jornal vaia edição 07

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Número 7 - janeiro de 2003 23 a 28 de janeiro de 2003 Porto Alegre- RS - BRASIL

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Page 1: Jornal Vaia edição 07

Número 7 - janeiro de 2003

23 a 28 de janeiro de 2003Porto Alegre- RS - BRASIL

Page 2: Jornal Vaia edição 07

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Rua Demétrio Ribeiro, 706/601 centro -90010-312 - Porto Alegre - RS - BRASIL -Tel: (51)-9649-5087

V I

IV

Número 7 - janeiro 2003

V V

V V

[email protected]

IV

V V

memória o que é memória? Memória é história matériaprima de tudo aquilo que tocou os sentidos e foi buscar refúgionum ponto escondido bem além do nosso controle conscientemas que vai e vem sem aviso como se fosse a dona irreverentede um exército de combatentes que lutam para não serem en-trincheirados; senhora da história pessoal e coletiva mais cedoou mais tarde reativa o que guardou escondido em seus cantosempoeirados sem nos pedir licença...entra e sai como se tivesseo domínio dos caminhos por vezes finge não escutar o que lhepedimos e volta a se esconder num interjogo sem fim. Quandonos toma de assalto e revela que o desconhecido de agora jáfoi um velho conhecido de outrora hoje fantasiado de novidadeatualiza um molde antigo esculpido e preenchido para ganharvida nova através das emoções e dos sentidos que dão sentidoa tudo aquilo que é vivido. Tal qual um brechó guarda relíquiasde valor inestimável para uns e desprezível para outros...velha-rias empoeiradas mal-cheirosas com odor de mofo que produzum forte espirro como se quisesse jogar para bem longe de siaquelas recordações que provocam alergia mas também pos-sui aquelas peças guardadas com carinho especial que contémum fragmento vivo da história já há muito contada podem teraparência de velha mas estão sempre na moda num vai e vem

de combinações de estilos e cores

Lia Mara Netto Dornelles

Tiragem: 15000 exemplares

Troca-troca“Debilóides leitores deste jornaleco:troco os dois primeiros números doVaia, em perfeito estado de conser-vação, aliás, raríssimos, leitura pre-ferida de dez entre dez top models,fetiche de várias intelectuais (!) denossa sociedade, por um disco da Lady Zu, qualquer um, ou um das Frenéticas. Contatos pelo e-mail:[email protected]

R: Leitor ingênuo e pacóvio: se aomenos fosse um disco da Sandy,gatinha bem mais conservada... Serpílio Atrabílis - Redator

Esquizofrenia“Comecei a ler esta...como direi...bosta de publicação com um pé atrás. Hoje não perco mais meu tempo lendo esta tralha. Gostaria de alertar aos poucos (2, 3?) leito-res: não se deixem enganar, boi-cotem este projeto de jornal”. Tibinga Bipart e-mail

R: Sua saúde mental está um trapo, ô bipo-lar. O melhor a fazer é procurar ajuda espiritual imediata-mente e parar de ler esta...como direi...merda.Serpílio Atrabílis- Redator

Boca suja literato“Putrefato redator: Ide à puta que o pariu!! Elevai junto a vossa mãe!!”

Malaquias Z. Bostier Cuiabá-MT

R: Seu convite turístico não nos sensibiliza, seuescroto. Serpílio Atrabílis Redator

Humorista frustrado “Que palhaçada é essa na seção cartas? Encheção de lingüiça? Qual é a do jumento Atrabílis? Esse cara é um bunda mole, não sabe escrever porra nenhuma e ainda se acha engraçadinho e metido a corrosivo. Só falta dizer que escreve com a pena da galhofa e a tinta do ácido sulfúrico.”

Hilário C. da Rosa e-mail

R: Sou homme à femmes, amantede finas damas, esnobes top mo-dels e gostosas apresentadorasde tv. Serpílio Atrabílis- Redator

Em outro tempo eu lembrava, em nossas lides,das venturas de moço, só libertos,temos na prosa a noção do tempo pouco, vagosinstantes, selvagens tão somenteem lutas desimportantes, justas para crescersemeando frases, flores em céu abertogerme das minhas feridas, velhas aquecidasdoem na alma, são friagens na mente.

Vida em duplas medidas, cem causas perdidas,grandes prantos em amores vividosdas causas abraçamos a doce paixão eno amor sufocamos em vão a nossa razãovivemos rápido, breve, amamos tanto,em cada canto perdemos o embalo, a libidodigo te amo sem corar, não temos mais tempopra namorar, só em onânico sermão,

manipulo texto e testículos, absorvo tua dor earremato só causas de puro amormalditas palavras, descobre em versosmeu corpo sedento, frio tremendo vil vazioficas na tese, encosta apenas, eis vosso papel,rijo no inverno, inerte sob o calor.

Outra outrora qualquer reflete uma vida,um homem uma mulher, uma causa perdidaeternos amantes, em uma era degustaram o presente, em dupla lembram o passadogozam o sistema fálico, falido, desejamno tempo ternura poemas e belas metidas.

Luiz Carlos Amaro [email protected]

Soneturno

=DETETIVE PARTICULAR=Se na sua casa nem o cão lheé fiel, contrate nossos serviços.Sigilo absoluto. F:3325-0171

CORAÇÃO SOLITÁRIO:Precisa-se de uma mulher boapara viver com um bom homemsolteiro.Tr. Rua Pico do Amor, 69.

METALÚRGICA 24 DE OUTU-BRO - Fazemos foices, espadase guilhotinas e armas de corteem geral. Preços sob consulta .Não trabalhamos com anarquistasFavor não insista.F:22116-5214

Na contracapa da edição número 6 de Vaia, o texto “O encantamento”foi creditado simplesmente a Kei,pseudônimo de sua autora, JosetteLassance, de Belém-PA. Valeu, Jo!!

ERRATA-ER-ERR-ERRATA-ER-ERR-ERRATA

CARO SÁBIO: Se não ésdado a cobrir moçoilassaiba tenho frases temáticasGLS - Peça catálogo.Sangaard FlowerAvenida(0) Verlaine, 6669Ciudad del Este- Paraguay

EMPREGO TEMPORÁRIO:Garota, 18 a 23, solteira, belocorpo e voz sensual para atuarno Depto.Comercial. Salário ehorário a combinar. Tratar c/nossa secretária, D. Nelma ouà noite pelo f.(51)- 9649-5087.

CLASSIVAIA

O R S DS

A É A PRO A “Quando os partidos po- líticos começam a dese- jar mais o fracassso dos adversários que seu pró- prio sucesso, a tirania está próxima. (Alexis de Tocqueville)

REDATORIAL

o brechó da memória

Nossa bela secretária, D. Nelma,relaxando após um exaustivodia de trabalho na redação.

Previsão do tempo

Instabilidades vindas de alhuresvarrem as nuvens do céu plúmbeo edespetalam a rosa dos ventos, coitadinha. A chuva deve ocorrera qualquer hora dequalquer dia e idem noite. Temperaturasaltas ou baixas, dependendo da escalatermográfica que se tome. A barometria trará borrascas, masproporcionará belo clarear da aurora.Umidade do ar sempre relativa, ou seja, ora um pouco mais ora umpouco menos úmida.Uns dias chove, outros dias faz-sesol. Portanto, antes de sair de casaé prudente (olha a infalível previsãodo tempo aí) colocar a mão pra fora da janela.

Editor: Marco Marques Redator: Serpílio Atrabílis Projeto Gráfico: Gil Pires Jornalista: Victor Hugo da SilvaCapa: Gil PiresColaboradores: Alexandre Mello, Antonio Fernando de Andrade, AricyCurvello, Cândida Johann, Daizi Vallier, Fernanda Pedrazzi, Fernando Ramos, Guido Bilharinho, Gustavo Zortéa daSilva, Haroldo Ferreira, José RibamarGarcia, Köle, Laurene Veras, LeandroDartora, Lia Mara Netto Dornelles, Luiz Carlos Amaro, Manuel GonzálezÁlvarez, Marcelo Rosa dos Santos,Marice Schiavon, Paulo Valença, Roberto de Queiroz, Rosália Milsztajn,Rosovaldo Alves, Sammis Reachers, Tânia Lopes, Urda Alice Klueger.Tiragem: 15000 exemplares

CUNILÍNGUA:

Mesmo sendo boicotado pela sociedade organizada e desorganizada, pelo clero, peloscivis e militares, grande impresa, imprensa nanica, pelos ideólogos de todos os matizes, pelos drogados e prostituídos em geral, seguimosfirmes (! E e tesos (¨¨) Sempre em frente. Nossasobranceira atitude diante de tudo e de todos advém do amor com que oincontável número de mulheres nos regalam. É para elas que nos emprestam incondiconalmente a seiva da qual nos nutrimos para levantar altivamente nossa PAUta litero-elítica-humorística que trabalhamos. Obrigado, meninas.

