jornalismo e entretenimento
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Trabalho de monografia que discute jornalismo e entretenimentoTRANSCRIPT
GEOVANA GONÇALVES DO NASCIMENTO
FAIT DIVERS, FANTÁSTICO E INTERESSE PÚBLICO:
Uma nova perspectiva das notícias de entretenimento
Goiânia
2014
ii
GEOVANA GONÇALVES DO NASCIMENTO
FAIT DIVERS, FANTÁSTICO E INTERESSE PÚBLICO:
Uma nova perspectiva das notícias de entretenimento
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisitado parcial para a obtenção do
título de graduado no curso de Comunicação
Social com Habilitação em Jornalismo da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(PUC-Goiás)
Orientador (a): Noêmia Félix
Goiânia
2014
iii
GEOVANA GONÇALVES DO NASCIMENTO
FAIT DIVERS, FANTÁSTICO E INTERESSE PÚBLICO:
Uma nova perspectiva das notícias de entretenimento
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisitado parcial para a obtenção do
título de graduado no curso de Comunicação
Social com Habilitação em Jornalismo da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(PUC-Goiás)
Aprovado em
___________________________________________________________________________
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Noêmia Félix – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
___________________________________________________________________________
Ângela Teixeira de Moraes – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
___________________________________________________________________________
Rogério Borges – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
iv
Dedico este trabalho à minha colega de graduação Jéssyca Nunes. A ela que fez muito
mais do que apenas existir, deixando seu rastro em nossas vidas como fonte de inspiração
profissional, e a todas as pessoas que por motivos exteriores às vontades próprias não têm ou
não tiveram a oportunidade de graduarem-se.
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente aos meus pais pelo apoio incondicional e por terem me
provido de amor, carinho, responsabilidade e de todas as condições necessárias para que eu
fosse capaz de chegar ao fim desta graduação com o objetivo inabalável de contribuir
socialmente para um mundo melhor, por meio desta profissão.
Às minhas irmãs pela compreensão e companheirismo.
Ao meu querido Antonio que, mesmo com a distância, esteve ao meu lado me fazendo
sorrir, quando eu perdia as forças.
A toda minha grande família que soube compreender minhas ausências e me amar
incondicionalmente.
A todos os meus amigos, meus companheiros de vida.
À minha orientadora, Prof.ª Noêmia Félix, pela confiança, ensinamento, paciência e
compreensão com as minhas falhas.
E, finalmente, a Deus, que sempre ilumina meus caminhos.
vi
RESUMO
Palavras-chave: entretenimento; fait divers; fantástico; interesse público; jornalismo popular,
jornais de referência.
vii
ABSTRACT
Keywords: entertainment; fait divers; fantastic; public interest; popular journalism, reference
journalism.
viii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 – Categorias do entretenimento................................................................................63
Gráfico 2 – Categorias dos fait divers......................................................................................64
Gráfico 3 – Categorias do fantástico.........................................................................................69
Quadro 1 – Fait divers por causa esperada com uma idosa......................................................65
Quadro 2 – Fait divers por causa esperada com mãe e criança, como capa do caderno.........66
Quadro 3 – Fait divers por causa esperada com criança...........................................................66
Quadro 4 – Fait divers por causa inesperada envolvendo segurança pública...........................67
Quadro 5 – Fait divers por causa inesperada ............................................................................67
Quadro 6 – Fait divers por causa inexplicável envolvendo crime misterioso..........................67
Quadro 7 – Fait divers de coincidência por repetição sobre arrastão em Santo André............68
Quadro 8 – Fait divers de coincidência por repetição sobre assaltos em Santa Teresa............68
Quadro 9 – Fait divers de coincidência por antítese ................................................................69
Quadro 10 – Fantástico-estranho..............................................................................................70
Quadro 11 – Fantástico por causalidade imaginária.................................................................71
Quadro 12 – Fantástico cômico................................................................................................71
Quadro 13 – Fantástico bestiário..............................................................................................72
Quadro 14 – Proximidade geográfica como valor-notícia........................................................73
Quadro 15 – Proximidade com a realidade da comunidade abordada......................................74
Quadro 16 – Proximidade geográfica e a narrativa humanizada..............................................74
Quadro 17 – Utilidade como valor-notícia...............................................................................75
Quadro 18 – Nota com a utilidade como valor-notícia.............................................................75
Quadro 19 – Contextualização da notícia para a realidade do leitor.........................................76
Quadro 20 – Contextualização da notícia para esclarecimento do leitor..................................77
Quadro 21 – Contextualização da notícia para alertar o leitor..................................................77
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 11
1. A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA JORNALÍSTICA ........................................................ 16
1.1. Narrativas do acontecimento: jornalismo e história .................................................. 17
1.2. O acontecimento no jornalismo ................................................................................. 24
1.3. Critérios de seleção de acontecimentos jornalísticos ................................................. 28
1.4. Os valores-notícia do jornalismo popular .................................................................. 31
1.5. O paradigma do interesse público .............................................................................. 36
2. NOVAS TENDÊNCIAS NO JORNALISMO ............................................................................ 40
2.1. O fantástico nos jornais de referência ........................................................................ 42
2.2. Fait divers e sensacionalismo .................................................................................... 45
2.3. Entretenimento x interesse público: o dilema da credibilidade ................................. 49
3. METODOLOGIA ........................................................................................................................ 55
3.1. Objeto empírico: Folha de S. Paulo .......................................................................... 57
3.2. Procedimentos metodológicos ................................................................................... 60
3.2.1. 1ª Etapa: Análise comparativa ............................................................................ 61
3.2.2. 2ª etapa: Análise das categorias de entretenimento, os fait divers e o
fantástico...... ..................................................................................................................... 62
3.2.3. 3ª etapa: análise qualitativa do conteúdo ............................................................ 63
4. RESULTADOS ............................................................................................................................. 64
4.1. Análise comparativa .................................................................................................. 64
4.2. Análise da categoria de entretenimento: fait divers e fantástico................................ 67
4.3. Análise qualitativa do conteúdo ................................................................................. 76
4.3.1. Proximidade e personalização no entretenimento .............................................. 76
4.3.2. Utilidade no entretenimento ............................................................................... 79
x
4.3.3. Contextualização e fontes no entretenimento ..................................................... 80
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 83
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 86
APÊNDICES EM CD
TABELA 1 – Análise Comparativa (Amostra 1)
TABELA 2 – Análise Comparativa (Amostra 2)
TABELA 3 – Análise da categoria de entretenimento: fait divers e fantástico
ANEXOS EM CD
Anexo A - Ladrões agridem e arrastam aposentada para roubar carro
Anexo B - SP tem 3 tiroteios em 24 h; mulher morre com bebê no colo
Anexo C - Criança é baleada em desavença no trânsito
Anexo D - Delegado reage a assalto e atira em rapaz
Anexo E - Executivo infarta e morre em assalto
Anexo F - Casal de PMs, filho e outros 2 parentes são mortos em casa
Anexo G - Bando rouba carro e promove arrastão em restaurante
Anexo H - Assaltos em série assustam turistas de Santa Teresa, no Rio
Anexo I - Morre em incêndio idosa que atirou em ladrão no RS
Anexo J - Roda presa
Anexo K - Mesmo cansado e com doença rara, cão-guia não larga casal por nada
Anexo L - Mulher forja sequestro para ocultar traição em SC
Anexo M - ‘Voz do além’ em ônibus surpreende passageiros
Anexo N - Invadores destroem imóveis do Minhca Casa
Anexo O - 'Se eu não for morar, ninguém vai', diz invasora sobre destruição
Anexo P - Incêndio destrói loja em Santo Amaro
Anexo Q - SP testa ônibus que 'fala' e flagra quem invade a faixa
Anexo R - Mais de 1.000 ficam desabrigados após incêndio em favela
Anexo S - PMs presos no Rio irão da cadeia para a rua
Anexo T - Depois de morto, homem tem suas 2 famílias ‘legalizadas’
Anexo U - Em SC, polícia flagra menino de 11 anos dirigindo em rodovia
11
INTRODUÇÃO
O acontecimento é a principal matéria-prima da narrativa jornalística. Entretanto, é a
forma como é selecionado, tratado e veiculado nos meios de comunicação, que revela sua
especificidade nesse campo e o diferencia de outras formas narrativas que também o têm
como objeto. É também por meio desta forma que são definidos os valores que constituem a
atividade jornalística, enquanto produção humana que tem por objetivo fundamental servir de
mediadora entre os poderes públicos e a sociedade civil. Ao jornalismo é atribuído, portanto,
um compromisso promover a cidadania e o conhecimento.
A prática profissional, permeada por regras e valores decorrentes desta percepção
funcional, resume-se na transformação do acontecimento em informação para o público.
Assemelha-se à função da história, narrando o presente que, mais tarde, poderá servir de
documento. Para além desta abordagem aparentemente imutável – que, ao contrário, é
totalmente dinâmica - nota-se que, com a evolução dos meios de comunicação e com o
surgimento das tecnologias, há uma transformação na práxis e, consequentemente, nos
conteúdos informativos, que tem levado as pesquisas em comunicação a questionarem os
objetivos profissionais, a ética, a credibilidade e a preponderância dos interesses
mercadológicos sobre os anteriores.
Novas reflexões se atentam para o estudo dos conteúdos jornalísticos do ponto de vista
desse compromisso com a promoção da cidadania e com a elevação do conhecimento das
pessoas. Neste sentido, novas tendências têm sido observadas, como o uso, cada vez mais
frequente, dos recursos de entretenimento – não necessariamente como formas de levar ao
riso, mas de atrair a atenção – em diversas mídias que antes estavam distantes deste viés. Com
a migração para novos meios de comunicação e o acesso facilitado à informação, os jornais
em suas diversas plataformas estão repensando suas estratégias porque o público vem
mudando sistematicamente desde o surgimento das novas tecnologias de comunicação, que o
fizeram migrar para outras plataformas.
Para não se distanciar dos valores profissionais que prezam pelo interesse público, o
jornalismo tem sido objeto de estudos porque, cada vez mais, tem se aproximado das
vertentes populares que prezam pelo conteúdo atrativo, mas que, em muitos casos, como
acreditam alguns, não induzem à reflexão em prol da cidadania. Neste sentido, as informações
advindas dos jornais refletem novos conceitos de entretenimento, mas também velhos
conceitos emprestados de outras narrativas. O absurdo, o espetacular, o engraçado e o
12
surpreendente vêm cada vez mais ocupando espaço nas mídias impressas tradicionais,
construindo um novo-velho universo narrativo.
Dentre as pesquisas que avaliam estes diferentes estudos do campo jornalístico se
encontram diversas vertentes que podem ser resumidas em duas. Há concepções teóricas que
entendem que a participação pública no jornal, isto é, os valores-notícia que prezam pela
proximidade com o leitor, tornando-o parte da notícia, acabam por esgotar a importância do
acontecimento como parte de um contexto político, econômico e histórico. Neste sentido, esta
concepção avalia que os jornais estão perdendo seu vínculo com o interesse público. Por outro
lado, há outras pesquisas que levam a compreender que a migração dos valores do jornalismo
popular para o jornalismo tradicional como uma forma de descrever o cotidiano das pessoas,
leva o leitor a se reconhecer no jornal e traz a ele a percepção de seu lugar diante de todo o
contexto social e histórico no qual está inserido.
Este trabalho, por sua vez, busca entender a possibilidade de o reconhecimento do
leitor no jornal leva-lo à reflexões políticas, econômicas e sociais. Na bibliografia explorada,
não foram encontradas formas práticas de possibilitar a junção entre o compromisso com o
interesse público dos jornais à aproximação do cotidiano do leitor aos conteúdos dos grandes
jornais. Por isto, esta pesquisa, teve como objeto o jornal Folha de S. Paulo, um dos
impressos de maior circulação do Brasil, de credibilidade e tradicionalismo sedimentados na
opinião pública, tem por objetivo analisar como estas novas tendências têm sido
desenvolvidas pelos grandes jornais nacionais para compreender este fenômeno no jornalismo
na atualidade.
A forma narrativa conhecida como fait divers ou fatos diversos, por seu turno,
integram a exploração desses conteúdos feitos para entreter. Inseridos em diversas
manifestações comunicativas que antecedem, inclusive, como será visto mais adiante, às
narrativas impressas, o fait divers são definidos como o próprio sensacionalismo. A principal
característica deste gênero é a exploração, independentemente de sua sistematização
tipológica, da emoção de quem o consome. Por este motivo, este viés de narração, atualmente
muito explorado pelo jornalismo popular, é questionado por seu imediatismo, por seu
esgotamento em si mesmo e por sua aparente impossibilidade de promover a reflexão, a
contextualização e a análise intelectual.
Dentro desta perspectiva, esta pesquisa analisa também o fantástico como uma das
categorias de entretenimento que se manifestam no jornalismo. As notícias fantásticas são
aquelas que tratam de acontecimentos que, em especial pela forma como são abordadas,
13
remetem a uma explicação insólita para a sua ocorrência. Vinculadas geralmente a uma
linguagem literária, as notícias do fantástico surgem como uma forma de suavizar o noticiário
diário.
Considerando que os fait divers e as notícias do fantástico, bem como outros valores
presentes no jornalismo, fazem parte também em outras manifestações escritas, como na
Literatura e na História, não é possível desvincular seu modus operandi das características
destes outros campos do conhecimento. Sendo assim, no primeiro capítulo deste trabalho é
abordado o jornalismo enquanto construção narrativa e, para efeito de entendimento, buscou-
se estabelecer vínculos entre as outras formas narrativas citadas. Neste sentido, apesar de seu
vínculo embrionário com a Literatura, tendo com ela surgido nos primeiros conteúdos
impressos, o jornalismo trabalha com o mesmo material da História: a realidade e sua
abordagem. A forma como esses dois campos a constroem é que definem sua confiabilidade e
credibilidade, com a diferença de que uma remonta a um passado de maior distância temporal,
enquanto o outro tenta sempre agarrar a realidade do presente, para documenta-la e torna-la
também parte da história.
Cada um desses campos terá pesquisas optando por formas diferentes de produção. Na
história, há correntes de estudiosos que prezam pela descrição do cotidiano das pessoas do
passado, já outras priorizam a contextualização política, econômica e social dos
acontecimentos. Do mesmo modo, no jornalismo haverá profissionais voltados para a reflexão
sobre os fatos, enquanto outros irão se basear na ideia de que o leitor deve se reconhecer no
jornal. Estes, portanto, tenderão aos valores-notícia explorados no jornalismo popular, como o
entretenimento.
Como tratar o acontecimento, matéria-prima para ambas essas manifestações escritas,
é o que irá definir as correntes de estudo. Portanto, a compreensão de como é feito esse
tratamento no jornalismo perpassa o entendimento de como isso ocorre na história, que
trabalha há mais tempo com a percepção dos acontecimentos. No jornalismo, é a vertente de
referência que antagoniza ao popular, no sentido de valorizar os fatos políticos em detrimento
do cotidiano. Por este motivo, levantam-se questionamentos a respeito da flexibilização dos
jornais de referência, com relação aos valores-notícia do jornalismo popular, para se
adaptarem ao avanço das tecnologias de comunicação que lhes tiraram parte de seus leitores e
fizeram com que seus conteúdos tivessem de ser mais atrativos para atrair outros públicos.
Um dos questionamentos é o de que o entretenimento pudesse estar desviando o
tradicional modo de fazer jornalismo de referência, fazendo-o perder seu compromisso
14
editorial com o interesse público. Na busca por perceber e entender este fenômeno, escolheu-
se a Folha de S. Paulo como objeto de análise para alcançar o objetivo principal deste estudo,
que é compreender a maneira como conteúdos específicos de entretenimento, os fait divers e o
fantástico, manifestam-se no jornal sem comprometer o seu compromisso com o interesse
público.
Sendo assim, o estudo se baseou em atender aos seguintes objetivos específicos:
entender os valores-notícias que pautam a atividade do jornal Folha de S. Paulo; avaliar de
que forma o novo contexto jornalístico influenciou no tipo de conteúdo abordado pelo jornal;
identificar matérias sobre fait divers e sobre o fantástico, buscando compreender a construção
das narrativas dessas notícias; e, por fim, avaliar como esta construção narrativa é feita de
modo a preservar os valores-notícia anteriormente estabelecidos pelo jornal.
Para alcançar esses objetivos delineados, foram realizados os seguintes procedimentos
metodológicos de pesquisa: análise comparativa entre o período em que se começou a
observar uma queda no número de exemplares por adulto da população brasileira e o período
atual, por meio da delimitação de duas amostras pela técnica de amostragem de mês
composto, para, assim, quantificar as matérias populares entre as duas amostras e avaliar se
houve aumento, recuo ou manutenção deste perfil de notícias no jornal; análise das categorias
de entretenimento (fait divers e fantástico) para o estudo aprofundado dessa manifestação no
jornal Folha de S. Paulo; e uma análise qualitativa do conteúdo das matérias de
entretenimento, buscando observar características que as vinculem ao interesse público.
Estrutura da pesquisa
No primeiro capítulo deste trabalho, buscou-se compreender de que modo as
narrativas jornalísticas são construídas, bem como relaciona-las a outras formas narrativas que
também têm por objetivo retratar os acontecimentos da realidade. Assim, também foi
discutido o que é acontecimento no jornalismo; como é feita a seleção destes para figurar nos
jornais, perpassando os processos de constituição dos critérios de noticiabilidade; os valores-
notícia do jornalismo popular; e o paradigma do interesse público, para que fosse feito um
mapeamento das funções sociais atribuídas ao campo jornalístico.
No segundo capítulo, partiu-se para o estudo das novas tendências do jornalismo
decorrentes do surgimento dos novos modos de produção e do entendimento de como isso
afeta os valores sedimentados da profissão. Neste ponto, buscou-se entender as categorias
tratadas anteriormente que foram base para a pesquisa deste trabalho: o fantástico e os fait
15
divers e suas respectivas manifestações nos jornais de referência, junto a uma explicação do
porquê de serem vinculados ao sensacionalismo.
Ainda no segundo capítulo foi feita uma discussão a respeito do entretenimento e do
interesse público. É comum que haja uma percepção coletiva de que a finalidade do
jornalismo se resume em informar para que as pessoas possam construir suas próprias
concepções e valores de cidadania. Sendo assim, discutiu-se se é possível conceber que
recursos que exploram apenas as matrizes simbólico-dramáticas do ser humano, como os
conteúdos sensacionalistas ou fait divers, bem como as notícias do fantástico, possam dar base
ao valor informativo de interesse público para conhecimento e reflexão.
Há um entendimento ideológico de que prática profissional jornalística está
compromissada com aquilo que se acredita ser informação para que uma pessoa possa
construir sua própria independência e, em certa medida, com uma função historiográfica de
narrar o que acontece no presente, deixando-o, consequentemente documentado. Esta
pesquisa se desenvolve no ensejo de expandir os conhecimentos acerca desta percepção,
compreendendo que a evolução dos meios de comunicação vem transformando os modos de
produção da atividade e trazendo novas reflexões para o campo, que questionam as
prioridades dessa atividade e seu compromisso com a cidadania.
A questão aqui não é avaliar se isto é certo ou errado, positivo ou negativo, mas sim
perceber como as transformações no campo jornalístico estão modificando a realidade com os
públicos e vice-versa. Sendo assim, o objetivo da pesquisa esteve concentrado em
compreender de que modo os fait divers e o fantástico, que são tipos de notícias de
entretenimento, manifestam-se no jornal de referência Folha de S. Paulo sem comprometer o
compromisso editorial deste com o interesse público.
16
1. A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA JORNALÍSTICA
O jornal escolhido como objeto de pesquisa – a Folha de S. Paulo – embora seja um
dos jornais de maior circulação no Brasil, como será abordado adiante, oferece um produto
jornalístico que é resultado de uma discussão que vai além dos compromissos editoriais
assumidos e os valores-notícia habitualmente utilizados por ele. Por isso, a compreensão deste
produto específico e suas relações com o contexto atual remetem a uma gama de teorias que
perpassa questões como: o que pode ser entendido como acontecimento para o jornalismo;
como outras narrativas trabalham o elemento acontecimento e, neste ponto, a discussão passa
pelo campo da história; como são definidos os critérios de escolha dos acontecimentos; o que
é importante para a narrativa jornalística (o cotidiano ou o fato político?) quando se pensa em
função social desta atividade; além das novas tendências e mudanças estruturais pelas quais
vem passando o jornalismo nas últimas décadas, em virtude das novas tecnologias e das
migrações de público para outras plataformas de notícia; e os fait divers e fantástico,
elementos do entretenimento, bem como outros valores do jornalismo popular.
Todas estas questões levantadas serão aprofundadas neste trabalho por meio de teorias
da história, do jornalismo e da sociologia. A questão do acontecimento, por exemplo, é
discutida a partir dos conceitos do vocabulário de Foucault (CASTRO, 2009), da perspectiva
histórica de Veyne (2008) e de uma introdução ao campo jornalístico com Pontes e Silva
(2010), dentre outros. A notícia como narrativa é abordada a partir de Motta (2006). Já a
função social do jornalismo é trazida pela sociologia de Park (1940). Enquanto que os
critérios de noticiabilidade são discutidos, principalmente, a partir de Schudson (2010) e
Traquina (2008). As novas tendências nos jornais são trazidas a partir das perspectivas
proporcionadas pelas pesquisas de Meyer (2007) e Sant’Anna (2008). Por fim, os conceitos
sobre fait divers, fantástico e outros valores-notícia do jornalismo popular são contribuições
das pesquisas de Barthes (2007), Motta (2006) e Amaral (2006), respectivamente, entre
outros.
Dando início à discussão a partir da perspectiva de função social atribuída ao
jornalismo, os estudos de Park (1940) apontam que a notícia é uma das primeiras e mais
elementares formas de conhecimento. Com esta afirmação, o sociólogo e ex-jornalista dá à
notícia o estatuto de representação de atos comunicativos que vão desde as formas mais
simples – como um aviso de perigo feito por um animal ou de fome feito por um bebê – até ao
comunicado de inquietações ou emoções que unificam um determinado grupo social, uma
17
comunidade, ou uma sociedade. O exemplo do sociólogo pode parecer generalista, mas reflete
aquilo que ele chama de efeito da notícia que, grosso modo, é o estímulo para que os
indivíduos ajam em prol do interesse coletivo para promover mudanças ou manter condições
sociais.
Partindo de tal perspectiva, levanta-se o questionamento sobre quão grande pode ser o
leque de informações que podem ser tomadas como notícia. Respondendo a Park (1940),
Schudson (2010, p.37) traz o seguinte conceito moderno de notícia: um produto oferecido
pelos jornais que pretende representar de forma realista os acontecimentos do mundo. A esta
definição segue que, para se tornar notícia, o acontecimento deve atender a alguns critérios,
que são chamados de valores-notícia. Embora eles tenham alguma unanimidade entre autores
– resumidos por Schudson (2010, p.37) em exatidão, integridade, vivacidade e atualidade –
estes critérios se modificaram ao longo da história do jornalismo, trazendo novas tendências.
As manifestações jornalísticas contemporâneas têm mostrado outras perspectivas para
valorar acontecimentos para que se tornem notícia ou outro produto jornalístico. O
entretenimento, que a princípio pode soar incompatível com o efeito notícia proposto por Park
(1940), é um exemplo que vem sendo adotado. Eis o tema que este trabalho pretende abordar.
Com enfoque na seleção de acontecimentos que determinam a categorização das notícias do
fantástico e dos fait divers, que são formas de entretenimento, esta pesquisa não se propõe
rechaçar ou acatar tal manifestação no jornalismo, mas indagar o motivo da suposta
incompatibilidade, buscar entender o porquê de os jornais estarem se utilizando do
entretenimento para informar e avaliar se esta nova tendência pode ser positiva ou negativa,
considerando as funções sociais do jornalismo, e a partir de quais parâmetros.
