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3 JOSÉ DEMÉTRIO COELHO _____________ #####∞∞##### ––––––––––––– Recordações de Oliveira ******** ******** 1ª Edição Gráfica “Planeta” Divinópolis – Minas 1950

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JOSÉ DEMÉTRIO COELHO

_____________ #####∞∞##### –––––––––––––

Recordações de Oliveira

******** ********

1ª Edição

Gráfica “Planeta” Divinópolis – Minas

1950

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Em branco

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A Quem Ler

Apresentando estas “Recordações de Oli-veira”, não temos a pretenção de historiar aquela terra querida ou de relatar fatos de sua vida genealógica. O que pretendemos fazer é, apenas, relatar episódios folclóricos ali ocorridos, fatos aliás banalíssimos em qualquer parte.

Alguns destes, aqui registrados, foram por nós mesmo presenciados, outros nos foram contados por amigos. Pequenas coisas, feitos transitórios, ocorrências chistosas que ou ficam integrados na vida do lugar, passando a tradição, ou se perdem nas dobras do passado. Contudo, é-nos gratos recordá-los sempre, porque o que se foi nos acalenta um sonho, do qual não desejamos despertar.

Na mutação do tempo, no evoluir da vida, mudam-se os costumes como os panoramas e, por isso mesmo, devemos gravá-los para a recordação. Escondem-se muitas vezes no ignoto feitos gloriosos, heroismos patenteados, caracteres provados…

Toda terra tem seus acontecimentos notáveis, o seu pitoresco, o seu folclore, enfim. Ora se nos apresentam eles cheios de fantasias, ora palpitantes de realidade.

As gerações se sucedem e avançam em carreira vertiginosa pelo tempo afora, quase

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sempre despreocupada da provisão para a ca-minhada; muita coisa fica para traz, as ninharias de que pensam prescindir! Julgam encontrar tudo no futuro. Raramente se pensa no passado, porque o presente, ambicionando o futuro, satura-nos o espírito de quimeras.

Devemos recordar o passado porque ele, ideologicamente, é mais agradável que o presente.

Os fatos que mais calam no espírito são a- queles que nos vêm através do tempo e nos parece vê-los como se fosse numa camara estereoscópica.

As coisas se transformam, os panoramas tomam aspectos diversos, os homens desaparecem na voragem do tempo, as tradições procuram acompanhar a evolução, mas nossa retina grava tudo e a lembrança dá-lhes forma para a recordação.

A ausência dos que desapareceram no si-lêncio de um túmulo causa-nos saudades! Uma casinha velha metida num prado florido; a mata fechada e rescendente de aromas, onde caçávamos o nhambú e os tucanos; o regato serpenteante, a grama verde que atapetava as praças e ruas; a fonte que jorrava água cristalina e fresca dia e noite, tudo, tudo desaparecido sob o império do progresso e da ativi- dade humana, nos deixa um misto de saudade e mágoa! Mas tudo isso acalentamos na lembrança!

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Lá, ao longe, já bem distante, os folguedos da infância; os sítios amenos percorridos, as estradas palmilhadas; os trabalhos escolares e as festas nos exames no fim do ano, com farta mesa de biscoitos… os amigos de intermináveis horas de recreio – esses mesmos que não vemos mais e nem sabemos para onde se foram… só mesmo a recordação nos poderá trazê-los até nós, na acalentadora esperança de revê-los, se vivos, ou então na triste saudade da separação, se mortos!

Embalemo-nos pois na doce recordação do passado!

Carmo do Cajurú, ano de 1940.

JOSÉ DEMÉTRIO COELHO

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O Sino Possuía Oliveira, até pouco tempo, na igreja

matriz, o sino de som mais harmonioso que se conheceu. Era o sino do Santíssimo Sacramento, esse mesmo que viera juntamente com a velha igreja, embalados em lendas tão velhas quanto a “picada de Goiaz”, que dera origem à cidade. Não tinha símile o seu som!

As ondas sonoras que dele irradiavam per-corriam o espaço, repercutindo de quebrada em quebrada, numa extensão de alguns quilômetros. Quem o ouvia uma vez, jamais poderia confundí-lo com outro qualquer.

Ocupava esse sino a torre direita da igreja e se destinava, em particular, a prestar em dobres tocantes e cheios de nostalgia, homenagens aos irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento, nos seus funerais.

Um dia, afinal, veio perdê-lo uma badalada infeliz, inutilizando-o para sempre. Aquele sino que era o orgulho do oliveirense!

Dobrava ele, um dia e, como costumava, os ouvidos estavam atentos, ouvindo-o com enlevo quando, repentinamente, mudara-se-lhe o som. Pareceu-nos que agudo punhal nos penetrava, ferindo-nos mortalmente a alma!

– Que teria acontecido? indagava todo mundo. – Talvez a má colocação do badalo –

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aventurava alguém. Mas, não! Dura realidade! Estava fendida a bacia, trincara-se o sino!

O povo, já aglomerado à porta da igreja, não escondia a angústia que lhe invadia a alma, tão habituado estava ele com o seu embalar naquela melodia mágica e portentosa!

Como se originara a fenda no bordo da bacia, fácil seria conseguir-se o mesmo som, uma vez isolada – opinava alguém. Dentro de poucos instantes lá estava no alto da torre o Stanislau Dominik, de serra em punho, fazendo desprender, a cada operação, um jorro dourado que se ia depositando na amurada, no assoalho e pela escada abaixo, como se fosse o sangue de vítima numa operação!

Baldados esforços! Cada vez que era agitado o badalo, emitia o sino som mais estertorado, que mais parecia um grito lancinante de dor de agonizante!

Debalde se procurou remediar o mal, nada foi possível. Afinal, transportado para Divinópolis, foi o velho sino refundido nas Oficinas da Rede Mineira de Viação, sob a fiscalização do sr. Romualdo Silveira, como representante do Revmo. Pe. José Ferreira de Carvalho, com recomendação expressa de ser aproveitado o mesmo material, que segundo se dizia, era constituído de preciosa liga.

Voltando o sino à antiga posição quis, tam-bém, fazer coro com os oliveirenses no seu pe-

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sar e cada nova badalada era mais uma ilusão desfeita, nova punhalada vibrada no coração daquele povo, cujos ouvidos estavam habituados àquele som que embalava a alma.

Nunca mais aquele badalar plangente, que durante as solenidades da Semana Santa, nos parecia dizer todo o drama do Calvário!

Esse sino, cuja fama corria já além de nossos limites fôra, segundo a tradição, fundido ali mesmo em Oliveira, por um obreiro ambulante e sob as vistas do Vigário da freguezia. Três vezes fôra experimentado e outras tantas refundido, até que emitira aquele som portentoso que agradara a audição sensível e exigente do pároco.

Quando se fundia o sino – dizem – fôra lançado um apelo à população, para consecussão de ouro e prata para melhoria da liga, porquanto não bastaram as canastras que de todos os recantos do município vieram abarrotadas. Logo afluíram as dádivas espontâneas e homens e senhoras ali mesmo se despojavam de jóias e objetos de ouro e prata, moedas, etc., que eram atirados para dentro do ca-dinho encandescente, onde se desfaziam constituindo a liga que viria dar ao notável sino aquele som que por tantos anos foi o enlevo do oliveirense!

Entretanto, não se ouvirá jamais aquele ba-a-lão! ba-a-lão, que tanto enlevou a cidade.

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Semana Santa A Semana Santa é comemorada em Oliveira

com religiosidade e pompa. É a festa máxima do oliveirense, se bem que muito diferente da que se fazia antigamente.

Dizia o saudoso Alfredo Moreira da Cruz que o oliveirense, estando em Paris, gozando dos encantos da cidade luz, ali não se demorava um dia mais, sequer, quando se aproximava a época da Semana Santa em Oliveira. Nada conseguia prendê-lo ali, queria vir gozar os sete dias de uma semana que passa tão depressa!

Com que prazer não se reviam os conhe-cidos nessas ocasiões!

Uma semana antes de se iniciar a festa, era já desusado o movimento na cidade. Os alfaiates trabalhavam dia e noite a fio, o mesmo acontecendo às costureiras. Entrava a semana da festa sem que esses artistas da agulha tivessem conseguido ultimar os vestuários.

Desde a ante-véspera de Domingo de Ra-mos, começavam a chegar os fazendeiros e os moradores das zonas rurais, que se vinham aboletar na cidade em casas próprias e de alugueis. Formavam-se grupos nas ruas, nas esquinas, nos negócios onde amigos se deparavam e num dedo de prosa matavam as saudades!

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Enquanto isso, passavam pelas ruas os ca-valeiros e amazonas que chegavam das fazendas ou os carros de bois conduzindo malas, sacos e colchões para a estada na cidade.

Os trabalhadores da Câmara Municipal, que haviam terminado a capina das ruas e praças, agora recolhiam os destroços e varriam os logradouros.

Gente por toda a parte, alegria em profusão. Tentemos uma descrição das solenidades. Depois da trasladação da incomparável ima-

gem de Nossa Senhora das Dores – obra prima da escultura portuguesa – que viera de Portugal conjuntamente com a não menos expressiva imagem de Nosso Senhor dos Passos, encomendada pelo saudoso comerciante português sr. Antonio Campos – dava-se início, no dia seguinte, ao Setenário de Dores. Conservou-se sempre tradicional repertório musical para todas as solenidades. A orquestra dirigida pelo maestro Roque Emílio da Silveira, reunia um seleto elenco de músicos. Começava o Se-tenário com o Domine e Veni do Padre José Maria Xavier e, em seguida, vinham as músicas do saudoso João da Mata. A Ladainha de Dores, um verdadeiro primor de arte e harmonia, toda em transportes de tons da primeira a última parte, com três solos: Baixo, Tenor e Contralto, nos quais se ouviam Cornélio de

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Castro, Miguel Arcanjo da Silveira e D. Maria Antônia da Silveira, sucedidos respectivamente por Jonatas da Assunção e D. Malva de Oliveira.

A igreja rescendia a fresco rosmaninho desfolhado por toda a extensão da nave. O povo se acotovelava, permanecendo ora de joelhos ora de pé, por que a igreja ainda era desprovida de bancos.

A iluminação era a acetileno que produzia uma luz clara e forte. O gasômetro era instalado num vão do coro, à esquerda e dali partiam os canos de chumbo que distribuiam o gaz nos lustres e bicos, por toda a igreja.

Quase sempre no último dia de setenário fazia-se a primeira procissão do depósito, que era o da imagem do Senhor dos Passos, da Matriz para a Capela dos Passos, sendo a imagem de Dores trasladada no dia imediato para a Capela da Santa Casa – anteriormente para a Capela do Rosário.

Compareciam os músicos para a procissão do depósito, rigorosamente vestidos, isto para evitar o que acontecera ao João Luiz do Prado, certa vez, que tivera de encostar seu helicon no adro da Capela dos Passos para voltar em casa afim de trocar de roupa, pois, (lhe dissera o Padre José Teodoro) não sairia a procissão se tal não se desse. Havia severidade mas a exigência concorria para a grandiosidade dos festejos.

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Domingo de Ramos: – Solene Missa can-tada, com bênção das palmas, saindo em seguida a procissão do Senhor do Triunfo, que contornava a igreja ao som de festiva marcha pela banda de música, fogos e repiques de sino. Desfilavam os homens de palma à destra, muitas das quais deixavam pender laços de fitas com franjas douradas.

Terça-feira: – Amanheciam as ruas re- gorgitantes e os comerciantes, com as casas cheias, se entregavam a um estafante comércio, dali saindo os freguezes sobraçando embrulhos de todo o tamanho, ficando os balcões atravancados de caixas de chapéus, de calçados, peças de fazendas, etc. Os sapateiros lustravam as botas recem-confeccionadas e ainda davam as últimas marteladas nos saltos dos borzeguins que deviam entregar à tarde.

Ao meio dia o sino dobrava e o seu badalar aprestava a quantos ainda tinham um trabalho a terminar.

Pelas ruas passavam os alfaiates com os temos pretos de casemira suspensos das mãos; mocinhas e meninas transportavam os diademas e as níveas asas dos anjos, outras conduziam os bastões de São José. Esse vai-e-vem festivo emprestava à cidade um aspecto alegre, comunicativo e agradável.

Lá para as quatro horas da tarde começava o povo a transitar em direção da Capela

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dos Passos, onde às cinco horas da tarde sairia a procissão de Passos, ou do Encontro.

Já, a meia ladeira, se encontrava o João Mariola, conduzindo o grande Pendão, estandarte do SENADO ROMANO no qual se vê gravadas as letras S. P. Q. R. precedendo a procissão. Quatro homens sustêm nas mãos as cordas que o devem manter ereto (hoje menor, devido aos fios de iluminação) e, vagarosamente, vai desfilando a enorme massa humana em duas alas, enquanto os festeiros sobraçando alvíssimas velas de cera, as distribuem ao povo para a iluminação do préstito. Na Capela, ainda, a imagem do Senhor dos Passos, rescende suavíssimo perfume de manjericão que, em grande quantidade, cobre todo o andor.

Chega o Oficiante, revestido de Capa d'As- perge roxa e incensa o andor, enquanto os músicos entoam o muteto: Ó Vós Omnis… após o que os carregadores, provando exuberante musculatura, sustêm nos braços o andor, enquanto os serviçais da festa arrastam as mesas em que ele se apoiava, num ruído estrepitoso. Vai então lentamente a procissão galgando a ladeira e a banda de música inicia a grande “Marcha dos Passos”. Logo acima, no Passinho em frente ao Grande Hotel, cantam os músicos o segundo Muteto, enquanto o oficiante in-censa e assim por diante em cada Passinho até a Praça 15 de Novembro onde o Pregador,

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já no púlpito, aguarda a procissão para o grande Sermão do Encontro. O púlpito está armado junto ao Fórum.

A imagem de Nossa Senhora das Dores, saindo da Capela do Rosário, vem lentamente pela rua Direita, em absoluto silêncio até a Praça e a um aceno do Pregador, se defrontam as duas imagens, numa parte tocante do sermão, que o povo recebe contrito e respeitoso.

Lá em cima, nas sacadas, donde pendem globos luminosos, que dão ao Palácio da Justiça um aspecto deslumbrante, estão as famílias das pessoas gradas da cidade, que ouvem o Pregador, cujo eco de voz repercute na praça ampla e que o silêncio reinante ainda mais exalta.

Terminado o sermão é cantado o MISE- RERE, que o povo ouve genuflexo. Recomeça então o desfile mui lentamente e entre as duas alas intermináveis, profusamente iluminadas pelas velas conduzidas pelos assistentes, movimentam-se os anjos, as virgens, etc. em número incontável. Os carregadores retiram os andores dos bastões de apoio e levam-lhe os braços aos ombros, seguindo pausadamente. Vem à frente o andor do Senhor dos Passos e logo após o de Nossa Senhora das Dores precedido dos figurantes Maria Madalena e João Evangelista. A Madalena ostenta riquíssima toilette e acompanha-a um cavalheiro vestido a rigor. Fecha a procissão o Oficiante sob

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palium; vindo em seguida, a multidão de senhoras. O aglomerado de pessoas obriga a cons-

tantes paradas e a procissão toma a custo o seu ritmo normal.

Os festeiros Dr. Cícero Ribeiro de Castro, Edmundo Dias Bicalho, Francisco e Artur Bernardes Costa, José Tertuliano dos Santos e João Chagas fazem esforços sobre humanos para acomodarem os homens nas alas, um após outro o que relativamente conseguem.

Lá, à porta do Senhor Pinheiro, de saudosa memória, repartem-se os cartuchos aos anjos, virgens, etc.; os festeiros e seus ajudantes retiram das canastras apoiadas nos passeios, braçadas e mais braçadas desses alvíssimos envólucros recheados de: amêndoas e vão, numa operação demorada, fazendo as delícias da petizada. Às vezes um sussurro percorre as alas da procissão, uns riem, outros admoestam com severidade, e logo fica-se sabendo do ocorrido: – um moleque atrevido arrebatara das mãos de um anjo o seu cartucho e corre desabridamente…

Recolhida a procissão, os anjos, virgens e figurantes ocupam o TRONO – enorme arquibancada armada sobre o altar-mór, recoberta de alvíssimos panos que fica integralmente lotada. Lá, no topo do trono, está o Crucificado tendo, a seu lado a imagem da Virgem Dolorosa e os configurantes João Evangelista e Maria Madalena.

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Para maior efeito, esse quadro magnífico só aparece num momento do Sermão do Calvário, quando alguém faz correr as cortinas que o velam. O efeito é sublime, edificante e compungente!

Mais tarde, depois de relativo descanso, começam as visitações de Passinhos com música e enorme multidão, terminando na Matriz com a entoação do MISERERE.

Quarta-feira de Trevas nunca houve sole-nidade outra que a procissão de Dores. Um ano, apenas, o Revmo. Padre Ferreira de Carvalho, promoveu o tocante Ofício de Trevas, depois dessa ocasião voltou a Semana Santa a ser comemorada como dantes.

Quinta-feira Santa: Amanhecia a cidade ain-da sob a influência das tristezas áuridas das so-lenidades da véspera, na procissão da Soledade. O povo guarda-se em compunção e respeito ao dia. Se um menino fazia uma pequena travessura era logo repreendido. Ninguém ria alto, não assobiava e evitava qualquer ruído. Às 10 horas começava a Missa cantada, nela servindo, como Mestre de Cerimônias, numa assiduidade constante de muitos anos o Revmo. Padre Aureliano Brasileiro. No coro a grande orquestra executava a Missa e Credo Nº5, do Padre José Maria Xavier. Na estação da Missa ouvia-se o Sermão da Eucaristia por um sacerdote de fora, para tal fim convidado. Terminada a Mis-

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sa eram as Sagradas Reservas depositadas em rica urna e colocada no ápice do altar-mór, onde permanecia até Sexta-feira da Paixão.