Page 3: Jornal Vaia edição 07

ia desce da lotação na Borges e entra na Montaury, encaminhando-se para mais um dia de trabalho no DMAE. Quando vai entrar no prédio sente um leve puxão emsua saia, olha para baixo e vê a figurinha com o bico na mão,seu coração aperta ao pensar: não dou esmola a crianças.Ele pede: me pega no colo tia. Olha-o sem saber o que fazer,situações inesperadas a fazem perder a ação... O menino volta a pedir: me pega no colo tia. Coloca a bolsa sobre oombro e levanta-o. Sentindo a calcinha molhada, pergunta: - Onde está tua mãe? - Tô com sede, diz. Entra no prédio com ele nos braços e vai em dire-ção à sua mesa, com o olhar e a pergunta dos colegas a seguindo. Chama a moça da limpeza e pede que traga um copo com água. Volta a perguntar: - Onde está tua mamãe, querido? -enquanto observaque ele não deve ter mais de 3 ou 4 anos e apesar disso pa-rece não responder sua pergunta de propósito. Troca minha roupa molhada tia. Não é uma perguntaé um pedido, ou será uma ordem? Eu não tenho roupa de criança aqui responde, dando-se conta dos colegas que es-tão à volta deles, olhando. Um sugere rindo: manda comprartia. Não gosta do tom de galhofa e responde: é o que farei.Pega a carteira, estende a nota cinqüenta reais que o mari-do lhe deu para as compras no Mercado Público, pedindo àfuncionária para ir pegar algo que sirva nele, ali nos camelôs.

Levanta-se e sai com ele pela mão em direção ao banheiro, sem olhar as pessoas. Tira as calcinhas, sapatinhos e meias, observando serem limpas apesar de velhos. A moça volta trazendo uma calça de abrigo e um par de meinhas. Ela deve ter filho pequeno, com- prou o tamanho certo, não saberia, pensa, enquan- to agradece dispensando-a. Depois de lavá-lo e trocar a roupa, resolve sair para oferecer-lhe um café. Pega a bolsa e pedindo para avi- sarem o chefe que precisou sair, vai embora. Leva-o para comer, depois resolve comprar um mo- letom para combinar melhor com o abrigo. Passa pelo cinema Vitória, vê Os Trapalhões em cartaz, pergunta se quer ver, aproveitando para indagar seu nome. Sem que receba qualquer resposta, compra dois pacotes de pipocas e entram para a sessão das 12 horas. Ela ri como há muito não fazia. Ele dormiu, constata depois de algum tempo. Na saída pega a caminhonete resolvida a ir para casa, semter voltado a pensar na mãe da criança. O menino ao seu lado parece muito tranqüilo. Desce da condução, atravessa a rua, en-tra no restaurante e compra comida, pedindo que acondicionempara levar. Vai em direção ao edifício onde mora indagando-se:será que Jorge irá gostar dele? Daizi Vallier “Lapidações”, Scriveri- Espaço de Criação Literária Editora Evangraf , 2002

O encontroL

1975. Aguardando o apito que anunciava o retornoao trabalho, punha-se defronte à fábrica, no bar deBiró, na padaria ou na mercearia de Luís Carlos, on-de encostado no balcão, conversava, com a atençãonos automóveis que saíam da indústria.-Pois é, Luís:a situação está cada vez mais preta. Luís, como sem-pre, concordava: - O nosso povo se vende por qual-quer coisa, é muito besta. Na vez de protestar, votano governo. Também agora vai se lascar! Automó-veis passavam. O vigilante acenava, informando-osse deveriam ou não, seguirem à esquerda. Mas, ca-dê o carro azul? Consultava o relógio: doze e cinco.-Está na hora. Dizia baixinho, libertando a emoção.Com o coração pulsando forte, não tirava os olhosdo portão. Então, o automóvel surgia. Luís continua-va falando em política. Meneando a cabeça, ele fin-gia concordar, enquanto fixava o carro que passava.Dentro desse o rosto alvo, com os cabelos negros, em-borcados, e os olhos grandes, que disfarçando, fita-vam-no. Escondendo-se no gesto de se virar, a mo-ça com a graciosa mão alisava os cabelos e olhava-o. À direção, o rapaz - seu marido - aumentava a velo-cidade do carro, e logo, esse perdia-se entre os de-mais na hora movimentada. Ele pedindo uma garra-fa d´água, interrompia Luís. Bebendo-a, pensava noque acabara de ocorrer. Até quando a cena repetiria-se? Por que não conseguia uma maneira de falar à jo-vem? Contudo, seria-lhe arriscado: ela se casara hápouco... Quantas vezes após o banho, se vestindo, dissera-se baixo, gordo, envelhecido? Ah, os anos passaram e ele conservava-se o sonhador de outrora!Pela vivência, era para estar indiferente aos sonhos.- A fábrica apitou: vou indo. Até amanhã, Luís.

Ao passar, reconheceu o automóvel, com um dos fa-róis quebrado e necessitando de uma pintura. Sensi-bilizou-se: - Carro de pobre. Encaminhando-se ao re-lógio-de-ponto, pensou no sacrifício do dono do veí-culo em mantê-lo, no quanto se privava para propor-cionar o pequeno conforto em conduzir a mulher ao trabalho, sem contudo saber que ao cruzar pela mer-cearia, ela sensualmente olhava para outro, e que esse também correspondia aos olhares... Novamentereconheceu a necessidade de esquecê-la. Não nasce-ra para ser conquistador, era dos sujeitos desatualiza-dos, os “quadrados”, que não curtem as chances. Queculpa lhe cabia da mulher bonita provocá-lo? Emborase sentisse envaidecido, nos dias seguintes, evitou aimagem do pecado. Findo o expediente, ficava na se-

Foi Eliseu que lhe revelara: -Você sabe quem tambémsaiu no “corte”? Aquela menina alvinha, boazuda, se-cretária de um dos diretores. - Quem? Indagou, poisquantas secretárias existiam na indústria? Então, ocolega: - Uma branquinha, que se casou, que o maridotem um carro azul. Entendeu. E, frustrado, desabafou-se com um palavrão contra o calor. Então, Eliseu sor-rindo, gracejou: - Está nervoso? Ele não lhe respondeu,porque encontrava-se entregue à lembrança do rostoalvo, com olhos e cabelos negros. Assim deixando-o,Eliseu devagar afastou-se.

ção, amargurando a querida ausência.

A moça do automóvel azul

Retornava ao trabalho. Antes, a moça demonstrara querer uma aproximação. Evitara-a, porque temia a futuro: ganha- va pouco, além da incerteza de perma- nência no emprego... Reconhecia-se covarde, contudo, permitira que assim os dias transcorressem. - Agora é tar- de.Se bancasse o afoito, procurasse-a, enfrentando conseqüências que talvez não ocorressem? E, logo, vivia instantes românticos - Melhor esquecê-la. Entretanto, bastava ver o rosto alvo, com os cabelos ne- gros e os olhos que o procuravam...Não lhe seria fácil cumprir o que se prometera. - Souum fraco. Desculpava-se.

Paulo Valença - Recife-PE

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V VIV

V V

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de repente, quando me dou conta, está à minha frente,aproximando-se, menino de uns cinco anos de idade. mas, isso é impossível, dados lugar e hora, total falta de acesso ao primeiro e impropriedade da segunda. não pode ser, já que noite, porta trancada, edifício fe-chado, corredores às escuras, elevadores desligados.instantâneo, como flash fotográfico, misto de surpresae terror, mesmo estando a criança com fisionomia ami-gável, no átimo, o pensamento mágico que condicionatodo ser humano, julga ser encarnação do diabo, que, dizem os entendidos em artes demoníacas, é solerte em tapeações e a parecer o que não é. também influên-cia de recente leitura do dr.fausto, de goethe. contudo,o semblante desarmado da criatura leva-me a conside-rá-lo um anjo. embora evidente que não é uma coisanem outra. constatação, aliás, mais terrificante ainda. mas, na circunstância, bem pode ser um ou outro, vistoimpossível ser ambos segundo certa doutrina muito di-fundida. a súbita, inusitada e inexplicável aparição, osdecorrentes espanto e estado de choque não me impe-dem de indagar-lhe - nem sei como - quem é, como en-trou, o que está fazendo ali, o que deseja. absurdo!simplesmente, com naturalidade e calma, responde es-tar acompanhando o pai, no momento consertando asinstalações, segundo ele, a meu chamado. todavia,não o conheço, não o chamei, nem as instalações ne-cessitam conserto. Pelo menos até antes que ele nelasmexesse... muito menos, ainda, abriria a porta parapara qualquer pessoa...

