jurisprudência da quinta turma - o tribunal da cidadania · para excluir do julgado qualquer...
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Jurisprudência da Quinta Turma
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL N. 260.125 - DF
(Registro n. 2000.0050273-1)
Relator: Ministro Jorge Scartezzini
Agravantes: Marcos Salles Teixeira e outros
Advogados: Antônio Nabor Areias Bulhões e outro
Agravada: União Federal
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EMENTA: Processo Civil - Agravo regimental - Recurso especial - Servidor público - Técnico do Tesouro Nacional - RAV - Limite máximo (art. 82. da Medida Provisória n. 831/1995) - Prequestionamento - Segurança jurídica - Conhecimento - Ordem denegada - Desprovimento.
1. Tendo a decisão agravada ventilado a matéria na esteira de que o ocorrido não foi a falta de prequestionamento, porquanto o tema foi abordado, mas, sim, a não-menção explícita de dispositivos legais no corpo da peça recursal, a alegação dos agravantes de "vício sério" improcede. Se justaposto o rigor processual técnico ao caso concreto, estar-se-ia negando aplicação ao direito material, finalidade da prestação jurisdicional. Assim, procedeu-se ao conhecimento do recurso, para impedir que a severidade processual implicasse numa supressão de direitos juridicamente reconhecidos, ou como na espécie, na implementação de um direito já julgado inexistente.
2. Outrossim, no mérito, conforme entendimento desta Turma (REsp n. 202.328-DF, ReI. Ministro José Arnaldo), a Administração não está obrigada ao pagamento da RAV no limite máximo - art. 82., Medida Provisória n. 831/1995. Está inscrito na sua esfera de competência discricionária traçar tais parâmetros, sendo vedado seu reexame, pelo Poder Judiciário, em observância ao princípio da independência dos Poderes. Ordem, conseqüentemente, denegada.
3. Precedentes da Quinta e Sexta Turmas (EDcl no REsp n. 206.604-DF e REsp n. 209.596-DF, respectivamente).
4. Agravo regimental conhecido, porém, desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
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Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao
agravo regimental. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros
José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp. Ausente, ocasional
mente, o Sr. Ministro Edson Vidigal.
Brasília-DF, 6 de abril de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Jorge Scartezzini, Relator.
Publicado no DI de 13.8.2001.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Jorge Scartezzini: Cuida-se de agravo regimental em
recurso especial interposto por Marcos Salles Teixeira e outros, contra de
cisão proferida às fls. 287/290 que, conhecendo do recurso, na esteira da
excepcionalidade e em razão do princípio da segurança jurídica, deu-lhe
provimento para restabelecer a r. sentença monocrática que denegou a se
gurança.
Os Agravantes aduzem, nas suas razões, em síntese, que a decisão ata
cada incorreu em manifesto erro, porquanto não há no recurso especial se
quer indicação dos dispositivos legais supostamente violados pelo v.
decisulTI de origem, bem como equivocou-se ao entender que pleiteiam tal
direito pelo teto máximo de oito vezes o valor do vencimento básico de
cada categoria. Ademais, alegam que não se apreciaram pontos essenciais
aventados, quais sejam, a impossibilidade de a Crav n. 1/1995, impugnada
no writ, estabelecer a discriminação entre as categorias TTN e AFTN, quan
to ao teto da RA V; e a inconstitucionalidade da vinculação estabelecida nos
Decretos n. 97.667/1989 e 98.967/1990, da RAV dos TTNs à dos AFTNs,
para fins remuneratórios (art. 37, XIII, CF). Requerem, ao final, a
reconsideração ou reforma da decisão atacada, com o conseqüente não-co
nhecimento do especial (fls. 297/314).
Estando tempestivo o recurso (fl. 297), mantenho a decisão, nesta opor
tunidade, por seus próprios e jurídicos fundamentos e, nos termos dos arts.
258 e seguintes, do Regimento Interno desta Corte, apresento o feito em
mesa para julgamento.
É o relatório.
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VOTO
O Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Sr. Presidente, o recurso
merece ser conhecido, por encontrar-se tempestivo, porém, desprovido.
Adoto como razões de decidir as expendidas quando do conhecimento e provimento deste recurso especial onde, exaustivamente e de forma rei
terada, tratei da hipótese destes autos. Naquela oportunidade, asseverei,
verbis:
"Quanto ao cabimento do presente recurso pela alínea a do art.
105, III, da CF, devo salientar que em 21 de setembro de 1999, quando
do julgamento, entre outros, do REsp n. 200.378-DF, de matéria idên
tica ao presente recurso, a Quinta Turma, por maioria, conheceu do recurso, vislumbrada a excepcionalidade do caso concreto, e deu-lhe pro
vimento, para denegar a ordem. Desta forma, tendo sido acompanha
do em meu posicionamento pelos ilustres Ministros José Arnaldo e Felix Fischer, fui designado relator para o acórdão, que restou assim
ementado:
'Processual Civil e Administrativo. Prequestionamento: con
ceitos e extensão. Instrumentalidade do processo. Direito objetivo. Segurança jurídica. Situações concretas antagônicas. Impos
sibilidade. Excepcionalidade. Conhecimento. Mandado de segurança. Técnicos do Tesouro Nacional. RAV. Limite máximo. Art.
8ll. da Medida Provisória n. 831/1995. Critérios da Administração. Ordem denegada.
1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento, mediante sua Corte Especial, no sentido de que a violação a de
terminada norma legal ou dissídio sobre sua interpretação não
requer, necessariamente, que tal dispositivo tenha sido expressamente mencionado no v. acórdão do Tribunal de origem. Cuida
-se do chamado prequestionamento implícito (cf. EREsps n.
181.682-PE, 144.844-RS e 155.321-SP). Contudo, quanto ao
prequestionamento da peça recursal do especial, deve, esta, indi
vidualizar os artigos de lei que reputar vulnerados pelo v. aresto
recorrido, sendo insuficiente a indicação genérica (cf. EREsp n.
89.414-RJ).
2. No caso concreto, houve indicação genérica e, na esteira
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de tais precedentes, seria a hipótese de não se conhecer do recurso. Todavia, ao assim proceder, a decisão deste Órgão colegiado acarretaria conseqüências concretas antagônicas. Sendo a finalidade desta Corte Superior a uniformização dos julgados
infra-constitucionais e perfilando-me à consagrada doutrina, as
severo que o processo não é instrumento apenas técnico, mas,
sobretudo, ético. Não se pode admitir que a severidade processual implique numa supressão de direitos, juridicamente reconhecidos, ou como, na espécie, na implementação de um direito já julgado
inexistente.
3. Deve-se observar, nessas hipóteses, sob a ótica da excepcionalidade que o Poder Judiciário deve ao jurisdicionado, em
casos idênticos, uma resposta firme, certa e homogênea. Atinge
se, com isso, valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material, com a correta prestação jurisdicional, como meio de certeza e segurança para a sociedade. Afasta-se, em con
seqüência, o rigor processual técnico, no qual se estaria negan
do a aplicação do direito material, para alcançar-se a adequada finalidade da prestação jurisdicional, que é a segurança de um
resultado uniforme para situações idênticas.
4. Recurso, na via da excepcionalidade do caso concreto, conhecido.
5 .... Omissis.
6. Ausência de liquidez e certeza, na via mandamental.
7. Recurso provido, com a resultante denegação da ordem.'
(DJU de 8.11.1999).
Logo, ressaltando mais uma vez, tratar-se o presente caso de uma
exceção, atingindo-se, com isso, um fim uno, conheço do recurso.
Quanto ao mérito, encampando as razões aduzidas pelo eminen
te Ministro José Arnaldo, no REsp n. 202.328-DF, entendo que a Ad
ministração não está obrigada ao pagamento da RAV no limite máxi
mo - art. 811 da Medida Provisória n. 831/1995. Está inscrito na sua esfera de competência discricionária traçar tais parâmetros, sendo ve
dado, seu reexame, pelo Poder Judiciário, em observância ao princí
pio da independência dos Poderes.
Ademais, para que dúvida alguma paire sobre a questão de
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m.eritis, anoto que o pleito dos Recorrentes foi no sentido da manutenção da RAV 'nos termos da lei e no seu limite de até oito vezes o equivalente ao vencimento básico dos Técnicos do Tesouro Nacional, tal como feito nos meses de fevereiro, março, abril e maio' (fls. 16/17), ou seja, para que continuassem a receber tal retribuição na variante máxima tolerada pelo art. 8l!. da Medida Provisória n. 831/1995. Como se depreende do pedido inicial, a pretensão dos Impetrantes-recorridos não é auferir tal vantagem até o limite de 8 vezes o valor do vencimento básico, pois esta variante escalonada, eles, inclusive, já recebem, mas, sim, que lhes seja devolvida tal percepção no limite máximo de 8 vezes sobre este quantum. básico."
Na verdade, o que houve não foi a falta de prequestionamento, porquanto a matéria foi abordada, mas, sim, a não-menção explícita de dispositivos legais no corpo da peça recursal. Ao sujeitar-se o presente caso ao rigor processual técnico, como pretendem os ora agravantes, estaríamos negando aplicação ao direito material, finalidade da prestação jurisdicional.
Sendo que a finalidade constitucional desta Corte Superior é a uniformização dos julgados e entendendo ser o processo mero instrumento para atingir-se o direito objetivo e concreto, como forma de resposta aos anseios da sociedade moderna, não se poderia manter o v. acórdão recorrido como estava, porquanto acarretava desigualdades entre iguais. Ou seja, naqueles recursos em que a União havia bem formulado o pedido, explicitando os dispositivos legais, a Turma provia-os. Naqueles em que o recurso da União não explicitou os artigos que contrariaram normas ou dispositivo legal, não se conhecia dos mesmos. Com isso, prendíamo-nos ao bom desempenho ou não de alguns membros da Advocacia Geral da União quando fazem uso de sua faculdade institucional de recorrer, em nome do ente público. Penso não ser esta a função deste Tribunal. Ademais, reafirmo que não podemos admitir que o rigor processual implique numa supressão de um direito, juridicamente reconhecido, ou, como na espécie, na implementação de um direito já julgado inexistente. Macularíamos, com isso, o princípio da segurança jurídica. Deve-se, sim, observar, sob a ótica da excepcionalidade, que o resultado final acarreta diversidade de situações concretas, ferindo o princípio constitucional da isonomia e conseqüentemente, da segurança jurídica. O Poder Judiciário deve ao jurisdicionado, em casos idênticos, uma resposta firme, certa e homogênea. Logo, entendo que não houve qualquer "vício sério" (sic, fl. 303) na decisão agravada, pois não teríamos como explicar o fato de que alguns Técnicos do Tesouro Nacional perceberam a Retribuição Adicional Variável pelo teto máximo, enquanto outros,
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menos afortunados, diante do bom desempenho do agente que recorreu, dela não tiveram direito.
Outrossim, no mesmo diapasão, registro que, em diversas oportunidades, assim tem-se ementa do acerca do assunto:
"Processo Civil. Recurso especial. Embargos de declaração. Art. 535 do CPC. Servidor público. Técnico do Tesouro Nacional. RAV. Limite máximo (art. 8ll. da Medida Provisória n. 831/1995). Prequestionamento. Segurança jurídica. Conhecimento. Erro material improcedente. Ausência de omissão. Caráter infringente. Rejeição.
1. Tendo o acórdão embargado ventilado a matéria na esteira de que o ocorrido não foi a falta de prequestionamento, porquanto o tema foi abordado, mas, sim, a não-menção explícita de dispositivos legais no corpo da peça recursal, a alegação dos Embargantes de erro material improcede. Se justaposto o rigor processual técnico ao caso concreto, estar-se-ia negando aplicação ao direito material, finalidade da prestação jurisdicional. Assim, procedeu-se ao conhecimento do recurso, para impedir que a severidade processual implicasse numa supressão de direitos juridicamente reconhecidos, ou como na espécie, na implementação de um direito já julgado inexistente.
2. Por prerrogativa do dispositivo processual aventado, os embargos de declaração consubstanciam instrumento processual adequado para excluir do julgado qualquer obscuridade ou contradição ou, ainda, suprir omissão, cujo pronunciamento sobre a matéria se impunha ao Colegiado, nãos e adequando, todavia, para promover o efeito modificativo do mesmo. Ausência de omissão. Inteligência do art. 535 do Código de Processo Civil.
3. Precedentes (EDcl nos REsps n. 120.229-PE e 202.292-DF).
4. Embargos conhecidos, porém, rejeitados." (EDcl no REsp n. 206.604-DF, de minha relatoria, DJU de 30.10.2000).
"Administrativo. Servidor público. Técnico do Tesouro Nacional. RAV. Medida Provisória n. 831/1995.
1. Não há direito à percepção da Retribuição Adicional Variável pelo limite máximo instituído. Inteligência do art. 8ll. da Medida Provisória n. 831/1995. Precedente da Terceira Seção desta Corte.
2. Recurso especial conhecido." (REsp n. 209.596-DF, ReI. Ministro Fernando Gonçalves, DJU de 19.10.1999).
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Mais não há que se perquirir.
Por tais fundamentos, conheço e nego provimento ao agravo regimental
interposto.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 14.633 - RS (Registro n. 2000.0108878-5)
Relator: Ministro Felix Fischer
Impetrante: José Cardoso de Vargas
Advogados: Joel J. Cândido e outros
Impetrada: Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Paciente: José Cardoso de Vargas
EMENTA: Processual Penal - Habeas corpus - Execução penal - Prefeito - Competência originária - Interposição de recurso especial - Efeito.
Contra decisão condenatória de competência originária dos tribunais cabem, apenas, em princípio, recursos de natureza extraordinária - recurso especial e recurso extraordinário - sem efeito suspensivo (art. 27, § 2Q
, da Lei n. 8.038/1990), razão pela qual pode ser dado início à execução provisória da pena (precedentes: STP e STJ).
Writ indeferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, indeferir o pedido. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e Edson VidigaI. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca.
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Brasília-DF, 8 de maio de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 11.6.2001.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de habeas corpus impetrado contra o v. acórdão da colenda Quarta Câmara Criminal do egrégio Tribu
nal de Justiça do Estado do Rio Grande do SuL
Depreende-se dos autos que o ora paciente, Prefeito Municipal, foi
julgado e condenado pelo egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a 6 (seis) anos de reclusão, em regime semi-aberto, por infração ao disposto nos artigos 1"'-, inciso n, do Decreto-Lei n. 201/1967, e 316, combinado com o art. 327, § 211, do Código Penal. Foi-lhe decretada ainda a perda do cargo e a inabilitação por 5 (cinco) anos para provimento de cargo ou função pública.
Em julgamento de questão de ordem suscitada pelo eminente relator do v. acórdão reprochado ante o pedido de reconsideração formulado pela defesa, o egrégio Tribunal a quo decidiu sustar a execução da pena aplicada em razão da imunidade eleitoral prevista no artigo 236, § 111, do Có
digo Eleitoral.
Impetrou-se, então, o presente writ, em que se alega constrangimento ilegal decorrente da cessação dos efeitos da imunidade e possibilidade de imediata execução da pena aplicada ao Paciente.
Aduz o Impetrante que o ora paciente não pode ser preso antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência. Afirma, ainda, que preenche os requisitos do art. 594 do Código de Processo Penal, aplicável ao caso. Por fim, pede a suspensão da execução da pena imposta ao Paciente ou a execução da pena em regime aberto até que ocorra o trânsito em julgado da
condenação.
Liminar deferida à fl. 68.
Informações às fls. 74/78.
A douta Subprocuradoria Geral da República manifestou-se pela con
cessão da ordem.
É o relatório.
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VOTO
o Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Aduz o Impetrante que o Pa
ciente não pode sofrer os efeitos da condenação antes do trânsito em jul
gado da decisão condenatória, tendo em vista a possibilidade de interposição
de recursos especial e extraordinário.
