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653
Maria Rosa Ferreira Clemente de Morais Tomé Justiça e Cidadania Infantil em Portugal (1820-1978) e a Tutoria de Coimbra Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 2012

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I

Justia e Cidadania Infantil Em Portugal (1820-1978).

A Tutoria de Coimbra

Tese de Doutoramento em Letras,

na especialidade de Histria Contempornea,

apresentada Universidade de Coimbra para

obteno do grau de Doutor

Maria Rosa Ferreira Clemente de Morais Tom

Justia e Cidadania Infantil em Portugal

(1820-1978) e

a Tutoria de Coimbra

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

2012

Faculdade de Letras UC Doutoramento em Letras rea de Histria Especialidade em Histria Contempornea

Maria Rosa Ferreira Clemente de Morais Tom

Justia e Cidadania Infantil em Portugal

(1820-1978) e

a Tutoria de Coimbra

Tese de Doutoramento em Letras,

rea de Histria

na especialidade de Histria Contempornea,

apresentada Universidade de Coimbra para

obteno do grau de Doutor

Orientadoras: Prof. Doutora Maria Antnia Figueiredo Lopes e Prof. Doutora Alcina Maria Castro

Martins

Coimbra, 2012

Faculdade de Letras UC Doutoramento em Letras rea de Histria Especialidade em Histria Contempornea

III

Sumrio

Sumrio ................................................................................................................ III

ndice de Quadros.................................................................................................. X

ndice de Imagens e Fotografias ........................................................................ XIII

ndice de Mapas ................................................................................................ XIII

ndice de Grficos ............................................................................................. XIV

Agradecimentos ................................................................................................. XV

Lista de Siglas ................................................................................................... XXI

Resumo .......................................................................................................... XXIII

Abstract ........................................................................................................... XXV

Introduo .............................................................................................................. 1

PARTE I A QUESTO DA INFNCIA E O SISTEMA PENAL PARA

JOVENS DE MENOR IDADE ........................................................................ 15

Captulo I A Construo Sociopenal da Infncia ................................................ 17

1.1 Controlo Social e Regulao Civil e Social da Infncia .................. 19

1.2 Controlo e Represso Penal: a Questo da Infncia ........................ 25

Captulo II Criminalidade e Punio dos Jovens Menores de Idade .................... 39

2.1 Controlo e Tratamento: a Represso e a Correo dos Jovens ......... 40

2.2 Vigilncia e Educao nos Estabelecimentos Penais para Jovens .... 47

2.3 A Criao do Tribunal para Menores em Illinois ............................ 53

Captulo III Os Atores na Educao e Correo de Crianas e Jovens ................ 59

3.1 Movimentos e Atores Sociais da Ao Socioeducativa ................... 59

3.2 Os Trabalhadores da Correo........................................................ 66

Captulo IV Os Congressos Internacionais e o Movimento para os Direitos da

Criana ............................................................................................................ 71

4.1 Congressos Internacionais de Antropologia Criminal, Biologia e

Sociologia ................................................................................................... 74

Faculdade de Letras UC Doutoramento em Letras rea de Histria Especialidade em Histria Contempornea

IV

4.2 Congressos Penitencirios Internacionais ....................................... 77

4.3 Congressos Internacionais de Proteo Infncia .......................... 82

4.4 O Congresso Internacional de 1911 para os Tribunais de

Menores ...................................................................................................... 89

4.5 O Ps Guerra e os Movimentos Internacionais - a Declarao

dos Direitos da Criana ............................................................................... 97

PARTE II A REGULAO SOCIOPENAL DAS CRIANAS E JOVENS

EM PORTUGAL (1820-1978) ...................................................................... 101

Captulo I O Estado, o Liberalismo Portugus e a Vigilncia Sociopenal

Infncia ......................................................................................................... 103

1.1 Estado e Assistncia Pblica Infncia no Sculo XIX ................ 107

1.2 Liberalismo e Assistncia como Direito ....................................... 109

1.3 Filantropia e Assistncia Sociopenal Infncia ............................ 113

1.4 Assistncia, Correo e Represso das Raparigas em Internato .... 116

1.5 Os Internatos Pblicos e Privados ................................................ 121

1.5.1 As Casas de Asilo da Infncia Desvalida ............................ 123

1.5.2 Internatos de Assistncia em Lisboa ................................... 126

1.5.3 Os Internatos de Assistncia no Porto................................. 131

1.5.4 Os Internatos da Obra do Ministrio da Guerra .................. 133

1.6 Os Internatos Correcionais ........................................................... 135

Captulo II A Primeira Repblica e o Estado Novo: A Assistncia e as

Polticas Pblicas para a Infncia ................................................................... 145

2.1 As Polticas Pblicas na Primeira Repblica e a Proteo

Infncia ..................................................................................................... 147

2.2 O Estado Novo e as Transformaes da Assistncia ..................... 152

2.3 A Famlia e a Condio Social das Mulheres na Primeira Metade

do Sculo XX. .......................................................................................... 160

2.3.1 O Ensino para as Raparigas ................................................ 166

Faculdade de Letras UC Doutoramento em Letras rea de Histria Especialidade em Histria Contempornea

V

2.4 O Movimento da Escola Nova em Portugal .................................. 170

2.5 A Formao de uma Poltica para a Juventude no Estado Novo .... 177

2.5.1 As Instituies de Enquadramento Social e Poltico da

Juventude Portuguesa ........................................................................... 180

2.5.2 A Mocidade Portuguesa...................................................... 184

2.5.2.1 A Mocidade Portuguesa e a Reeducao dos Jovens

dos Servios Tutelares de Menores ................................................... 188

Captulo III Trajetria da Anlise das Problemticas da Infncia e Juventude

As Instituies e a sua Populao ................................................................ 191

3.1 As Estatsticas e a Questo da Infncia ..................................... 192

3.2 A Perspetiva Mdico-Psicolgica ................................................. 194

3.2.1 Os anormais .................................................................... 195

3.2.2 A Tuberculose e sfilis ........................................................ 198

3.2.3 O Alcoolismo ..................................................................... 202

3.3 A Biotipologia e a Criminalidade Infantil - Congresso Nacional

das Cincias da Populao em Portugal. .................................................... 206

3.4 Desenvolvimento da criana, (in)Adaptao Social e Preveno

da Criminalidade Juvenil: orientaes dos Movimentos e Congressos

Internacionais ............................................................................................ 210