B Z RV V

lá &&cá

lá- salário mínimo

lá- solução da crise

Andrade

cá- esmola

cá- milagre

Precisamente por que no estoy cerca de ti, por amarte como nadie te haya amado, precisamente por no ver tus prados verdes quisiera cantarte como nadie te ha cantado, con el canto del terruño, son de guardaña y arado. Soñar que me vuelvo hierba, soñar que me vuelvo árbol y cantar- fuerte - a mi tierra desde el valle hasta el barranco. Quisiera en las aguas claras que corren por tus riveras ser como el cauce del rio, que pasa al agua y se queda! Ser otoñada o semilla, ser viento de madrugada, el que mueve los maizales y el que aventa la parva, borrin en las altas lomas, cantar en las tierras bajas, y eco de viento y tonada para cantar a mi tierra como cantan las rapazas, con ese son que es eterno como el pacer de las vacas. Y subir al altozano que mi tierra ya es montaña, cantar a grito, con fuerza que es un pedazo de España. Y que el eco y las canciones las repita la cañada, que les llegue a mis paisanos con son de tambor y gaita. Y cuando ya la materia, de tanto correr, gastada, sea convertida en ceniza, aventársela al Dios bueno para que El la reparta. .....................

Seguiré cantando al inclinar la cabeza, a mis prados, y a mis sierras, al Dios que me vio nacer, y al Dios que de Ti me aleja.

Manuel González Álvarez Madrid - España

As crianças brincam de rodaenquanto eu garimpo gíriasnas favelas de Angola...Que histórias essas crianças comportam?Quem vai saber o que as limita,o que elas transcendem?Hominização, humanização...A que processo nós(ainda) estamosatrelados?

Um berimbau me chama pra brigachama pra brincarmas algo como um bandolim(enamorado?)Por mim implorae vai a gente, varando a vidaPelo e-mailvocê me pergunta se estou triste.Estou triste e poste e parede; e você?Me pergunta quantos poemas hánum poeta!Ah! Também não sei o nome do céu...É claro que a ilusão distrai,claro como é claroque a ilusão cai. Quero é vocêpra capitanear as horas que da ilusãoainda me restam...

É um nada que nos une,um tênue e vacilante fio de nada.Superamos o estágio Abelardo e Eloísa?Eurídice realocada, Orfeu chinfrim de paixãoum tanto exauridacomo a chama do grão-mestre que haviaem Machu-Pichucujo nome foi enterrado pela incapacidadedos homens...E a alma druida em mim diz que há um dragãoem tua bolsinha, há um dragão encolhidoque nada entre batons e absorventes,que desvendaos segredos fúteis em tua intocável agendae sabe de você como só eu gostaria...

P.S.-...e foi só isso?Nosso amor, um poema?E por que não filme ou flor?

Sammis Reachers Rio de Janeiro

Guido Bilharinho “Enigmas”- contos- Ed. Instituto Triangulino de Cultura - Uberaba/MG, 2002

Faquiro Andrade

O portãozinho range ao ser aberto. Ela move o rosto de lado, buscando saber quem chega. O velho magro, de fisionomia abatida, avizinha-se. Na mão, o pacotinho. - Que é isso, Maciel? - Trouxe umas pêras. Então, no rosto moreno, pouco castigado pelos anos, desponta osorriso de outrora, e ele pondo o embrulhinho no colo da mulher,foge a vista do corpo ainda bem proporcionado sobre a cadeira-de-rodas. A seguir, aligeirando-se, deixa-a. Trêmulos, com dificuldade, os dedos recurvos abrem o pacotinho. Nos olhos tristonhos há um brilho diferente, que é a tristezade sofrido coração. Ausente, em seu mundo íntimo, Laura morde o fruto.

Paulo Valença

carta incerta

A gente pega o Vaia com

curiosidade e larga-o com

desapontamento.

!

04IV

V VIV

V V

O SEGREDO

aparição

Seguiré cantando

o sorriso de outrora

Page 5: Jornal Vaia edição 07

Vontade de ser marée ir aonde o amor à lua levaAonde essa Paixão me levarIr aonde o Mundo selvaSer laica fera pra te devorar

Sammis Reachers

ÍSIS

surtosPOÉTICOS

Deixa que esse pesado corpoNão pese na almaE todo o prazer que o aprouverApaziguá-loE no efêmero buscar a eternidadeDe um relâmpago, luzEtéreo sangueDa inflamada artéria do presente

Deixa que esse pesado corpoSendo dono de si se doeAo alcance de mãos terrenas do agoraE só queira o tato, o cheiroDa infinita sensação, única memória

Deixa ainda que esse pesado fardo, o corpoSe embriague da paixãoDe ser completoPara que o passado e o futuroSejam simples possibilidades

Deixa que esse pesado fardo seja a letraQue no calor do abraço e beijoDe um outro igual corpo se derretaE silencie todo o dito e o por dizer.

Rosália Milsztajn [email protected]

Deixa rolar as horas como se veloz fosseA espera contida nessa pequena cápsula de tempo,Fragmentos de infâmiaAmor de calibre forteAté quando me impele força?Arreio que se quer tombarAté quando conter-se ao rebentar o sol de pequeno mundo?Nosso canto romperá de tua mesquinhezNa revelação de teu beijo a composição dessa espera surdaFortaleza ou abrigo distante?Amor de calibre forte.

Marcelo Rosa dos Santos

“À luz de tua pele invento a noite” Armindo Trevisan

Quem revela a epiderme suspensade teu sigiloso desejo?Assim como se assoma de meu olhar em perspectivatodo o sumo, incendeio de carneaprazido na revelação de tua imagem.

Marcelo Rosa dos Santos

Convido minhas chamasa te visitarneste turbilhãoque nos consomereduto de cismassem pousopara a celebraçãodas vontades esquecidosda manhã que explodiuna janela

Haroldo Ferreira “Metade Pássaro” WS Editor, 1999

Em nossa ilha solitárianos bastamos?Vestimos nosso trajeencobrindo quem somose nos procuramos sempreonde não estamos

Fernanda Pedrazzi“Espelho de Estrelas” Ed. Alcance,1997

A poesia flui no reino das palavras(lá, os poemas estão prontos sem estar),e o poeta a terá de procurar,indizível ao que diz as suas lavas.

Ela mora no não-acontecerde um fato veraz acontecido,qual algum sentimento incontidoem algo que visível não se vê.

Até, se presa à autenticidade,habita em um feito de magia,no real do irreal da realidade,

imbuindo-se ao que intencionaria,mesmo se arraigando à verdadede sentimentos que a transformaria.

Roberto de Queiroz “Brasil Literário 2002” Ed. Vários Autores

Tenho doresAlgozesSão meus pesaresMe acenando com a sombraDa dama triste dos malesCarrego pesadas correntesPrisioneiro de sonhos ruinsPersonagem de dramas sem fimTragédiasTraçadasMuito antes de mim

Laurene Veras

Adoeço

E sei a fonteSe adormeçoMas aqui não há quem me veleNão cessar de lágrimasNão há começoLivro de brancas páginasPara mim, não há a sorteCanto assimOs versos da morte.

Laurene Veras

Minha lucidez,Minha razão,São coisas tão vagasTão distantes, imperecíveisQue às vezes esqueço delas.E vivo assimCriança...Animal de puro instintoInocência,Felicidade.

Cândida Johann

Abortei um poema...(Era a tua cara)Não resistiriaa um teste DNA!.

Tânia Lopes

Sempre estamos a reconstruir.Estamos semprerecomeçandonum caminho que sedestruiusempre se destruindoainda.As coisas feitas, mais queperfeitas,duram apenas aconstruçãono instante: vamosadiante.