Ocorre que o art. 27, § 211, da Lei n. 8.038/1990 é claro e taxativo: os
recursos - especial e extraordinário - só apresentam, em regra, efeito
devolutivo. São recursos de natureza extraordinária, nos quais só se apre
cia quaestio iuris (seja na forma de error iuris in iudicando, seja na for
ma de error in procedendo). Daí, ao contrário da revisão criminal, não
se fala de quaestio facti (v.g., error facti in iudicando e, por vezes, cer
tas hipóteses de error in procedendo). Não se cria, com eles, a 2a instância
para as ações penais de competência originária. Há, tão-somente, a verifi
cação da ocorrência das situações alinhadas no art. 102, inciso IIl, alíneas
a, b e c e no art. 10 5, inciso IIl, alíneas a, b e c, ambas da Lex Funda
mentalis, conforme o caso em si e a escolha do Recorrente.
Assim, em que pese entendimento em sentido contrário da Sexta Tur
ma manifestado no HC n. 7.360-RS, entendo que não há que se falar, nes
tes casos, em suspensão da execução até o trânsito em julgado da condenação.
Não há, nas ações penais de competência originária dos tribunais, revisão da matéria de fato. A condenação em ação penal originária escapa ao prin
cípio do duplo grau de jurisdição, ensejando a imediata execução da pena
com a prolação do acórdão condenatório.
Nesse sentido, recente pronunciamento do Plenário do Pretório Excelso:
"Ação penal originária e duplo grau.
Tratando-se de ação penal originária, a ausência de publicação do
acórdão condenatório não impede a expedição de mandado de prisão,
mesmo quando pendentes recursos especial e extraordinário. Com base
nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, indeferiu habeas corpus
impetrado em favor de ex-prefeito e co-réus denunciados pelos crimes
dos arts. p. do Decreto-Lei n. 201/1967 (crime de responsabilidade),
288 (quadrilha ou bando) e 299 (falsidade ideológica), ambos do Có
digo Penal, em que se alegava o direito ao duplo grau de jurisdição,
considerando-se a competência originária do Tribunal de Justiça.
Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Sepúlveda Pertence,
RST], Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereíro 2002.
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que o deferiam ao fundamento de que ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória
(CF, art. 5.Q., LVII). HC n. 77.945-RS, ReI. orig. Min. Marco Auré
lio, red. p/acordão Ministro Nelson Jobim, 3.2.1999." (STF - Infor
mativo 137).
Há ainda os seguintes precedentes do colendo Supremo Tribunal Federal:
"I - Ação penal: independência da instância administrativa: não
elide a ação penal pelo mesmo fato o arquivamento de procedimento
administrativo contra magistrado por falta de provas.
II - Prisão: execução em virtude de condenação em ação penal de
competência originária dos tribunais, sujeita unicamente a recursos
extraordinário e especial, carentes de efeito suspensivo: legitimidade,
conforme o entendimento dominante do STF; ressalva de posição pes
soal do redator do acórdão.
III - Tribunal de Justiça: processo penal contra juiz de Direito:
quorum: necessária a participação da maioria absoluta de juízes efe
tivos do Tribunal competente.
1. Não havendo impedimento - ou suspeição que, para o efeito
cogitado, ao impedimento se equipara (AOr 8, 13.9.1989, Moreira,
RTJ 131/949) -, da maioria dos membros efetivos do Tribunal de ori
gem, não se desloca para o Supremo Tribunal a competência originá
ria para o processo.
2. Aplicação, a fortiori, do critério do art. 24 de Loman:
a) se o número de desembargadores impedidos e suspeitos, soma
do aos dos licenciados por motivo de saúde impedir participe de ses
são a maioria dos integrantes efetivos do Tribunal, impõe-se aguardar
o retorno dos licenciados;
b) se, no entanto, a soma dos desimpedidos em exercício aos tem
porariamente afastados, por motivos que não de saúde, formar a maio
ria do Tribunal, a solução será aguardar o retorno dos últimos ou, em
caso de urgência, convocá-los de imediato.
3. Nulidade conseqüente da condenação em que a maioria ab
soluta do colegiado prolator do acórdão for composta por juízes de
Direito convocados para substituir desembargadores ausentes por
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motivos diversos." (HC n. 78.051-PB, Primeira Turma, ReI. p/ acórdão
Ministro Sepúlveda Pertence, DJU de 17.9.1999).
"Habeas corpus. Matéria constitucional. Condenação penal im
posta a ex-prefeito municipal. A prisão especial como prerrogativa profissional do advogado. A questão da prisão domiciliar. Pedido parcialmente deferido. Ex-prefeito municipal. Reconhecimento da competência penal originária do Tribunal de Justiça (CF/1988, art. 29, X, c.c. Emenda Constitucional n. 1/1992).
- O Tribunal de Justiça do Estado dispõe de competência penal originária - ressalvadas as hipóteses que se incluem na esfera de atri
buições jurisdicionais da Justiça Federal Comum, da Justiça Militar da União e da Justiça Eleitoral - para processar e julgar, além dos prefeitos municipais, também os ex-prefeitos do Município, desde que,
neste último caso, a persecução penal tenha sido contra eles instaurada em função de delitos praticados durante o período em que exerce
ram a Chefia do Poder Executivo local. Precedentes: HC n. 71.429-
SC, ReI. Min. Celso de Mello.
A questão da aplicabilidade imediata da nova Constituição. Prin
cípio da imediatidade eficacial.
- A nova Constituição tem incidência imediata. Os preceitos que
lhe compõem a estrutura normativa revestem-se, ordinariamente, de eficácia ex nunc. O princípio da imediatidade eficacial somente não
incidirá naquelas estritas hipóteses que, legitimadas por expressa ressalva constitucional, autorizarem a projeção retroativa da nova Carta
Política ou diferirem no tempo o início da eficácia das normas que a
integram.
- A norma de competência inscrita no art. 29, X, da Carta Polí
tica (com a remuneração dada pela Emenda Constitucional n. 1/1992)
tem aplicabilidade imediata, alcançando, desde logo, todos os processos
penais condenatórios que, instaurados perante magistrados estaduais de
la instância contra prefeitos ou ex-prefeitos municipais, achavam-se
em curso no momento da vigência da nova Constituição, justificando-se, em conseqüência, o deslocamento dessas causas penais para o Tribunal de Justiça do Estado-membro.
Ação penal originária contra prefeito municipal. Competência atribuída à Câmara Criminal do Tribunal de Justiça. Observância do
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princípio do juiz natural. Legitimidade do processo penal condenatório.
- O preceito consubstanciado no art. 29, X, da Carta Política não confere, por si só, ao prefeito municipal, o direito de ser julgado pelo Plenário do Tribunal de Justiça - ou pelo respectivo órgão especial, onde houver - nas ações penais originárias contra eles ajuizadas, podendo o Estado-membro, nos limites de sua competência normativa, indicar, no âmbito dessa Corte judiciária, o órgão fracionário (Câmara, Turma, Seção, v.g) investido de atribuição para processar e julgar as referidas causas penais.
- Não são inconstitucionais as normas de organização judiciária vigentes no Estado de São Paulo, notadamente aquelas emanadas do Tribunal de Justiça (CF, art. 96, l, a), que atribuem a qualquer de suas Câmaras Criminais a competência para o processo e julgamento das ações penais originárias promovidas contra prefeitos municipais, eis que as decisões proferidas por esses órgãos fracionários qualificam-se como pronunciamentos juridicamente imputáveis à própria Corte judiciária local, atendendo, desse modo, à regra inscrita no art. 29, X, da Constituição da República. Precedentes: RCs n. 71.429-SC, ReI. Min. Celso de Mello, e 72.476-SP, ReI. Ministro Maurício Corrêa.
Condenação proferida por Tribunal de Justiça em ação penal originária. Acórdão não-unânime. Descabimento de embargos infringentes (CPP, art. 609, parágrafo único).
- A norma inscrita no art. 609, parágrafo único, do Código de
Processo Penal não se aplica às hipóteses de condenação criminal, ainda que não-unânime, resultante de ação penal originária ajuizada perante os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados (Lei n. 8.658/1993), eis que os embargos infringentes somente são oponíveis a acórdão proferido em sede de apelação ou de recurso em sentido estrito. Precedentes: RCs n. 71.949 e 71.951, ReI. Ministro Ilmar Galvão.
Prefeito municipal. Subsunção ao conceito penal de funcionário público. Reconhecimento da prática do crime de peculato. Extensão desse conceito ao exercente de cargo em comissão.
- A noção conceitual de funcionário público, para efeitos jurídico-penais, reveste-se, em nosso sistema normativo, de conteúdo abrangente (CP, art. 327), estendendo-se, inclusive, aos comportamen
tos definidos em legislação penal extravagante.
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o prefeito municipal, que se qualifica como agente político, é considerado funcionário público para efeitos penais. Precedente: RTJ
113/560.
- O agente público que exerce cargo em comissão também
subsume-se ao conceito penal de funcionário público e expõe-se, em face dessa particular condição funcional, à causa especial de aumento de pena a que se refere o art. 327, § 211
, do Código Penal. Recursos excepcionais. Ausência de efeito suspensivo. Possibili
dade de imediata privação da liberdade.
- O direito de recorrer em liberdade não se estende ao recurso especial e ao recurso extraordinário, eis que essas modalidades excepcionais de impugnação recursal não se revestem de eficácia suspensiva.
Precedentes do STF.
Ex-prefeito municipal. Pretendido reconhecimento do direito à
prisão especial (CPP, art. 295, II). Inadmissibilidade.
- O prefeito municipal, que se acha no efetivo exercício de seu mandato executivo, tem direito público subjetivo ao regime de prisão especial, quando eventualmente sujeito, durante aquele período, a re
colhimento prisional que venha a ser decretado antes da consumação do trânsito em julgado da condenação penal (CPP, art. 295, II).
Essa prerrogativa legal não se estende a quem já exerceu o mandato de Chefe do Poder Executivo local, eis que a legislação processual penal supõe, para efeito de sua incidência, a existência de necessária relação de contemporaneidade entre a data da efetivação da pri
são e o desempenho - que deve ser atual - do cargo de prefeito municipal.
A prerrogativa da prisão especial é outorgada ratione numeris
aos prefeitos municipais, o que torna inviável, por efeito conseqüencial, a extensão desse benefício extraordinário a quem já não mais se
acha in offido.
Regime penal semi-aberto. Inexistência de IPA e de casa do albergado na Comarca. Inadmissibilidade da prisão domiciliar.
- A excepcionalidade da prisão em regime domiciliar - ante o caráter taxativo das hipóteses legais que podem justificá-la - desautoriza a outorga desse especial benefício, sempre que não se verificarem os pressupostos exigidos pelo legislador como indispensáveis a sua concessão.
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464 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Advogado. Condenação penal recorrível. Direito à prisão especial. Prerrogativa de ordem profissional (Lei n. 8.906/1994).
- O advogado tem o insuprimível direito, uma vez efetivada a sua prisão, e até o trânsito em julgado da decisão penal condenatória, de ser recolhido à sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas (Lei n. 8.906/1994, art. 7 i2
, V). Trata-se de prerrogativa de ordem profissional que não pode deixar de ser respeitada, muito embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal. Doutrina e jurisprudência.
O recolhimento do advogado à prisão especial constitui direito público subjetivo outorgado a esse profissional do Direito pelo ordenamento positivo brasileiro, não cabendo opor-lhe quaisquer embaraços, desde que a decisão penal condenatória ainda não se tenha qualificado pela nota da irrecorribilidade.
A inexistência, na comarca, de estabelecimento adequado ao recolhimento prisional do advogado, antes de consumado o trânsito em julgado da condenação penal, confere-lhe o direito de beneficiar-se do regime de prisão domiciliar." (HC n. 72.465-SP, Primeira Turma, ReI. Min. Celso de Mello, DJU de 24.11.1995).
"Habeas corpus. Mandado de prisão. Condenação mantida em 21l. instância. Trânsito em julgado. Fixação da pena. Ausência de ilegalidade.
I - Contra decisão condenatória mantida em 2-'1. grau, cabe recurso extraordinário, que não tem efeito suspensivo. Possibilidade de dar cumprimento a mandado de prisão. Inocorrência de afronta ao artigo 5i2
, LVII, da Constituição Federal.
II - O Tribunal de origem aumentou a pena originalmente imposta. A nova dosimetria, por seu turno, fez-se à conta de suficiente motivação. Ausência de constrangimento ilegal.
Ordem denegada." (HC n. 71.443-RJ, Segunda Turma, ReI. Min. Francisco Rezek, DJU de 18.6.1996).
"Embargos infringentes criminais: descabimento da decisão condenatória não-unânime, nos processos de competência originária
dos Tribunais, salvo no Supremo Tribunal Federal: inexistência, no ordenamento brasileiro, da garantia do duplo grau de jurisdição, a qual,
de resto, não satisfaria a admissão de embargos infringentes, que não
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 465
são recurso ordinário: conseqüente legitimação da imediata prisão do condenado, independentemente de sua necessidade cautelar e não obstante o cabimento em tese de recursos extraordinários, sem efeito suspensivo (ressalva no ponto do relator)." (HC n. 71. 124-RJ, Primeira Turma, ReI. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 23.9.1994).
"Julgamento de prefeito municipal. Efeito imediato da competência originária conferida pelo art. 29, VIII, da Constituição de 1988, ao Tribunal de Justiça, perante o qual veio a ser regularizada a posição processual do Ministério Público.
A possibilidade da interposição de recurso sem efeito suspensivo (especial ou extraordinário) não impede a expedição de mandado de prisão.
Pedido deferido, em parte, para que, mantida a condenação, outro acórdão seja prolatado, com fundamentação suficiente à fixação da pena, recolhido, por esse motivo, o mandado de prisão." (HC n. 69.605-RJ, Primeira Turma, ReI. Min. Octavio Gallotti, DJU de 4.12.1992).
E também nesta Corte:
"Processual Penal. Habeas corpus (Emenda Constitucional n. 22/ 1999). Peculato e quadrilha. Competência originária. Fiança.
I - A soma das penas mínimas, quando superior a dois anos de reclusão, impede a concessão de fiança (Súmula n. 81-STJ).
II - Das decisões condenatórias, em sede do feito de competência originária, só cabem recursos de índole extraordinária, em regra, sem efeito suspensivo (art. 27, § 211, da Lei n. 8.038/1990).
Writ indeferido." (HC n. 8.824-RJ, Quinta Turma, DJU de 16.8.1999).
"Processual Penal. Habeas corpus (Emenda Constitucional n. 22/ 1999). Peculato e quadrilha. Competência originária. Fiança.
I - A soma das penas mínimas, quando superior a dois anos de reclusão, impede a concessão da fiança (Súmula n. 81-STJ).
II - Das decisões condenatórias, em sede de feito de competência originária, só cabem recursos de índole extraordinária, em regra, sem efeito suspensivo (art. 27, § 211, da Lei n. 8.038/1990).
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
466 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Writ indeferido." (HC n. 8.871-RJ, Quinta Turma, DJU de
16.8.1999).
Frise-se ainda que, ao contrário do que quer fazer crer o Impetrante,
a execução da pena na pendência de recursos de índole extraordinária não
fere o princípio da presunção de inocência, tal como vem decidindo,
reiteradamente, esta Corte:
"Agravo regimental. Habeas corpus. Decisão indeferitória de
medida liminar. Recurso especial. Efeito suspensivo. Impossibilidade.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no
sentido de que o recurso especial não tem efeito suspensivo, não cons
tituindo qualquer violação ao princípio da presunção de inocência o
mandado de prisão expedido contra o paciente.
2. Em inexistindo o alegado fumus boni iuris, indefere-se o pe
dido de medida liminar.
3. 'É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar es
pecificamente os fundamentos da decisão agravada.' (Súmula n. 182-STD.
5. Agravo regimental improvido." (AgRg no RHC n. 12.984-MG,
Sexta Turma, ReI. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 18.9.2000).