3.4.1 A Criana, a Famlia e a Sociedade: Necessidades e

Direitos da Criana ............................................................................... 214

3.4.1.1 O Dia Mundial da Infncia .......................................... 220

3.4.1.2 A UIPI Face ao Problema da Inadaptao Social e do

Fenmeno da Criminalidade Juvenil ................................................. 223

3.5 A Geografia dos Estabelecimentos Pblicos e Privados, de

Assistncia e Proteo Criana e ao Jovem ............................................. 229

3.5.1 A Assistncia na Cidade de Lisboa ..................................... 233

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VI

3.5.2 As instituies da Obra de Proteco Grvida e de

Defesa da Criana de Coimbra e a sua populao ................................. 241

3.5.2.1 As crianas/Jovens com processos de admisso

Obra de Proteo Grvida e Defesa da Criana de Coimbra, entre

1931 e 1954. .................................................................................... 244

3.5.2.2 Caracterizao sociodemogrfica ................................ 247

3.5.2.3 As trajetrias institucionais das crianas/jovens .......... 250

3.5.3 Outras Obras de Assistncia em Portugal ........................... 252

3.5.4 Os Internatos dos Servios Jurisdicionais e Tutelares de

Menores ............................................................................................... 257

3.5.4.1 Os internatos Masculinos ............................................ 264

3.5.4.2 Os Internatos Femininos ............................................. 268

3.5.4.3 Lares de Semiliberdade ............................................... 270

3.5.4.4 Direo, Organizao e funcionamento dos internatos 273

3.5.5 As estatsticas da infncia nas primeiras dcadas do sculo

XX. ...................................................................................................... 277

3.5.6 Crianas/jovens em perigo moral julgadas pela

tutoria/tribunal da infncia de Lisboa, entre 1921 e 1925 ...................... 282

3.5.7 Proteo social e judicial em internato (1955-1973). .......... 287

Captulo IV Cidadania Infantil e Sistema Judicial de Proteo Infncia, ou a

Arte de Governar as Crianas ........................................................................ 291

4.1 A Criana e os Cdigos Penais no Sculo XIX. Idades Menores:

a Culpa e o Castigo ................................................................................... 292

4.2 A Proteo Judicial e as Tutorias da Infncia ............................... 298

4.2.1 Finalidades e Composio das Tutorias/Tribunais de

Menores ............................................................................................... 303

4.3 O Processo Judicial e a Investigao/Observao dos Menores .... 309

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VII

4.4 A Evoluo da Categorizao Judicial da Infncia e o

Tratamento de Menores ............................................................................. 317

4.4.1 A Preveno Criminal e a Interveno Judicial nas

Famlias das Crianas e Jovens ............................................................. 327

PARTE III TUTORIA CENTRAL DA INFNCIA DE COIMBRA E

REFGIO ANEXO - 1925-1978 ................................................................... 333

Captulo I A Criao da Tutoria Central da Infncia de Coimbra e Refgio

Anexo ............................................................................................................ 337

1.1 Debates Parlamentares e o Processo Legislativo ........................... 341

1.2 Financiamento.............................................................................. 347

1.3 Comisso Instaladora ................................................................... 349

1.3.1 A Atividade da Comisso Instaladora ................................. 352

1.4 A Instalao Provisria da Tutoria ............................................... 353

1.4.1 Plano Arquitetnico e Construo do Refgio Anexo ao

Tribunal ................................................................................................ 355

1.4.2 As Instalaes da Tutoria e do Refgio/Centro de

Observao ........................................................................................... 362

1.5 Quadro de Pessoal e suas Atribuies: .......................................... 368

Captulo II Trajetria e Cultura Institucional: Quotidiano, Controlo e

Cidadania....................................................................................................... 377

2.1 Organizao da Vida Diria ......................................................... 379

2.2 Satisfao das Necessidades Bsicas: Alimentao, Sade,

Higiene e Vesturio ................................................................................... 384

2.3 Receitas e Despesas do Refgio ................................................... 390

2.4 O Desenvolvimento do Projeto Sociopedaggico: Sistema

Educativo - a Instruo, a Oficina e a Correo ......................................... 393

2.4.1 A Instruo e a Formao Profissional e Moral ................... 395

2.4.2 O Semi-Internato ................................................................ 399

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VIII

2.4.3 Os Tempos Livres .............................................................. 401

2.5 O Sistema Disciplinar .................................................................. 404

Captulo III A Vigilncia e a Observao da Populao do Refgio/Centro de

Observao (1927 1978). ............................................................................ 413

3.1 O Boletim de Observao ............................................................ 417

3.2 As Fontes e os Dados ................................................................... 427

3.3 Histria dos Primeiros Entrados no Refgio ................................. 427

3.3.1 Os Rapazes ........................................................................ 429

3.3.2 As Raparigas ...................................................................... 434

3.4 Entrados no Refgio entre 1927 e 1978. ....................................... 436

3.4.1 Os rapazes entrados entre 1927 e 1929 ............................... 438

3.4.1.1 Movimento dos semi-internos do sexo masculino nos

anos 1935-1960 ............................................................................... 440

3.4.2 As raparigas e o semi-internato, 1928-1976 ........................ 441

3.4.2.1 Movimento do internato e semi-internato feminino

(1960-1976). .................................................................................... 443

3.5 Caraterizao da Populao Interna entre 1958 e 1978 ................. 444

3.5.1 Identificao dos Jovens Observados ................................. 445

3.5.2 Situao Familiar e Social .................................................. 450

3.6 Avaliao Diagnstica ................................................................. 458

3.6.1 Avaliao Social ................................................................ 459

3.6.2 Avaliao Mdico-Psicolgica ........................................... 465

3.7 Situao Processual dos Jovens .................................................... 468

CONCLUSO ................................................................................................... 473

ANEXOS ........................................................................................................... 485

Anexo n. 1 Obras de Assistncia Criana ....................................... 487

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IX

Anexo n. 2 Crianas e jovens nas organizaes da Obra de Proteo

Grvida e Defesa da Criana de Coimbra (1932-1954)............................ 493

Anexo n. 3 Estabelecimentos Dependentes da Direco Geral dos

Servios Tutelares de Menores - Ministrio da Justia -1975 ..................... 497

Anexo n. 4 Modelos inqurito social ................................................. 501