1.1. Narrativas do acontecimento: jornalismo e história
Conforme já mencionado a respeito do que se espera do jornalismo no sentido de
manter ou gerar novas condições sociais, o motivo que leva cada acontecimento a ser
selecionado para ser notícia, ou seja, o critério de noticiabilidade ou valor-notícia, reflete-se
diretamente neste efeito. Além dos critérios, a forma como os acontecimentos são abordados
narrativamente também afeta a compreensão do efeito. Assim, em primeiro lugar, faz-se
necessário entender como ocorre a construção da narrativa jornalística.
Com efeito, para que se possa atribuir às produções jornalísticas um caráter narrativo,
é preciso recorrer aos conceitos da narratologia. A narratologia ou teoria da narrativa
18
compreende um campo das ciências humanas dedicado ao “estudo das relações humanas que
produzem sentido através de expressões narrativas, sejam elas factuais (jornalismo, história,
biografias) ou ficcionais (contos, filmes, telenovelas, videoclipes, história em quadrinho)”
(MOTTA, 2007, p.2). Sendo assim, é por meio da narratologia que se analisa de que forma as
narrativas humanas refletem práticas culturais, pois cada uma delas se constrói por meio de
estratégias de discurso que remetem a contextos históricos e políticos específicos.
Segundo Araújo (2011, p. 4), a narratologia esteve, durante muito tempo, associada
somente ao universo da literatura. Contudo, a partir da segunda metade do século XX, os
estudos de diversos autores revolucionaram o conceito de narrativa, trazendo uma perspectiva
de interdisciplinaridade. A partir desse momento, a concepção de narrativa passou a abranger
outras manifestações da expressão humana. Silva (2007, p. 51) define a narrativa como a
representação linguística de um acontecimento, real ou fictício, que leva a uma transformação
de um estado das coisas. Segundo o autor, a representação sem acontecimento, no entanto,
não constitui narrativa.
Da mesma forma, Motta (2007) compreende os enunciados narrativos como relatos
que exprimem os conhecimentos objetivos e subjetivos do mundo feitos pelos sujeitos sociais.
Segundo o autor, estes sujeitos significam, por meio da expressão linguística dotada de lógica
e ordem cronológica, a realidade daquilo que não podem ver e também do que lhes é tangível,
produzindo sentido. Para o autor, “ao estabelecer sequências de continuidade (ou
descontinuidade), as narrativas integram ações no passado, presente e futuro, dotando-as de
sequenciação” (MOTTA, 2007, p.2). Assim, o relato temporal coloca os estados e as ações
nas perspectivas dos momentos históricos, explicando as mudanças evolutivas.
Sendo assim, a discussão da relação entre história e jornalismo se faz necessária para
os fins desse trabalho. Ambos produzem sentido social para os acontecimentos por meio da
expressão narrativa. Além disso, na história, os diferentes modos de escolha de
acontecimentos de cada corrente historiográfica refletem diversas percepções sociais e isto
pode ajudar a entender como critérios de noticiabilidade que não são habituais, como o
entretenimento, influenciam nos efeitos do jornalismo na sociedade. Portanto, mesmo que
estejam em temporalidade distantes, segundo Motta (2007), a forma como selecionam os
acontecimentos e os descrevem na realidade situam o homem em um contexto, oferecendo a
ele compreensão sobre o mundo e a existência.
Tanto na narrativa histórica, quanto na jornalística, há uma busca pela representação
mais fiel da realidade, é o que Motta (2006) chama de “efeito de real”. Segundo o autor, nas
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narrativas fáticas (jornalismo e história) há uma intensa aproximação dos fatos com o mundo
físico e com a temporalidade, para garantir a veracidade do relato narrado. Nesta perspectiva,
o conceito de fato também contribui para o efeito. Genro Filho (1987) propõe que os fatos não
existem previamente tais como nos são apresentados, “existe um fluxo objetivo na realidade,
de onde os fatos são recortados e construídos obedecendo a determinações ao mesmo tempo
objetivas e subjetivas” (GENRO FILHO, 1987, p.186). Pelas definições apresentadas por
Schudson (2010), as determinações são objetivas porque o fato pode ser entendido como uma
ocorrência no mundo cuja validade independe dos valores e do julgamento de quem vê; e
subjetivas porque o fato também pode ser compreendido como um aspecto do mundo
validado pela forma como é visto.
Schudson (2010) afirma que após a Primeira Guerra Mundial, a ideia de que o ser
humano constrói a realidade com a qual se relaciona superou, em parte, a crença numa
objetividade absoluta na qual os fatos podem ser totalmente desvinculados de valores.
Segundo o autor, porém, o ideal de objetividade prevaleceu e, assim, foram
institucionalizados normas e procedimentos profissionais para garantir a objetividade dos
recortes dos fatos na realidade. Tais normas se referem aos critérios que determinam o que é
acontecimento para a história e os valores-notícia do jornalismo. Portanto, para Genro Filho
(1987, p.186),
os fatos jornalísticos são um recorte no fluxo contínuo, uma parte que, em
certa medida, é separada arbitrariamente do todo. Nessa medida, é inevitável
que os fatos sejam, em si mesmos, uma escolha. Mas, para evitar o
subjetivismo e o relativismo, é importante agregar que essa escolha está
delimitada pela matéria objetiva, ou seja, por uma substância histórica e
socialmente constituída, independentemente dos enfoques subjetivos e
ideológicos em jogo. A verdade, assim, é um processo de revelação e
constituição dessa substância.
Partindo de uma perspectiva histórica, Veyne (2008) afirma que os fatos que se
diferenciam da regularidade, da uniformidade, são aqueles que serão reconstruídos para o
conhecimento científico e social. É um processo de descrição, que depende não só daquilo
que é importante para a sociedade aos olhos do historiador, mas também da abundância
documental. Conforme explica o historiador, busca-se encontrar coerência em vestígios que se
perderam de um fato, até encontrar sua essência e completude. Trabalho semelhante à
apuração jornalística, já que, nesta atividade o que interfere na transparência entre os fatos e o
texto, é a característica elementar do jornalismo de ser uma narrativa que, “mesmo que narre
20
elementos não ficcionais, organiza os fatos sob o formato de uma história e apresenta traços
que identificam qual tipo de história está contando” (PONTES; SILVA, 2010, p.58-59).
Para Pontes e Silva (2010), o fator temporal diferencia o trabalho dos jornalistas da
atividade dos historiadores, porque a profissionais que trabalham com a informação
jornalística são pautados pelo elemento da atualidade. Ainda que o jornalista tenha que
recontar um acontecimento localizado no passado, o curto prazo que há entre o momento do
fato e de sua transformação em texto, permite o acesso aos elementos que estiveram em
contato com aquela realidade, como testemunhas e personagens. Já os fatos a serem narrados
pelo historiador, encontram-se inacessíveis à experiência, conforme explica Pontes e Silva
(2010, p.56):
Para recontar esse fato, ele precisa prefigura-lo (copiar o acontecimento em
sua dinamicidade), configurá-lo (transformá-lo em uma história a ser
contada), o que resulta numa narrativa refigurada (interpretada no processo
de leitura) de outras narrativas. Ou seja, o historiador também precisa ser
público, ser leitor, para daí reconstruir fatos conforme a configuração por ele
estabelecida. Nisso, o historiador enfrenta desafios similares aos do
jornalista, pois precisa transmitir em palavras fatos que aconteceram e que
precisam ser passados como aconteceram, recorrendo a estatutos da narrativa
para constituir a percepção de seu trabalho.
Conforme anteriormente mencionado, a determinação do campo histórico depende da
percepção social de cada corrente historiográfica. Esta diferença é analisada aqui para servir
de parâmetro para o jornalismo quando são observadas novas tendências na determinação do
que é valor-notícia. No caso deste trabalho, especificamente, para referenciar a ocorrência das
categorias do entretenimento em notícias. Assim, Pontes e Silva (2010, p.43) falam de duas
correntes da historiografia que se opõem: a escola metódica alemã1 e a escola francesa dos
annales2.
1 Brito (2003) explica que a corrente historiográfica metódica surgiu na Alemanha no século XIX, com Ranke. A
pretensão dos adeptos era garantir maior cientificidade à história, dando a ela um caráter mais objetivo, para que
fosse um reflexo fiel do passado sem qualquer interpretação filosófica ou objetiva. “O que de fato valia era o
estudo do passado pelo passado, e a curiosidade sobre o que fomos e deixamos de ser representaria o mote de
todo esforço historiográfico” (BRITO, 2003, p. 4). Assim, na prática, isso seria possível se o historiador seguisse
a seguinte “receita” sintetizada pela autora: ao historiador bastaria reconstruir os fatos como eles “realmente se
passaram”, portanto, sem julgamentos; ao historiador caberia uma postura de neutralidade; a história/passado
existiria objetivamente e poderia ser captada através dos documentos; ao historiador caberia reunir o maior
número de documentos, atento à sua autenticidade; os fatos deveriam ser extraídos desses documentos,
organizados e apresentados numa narrativa que respeitasse sua sequência cronológica e; não haveria a menor
necessidade de qualquer reflexão teórica. 2 Ver Burke (1990). Segundo este autor, esta corrente representa um grupo da historiografia francesa associado à
Revista Annales (criada em 1929), cuja produção intelectual no século XX se destacou por inovações trazidas
21
Segundo Pontes e Silva (2010), para os metodistas, o papel central do historiador é
narrar um fato do passado, a partir dos documentos validados disponíveis, sem a interferência
do historiador no arquivo. Ou seja, priorizam-se os acontecimentos ligados a dados de
instituições por se acreditar que as conclusões obtidas nestes documentos oficiais são
verdadeiras e não há necessidade de uma interpretação ou reflexão acerca das estruturas
sociais do evento que está sendo narrado.
Por outro lado, na França, a corrente dos annales destaca a importância do papel que
os estudos sociais tomam para a história. Segundo Pontes e Silva (2010, p.46), é com Fernand
Braudel, na segunda geração da annales, que a temporalidade ganha evidência. Os autores
explicam que Braudel destaca o conceito de longa duração como elemento essencial para se
estudar os eventos do passado. Para os historiadores adeptos desta corrente, é necessário
estabelecer uma relação entre presente e passado, priorizando o estudo do contexto, que é o
meio pelo qual irão entender a mentalidade da época estudada e a estrutura social que
possibilitou o evento. Assim, Pontes e Silva (2010, p.46-47) destacam que, para Braudel,
existem três temporalidades, três domínios em que a história explica a
realidade: uma história quase imóvel que trata a relação do homem com o
seu meio geográfico; uma história lenta, que trata dos ciclos econômicos e
das estruturas sociais; e uma história de acontecimentos, capaz de relatar as
oscilações breves da vida cotidiana e presente. Como unificadora dessas
temporalidades na história e fundadora da evolução dos homens e das coisas,
estaria a longa duração. Essa tendência repercutirá em estudos de forte
cunho estruturalista, preocupados com a serialização temática associada a
variantes quantitativas, de repetição de ações e fenômenos, de
estabelecimento de leis específicas de consonância de um dado momento
histórico ou fato que se repete em condições similares ao longo da história.
Determinar o sentido ou valor de um acontecimento no contexto social em que ocorre
é também uma proposta da narrativa jornalística. Neste caso, há o antagonismo entre: destacar
os elementos sociais que propiciaram a realização do fato ou apenas reconstruí-lo, sem
contextualiza-lo. É um dilema semelhante ao que se interpõe entre a escola metódica alemã e
os estudiosos da escola de annales, no estudo e na construção da história. No jornalismo, por
exemplo, no segmento da imprensa popular, segundo Amaral (2006, p. 9), é predominante “a
para o estudo da história. O objetivo dos historiadores deste grupo consistia em substituir a tradicional narrativa
da história dos acontecimentos por uma história-problema, descrever a história de todas as atividades humanas e
não somente da história política e, assim, tornar a história um campo interdisciplinar. A Revista Annales teve
quatro títulos: Annales d’histoire économique et sociale (1929-39); Annales d’histoire sociale (1939-1942, 45);
Mélanges d’histoire sociale (1942-4); Annales: économies, sociétés, civilisations (1946-).
22
ideia de que a mídia deve ter um uso social e expressar a necessidade dos jornais de
responderem às demandas cotidianas dos cidadãos”.
Apesar da analogia entre história e jornalismo proposta aqui para fins comparativos,
Park (1940) adverte que, embora as notícias possam se tornar documento histórico para o
futuro, notícias não são necessariamente história. O autor propõe este paradigma não porque o
jornalismo não trate de narrar a história do presente, mas porque os eventos que narra ainda
não estão localizados devidamente na sucessão histórica, afirmando que
na verdade, não seria muito errado ao supor que a história é tão grande que
preocupa com as conexões de eventos - a relação entre os incidentes que
precedem e as que se seguem - como é com os próprios eventos. Por outro
lado, um repórter, como distinguido de um historiador, visa simplesmente
registrar cada evento único como ocorre e se preocupa com o passado e o
futuro só na medida em que lançam luz sobre o que é real e presente.
(PARK, 1940, p. 675)
À luz deste entendimento, compreende-se que a história e todos os elementos que a
constituem já demonstraram a importância de transcender o tempo, assim como já é possível
estabelecer lógica e continuidade entre os eventos, porque eles já se desenrolaram e não há
mais possibilidade de especulações sobre o futuro. Por outro lado, o relato jornalístico, ainda
que se baseie em processos semelhantes aos da história na percepção e escolha dos
acontecimentos que devem ser tornados públicos, “observa o mundo desde o atual, ancora seu
relato no presente para relatar o passado e antecipar o futuro” (MOTTA, 2007, p. 9). Ou seja,
para o autor, a narrativa jornalística organiza histórias em um sequência cronológica, mas se
esgota na atualidade.
Consonante a esta perspectiva, Park (1940, p.675) lançou mão do que constituiu o foco
central de sua teoria, isto é, o estudo das notícias desvinculado de uma perspectiva histórica,
mas pensando estas formas comunicativas inseridas em um contexto que permitiria a
construção do conhecimento. Para o sociólogo, na medida em que as notícias chegam aos
poucos à sociedade e vão sendo assimiladas, elas vão dando noção do que está acontecendo.
Em seguida, a reação que as pessoas têm de repetir e discutir sobre o que foi noticiado com
outros possibilita a construção de um consenso público a respeito dos fatos. Esta interação
leva a uma interpretação coletiva dos eventos presentes que influenciam o cotidiano das
pessoas, dando elas conhecimento sobre o que acontece nos âmbitos políticos, econômicos e
sociais.
23
Para Motta (2007, p.2) isto ocorre porque a organização da narrativa midiática não é
arbitrária. Segundo o autor, existem intenções, conscientes ou inconscientes, na produção
jornalística: “quando o narrador configura um discurso3 na sua forma narrativa, ele introduz
necessariamente uma força ilocutiva4 responsável pelos efeitos que vai gerar no seu
destinatário”. Assim, as escolhas feitas para a construção de uma lógica narrativa, como já
havia antecipado Veyne (2008) com relação à narrativa histórica, não são totalmente
aleatórias, mas dependem da subjetividade do historiador ou jornalista, pois cada código e
articulações sintática e semântica irão gerar uma determinada interpretação.
Traquina (2005) revela que a força do jornalismo, portanto, não está somente na
escolha dos fatos que serão noticiáveis, mas também na possibilidade de escolher quais os
elementos linguísticos irão construir a realidade destes fatos para os destinatários da
informação. É o que se entende por organização narrativa. Tal construção revela o papel de
mediador do jornalismo entre leitor (ou destinatário da informação) e realidade, uma vez que
ele os aproxima. É o jornalismo também o responsável por construir o efeito da notícia,
conceito trabalhado por Park (1940) e apresentado no início desta discussão, pois é o
profissional jornalista quem seleciona os acontecimentos que irão para os jornais.
Por se tratar de um conceito também polissêmico, o acontecimento pode ser sinônimo
de fato e se tratar de “algo que ocorre no mundo exterior a nós” (SPONHOLZ, 2009, p.61)
que, ao ser retratado, representa um recorte da realidade. Do ponto de vista da Sociologia,
Durkheim (1972) afirma que o fato é um fenômeno que, de algum modo, é de interesse social.
Ou seja, a sua ocorrência promove regularidade à sociedade ou a desestabiliza. Neste ponto,
requer-se explicação sobre o que faz com que, dentre tantos fatos ou acontecimentos do
mundo, alguns sejam escolhidos para serem retratados nas narrativas jornalísticas, ao passo
que outros não.
3 Para Motta (2006), no contexto de narrativa, o discurso é formado pelo relato representativo e pelas ações e
performances socioculturais por ele representadas. Os discursos podem ser, portanto, narrativos literários,
históricos, jornalísticos, científicos, jurídicos, publicitários e quaisquer outros que estejam inseridos nos jogos de
linguagem.
4 A força ilocutiva ou ilocucionária é trabalhada aqui a partir de Motta (2006). O autor explica que são forças
expressivas que vêm não apenas do significado objetivo das palavras, mas também do que elas significam
quando estão em um ato de fala. Para ele, usar a linguagem, além de colocar palavras e sintaxes em movimento,
também ativa conhecimentos que as palavras evocam para os participantes do ato comunicativo, que não
necessitam estar explícitas.
24
1.2. O acontecimento no jornalismo
Semelhante à perspectiva histórica, o acontecimento jornalístico, entendido como
elemento central da informação, é o fato que irrompe na regularidade da realidade. O viés
comparativo ainda permanece para efeito de facilitar a determinação do acontecimento no
jornalismo, bem como a relação deste com o surgimento de concepções diferentes para os
valores-notícia, porque o acontecimento é um elemento também da narrativa histórica.
Segundo Castro (2009), Foucault distingue dois sentidos para o termo acontecimento: a
novidade ou o que se faz diferente e o acontecimento como prática histórica regular. Ambas
as narrativas se ocupam dos dois sentidos, pela relação que existe entre eles, isto é, um acaba
incorrendo no outro: “as novidades instauram novas formas de regularidade” (CASTRO,
2009).
A princípio, o campo histórico só exige uma condição do fato para que este seja de
interesse da história, ele precisa ser verdadeiro (VEYNE, 2008). Esta determinação garante
que a história se distancie da narrativa literária, que trabalha fatos ficcionais. Assim, tanto as
práticas regulares quanto as novidades são de interesse da narrativa histórica. Por outro lado,
na narrativa jornalística, não basta que o acontecimento seja verdadeiro e que disponha de
documentos para a sua verificação, a escolha do acontecimento a se tornar notícia é
determinada por uma série de critérios e valores e sua importância é avaliada conforme aquilo
que a comunidade jornalística define como finalidade da notícia (KOVACH; ROSENSTIEL,
2003). Para os autores, um fato, ainda que previsível, pode ter uma função social, centrada na
política, na economia, na meta principal de contar a verdade de forma que as pessoas
disponham de informação para a sua própria independência. Desta forma,
o acontecimento, como usualmente compreendido no pensamento
jornalístico, estaria fora do texto, ficando, portanto, na relação entre os fatos
e suas consequências diretas sobre a vida em determinada sociedade. O
jornalismo coloca-se como o mediador que possui a tarefa de trazer esse
acontecimento exterior para a interioridade do texto, dando-lhe o destaque
pertinente à importância que esses fatos tomam para o público em geral. O
jornalismo mostra-se como o próprio lugar em que o acontecimento
transforma-se em texto. Um texto que se julga constantemente transparente,
submetido a uma ética que lhe seria inerente. Estão aí a concepção de
verdade e o estabelecimento de uma correspondência entre textos e relatos,
ou seja, uma visão realista. (PONTES; SILVA, 2010, p.52)
25
Transformar um acontecimento em texto jornalístico é entendê-lo como possível de
ser noticiado e essa valoração é feita com base em regras institucionalizadas com relativa
unanimidade dentre as diversas teorias do jornalismo. Em síntese, Alsina (2009) apresenta dez
regras de seleção de notícias: fatos de interesse humano5, nos quais quem recebe a informação
se identifica como personagem; protagonistas de sucesso pessoal, isto é, pessoas
desconhecidas do público protagonizam situações de superação ou sucesso semelhantes a
histórias ficcionais; a novidade; o exercício dos poderes político, econômico, judicial etc.; a
anormalidade6 de condutas sociais; a violência e o sofrimento das pessoas diante desses fatos,
etc.
Na busca proposta neste trabalho por entender como o jornalismo contribui para
manter ou gerar novas condições sociais, esses critérios que se tornaram tendência com a
massificação da mídia, em um primeiro momento, podem remeter a um possível
distanciamento de valores sociais, como a cidadania7, num sentido de promover o seu
exercício. A matriz profissional, entretanto, ainda parece estar centrada no jornalismo com
esta finalidade, como se verá a respeito do interesse público adiante, ainda que, na prática, se
revele mais preocupada com o que é mais atrativo, como se pode notar pela descrição das
regras de seleção de notícias citadas.
Apesar dessas reflexões funcionais sobre o jornalismo, para Alsina (2009), o
paradigma dos acontecimentos jornalísticos ainda é o fato. Porém, com o surgimento da
imprensa de massas e, com isso, a inserção da notícia em uma lógica industrial de produção
em larga escala para atendimento das demandas, segundo Pontes e Silva (2010, p.59), surge
5 Segundo Motta (2006), o termo interesse humano será abordado neste trabalho conforme conceituado por
Motta. Para o autor, as notícias de interesse humanos são aquelas que permitem uma abordagem textual mais
literária, podendo se entregar às metáforas. Trata-se de relatos jornalísticos descritivos sobre temas humanos,
tragédias pessoais ou coletivas, sobre animais e lugares, etc., mas com certa liberdade de linguagem: “a dinâmica
narrativa temporal pode esvaecer os efeitos de real e estruturar-se enquanto enredo” (MOTTA, 2006, p.51).
6 Foucault (2001) faz uma antropologia da origem da conduta anormal e atribui a ela uma origem em três formas
de indivíduo: o monstro, o incorrigível e o masturbador. Para ele, cada período histórico constitui formas de cada
um destes tipos de anormais porque dependem do contexto nos quais surgem. O monstro é o modelo por trás das
pequenas anomalias, desvios e irregularidades dos séculos mais recentes. Em síntese, o monstro é o que combina
o impossível com o proibido, podendo ser aquele que infringe a lei, aquele que infringe a natureza (gêmeos
siameses etc.) ou aquele que desrespeita o pacto social, ou seja, coloca os interesses pessoais acima dos
interesses sociais. O incorrigível surge no contexto familiar, infringindo as regras consideradas normais naquele
ambiente. Da mesma forma, o masturbador é aquele que, em qualquer contexto, ultrapassa o limite do que é
considerado sexualmente normal.
7 Para Rezende Filho (2008), o significado clássico de cidadania sugere participação política, mas o conceito
evoluiu e se relaciona também a uma concepção de direitos e deveres da sociedade para com o cidadão e vice-
versa.
26
uma concepção de que é possível fazer uma cópia do acontecimento para o texto,
demonstrando um abandono, ao menos do ponto de vista do profissional, do potencial
narrativo a partir do acontecimento.
Ainda assim, quase que inconscientemente, os jornalistas continuam a
reproduzir as histórias de fundo simbólico e mítico que permeiam as relações
humanas e estruturam a literatura. O jornalismo informativo ainda privilegia
o desastre, o assassinato, o acidente, os heróis e vilões, as “voltas por cima”,
o honesto que sobe na vida, a mãe desesperada, o romance que acaba em
desgraça, conto de fadas, os fait divers. (BIRD e DARDENNE, 1988, apud
PONTES e SILVA, 2010, p.59)
A partir desses novos valores que priorizam o entretenimento do público, a perspectiva
do que vem a ser a função do jornalismo enquanto uma atividade com obrigação moral e
social mais ampla passa a ser questionada, pois “servir o leitor passa a ser mais do que uma
função social, torna-se uma atividade lucrativa” (AMARAL, 2003, p.1). Neste sentido, Meyer
(2007), tomando como base o contexto norte-americano, explica que durante a maior parte do
século XX, os jornais eram empresas familiares que estabeleciam uma política mais focada
em participação no mercado do que em obtenção de lucro, mas com a transformação destas
empresas em grandes organizações, houve um processo de monopolização. O autor aponta
que desde então a participação no mercado deixou de ser uma preocupação e mesmo que, com
isso, o jornalismo tenha se tornado uma prática voltada ao lucro, ainda há certo senso de
compromisso social.