"Habeas corpus. Recurso especial. Efeito suspensivo. Impossi
bilidade. Princípio da isonomia. Violação. Inocorrência.
- É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no
sentido de que, não tendo o recurso especial efeito suspensivo, a sua
interposição não inibe a expedição de mandado de prisão decorrente
da preservação de condenação em grau de apelação, não havendo fa
lar, em casos tais, em violação qualquer ao princípio constitucional da
presunção de inocência.
- Ordem denegada." (HC n. 11.026-RJ, Sexta Turma, ReI. Min.
Hamilton Carvalhido, DJU de 22.5.2000).
"Penal. Processual. Condenação não transitada em julgado.
Execução. Princípio da presunção da inocência. Habeas corpus.
Recurso.
1. Não fere o princípio da presunção da inocência a determinação
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 467
de que o sentenciado se recolha à prisão para aguardar o julgamento de recursos que, em regra, são desprovidos de efeito suspensivo.
2. Recurso não provido." (HC n. 1 0.313-SP, Quinta Turma, ReI.
Min. Edson Vidigal, DJU de 13.12.1999).
Portanto, casso a liminar concedida e voto pelo indeferimento do writ.
Relator:
Impetrante:
Advogado:
Impetrada:
Paciente:
HABEAS CORPUS N. 14.754 - RS (Registro n. 2000.0113915-0)
Ministro Edson Vidigal
Cari Neri Borges
Luiz Carlos Lopes Madeira
Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Valnei Bolfoni
EMENTA: Processual Penal - Trancamento da ação penal - Falsidade ideológica e peculato - Engenheiro responsável pela fiscalização da obra - Pagamento por serviços não realizados - Falta de justa causa.
1. Não demonstrada, de forma patente, insofismável, a inocência do acusado nos contratos irregulares detectados, é temerária a determinação para o trancamento da ação penal.
2. Habeas corpus conhecido; pedido indeferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília-DF, 2 de agosto de 2001 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 14, (ISO): 449-516, fevereiro 2002.
468 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Edson Vidigal, Relator.
Publicado no DI de 3.9.2001.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Edson Vidigal: Em virtude de irregularidades detectadas na realização de uma barragem de acumulação de água no Arroio Celulose, em Gramado-RS, seis pessoas supostamente envolvidas em transações ilegais foram denunciadas por suposta prática de falsidade ideológica e peculato, dentre elas o engenheiro da Corsan - Companhia Riograndense de Saneamento, Valnei Bolfoni.
Sob a alegação de ausência de justa causa, já que os fatos a ele imputados ocorreram antes da fiscalização da obra ter ficado sob sua responsabilidade, bem como por não existir qualquer assinatura de sua parte nos documentos questionados, Valnei teve impetrado habeas corpus em seu favor, pugnando pelo trancamento da ação, por ausência de justa causa.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou o pedido, restan
do o acórdão ementa do nos seguintes termos:
"Trancamento da ação penal. Fato grave. Falsidade ideológica e
peculato.
Para o trancamento da ação penal, não pode restar qualquer rudimento de dúvida quanto à existência do fato ou da autoria, notadamente quando se trata de fato grave, apontado como falsidade ideológica e peculato. Breve discrepância entre datas e ausência de assinatura em documento, são insuficientes para afastar-se, antes da produção de qualquer prova, a responsabilidade de engenheiro, apontado na denúncia como responsável pela fiscalização de obra não realizada, ponto central do fato delituoso. Segurança negada por maioria."
Neste novo habeas corpus, substitutivo do recurso ordinário próprio, sustenta o Advogado-impetrante tratar-se a denúncia de mera
elucubração mental do dominus litis. Isso porque os dois contratos ques
tionados, cuja responsabilidade pela fiscalização a Valnei é imputada, teriam
sido realizados antes da assinatura do contrato realizado entre o Município
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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 469
e a Corsan, sendo que em ambos não consta qualquer assinatura do acusado. Daí afirmar a inexistência de justa causa e justificar a instauração da ação penal.
As informações foram devidamente prestadas pela autoridade apontada como coatora (fls. 91/92), que também apresentou os documentos de fls. 93/103.
Manifesta-se o Ministério Público Federal pelo deferimento do pedido (fls. 105/111).
Relatei.
VOTO
O Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Sr. Presidente, os fatos são datados de 1985.
Segundo o Advogado-impetrante, em 14 de novembro daquele ano, o Município de Gramado assinou um contrato com a Corsan - Companhia Riograndense de Saneamento, para a realização de uma barragem no Arroio Celulose. Ao primeiro, caberia a construção e à segunda a fiscalização e pagamento da obra.
Desde setembro já existia um contrato firmado pelo Município e a empresa SMA Engenharia, a quem caberia a efetiva execução do projeto.
Todavia, o que se verificou é que vários pagamentos foram efetivados pela Corsan, sem que os serviços descriminados tivessem sido realizados.
Por isso, seis pessoas supostamente envolvidas nos fatos foram denunciadas pelos crimes de falsidade ideológica e peculato (CP, arts. 299 e 312, § 1.Q.).
Valnei Bolfoni, ora paciente, na qualidade de engenheiro responsável pela fiscalização da obra, foi denunciado em virtude de dois' contratos apontados pelo membro do Ministério Público como ilegais.
Eis a parte pertinente, relativa a sua acusação, na denúncia (fls. 19/21):
"Em 8 de novembro de 1985, emitida a Fatura n. 1/1985-PPR pelo Município de Gramado, referente a serviços executados na obra da Barragem do Arroio Celulose, conforme Folha de Medição de número 1/1985, da Tomada de Preços n. 2/1985, no valor de Cr$ 628.611.219, assinada pelo Prefeito Municipal, sendo o valor pago em 11 de novembro de 1985.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
470 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o acusado Alemir, Secretário de Obras e Viação do Município de Gramado, nomeado em 3 de fevereiro de 1983, ao, prevalecendo-se do cargo, inserir, na referida folha de medição, valores representativos de obra realizada quando a obra não ocorrera, o fez ciente de estar con
correndo para que ditas importâncias resultassem em poder do acusado
Eduardo Antônio e de Jayme Parera Sá.
O contrato entre o Município de Gramado e a Corsan foi assi
nado em 14 de novembro de 1985, sendo em 8 de novembro do mes
mo ano assinada a procuração autorizando a empresa SMA Engenha
ria Ltda a receber, junto à Corsan, os valores representativos aos pa
gamentos decorrentes do Contrato n. 79/1985-Suclic.
O acusado Valnei, engenheiro responsável pela fiscalização das obra da barragem, por parte da Corsan, ciente da falsidade contida na
folha de medição e concorde com o destino do dinheiro, visou e libe
rou a fatura.
( ... ) Em 8 de novembro de 1985, emitida a Fatura n. 1I1985-PPR
pelo Município de Gramado, relativo ao reajustamento da Fatura n. 11
1985-PPR, emitida esta para pagamento de serviços não executados na
obra da Barragem do Arroio Celulose, no valor de Cr$ 871.387.157,
assinada pelo Prefeito Municipal.
Referida fatura, reajustando valores da anterior, emitida esta com
base em folha de medição de serviços não realizados, foi conferida
pelo acusado Valnei, encarregado da fiscalização, ciente, da falsidade
existente e concorde com o destino do dinheiro."
O Advogado-impetrante sustenta ausência de justa causa para a
persecução criminal, já que esses dois contratos, datados de 8.11.1985, fo
ram firmados antes da assinatura do contrato do Município de Gramado
com a Corsan, que se deu somente em 14.11.1985; bem como pelo fato de
não existir qualquer assinatura do Engenheiro-paciente nos documentos
questionados.
Para afastar a tese defensiva, o Tribunal a quo apresentou a seguinte
argumentação:
"O que me conduz a votar pela negação da ordem, é a exigüidade
de elementos indicativos da exclusão do Paciente.
Segundo a denúncia, o Paciente teria visado e liberado a fatura,
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 471
o que não significa, necessariamente, que a tivesse assinado. É muito difícil aceitar que pagamentos vultosos fossem sendo feitos e que uma obra de alto significado para o Município de Gramado não estivesse sendo realizada, como rezava o contrato, e que o engenheiro responsável pela fiscalização das obras da barragem, incumbência do Paciente, não tomasse conhecimento.
As razões em que se esteia o Paciente, são extremamente débeis, para eximi-lo, de pronto, de qualquer responsabilidade. Apega-se ao fato de que, na fatura de fls. 34/35, não consta sua assinatura e que, portanto, não teria participado dos fatos.
O eminente Procurador de Justiça disse que o habeas corpus é instrumento extremamente poderoso, com o que é forçoso concordar-se. Trancada a ação penal contra o Paciente, como propõe o eminente Relator, implica em afastá-lo de qualquer responsabilidade. É de lembrar-se, no entanto, da situação dos demais acusados. O Paciente estaria vinculado ao fato, de modo diferente dos demais? Penso que não, eis que o Paciente era o engenheiro responsável pela fiscalização das obras da barragem e o fazia como representante da Corsan. O fato de não ter assinado a fatura é muito pouco, comparado às demais circunstâncias descritas na denúncia. Agora, se a vinculação do Paciente com o fato, está no mesmo grau de vinculação dos demais acusados, a ordem deve ser estendida a todos, sob pena de flagrante injustiça contra os demais.
É possível que o Paciente resulte, ao fim da instrução, inteiramente absolvido da imputação que lhe é feita. Todavia, livrá-lo prema
turamente da sujeição ao processo, pode significar equívoco em prejuízo da sociedade, de difícil reparação. A Câmara tem entendido que
é necessário certeza absoluta da inexistência do fato ou da autoria, para o não-recebimento da denúncia, julgando-se em favor da sociedade, sempre que um breve rendimento de culpa restar contra o acusado.
A discrepância quanto a datas, isto é, a fatura foi emitida seis dias antes do contrato, também pouco significa, pois se falsidade houve, não é difícil aceitar a hipótese de que seus agentes tenham alterado a ver
dadeira data do contrato ou da fatura."
Consigno assistir razão ao Tribunal Estadual.
Como se sabe, ante o caráter sumário do rito desta ação constitucional, só é possível o trancamento da ação penal via habeas corpus, quando
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472 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a questão fático-probatória for totalmente clara e convergente, de forma a
indicar, sem margem de dúvida, a inocência do acusado. Situação essa que
não se verifica in casu.
Em que pese a plausabilidade dos argumentos trazidos pelo Advoga
do-impetrante, o caso não se apresenta translúcido o bastante a demonstrar a efetiva ausência de justa causa para a ação penal.
Segundo a acusação, nas faturas questionadas foram inseridos valores
relativos a obras que não foram realizadas, daí levantar a Corte Estadual a
possibilidade das datas também terem sido alteradas.
E se o contrato do Município com a Corsan deu-se apenas em
14.11.1985, por que a Autarquia teria pago quantias significativas por obras
realizadas na barragem em período anterior?
Quanto à ausência de assinatura do Paciente nos referidos documen
tos, cumpre observar que o membro do Ministério Público o denunciou em
face da sua condição de engenheiro responsável pela fiscalização da obra,
ou seja, tão-somente pelo cargo que ocupava é de se concluir, a princípio,
que teria efetivo conhecimento dos altos valores que estavam sendo pagos
pela Corsan, apesar dos serviços não estarem sendo executados na obra.
Assim, diante da situação aqui apresentada, creio não ser prudente, neste momento, o trancamento da ação penal, já que não se mostra patente
a inocência do acusado, cabendo à defesa apresentar suas alegações na de
vida instrução criminal.
A propósito, cito o seguinte precedente, do qual fui relator:
"Penal. Processual. Ministério Público Estadual. Legitimidade.
Negativa de autoria. Trancamento da ação penal. Habeas corpus. Re
curso.
1. O Ministério Público Estadual é parte legítima para impetrar
habeas corpus.
2. Evidente a inocência do paciente, é de se trancar a ação penal
por falta de justa causa.
3. Recurso conhecido e provido" eRRC n. 4.620-RS, DJ de
19.6.1995).
No mesmo sentido, Ministros Gilson Dipp e Jorge Scartezzini, res
pectivamente:
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 473
"HC. USO de entorpecente. Trancamento de ação penal. Ausência de justa causa não evidenciada de plano. Impropriedade do writ. Pe
quena quantidade. Tipicidade. Ordem denegada.
I - ( ... )
n - A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se atipicidade do fato, à ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade.
In - ( ... )" (HC n. 10.871-MG, DJ de 17.4.2000).
"RHC. Ação penal. Trancamento. Ausência de justa causa. Inocorrência.
- Sendo o fato considerado criminoso e havendo indícios de autoria, não há como cogitar ausência de justa causa. O writ só é meio idôneo para trancar ação penal quando o fato não é típico ou quando a inocência do acusado é patente.
- Recurso desprovido." (RRC n. 9.290-SP, DJ de 15.2.2000).
Pelo que conheço do habeas corpus, mais indefiro o pedido.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 15.385 - MG (Registro n. 2000.0142503-0)
Relator: Ministro Felix Fischer
Impetrante: Djalma Terra Araújo
Impetradas: Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e Juíza de Direito da lll. Vara Criminal de Divinópolis-MG
Paciente: Joaquim Augusto Justino
EMENTA: Penal e Processual Penal - Habeas corpus - incidente de insanidade mental - Instauração - Nulidade - Cerceamento
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
474 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de defesa - Testemunha - Ratificação do depoimento prestado no in
quérito - Atentado violento ao pudor - Violência ficta - Não-equi
paração ao crime hediondo - Regime inicial.
I - O pedido de instauração de incidente de insanidade men
tal, se formulado apenas após o julgamento de recurso pelo Tribu
nal, deve ser feito pela via da revisão criminal, e não diretamente
ao juízo de ll!. instância, que, ao indeferi-lo, não submeteu o conde
nado a constrangimento ilegal.
H - A eventual nulidade verificada na oitiva das testemunhas, mediante a simples leitura do depoimento prestado na fase de inquérito, indagando-se, em seguida, pela confirmação da versão inicial dos fatos, é relativa. Se o defensor do réu, presente na audiência, nada reperguntou, nem levantou qualquer objeção, não há como reconhecer qualquer vício (precedentes).
IH - A violência ficta, tanto no atentado violento ao pudor como no estupro, não está arrolada no art. 1º- da Lei n. 8.072/1990. (Prece
dentes do STJ).
IV - Na determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, deve-se considerar, além da quantidade de pena aplicada (§ 2º-- do art. 33 do CP), também as condições pessoais do réu (§ 3º-- do art. 33 c.c. art. 59 do CP).
V - Incompatibilidade da fixação do regime inicial fechado se
a quantidade da pena imposta permite seja estabelecido o semi-aberto e as circunstâncias judiciais, na determinação da pena-base, foram consideradas na r. sentença condenatória como favoráveis ao réu (precedentes).
Writ parcialmente deferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribu
nal de Justiça, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem, de ofício,
para que se aplique ao réu-condenado a mudança de regime inicial para
semi-aberto, afastada a incidência da Lei n. 8.072/1990. Os Srs. Ministros
Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Edson Vidigal e José Arnaldo da Fonseca
votaram com o Sr. Ministro-Relator.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
Brasília-DF, 22 de maio de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 13.8.2001.
RELATÓRIO
475
O Sr. Ministro Felix Fischer: Cuida-se de habeas corpus impetrado contra v. acórdão da colenda Segunda Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado:
"Habeas corpus. Paciente que, condenado a cumprir pena de 6 (seis) anos de reclusão pelo crime de atentado violento ao pudor, suscita nulidade do processo por violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Questão que refoge à competência do Tribunal de Justiça, ante a confirmação da condenação em grau de recurso. Afirmação da necessidade de instrução de incidente de insanidade mental, cujo pedido foi indeferido. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada." (fi. 195).