Aricy [email protected](Mais que os Nomes do Nada, 1996)

Abortei um poema

onde mora a poesia

Teatro Grego

criança

outra vez

Vou ficar AcordadoDepois queA insanidade Ameaçar a Razão

E eu tocar Tua mão Pra não Me sentirTão sozinho

Me rendendo A qualquerIlusão afugentando Medos doentios Aflitos, arredios

Procurando a saída Finda em teu Olhar

Uma faísca Que me Aproxime da Tua boca Sem me Maltratar

Leandro Dartora

saída

imagem de teu corpo

05IV

V VIV

V V

CORPO

Amor: calibre forte

Modo de amar

Page 6: Jornal Vaia edição 07

Primeiro Ato: A Conspiração Esse George W. Bush é a perdição. Algo medonho. Paraalcançar o que pretende utiliza de todos os meios inescrupulo-sos, que vão da mentira à ameaça. Da sua ira não escapou nem o embaixador brasileiro José Maurício Bustani, que ocu-pava- e brilhantemente - o cargo de diretor-geral da Organiza-ção pela Proscrição das Armas Químicas (OPAQ), com sedeem Haia, Holanda, onde Rui Barbosa encantou o mundo comsua prosa e eloqüência. Bush promoveu uma campanha difamatória contra Bustani,porque ele não se sujeitou aos seus caprichos e discordou queos Estados Unidos enviassem inspetores seus à Bagdá, a fimde inspecionarem àquele país. Para o embaixador os inspeto-res deveriam ser de outros países, “fora da órbita de Washing-ton”.Sabia o que dizia e fazia. Porque da vez anterior, entre osinspetores que foram ao Iraque, havia espiões da CIA. Bush não gostou. E conspirou contra o brasileiro, forçando sua re-núncia ao cargo para o qual fora eleito e reeleito pelo voto dos 145 países membros da OPAQ. Como não renunciou, os Esta-dos Unidos partiram para a chantagem e a corrupção em cimados governantes daqueles países. E acabaram afastando o embaixador da direção da OPAQ que virou quintal dos ameri-canos. Mas, o embaixador não aceitou o ouro americano. E, lamen-tavelmente, o governo do “sociólogo” portou-se de forma ver-gonhosa ao não apoiá-lo nesse episódio.

Segundo Ato: A Besta Disse, recentemente, a ex-ministra da Justiça da Alemanhaque George W. Bush é o novo Hitler. Por causa dessa declara-ção acabou renunciando ao cargo -até para não prejudicar a re-eleição do seu presidente. Foi uma pena. Não pela declaração,mas pela renúncia. Até que ela não exagerou na comparação.Embora o comparado não tenha o talento, a inteligência e o ca-risma do paradigma. Bush é a personificação da besta de sete cabeças - e ôcas -,descrita pelo profeta João no livro Apocalipse. A versão de que o Iraque possui armas químicas e um arse-nal nuclear, capazes de ameaçar a paz mundial é uma patra-nhada. Quem ameaça essa paz é Bush, com suas guerras par-ticulares. Pois deseja invadir àquele país para apossar-se deseu petróleo. É sabido que a economia e a sociedade america-nas precisam de quase vinte milhões de barris de petróleosdiários para as suas necessidades, enquanto a produção nacio-nal não chega a um terço desse volume. Nesse sentido, valetranscrever trecho do artigo do jornalista do “El País”, José Vi-dal Beneyto, publicado no “O Globo”, de 03/10/02: ”O Iraque,com seus 112 milhões de barris de reserva confirmada - que representam 11% das reservas mundiais, a segunda maior de-pois da Arábia Saudita - e os 220 milhões de reserva provávelsão um enorme negócio que a América e seu lobby petrolíferonão podem deixar escapar. Essa é a verdadeira razão da guer-ra contra o Iraque e não as fixações que os Bush, pai e filho,têm em relação a Saddam. No mais, tudo é patranha. E Bush, a besta do apocalipse, jádevia ter sido denunciado, por crime contra a humanidade, aoTribunal Internacional de Direitos Humanos da ONU, ainda queesta seja subserviente aos interesses americanos.

A PATRANHADA EM DOIS ATOS

José Ribamar GarciaJurista, escritor e jornalista

ditirambo

Meu amor me ensinou a ser simplesComo um largo de igrejaOnde não há nem um sinoNem um lápisnem uma sensualidade

OSÉ OSWALD DE SOUSA ANDRADE, nasceu em São Paulo em 11/01/1890. Em 1912 morre sua mãe, Inês I. S. De Andrade, o que provoca uma grande crise mística e sentimental na vida do escritor. O lado edipiano fica patente em suas memórias “Um homem sem profissão, sob as ordens de mamãe”. Polêmico, envolve-se em discussões estéticas, a mais célebre diatribe foi detonada pelo artigo “Paranóiaou Mistificação” em que Monteiro Lobato atacava pelo jornal a exposição da pintora Anita Malfatti. Oswald sai em defesa de Anita e passa a ser, através de publicaçõesem jornais e revistas, um dos líderes da campanha que culminaria com a Semana deArte Moderna em 1922. De 1923-1930 aparece a sua melhor produção, especialmentea modernista, na poesia, na prosa e em programas estéticos, como os manifestos Pau-Brasil e Antropofágico, de 1928. Anárquico, boêmio, de espírito aguçadamente crítico,sobretudo quanto ao modelo capitalista vigente no Brasil. Oswald chega a aderir ao partido Comunista. Os dois volumes de Marco Zero, de 1943-45, expressam e definem as suas posições políticas e de crítica social e são umatentativa de criar um romance de painel social. Em 37, publica as peças A Morta e ORei da Vela, essa genialmente encenada por José Celso Martinez Corrêa em 68, anoem que explode o movimento Tropicália. Ainda na prosa, as principais obras são Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (33). Miramar-Serafim são obras que romperam com a forma e a estrutura tradicionais da ficção romanesca. Prosa de vanguarda, que colocasob suspeita o uso do próprio idioma, elas exacerbaram ainda mais a crítica e a sátirasocial proposta pelo autor em produções anteriores. Na poesia, Oswald fez a junção deprimitivismo e modernismo, sintetizando em Pau-Brasil a formação cultural pré-colonial e colonial e o espaço moderno da nação brasileira. Destaque-se ainda Cântico dosCânticos para Flauta e Violão e O escaravelho de ouro, duas obras da década de 40. Poucos meses antes de morrer, em 1954, Oswald publica suas memórias e con-fissões, Um homem sem profissão, sob as ordens de mamãe, livro que “é um matinadaapesar de ser o meu livro da orfandade”, assim definido nas primeiras linhas pelo autor. E é para homenagear Oswald de Andrade que inauguramos esta seção dedicadaà poesia nacional, cujo título tomamos emprestado do poema Escapulário, do livro Pau-Brasil, reproduzido ao lado.

Infância

O camisolãoO jarroO passarinhoO oceanoA visita na casa que a gente sentava no sofá

adolescência

Aquele amorNem me fale

FREI MANOEL CALADO

civilização pernambucana

As mulheres andam tão louçãsE tão custosasQue não se contentam com os tafetásSão tantas as jóias com que se adornamQue parecem chovidas em suas cabeças e gargantasAs pérolas rubis e diamantesTudo são delíciasNão parece esta terra senão um retratoDo terreal paraíso

pronominais

Dê-me um cigarroDiz a gramáticaDo professor e do alunoE do mulato sabidoMas o bom negro e o bom brancoDa Nação BrasileiraDizem todos os diasDeixa disso camaradaMe dá um cigarro

canto de regresso à pátria

Minha terra tem palmaresOnde gorjeia o marOs passarinhos daquiNão cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosasE quase que mais amoresMinha terra tem mais ouroMinha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosasEu quero tudo de láNão permita Deus que eu morraSem que volte para lá

Não permita Deus que eu morraSem que volte pra São PauloSem que veja a Rua 15E o progresso de São Paulo

AS QUATRO GARES

Escapulário

No Pão de AcúcarDe Cada DiaDai-nos SenhorA PoesiaDe Cada Dia.

brasil

O Zé Pereira chegou de caravela

E perguntou pro guarani da mata virgem

- Sois cristão?

- Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte

Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!

Lá longe a onça resmungava Uu! Ua! Uu!

O negro zonzo saído da fornalha

Tomou a palavra e respondeu

- Sim pela graça de Deus

Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum!

E fizeram o Carnaval

J

06 IV

V VIV

V V

A POESIA DE CADA DIA

Page 7: Jornal Vaia edição 07

Aricy Curvello

07IV

V VIV

V V

1.

Barracões contra o rio, o ermo contra as tábuas. Nenhum sinal para fixar-te, nenhum, senão fluxoe passagem, o significado para as águas, a relva pisada em volta das casas. Nenhum céu, nenhum, tetos de alumínio e umafloresta de chagas. Do que deixaste atrás e do que ainda virá de maislonge sobre mais sombra, chão noturno, mais noite que a noite, mugem na Amazônia palavras sem poema absurda coleção de pragas.Onde a floresta começa, o Brasil acaba? 2.

o que é deus e o que é feraandavam somados num calafrioirradiação da manhã visívelo ar a ferocidade do arcaem do céu antes da chuvaesse inarticulado gritoparece a voz da luz

3.