Miríades de velas acesas, todas enfeitadas com flores de cera vermelhas, tomavam toda a extensão do altar e trono, como se verdadeira constelação ali descesse para homenagear a Jesus no Sepulcro. O silêncio reinante então era de quando em quando quebrado pelo estalido da cera que se excedia no pavio ou a queda de uma flor desprendida de uma vela. Flores em jarros e jarrões de toda espécie atapetavam o piso do altar e, logo abaixo, nos degraus da escada de mármore oliveirense, reco-berta por extenso tapete, os adoradores, de opas e tochas em punho, absorviam-se em fervorosa oração. Cada turma de adoradores era revesada de hora em hora, pelo relógio da sacristia, pois, o regulador público era paralisado e só recomeçava a funcionava no sabado de Aleluia.

A orquestra, no coro, de espaço a espaço, executava o tocante Popule Meus e Adoremus, que ainda mais excitava os fiéis numa oração fervorosa.

Lá, ao longe, na praça, alguém fazia vibrar a matraca único som permitido naquele dia.

Sexta-feira Santa, amanhecia com o povo, em expectativa da procissão do Enterro em a qual deveriam aparecer o Centurião, o Abraão com a espada suspensa sobre a cabeça de seu

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filho Isaac, que marchava à sua frente conduzindo um feixinho de gravetos e vestido de flocos de algodão. A lâmina da espada de Abraão não seria abaixada, porque dois anjos vinham atrás segurando uma fita atada em sua extremidade.

Antes da saída da procissão, aparecia no topo da escadaria do altar-mór, onde se depositava o esquife do Senhor Morto, o Centurião, em indumentária própria e que a largas passadas prestava guarda ao esquife. Todo mundo queria ver o Centurião e a pequenada curiosa se comprimia no meio do povo, passando por entre as pernas dos homens e assim, um a um, se ia postando a medo e à distância razoável, comentando baixinho:

– Quem será ?... – É o Buta! diz um mais sabido. – Não, bôbo, o Buta já morreu. É o Antônio

Cavalo… – É mesmo… – Eu é que não queria ser o Centurião – Deus

me livre! Se ele morrer agora vai direitinho para o inferno…

Chegam os músicos e vão cantar o QUARTETO.

A Verônica, toda de preto, com um véu cobrindo-lhe o rosto, posta-se ao lado dos músicos, com o seu porta-tamborete ao lado, enquanto as Três Marias se dirigem para o esquife, derramando sobre o Senhor Morto um

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frasco de suavíssimo perfume, que rescende pelo templo todo. Em seguida chegam Nicodemos e Arimatéia vestidos de alvas e embuçados. São os senhores José Antônio de Lacerda Pinheiro, Evaristo Noronha, Alfredo Castro, Francisco das Chagas Andrade, e depois Edmundo Bicalho, Dr. Djalma Pinheiro Chagas, Major Bicalho Júnior, Armando Pinheiro Chagas, Artur Bernardes Costa. Erguem eles o Senhor Morto do Esquife e o sustem enquanto o Oficiante o incensa. Sai a procissão e segue silenciosamente fazendo enorme percurso. Vai o esquife seguido da imagem de Nossa Senhora das Dores, entre duas alas infindáveis de velas acesas. Desfila ali toda a população da cidade e arredores, contrita e silenciosa. De quando em quando para o préstito para se ouvir a Verônica que interroga: Ó VOS OMNIS QUI TRANSIT… A Banda de Música executa tocante marcha lá no fim da procissão e em grande extensão; ninguém lhe ouve os acordes, tão longe está.

Chega a vanguarda da procissão – uma cruz preta com uma toalha pendente – á porta da igreja e ali ainda encontra o restante do préstito que desfila vagarosamente.

Há, ainda, a alvorada da Ressurreição, como corolário de uma semana que encheu os corações de todos os oliveirenses e forasteiros de gratas consolações.

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Na véspera – Sábado de Aleluia – partem os caçadores de veado, com o inolvidável Titino do Capão Redondo à frente, esse boníssimo oliveirense que fez as delícias do Dr. Fernando Melo Viana, então Vice-Presidente da República, que fôra assistir à Semana Santa em Oliveira, com seus chistes e franquezas…

E assim transcorria essa semana de festas tão gratas aos corações oliveirenses.

Vão os fazendeiros regressando às suas fazendas, uns a cavalo, outros de trem e a cidade vai se despovoando lentamente e em pouco só restam as saudades das festas e dos amigos que se reuniram ali naqueles dias felizes e consoladores.

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Carnaval O Carnaval em Oliveira era comemorado,

antigamente, somente com o tradicional entrudo. Às vezes, mui escassamente, apareciam alguns mascarados sem espírito, perambulando pelas ruas da cidade, sempre acompanhados de uma leva de moleques.

O entrudo sim, dava gosto e sensação! Que delícia o presenciar-se uma batalha entre combatentes de ambos os sexos que, de limões em punho e no aceso da luta, corriam pelas ruas num alarido louco! As portas trancavam-se com estrepito, ouviam-se gritos histéricos e aflitivos mesclados de sentenças de punição e revanche. Havia ciladas, prisões, traições… Que coisa gozada! Causava um júbilo imenso ver-se um paciente conduzido para um banho em regra!

Quando a batalha era ferida dentro de casa, ficavam as paredes, os tetos, as portas e janelas, tudo manchetado de cera em cores variadas e o assoalho uma lástima! E quando o limão não atingia o alvo e não se partia? Que gozo para a petizada!

Quase todos os estabelecimentos comerciais da cidade expunham um taboleiro de limões para venda e esses tomavam formas variadas e bizarras, às vezes. Uns eram moldados em

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formas de madeira, outros em garrafinhas de óleo de rícino e de “agua Florida”, em laranjas, limas, limões-doces, papos de galinhas etc. Eram brancos, verdes, azuis e até… pretos, isto quando a cera refundida por muitas vezes.

Que medo causava um atacante que se aproximava cautelosamente, com as mãos metidas nos bolsos da paletó!… Os rapazes não permitiam que deles se aproximassem as moças, embora elas, de longe, fizessem compreender intenções pacíficas…

Quando se escasseavam os limões entra-varem "cena a agua pura, que descia ás vazes com vasilha e tudo... Era um gosto, e uma tormenta ao .mesmo tempo.

A petizada, à mingua de outro elemento, confeccionava um repucho de bambú, com bomba de sucção, feita com panos velhos na ponta de uma vareta e era aquele esguicho! Havia nisso um inconveniente, é que faziam os meninos suprimento d’água em qualquer parte, muitas vezes até nos poços de enxurradas, pondo as roupas das vítimas em lamentável estado.

Outras vezes valiam-se os meninos das mangueiras de irrigação dos jardins. Certa vez lá estava encarapitado no muro da residência de D. Elvira Chagas, em frente ao Correio, um garoto irrigando, a quantos vinham ao correio, à hora da distribuição postal. O Dr. Pinto

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Machado, então Delegado de Polícia, que a- guardava a distribuição, feita por D. Mariquinhas e Waldemar Fernal, não se conteve e admoestou o garoto:

– Recolha a tripa… recolha a tripa… O Mirandão, moço do Rio de Janeiro, que

explorava uma fábrica de bebidas em Oliveira, lá na rua das Palmeiras, hoje Misericórdia, não se podia conformar com o carnaval assim comemorado; não, era preciso fazer-se cousa nova e melhor. Animada uma roda progressista da terra, foi tomada a deliberação de promover-se um préstito carnavalesco.

Isto combinado, meteu ele mãos à obra e lá no interior de sua fábrica, perto da casa do sr. Cunha Santos, hoje Santa Casa de Misericórdia de Oliveira, com o auxílio de alguns artistas mandados vir do Rio de Janeiro, confeccionava o Mirandão os carros alegóricos e de críticas.

Começavam a correr então os comentários pela cidade vai sair uma crítica ao senhor F, outra ao senhor B, etc. Ninguém, porém, sabia de cousa alguma, tal o sigilo com que era feito o préstito. A ansiedade era geral, os carros eram aguardados aflitivamente.

Foi nesse ambiente que se chegou, afinal, ao sábado de carnaval. À noitinha, ouviu-se

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um rumor desconhecido, que partia lá da fabrica do Mirandão. Afluiu gente de toda a parte, na avidez da novidade. Que seria? Muito simples… dava-se início ao carnaval com retumbante ZÉ PEREIRA!

Em virtude de ser a cidade deficientemente iluminada, mandou o Mirandão distribuir meio metro de mecha alcatroada, per capita, e assim saiu o ZÉ PEREIRA, dentro de alas luminosas, percorrendo as ruas da cidade. Uma boa provisão de latas de querosene, vazias, serviam para provocar ensurdecedor ruído. Quem não acompanhava o ZÉ PEREIRA, postava-se às janelas ou enchia as portas de suas residências, afim de aplaudir os foliões, alguns ostentando máscaras de caras e cabeças enor-mes, dando à folia um aspecto estonteante e inédito.

Abramos aqui um parêntese. Dissemos que as ruas eram deficientemente iluminadas, vamos relatar em que se constituía a iluminação da cidade naquela época.

Naquele tempo não se pensava em ele- tricidade, cuja concepção seria difícil encontrar posição nos raciocínios de muita gente. Era a cidade iluminada por lampiões a querosene e esses muito bem feitos, obedecendo a linhas bem dispostas e atraentes. Eram confeccionados numa dependência da Casa da Câmara, pelo Estevão Alves e abastecidos e conserva-

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dos pelos empregados da Câmara : Pedro dos Reis, Calá e Policarpo, que todos os dias davam um giro pela cidade, de escada alçada e uma lata de querosene à mão para alimentação dos bojos de vidro. Ali, ao pé de cada poste, o Zelador fixava a escada numa cruzeta de apoio e subia para aparar o pavio carbonizado, limpar a caixa de vidros e repor o bojo do lampião já abastecido, com quantidade exata e medida, de modo que quase a mesma hora se apagavam todos os lampiões de iluminação da cidade. À noitinha voltavam os zeladores para acenderem os fachos que permaneciam acesos emquanto durasse o combustível.

Como dizíamos, estava iniciado o carnaval com o barulhento ZÉ PEREIRA e domingo amanheceu a cidade festiva e com muita gente nas ruas, prognosticando os acontecimentos que mais tarde iriam empolgar a cidade. Foi assim, num ambiente festivo, que surgiu no portão o primeiro carro: “O AQU1DABAN”, uma alegoria alusiva ao feito heroico desse vaso de guerra de nossa marinha, na recente revolta da Armada, saindo e retomando à Bahia de Guanabara num desafio às baterias das Fortalezas. Outro carro: enorme ROSA, em cuja corola se via um menino assentado, mas logo dali descido devido as reclamações do público, porque oscilava muito na haste.

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Surgiu em seguida o primeiro carro de crítica: DUAS ENORMES TESOURAS, alusivas a duas línguas ferinas que trabalhavam incessantemente em Oliveira… Quarto carro : UM ENORME BONECO com a figura do médico alemão Dr. Ludolf Fromm, talvez criticando a sua descomunal estatura, porquanto esse médico era um propulsionador do progresso de Oliveira. Não tardou muito, porém, que caísse o boneco, motivo porque fizera ele todo o per-curso extendido sobre o carro, mostrando a rotunda barriga. Vinha, em seguida um carro de balaustrada, onde diversos mascarados punham os podres de muita gente na rua!

Fechando o préstito vinha um carro ho-menageando o comércio.

Foi um sucesso esse carnaval, não só pelo inédito do acontecimento, como ainda pela primorosa e esmerada confecção.

Depois dessa estreia, ainda se viu em Oliveira mais dois carnavais com préstitos, feitos pelo MIRANDINHA, irmão do iniciador. Nesses apareceram carros alegóricos e de críticas, bem sugestivos como: ENORME RATO, criticando o rapto do diploma de Senador conferido nas eleições ao Dr. Francisco José Coelho de Moura, fato largamente comentado no Estado; outro, uma cobra com cabeça humana, enrodilhada. No primeiro carro vinha o Artur de Melo atirando panfletos ao público. Como

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alegoria aparecia um soberbo leão, tendo a sua frente um caçador apavorado, segurando uma espingarda pica-pau!

Depois disso voltou Oliveira, novamente, ao entrudo com limões de borracha e água em profusão. Depois vieram as bisnagas de estanho se confetes, logo substituídos pelos lança-perfumes e serpentinas e corso de carros.

Dr. Chiquinho, entretanto, não abdicou do costume antigo e continuava com o entrudo a seu modo: lá da janela de seu sobrado, com as portas bem trancadas, derrubava água e mais água nos incautos transeuntes que passassem sob a janela.

Bons tempos!

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Vacaria Antes do coronel Xaxier (Manoel Antônio

Xavier) se ter lembrado de mandar converter o Largo da Matriz – hoje Praça 15 de novembro – no belo jardim que lá está e que o gosto do Dr. Janot Pacheco planejou, era ali extenso gramado, desde o velho cruzeiro arruinado, em frente a igreja, até às residências dos senhores Antônio Campos e cel. João Alves de Oliveira.

Algumas vezes eram ali armados Circos de Cavalinhos, como os do PERY, SPINELLI, do anão CRUZ, etc. tendo o Spinelli trazido à Oliveira, pela primeira vez, um bom jardim zoológico, que serviu para diminuir em muito a canzoada vagabunda que perambulava pela cidade!

Vimos passar, assim, por Oliveira, artistas eméritos como o célebre palhaço Benjamim de Oliveira e o equestre exímio Achilles Pery e o anão Cruz perito dançarino em corda bamba.

Era, naquela praça, que, no sábado de Aleluia, queimavam o Judas, que para ali vinha jungido numa égua magra, para o sacrifício; antes teria a mágoa de ouvir o Amaro, serventuário da Justiça, fazer-lhe o testamento, após o que, distribuídos seus bens a quem não os desejava possuir, era descido da égua

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e suspenso de um mastro para o ato final, onde estouravam suas entranhas!

Aquela praça, entretanto, tinha outra fi- nalidade mais prática, à noite. Constituía-se o redil das vacas leiteiras dos moradores do logradouro. Próximo à Ladeira dos Frades – hoje Dr. Alexandrino Chagas – ficavam as vacas de d. Antoninha Maia e cel. João Ribeiro, logo acima as do sr. Tonico Costa, cel. Teodorinho, Bazico, sr. Modesto Ribeiro, seguindo as do sr. Zeca Teixeira, sr. Campos, volvendo as do sr. Galdino Ribeiro, capitão Carlos, etc.

Que gadão! O interessante é que a iluminação durava

poucas horas, ficando o resto da noite em profunda escuridão, tornando-se uma temeridade o trânsito pela praça à noite.

Vinham, certa noite, o Fausto Alvarenga, o Neca Flor, Eliseu Magalhães e outros lá dos lados da estação ao terminarem uma daquelas serenatas saudosas e quando menos o pressentiram tropeçaram nuns monturos movediços que os elevaram do solo. É que os nossos notívagos montaram nas vacas…

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Os dramalhões Haviam chegado a Oliveira, para levar à

cena algumas peças teatrais, os atores Palhais, sua esposa D. Rosalina e sua sogra D. Matilde.

Queriam, com o auxílio de amadores locais, levar alguns dramas e comédias mas… o teatro?

Antigamente ainda existia um casarão ve-lho, num terreno devoluto, onde se erguem hoje algumas casas construídas pelo Capitão Henrique Ribeiro e a Praça Pinto Machado, ali, onde o Couto Rocha, que viera de São João del Rei com sua troupe em carros de bois e a cavalo, levara a Cabana do Pai Thomaz, o Remorso Vivo, o Anjo da Meia Noite, o Poder de Ouro, etc. onde o Pinto empolgava a plateia e o Couto quase apanhava quando vivia o cínico da peça mas, agora… onde se arranjaria teatro?

Como remediar o caso? O Palhais entu-siasmava os amadores, o povo tinha sede de diversão, precisava-se, pois, remediar o mal improvisando-se um teatro, mas, como? Ora... muito fácil! O Rancho do Romualdinho era amplo, com alguns reparos, alguma limpeza e boa vontade estaria encontrada a solução; ainda mais agora que estava o rancho abandonado, depois que a Estrada de Ferro lhe ha-

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via roubado os fregueses, os tropeiros. Pensado e feito. Mãos à obra.

Logo foi feito uma ligeira caiação, buracos entupidos, piso aterrado, levantamento do palco, um poleiro para as gerais e algumas cadeiras e bancos tomados por empréstimo e… pronto, era a estreia anunciada com o drama Herança de Sangue. Enquanto se arrumava o teatro, era a peça ensaiada e no espetáculo o Zequita (José Gomes Pinheiro Chagas) e o Virgílio Vitral fizeram um sucesso!

Enchentes à cunha! Cá fora, os vendedores de café e chocolate,

com as chaleiras fumegantes e os vendedores de pasteis, biscoitos etc. faziam um negocião!

O rancho enchia-se todas as noites e era notável a boa vontade do povo, com um frio horrível naquele ambiente desabrigado.