Insurge-se o Impetrante contra alegado constrangimento ilegal praticado contra o Paciente no processo em que restou condenado ao cumprimento da pena de seis anos de reclusão, pela prática do delito previsto no art. 214 c.c. o art. 224, alínea a, ambos do CP. Aponta-se violação ao princípio do contraditório praticada no curso da instrução, porquanto não foram feitas perguntas às testemunhas sobre os fatos, mas apenas se elas confirmavam o que havia sido dito na fase inquisitorial. Afirma também que foi indeferido indevidamente o pedido de instauração de incidente de insanidade mental do acusado.
A liminar foi indeferida à fi. 205.
Às fis. 212 e 216 foram juntadas as informações necessárias.
A douta Subprocuradoria Geral da República manifestou-se pelo conhecimento parcial e denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): A primeira questão a ser
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
476 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
examinada no writ diz respeito ao incidente de insanidade mental. O Impetrante sustenta a necessidade de instaurá-lo, apontando elementos que indicam haver dúvida sobre a integridade mental do Réu.
Em 1 Q. grau, o Juízo da 1ll. Vara Criminal de Divinópolis-MG indeferiu o pedido de instauração do incidente em face da ausência de elementos justificadores (fl. 193/v.), decisão essa confirmada pelo egrégio Tribunal a quo no julgamento de habeas corpus (fl. 218).
Não obstante as razões apresentadas pelo Impetrante, não há como consurar o v. acórdão atacado. Com efeito, o pedido de instauração do incidente de insanidade mental do Réu não foi apresentado durante o processo, mas apenas após o seu encerramento (fls. 171 e ss.). Nessas circunstâncias, o indeferimento do pedido pelo Juízo de 1 Q. grau se mostra correto, na medida em que não poderia anular o processo, pois já nem tinha poderes para tanto, uma vez que o caso havia subido à instância ad quem para análise de recurso da defesa.
Destarte, conclui-se que o requerimento deveria ser formulado em sede de revisão criminal (art. 621, CPP), considerando-se o momento em que foi apresentado, após o julgamento do recurso pelo Tribunal. Muito embora não haja, de fato, momento determinado para se instaurar o incidente de insanidade mental, não cabe após o encerramento da fase instrutória, conforme observa Júlio Fabbrini Mirabete (Código de Processo Penal Interpretado, Atlas, 7ll. edição, 2000, p. 386): "Não cabe (o incidente), porém, durante a fase recursal, quando inexistiam nos autos da ação indícios de que o acusado padecesse de moléstia mental". Por outro lado, caso se entenda que a insanidade mental é superveniente, deve-se observar o disposto no art. 154 do CPP e no art. 41 do CP.
Nesse sentido, aliás, há precedente desta Corte:
"Penal. Habeas corpus. Incidente de insanidade mental. Instauração inoportuna. Indeferimento.
- Solicitada a instauração do incidente de insanidade mental quando já exaurida a função jurisdicional do Tribunal a quo, não constitui constrangimento a sua recusa.
- Habeas corpus denegado." (HC n. 4.628-SP, Sexta Turma, ReI.
Min. William Patterson, DJU de 26.8.1996).
No que tange à alegada nulidade por ofensa ao contraditório e cerceamento de defesa do Réu, a impetração não deve prosperar. O fato do juiz,
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 477
na audiência de oitiva de testemunhas, fazer a leitura do depoimento pres
tado na fase de inquérito, indagando em seguida se o depoente confirmava aquela versão, constitui nulidade relativa, cujo reconhecimento demanda a
comprovação do prejuízo para a parte, bem como a necessidade de ser alegada na primeira oportunidade. No caso em tela, nem um nem o outro requisito está preenchido.
Nos termos de depoimento das testemunhas da acusação (fls. 47, 48 e 50), consta apenas a afirmação de que as depoentes confirmaram os depoi
mentos anteriormente prestados. No entanto, o ilustre advogado do Réu, presente à audiência, nada reperguntou, nem apresentou qualquer objeção.
Nessas condições, não há como se reconhecer a alegada nulidade, tendo em vista que, por ser relativa, deveria ter sido levantada de imediato. Nesse sentido há precedentes do colendo Supremo Tribunal Federal:
"Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Exame de insanidade mental. Desmembramento do processo. Inocorrência de nulidade. Cerceamento de defesa. Ausência de defesa. Questões levantadas pela defesa: análise pelo tribunal.
I - Tendo o paciente alegado, durante o interrogatório, que era
portador de doença mental, o Juiz determinou a realização do exame pericial e o desmembramento do processo, com base no art. 80 do
CPP, em face de existência de co-réus com prisão decretada.
U - Não demonstrado prejuízo para a defesa, por terem as testemunhas apenas ratificado os depoimentos prestados na fase do inqué
rito policial, mesmo porque o defensor do Paciente poderia ter inquirido essas testemunhas.
lU - Não há falar em ausência de defesa, se o defensor do pa
ciente apresentou defesa e alegações finais, impetrou três ordens de habeas corpus perante o Tribunal de Justiça e, após a sentença condenatória, o advogado constituído pelo paciente apelou e fez sus
tentação oral por ocasião do julgamento do recurso.
IV - As questões levantadas pela defesa na apelação criminal foram devidamente analisadas pelo acórdão impugnado.
V - HC indeferido." (HC n. 74.459-RJ, Segunda Turma, ReI. Min. Carlos Velloso, DJU de 28.2.1997).
"Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Decisão de 2'" instância.
RST], Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
478 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Intimação do advogado. Publicação pela imprensa. CPP, art. 370, § 12, com a redação da Lei n. 9.271, de 17.4.1996. Testemunha: inquirição
pelo juiz. Leitura e ratificação dos depoimentos prestados na fase do
inquérito policial. Nulidade relativa.
I - Tratando-se de advogado constituído, a intimação do acórdão
far-se-á por publicação no órgão oficial ou no órgão da imprensa in
cumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca. CPP, art. 370, § p., com a redação da Lei n. 9.271, de 17.4.1996.
II - A simples leitura do depoimento prestado na fase do inqué
rito policial e a sua mera ratificação pela testemunha não é recomen
dável. No caso, entretanto, o defensor do paciente não apresentou ob
jeção, nem formulou qualquer pergunta à testemunha, conforme lhe
facultava o art. 211 do CPP, além de nada ter argüido a esse respeito nas alegações finais. Por se tratar de nulidade relativa, ficou sanada,
por não ter sido suscitada em tempo oportuno.
III - HC indeferido." (HC n. 75.652-MG, Segunda Turma, ReI.
Min. CarlosVelloso, DJU de 19.12.1997).
Nesta Corte também há precedente seguindo essa linha:
"Penal. Processual. Flagrante preparado. Não-ocorrência. Oitiva
da testemunha de acusação. Nulidade. Leitura integral pelo juiz do
depoimento prestado na delegacia. Possibilidade.
1. A simples situação de vigilância por policiais no local dos crimes, para verificar a veracidade das suspeitas sobre o acusado quanto
à morte de diversos pacientes, não implica o reconhecimento do flagrante preparado.
2. O CPP, art. 204, considera nulo apenas o depoimento presta
do por testemunha, com consulta a escritos ou adendos, nada se refe
rindo quanto à possibilidade de o juiz ler integralmente o depoimen
to prestado pela mesma no inquérito, para depois indagá-la se confirma
ou não.
3. Habeas corpus conhecido como substitutivo de recurso ordi
nário: ordem indeferida." (HC n. 10.385-RJ, Quinta Turma, ReI. Min.
Edson Vidigal, DJU de 3.11.1999).
Finalmente, cumpre analisar, de ofício, a pena aplicada ao Réu, bem
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 479
como o regime de cumprimento, mesmo não tendo sido esses pontos abordados na impetração.
O Réu foi condenado ao cumprimento da pena de seis anos de reclusão, pela prática do crime descrito no art. 214 c.c. o art. 224, alínea a, ambos do CP, a serem cumpridos no regime fechado, nos termos da Lei n. 8.072/1990. O quantum, como visto, foi estabelecido no mínimo legal, deixando-se até de aplicar a atenuante prevista no art. 65, I, em face da impossibilidade de se reduzir a pena abaixo do patamar mínimo (Súmula n.231-STJ).
Ocorre que, de acordo com o entendimento desta Turma (RCs n. 11.107 -SP e 9. 642-MS), o atentado violento ao pudor com violência presumida não é considerado crime hediondo. Realmente, o atentado ficto deixou de ser indicado no art. p. da referida lex specialis.
Vale destacar, outrossim, precedentes desta Turma relativos à matéria:
"Execução penal. Habeas corpus. Atentado violento ao pudor. Violência presumida.
Como os casos de violência ficta não estão arrolados no art. 1.2 da Lei n. 8.072/1990, a eles não se aplica a restrição do art. 2.2, § lll, da mesma lei." (RC n. 10.693-SP/STJ, Quinta Turma, DJU de 14.2.2000).
"Penal. Estupro presumido. Presunção, dolo e consentimento. Art. 224, alínea a, do Código Penal. Majorante do art. 226, inciso lU, do Código Penal.
I - A presunção de violência, prevista no art. 224, alínea a, do Código Penal, exige que o dolo, direto ou eventual, considere o elemento referente à idade da vítima, não podendo ser, assim, admitida a responsabilidade objetiva.
U - No estupro ficto, a norma impõe um dever geral de abstenção da prática de conjunção carnal com as jovens que não sejam maiores de 14 anos.
UI - O consentimento da vítima, no caso, não tem relevância jurídico-penal (precedentes do STF e STJ).
IV - O estupro ficto não é crime hediondo, visto que não arrolado no art. 1.2 da Lei n. 8.072/1990. Inaplicável ao referido delito, a restrição insculpida no art. 2.2, § 1.2, da lex specialis. (Precedente aplicável do Pretória Excelso).
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
480 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recurso conhecido e parcialmente provido." (REsp n. 192.346-
DF/STJ, Quinta Turma, DJU de 13.9.1999).
"Penal. Habeas corpus (Emenda Constitucional n. 22/1999).
Crimes contra os costumes. Violência presumida. Art. 2'\ § 1'\ da Lei n. 8.072/1990.
A violência ficta, tanto no atentado violento ao pudor como no estupro, não está arrolada no art. 1 Q. da Lei n. 8.072/1990, razão pela qual, aí, não incide a restrição do § 1 Q. do art. 2Q. da mesma lex (pre
cedentes do STF e do STJ).
Writ concedido." (HC n. 9.608-SP/STJ, Quinta Turma, DJU de 11.10.1999).
o art. 33 do CP determina que o regime inicial do cumprimento da pena deve ser estabelecido diante da quantidade da pena (§ 2.Q) e das diretrizes do art. 59 do CP (§ 3.Q).
Portanto, consoante o primeiro requisito, o Réu pode iniciar a pena no
regime semi-aberto, porquanto não é reincidente e foi condenado à pena
inferior a 8 e superior a 4 anos de reclusão. Por outro lado, é preciso aten
tar para o fato de que a pena-base foi fixada no mínimo legal porque as diretrizes do art. 59 do CP eram favoráveis ao Réu. Se assim foram consideradas na fixação da pena-base, e afastada a hediondez do crime, não há ra
zão para não favorecê-lo também no regime inicial.
Nesse sentido, apresentam-se as decisões desta Corte:
"Recurso em habeas corpus. Regime carcerário fechado. Início.
Necessidade de motivação, se o crime não é legalmente apostrofado
com a qualificação de hediondo.
Não se tratando de crimes hediondos, a sentença condenatória que
fixa, para cumprimento inicial da reprimenda, regime prisional mais severo do que aquele que o condenado teria, em tese, direito, exige
fundamentação adequada, sob pena de nulidade.
A gravidade do delito, por si só, não pode servir de justificativa
para a imposição de regime mais grave.
Recurso conhecido em parte e, nessa parte, provido." (STJ, RHC
n. 9.467-SP, Quinta Turma, ReI. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 20.3.2000) .
RSTJ, Brasília, a. 14, (ISO): 449-516. fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 481
"Penal. Roubo qualificado. Primariedade e bons antecedentes. Pena-base fixada no mínimo. Art. 59, lI, do CP. Regime fechado. Negativa de vigência ao art. 33, § 3Q
, do CP. Recurso especial.
Se as condições concretas da prática do delito e dos antecedentes do réu - primariedade e bons antecedentes - foram determinantes para a fixação da pena-base no patamar mínimo, também devem sê-lo para o estabelecimento do regime prisional.
Incompatível o regime fechado com delito para o qual tenha sido
fixada pena-base no mínimo previsto pela lei.
Recurso conhecido e provido." (REsp n. 55.057-SP, ReI. Min. Anselmo Santiago, DJU de 26.5.1997).
"Processual Penal. Habeas corpus. Dosimetria. Pena-base no mínimo. Valoração de majorantes. Legalidade. Execução. Regime
prisional mais gravoso impropriamente fundamentado. Condenado não
reincidente. Direito ao regime semi-aberto. Ordem parcialmente concedida.
I - Não se reconhece ilegalidade na exasperação da reprimenda
em função da consideração de duas majorantes - concurso de agentes
e emprego de arma de fogo - eis que, tratando-se de causas especiais de aumento de pena, admite-se a dupla valoração e a exasperação em
até a metade, nos termos da previsão legal.
II - Se o condenado preenche os requisitos para o cumprimento
da pena em regime semi-aberto, tendo em vista a quantidade de pena
imposta, pois reconhecida a ausência de reincidência e maus antece
dentes na própria dosimetria da reprimenda, não cabe a imposição de
regime mais gravoso com fundamento exclusivo na gravidade do de
lito praticado.
III - Tratando-se de nulidade prontamente verificada, deve ser
permitido o devido saneamento via habeas corpus.
IV - Ordem parcialmente concedida para fixar o regime semi
-aberto para O cumprimento da pena imposta ao paciente." (HC n.
10.115-SP, Quinta Turma, ReI. Min. Gilson Dipp, DJU de 22.11.1999).
"Penal e Processual Penal. Habeas corpus. Roubo. Concurso de majorantes. Fixação do quantum do aumento da pena-base. Fundamentação. Regime inicial.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
482 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- Não há ilegalidade, por falta de fundamentação, se o acórdão
increpado fixa o aumento da pena-base em três oitavos, considerando
a incidência de duas majorantes (as dos incisos I e II do § 211. do art.
157 do CP) e também a conduta do réu na execução do delito.
- Na determinação do regime inicial do cumprimento da pena
privativa de liberdade, deve-se ter em consideração, além da quanti
dade de pena aplicada (§ 211. do art. 33 do CP), também as condições
pessoais do réu (§ 311. do art. 33 c.c. art. 59 do CP).
- Incompatibilidade da fixação do regime inicial fechado se a
quantidade da pena imposta permite seja estabelecido o semi-aberto, e as circunstâncias judiciais, na determinação da pena-base, foram tidas
como favoráveis ao réu.
- Precedentes.
- Writ parcialmente concedido." (HC n. 10.042-SP, Quinta Tur-
ma, DJU de 18.10.1999).
"Penal e Processual Penal. Habeas corpus. Roubo. Regime in i-
ciaI.
I - Na determinação do regime inicial de cumprimento da pena
privativa de liberdade, deve-se ter em consideração, além da quanti
dade de pena aplicada (§ 211. do art. 33 do CP), também as condições
pessoais do réu (§ 311. do art. 33 c.c. art. 59 do CP), sendo vedado, em
regra, considerar apenas a gravidade do crime em si.
II - Incompatibilidade da fixação do regime inicial fechado se a
quantidade da pena imposta permite seja estabelecido o semi-aberto e
as circunstâncias judiciais, na determinação da pena-base, foram tidas
como favoráveis ao réu. Precedentes.
Writ concedido." (HC n. 10.299-SP, Quinta Turma, DJU de
21.2.2000) .
"Penal e Processual Penal. Habeas corpus. Roubo. Regime in i-
ciaI.
I - Na determinação do regime inicial de cumprimento da pena
privativa de liberdade, deve-se ter em consideração, além da quantida
de de pena aplicada (§ 211. do art. 33 do CP), também as condições
pessoais do réu (§ 311. do art. 33 c.c. art. 59 do CP), sendo vedado, em
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
]URISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 483
regra, considerar apenas a gravidade do crime em si e a periculosidade
do agente, sem maior fundamentação.