Siquer um povoado de moscas.Um rasgão, no devastado, para se residir.Para os lados e por detrás, floresta ainda. Adiante, paraa frente, na outra margem do rio. A pesar nos olhos ealém do som.No princípio do mundo, a madeira atroz. Silêncio damanhã nascendo em árvores.Vinte casas interminadas, barracões de tábuas,umembarcadouro de nada, e os sonhos passam. Abriam-se cozinhas de gorduras, ossos, limites, instante,veloz, irreparável. Sobre o rio a cor balançava ainda os caminhos daluz. E a luz em vento de clorofila e galhos derrubados,árvores porém verdes, vivas ainda, ainda, e só tens um instante. Só a rapidez no acampamento contra a floresta eo rio.

4. Os verbos ardem. Braços grimpam. Não nomes, não rostos. Não de nenhuma aparência, como cimento etijolos, chegavam um povo de morenos e peixes de seda,a fruta-pupunha, o verniz de tartarugas como crianças. E a longa, longa exposição de coisas do suor, docalor e do apetite. Um instante para o ruído e o brilho. Verde arder e consumir-se. (Nós nos alimentamos do que morre.) Osso e envoltura, máscara e movimento,trabalhar entre fumos e clangores, mundo verdealrangente na alfombra, oficina de barulhos e marcenariade pregos cantantes. (Evoco o dia trabalhar, não uma palavra cortada da vida.)

5.

A terra verdesuja na luz limpíssima daqueles dias naqueles dias. A verdeluz, a luz que brilhava na luz, poder imponderável. O que vejo: não mais verei. Ilhas sem mim. E nada permanece muito, o fulgor nos rios da claridade, no arquipélago dos lagos,pássaros-tucanos brilhando nos cimos, nos cimos do dia,castanheiras, a jaquirana-bóia, mungubas, samaúmas. Roçar de asas, colorados estandartes em bandos de vôos selevantavam. Não, não assassinar a luz. Não me disserama morte próxima da orquídea e do rato silvestre, aldeiasde ninhos. Abrem, rasgam, arrebentam a terra para asflorestas perecerem sob as primeiras, primeiras estradas. Os homens não buscam a luz do rio. Queremapenas bauxita bauxita bauxita - e alumínio. O Governoquer alumínio ferro ouro cobre cassiterita chumboníquel. Aqui, até aqui, o horror veio tecer diademas deinjúrias, meu salário.

6.

Era verde e outras cores (queimadas) se acrescentaram. Transitamos na opinião ilusória. Acampados no provisório, sempre, sinaisimprestáveis e um tempo sem respostas, um tempo emque se viaja sem bagagem. Para trás, apodrecer,cadáveres. Verde mover-se no grande ir-se de tudo, no fruto das casas de tábuas, nos galpões de sujosinstrumentos, núcleos esparsos de povo, nos povoadosperdidos. No vasto país que se descobre em barcos degrosso casco e marcha lenta. No tempo. No tempo o revelarás. No tempo em que quase tudo é tarde. No tempo, nessa paisagem além da paisagem, quando a imagem do tempo passar significados para as águas, relva pisada em voltadas casas.

O ACAMPAMENTO(Porto Trombetas, Pará)

Mais que os Nomes do Nada Ed .do Escritor - São Paulo, 1996

Nascido em Uberlândia, MG, aos 07 de maio de 1945,o poeta, ensaísta e tradutor Aricy Curvello participouintensamente de publicações e movimentos literáriosem Minas, Rio, São Paulo e outros estados durante a ditadura militar, quando sofreu prisões e perseguições.Hoje, está entre os grandes nomes da poesiacontemporânea brasileira. Reside em Jacareípe, Serra, na costa do Espírito Santo. Livros de poesia publicados: “Os Dias Selvagens te Ensinam”(1979);“Vida Fu(n)dida”(1982); “Mais que os Nomes do Nada” (1996).

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ecos de esperança

Novos lampejos de esperançaEcoam no Brasil de sul a norte;o povo - jogado à própria sorte-vence o medo - aposta na mudançamas fica no ar a lambançada elite, juros e banqueiro...E, a partir de janeiro,o povão logo calculaque o companheiro Lulanão é santo milagreiro!

El PayadorO mate é teu - desgarrado,da esperança e da fortuna,aqui no fogão - tribuna,de todo o abandonado,te vejo triste - atirado,lembrando o pago - talvez,e o que o destino te fez,ao te apartar da querência,sem quebrar - nem na indigência,essa bárbara altivez!

Essa altivez que te restapode durar muito mais,pois te sobram credenciais,além do ser que protesta,a preocupação na testae os olhos queimando luz,talvez pensando em gurus,estranhos aos teus terreiros,ou - talvez - nos entreveirosdos nazarenos sem cruz!

Atrás o tempo - a lembrançado “não tem mais” da tapera,na frente - a incerteza - a espera,mas ninguém come a esperança;o choro de uma criança,o leite - o pão que não há,salário - se tem - não dá,teu viver não vale um real;mísero inseto socialem qualquer parte onde vá!

Eu sonho - taura charrua,te ver pelear- sem violência,dentro da lei da consciência,na pátria que é nossa - é tua;sair como um livre à rua,não pra matar ou morrer,mas pra exigir - pra dizerque tu mereces respeitoe - como tal - tens direito,como os demais - de escolher!

Acredito nos escorosque ainda firmam o garrão,no primitivo padrãodesta querência de touros;gringos - lusitanos - mouros,dos quais a gente descende,como a brasa que reacende,dentro da cinza dormida:- uma vida - além da vidaque não morre - nem se vende!

Silêncio de vento frio,murmúrios de pasto e lua,a estrela grande chiruatem fogonear de pavio;há soluços de arrepioquando a noite fica brancae a luz se torna barrancapra ouvir o choro do rio!

O homem nasce de um gritoe a morte é tão silenciosana passagem misteriosaque apaga o nosso infinito;por isso é que - despacito,quando a luz se vai embora,a alma se autodevora,sem saber que estava escrito!

O silêncio é a luz mais purano mundo onde me deparoe a luz é o silêncio clarona estrada de quem procura;a escuridão é a loucurana cancha larga da mente,apagando a luz latentedos olhos da criatura!

No silêncio eternidadeestá o mistério da vida,com chegada e com partida,dois extremos da saudade;no tempo - sem mocidade,a luz é a sombra vencidae a sombra é a luz escondidaque um dia foi claridade!

Talvez daí - porque o ruídoque a gente pensa que ouviunaquele choro do rio,seja o silêncio invertidoe aquele arrepio sentidoem nosso subconsciente,- a luz da razão da gente,buscando o elo perdido!

Mesmo arrastando uma cruz,na estrada do tempo imenso,entre os ruídos de silêncioque a natureza produz,a mim - o que me seduz,é o bordonear da milongae - ao invés da vida longa,restos de silêncio e luz!

Meu amigo - meu irmão,de campo - serra e fronteira,alma da terra e tronqueira,da gaúcha tradição,prepara o teu chimarrãopra que o mundo inteiro tome.Mate amargo! Santo nomena religião dos andejos,os que beberam teus beijosnão podem morrer de fome!

Poder não deve - mas pode,não há quem dome o destino,o índio do campo fino,como o da barba de bodeque fez dum fio de bigodeseu código e documento,agora é um pária ao relento,sobra de tempo e de guerra,porque os que domam a terranão constam do testamento!

