo familiar. A anliseexplicita que mulheres em ocupaes menos es-tveis, de menor qualificao, maior renda e comfilhos mais jovens tendem a ter jornadas totais maislongas quando comparadas s dos homens em situ-ao ocupacional e familiar semelhante e s dasmulheres com ocupaes mais qualificadas, de maisalta renda e tambm com filhos jovens. Os resulta-dos do ensaio indicam a necessidade de polticaspblicas capazes de construir instrumentos de pro-teo s mulheres e que considerem a diferenciaosocial relacionada ao tipo de insero no mercado.Ademais, o estudo aponta que as polticas de em-prego no podem ficar restritas ao mercado de tra-balho, necessitando tambm alcanar as condiesde organizao do ncleo familiar.Palavras-chave tempo de trabalho; gnero; ocupao;mercado de trabalho; desigualdade.

    GNERO E JORNADA DE TRABALHO: ANLISE DAS RELAES ENTRE MERCADO DE

    TRABALHO E FAMLIA

    GENDER AND THE WORK WEEK: ANALYSIS OF THE RELATIONSHIPS BETWEEN THE WORK

    MARKET AND THE FAMILY

    Claudio Salvadori Dedecca1

    Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro2

    Fernando Hajime Ishii3

    Abstract the National Survey per HouseholdSampling (NSHS) has provided, since the early 2000s,information on the existence and extent of work inhousehold chores. This information, added of thework week in the work market, allows for theconstruction of an index of the intensity of the totalwork week in the market and in the extra-market.This essay analyzes the intensity of the total workweek for men and women, considering the conditionsof occupational insertion, family income, and the familycycle. The analysis shows that women who hold lessstable occupations that require less qualification, whohave better incomes, and have younger children tendto have longer total work weeks compared to thatof men in similar occupational and family conditionsand also to women who hold more qualified, higherincome positions and also have young children. Theresults of the assay indicate the need for public policiesthat are capable of building instruments to protectwomen and that consider the social differentiationrelated to the type of insertion in themarket. Furthermore,the study shows that job policies cannot be restrictedto the work market. It is also necessary to reach thefamily nucleus organization conditions.Keywords time of work; gender; occupation; workmarket; inequality.

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  • A palavra tempos o smbolo de uma relao

    que um grupo humano (isto , um grupo de

    seres vivos com a faculdade biolgica de se pr

    em acordo e sintetizar) estabelece entre dois ou

    mais processos, dentre os quais tomam um como

    quadro de referncia ou medida dos demais.

    (Norbert Elias, Sobre el Tiempo)

    Introduo

    Este ensaio explora a desigualdade entre homens e mulheres estabelecidana relao entre as jornadas de trabalho para o mercado e para a reproduosocial e a insero ocupacional no mercado de trabalho. O estudo procuraanalisar a relao entre status ocupacional, renda e jornada total de tra-balho com o objetivo de identificar os elementos relevantes para a discri-minao entre homens e mulheres, seja no mercado de trabalho, seja nombito familiar.

    Ele est organizado em trs partes. Na primeira, encontra-se uma sn-tese sobre o debate atual acerca do tempo de trabalho na sociedade capita-lista e os desafios que esta discusso coloca para as polticas pblicas e aesorientadas para uma maior igualdade entre sexos. Na segunda, so explo-radas as dimenses mais relevantes da diferenciao entre homens e mu-lheres em termos de jornadas de trabalho tanto no mercado como na famliae sua relao com o mercado de trabalho. Finalmente, apresentado umarrazoado dos principais achados propiciados pelo estudo.

    Sobre os tempos de trabalho

    cada vez mais ampla a perspectiva adotada pelas instituies nacionais einternacionais sobre a anlise do tempo de trabalho. O motivo da preo-cupao decorre da necessidade de se tratar de tempos e no mais de tempode trabalho. Mudanas econmicas e sociais, em curso desde os anos 70,vm tornando progressivamente mais complexas as formas de atividadeprodutiva realizadas pela populao adulta, bem como as relaes que elasestabelecem entre si. Como toda atividade ocupa tempo das pessoas, im-possvel analisar as transformaes que sobre ela recaem sem compreendersuas implicaes para o tempo que elas consomem na vida dos indivduos(Elias, 1989; Adam, 1990).

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  • A complexidade destas transformaes e seus impactos sobre a orga-nizao do trabalho no podem ser considerados novos na trajetria dodesenvolvimento capitalista mais geral. De fato, esta complexidade tem raizna Segunda Revoluo Industrial (1860-1890), quando as novas condiesestabelecidas para o progresso tcnico e a difuso da energia eltrica revolu-cionaram a relao entre homens e mquinas, ampliando significativamentea subordinao humana tecnologia (Thompson, 1967).

    Contudo, o mundo produtivo predominante no sculo XX apresentavacertas caractersticas que favoreceram o amplo desenvolvimento da regula-o social sobre o contrato e as relaes de trabalho. Algumas destas ca-ractersticas merecem destaque, pois elas foram decisivas para viabilizar adefinio de normas e regras de regulao social, com implicaes sobre ouso do tempo de trabalho.

    A primeira delas foi a ampliao sistemtica do trabalho assalariadocomo forma privilegiada de contratao de trabalho. A predominncia dessaforma de contrato de trabalho abriu uma ampla possibilidade de construodo ator coletivo e poltico conhecido como sindicato, criando a perspectivade os trabalhadores passarem a influenciar sobre as condies e a organiza-o do trabalho nas empresas.

    Outras caractersticas da organizao produtiva foram tambm impor-tantes, pois favoreceram a construo da organizao coletiva do trabalhopelos assalariados. Uma que deve ser apontada a consolidao de coletivosvinculados a locais especficos e fixos de trabalho. As fbricas, os bancos emesmo as estradas de ferro constituram coletivos de trabalhadores a elesvinculados de modo recorrente, bem como organizaram estes coletivos emlocais especficos para a realizao do trabalho. Era viabilizada a recorrn-cia do trabalho e do local em que ele era exercido. Quem contratava era oproprietrio do local, que tambm determinava o processo de produo eorganizava o trabalho. Portanto, mesmo que as sociedades annimas tenhamdespersonalizado a figura do capitalista, elas no produziram a desperso-nalizao da empresa.

    A outra caracterstica foi a existncia de uma rotina cotidiana clara-mente estabelecida para a maioria dos trabalhadores entre a casa e o localde trabalho, seja em termos de destino como de horrios em que faziam otrajeto entre os espaos de consumo e de produo. A maioria dos traba-lhadores ia e voltava das fbricas, dos bancos e das lojas em horrios e des-tinos regulares (Thompson, 1967). A grande corporao empresarial apre-sentava razovel rigidez de sua organizao do trabalho.

    Uma implicao destas condies de organizao da atividade econmi-ca sobre o contrato foi a ampla visibilidade que elas tenderam a dar jorna-da de trabalho, em especial sobre sua elevada extenso. Ao longo da segun-da metade do sculo XIX, quando as grandes corporaes se consolidaram e

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  • construram coletivos de trabalho organizados a partir de uma jornada queconsumia parte predominante do tempo dirio da populao adulta, emer-giram grandes movimentos de massa nas economias desenvolvidas da pocareivindicando a reduo dessa jornada.

    Frente impossibilidade de acordar com as empresas a reduo dajornada, em razo da situao de incipincia da organizao sindical e espe-cialmente da negociao coletiva, os trabalhadores recorreram ao Estadopara que ele conduzisse o processo.4 Assim, a regulao pblica da jor-nada de trabalho aparece precocemente como instrumento de intervenosobre o contrato de trabalho, rompendo a autonomia das partes empresase trabalhadores de estabelecerem os termos em que ela seria exercida(Dedecca, 2005).

    A regulao pblica da jornada de trabalho

    A importncia da regulao pblica da jornada de trabalho se expressou naprpria constituio da Organizao Internacional do Trabalho, em 1919,que teve sua primeira conveno estabelecida no mesmo ano, versandosobre a questo em foco. Tendo a I Conferncia Internacional do Trabalhose decidido pela proposio das oito horas dirias e 48 horas semanais detrabalho, a primeira conveno definia orientaes para que os pases mem-bros adotassem mecanismos de regulao pblica da jornada de trabalho.A sua ratificao foi ampla, alcanando rapidamente, inclusive, os pasesem desenvolvimento.