Anexo n. 5 Boletim Biogrfico ......................................................... 511

Anexo n. 6 Caracterizao da populao masculina entrada no

Refgio/Centro de Observao de Coimbra entre 1927-1929 ..................... 517

Anexo n. 7 Movimento de rapazes em semi-internato (1935-1960) ... 521

Anexo n. 8 Movimento das raparigas em internato e semi-internato

no Refgio/Centro de Observao de Coimbra (1960-1976) ...................... 527

Anexo n. 9 Caracterizao dos jovens observados no

Refgio/Centro de Observao de Coimbra (1958-1978) ........................... 531

Anexo n. 10 Classificao judicial dos jovens em observao no

Refgio/Centro de Observao de Coimbra (1958-1978) ........................... 539

Anexo n. 11 Problemticas familiares dos jovens .............................. 549

Anexo n. 12 Diferena em meses entre a idade mental e a idade real

dos menores em observao no Refgio/Centro de Observao de

Coimbra (1958-1978) ................................................................................ 555

Anexo n. 13 Medida aplicada aos menores internos observados no

Refgio/Centro de Observao de Coimbra ............................................... 559

Anexo n. 14 Destino dos jovens sada do Refgio/Centro de

Observao de Coimbra (1958-1978) ........................................................ 563

FONTES E BIBLIOGRAFIA ............................................................................. 573

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X

ndice de Quadros

Quadro n. 1 Asilos da Infncia Desvalida em Lisboa criados entre 1834 e

1897 .............................................................................................................. 125

Quadro n. 2 Temas do Dia Mundial da Infncia, por ano de comemoraes ... 222

Quadro n. 3 Temas de trabalho do Grupo de Peritos para a Infncia

Delinquente e Socialmente Inadaptada........................................................... 224

Quadro n. 4 Sintomas de conflitos afetivos ou desvios de comportamento...... 226

Quadro n. 5 Lactrios de Lisboa em 1931 ...................................................... 234

Quadro n. 6 Semi-internatos e externatos de Lisboa em 1931 ......................... 235

Quadro n. 7 Cantinas de Lisboa em 1931 ....................................................... 236

Quadro n. 8 Internatos em Lisboa em 1931 .................................................... 240

Quadro n. 9 Internamento nas instituies da OPGDC de Coimbra (1932-

1954) ............................................................................................................. 251

Quadro n. 10 Fundao, lotao e perodo de funcionamento dos

estabelecimentos dos S.J.M. .......................................................................... 263

Quadro n. 11 Lares de Semiliberdade ............................................................. 271

Quadro n. 12 Menores processados pelas Tutorias Centrais (1928-1937) ....... 279

Quadro n. 13 Processos instaurados e menores julgados na Tutoria central da

Infncia de Lisboa entre 1920 e 1930, segundo a natureza do processo .......... 281

Quadro n. 14 Idades e Penas .......................................................................... 293

Quadro n. 15 Sistema penal de proteo a jovens de menor idade................... 298

Quadro n. 16 Fins da Tutoria/Tribunal de Menores ........................................ 304

Quadro n. 17 Composio da Tutorias/Tribunal de Menores .......................... 308

Quadro n. 18 Categorizao dos jovens e medidas de proteo, tutela e

cveis ............................................................................................................. 323

Quadro n. 19 Contas do Ano Econmico de 1929 .......................................... 390

Quadro n. 20 Receitas/Despesas dos anos 1967, 1973 e 1975 ......................... 391

Quadro n. 21 Castigos aplicados entre 1934 e 1940 ........................................ 406

Quadro n. 22 Valores padro para classificao da robustez ........................... 420

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XI

Quadro n. 23 Quadro de avaliao pedaggica ............................................... 423

Quadro n. 24 O corpo: altura e peso dos internos entrada ............................. 433

Quadro n. 25 Destino Judicial dos Jovens ....................................................... 434

Quadro n. 26 Movimento populacional do Refgio (1927-1940) .................... 437

Quadro n. 27 Movimento de menores em semi-internato 1935-1960............... 441

Quadro n. 28 Destino das menores entradas em 1929 ..................................... 442

Quadro n. 29 Movimento de raparigas no Refgio/Centro de Observao-

internato 1960-1976. ...................................................................................... 443

Quadro n. 30 Nmero de raparigas em semi-internato .................................... 444

Quadro n. 31 Distribuio anual e por sexos dos ingressos para observao

no Refgio-CO, 1958-1978 ............................................................................ 446

Quadro n. 32 Distribuio dos menores/jovens por sexo, 1958-1978 .............. 446

Quadro n. 33 Naturalidade (Distrito)/Sexo, 1958-1978 ................................... 448

Quadro n. 34 Concelhos de residncia por sexo com percentagens superiores

a 1, 1958-1978 ............................................................................................... 449

Quadro n. 35 Situao dos pais, 1958-1978 .................................................... 451

Quadro n. 36 Filiao, 1958-1978 .................................................................. 451

Quadro n. 37 Habilitaes literrias entrada por sexo, 1958-1978 ................ 453

Quadro n. 38 Experincia profissional das raparigas entrada, 1958-1978 ..... 455

Quadro n. 39 Experincia profissional dos rapazes entrada, 1958-1978 ........ 457

Quadro n. 40 Causa da interveno judicial/Sexo, 1958-1978 ......................... 460

Quadro n. 41 Problemticas familiares (alcoolismo), 1958-1978 .................... 463

Quadro n. 42 Problemticas familiares (familiares na priso), 1958-1978 ....... 464

Quadro n. 43 Aptides intelectuais/Sexo, 1958-1978 ...................................... 466

Quadro n. 43.1 Sntese - Aptides intelectuais/sexo ........................................ 467

Quadro n. 44 Sade Mental/Destino, 1958-1978 ............................................. 467

Quadro n. 45 Tempo de espera para deciso judicial (em meses)/Sexo, 1958-

1978 .............................................................................................................. 469

Quadro n. 46 Medidas aplicadas, 1958-1978 .................................................. 470

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XII

Quadro n. 47 Entrega a familiares ou outros, 1958-1978 ................................ 470

Quadro n. 48 Distribuio dos menores/jovens pelos Institutos de

Reeducao, 1958-1978 ................................................................................. 471

Quadro n. 49 Perodo de internamento no CO/Sexo, 1958-1978 ..................... 472