Passaram-se os tempos e de novo chega a Oliveira nova companhia dramática, a do Roberto Guimarães, vinda de Itapecerica. Oliveira se ressentia ainda da falta de teatro, não se aproveitara da lição do Rancho do Romualdinho…

Naquela época o Neves, que se associara ao Sr. Miranda, no Grande Hotel, tivera a ideia de aproveitar o pavimento térreo do prédio para uma espécie de Bar, onde os freguezes ouviam um gramofone que ele, Neves,

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fazia funcionar num tablado levantado ao fundo. Na falta de outra diversão era para ali que acorriam os rapazes de Oliveira; para se dessedentar, deleitando-se com o gramofone do Neves, aliás o instrumento do dia, essa máquina admirável que o espírito de Edson proporcionara à humanidade.

Uma ligeira inspeção feita pelo Poggio, principal ator da Companhia, e seu diretor Roberto Guimarães, foi o bastante para a instalação ali do teatro. Não era grande o cômodo, mas deveria comportar bem o povo apreciador desse gênero de diversão, pensavam os artistas.

O Alexandre Poggio pintou logo o pano de boca: a Entrada da Barra do Rio de Janeiro – os cenários faltosos, remodelação do palco, cadeiras e bancos tomados, novamente, por empréstimo e subia à cena a NINICHE, interessante opereta. Esse gênero de representação não agradou e os protestos choveram logo. Nada de operetas, queremos dramas, sim, os saudosos dramas de outros tempos – diziam os velhos e os moços que pouco entendiam de teatro, fazim coro — sim os dramas!

Começaram a subir os dramalhões e com eles as reclamações do público que ficava de fora, porque o recinto não comportava todos quantos corriam, o mais cedo possível, sem conseguir localidade.

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Nova dificuldade, dessa vez sanada pelo Coronel João Alves de Oliveira, presidente da Câmara. Já, há muito, havia ele iniciado a construção do nosso teatro, mas as aperturas orçamentárias não lhe permitiram ir além dos alicerces. O frontão entretanto estava pronto e fôra talhado pela mão do Mirandinha, que o decorou a rigor.

Mandou então o Coronel João Alvesr que se levantasse ao lado esquerdo dos alicerces, barracão amplo todo de táboas e coberto de zinco corrugado; empreendimento esse executado em poucos dias. Para lá se transferiu a Companhia do Roberto Guimarães e os espetáculos se davam com a casa cheia à cunha, apesar da inclemência do tempo, pois chovia copiosamente. Era bem tolerante aquele povo! Quantas vezes a chuva, de encontro à cobertura de zinco, impedia inteiramente que se ouvissem os artistas no palco!

Os artistas que vieram de Itapecerica já não eram suficientes para as representações em vista, tendo o Roberto de mandar vir, do Rio de Janeiro, outros mais e assim chegaram Oliveira mais os seguintes: Antônio Marques, Claudino de Oliveira, Joaquim Marques, Délfica de Araújo e mais outros, formando-se então um grande elenco, capaz de satisfazer qualquer exigência nas representações. A Companhia já dispunha de ótimos atores, entre os

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quais se destacavam Branca e Dolores Lima, Laura Brasão, Marques da Silva e mais os já citados Roberto Guimarães e Alexandre Poggio.

Laura Brasão, apesar de algo passada, era boa artista e muito engraçada. Cantava ela uma noite uma cançoneta na qual havia uma deixa da música para a fala: “O arroz para um chega bem, mas… para dois?” O mestre da orquestra, porém, não permitiu a deixa, na primeira e segunda vez, entretanto, na terceira, a atriz abaixou-se em frente ao regente e, batendo-lhe na cabeça com muita graça, disse: PAIRE MAIESTRO, QUE PRA DOIS NÃO CHEGA…!

Foi uma gargalhada uníssona da plateia…! Naquela temporada a Companhia esgotou

todo repertório, tudo que se conhecia de teatro foi levado em cena: dramas, comédias, revistas, vaudeviles, farsas, cançonetas, monólogos, tudo, tudo, os artistas não sabiam mais o que representar e o povo nunca faltava aos espetáculos.

Qualquer cartaz servia!

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Biblioteca Pública

O Presidente da Câmara Municipal, num rasgo de grande discortino e zelo pela cultura de seu povo, fez inaugurar, de acordo com o culto Juiz de Direito de então, Dr. Cleto Toscano Barreto, uma explêndida biblioteca pública, à qual deu o nome do sempre lembrado Padre José Teodoro Brasileiro, prestando assim justa homenagem àquele que, de fato, sempre cuidou da cultura oliveirense.

Ocupava a Biblioteca a parte inferior do prédio da casa da câmara, lado esquerdo. Ali encontravam jornais do Rio de Janeiro e de outras cidades e uma quantidade considerável de livros sobre todos os ramos do saber humano.

Tudo muito bem disposto, catálogo bem confeccionado, um bibliotecário solícito e ainda um ótimo gabinete de leitura. À noite viam-se ali em torno da mesa de leitura, homens de idades variadas e austeros, de permeio a alunos do Liceu Municipal, na louvável avidez de instrução.

Assim permaneceu por algum tempo esse centro de cultura a devassar os cérebros ensombrados, onde deixava uma luz imperecível.

Organizado o primeiro Clube Recreativo de Oliveira foi, por acordo estabelecido, trans-

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ferida a Biblioteca a essa entidade cultural mas, com a vida efêmera que teve o clube, não se viu instalada a biblioteca e hoje não se sabe onde foram parar aqueles volumes tão preciosos.

Não se pode negar o benefício que a Bi-blioteca prestou a tanta gente.

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Club Literário Por iniciativa do saudoso oliveirense

Francisco Pinheiro Chagas, Capitão de nossa Marinha de Guerra e do distinto moço Arnaldo Ribeiro, foi fundado o CLUB LITERÁRIO e RECREATIVO OLIVEIRENSE, cuja sede era na casa do Sr. Galdino Ribeiro, na praça da Matriz.

Havia uma partida dançante por mês e, cotidianamente, diversões diversas, leitura etc.

Mantinha também o Club um bem organizado buffet.

Durou pouco tempo, entretanto, esse centro de diversão que somente mais tarde foi reerguido com algumas modificações no seu funcionamento.

Precedendo às partidas dançantes, no fim de cada mês, ouvia-se uma palestra literária e, por isso, tivemos ocasião de ouvir Belmiro Braga, Abílio Barreto, Corgosinho Filho e outros.

Sofreu também o club outro colapso em sua nova fase, deixando de funcionar por um período de tempo bastante longo, até que o “saudosíssimo Dr. Ladislau de Miranda Costa e o Dr. Carlos de Alencar, arrancaram-no do ostracismo, insuflando-lhe vida e vigor o que não impediu entretanto, que viesse desaparecer algum tempo após.

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A reorganização se deu no dia 5 de ju-nho de 1927, tendo sido eleita a sua primeira diretoria no dia 12 do mesmo mês que ficou assim constituída: Presidente de honra D. Ma- noelita da Costa Chagas; Presidente, Dr. La- dislau de Miranda Costa; vice-presidente, Dr. Eurico da Trindade; 1º secretário Dr. Carlos de Alencar; 2ª secretária Senhorinha Beatriz Costa; 1º orador Dr. Francisco Martins de Almeida; 2º orador Dr. Bruno de Almeida Magalhães; Tesoureiro, Saul de Lacerda Pinheiro; Bibliotecária, Senhorinha Hilda Fernal; Procura-dor, Nereu do Nascimento Teixeira e Conselho Fiscal, Professor Jacinto de Almeida, Dr. Domingos Ribeiro e Padre José Ferreira de Carvalho.

Agora, segundo estamos informados, surgiu um novo Club Recreativo em Oliveira, por iniciativa de moços progressistas, tendo à frente José Gomes de Almeida e Dr. Hélio Costa. Como as tentativas se repetem, como indício de necessidade de um orgão desses em Oliveira, é de esperar-se que o novo Club tenha longa existência.

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A Música Devido ao espírito artista e devotado á

música, do Padre José Teodoro Brasileiro, que era o Mecenas dessa arte em Oliveira, arregimenta-se um elenco de músicos de valor, que eram ali denodados cultores da arte sublime.

Primeiramente, foi o maestro Marcos dos Passos, que ali entrou pelas mãos do vigário Padre José Teodoro Brasileiro, afim de organizar a escola de música. Infelizmente a partida ínexorável não permitiu que Marcos aumentasse mais triunfos à sua bagagem, pois não lhe deu muito tempo para isso; embora, ficaram em Oliveira muitos artistas de sua escola.

Foi seu continuador o mestre Domingos que manteve boa música passando depois o encargo ao mestre Balduíno da Silveira, que sempre manteve sua escola de música, até que foi substituído pelo seu neto maestro Roque Emílio da Silveira, que foi uma verdadeira revelação. Foi o Roque, emérito do violino, mestre que tão sabiamente soubera transmitir os segredos dessa arte sublime aos seus alunos. Deixou Roque Silveira muitos discípulos, dentre os quais Targino da Mata, que hoje integra em Belo Horizonte, como violon-

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celista, afamada orquestra; José Amâncio de Oliveira, pistonista, clarinetista, cantor, harmonista; José Francisco Viroti, que por vários, anos dirigiu a banda Santa Cecília e tantos outros que o túmulo já segregou de nosso convívio.

Roque Silveira passara também pela escola severa de Martiniano Ribeiro Bastos, em S. João Del Rei, onde se formaram tantos elementos de valor e hoje consagrados pela opinião pública.

Da escola de Balduíno e Roque vieram os irmãos Miguel Arcanjo da Silveira e Vitor Silveira, conhecedores da arte, aquele violinista e requintista e este bombardinista primoroso.

José Olímpio de Castro, foi por muito tempo o braço forte da música de coro, como ótimo harmonista que era.

Cultivam a música também em Oliveira o mestre José Alexandre Caminha, que manteve boa escola e boa banda de música. Pedro Caminha, seu filho, tornou-se eximiu tocador de ofkleide e inspirado compositor. José Alexandre Caminha, depois de dirigir por muito tempo sua banda de música, afastou-se para se dedicar exclusivamente à sua profissão de dentista e ourives. Numa ocasião de efervescência política, entretanto, não podendo contar a nova Camara eleita com a banda de

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música local, que acompanhava os sentimentos de um seu elemento, que pertencia à facção derrotada, foi o Sr. Caminha convidado para organizar a música, sendo lhe oferecido o necessário instrumental, pois não dispunha ele de outro instrumento além de sua clarineta. Aceitando a incumbência começou logo a preparar seus elementos e poucos dias após a chegada do instrumental, apresentou-se na Câmara Municipal com uma plêiade de rapazes, ferindo o seu dobrado ECO DA LIBERDADE, composto por ele para a solenidade.

Da escola antiga ainda temos hoje José Eliseu Magalhães: flautista e compositor inspirado. José de Rezende Moreno, que de serenatista que era, ao iniciar seus estudos passou a executor exímio do violino como antes o fôra do piston; Moreno foi aluno de José Amâncio de Oliveira.

Artistas do piano tivemos D. Manuelita Costa Chagas e D. Neguita Macedo, esta de escola clássica. Por muitos anos o Padre José Teodoro Brasileiro manteve em sua casa o professor francês Amedée Dalmeriat, perfeito gentleman, sempre metido em irrepreensível fraque preto, todo empertigado, tendo como função precípua lecionar música à sua pupila Neguita que, por isso mesmo, ficou senhora absoluta do instrumento, – o piano.

Também foi mantida em Oliveira uma

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ótima orquestra de salão, pelo Sr. Teodoro da Silveira, que transferindo-se de Lavras com sua alfaiataria, de lá trouxera um pugilo de músicos, com ele organizando uma orquestra. Mais tarde os irmãos Souza, (Antônio e João) organizaram também o celebre CHORO que gostosamente se fazia ouvir nas composições de Francisco Braga, Raposo, José Eliseu de Magalhães e tantos outros. Naquele tempo em Oliveira, havia sempre oportunidade de se ouvir boa música e não havia baile, aniversário e casamento que não estivesse ela presente. Nesses bailes eram frequentes as partituras de João da Mata, principalmente no gênero polkas e quadrilhas.

No coreto, armado no jardim da praça 15 de Novembro, ouvia-se sempre aos domingos e feriados, OUVERTURES e outras composições como a Estudantina, o Guarani, de Carlos Gomes e dobrados como Guaraciema, Japonês, Formiguense, Bombeiro Voluntário, Júlio de Almeida, etc. etc. que tanta saudade nos causa!

Ainda nos lembramos de certa ocasião que nossa banda foi homenagear o filantropo oliveirense Cel. Francisco Fernandes, em sua fazenda, lá na Boa Vista. Chegamos silencio-samente para uma surpresa e lá dentro tocava uma banda de música. Enfileirados os músicos, de fora da porteira, logo terminou a

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banda que executava, feriu a de Oliveira um daqueles dobrados retumbantes. Os convivas afluíram logo à porta, vindo ao nosso encontro sob aclamações delirantes. Quando entramos, lá não se encontrava um músico sequer da outra banda, que debandara pelos fundos da casa!

Um episódio interessante daquela época: A banda de música fôra, certa ocasião, abrilhantar uma festa em S. Francisco de Oliveira. Afim de se chegar bem cedo àquela localidade, ficara marcada a saída para as quatro horas da madrugada. À hora aprazada não faltava um imúsico e dentro de uma alegria comunicativa, puseram-se todos a caminho, vencendo-se as três léguas da caminhada em mais de três horas, de modo que os franciscanos foram ainda bem cedo surpreendidos com os sons festivos de nossa banda. À entrada do arraial os músicos pararam e, em linha, romperam num dobrado fogoso mas… o bombardon do João Flor, não emitia uma nota sequer! É que o João Flor deixara-o cheio d’água desde a véspera e transportara todo aquele peso inútil numa tão grande caminhada!

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Gozando Oliveira do nome de cultora da

música devido, como já dissemos, á influência e proteção do vigário Padre José Teodoro Bra-

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sileiro, atraía para alí elementos de valor como, por exemplo, o grande compositor João da Mata, que viveu em Oliveira por algum tempo – o quanto lhe permitiu seu espírito irriquieto e volúvel. João da Mata, musicista boêmio, de quem se conta tantas lendas, deixava o traço de sua cultura musical onde quer que estivesse: nas mesas de bar, nos muros das ruas, em fragmentos de papel de embrulho, nos envelopes; não perdia nunca a inspiração, essa que aliás, nunca o deixara. Ainda nos lembramos de ver num muro da rua Venâncio Carrilho, em Oliveira, umas pautas musicais onde se achava gravada uma polka do inolvidável maestro.

Não se tocava em festa religiosa ou pro- fana sem repetir, indefinidamente, as produções de João da Mata. Eram marchas festivas, como a célebre Virgem de Nazareth, marchas fúnebres, valsas, polkas, schotis, quadrilhas – que belas quadrilhas!…

Conta-se que esse músico insigne, certa vez, anunciara um concerto a TROMBONE! Foi, como não podia deixar de ser, um formidável escândalo. Um concerto de trombone!? Que desfaçatez!

Qual não foi porém, a admiração e surpresa de todos que, por curiosidade acorreram ao recital, quando João da Mata anunciou que iria executar três peças distintas, usando em

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cada uma, apenas, e de cada vez, uma só tecla do instrumento. E assim aconteceu. Sua prodigiosa embocadura suprira a deficiência do instrumento.

Doutra feita apareceu João da Mata, em certa cidade conduzindo uns porcos, (como era de seu feitio) e assim dera entrada na cidade. Na rua que passava, se localizava a casa de ensaios da banda local. Ouvindo música estava ele no seu metier, foi logo encostando os porcos para um canto e se veio postar à janela, para ouvir o ensaio. A peça que ensaiavam dava muito trabalho, porque tinha um ofkleid e o seu executor não dava conta da parte. Novas tentativas e novos fracassos. João da Mata, que ali estava apalermado, não se conteve mais, entrou e pediu para tocar o ofkleid. Riram-se todos e o mestre indagou: – Você é músico? Sabe tocar este instrumento? – Arranho um pouquinho e podíamos experimentar – disse João da Mata, que parecia transtornado.

O mestre da banda mandou trazer de dentro outro ofkleid, que estava abandonado e o entregou ao intruso, com ar de mofa. João da Mata percebeu logo a má vontade e intenção do mestre, mas não deixou que o percebessem.

Dado o sinal entraram os músicos com energia e João da Mata foi arranhando como

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pôde no instrumento de chaves perras, o que já provocava grande hilaridade nos assistentes, que gozavain da peça que o regente estava pespegando ao intrometido. Chega-se, afinal, ao solo, trecho virgem aos ouvidos da assistência. João da Mata, de propósito, faz cair a parte e entra de rijo e soberbo naquele trecho até então dcsconhecido!

Terminada a peça, todos desapontados e cheios de embaraços não articulavam palavra. Constrangido o Mestre da banda rompeu o silêncio:

– Muito bem. O senhor conhecia esta música, com certeza.

– Conhecia sim, senhor. – Bem se vê. E seu autor conhece-o o

senhor? – Perfeitamente. Trata-se de uma com-

posiçãozinha deste seu criado. – Pois é o senhor o célebre João da Mata?! – Célebre não, senhor, músico. Excusado é dizer que João da Mata teve de

fazer ponto forçado naquela cidade por algum tempo, cercado de consideração e respeito.

Em Oliveira ficaram muitos discípulos desse e outros mestres que alí vegetam… ouvindo rádio.

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O Ensino Oliveira sempre foi ciosa de cultura. Seus

filhos empreendiam grandes caminhadas para beberem instrução a largos tragos, ora no Caraça, ora em Itú.