    A relevncia desta conveno no pode ser desassociada do padro dedesenvolvimento dominante no capitalismo at os anos 70. Marcado poruma dimenso fortemente nacional, com baixas relaes produtivas com osmercados externos, o processo de desenvolvimento centrado no setor indus-trial favorecia enormemente a regulao pblica do contrato e das relaesde trabalho. Tendo sua influncia fundamentalmente circunscrita ao ter-ritrio das naes, ela tinha capacidade de regular o trabalho dentro dascondies de organizao local da produo, distribuindo de modo relativa-mente equilibrado seus efeitos, com baixo risco de provocar maior dis-toro no processo de concorrncia intercapitalista.

    As condies polticas mais gerais, propiciadas pela construo dosregimes democrticos, e os efeitos do crescimento, traduzidos em um baixodesemprego no ps-guerra, ampliaram a possibilidade de regulao do con-trato e das relaes de trabalho nas condies produtivas e tcnicas quehaviam emergido com a Segunda Revoluo Industrial e se difundido aolongo da primeira metade do sculo XX.

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  • O fim do crescimento do ps-guerra e a regulao da jornada de trabalho

    Estas condies favorveis regulao pblica do contrato e das relaesde trabalho foram colocadas em xeque a partir do final dos anos 60.A emergncia da crise econmica reduziu a lucratividade das empresas e ocrescimento da produo e recolocou o desemprego na ordem do dia dassociedades capitalistas. Estes dois efeitos penalizaram as polticas pblicas:de um lado, ao reduzirem o ritmo de crescimento das receitas dos fun-dos pblicos associados s polticas de proteo ao trabalho; e de outro,ao ampliarem os gastos destes fundos pblicos com a proteo do desem-prego e com a previdncia social, em razo do aumento de aposentado-rias precoces. A partir dos anos 70, a restrio oramentria que o Estadocomeava a viver abria a possibilidade de reduo do grau de proteoao trabalho como forma de controlar os gastos com seguro desemprego eprevidncia social.5

    Alm destas mudanas no cenrio econmico e social vivenciadas pelasnaes, deve-se considerar a emergncia e a expanso rpida do processo dedescentralizao produtiva realizado pelas empresas como reao situaode crise, com movimento de subcontratao de produo e servios tantono mercado local como no internacional.

    As mudanas na organizao da produo acabaram por provocaro rompimento da identidade entre empresa, local de produo e local detrabalho. Ademais, elas alimentaram um processo acelerado de externali-zao pelas empresas de atividades consideradas no vitais para seu desem-penho econmico.

    Assim, passaram a se proliferar situaes ocupacionais onde o traba-lhador desconhece a empresa que contrata seu trabalho ou a empresa para aqual seu trabalho se destina. Ademais, ampliou-se a mobilidade espacial dotrabalhador, seja porque sua atividade passou a carregar mudanas recor-rentes de local para a realizao do trabalho, seja porque tais mudanas sodeterminadas pelo contratante do resultado da sua atividade, que se dife-rencia do contratante de seu trabalho (Schor, 1991).

    Um bom exemplo a ser dado pode ser encontrado na experincia dosgrandes supermercados. Estes vendem a rea de exposio aos fornece-dores, que so responsveis pela contratao de expositores para alimentaras gndolas nas plantas. Em geral, os fornecedores selecionam expositoresatravs das empresas de intermediao de mo-de-obra. Assim, o expositor subordinado a uma empresa que no conhece e trabalha em uma empresaque no o contrata, mas que ele conhece. Ademais, seu turno de trabalhotende a acompanhar a dinmica da empresa na qual trabalha e no guardaqualquer relao com aquela realizada na empresa que o emprega.

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  • A nova flexibilidade da jornada de trabalho

    As dissonncias entre local de trabalho e contrato de trabalho no somentese ampliaram nestes ltimos quarenta anos como viabilizaram uma flexibi-lidade pondervel da jornada de trabalho no interior das empresas. Naque-las em que o local de trabalho, a organizao da produo e a contratao demo-de-obra continuam sendo de sua responsabilidade, observa-se a emer-gncia de acordos individuais ou coletivos sobre a implantao de jornadasflexveis com a introduo do banco de horas.

    As mudanas vm rompendo a rotina de trabalho em termos de horrioe local de atividade. A conhecida semana inglesa, caracterizada por jornadade oito horas durante cinco dias na semana, tem perdido representativi-dade, com a ampliao da atividade e do trabalho no perodo noturno at as22 horas e nos sbados e/ou domingos. Ademais, tm se ampliado as situ-aes em que o trabalho no tem um local especfico e se realiza em horrioalm daquele estabelecido. Dois exemplos podem ser apresentados.

    No primeiro, a manuteno de equipamentos nos domiclios ou nas em-presas realizada, muitas vezes, por trabalhadores que no atuam ou nopassam pela empresa que os contrata. Na rede de assistncia tcnica de umagrande empresa de eletrodomsticos, empregados das concessionrias semovem de um para outro cliente sem precisarem passar pela sede da em-presa. As peas necessrias para reparar uma mquina de lavar, por exem-plo, so requisitadas pelo empregado via rdio e lhe so entregues na casado cliente por um motoboy. A extenso da jornada desse empregado de-terminada pelo nmero de ordens de servio que lhe so repassadas paraexecuo em um determinado dia pela empresa. Pode ser que o empregadoinicie o atendimento do primeiro cliente s 7h30 e a termine somente aoredor das 20 horas, quando a ltima ordem tiver sido executada. Apesar deseu contrato especificar uma jornada diria de oito horas com os devidosintervalos e compensaes, o perodo efetivamente trabalhado tem dinmi-ca e intensidade significativamente diferentes.

    O outro exemplo a ser explorado o vivenciado pelos gerentes de agn-cias bancrias. Ao contrrio do passado, as agncias possuem atualmente di-versos gerentes com o objetivo de personalizar o atendimento, apesar de aautonomia de deciso que lhes cabe ter sido substantivamente reduzida.Com o objetivo de evitar possveis processos trabalhistas, os bancos contro-lam a jornada em agncia de seus funcionrios. Porm, como as empresasimpem metas mensais de rendimento aos gerentes, estes levam para casalistas de clientes para serem contatados fora do horrio normal de expedi-ente dos bancos. Assim, ao chegarem em casa, os gerentes iniciam as liga-es para os clientes a fim de oferecer produtos que lhes permitam cumprira meta de desempenho mensal. Em geral, o contato realizado no perodo

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  • noturno e, muitas vezes, no final de semana. Portanto, possvel que se per-ca a dimenso exata da jornada de trabalho, mesmo para os ocupados quetm local especfico de trabalho.

    Nestas condies de organizao da atividade econmica, com o merca-do convivendo com um desemprego pondervel e recorrente e com o en-fraquecimento do movimento sindical, tornam-se bastante complicadasas mudanas na regulao do contrato trabalho que possam estabelecerlimites para a jornada. possvel dar um exemplo dessa dificuldade. Nascondies atuais de integrao internacional das economias, uma reduoda jornada de trabalho no Brasil para quarenta horas semanais, apesar deinegavelmente justa socialmente, pode alimentar um processo de fugade produo para a Argentina, onde a regulao da jornada permite ainda48 horas. Deste modo, uma iniciativa de reduo da jornada de trabalho noespao nacional deve requerer algum procedimento semelhante, ao menos,no mbito do Mercosul. Em suma, a flexibilidade atual da jornada de tra-balho em um contexto de integrao internacional das economias apresentarazovel limitao para uma iniciativa de natureza autnoma em favor desua reduo ao nvel nacional.

    fundamental apontar que a flexibilidade da jornada no se restringeao mercado de trabalho, tendendo a ter consequncias sobre os demaistempos de atividade que a populao adulta exerce. Em primeiro lugar,no que tange ao tempo gasto com transporte. A variabilidade do local detrabalho impede, muitas vezes, que o trabalhador possa estabelecer moradiaem regio mais fcil para seu acesso e compatvel com sua renda. Em segun-do lugar, a flexibilidade da jornada rompe sua rotina e seus horrios limites,podendo conflitar ou constranger o tempo para as atividades necess-rias de reproduo social, isto , destinado s atividades de organizao eadministrao das responsabilidades da vida individual ou familiar. Elaainda tende a quebrar a coincidncia entre horrios de trabalho e de fun-cionamento dos servios pblicos, como o das creches, criando problemaspara as mes com filhos pequenos e que necessitam deste tipo de servio.Creches pblicas em geral funcionam das 7 s 18 horas, regime incompa-tvel com a jornada de trabalho de um ocupado que tem definida a horade entrada, mas no aquela de sada (Dedecca, 2005; Burda, Hamermeshe Weil, 2006).

