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JUDICIALIZAÇÃO DE CONFLITOS INTERPESSOAIS E A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO DO PODER JUDICIÁRIO
ENQUANTO AGENTE TRANSFORMADOR
por
Mônica Esteves Eurício Álvaro
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JUDICIALIZAÇÃO DE CONFLITOS INTERPESSOAIS E A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO DO PODER JUDICIÁRIO ENQUANTO AGENTE TRANSFORMADOR por Mônica Esteves Eurício Álvaro Orientadora: Ana Paula Ribeiro Turma: T 061 Curso: Psicologia Jurídica
Monografia apresentada ao Instituto A Vez do Mestre
para obtenção do título de pós-graduação
em Psicologia Jurídica
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Agradecimentos: A mim mesma, por ter tido a coragem de recomeçar. Aos meus filhos, Rodrigo e Alexandre, pelo tempo roubado. Ao meu namorado, Jorge Antônio, por ter acreditado e investido para que eu pudesse realizar esta pós. À minha muito mais que prima Cristina, não só por este momento, mas por sempre ter estado perto de mim. À Laura, minha irmã de escolha. À amiga Valéria, sempre presente nos meus momentos difíceis. Aos novos amigos que fiz em sala de aula. Aos professores e orientadora pelas novas possibilidades. A Rafaela Moreira, pelo material cedido. Aos profissionais que gentilmente me acolheram e me cederam suas experiências. A todo corpo de apoio da Universidade. Aos amigos que ficaram sem a minha presença nas sextas à noite... mas mesmo assim me fortaleceram. Ao meu irmão Marco Aurélio (in memoriam), de quem eu não podia ter tido melhor exemplo em termos de estudo e de aprendizado de vida. A minha mãe Felicidade da Luz (in memoriam), que apesar de sua simplicidade, me ensinou a sabedoria, o afeto e a doação. Ao meu pai Mário (in memoriam), que apesar da sabedoria, me ensinou a simplicidade. A minha avó Ilídia (in memoriam), que me ensinou a simplicidade, a sabedoria e o amor.
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Resumo
A presente monografia trata da questão da judicialização dos
conflitos interpessoais no Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.
Partindo do estudo dos processos apresentados nos Juizados
Especiais Criminais da área da Leopoldina (Pavuna e Penha), onde atuo,
passei a questionar se a atuação do psicólogo (leia-se aqui equipe
multiprofissional) não poderia ser transformadora no sentido de minimizar
a demanda judicial, levando os usuários do Poder Judiciário a encontrar
soluções fora do âmbito jurídico através da reflexão das motivações
internas que os levam a procurar a Lei para a resolução de seus conflitos.
Será apresentada: 1. a contextualização histórica da judicialização
de conflitos, ou seja, como se criou esta Lei interna e externa, este
“terceiro” poder que é a figura do juiz ou qualquer um que o represente
capaz de referendar a razão daquele que busca o poder judiciário, sendo
aceita pelos usuários como o fim da questão ou o início de uma outra, o
que traz novas demandas; 2. a história da atuação do psicólogo no poder
judiciário; 3. pesquisa de campo sobre como está sendo utilizada a
mediação dentro do poder judiciário hoje.
Como conclusão, abro uma discussão de como a atuação da
equipe profissional pode modificar e diminuir esta demanda, levando os
usuários através da técnica da mediação a encontrar suas próprias
soluções, a retomar este poder que durante tanto tempo foi colocado nas
mãos do Poder Judiciário.
Palavras-chave:
JUDICIALIZAÇÃO DE CONFLITOS – PODER JUDICIÁRIO – MEDIAÇÃO
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Sumário:
Introdução ................................................................................................ 06
Capítulo I: ´
Contextualização Histórica da Judicialização de Conflitos: ................... 07
Capítulo II:
A mudança no papel do psicólogo no Poder Judiciário e suas
intervenções no processo de mediação ...................................................17
Capítulo III:
A atuação do psicólogo no Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro:
poder transformador? ...............................................................................25
Conclusão .................................................................................................36
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INTRODUÇÃO:
Avaliando a demanda dos usuários dos Juizados Especiais
Criminais (VII e X) do RJ, passei a questionar o que os leva a entregar ao
Poder Judiciário a resolução de seus conflitos interpessoais.
Cada parte com sua certeza, na expectativa que o juiz ou qualquer
figura que o represente a reafirme apontando o erro da outra parte,
promovendo a tão sonhada justiça através de uma sentença.
Talvez possamos chamar esta justiça de vingança? Sim,
historicamente falando, inclusive, como demonstrarei ao longo deste
trabalho.
Enquanto membro da equipe multiprofissional do Juizado Especial
Criminal posso ler um processo de duas formas: como auxiliar do juiz ou
como uma profissional disposta a formular uma nova hipótese.
Na primeira, provavelmente atuarei da forma instituída pela lei, ou
seja, apenas avaliando o que está escrito e pedido, sem me preocupar
em ir além do que é determinado, na segunda, atuarei como uma pessoa
destituída do instituído (como diria Foucault) e serei uma auxiliar do
usuário.
No primeiro lugar, tentarei descobrir o que está “oculto “da lei, no
segundo, tentarei descobrir o que o sujeito oculta dele mesmo.
Na primeira hipótese, reforçarei o poder do Poder Judiciário, na
segunda, tentarei devolver o poder ao usuário do Poder Judiciário.
As mudanças que vêm ocorrendo tanto no âmbito da atuação das
equipes multiprofissionais quanto no meio judiciário nos levam à técnica
da mediação enquanto uma das soluções para que a demanda pelas
soluções que são buscadas por estes usuários sejam encontradas por
eles mesmos, senão fora do Poder Judiciário, com a ajuda dos
profissionais deste, para que estas situações não venham a se repetir.
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CAPÍTULO I: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS.
"Justiça é beneficiar os amigos e prejudicar os inimigos"
Telêmaco
“O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.”
Michel Foucault Desde que a sociedade se concebe como tal, o homem tem a necessidade de se unir, seja em tribos, clãs, feudos, até a constituição da sociedade como a conhecemos hoje. As diversas crenças morais, sociais, religiosas deram o norte para que as sociedades se organizassem como tal e criassem códigos de conduta para a defesa dos bens, da família, dos valores e, porque não dizer de si mesma, de seus membros “desviantes”. Visto que a sociedade é constituída de seres humanos, e, como nos cita Elbert,
“assim como o ser humano necessita permanentemente das normas de referência, também as transgride frequentemente e se vê exposto a suportar certas consquências. A pretensão de construir sociedades ou associações livres do delito é uma utopia absoluta (...), sabemos que certa cota de delinqüência expressa a saúde de uma sociedade”. (ELBERT, 2003, p.39)
Portanto, a organização baseada em códigos de conduta vem
dirimir o medo que esta parcela de sua população venha a causar. Os códigos de conduta, abarcando todas as linhas que podem ameaçar o social, vêm preencher e oficializar o desejo de punição. Cria-se a relação norma-transgressão-castigo, que dará aos cidadãos a crença de segurança e o efeito desejado nos casos de transgressão. Punição pode ser entendida neste trabalho de várias formas, que exporei ao longo do texto.