II - Incompatibilidade da fixação do regime inicial fechado se a
quantidade da pena imposta permite seja estabelecido o semi-aberto e
as circunstâncias judiciais, na determinação da pena-base, foram con
sideradas na r. sentença condenatória como favoráveis ao réu. Preceden
tes.
Writ concedido." (HC n. 10.935-SP, Quinta Turma, DJU de
2.5.2000).
Para, portanto, justificar-se a não-concessão do regime inicial semi
-aberto, seria necessária uma fundamentação, com base no art. 59 do Có
digo Penal, não sendo cabível a referência ao caráter hediondo do delito.
Em face do exposto, concedo parcialmente a ordem, de ofício, para
que se aplique ao Réu-condenado a mudança de regime inicial para semi
-aberto, afastada a incidência da Lei n. 8.072/1990.
É o voto.
VOTO
o Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Defiro parcialmente o writ
para que o Réu possa iniciar o cumprimento da pena em regime semi-aberto
com direito à progressão.
Relator:
Impetrante:
Impetrado:
Pacientes:
HABEAS CORPUS N. 15.925 - GO (Registro n. 2001.0012884-0)
Ministro Felix Fischer
Ney Moura Teles
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Giovane Sousa Lucarone, Jace Francisco de Sousa e
Pedro Pereira da Silva
Sustentação oral: Ney Moura Teles (pelo paciente)
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
484 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: Processual Penal - Habeas corpus - Linchamento e arrebatamento de preso - Tribunal do Júri - Desaforamento - Ausência de manifestação da defesa - Nulidade.
A manifestação da defesa é imprescindível diante do pedido de desaforamento formulado pelo Ministério Público e a sua falta compromete a ampla defesa e o próprio contraditório. (Precedentes do ST] e do Pretório Excelso).
Writ deferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, anulando o processo para que seja oportunizada a manifestação da defesa a respeito do pedido de desaforamento do Júri. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e José Arnaldo da Fonseca votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Edson Vidigal. Sustentou oralmente, o Dr. Ney Moura Teles, pelo paciente.
Brasília-DF, 7 de junho de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 13.8.2001.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Felix Fischer: Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra o v. acórdão da colenda Primeira Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que deferiu o pedido de desaforamento requerido pela acusação.
Infere-se dos autos que os Pacientes foram pronunciados como incursos nas sanções dos arts. 121, § 2ll., inciso IV, e 353, ambos do Código Penal.
A quaestio restou evidenciada às fls. 202/203, in verbis:
"Trata-se habeas corpus, impetrado por conduto do advogado Ney Moura Teles, em favor de Giovane Sousa Lucarone, Jace Fran
cisco de Sousa e Pedro Pereira da Silva, contra acórdão do Tribunal
de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado:
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 485
'Júri. Desaforamento. Dúvida acerca da imparcialidade do corpo de jurados. Influência política e econômica de pessoas da comunidade, interessadas na absolvição dos réus. Procedência. Réus acusados de promoverem o linchamento dos suspeitos de um crime que comoveu a sociedade local e cuja vítima é egressa de família abastada e influente politicamente na região.
Verificada a aprovação da comunidade com ato daqueles que patrocinaram a vingança pela morte de um membro querido e o conseqüente comprometimento do ânimo dos moradores da região, o que necessariamente influirá na imparcialidade do julgamento, autoriza-se o desaforamento, nos termos do artigo 424 do Código de Processo Penal, para a Comarca da Capital. Pedido conhecido e provido.' (fls. 156/157).
Sustenta a impetração nulidade do acórdão vergastado, que deferiu o desaforamento para a Comarca de Goiânia, considerando que os Pacientes não foram intimados para constituir novo advogado, o que importa em violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Pedem, também, a nulidade do acórdão, entendendo que as informações do Juiz da Comarca de Mineiros não confirmaram, antes rechaçaram, a alegação de parcialidade do Júri."
A liminar foi concedida à fl. 185.
As informações foram prestadas à fl. 189.
A douta Subprocuradoria Geral da República manifestou-se pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
o Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): A manifestação da defesa diante do pedido de desaforamento formulado pelo Ministério Público é imprescindível, por força do princípio do contraditório. Em relação ao Réu, há que
se destacar, aí, a inobservância da regra basilar da ampla defesa no caso da não-apresentação de sua manifestação.
In casu, diante da ausência de manifestação do advogado constituído, ainda que devidamente intimado, deveria o magistrado conceder a oportunidade aos Réus de nomear novo advogado. Persistindo a inércia, caberia, então, nomear defensor dativo.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
486 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesse sentido, a jurisprudência do Pretório Excelso, in verbis:
"1. Júri. Requerido o desaforamento pelo Ministério Público, é imperativa a audiência da defesa. Precedentes do STF: HC n. 63.807 (RTJ 131/125) e HC n. 69.054 (RTJ 139/242).
2. Necessidade da indicação dos fundamentos de exclusão das mais próximas, quando escolhida, para o julgamento, cidade mais distante do distrito da culpa. Precedente: HC n. 65.278, (RTJ 128/ 1.170)." (HC n. 75.960-RS, Primeira Turma, ReI. Min. Octavio Gallotti, DJU de 19.12.1997).
"Desaforamento. Contraditório. A defesa há de ser ouvida quanto a pedido de desaforamento formulado pelo Ministério Público." (HC n. 71.059-PB, Segunda Turma, ReI. Min. Marco Aurélio, DJU de 23.9.1994).
"Júri. Desaforamento. Ampla defesa (art. 5.\)., inciso LV, da Constituição Federal).
Nos processos de competência do Tribunal do Júri, uma vez pedido o desaforamento, pelo Ministério Público, deve ser dada oportunidade à defesa, para se manifestar a respeito, sob pena de nulidade da decisão que se proferiu.
Habeas corpus deferido para que, anulado o acórdão, que deferiu o desaforamento, a outro julgamento se proceda, depois de ouvida a defesa.
Precedentes." (HC n. 71.423-SP, Primeira Turma, ReI. Min. Sydney Sanches, DJU de 1.7.1994).
"Habeas corpus. Júri. Desaforamento. Art. 424 do CPP. Ampla defesa.
o desaforamento, que implica apenas na realização do julgamento em comarca distinta daquela do distrito da culpa, pressupõe estar o processo pronto para ser submetido ao Tribunal do Júri, sendo, por isso, prematuro seu deferimento na pendência de recurso contra a pronúncia.
A garantia constitucional da ampla defesa reclama a audiência do acusado no pedido de desaforamento.
Habeas corpus deferido." (HC n. 69.054-MT, Tribunal Pleno, ReI. Min. Célio Borja, DJU de 10.4.1992).
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 487
Esta também vem sendo a orientação adotada por esta Corte:
"Processo Penal. Habeas corpus. Desaforamento. Manifestação
da defesa. Obrigatoriedade.
1. A manifestação do réu sobre o pedido de desaforamento, for
mulado pelo Ministério Público, é conseqüência inarredável dos prin
cípios do contraditório e da ampla defesa insculpidos na Constituição
da República, sob pena de nulidade.
2. Ordem concedida." (HC n. 9.317-SE, Sexta Turma, ReI. Min.
Hamilton Carvalhido, DJU de 23.10.2000).
"Processual Penal. Habeas corpus. Pedido de desaforamento.
Deferimento. Cerceamento de defesa.
- O processo penal tem por primado o princípio do devido pro
cesso legal, cujos fundamentos repousam no contraditório e na ampla
defesa.
- Consubstancia constrangimento ilegal, passível de reparação por
habeas corpus, o deferimento do pedido de desaforamento requeri
do pelo Ministério Público, sem assegurar oportunidade para a mani
festação da defesa dos réus, por importar em cerceamento de defesa e
afronta à garantia do devido processo legal.
- Habeas corpus concedido." (HC n. 9.800-SP, Sexta Turma,
ReI. Min.Vicente Leal, DJU de 18.10.1999).
"Processual Penal. Homicídio. Júri. Desaforamento. Falta de
oitiva da defesa.
1. A falta de audiência da defesa, em pedido de desaforamento
(art. 424 do CPP), formulado pelo Ministério Público, ofende os prin
cípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes do STF.
2. Ordem concedida em parte." (HC n. 8.937-GO, Sexta Turma,
ReI. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 4.10.1999).
O processo deve, pois, ser anulado para que seja oportunizada a ma
nifestação da defesa a respeito do pedido de desaforamento do Júri.
Voto pelo deferimento do writ.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
488 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS N. 16.779 - SP (Registro n. 2001.0055336-2)
Relator: Ministro Edson Vidigal
Paulo Sérgio Santo André Impetrante:
Impetrada: Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Antônio Alécio Misiunas
Sustentação oral: Paulo Sérgio Santo André (pelo paciente)
EMENTA: Penal - Corrupção ativa - Alegação de ocorrência de concussão - Requisição de diligências pelo Ministério Público após o oferecimento da denúncia - Possibilidade - CPP, art. 47.
1. Mesmo que impulsionado, a partir do momento que o particular, buscando obter vantagem indevida, paga a funcionário público para que não realize atos legítimos do seu ofício, em detrimento da Administração Pública, resta configurado o delito de corrupção ativa.
2. Não obstante ter entendido o membro do órgão ministerial pela existência de elementos probatórios suficientes para o oferecimento da denúncia, é perfeitamente possível que requisite novas diligências para melhor instruir e facilitar o julgamento da ação penal.
3. Pedido de habeas corpus conhecido, mas indeferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Votaram com o Relator os Srs. Ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini.
Brasília-DF, 7 de agosto de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Edson Vidigal, Relator.
Publicado no DJ de 3.9.2001.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 489
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Edson Vidigal: Acusado de participação no escândalo da "Máfia dos Fiscais" de São Paulo, Antônio Alécio Misiunas, proprietário de alguns galpões no bairro de Vila Anastácio-SP, foi denunciado por suposto cometimento de corrupção ativa.
Fracassado o pedido de trancamento da ação, deduzido em habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, veio este novo writ,
como substitutivo do recurso ordinário cabível.
Sustenta o Advogado-impetrante ausência de justa causa para a persecução criminal, na medida em que não foi realizado inquérito policial exclusivo para apurar o caso e em virtude do próprio membro do Ministério Público, não obstante ter ofertado a denúncia, ter pugnado pela realização de diligências complementares para melhor elucidação dos fatos relacionados ao Paciente.
Também aponta inépcia da denúncia, por entender que a peça não narra qualquer conduta criminosa por parte de Antônio Alécio, que na realidade teria sido vítima do delito de concussão.
Informações prestadas às fls. 97/98, com documentos anexados às fls. 99/343.
Manifesta-se o ilustre Subprocurador-Geral da República Jair Brandão de Souza Meira pelo indeferimento do pedido (fls. 345/350).
Relatei.
VOTO
o Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Sr. Presidente, a denúncia narrou o fato delituoso da seguinte forma:
"( ... ) Durante o período compreendido entre 20 de maio até o final de 1998, em horário indeterminado, no interior da Administração Regional da Lapa, situada na rua Guaicurus, n. 100, cumprindo o plano criminoso arquitetado por José Izar e seus comparasas, Gilberto Trama, qualificado nos autos, administrador regional, solicitou, diretamente, para si e para outrem, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em dinheiro de Antônio Alécio Misiunas, para deixar de praticar ato de ofício, consistente em não determinar lavraturas de multas e o respectivo fechamento administrativo do imóvel situado na rua
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
490 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Martinho de Campos, 157 - Vila Anastácia, que pertence a este últi
mo.
No mesmo dia, hora e local, Antônio Alécio Misiunas, qualificado à fl. 3.556, efetuou uma contraproposta, ofereceu a quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), parcelada em três vezes, a Gilberto Trama, para que não lavrasse multas e tampouco fechasse administrativamente o imóvel já mencionado."
Sustenta o Advogado-impetrante inépcia da denúncia por não narrar fato tipificado criminalmente. Isso porque, ante a anterior exigência de pagamento de quantia pelo administrador regional, para que não fosse aplicada a multa relativa ao imóvel de Antônio Alécio, já estaria configurado o crime de concussão (CP, art. 316), que se mostra incompatível com o apon
tado delito de corrupção ativa (CP, art. 333), então imputado ao Paciente.
Em percuciente análise, a Corte Estadual afastou a tese sustentada pela
defesa, ante a alegação de que tal interpretação jurídica vem recebendo in
cisivas contestações, já que assegura a impunidade ao particular que, ade
rindo à transação ilegal, busca a obtenção de vantagem indevida.
Dada a pertinência, transcrevo parte do voto-condutor do acórdão,
cujas palavras ora subscrevo (fls. 86/87):
"( ... ) em hipótese em que as duas modalidades de corrupção (ativa e passiva) se entrelaçam, porque presente o pactum sceleris, bem se aplica a preciosa lição de Rodolfo Venditti (Enciclopédia Del Diritto, voI. P\ verbo corruzione, p.p. 761/763, Ed. Giuffre, 1962) de que o critério que procura distinguir a corrupção ativa da concussão pela iniciativa, identificando a primeira quando a oferta é do particular e a outra quando a iniciativa é do funcionário, parece vinculado à rígida interpretação da palavra corrupção, no sentido de conspurcar a integridade do funcionário e um funcionário que suportou a corrupção e cedeu. O critério, porém, não capta a essência do problema e se revela
precário, nos seus efeitos práticos. Sua insuficiência fica patente quando se considera que, com base nele, haverá sempre concussão (ou só
corrupção ativa) quando a iniciativa for do funcionário e, portanto, o
particular ficará impune, ainda que tenha voluntariamente aderido
àquela iniciativa e a adesão lhe tenha trazido vantagem.
Bem por isso a doutrina e a jurisprudência passaram a identifi
car a essência da corrupção no acordo pelo qual o funcionário vende
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 491
ao particular a função pública, afirmando hoje que a corrupção ocorre sempre que exista posição paritária entre os envolvidos, ao passo que a concussão é caracterizada por uma posição de superioridade do funcionário e uma correspondente situação de inferioridade do particular,
gerada pelo metus publiae potestatis.
Esta proposição foi desenvolvida e completada com a observação de que sempre que o funcionário oferece ao particular a perspectiva de uma vantagem indevida, estamos no campo da corrupção e não da concussão, já que esta é inconcebível sem um dano injusto, explícita ou implicitamente, ameaçado pelo funcionário, valendo-se de sua posição de superioridade e abusando de seus poderes. Quando o particular é impulsionado a retribuir ao funcionário, não pelo medo de evitar um dano injusto, mas pelo temor de que aquele exercite em seu prejuízo atos de ofício legítimos necessariamente se concretiza o delito de corrupção ativa, porque o particular longe de ser vítima dominada pelo metus publiae potestatis, torna-se sujeito ativo e age em dano da pública administração, para conseguir vantagem indevida."
Seguindo essa linha de raciocínio, a partir do momento que o Paciente, procurando beneficiar-se de forma ilícita, propôs um outro valor para que o administrador regional deixasse de realizar atos legítimos de seu ofício que iriam atingir os imóveis de Antônio Alécio, teria ele, ante tal narrativa, praticado ato tipificado criminalmente - corrupção ativa.
Logo, não há falar-se em inépcia da denúncia.
Por outro lado, reclama o Impetrante da inexistência de procedimento investigatório específico para apurar os fatos relativos ao Paciente, bem como o fato do membro do Parquet, não obstante ter oferecido a denúncia, também ter requerido a realização de diligências suplementares, com relação a Antônio Alécio, a demonstrar a ausência de elementos mínimos a viabilizar a acusação.
Como se sabe, para o oferecimento da denúncia, o inquérito policial não assume papel imprescindível, desde que o órgão ministerial tenha em mãos elementos probatórios suficientes a indicar a autoria e materialidade delitivas.