    Alm disso, a flexibilidade acaba permitindo que a jornada de trabalhoextrapole o espao em que ela deveria se realizar, invadindo e constrangen-do os tempos associados a outras atividades fundamentais ou necessriaspara nossa reproduo social. A situao observada no setor bancrio umexemplo dessa situao. Os gerentes, ao realizarem tarefas no mbito de seusdomiclios, constrangem o tempo destinado para ateno famlia ou pararealizar atividades de lazer.

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    71Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia

  • As condies da organizao econmica que emergiram com a SegundaRevoluo Industrial, que se consolidaram na primeira metade do sculoXX, no possibilitavam, na maioria das vezes, que o trabalho pudesse serrealizado fora do local especfico para sua execuo. Assim, a regulaopblica, ao reduzir e tornar fixa a jornada no mercado de trabalho, acaboupor viabilizar a ampliao do tempo destinado s famlias e ao lazer.

    As mudanas recentes na organizao econmica, em um contexto dedesemprego recorrente e de enfraquecimento sindical, vm abrindo espaopara a ampliao no visvel da jornada de trabalho ou da flexibilidade doshorrios em que ela se realiza, invadindo e constrangendo o tempo destina-do s demais atividades associadas ao ncleo familiar ou ao lazer (Fisher eLayte, 2002; Dedecca, 2005; Hirata e Kergoat, 2008; Bonke e Gerstoft, 2007).

    As transformaes na jornada no mercado de trabalho explicitam, destemodo, a interdependncia das formas de apropriao do tempo disponvel,evidenciando a sua dimenso multifacetada, a qual Norbert Elias (1989)denominou de tempos. A tenso observada entre eles decorre da impossi-bilidade de modificar sua extenso diria. Isto , o aumento da extenso deuma das formas de apropriao do tempo dirio exige que ao menos umadas demais seja constrangida.

    A Segunda Revoluo Industrial permitiu, com o advento da energiaeltrica, prolongar a atividade produtiva nas fbricas para alm da duraodo dia. Contudo, ela e todo o desenvolvimento capitalista do sculo XX nomodificaram a extenso do dia, isto , suas 24 horas. Assim, aumentos dajornada no mercado de trabalho devem ser compensados com reduesda jornada destinada famlia ou ao lazer.

    Foi a partir desta perspectiva que Norbert Elias considerou a noo detempos como expresso de uma relao, ao menos, entre dois ou maisprocessos, necessariamente gerenciada pelo ser humano. De acordo comElias (1989), a articulao entre os tempos no mercado de trabalho e no n-cleo familiar no tem carter natural, sendo estabelecida segundo normas eregras que regem uma determinada sociedade humana. A articulao atual distinta daquela consolidada at os anos 70, bem como diferente daque-las encontradas em sociedades anteriores capitalista, como a grega, aromana ou a indgena.

    A interdependncia entre tempos exige da sociedade uma regulaosocial, independentemente dos objetivos de justia que ela almeja com esteprocesso. Infelizmente, escassa a disponibilidade de informao sobre ouso do tempo na sociedade capitalista, sendo recente a existncia de levan-tamentos nacionais.

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    72 Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii

  • A disponibilidade limitada de informao sobre o uso do tempo

    A disponibilidade de informao socioeconmica sobre a apropriao dotempo disponvel pela sociedade brasileira bastante restrita. A PesquisaNacional por Amostra de Domiclios (Pnad), nica fonte disponvel, explo-ra e disponibiliza uma informao agregada sobre as horas destinadas pelapopulao para o trabalho, a locomoo entre a moradia e o trabalho e osafazeres domsticos.

    A Pnad levanta informao sobre a quantidade de horas segundo estastrs formas de uso do tempo, sem realizar uma qualificao sobre os tiposde atividades incorporadas a cada uma delas. Os indicadores so exclusi-vamente quantitativos, no sendo possvel saber o que est se medindo.Mesmo restrita, a Pnad se constitui em uma das nicas fontes com algumainformao sobre o uso do tempo extramercado de trabalho dentre os pa-ses em desenvolvimento. As pesquisas sistemticas destinadas mensuraosobre o uso de tempo so realizadas somente por pases da Europa Ociden-tal, dos Estados Unidos e do Canad.6

    Mesmo reconhecendo esta limitao que caracteriza a base de dados, inegvel que seus resultados permitem alguma avaliao sobre a apropri-ao do tempo na sociedade brasileira. Ao menos uma primeira aproximaodo processo, mesmo que de modo bastante agregado. Uma evidncia desteargumento encontra-se sintetizada no Grfico 1, que consolida o dado nacionalde modo compatvel ao organizado por outros pases, mesmo que estes tenhamum levantamento mais detalhado sobre o uso do tempo.

    Nesta compatibilizao, que expressa a conduta que ser adotada aolongo deste ensaio, considera-se o tempo associado aos afazeres domsticos,segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), como sendodestinado reproduo social. Pois se entende que as atividades realizadasno mbito dos domiclios so fundamentais no somente para a reproduodas famlias, mas tambm para a sociedade como um todo. inegvel queos cuidados das famlias com seus filhos na alimentao, nos hbitos dehigiene e no acesso cultura tm grande relevncia para a insero delesno sistema de educao e mesmo no mercado de trabalho. A reproduoeconmica e social requer uma boa administrao das atividades tanto noespao das empresas quanto naquele das famlias.

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    73Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia

  • Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    74 Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii

    Apresentado o procedimento metodolgico bsico adotado no ensaio, possvel conhecer o resultado agregado do uso do tempo informado pelaPnad e compar-lo aos divulgados por outros pases (Grfico 1).

    A primeira dimenso que salta aos olhos na comparao a elevadajornada total de trabalho realizada pela populao brasileira, em especialpelas mulheres. Os dados no chancelam uma viso bastante difundidasobre uma suposta baixa intensidade do trabalho no pas. Eles mostram que

    Grfico 1

    Jornadas mdias semanais para o mercado de trabalho e para a reproduo social segundo sexo

    Pases selecionados, 1998-2003

    Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios, Pnad-IBGE, 2002, Rio de Janeiro; Statistics Bureau, Survey on Time Use and Leisure

    Activities, 2003 Luxembourg; BLS, Time Use Survey, 2003; Statistics Canada, Overview of Time Use of Cadadians in 1998, s/d .

    0 20 40 60 80 100 120

    Brasil

    frica do Sul

    Estados Unidos

    Canad

    Japo

    Eslovnia

    Romnia

    Hungria

    Estnia

    Reino Unido

    Sucia

    Finlndia

    Noruega

    Holanda

    Frana

    Dinamarca

    Blgica

    Brasil

    frica do Sul

    Estados Unidos

    Canad

    Japo

    Eslovnia

    Romnia

    Hungria

    Estnia

    Reino Unido

    Sucia

    Finlndia

    Noruega

    Holanda

    Frana

    Dinamarca

    Blgica

    Jornada para o mercado de trabalho

    Jornada para a reproduo social

    Mulheres

    Homens

  • Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    75Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia

    a intensidade do trabalho ocorre tanto no mercado como no mbito dosdomiclios. Para as mulheres, a jornada total de trabalho quase alcanasessenta horas semanais, sendo que este resultado mdio guarda, como sever mais adiante, uma pondervel heterogeneidade de situaes.