Adotando-se uma perspectiva sócio-antropológica e historiográfica
dentro da evolução do direito, o que encontramos são tradições culturais
particulares que informam práticas rituais de resolução de conflitos -
sejam estas formais ou informais, codificadas ou não, escritas ou não.
Os povos ágrafos passavam oralmente as regras de conduta,
função exercida pelos chefes dos clãs/tribos ou anciãos. Isso imprimia
aos conceitos e regras as seguintes características de serem abstratos,
numerosos, diversificados, impregnados de religiosidade e não passíveis
de reflexão pela forma com que eram transmitidos.
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O código mais antigo que se tem notícia é o de Ur Nammu (cerca
de 2040 a.C.), surgido na Suméria. Ur-Nammu foi o fundador da terceira
dinastia de Ur (2112-2095 a.c), descreve costumes antigos transformados
em leis e enfatiza as penas pecuniárias para delitos diversos ao invés
de penas talianas. “Nesse Código elaborado no mais remoto dos tempos
da civilização humana é possível identificar em seu conteúdo dispositivos
diversos que adotavam o princípio da reparabilidade dos atualmente
chamados danos morais" (SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral
e a sua reparação civil. São Paulo: RT, 1999, p. 65)
Historiadores acreditavam, até bem pouco tempo, que o código
mais antigo que se tem notícia era o código de Hammurabi, que reinou na
Babilônia entre 1972 e 1750 a.C. Como neste território existiam vários
povos diferentes, Hammurabi criou mecanismos de unificação para poder
exercer o poder. Um deles foi o Código, que organizou todas as leis
anteriores, utilizando-se de três elementos principais: a língua, a religião e
o direito. O Código legisla sobre as mais variadas matérias, enfatizando
roubo, agricultura, criação de gado, danos à propriedade, assim como
assassinato, morte e injúria. A punição ou pena é diferente para cada
classe social. As leis ficavam expostas à vista de todos, embora poucos
soubessem ler, e traz interessante a versão sobre o funcionamento
judiciário: a justiça é estabelecida pelos tribunais, as decisões devem ser
escritas, e é possível apelar ao rei; as penas eram determinadas de
acordo com a classe social dos acusados. Partindo do princípio que os
mais abastados teriam melhores condições de entendimento e mais
educação no sentido de não descumprir as leis, as penas para os
mesmos eram maiores que para os mais pobres, sendo baseadas na lei
de talião.
Ao fazer uma comparação entre os preceitos desta lei e os conflitos
interpessoais com os quais me defronto, posso afirmar que ainda hoje, a
expectativa do sujeito ao recorrer ao Poder Judiciário é que a pena seja
igual ao dano causado. Porém, esta avaliação parte da escala de valores
e leis internas de cada parte envolvida, e a pena passa a significar, muito
mais do que uma demanda judicial, um “acerto de contas emocional” da
raiva, frustração e impotência sempre presentes neste tipo de conflito. A
repetição de processos impetrados pela mesma parte, ou por ambas, é a
perpetuação deste desconforto emocional, valendo-se as partes do Poder
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Judiciário e elegendo-o como um terceiro poder integrante do conflito, que
dará a uma ou outra parte a razão esperada, reafirmando a escala de
valores que gerou o conflito e conquistando a vingança contra a parte
contrária. A pena passa a ser a significação judicial, tornando real um
dano emocional antes só estabelecido individualmente (medida de
culpabilidade), levando a outra parte a um nível de sofrimento igual ou
maior ao que a parte provocadora do processo quantificou para si própria.
Na história do direito romano, encontramos a Lei das XII Tábuas e
o Corpus Juris de Justiniano como as mais importantes codificações. A
Lei das XII Tábuas data de 450 a.C. e surgiu por iniciativa dos plebeus,
pois as leis eram transmitidas de forma oral e manipuladas pelos patrícios
(homens públicos). Também esta lei ficava exposta no Fórum Romano.
Nesta compilação de costumes, pode-se observar que o funcionamento
do judiciário está representado pelos magistrados, constando da Tabua
VI, inciso VI: “se duas pessoas lutam pela posse de uma coisa diante do
magistrado [...] o magistrado dará a posse a quem julgar conveniente.”
(www.mediar-rs.com.br, acesso em 04 de Nov).
Pouco depois de assumir o poder, em 527 d.C., o imperador
Justiniano percebeu a importância de salvaguardar a herança
representada pelo direito romano e, em 528, nomeou uma comissão de
dez membros para compilar as constituições imperiais vigentes (leis
emanadas dos imperadores desde o governo do imperador Adriano).
Triboniano, principal colaborador, era professor de direito da escola de
Constantinopla. Ele cercou-se de juristas, professores e advogados, com
os quais inicia enorme trabalho de compilação. Foi eficazmente auxiliado
nessa missão por Teófilo, outro professor da mesma escola. Terminada a
obra em três anos, entra em vigor em 529, sendo constituída de: As
Institutas, divididas em quatro livros, subdivididos em títulos, e estes em
uma parte inicial (principium) e em parágrafos. O Digesto compôe de 50
livros, divididos em títulos (exceto os livros XXX, XXXI e XXXII),
subdivididos em leis ou fragmentos (os quais são precedidos do nome do
jurisconsulto romano e da obra de onde forma retirados), e estes
modernamente (nas edições antigas não o eram) em uma parte inicial
(principium) e em parágrafos. O Código é constituído de 12 livros,
divididos em títulos, subdivididos em leis (também chamadas
constituições), e estas modernamente em uma parte inicial (principium) e
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em paragrafos. Finalmente, as Novelas se integram de constituições
imperiais que apresentam prefácio, capítulos e epílogo. pt.wikipedia.org
acesso 04/11
Representando uma revolução jurídica, este Código conseguiu
representar todas as questões conflitantes da época, em leis que se
perpetuam até hoje, tendo o nosso Código Civil cerca de 80% dos artigos
baseados direta ou indiretamente em leis romanas.
Interessante ressaltar, para o tema aqui proposto, que o direito
romano, além de ser a base da constituição de nosso direito, ratifica a
figura do magistrado, não mais o imperador, como capacitado para dirimir
conflitos. Na conceituação popular do Juiz, este se mistura com a Lei,
externa e interna –de cada sujeito em particular- e se imprime ao
imaginário como uma pessoa não só capaz de julgar, mas também capaz
de apreender a lei interna de cada um e se posicionar a favor da mesma.
É comum que a parte que se sente incompreendida duvide da capacidade
e até mesmo da integridade do Juiz, e busque em outra vara, através de
outra ação processual, esta compreensão por parte da Lei.
Permitindo-me dar um salto histórico, farei uma avaliação dos
atributos do Poder Judiciário desde as Ordenações Afonsinas até hoje,
que muito provavelmente formam a concepção deste Poder como o
mesmo se apresenta atualmente, especialmente para os leigos.
No século XIV, em Portugal, foram feitas as Ordenações Afonsinas,
no reinado de D. João I, em meio à Revolução de Avis, resultado de uma
crise econômica e política em função da morte do rei D. Fernando.