Estas mudanças nas organizações jornalísticas trazidas com a urbanização e os
avanços tecnológicos fizeram com que o conceito de acontecimento jornalístico abarcasse
outros tipos de fatos (ALSINA, 2009). Segundo o autor, não se perdeu a concepção
antropocêntrica do acontecimento, mas outros personagens passaram a fazer parte da
construção da realidade na notícia. Os personagens anônimos da sociedade passaram a ter
lugar nos acontecimentos descritos pelo jornalismo.
No Brasil, esta tendência pode ser exemplificada com a reforma editorial promovida
no jornal Correio Braziliense8 pelo jornalista Ricardo Noblat, durante sua gestão como diretor
8 “O Correio nasceu junto com Brasília. Na noite da véspera da inauguração da cidade, antes de ir para a missa
em ação de graças pela nova capital, a primeira-dama, Sarah Kubitschek, inaugurou o Correio Braziliense e a
TV Brasília. A primeira edição do Correio Braziliense foi publicada no mesmo dia em que a cidade de Brasília
nasceu, em 21 de abril de 1960. Nesse primeiro número, o jornal saiu com 96 páginas – 16 feitas em Brasília e
80 no Rio de Janeiro. A tiragem foi de 30.000 exemplares. O ex-diretor de redação do Correio, Luiz Adolfo
Pinheiro, observou que a tiragem era impressionante para a época, em texto no caderno especial do Correio
27
de redação, entre os anos de 1994 e 2001. Para entender como o jornal chegou ao ponto desta
mudança, em um breve retrospecto histórico, Benevides (2013) afirma que o Correio passou
por fases: a primeira delas, o autor chamou de oficialista. Isto porque desde sua criação em
1960, até meados de 1970, o conteúdo do jornal tratava de promover a importância da nova
localização da capital e do cotidiano da classe média, baseando-se prioritariamente em
declarações e iniciativas das autoridades.
Segundo Benevides (2013), a partir de 1974, com a entrada de um novo editor-chefe,
outras mudanças ocorreram. A cobertura política foi fortalecida, tornando-se mais ágil e
polêmica. Houve ampliação das coberturas, para dar maior amplitude nacional, com teor mais
analítico e interpretativo, além de uma tentativa de se aproximar do leitor. Todas essas
gradativas reformas culminaram na principal delas em 2001, com Ricardo Noblat.
Para Chiarini (2000), o objetivo de Noblat era que o jornal tivesse mais alcance
nacional, mas, ao mesmo tempo, conservasse sua marca local e identificação com Brasília.
Assim, segundo a autora, a seleção de acontecimentos pelo jornal passou a privilegiar a ideia
de surpreender o leitor com mais notícias exclusivas, narrativas criativas e mais espaço para
temas do cotidiano. Outro objetivo, Chiarini (2000) aponta, foi atrair pessoas que não liam
jornais, para formar um novo público. Para corroborar o argumento, ainda que em outro
contexto social, Meyer (2007) destacou que houve um declínio dos leitores de jornal, com o
envelhecimento do público com maior hábito de leitura, que era formado por aqueles nascidos
após a Segunda Guerra Mundial. Assim, os jornais precisaram se reinventar, não só para
manter seus públicos, mas ampliá-los.
É possível perceber que o que é acontecimento no jornalismo é uma definição flexível
que depende do contexto social e dos objetivos de cada jornal. No entanto, de um modo geral,
há um conjunto de normas que orienta a atividade jornalística para a determinação e seleção
dos acontecimentos que irão constar nos jornais. Estas normas, tratadas na teoria e na prática
como critérios de noticiabilidade ou valores-notícia se adaptam às demandas sociais, embora
algumas sejam mais duradouras do que outras. Por esta perspectiva, este trabalho continua a
mapear esses critérios, para entender a recorrência de manifestações de outros valores
observados a partir das mudanças estruturais do jornalismo.
datado de 4 e 5 de outubro de 1992 e dedicado ao fundador do jornal, Assis Chateaubriand” (CHIARINI, 2000,
p.9).
28
1.3. Critérios de seleção de acontecimentos jornalísticos
É uma inquietação recorrente na literatura jornalística buscar entender o que leva um
acontecimento a ser transformado em notícia, em detrimento de outros tantos no universo da
realidade. Para aprofundar a questão, Silva (2013) parte do entendimento de que o processo
noticioso se constitui de uma cadeia que vai da infinidade de acontecimentos à imagem do
produto jornalístico para o público. Neste processo, a elaboração da noticiabilidade é definida
por um único fator: tornar as informações espalhadas pelo mundo em algo inteligível.
Partindo desse ponto, Silva (2013) avalia que, dentre os inúmeros valores-notícia formulados
pelas diversas teorias e autores, o que torna um acontecimento noticiável é a sua capacidade
de se enquadrar em um maior número de critérios possível.
Dentro desta perspectiva, entende-se que o período histórico, demandas sociais,
interesses corporativos e institucionais, anunciantes, dentre outros fatores, são determinantes
na definição dos valores-notícia. Contudo, independentemente disso, a probabilidade de um
acontecimento ser levado ao estatuto de notícia dependerá da sua pontuação máxima de
atendimento aos critérios (GALTUNG & RUGE, 1999 apud SILVA, 2012, p.36). De tal
modo que a questão mais problemática está em entender quais são os critérios social e
institucionalmente mais valorizados.
Isto posto, torna-se importante percorrer um resgate histórico de como as primeiras
manifestações noticiosas selecionavam os acontecimentos que tomavam notoriedade na
sociedade, para se compreender os critérios de noticiabilidade contemporâneos. Assim, é
possível verificar quais são os critérios remanescentes de seleção de notícias, ou seja, aqueles
valores que sempre foram tomados como preponderantes e por que a importância destes
persiste. Além de determinar quais são os novos valores que vêm se tornando tendência na
atividade jornalística.
Traquina (2008) classifica como os primeiros registros informativos, que datam do
século XVII, as chamadas “folhas volantes”. Eram formas primitivas do jornal diário, não
possuíam regularidade de publicação e eram dedicadas a um tema específico. Em geral,
tratavam de avisos de cunho moralista, servindo especialmente a propósitos religiosos.
Entretanto, parte dessas folhas simples de informação retratavam acontecimentos sociais,
cujos tipos eram priorizados: notícias sobre assassinatos, celebridades, milagres, feitiçarias e
as recorrentes guerras. Havia também nessas publicações uma predileção pelos protagonistas
sociais – aqueles que tinham mais destaque na sociedade, como os nobres e outros integrantes
29
da elite social –, em detrimento dos acontecimentos de interesse local, relacionados à vida
cotidiana das classes sociais constituídas de indivíduos de menor poder financeiro ou que não
faziam parte da nobreza ou outro grupo de prestígio social. Segundo o autor, estes fatos locais
eram geralmente esquecidos.
Ainda no século XVII, Traquina (2008) aponta que, na Europa, começaram a surgir os
primeiros jornais, com publicações regulares. Nesse período, a atividade jornalística, em
geral, tratava os assuntos como forma de ferramenta política. Os assuntos abordavam
invariavelmente ste tema, priorizando o comentário e a opinião. Este perfil jornalístico
dominado pelo polo político perdura por todo o século XVIII, até o aparecimento da imprensa
chamada penny press nas primeiras décadas do século XIX. Schudson (2010) explica que o
nome desta forma de imprensa se refere à ampliação da circulação e, consequentemente, da
popularidade dos jornais por ela produzidos, uma vez que eles eram vendidos a um penny
(centavo) e não seis, como os jornais mais políticos.
Os jornais da penny press eram chamados penny papers e davam espaço às notícias
locais sobre histórias e fatos surpreendentes que beiravam o sensacionalismo. Segundo
Schudson (2010), o primeiro penny paper foi o New York Sun, que teve sua primeira edição
publicada em 3 de setembro de 1833. A partir daí, a imprensa penny se expandiu para outros
mercados jornalísticos nos EUA e
conseguiu assim redefinir a notícia de maneira a satisfazer os gostos, os
interesses e a capacidade de compreensão das camadas menos instruídas da
sociedade. Até a época da “penny press”, as notícias versavam apenas
assuntos políticos e econômicos, e o respectivo comentário. O discurso
parlamentar, as cotações da Bolsa, o câmbio, os conflitos militares, as
informações comerciais preenchiam o conteúdo da imprensa. O New York
Sun não só dava essas informações de forma acessível, como enchia as suas
páginas com outros assuntos: histórias de crimes, escândalos, tragédias,
notícias que o homem comum achava interessantes ou divertidas
(TRAQUINA, 2008, p. 67).
O surgimento desse tipo de imprensa marca, explica Traquina (2005), a transição do
jornalismo de opinião para o jornalismo de informação. Já na segunda metade do século XX,
os valores que marcaram a seleção de fatos noticiáveis ao longo da evolução das formas de
jornalismo desde as “folhas volantes” e perduraram até o referido século são as “qualidades
duradouras”, cuja importância é verificada pela utilização ainda necessária e recorrente.
É possível perceber neste breve retrospecto que os valores-notícia não sofreram
alterações muito notáveis ao longo de quatro séculos. Tanto que, conforme apresentou
30
Traquina (2008), o New York Sun, apesar de marcar um modo diferente de produzir notícias,
não deixou de abordar assuntos de política e economia, mas passou a noticia-los de forma
mais acessível e atrativa para as classes sociais com menor hábito de leitura e menor
escolaridade. Esta reflexão é interessante porque este trabalho se propõe a investigar
semelhantes tendências em jornais brasileiros que sempre prezaram pelo noticiário mais
político e pouco popular.
Para Traquina (2005), os valores de seleção de acontecimentos noticiáveis que
remanescem na atividade profissional jornalística até os dias de hoje, encontram-se
sistematizados conforme os autores julgam ser mais coerente, pois não há uma identificação
absoluta e imutável, apenas uma concordância unânime. A regularidade dos valores-notícia ao
longo dos séculos de evolução do jornalismo revela também uma unanimidade frente aos
critérios que tornam um acontecimento relevante para se destacar dentre os demais, uma vez
que as diferenças foram notadas quando relacionadas a características sociais muito
específicas.
Traquina (2008), levando em conta todo o processo noticioso, desde a identificação
dos acontecimentos jornalísticos, passando pela seleção dos acontecimentos que serão
noticiados, até a construção da matéria jornalística, distingue os valores-notícia que são
utilizados no jornalismo moderno em valores de seleção e de construção. Os valores de
seleção estão ainda, segundo o autor, subdivididos em critérios substantivos – relacionados às
características do acontecimento que determinam sua importância enquanto notícia – e em
critérios contextuais – relacionados ao processo de cobertura do acontecimento.
O autor lista os seguintes critérios de seleção substantivos: a morte, a notoriedade, a
proximidade, a relevância, o tempo, a notabilidade, o inesperado, o conflito, a infração e o
escândalo. Do ponto de vista do contexto do fato, Traquina (2008) classifica os seguintes
critérios de seleção: a disponibilidade, o equilíbrio, a visualidade, a concorrência e o dia
noticioso. Quando parte para a classificação dos valores relacionados ao momento de
construção da narrativa noticiosa, o autor lista os seguintes critérios: a simplificação, a
amplificação, a relevância, a personalização (dar caráter mais pessoal), a dramatização e a
consonância.
Para Alsina (2009), quaisquer sejam os critérios de noticiabilidade ou valores-notícia
da atividade jornalística, independentemente da sistematização adotada, existem regras de
seleção de acontecimentos que prevalecem. Estas regras, segundo o autor, institucionalizadas
são, de forma resumida e comentada, apresentadas a seguir:
31
1) A referência pessoal, ao privado e ao íntimo: referem-se às chamadas
notícias de interesse humano. 2) Os sintomas do sucesso pessoal, da
consecução do prestígio. 3) A novidade, a “modernidade” dos fenômenos, as
últimas tendências. 4) Os sintomas do exercício do poder e a sua
representação. 5) A distinção entre normalidade e anormalidade, acordo e
discrepância, no tocante à orientação da conduta individual e sua
valorização. 6) A violência, a agressividade e a dor. 7) A consideração das
formas da competência, sob o aspecto de luta, com conotações afetivas de
competência de status e de enfrentamento pessoal. 8) Referência ao aumento
da posse na questão das receitas e bens pessoais e do enriquecimento
individual. 9) As crises e os sintomas dessas crises. 10) A observação do que
é extraordinário, do singular e do exótico. (ALSINA, 2009, p. 154-155)
As regras enumeradas por Alsina (2009) vêm a confirmar a sua própria afirmação de
que “o noticiável nos acontecimentos é tudo aquilo que tem uma valorização socialmente
assumida”. Sob essa perspectiva, é possível que, de alguma forma, as classificações dos
critérios de noticiabilidade reflitam a necessidade de se construir um discurso jornalístico que
assuma um compromisso informativo e reflexivo com a sociedade sobre a qual se fala.
Por este motivo, a revolução proporcionada pela penny press nos EUA, em termos de
circulação de jornais, representa a importância de não se privilegiar a informação apenas aos
setores elitistas, com notícias apenas políticas e econômicas. As classes sociais representadas
por indivíduos de menor escolaridade podem se interessar pela leitura e devem estar incluídas
nos públicos do jornalismo. Sob esta perspectiva que surgiu – e atualmente tem força no
mercado jornalístico brasileiro – a imprensa popular, com valores-notícia específicos para
atrair os leitores para os quais se propõe a escrever.
1.4. Os valores-notícia do jornalismo popular
Como já anteriormente mencionado, o filtro julgador do profissional jornalista para
selecionar os fatos que se tornarão notícias se baseia em determinados critérios que foram
padronizados para toda a atividade e se tornaram conhecidos como valores-notícia. No
entanto, apesar dessa padronização, os valores costumam variar e até se misturar (AMARAL,
2006). Segundo Fernandes (2012), a sistematização dos critérios depende das características
do contexto no qual a instituição jornalística está inserida, da abrangência de circulação do
jornal, da periodicidade e do público ao qual se destina.
32
Partindo desta mesma perspectiva, Amaral (2006) segmenta os jornais em dois tipos:
os populares e os de referência. É relevante conceituar a esta altura do que se trata o termo
jornais de referência. Motta (2006, p.99) os define:
Ainda que tenha havido mudanças significativas na apresentação destes
jornais nos últimos anos, eles são visualmente homogêneos e sóbrios,
discretos em sua diagramação e tipografia, carregam na informação em
detrimento das fotos e dos espaços em branco. São todos eles jornais de
referência dominante para outros jornais, para líderes políticos e para
instituições sociais. (...) Estes jornais se propõem a construir e representar a
sociedade civil por meio dessubjetivação dos fatos por mecanismos de
confrontação de pontos de vista, da neutralidade e isenção, da
profissionalização e da autonomização das redações em relação aos
departamentos comerciais.
No Brasil, Motta (2006) destaca como jornais de referência: O Globo, Folha de
S. Paulo, Estado de S. Paulo, Correio Braziliense, Zero Hora, Estado de Minas e Jornal do
Brasil. Para o autor, a definição dada é importante porque revela a postura como o leitor se
propõe a ler estes jornais. As pessoas confiam no que leem dada a isenção e objetividade que
supostamente estes jornais assumem na forma como selecionam os fatos e como os abordam.
Sob esta perspectiva as estratégias de escolhas são diferentes para os jornais de referência e
para os populares, uma vez que elas partem principalmente do público-alvo ao qual cada tipo
de jornal é direcionado.
Em um sistema de comunicação voltado para valores mercadológicos conforme o da
sociedade capitalista do ocidente, o público que irá ler ou consumir a informação precisa ser
seduzido pelo jornal, para que se interesse por ele. Não somente por este motivo, mas também
porque questões de perfil social, para cada um desses dois segmentos, o ponto de vista das
temáticas abordadas pelos jornais irá considerar o lugar econômico, social e cultural de cada
leitor.
No caso dos jornais populares, por exemplo, o enfoque primará pelas questões que
afetam a vida das classes que integram seu público-alvo, que vivem com uma renda menor,
têm menor escolaridade, maior dificuldade de integrar o mercado de trabalho e dependem dos
serviços básicos do sistema público. Assim, Amaral (2006) exemplifica que um caso de
engarrafamento será coberto sob a perspectiva do passageiro do ônibus e aumentos de
combustíveis serão noticiados pela possibilidade de aumento das passagens. Por outro lado, a
autora destaca que na imprensa de referência um fato terá maior visibilidade se envolver
33
figuras de importância social ou se gerar impactos maiores na sociedade ou ainda se
possibilitar a exclusividade da informação ao veículo que está noticiando.
Para além da questão da abordagem, Amaral (2006) aponta que três valores-notícia
preponderam no jornalismo popular: a proximidade, o entretenimento e a utilidade. A
probabilidade de um fato ser noticiado aumenta se o seu potencial de entreter o público
também for grande, especialmente se tiver apelo emocional ou de humor ou se são utilizados
recursos para se garantir a autenticidade do produto. “Interessam aos leitores das classes C, D
e E temas que digam respeito ao seu cotidiano, especialmente atendimento à saúde, mercado
de trabalho, segurança pública, televisão, futebol e as matérias conhecidas como de interesse
humano, que contam os dramas cotidianos da população” (AMARAL, 2006, p.6).
Quanto à proximidade, pode-se dizer que este critério não é uma novidade do
jornalismo popular. Fernandes (2012) apresenta em uma análise comparativa, que entre 68
diferentes critérios de noticiabilidade sistematizados por autores brasileiros, americanos e
europeus, a proximidade foi unanimemente citada. Para Amaral (2006), a diferença da
utilização desse critério no jornalismo popular está na questão de que ele é prioridade e está
ancorado na percepção de que não só a distância espacial é determinante, mas também com o
efeito promovido na vida da pessoa consumidora da informação. Isto significa que se um fato
impacta a vida ou é passível de ser comentado por alguma pessoa comum9, ele também ganha
maior chance de ser noticiado.
Ao fenômeno de dar caráter pessoal a um evento e dar luz a exigências de um
personagem que seja uma pessoa comum, Amaral (2006) chama de personalização.
Atendendo a este parâmetro, no entanto, a matéria jornalística se torna singular, podendo
fazer a história perder seu lugar em termos de contextualização com uma realidade mais
abrangente. Para a autora, com este processo, o fato social perde seu caráter histórico, porque
se distancia da lógica da qual se originou.
Por outro lado, Genro Filho (1987) afirma que esta tendência em afirmar que não há
possibilidade de contextualização da singularidade da realidade das pessoas comuns e das
pequenas comunidades esbarra na evidência de que o mundo mediado pelo jornalismo existe e
já não pode mais regredir. Isto significa que, embora consciente da efemeridade de um fato
9 Embora não exista diferenciação entre pessoas e cidadãos, os termos “pessoa comum” e “cidadão comum” são
utilizados neste trabalho para efeito de especificação daqueles cidadãos que dependem, exclusivamente, de um
ou mais dos serviços públicos básicos para sobreviverem, como saúde, educação, moradia, segurança, transporte
etc.
34
singular, no jornalismo, a representação atende a um processo de significação com base em
duas variáveis: “as relações objetivas do evento e o grau de amplitude e radicalidade do
acontecimento em relação a uma totalidade social considerada; as relações e significações que
são constituídas no ato de sua produção e comunicação” (GENRO FILHO, 1987, p.59). Esta
significação, para o autor, invariavelmente contribuem para que mesmo os fatos singulares
possam ser contextualizados historicamente e ter caráter funcionalista, ou seja, de promover
valores de cidadania.
Corroborando o argumento de Genro Filho (1987), a inscrição do jornalismo na
cotidianidade e na personalização dos fatos sociais pode ser compreendida como uma reflexão
sobre a realidade da qual se trata, considerando que é no cotidiano que o homem mostra os
seus hábitos estabelecidos socialmente e quais são as consequências de suas ações para sua
vida e para a vida alheia. Para Matheus (2011), é no cotidiano que “fazemos história ao agir,
ao sofrer a ação dos outros, ao nos omitir ou simplesmente quando não tomamos
conhecimento de um sem-número de realidades alheias. O processo histórico não poderia se
dar em outro lugar que não no cotidiano”.
Há ainda outro valor-notícia comum no segmento popular de jornalismo que é a
utilidade. A mídia assumiu para o grande público um papel de intermédio entre ele e o Poder
Público como forma de cobrar os direitos mais básicos que são alienados do cidadão.
Portanto, quando uma matéria trata de questões de saúde, educação, segurança ou outros
assuntos de caráter público, haverá maior chance de publicação e repercussão. As pessoas
buscam na mídia um manual de sobrevivência em um mundo no qual muitos de seus direitos
são privados ou até mesmo “referências de como viver à semelhança do mundo dos famosos
ou de acordo com o que os especialistas dizem” (AMARAL, 2006, p.9). Neste sentido, o
caráter de prestador de serviços no jornalismo popular é reforçado, especialmente se o
resultado for imediato e prático.
A relação do público no jornalismo popular é o que determina os valores-notícia
específicos para esta modalidade informativa. Um desses valores – que, inclusive, prepondera
sobre os demais – é o entretenimento. Este critério está diretamente ligado à necessidade do
público em usufruir de forma satisfatória da notícia, e, portanto, à capacidade da peça
informativa de trabalhar elementos sensórios que levem à diversão ou à distração. “Tudo o
que prende e atrai o olhar, seja uma cena escandalosa, ridícula ou insólita, tem potencial para
ser notícia. O conceito de entretenimento está intimamente vinculado ao da sensação e da
emoção” (AMARAL, 2006, p.5).
35
Segundo Wolf (2003), existem quatro categorias que caracterizam a capacidade de
entretenimento de uma notícia: pessoas comuns em situações insólitas – ou o inverso: pessoas
públicas surpreendidas com uma situação na vida privada –, inversão de papeis sociais,
interesse humano, feitos excepcionais ou heroicos. Ponte (2005) explica que essas categorias
se organizam em torno do melodrama. Isso ocorre, segundo a autora, porque os contextos
explorados para entreter são representações metafóricas dos conflitos sociais.
Gripsrud (1992, apud PONTE, 2005, p.64) aponta que as histórias que de alguma
forma afetam a vida cotidiana das pessoas por lhes causar sentimentos, medos, ansiedades e
prazeres, remetem a um sistema de sentido simbólico que leva pessoas comuns a uma situação
de protagonismo. Esta apresentação dá ao público uma sensação de pertencimento à realidade,
na qual suas particulares condições sejam de fragilidade, pobreza ou dificuldades físicas, são
superadas. Para Ponte (2005), a pessoa comum apresentada como protagonista para o público
pode ser transformada simbolicamente em herói, vítima ou vilão.