    A partir da construo da matriz analtica que justifica os estudos sobreo uso do tempo, abre-se a possibilidade de se explorar a preocupao cen-tral deste ensaio: a existncia de um contexto socioeconmico marcado poruma forte discriminao das mulheres tanto no mercado de trabalho comoem suas famlias, a elevada intensidade das jornadas de trabalho e a maiorprecariedade da situao ocupacional, desvantagens que se encontram rela-cionadas entre si.

    Os tempos de trabalho na sociedade brasileira

    O desenvolvimento da anlise ser realizado considerando duas dimensesbsicas da atividade do trabalho. A primeira ser aquela associada ao statusocupacional derivado da hierarquia das ocupaes, conduta em geral adota-da nos estudos sobre estrutura e mobilidade social. A outra ser vinculadaao gasto de tempo com jornadas realizadas pela populao no mercado detrabalho e nos domiclios. A primeira dimenso sinaliza a posio socialderivada da insero no mercado de trabalho e a segunda indica o grau deapropriao do tempo disponvel da populao pelos processos de repro-duo econmica e social. Esta perspectiva metodolgica foi inicialmenteadotada em Dedecca (2008).

    Os resultados gerais mostram que, em 2006, homens e mulheres nacondio de ocupados tinham jornadas totais de trabalho de 49 horas e56 horas, respectivamente. Contudo, a composio da jornada total erasignificativamente distinta entre sexos. Os homens tinham uma jornada detrabalho mdia equivalente jornada constitucional de 44 horas e desti-navam cinco para a reproduo social. As mulheres exerciam jornadas de37 horas no mercado de trabalho e 19 horas para a reproduo social, resul-tando em uma jornada de trabalho total em mdia 15% superior doshomens. Esta diferenciao do nvel e da composio da jornada de traba-lho total entre homens e mulheres ganha novos matizes quando considera-dos alguns enfoques complementares relativos ao nvel de renda, posiona famlia ou raa/cor.

    Considerando a situao de renda de todos os trabalhos dos ocupados,nota-se a tendncia de reduo da participao da jornada de trabalhodestinada reproduo social dos homens. Este efeito no decorre da re-duo absoluta desta jornada para nveis mais elevados de renda: ela semantm estvel e reduzida em termos absolutos, mas a jornada de trabalho

  • Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii76

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    no mercado tende a aumentar, de modo que a participao da reproduosocial na composio da jornada total tende a se reduzir.

    Situao distinta encontrada para as mulheres: a elevao do nvel derenda acompanhada por reduo substancial da jornada de trabalho des-tinada reproduo social e por elevao da jornada de mercado, o queresulta em tendncia de elevao da jornada total com mudana do carterde sua composio. Assim, nota-se que a mulher de renda mais elevada tema opo de priorizar a jornada do mercado, buscando uma insero de me-lhor qualidade, melhores oportunidades, cargos mais elevados e remune-raes mais altas. No entanto, muito provvel que ela s tenha condiesde fazer isso se conseguir se desembaraar de parte ou do conjunto dos seusafazeres domsticos, devendo conseguir esta situao, principalmente, pelacontratao de uma trabalhadora domstica para se responsabilizar aomenos por parte das atividades do domiclio.7

    A mulher de renda mais baixa, porm, no conta com esta possibilidadede reduzir o tempo despendido na reproduo social, tendo no mximo oauxlio de filhos ou de outros familiares para faz-lo, conhecendo uma situ-ao de maior constrangimento na conciliao desta jornada com aquela re-alizada no mercado de trabalho. So justamente as mulheres de menor ren-da aquelas que tm maior frao do seu tempo apropriada pela atividade emseus prprios domiclios. A discriminao do tempo de trabalho pode serrapidamente visualizada nos resultados compilados no Grfico 2.

    A jornada dos ocupados por escolaridade e grupos ocupacionais, comoser visto mais adiante, revela que, no caso das mulheres, estas dimensesso to relevantes para compreender a dinmica de formao e composioda jornada de trabalho quanto observada para a renda.

    Grfico 2

    Composio da jornada de trabalho total dos ocupados por sexo e classe de salrio mnimo (SM) - Brasil, 2006

    70

    60

    50

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    20

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    0

    Fonte: Pnad, 2006

    Menos

    de 1 SM

    1 SM De 1 a

    2 SM

    De 2 a

    3 SM

    De 3 a

    5 SM

    Mais de

    5 SM

    Menos

    de 1 SM

    1 SM De 1 a

    2 SM

    De 2 a

    3 SM

    De 3 a

    5 SM

    Mais de

    5 SMJornad

    adetrab

    alhototal(horas)

    Homem Mulher

    Jornada de trabalho do mercado Jornada de trabalho para a reproduo social

  • Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia 77

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    As mais elevadas jornadas para a reproduo social so exercidas pelasmulheres com menor escolaridade. Porm, as mais escolarizadas e queexercem ocupaes com maior prestgio social (como as dirigentes e asprofissionais das cincias e das artes) tendem a ter uma melhor insero nomercado e um menor exerccio nas atividades domiciliares, em razo dehaver uma alta probabilidade de delegarem as atividades domsticas aostrabalhadores remunerados.

    Parece haver, portanto, uma relao inversa entre nvel de escolaridadee jornada de trabalho (Grfico 3) destinada reproduo social: mulherescom baixa escolaridade costumam ter jornadas domsticas em mdia 75%superiores s das mulheres com nvel superior completo. No que tange aoshomens, essa situao praticamente inexistente: o tempo destinado aosafazeres domsticos se reduz com o aumento da escolaridade, mas a dife-rena de apropriao do tempo com esta destinao entre as escolaridadesbaixas e as mais elevadas corresponde somente a 10%. H, portanto, umasituao bastante estvel da jornada para a reproduo social dos homensquando considerada a escala de escolaridade.

    A jornada de trabalho para o mercado, contudo, costuma apresentar umcomportamento errtico tanto para homens quanto para mulheres (emboracom tendncia de elevao para estas). As jornadas mdias femininas sosempre menores do que as masculinas, o que deve ser reflexo de algumalimitao da insero feminina no mercado de trabalho, resultante do exten-so trabalho no mbito das famlias. A amplamente reconhecida responsabi-lidade do cuidado da casa e dos filhos dificulta a realizao de uma cargahorria de trabalho mais elevada no mercado quanto quela que os homens po-demmanter. No entanto, a jornada total feminina sempre superior masculina.

    Grfico 3

    Composio da jornada de trabalho total dos ocupados por escolaridade e sexo - Brasil, 2006

    70

    60

    50

    40

    30

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    10

    0

    Fonte: Pnad, 2006

    Sem

    instru

    o

    Jornad

    adetrab

    alhototal(horas)

    Homem Mulher

    Jornada de trabalho do mercado Jornada de trabalho para a reproduo social

    1grau

    inco

    mpleto

    1grau

    completo

    2grau

    inco

    mpleto

    2grau

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    mpleto

    Superior

    completo

    Sem

    instru

    o

    1grau

    inco

    mpleto

    1grau

    completo

    2grau

    inco

    mpleto

    Superior

    inco

    mpleto

    2grau

    completo

    Superior

    completo

  • Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii78

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    Os homens de escolaridade mais elevada so caracterizados por jor-nadas totais mais longas, por conta da elevao progressiva daquela. Quan-to ao tempo destinado para a reproduo social, praticamente independe donvel de escolaridade e renda. As mulheres, porm, tendem a ter jornadastotais declinantes medida que possuam escolaridade mais alta, pois, ape-sar da elevao das horas trabalhadas no mbito do mercado, o tempo desti-nado reproduo social se reduz conforme se eleva o nvel de escolaridade.De tal modo que a jornada total mais elevada para mulheres de escolari-dade mais baixa e a participao do perodo destinado s tarefas domsticas maior no conjunto das horas de trabalho destas.