Iniciada em 1385, por ordem de D. João I, só teve seu término em 1446,
devido aos problemas que ainda existiam. O objetivo, como em todas as
leis, é o de fortalecer o estado, reunindo e fornecendo regras ao maior
número de possíveis conflitos econômicos, sociais e políticos. Nesta
época, um estado forte era interessante à burguesia, para que o mesmo
apoiasse a navegação e o comércio. Feita sob a técnica de compilação,
excetuando o Livro I, que trata da legislação, constava de cinco livros. A
estrutura Judiciária era divida em três níveis: Magistrados Singulares,
Tribunais Colegiados de segundo e terceiro graus, Magistrados com
funções específicas, postos acima destes últimos. A estrutura se parece
muito com o que temos hoje, de varas divididas de acordo com o
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conteúdo das questões e um tribunal superior (Casa de Suplicação). O
mais alto cargo pertencia ao rei. Há nestas ordenações uma influência
direta do direito canônico, pode-se encontrar muitas vezes a palavra
pecado em substituição à palavra crime. Não havia igualdade nas penas,
que diferenciavam fidalgos e pessoas comuns.
As Ordenações Manuelinas seguem a forma da anterior, porém foi
feito em estilo “decretório”, e trata, conforme as necessidades da época,
mais especificamente do direito marítimo, e exige melhor formação
acadêmica dos que trabalhavam com a Justiça, tentando evitar inclusive o
suborno.
As Ordenações Filipinas seguiram-se a esta última, em 1603,
sendo promulgada no reinado de Filipe II, rei de Espanha e Portugal,
tendo como objetivos a centralização do poder real, o desejo dos juristas
de impor o direito romano e a tendência a repelir a influência do direito
canônico. É feita também pela técnica da compilação, e é considerada
uma reforma da anterior, e ficou em vigor em Portugal e no Brasil por
muito tempo.
Na França, fortalecia-se o Iluminismo, e um dos seus principais
atores, Montesquieu (1689-1755), vai contra o absolutismo monárquico,
que tinha como base o poder do rei, que lhe era concedido por Deus,
praticamente não havendo distinção entre um e Outro. O filósofo propõe
que haja,
“em cada Estado, três espécies de poderes: o poder
Legislativo, o poder Executivo das coisas que dependem do direito das
gentes e o Executivo (Judiciário) das que dependem do direito civil.
Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado faz leis por certo
tempo ou para sempre e corrige ou abrroga as que são feitas. Pelo
segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas,
estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os
crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último
poder de julgar e, o outro, simplesmente, o poder Executivo do Estado.
(MONTESQUIEU, 1985, p 148s, APUD CASTRO, Flávia Lages, 2009,
p. 208).
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Rosseau vai explicar a soberania do Estado e dá à lei o dever de
justiça e liberdade. Como cita Chevalier a respeito das idéias deste
filósofo:
“A Lei: (...) a seus olhos, participa verdadeiramente do
caráter sagrado; tem por ela religioso respeito. (...) Só à lei se devbem
a justiça e a liberdade. Só ela permitiu subjagar os indivíduos para
torná-los livres, encadear-lhes a vontade com a sua própria
autorização, fazer valei o seu consentimento contra a sua recusa”
(CHEVALIER, Jean-Jacques, As grandes obras políticas de Maquiavel
a nossos dias, 1990, p 171 APUD CASTRO, Flávia Lages, 2009, p.
210).
Fazendo parte do mesmo grupo, Cesare Beccaria (1738-1794)
buscou, a partir do Contrato Social de Rosseau, saídas para as injustiças
patentes do sistema penal da época, que se mantinha desde a Idade
Média, cujas idéias deram origem ao livros “Dos Delitos e das Penas”,
conhecido por todos os operadores, “colaboradores” e simpatizantes do
direito. Esta obra se tornou a base do que hoje chamamos direitos
individuais. Beccaria defende que leis e penas são fruto do convívio
social, as últimas só existindo por necessidade, tendo por medida o dano
causado, sendo este avaliado mais socialmente do que individualmente.
Segundo Campa (1998), “o fim (das penas) é apenas impedir que o réu
cause novos damos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer
o mesmo”.
Voltando a Portugal, o movimento iluminista serviu para reforçar o
absolutismo, dando mais estabilidade e modernidade ao Estado. Para
este trabalho, foi escolhido pelo rei D. José II (1714-1777) Sebastião José
de Carvalho e Melo (Marques de Pombal). Reforçou principalmente a
justiça criminal, criou a Intendência Geral de Polícia, formulou leis que
protegiam a economia portuguesa, formando monopólios à mesma,
modernizou a ordem jurídica e reformou os estatutos das universidades.
O Brasil teve sua primeira constituição em 1824, dois anos após a
independência e dezessete anos após a vinda da família real para o
Brasil. Nestes anos, o poder funcionou nos moldes portugueses, com um
“transplante” de toda a estrutura legal e administrativa para cá. Porém,
isso se deu à revelia dos brasileiros, excluindo os colonos e estando
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completamente fora da realidade social do país. Com relação à divisão
de poderes, a Constituição Imperial indicava uma divisão, a saber: “Art.
10. Os Poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do
Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder
Executivo e o Poder Judicial”. O poder moderador é privativo do
imperador, como descrito no Art. 98:
“Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização
política e é delegada privativamente ao Imperador, como
Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representate, para
que incessantemente vele sobre a manutenção da
independência, equilíbrio e harmonia dos mais Poderes
políticos” (CASTRO, Flávia Lages, 2009, p 356).
Este quarto Poder não só fortalece o Imperador, disfarçando o
absolutismo, como também antecipa prováveis discórdias entre os outros
poderes, já prevendo a necessidade de um mediador. Tenho em mente
que este poder não era entendido nem usado como o seria hoje, visto que
o mesmo sequer existe, mas a idéia de existir um “lugar” e pessoas que
tenham a habilidade de moderar questões pode ser levada para a nossa
sociedade atual.
Em 1830 foi criado o Código Criminal e em 1832, o de Processo,
dando início à tradição jurídica brasileira. Para este estudo vale ressaltar
a rigidez com que o Código Criminal trata os juízes, em seus arts. 130,
131, 180 e 182, tanto no que diz respeito ao suborno para a feitura das
sentenças, quanto no decurso dos prazos. Cria-se a idéia que os
magistrados são pessoas acima de qualquer suspeição, dotados sem
dúvida de lisura e inteiramente capazes de avaliar neutramente as
questões e conflitos a eles apresentados.
O Código de Processo Criminal traz a descentralização do poder,
nos moldes ingleses, durante apenas até 1841, ano de sua reforma e fim
desta forma de operacionalização da justiça.
Com a proclamação da República (1889), a mudança do nome do
país para Estados Unidos do Brasil, a instalação do sistema federativo, o
Brasil passou a ser regido por um governo provisório, e permaneceu até
1891sem uma constituição, visto que a de 1824 perdeu a vigência.
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Nesta constituição, o Poder Judiciário é criado no sistema dual,
separando-se as justiças estadual e federal, criando uma hierarquia entre
elas. À justiça estadual competia dirimir e por termos às questões
apresentadas, enquanto à federal competia exclusivamente os recursos,
podendo ainda rever sentenças de últimas instâncias estaduais,
confirmando ou reformando-as.
A constituição de 1934, em seu art. 63., estabelece como órgãos
do Poder Judiciário a Corte Suprema (em substituição ao Supremos
Tribunal Federal); os juízes e tribunais federais, militares e eleitorais.