Faziam, para tal fim, viagens a cavalo, afrontando o tempo e os riscos da viagem.

Depois de algumas tentativas, com mais ou menos sucesso, foi fundado em Oliveira, um colégio de curso secundário para rapazes; parece-nos por um professor francês, de nome Andréus. Durante muito tempo, porém, foi o professor Brasileiro e seu mano Padre José Teodoro que apararam as arestas que sensibilavam o tato literário de muitos que se aprimoravam no estudo. Surgiu depois o professor português Antônio Adelino Pinto Machado, – o Sr. Machado – como o tratávamos, que mais difundiu o ensino naquela terra, fundando, primeiramente, o Lyceu Municipal, mantido pela Câmara Municipal, por onde também passamos.

Viera mais tarde o Instituto Carvalho Bri-to, por iniciativa de Otaviano do Amaral e mais o Padre João Luiz Spechit. Finalmente o professor Antônio Pinheiro Campos, fundou o seu Ginásio Oliveirense, que teve um período áureo, culminando com sua transforma-

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ção em Ginásio Oficial, equiparado ao Ginásio Mineiro.

O professor Felismino Pereira Pinto, en-tretanto, foi o pioneiro do ensino secundário em Oliveira. Construiu esse abnegado apóstolo do ensino, uma boa casa (para a época) num recanto da cidade, exatamente no fim da zona urbana, instalando alí um colégio. Como quase não saía de casa, o professor Felismino levou ali uma vida pacata e anônima, sendo pouco ou quase nada lembrado pela sociedade. Cumpriu entretanto o seu apostolado. Por algum tempo transferiu ele suas aulas para a “Casa da Instrução”, ali na Ladeira dos Frades (hoje Alexandrino Chagas).

Ninguém nunca conseguiu por as vistas na sua companheira, que vivia de portas fechadas, somente lhe sabendo da existência pelos doces de batatas roxas que uma preta velha, sua empregada, levava à rua para vender.

O professor Felismino Pinto lecionou até avançada idade.

Na instrução secundária feminina, teve desde muitos anos o Colégio Nossa Senhora de Oliveira, equiparado às Escolas Normais do Estado, graças ao Dr. Carvalho Brito. Esse colégio havia sido fundado por duas eméritas educadoras, de São João Del Rei, passando logo, entretanto, às mãos de D. Manoelita Costa Chagas.

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Pela Escola Normal de Oliveira, foram diplomadas muitas professoras que hoje difundem o ensino por todo o nosso Estado e até mesmo fora dele.

Sentindo-se exausta, como era natural, devido os longos anos de proficiente labor, D. Manoelita Costa Chagas passou a direção do estabelecimento à D. Maria P. Chagas e sucessivamente às senhoras DD. Luiza Santa Cecília, Manoelita Rabelo e Maria Luiza Barcelos. Ao tempo desta última sofreu o estabelecimento certas dificuldades financeiras, que foram, entretanto, remediadas pelo Provedor da Santa Casa, a quem foi doado o estabelecimento pelo povo de Oliveira, em subscrição pública. Foi então entregue o colégio à proficiente direção das Revdmas. Madres Es- colápias. Foi uma providência feliz e acertada do Senhor Nereu Nascimento Teixeira, então provedor da Santa Casa, cujo serviço relevante lhe ficará devendo Oliveira.

Nas letras primárias se esforçaram com desvelo e devotamente e muita abnegação os professores Venâncio José Benfica, Joaquim Alves de Oliveira, Alfredo Antônio Jacoby, Carlos Romualdo da Silveira e José Miguel Cordeiro, para o sexo masculino, e DD. Leonor Bicalho, Ambrosina Brasileiro e Ana Cruz, para o sexo feminino. Todos fizeram do magistério um verdadeiro sacerdocio.

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Antes da elevação do Ginásio Pinheiro Campos a orgão oficial do ensino, funcionava em Oliveira o Ginásio São Geraldo, fundado pelo Padre José Ferreira de Carvalho, Dr. Cícero de Castro Filho e professor Martin Cyprien, o qual, sem obter nenhum favor oficial, prosseguiu galhardamente, cumprindo com rigor o programa oficial, com Bancas examinadoras fornecidas pelo Departamento Nacional do Ensino, embora muito dispendiosas. Pôde assim o Ginásio fornecer aos seus alunos o Certificado com que se habilitaram para o ensino superior.

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Congado Chega-nos aos ouvidos, neste momento, o

ruído das caixas dos congados, de permeio ao tilintar de chocalhos e reco-recos de ganzais, entre o estrepitar das vozes nas cantigas características. Ouvindo e sentindo esse regozijo dos pretos, não sabemos mesmo porque, nos transportamos a épocas remotas!

A recordação nos traz nitidamente à me-mória a antiga capela do Rosário, de Oliveira, com seu adro enorme e muito alto do lado da Casa da Câmara.

Quanta gente! A enorme praça parecia não conter todo aquele povo, aquela multidão que se acotovelava na ânsia de assistir às danças dos pretos.

Apoiados em tripeças e espalhados sobre as lages do adro, viam-se taboleiros de biscoitos, doces, pastéis e pés-de-moleques. O Olímpio oferecia os doces do Bazico e Procópio as broas de fubá de cangica e os biscoitos pubos de d. Maria do Nico, não faltando também os bolos e biscoitos de amendoim de D. Maria Rosa.

As moças da roça, em vestimentas singelas mas com as faces rubras, ao natural, sem pintura, indicando saúde e sangue puro, lançavam olhares brejeiros aos moços da ci-

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dade que, a medo, correspondiam, pois bem seguros estavam de que por ali andariam os pretendentes da roça. Apesar desse temor o flert era inevitável.

Quantos ternos de congado! Dez ou mais, talvez. Saiotes de cetim, onde a cor rosa pre-dominava, saias brancas, de cambraia com barras de rendas finas e calças (que hoje chamamos cuecas) do mesmo pano, era a indumentária dos congados. À cabeça traziam um capacete de papelão enfeitado com papel de seda, ostentando no alto um espelhinho redondo que refletia os raios solares para todos os lados. Os instrumentos, ganzais, carretilhas, cuicas e tamboris, eram também enfeitados com papel de seda e fitas azuis e vermelhas.

O terno que ostentava mais luxo era o de que faziam parte o Ramiro, Pedro dos Reis, Serapião, João Florescena, Joaquim Bonifácio, Belisário, Estevam etc. Até as senhoras da sociedade oliveirense emprestavam aos pretos seus cordões de ouro para que eles se adornassem!

O pai Adão e o tio Lúcio, durante o ano inteiro arrastavam-se pelas ruas da Cidade, recurvados e molengas, mas no reinado se mostravam lépidos no terno de moçambique a saracotiarem como meninos!

Ao chegar o reinado à capela do Rosário vinha o saudoso Padre José Teodoro recebe-lo

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à porta, para a asperção de água benta. Em seguida os guarda-coroas tomavam a porta e terçavam as espadas.

Lá em cima, das janelas do coro, observa-se o grandioso espetáculo dos guarda-sóis intermináveis cobrindo, como se extenso palio, aquela multidão de juízes e dignatários do reinado.

Entrando o reinado na igreja, tomavam os reis grandes e perpétuos seus lugares nos tronos, armados com vistosos docéis e dali eram trazidos, um a um, ao altar, pelo Capitão Hilário, todo garboso no seu uniforme branco, com dragonas douradas a pender-lhes dos ombros. Após a cerimônia da aposição ou reposição da coroa desciam os reis até a mesa, colocada logo abaixo do altar e nela deposita-vam um envelope, ocupando de novo seu lugar no trono. Vinham depois os príncipes, dignatários e juízes que, voltando do altar, depositavam na salva o seu envelope e esses logo se espalhavam sobre a mesa, tão numerosas eram as espórtulas.

Terminada a solenidade se retirava o cortejo e então o Sr. Marianinho Ribeiro, Capitão Juca, e o Mateus de Oliveira, começavam a romper os envelopes deles retirando as cédulas que eram desdobradas e colocadas em pilhas sobre a mesa. Lá fora os ternos tomavam posição para conduzirem os reis às suas casas.

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Nos pátios reais eram servidos biscoitos, broas, doces e bebidas aos congados, fartamente e os ternos iam-se revesando ali até alta hora da noite. Enquanto durasse a recepção ficavam as portas dos reis guardadas por espadas terçadas, bastando, entretanto um dá licença, para que as lâminas se erguessem para tornar a passagem livre.

No dia seguinte havia idêntica solenidade para reposição da coroa aos novos reis.

Terminava a festa com soleníssima pro-cissão de Nossa Senhora do Rosário, que os pretos acompanhavam com muito respeito e devoção, fazendo-se duas longas filas de congados com seus instrumentos emudecidos. Entrada, porém, a procissão, voltavam eles à rua e retomavam seus regozijos, dançando de porta em porta, para recolher donativos do povo.

No dia seguinte desciam a bandeira que era conduzida à casa do Zelador Senhor Zeca Teixeira e estava encerrada a festa.

Hoje se ergue no local da Capela do Rosário, que foi demolida, a suntuosa Catedral, (ainda não acabada) do Bispado de Oliveira.

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Pai Joaquim Era o pai Joaquim um africano boçal na

mais estrita acepção da palavra. Sua estatura era baixa, mais ou menos, l,30mts., bastante idoso, quase sem cabelos brancos sem falta de um dente, sequer, e todos alvos e perfeitos.

Vivia perambulando pelas ruas da cidade, num andar miúdo com o dorso curvado, sem voltar a cabeça para qualquer lugar, seguindo sempre avante como se tivesse em mente a preocupação de certo destino.

Afora alguma refeição tomada nas casas onde cuidava de alguma capina de quintal, único serviço que conhecia, ao preço de quarenta centavos por dia, só se alimentava com um pouco de angu, que pedia em qualquer casa e um pedaço de sebo adquirido gratuitamente no açougue.

Tanto o sebo como o angu ele o transportava envoltos em pedaços de papel colhidos na via pública.

Seu pernoite era, invariavalmente, no pré- dio que o Romaneli construía na praça da estação para o Sr. Guilhermino Caldeira, construção essa que levou alguns anos a terminar. Ali, pai Joaquim, acendia seu fogo para se aquecer e assar o sebo para a refeição.

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Para alimentar o fogo devassava ele os andaimes das construções na cidade ou então devassava os quintais, arrancando a cerca de madeira.

Gostava o pobre do pai Joaquim de saborear sua cachacinha e para comprá-la trocava os quarenta centavos, que ordinariamente recebia em troca da capina, e que fazia questão de receber em coble blanco, (como dizia na sua meia língua) em vinténs e um a um os ia depositando nos balcões das vendas pedindo:

– um vintin de pinga… e assim até se ver livre do último disco de cobre, quando então, cambaleando, tomava o caminho de seu refúgio.

Quando chegava ao açougue para pedir o seu naco de sebo, se mostrava ele de uma solicitude extraordinária para com o açougueiro e se exasperava com a freguezia porque, dizia ele, estava amolando o negociante, mas tão logo recebia seu pedaço de sebo, saía porta a fora, sem uma palavra nem de agradecimento e nem de reprovação para com a freguezia, que amolassem agora o açougueiro, pouco tinha com isso…

A única preocupação de pai Joaquim era a aquisição de seu petisco e mais o ángo, como dizia ele…

Inofensivo e bom, pai Joaquim percorria

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as ruas de Oliveira sem fazer outro mal além das cercas que danificava, afim de conseguir combustível para o seu manto noturno, o fogo!

Valia a pena se lhe satisfazer o insignificante desejo para gozarmos de sua risada franca e sacudida.

Quando terminava as capinas de quintais, a gente o experimentava fazendo-lhe o pagamento em cédulas ou em moedas de cobre. Não aceitava, absolutamente, o pagamento. Queria coble blanco, embora se lhe mostrasse uma boa quantidade de moedas. Recusava numa risadinha sacudida e mole acrescentando: quero coble blanco. Ficava contente quando recebia duas moedas de duzentos réis ou quatro de cem réis! Recebendo porém essas moedas as ia trocar na primeira venda por moedas de cobre (!) de vinte réis.

Nunca se descobriu o segredo da prefe-rência. Seria uma questão de confiança? Seria medo de ser logrado pelo patrão?

Assim viveu por muitos anos em Oliveira esse africano, afeiçoado por todos, dando-nos uma lição edificante da vida, a qual para ser vivida não requer muita coisa: vive-se bem com um bocado de sebo e outro tanto de angú!…

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A Folha Larga Descendo-se de trem, de Oliveira para

Carmo da Mata, deparamos, à esquerda daquela linha íngreme, serpenteante da Rede Mineira, o soberbo lago denominado “Folha Larga” aos fundos da propriedade do Sr. Pedro Martins.

Abundante de águas prateadas é a “Folha Larga”, um verdadeiro encanto. Pena é que dela não tivessem feito ainda um ponto de recreio, como o têm feito tantos lugares até artificialmente, quando ali temos uma dádiva portentosa da natureza.

Fecundamente piscosa a “Folha Larga” abastece de peixes a população de Oliveira, constituindo-se, ao mesmo tempo o ganha-pão de muita gente que ali faz da pescaria profissão exclusiva.

Atinge a lagoa em alguns pontos grande profundidade, mas os pescadores percorrem-na de canto a canto de canoa ou jangada.

Apenas uma vez se registrou na “Folha Larga” um caso de afogamento, isso mesmo devido a imprudência da vítima.

Recreiavam-se ali o Lobatinho e o João Manoel, metendo-se numa jangada para percorrer o lago. Não tinham eles, talvez, a noção exata desse sistema de barco, que tomam

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sempre uma porção dágua, não se conservando à tona. Temerosos de um afundamento, puseram-se os dois a movimentar desordenadamente e por isso inclinando-se a jangada foram ambos atirados dentro da lagoa. O Lobatinho foi salvo por uma pessoa que os acompanhava, que lhe estendeu um bambu, o João Manoel, entretanto não emergiu.

Fatalidade essa que acabrunhou os espíritos fraternos dos oliveirenses.

Na mesma região encontram-se outras la-goas mas sem a importância da “Folha Larga”, que é notável.

Sendo a nascente das águas na própria lagoa, além de um pequeno regato que desce logo acima, está a “Folha Larga” fadada a subsistir pelo tempo afora.

Ainda nos lembramos de outra lagoa en-cantadora que existia na Matinha, à direita de quem vai pela estrada que conduz a S. João Batista. Também suas águas eram claras e tranquilas. Numa enchente do Rio Jacaré, há tempos, resolveu esse caudal incursionar pela lagoa e dali não saiu até vê-la soterrada, voltando então ao leito antigo.

Ninguém é hoje capaz de indicar o logar exato onde existira a lagoa, tal a exuberância da pastagem que cobre toda a área aterrada.

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Comércio e Indústria Como sempre acontece nos primórdios das

cidades nascentes, ninguém tem a preocupação de fixar ponto comercial, faz-se negócio em qualquer parte e Oliveira confirma essa convicção.

Lá, na rua dos Cabrais, entrada da estrada de São João Del Rei, bem distante do centro da cidade, se erijiram dois sobrados para residência e departamento comercial de seus proprietários: o Salgado e o Romualdinho.

Fizeram muito negócio e somente quando a Estrada de Ferro conquistou inteiramente os transportes que eram feitos pelos tropeiros, que por ali transitavam fazendo ponto de descanso para a caminhada em demanda ao sertão, foi o comércio ocupando o âmago da cidade e, então, pouco a pouco, foram o Salgado e Romualdinho perdendo as posições conquistadas.

No centro da cidade já se encontravam estabelecidos Pedro Justiniano, Tenente José Ferreira de Carvalho, Antônio dos Reis Alves, Comendador Francisco de Faria Lobato, José Antônio Teixeira, Joaquim Gonçalves, Teodoro Ribeiro da Silva, Antônio Campos, José Joaquim Gomes, João Alves de Oliveira, Evaristo Chagas, Capitão José das Chagas Andrade So-

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Brinho, Guilhermino Caldeira Franco, Antônio da Costa Pereira Júnior, Francisco de Lacerda Pinheiro, Gil Braz de Abreu Chaves, Mariano Ribeiro da Silva, Francisco de Paula Diniz, Sebastião Valadão, Felipe Simão, Irmãos Mitre, etc., etc.

Muito desenvolvido o comércio naquela época.

Vindo do Rio de Janeiro o português Joa-quim Vieira Mendes Júnior, para se beneficiar do clima afamado de Oliveira, logo se relacionou com os irmãos Chagas, surgindo então a ideia de instalação de um moderno estabelecimento comercial. Foi, assim, organizada uma sociedade comercial com abundante capital, sob a razão social de Chagas, Madeira & Mendes, da qual faziam parte os irmãos Chagas – Serafim, Carlos, João, filhos do saudoso oliveirense Dr. Antônio Justiniano das Chagas, o Dr. Antônio Carlos de Castro Madeira, cunhado dos irmãos Chagas e o sr. Joaquim Vieira Mendes Júnior. Denominava a casa EMPÓRIO OLIVEIRENSE, que verdadeiramente fazia jus ao nome.

Operava essa casa comercial dentro e fora do município, atraindo para a Ladeira dos Frades um movimento nunca visto em Oliveira. Retirando-se, pouco tempo depois, o sócio Dr. Madeira, passou a firma a se denominar Chagas, Irmão & Mendes e posteriormente à

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individual de Joaquim Vieira Mendes Júnior. Muito prosperou a casa, continuando sempre com a denominação de Empório Oliveirense. Anos mais tarde deu o proprietário interesse na firma aos seus antigos auxiliares Álvaro Vieira Mendes e Eudoro Guimarães modificando-se a razão social para Mendes Júnior & Cia.