Historicamente, conforme Traquina (2008), é com o surgimento da imprensa penny ou
penny press nos EUA que o entretenimento passa a ser visto como uma das prioridades
informativas nas rotinas produtivas do jornalismo, ainda que sendo mais valorizado no
segmento popular. Contudo, ainda não é um consenso se o entretenimento trata apenas de um
critério de seleção de acontecimentos para tornar a notícia mais atraente ao público ou se se
circunscreve na diversão também pela abordagem e estrutura:
Os jornais não abrigam o entretenimento apenas quando abordam temas do
âmbito da distração ou do divertimento, mas também quando realizam um
jornalismo fragilizado. Ao mesmo tempo em que uma notícia sobre uma
novela ou sobre um programa como o Big Brother poderia abrigar uma série
de informações jornalísticas sobre o funcionamento da televisão no Brasil, a
teledramaturgia ou os hábitos da juventude, uma notícia sobre uma disputa
no Congresso Nacional pode apenas ficar no plano da diversão. (AMARAL,
2008, p.66)
Assim, é possível notar que, para a autora, quando a notícia de entretenimento fica
apenas no plano da diversão, é colocado em discussão seu pressuposto funcional de ampliar o
conhecimento da sociedade. Ou seja, quando as notícias feitas para entreter ficam no nível da
cotidianidade das comunidades, limitadas a tornar públicas histórias inusitadas,
surpreendentes, de dramas pessoais ou absurdos, que rompem com a barreira da regularidade
dos acontecimentos rotineiros das pessoas, sem conexão com o contexto social que as
geraram. Para Amaral (2008), caso as notícias de entretenimento fiquem neste nível, elas
36
podem contribuir para a formação de um leitor desinteressado dos temas públicos,
destituindo-o da capacidade de compreender o contexto em que vive.
Por outro lado, se a notícia feita para entreter passa pelo processo de significação
proposto por Genro Filho (1987), talvez o entretenimento possa exercer uma função social na
imprensa popular de manter o interesse público como paradigma do jornalismo. Esta
perspectiva foi antecipada pela penny press, pois, segundo Traquina (2008), esta imprensa
possibilitou nos EUA o surgimento de jornais que tanto abordavam assuntos atraentes ao
público menos letrado, como crimes, escândalos, tragédias e histórias interessantes ou
divertidas; como assuntos de interesse público. Isso permitiu, avaliou Traquina (2008), que as
informações necessárias para a formação de consciência cidadã estivesse mais acessível e
atraente à população.
1.5. O paradigma do interesse público
Para Kovach e Rosenstiel (2003), o jornalismo pode ser definido por esta função que
seus produtos exercem na vida das pessoas, ajudando-as a encontrarem suas comunidades e a
criarem uma linguagem e conhecimentos comuns baseados na realidade. Machado e Moreira
(2005) lembram que há uma relação estreita entre jornalismo e sociedade democrática quando
se entende que esta é formada por cidadãos e que o direito à informação é indissociável do
conceito de cidadania.
Assim, para Bucci (2008), a liberdade de expressão e o direito à informação integram
a base para uma democracia efetiva. O autor explica que a democracia se define pelo poder
que emana da sociedade, ou seja, é por meio dela que os cidadãos escolhem quem serão seus
representantes no poder. A democracia pressupõe que os cidadãos tenham acesso e possam
questionar e discutir os atos do governo e os temas que os influenciam na vida coletiva, além
de ter acesso para fiscalizar o poder que ela mesma delegou a um representante. É por isso
que o autor ressalta ser tão fundamental o livre trânsito de opiniões s informações.
Bucci (2008) aponta que quem é responsável por promover este livre trânsito das
ideias, das informações e das opiniões é a imprensa. Por este motivo, os princípios da
atividade jornalística foram delineados com base no direito à informação, conforme a
Constituição da República Federativa Brasileira prevê nos incisos de seus artigos quinto e 220
que é “direito inalienável dos cidadãos de comunicar-se livremente, estabelecendo vetos
explícitos a qualquer forma de censura” (BUCCI, 2008, p. 102). Para o autor, se os cidadãos
37
não puderem acessar as informações sobre seus direitos e sobre a gestão pública, eles não
serão capazes de escolher com a devida clareza seus representantes.
Segundo Cepik (2000), em outros países, os instrumentos legais de garantia do direito
à informação incluem artigos constitucionais, leis ordinárias de diferentes esferas do poder,
decretos do poder executivo e decisões jurisprudenciais. O autor cita que na Índia, em 1982, a
Suprema Corte decidiu que o acesso às informações era essencial aos direitos de livre
expressão. Já a legislação canadense prevê que é garantia legal requisitar acesso a mídias e
documentos públicos do país, com exceção de segredos governamentais que são pouco
definidos. Segundo o autor, em alguns países latinos e do leste europeu, esta solicitação é feita
por meio de um instrumento jurídico aos responsáveis a ceder as informações requisitadas.
Como se pode notar, há uma variabilidade nas normas dos países quanto o acesso à
informação. Contudo, é possível perceber também é quase unânime a concepção da
importância, ao menos nos países ocidentais, da informação para garantia da democracia e da
cidadania. Já que na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos10
existe esta
previsão. Segundo o Artigo 19 desse documento “todo ser humano tem direito à liberdade de
opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de
procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras”. Nesse sentido, o conceito de interesse público se obriga a aparecer como uma
forma de garantir que o jornalismo execute a tarefa a que se propõe: mediar a informação
entre instituições e público para que o conhecimento chegue aos cidadãos.
Martins Filho (2000) define o interesse público como “a relação entre a sociedade e o
bem comum que ela almeja, através daqueles que, na comunidade, estão investidos de
autoridade”. Entretanto, para entender de forma mais clara o conceito de interesse público, é
preciso recorrer ainda a outro termo: a Comunicação Pública (CP). A CP coloca, segundo
Duarte (2012, p.61),
a centralidade do processo de comunicação no cidadão, não apenas por meio
da garantia do direito à informação e à expressão, mas também do diálogo,
do respeito a suas características e necessidades, do estímulo à participação
ativa, racional e co-responsável. Portanto, é um bem e um direito de natureza
coletiva, envolvendo tudo o que diga respeito ao aparato estatal, ações
governamentais, partidos políticos, movimentos sociais, empresas públicas, terceiro setor e, até mesmo, em certas circunstâncias, às empresas privadas.
10 Ver em: Declaração Universal dos Direitos Humanos. UNIC / Rio / 005, Agosto 2009. Disponível em:
http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf
38
A partir deste entendimento trazido por Duarte (2012), infere-se que o conceito de
interesse público deriva da CP. Para o autor, o uso do interesse público no jornalismo está
associado ao esforço de melhorar a vida das pessoas por meio do privilégio de assuntos que
são de interesse coletivo, em detrimento de assuntos que dizem respeito a aspectos privados
ou corporativos. Sob outra perspectiva, Faria (2012) afirma que o conceito de interesse
público carrega uma concepção que não condiz com a realidade. Para o autor, a ideia do
termo não unifica as diversas demandas que existem na competição e apropriação do que é
público, porque neste entendimento, o que é privado também poderia ser legitimamente de
interesse público. Assim, o autor explica que “o interesse público não existe em si, ou por si
mesmo, mas trata-se de um emaranhado de interesses, de confrontos discursivos, ancorados
nos processos sociais em curso” (FARIA, 2012, p.175).
De modo geral, Kovach e Rosenstiel (2003) apontam que as pessoas precisam de
informação devido a uma necessidade humana que as fazem ficar interessadas com o acontece
no restante do país e em todo o mundo. Da mesma forma, elas precisam estar cientes de fatos
desconhecidos que não fazem parte de suas experiências pessoais, porque isto dá segurança
para que possam administrar suas próprias vidas. Esta relação simbólica pode dar pistas de
que por meio destes instintos, independentemente do tipo de interesse em torno da seleção e
construção das informações jornalísticas, a mídia pode transmitir valores sociais de
democracia e cidadania, o que é, em outras palavras, priorizar o interesse público.
Neste caso, para que a imprensa possa resolver a ambivalência das demandas de
interesses, bem como oferecer amplo acesso de informações ao cidadão para promover a
democracia, Faria (2012) coloca que é preciso resolver algumas questões. Dentre elas, o autor
enumera como fundamentais priorizar a transparência em relação aos procedimentos e rotinas
da mídia e a obediência ao princípio do pluralismo. As questões incorrem uma na outra, o que
significa dizer que a seleção de acontecimentos e construção das informações jornalísticas
devem atender a regras que priorizem sempre a pluralidade de vozes, já que, conforme afirma
o autor, “democracia é pluralismo, diversidade, diálogo, admissão de conflitos, respeito aos
dissidentes e à divergências” (FARIA, 2012, p.178).
O cenário jornalístico atual, contudo, aponta que os procedimentos de construção das
informações, ou seja, os valores-notícia, aparentemente, não se restringem às prioridades
colocadas por Faria (2012). Estes valores variam até mesmo para levar à veiculação
conteúdos de entretenimento, que nem sempre atenderão à expectativa da pluralidade de
39
vozes ou mesmo de garantir informações com a intenção de promover a democracia. Isto
significa dizer que os produtos jornalísticos e a forma como são feitos também atendem à
demanda do próprio público. Esta concepção é trazida por Vidal (2009) como interesse do
público e remete a um caráter dualístico, conforme descrito por Faria (2012), ao afirmar que a
imprensa produz tanto um bem social, que é a informação; como uma mercadoria, que é a
notícia vendida pelos jornais.
Vidal (2009) enumera como categorias que definem os valores-notícia do interesse do
público, as histórias de pessoas em situações insólitas ou homens públicos na vida privada,
histórias em que há inversão de papeis, histórias de interesse humano e histórias de feitos
excepcionais ou heroicos. Assim, a autora delimita os seguintes valores-notícia: beleza,
curiosidade, dramaticidade, esportes, lazer, notoriedade e polícia. Estes critérios, a partir da
concepção dualística de Faria (2012), agregam valor de venda aos jornais, porque torna as
notícias mais atraentes ao público.
Por outro lado, Vidal (2009) avalia também que as notícias de interesse público vão
considerar como critério principal, se a informação a ser transmitida poderá contribuir para o
desenvolvimento intelectual, moral e físico do cidadão para que ele possa exercer a cidadania.
Neste caso, os critérios delimitados pelo interesse público, segundo a autora, são: ciência e
tecnologia, cultura, economia e trabalho, educação, governo e poder, meio ambiente, saúde,
social e utilidade. Tais critérios favoreceriam, portanto, o caráter da informação como bem
social produzido pela imprensa.
Com base no mercado norte-americano, Meyer (2007) avaliou que, com a perda dos
leitores habituais, com os avanços tecnológicos e a consequente migração do público para as
informações veiculadas nos ambiente digitais, muitos jornais passaram a realizar o que ele
chamou de estratégias de colheita, que é atrair o público a todo custo, independentemente de
seu nível social. Apenas para se manterem no mercado, ainda que por tempo determinado.
Desse modo, muitos jornais vêm se utilizando dos valores-notícia determinados pelo interesse
do público, sem vincula-lo ao interesse público.
É possível ainda, entretanto, que a atividade jornalística não tenha perdido a busca
priorizar o caráter de bem social da informação, se for considerado o modo como a narrativa
constrói a realidade dos acontecimentos. Isto é, conforme citado anteriormente a partir do
proposto por Genro Filho (1987), se há na notícia um processo de contextualização com a
realidade social dos acontecimentos selecionados, bem como um compromisso com a
pluralidade de fontes, segundo propôs Faria (2012), é possível que haja uma reflexão a partir
40
dessa notícia resultado da intenção da mídia de priorizar o interesse público. É com base nesta
possibilidade que este trabalho pretende analisar as novas tendências do jornalismo.
2. NOVAS TENDÊNCIAS NO JORNALISMO
Em termos de leitores assiduamente diários, houve uma queda notável na circulação
de jornais de muitos mercados nos últimos tempos. Atribui-se a este fato, as mudanças
estruturais na construção das notícias pelas quais tem passado o jornalismo (SANT’ANNA,
2008). Segundo Meyer (2007), foi a partir do envelhecimento da geração dos chamados baby
boomers, aqueles que nasceram após a Segunda Guerra Mundial, que esta tendência de
declínio passou a ser notada, porque os jovens não leem tanto jornais quanto os mais velhos.
Confirmando tal constatação, Sant’Anna (2008) mostra em sua pesquisa que, no Brasil, o
número de exemplares de jornais por adultos na população brasileira teve uma queda de 29%
entre 2001 e 2005. Por outro lado, o autor avalia que o que houve foi um deslocamento do
tempo dedicado à leitura de jornais e revistas de grande circulação para jornais locais, revistas
especializadas e para a internet.
Meyer (2007) aponta que mesmo que as inovações gráficas e de diagramação
contribuam para melhorar a qualidade do material informativo, a principal resposta dos
jornais à ameaça da tecnologia substituta – a internet – tem sido reduzir custos e aumentar
preços. Contudo, segundo o autor, esta estratégia pode colocar em risco a influência, a
credibilidade do jornal no mercado e a visão de um jornalismo voltado para atender aos
interesses das comunidades. Embora os anunciantes resistam à noção de que uma das funções
das empresas jornalísticas é prestar serviços à sociedade, o autor revela que tem havido uma
tentativa de compatibilizar lucro com interesse público.
A pressão sobre um proprietário de um jornal também vem dos seus principais
leitores, uma vez que a informação pública transmitida por este veículo é básica para a
comunidade em que atua, tanto pelo alcance dos anúncios quanto pela influência social
(MEYER, 2007). Assim, o autor indica que, ao expandir o mercado de influência do seu
negócio para manter a lucratividade, o proprietário da empresa deve ter um olhar cuidadoso
com o perfil dos novos públicos-alvo.
Estes novos alvos de influência dos jornais podem incluir comunidades divergentes
das comunidades para as quais o jornal já está habituado a se direcionar. Dessa forma, os
jornais de grande circulação, ou jornais de referência, passam a adotar novos critérios na
41
elaboração de notícias. Com a queda no número de leitores, os comunicadores têm tentado
estratégias para atrair a atenção de outros, uma delas, revela Meyer (2007), é tornar o
conteúdo mais chocante.
No Brasil, Abreu (2003) fala também da exploração do critério de “utilidade social”
nos jornais de referência, desde o período de redemocratização. A autora esclarece que a ideia
de responsabilidade social da mídia sempre existiu, definida como uma noção “que atribuía
aos jornalistas o dever de assumir os efeitos e as consequências de seus aros profissionais
junto ao público – era o princípio anglo-saxão da imputabilidade” (ABREU, 2003, p.30). Isto
significa que o jornalista sempre esteve passível de ser responsabilizado pelas mudanças
sociais influenciadas pela mídia. A utilidade social, por sua vez, aparece para expandir este
conceito, atribuindo ao jornalismo um papel de servir ao seu leitor.
Esta nova tendência se manifesta em mudanças estruturais das narrativas jornalísticas,
isto é, em escolhas e ações que atendam diretamente os interesses dos cidadãos, no que tange
à construção jornalística dos fatos. A utilidade social passa a ser um fator também norteador
dos critérios de seleção dos acontecimentos que serão transformados em notícia. Neste
sentido, Abreu (2003) afirma que o jornalismo assume, portanto, um papel de intermediar as
questões sociais entre Poder Público e cidadãos, já que
o conceito de "utilidade social" identifica a ação jornalística como tendente a
servir aos interesses concretos dos cidadãos e a responder às preocupações
dos leitores ou da audiência referentes a emprego, habitação, educação,
segurança, qualidade de vida etc. Esse seria o " jornalismo cidadão"
(ABREU, 2003 apud WATINE, 1996, p.30)
Ainda no contexto nacional, Sant’Anna (2008) revela que o número de jornais em
circulação e a amplitude alcançada é que geram o equilíbrio entre o lucro necessário para o
jornal se manter no mercado e a busca da influência. É a mesma ideia aplicada ao equilíbrio
entre o investimento em qualidade e a rentabilidade. Nesse caso, o elemento da influência
trazido pelo autor se refere à qualidade do jornal, dentro daquilo que o público espera ler, ou
seja, o interesse do público.
Segundo Sant’Anna (2008), se antes o alto poder aquisitivo do público dos jornais de
referência eram determinantes para um conteúdo e linguagens mais politizados, com a
redução do número de leitores, a exemplo do cenário descrito por Meyer (2007) nos EUA,
esses jornais têm buscado atrair novo público. Outros fatores são tomados como base
determinante, dentre os quais, a capacidade de entretenimento de uma notícia. Sendo assim,
42
notícias de interesse humano, como as fantásticas e os fait divers, têm sido mais priorizadas
por estes jornais, como será trabalhado adiante.
2.1. O fantástico nos jornais de referência
Os estudos analisados anteriormente a respeito da relação entre acontecimento e
construção de narrativas factuais, nas quais se incluem a histórica e a jornalística, apontaram
que, dentre tantos critérios, em primeiro se destaca o critério da diferença. Isto significa que
dentro de uma regularidade na realidade, tanto o jornalismo quanto a história tendem a relatar
acontecimentos que desviaram do padrão até então observado. Esta delimitação abrangente
poderia causar um dilema na conduta jornalística, uma vez que desta forma ficam inclusos
também aqueles assuntos que rompem com a ideia fundamental de descrição objetiva, como
por exemplo, o fantástico. O fantástico e os fait divers são as categorias do universo do
entretenimento a serem compreendidas e identificadas nos jornais por meio desse trabalho.
Na literatura, segundo Motta (2006), o fantástico designa a abordagem de uma
situação na qual o sobrenatural é condição fundamental para que seja considerado um gênero.
O autor define esta categoria de objeto narrativo como aqueles acontecimentos que ocorrem
de forma inesperada e que, em um primeiro momento, não parecem apresentar razões lógicas
para sem compreendidos e explicados, são insólitos. Diferentemente, os fait divers, que
caracterizam as notícias inesperadas, mas que apresentam explicações plausíveis dentro da
lógica, são considerados apenas incomuns. Por isso, não é um desafio para a narrativa literária
abordar o fantástico, já que a liberdade nesta forma prevê a descrição ficcional. Por outro
lado, no jornalismo, o preceito de verdade faz com que o jornalista tenha dificuldades de
descrever objetivamente o fato fantástico, porque
o jornalismo é uma versão da realidade elaborada pelas práticas profissional
e textual. Narra o que vê de acordo com um ponto de vista ideológico, a
consciência, formação e limites da cultura do repórter, além de seguir as
regras da empresa. A questão da objetividade se choca diretamente com
aquele que se entende por fantasia. Como lidar com o que não pode ser
relatado ou narrado como “fato normal”? A metafísica, o anormal, o
“paranormal”, o “esquisito”, o que está fora das regras da física, pode se
adequar aos padrões da objetividade e clareza solicitados pelo jornalismo
moderno? (CASTRO et al, 2013, p. 62)
Sendo assim, seria de se questionar o porquê de o jornalismo se render à escolha de
acontecimentos fantásticos para veicular já que isso parece fugir da proposta da narrativa
43
jornalística que é, conforme já abordado, informar para dar suporte ao conhecimento das
pessoas (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003). Este questionamento pode ser respondido quando
se considera alguns dos critérios de noticiabilidade descritos por Traquina (2008). Segundo o
autor, ao pensar uma narrativa noticiosa, o jornalista deve pensar também de acordo com a
perspectiva do que o público quer ver ou ler. Assim, somam-se ao interesse, a relevância e a
personalização do fato, como critérios para o escolherem como um acontecimento fantástico.
A percepção de que o elemento insólito, característico do fantástico, dá ao fato uma
ideia de inexplicável em um plano imediato, pode também suscitar um segundo
questionamento a respeito do “efeito de real” pretendido pela narrativa jornalística, conforme
falado no início deste trabalho. Contudo, Motta (2006, p.60) explica que “a experiência do
fantástico tem mais a ver com o real e está entrelaçada com o cotidiano da vida, mas a
comparação com o jogo11
ajuda a perceber o ‘afastamento provisório da realidade”, o que
seria uma forma de compreender o cotidiano social por meio do lúdico. Em decorrência disso,
um terceiro e último questionamento pode ser levantando no sentido de entender por que os
jornais optam por estas notícias mesmo que elas desafiem a objetividade do tratamento
linguístico destas narrativas. Neste sentido, o autor sugere que o objetivo dessa escolha parece
ser justamente suavizar, entreter, dar densidade informativa ao noticiário.
Motta (2006) delimita formas ou cinco categorias de manifestação do elemento
fantástico no texto jornalístico: o fantástico-estranho, a causalidade imaginária, o fantástico
cômico, o bestiário fantástico e o grotesco. Conforme análise do autor, fantástico-estranho é
definido como o evento improvável de ocorrer, é inusitado, precisa de uma lógica incomum
para ser explicado, aberrações surpreendentes e exceções às regras; também se refere a relatos
de causas fortuitas, como sorte, acaso e coincidências. O segundo, a causalidade imaginária é
definida pelo autor como eventos que têm seus rumos alterados devido a causas reais, mas
que por serem pouco lógicas e implícitas, remetem a uma explicação imaginária, como ao
milagre ou ao destino. O fantástico cômico é determinado pelos eventos que tratam de
desconcertos da vida, ou seja, situações que de tão inverossímeis acabam sendo engraçadas se
transformadas em notícia. A quarta categoria, que é o bestiário fantástico, relata
acontecimentos que podem gerar nas pessoas associações a símbolos cósmicos ou espirituais.
Por fim, Motta (2006) fala do grotesco, uma categoria de relatos jornalísticos que tratam das
11 Motta (2006, p.60) compara a experiência do fantástico causada pela narrativa jornalística a um jogo de azar,
pois os jogadores se separam momentaneamente do cotidiano para viverem uma realidade separada, onde há
uma lógica diferente, que não é usual no “mundo real”.
44
estéticas corporais dos indivíduos que fogem de padrões sociais, de maneira irônica e
divertida.
Muito comum no jornalismo popular, por se tratar de entretenimento, o fantástico
garantiu vez ou outra as páginas de alguns jornais de referência brasileiros12
. Neste caso, nota-
se ainda mais o efeito da densidade informativa, uma vez que estes jornais costumam veicular
um maior número de notícias mais voltadas para temas políticos, econômicos e sociais. Para o
autor, a pouca frequência com que esses jornais de referência costumavam veicular estes tipos
de notícias se deve ao distanciamento a que elas levam da imagem de legitimidade que estes
jornais construíram para seus leitores. Contudo, este cenário tem mudado.
A partir de dados de pesquisa, Sant’Anna (2008) afirma que o número de exemplares
de jornais em circulação tem diminuído, por outro lado, o número de títulos aumentou.
Segundo dados da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), 13
de fato, a circulação teve uma
queda de 2012 para 2013. Isso significa que há um maior número de jornais locais
concorrendo com os jornais de grande circulação em suas comunidades de origem. Para
Fernandes (2013, p.150), isto vem ocorrendo porque, “do ponto de vista do leitor, nada pode
ser mais susceptível de interpretação no seu contexto sociocultural do que os fatos locais
vivenciados por ele”.
Vale ressaltar também que, dentre os 10 maiores jornais brasileiros listados no ranking
2013 de circulação realizado pela ANJ, cinco são jornais populares (Super Notícia em 1º
lugar, o Extra em 5º lugar, o Daqui em 7º, o Correio do Povo em 9º e o Aqui em 10º). A
estatística reforça a tese de que o jornalismo popular vem ganhando cada vez mais espaço e
concorrendo diretamente com os jornais de referência. Como observou Fernandes (2013), está
na essência dos jornais locais, promover, de algum modo, a interação da comunidade, longe
do mercado das grandes notícias.
Assim, Meyer (2007) sugere, em sua pesquisa, que alguns jornais de referência
passaram a publicar outros tipos de notícia, como assuntos polêmicos, para garantir maior
proximidade com a comunidade e assim fortalecer a sustentabilidade da circulação. É o que o
autor chama de elevar a credibilidade do jornal no mercado no qual se originou. Estes
resultados podem ajudar a entender porque os jornais de referência têm procurado utilizar
12 A pesquisa de Motta (2006) foi feita por meio da análise de notícias publicadas ao longo da década de 90 nos
jornais Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e O Globo.
13 Em 2012, a circulação nacional (milhões de exemplares/dia) foi de 8,802. Já em 2013, a circulação foi de
8,477.
45
notícias para entreter – como as do fantástico – em seus diários impressos, assim como fazem
os jornais populares locais, para atender aos interesses do público.