Também preserva a autonomia do judiciário através da vitaliciedade,
inamovibilidade e garantia de vencimentos aos juízes.
Em 1937, com a instauração do Estado Novo, que caracterizou a
ditadura, instituiu-se a nova Constituição, “construiu-se o mito da nação e
do povo, (...). Identificando nação e povo, como um corpo, unido ao
ditador, passava-se a imagem de que, finalmente, o povo havia tomado o
poder”. (CASTRO, Flávia Lages, 2009, p 477). Tem redação mais direta
e é menor que a anterior e teve caráter provisório. Em relação ao Poder
judiciário, resgatou o nome do Supremo Tribunal Federal, porém, suas
funções ficaram restritas, assim como em todo o judiciário brasileiro pela
conjuntura da ditadura e o poder dado ao Presidente da República,
inclusive de intervir nas decisões.
Com o fim do Estado Novo e as mudanças políticas mundiais
advindas da II Guerra, o Presidente Getúlio Vargas viu-se obrigado a
repensar as limitações políticas impostas pela constituição anterior, que,
por ser provisória, já esgotara seu prazo de validade (1943). Após a
deposição de Vargas pelos militares, o caminho foi aberto para a feitura
da Constituição que seria promulgada em 1946. Esta restaurou ao Poder
Judiciário sua autonomia e incluiu mais um órgão, o Tribunal Federal de
Recursos.
Segue-se o período de 1945 a 1964, onde a ditadura foi ficando
cada vez mais fechada, os Atos Institucionais foram modificando e
desvalidando a Constituição de 1946. Segue-se a feitura da Constituição
de 1967, que nada mais era que a anterior, sem seus pontos
democráticos e incluídos os Atos Institucionais. O Executivo ganha poder
quase irrestrito, podendo intervir no Legislativo. O judiciário mantém-se
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com quase a totalidade sua redação, porém, o regime político
desconsiderava a maior parte dos seus artigos, especialmente os
relacionados aos direitos individuais. Em 1968, foi instituído o AI-5, que
teve como alvo também o Judiciário, suspendendo todas as garantias
constitucionais dos magistrados.
O AI-5 e a Lei de Segurança Nacional invalidam mais uma
Constituição, que recebeu a emenda número 1, que fortalecia ainda mais
o poder do Presidente e tirou dos cidadãos a sua condição de tais.
A partir de 1978, forças populares iniciaram movimentos de
mudança, culminando com a “abertura” democrática e a votação da
emenda constitucional para eleições diretas. O país precisava de uma
nova Constituição. Embora criticada por seu formato, esta Constituição é
um avanço, e passou a ser chamada de “Constituição Cidadã”, por
reassegurar os direitos individuais, garantir uma série de garantias
trabalhistas, e criar uma independência do Judiciário, restituindo sua
autonomia funcional, administrativa e financeira e aumentando as
possibilidades de atuação.
O leitor pode estar se perguntando por que tanta historicidade...
Para achar algo em comum na determinação do poder, ou até mesmo na
destituição do mesmo. Qualificar ou desqualificar saberes e poderes de
acordo com as necessidades sociais e históricas, eximindo os cidadãos
de seu saber antropológico, criando funções, enquadrando valores e
disciplinando através das instituições o livre pensamento, confinando ao
âmbito de um saber específico e científico os discursos que conceituarão
a verdade.
Desde a Justiça entendida por Telêmaco, até o discurso entendido
por Foucault, a história é permeada por conflitos, por disputas de poder.
E, a qualquer tempo, quem detém o poder são aqueles aos quais o
mesmo lhe é ratificado, àqueles que detêm o saber ou a força.
O poder pela força é determinado por aqueles que possuem mais
“exércitos”, entendidos aqui como qualquer força que possa intimidar o
inimigo, a sociedade, as idéias contrárias à manutenção de um estado de
coisas engessado. Temos, na história do Brasil o exemplo da ditadura,
onde os cidadãos foram destituídos do todo o seu poder, de seus ideais,
de seus pensamentos, e porque não dizer, de seus sonhos e muitas
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vezes, de sua própria vida. É um estado de poder arbitrário, onde todos
os que não compartilham de seu modo de operação são excluídos a
qualquer custo. A destituição das funções do Poder Judiciário minimizou
a capacidade de judicialização dos cidadãos, criando uma falta de
confiança na Justiça, uma “orfandade legal”. O próprio Judiciário se viu
órfão, tendo que cumprir um papel para o qual nunca fora destinado, o de
julgar com parcialidade, se atendo a uma lei instituída por poucos, não
com a imparcialidade de uma lei constituída para todos.
O poder pelo saber é determinado pelo contraditório, pela
oposição, pelo discurso para além do instituído, o discurso do “anti-
positivismo”, do “o que se quer” para se chegar ao instituinte, em eterna
transformação.
A prática do Poder Judiciário, onde me incluo, pode ser
considerada uma prática instituída, e os sujeitos que se valem da mesma
esperam exatamente os resultados desta prática instituída, ou seja: sair
da situação de conflito com um perdedor e um ganhador, judicializar ao
máximo questões que estão para além da Lei, ratificar conceitos, valores,
pensamentos e idéias constituídas ao longo da história de cada um, para
manter o estado de coisas engessado, não dando lugar à contradição,
mantendo sua estrutura interna de poder. Porém me pergunto: que poder
é esse que cada um toma para si mesmo que necessita de um terceiro,
que tenha a identidade de um poder maior (o Judiciário, no caso), que se
misture com este em sua função, para reafirmar suas convicções e sua
razão? Seria um poder ou uma falta de poder que leva a recorrer a um
Poder instituído?
Porém, o pensamento e o olhar que lanço sobre a prática pode ser
considerado instituinte, transformador e reformador. Seria a forma de
“devolver” o poder a estes sujeitos através da reflexão deles por eles
próprios, sem limitar a si mesmo enquanto objeto de seu próprio saber,
enquanto construtor de sua história. Constituir-se como réu ou como
autor de um processo nada mais é que deixar que o outro fale de si a
partir de um recorte de seu discurso, que não determina a arqueologia de
sua vivência, nem todos os conflitos e possibilidades enquanto sujeito.
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CAPÍTULO II: A MUDANÇA NO PAPEL DO
PSICÓLOGO NO PODER JUDICIÁRIO E SUAS
INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO
“As pessoas grandes adoram números. Quando a gente lhes
fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial.
Não perguntam nunca: Qual o som de sua voz? Quais os
brinquedos que prefere? Será que ele coleciona borboletas?
Mas perguntam: Qual é a sua idade? Quantos irmãos tem ele?
Quanto pesa? Quanto ganha seu pai? Somente então é que
elas julgam conhecê-lo.” (Antoine de Saint-Exupéry, O
pequeno Príncipe – 1963, p. 20)
“O Provimento n. 39/99 da Corregedoria Geral da Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, dispõe sobre as incumbências dos
psicólogos que atuam junto ao Poder Judiciário do Estado,
listando no inciso VI algumas tarefas: “desenvolver trabalhos
de intervenção, tais como: apoio, mediação, aconselhamento,
orientação, encaminhamento e prevenção, próprios aos seus
contextos de trabalho”.
