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José Saramago Prémio Nobel de Literatura Discurso de Estocolmo 10 de dezembro de 1998 Uma proposta para a Declaração Universal dos Deveres Humanos

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"Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa. Com a mesma veemência e a mesma força com que reivindicamos os nossos direitos, reinvindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa começar a tornar-se um pouco melhor."José SaramagoA proposta enunciada por José Saramago no seu discurso após a entrega do Prémio Nobel foi acolhida pela UNAM (Universidade Nacional Autónoma do México) convocando uma conferência internacional para discutir e articular uma Declaração dos Deveres Humanos. Assumir o repto lançado pelo escritor em 1998 entende-se como uma obrigação, daí a importância desta iniciativa, que tem como destino a ONU e as consciências de todos e de cada um.

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  • Jos Saramago Prmio Nobel de Literatura

    Discurso de Estocolmo 10 de dezembro de 1998

    Uma proposta para a Declarao Universal dos Deveres Humanos

  • Majestades, Alteza Real, Senhoras e Senhores,

    Cumpriram-se hoje exactamente cinquenta anos sobre a assinatura da De-clarao Universal de Direitos Humanos. No tm faltado, felizmente, co-memoraes efemride. Sabendo-se, porm, com que rapidez a ateno se fatiga quando as circunstncias lhe impem que se aplique ao exame de questes srias, no arriscado prever que o interesse pblico por esta comece a diminuir a partir de amanh. Claro que nada tenho contra ac-tos comemorativos, eu prprio contribu para eles, modestamente, com algumas palavras. E uma vez que a data o pede e a ocasio no o desa-conselha, permita-se-me que pronuncie aqui umas quantas palavras mais.

    Como declarao de princpios que , a Declarao Universal de Direi-tos Humanos no cria obrigaes legais aos Estados, salvo se as respecti-vas Constituies estabelecem que os direitos fundamentais e as liberdades nelas reconhecidos sero interpretados de acordo com a Declarao. To-dos sabemos, porm, que esse reconhecimento formal pode acabar por ser desvirtuado ou mesmo denegado na aco poltica, na gesto econmica e na realidade social. A Declarao Universal geralmente considerada pelos poderes econmicos e pelos poderes polticos, mesmo quando presumem de democrticos, como um documento cuja importncia no vai muito alm do grau de boa conscincia que lhes proporcione. Nestes cinquenta anos no parece que os Governos tenham feito pelos di-reitos humanos tudo aquilo a que, moralmente, quando no por fora da lei, estavam obrigados. As injustias multiplicam-se no mundo, as de-sigualdades agravam-se, a ignorncia cresce, a misria alastra. A mesma esquizofrnica humanidade que capaz de enviar instrumentos a um pla-neta para estudar a composio das suas rochas, assiste indiferente morte de milhes de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte neste tempo do que ao nosso prprio semelhante.

  • Algum no anda a cumprir o seu dever. No andam a cumpri-lo os Go-vernos, seja porque no sabem, seja porque no podem, seja porque no querem. Ou porque no lho permitem os que efectivamente governam, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente no democrtico, reduziu a uma casca sem contedo o que ainda restava de ideal de democracia. Mas tambm no esto a cumprir o seu dever os cida-dos que somos. Foi-nos proposta uma Declarao Universal de Direitos Humanos, e com isso julgmos ter tudo, sem repararmos que nenhuns di-reitos podero subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem, o primeiro dos quais ser exigir que esses direitos sejam no s reconhe-cidos, mas tambm respeitados e satisfeitos. No de esperar que os Go-vernos faam nos prximos cinquenta anos o que no fizeram nestes que comemoramos. Tomemos ento, ns, cidados comuns, a palavra e a ini-ciativa. Com a mesma veemncia e a mesma fora com que reivindicarmos os nossos direitos, reivindiquemos tambm o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa comear a tornar-se um pouco melhor. No esto esquecidos os agradecimentos. Em Frankfurt, onde estava no dia 8 de Outubro, as primeiras palavras que disse foram para agradecer Academia Sueca a atribuio do Prmio Nobel de Literatura. Agradeci igualmente aos meus editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos volto a agradecer. E agora quero tambm agradecer aos escritores portugueses e de lngua portuguesa, aos do passado e aos de agora: por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que no nasci para isto, mas isto foi-me dado. Bem hajam, portanto.

  • Tomemos ento, ns, cidados comuns, a palavra e a iniciativa. Com a mesma veemncia e a mesma fora com que reivindicamos os nossos direitos, reinvindiquemos tambm o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa comear a tornar-se um pouco melhor.

    Jos Saramago

    A proposta enunciada por Jos Saramago no seu discurso aps a entrega do Prmio Nobel foi acolhida pela UNAM (Universidade Nacional Autnoma do Mxico) convocando uma conferncia internacional para discutir e articular uma Declarao dos Deveres Humanos. Assumir o repto lanado pelo escritor em 1998 entende-se como uma obrigao, da a importncia desta iniciativa, que tem como destino a ONU e as conscincias de todos e de cada um.