Tetraneto dos andantesque domaram a lonjura,testemunhas da escrituradas epopéias de dantes,hoje- apenas retirantes,sem nada - além de ser nada;a tropilha desgarrada,sem rumos - analfabetosque se integram nos decretosda história desmemoriada!

jayme caetano braun

ABCDÁRIO GAUCHÊS

Afilar, v. Caçoar de alguém; vaiar, fazer troça.Babaus, interj. Acabou-se, foi-se, perdeu-se.Carnegão, s. Zona central, purulenta e endureci-da, de furúnculos.Churrio, s. Diz-se da diarréia que ataca os ani-mais, caganeira.Também se aplica aos humanos.De pito aceso,expr. Assanhado, agitado,excitado.Ensebar, v. Protelar, enrolar; empurrar com abarriga.Faz-de-conta, s. Diz-se de marido enganado pe-la mulher. Guampudo, corno.Gravata-colorada, s. Decepamento, degola.Harpistar-se, v. Espantar-se; tornar-se arisco.Inana, s. Aborrecimento, discussão, pancadaria,briga.Jaguara, s. 1.Cão ordinário. 2. Pessoa ordinária,de mau caráter.Lambeta, adj. Intrigante, mexeriqueiro, lamban-ceiro, lambeteiro.Muquirana, s. 1. Indivíduo maçante, intolerante.2. Inseto parasita do corpo humano da família dospediculídeos que se esconde nas vestes.No claro, expr. Significa pagamento à vista e emmoeda corrente, contado.Olada, s. 1. Ocasião, oportunidade, momento pro-pício. 2. Maré de sorte; boa sorte.Pedir penico, expr. Entregar os pontos, acovar-dar-se.Qualhado, adj. Cheio, apinhado.Rebenquear, v. Maltratar alguém, fazendo-o so-frer de amor.Sem um fino, expr. Duro, sem dinheiro.Tentear, v. 1. Economizar para que dure. 2. Son-dar, apalpar, experimentar.Upa, s. Abraço.Viveiro, s. Arruamento de prostitutas; zona.Xô-égua, interj. Exprime desprezo. O mesmo quexô-mico.Zunir, v. Correr, sair depressa.

Fonte: Dicionário Gaúcho, de Alberto Juvenal de Oliveira - Editora AGE, 2002.

nJo

ão

Ch

ico

Tenho andado bem pirado,Irritado, sem paciência,por ver minha adolescênciatornar-se um peso pra mim.Meio indu, rezando a Buda,lendo livros de auto-ajuda,sem me encontar. É o fim!

Ano passado encontrei,meio por casualidade,a santa fraternidadedos festivais nativistas.Hoje armo minha barracapra espantar urucubacae aplaudir nossos artistas.

Ser gaúcho é um barato.Acho a maior curtiçãotransar uma tradiçãocom uma patota legal.Depois de um rock em estéreoé um sarrinho um som gaudériode um vanerão bem bagual.

Ainda não estou bem gaúcho,volta-e-meia troco as bolas:em vez de água, coca-colana cuia, e com canudinho!Masco chiclé com bolacha,visto tênis com bombachamas vou seguindo o caminho.

Só faltava eu conhecerum fandango, bem campeiro,e lá me fui, mui faceiroao CTG Manantial.Apeei da minha motocae, pra impressionar chinoca,caprichei no visual.

Lenço encarnado na testa,bota azul e calça lee,foi assim que apareci.“Pára!Assim não pode entrar!”Expliquei: “Estou estreando.”“Então, tá. Pode ir passando;mas, sem dançar, só pra olhar!”

E, o que vi, já me bastou.Fiquei tri-admiradoao ver mãe e filha ao ladocurtindo a mesma alegria;pai e filho - que bacana! -vibrando com a mesma gana,vivendo - pô - em harmonia.

E é por essas e outras, cara,que ando bem menos piradoe bem mais acomodadocom a minha gente, com o meu meio.Desisti de ser indue hoje tenho outro guru:Negrinho do Pastoreio!

Treinando pra ser gaúcho

Barbosa Lessa“Histórias para sorrir” Ed. Alcance, 1999

08 IV

V VIV

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Chimarrão dosem destino

Silêncio e luz

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Tapana cara

Urda Alice Klueger

Blumenau, 09 de janeiro de 2003.

O Petróleo

Faquiro Antonio de Andrade

sem comentário CLONADAAbraão Lincoln - chegou àPresidência dos EUALula - chegou à Presidênciada colônia dos EUA Andrade

eve gente, em 11 de setembro de 2001, que foi lá nos Estados Unidos e derrubou umas torres. Eu vi coisa muitomais sutil, faz pouquíssimos dias, lá emBrasília: foi um verdadeiro tapa na carade um tal de George W. Bush. Tudo começou em 27 de novembropassado, quando o povo brasileiro elegeuLula para Presidente da República. Como ser humano, como cidadã, comohistoriadora e como escritora, na mesmahora fiquei doidinha para ir até Brasíliaver a posse daquele primeiro legítimorepresentante do povo brasileiro apostar-se ao leme do país. Saí perguntando: “quem vai? Quero irjunto!”. Daqui de Blumenau, que eusaiba até agora, não foi ninguém - mas descobri que se organizava umaexcursão daquelas bate-volta lá em Riodo Sul, e num instante estava devidamenteengajada na mesma. Fomos. Viajamos 30 horas de muitaemoção, mas isso fica para outracrônica. O fato é que no dia primeiro dejaneiro do ano da graça de 2003, por volta da uma hora da tarde, como uns 200.000outros brasileiros, eu estava na Esplanada dos Ministérios, em Brasília,tentando caminhar em direção aoCongresso, para ver a posse daquelehomem que estava representando asesperanças de quase 70% de um povo,e de mais uns vinte e tanto outros porcento também, porque teve pobre e miserável votando contra ele porquegente metida a sabida, mas que não seimporta se as pessoas comem três vezespor dia ou não, dizia àquelas pessoasdesamparadas pela fortuna que sevotassem em Lula o Brasil ficaria igual àArgentina - e que aquelas pessoasperderiam o nada que tinham. Bem, era uma da tarde de primeiro dejaneiro, e pela Esplanada dos Ministériostomei o rumo do Congresso, munida degravador, máquina fotográfica e binóculo.

Queria chegar perto do Congresso paraver, mais adiante, Lula sair de láPresidente. Não deu para chegar lá - amultidão, grande demais, foi contida pelapolícia, antes que acontecessemacidentes tipo pisoteamento, etc. E,numa quadra muito distante, antes queLula passasse pelo meio da multidão queera pura emoção, eu registrei no meugravador: “Estou com medo. Ainda bemque aqui não é como Dallas, não temprédios. Só os Ministérios. E eles devemestar bem vigiados. Mas estou commedo.” E olhava cuidadosamente, aomeu redor, para ver se não havia alguémportando algum tipo de arma. Mais tarde, no ônibus de volta,soube que todos os meus companheirostinham pensado coisa parecida e, comoeu, tinham também espiado as suasredondezas, no medo de que algumlouco estivesse no meio da multidão. Nós, multidão, fomos liberadospela polícia para seguir em direção aoCongresso, depois que Lula passouincólume no nosso meio - mas paramospelo caminho quando nos deparamoscom os excelentes telões instalados portodos os lados, e nos sentamos nagrama, e nos preparamos para veraquele momento único na História doBrasil. Os telões eram tecnologicamentetão bons que nps sentíamos como quedentro do Congresso e, depois, noPalácio do Planalto. Cantávamos eaplaudíamos quando as mesmas coisasaconteciam lá adiante, nos recintosfechados, como se lá estivéssemos, enem vou contar da grande, IMENSA vaiaque sobrou para Fernando Henriquequando entregou a faixa e o posto. Tá, as solenidades todasaconteceram, e sabíamos que Lula jáPresidente viria passar em ziguezagueno nosso meio, no meio da multidão.Mesmo dentro daquela imensa emoção,eu estava muito desassossegada - e sehouvesse alguém com uma arma?

Cuidadosamente, observava cadapessoa das minhas redondezas, epensava coisas assim: “Se ver alguémcom uma arma, jogo-me contra apessoa, derrubo-a, faço um escândalo.”E Lula veio e passou, maravilhoso esorridente, e depois soube que houvequem furasse a segurança e quase oderrubasse do carro, mas ali por perto demim nada aconteceu, embora fossemuito evidente que qualquer um poderiaaproximar-se do Presidente, bastavafazer uma forcinha. Mesmo com todaaquela emoção, respirei aliviada quandoo Presidente se foi e os ares de Brasíliapassaram a ser cortados pelos aviões daEsquadrilha da Fumaça. Mais tarde, no ônibus da volta,todos nós discutimos o assunto, e, pasma, soube que todos tinham pensadoe feito a mesma coisa que eu: vigiadoseus arredores, atentos e alertas,prontos para fazer qualquer coisa paradefender o Presidente. Houve quem sedisse capaz de jogar-se entre oPresidente e alguma arma queporventura aparecesse, tomar um tiroque não lhe era destinado. E eu nãopensei, mas muitos outros pensaram emJohn Lennon, que foi morto por um fã, enão por um inimigo. A grande conclusão à qual se chegoudentro daquele ônibus que rumavana direção do Sul do Brasil foi quequem garantira a segurança do Presidente, o tempo todo, fora o povo,aquele povo que viera de todos os ladosdo país para ver a mudança para umtempo de Esperança, e que defenderia orepresentante da sua Esperança atécom a própria vida, se fosse necessário.Tapa na cara de um certo Bush, que comtodo o seu sofisticadíssimo aparato desegurança, que quer incluir até umacoisa chamada “Guerra nas Estrelas”,não tem segurança nenhuma, e pode terseu país detonado por qualquer um aqualquer hora. Nosotros, acá, nãoprecisamos de “Guerra nas Estrelas” - temos um povo para nos dar segurança.A gente não costuma ficar fazendomaldade para os outros - basta-nos onosso próprio povo para nos proteger. E, só para encerrar, conto maisum pouquinho sobre a discussão querolava dentro do ônibus. Houve quemdefendesse que qualquer um de nósfaria a mesma coisa por qualquer pessoa, e se estava naquele: “Qualquerpessoa mesmo? Tem certeza? -Quandoalguém aprofundou a discussão:- E se a qualquer pessoa fosse o Bush?