As primeiras articulações entre Psicologia e Direito se fizeram
através da busca da fidedignidade das informações prestadas pelas
partes. Os psicólogos se viram, a partir daí, como “detetives”, auxiliares
dos operadores do direito na busca da verdade. A Psicologia
Experimental desenvolvida no século XIX, partindo do princípio que era
possível isolar os elementos, descobrir e definir o objeto puro, em muito
contribuiu para esta idéia da função do psicólogo. Segundo Myra e
López, (1967)
“o testemunho de uma pessoa sobre um acontecimento
qualquer depende de cinco fatores: do modo como percebeu;
do modo como sua memória o conservou, do modo como é
capaz de lembrá-lo; do modo como quer expressá-lo e do
modo como pode expressá-lo. (Brito, L. M. Torraca, p 10).
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Forma-se a partir daí, uma prática voltada à confecção de
psicodiagnósticos, ao fornecimento de laudos que pudessem intervir no
processo decisório e ajudar nos dispositivos correcionais a serem
aplicados. O psicólogo passa a ser um perito, centrado em torno do
mundo jurídico, do processo e do diagnóstico, talvez não da pessoa, mas
do fato, do ato cometido, baseado nos métodos quantitativos, positivistas,
que esperavam das ciências humanas e sociais que apontassem com
objetividade científica as atitudes e questões de cada sujeito avaliado,
acreditando só haver conhecimento na medida em que este for público,
observável e controlável.
Após a constituição de 1988, período em que temos como
principais atores sociais os movimentos que exigiam mudanças e
garantias dos Direitos Humanos, em especial no que tange às crianças e
adolescentes, que vieram a contribuir para o reordenamento jurídico, com
o artigo 227 da Constituição Federal que detemina:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Com a referida lei foi instituída a equipe interprofissional de
assessoramento ao juiz (psicólogos, assistentes sociais e comissários da
Infância e Juventude). No estado do Rio de Janeiro, entre a promulgação
do Estatuto da Criança e do Adolescente e a implementação da equipe
houve um hiato de nove anos, durante os quais profissionais do quadro
do Poder Judiciário com formação específica foram desviados de suas
funções originais e passaram a atuar em seus campos de saber. A partir
do início da década de 90, a luta dos psicólogos voltou-se para o
reconhecimento e a criação do cargo junto ao Poder Judiciário, o que veio
a acontecer no ano de 1996, pela lei nº 2602. No ano seguinte, ocorre a
proposta de abertura de concurso público para provimento do cargo no
19
Rio de Janeiro, o que ocorre em 1998 e entre os anos de 1999 e 2001
foram sendo convocados os aprovados. Iniciava-se oficialmente a
interlocução entre o Direito e a Psicologia neste estado.
Ainda impregnados pelo poder inerente à decisão, a expectativa
dos operadores do direito inicialmente era a de que os psicólogos e
integrantes da equipe interprofissional explorassem com seus saberes
aquilo que fugia à sua competência, porém, com o olhar voltado ao
processo decisório. O desconhecimento dos meandros do inconsciente
leva especialmente os juízes a considerar os psicólogos enquanto peritos
nesta área, podendo desvendar os “mistérios” ocultos e direcionar as
decisões. A equipe torna-se formadora de provas, relatora de laudos
periciais. É esquecido aqui que a leitura dos autos não nos dá a
imparcialidade e completude da situação, e olhar o sujeito a partir do que
está descrito no processo, baseando-se no discurso racional e objetivo do
Direito e buscar provas não é função dos psicólogos, embora muitos
tenham sido coniventes com este processo, incorporando conceitos e
técnicas de outra ciência, até que se questionasse e transformasse essa
forma de atuação.
É fato que qualquer atuação do psicólogo no campo jurídico partirá
de um conflito, porém como olhar o mesmo? É possível olhar de forma
“legal”, onde as partes se posicionam uma diante da outra enquanto
adversários, esperando que a Lei diga quem tem razão. Esse poder,
dado pelos usuários ao Judiciário, é visto como um fato, totalmente
inquestionável, cuja decisão terá que ser aceita. As partes concedem ao
psicólogo, ao comissário, ao assistente social, a qualquer profissional que
esteja representando a lei, o poder de decidir por si, delegando aos
mesmos a redação das sentenças. Abrindo mão do poder de decisão,
que poderia advir do entendimento entre as partes, perdida sua Lei
interna, as mesmas elegem os saberes ligados ao Poder Judiciário como
detentores da decisão que cabe a elas, tornando o juiz ou os profissionais
a ele ligados um terceiro atuante no conflito, um poder maior que é capaz
de referendar quem está certo. Como afirma Silva (2007):
20
“Muitas pessoas buscam o Judiciário com a esperança de que
o poder decisório do juiz resolva seus problemas emocionais.
O que ocorre, porém, é uma transferência da responsabilidade
de decisão para a figura do juiz, buscando nele uma solução
mágica e instantânea para todos os conflitos. Mas, como tais
coisas não existem, os conflitos se intensificam e as
dificuldades se perpetuam, levando a um comprometimento
das relações (...) que torna difícil, até impossível, qualquer tipo
de intervenção.
Novamente a busca da verdade é o ponto de encontro e de conflito
nos casos levados às salas de psicologia e serviço social do Judiciário.
Como reza um dito popular, “em cada situação existem três verdades: a
minha, a sua, e a verdadeira”. Em se tratando de conflitos interpessoais,
que se tornam tão intrincados a ponto de ser preciso judicializá-los, esta
terceira verdade nem sempre é o fim da desavença. É comum as partes
abrirem outra janela de conflito, buscando novamente o Judiciário,
reafirmando suas questões para além do que é apresentado no processo.
Como afirma Dolto (1998): “O juiz está para julgar, e tem de tomar
decisões. Não temos que tomá-las no lugar dele.” (IBID, p. 15)
Esta é a outra forma de olhar o conflito: o que está para além da
queixa. Não se converter em um juiz oculto, olhar as relações que
permeiam a queixa, as atitudes que a reafirmam, as situações
vivenciadas de acordo com cada verdade pessoal, a busca da
confirmação do poder, do erro do outro, colaborando com os usuários
“para que possam compreender seu lugar subjetivo, seu vínculo com a
sociedade, assim como seus direitos e deveres pertinentes, sugere uma
função comprometida com estes sujeitos de direito” (IBID, p. 15)
Sem esquecer o lugar onde trabalham, os psicólogos do Poder
Judiciário passam a buscar a constituição das subjetividades de cada
sujeito, afastando-se de “uma interferência legitimadora dos controles
sociais, exclusões ou segregações, no rumo de uma aproximação com o
desenvolvimento dos sujeitos” (IBID, p. 15). Abrindo mão do poder de
julgar e de seus conceitos e preconceitos acerca do que lhes é
21
apresentado, os psicólogos podem exercer o papel que lhes é favorável:
levar a reflexão às partes, reinstituindo-lhes o poder de decisão.
Ao longo dos anos e permeando e modificando a atuação dos
psicólogos no Poder Judiciário, novas técnicas de atuação surgem, uma
delas a mediação.