2.2. Fait divers e sensacionalismo
Conforme analisado até aqui, atendendo à demanda do público pelo entretenimento, o
jornalismo de referência tem passado a cobrir com maior frequência fatos centrados na base
do humor, do espetáculo e da emoção. Além daqueles que representam a categoria do
fantástico como um dos valores-notícia de entretenimento trabalhados neste estudo, há
também os fatos representados por todos aqueles acontecimentos que representam escândalo,
curiosidade e tudo o que é incomum. Estes foram chamados de fait divers ou fatos diversos
por Roland Barthes (2007, p.57). Caracterizados pela exploração da emoção, estes recursos
editoriais para chamar a atenção e atrair leitores, tornaram-se sinônimo da imprensa popular e
sensacionalista porque aparentemente se distanciam da noção, “tanto de jornalistas quanto
daqueles fora da área jornalística, de que a narrativa jornalística deve ter uma obrigação moral
e social mais ampla” (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003). Esta obrigação se refere ao conceito
de promover a cidadania.
Os valores-notícia que definem categorias de informação no segmento popular do
jornalismo, a exemplo do entretenimento, acabam sendo questionados por explorarem
vertentes aparentemente pouco vinculadas ao interesse público, como se configurassem uma
tendência narrativa nova. Contudo, a principal dessas classificações, o fait divers, não é um
fenômeno recente. Esta definição se refere a um tipo de notícia ou categoria narrativa que
remonta a manifestações linguísticas medievais, anteriores ao advento da mídia impressa
(RAMOS, 2004, p.124). No entanto, Dion (2007, p.126) afirma que até o século XIX, as
narrativas dos fait divers versavam sobre uma forma de espetáculo popular, em que o público
participava oralmente, conforme explica:
A conversa, é evidente, foi o primeiro modo de difusão das notícias. Mas
para se espalhar entre o público, ainda era preciso que esta informação
encontrasse seus lugares de troca privilegiados, seus circuitos de transmissão
regulares e é naturalmente no século XVII, com o impulso do comércio e o
desenvolvimento das grandes feiras, que estas estruturas indispensáveis se
fixaram. As notícias eram transmitidas nos mercados onde as pessoas se
reuniam para fazer compras e ao mesmo tempo informar-se sobre o que se
passava no vasto mundo. (DION, 2007, p. 126)
46
Segundo a autora, esta marca da oralidade na informação dos fatos diversos
permaneceu, mesmo com a popularização da mídia impressa. Mesmo passando do consumo
coletivo ao individual, esta forma noticiosa estaria relacionada ao que a autora chama de um
pretexto para o verdadeiro espetáculo. Por este motivo, Ramos (2004, p.124) define o fait
divers como a própria informação sensacionalista, por se caracterizar pela exploração de
conflitos que apelam para a emoção do receptor do conteúdo. O autor cita que esta categoria
inspirou, inclusive, obras literárias de autores expoentes na categoria de novelas, como
Flaubert e Stendhal.
A evolução das plataformas midiáticas, como o rádio, a televisão e a internet,
industrializaram a produção informativa porque o alcance de quase toda a população a esses
meios de comunicação favoreceram a corrida pela audiência. Estes novos padrões, voltados
para a questão econômica, alteraram a prática da produção jornalística (VIDAL, 2009). A
estética sensacionalista passa de um fenômeno fundamentalmente literário para um fenômeno
onipresente nos noticiários. Explorar os conteúdos que despertem emoção nos leitores e
espectadores é um recurso que atrai e, consequentemente, gera audiência.
Sendo um recurso já amplamente explorado pela mídia e até antes dela, Barthes (2007)
sistematiza a estrutura do fait divers, mesmo ainda antes do fenômeno de industrialização dos
meios de comunicação. A característica apontada pelo autor como a principal desta forma
noticiosa é a imanência. Isso significa que esta estrutura esgota seu sentido e significado nela
mesma, conforme explica:
Ele contém em si todo seu saber: não é preciso conhecer nada do mundo
para consumir um fait divers, ele não remete formalmente a nada além dele
próprio. Evidentemente, seu conteúdo não é estranho ao mundo: desastres,
assassínios, raptos, agressões, acidentes, roubos, esquisitices, tudo isso
remete ao homem, a sua história, a sua alienação, a seus fantasmas, a seus
sonhos, a seus medos. (BARTHES, 2007, p. 58-59)
Em sua classificação, sobre como os fait divers se estruturam na narrativa jornalística,
Barthes (2007) demonstra que a narrativa pode ser reduzida a dois tipos: a causalidade e a
coincidência. Os acontecimentos que dariam origem ao tipo da causalidade seriam aqueles
que romperiam com a normalidade das relações de causa, ou seja, aquelas situações em que o
acontece é o inesperado – que Barthes (2007, p.60) chama de causa perturbada – ou quando o
que acontece é o esperado, porém envolve personagens que podem gerar drama, como idosos
ou crianças – que é chamado de causa esperada pelo autor. Dion (2007, p.128) explica a causa
perturbada como uma forma de desequilibrar a relação de causa e efeito, isto é, quando a
47
narrativa surpreende ou espanta com algo diferente do que se espera, podendo beirar a
aberração.
Para Ramos (2004, p.59), na causa esperada, a excepcionalidade da causa perturbada
troca de posição,
desloca-se para os protagonistas, que são responsáveis pela instauração do
conflito. A dramaticidade apanha três tipos de sujeitos básicos: criança, mãe
e idoso. Eles mimetizam os diversos ciclos do processo do existir humano. A
criança, a mãe e o idoso simbolizam a fragilidade e a pureza humanas,
decodificadas na dimensão do bem. Por suas próprias características, eles
estão revestidos de circunstâncias, pronunciadas pela dramaticidade.
Para Barthes (2007), há ainda os fait divers sobre causas inexplicáveis – ainda nas
classificações de causalidades – que são os prodígios e os crimes misteriosos. Os prodígios
são aqueles fatos que compreendem fenômenos paranormais, religiosos e relacionados a
crenças populares. Já os crimes misteriosos tratam de situações nas quais o enigma é tão
aparentemente sem solução, que o trabalho investigativo se torna, para o leitor ou espectador,
quase um romance policial.
O tipo da coincidência também se estrutura a partir da ideia da causalidade, mas se
revela em um nível ainda mais espetacular de efeitos inesperados. Trata-se daquilo que se
constrói casualmente em uma harmonia que remete ao senso comum, mas que se encaminha
para um desfecho que pode ser tanto trágico quanto absurdo, podendo levar, inclusive, ao riso.
O autor subdivide acontecimento coincidente em outros dois tipos: as repetições e as
antíteses.
Ramos (2004, p. 60) explica que a repetição é “o igual que se reproduz com
diferença”. É, portanto, um acontecimento comum no cotidiano das pessoas, mas que, ao se
repetir em demasia, torna-se estranho. Já a coincidência por antítese ocorre quando, segundo o
autor, “duas perspectivas diferentes, distantes, antagônicas, são fundidas em uma única
realidade”. Isto significa que o espanto gerado por este tipo de fato diverso reside no fato de
que o estereótipo sofre inversão e, em geral, trata-se de uma inversão com consequências
negativas, podendo estar associado à má-sorte ou cúmulo. Este autor ressalta ainda que este
tipo de consequência,
despe o homem de sua responsabilidade histórica. Conforta-o com a
responsabilidade, desculpando as suas próprias culpas. Permite-lhe regredir a
um estágio de menor idade que lhe assegura a omissão diante de seus atos. É
48
a garantia de transferir a responsabilidade para uma noção de Fatalidade.
(RAMOS, 2004, p. 60)
Na teorização de Barthes (2007) a popularização dos fait divers os transformram em
uma categoria informativa hoje chamada de notícias gerais ou informações gerais, porque,
apesar do espanto, remetem a situações comuns do cotidiano das pessoas. O autor destaca o
curto prazo como uma outra importante característica desta forma narrativa. O caráter
efêmero deste fatos, ainda que se repitam, é o que os distancia de uma informação que possa
remeter a outros conhecimentos externos, como políticos, econômicos ou sociais, uma vez
que as informações voltadas a esses assuntos são de longa duração e não são imanentes.
Para Barthes (2007, p. 59), contudo, a reflexão a partir deste gênero narrativo é
possível, “trata-se aí de um mundo cujo conhecimento é apenas intelectual, analítico,
elaborado em segundo grau por aquele que fala dos fait divers, não por aquele que os
consome”. O ponto de vista deste autor, especialmente a respeito dos fait divers, revela, para
Ramos (2001), uma ruptura com as críticas voltadas ao sensacionalismo provocado pelo
imediatismo das informações diversas, especialmente porque, para ele, a linguagem da mídia
é quase em toda a sua totalidade vinculada ao que é popular.
Neste sentido, Dion (2007) reafirma a possibilidade de uma reflexão acerca da
informação que privilegia as massas populares, retratando seus dramas cotidianos. Pois, para
esta autora, é esta característica que faz com que o leitor ou espectador possa se reconhecer,
se identificar e se projetar nas histórias mostradas pela mídia, mesmo que as vítimas e /ou
autores do acontecimento acabem ganhando fama desnecessária por meio da exploração
sensacional do fato. Ao promover esse reconhecimento, estas formas noticiosas destacam os
desvios sociais para quem neles residem e os exemplos denunciam os modelos de conduta que
são incompatíveis com o bem-estar de uma sociedade.
No fait divers, a dialética do sentido e da significação tem uma função
histórica bem mais clara do que na literatura, porque o fait divers é uma arte
de massa: seu papel é, ao que parece, preservar no seio da sociedade
contemporânea a ambiguidade do racional e do irracional, do inteligível e do
insondável; e essa ambiguidade é historicamente necessária, na medida em
que o homem precisa ainda de signos (o que o tranquiliza), mas também na
medida em que esses signos são de conteúdo incerto (o que o
irresponsabiliza): ele pode assim apoiar-se, através do fait divers, sobre uma
certa cultura; mas, ao mesmo tempo, pode encher in extremis essa cultura de
natureza, já que o sentido que ele dá à concomitância dos fatos escapa ao
artifício cultural, permanecendo mudo (BARTHES, 2007, p. 67).
49
Para Ramos (2004), o sensacionalismo não pode ser execrado pela crítica ao
jornalismo popular, porque é uma realidade. A posição institucional do jornalismo é que o
utiliza em excesso por estar submetida à lógica econômica de atrair e atender ao interesse do
público. Mesmo assim, mensagem midiática, de forma sutil ou excessiva, acaba se tornando
notável por seu signo de emoção. Com a factualidade do acontecimento que se esgota em si
mesmo, o fait divers ou sensacionalismo, não poderia ser diferente. O poder desse gênero
está, portanto, na possibilidade projetiva, mas resta a este estudo verificar por meio da
pesquisa se as associações contextuais previstas pelo ideal profissional do jornalismo de
priorizar pelo interesse público dependem apenas do consumidor da informação ou podem ser
feitas pelo jornalista.
2.3. Entretenimento x interesse público: o dilema da credibilidade
O jornalismo, ao priorizar temas irrelevantes, com enquadramentos fúteis, coloca em
discussão seu pressuposto funcional de ampliar o conhecimento da sociedade (AMARAL,
2006). Para a autora, as notícias feitas para entreter ficam no nível da cotidianidade das
comunidades, limitadas a tornar públicas histórias inusitadas, surpreendentes, de dramas
pessoais ou absurdos, que rompem com a barreira da regularidade dos acontecimentos
rotineiros das pessoas, mas sem conexão com o contexto social que as geraram. Esta
perspectiva do entretenimento como critério de noticiabilidade constitui “a imagem de um
leitor desinteressado dos temas públicos ou supostamente destituído da capacidade para
compreender o contexto em que vive” (AMARAL, 2008, p. 66).
De outro lado, se para esta autora, a mescla provoca um distanciamento do jornalismo
de sua função social porque os critérios para informação e diversão seguem lógicas distintas,
para Matheus (2011), a união de valores informativos e de entretenimento revelam um novo
modo de interação social, que compreende a comunicação como um processo no qual o valor
do jornalismo deve ser avaliado conforme outros significados. Estes podem ser avaliados
conforme outras funções que são atribuídas ao jornalismo.
Schudson (2008, apud Ferreira, 2011, p.68) elenca sete funções para o jornalismo que,
em síntese são: 1) função de informar, isto é, a notícia possui o papel fundamental de informar
o público para reafirmar o papel da imprensa na democracia; 2) função investigativa, que se
refere ao papel da imprensa de investigar a ação dos diversos agentes do poder; 3) função de
análise, por meio da qual os jornalistas fornecem quadros de interpretação que possibilitam a
50
compreensão de aspectos complexos; 4) função de empatia social, que consiste na transmissão
de histórias de interesse humano, com diversos pontos de vista e modos de vida que compõem
o mundo; 5) função de gerador de espaço público, neste sentido, a internet é o elemento mais
importante para possibilitar o cumprimento desta função atualmente; 6) função mobilizadora,
que é advogar contra ou favor de perspectivas políticas e ideológicas; por fim, 7) a função de
divulgar a democracia.
Dentro dessa perspectiva, é possível constatar que as inovações, especialmente
propiciadas pelas novidades tecnológicas, foram as principais responsáveis pelas novas
formas de perceber o jornalismo dentro do fluxo comunicacional. Isso porque as notícias dos
acontecimentos devem atender a uma demanda temporal muito mais urgente do que antes era
verificada na atividade jornalística. Urgência esta que altera significativamente a forma como
é construído o jornalismo e como ele é utilizado enquanto ferramenta de transformação social.
Matheus (2011) entende que houve uma perda do caráter memorialístico dos jornais,
ou seja a notícia foi, paulatinamente, perdendo sua importância como imagem de uma história
vinculada ao passado, ou a um pano de fundo que a contextualizava e gerava conhecimento
além do mero relato. Esta perenidade da notícia, descrita pela autora como um fenômeno que
vem gradualmente se ocupando da maior parte dos jornais, reflete a nova demanda urbana de
se ver presente na mídia. Neste sentindo, se, por um lado, o novo ritmo da sociedade confere
menor profundidade temporal e, por consequência, uma dúvida quanto à responsabilidade
social nos novos padrões de se fazer jornalismo, de outro, o leitor se perceber no texto é uma
forma de dar historicidade à narrativa jornalística e promover a reflexão sobre os temas do
cotidiano.
A elaboração da reportagem, como retrato da cidade na sua cotidianidade,
fixa um instante da duração. Instante esse que evidencia a própria relação do
jornalismo com a sociedade. Isto é, um jornal não é “documento”
simplesmente porque reproduz papeis oficiais, falas e narra e constroi
acontecimentos, mas sobretudo, porque constitui vestígio de interações
comunicacionais que se deram no passado. Ou seja, o jornalismo acaba
sendo uma atividade que provoca a interação e documenta a interação que se
deu. (MATHEUS, 2011, p. 159- 160)
A divergência entre a importância da participação do cidadão na notícia como
protagonista, para transformar o jornal em um documento histórico do presente, e os riscos
que a descontextualização dos acontecimentos trazem para legitimação da função reflexiva do
jornalismo pode ser comparada às propostas das correntes historiográficas da escola annales e
51
dos metodistas alemães. É importante ressaltar que a comparação é feita porque
indepedentemente do quão contextualizado está tratado o acontecimento na história ou nas
notícias, ambas as narrativas contribuem ou contribuirão para o entendimento do cotidiano
social do passado.
Diferentemente da narrativa histórica que sofre pressão por ser mais ou menos
reflexiva para ter maior dimensão contextual, a narrativa jornalística é pressionada nesse
sentido para atender a uma função que lhe é conferida por ser vista como intermediadora dos
problemas sociais com o Poder Público. Por este motivo, a qualidade do exercício da
atividade jornalística está intimamente ligada àquilo que se entende como sua função diante
do interesse público.
Neste ponto, faz-se necessário entender o que se reconfigura no jornalismo voltado ao
entretenimento em termos de interesse público e valores de mercado. Amaral (2008, p.67) não
deslegitima a importância participativa do cidadão como fonte jornalística, mas adverte sobre
os riscos do protagonismo do cidadão ao dizer que “a fonte popular ajuda a explicar seu
mundo, mas não é responsável por si só pela realização da notícia, a urgência dos necessitados
não pode imobilizar a notícia ou inviabilizar a reflexão”. Matheus (2011), por outro lado,
defende, a respeito da relação próxima que o jornal O Fluminense tinha com seu público,
narrando atividades prosaicas ou causas urgentes, que a presença da realidade do leitor
popular nas notícias faz com que se imagine melhor como é o cotidiano da sociedade.
Tornar visível e dar repercussão às histórias dessas pessoas comuns garante a
popularidade dos veículos informativos que priorizam esse viés. Contudo, ela ressalta que o
jornalismo voltado para esta demanda precisa ser questionado para não incorrer no erro de a
exploração da presença das pessoas em notícias relevantes para a população transformar a
informação em um elemento secundário, colocando lado a lado elementos importantes para
ampliar a visão de mundo das pessoas com recursos de entretenimento.
No caso das fontes populares, é preciso perceber também que a fala do leitor
no jornal tem importância porque ocorre num mercado em que normalmente
ela é rarefeita. As falas das fontes oficiais, embora não interditadas
totalmente, têm uma importância reduzida. A inversão das fontes tem o
efeito de gerar uma aproximação com o leitor, porém não é garantia de
qualidade do jornalismo, já que muitas vezes o fato de simplesmente colocar
pessoas comuns a falar não garante que o tema será esclarecido. (AMARAL,
2006, p.7-8)
52
A lógica mercadológica prioriza a mistura da informação com o entretenimento para
atrair consumidores das classes que fomentam o jornalismo popular. Esta fórmula para vender
jornais toma como estratégia valorativa, do ponto de vista dos critérios de noticiabilidade,
aquilo que o jornal acredita ser de interesse do público. É nesta predominância do que o
público quer ver que se coloca em discussão a qualidade jornalística.
Amaral (2006, p.11) não deixa de considerar que classes sociais, localizações
geográficas distintas, profissões etc., são fatores que influenciam na determinação do que é
interesse público ou mesmo do público. Isto porque as realidades econômicas, políticas,
culturais e sociais dos interesses individuais variam conforme estas características, quando
colocadas em um prisma coletivo. Contudo, para a autora, essas diferenças “não
necessariamente se localizam na qualidade na apuração do texto e nos padrões éticos seguidos
pelos profissionais” e, portanto, não devem deslocar a importância dos valores profissionais
quando se trata de jornalismo popular.
Em consonância com esses valores está a função do jornalismo de retratar os
problemas sociais coletivos e, no caso da imprensa popular, de retratar o que é de interesse
comum a todo o seu público como forma de dar voz a uma classe que pode, eventualmente,
estar desassistida pelo Poder Público. Ainda é dever dos jornais comerciais formar bons
leitores e cidadãos, mesmo que o segmento popular da imprensa esteja desvinculado de um
dever educativo e, portanto, esteja voltado ao interesse do público pelo entretenimento.
Por mais que o jornalismo popular tenha nascido no seio das relações das
lideranças políticas com o povo e tenha histórica relação com o
entretenimento, um jornalismo popular de qualidade só será viável se souber
construir os seus contornos sem se subordinar a determinados interesses
mercadológicos ou políticos dominantes. É bom lembrar que o
entretenimento também informa, mas seu compromisso não é com a
informação. Para falar em jornalismo, é preciso falar em informação para a
cidadania, não para o entretenimento ou para o consumo. (AMARAL, 2006,
p.14)
Por meio desta análise, a autora exclui a possibilidade de que o entretenimento possa
estar prioritariamente vinculado ao interesse público e, quanto a isso, pode-se questionar se
entreter não seria uma forma de informar aqueles que não entenderiam uma linguagem mais
rebuscada ou politizada. Portanto, se este estudo constatar a possibilidade de vincular o
entretenimento ao interesse público para que indivíduos marginalizados pela sociedade
tenham direito a falar e a serem protagonistas de suas realidades, é importante verificar se os
valores éticos da profissão não foram violados em detrimento do lucro comercial pretendido
53
com o interesse do público. Dentre esses valores está o inciso I do artigo 11 do Código de
Ética dos Jornalistas Brasileiros que diz: “o jornalista não pode divulgar informações visando
o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica”.
A existência social devolvida a quem está na periferia é algo que pode dar efetividade
ao interesse público, mesmo que seja por meio do entretenimento. Porém, a representatividade
social não pode estar submetida ao espetáculo superdimensionado dos interesses individuais e
dos absurdos do cotidiano (fait divers e fantástico) que se esgotam neles mesmos.
Kovach e Rosenstiel (2003) explicam que o modo como as pessoas interagem como as
notícias é o que as transforma em interesse público. Para Abreu (2003, p.26), a informação é
um dos elementos fundamentais que viabilizam o exercício pleno dos direitos de um cidadão,
por isso “a imprensa é um veículo que fornece informações aos cidadãos e, simultaneamente,
lhes dá a possibilidade de levar suas demandas até os responsáveis pelas decisões que afetam
a vida em sociedade”. Neste sentido, Amaral (2006) realça que a fala das pessoas comuns no
jornalismo possibilita que os setores excluídos da sociedade sejam ouvidos e a personalização
das notícias humaniza a narrativa. Para ela, é por meio da imprensa que as pessoas reafirmam
cotidianamente seu lugar no mundo e em sociedade, quando afirma que
ao conceder lugar para a fala dos populares, os jornais inovam porque no
mercado simbólico do campo jornalístico a manifestação popular tem uma
tímida história de inclusão nos jornais impressos, nos quais os lugares
disponíveis para as falas relacionam-se à importância social, econômica e
cultural das fontes. (AMARAL, 2006, p.8)
Dar lugar à fala das pessoas comuns, a imprensa assume sua função de dar visibilidade
ao que é público e, segundo Abreu (2003), a visibilidade é uma condição da democracia.
Legitimar a participação do cidadão como fonte jornalística é permitir que ele tenha
conhecimento sobre as questões públicas e sobre o que se passa na sociedade. “No entanto, ao
tornar seus leitores protagonistas das suas matérias, o jornal popular tem de tomar cuidado
para não forçar a mão e tentar transformar em jornalismo aquilo que não é, pois cada vez mais
a mídia trata também das questões de ordem privada” (AMARAL, 2006, p.9). É esse o
desafio do jornalismo, conforme descrevem Kovach e Rosenstiel (2003): manter a visão da
imprensa de que a participação pública integra uma responsabilidade cívica que não pode se
perder com a consolidação de um jornalismo baseado no mercado.
Por meio de todo o levantamento teórico feito até este momento, foi possível trazer as
principais discussões da literatura acadêmica a respeito do jornalismo que tratam das variáveis
54
da pesquisa a que este estudo se propõe e todos os elementos que as modificam na prática. Os
valores-notícia que aqui foram trabalhados como parte do entretenimento, os fait divers e o
fantástico, são os elementos que definem os critérios de análise do objeto empírico desta
pesquisa. Este, por sua vez, foi definido com base nas mudanças de comportamento do
público que têm propiciado o uso de valores, antes comuns apenas ao universo da imprensa
popular, pelo jornalismo de referência. O objeto empírico desta pesquisa é, portanto, um dos
principais jornais de referência do Brasil, conforme mostrado neste trabalho teórico: o jornal
Folha de S. Paulo.
Outro elemento que se faz essencial para os fins analíticos deste estudo é o interesse
público, uma vez que este é um termo que define um dos critérios de análise do objeto
empírico. A proposta trazida a partir de todo este estudo é compreender como os jornais de
referência têm se apropriado de “novos” valores-notícia, alguns característicos dos jornais
populares, para atrair novos públicos e, com isso, restabelecerem-se no mercado jornalístico
brasileiro, já que têm perdido o número de leitores e de circulação. Busca-se entender também
de que forma a narrativa desses jornais se propõe a atender esta nova demanda sem
comprometer a imagem de veículo compromissado com o interesse público, ou seja, sem se
vincular a uma imagem de veículo sensacionalista.