    As famlias e os tempos de trabalho

    Uma perspectiva muito relevante para a anlise da jornada de trabalho aquela associada ao tipo de famlia (Grfico 4), em razo de a extenso dasatividades de reproduo social se diferenciar segundo a composio doncleo familiar. Neste ensaio, se adota a classificao de famlias definidapela Pnad.

    As famlias unipessoais so caracterizadas por jornadas de trabalho to-tais praticamente iguais, sendo que a jornada masculina destinada repro-duo social um pouco inferior feminina. Ou seja, os resultados sugeremque o homem que mora sozinho tem menor probabilidade de no executarele mesmo as tarefas do lar.

    Contudo, quando se consideram os ocupados pertencentes com-posio familiar de casal com ou sem filhos, a situao se altera substanti-

    Grfico 4

    Composio da jornada de trabalho total dos ocupados por tipo de famlia e sexo -Brasil, 2006

    60

    50

    40

    30

    20

    10

    0

    Fonte: Pnad, 2006

    Unipes

    soais

    Jornad

    adetrab

    alhototal(horas)

    Homem Mulher

    Jornada de trabalho do mercado Jornada de trabalho para a reproduo social

    Casal

    Casal

    com

    filho

    Monoparen

    tais

    Unipes

    soais

    Casal

    Casal

    com

    filho

    Monoparen

    tais

  • Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia 79

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    vamente. Nesse caso, a jornada masculina relativa aos cuidados da casa sereduz bastante e a da mulher se eleva de maneira intensiva.

    Observa-se que a mulher, em uma situao familiar com um maiornmero de membros, tende invariavelmente a se tornar responsvel pelasatividades domsticas. J o homem deixa de realizar as tarefas que executa-va quando solteiro (ou reduz o tempo que despende fazendo-as). O tipo defamlia parece no se constituir em fator de diferenciao da jornada de tra-balho de mercado, mas bastante significativo para analisar a disposio daincumbncia domstica entre os sexos, de modo que possui forte influnciasobre a composio da jornada total.

    Na famlia, as mulheres tradicionalmente se ocupam dos afazeres do-msticos, o que limita sobremaneira o tempo que podem dedicar ao merca-do de trabalho e impe um grande esforo de conciliao das jornadas, quetende a reiterar uma situao de desvantagem da insero feminina no mer-cado de trabalho.

    A posio na famlia aponta que esta tambm uma condio que prati-camente pouco diferencia o padro de jornada no mercado de trabalho: asjornadas concernentes reproduo social novamente se mantm cons-tantes entre os homens e as maiores cargas horrias entre as mulheres soreferentes s cnjuges, em primeiro lugar, e s chefes de famlia, em segun-do (Grfico 5). Estas ltimas, por sua vez, desempenham muito mais tarefasdomsticas do que os homens na mesma condio. Situao semelhante encontrada para os descendentes: as filhas tendem a se responsabilizar pelareproduo social desde cedo, muito mais do que os filhos.

    Grfico 5

    Composio da jornada de trabalho total dos ocupados por posio na famlia esexo - Brasil, 2006

    70

    60

    50

    40

    30

    20

    10

    0

    Fonte: Pnad, 2006

    Chefede

    famlia

    Jornad

    adetrab

    alhototal(horas)

    Homem Mulher

    Jornada de trabalho do mercado Jornada de trabalho para a reproduo social

    Cnjuge

    Filho

    Dem

    ais

    Chefede

    famlia

    Cnjuge

    Filho

    Dem

    ais

  • Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii80

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    O Grfico 6 particulariza a questo da jornada de trabalho para os fi-lhos em duas regies geogrficas do pas mais populosas e contrastantes eco-nomicamente: o Sudeste e o Nordeste. Evidencia-se mais uma vez que osfatores sexo e renda so fortes diferenciadores da jornada total. Novamente,a jornada destinada reproduo social se mantm praticamente inalteradapara os homens, independentemente do nvel de renda ou da regio consi-derada, e, portanto, do grau de desenvolvimento econmico. Quanto s fi-lhas, por sua vez, a jornada no mercado de trabalho mais alta no Sudeste,o que reflete as maiores oportunidades de insero econmica no mercadodesta regio. Mostra-se, porm, que as filhas tendem a se ocupar mais dastarefas domsticas quando provm de famlias de renda mais baixa. Emprimeiro lugar, porque as pessoas oriundas de faixas de renda mais elevadaspermanecem mais tempo nos bancos escolares e em outras atividades recre-ativas e educacionais, tendo, portanto, menor disponibilidade para auxiliarem casa; e, em segundo lugar, porque famlias de renda mais elevada podemcontratar empregados remunerados para realizar o trabalho domstico, demodo que o auxlio dos filhos pouco demandado.

    As diferenas regionais quanto ao montante absoluto de horas desti-nadas ao trabalho em casa so pouco expressivas: a questo mais marcante

    Grfico 6

    Composio da jornada de trabalho total dos filhos ocupados por sexo e classe de salrio mnimo (SM) -Brasil, 2006

    60

    50

    40

    30

    20

    10

    0

    Fonte: Pnad, 2006

    Jornad

    adetrab

    alhototal(horas)

    Homem Mulher

    Jornada de trabalho do mercado Jornada de trabalho para a reproduo social

    Men

    osde1SM

    1SM

    De1a2SM

    De2a3Sm

    De3a5SM

    Maisde5SM

    Men

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    1SM

    De1a2SM

    De2a3SM

    De3a5SM

    Maisde5SM

    Men

    osde1SM

    1SM

    De1a2SM

    De2a3SM

    De3a5SM

    Maisde5SM

    Men

    osde1SM

    1SM

    De1a2SM

    De2a3SM

    De3a5SM

    Maisde5SM

    Sudeste Nordeste Sudeste Nordeste

  • Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia 81

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    o peso delas na jornada total, que reduzido na regio Sudeste por contade as jornadas no mercado serem, em geral, mais elevadas.

    A situao de raa/cor dos ocupados no revela uma nova dimenso dadiscriminao entre homens e mulheres quanto ao nvel e composioda jornada de trabalho total (Grfico 7), mas sanciona a diferena entrehomens e mulheres anteriormente apresentada: nota-se que as mulheres pre-tas e pardas tm jornada de trabalho total superior s das demais e que asmais elevadas jornadas dedicadas reproduo social esto concentradasnas indgenas, nas pretas e nas pardas. Quanto aos homens, a cor oferecepouca diferenciao; nota-se apenas que os pretos e indgenas tm asmaiores jornadas dedicadas reproduo social e que os pretos e brancostm as maiores jornadas totais, mas as diferenas so muito pequenas.

    O enfoque conjunto de posio na famlia e classes de renda familiar porsalrio mnimo (Tabela 1) permite observar que as mulheres chefes defamlia tm uma carga de responsabilidades sobre a reproduo social que inversamente proporcional renda. Essas mulheres devem ter menor proba-bilidade de realizar uma insero de qualidade no mercado: esto dema-siadamente comprometidas com a atividade de reproduo social, terminan-do por terem menor disponibilidade de tempo para o mercado de trabalho.Embora as mais elevadas jornadas totais estejam concentradas nas ocupadasque auferem rendimentos ente dois e trs salrios mnimos, o tempo apro-priado para a reproduo social mais de 100% superior para as mulherescom rendimento inferior a um salrio mnimo com relao s de renda maisalta (Tabela 1).

    Grfico 7

    Composio da jornada de trabalho total dos ocupados por cor e sexo - Brasil, 2006

    60

    50

    40

    30

    20

    10

    0

    Fonte: Pnad, 2006

    Indgen

    a

    Jornad

    adetrab

    alhototal(horas)

    Homem Mulher

    Jornada de trabalho do mercado Jornada de trabalho para a reproduo social

    Branca

    Preta

    Amarela

    Parda

    Indgen

    a

    Branca

    Preta

    Amarela

    Parda

  • Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii82

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    Status ocupacional e os tempos de trabalho

    A anlise realizada at o presente momento sinaliza que as condies socio-econmicas das mulheres tendem a estar relacionadas a uma insero maisdesfavorvel no mercado de trabalho, em termos de jornada. Considerandotal percurso analtico, faz-se necessrio explorar a relao entre status ocu-pacional, renda e jornada de trabalho. Esta perspectiva tem grande relevn-cia, pois esperado que as discrepncias de jornadas totais entre homens emulheres tendam a cair para as situaes ocupacionais com status e rendamais elevados. Os resultados apresentados na Tabela 2 confirmam parcial-mente esta tese.