Quadro n. 2.1 - Colocao das crianas e jovens nas organizaes da Obra de

Proteo Grvida e Defesa da Criana de Coimbra ..................................... 494

Quadro n. 2.2 - Colocao por instituio (1932-1954) ..................................... 496

Quadro n. 7.1 - Movimento mensal de rapazes do semi-internato 19351940 .... 523

Quadro n. 7.2 Movimento mensal de menores do semi-internato 1941-1950 .. 524

Quadro n. 7.3 Movimento mensal de menores do semi-internato 1951-1960 .. 525

Quadro n. 8.1 Movimento Mensal da Raparigas 1960-1969 ........................... 529

Quadro n. 8.2 Movimento Mensal da Raparigas 1970-1976 ........................... 530

Quadro n. 8.3 Nmero de raparigas em semi-internato (novembro de 1961 a

setembro de 1976) ......................................................................................... 530

Quadro n. 9.1 Idade dos internos entrada no Refgio/Centro de

Observao/por sexo (1958-1978) ................................................................. 533

Quadro n. 9.2 Residncia dos menores/jovens ................................................ 534

Quadro n. 9.3 Habilitaes literrias dos menores/jovens entrada ................ 537

Quadro n. 10.1 Classificao dos jovens/por ano de entrada ........................... 541

Quadro n. 11.1 Problemticas familiares ........................................................ 551

Quadro n. 12.1 Diferena em meses entre a idade mental e a idade real .......... 557

Quadro n. 13.1 Medida Aplicada .................................................................... 561

Quadro n. 14.1 Destino dos jovens sada do refgio/centro de observao ... 565

Quadro n. 14.2 Entregue a/Sexo .................................................................... 571

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XIII

ndice de Imagens e Fotografias

Gravura n. 1 A Declarao dos Direitos da Criana assinada em 1952 ............ 221

Gravura n. 2 Ata da 1. reunio da Comisso Instaladora, assinada por Joo

Bacelar, como Juiz Presidente da Tutoria da Infncia de Coimbra .................. 352

Fotografia n. 1 Pavilho Masculino, do esplio pessoal de Carolina Lemos:

finais dos anos 1920, quando da visita da Universidade Livre organizada por

lvaro Viana de Lemos ................................................................................. 363

Fotografia n. 2 Pavilho Feminino, do esplio pessoal de Carolina Lemos:

finais dos anos 1920, quando da visita da Universidade Livre organizada por

lvaro Viana de Lemos ................................................................................. 364

Fotografia n. 3 A Equipa Dirigente. ................................................................ 370

ndice de Mapas

Mapa n. 1 Distribuio das instituies de Higiene Social da Junta da

Provncia da Beira Litoral .............................................................................. 243

Mapa n. 2 Estabelecimentos de Guarda, Defesa e Proteco de Menores

(1911-1962) ................................................................................................... 260

Mapa n. 3 As Tutorias da Infncia .................................................................. 303

Mapa n. 4 Distribuio dos edifcios da Tutoria Central da Infncia e

Refgio anexo. ............................................................................................... 356

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XIV

ndice de Grficos

Grfico n. 1 Sexo das crianas/jovens entradas na Obra Proteco Grvida

e Defesa da Criana de Coimbra entre 1931 e 1954 ....................................... 248

Grfico n. 2 Idade das crianas/jovens entradas na Obra de Proteco

Grvida e Defesa da Criana de Coimbra entre 1932 e 1954 .......................... 249

Grfico n. 3 Situao Familiar das crianas/jovens entradas na Obra

Proteco Grvida e Defesa da Criana de Coimbra entre 1931 e 1954 ....... 250

Grfico n. 4 Motivo da interveno da Tutoria da Infncia de Lisboa entre

1921 e 1924 ................................................................................................... 279

Grfico n. 5 Menores julgados pelos Tribunais de Menores (1948-1958) ....... 281

Grfico n. 6 Sexo dos menores em perigo moral julgados na

Tutoria/Tribunal da Infncia de Lisboa entre 1911-1925 ................................ 282

Grfico n. 7 Idade dos menores em perigo moral com processo na Tutoria da

Infncia de Lisboa entre 1921 e 1925............................................................. 283

Grfico n. 8 Naturalidade dos Menores em Perigo Moral julgados na Tutoria

da Infncia de Lisboa entre 1921 e 1925 ........................................................ 284

Grfico n. 9 Filiao dos jovens em perigo moral julgados na

Tutoria/Tribunal da Infncia entre 1921 e 1925 ............................................. 284

Grfico n. 10 Instruo dos menores em perigo moral julgados na

Tutoria/Tribunal da Infncia entre 1921 e 1925 ............................................. 285

Grfico n. 11 Destino dos Menores em Perigo Moral julgados na

Tutorial/Tribunal de Menores de Lisboa entre 1921 e 1925 ........................... 286

Grfico n. 12 Lotao e Menores em Observao nos Refgios/Centros de

Observao de Lisboa, Porto e Coimbra: 1955-1973...................................... 287

Grfico n. 13 Jovens internos residentes nos Institutos de Reeducao em

dezembro (1960 1969) ................................................................................ 288

Grfico n. 14 Jovens internos residentes em dezembro (1970-1973) ............... 289

Grfico n. 15 Movimento de menores entre 1927 e 1940. ............................... 438

Grfico n. 16 Idade dos jovens entrada/sexo ................................................ 447

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XV

Agradecimentos

Aos meus pais

E se no cu ainda se chora

Levai-lhes a minha dor

Prof. Doutora Maria Antnia Lopes pelo acolhimento, pela disponibilidade

e imensa sabedoria com que orientou a investigao que surge agora sob a forma de

tese. Os seus conselhos, as longas conversas e as sugestes, bem como a pacincia e

dedicao que teve nas horas ms, foram de enorme mestria e indispensveis para

que este trabalho chegasse ao fim.

Prof. Doutora Alcina Martins, minha professora orientadora h mais de 10

anos e que agora generosamente aceitou coorientar esta tese, em que aprofundo e

desenvolvo o trabalho que iniciei com ela. Pela proximidade que vivemos no

quotidiano, foi quem mais conviveu com a minha inquietao ao longo do processo

de investigao e da elaborao do trabalho escrito. As suas sugestes e incentivos

foram indispensveis, bem como os comentrios sbios, a que, alis, me foi

habituando ao longo destes anos.