Por fim, ao longo desta reflexão teórica foi possível perceber que foi feita uma análise
comparativa das narrativas jornalística e histórica. Isto ocorreu porque a narrativa histórica,
descrita por diversas correntes historiográficas, apresenta divergências e, ao mesmo tempo,
resultados concretos no que tange ao uso de critérios mais voltados à retratação do homem
comum em seu cotidiano. No jornalismo estes critérios estão vinculados ao segmento popular.
Portanto, se na história a retratação de fatos comuns, incomuns (fait divers) e insólitos
(fantástico) do cotidiano pode ajudar o homem a compreender sua realidade histórica, talvez
essa comparação possa servir para que possamos identificar a mesma relação no jornalismo,
na realidade do presente.
Afinal, já no século passado, quando muitos jornais norte-americanos começaram a
trazer notícias com linguagens mais leves e acessíveis a qualquer tipo de público, Park avaliou
que a única diferença entre aqueles que compreendem o sentido de uma linguagem mais
rebuscada devido ao alto grau de escolaridade e aqueles com menor acesso à cultura e ao
conhecimento é apenas o vocabulário. Portanto, “se a imprensa pode se tornar inteligível ao
homem comum, ela terá bem menos dificuldade para ser entendida pelo intelectual” (PARK,
2008, p.35). Sendo assim, parece possível pensar um jornal que, ao mesmo tempo, atraia e
55
informe o público com menor hábito de leitura e atenda as expectativas do público mais
letrado e intelectualizado.
3. METODOLOGIA
Partindo da premissa de que a proposta deste trabalho é analisar elementos simbólicos
que possibilitaram a construção de uma narrativa jornalística, a partir de um acontecimento, a
análise de conteúdo (AC) foi escolhida por ser o método de codificação que permite
inferências do texto para o contexto social, de forma objetiva (BAUER, 2002). Para os
autores, a validade desse método é garantida por que as hipóteses propostas pelo pesquisador
podem ser confirmadas por meio da congruência entre uma fundamentação teórica bem
estabelecida e o que o objeto de estudo oferecer de seu conteúdo.
Herscovitz (2007) define a análise de conteúdo de produtos jornalísticos como um
método de pesquisa que, por meio de uma seleção técnica, organizada de textos impressos,
veiculados, gravados ou eletrônicos em um grupo amostral, que será submetido à análise. O
objetivo é elaborar conjecturas sobre o conteúdo do texto, de forma a enquadrá-lo em
categorias previamente estabelecidas e obter resultados replicáveis. Neste método, há a
possibilidade de fazer com que as perspectivas qualitativas e quantitativas se complementem,
de tal modo que a contagem de palavras ou outros resultados estatísticos venham a confirmar
os sentidos implícitos identificados. É o que autora chama de integração dos conteúdos que
são facilmente visíveis e dos conteúdos latentes, ou seja, aqueles relativos aos contextos que
não explícitos no discurso.
A origem do método remonta aos estudos de textos religiosos no século XVIII para
saber as reais ideias e intenções que estes materiais continham. Contudo, Fonseca Júnior
(2005) destaca que a análise do conteúdo só veio a obter seu reconhecimento no século XX e
que a influência do pensamento positivista no contexto geral da ciência fez com que, durante
muito tempo, a AC fosse vista como um método essencialmente quantitativo. O autor explica
que esta ênfase se deve ao fato de a consolidação ter ocorrido nos Estados Unidos, em meio à
ascensão da comunicação de massa. A AC veio como uma reação a outras formas de análise
de textos ainda vinculadas a termos muito subjetivos, pois os critérios deste método
quantificável apontavam para técnicas mais sistemáticas e objetivas, que ofereceriam, desta
forma, um resultado mais confiável.
56
Durante a trajetória da análise de conteúdo até o momento em que houve uma adoção
regular de técnicas para sua execução, os pesquisadores passaram a questionar se a
cientificidade atribuída ao método estava de fato na objetividade dos números. Fonseca Júnior
(2005) explica que a ênfase no aspecto quantitativo não se perdeu, mas que a principal
característica da análise de conteúdo, a inferência, só encontraria um resultado válido se os
índices fossem postos em evidência, sem que o contexto fosse excluído deles.
Segundo Bauer (2002), a análise de conteúdo pode ser considerada hoje como uma
técnica híbrida, isto porque ela permite que a pesquisa faça uma ponte entre o conteúdo
estatístico, fornecido pela etapa quantitativa, e a análise qualitativa dos materiais. Para
Herscovitz (2007), este hibridismo é necessário, uma vez que se tornou unânime a concepção
de que a polissemia dos textos pode gerar distorções se a unidade de registro for apenas a
palavra, excluída de seus outros sentidos e possíveis associações a outras palavras.
Desta forma, da perspectiva qualitativa, o texto é entendido como uma forma de
expressão caracterizada por duas dimensões, a sintática e a semântica (BAUER, 2002). Isto
significa que o ao se aprofundar analiticamente no texto, o pesquisador irá buscar não só o
que é dito naquela escrita, mas também de que forma tal conteúdo é concebido. A sintaxe se
refere à forma como os vocábulos são empregados para conferir sentido, que é a semântica.
Tal sentido pode ser ainda literal ou figurativo e é por meio da análise de conteúdos que estas
estruturas e significados serão identificados.
As palavras empregadas em um texto vão, na medida em que se associam umas às
outras, tornar-se unidades maiores e mais complexas de registros linguísticos escritos. Além
da palavra, são opções de códigos de análise, as frases, os temas, os parágrafos e, até, textos
inteiros. É por meio destas unidades que o pesquisador irá inferir, verificar tendências e
buscar padrões. Herscovitz (2007) avalia que as opções de registro definidas para uma
pesquisa indicarão o enfoque qualitativo e quantitativo na amostra e de que modo ambos se
tornarão congruentes nos resultados.
A amostra, ou seja, o material definido para ser analisado, assim como a aplicação do
método, não são escolhidos de forma arbitrária. Por meio de uma avaliação exploratória são
definidos os documentos que serão submetidos ao estudo, contudo, como este conjunto pode
ter uma dimensão desproporcional à capacidade de manipulação do pesquisador, este pode
elaborar critérios de seleção que forme um corpus, ou seja, uma amostra representativa do
grupo maior, que possui dados homogêneos e pertinentes com o que se busca obter
(FONSECA JÚNIOR, 2005).
57
Nesta etapa de delimitação do material a ser analisado, existem diversas técnicas de
amostragem. Dentre estes métodos, Motta (2006) fala da possibilidade de definir a amostra
composta. Segundo o autor, esta técnica consiste em fazer uma composição aleatória em um
número predefinido de dias ao longo do período disponível, que pode ser a semana ou o mês
composto. Ele explica que esta seleção aleatória convém quando se trata de conteúdo
noticioso de veículos de comunicação, como é o caso desta pesquisa, porque “parte do
pressuposto de que a cobertura dos distintos veículos apresenta características gerais
semelhantes ao longo dos dias da semana” (MOTTA, 2006, p.14). Assim, a amostra aleatória
é uma representação de dias ao longo do período estudado.
Após a definição da amostra, é feita a escolha prévia das unidades de registro que
serão observadas, bem como das categorias de análise que serão utilizadas para codificar o
texto. Para Bauer (2002), esta sistematização deve ocorrer porque dentre uma infinidade de
possíveis questões que o pesquisador poderá levantar dentro de seu material, ele deverá focar
apenas naquelas que possibilitam a interpretação da análise de conteúdo com base no
referencial teórico.
Assim, a partir da sistematização dos dados brutos do corpus, o pesquisador poderá
realizar suas inferências sobre a amostra de forma objetiva, para atingir resultados fidedignos.
Fonseca Júnior (2005) aponta que esta confiabilidade na análise de conteúdo se deve aos
procedimentos, porque a categorização permite que aplicação das técnicas seja uniforme a
todo o conteúdo analisável, de tal modo que mesmo em amostras diferentes de mensagens, é
possível se chegar à mesma conclusão.
Portanto, para verificar os elementos expostos na discussão deste trabalho, o jornal
Folha de São Paulo foi escolhido como objeto de estudo para ser analisado conforme o
método de pesquisa abordado neste capítulo. Conforme consta no Manual de Redação (2010)
deste jornal, a Folha é um veículo conhecido por jornalismo preciso, voltado para assuntos
políticos, econômicos e sociais. Por este motivo, diante da possibilidade de que este jornal
esteja delineando novas abordagens, diferentes das habituais, esta pesquisa se dispõe a avaliar
de que forma isso ocorre.
3.1. Objeto empírico: Folha de S. Paulo
Buscar compreender mudanças significa entender, em primeiro lugar, o padrão. Para
tanto, neste tópico, é apresentada a história do objeto empírico desta pesquisa, bem como suas
58
principais características ao longo de todos os seus períodos de existência. Pertencente ao
conglomerado Grupo Folha, o jornal Folha de S. Paulo é um dos jornais diários de maior
circulação nacional. Segundo dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ), no ano de
2013, a Folha ficou em segundo lugar no ranking de circulação dos maiores jornais
brasileiros, com a média de 294.811 exemplares por dia (circulação paga), ficando atrás
apenas do jornal Super Notícia, jornal de Minas Gerais do segmento popular, com a média de
302.472 exemplares. Diante de expressivo resultado, é possível inferir o tradicionalismo e
influência que este veículo possui dentre os demais no Brasil.
Conforme dados disponibilizados no site institucional da Folha14
, este jornal foi criado
em 1960, a partir da fusão de outros três jornais: a Folha da Noite, fundada em 1921 por
Olival Costa e Pedro Cunha; a Folha da Manhã, edição matutina da Folha da Noite, criada
em 1925; e a Folha da Tarde, fundada na década de 40. Em 1967, o jornal passa a utilizar a
impressão offset em cores em larga escala, fato que o coloca como pioneiro neste aspecto no
Brasil e, em 1971, novamente o jornal inova ao ser o primeiro a abandonar a composição de
chumbo e utilizar o sistema eletrônico de fotocomposição.
Tais inovações tecnológicas corroboram com o projeto editorial da Folha, cuja
primeira versão foi publicada em 1997 e se encontra reproduzida no Manual de Redação
(2010), com relação à disposição da empresa em renovar e modernizar o suporte físico das
notícias que veicula: o papel. O projeto editorial em questão documenta as principais visões
do jornal que embasam toda a sua linha editorial de 1997 até os dias de hoje e, no que diz
respeito aos investimentos em novas tecnologias, o projeto avalia que é possível que o
formato do jornal em papel venha a decair nos próximos anos, dando lugar à internet e que,
portanto, a Folha se adapte a tal realidade, como já vem acontecendo.
Ainda em face da trajetória histórica do jornal brasileiro, conforme site institucional,
em 1976, é criado no impresso a seção Tendências/Debates. Mesmo sem projeto editorial
definido, a Folha já promovia um dos princípios que fixaria para os anos seguintes, segundo
site institucional, o da pluralidade. Assim, em 1981, foi idealizado o primeiro texto de projeto
editorial da Folha, propondo a fixação dos seguintes princípios: informação correta,
interpretações competentes e pluralidade de opiniões. Desde então, o editorial da Folha
propõe que estes sejam os valores para nortear a atividade do jornal. Em 1984, a Folha
14 Os dados utilizados nesta pesquisa constam no Banco de Dados Folha disponibilizado online no site
institucional do Grupo Folha. O acesso foi realizado no dia 17 de setembro de 2014 por meio do endereço
eletrônico: http://www1.folha.uol.com.br/institucional/historia_da_folha.shtml.
59
publica seu primeiro projeto editorial, estabelecendo como objetivo institucional, o
cumprimento de um jornalismo crítico, pluralista, apartidário e moderno; e o seu Manual da
Redação, que foi editado em livro e teve a última edição publicada em 2010.
Em 1997, conforme já mencionado, o jornal publica a versão mais recente de seu
projeto editorial, mantendo os objetivos fixados anteriormente e acrescentando a meta de
publicação de textos didáticos e interessantes. Neste ponto, a história da Folha chega à
delimitação desta pesquisa. O projeto, reproduzido no Manual de Redação (2010), avalia que
todas as formas de comunicação atualmente existentes acabaram sendo convertidas em uma
mesma linguagem tecnológica, o que permite que estas formas integrem serviços que não se
restringem ao jornalismo, mas abarquem também o entretenimento. O projeto assume que,
neste sentido, o jornalismo passa por um momento de enfrentar o desafio de em uma
linguagem comum, abranger a segmentação de interesses do público. Tudo isso porque
a necessidade de adaptação nacional à dinâmica externa, imperativo aguçado
na época que atravessamos, atualiza os problemas tradicionais de uma
sociedade em que a divisão entre um setor integrado e um setor excluído
nada tem de novo. Espelhar essa contradição e contribuir para que ela seja
transposta, pela integração de seus termos na sociedade de mercado e na
democracia política é, provavelmente a principal tarefa do jornalismo hoje,
até porque de seu sucesso depende a amplitude e mesmo a sobrevivência de
um espaço público em reformulação (MANUAL DE REDAÇÃO DA
FOLHA DE S. PAULO, 2010, p.18).
Com essa visão, o projeto também aponta que tem havido uma tendência a aproximar
a pauta do jornal à vivência concreta do leitor para melhor atender às necessidades do público.
Anunciado em 17 de fevereiro de 1991, conforme site institucional15
, o caderno Cotidiano
passou a ser publicado em substituição ao caderno Cidades, já prenunciando a proposta de
aproximação das notícias à realidade do leitor. Por meio de uma análise empírica do acervo16
da Folha de S. Paulo, foi observado que em 1993 o caderno Cotidiano teve uma alteração,
passando a ser intitulado Folha São Paulo, junto ao subtítulo inclui Cotidiano.
Na mesma análise, foi constatado que em maio de 2000 o caderno voltou a ser
intitulado de Cotidiano. Vale ressaltar, segundo foi observado, que a proposta editorial do
15 Os dados utilizados constam no Círculo Folha disponibilizado online no site institucional do Grupo Folha. O
acesso foi realizado no dia 25 de outubro de 2014 por meio do endereço eletrônico:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_folha.htm
16 Os dados utilizados constam no Acervo Folha digitalizado. O acesso ao conteúdo disponibilizado online foi
realizado no dia 25 de outubro de 2014 por meio do endereço eletrônico http://acervo.folha.com.br/
60
caderno, mesmo com as alterações de títulos, não teve alterações durante a década de 90. A
proposta se manteve no sentido publicar notícias voltadas para as situações próximas da vida
cotidiana do leitor entremeando notícias de caráter mais político, mas com viés de utilidade
pública. Atualmente, o caderno apresenta ao final, duas seções: Saúde + Ciência e Folha
Corrida. A primeira traz notícias sobre novidades na ciência e a segunda, em apenas uma
página, apresenta notas de acontecimentos sobre variedades. Outra característica atual é que,
eventualmente, aos sábados e domingos, quando há um maior número de notícias, o caderno é
dividido em dois: Cotidiano 1 e Cotidiano 2, ambos apresentando matérias com o mesmo
teor.
Tal informação remete ao que foi discutido nos capítulos teóricos deste estudo, em
especial, no que foi trazido sobre o pensamento de Park (1940), com relação à importância de
retratar o cotidiano da população nos jornais para dar a elas amplitude, por meio dessa
aproximação a elementos facilmente acessíveis do mundo concreto, de assuntos políticos,
econômicos e sociais. Podendo gerar, assim, conhecimento. A partir desta perspectiva, é que
se buscou entender por meio deste estudo, se é e de que forma o conteúdo do entretenimento –
especificamente o fantástico e os fait divers – é retratado nas notícias do jornal Folha de S.
Paulo. Para isso, um corpus de pesquisa foi formado por edições impressas de tal jornal
dentro de um período cronológico previamente estipulado, para que fosse realizada a análise
de conteúdo com base nos procedimentos metodológicos delimitados adiante.
3.2. Procedimentos metodológicos
O objetivo desta pesquisa é identificar formas de conteúdos característicos de
jornalismo popular em jornais que não se reconhecem como inseridos no universo que
prioriza esta vertente, que são os jornais de referência, caracterizados nos capítulos teóricos
deste estudo. Considerando tal foco, a análise de conteúdo se encaixa como método de
pesquisa ideal para este trabalho. Por ser um método que pressupõe captar as intenções de
escrita de um texto e possibilitar inferências sobre aquilo que está gravado, a análise de
conteúdo permite a reconstrução, até mesmo, das formas sociais associadas ao texto
(HERSCOVITZ, 2007).
Partindo desta perspectiva, o jornalismo popular já tem fixamente um público,
conforme descrito anteriormente. Contudo, com as novas mudanças tecnológicas no campo da
comunicação, coloca-se como questão neste trabalho: os jornais brasileiros de referência –
61
neste caso, especificamente, a Folha de S. Paulo – vêm alterando seus valores-notícia para
atrair novos públicos? Assim, esta pesquisa se dispõe a entender de que modo esse jornalismo
vem se adaptando às novas demandas e, ao mesmo tempo, como têm mantido seus conteúdos
noticiosos vinculados ao interesse público. Portanto, a aplicação do método de análise de
conteúdo sobre o objeto empírico seguiu três etapas de pesquisa, conforme explicitado abaixo.
3.2.1. 1ª Etapa: Análise comparativa
A fim de realizar uma análise comparativa entre o período em que se começou a
observar uma queda no número de exemplares por adulto da população brasileira (29%, entre
2001 e 2006), conforme apontado por Sant’Anna (2008), e o período atual, foram delimitadas
duas amostras utilizando a técnica de amostragem de mês composto (MOTTA, 2006): a
primeira referente aos anos 2000 e 2001 e segunda referente aos anos 2013 e 2014. O objetivo
da comparação foi quantificar as matérias populares entre as duas amostras, para avaliar se
houve aumento, recuo ou manutenção deste perfil de notícias no jornal.
As duas amostras foram feitas utilizando apenas o caderno Cotidiano do jornal Folha
de S. Paulo, mais especificamente, considerando somente as matérias de caráter noticioso
(notas, notícias e reportagens) e excluindo as de caráter opinativo (crônicas, artigos, colunas e
análises) e as entrevistas. É importante ressaltar também que nas matérias que possuíam
suítes, estas foram consideradas como parte da matéria principal, sendo contabilizadas,
portanto, apenas uma vez. Também não foram contabilizadas as matérias das seções Saúde +
Ciência e Folha Corrida, uma vez que estas não estão voltadas para o jornalismo popular e,
portanto, não integram o objetivo desta pesquisa.
Sendo assim, as categorias de análise utilizadas para composição das amostras e
posterior comparação foram os três valores-notícia definidos por Amaral (2006) como
preponderantes no jornalismo popular:
Proximidade: matérias que envolvam temáticas do cotidiano do leitor como saúde,
mercado de trabalho, segurança pública, televisão, futebol; bem como, matérias que
envolvam a personalização de fatos, ou seja, o personagem principal do acontecimento
jornalístico é uma pessoa comum de tal modo que o protagonismo pode gerar nos
leitores uma sensação de pertencimento;
Entretenimento: reportagens ou notícias com temáticas de apelo emocional, de
distração ou de humor;
62
Utilidade: matérias com temáticas de caráter público, voltadas para os direitos dos
cidadãos e prestação de serviços ou se remete o papel do jornal como mediador entre o
Poder Público e o leitor.
3.2.2. 2ª etapa: Análise das categorias de entretenimento, os fait divers e o fantástico
Nesta etapa, a fim de aprofundar no estudo da manifestação da categoria de
entretenimento no jornal Folha de S. Paulo, foi feita uma análise somente das matérias sobre
fait divers e do fantástico identificadas na amostra referente aos anos 2013 e 2014 da etapa
comparativa. Neste momento, não foi utilizada a amostra referente aos anos 2000 e 2001
porque o foco não era avaliar se houve mudanças, mas estudar especificamente as tendências
já estabelecidas no período atual. Esta nova etapa consistiu de identificar, quantificar e estudar
as matérias a partir das categorias explicitadas abaixo:
a) Tipos de fait divers:
Causalidade esperada: situações retratadas que rompam com as relações normais de
causa e efeito, ou seja, ocorre o que se espera, mas a situação envolve personagens que
podem gerar um drama, como idosos e crianças;
Causalidade perturbada: situações em que as relações normais de causa não
ocorrem, ou seja, acontece algo diferente daquilo se espera como efeito de algo;
Causalidade inexplicável: matérias que abordam situações de prodígio, em que há
um enigma aparente em decorrência da relação do fato com fenômenos paranormais,
religiosos ou crenças populares; ou matérias sobre crimes misteriosos que levem o
leitor a quase imaginar que se trata de um romance policial;
Coincidência por repetição: situações habituais, mas que, se repetidas em demasia,
tornam-se estranhas;
Coincidência por antítese: situações em que o estereótipo sofre inversão, ou seja
duas perspectivas antes inimagináveis de serem fundidas, reúnem-se em uma mesma
realidade;
b) Tipos de fantástico:
O fantástico-estranho: o evento improvável de ocorrer, inusitado e que, por isso,
precisa de uma lógica insólita para ser explicado. Exemplos: aberrações
surpreendentes e exceções às regras;
63
A causalidade imaginária: eventos que têm seus rumos alterados devido a causas
reais, mas que por serem pouco lógicas e implícitas, remetem a uma explicação
imaginária. Exemplos: milagres;
Fantástico cômico: eventos que tratam de desconcertos da vida, ou seja, situações que
de tão inverossímeis acabam sendo engraçadas se transformadas em notícia;
Bestiário fantástico: acontecimentos que podem gerar nas pessoas associações a
símbolos cósmicos ou espirituais;
Grotesco: relatos jornalísticos que tratam das estéticas corporais dos indivíduos que
fogem de padrões sociais, de maneira irônica e divertida.
3.2.3. 3ª etapa: análise qualitativa do conteúdo
Para entender de que modo as notícias de fait divers e do fantástico se manifestaram
no jornal, bem como aprofundar nas características que possam vincula-las ao interesse
público, nesta terceira etapa da pesquisa foi feita uma análise qualitativa do conteúdo das
matérias que compuseram a amostra da 2ª etapa de pesquisa. A análise se baseou na forma
como os fait divers e o fantástico se relacionaram à questão de interesse público no texto e
também a forma como os conflitos explorados, ao mesmo tempo, foram reconfigurados no
contexto social. O objetivo desta etapa também foi de tentar perceber se nessas matérias
existem outras categorias de jornalismo popular, além de entender como foi feita a
contextualização dos conflitos e se houve o falseamento da imanência característica dos fait
divers e do fantástico.
Esta análise foi feita com base nos critérios descritos abaixo:
Contextualização: identificação do cotidiano do leitor com conteúdos de outras
questões sociais, de saúde, de segurança pública, etc.; ou com uma realidade mais
abrangente, trazendo conceitos, situações sociais, políticas; abordagem de direitos dos
cidadãos, prestação de serviços etc.
Fontes especialistas ou oficiais: se são utilizadas fontes para explicar o conteúdo e
ressaltar o papel do jornal como mediador entre o Poder Público e o leitor.
64
4. RESULTADOS
A presente pesquisa foi realizada para uma avaliação das mudanças no jornalismo de
referência observadas a partir da diminuição da circulação dos jornais e com o surgimento das
novas tecnologias de comunicação. A pesquisa também se orientou no sentido de buscar quais
mudanças foram estas e, frente a elas, entender como as novas tendências afetaram o tipo de
jornalismo desenvolvido pela Folha de S. Paulo (jornal de referência) e demonstrar se a
informação de entretenimento pode ou não viabilizar a reflexão do leitor sobre questões mais
abrangentes da realidade e não somente sobre o esgotamento puro no fato narrado.
Assim, os resultados dessa busca, desenvolvida nas três etapas de pesquisa
discriminadas nos procedimentos metodológicos, estão descritos abaixo.
4.1. Análise comparativa
Esta etapa de pesquisa se concentrou em observar de que forma o jornal Folha de S.