Da Ladeira dos Frades foi a casa transferida para a Praça 15 de novembro, onde fez negócio por mais algum tempo, desaparecendo afinal como um meteoro que corta o espaço, de norte a sul, numa faixa luminosa, para se apagar logo além no horizonte, sem deixar um sinal sequer de sua passagem, além da notícia do acontecimento.

Fizeram tirocínio no Empório muitos moços de fora, notadamente de Juiz de Fora, Candeias, Bom Sucesso etc. dentre os quais nos recordamos dos seguintes: os irmãos Eudoro, Gastão e Herculano Guimarães, João Alfredo Alvim, José Alvarenga, Penido, e os irmãos do proprietário Álvaro, Norberto e Antônio Mendes. Tendo o Eudoro Guimarães ad- quirido sólidos conhecimentos contábeis no estabelecimento.

Antes dos trilhos da Estrada de Ferro Oeste de Minas alcançarem Candeias, eram os embarques de mercadorias destinadas àquela localidade, despachadas para Oliveira e dalí transportadas por carros de bois, isto certa-

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mente contribuiu em muito para o aumento que se notava no movimento comercial de Oliveira naquela época.

Oliveira já havia feito algumas tentativas no ramo industrial pois tivera, há tempos, uma fábrica de chapéus que, entretanto, não logrou vida longa. Mais tarde, com a animação do tráfego incipiente da Estrada de Ferro, foram instaladas duas fábricas de cerveja e uma outra de bebidas alcóolicas A primeira fábrica instalada foi a “OESTE”, de propriedade do Dr. Ludolf Fromm e mais o Sr. Oribes Ribeiro. A segunda, a “OLIVEIRENSE”, de João Alves de Oliveira. A “Oeste” funcionava no Engenho de Serra e a “Oliveirense” na praça da Estação.

Ambas as fábricas faziam muito negócio, com larga exportação de seus produtos pela Estrada de Ferro do Oeste, que descia em demanda ao São Francisco. Desapareceram essas duas fábricas quase ao mesmo tempo, surgindo nas dependências da “Oeste” um bem montado curtume, do Sr. Oribes Ribeiro, e no prédio da “Oliveirense”, um engenho de beneficiar café.

Surgiu certa vez em Oliveira, a ideia de se instalar uma fábrica de tecidos, chegando até o Sr. Mendes e outros a promoverem o levantamento de capital. Antes, porém, que fosse esse conhecido, entrou em debate a ques-

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tão administrativa. Os que maior soma de capital podiam subscrever, exigiam os postos de maior destaque para os seus parentes, porque não se animavam a entregar capitais em mãos alheias. Como nessa parte o êxito não dependia somente do capital mas de conhecimentos técnicos a ideia não vingou e não se falou mais nisso.

O Coronel Manoel Antônio Xavier, depois de ter explorado o comércio de fazenda etc., com ótima casa comercial, tentou a indústria de beneficiamento de arroz e café e, como ficou dito acima, o engenho foi instalado no prédio onde funcionava a fábrica de cerveja “Oliveirense”. Algum tempo depois mandou o Cel. Xavier construir um prédio no Engenho de Serra e para lá transferiu o seu engenho, isto no ano de 1906, dotando-o com modernas máquinas para o beneficiamento de café. Passou a ser, na ocasião, a única indústria de Oliveira. Esse engenho mais tarde passou às mãos dos Irmãos Mitre, que cederam uma parte do prédio ao Sr. Francisco Robortela, para a instalação de uma fábrica de manteiga, esta que, mais o engenho, desapareceram num incêndio de grande proporção, que reduziu tudo a cinza, do prédio ficando apenas as paredes de pé.

No intuito de instalar uma fábrica de tecidos, vieram a Oliveira os senhores Antônio

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Gonçalves Coelho e José do Nascimento Teixeira, de São João Del Rei. Depois de entendimentos com o Coronel João Alves de Oliveira, então Presidente da Câmara, ficou assentado que esses senhores e mais o capitalista e comerciante sanjoanense Sr. Carlos Guedes, instalassem a fábrica. A Câmara Municipal, num gesto louvável e patriótico, que deve ficar na lembrança dos oliveirenses, concedeu à firma que se organizava: Nascimento Teixeira e Cia., isenção de impostos municipais, bem como das taxas de luz, água e cessão gratuita de CEM CAVALOS de força, pelo espaço de vinte e cinco anos. Foram então aproveitadas as paredes do prédio do engenho sinistrado, no Engenho de Serra, e ali montada a fábrica de tecidos, em 1913. Destinava-se a fábrica à manufatura de tecidos de algodão cru e dispunha de 52 teares, com produção anual de 600 mil metros de pano, ocupando oitenta e cinco operários. O capital da novel indústria foi logo todo absorvido, ainda mais com o inesperado aumento de custo das matérias primas, provocado pelo começo da Grande Guerra. Os lucros, por isso, tornaram-se problemáticos e em breve a realidade demonstrava serem já impossíveis. Os dirigentes lançaram mão de todo o recurso possível, até onerosos, como o fo-

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ram diversos contratos para entregas futuras. Nessa conjectura era imprescindível a procura de capital e esse se retraía cada vez mais. Foi tentado o único recurso que assistia à firma: transformação da sociedade, como meio de atrair novos capitais. Surgiu então a Companhia Oliveira Industrial, com um capital de TREZENTOS CONTOS DE RÉIS, ficando, entretanto os antigos incorporadores com maior soma de capital; aparecendo poucos tomadores de ações.

A crise não foi superada e os acionistas já se mostravam descontentes com a indústria, mostrando desejos de se desfazerem de suas ações. Foi nesse desalento que lhes veio encontrar o Coronel Benjamim Guimarães que, atilado e conhecedor da indústria, se propôs comprar todas as ações, encontrando logo a aquiescência dos dois maiores acionistas Major Antônio Gonçalves Coelho e Sr. Carlos Guedes, os demais acionistas, efetuadas a vendas das primeiras ações, foram logo cedendo as suas.

A diretoria, que era composta dos acionistas Dr. Olegário Ribeiro da Silva - presidente, Cel. Vicente de Aguiar Paiva - tesoureiro e José do Nascimento Teixeira - gerente e mais o Conselho Fiscal - Dr. Artur Ferreira Diniz, Dr. Djalma Pinheiro Chagas e Álvaro Ribeiro, não chegaram a opinar porquanto os maiores

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acionistas já haviam vendido suas ações. O único acionista que relutou, e com isso dando prova da confiança que depositava na indústria, foi o Dr. Djalma Pinheiro Chagas, que ficou firme em seu posto, qual soldado que defende seu reduto até o último momento. Foi o último a vender suas ações.

Passada a fábrica a ser propriedade do Coronel Benjamim Guimarães, seus filhos e mais o Sr. José Fonseca, começou a dar os be-nefícios que dela esperava e assim foi num crescendo louco e vertiginoso que, aliás, foi um grande benefício para Oliveira.

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Coragem Quando os trilhos da Estrada de Ferro do

Oeste chegaram em Oliveira e correu a primeira locomotiva, puxando as pranchas de aterro, foi um acontecimento memorável e de grande efeito.

O povo que tinha notícia muito vaga do que eram os trens de ferro, alimentava certa desconfiança pelas proezas que diziam, eram feitas pelas máquinas. Por isso correu muita gente de todo o recanto da cidade e da roça para presenciar o acontecimento inédito, enchendo-se a praça do cruzeiro. Quando entrou o lastro com a locomotiva soltando baforadas de fumo e apitando estridentemente, foi uma debandada geral! Uns corriam pelos becos abaixo, outros metiam-se entre as touceiras do bambual existente na praça, outros, mais corajosos, ficaram a espiar à distância razoável.

Com a chegada dos trilhos ficou Oliveira, temporariamente, como residência das turmas de trabalhadores que, bravamente, venciam a acidentada “Folha Larga” contornando abismos e abrindo gargantas. Era, por isso, devido o aglomerado de pessoas, na maioria portugueses e italianos, que estava sempre em sobressalto o sub-delegado de Polícia e seus

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bate-páus. Contam-se, a propósito, fatos interessantes daquela época, alguns até inéditos.

As brigas eram constantes entre a rapaziada do lugar e os forasteiros, não dando tempo a que se enferrujassem as chaves das enxovias!

Numa dessas feitas foi recolhido à cadeia um empregado do Capitão Vigilato, prestigioso e bravo fazendeiro do município. Não tardou muito chegar a notícia à fazenda e de lá vir uma intimação ao Delegado de Polícia para que soltasse o homem. A autoridade, porém, desejava demonstrar o seu prestígio e desatendeu a ordem.

— Ora, já se viu tamanho desaforo? Então o tal delegadozinho não cumpriu minha ordem? disse lá Vigilato com os seus botões. Disse e agiu!

Mandou que se ajoujassem duas juntas de bois e mandou tocar para a cidade. Chegados que foram mandou que atassem as tiradeiras à grade da prisão e em dois tempos lá estava praticado um rombo na parede, por onde saiu satisfeito o prisioneiro sem que aparecesse quem quer que fosse para protestar!…

Como sempre acontece entre vizinhos de gênios exaltados, tinha Vigilato constantes rusgas com o P. J. S. seu confinante. Certa vez seus bois, aproveitando-se de uma brecha nos tapumes, invadiram o pasto do P. J. S. e este,

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como estava nas colheitas, mandou que arreassem os bois do vizinho e os metessem nos carros para o serviço. Soube-o logo Vigilato, que não tardou a vir procurar os seus bois. Acabavam de chegar da roça e descarregavam próximo do alpendre, onde se encon-trava o P. J. S. Vigilato entrou porteira a dentro, sem proferir palavras e arrancando da cinta sua afiada faca, foi cortando os ajoujos por miúdo soltando os bois. Isto feito os foi levando, porteira afora, sem ouvir o mínimo protesto de seu rival pois bem sabia ele que, em certas ocasiões o silêncio é de ouro!

Como a coragem é comunicativa, os feitos do Capitão Vigilato estimulavam muitas façanhas em Oliveira, não ficando delas infenso Venâncio Carrilho, antigo presidente da Câmara, em feito memorável.

Deliberara aquele progressista dirigente, a- brir uma rua necessária ao trânsito e para tanto teria de cortar extensos quintais, com o que não concordavam os proprietários, que tinham mais em conta suas frutas que o conforto dos habitantes da cidade. Que fazer? – pensou Venâncio – desistir? Não, por certo.

Reunindo diversos trabalhadores em surdina e à frente dos mesmos, mandou que à noite executassem a obra. Trabalharam as picaretas, os machados a noite inteira e a seus

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golpes ruíram anosas árvores frutíferas e os velhos muros de taipa!

No dia seguinte os oliveirenses tinham mais uma rua aberta ao trânsito mas o heroi entrava numa surra.

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Fon-Fon Os primeiros automóveis que entraram em

Oliveira, foram dois carros usados que o senhor Lindolfo Ribeiro adquirira, não sabemos onde. O certo, porém, é que foram dois carros velhos, enguiçados e quase imprestáveis.

Logo que chegaram foram abrigados num barracão próximo à casa do Sr. Galdino de Andrade, onde nos bons tempos servira para depósito de sal e querosene do Empório Oliveirense. Ali receberam os carros os cuidados de um mecânico improvisado e uma pintura geral pelo Sebastião Pintor.

Os mais curiosos não esperaram que os carros aparecessem na via pública e amiúde se via ali muita gente admirando os calhambeques.

Corria a nova pela cidade e a espera se fazia com ansiedade. Um dia, afinal, ouviu-se o matracar desconhecido do motor e o fon-fon característico. Era o automóvel do Sr. Lindolfo, que triunfalmente rodava pelas ruas da cidade!

Buzinando em cada esquina, apareceu o carro na praça 15. O motor, porém, deu um espirro, logo após mais um e… silêncio. Um enguiço! Desce o chaufeur, levanta a tampa do motor, mexe daqui, mexe dali e nada. Fe-

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lizmente já havia muita gente em volta do carro, admirando a máquina desconhecida! Mãos à obra, empurra gente… e lá vai o carro rodando com o impulso de braços musculosos com o chauffeur e o proprietário na boléia numa viagem triunfal!

O povaréu irrompe num alarido e o carro roda silencioso. Percorre toda a praça sem que o motor denuncie dispensar o auxílio daqueles braços providenciais!

Depois de um regular percurso o desânimo vai se apoderando daquela gente prestativa e, um a um dos impulsionadores vai deixando o preguiçoso que, afinal, fica inerte na praça. Manda então o proprietário chamar o Totó do José Joaquim que com duas juntas de bois reboca o AUTO para a garagem.

Mais alguns dias passados está o carro em condições de nova prova. O chauffeur acelera o motor e verifica que é ótima a explosão, podem sair. Sobe o proprietário e toma lugar ao lado do volante e manda rumar para a praça. Galga o carro com garbo a Ladeira dos Frades, está bom mesmo. Toda gente admira o extraordinário invento mas… aquele espirro!… Vence, entretanto a praça 15, mete-se pela Avenida Pinheiro Chagas, alcança a Praça D. Manoelita Chagas e para em frente ao saguão da estação da Rede Mi-

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neira. Desce o proprietário, que logo regressa e manda continuar a viagem de regresso.

Geme o motor de arranque. Geme ainda mais como se num S O S e, nada!…

Inspeção, desparafusa aqui e ali, sopra o cano condutor de gasolina e carburador, qual! manda chamar o Totó…

O Totó mais atilado, quando via o carro sair da garage e subir a ladeira, assentava-se num pau junto à parede de sua casa e esperava pacientemente com os bois no curral…

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Os homens e suas obras É um dever de justiça reverenciarmos os

nomes dos homens que, de algum modo, tenham concorrido para a construção de nossa civilização, de nossa nacionalidade. Além de se constituir um dever patriótico, é ainda agradável culto sentimental.

Oliveira, como todo lugar, teve seus cons-trutores, seus obreiros, mas seus nomes não ficaram registrados e se perderam através do tempo. Existem, entretanto, alguns que nossa lembrança guardou.

Pena que não se faça a história de Oliveira para que assim viessem à luz os nomes desses obreiros anônimos.

Através da tradição podemos lembrar de alguns, daqueles que nossa memória pôde al-cançar, cujos acontecimentos foram de ontem. Como é natural e lógico, vai haver muita falha nas citações o que, como imperativo histórico de memória é fatal e não pode influir na consideração dos méritos de quem não fôr lembrado. Como não tivemos a intenção de fazer a história de Oliveira, não tivemos também necessidade de divagar pelos arquivos e outras fontes de pesquisas, para o fiel registro dos fatos. Estas recordações são frutos de reminiscências. Outros se encarregarão de sua

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parte mais séria: A HISTÓRIA DE OLIVEIRA. Sem detido exame histórico e somente com

o auxílio da memória, pudemos alcançar alguns vultos que, pensamos, devem ficar vinculados à história de nossa terra, tanto pelo saber, pela cultura, pela benemerência ou outro qualquer motivo que se relacione com a vida ou fatos de Oliveira e, por isso, devem ser recomendados à lembrança e gratidão dos pósteros.

Assim é que tivemos: Antônio Domingos Pimenta

Não era oliveirense. Antônio Pimenta

apenas contraíra matrimônio em Oliveira. Nasceu artista porque a arte nele era infusa.

O gênio artista de Pimenta resplandescia em todas as facetas de sua luminosa inteligência, ora se revelando poeta fluente, ora pintor de traços impecáveis, como bem o atestam as pinturas a fresco deixadas em Oliveira, nas quais sabia distribuir portentosamente as cores e sombreados. Ainda o admiramos noutro gênero: a escultura, onde desbravando os toros de cedro fazia surgir contornos e relevos que a massa e a tinta, depois, completavam a Vivacidade para surgir um SENHOR DO TRIUNFO, tão expressivo e que os oliveirenses conheceram até mais ou menos 1935. Pena foi que não a tivesse feito segundo

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exigências canônicas, porque assim a teríamos ainda hoje para atestar sua supina arte.

Era Antônio Pimenta um rebento da árvore genealógica dos Gomes Pimenta, que nos dera o santo Arcebispo de Mariana, D. Silvério Gomes Pimenta.

Antônio Pimenta morou em Oliveira por algum tempo, onde contraiu núpcias não tendo, porém, encontrado a almejada felicidade no matrimônio.

Atestam seu gênio artístico diversos trabalhos de pintura espalhados pela cidade, alguns desaparecidos, como, por exemplo, uma feroz onça presa à uma corrente, pintada no primeiro lance da escada do sobrado José das Chagas, que tanto arrepio nos causava!

A Capela Santa Teresinha – antiga do Santíssimo Sacramento – ostenta expressiva pintura, modificada nas paredes laterais mas conservando – cremos – os dois nichos ao fundo, ladeando o altar, onde figuram dois apóstolos. Sem detido exame, parecem de fato duas imagens, tal o perfeito sombreado e relevo da pintura. No consistório onde habitualmente se faziam as reuniões vicentinas, havia um quadro a oleo do inolvidável Pimenta, qua-dro esse que deve estar merecendo as honras de algum museu público ou particular, porquanto dali desapareceu. Representava ele um santo de tês tostada e faces maceradas. Uma ver-

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dadeira obra prima. “Os Dois Ladrões”, pintados a fresco, que aparecem nas solenidades da Semana Santa, no topo do Calvário, mostram bem traços impecáveis de pintura ligeira.