Direo-Geral de Reinsero Social, pela autorizao para consultar os

Arquivos do Refgio/Centro de Observao anexo Tutoria Central da Infncia de

Coimbra/Tribunal de Menores e, fundamentalmente, ao Centro Educativo dos

Olivais (CEO) pelo acolhimento de todos. A sua diretora, Dra. Ana Maria Matos foi

de uma enorme disponibilidade e o seu contributo foi francamente indispensvel para

a acessibilidade aos documentos do Arquivo. Foi com toda a diligncia que me

proporcionou as melhores condies (sempre as mais favorveis possveis), para a

consulta dos materiais. Aos senhores coordenadores das equipas porque, na ausncia

da Senhora Diretora, foram muito disponveis e colaborantes. Aos senhores tcnicos

superiores de reinsero social e tcnicos profissionais de reinsero social, aos

funcionrios, particularmente as senhoras da limpeza, que sempre foram to

prestveis quando lhes pedia o favor de aspirar as salas e limpar o p, tarefa de

manuteno do espao e dos materiais, to importante para a facilitao da consulta

dos livros e processos antigos. Mas o meu obrigado mais sentido dirigido aos

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XVI

jovens internos que conviveram com a minha presena durante cerca de trs anos e

foram to amveis e acolhedores.

Prof. Doutora Myrian Veras Baptista, coordenadora do Ncleo da Criana e

do Adolescente (NCA) do curso de Doutoramento em Servio Social da PUC-SP,

que me recebeu em agosto de 2007. A possibilidade de realizar um estgio de

investigao durante um ms no NCA proporcionou-me uma experincia

indispensvel para a compreenso do debate que se desenvolvia no Brasil. sempre

muito til ter a possibilidade de participar no debate internacional pelo interesse que

tem para a reestruturao de ideias e de influncias que se cruzam. Falou-me do

rumo da investigao que desenvolvia com os seus alunos e orientou-me em leituras

de teses e outra bibliografia fundamentais para este trabalho. Com os meus colegas

do Ncleo tive a oportunidade de conhecer as grandes reas de preocupao, terica

e profissional, que estavam em cima da mesa. A estadia nesta Universidade

proporcionou-me uma enorme riqueza, pois, para alm da atividade do NCA, deu-me

acessibilidade a todos os seus servios: a biblioteca especializada, a seco de textos,

a reprografia, as aulas e seminrios de outros cursos.

Agradeo tambm a outros professores do doutoramento em servio social,

particularmente Prof. Doutor Evaldo Vieira, Prof. Doutora Lcia Barroco e Prof.

Doutora Lcia Martinelli, porque me permitiram assistir s suas aulas.

s minhas queridas amigas e colegas Liduna Silva e Esther Lemos. A Liduna,

amiga de longa data, acolheu-me em sua casa, em So Paulo, to prximo da PUC,

que at a cidade parecia pequena. Com ela conversei horas a fio sobre os problemas

inerentes s polticas de defesa dos direitos da criana e do adolescente, no Brasil e

em Portugal, usufrui de encontros com colegas, estudantes e assistentes sociais, nas

faculdades (FAMA e So Francisco), onde trabalhava na altura e, nas horas vagas e

de lazer fui conduzida pelo mundo da cultura paulista. Para alm da Liduna, a

Luciana, a Fernandinha, a Francisca, o Rodrigo, o Gustavo e tantos outros

participaram nesta jornada e foram indispensveis para que as pequenas grandes

coisas de um quotidiano no outro hemisfrio. A Esther Lemos recebeu-me na sua

casa, em Toledo, onde estive uma semana para participar nas atividades do 3.

Seminrio Nacional Estado e Polticas Sociais no Brasil, realizado na Universidade

Estadual do Oeste do Paran UNIOESTE.

Dra. Carolina Lemos, por quem nutro um carinho muito especial. Filha de

lvaro Viana de Lemos, figura incontornvel da pedagogia portuguesa, abriu as

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XVII

portas de sua casa e mostrou-me o seu gosto pela Histria, fundamentalmente pela

sua vida, que teve o pai como uma das personagens principais. Para alm do muito

trabalho que lvaro Viana de Lemos desenvolveu, a rea de interesse das nossas

conversas centrou-se no perodo em que foi professor de trabalhos manuais no

Refgio anexo Tutoria Central da Infncia de Coimbra, no final dos anos de 1920 e

at 1933, quando foi preso poltico por crimes cometidos na sala de aula.

Ofereceu-me memrias, fotografias e documentos que, com a sua autorizao, copiei

e ofereci aos servios para que se pudesse salvaguardar a memria de algumas

pontas perdidas.

Dra. Eliana Gerso, diretora do Centro entre 1978 e 1984, que o conheceu

desde menina, porque sobrinha de Manuel Liberato Faria Gerso, diretor do

Refgio/Centro de Observao entre 1950 e 1970. Esta vivncia, aliada ao seu

percurso acadmico e profissional, confere-lhe uma autoridade particular, que me foi

muito proveitosa, pelos sbios esclarecimento e orientaes na busca de documentos,

e indicao de pessoas significativas ligadas instituio. Registo ainda a sua grande

disponibilidade e amabilidade, sempre que a abordei.

Ao Dr. Alfredo Jos Leal Castanheira Neves, diretor do Centro de Observao

entre 1973 e 1978, porque gentilmente me deu acesso consulta do seu esplio

pessoal. Sem esses documentos no teria sido possvel construir a histria de um

perodo to importante na vida do Centro como aquele que foi marcado pela

transio do Estado Novo para o regime Democrtico.

Dra. Libnia Rosa Lopes e ao Dr. Victor Campos, respetivamente assistente

social e mdico do Centro de Observao de Coimbra desde 1973, de quem recolhi

informao sobre dados da mudana que imprimiram, quer s rotinas profissionais,

quer s do quotidiano interno do Centro.

A Monsenhor Joo Evangelista, que foi assistente religioso no Refgio, durante

todo o perodo em que esteve ao servio da parquia de Santo Antnio dos Olivais

em Coimbra, que em entrevista falou das diversas inquietaes que viveu na

instituio durante mais de 40 anos, dos rapazes e raparigas que a habitaram e do

trabalho que com eles desenvolveu.

s antigas funcionrias do Centro, D. Isabel, D. Clia, D. Arminda, D.