Paulo reagiu à crise da diminuição de circulação de impressos diários identificada no início
da década de 2000. Para isso, foi feita uma análise comparativa entre o período inicial desta
diminuição e o período atual. As amostras de meses compostos para esta comparação foram
feitas conforme descrito abaixo:
Amostra 1: foi feito um sorteio de 30 números, entre 1 e 365, por meio de um
ferramenta online17
. Cada número, de 1 a 365, foi associado sequencialmente a uma
data em uma tabela, entre 1º de agosto de 2000 a 31 de julho de 2001. Assim, as datas
correspondentes aos 30 números sorteados formaram o mês composto. Dos
exemplares publicados nas datas sorteadas, foram selecionados apenas os cadernos
Cotidiano, de cada exemplar, para a composição da amostra.
Amostra 2: foi feito um sorteio de 30 números, entre 1 e 365, por meio da mesma
ferramenta online utilizada na amostra 1. Cada número, de 1 a 365, foi associado
sequencialmente a uma data em uma tabela, entre 1º de agosto de 2013 a 31 de julho
de 2014. Assim, as datas correspondentes aos 30 números sorteados formaram o mês
composto. Dos exemplares publicados nas datas sorteadas, foram selecionados apenas
17 http://sorteiospt.com/numerosAleatorios/
65
os cadernos Cotidiano, de cada exemplar, para a composição da amostra. Para a
composição desta, nos dias em que houve divisão do caderno em dois, conforme
descrito a respeito no objeto empírico, foram contabilizadas e analisadas as matérias
de ambos.
Dos 30 cadernos Cotidiano do jornal Folha de S. Paulo coletados na Amostra 1,
obteve-se um total de 698 matérias18
de caráter noticioso publicadas nas datas selecionadas.
Deste total, 266 matérias apresentaram um ou mais dos valores-notícia do jornalismo popular
(proximidade, utilidade e entretenimento), ou seja, 38% da amostra. Já na Amostra 2, o total
foi de 544 matérias19
, das quais 267 eram matérias populares, isto é, 49% da amostra de mês
composto.
O resultado apresentado demonstra que houve um aumento significativo no número de
notícias, notas e reportagens cujos assuntos remetiam aos valores-notícia de proximidade,
utilidade e entretenimento. Houve um intervalo de 12 anos entre os períodos selecionados
para a composição das amostras e, entre as duas, verificou-se o aumento de 11% na
quantidade de matérias populares do jornal, isto é, de 38%, saltou para quase metade das
matérias. Considerando que a Folha de S. Paulo é um jornal de referência e, portanto,
conforme Motta (2006) definiu, apresenta um perfil de notícias mais voltado para fatos
políticos, o resultado desta análise comparativa revela que o jornal tem se apropriado, com
maior frequência, de valores-notícia que não são comuns ao tipo de jornalismo que ele
habitualmente executa.
Diante de tal constatação, convém retomar que Meyer (2007) avaliou que houve uma
queda significativa na circulação de jornais, desde o envelhecimento dos baby boomers,
geração que tinha maior hábito de leitura. O fenômeno, todavia, não se restringiu ao contexto
estadunidense. Sant’Anna constatou uma queda de 29% nos primeiros anos da década de
2000, conforme já mencionado anteriormente, do número de exemplares de jornais por
adultos na população brasileira. O pesquisador apontou que isso ocorreu em virtude do
deslocamento dos leitores do impresso para a internet e para revistas especializadas.
Em razão desse cenário, Meyer (2007) indicou que os jornais de referência têm
buscado expandir o mercado de influência de seus produtos noticiosos para compensar a
18 Ver tabela 1.
19 Ver tabela 2.
66
perda de leitores e circulação, incluindo como público-alvo comunidades diferentes das quais
haviam habituado a se direcionar. A Folha de S. Paulo – há muito tempo estabelecida no
mercado jornalístico brasileiro – não tardou para avaliar esta nova realidade e se posicionar.
Conforme visto nas mudanças editoriais, já em 1991, a Folha lançou o caderno Cotidiano
com a proposta de dar às notícias um caráter de maior proximidade à realidade do leitor.
Ainda assim, Sant’Anna (2008) apontou que o declínio na circulação continuou,
segundo o período avaliado em sua pesquisa: entre 2001 e 2005. Este intervalo de tempo teve
início nos anos selecionados para a composição da Amostra 1 desta pesquisa (2000-2001), já
a Amostra 2 foi composta com anos (2013-2014), mais recentes e à frente do período
delimitado pela pesquisa de Sant’Anna (2008). Diante desses dados, é possível inferir que o
número de matérias com características de jornalismo popular no caderno Cotidiano da Folha
de S. Paulo aumentou como consequência da diminuição da circulação de jornais. Isto
significa que o jornal tenta reagir para atender à nova demanda e se reestabelecer no mercado
jornalístico brasileiro.
A estratégia para atrair a atenção de outros públicos inclui, portanto, a adoção de
novos critérios para a elaboração de notícias nos jornais de referência. Nesta primeira etapa,
os dados obtidos decorreram da análise de matérias cujos valores-notícias fossem a
proximidade, a utilidade ou o entretenimento. Assim, foi a prioridade dada a estes critérios na
elaboração de notícias do Cotidiano que aumentou no intervalo de tempo delimitado pela
presente pesquisa, que foi de 2000/2001 a 2013/2014.
Para Sant’Anna (2008), é preciso existir um equilíbrio entre investimento em
qualidade e rentabilidade. Contudo, ainda que aumentar a circulação ou a amplitude alcançada
possa trazer o lucro que o jornal precisa para se manter no mercado, isso não significa,
necessariamente, elevação da qualidade do jornal. A Folha de S. Paulo é um jornal de
referência, o que lhe confere status de jornal feito para um público específico de classes mais
elevadas e de alta escolaridade, portanto, mesmo que o número de leitores esteja em declínio,
este jornal não pode comprometer a fidelidade com seus leitores tradicionais em detrimento
de outros. Esta análise favorece o entendimento do tímido aumento de 11% do número de
matérias para atrair novos públicos, em face de uma estatística de diminuição maior no
número de leitores (29%, entre 2001 e 2005).
67
4.2. Análise da categoria de entretenimento: fait divers e fantástico
Utilizando a Amostra 2 da etapa de análise comparativa, foram identificadas e
quantificadas apenas as matérias de fait divers e do fantástico20
para que fosse realizada
também uma análise qualitativa aprofundada da manifestação do entretenimento no jornal
Folha de S. Paulo. Conforme explicado nos procedimentos metodológicos, estas matérias
foram selecionadas a partir das categorias de análise formadas pelos tipos de fait divers e
fantástico.
Nesta etapa, obteve-se o resultado de que das 267 matérias características de
jornalismo popular publicadas no caderno Cotidiano, 68 abordaram fait divers e apenas 10
trouxeram notícias com características do fantástico. Obteve-se, com esta análise, portanto,
que das 78 matérias de entretenimento, 12,8% representam ocorrências de notícias do
fantástico e 87,2% de notícias de fait divers. A comparação de espaço atribuído a cada um
destes tipos de matérias pode ser visualizado no Gráfico 1 que segue abaixo.
Gráfico 1 – Categorias do entretenimento
Fonte: da autora
20 Ver tabela 3.
68
a) Fait divers
Quanto aos fait divers, notou-se uma quantidade expressiva de matérias com estes
fatos diversos abordados nas matérias. Podendo ser entendidos como notícias
sensacionalistas, segundo Barthes (2007), os fait divers representaram 87,2% da amostra. Esta
categoria de análise, caracterizada pela exploração da emoção e do conflito, representa um
dos principais recursos que são utilizados no jornalismo popular e que vêm sendo trabalhados
no jornalismo de referência para atrair o público.
Para entender melhor de que forma os fatos diversos se manifestaram nas matérias, foi
feita a quantificação de cada uma das categorias de análise desta etapa da pesquisa, que são os
tipos de fait divers apresentados nos procedimentos metodológicos. Dentre as 68 matérias de
fait divers, 35 foram sobre causa inesperada ou perturbada, 17 sobre causa esperada, oito
sobre coincidência por antítese, cinco sobre coincidência por repetição e três sobre causa
inexplicável. Os dados obtidos podem ser visualizados no gráfico 2, a seguir.
Gráfico 2 – Categorias dos fait divers
Fonte: da autora
Aprofundando nos resultados sobre os fait divers, faz-se necessário retomar que
Amaral (2006) explicou que a valorização do entretenimento está diretamente ligada à
necessidade do público em usufruir da notícia satisfatoriamente. Segundo a autora, quanto
maior a capacidade de um fato poder ser informado de forma a conter divertimento ou outros
elementos que atraiam o olhar, podendo causar escândalo ou alguma outra reação emocional,
maior será o potencial deste em se tornar notícia por meio do critério do entretenimento. O
69
fait divers, por ter como objetivo também desencadear reações emocionais no leitor, é,
portanto, uma peça de entretenimento.
Os fait divers ou fatos diversos são caracterizados, conforme definição de Barthes
(2007), resumidamente, pela exploração de conteúdos que despertam emoção nos leitores. Os
fait divers, ainda por esta definição, são subdivididos em categorias, conforme certas
características do acontecimento. A primeira destas categorias a ser trabalhada nesta análise
qualitativa do conteúdo é a causa esperada. Este tipo de fait divers ocorre quando numa
relação de causa e efeito, encontra-se um resultado esperado. Contudo, o fato envolve
personagens que provocam um drama maior à situação, como crianças e idosos.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 3/8/2013, p.C-6
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 15/4/2014, p.C-1
Quadro 3 – Fait divers por causa esperada criança
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 13/9/2013, p.C-5
Título: Ladrões agridem e arrastam aposentada para roubar carro.
Olho: Bandidos aceleraram com a vítima presa ao veículo pela bolsa; adolescente foi apreendido.
Texto: “Uma aposentada de 68 anos foi agredida e arrastada por oito metros, depois de ficar presa pela bolsa ao
carro que dirigia”. (...) “A polícia informou que os adolescentes deram socos no rosto de Maria Aparecida. Ela
ficou pendurada na porta do carro e eles aceleraram para tentar fugir do local. Maria Aparecida teve fraturas no
pulso e nos ossos da face”.
Título: SP tem 3 tiroteios em 24 h; mulher morre com bebê no colo.
Olho 1: Dona de casa pode ter sido vítima de bala perdida ao sair de igreja na Cupecê; áreas nobres também foram
alvo de tiros.
Olho 2: Na Oscar Freire, houve confronto depois de furto de lojas; na Cidade Jardim, após reação de
policial a assalto
Título: Criança é baleada em desavença no trânsito.
Olho 1: Gabrielly, de um ano e sete meses, foi operada e está na UTI, sem risco de morte; caso ocorreu em Barueri
(Grande SP)
Olho 2: Tiro atingiu quadril da menina, que estava no banco da frente, após seu pai passar carro que fazia zigue-
zague.
Quadro 1 - Fait divers por causa esperada com uma idosa
Quadro 2 - Fait divers por causa esperada com mãe e criança, como capa do caderno
Quadro 3 – Fait divers por causa esperada com criança
70
Para exemplificar a causa esperada, a matéria do quadro 1.1 traz uma situação
infelizmente comum na realidade violenta das grandes cidades. Entretanto, o acontecimento
ganha uma perspectiva de maior drama por se tratar de uma agressão cruel a uma idosa, como
pode ser visto nos fragmentos em destaque no quadro 1.1.
Outro exemplo de fait divers por causa esperada pode ser verificado na matéria do
quadro 1.2. A notícia narra a trágica história de uma dona de casa que, ao sair de um culto na
igreja com seu filho de cinco meses no colo, foi atingida por uma bala perdida e morreu.
A categoria de fatos diversos pode ser notada ainda na matéria do quadro 1.3, na qual
é retratado um acontecimento em que o pai da criança ferida conta que, ao ultrapassar outro
carro que fazia zigue-zague na pista, ouviu os disparos e, logo em seguida, o alerta do choro
da filha.
Os três exemplos citados reúnem os três tipos de sujeitos básicos que Ramos (2004)
chama de responsáveis pela instauração do conflito dramático da causa esperada, que são: o
idoso, a mãe e a criança. Para o autor, estes três tipos de personagens representam a
fragilidade e a pureza do ser humano. Por estas características, explora-se certo de nível de
maniqueísmo que coloca estas personagens na dimensão do bem. Na última matéria citada no
quadro 1.3, por exemplo, a desavença do trânsito não é o acontecimento em destaque, mas o
pano de fundo para a tragédia que é uma criança de um ano e sete meses ser baleada.
Quadro 4 – Fait divers por causa inesperada envolvendo segurança pública
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 18/10/2013, p.C-8
Quadro 5 – Fait divers por causa inesperada
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano 1, publicada em 31/10/2013, p.C1-8
Já a segunda categoria de fait divers, conforme a classificação de Barthes (2007), é
identificada pelo rompimento da relação de causa e efeito de uma situação. Ao contrário da
causa esperada, nesta, ocorre o inesperado, sendo chamada, portanto, de causa perturbada.
Este foi o tipo de fait divers que teve maior ocorrência na amostra (51% das notícias). Para
exemplifica-lo, na nota do quadro 1.4 é retratado um acontecimento caracterizado pela total
Título: Delegado reage a assalto e atira em rapaz.
Título: Executivo infarta e morre em assalto.
Quadro 4 - Fait divers por causa inesperada envolvendo segurança pública
Quadro 5 - Fait divers por causa inesperada
71
inversão do que se espera: uma das recomendações da polícia aos cidadãos comuns é a de
que, pela própria segurança, não se deve reagir a um assalto. Contudo, além de ter reagido, a
vítima era um integrante da polícia.
Outro fato de causa perturbada pode ser identificado na nota do quadro 1.5. Segundo
as informações trazidas na matéria, o executivo foi alvo de assaltantes que jogaram pedras em
seu carro, para força-lo a parar. No entanto, nem as pedras nem os assaltantes foram os
responsáveis pela morte do executivo, mas assim um infarto fulminante durante o ocorrido.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 6/8/2013, p.C-7
O terceiro tipo de fait divers se encontra ainda nas relações de causa e efeito, mas
neste as consequências de uma situação são consideradas, a princípio, inexplicáveis. Barthes
(2007) os classificou como prodígios (fenômenos paranormais, religiosos e relacionados a
crenças populares) ou crimes misteriosos (enigma aparentemente sem solução, quase um
romance policial). Esta categoria é pouco explorada no jornal Folha de S. Paulo, já que só foi
identifica em apenas 4% da amostra. Dentre os poucos exemplos, apresenta-se a matéria do
quadro 1.6. O viés de romance policial é explorado na narrativa desta reportagem, com
detalhes do acontecimento que geram mistério na investigação. Isto pode ser visto nos
fragmentos destacados no quadro 1.6.
Quadro 7 – Fait divers de coincidência por repetição sobre arrastão em Santo André
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 23/9/2013, p.C-4
Título: Casal de PMs, filho e outros 2 parentes são mortos em casa.
Olho 1: Todas as vítimas na residência de sargento da Rota foram assassinadas a tiros.
Olho 2: Crime mobilizou a cúpula da Segurança Pública e, até a noite de ontem, era um mistério para a polícia
paulista.
Texto: “Segundo ele, o sargento foi encontrado deitado, na cama, e, aparentemente, foi baleado enquanto dormia”.
(...) “A mulher dele também estava na cama, mas de joelhos, como se tivesse sido subjugada antes de ser alvejada,
contou o deputado”. (...)
Título: Bando rouba carro e promove arrastão em restaurante.
Texto: “Na rua Jorge Beretta, Parque Erasmo Assunção, em Santo André, o bando invadiu um restaurante e
roubou celulares, carteiras, bolsas e até bíblias dos clientes”. (...) “Na mesma rua, os ladrões invadiram um salão
de beleza e fizeram mais um assalto. Em seguida, os criminosos assaltaram três garotas na saída de uma
lanchonete”.
Quadro 6 - Fait divers por causa inexplicável envolvendo crime misterioso
Quadro 7 - Fait divers de coincidência por repetição sobre arrastão em Santo André
72
Quadro 8 – Fait divers de coincidência por repetição sobre assaltos em Santa Teresa
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 13/10/2013, p.C-10
A quarta categoria de fait divers ainda se estrutura na ideia da causalidade, mas o foco
está na relação de coincidência dos eventos. Este tipo de fait divers é chamado de
coincidência por repetição e é explicado por Ramos (2004) como o igual que se repete de tal
forma que traz a diferença. Para exemplifica-lo, a matéria do quadro 1.7 aborda uma
sequência de roubos executada pelo mesmo grupo. A violência por si só espanta, mas a
repetição em demasia torna o evento ainda mais estranho, como se pode ver nos fragmentos
em destaque no quadro 1.7.
Outro exemplo que trabalha a mesma categoria de fait divers é o da matéria do quadro
1.8. Nesta notícia é retratada uma onda de assaltos que, assim como no exemplo anterior, tem
sido cometida pelo mesmo grupo, como se vê no olho da matéria. A repetição do
acontecimento é ressaltada na narrativa da matéria, reforçando a estranheza deste fato com
declarações das vítimas.
Quadro 9 – Enunciado sobre fait divers de coincidência por antítese
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 8/11/2013, p.C-8
Por fim, a quinta categoria também retrata a coincidência, mas quando esta ocorre pela
reunião de elementos antagônicos em um mesmo evento. Este tipo de fait divers é chamado
de coincidência por antítese, conforme as definições de Barthes (2007), e pode ser
exemplificado na matéria do quadro 1.9. Duas perspectivas distantes: a casa da idosa é
invadida, mas ela consegue matar o assaltante utilizando uma arma que carregava com ela há
35 anos. Uma terceira perspectiva também aparece: dois anos depois, a idosa morre em um
incêndio.
Título: Assaltos em série assustam turistas de Santa Teresa, no Rio.
Olho1: Ladrões em dupla, quase sempre em motos, têm atacado pedestres na rua do charmoso bairro turístico.
Olho 2: Reportagem conversou com oito vítimas recentes, uma delas atingida por um tiro dado por um criminoso.
Texto: “Eu entreguei na hora. E, mesmo assim, ele me deu um soco na cara. Depois, acertou um soco em
um dos meus amigos’, lembra Maiza”. (...) “Um deles atirou. A bala atravessou o vidro e atingiu o meu
estômago”.
Título: Morre em incêndio idosa que atirou em ladrão no RS.
Quadro 8 – Fait divers de coincidência por repetição sobre assaltos em Santa Teresa
Quadro 9 – Fait divers de coincidência por antítese
73
Segundo Ramos (2004), este tipo de fait divers geralmente é abordado para tratar de
inversões que geram consequências negativas, podendo, na narrativa, serem retratadas como
má-sorte ou cúmulo. Como é o caso do assaltante que provavelmente não esperava que uma
idosa de mais de 80 anos pudesse estar armada. Além disso, o autor também revela que esse
tipo de fato diverso é aquele que despe o homem de sua responsabilidade histórica: é
simplesmente uma fatalidade, que não poderia ser evitada, como a morte da idosa, que antes
havia conseguido se salvar.
b) Fantástico
Segundo Motta (2006), o fantástico não é habitualmente encontrado no jornalismo.
Isto porque, diferentemente do que ocorre na literatura, no cinema ou na pintura, o jornalismo
prioriza a linguagem objetiva, racional e referencial. A linguagem imaginária, à qual o
fantástico abre caminho, esvazia-se nos conteúdos dos jornais de referência. Eventualmente, o
autor revela que estas notícias aparecerem para suavizar as notícias duras do dia-a-dia. O
resultado desta pesquisa corrobora, portanto, o argumento do autor.
Quanto à tipificação de notícias do fantástico utilizadas como categoria de análise para
esta segunda etapa de pesquisa, obteve-se que, dentre as 10 matérias da amostra, quatro foram
sobre o fantástico-estranho, três sobre a causalidade imaginária, duas sobre o fantástico
cômico, apenas sobre bestiário e nenhuma relativa ao grotesco foi identificada. Esta
quantificação está relacionada no gráfico 2 a seguir:
Gráfico 3 - Categorias do fantástico
Fonte: da autora
74
O fantástico se manifestou timidamente nas matérias que compuseram a amostra deste
trabalho. Conforme visto na análise quantitativa, pouco mais de 3% das matérias de
jornalismo popular se encaixaram nas categorias do fantástico. A análise corroborou a
pesquisa de Motta (2006) que avaliou a ocorrência deste tipo de fato nas notícias como
sempre presente, porém pouco frequente. Característico da Literatura, para Motta (2006), o
fantástico tem seu espaço nos jornais, mesmo os de referência, mas é pouco explorado. Na
amostra, das cinco categorias de fantástico, apenas quatro foram verificados, pois não foi
encontrada nenhuma matéria que retratasse o grotesco (estéticas corporais dos indivíduos que
fogem de padrões sociais são retratadas de maneira irônica e divertida).
Quadro 10 Fantástico-estranho
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 13/12/2013, p.C-8
A primeira categoria observada na amostra pode ser verificada na matéria do quadro
1.10. É o fantástico- estranho, que segundo Motta (2006), caracteriza-se o evento inusitado,
que precisa de uma lógica incomum para ser explicado. Neste exemplo, o fato é que um carro
foi cimentado pelo seu dono em uma calçada de Belo Horizonte. O caso improvável é
resultado de uma briga de vizinhos disputando pelo uso do espaço público. A explicação é
incomum porque o espaço público, como o próprio nome denomina, não pode ter ser tomado
como propriedade privada, que foi o que o dono do carro fez.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 30/03/2014, p.C-10
Título: Roda presa.
Olho: Carro é cimentado em calçada de Belo Horizonte após disputa entre revendedor e responsáveis por obra em
imóvel vizinho
Título: Mesmo cansado e com doença rara, cão-guia não larga casal por nada.
Olho: Labrador de 8 anos tem hepatite; tratamento consome R$ 2.000 por mês dos donos
Texto: O cão também abre portas e amizades, encontra saídas, escadas, elevadores e banheiros, dá segurança e
conforto aos passos dos dois. (...) “Não é só gratidão. É amor. Nos sentimos na obrigação de fazer tudo o que for
possível por ele. Naquilo que sempre esperávamos do Wyatt, ele sempre nos atendeu prontamente. Nos resta fazer
o mesmo por ele”, conta Esvana.
Quadro 11 - Fantástico por causalidade imaginária
75
A segunda categoria de fantástico é a causalidade imaginária. Assim como nos fait
divers, há uma relação de causa e efeito, mas neste caso, as causas são pouco lógicas ou
implícitas, o que remete a uma explicação imaginária, como ao milagre ou ao destino. Na
matéria do quadro 1.11 há a exploração da ideia de que há uma espécie de destino que une a
história do casal à do cachorro. O cão é retratado como um animal prodígio, que realiza
atividades diferentes de outros cachorros e que, por isso, seus donos são privilegiados. A
narrativa da notícia explora a ideia também de que parte um sentimento do animal para com o
casal, como se o cão tivesse sido destinado a cuidar deles.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 3/8/2013, p.C-6
O fantástico também pode ser manifestado por fatos cômicos. Motta (2006) caracteriza
esta categoria pela retratação de desconcertos da vida, muitas vezes, inverossímeis e que, por
isso mesmo, podem provocar o riso. Como exemplo para este tipo de notícia fantástica, pode
ser utilizada a matéria do quadro 1.12. A reportagem relata que uma mulher estava com seu
amante em um motel e acabou perdendo a hora. Para justificar o atraso ao marido, o amante
sugeriu à mulher que ela comunicasse à polícia que havia sido sequestrada, mas que havia
conseguido fugir do cativeiro. Percebendo as falhas da história da mulher, a polícia a
pressionou e ela confessou a mentira. Além de ter de responder pela falsa comunicação de
crime à polícia, a mulher teve a traição descoberta pelo marido durante a investigação. Como
se pode notar, o caso é desconcertante e de tão improvável, é também cômico.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano 2, publicada em 14/9/2013, p.C2-3
Título: Mulher forja sequestro para ocultar traição em SC.