Cabe aqui diferenciar conciliação de mediação, que são
atividades semelhantes, porém não iguais. A Conciliação normalmente é
exercida por força de lei e compulsoriamente por servidor público que usa
a autoridade de seu cargo para tentar promover a solução de
controvérsias. Já a mediação é voltada para a não adjudicação, levando
as partes a encontrarem a melhor solução. Assim sendo,
"A conciliação é uma forma de resolução de controvérsias na relação de interesses administrada por um Conciliador investido de autoridade ou indicado pelas partes, a quem compete aproximá-las, controlar as negociações, aparar as arestas, sugerir e formular propostas, apontar vantagens e desvantagens, objetivando sempre a composição do litígio pelas partes". A conciliação tem suas próprias características onde, além da administração do conflito por um terceiro neutro e imparcial, este mesmo conciliador tem o prerrogativa de poder sugerir um possível acordo, após uma criteriosa avaliação das vantagens e desvantagens que tal proposição traria a ambas as partes. (Internet-.mediar-rs.com.br, acesso em 27/11)
Já a mediação é definida como:
A Mediação é um meio alternativo de solução de controvérsias, litígios e impasses, onde um terceiro, neutro/imparcial, de confiança das partes (pessoas físicas ou jurídicas), por elas livre e voluntariamente escolhido, intervém entre elas (partes) agindo como um “facilitador”, um catalisador, que usando de habilidade e arte, leva as partes a encontrarem a solução para as suas pendências. Portanto, o Mediador não decide; quem decide são as partes. O Mediador utilizando habilidade e as técnicas da “arte de mediar”, leva as partes a decidirem. Na Mediação as partes têm total controle sobre a situação, diferentemente da Arbitragem, onde o controle é exercido pelo Árbitro. O Mediador é um profissional treinado, qualificado, que conhece muito bem o universo das negociações e dos negociadores e domina a Arte da Mediação. (Inernet-www.inama.org.br, acesso em 27/11)
22
Podemos avaliar que a principal diferença entre conciliação e
mediação é a reflexão, o encontro com o subjetivo de cada parte, o
esvaziamento dos contrários, da adversidade, buscando a concordância,
facilitando o cumprimento dos acordos e evitando novas possíveis
controvérsias judiciais. O papel do mediador é o de facilitar o diálogo e a
comunicação pacífica entre os envolvidos e possibilitar, assim, a
construção de um acordo.
Segundo Rafaela Moreira (2006),
No Brasil, por exemplo, o uso da mediação vem ganhando
especial relevância para o Judiciário nas varas de família e
juizados especiais que, antes mesmo de qualquer audiência
de instrução e julgamento, agendam com as partes uma
conversa “conciliadora”. Além de ser um meio dos
participantes buscarem uma solução fora da lógica
vencedor/vencido, típica da adjudicação, a mediação tem se
mostrado um importante instrumento de acesso à justiça por
parte das populações tradicionalmente excluídas dos
tribunais.
Outra vantagem da mediação, segundo a mesma autora, é:
O perfil informal da mediação permite que os envolvidos no
procedimento dialoguem sobre suas questões utilizando-se de
um discurso não-legal, de forma mais descontraída e próxima
de suas realidades.
Considerando que as emoções não elaboradas, as idéias
cristalizadas e as demandas não satisfeitas de cada parte se travestem
juridicamente na queixa inicial resultante no processo, e que o desvestir
da racionalidade pode mais facilmente levar as partes a enxergar o
conflito no seu real tamanho e entender o que as levou a eleger um poder
fora de si mesmas, a mediação reinvestirá a capacidade de reflexão e
ação às partes, não só na situação específica, mas provocando uma
mudança em futuros conflitos.
Tendo como principal fonte de coleta de dados a escuta, o
psicólogo tende a abrir este diálogo com mais facilidade em função de
sua formação. Esta também lhe permite romper com paradigmas e
23
desenvolver habilidades junto às partes, orientando sem determinar,
sugerir ou dirigir a solução.
O acordo é possibilitado pelas partes, e não imposto ou sugerido
por um representante da Lei. No momento em que se sai do âmbito
vencedor/vencido, e se passa ao vencedor/vencedor, os envolvidos
podem promover uma comunicação mais pacífica, partindo do
entendimento inicial que há um conflito, porém, não uma “guerra” a ser
ganha. A introspecção dos motivos que os levaram ao Judiciário também
é fator de quebra de resistências em aceitar uma solução diferente da
expectativa inicial, que ainda não havia sido pensada, mas que pode ser
construída ao longo processo de mediação. Como este processo tem em
um de seus princípios a informalidade, passa a ser uma proposta de
interação comunicativa, onde as partes podem expressar-se sem a
rigidez do discurso comumente vista no Judiciário, permitindo a
continuidade da negociação.
Outros princípios que levarão a mediação ao sucesso são: a
confidencialidade, a imparcialidade e competência do mediador.
Por confidencialidade entendemos que as partes devem ter a
certeza que não serão revelados os fatos que foram ditos durante o
processo, o que lhes dará conforto para elaborar os fatos não ditos no
processo instaurado.
Por imparcialidade entendemos que o mediador não tenderá a
nenhuma das partes.
Por competência entendemos a qualificação técnica do mediador,
treinamento, experiência e capacidade de planejar, escutar e levar as
partes a aderirem ao processo, o que talvez seja o mais difícil.
A atuação do mediador será de vital importância e este deve, para obter
êxito em sua tarefa, “realizar um planejamento mínimo para o “projeto” a
ser implementado, contemplando a liberdade dos movimentos no decorrer
do procedimento." (MENDONÇA, 2006, APUD Rafaela Selem, p. 86)
Para um mediador ser eficiente, ele precisa ser capaz de analisar e avaliar situação críticas e planejar intervenções
24
eficazes para lidar com as causas do conflito. Entretanto, os conflitos não vêm em pacotes arrumados, com suas causas e componentes rotulados para que o interventor saiba como responder criativamente a eles. As causas estão, em geral, obscuras e encobertas pela dinâmica das interações entre as partes. (MOORE, 1998, p. 61 – IBID)
O processo de mediação se inicia, para o mediador, com a escuta
sobre as causas do conflito, que raramente são as descritas na queixa
inicial. A partir daí, o mediador constrói uma hipótese a ser testada
durante o processo de mediação.
Suas atividades se iniciam antes mesmo da mediação,
ao procurar evitar, através de recomendações preliminares,
que as partes se envolvam em uma comunicação improdutiva.
Após iniciado o procedimento, as atividades passam ao plano
da intervenção em resposta às comunicações improdutivas
que surjam no âmbito da sessão conjunta ou ainda ao
impasse que possivelmente pode vir a nela se instaurar.
No entanto, apesar da construção de todo esse projeto
de ação, o resultado não é algo exato. (IBID, p. 85)
Ainda que a mediação tenha a exigência para o mediador da
formulação de hipóteses, do processo de tentativa e erro, da possível
mudança de rumo no meio da negociação, a atuação deste é de
fundamental importância no sucesso de levar as partes a encontrarem
uma solução.
Talvez seja essa a diferença que fará as partes passarem a se
perguntar: “o que é essencial?”, ao invés de ficar com a sua certeza inicial,
revelando a si mesmos o seu próprio poder.
25
CAPÍTULO III: A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO: PODER TRANSFORMADOR?
“Se (...o homem) não quiser contentar-se com a verdade em
sua forma pura, comprará eternamente ilusões por verdades.