    Tabela 1

    Jornadas de trabalho do mercado e total por sexo e classes de salrio mnimo (SM) - Brasil, 2006

    Fonte: Pnad, 2006

    Sexo Posio na famliaClasses de salrio mnimo

    Menos de

    1 SM

    1 SM Acima de

    1 at 2 SM

    Acima de

    2 at 3 SM

    Acima de

    3 at 5 SM

    Acima de

    5 SM

    Total

    Chefe de

    famlia

    Cnjuge

    Filho

    Demais

    Total

    Chefe de

    famlia

    Cnjuge

    Filho

    Demais

    Total

    JTm

    JTt

    JTm

    JTt

    JTm

    JTt

    JTm

    JTt

    JTm

    JTt

    JTm

    JTt

    JTm

    JTt

    JTm

    JTt

    JTm

    JTt

    JTm

    JTt

    39,51

    45,67

    39,48

    45,10

    34,89

    38,81

    36,78

    41,60

    37,85

    43,18

    29,67

    53,56

    26,72

    55,67

    29,84

    42,68

    34,40

    51,58

    28,62

    52,27

    45,42

    50,65

    45,87

    50,60

    43,02

    45,91

    43,92

    48,22

    44,60

    49,01

    41,37

    59,63

    39,25

    61,91

    40,69

    50,39

    43,38

    56,86

    40,44

    58,43

    46,18

    51,89

    45,78

    50,82

    43,79

    46,61

    44,36

    48,93

    45,49

    50,40

    41,80

    59,77

    40,04

    62,09

    40,89

    49,45

    42,32

    55,35

    40,84

    58,51

    46,71

    52,20

    46,05

    50,76

    43,51

    45,91

    45,03

    50,49

    46,12

    51,07

    41,07

    57,98

    39,80

    59,47

    39,32

    46,52

    42,00

    54,21

    40,15

    56,44

    46,33

    51,55

    45,86

    49,61

    42,75

    45,22

    43,38

    48,21

    45,76

    50,53

    39,72

    55,41

    38,73

    57,21

    39,37

    46,00

    39,64

    49,87

    39,16

    54,71

    45,63

    49,94

    45,51

    48,77

    43,07

    45,06

    46,10

    49,22

    45,43

    49,49

    41,20

    52,88

    40,83

    54,63

    40,53

    45,61

    40,29

    48,52

    40,92

    52,97

    45,04

    50,47

    44,86

    49,56

    41,07

    44,12

    42,40

    47,04

    44,02

    48,85

    38,27

    57,06

    36,31

    59,14

    37,55

    47,17

    39,93

    54,00

    37,30

    55,98

    Mascu

    lino

    Feminino

  • Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia 83

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    Quando analisadas as diferenas de jornada para reproduo social,nota-se que o maior status ocupacional encontra-se associado a uma menorjornada deste tipo, sendo, no entanto, ligado a um maior tempo despendi-do no mercado de trabalho (Tabela 2). interessante observar que a maiorparticipao da mulher no mercado de trabalho e a sua melhor insero ocu-pacional se relacionam a uma jornada para reproduo social pondervel,mesmo que esta seja inferior observada para as mulheres com statusocupacional e renda mais baixa.

    Os resultados revelam que a melhor insero ocupacional ameniza a dis-criminao em relao mulher, mas no permite superar sua situao dedesvantagem em termos de jornada de trabalho para reproduo social, sejaporque elas continuam a realizar um volume pondervel de horas com esteobjetivo, seja porque os homens em mesma situao no ampliam suasresponsabilidades nas atividades de reproduo social da famlia.

    Tabela 2

    Horas semanais trabalhadas no mercado de trabalho (JTm) e na reproduo social (JTrs) segundo categorias ocupacionais,sexo e classes de salrio mnimo - Brasil, 2006

    Masculino Feminino

    Menos

    de 1 SM

    1 SM De 1 a

    2 SM

    De 2 a

    3 SM

    De 3 a

    5 SM

    Mais de

    5 SM

    Dirigentes em geral

    Profissionais dascincias e das artes

    Tcnico de nvelmdio

    Trabalhadores deserviosadministrativos

    Trabalhadores dosservios

    Vendedores eprestadores deservio do comrcio

    Trabalhadoresagrcolas

    Trabalhadores daproduo de B/S ede reparao emanuteno

    Membros das forasarmadas e auxiliares

    TToottaall

    49,43

    30,67

    31,46

    35,14

    41,59

    43,17

    44,43

    43,84

    49,18

    4433,,1188

    49,99

    39,63

    42,38

    43,69

    50,16

    51,27

    50,81

    48,79

    47,82

    4499,,0011

    51,77

    40,54

    44,70

    47,26

    52,32

    52,07

    52,20

    50,41

    48,00

    5500,,4400

    52,23

    42,94

    46,42

    47,48

    54,82

    52,94

    53,99

    51,70

    47,66

    5511,,0077

    52,33

    44,03

    46,82

    47,41

    53,22

    52,39

    53,46

    52,31

    50,51

    5500,,5533

    51,43

    45,61

    47,30

    46,30

    51,41

    52,42

    51,32

    53,73

    49,12

    4499,,4499

    57,76

    44,66

    41,08

    43,60

    52,82

    53,37

    56,05

    53,29

    40,00

    5522,,2277

    59,11

    46,41

    51,82

    53,54

    60,72

    58,91

    61,73

    59,98

    -

    5588,,4433

    Menos

    de 1 SM

    1 SM De 1 a

    2 SM

    De 2 a

    3 SM

    De 3 a

    5 SM

    Mais de

    5 SM

    60,22

    48,04

    54,12

    55,58

    61,59

    60,05

    61,74

    61,90

    69,72

    5588,,5511

    59,83

    48,64

    55,24

    55,15

    62,32

    60,24

    62,33

    62,42

    52,87

    5566,,4444

    55,80

    49,86

    52,46

    51,86

    61,14

    60,28

    49,34

    60,02

    54,64

    5522,,9977

    57,46

    50,04

    55,08

    54,67

    63,66

    60,54

    59,18

    60,82

    63,63

    5544,,7711

    Jornada de trabalho total

    ccoonnttiinnuuaa >>

  • Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii84

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    Continuao - Tabela 2

    Horas semanais trabalhadas no mercado de trabalho (JTm) e na reproduo social (JTrs) segundo categorias ocupacionais,sexo e classes de salrio mnimo - Brasil, 2006