E, não obstante a convicção formada para a acusação, nada impede que o membro do Ministério Público, mesmo após o oferecimento da denúncia, requisite a realização de diligências a fim de melhor instruir e facilitar a ação penal, procedimento este perfeitamente assegurado pelo Código de Processo Penal:
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
492 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Art. 47. Se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-los."
Pelo que, conheço do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário constitucional, mas indefiro o pedido.
É o voto.
RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 11.487 - MG (Registro n. 2001.0078151-3)
Relator: Ministro Edson Vidigal
Recorrente: Denilson Silva Araújo
Advogado: Rui Caldas Pimenta
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
Paciente: Denilson Silva Araújo
EMENTA: Penal - Processual - Pena privativa de liberdade -Substituição por restritiva de direito - Lei n. 9.714/1998 - Habeas corpus.
1. O pedido de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito também depende da verificação de requisitos de caráter subjetivo, cuja análise não se faz possível no rito sumário do habeas corpus.
2. Recurso a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília-DF, 2 de agosto de 2001 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Edson Vidigal, Relator.
Publicado no DI de 3.9.2001.
RELATÓRIO
493
O Sr. Ministro Edson Vidigal: Condenado a dois anos de reclusão, no regime inicial fechado, por tentativa de estupro, Denilson Silva Araújo requereu ao Juízo das Execuções a substituição da sua pena restritiva de liberdade por outra restritiva de direitos.
Ante o indeferimento do pedido, foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, buscando a concessão do benefício.
Entendendo pela impossibilidade da análise do pleito no rito sumário do habeas corpus, negou a Corte Estadual a ordem requerida.
Daí a interposição deste recurso ordinário, onde destaca o Recorrente a viabilidade da incidência do beneficio, já que o crime não foi perpetrado com o emprego de violência, tampouco ocasionou lesões graves na vítima.
O Ministério Público Federal é pelo não-provimento do recurso (fls. 74/78).
Relatei.
VOTO
O Sr. Ministro Edson Vidigal (Relator): Sr. Presidente, ao negar a ordem de habeas corpus, assim consignou a Corte Estadual:
"A nosso modesto aviso, o habeas corpus é meio inidôneo para análise da possibilidade de substituição das penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito.
Deve o condenado buscar, através da via adequada, a satisfação do direito de que se julgar merecedor. Inconformado com qualquer decisão relativa à execução da sentença, poderá interpor o recurso específico, previsto no art. 197 da LEP, onde será possível a discussão aprofundada da matéria e da prova, com obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
A análise desta natureza não tem lugar no estreito limite do habeas corpus, como se pretende."
RST], Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
494 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não merece reparos a decisão ora recorrida.
Por certo que a Lei n. 9.714/1998 ampliou a gama das penas restritivas de direitos, estendendo seu cabimento aos crimes cuja pena privativa de
liberdade não exceda quatro anos, desde que o crime não tenha sido come
tido com violência ou grave ameaça à pessoa, nem se trate de réu reinci
dente em crime doloso. Não obstante, para a sua incidência, também exige
a lei uma séria análise de elementos subjetivos - antecedentes, culpabilidade,
conduta social e personalidade do condenado - a fim de que o Magistrado possa concluir pela provável eficiência da pena restritiva de direitos como
meio mais adequado à ressocialização do condenado.
Portanto, a lei penal condiciona a concessão do benefício ao preenchi
mento não só de requisitos objetivos como também de outros de natureza
subjetiva.
Daí ser inviável o exame do pleito nesta via constitucional, já que im
plicaria necessariamente em aprofundado e valorativo exame de elementos fático-probatórios, o que não se admite em habeas corpus.
A propósito, cito o seguinte precedente do qual fui relator:
"Penal. Processual. Pena privativa de liberdade. Substituição por
restritiva de direitos. Lei n. 9.714/1998. Habeas corpus.
1. Pedido de conversão da pena privativa de liberdade em
restritiva de direitos que depende da verificação de requisitos de ca
ráter subjetivo. Procedimento vedado em habeas corpus.
2. Habeas corpus conhecido: pedido indeferido." (DJ de
1.8.2000).
Ministro Gilson Dipp:
"Criminal. Habeas corpus. Estelionato. Dosimetria. Circuns
tâncias judiciais negativamente valoradas de forma fundamentada. Motivação suficiente para o quantum da reprimenda imposta. Pretensão de reconhecimento do tipo privilegiado. Impossibilidade. Suspensão condicional do processo. Ausência dos requisitos legais, sen
tença anterior à vigência da lei. Inaplicabilidade. Substituição de pena. Lei n. 9.714/1998. Ausência de pressuposto subjetivo. Impossibilidade de nova análise por esta Corte. Impropriedade do meio
eleito. Ordem denegada.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 495
( ... ) V - Não cabe qualquer análise mais acurada da motivação
utilizada nas instâncias inferiores, quando do exame dos pressupostos
subjetivos indispensáveis à concessão da substituição de reprimendas,
assim como a verificação de sua justiça, se não evidenciada flagrante
ilegalidade, tendo em vista a impropriedade do meio eleito, que veda
o reexame do material cognitivo.
VI - Ordem denegada." (HC n. 15.147-RJ, DJ de 25.6.2001).
Pelo que nego provimento ao recurso.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 246.549 - RS (Registro n. 2000.0007523-0)
Relator: Ministro Gilson Dipp
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Procuradores: Patrícia Helena Bonzanini e outros
Recorrido: Aldo Graciano Demarchi
Advogados: Rosimar Sulzbach e outros
EMENTA: Previdenciário - Benefício - Revisional - Art. 26 da
Lei n. 8.870/1994 - Art. 29, § 2.2., da Lei n. 8.213/1991 - Teto - Mo
mento de aplicação.
I - O art. 26 da Lei n. 8.870/1994 é norma temporária, de apli
cação restrita aos benefícios concedidos entre 5.4.1991 e 31.12.1993,
que não derrogou o teto do § 2.2. do art. 29 da Lei n. 8.213/1991. To
davia, inaplicável na espécie, porquanto concedido o benefício em
28.1.1991.
n - A adequação do salário-de-benefício ao valor-limite do sa
lário-de-contribuição deve ser realizada antes de aplicado o
percentual conducente à RMI.
In - Recurso conhecido e provido.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
496 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu-lhe
provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Edson Vidigal, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília-DF, 7 de agosto de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Gilson Dipp, Relator.
Publicado no DI de 3.9.2001.
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial com suporte na alínea a do permissivo constitucional, interposto contra acórdão que, no tema do teto limitador dos
arts. 29, § 2'\ e 33 da Lei n. 8.213/1991, determinou sua incidência após todas as operações matemáticas necessárias para a fixação da renda mensal inicial, e não sobre o salário-de-benefício (antes da aplicação do coeficiente
temporal), no entendimento do art. 26 da Lei n. 8.870/1994.
No recurso, a Autarquia tem como ofendidos os arts. 29, § 2"" e 33 da Lei n. 8.213/1991, e 26 da Lei n. 8.870/1994, ao argumento de que, em
bora o art. 202 da CFI1988 tenha garantido o cálculo da aposentadoria
sobre a média dos 36 últimos salários-de-contribuição, não assegurou que o benefício fosse igual a essa média, nem que não haveria limitação ao sa
lário-de-benefício.
Registre-se ter o benefício DIB de 28.1.1991 (fi. 8).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): Comecemos pela transcrição
dos textos em comento:
a) Da CFI1988
RSTI, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 497
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus valores reais e ... ". (grifo do relator);
b) Da Lei n. 8.213/1991
"Art. 29. O salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data de entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses.
§ 1 Q • ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••
§ 2Q• O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um
salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuiçào na data do início do benefício.
§ 3Q ................................................................. " (grifo do relator).
c) Da Lei n. 8.870/1994
"Art. 26. Os benefícios concedidos nos termos da Lei n. 8.213, de 24.7.1991, com data de início entre 5.4.1991 e 31.12.1993, cuja renda mensal inicial tenha sido calculada sobre salário-de-benefício inferior à média dos 36 últimos salários-de-contribuição, em decorrência do disposto no § 2Q do art. 29 da referida lei, serão revisados a partir da competência 4.1994, mediante aplicação do percentual correspondente à diferença entre a média mencionada neste artigo e o salário-de-benefício considerado para a concessão.
Parágrafo único. Os benefícios revisados nos termos do caput deste artigo não poderão resultar superiores ao teto do salário-de-contribuição vigente na competência de 4.1994."
Como se vê, o art. 202, caput, da CF/1988, ao assegurar o cálculo da aposentadoria sobre a média dos últimos 36 salários-de-contribuição, não igualou o valor do benefício a essa média, nem, tampouco, fixou-lhe limitação, vez que deferiu à lei esses pormenores que, afinal, foram normatizados pela Lei n. 8.213/1991 (arts. 29 e 33). Assim, não é correto concluir-se que
a limitação do salário-de-benefício fere o art. 202 da CF/1988. Também de
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
498 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que se trata de dispositivo de eficácia plena, vez que a sua aplicação ficou limitada nos termos da lei, como veio a decidir o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, no RE 193.456, DJ de 5.3.1997, Rel. para acórdão o Min. Maurício Corrêa.
A seu turno, o art. 26 da Lei n. 8.870/1994 dispensou tratamento especial aos benefícios concedidos apenas entre 5.4.1991 e 31.12.1993, isso em face de o limite máximo (teto) do salário-de-contribuição ter permanecido inalterado no período, causando prejuízos aos beneficiários. É regra
provisória, reparadora, de aplicação limitada a esses benefícios, que não tem o condão de alterar a regra geral do art. 29, § 2»', da Lei n. 8.213/1991.
No caso presente, contudo, o benefício não é alcançado pelo período consignado na Lei n. 8.870/1994 (5.4.1991 a 31.12.1993), uma vez que concedido em 28.1.1991.
De outro lado, é certo que o coeficiente temporal (alíquotas) há que
ser aplicado somente após verificada a sujeição do salário-de-benefício ao teto máximo do salário-de-contribuição, diversamente, portanto, da exegese adotada pelo Tribunal-recorrido.
Ante o exposto, conheço do recurso e o provejo, para que a adequação do salário-de-benefício ao valor-limite do salário-de-contribuição seja realizada antes de aplicado o percentual conducente à RMI.
É como voto.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrida:
RECURSO ESPECIAL N. 251.207 - RJ (Registro n. 2000.0024259-4)
Ministro Jorge Scartezzini
Cecília Araújo Driendl e outros
Izabel Dilohe Piske Silvério e outros
União
EMENTA: Processual Civil - Recurso especial - Servidores públicos - IBGE - Fundação autárquica - Diferenças salariais - Sentença - Trânsito em julgado - Ingresso da União Federal como as
sistente (art. 50 do CPC) - Impossibilidade.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 499
1. Inexiste afronta ao art. 51 do Código de Processo Civil, se há lllanifestação expressa da ora recorrida para ingressar na lide COlllO
assistente, a qual foi tacitalllente deferida pelo d. Juízo lllonocrático,
restando irrecorrida tal decisão.
2. As Fundações Públicas, no caso, o IBGE, espécies de autar
quias (STF, RDA 160/85, 161/50 e 171/124) e dotadas de personalidade jurídica de direito público, autônolllas e independentes, têlll legitilllidade para a prática de atos processuais, sendo representadas
por seus procuradores autárquicos (Lei COlllplelllentar n. 73/1993, art. 17, inciso I). Logo, resta à União Federal apenas a faculdade de
poder intervir COlllO assistente e não a obrigatoriedade deste ato, re
cebendo o processo no estado elll que se encontra, na espécie, já transitado elll julgado. Apelação da União Federal que se proclallla
COlllO intelllpestiva. Inteligência do art. 50 do CPC c.c. art. 22. da Lei
n. 8.197/1991.
3. Recurso conhecido e parciallllente provido para, reforlllando
o v. acórdão de origelll, não conhecer da apelação interposta pela
União Federal, tendo elll vista o trânsito elll julgado da r. sentença
lllonocrática.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros
da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça em, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do
recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro
-Relator, com quem votaram os Srs. Ministros Edson Vidigal, José Arnaldo
da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp.
Brasília-DF, 19 de abril de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Jorge Scartezzini, Relator.
Publicado no DJ de 13.8.2001.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Jorge Scartezzini: Cuida-se de recurso especial em
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
500 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
apelação cível, interposto por Cecília Araújo Driendl e outros, com fundamento no artigo 105, inciso lII, alínea a, da Constituição Federal, contra o v. acórdão de fl. 129 proferido pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 211. Região que, à unanimidade, conheceu e deu parcial provimento ao recurso da União Federal e não conheceu da remessa necessária. A ementa do julgado encontra-se expressa nos seguintes termos, verbis:
"Constitucional e Administrativo. Servidores: 'gatilho salarial' de junho/1987 (26,6%); URP de fevereiro/1989 (26,5%). Inexistência de direito adquirido. URP de abril e maio/1988 (16,19%) Direito parcialmente reconhecido.
I - O egrégio STF, intérprete precípuo da CF, afirmou sua jurisprudência no sentido de inexistir direito aos mencionados reajustes, ressaltando-se, entretanto, que, com relação ao último índice acima citado, aquela colenda Corte entendeu que haveria o direito 'ao valor correspondente a 7/30 (sete trinta avos) de 16,19% sobre os vencimentos de abril e maio de 1988'. Assim, revejo posição anterior, para seguir o mesmo rumo.
U - Apelação da União Federal conhecida - ut art. 50, parágrafo único, do CPC - e provida, em parte, nos termos do voto-condutor. 'REO' não conhecida, por incabível."
Alegam os Recorrentes, na via do especial, em síntese, que o v. aresto guerreado, assim decidindo, violou o art. 50 do Código de Processo Civil, tendo em vista que admitiu a assistência da União, em feito cujo réu era o IBGE, mesmo após o trânsito em julgado da sentença; bem como negou vigência ao art. 51 do mesmo diploma legal, já que o pedido de assistência deveria ter sido feito em requerimento próprio, o que não ocorreu (fls. 133/ 137).
Contra-razões apresentadas às fls. 158/185.
Inadmitido o recurso (fls. 187/188) e interposto agravo de instrumento dessa decisão, dei-lhe provimento para que subisse o recurso especial, vindo-me os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Sr. Presidente, o recurso merece ser conhecido e parcialmente provido.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 501
Apontam os Recorrentes infringência, com fulcro no artigo 105, inciso
lU, alínea a, do permissivo constitucional, aos arts. 50 e 51 do Código de
Processo Civil. Verifico que a matéria foi devidamente prequestionada na
peça recursal e no v. julgado de origem, razão pela qual conheço do recurso
e passo a seu exame.
Inicialmente, necessário se faz um breve resumo da situação fática do
tema posto sub judice a esta Corte de Uniformização.
Compulsando os autos, verifica-se tratar de ação ordinária, ajuizada por Cecília Araújo Driendl e outros, sendo ré a Fundação Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística - IBGE (fl. 2), objetivando o pagamento de di
ferenças salariais relativas às URPs de julho de 1987 a outubro de 1989.
O d. Juízo de 1.a instância julgou procedente a ação, condenando referida fundação autárquica ao pagamento das diferenças salariais pleiteadas, acrescidas de juros e correção monetária, bem como as despesas referentes às custas e honorários advocatícios (fl. 82). Referida sentença foi publicada no Diário Oficial em 26.1.1993, contra a qual não foi interposto qualquer recurso pelo IBGE. Entretanto, 7 (sete) meses mais tarde, o Cartório da Vara abriu vista dos autos à União Federal. Em 11.10.1993, esta interpôs recurso de apelação, sendo o mesmo recebido (fl. 99). Indignados, atravessaram os ora recorrentes petição (fl. 100), alertando não ser a União Federal parte nos autos e requerendo o desentranhamento do recurso. À fl. 103 foi determinada a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 211
Região que, à unanimidade, proveu o apelo. Nesta oportunidade, sustentam os Recorrentes o desacerto do v. acórdão recorrido, na medida em que conheceu da apelação da União Federal, sem que houvesse qualquer pedido de assistência, provendo-o, mesmo com o trânsito em julgado da sentença singular.