O que é uma palavra? A figuração de um estímulo nervoso
em sons. Mas concluir do estímulo nervoso uma causa fora
de nós já é resultado de uma aplicação falsa e ilegítima do
princípio da razão. Como poderíamos nós, se somente a
verdade fosse decisiva na gênese da linguagem, se somente o
ponto de vista da certeza fosse decisivo nas designações,
como poderíamos no entanto dizer: a pedra é dura: como se
para nós esse “dura” fosse conhecido ainda de outro modo e
não somente como uma estimulação inteiramente subjetiva!”
Friedrich Nietzsche (1873)
Este capítulo “fala” da palavra. Da palavra dita e principalmente da
palavra não dita. Da que ouvimos em nossas salas de atendimento e
daquelas que nos são mostradas pela razão não razoável pelos que nos
falam, pedindo para serem ouvidos, compreendidos e referendados por
uma Lei perdida dentro deles mesmos.
Esclareço que quando me referir neste capítulo ao psicólogo,
estarei me referindo à equipe multiprofissional, psicólogos e assistentes
sociais em especial, e também aos promotores, defensores, juízes e
todos os que compõem o corpo do judiciário. Ao escolher a técnica da
mediação como uma possibilidade de transformação e de restituição do
poder da palavra como forma de resolução de conflitos, não excluo as
outras possibilidades dentro do Poder Judiciário, como a conciliação, só
concluo que a mediação é hoje a mais se adéqua a este fim.
26
Para a construção deste capítulo, foram feitas pesquisas de campo
com a diretora-presidente do MEDIARE, que ministra cursos e trabalha
junto ao Poder Judiciário nesta área desde 1999, e integrantes da
equipe multiprofissional que atuam diretamente com a técnica de
mediação, que serão citados nominalmente ao longo do capítulo.
Foi implantando no Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro o
Centro de Mediação, que já conta com profissionais do próprio quadro
treinados e uma coordenação, cuja meta é formar treze centros de
mediação em todo o estado do Rio de Janeiro, três já se encontram em
funcionamento neste momento. Porém, por questões talvez
administrativas e por estar em uma fase inicial e de muita demanda, não
houve tempo hábil para que eu pudesse fazer uma pesquisa mais
aprofundada e obter informações mais precisas, o que valorizaria muito
este capítulo.
Fazendo um pequeno histórico da mediação no Poder Judiciário,
segundo a diretora do MEDIARE (empresa que capacita e atua em
mediação), Tânia Almeida, o contato com o mesmo se iniciou através de
uma de suas alunas, membro do quadro, que atuava na 1ª Vara de
Família, levando a proposta ao seu juiz, à época, Dr. Ciro Darlan. Este
trabalho se iniciou em 1999/2000. Em 2008, iniciou-se a atuação no
Juizado Especial Criminal da Barra da Tijuca, estendendo-se para as
Varas de Família da mesma localidade. Este trabalho se mantém até
hoje.
Em relação à mediação propriamente dita, o que é observado nos
casos tratados dentro do Poder Judiciário é que a comunicação se torna
tão agressiva a tal ponto de obscurecer a escuta, de cortar ou criar
falhas graves na forma de diálogo. O resultado é tomado como positivo
quando o diálogo consegue ser restaurado, e as próprias partes
constroem um acordo. Quanto à figura e a atuação do mediador, Tânia
afirma que ele é um observador e, como tal, nunca é isento. O que vai
ser determinante é qual o lugar que será ocupado pelo mediador, pois a
interferência sempre vai existir, a natureza da mesma é que vai
27
diferenciar a ação do mediador. Uma informação que me soou
interessante é que o perfil da demanda para os cursos de formação em
sua empresa vem se modificando. A princípio, a procura maior era de
psicólogos e assistentes sociais, hoje, predominam advogados.
Incluem-se também médicos, administradores, economistas. Nem
todos pretendem atuar na área de mediação, porém todos pretendem
usar a técnica para melhorar em suas próprias profissões.
Quanto aos usuários, o importante é a quebra da mudança de
lugar. A cultura em torno do Poder Judiciário é de que é um lugar de
julgamento e de receber soluções prontas. A técnica de mediação
propicia que se devolva às partes a possibilidade de buscar as soluções
ao invés de recebê-las e também os faz sair do lugar do confronto,
encontrando um lugar comum, confortável para ambos. O principal
ponto de transformação e de diferenciação desta técnica é o restauro da
comunicação e a negociação das diferenças. Esse é o papel mais
importante do mediador, que, dentro do Poder Judiciário, é atribuído
prioritariamente à equipe multiprofissional.
Segundo a assistente social Márcia Grillo, atuante no JECRIM da
Barra da Tijuca, a palavra transformador no sentido da atuação da
equipe multiprofissional não seria bem colocada, melhor seria facilitador.
O mediador atua no sentido de facilitar a reflexão que foi perdida,
independente da formação original de cada um. No caso dos JECRIM,
este papel fica delegado aos assistentes sociais e psicólogos. A
mediação é vista por ela como mais uma técnica com o objetivo
primordial de devolver às pessoas o poder de atuarem sobre a sua
própria vida. O que é observado no Poder Judiciário é que os usuários
delegam este poder, e junto com ele a responsabilidade pela decisão de
suas próprias vidas, da resolução de suas questões pessoais, que é
mais fácil delegar do que se responsabilizar. A reflexão mais importante
é sobre esta retomada de responsabilidade. A técnica é eleita de
acordo com cada caso, após as reuniões de pré mediação, onde se
discutem todas as alternativas de resolução de conflitos oferecidas pelo
28
Poder Judiciário para que os usuários possam ter uma visão melhor e já
iniciar a partir daí a reflexão e a co-responsabilização junto à equipe a
respeito da melhor solução para o conflito.
Com relação à mediação, foi confeccionada e é oferecida aos
usuários uma cartilha distribuída aos mesmos, reproduzida a seguir:
29
30
31
32
A entrevista com Dr. Joaquim Domingos de Almeida Neto, titular do
JECRIM da Barra da Tijuca, atuante desde 1992 no Poder Judiciário do
Estado do RJ, não se restringiu a informações sobre o trabalho de
mediação, porém como os dados abrangeram vários tópicos aqui
abordados, vou me estender além do tema.
Ele começa expondo sobre o papel da equipe técnica, que,
fazendo atendimento individual, exige uma demanda profissional muito
grande para atender a todo o judiciário. Portanto, os profissionais, que
são muito bem preparados e talentosos, são mal aproveitados, pois
acabam sendo usados em um processo a cada quarenta, cinqüenta.
33
Que o ideal é criar um trabalho coletivo, como oficinas de comunicação,
escola de pais, otimizando esse tempo que é precioso. Também coloca
que o papel do assistente social e psicólogo como “ouvintes”,
“detetives”, “fazedores de laudos”, é desperdício. Na maioria das vezes
gera laudos descritivos, enormes que eles (os juízes) não lêem na
íntegra, só a conclusão. Uma forma usada pelo Dr. Joaquim é chamar o
profissional na audiência, como respeito ao trabalho do mesmo e
utilização destes pelo Judiciário de maneira mais lógica.