[email protected]

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T

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Rosevaldo Alves

e iBr v ário

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CRUZADAS MANJADAS1 3 4 5 6 7 8 9 102

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HORIZONTAIS- 1- Bravio, ameaçador - Ser - 2 - Expõe, acrescentandorazões - Fazer lavrar(o fogo) - 3- “A voz da (...)” , filme de Federico Fellini-Profissão de Luciano Pavarotti - 4- Vogal - Norman Bates, personagemcentral de “Psicose”, de Alfred Hitchcock - União de diversas cores -5- Perde o juízo, devido à idade -“Eu te (...), de Arnaldo Jabor, com Sô-nia Braga e Paulo César Pereio - 6- (...) Nandi, atriz - O globo terrestre-7- Latido - Morri - 8- Serviço de Atendimento ao Trouxa - Imposto So-bre Produtos Industrializados - Dirigir-se - 9- Desgraçara - 10 - Insetoparasita - Grupo separatista basco- VERTICAIS - 1- Mentiras, ilusões -Décima sexta letra do alfabeto grego - 2- (...) Lobo, músico - Sem con-trole, enlouquecido - 3- Capital de um dos países mais miseráveis do mundo - Telefone(abrev) - 4- Seriado da TV aberta - Decreto papal - Sherlock Holmes, detetive - 5- “(...)”, filme de Costa-Gavras - Décimanona letra do alfabeto português - Corporação de cônegos de uma catedral - 6- Associação dos “Experts” em Mercado de Ações - Ob-sessão pelo Petróleo Iraquiano (Bush) - 7- Vulcão em atividade na Itália -Inflamação do ouvido - 8- Nova técnica de adivinhação - Àlvaro Trindade,subgerente- 9- Diz-se da mulher que tem muita experiência - 10- Elis Regina,

cantora - Barulho.

Sonho alto Despenca maduroDura realidade. Se você não épára-quedista, nada de vôos al-tos. Em terra firme os passossão melhores e possivelmenteaté melhores.

Barracos improvisados à mar-gem da cidade Cartão semcrédito. Se convença que étempo de mudança. E que sóvocê pode mudar você mesmo.

Pega-pega de político. Jogo deesconde-esconde. A corda pulapara o pobre. Se a sua corda es-tá até o pescoço, nada de alvo-roço. Só tem um jeito de desataro nó. Você trabalhar ou entrar na ciranda financeira.

Previsão de chuva Inundam osolhares Enchentes de sempre.Nãoé com os olhos fechados que have-rá mais clareza em seus dias.Deixeque as nuvens vão para outros ven-tos, que no brilho do sorriso há ilu-minação de alegria.

Entrelinhas palavras encaminhambeleza Radiante poesia. Um bomdia se confirma no brilho dos seussonhos. Pois em seu bem quererse eleva a realidade.

Valores invertidos Alta ambiçãoCusta os olhos da cara.Economizeos maus pensamentos. Abaixe otom da ganância, e a sua cara terábons olhos e o seu coração boa es-perança.

Ilusão grande Visão pequena Apa-gado sonho. Enganoso é o coração. Aja de acordo com as possíveis opor-tunidades. O clarão da realidade te conduzirá melhor. Só assim você escapará do apagão dos anseios.

Consciência vazia Ignorância cheiaAparência feia.Se a sua tolerância está zerando...Não entre no extremo para você não se machucar.

Clareza de um novo diaHorizonte renovadoReencontro harmonizado.Tudo o que é novo é mais bonitoe a beleza da vida lhe ressoa bem.Deixe-se viver amando.

Maré cheia de vaidadesà margem do orgulho Egocentrismo ilhado. Se nada tecontenta de tudo. Divida seus senti-mentos. Desabafe e tire suas dúvi-das, e reconheça-se mais realizado.

Ofusca visão em negrorOlhos longe da vida Alma cega esem cor. Não se esqueça de ir aooftalmologista, mas antes analiseporque tudo lhe escapa da visão.E saia da cegueira interior.

Colorido sonhodesbota no tempoPintura abstrata. Motive-se! Encon-tre brilhos de ideais realistas. Vá emfrente...enfrente, e nunca será tardepara outras conquistas.

ÁLCOOL- Substância que mata o que é vivo e conserva o queé morto. (Miguel Zamocois)AMOR- Em negócios de amor, nada de sócios.(Álvares de Azevedo)CANDIDATO- Nós tomamos nossas promessas por corte-sias e os candidatos as nossas cortesias por promessas. (Doucet)CONSCIÊNCIA- Se se pudesse comprar as consciênciaspelo que valem, e revendê-las pelo que elas se avaliam,que negócio! (Daumier)DIPLOMA- Porte de armas do médico.(Grouxo Marx).ESMOLA- Seguro contra o remorso. (Charles Torquet)FALÊNCIA- Origem de muitas fortunas. (Bernard Shaw)GORGETA- Presente voluntário e obrigatório. (Pitigrilli)HABILIDADE- Saber-se quanto se é estúpido e ocultá-lo. (Celt)JUVENTUDE- Os jovens desejam: amor, dinheiro e saúde.Um dia, porém, dirão: saúde, dinheiro e amor. (Paul Geraldy) (seleção e arte: Haroldo Ferreira)

Antonio de Andrade

INOCENTE

Salário dos políticos

Invasores doBrasil

Poluidores

Cigarro

Obrasinacabadas

X CULPADO

Salário dos aposentados

Índios

Greenpeace

Câncer

Operário

Juízo Final

Hidro, o cãoHIDRÓFOBO

Hidro

XX

Quando me falam de cultura arreganhologo os meus caninos.

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Antonio de Andrade

ANDRADE

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O brasileiro é um

povo com os

pés no chão...

...e as mãos

também. *

* Ivan Lessa

Juanito Muñoz&

POESIAPOESIAPOESIA

Máxima?

oite de verão. A cidade arde em chamas. A lua, vicária do sol. Os termômetros es-clarecem: trinta e cinco graus. São duas da manhã, e Antônio desperta.Impossível dormir. O calor implacável realça um certo odorde podre de origem desconhecida. As mos-cas, felizes, brincam de roda com os vapo-res do quarto. Riem. Mal sabem que seus ri-sos não passam de zumbidos ensurdecedo-res. “Malditos sejam meus ouvidos e meu na-riz”, pensa Antônio. Engraçado. Nunca deratanta atenção aos seus sentidos. É a primei-ra vez que os amaldiçoa.Também é a primei-ra vez que não o deixam dormir. Tenta levantar da cama. Quer arejar a cabeça, respirar um clima menos carregado.Encosta o queixo contra o peito apenas em pensamento. Está imóvel. As pernas arras-tam-se lateralmente até o precipício do leitoe tocam o chão. Apenas ilusão. Desiste. Mira fixamente o teto branco. Fora isso,o máximo que consegue é uma visão perifé-rica que transforma em sombra a cadeirapostada ao seu lado. Contenta-se com a al-vura do teto. Seu pescoço rijo não permitenada além disso. De repente, percebe que as moscas nãose limitam a ensurdecê-lo. Devoram sua car-ne. Sabe não só por sentí-las, mas por notarque uma delas, atrevida, insiste em pressio-nar seu globo ocular. “Como é feia vista debaixo”. Ouve murros na porta.Nem sequer se le-vanta para abrir. Sabe que não poderia mes-mo... Gritos de homem. “Antônio, Antônio”. Derrubada a porta, uma senhora idosa,já explicando a intromissão indevida na pro-priedade alheia, exclama: “sentimos o cheiroforte e resolvemos ver o que estava...” De-tém-se. A mão em formato de concha prote-ge a boca. Começa a chorar convulsiva. “O que estava o quê, mulher?”, perguntaAntônio, ao ouvir os soluços. Grita, na verda-de. Mas som algum sai de sua boca. “Está morto”. Eis o necessário juízo final do senhor que acompanha a senhora idosa. Antônio ri. Sabe que ninguém pode ouvi-lo. Ri copiosamente. Mentalmente dirige pa-lavrões ao senhor e à senhora. Descarrega toda a aflição. Parece levitar. Retira todo opeso acumulado de suas costas. Não são quilos de tensão adquiridos com a sua mo-mentânea paralisia, nem com o juízo finalproferido pelo senhor. Livra-se de todos osmistérios acumulados em vida. Grita como um louco: “o corpo é o limiteda alma humana”. Fica sério: “será que os vermes farãocócegas?