Primeiramente, quanto à alegação de que houve afronta ao art. 51 do Código de Processo Civil, ao fundamento da inexistência de pedido de as
sistência, através de requerimento próprio, entendo-a improcedente.
Depreende-se da fl. 102v. dos autos, após despacho do magistrado monocrático para que a União falasse acerca do pedido de desentranhamento
dos ora recorrentes (fls. 100 e 101), cota do Sr. Procurador da Fazenda Nacional, representante da União Federal, vazada nos seguintes termos:
"Diante do fato de que o IBGE, pessoa jurídica autônoma em relação à União Federal, permaneceu, por seus representantes, omis
so, possibilitando assim o julgamento do feito em desfavor daquela
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
502 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
instituição, mas em benefício de seu corpo de funcionários, inclusive dos vinculados à, digo, ao setor jurídico, o que foi comunicado a esta chefia, a União Federal entendeu por bem intervir no feito, especialmente em razão da matéria - plano econômico -, interpondo recurso de apelação, tudo com fulcro no artigo 50, caput e parágrafo único, do Código de Processo Civil."
Assim, denota-se que houve uma manifestação da ora recorrida no sentido de entrar como assistente do IBGE, a qual foi tacitamente acatada pelo d. Juízo de 111. grau, ao determinar a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 211. Região (fi. 103). Como deste despacho não houve a interposição de qualquer recurso, restou preclusa a matéria no tocante à necessidade de pedido expresso ou não, inexistindo afronta ao art. 51 do estatuto processual civil.
Remanesce, todavia, a questão pertinente à possibilidade ou não da assistência (art. 50 do CPC) no presente caso e, em caso afirmativo, o momento adequado.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é uma fundação autárquica, sendo, na esteira da jurisprudência do colendo Supremo Tribunal (RDA 160/85, 161/50 e 171/124), uma espécie de autarquia. A Carta Constitucional de 1988, através de vários dispositivos (arts. 71, lI, III e IV; 169, parágrafo único; 150, § 211.; 22, XXVII, e 37, XIX e XVII), atribui-lhe personalidade jurídica de direito público, posto tratar-se de fundação instituída pelo Poder Público ou, simplesmente, fundação pública. Confira-se, a propósito, o julgado no REsp n. 37.355-SP, ReI. Ministro Fernando Gonçalves, DJU de 16.1l.1999.
Hely Lopes Meirelles assim conceitua o que são as autarquias, situação jurídica da Ré (fundação autárquica) no processo de conhecimento, onde a União pretende figurar como assistente:
"A autarquia não age por delegação; age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus impedi que lhe foi outorgado pela lei que o criou. Como pessoa jurídica do direito público interno, a autarquia traz ínsita, para a consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que lhe deu vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia com a entidade estatal a que pertence, porque se isto ocorresse anularia o seu caráter autárquico." (in Direito Administrativo Brasileiro, RT, SP, 1511. edição, 1989, p.
302).
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 503
Logo, sendo a Ré uma fundação autárquica, pessoa jurídica de direi
to público, autônoma e independente, tem esta capacidade processual para
praticar atos e ser parte nos processos. Não há, então, que se falar em ne
cessidade da União Federal figurar no pólo das demandas por ela intenta
das ou contra ela ajuizadas. A capacidade processual é pressuposto de exis
tência do processo e significa ter aptidão para realizar os atos processuais,
ou seja, "é possuir legitimatio ad causam, afirmando e em face de quem
se afirma a titularidade do direito material discutido" (Nelson Nery Júnior,
in CPC Comentado, p. 267, nota 9 ao art. 7!l.). Ademais, a Lei Complementar
n. 73, de 10.2.1993 previu, em seu art. 17, inciso I, que os órgãos jurídi
cos de tais entes a representariam em juízo, com total capacidade proces
sual, sendo, inclusive, seus advogados, membros da Advocacia Geral da União. Logo, não haveria sentido exigir a dupla participação de tais pes
soas no pólo passivo da relação processual, pois haveria reiteração de de
fesas, quer da procuradoria da autarquia ou fundação autárquica, quer da
Advocacia da União, que, ressalto mais uma vez, fazem parte os procura
dores autárquicos.
Neste diapasão, a assistência da União Federal, quer com fulcro no
art. 50 do CPC, quer com base no art. 2!l. da Lei n. 8.197/1991 ("Art. 2!l..
A União poderá intervir nas causas em que figurarem como autoras ou rés as autarquias, as fundações, as sociedades de economia mista e as empre
sas públicas federais.") deveria ter sido solicitada opportuno tem.pore, ou
seja, antes da prolação da sentença ou no lapso temporal recursal do IBGE,
suposto assistido, e não 7 (sete) meses depois. Desta forma, como existe ape
nas uma faculdade por parte da União Federal em entrar como assistente
na demanda e não uma obrigatoriedade, não poderia estar alterar o estado
em que se encontrava o processo, dando margem à reforma de uma sentença já atingida pelo trânsito em julgado.
Sobre estas normas, o ilustre Ministro Anselmo Santiago, quando do
julgamento do REsp n. 38.867-RJ, DJU de 13.5.1996, manifestou-se nos seguintes termos:
"No que diz respeito ao litisconsórcio, o caput do art. 47 do
CPC, já lido, estabelece que há litisconsórcio necessário quando a lei ou
a natureza da relação jurídica o exigir. Tenho para mim, que quando o
legislador utilizou, no bojo do art. 2!l. da Lei n. 8.197/1991, o vocábulo
poderá, ao invés de deverá, deixou claro que a União poderá intervir
nas causas (exceto no mandado de segurança, como se verá adiante)
RST], Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
504 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
como assistente (caput do art. 50 do CPC), e não que deverá participar das demandas como litisconsorte necessária (caput do art. 47 do CPC). Portanto, é descabida a alegação da União, com base no art. 211. da Lei n. 8.197/1991, que sua intervenção no presente processo é obrigatória. A propósito, observo que Theotonio Negrão examina tal dis
positivo em nota ao art. 50 do CPC. Lembro, ainda, que o jurista anota: 'Art. 50: 2c. 'Poderá'; logo: 'Não é necessário criar terceiro para intervir como assistente, diligência esta que não se confunde com chamamento ao processo' (RTFR 161/23)." (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 2611 ed., Saraiva, 1995, p. 118).
Além do mais, o legislador poderia ter exigido, quando da elaboração da Lei Complementar n. 73/1993, a participação da União
como litisconsorte necessária das autarquias federais. Sem dúvida, se assim desejasse teria feito na Lei Complementar n. 73/1993, já que tal diploma é minucioso. Realmente, a Lei Complementar n. 73/1993 cuidou, em longos dispositivos, de toda a matéria relativa à Advocacia
Geral da União. No entanto, no lugar de exigir a participação da União como litisconsorte necessária, fez o contrário, ou seja, atribuiu aos órgãos jurídicos das autarquias a competência para representá-las judi
cialmente (art. 17, l, da Lei Complementar n. 73/1993), ressaltando que tais procuradorias são órgãos vinculados à Advocacia Geral da União, que é, por sua vez, a instituição que representa judicialmente a União (§ 311. do art. 211. c.c. o caput do art. lll., ambos da Lei Complementar n. 73/1993, c.c. o caput do art. 131 da CF/1988)."
Mais não há que se perquirir.
Por tais fundamentos, dou parcial provimento ao recurso para, reformando
o v. acórdão de origem, não conhecer da apelação interposta pela União Federal,
tendo em vista o trânsito em julgado da r. sentença monocrática.
É como voto.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 263.226 - SC (Registro n. 2000.0058967-5)
Ministro Jorge Scartezzini
RST}, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Procuradores: Luiz Cláudio Portinho Dias e outros
Recorrida:
Advogado:
Izaura Pirola Goulart
Sérgio Mendonça Costa
505
EMENTA: Previdenciário - Revisional de benefício - Processual Civil - Preservação do valor real - Conversão em URV - Resíduo de 10% do IRSM - Meses de novembro e dezembro/1993 e janeiro e fevereiro/1994 - Lei n. 8.880/1994.
- Divergência jurisprudencial não comprovada. Entendimento do art. 255 e parágrafos, do Regimento Interno desta Corte.
- Os resíduos relativos aos meses de novembro e dezembro/ 1993 foram incorporados no reajuste efetivado em janeiro/1994. Precedentes.
- Inexiste direito adquirido à incorporação do resíduo de 10% referente ao IRSM de janeiro/1994 e fevereiro/1994, em razão da revogação da Lei n. 8.700/1993, que o previa, pela Lei n. 8.880/1994. Precedentes.
- A conversão dos benefícios previdenciários em URV, a partir de março de 1994, não acarretou redução do valor do beneficio. Precedentes.
- Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça em, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, com quem votaram os Srs. Ministros Edson Vidigal, Felix Fischer e Gilson Dipp. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca.
Brasília-DF, 8 de maio de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Jorge Scartezzini, Relator.
Publicado no DJ de 13.8.2001.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
506 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Jorge Scartezzini: O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, interpõe recurso especial, nos termos do artigo 105, III, a e
c, da Constituição Federal, contra o v. acórdão de fls. 87/93, cuja ementa
expressa-se nos seguintes termos (fl. 93), verbis:
"Previdenciário. Revisão de benefício. Pagamento parcelado dos
147,06%. Conversão em URVs. Lei n. 8.880/1994. Indexadores econômicos. Valor real. Medida Provisória n. 1.415/1996. Correção monetária. Termo inicial. Honorários advocatícios.
1. Sendo consabido que a satisfação dos 147,06% deu-se de forma parcelada com atualização irregular, revela-se indispensável o en
contro de contas em liquidação. 2. Na conversão em URVs deve ser considerada a integralidade do IRSM verificada em novembro-dezembro/1993, janeiro-fevereiro/1994 e não o valor apurado no mês de ja
neiro/1994. 3. Tendo a Medida Provisória n. 1.415/1996 adotado a va
riação acumulada do IGP-DI para atualização dos benefícios previdenciários em maiol1996, não há se cogitar do emprego de qualquer
outro indexador, mesmo porque inexiste direito adquirido a um
determinado critério de aumento. Se o constituinte delegou ao legis
lador ordinário a tarefa de fixar os critérios de atualização dos proventos, ainda que o indexador escolhido não retrate fielmente a realidade inflacionária, não há como se vislumbrar qualquer inconstituciona
lidade com fundamento em maltratos do princípio da preservação de
seu valor real. 4. O montante da condenação deve ser atualizado desde o vencimento de cada parcela e não a contar do ajuizamento. 5. Cada
parte deve suportar a verba honorária na proporção de sua derrota, bem como recebê-la na medida da sua vitória. (STJ-REsp n. 13.526-SP)."
Alega, em síntese, contrariedade ao art. 20 da Lei n. 8.880/1994, que estabeleceu a forma pela qual os valores dos benefícios deveriam ser convertidos em URV. Aponta, outrossim, divergência jurisprudencial, trazendo
a cotejo arestos prolatados por outros tribunais.
Sem contra-razões (fl. 122).
Inadmitido o recurso (fl. 123), interposto agravo de instrumento à fl.
125/v., que restou provido (fl. 65, autos em apenso).
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 507
VOTO
o Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Sr. Presidente, inicialmente, no tocante ao dissídio pretoriano, este não foi devidamente comprovado. De fato, a teor do art. 255 e parágrafos, do RISTJ, não basta a simples transcrição de ementas dos acórdãos paradigmas, devendo ser juntadas cópias integrais de tais julgados, ou citado repositório oficial de jurisprudência. In casu, como isto não ocorreu, inviável, sob este prisma, o conhecimento do recurso.
Quanto à insurgência com base na alínea a (art. 105, lU, da CF/1988), o recurso merece ser conhecido e provido.
Cinge-se a questão em saber se houve ou não diminuição do valor do benefício previdenciário, quando da conversão para URV, em março de 1994, mediante a aplicação do art. 20 da Lei n. 8.880/1994.
Inicialmente, a Lei n. 8.542, de 23.12.1992, em seu artigo 9Q, estabe
leceu que a partir de janeiro de 1993, o Índice de Reajuste do Salário Mínimo - IRSM (reflete a variação mensal do custo de vida para as famílias com renda até dois salários mínimos), calculado e divulgado pela Fundação IBGE, substituiria o INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor, para todos os fins das Leis n. 8.212 e 8.213/1991, e que os beneficios da prestação continuada sofreriam, a partir de maio de 1993, reajustes quadrimestrais nos meses de janeiro, maio e setembro, correspondentes à
variação acumulada do IRSM.
Por sua vez, o art. 10 da mesma norma, assegurou antecipações, nos meses de março, julho e novembro, em percentual não inferior a sessenta por cento (60%) da variação acumulada do IRSM no bimestre anterior, a serem compensadas por ocasião do reajuste quadrimestral.
Veio então a Lei n. 8.700, de 27.8.1993, que, alterando a Lei n. 8.542/ 1992, manteve o reajuste cumulado de setembro de 1993 pela variação do IRSM e estabeleceu que, a partir de janeiro de 1994, o benefício seria reajustado pelo FAS - Fator de Atualização Salarial, também quadrimestralmente, ou seja, nos meses de janeiro, maio e setembro.
Foram asseguradas, ainda, antecipações do reajuste a partir de agosto de 1993 e a incidir nos meses de fevereiro, março, abril, junho, julho, agosto, outubro, novembro e dezembro, em percentual correspondente à parte da variação do IRSM que exceder a 10% no mês anterior à sua concessão, mantido o critério da compensação quando do reajuste nas datas-base.
Deduz-se, daí, que, quando dos reajustes quadrimestrais (janeiro, maio
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
508 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTICA
e setembro), seriam, então, compensadas as antecipações efetuadas com base no excedente a 10% da variação acumulada do IRSM.
A conversão dos benefícios previdenciários em URV - Unidade Real de Valor, a partir de março de 1994, foi instituída, primeiramente, pela Medida Provisória n. 434, de 27.2.1994, reeditada pela Medida Provisória n. 657, de 29.3.1994, resultando na Lei n. 8.880, de 27.5.1994, que em seu art. 20 dispõe:
"Art. 20. Os benefícios mantidos pela Previdência Social são convertidos em URV em 1!J. de março de 1994, observado o seguinte:
I - Dividindo-se o valor nominal, vigente nos meses de novembro e dezembro de 1993 e janeiro e fevereiro de 1994, pelo valor em cruzeiros reais do equivalente em URV do último dia desses meses, de acordo com o Anexo I desta lei;
II - Extraindo-se a média aritmética dos valores resultantes do inciso anterior.
C··· ) § 5!J.. Os valores das parcelas referentes a benefícios pagos com
atraso pela Previdência Social, por sua responsabilidade, serão corrigidos monetariamente pelos índices previstos no artigo 41, § 7!J., da Lei n. 8.213/1991, com as alterações da Lei n. 8.542, de 23 de dezembro de 1992, até o mês fevereiro de 1994, e convertidos em URV no dia 28 de fevereiro de 1994."
Verifica-se, então, que o último reajuste quadrimestral ocorreu em janeiro/1994. Desta forma, a conversão dos benefícios em URV em março/ 1994, antes, portanto, do mês previsto para o próximo reajuste quadrimestraI, in casu, maio de 1994, quando seriam incorporaàas aos proventos as diferenças do IRSM deduzidas as antecipações mensais, não interferiu em qualquer direito dos segurados, diga-se de passagem, ainda não adquirido, mas sob mera expectativa.
Assim, o art. 20 da Lei n. 8.880/1994, eliminou o critério de reajuste quadrimestral pelo IRSM antes mesmo que se completasse o período aqui
sitivo, tendo em vista que, ao revogar o dispositivo que assegurava tais an
tecipações, impediu a consumação da inafastável condição temporal.