    Masculino Feminino

    Menos

    de 1 SM

    1 SM De 1 a

    2 SM

    De 2 a

    3 SM

    De 3 a

    5 SM

    Mais de

    5 SM

    Dirigentes em geral

    Profissionais dascincias e das artes

    Tcnico de nvelmdio

    Trabalhadores deserviosadministrativos

    Trabalhadores dosservios

    Vendedores eprestadores deservio do comrcio

    Trabalhadoresagrcolas

    Trabalhadores daproduo de B/S ede reparao emanuteno

    Membros das forasarmadas e auxiliares

    TToottaall

    Dirigentes em geral

    Profissionais dascincias e das artes

    Tcnico de nvelmdio

    Trabalhadores deserviosadministrativos

    Trabalhadores dosservios

    Vendedores eprestadores deservio do comrcio

    Trabalhadoresagrcolas

    Trabalhadores daproduo de B/S ede reparao emanuteno

    Membros das forasarmadas e auxiliares

    TToottaall

    4,17

    4,86

    5,96

    4,02

    6,21

    5,45

    5,28

    5,12

    3,29

    55,,3333

    45,26

    25,81

    25,50

    31,12

    35,38

    37,72

    39,14

    38,72

    45,89

    3377,,8855

    4,83

    6,72

    5,31

    3,67

    5,09

    4,53

    4,14

    4,02

    2,64

    44,,4411

    45,16

    32,91

    37,07

    40,02

    45,07

    46,73

    46,67

    44,78

    45,18

    4444,,6600

    3,74

    5,67

    4,99

    4,51

    6,44

    4,92

    4,07

    4,67

    3,74

    44,,9911

    48,03

    34,86

    39,71

    42,76

    45,88

    47,15

    48,12

    45,74

    44,26

    4455,,4499

    3,71

    5,28

    4,99

    5,24

    6,85

    4,91

    4,20

    4,76

    4,46

    44,,9966

    48,52

    37,67

    41,44

    42,25

    47,97

    48,03

    49,80

    46,94

    43,20

    4466,,1122

    3,86

    5,02

    4,97

    5,24

    5,90

    4,52

    4,12

    4,56

    6,26

    44,,7777

    48,47

    39,01

    41,85

    42,17

    47,33

    47,87

    49,34

    47,76

    44,25

    4455,,7766

    3,03

    4,18

    4,83

    4,94

    5,51

    4,52

    2,78

    4,26

    5,92

    44,,0066

    48,40

    41,43

    42,47

    41,36

    45,90

    47,90

    48,54

    49,48

    43,20

    4455,,4433

    16,22

    22,48

    20,70

    14,04

    23,05

    25,65

    25,81

    26,13

    0,00

    2233,,6666

    41,54

    22,18

    20,38

    29,56

    29,78

    27,72

    30,24

    27,16

    40,00

    2288,,6655

    16,80

    16,41

    19,08

    13,75

    19,49

    15,53

    19,00

    17,96

    -

    1177,,9999

    42,31

    30,01

    32,74

    39,79

    41,24

    43,37

    42,73

    42,02

    -

    4400,,4444

    Menos

    de 1 SM

    1 SM De 1 a

    2 SM

    De 2 a

    3 SM

    De 3 a

    5 SM

    Mais de

    5 SM

    14,85

    17,43

    18,46

    14,15

    19,79

    16,58

    20,01

    18,85

    17,12

    1177,,6677

    45,37

    30,61

    35,66

    41,43

    41,80

    43,47

    41,72

    43,06

    52,61

    4400,,8844

    15,05

    15,47

    17,73

    14,30

    18,54

    16,95

    21,68

    17,74

    9,56

    1166,,3300

    44,77

    33,17

    37,51

    40,85

    43,77

    43,29

    40,66

    44,68

    43,31

    4400,,1155

    11,43

    11,19

    12,80

    12,98

    14,14

    15,40

    18,51

    16,45

    13,68

    1122,,0055

    44,37

    38,68

    39,66

    38,88

    47,00

    44,88

    30,82

    43,57

    40,95

    4400,,9922

    14,45

    14,70

    16,99

    14,69

    18,84

    16,00

    22,86

    16,48

    20,91

    1155,,5555

    43,01

    35,34

    38,09

    39,97

    44,82

    44,54

    36,32

    44,34

    42,73

    3399,,1166

    Jornada de trabalho total dedicada reproduo social

    Fonte: Pnad, 2006

    Jornada de trabalho total dedicada reproduo social

  • Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia 85

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    Quando analisada a situao das mulheres com status ocupacional erenda mais baixa, constata-se uma clara situao de desvantagem destasem relao aos homens em situao semelhante, bem como em comparaos mulheres em situao mais favorvel em termos de insero ocupacionale renda.

    Em suma, a Pnad revela que quanto mais desfavorveis a inseroocupacional e a renda, maior a jornada de trabalho da mulher. Em outraspalavras, quanto menor a probabilidade de ela ter acesso a uma ocupa-o com proteo social, maior sua responsabilidade no mbito fami-liar. Estes resultados expressam condies desfavorveis para a mulhertanto no mercado de trabalho como no mbito da famlia, os quais devemestar relacionados.

    Uma sntese dos argumentos expostos anteriormente apresentada noGrfico 8. De maneira geral, nota-se que os homens so bastante homog-neos em relao ao tempo despendido na execuo de tarefas concernentes reproduo social: sempre tm menos de dez horas do seu tempo destina-do a elas. A diferenciao (caracterizada, ademais, por pequena disperso)est relacionada, sobretudo, jornada no mercado, que alcana o pice paraos homens dirigentes (maior qualificao e maior prestgio social, portanto),para os envolvidos com o comrcio e para os trabalhadores da produo(menores qualificao e prestgio), e tem os menores valores para os profis-sionais das cincias e das artes.

    No que tange s mulheres, porm, a disperso bidirecional: elas socaracterizadas, no geral, por jornadas elevadas tanto no ambiente domsti-co quanto no mercado de trabalho, com possibilidades de combinaes.Elas, por sua vez, sempre tm mais do que dez horas do seu tempo ocupadopela reproduo social e suas jornadas no mercado so pouco inferiores sdos homens. As mulheres envolvidas com o trabalho agrcola e com osservios so as que apresentam as maiores combinaes de jornadas ele-vadas em ambas as direes; as dirigentes tm as maiores jornadas no mer-cado e as menores de reproduo social, enquanto as trabalhadoras agrco-las, as maiores de reproduo social e as menores no mercado.

    Essas evidncias sugerem que as mulheres menos qualificadas e alo-cadas em ocupaes menos prestigiadas socialmente tm jornadas totaismaiores do que as mais qualificadas e alocadas em ocupaes mais estveise prestigiadas. Embora estas ltimas apresentem significativa elevao dajornada no mercado em relao s primeiras, no suficiente para compen-sar a diferena na jornada domstica, de modo que as menos qualificadasacabam por ter jornadas totais mais elevadas.

  • Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii86

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    Com a preocupao de dar alguma evidncia sobre a quase inexorveltendncia de reproduo da atual situao de discriminao entre sexoquanto jornada de trabalho total, explora-se uma dimenso bsica domovimento recente do mercado de trabalho: a gerao de ocupaes segun-do sexo e rendimento.

    A tendncia geral revela a concentrao das novas oportunidadesocupacionais na faixa de remunerao de at dois salrios mnimos. Nosestratos de rendas superiores, nota-se uma contrao da ocupao. Emrelao aos homens, as ocupaes relacionadas produo, aos servios e aocomrcio foram as que mais contriburam para a elevao do emprego.Portanto, a ocupao cresce nos setores que demandam menor qualificao,associada a baixas remuneraes. No que tange s mulheres, porm, a situ-ao mais sria: a elevao da ocupao est concentrada nas faixas deremunerao que abrangem at um salrio mnimo (e inclusive), sendo queas ocupaes que mais geraram emprego foram, alm daquelas vincula-

    Grfico 8

    Ocupao e jornada de trabalho segundo sexo - Brasil, 2006

    0

    Fonte: Pnad, 2006

    JTm (jornad

    a de trab

    alho do m

    erca

    do) (horas)

    0 10 20 30 40 50 60

    7

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    8

    5

    6

    32

    2

    3

    9

    6

    10

    1

    8

    4

    910

    1

    JTrs (jornada de trabalho para a reproduo social) (horas)

    1 - Dirigentes em geral

    2 - Profissionais das cincias e das artes

    3 - Tcnicos de nvel mdio

    4 - Trabalhadores de servios administrativos

    5 - Trabalhadores dos servios

    6 - Vendedores e prestadores de servio do comrcio

    7 - Trabalhadores agrcolas

    8 - Trabalhadores da produo B/S e de reparao e manuteno

    9 - Membros das foras armadas e auxiliaraes

    10 - Ocupaes mal definidas ou no declaradas

    Homens Mulheres

  • Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia 87

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    das ao setor de servios, nos segmentos de servios administrativos e dasprofisses de cincias e artes, o que aponta que o emprego feminino cresceem qualidade e demanda por qualificao, mas caracterizado por umdeclnio mais acentuado de remuneraes, comparativamente quele queacomete os homens.