Carmelita, D. Maria, D. Helena e outros que participavam nas festas do CEO, e

com quem informalmente conversei sobre vrios aspetos da vida do Centro nos anos

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XVIII

60. Todos eles meus conhecidos, por l ter exercido funes de tcnica de educao,

entre 1984/86.

Dra. Manuela Ferro, diretora do Arquivo Histrico Parlamentar que me

enviou diligentemente toda a informao sobre os processos legislativos das

primeiras Comisses de Proteo de Menores de 1911, bem como cpia dos debates

parlamentares sobre questes da justia, incluindo o processo relativo criao da

Tutoria Central de Coimbra e Refgio anexo.

Ao Dr. Jos Manuel Beleza e Prof. Doutor Maximino Correia Leito, netos de

Jos Beleza dos Santos, Juiz de Menores da Tutoria Central da Infncia de Coimbra e

de Maximino Correia, mdico do Refgio, antes de assumir funes de Reitor da

Universidade de Coimbra, porque cederam fotografias, contribuindo assim para a

elaborao do painel dos pioneiros que integra este trabalho.

Dra. Ana Bastos que gentilmente colaborou na identificao de algumas

personalidades republicanas da equipa de construo da Lei de Proteo Infncia

de 1911, ligadas maonaria.

Arq. Teresa Freitas da Cmara de Coimbra, bem como Sra. D. Graa

Jordo, porque diligentes e prestativas para a busca de documentos histricos da

Tutoria/Refgio de Coimbra. Ao Instituto de Habitao e Reabilitao Urbana

(IHRU), em Lisboa, particularmente ao Dr. Joo Nuno Reis e Dra. Helena, do

Arquivo da Diviso de Biblioteca e Informao Bibliotecria, pelo acesso s plantas

de construo e reforma, bem como a fotografias elucidativas da evoluo do

Refgio/CO de Coimbra. Sra. guarda da receo, pela gentileza e pela qualidade

dos seus servios na orientao e acessibilidade em segurana aos departamentos do

IHRU.

Aos Servios de Planeamento e Relaes Externas da Direo Geral dos

Servios Prisionais e da Direo Geral de Reinsero Social, em Lisboa, que

prestaram algumas das informaes solicitadas.

Ao Arquivo Geral do Exrcito de Lisboa, que forneceu, os dados que tinha

disponveis sobre alguns dos primeiros funcionrios administrativos do Refgio

anexo Tutoria, depois de ter recorrido infrutiferamente a fontes diversas (jornais da

poca, jornalistas atuais, lista telefnica para procurar familiares descentes e outros).

Ao Dr. Paulo Cravo, Juiz do Tribunal de Menores de Coimbra, que facilitou o

acesso aos processos dos menores arquivados para memria futura no Tribunal de

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XIX

Menores de Coimbra, bem como ao funcionrio administrativo, que foi diligente a

fornecer informaes e tirar dvidas sobre as matrias dos processos.

Dra. Ftima Lopes pela disponibilidade no apoio reviso do texto.

Prof. Doutora Fernanda Daniel que me deu um auxlio precioso na

elaborao da base de dados e tratamento estatstico das informaes recolhidas nos

1091 boletins de observao do Refgio/CO, no perodo 1958-1978.

Ao Dr. Armando Leandro, presidente da Comisso Nacional de Crianas e

Jovens em Perigo, que me cedeu informao importante sobre o diretor-geral dos

Servios Tutelares de Menores em exerccio no perodo de transio do Estado Novo

ao Regime Democrtico e autor de uma avaliao do estado dos servios e de

propostas de mudana.

Dra. Cristina Nogueira, documentalista do Centro de Documentao Bissaya

Barreto, da Fundao Bissaya Barreto, pelo seu auxlio na pesquisa dos processos

das crianas entradas nas instituies da Obra de Proteco Grvida e Criana da

Junta da Provncia da Beira Litoral.

Agradeo tambm Dra. Paula Monteiro, Tcnica Superior da DGRS, pelas

informaes cedidas sobre alguns aspetos de funcionamento dos internatos judiciais.

Aos meus amigos, principalmente Ana Maria e Eduardo, a quem tanta vez

disse no posso. Cndida, amiga e colega de longa data que to bem soube

apoiar em momentos difceis e me deu a conhecer o Antnio.

Aos alunos estagirios do ramo de justia e reinsero e aos estudantes do

mestrado, dos cursos de servio social do ISMT, que tantas vezes alimentaram

discusses muito estimulantes. Relembro a Irina, a Cludia, a Susana, a Martinha, e

tantas outras estagirias da licenciatura, bem como a Cristina, a Patrcia e a ngela, a

quem coorientei os seus trabalhos de dissertao de mestrado.

Patrcia Sousa e Joo Sousa, pelo apoio tcnico to til.

Ao Jorge que editou algum do esplio fotogrfico deste trabalho. Rosa

Maria, ao Fernando, ao Andr, ao Mrio Rui e, muito especialmente, ao Jota.

Ao Mrio que acompanhou incansavelmente a reviso de todos os imprevistos

informticos e grficos desta tese.