Olho: Casada, ela se atrasou no motel com amante
Texto: O cão também abre portas e amizades, encontra saídas, escadas, elevadores e banheiros, dá segurança e
conforto aos passos dos dois. (...) “Não é só gratidão. É amor. Nos sentimos na obrigação de fazer tudo o que for
possível por ele. Naquilo que sempre esperávamos do Wyatt, ele sempre nos atendeu prontamente. Nos resta fazer
o mesmo por ele”, conta Esvana.
Título: ‘Voz do além’ em ônibus surpreende passageiros.
Olho 1: Usuários aprovam veículos hi-tech testados, mas criticam superlotação.
Olho 2: 'É muito bom, dá para falar com a garagem direto. O que não muda é o trânsito', diz motorista de linha com
tecnologia.
Texto: “Tomei um susto, mas o cobrador me explicou o que era e hoje já acostumei’, conta a passageira”.
Quadro 12 - Fantástico cômico
Quadro 13 - Fantástico bestiário
76
A quarta e última categoria do fantástico identificada nas notícias da amostra é a
chamada bestiário. Conforme as definições de Motta (2006), este tipo de notícia retrata
acontecimentos que podem gerar nas pessoas associações a símbolos cósmicos ou espirituais,
como é o caso da matéria do quadro 1.13, utilizada para representar a utilidade como valor-
notícia. A reportagem trata de um recurso em teste implantado pela Prefeitura de São Paulo
que utiliza dispositivos de alto-falantes dentro dos ônibus para dar informações aos usuários
do transporte. O fato é corriqueiro, mas abordagem narrativa é construída de forma a ressaltar
a surpresa dos passageiros nos primeiros dias de implantação do sistema. O título, como pode
ser visto no quadro 1.13, reforça a tentativa de associar o evento a símbolos espirituais, como
se vê também no fragmento do mesmo quadro.
4.3. Análise qualitativa do conteúdo
Conforme mencionado, a análise qualitativa do conteúdo foi feita com o objetivo de
analisar as matérias de entretenimento (fait divers e fantástico), buscando identificar
características que pudessem vincula-las ao interesse público. Estas características são as
categorias de análise definidas nos procedimentos metodológicos do trabalho, que são a
contextualização e a utilização de fontes especialistas ou oficiais.
Durante a realização desta etapa de pesquisa, contudo, observou-se que outros valores-
notícia predominantes no jornalismo popular – a proximidade e a utilidade – apareceram
conjugados às notícias de entretenimento analisadas. Assim, estes critérios também foram
avaliados porque se constatou que a forma como foram abordados nas narrativas jornalísticas
contribuiu para a questão de vinculação do interesse público com o entretenimento. Os
resultados seguem descritos abaixo.
4.3.1. Proximidade e personalização no entretenimento
A proximidade como critério de noticiabilidade não é uma novidade do jornalismo
popular. Ao tratar sobre a categorização dos valores-notícia anteriormente, falou-se da
subdivisão proposta por Traquina (2008) que distingue os critérios substantivos e os critérios
contextuais. Tal distinção é fundamental para entender porque a proximidade assume outro
lugar quando na perspectiva do jornalismo popular. Este critério é substantivo, segundo a
designação de Traquina (2008), e está relacionado ao acontecimento antes da construção da
77
notícia, ou seja, à forma como ele está na realidade, com suas características inerentemente
geográficas de proximidade que o farão ser selecionado para se tornar notícia. Partindo disso,
poderia se considerar que qualquer acontecimento local, fosse político ou econômico, seria
próximo, se considerada a sua distância geográfica.
De outra perspectiva, Amaral (2006) avaliou que o valor de proximidade envolve mais
uma questão de distância social. Isto significa que ela considera também de que forma o fato
noticiado poderá impactar a vida de um cidadão comum. Desse modo, ainda que um fato
político ou econômico tenha relação próxima de distância geográfica, para o jornalismo
popular, se ele não estiver efeito prático e visível na vida das pessoas, dificilmente será
selecionado. Assim, a proximidade, para a notícia popular, deve ter feito de personalizar o
fato, ou seja, coloca-la em um plano no qual o leitor se sinta parte do acontecimento ou
mesmo representado pelos personagens que nele estão.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 21/2/2014, p.C-1
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 21/2/2014, p.C-3
A matéria do quadro 1.14, que é capa do caderno Cotidiano, fala respeito de um fato
que constitui relação de proximidade geográfica, uma vez que o jornal tem origem em São
Paulo e o evento ocorreu no interior do Estado, e também político, por tratar de um problema
estrutural e social, relacionado ao programa do Governo Federal “Minha casa, minha vida”. A
questão popular se torna evidente quando a proximidade fica submetida ao momento da
construção narrativa (TRAQUINA, 2008). Segundo o autor, é nesse momento que se define
se a notícia será simplificada, amplificada ou mesmo tornada relevante para o leitor comum.
Título: Invasores destroem imóveis do Minha Casa.
Olho 1: Moradores incendiaram apartamentos na zona leste em retaliação à desocupação pela PM, que fala em
ação de infiltrados.
Olho 2: Confronto com polícia deixou 2 detidos e 21 feridos; invasores acusaram tropa de agir com violência.
Título: 'Se eu não for morar, ninguém vai', diz invasora sobre destruição.
Olho 1: Extintores de incêndio foram usados para depredar apartamentos desocupados em Itaquera.
Olho 2: Ocupantes retirados do condomínio Caraguatatuba pela polícia colocaram fogo em alguns imóveis.
Texto: “É o desespero do povo. A gente achou que poderia ficar aqui, que conseguiríamos negociar”,
dizia o motorista Ricardo de Castro, 30
Quadro 14 - Proximidade geográfica como valor-notícia
Quadro 15 - Proximidade com a realidade da comunidade abordada
78
Ainda neste sentido, na construção narrativa da suíte (quadro 1.15) da matéria do quadro 1.14,
nota-se que o conteúdo é trazido para perto do leitor que pode estar vivendo situação
semelhante, que seja beneficiário do programa, que necessite de moradia etc.
Esse exemplo pode ser relacionado ao grau de amplitude e radicalidade de um
acontecimento que Genro Filho (1987) vincula ao que ele chama de totalidade social
considerada e também às significações que são constituídas no ato de produção da notícia.
Isto, para o autor, contribui para que mesmo o fato singular – como é o caso da suíte da
matéria que traz o ponto de vista pessoalizado da situação – possa assumir um caráter de
interesse público e, com isso, promover valores de cidadania.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 3/7/2014, p.C-8
O acontecimento do quadro 1.16 tem relação de distância geográfica, já que é
verificado em uma cidade da região metropolitana de São Paulo, mas, ao mesmo tempo, atrai
a atenção do leitor local devido à gravidade da situação e por aproxima-la da realidade de um
cidadão. A personalização observada na fala da moradora no quadro 1.16, por exemplo, faz
com que a narrativa da notícia seja humanizada. Segundo Amaral (2006), nos jornais
impressos, a utilização de fontes populares tem um histórico tímido de inclusão, geralmente,
em detrimento das fontes de maior importância social, econômica e cultural. Para a autora, é
por meio do cotidiano retratado pela imprensa que as pessoas reafirmam seus lugares em
sociedade. Dentro desta perspectiva de que o jornal de referência está inovando, ao utilizar a
personalização do fato, a participação do leitor como fonte jornalística é legitimada.
Título: Incêndio destrói loja em Santo Amaro.
Olho 1: Fogo de grandes proporções começou em depósito na zona sul; rede teve dois casos semelhantes no ano
passado.
Olho 2: Não houve vítimas, mas 12 imóveis foram interditados; mais de 160 bombeiros atuavam para combater o
fogo.
Texto: Mais de 160 homens foram mobilizados para conter o incêndio. Às 23h, 99 bombeiros e 33 carros da
corporação ainda trabalhavam no combate ao fogo, que começava a ser controlado. Um helicóptero da PM
acompanhou a operação. A Defesa Civil retirou 153 pessoas de um prédio residencial em frente à loja, para que
não inalassem a grande nuvem negra que se formou. “Tive que sair de casa por conta da fumaça”, disse a
moradora Jaiara Albuquerque.
Quadro 16 – Proximidade geográfica e a narrativa humanizada
79
4.3.2. Utilidade no entretenimento
Como forma de assumir para o público papel de intermédio entre ele e o Poder
Público, os jornais, ou a mídia de modo geral, tem como valor-notícia a utilidade. Este valor
também não é uma novidade e nem é restrito ao jornalismo popular, pelo contrário, para
Abreu (2013), a noção de um jornalismo voltado para a responsabilidade social sempre
existiu, mas isto é reforçado sempre que a narrativa jornalística popular é construída de modo
a cobrar os direitos mais básicos dos cidadãos, principalmente, quando isso demanda
resultados rápidos e efeitos práticos. Matéria sobre saúde, educação, segurança ou outros
assuntos de caráter público integram os assuntos de utilidade.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano 2, publicada em 14/9/2013, p.C2-1
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 11/12/2013, p.C-6
A matéria do quadro 1.17 exemplifica a utilização da utilidade como critério de
noticiabilidade. A partir do texto, é possível notar que há na utilidade um caráter de prestação
de serviços para o cidadão, nesse caso, com relação ao transporte público e todas as questões
de segurança, qualidade e bem-estar para quem dele depende. O assunto é também fato
Título: SP testa ônibus que ‘fala’ e flagra quem invade a faixa.
Olho 1: Desde julho, 5 linhas têm dispositivos como wi-fi, alto-falantes, letreiros e câmeras.
Olho 2: Sistema também permite identificar automóvel que utilizar corredor exclusivo de forma indevida.
Texto: “Hoje a gente sabe quantos passageiros andaram, mas não quantos estão neste momento dentro do ônibus.
Com a operação controlada, dá pra saber quais ônibus estão lotados e enviar uma ordem ao motorista de não parar
mais”, diz Adauto Farias, diretor da SPTrans.
Título: Mais de 1.000 ficam desabrigados após incêndio em favela.
Texto: Outras casas serão avaliadas para saber se há necessidade de interdição. As famílias serão cadastradas pela
prefeitura para receber assistência. Segundo a Secretaria de Habitação, a área já havia sido desocupada, porém as
famílias voltaram a se estabelecer no local.
Quadro 17 - Utilidade como valor-notícia
Quadro 18 – Nota com a utilidade como valor-notícia
80
político, por se tratar de uma ação da Prefeitura de São Paulo, mas ao trazer exemplos práticos
das mudanças para a vida do cidadão, a matéria assume um perfil de manual para os cidadãos.
Assim, o exemplo confirma a afirmação de Abreu (2003) de que há exploração do
critério de “utilidade social” nos jornais de referência. Mas, mesmo nesses jornais, ela adquire
viés de jornalismo popular porque se manifesta em escolhas e ações que atendem aos
interesses dos cidadãos de forma direta. Pode-se perceber isso no quadro 1.18. Trata-se de
uma pequena nota, trazendo informações de forma objetiva sobre o acontecimento que
poderiam se referir apenas a uma relação de proximidade. Contudo, ao final, a matéria traz
seu caráter de utilidade social, como pode ser visto no texto do quadro 1.18.
4.3.3. Contextualização e fontes no entretenimento
Segundo Amaral (2008), contextualizar significa conectar as notícias de
entretenimento ao contexto social que geraram os acontecimentos que elas retratam. Para a
autora, tornar públicas histórias inusitadas ou surpreendentes, dramas, situações absurdas,
dentre outras características do entretenimento – aqui representadas pelos fait divers e
fantástico – deixando-as apenas no plano da rotina e do cotidiano, não contribui para a
formação de um leitor interessado por temas públicos.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 3/8/2013, p.C-6
Quadro 20 – Enunciado sobre a contextualização da notícia para a realidade do leitor
Título: PMs presos no Rio irão da cadeia para a rua.
Olho 1: Decisão beneficia policiais retidos em quartéis em todo o Estado; protestos fizeram PM cancelar folga da
tropa.
Olho 2: Medida chega no momento em que comissão investiga atuação das polícias nos protestos de rua.
Texto: “Os detidos serão soltos e poderão voltar a trabalhar nas ruas. Na ficha funcional, a menção à ocorrência
será mantida, mas agora sem consequências práticas”. (...) “PMs que tiveram a prisão decretada pela Justiça serão
mantidos presos”. (...) “Os motivos que podem levar PMs a ser detidos vão de faltas a envolvimento com
traficantes ou jogo do bicho”. (...).
Título: Depois de morto, homem tem suas 2 famílias ‘legalizadas’.
Texto: “Com o reconhecimento das duas uniões, as mulheres poderão receber pensão. Uma delas e o Ministério
Público recorreram da decisão” (...) “Bigamia é crime. União estável, não’, disse o juiz”. (...) A decisão é de abril,
o processo corre em segredo de Justiça e o tribunal fez uma enquete em rede social sobre o caso, para saber a
opinião das pessoas sobre a decisão.
Quadro 19 - Contextualização da notícia para a realidade do leitor
Quadro 20 - Contextualização da notícia para esclarecimento do leitor
81
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 13/9/2013, p.C-4
Quadro 21 – Enunciado sobre a contextualização da notícia para a realidade do leitor
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 6/8/2013, p.C-9
Para exemplificar de que forma a contextualização se constroi na narrativa dessas
notícias, pode ser utilizada a matéria do quadro 1.19, enquadrada como fait divers do tipo
coincidência por antítese. Nesta notícia, não é só retratada a situação escandalosa de que
policiais estejam presos e do espanto que pode gerar que eles estejam sendo liberados para
que voltem a atuar, os motivos são também relatados, além de alguns esclarecimentos e há
também trechos que demonstram os benefícios de maior efetivo policial nas ruas para a
população, o que pode ser comprovado nos fragmentos destacados no quadro.
Outro exemplo de contextualização está na matéria do quadro 1.20. Trata-se de um
acontecimento fantástico cômico e, por seu potencial de entreter, poderia ficar neste nível,
destituindo o leitor da capacidade de compreender o contexto em que vive, como fazer os
jornais populares, segundo Amaral (2008). Contudo, esta matéria, apesar de ser publicada a
partir de um valor-notícia de entretenimento, não deixa de lado a importância de informar,
contextualizando o que pode ser correlacionado. Dessa forma, a notícia aborda leis
relacionadas ao assunto, como pode ser notado nos fragmentos em destaque no quadro. Além
disso, a narrativa destaca a atitude democrática do juiz que tomou conta do caso.
Com relação às fontes utilizadas nas matérias, é importante dizer que as populares já
são destacadas nesses tipos de informação cotidiana. Faz parte do que foi trabalho
anteriormente na categoria de personalização, para dar voz e maior participação ao cidadão
comum na notícia, para que se sinta representado. Diferentemente, as fontes especialistas
acabam sendo fundamentais no processo de contextualização da notícia, para dar legitimidade
à informação. Isto porque, segundo Amaral (2008), a fonte popular é útil para explicar seu
mundo, mas é o especialista que irá contextualiza-lo no ambiente público e viabilizar a
reflexão para o alcance da cidadania.
Título: Em SC, polícia flagra menino de 11 anos dirigindo em rodovia.
Texto: “O carro foi retido e o dono deve responder pelas irregularidades do veículo. Entregar a direção do veículo
a pessoa sem habilitação ou permissão para dirigir é infração de trânsito gravíssima”. (...) “Segundo a PRF, o pai
também responderá criminalmente pelo ato. A punição prevista no Código de Trânsito é de seis meses a um ano de
detenção ou multa”.
Quadro 21 - Contextualização da notícia para alertar o leitor
82
O exemplo utilizado para explicar a contextualização, sobre a legalização das duas
famílias do homem morto (quadro 1.20), pode também ser usado para exemplificar o uso da
fonte. Isso porque é um especialista, no caso o juiz, quem esclarece as questões legais
relativas ao caso, conforme mostrado anteriormente.
Já na matéria do quadro 1.21, enquadrada como fait divers de coincidência por
antítese, é utilizada a Polícia Rodovia Federal (PRF) como fonte para a contextualizar e
privilegiar a informação, em detrimento da surpresa absurda de um pai deixar o filho de 11
anos dirigir, como pode ser visto nos fragmentos destacados pelo quadro.
83
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados obtidos em toda análise feita nesta pesquisa culminam sinteticamente em
dois resultados: em primeiro lugar, notou-se um aumento significativo no número de notícias
características de jornalismo popular veiculadas no jornal de referência; e em segundo lugar,
houve uma utilização de recursos na construção da narrativa noticiosa que revelaram que não
houve declínio por parte do jornal em se manter comprometido com o interesse público. Foi
possível notar que, portanto, um resultado incorreu no outro, uma vez que se percebeu que
apesar de o jornalismo de referência se mostrar preocupado com a queda nos níveis de leitura
e circulação periódica dos impressos, ainda há significativo compromisso em manter o nível
de qualidade e confiabilidade nas notícias produzidas.
Com relação ao primeiro aspecto observado, a análise comparativa demonstrou que
houve maior preponderância de narrativas vinculadas aos valores-notícias do jornalismo
popular: a proximidade, a utilidade e o entretenimento. Conforme visto na discussão teórica a
partir de Fernandes (2012), a utilização da noticiabilidade por este viés não revela um desvio
no processo jornalístico, quando conformada ao seu contexto determinante. Isto é, os valores-
notícia citados são comuns no jornalismo popular e em outras manifestações jornalísticas há
bastante tempo, de tal modo que a utilização destes critérios não revela um desvio. A
novidade aqui se constrói na constatação de que estes valores têm sido observados em outro
contexto: o do jornalismo de referência.
Segundo Sant’Anna (2008), habitualmente, os jornais de referência sempre foram
reconhecidos pela utilização de linguagens e conteúdos politizados em detrimento de notícias
vinculadas à cotidianidade e aos hábitos do homem comum. Estas duas últimas características
estão geralmente associadas ao conteúdo de entretenimento, distantes da noção de um
jornalismo que busca exercer seu papel de intermediar as demandas da sociedade com o Poder
Público. Isto porque muitas vezes se manifestam em um jornalismo carente de uma dimensão
contextual dos fatos e, consequentemente, de uma reflexão acerca da realidade social para
agregar valores de cidadania e democracia ao público, conforme observou Amaral (2006).
Sendo assim, a utilização da noticiabilidade comum do jornalismo popular pelo
jornalismo de referência poderia ser questionada, atribuindo a esta mudança estrutural uma
estratégia de colheita, conforme descreveu Meyer (2007), para que o jornal apenas não
perdesse seu espaço no mercado e a sua lucratividade, não estando preocupado com a
qualidade de seu produto. Contudo, o que se notou, conforme o segundo aspecto dos dados
84
obtidos, foi que o jornal manteve um rigor jornalístico no tratamento dos acontecimentos
noticiados, ainda que estivessem enviesados no objetivo de entreter o público leitor. Estas
características foram analisadas de forma aprofundada nas notícias do fantástico e de fait
divers veiculadas pelo jornal Folha de S. Paulo, nas segunda e terceira etapas da análise.
Motta (2006) descreveu como notícias do fantástico aquelas que tratam de
acontecimentos que, em um primeiro momento de contato com a informação, remetem a uma
lógica absurda de explicação. Segundo o autor, estas notícias levariam a um afastamento
provisório da realidade, uma vez que sua abordagem, inevitavelmente, seria retratada de
forma mais suave, desafiando a objetividade do tratamento linguístico das narrativas. Distante
da realidade e com o objetivo de entreter, ao noticiar acontecimentos insólitos, poderia se
questionar se a exploração do fato fantástico não estaria relegando a informação ao segundo
plano, mas o que se observou foi que em grande parte destas notícias houve tratamento
rigorosamente objetivo, conferindo destaque maior aos elementos informativos.
Dentre as notícias analisadas na segunda etapa da pesquisa, um porcentual baixo foi de
notícias do fantástico, o que demonstrou que a narrativa mais lúdica tem espaço mínimo neste
jornal. Elas apareceram perceptivelmente como formas de atrair a atenção do leitor e, mesmo
assim, não deixaram de apresentar elementos importantes para ampliar a visão de mundo das
pessoas, com descrições objetiva dos fatos, contextualizações políticas, econômicas ou sociais
que pudessem ter motivado o evento; e a utilização de fontes especialistas e/ou oficiais. Como
destacou Amaral (2006), não deixar de lado estas premissas é muito importante, pois tornar
visível e dar repercussão a fatos para entreter pode promover uma aproximação com o público
e ampliar a rede de leitores, mas isto por si só não é garantia de um jornalismo de qualidade
porque não significa que o tema será esclarecido.
Com relação às notícias dos fatos diversos ou fait divers, observou-se uma maior
ocorrência. O que neste caso pode ser destacado é que a imanência pressuposta na definição
desta categoria de notícias, feita por Barthes (2007), que incorreria, inevitavelmente, em uma
notícia sensacionalista, pode ser contestada. Para o autor, todos os desastres, crimes e outros
acontecimentos estranhos do mundo não poderiam remeter a nada além deles mesmos. De
fato, a marca de exploração destes tipos conflitos se manteve, já que é condição inerente para
a classificação dos fait divers, explorar as emoções dos leitores e espectadores, como recurso
para gerar audiência. Contudo, a abordagem destes conteúdos não ficou apenas no âmbito do
entretenimento, já que os recursos para desencadear a emoção e a distração dos leitores
ficaram a cargo apenas do fato inerentemente conflituoso, mas a abordagem jornalística não
85
se rendeu a tentar tornar o evento um espetáculo emocional ou sensacionalista. Os
acontecimentos foram, portanto, tratados de forma que pudessem mostrar ao leitor, seus
hábitos estabelecidos socialmente no cotidiano, bem como as consequências de cada ação
para a vida própria e para a vida alheia. Esta constatação foi feita mediante a análise de como
era realizada a contextualização dos eventos associadas às fontes e revelou, portanto, um
compromisso em estabelecer valores de cidadania, consequentemente de interesse público.
O jornal Folha de S. Paulo, mesmo sendo um jornal de referência, tem buscado atingir
novos públicos, veiculando notícias que o aproximam da realidade cotidiana do local em que
ele se origina. A proximidade e a utilidade, valores-notícia comuns aos tipos de jornalismo –
tanto do popular quando do de referência – ganham outra perspectiva ao trazerem os fatos
para perto da vida prática do leitor, não se restringindo apenas à veiculação de notícias
políticas sobre a cidade e o Estado de São Paulo. O entretenimento, por sua vez, foi outro
valor-notícia que também se manifestou expressivamente na cobertura do jornal, como
reflexo desta tentativa de aumentar a audiência em um período histórico no qual os jornais,
especialmente os de referência, têm perdido em número de leitores. O que se percebeu foi que
esse este tipo de notícia, que retrata fatos atrativos, teve destaque na cobertura, mas a
narrativa jornalística se construiu de tal modo que se manteve notável a preocupação do jornal
em manter a credibilidade para com seu público estabelecido anteriormente a esse movimento
de perda de audiência, evitando-se o tratamento sensacionalista dos acontecimentos
abordados.
Assim, o que se pode concluir deste estudo é que o jornal Folha de S. Paulo, expoente
dos jornais de referência brasileiros, representa uma nova tendência como reação ao que vem
acontecendo no mercado jornalístico, diante das novas tecnologias no âmbito da comunicação
e da perda de leitores. Este movimento de popularizar as notícias, tornando-as, ao mesmo
tempo, entretenimento e informação relevante para o leitor, foi, portanto, identificado no
jornalismo de referência e pode não estar ocorrendo apenas nos impressos, mas também no
rádio, TV e até na internet. Isto significa que a partir desta pesquisa, a exploração dos fait
divers e das notícias do fantástico pode também ser analisada em outras plataformas de modo
a perceber que o interesse público e entretenimento podem ser entrelaçados no jornalismo e
que tornar o conteúdo atrativo não significa, necessariamente, torna-lo sensacionalista.
86
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