    Nota-se que as mulheres esto mais qualificadas e se inserindo mais nomercado de trabalho, mas auferindo remuneraes piores para essas ocu-paes. E, portanto, que um maior dinamismo do mercado de trabalho noparece ser suficiente para atenuar a jornada de trabalho total das mulheres.

    De modo geral, o crescimento do emprego para as mulheres est acon-tecendo justamente naquelas ocupaes em que ela se realiza mais das tare-fas domsticas (por conta do nvel de renda, principalmente) e precisa,ao mesmo tempo, dedicar um nmero de horas elevado ao mercado de tra-balho. Portanto, a dinmica ocupacional est legitimando uma situao deelevada jornada total de trabalho para as mulheres, que precisam se virarpara conciliar o trabalho fora de casa com o de dentro de casa e arquitetartudo com a baixa renda de que dispe. Tal fato demonstra que poucaateno tem sido conferida a esse aspecto da insero ocupacional feminina:a inexistncia de instrumentos legais para se lidar com o duplo trabalhodas mulheres faz com que elas tenham que se esgotar numa dupla jornadabastante intensa, que tende a se elevar por conta dos pequenos ganhos reaisde renda e da necessidade de buscar uma insero no mercado de maiorqualidade, que demanda mais horas de dedicao (Bonke e Gerstoft, 2007).

    Consideraes finais

    A Pnad revela que, de maneira geral, as mulheres so penalizadas por suacondio de provedoras da reproduo social do lar atravs de jornadas detrabalho totais mais longas, tendo que conciliar a necessidade de desempe-nhar as tarefas domsticas com a insero no mercado de trabalho. O resul-tado global explicita que elas trabalham em mdia 18 horas semanais a maisdo que os homens.

    Ademais, a Pnad deixa claro que, quanto mais desfavorvel for a inser-o ocupacional da mulher e quanto mais baixa a sua renda, maior a dis-tncia entre a jornada de trabalho a que ela est submetida, compara-tivamente quela exercida pelos homens na mesma condio. Alm disso,quanto pior a qualidade da ocupao que ela realiza, maior a sua jornadatotal de trabalho e maior a participao do trabalho em casa na apropri-ao do seu tempo. Assim sendo, menor o tempo que ela pode dedicar aotrabalho fora de casa, o que aponta na direo de uma insero de pior qua-lidade no mercado.

  • Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii88

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    Notas

    1 Professor Titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), Campinas, So Paulo, Brasil. Doutor em Cincia Econmica pela Unicamp. Correspondncia: Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),Caixa Postal 6135, Campinas, So Paulo, Brasil, CEP 13083-970.

    2 Auxiliar de pesquisa do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho,do Instituto de Economia, da Universidade Estadual de Campinas (Cesit/IE/Unicamp).Graduanda em Cincias Econmicas pela Unicamp.

    O nvel mais baixo de escolaridade tambm est relacionado jornadade trabalho total maior e com maior participao nela das horas dedicadas reproduo social, e essa situao se agrava para as mulheres chefes defamlia. No entanto, preciso tambm observar que essa tendncia comeaantes mesmo de a mulher constituir famlia: ainda na posio de filha ela jsente o peso desses deveres, especialmente quando oriunda de famlia debaixa renda em um contexto no qual ela no s se responsabiliza pelas tare-fas domsticas, mas tambm muitas vezes pela criao dos prprios irmos,enquanto a me est no mercado de trabalho).

    Em uma perspectiva mais ampla, os resultados deste ensaio sinalizampara a necessidade de polticas pblicas de proteo ao trabalho que extra-polem a dimenso do mercado de trabalho, alcanando as atividades com-plementares que a populao ativa realiza no interior das famlias. Estaspolticas so particularmente relevantes para as mulheres e, em especial,para aquelas com menor qualificao e renda, pois so elas que se encon-tram em posio mais desvantajosa tanto no mercado de trabalho como nasfamlias (Adam, 1990; Hirata e Kergoat, 2008).

    Ao contrrio da perspectiva de menor regulao pblica do mercado detrabalho, muitas vezes defendida sob a justificativa de maior liberdade daspartes no processo de contratao, verifica-se a necessidade de ampliaodesta regulao, pois ela se constitui em elemento relevante para o enfrenta-mento da desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho eno ncleo familiar.

    Se deixada a regulao aos resultados das dinmicas dos mercados debens, servios e trabalho, ser pouco provvel que venha se construir umasituao de maior igualdade entre homens e mulheres no mercado de traba-lho, mas tambm no mbito das famlias, ao menos no que disser respeito extenso e composio da jornada de trabalho total.

  • Gnero e jornada de trabalho: anlise das relaes entre mercado de trabalho e famlia 89

    Trab. Educ. Sade, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 65-90, mar./jun.2009

    3 Auxiliar de pesquisa do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho,do Instituto de Economia, da Universidade Estadual de Campinas (Cesit/IE/Unicamp).Graduando em Cincias Econmicas pela Unicamp.

    4 Desde meados da dcada de 1940, duas reivindicaes comearam a ser feitas pelostrabalhadores aos seus Estados, tanto na Europa como na Amrica do Norte, para regulaopblica do contrato de trabalho: a reduo da jornada de trabalho para oito horas e o esta-belecimento de um salrio mnimo. Em conjunto, elas visavam a proteger o salrio real,ao buscarem impedir a sua desvalorizao absoluta por meio da reduo do salrio nomi-nal hora e dele, em termos relativos, atravs da ampliao no remunerada da jornadade trabalho.

    5 Um bom exemplo disso a experincia francesa. Nos anos 80, o pas reduziu a jor-nada semanal de trabalho para quarenta horas e, na segunda metade da dcada de 1990,para 36 horas. Recentemente, o governo francs flexibilizou a regulao com o objetivo deviabilizar jornadas superiores a 36 horas sem custo adicional. A iniciativa foi justificadapela perda de emprego nas unidades produtivas locais, em razo de empresas francesasestarem deslocando produo para os pases do leste europeu, onde a regulao da jornadade trabalho mais flexvel ou ausente.

    6 Sobre os levantamentos nacionais sobre o uso do tempo, ver Fisher e Layte (2002);e Dedecca (2005).

    7 A Pnad, infelizmente, no realiza o levantamento sobre a existncia de contrataode empregado domstico no domiclio. Assim, o argumento de uma menor jornada parareproduo social das mulheres ocupadas de renda mais elevada decorre do conhecimentocomum que se tem da generalizao deste tipo de trabalho nos domiclios de renda mdia ealta no Brasil.

    Re fe rn cias

    ADAM, Barbara. Time and Social Theory.Oxford: Polity Press, 1990.

    BONKE, Jens; GERSTOFT, Frederik. Stress,time use and gender. Electronic Internation-al Journal of Time Use Research, v. 4, n. 1,p. 47-68, 2007.

    BURDA, Michael C.; HAMERMESH, DanielS.; WEIL, Philippe. The Distribution ofTotal Work in the EU and US. DiscussionPaper Series, n. 2.270. Bonn: IZA, 2006.

    DEDECCA, Claudio Salvadori. Sobre tem-pos e gnero na sociedade brasileira. In:DEDECCA, Claudio Salvadori. Trabalho e

    gnero no Brasil: formas, tempo e contribui-es scioeconmicas. Braslia: Unifem, 2005.

    ______. Regimes de trabalho, uso do tempoe desigualdade entre homens e mulheres. In:COSTA, A. de O.; SORJ, B.; BRUSCHINI, C.;HIRATA, H.. Mercado de trabalho e gnero:comparaes internacionais. Rio de Janeiro:FGV Editora, 2008.

    ELIAS, Norbert. Sobre el Tiempo. Mxico,D. F.: Fondo de Cultura Econmica, 1989.

    FISHER, Kimberly; LAYTE, Richard.Measuring Work-Life Balance and Degrees ofSociability: a focus on the value of time use

  • Claudio Salvadori Dedecca, Camila Santos Matos de Freitas Ribeiro e Fernando Hajime Ishii90

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    Recebido em 10/07/2008Aprovado em 25/02/2009