A pintura do “Chalet do dr. Madeira” nas salas de visita e jantar, é do nosso Pimenta.

Alguém dá também a Pimenta a autoria da pintura do teto da Capela-mór da velha Matriz assim como, também, do oval que encima o altar, com a efígie de Cristo.

Pena que não se conservasse toda pintura espalhada pela mão portentosa de Antônio Pimenta em diversas residências em Oliveira.

João Batista Virote

Outro gênio, oliveirense genuíno, que tão cedo

se revelou e ainda mais cedo arrebatado de nosso convívio.

Começava Virote a voejar sobre o templo da glória, recebendo os merecidos louros de seu merecido triunfo, quando se abriu um túmulo para o recolher em silêncio!

Sua condição humilde não lhe permitira apresentar-se há mais tempo ante nosso conhecimento, na verdadeira arte que possuía, porque teve sempre de lidar com as tintas de pintor, com o que ganhava o seu pão cotidiano.

Era João Virote de uma inteligência sadia e embora se tenha penetrado, superficial-

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mente nos estudos, sabia discutir qualquer assunto social e artístico. Correspondia ele com artistas notáveis, onde bebia sadios conhecimentos, entre os quais vimos correspondência de Raul Pederneiras e Calixto Cordeiro, do Rio de Janeiro, que fizeram de Virote notável caricaturista, como bem o demonstrou numa exposição feita em Oliveira.

Entretanto sabiámos ser o Virote apenas pintor e caricaturista mas a supina faceta de sua arte somente mais tarde se revelou: quando plasmara em gesso o busto do saudoso maestro João da Mata, cujo trabalho teve a honra de figurar na exposição do centenário de São João Del Rei, berço do insigne musicista.

Quando a morte o surpreendeu estava ele, o saudoso Virote, trabalhando no busto da sau-dosíssima oliveirense D. Manoelita da Costa Chagas, que apenas iniciado, como tivemos ocasião de ver, já prenunciava um trabalho notável.

Padre José Teodoro Brasileiro Já o conhecemos velho e alquebrado. A

Paróquia de Oliveira, entretanto, o recebeu moço ainda.

Era o Padre José Teodoro Brasileiro, aus- tero e muito enérgico; o que não impedia, entretanto, de ser tratável e acessível. Sua cul-

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tura era notável e ele a difundia por toda a parte. Assentara-se o Padre José Teodoro, por

delegação do eleitorado da circunscrição de que fazia parte Oliveira, numa cadeira de Deputado, em Ouro Preto, onde emprestava o brilho de sua inteligência e cultura.

Era o nosso amado pároco de uma caridade extremada, daquelas que se conduzem sem alarde e com naturalidade. Pai amantíssimo dos órfãos, tinha o Padre José Teodoro sempre em casa uma criança criando-se à mamadeira e rodeada de todo conforto e carinho, sem nunca se preocupar o velho filantropo da origem e nascimento desses pobrezinhos, alguns até encontrados em matagais e dali trazidos para sua casa por alguém que sabia não lhe negaria agasalho.

Encorajador da música, o Padre José Teo-doro Brasileiro, teve a satisfação de ver, enquanto viveu, boa música em Oliveira: orquestra sacra e banda de música, tomando ele próprio, algum tempo, parte ativa no coro, executando o contra-basso.

Viveu distribuindo a caridade profusamen-te em toda modalidade. Resolvia as contendas e o seu conselho sempre sábio e prudente, derimava desavenças e reatava amizades. Muito culto, como já falamos, Padre José Teodoro, transmitiu a muitos os segredos das letras. Mor-

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reu pobre, como pobre viveu, mas sempre estimado e querido do seu povo. Seu enterramento foi uma verdadeira consagração póstuma, pois Oliveira em peso quis curvar-se ante seu ataúde e os seu funerais tiveram um aspecto verdadeiramente revelador da estima em que era tido.

A nota mais comovente registrada no dia de seu funeral foi a conversão pública de Hermogênio Gomes, seu antigo discípulo que havia abraçado o protestantismo, causando, por isso, ao velho pároco uma dor enorme.

Um de seus pupilos veio do Rio de Janeiro trazendo uma enorme lápide que fez assentar sobre seu túmulo, na velha igreja Matriz.

Oliveira jamais poderá olvidar esse seu grande benfeitor.

Dr. Antônio Justiniano das Chagas Era o médico caritativo e bom. O que mais o

enobrecia, além de sua vasta cultura médica, era a afabilidade com que acolhia a todos.

Atendia dr. Antônio, uma vasta região e onde era chamado não só deixava o alívio mas, principalmente, imorredoura gratidão nos corações.

Soube dr. Antônio educar seus filhos na mesma escola de bondade e nem um, sequer,

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deixou de seguir-lhe os exemplos, perpetuando-lhe a memória e o nome querido, porque todos eles herdaram-lhe a honradez e a nobreza de caráter.

Os latifúndios da família eram propriedade do povo. Já tão habituados estavam os oliveirenses que dispunham displicentemente de seus matos, suas terras e seus pastos sem aquiescência prévia. Lá soltavam suas criações, cortavam madeira para construções e faziam plantações sem que o proprietário reclamasse vez alguma. Isto enquanto viveu e depois de morto, porque seus filhos continuaram por muito tempo o costume inveterado.

Foi dr. Antônio Justiniano das Chagas um benemérito de Oliveira e somente a Estrada de Ferro e o dr. Djalma Pinheiro Chagas souberam homenagear-lhe o nome, a primeira dando-o a uma de suas estações e o segundo a uma ponte de concreto na cidade.

Ainda nos lembramos de seus últimos mo-mentos ali na Ladeira dos Frades. Seus médicos assistentes dr. Virgílio de Castro e dr. Juca (dr. José Ribeiro da Silva) procuravam dissuadí-lo de que não era grave o seu estado, mas dr. Antônio, retrucava-lhes com segurança fazendo o seu diagnóstico com precisão absoluta, afirmando-lhes que sua morte estava próxima e tal se deu!

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Dr. Francisco J. Coelho de Moura Político da velha guarda, soube dr. Chi-

quinho se conduzir com habilidade na política de Oliveira. Eleito deputado e depois senador, teve sua gestão renovada para diversas legislaturas.

Como político e como médico, grangeara dr. Chiquinho um vasto círculo de amizades em Oliveira e noutras cidades onde era conhecido. Mantinha ele grande e disciplinado eleitorado, que lhe assegurava sempre a vitória nos pleitos feridos. Nessas ocasiões muitos eleitores lhe vinham pedir roupas, sapatos e chapéus, alegando não disporem de indumentária para comparecerem às sessões para o voto. A solução era rápida, um terno a um, um par de botinas a outro e ainda àquele um chapéu…

Certa vez, já acostumado com o peditório, dr. Chiquinho mandou vir do Rio de Janeiro uma respeitável quantidade de palitos de alpaca pretos e os distribuiu aos eleitores. No dia da eleição não era difícil distinguir-se os partidários do dr. Coelho de Moura!…

Era dr. Chiquinho admirador de raridades e coisas antigas, especialmente as relacionadas com a época do Império do Brasil. Viam-se as paredes de sua sala de visitas ostentando pratos de faiança antiga e dentro de cada, uma cédula do império. Tinha o dr. Coelho de Mou-

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ra verdadeiro fanatismo pelo carnaval e, por isso, era o seu animador máximo em Oliveira. Não ia o dr. Chiquinho para a rua engrossar os préstitos mas preferia ficar em casa para, lá de cima, da janela de seu sobrado na rua Direita, irrigar a quantos negligentemente passassem em baixo!

Sua caligrafia era mesmo de… médico! Somente o mano Moura era capaz de decifrar-lhe os hieróglifos, mesmo assim quando se tratava de receituário, porque do contrário era um verdadeiro quebra-cabeças!

De uma feita, quando seguiu para Ouro Preto, afim de tomar parte nos trabalhos legislativos, deixou certas recomendações ao seu empregado Joaquim Santiago, que lhe ficava zelando a casa. Depois de alguns dias na então capital do Estado, escreveu dr. Coelho de Moura ao Santiago. Este abriu pressuroso a carta mas… nada entendeu. Levou-a ao sr. Moura e este ficou na mesma…

Sô Chico não deixou alguma recomendação, Santiago? – indagou o sr. Moura.

– Deixou sim. Sobre umas galinhas. Com essa explicação pôde então o sr. Moura

decifrar o enigma e leu para o Joaquim Santiago a carta, extraindo dela uma cópia.

Terminado o período legislativo voltou dr. Chiquinho e, como de costume, recebia as inúmeras visitas e a sala estava repleta. Aprovei-

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tou o mano Moura a ocasião para se divertir com dr. Chiquinho.

Sô Chico, estava arranjando uns papéis e encontrei esta carta sua, como não sei do que se trata, pois não consigo ler o que você escreveu, quero que a veja.

Dr. Chiquinho apanhou a carta correu-lhe as vistas entregando-a de novo ao sr. Moura.

– Pode rasgá-la, nada de importante. – Isto é que não faço; quero saber do que se

trata. Nova recusa e nova insistência do mano

Moura que afinal adiantou: – Não será sobre umas galinhas? Pegou novamente a carta o dr. Chiquinho e

disse com ênfase: – É isto mesmo. Não sou culpado de teres

fugido da escola! – A prova de que não fugi da escola está aqui. – E exibiu a cópia, acrescentando: quem fugiu

da escola é aquele que escreve e não lê!… Dr. Carlos Ribeiro de Castro Também esse filho ilustre de Oliveira, muito

concorreu para que sua terra se aparelhasse com as mais adiantadas na senda do progresso.

Fez ele construir, em lugar aprazível –

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exatamente onde se localiza hoje o Hospital de Alienados, no Alto de São Sebastião – um confortável Sanatório, que dispunha de ótimas instalações, contando até com moderna casa de banho onde nada faltava, desde o simples chuveiro, às duchas escocesas.

Mantinha o Sanatório um TROLI para condução de seus hóspedes.

Atraiu, como era natural, muitos doentes de vários pontos do Estado e mui especialmente do Rio de Janeiro, que sabiam oferecer Oliveira um clima admirável. Muitos desses doentes conseguiram curar-se ali e outros obtiveram melhoras sensíveis. Alguns se radicaram em Oliveira, constituindo família.

Dr. Calito, entretanto, viveu muito pouco e com sua morte desapareceu o Sanatório que impulsionara o progresso da terra.

Dr. Ludolf Fromm

Esse sábio médico alemão, veio para Oliveira

depois de haver servido no exército dos Estados Unidos da América. Chegado que foi a Oliveira teve logo uma iniciativa simpática para com aquela terra. Desbravou uma faixa de terreno, no Engenho de Serra, fazendo er-guer ali uma série de casas bem construídas que embelezou o novel bairro. A Empresa Castro, Rocha & Cia., que construía a Estrada

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de Ferro do Oeste, ocupou algumas dessas casas para os seus escritórios e almoxarifado.

Logo que desceram os trilhos, vindo da estação da cidade, construiu dr. Fromm uma casa à margem da linha para lhe servir de estribo, ali embarcando e desembarcando na sua constante atividade de médico, não só dos empregados da Empresa, como das populações que iam sendo servidas pela Estrada de Ferro. Mais tarde a Administração da Estrada aproveitou essa casa para instalar mais uma estação na cidade, onde se embarcavam os produtos da Fábrica de Cerveja e Bebidas “Oeste”, instalada pelo dr. Fromm e sr. Oribes Ribeiro, ali no bairro do Engenho de Serra, que florescia.

Acompanhando a linha férrea, foi dr. Fromm adquirindo clientes por toda a sua extensão até Henrique Galvão, hoje Divinópolis, dali fazia ainda uma incursão até Cajurú e Itaúna. Em Cajurú, segundo nos informaram, o dr. Fromm, demorava-se mais tempo. Antes de empreender viagem mandava despachar para Henrique Galvão algumas caixas de sua cerveja OESTE, que eram dali transportadas para Ca-jurú, em carros de bois, afim de obsequiar seus amigos que o recebiam sempre com animado baile, onde ele se exibia na sua valsa rodada como apreciava.

Foi o próprio dr. Fromm o desenhista de seus prédios, cuja parte técnica era confiada

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ao sr. José Carapina (José Fernandes), português, que também veio acompanhando a construção da Estrada de Ferro.

Não quebrando o espírito belicoso da raça, mantinha dr. Fromm, em cada compartimento de sua casa, uma garrucha pendente da parede!

Foi o dr. Fromm, não há negar, um dos obreiros do progresso de Oliveira.

As receitas do dr. Fromm levavam sempre uma dose algo exagerada, é verdade, mas a cura era certa, embora ficasse o doente sempre exausto!

Dr. Alexandrino Justiniano Chagas Foi esse moço desprendido, caridoso e bom,

o seguidor de seu saudoso pai, o dr. Antônio Justiniano das Chagas.

Inteligência privilegiada, muito estudioso, teria de ser como foi: um grande médico.

O seu quarto de dormir –; como tivemos ocasião de verificar – amanhecia atravancado de livros! Uns sobre as cadeiras e sobre a mesinha de cabeceira e muitos espalhados pelo chão, atestando que os devorara no estudo de casos intrincados antes de ser vencido pelo sono.

Passando pelas ruas no seu andar apressado, ia o dr. Xandico descobrindo em cada semblante um sinal de enfermidade e sempre

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se detinha ante um e outro dos transeuntes para aconselhar tal e qual remédio, a mais das vezes formulando um convite para que o paciente comparecesse ao seu consultório, onde recebia sempre uma receita gratuitamente e, muitas vezes, até o dinheiro necessário para mandar aviar a receita.

Certa vez, ainda nos lembramos, deparou na rua um rapazola e foi logo dizendo:

– Você precisa tratar-se rapaz, se não o fizer logo morrerá.

– Você é Deus? Não preciso de seus con-selhos não – lhe respondeu o rapaz indignado!

Não teve esse moço muito tempo de vida, sucumbiu vitimado pela tuberculose.

O prazer do saudoso Xandico era curar, aliviar os sofrimentos da humanidade.

Certa vez havia em Oliveira uma cabrocha que tinha o lábio superior fendido, que lhe transformava completamente a fisionomia, deixando aparecer alguns dentes. Dr. Alexandrino deparando-a na rua foi logo convidando-a para comparecer ao seu consultório. Operou a moça e deu-lhe dinheiro e instruções para observação de dieta. Não observando as recomendações voltou ela novamente ao consul-tório com os pontos operatórios rotos! Nova intervenção foi praticada e a cabrocha ficou bonita mesmo!

Antes de sua viagem à Alemanha, onde

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foi se aperfeiçoar nos seus conhecimentos clínicos e operatórios, adoecemos com uma pneumonia dupla, veio o Xandico e aplicou-nos algumas ventosas sarjadas, receitou e seguiu para Carmo da Mata. Sofremos uma das crises da enfermidade e outro facultativo chamado não nos quis atender pelo fato de estarmos aos cuidados de outro médico (!) Regressando o nosso bondoso Xandico formulou novo receituário e, temeroso de acontecer novamente outra negativa de seus colegas, deixou-nos uma coleção de receitas e lá se foi para a Alemanha, pois, como disse, tinha já a passagem comprada para um navio prestes a partir…

Só tivemos que seguir a ordem numérica das receitas!…

Quando mocinho foi dr. Alexandrino man-dado a estudar no Rio de Janeiro e numa de suas férias anuais não queria mais regressar aos estudos. Seus irmãos lhe fizeram ver o inconveniente desse procedimento mas o Xandico não lhes deu ouvidos e no dia do embarque apanhou um cavalo em qualquer porta e se pôs a galopar pelas ruas da cidade para não embarcar. Foi um custo apanhar o fugitivo! Embora seguindo para o Rio de Janeiro não continuou o Xandico a estudar. Somente mais tarde, esgotados os seus recursos próprios, resolveu continuar seus estudos médicos e o fizera com tal propósito que resultou na nota-

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bilidade que fôra. Foi uma das vítimas da “Es- panhola”, de 1.919, quando os médicos ainda não haviam descoberto sua terapêutica.

Faleceu o Xandico num hotel de Belo Ho-rizonte e devido ao atropelo e confusão que causava o morticínio, parece-nos que seu túmulo ficou ignorado, pois nunca ouvimos dizer que alguém o soubera.

Grande perda para Oliveira e quiçá para o Brasil, que tivera também no seu primo Carlos Chagas, outra notabilidade.

Dr. Júlio Ribeiro da Silva Outro médico oliveirense. Dr. Júlio Ribeiro não chegou a clinicar em

nossa terra, tendo o seu espírito atilado e progressista o levado a São Paulo, onde fundou o notável “Instituto Paulista”.

Grande coração, viveu o dr. Júlio distri-buindo o bem em profusão.

Morreu moço e não chegou a recolher os louros do grande trabalho encetado no grande Estado brasileiro.

x-x-x Fizeram de suas profissões verdadeiro sa-

cerdócio, além dos médicos já citados, ainda

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os seguintes filhos daquela boa terra: Dr. Olegário Ribeiro da Silva, dr. José Ribeiro da Silva (este que repousa sob uma lápide que ostenta a seguinte inscrição: “Respeitai o médico pelo que sabe e pelo que sofre”), dr. Henrique de Melo, dr. José de Lacerda Pinheiro,, dr. Virgílio de Castro, dr. Carlos Bernardes Costa, dr. Cândido de Faria Lobato. Todos falecidos.