Quando se refere à atuação dos profissionais das áreas de serviço
social e psicologia no trabalho de mediação, afirma que estes têm uma
facilidade maior que os operadores do direito: a especificidade e a
facilidade da comunicação. Reitera que embora o instrumento de
trabalho dos advogados seja a língua, a palavra, os mesmos se
“esqueceram” disso em função da linguagem sacramental usada nos
processos.
“-O que eu deveria fazer em uma audiência? -Dialogar! Os
advogados, juízes, tem facilidade com a palavra, com a
linguagem propriamente dita, não com o diálogo, acho que é
por isso que os profissionais das áreas de serviço social e
psicologia se identificaram tanto com a atuação nos processos
de mediação. Primeiro, por já terem a facilidade técnica, a
maioria das ferramentas utilizadas já são do domínio destas
áreas. Todos os profissionais que se inseriram nos cursos
oferecidos pelo TJ mostraram uma grande satisfação com o
trabalho que vem sendo desenvolvido.”
Dr. Joaquim Neto (2010)
A sua experiência prática com a mediação começou a partir do
contato com a Tânia Almeida (MEDIARE) e uma proposta de levar o
trabalho para o JECRIM. O trabalho foi se expandindo, e segundo o
próprio Dr. Joaquim, “entrou na moda”, sendo mantido até hoje pelo
MEDIARE, pela equipe da UERJ, o ISA (Instituto de Soluções
Alternativas) e o próprio pessoal do Tribunal de Justiça. Os membros
do quadro do TJ estão acumulando funções neste momento, por ser um
34
trabalho muito novo. Pode-se dizer que são todos voluntários, inclusive
os do quadro do TJ.
Em relação aos resultados da mediação, Dr. Joaquim afirma que a
mesma não serve para desafogar pauta, muito pelo contrário. Um
processo que se extinguiria em três meses, três meses e meio, se for
passar pela mediação, se estende por mais dois ou três meses.
Mediação para ele é opção de qualidade e decisão, não de quantidade
ou rapidez. Por outro lado, em cem por cento dos casos que passam
por mediação não há retorno nem no JECRIM nem em outro processo
que esteja apensado trazendo resultados positivos em todos os
processos que envolvam as mesmas pessoas (guarda, alimentos,
visitação, etc.).
Dr. Joaquim reafirma que o TJ não é lugar para terapia, que se
deveria buscar uma melhor aproveitamento dos profissionais atuantes
no quadro do Judiciário, embora as partes cheguem com esta demanda.
Até no atendimento coletivo isso acontece, as pessoas não querem se
desligar. No JECRIM da Barra foi criada uma oficina de pré-mediação,
que partiu de uma idéia da juíza de São João de Meriti – Vara de
Família, a partir da preocupação de não conseguir atender à demanda,
da percepção que as pessoas não sabem quais são seus direitos e
deveres. No início do processo a juíza resolveu juntar as partes e os
advogados e esclarecer, percebendo que a partir daí o processo de
mediação era encurtado, a adesão muito maior e seu resultado muito
mais construtivo. Em alguns casos, a conciliação bastava. A idéia foi
repetida na Barra, e o resultado foi o mesmo.
Em relação ao imaginário popular que cerca a figura do juiz, Dr.
Joaquim afirma que é bom que ele esteja enraizado em nossa cultura.
E justifica que, em uma sociedade em que se perderam os valores
familiares, religiosos, sociais, que isto tudo está completamente
desestruturado, alguém deve realizar este papel. O juiz pode entrar
neste papel a partir do momento em que as pessoas chegam à
audiência decididas a continuar judicializando seus conflitos, esta figura
35
pode colaborar no sentido em que tem o poder para levá-los
(obrigatoriamente) à reflexão. Segundo ele, isto não é compactuar com
o imaginário, é sim, usar o cargo para fazer a função do limite, da Lei
propriamente dita e por este lado, é bom que o juiz tenha essa aura de
autoridade. O que pode ser feito dentro dos processos de mediação é
descobrir quais os fatores primordiais que levam os usuários a
buscarem o Poder Judiciário, usando o poder do juiz enquanto ele for
útil, ao devolvê-lo às pessoas, este poder é desmistificado. O juiz,
condenando ou não, se a mediação for bem feita, os envolvidos vão
saber que existe uma outra via. Ao longo do tempo, isso diminuirá muito
a demanda do judiciário, embora esta não se extinguirá nunca, pois
existem conflitos que não são mediáveis (honra, vida, direito à saúde,
etc).
36
CONCLUSÃO
Para concluir, partirei do princípio que a violência é a ausência do
diálogo. Quando cada uma das partes se apega às suas idéias de tal
forma a não conseguir ceder, ouvir, aceitar as diferenças da outra parte o
que resta é agredir o que se faz estranho a estes valores. A agressão
se traveste de várias formas e se movimenta por muitas vias. E todas
elas têm a possibilidade de chegar ao Poder Judiciário.
Ao acolhermos esta demanda, devemos ter em mente que não
temos o poder de julgar, modificar, solucionar; como está no imaginário
popular do Poder Judiciário e com o qual muitas vezes nos sentimos
contaminados, mas temos o dever de ouvir, de utilizar nossos
instrumentos no sentido de restituir às partes o poder de decisão perdido
ou retirado destas pessoas ao longo da vida, para que só precisem utilizar
o Poder Judiciário quando necessário.
Como muito bem colocou o Dr. Joaquim, o Poder Judiciário não é
lugar de terapia individual, mas pode ser lugar de reflexão, ainda que
obrigatória. Neste caso, a atuação da equipe multidisciplinar e do corpo
do judiciário é muito relevante. Muitos dos usuários além de não
conhecerem seus direitos e deveres têm sua primeira oportunidade de
abrir outra janela para o mundo a partir de um conflito com a lei. Ouvir
sem ser julgador nesse momento é primordial, permitir ao usuário a
quebra da fixação do lugar de “quem tem razão”, do lugar do “eu versus o
outro”, poder servir de espelho, não de poder, mas de humanidade, para
que a raiva se transforme em aceitação e o conflito em responsabilidade
permite desfazer a judicialização das questões emocionais. Esse pode ser
o maior ganho da técnica da mediação e a maior transformação que a
equipe multidisciplinar pode conquistar dentro do Poder Judiciário. A
informação e a conexão entre juízes, promotores, advogados, usuários e
equipe reforça este lugar mantendo a qualidade do trabalho.
37
Da palavra pura à idéia da palavra e ao que ela representa para
cada ser humano há um caminho muito longo carregado de idéias que se
cristalizam. A tal ponto de se perder a capacidade da própria palavra e da
razão que deveria acompanhá-la. Finalizando, tentando responder à
pergunta: a atuação do psicólogo no poder judiciário do estado do Rio de
Janeiro: poder transformador? Sim, desde que, tal como os usuários que
nos procuram, nos dispamos da idéia do poder de “detetives”, “senhores
da verdade”, “determinadores do destino alheio”, “juízes das emoções”,
entre tantos outros papéis que a atuação no judiciário possa vir a nos
provocar ou contaminar. Somos instrumentos, detentores de técnicas
específicas, capazes de ajudar e acolher, ouvir e ajudar, provocar sim,
mudanças e transformações, desde que o outro assim o escolha, ainda
que esta escolha se inicie de forma obrigatória, através da lei.
38
BIBLIOGRAFIA
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Dumará, 1999
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