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XXI

Lista de Siglas

AIEJI Associao Internacional dos Educadores de Jovens Inadaptados

AIPI Associao Internacional de Proteo Infncia

AIHRU Arquivo do Instituto da Habitao e Reabilitao Urbana

AIMJ Associao Internacional dos Magistrados da Juventude

APC Arquivo Privado e Confidencial

APPACDM Associao Portuguesa de Pais e Amigos do Cidado Deficiente

Mental

APPC Associao Portuguesa de Paralisia Cerebral

ATMC Arquivo do Tribunal de Menores de Coimbra

AUC Arquivo da Universidade de Coimbra

BICE Bureau International Catholique de lEnfance

BIPE Bulletin International de Protection de lEnfance

BO Boletim de Observao

CAEF Colgio de Acolhimento Educao e Formao

CERCI Cooperativa de Educao e Reabilitao de Crianas Inadaptadas

CO Centro de Observao

COAS Centro de Observao e Aco Social

DGEMN Direo Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais

DGRS Direo Geral de Reinsero Social

DGSTM Direo Geral dos Servios Tutelares de Menores

FNAT Federao Nacional para a Alegria no Trabalho

FNIPI Federao Nacional das Instituies de Proteo Infncia

GOLU Grande Oriente Lusitano Unido

IAF Instituto de Apoio Famlia

ICEF International Childrens Emergency Fund

IHRU Instituto da Habitao e Reabilitao Urbana

IRS Instituto de Reinsero Social

LPI Lei de Proteo Infncia

MP Mocidade Portuguesa

MPF Mocidade Portuguesa Feminina

OAA Organizao para a Alimentao e a Agricultura

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XXII

OMS Organizao Mundial de Sade

ONU Organizao das Naes Unidas

OPGDC Obra de Proteco Grvida e Defesa da Criana

OIT Organizao Internacional do Trabalho

OMEN Obra das Mes pela Educao Nacional

OTM Organizao Tutelar de Menores

PIDE Polcia Internacional de Defesa do Estado

PRP Partido Republicano Portugus

PVDE Polcia de Vigilncia e Defesa do Estado

TIC Tutoria da Infncia de Coimbra

UIPI Unio Internacional de Proteo Infncia

UMOSIA Unio Mundial dos Organismos para a Salvaguarda da Infncia e

Adolescncia

UNICEF United Nations Childrens Found

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XXIII

Resumo

Subordinada ao tema da justia e cidadania infantil, a presente tese debrua-se

sobre a represso, o controlo e o (des)governo da infncia em Portugal entre 1820 e

1978, centrando-se depois no estudo das prticas concretas, ao descer at Coimbra,

para construir a histria dos primeiros 50 anos da existncia da Tutoria Central da

Infncia e Refgio anexo (1927 a 1978).

Os objetivos gerais que presidiram anlise de dois sculos de organizao e

desenvolvimento da justia social e judicial da infncia foram os seguintes: 1)

analisar os debates e as influncias colhidas no plano internacional para a criao de

leis, internatos e sistemas de observao/tratamento das crianas e jovens em

Portugal; 2) enquadrar local e temporalmente a construo sociopoltica do problema

da infncia; 3) construir a histria e a trajetria das instituies judiciais de Coimbra

e as suas prticas de represso, controlo e governo da populao infantil e juvenil,

insistindo nos procedimentos de observao, tratamento e organizao da vida

quotidiana do Refgio anexo Tutoria Central da Infncia.

A investigao assentou na anlise de fontes manuscritas de ndole

institucional, (Centro Educativo dos Olivais, do Tribunal de Menores de Coimbra, do

Instituto de Habitao e Reabilitao Urbana e da Universidade de Coimbra) e de

fontes impressas de distintas tipologias (legislao, textos doutrinais, atas de reunies

cientficas e jornais, nacionais e locais), enquadrada, naturalmente, em bibliografia

especializada. Recorreu-se ainda a fontes orais, com a realizao de entrevistas a

especialistas (juristas, dirigentes institucionais, elementos de equipas tcnicas e

trabalhadores) e recolha de testemunhos junto de familiares de funcionrios da

Tutoria e do Refgio de Coimbra. Estas fontes permitiram recuperar informaes

inexistentes em registo escrito.

Tanto a nvel internacional como nacional, a questo da infncia integrou no

seu seio jovens de idades variadas e com problemas/necessidades distintas e

apareceu, a partir do sculo XIX, subordinada s preocupaes da formao de mo-

de-obra para o mundo do trabalho. Assim, o atendimento especializado s crianas e

jovens em funo das necessidades, confundia-se com a poltica de os reintegrar

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XXIV

social e profissionalmente, tendo proliferado pelos diferentes pases do mundo

ocidental, um conjunto de internatos agrcolas e industriais, que visavam socializar

os jovens vadios e delinquentes de ambos os sexos para os tornar elementos teis

sociedade.

O sculo XX introduziu o discurso dos direitos da criana e, com ele,

institucionalizou a relao necessidades/direitos (pobreza, sade, educao, justia).

Nos anos 20 proliferaram pela Europa as leis de proteo infncia e, portanto, as

polticas penais especiais para tratamento dos menores, com o fundamento da

preveno criminal para a defesa da sociedade. Portugal foi pioneiro nesta matria,

com a publicao da Lei de Proteo Infncia, em 1911. Depois da II Guerra

mundial, o desenvolvimento internacional de diversas formas de estado-providncia

ampliou os fundamentos da preveno social e desenvolveram-se polticas sociais

promotoras dos direitos da criana. Ao contrrio, em Portugal, a experincia penal de

preveno criminal dominou as formas de assistncia at 1978 e, com ela, a

preocupao dominante de controlo social pela preveno criminal, facto a que no

foi alheio a longevidade do Estado Novo e o seu interesse na formulao de uma

poltica de controlo para a juventude.

Assim, sob um discurso de proteo de direitos, desenvolveu-se um sistema de

proteo e tutela, subordinado a uma lgica de controlo do comportamento social

e/ou criminal, pela realizao regular do exame (mdico, antropolgico, psicolgico,

escolar e social) e julgamento de menores, como se pode ver pela anlise da histria

das instituies e das crianas e jovens de ambos os sexos, tuteladas em Coimbra, a

partir de 1927/1928. O observador e o observado viveram num sistema fechado,

pantico, at 1974. Alteraes na equipa dirigente e a Revoluo de Abril

introduziram alguns elementos de democratizao da instituio. J no que diz

respeito ao julgamento, as suas regras apenas viram reformulaes com a publicao

da Organizao Tutelar de Menores de 1978.

Palavras-chave: Justia e Jurisdicizao da Infncia; Infrao e Cidadania

Infantil; Represso e Controlo; Coimbra e Tutoria da Infncia.

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XXV

Abstract

This thesis on the subject of Justice and child citizenship deals with the

repression, control and (mis)management of childhood in Portugal between 1820 and

1978. Then, focussing on the study of concrete practices, it writes the history of the

first 50 years of existence of the Tutoria Central da Infncia e Refgio

Anexo.(1927-1978) in Coimbra.

The main goals that guided the analysis of two centuries of the organization

and development of social and judicial justice for children were the following:

To analyse the international debates and their influences on the laws,

institutions and systems of observation and treatment of children and adolescents in

Portugal;

To describe the context of the social and political construction of the problem

of infancy;

To write the history of the judicial institutions in Coimbra and their practices

of repression, control and management of the child and youth population, with

emphasis on the practices of observation, treatment and organization of daily life in

the Shelter (adjacent to and) run by the Tutoria Central da Infncia.