Nesse sentido, trago à colação, por oportuno, excerto do voto do douto Ministro Gilson Dipp, proferido quando do julgamento do REsp n. 176.291,
(DJU de 3.5.1999), in verbis:
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 509
"De respeito aos pontos restantes, reajustes com inclusão do IRSM integral de janeiro de 1994 (40,25% ao invés de 30,25%) e de fevereiro de 94 (39,67%), razão desassiste ao Recorrente. É que no que diz respeito ao resíduo de 10%, resultante da antecipação do mês
de janeiro de 1994, previsto pelo art. 911 da Lei n. 8.542/1992, com as alterações da Lei n. 8.700/1993, não se tratava de aumento, mas de antecipação que não gera direito adquirido se a condição temporal (o
quadrimestre em maio) não foi alcançado, antes da Lei n. 8.880/1994. Assim, quando da conversão em URV, havia apenas uma expectativa de
direito a ter o resíduo incorporado na data-base.
O mesmo se diga do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%) que seria antecipado em março em 29,67%, ficando o resíduo de 10% para o reajuste na data-base, no final do quadrimestre (maio). Ocorre que em primeiro de março foi feita a conversão, segundo o art. 20, I e II, da Lei n. 8.880/1994, logo não se havia aprimorado o direito adquirido ao reajustamento pleiteado, por lhe faltar um dos requisitos."
Não é outra a orientação jurisprudencial desta Corte, como, verbi gratia, nos arestos que transcrevo:
"Previdenciário. Beneficio. Conversão. URV. Lei n. 8.880/1994.
1. Mostra-se correta a conversão em URV, sem incrementar aos benefícios o resíduo de 10% do IRSM de janeiro de 1994 e do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%). Precedente desta Corte.
2. Recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 212.706-SC,
ReI. Ministro Fernando Gonçalves, DJU de 6.9.1999).
"Previdenciário. Revisional de benefício. Conversão do valor no
minal em URV. Lei n. 8.880/1994. Resíduo de 10% do IRSM de ja
neiro de 1994. IRSM integral de fevereiro de 1994. Inclusões
indevidas.
1. A partir da Lei n. 8.542/1992, com as alterações da Lei n.
8.700/1993, os benefícios previdenciários deveriam ser reajustados
quadrimestralmente pelo IRSM - Índice de Reajuste do Salário Mí
nimo, de acordo com sua variação integral nesses meses, descontadas
as antecipações mensais correspondentes ao excedente de 10% do mês
anterior ao de sua concessão, com datas-base em janeiro, maio e se
tembro.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
510 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. São indevidas as inclusões do resíduo de 10% referente ao
IRSM de janeiro de 1994, não antecipado em fevereiro, e do IRSM integral de fevereiro de 1994 (39,67%), antes da conversão do valor nominal do benefício previdenciário em URV, porquanto inexistente o
alegado direito adquirido, que só seria alcançado na próxima data
-base, em maio do mesmo ano. Precedentes.
3. Recurso conhecido e provido." (REsp n. 206.723-SC, ReI. Mi
nistro Edson Vidigal, DJU de 3.11.1999).
"Previdenciário. Benefício. Reajuste. Resíduo de 10% referente a
janeiro/1994. URV. IRSM. Conversão.
No tocante ao resíduo de 10%, o direito do autor não havia se aperfeiçoado, por faltar-lhe a consumação da cond~ção temporal, vis
to que a Medida Provisória n. 434 (Lei n. 8.880/1994) revogou o dispositivo que concedia tais antecipações, dispositivo este que teve origem no sistema estabelecido pelo art. 9.Q. da Lei n. 8.542/1992, poste
riormente alterado pela Lei n. 8.770/1993, que se refere à diferença
entre o IRSM integral do mês de janeiro de 1994 (40,25%) e a antecipação de 30,25% concedida ao mês seguinte, e que não chegou a ser
incorporado no final do quadrimestre (maio) aos benefícios, pela au
sência da circunstância temporal.
Recurso conhecido e provido." (REsp n. 229.155-SP, ReI. Minis
tro José Arnaldo da Fonseca, DJU de 21.2.2000).
"Previdenciário. Variação integral do IRSM. Índice de 10%. Lei
n. 8.880/1994. URV. Novembro e dezembro de 1993. Janeiro e feve
reiro de 1994.
1. O resíduo de 10% da variação do IRSM dos meses de novem
bro e dezembro de 1993 foi devidamente incorporado no reajuste operado no mês de janeiro de 1994, data-base do reajustamento do quadrimestre.
2. Não há direito adquirido ao resíduo de 10% do IRSM de ja
neiro de 1994, decorrente da antecipação de fevereiro do mesmo ano,
por força da revogação da Lei n. 8.700/1993 pela Lei n. 8.880/1994,
que ocorreu antes do aperfeiçoamento do primeiro quadrimestre do
ano, condição temporal da sua incorporação ao reajuste do benefício.
3. Quanto ao resíduo de 10% do IRSM do mês de fevereiro,
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 511
igualmente, não há falar em direito adquirido, por indevida a antecipação do mês de março de 1994, que lhe daria causa, revogada que foi a Lei n. 8.700/1993 pela Lei n. 8.880/1994, que instituiu a URV, a partir de 1.!l. de março de 1994.
4. Recurso conhecido e provido." (REsp n. 217.063-RS, ReI. Mi
nistro Hamilton Carvalhido, DJU de 21.2.2000).
"Previdenciário. Benefício. Antecipações. Conversão em URV.
Leis n. 8.700/1993 e 8.880/1994.
o sistema de antecipações do art. 9.!l. da Lei n. 8.542/1992, com alteração da Lei n. 8.700/1993, bem como a conversão em URV da Lei n. 8.880/1994, não trouxeram prejuízos aos benefícios, reduzindo
-lhes os valores reais.
Recurso conhecido, mas desprovido." (REsp n. 197.340-SP, ReI. Ministro Gilson Dipp, DJU de 28.2.2000).
Por fim, relativamente aos resíduos dos meses de novembro e dezembro de 1993, foram eles incorporados no reajuste de janeiro de 1994, não
havendo alegar direito outro do segurado a esses percentuais.
Quanto à afirmativa de redução do valor real do benefício, afigura-se-me improcedente, porquanto, na conversão do benefício em URV, os proventos foram garantidos contra a redutibilidade, em virtude da própria metodologia de indexação diária, preservando seu valor em relação à própria conversão. Ademais, a já referida Lei n. 8.880/1994, em seu art. 20, § 3.!l., preceitua:
"§ 3.!l.. Da aplicação do disposto neste artigo não poderá resultar
pagamento de benefício inferior ao efetivamente pago, em cruzeiros reais, na competência de fevereiro de 1994."
Nesse sentido:
"Previdenciário. Benefício. Conversão em URV. Legalidade. Resíduo de 10%. Leis n. 8.700/1993, 8.880/1994, 8.2l3/199l.
1. A conversão em URV da Lei n. 8.880/1994, não trouxe prejuízo aos benefícios, reduzindo seus valores reais.
2. Indevido o resíduo de 10% da antecipação de janeiro de 1994.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
512 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Recurso conhecido, mas desprovido." (REsp n. 203.085-SP,
Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 8.5.2000).
"Recursos especiais. Previdenciário. Benefícios. Conversão. URV. Valor real. Direito adquirido. Lei n. 8.880/1994. Teto. Salário-de-benefício. Valor máximo. Arts. 29, 33 e 136 da Lei n. 8.213/1991.
I - O reajuste realizado em janeiro/1994 incorporou os resíduos relativos aos meses de novembro/1993 e dezembro/1993.
II - Não há direito adquirido quanto aos resíduos de 10% do IRSM de janeiro/1994 e o do IRSM de fevereiro/1994, ao passo que
aos mesmos falta condição temporal.
III - Não ocorreu redução do valor real do benefício, pois a conversão do benefício em URV restou apenas em mudança de unidade de medida, não se configurando em genuíno reajuste.
IV - (omissis)
V - (omissis)
VI - (omissis)
Recurso de Benigno Batista de Cerqueira e outros desprovido; recurso do INSS provido." (REsp n. 211.724-SP, Rel. Ministro Felix
Fischer, DJU de 6.12.1999).
Ante o exposto e por tais fundamentos, conheço parcialmente do recurso e, nesta parte, dou-lhe provimento.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 326.608 - PI (Registro n. 2001.0077099-6)
Relator: Ministro Gilson Dipp
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Procuradores: Lígia Maria S. Azevedo Nogueira e outros
Recorridos: João Manoel dos Santos e outros
Advogados: Francinetti Ribeiro do Carmo e outro
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 513
EMENTA: Civil e Previdenciário - Correção lllonetária das parcelas de llleio para Ulll salário lllínilllo da Portaria n. 714/1993 - Art. 201, §§ 52. e 62., da CF/1988 - Prescrição - Índice aplicável -"Expurgos inflacionários".
1- COlll a edição da Portaria n. 714/MPS, de 9.12.1993, que reconheceu o direito ao pagalllento das diferenças de llleio para Ulll salário lllínilllo do art. 201, §§ 5º- e 6º-, da CF/1988, de forllla atualizada lllonetarialllente, surgiu o direito do segurado reclalllar, elll Juízo, o não-pagalllento de qualquer parcela de correção lllonetária. A ação proposta, portanto, até 5 (cinco) anos após a referida portaria, isto é, 8.12.1998, não está alcançada pela prescrição. Precedentes.
H - Descabe incidência de "expurgos inflacionários" expressos elll IPC, no período de 1.1989 a 12.1992, na atualização de parcelas pagas por atraso, elll vista de o art. 41, § 6º-, da Lei n. 8.213/1991 ter previsto o INPC.
IH - Recurso conhecido elll parte e, nessa, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tri
bunal de Justiça. A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do
recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr.
Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Edson Vidigal,
José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro
-Relator.
Brasília-DF, 21 de agosto de 2001 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente.
Ministro Gilson Dipp, Relator.
Publicado no DI de 17.9.200 l.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilson Dipp: Serve à compreensão do caso a parte
expositiva dadecisào que admitiu o recurso no Tribunal a quo, lavra do Juiz Tourinho Neto, Presidente do TRF/ll!. Região, literal:
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
514 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Cuida-se de recurso especial interposto com base na Constituição Federal, contra acórdão de Turma deste Tribunal, que, afastando a ocorrência de prescrição, por entender que o curso do prazo para intentar-se a ação com tal finalidade só se inicia com o reconhecimento administrativo do pleito, considerou devidas as parcelas de correção monetária, incluídos os expurgos inflacionários do período, incidentes sobre os benefícios pagos tardiamente, na esfera administrativa, em virtude do advento das Portarias n. 714/1993 e 813/1994, do Ministério da Previdência e Assistência Social.
Alega a parte-recorrente violação a dispositivo de lei federal, bem como divergência jurisprudencial." (fl. 140).
É o relatório.
VOTO
o Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): Com a edição da Portaria n. 714-MPS, de 9.12.1993, foi mandado pagar as diferenças resultantes da integralidade do salário mínimo do art. 201, §§ 5l2. e 6l2., da CF/1988, de forma atualizada monetariamente. Daí, portanto, surgiu o direito do segurado de reclamar em juízo qualquer parcela de correção monetária.
O prazo prescricional de cinco (5) anos, assim, teve início com a referida portaria e findou em 8.12.1998. Até esta data, descabe falar-se em prescrição da ação e muito menos de parcelas de correção.
No mesmo sentido a jurisprudência da Corte:
"Processual Civil e Previdenciário. Benefício em valor não inferior ao salário mínimo. CF, art. 201, § 5l2., auto-aplicabilidade. Pagamento parcelado na esfera administrativa. Atualização monetária do resíduo. Prescrição.
1. Determinado pela Portaria n. 714/1993-MPAS, o pagamento da complementação instituída pela CF, art. 201, § 5l2., de forma parcelada, em 30 (trinta) meses, somente a partir desse momento restou caracterizada a lesão ao direito dos segurados de terem esses valores corrigidos monetariamente, fazendo correr a prescrição; proposta a ação antes do lustro legal, deve ser afastada a alegada prescrição.
2. Recurso não conhecido." (REsp n. 250.352, DJ de 1.8.2000, ReI. Min. Edson Vidigal).
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA 515
"Previdenciário. Correção monetária. Pagamento parcelado. Di
ferenças. Termo inicial para cômputo da prescrição qüinqüenal. Portaria n. 714/1993. Interrupção. Não-ocorrência.
I -A Portaria n. 714/1993, do Ministério da Previdência Social,
não reconheceu o direito dos segurados à atualização monetária dos valores resultantes das parcelas previdenciárias pagas em atraso, de
modo a interromper o prazo prescricional e fazê-lo correr pela metade, ou seja, dois anos e meio.
II - Não há que se falar em prescrição no que tange à correção
monetária dos valores pagos em atraso, pois, somente com a edição da
Portaria Ministerial n. 714, de 10.12.1993, restou caracterizada a
lesão ao direitos dos segurados em terem seus benefícios atualizados mo
netariamente, o que deu início à contagem do lapso prescricional
qüinqüenal.
Recurso provido." (grifei) (REsp n. 250.286, DJ de 1.8.2000,
ReI. Min. Felix Fischer).
Quanto à segunda questão, todavia, de respeito aos chamados "expurgos inflacionários", razão assiste à Recorrente, porquanto o índice a
aplicar na atualização das parcelas pagas com atraso é inicialmente o INPC até 12.1992 (art. 41, § 612, da Lei n. 8.213/1991) e, em seguida, o IRSM,
de 1.1993 a 2.1994 (Leis n. 8.542/1992 e 8.700/1993), exatamente como
determinado pela Portaria n. 714/1993.
Com efeito, reza a Lei n. 8.213/1991, na sua redação original:
"Art. 41. Omissis.
§ 612• O pagamento de parcelas relativas a benefícios, efetuado
com atraso por responsabilidade da Previdência Social, será atualiza
do de acordo com a variação do Índice de Preços ao Consumidor -
INPC, verificado no período compreendido entre o mês em que deveria ter sido pago e o mês do efetivo pagamento."
Daí que, estando os chamados "índices expurgados" (l.1989, 3, 4 e
5.1990 e 2.1991) dentro do período em que vigorava o INPC, como o ín
dice legal aplicável, não há que se falar em incidência do IPC.
Note-se que a questão não deve ser confundida com a atualização mo
netária da Lei n. 6.899/1981 que se refere à correção monetária de dívida
RSTJ, Brasília, a. 14, (ISO): 449-516, fevereiro 2002.
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resultante de decisão judicial e que a jurisprudência, à míngua da continui
dade dos índices ORTN/OTN, fixou para o período do 1.1989 a 1.1991 o
IPC e após o INPC, como se pode conferir pelos acórdãos no EREsp n.
24.168, DJ de 6.3.1995, Rel. Min. Torreão Braz e REsp n. 191.031, DJ de
11.10.1999, Rel. Min. Gilson Dipp, com estas ementas:
"Correção monetária relativa ao mês de janeiro de 1989.
- De acordo com a orientação da Corte Especial, é de 42,72%
o índice da correção monetária a ser adotado para o mês de janeiro de
1989.
- Embargos conhecidos e recebidos em parte."
"Processual e Previdenciário. Benefício. Reajustes da Súmula n.
260-TFR. Correção monetária. Índices aplicáveis.
Consoante a jurisprudência do STJ, os índices aplicáveis na cor
reção monetária, segundo a Lei n. 6.899/1981, são os da variação das
ORTN/OTNs até 12.1988, o IPC de 1.1989 (42,72%) a 1.1991, e de
2.1991 em diante o INPC (IBGE).
Recurso conhecido em parte e, nessa, provido."
Ante o exposto, conheço em parte do recurso e dou-lhe provimento,
para excluir o IPC como índice de atualização das parcelas pagas em atraso
por força da Portaria n. 714/1993.
É como voto.
RSTJ, Brasília, a. 14, (150): 449-516, fevereiro 2002.