Falta de apetite?Distúrbios do sono?Nervos em frangalhos?Impotência sexual?Inapto para o trabalho?Raquitismo?

Mate a cobra e mostre o pau!LERO FORA

Paris - O ex-ex-presidente FHC, curtindo novo exílio voluntá-rio na capital francesa junto aos amigos intelectuais “honoriscausa”, declarou que irá se abster de críticas ao novo governopelo prazo de um ano, enquanto aguarda um convite da ONU. Disse: “Fiz o que pude. Se ao final deste período o Lula nãoconseguir concretizar todas as reformas engavetadas durante os meus oito anos de mandato, com maioria esmagadora no

O que fode tudo é o tédio

Sammis Reachers

Sonhei sonhar um sonhono qual estávamos nós:Ei-la valsandoao som da valsa Vienense.Ei-me dançandoao som das acústicasdas labiais da tua voz.Enfim, estávamos nós,valsa, som, sonho,música, dança e voz...Mas como um pássarofugiste dos meus sonhos,minha linda menina,minha súbita e lenta dançarina.Foste embora criando vácuoscomo a estrela de longe...Foste embora como o tempo.

Roberto de Queiroz

Fernando Henrique descansa por um ano na França

Castigo a que deveriam ser submetidos os chatos que, nesta época de altas temperaturas,abordam todos os conhecidos com a exclamação: - Mas que calor, heim?

Me escarra mau augúrioe me manda malditopro asfalto, fazer um ganhoTu sexo à vera e à sombraeu lira muda transmutada em pistolapra improvisar assalto

-Poeta (di)menorvai pro xilindró - é manchete

Sammis Reachers

Treta

Cadáver, o edifícioem plena luz do diadizendo não à vida

Os ferros carcomidosdas varandas circularesfindam em patéticos pátios

No vão das escadariaso mármore do degrau quebradotão branco quanto um dente branconão esconde as gengivas nuasdos ingênuos

Nas velhas telhas do cadáverpombas pousam suas patasmetrificando eletrocutados sonhos

No ranger das celasas sílabas impronunciadasdos silenciosos mártires

E nos ossos das paredes descascadasA banguela palavra liberdade

Rosália Milsztajn [email protected]

Resistir é esquecer

11IV

V VIV

V V

UM SONHOQUE SONHEISONHAR

Alexandre Mello

KÖLE

Gustavo Zortéa da Silva

Page 12: Jornal Vaia edição 07

C IS XR E

aUs

Sorry, Mr. Duhalde, but no Receita, no Remédio...

Alexandre Mello Melhora muito o convívio de Sócrates e Xantipa...

...assim que um deles bebe cicuta.

Dalton Trevisan

Breviário de uma camisa de seda

V I VV

Quem táligado, lê!

PICO NA VEIA

R C AFA MÁ I

Em homenagem a meu pai, que acreditou em um País e na mística de uma camisa de seda.

Gustavo Zortéa da Silva

ritos de esperança. Ensurdecedores. Dominam os cantos da casa. Mas a casa não é um limite que se preze. Aventuram-se pelos quarteirões. Rápidos, ressoam nos ouvidos da cidade. Ganham o Estado. Assaltam um País. Barulho avassalador, ca-paz de me despertar de uma cegueira eterna, sem sonhos, sem imaginação. Aos poucos, ainda sonolentas, as memórias abrem meus olhos, e reconheço um abismo no tempo. An-tes e depois do sono. Durante, nada se passou. Só agora o durar assume um conteúdo.

Estica, amassa, passa. Eu sofria com este contorcionismo cotidiano. Não apenas asminhas fibras doíam, mas a minha auto-estima ficava comprometida. Carregavam-me atéo balcão. Não era da medida exata. Voltava ao canto escuro da prateleira. Retornava aobalcão, acompanhando alguém ao provador. Não era do jeito que a pessoa queria. Quan-do haveria de acabar o suplício deste ir-e-vir? Não suportava mais esta dialética, viessemos analíticos ao meu encontro. Bastava de movimento. Queria um pouco permanecer. Sempre detestei os sentimentalistas nostálgicos. Os queixumes das calças bocas-de-sino. Talvez assim as chamassem, porque não paravam de reclamar um instante sequer.“Ah, a aurora de minha vida, os iê-iê-iês, Tremendão e Vanderléa, Robertão no seu ca-lhembeque, usando óculos”, eram alguns dos suspiros com que convivia diariamente.Acabaram relegadas ao depósito, triste fim de qualquer veste. Aliás, se há um purgatório, depois do depósito só lhes resta o céu. Hoje entendo as calças bocas-de-sino. Comopode uma veste não ser nostálgica? Descartável, como a moda, aguarda o eterno retorno.A boa vontade de algum saudoso que a recoloque em voga, para depois cansar-se dela. Recordo as histórias de família. Contavam-se maravilhas de Roma. Vestíamos mulhe-res, transparentes, insinuando seus desejos, abrindo-lhes frestas de carne nua aos olha-res bestiais dos homens. Os europeus engalfinhavam guerras em nossa homenagem. Sentíamo-nos como Marte. Ou Penélope, com o direito de permanecer com o mais forte.Cruzávamos mares. Dominávamos o que se conhecia do mundo, que, enfim, era o pró-prio mundo. Hoje, após corridas espaciais, não se conhece tudo, não se conhece nada.Perdemos a carona das naus portuguesas, que era o passaporte do nosso ecumenismo. Da estirpe romana para o Brasil, descoberto pelas mesmas naus que nos transporta-vam para o seio da aristocracia. Toda glória é um início de decadência. Parece que me afastei como nunca dos áureos tempos de minha família. Cheguei a ver irmãs comercia-lizadas em lojinhas de um e noventa e nove. Outras absorviam o suor de uma noite inteirade pagode. Tomavam banho de cerveja em bailes de carnaval. Acabei conformando-mecom um destino, senão glorioso, um pouco menos sofrível. Acostumei-me, satisfeita, aoostracismo de um armário, em detrimento do ir-e-vir degradante. Prefiro a inutilidade à

Domino um espaço exíguo. Meus mares são esta gaveta. O tempo parou no dia dacompra, antes do meu sono. O último contato com a luz, a derradeira esperança de gló-ria, a última sensação da decadência. Carregava-me para casa um homem barbudo, ca-belos crespos desgrenhados, camiseta vermelha (se não me engano, havia uma estrelano peito), longe de ser um aristocrata, como os que abrigavam minha família. Bradavapromessas. Mostrava-me aos seus dois filhos, um casal, falando-lhes de justiça social,distribuição de riquezas, temas pelos quais eu não me interessava. Como in extremis,ouvi o derradeiro sussurro. Recordo de uma última promessa, antes de selarem, emdefinitivo, o meu abismo. Quero dizer, lembro não das palavras, mas das feições daquelehomem, comigo em punho, lágrimas escorrendo dos olhos, gotas de esperança e medo.Antes de trancar a gaveta, como um girassol, busquei o último feixe de luz. Inútil. Estava

Hoje, embalada pelos gritos, acordei do meu sono eterno. A algazarra fere os meusouvidos, acostumados ao silêncio e à resignação. Sinto medo. Não é fácil reaprender aouvir, a sentir. Mas o que é isto? Passos em minha direção. Desespero de morte que meconsome. Alguém responda, o que está por vir? É este o breviário de minha vida, acasovocês não voltem a ouvir falar em mim. Digam aos outros que existi. “Deixem-me aqui,quieta, acomodada”, é a última súplica, antes de cegar frente ao esplendor do dia. - Achei a camisa de seda que, há anos, vinha guardando para a posse do Lula!

Prisco, é verdade. Volta-me o passado.

G

definida a minha sorte, atrelada às lágrimas daquele homem.

utilidade vil. Se as luzes não brilham para a glória, elejo o escuro.