Oliveira jamais poderá deixar de reverenciar esses nomes queridos, porque todos eles foram verdadeiros apóstolos na medicina.

Tal como se dá nos campos de batalha, onde um soldado sempre toma o lugar do que tombou, Oliveira tem sempre alguns filhos médicos, seguindo a trajetória daqueles que desceram ao túmulo, envoltos no manto imenso de nossa saudade, nos quais brotam goivos e lírios irrigados com as lágrimas de todos nós.

x-x-x

Como advogados, elevaram bem alto o nome de Oliveira, pela cultura, arrojo e amor à profissão, os seguintes causídicos, cuja lembrança devemos cultuar: Capitão Juca (José das Chagas Andrade Sobrinho), Major Joaquim Dias Bicalho Júnior, dr. Leopoldo Ferreira Monteiro, dr. Cícero Ribeiro de Castro, dr. Francisco de Assis das Chagas e tantos outros que

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souberam enobrecer a terra. Além de culto advogado e orador sublime, foi ainda dr. Cícero Ribeiro de Castro, por um lapso enorme de tempo, sustentando com suas mãos firmes e experimentadas, provedor da Santa Casa de Oliveira.

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Nas Letras e no Jornalismo

Antônio Fernal Amante e cultor das letras, Antônio Fernal,

no desejo de difundi-las nesse recanto do Oeste de Minas, fundou em Oliveira, no ano de 1.887, a “Gazeta de Oliveira”, semanário bem feito e de regular formato, literário, recreativo e noticioso.

Antônio Fernal fez construir na Praça da Estação, hoje D. Manoelita Chagas, um elegante e sólido prédio, nele instalando as oficinas de seu jornal, cuja rotativa era acionada a vapor. O motor que acionava as máquinas do jornal, foi também utilizado para mover u'a máquina de beneficiar arroz, também de propriedade do sr. Fernal.

Passou a tipografia de Antônio Fernal a servir uma extensa zona e por isso mantinha um selecionado corpo de tipógrafos, inclusive duas moças, que vieram de fora, muito desembaraçadas na composição.

Começou então Oliveira a evidenciar sua cultura, pela divulgação periódica das letras.

Não faltaram à “Gazeta” colaboradores para todas as suas seções, tornando-a aprazível e procurada.

A “Gazeta” firmou no jornalismo e mais

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tarde deu-lhe Antônio Fernal o título de “GAZETA DE MINAS”, porque, de fato já havia ultrapassado os limites municipais, para servir a todo o Estado de Minas Gerais.

Sofreu “Gazeta de Minas” diversas muta-ções na sua parte administrativa, mas ainda é o jornal informativo e noticioso, não se tendo desvirtuado do programa que lhe traçara o seu fundador.

Acrísio Diniz

Oliveirense inteligente, cordato e bom, deu

também Acrísio Diniz expansão à cultura de nossa terra fundando o periódico “O Oliveirense”, semanário de regular formato, literário e noticioso. Tinha o “Oliveirense” uma feição moderna e atraente e era impresso, também, em oficinas próprias, à rua Duque de Caxias.

Viveu por muito tempo o jornal de Acrísio Diniz, mantendo regular tiragem com assinantes por todo o Estado. Eclipsou-se depois para dar lugar a outros órgãos que vieram aparecendo.

x-x-x

Surgiram em Oliveira, outros jornais que,

entretanto, tiveram vida efêmera. Dr. Alfredo de Figueiredo Paraíso, que se

transferira para Oliveira, ali fundou a “Demo-

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cracia”, cuja tipografia fôra instalada no belo edifício de sua propriedade, na Praça 15 de Novembro. Acrescentava “Democracia” ao programa de seus confrades locais, a parte política, que defendia com ardor.

Depois de uma vida regular passou esse periódico às mãos de Ferreira de Carvalho (José Ferreira de Carvalho), jornalista experimentado e tribuno de escol.

Dirigia a parte técnica do jornal o com-petente tipógrafo Estevão Pereira.

Circulou a “Democracia” por longos anos e tinha uma feição leve e atraente, agradando geralmente. Saiu da liça quando seu proprietário, Ferreira de Carvalho, eleito Deputado se transferira para Belo Horizonte, onde ainda hoje vive.

Não ficou, porém, aberta a lacuna por muito tempo, porque surgiu nas mesmas oficinas de “Democracia”, o semanário “A PÁTRIA”, dirigido por José Miguel Cordeiro e propriedade do dr. Alexandrino Justiniano Chagas.

Tratando-se de um órgão puramente político, não logrou vida longa. Apenas desaparecida “A Pátria”, surgiu logo “A LUTA”, jornal de pequeno formato e genuinamente literário, na sua primeira fase, porque passando das mãos de Cleto Toscano, que assim o que-ria fosse, entrou na arena política, levado pelas mãos do jornalista impetuoso Múcio Con-

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tinentino, que o fez evidenciar o atributo de seu título.

Lutou o jornalzinho bravamente até que um dia seguiu a trajetória de tantos outros; de-saparecendo como a nuvem tocada pelo vento!

x-x-x Veio logo “A Defesa”, político e

desabusado. Fundado esse periódico em 1.932, para fazer

a propaganda de Júlio Prestes, teve a seu serviço as penas fulgurantes de José Maria Lobato e Waldemar Fernal. Era seu proprietário o Capitão João das Chagas Lobato.

Palmilhava, entretanto, o mesmo terreno fugidio e, por isso, não teve longa vida. Feneceu quase no período germinativo.

x-x-x

Teve também Oliveira os seus órgãos re-creativos como “A Borboleta”, de Ferreira de Carvalho; “A Flor”, de Estevão Pereira; “A Camélia”, de Raid Diniz; “A Mocidade”, de Ascendino de Oliveira; “A Magnólia”, de Gastão Guimarães e outros muitos e… porque não mencionarmos também o nosso jornalzinho, “A Chaleira”, o que menos viveu, vindo à luz talvez uns dois números apenas.

Sempre gozou Oliveira do nome merecido de cidade culta, isto porque, embora encravada num recanto do Oeste Mineiro, sem-

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pre cuidou da cultura de seus filhos. Nunca faltaram os amigos das letras, os serões literários, as bibliotecas públicas e particulares, os periódicos e as festas de arte. Seus filhos sempre procuraram as fontes do saber e nelas bebiam com ânsia a instrução em todos os seus aspectos. Muitos oliveirenses já se elevaram às culminâncias, como Carlos Chagas, o seguidor do grande e inolvidável Oswaldo Cruz. Carlos Pinheiro Chagas, notável pela cultura, tribuno fluente, notabilizado pelo célebre discurso proferido no Cais Faroux, no Rio de Janeiro, quando desceram o ataúde de João Pessoa. Djalma Pinheiro Chagas, politico de alta visão, jornalista de escól e orador sublime. Quem conhecera Djalma Pinheiro Chagas, talvez tivesse errônea convicção de que fosse ele apenas político. Quem assim o julgasse se teria iludido quando ingressou ele na carreira bancária, no Banco Português do Brasil onde, como seu presidente, deu exuberante prova de seu tato financeiro, como o faz agora no Banco do Distrito Federal, que Djalma elevou até que ele se ombreou aos grandes Bancos nacionais. Já como fazendeiro se havia demonstrado um verdadeiro homem da gleba, porquanto dali saiu galhardamente.

Pode dizer-se sem temor de errar, que qualquer empreendimento que nortear Djalma Pinheiro Chagas, atingirá o apogeu.

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Como acontece em toda parte, conta também Oliveira, em seu seio os filantropos e seus nomes devem figurar nos seus anais. Ocorrem-nos à memória nomes de alguns deles. Uns passaram à eternidade, onde foram receber os prêmios que conquistaram pelo amor ao próximo, outros ainda vivem no afã sublime do bem.

Os mortos, que pranteamos, empreenderam trabalho de benemerência em pról do povo daquela terra, entre eles deve haver alguém que ignoramos ou não sejam encontrados na nossa lembrança, o que é possível e natural quando não se pode rever arquivos, pelo fato de não guardarem o que ficou somente confiado à nossa memória e, pela falibilidade, passarem ao esquecimento.

Podemos entretanto, apontar os seguintes: foram os fundadores da Santa Casa de Misericórdia de Oliveira, no ano de 1.875, os seguintes, todos falecidos e que registramos como beneméritos que foram porque iniciaram uma obra meritória e de alto alcance social em Oliveira, a qual vem desde então satisfazendo plenamente os fins para que a crearam. Ante esses nomes devemo-nos curvar numa reverência sincera e respeitosa, imposta pela gratidão, são eles:

Mesa Administrativa: Dr. Miguel A. do Nascimento Feitosa –

Provedor

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José Pedro Ferreira de Paiva - Vice-Provedor Antônio da Costa Pereira – Escrivão José Ferreira de Carvalho – Tesoureiro Carlos Ribeiro da Silva Castro – Procurador

Mordomos: José Henrique de Melo Fernando Leite Ribeiro de Faria Mariano Ribeiro da Silva Carlos José Bernardes Misael Ribeiro da Silva Castro Joaquim Dias Bicalho

Irmãos: Vigário José Teodoro Brasileiro Antônio Augusto Pinto Coelho Antônio Alves de Moura Carlos Ribeiro Naves Joaquim Gonçalves dos Santos Chaves Antônio José Coelho de Moura João Ribeiro da Silva Vicente Gonçalves de Rezende Marcos dos Passos Pereira José Antônio de Sousa Tatão Fortunato Moreira de Alvarenga Saturnino Cândido de Morais José Martins Pereira Marcelino Rodrigues Tito Teodoro Ribeiro da Silva José Antônio Teixeira Júnior Vigilato José Bernardes José Antônio Teixeira José Ribeiro de Oliveira e Silva Francisco Ferreira Rodrigues Júnior Antônio Ferreira de Carvalho

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Balduíno José da Silveira Rodolfo Ribeiro da Silva Castro Ernesto Ribeiro da Silva Antônio da Silva Campos Pio Ribeiro da Silva José Joaquim Gomes João Tertuliano da Mota Messias Ribeiro da Silva Pedro Alves Coelho Antônio Rodrigues Pereira Martiniano Fabião Cordeiro Francisco Gomes de Oliveira João Antônio Gonçalves de Lima Joaquim Alves de Oliveira Romualdo José da Silveira Manoel José Salgado Guimarães Cornélio Epaminondas de Castro José Antônio da Costa Manoel Moreira da Cruz Antônio Chaves de Magalhães José da Rosa Pires Francisco Alves Pereira Vicente José da Silveira Francisco de Paula Faria Lobato Joaquim Antônio dos Santos Teodoro Ribeiro de Oliveira e Silva

Também se impõem à gratidão dos oliveirenses os seguintes nomes:

Francisco F. de Andrade e Silva

O Coronel Francisco Fernandes de Andrade e Silva, depois de lutar no comércio do Rio de Janeiro, tornou-se fazendeiro em Oli-

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veira. Sempre deixou transparecer os dotes que lhe exornavam o coração bondoso e amigo do pobre.

Distribuía benefícios a quantos o procura-vam e se compadecia sempre do sofrimento do próximo.

Fez o coronel Francisco Fernandes muitos donativos para fins de caridade, obras pias, etc. A Santa Casa de Misericórdia recebeu desse filantropo grande cópia de auxílios para sua conservação e manutenção.

Espírito atilado, compreendeu o grande benefício que a instrução pode prestar ao povo e, por isso, Oliveira pôde ver instalado o seu primeiro Grupo Escolar com a doação que esse benemérito fez ao Governo do Estado, de um soberbo sobrado na Praça 15 de Novembro, para que ali se inaugurasse um estabelecimento de ensino, o qual lhe homenagea o nome.

Com. Francisco de Faria Lobato Também esse filantropo e mais a sua Ex-

ma. esposa d. Maria Policena das Chagas Lobato, foram outros beneméritos de Oliveira. Muito lhes devem o culto católico e as obras de benemerência, estando entre elas, mais intimamente ligada, a Santa Casa de Misericórdia, cujo patrimônio foi grandemente enriquecido pelas mãos generosas desse casal piedoso.

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José Joaquim Gomes O Sr. Zeca da Inacinha, como lhe chama-

vam, era a bondade personificada. Prestativo e bom, era o aliviador das dores e

sofrimento do pobre, o confortador do triste doente. Não conhecia distâncias o Sr. Zeca da Inacinha, quando se tratava de aliviar o sofrimento; a pé ou a cavalo lá se ia ele levando os seus ovozinhos de aranha ao doente e quase sempre conseguia êxito com sua homeopatia.

De trato lhano e coração magnânimo, a todos consolava e aconselhava para o bem. Conseguiu evitar muitos transes terríveis na vida de muita gente!

Aos domingos e dias santificados sua casa permanecia sempre cheia; eram os amigos e reconhecidos dos benefícios, que lhe vinham dar uma demonstração de sua gratidão.

Seu nome foi sempre cercado de prestígio e era um baluarte da política em Oliveira.

Embora de uma modéstia sem par, ocupou cargos eletivos, com muita proficiência.

Sua bondade não lhe permitiu acumular fortuna, pois o que possuía não lhe pertencia exclusivamente, porque de seus haveres o ne-cessitado sempre tinha uma parte.

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D. Manoelita Costa Chagas Sacerdotiza do bem, d. Manoelita Costa

Chagas – a tia Lilita – enxugou muitas lágrimas em Oliveira. Como educadora, que o foi das mais eméritas, obrou prodígios no Colégio Nossa Senhora de Oliveira o qual, mais tarde, teve a consagração justa do Governo do Estado, equiparando-o às Escolas Normais do Estado, vindo assim atestar o mérito com que era tido o seu colégio.

D. Lilita, amiga devotada de sua terra, nunca regateou esforços e sacrifícios para bem serví-la. Todo prestígio que seu nome aureolado conseguiu, como recompensa do bem que prodigalizou, ela o hipotecou sempre a quantos se apresentaram como bemfeitores de Oliveira. Era d. Lilita, por isso, estimada, venerada e acatada até pelo mundo político que passou a não prescindir de sua eficaz colaboração.

No terreno educativo, onde fez d. Lilita verdadeira profissão de fé, encaminhou às cátedras muitas moças de condição humilde, que hoje desfrutam posição social invejável.

Seu nome tem ressonâncias além dos limites oliveirenses e onde é evocado cria um ambiente de respeito e saudade.

Oliveira jamais poderá olvidar o nome de TIA LILITA.

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Joaquim Laranjo da Costa Quando se instalava a luz elétrica em Oli-

veira, veio o Laranjo mandado pela “Siemens Schukertwerk”, que foi a fornecedora de todas as máquinas e material elétrico, para a montagem de nossa usina e rede de iluminação. Aqui, sob as ordens e orientação do dr. Henry Betex, foi o Joaquim Laranjo encarregado de aparelhar a Distribuidora da Ladeira dos Passos, para receber os fios de alta tensão.

Atroz ironia do destino! Ali, naqueles iso-ladores que sua mão experimentada fixava à parede, deveria mais tarde ser sacrificado o seu filho mais velho, o bondoso Azuil!

Joaquim Laranjo, espírito morigerado e de-votado ao trabalho, grangeou logo estima do então presidente da Câmara Municipal, Cel. João Alves de Oliveira, que não permitiu voltasse ele para o Rio de Janeiro, entregando-lhe a direção dos Serviços Elétricos.

Teve, entretanto, Joaquim Laranjo de regressar ao Rio de Janeiro, depois de larga permanência em Oliveira, isto devido à pertinaz enfermidade que se agravava cada dia nas altitudes de Minas.

Durante sua permanência em Oliveira, já havia demonstrado seu devotamento à causa do pobre, como presidente da Conferência Vicentina de N. S. Mãe dos Homens, que funciona-

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va na Capela do Rosário. Voltando, enfim, o caridoso Joaquim La-

ranjo, do Rio de Janeiro, sem contudo ter recuperado inteiramente a saúde, se radicou definitivamente em Oliveira e lá vive inteiramente votado à causa do pobre.

Notando Laranjo que a mortalidade de crianças em Oliveira atingia proporções anormais, tomou a iniciativa de pesquisar sua causa, começando nos bairros proletários, onde o índice era mais elevado. Em pouco se convencia de que as crianças morriam de fome. Mais uma vez se confrangeu seu coração bondoso. Era mister golpear o mal sem perda de tempo. Não cogitou Laranjo de computar dados estatísticos e confeccionar orçamentos para iniciar a campanha. Reuniu, como pôde, alguns recursos e no mesmo dia deu começo à distribuição de leite e feculoses às mães dos pobre- zinhos. Não parou desde então o filantropo, e desde o amanhecer até a noite, percorria ele os bairros pobres da cidade, na peregrinação do bem. Se faltava alimentação para o bebê e sua mãe, era logo providenciado; se era o agasalho que não existia no pobre lar, não tardava a providência: ainda acolá, se encontrava enfermo o pobrezinho, recorria aos bondosos médicos de Oliveira e, adquirida a receita, lá ia o bondoso Laranjo em demanda da farmácia para que não tardasse o remédio salvador!

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Surgiu pouco mais tarde o “LACTÁRIO S. VICENTE DE PAULA”, no ano de 1938. Já em 1941 seu Relatório demonstrava uma receita de Cr$14.227,80, da qual ainda pôde ser retirada a importância de Cr$ 10.025,00, para a aquisição de um prédio para nele se instalar a Sede do Lactário. Nessa época atendia já o Lactário, criado pelo nosso heroi, a 607 crianças das quais 360 eram de menos de um ano de idade! Um consolo teve o nosso La- ranjo: foi o de constatar-se o acerto de sua previsão, quando afirmava ser o motivo da mortalidade de crianças pobres em Oliveira, a falta de alimentação, tanto da mãe como do filho.

Não satisfeito em tratar e curar os pobre- zinhos, ainda aspirava Joaquim Laranjo coisa de maior alcance, como se refere no seu Relatório de 1940:

Como complemento ao que acabo de citar neste vago relatório, é preciso dizer algo mais sobre a última etapa da criança pobre – a orfandade.

O que fazer dessa legião de órfãos que por aí perambulam na escola da vadiagem e do crime, se não possuímos ao menos uma casa para os abrigar, mostrando-lhes o caminho do bem? Os asilos para os quais já recorremos estão superlotados! Acolhida a ideia para a fundação em Oliveira, de um asilo, espero

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ver em breve realizado este nosso ideal e para isso lanço o meu apelo aos corações bem formados e aos poderes públicos para que seja concretizada nossa aspiração.

Ao finalizar esta exposição do que foi a vida do Lactário e em que foram empregadas as suas esmolas, faço um último apelo para a obra do Orfanato”.

Como fazem falta homens da têmpera de Joaquim Laranjo em toda a parte! É que fora ele sempre um homem de fé, da fé que transporta montanhas!

De seu, nada possuía. Velho, alquebrado e doente, vivendo em casa de um filho, deveria se conformar com a impossibilidade de fazer qualquer coisa para minorar o sofrimento do pobre e se contentar somente com o ter uma ideia altruística, mas não se resigna o Laranjo com o insuperável, procura imitar seu patrono S. Vicente de Paula, indo de porta em porta, solicitar o necessário para a execução de seus planos, de sua obra meritória e sabe de antemão que ninguém lhe nega o concurso.

Venceu e lá está o Lactário salvando da morte certa, todos os anos, inúmeras crianças e mais ainda, cuidando das mães numa modesta maternidade.

NOTA: Joaquim Laranjo da Costa, faleceu no dia 1º de maio de 1945, tendo tido

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uma verdadeira consagração póstuma pela população de Oliveira. Seus funerais se revestiram de solenidades excepcionais, embora guardando no feitio de seu ataúde, as suas determinações de humildade. Todas as classes sociais de Oliveira tomaram parte nas homenagens que lhe foram tributadas e a consternação foi geral, não somente em Oliveira, mas em toda parte onde era conhecido.

----------------------- Não podemos encerrar este breve relato

sobre os filantropos oliveirenses, sem mencionar o nome de um vicentino que exerce ali um verdadeiro apostolado. Nos referimos ào Capitão Henrique Ribeiro da Silva Castro, Presidente do Conselho particular.

Espírito altamente caridoso e amigo devo-tado, sempre pronto a amparar os golpeados pela sorte.

A bolsa do Capitão Henrique jamais se contraiu ante à solicitação de um desprotegido, de um fracassado. É o Capitão Henrique acatado e respeitado por todas as camadas sociais de Oliveira, isto porque em toda parte chega o influxo de sua mão benfazeja.

Os pobres e desvalidos merecem de sua parte especial cuidado e carinho, estando, por isso mesmo, sempre acautelados e providos, e seus interesses zelados por um grupo de obreiros do bem, que obedecem sua orientação.

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Em sua fazenda todos vivem contentes e despreocupados, porque vivem num pedaço de sua exclusiva propriedade, embora dentro de seus limites. Seus empregados vêm todos os anos as tulhas abastecidas, sobrando ainda alguma coisa para o pé de meia. Ali os trabalhadores não têm a preocupação do dia de amanhã, porque quem se encarrega disso para eles é o Capitão Henrique. A todos trata fraterna e cavalheirescamente.

O pesar maior do Capitão Henrique Ribeiro, é não ter na sua fazenda, serviço para toda a multidão que o procura.

Pela Tartária passa todos os anos uma verdadeira multidão de pessoas que o vão visitar. Sua fazenda já hospedou arcebispos, bispos, diplomatas, políticos e cientistas que ali passam a mais aprazível das vilegiaturas.

Em um álbum de família, se encontram registradas as impressões dos visitantes, notando-se as assinaturas de vultos eminentes e também de humildes obreiros.

Um fato curioso, é ser o Capitão Henrique, até hoje, o Procurador da Santa Casa de Misericórdia, cargo que fôra ocupado por seu digno pai.

------------------------ Um Homem

Quando o conheci já era velho. Feições

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tristonhas, andar trôpego, pouco comunicativo, porém atencioso e afável.

A sua profissão modesta de alfaiate, ele a dignificava com retidão e proficiência.

Sempre com as peças saturadas de alinhavos sobre as pernas, silencioso e atento, fazia ele correr a agulha, num interminável perpassar, onde a linha se ia encurtando cada vez mais, até novo suprimento, ajustando as peças com exatidão e perícia.

Rodeado sempre de discípulos, a todos ministrava o seu saber com carinho, paciência e cuidado, afim de que chegassem a ser o que muitos foram – mestres acatados, nessa arte que conforta a vida.

As horas de lazer, ele as consagrava à música, pondo nas quatro cordas de seu violino, um pedaço de sua alma simples, acrisolada de virtudes. Também nesse ramo do saber, não regateava esforços para distribuir a todos os segredos dessa arte sublime, e lá ficaram muitos executores exímios, encaminhados por sua mão de mestre.

Quantas vezes no coro, ficávamos contem-plando sua figura modesta e majestosa, de queixo colado ao violino, ao lado de seu neto Roque da Silveira, também mestre insigne desse instrumento, a retirar de seu “Stradivarius” os sons harmoniosos do “Credo nº 5”, do Padre José Maria Xavier.

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Era, como já dissemos, pouco comunicativo, isso entretanto, devido a sua modéstia incomparável, porquanto o seu sorriso amável e acolhedor se assomava sempre aos lábios, quando a gente dele se aproximava.

Na igreja sabia-se onde encontrá-lo orando – num canto, à direita da porta principal, entre a parede da torre e um confessionário velho, em desuso, que servia para armar eças de defuntos. Lá estava ele, sempre, em toda e qualquer solenidade, quando não era sua presença reclamada no coro, onde, aliás, ía já raramente.

Era um bom, um justo! Seu trato lhano, carinhoso e modesto, era dado a todos, sem distinção.

Quem não o conheceu em Oliveira? Além de velho e alquebrado, percorria esse

velho amigo, toda a cidade, de sacola à destra, recolhendo o óbulo das almas.

Vicentino de escol e edificador por excelência, não faltava nunca às sessões de sua conferência e era bastante sua presença para se respirar santidade no ambiente.

Coincidência notável! No recinto das reu-niões das conferências vicentinas, havia, suspenso da parede, um quadro a óleo, dizem do inolvidável Pimenta, representando um santo e venerável asceta, que era o retrato vivo desse vulto singular de que nos referimos, quer

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nos traços fisionômicos, quer na expressão e até na tez tostada.

Quem teve a dita de conhecê-lo, certamente já sabe de que falamos do Mestre Balduino Silveira!

Mestre Balduíno, nos últimos momentos de sua vida, vivia unicamente em companhia de sua mana Lina, que lhe era de uma dedicação extremada. Inquietava-se sempre a velha mana, se não via chegar a horas certas para as refeições o velho Mestre, isso que ultimamente não se dava, porque exercia ele as funções de zelador do cemitério local.

Certo dia, depois de uma inumação mais demorada, chegou Mestre Balduino em casa algo cansado e, por isso se recusou a jantar! A mana Lina não quis se conformar com a recusa e insistiu para que o mano tomasse algum alimento; mas o velho com modos brandos e cortezes lhe fez ver que cansado como estava não podia comer e o que desejava era repousar por algum tempo. Assim dizendo se foi deitar.

Já muito tarde, foi a velha mana ao quarto de Balduino saber se já aceitava o jantar. Encontrou-o rezando, recostado nos travesseiros e de terço em punho. Voltou ainda a velha mana algumas vezes mais e o encontrou sempre na mesma posição, rezando.

– Não vais dormir, então, Balduino?

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Estou rezando, Lina. Podes ir sossegada, vá te deitar, eu estou bem e nada me falta.

Noite adiantada ainda veio a velha mana e do mesmo modo o encontrou, fazendo correr as contas do seu rosário.

Infindo rosário! Parecia que cada conta que fazia correr entre os dedos, era um salmo que recitava ao Criador!

Na manhã seguinte, não se tendo levan-tado o velho Balduino, foi a velha Lina verificar o que se passava. Lá estava ele estendido sobre o leito, que não se desfez, fisionomia serena, com o terço preso à mão, imóvel, plácido e… morto!

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Obras Antigas Faltaríamos com um dever de gratidão para

com os antigos obreiros de Oliveira, se silenciássemos sobre a arquitetura antiga dos oliveirenses.

Muitos prédios antigos de Oliveira, atestam o apurado gosto arquitetônico de seus construtores de épocas remotas.

Embora antigamente só se empregassem nas construções o tradicional pau-a-pique ou adobes, conseguiam aqueles obreiros anônimos, solidez e nobre aparência nas suas construções. Haja vista a maioria de prédios antigos, ainda existentes, que ostentam aparência de edificações novas. Encontrando-se ali soberbos edifícios, até de dois pavimentos, conservando os ornatos com que mãos portentosas os embelezaram.

O sobrado José das Chagas, na Ladeira dos Frades, (hoje rua Dr. Alexandrino) ostenta na cimalha uma grega em florões que, embora já sofresse um retoque, lhe dá uma aparência distinta e sóbria. Outro sobrado, o do Coronel Francisco de Paula Rodrigues Teixeira, também ostenta o mesmo ornato na cimalha, bonita grega, logo abaixo e entalhes nos pés direitos. O antigo sobrado do Sr. Antônio Campos, já demolido, era outra obra de incon-

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testável solidez e aparência. O sobrado do antigo Grande Hotel, pertencente à família Chagas Moura, o do Grupo Escolar Francisco Fernandes, são tantos outros edifícios notáveis.

Merece, entretanto, um relato especial a velha Igreja Matriz de Oliveira.

Sua arquitetura, em linhas gerais, demonstra o estilo das igrejas de Ouro Preto e São João Del Rei. Se não é a nossa igreja contemporânea dessas outras, ao menos deve ter sido delas uma cópia.

As pedras talhadas, que lhe emolduram o frontispício e as colunas e adornos internos são de mármore oliveirense, azul e rosa – extraído de uma jazida no lugar denominado Matinha. A Capela-mór ostenta arcadas do mesmo mármore; o mesmo acontecendo com os aparadores da antiga escada do altar-mór, que era toda de mármore e em oval, hoje substituída por degraus de concreto.

Os altares são de madeira, entalhada em frisos e capitéis, com ornatos também de talha e eram pintados de branco com frisos recoberto de ouro. Hoje são apenas pintados a óleo sem decoração.

A pintura do teto da Capela-mór ainda é a antiga – um afresco admirável, onde aparecem os Evangelistas e Profetas. Encimando o altar-mór, vê-se, em oval, a efígie de Cristo, de absoluta perfeição.

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A pintura da antiga Capela do Santíssimo Sacramento (hoje Santa Terezinha) já mereceu nossa referência no capítulo dedicado a Antônio Pimenta.

A grade da nave principal já não ostenta a antiga disposição, entretanto são os mesmos os balaustres.

As duas alas laterais do coro, feitas de concreto, foram adicionadas à construção pos-teriormente pelo construtor italiano Romaneli, o mesmo que construiu a Capela do Cemitério, os dois túmulos laterais e os dois bustos que encimam os portões do edifício do Fórum, um de Carlos Gomes, outro de Verdi.

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Recordando as coisas que desapareceram,

por absoletas ou modificadas pelo progresso, não podemos deixar de recordar o antigo sistema de distribuição d'água em Oliveira, no passado.

Lá, na praça da Estação, onde se erguia o cruzeiro ou pouco mais adiante, existia um grande cocho de madeira, tendo num dos lados, o que dava frente para a cidade, furos simétricos, denominados anéis. Daquele cocho era a água distribuída ao povo, um anel para cada servidão e assim corria dia e noite, ininterruptamente. Havia na saída de cada quintal, uma bica de madeira que derramava a

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água na rua, ali encontrando também um bicame que a conduzia a outro quintal e assim até cumprir sua finalidade, descendo até ao córrego. A água potável, entretanto, era apanhada nas fontes: Grande, dos Frades, dos Passos, da Vargem e do Sapo. O Abastecimento se fazia em barris, em geral, que eram transportados por escravos, serviçais e carri-nhos de cabritos.

A água chegava ao cocho, na praça da Estação, canalizada em rego e vigas de aço, vinda lá dos terrenos do Sr. Noronha. Quando se construiu a Estrada de Ferro, tiveram de abrir uma garganta no local por onde passava o rego dágua e para não cortar a servidão, colocaram os construtores uma bica de aço sobre a linha, de um a outro lado do bar-ranco, continuando por ali passando a água. Certa vez um guarda-freio, esquecendo-se da viga de aço, vinha em pé sobre um dos vagões batendo com a cabeça na viga, vindo a falecer no próprio local. Ainda há pouco tempo uma cruz assinalava o local dessa morte.

Esse rudimentar serviço de distribuição dágua serviu a cidade por muitos anos, só desaparecendo depois de feito o atual serviço de abastecimento.

---- No Largo da Estação havia um cruzeiro

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enorme, com bonito gradil de ferro, que foi mais tarde, em 1.915, transportado para a Avenida Waldemar Fernal. O pau desse cruzeiro – aroeira do sertão – foi trazido de Carmo do Cajurú. Dali veio o pau em carretões até Henrique Galvão – hoje Divinópolis – onde foi embarcado na Estrada de Ferro. Em Carmo do Cajurú, o carreiro que o transportara, Francisco Venâncio de Camargos, quase perdera a vida com o tombamento do carretão, segundo ele próprio nos relatara.

A praça ostentava na época um bambual ali em frente a casa do Dr. Afonso de Negreiros Lobato, hoje Palácio Episcopal, ficando o cruzeiro logo adiante, não chegando a ser no meio exato da praça.

Havia alguns bancos sob as touceiras de bambús e o mais assistente àquele logradouro era o velho José Marcineiro, pequenino e encolhido, sempre ocupando um dos bancos.

Ali, no cruzeiro, havia quase todos os domingos, um leilão de prendas, que dava ensejo a reunião do povo, como o mais distinto ponto de recreio.

A Banda de Música sempre abrilhantava esses festejos, fazendo-se ouvir um agradável repertório.

Num desses leilões, ainda nos lembramos, alcançou o enormíssimo preço de 500$000, uma almofada de cetim oferecida pela senhorinha

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L. A. e que o Norberto Mendes arrematara. Mais daria se houvesse gente de coragem para picar porque o Norberto a arremataria por qualquer preço!…

Dali, há poucos passos, o Sr. Alexandre Flor dessedentava o povo com a deliciosa “Oliveirense” e a Soda Gasosa, da fábrica do Sr. João Alves de Oliveira.

Mais tarde os dirigentes de Oliveira acharam que aquele bambual não condizia com o progresso da cidade e foram as touceiras arrancadas e conduzidas para a estrada dos Faleiros, onde entupiram um antigo desbarrancado. O Cruzeiro ainda permaneceu ali na praça por alguns anos depois de arrancadas as touceiras de bambus.

Aproveitando a praça desobstruída o Dr. Alexandrino Chagas promoveu ali uma corrida de cavalos, que foi uma festa inédita em Oliveira.

O Sr. Evaristo Chagas fez inscrever o seu cavalo de sela, muito velho, manso e pacato que por ter um olho vazado se chamava CAMÕES. O interessante é que o “Camões” ganhou mesmo o páreo e pôs o Sr. Evaristo quase louco a gritar:

– Viu o “Camões”? Viu o “Camões”? Retirado o cruzeiro para a Avenida Wal-

demar Fernal, como já nos referimos, ficou a

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praça destinada aos circos de cavalinhos e de touradas.

Hoje quem visitar Oliveira encontrará naquele logradouro um belíssimo jardim, que não permite a mais longíqua ideia do que fôra em outros tempos.

FIM

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Não fora nossa intenção fazer apenas um trabalho folclórico, teríamos ainda muita coisa a falar sobre aquela terra portentosa, mas isso implicaria um trabalho de vulto o que não tivemos em mente.

As reminicências aqui registradas, foram produto de horas de lazer e feitas ao correr da pena, sem qualquer exame e pesquisas a arquivos e anais.

Tudo nos veio ao conhecimento de modo espontâneo sem nenhuma indagação, sendo que quase tudo presenciamos também.

Seja o leitor benevolente, aceitando nossa boa vontade.

Carmo do Cajuru, ano de 1950

José Demétrio Coelho

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Digitalização: Daniel Sampaio Teixeira

Historiador Rua Antônio Queiroz, 226

Bairro Acácio Ribeiro – Oliveira/MG

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Este trabalho de digitalização do Livro “Recordações de Oliveira”, de José

Demétrio Coelho, é uma homenagem ao povo de Oliveira – na pessoa do Sr. Mauro

Fernal – cidadão ilustre e amante desta bela cidade.

Um agradecimento especial ao brilhante arquiteto Heraldo Tadeu Laranjo

Mendonça, que emprestou uma cópia deste livro.

Foram mantidas as quebras de páginas originais do livro, bem como as páginas em branco para facilitar as pesquisas e

citações.

Oliveira, 31 de janeiro de 2014.

Daniel Sampaio Teixeira