Research was based on the analysis of institutional handwritten sources (from

Centro Educativo dos Olivais, Tribunal de Menores de Coimbra, Instituto de

Habitao e Reabilitao Urbana and Universidade de Coimbra), written sources of

different kinds (legislation, religious tracts, minutes of scientific meetings, local and

national newspapers), besides specialised bibliography. Oral sources were also used:

interviews with experts (legal experts, heads of institutions, caseworkers) and

testimonies provided by relatives of the staff of Tutoria and Refgio de Coimbra

were gathered. These testimonies supplied information not available in written

records.

Both at the international and national level, starting in the 19th

century the

question of childhood encompassed youngsters of several ages and with different

problems and needs, and its main purpose was to provide and train workers for the

labour force. Thus, the assistance to children and adolescents according to their

needs was intertwined with the policy of integrating them professionally and

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XXVI

socially; agricultural and industrial working houses that aimed at socializing stray

and delinquent youngsters of both sexes to make them socially useful spread

throughout the western world.

The 20th century introduced the discourse of childrens rights and established

the relationship between needs and rights (poverty, health, education, justice). In the

1920s, laws protecting children spread throughout Europe and, as a consequence, so

did the special penalty framework for dealing with minors, based on crime

prevention for the protection of society. Portugal was a pioneer in this matter, with

the Law for the Protection of Childhood being approved in 1911. After World War

II, the emergence of a number of welfare states worldwide expanded the concept of

social prevention, and new social policies were implemented that protected the rights

of children. In Portugal, however, crime prevention was the goal of all forms of

assistance as late as 1978, a doctrine that was linked to the longevity of the Estado

Novo and its vested interest in implementing a policy of youth control.

Thus, from within the discourse of youth protection emerged a system of

protection and guardianship, based on a logic of social and/or criminal behaviour

control, favouring regular testing (medical, anthropological, psychological, school

and social) and trial of minors, as you can see in the analysis of the history of the

institutions and of the children and adolescents institutionalized in Coimbra starting

in 1927-28. Monitor and subject lived in a closed, panoptic system, up to 1974.

Changes in leadership and the April Revolution brought a degree of

democratization to the institution. In what concerns court proceedings, its rules didnt

change until the Organizao Tutelar de Menores (Juvenile Guardianship Rules) of

1978.

Keywords: Justice, Infant Citizenship, repression, Control, Tutoria and Infant

Control, Coimbra

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1

Introduo

A memria a conscincia inserida no tempo.

Fernando Pessoa

O presente trabalho, tem como objeto de estudo a questo da infncia e os

sistemas de controlo e proteo de menores em Portugal, nascidos com o

Liberalismo, institudos na Primeira Repblica e aprofundados no Estado Novo e nas

primeiras dcadas do regime democrtico.

A infncia que aqui trabalhamos a que diz respeito ao grupo de jovens

vtimas da evoluo do mundo do trabalho industrial, criador de novas formas de

riquezas e pobrezas, desigualdades e excluses sociais. Os Salvadores da Criana,

(designao de Anthony Platt para a proliferao de movimentos filantrpicos,

cientficos, polticos e profissionais), recearam o potencial de violncia inscrito na

vida das crianas das classes trabalhadoras urbanas e inventaram a delinquncia

juvenil e, em seu nome, nasceu um ideal de proteo e regenerao das classes

populares, intelectual e institucionalmente organizado, em nome da defesa da causa

da criana.

A oportunidade de conhecer na primeira pessoa, nos anos 80 do sculo

passado, a dinmica profissional da organizao da vida em internato, um grupo de

jovens, rapazes e raparigas, em observao no Centro de Observao e Ao Social

(COAS de Coimbra) e a aguardar a aplicao de uma medida de assistncia, tutela ou

reeducao, constituiu o ponto de partida dos investimentos acadmicos e da

investigao iniciada nos anos 90 como Assistente no Instituto Superior de Servio

Social de Coimbra. Quase todas as dvidas e inquietaes tericas se sustentavam

tambm na memria de um rosto e de uma histria.

Mas foi com a dissertao de mestrado sobre a questo da criana e da

delinquncia juvenil e a criao do primeiro tribunal de menores em Portugal, a

Tutoria da Infncia de Lisboa, que demos incio ao aprofundamento da questo.

Fizemos ento uma primeira aproximao aos debates dos congressos internacionais,

tendo ficado clara a sua importncia para a compreenso do desenvolvimento do

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2

sistema em Portugal. Analisamos a construo das estruturas liberais socializadoras,

substitutivas das velhas instituies sociais educativas e, nesse contexto, o papel da

lei (dos Cdigos Civil e Penal) e dos tribunais. Guiado pelo cientismo positivista

animador de toda a atividade anticlerical que dominava no final do sculo XIX e

princpio do sculo XX, o processo de implantao da Repblica deu um lugar

especial questo da infncia, elevou-a categoria de caso poltico e abriu o

caminho do governo da criana

Faltava saber como se desenvolveu e se expandiu no pas, a poltica de

proteo infncia. lugar-comum afirmar que a Repblica centrou as suas

preocupaes no desenvolvimento urbano e, relativamente criana, como em outros

assuntos estruturantes, isso foi sinnimo de Lisboa e Porto. Coimbra tambm era

cidade e no era uma cidade qualquer. Daqui saram os intelectuais e cientistas mais

influentes na estruturao das leis e das instituies judiciais para menores. Porque

foi a cidade negligenciada, se os problemas que afetavam as suas crianas tinham

igual premncia? Aqui tambm havia muitas crianas com fome, abandonadas,

vtimas de outras violncias e na priso. Esta questo constituiu outro eixo central

das nossas preocupaes e, na verdade, a maior aventura deste processo de

investigao.

A deciso de no abandonar este caminho, to perigoso para um trabalho com

prazos, deveu-se a muitos incentivos e apoios de algumas pessoas fundamentais. Para

alm das orientadoras, outros especialistas da matria muito envolvidos na formao

dos profissionais do sistema, na direo das instituies e na ao direta para a

assessoria ao trabalho dos tribunais de menores foram dialogantes, ou permitiram o

acesso a informao que parecia inacessvel.

Afigurava-se complexa a tarefa a que nos estvamos a propor, mas possvel. A

histria da criana e das suas instituies, da violncia e das instituies judiciais,

das profisses modernas de controlo/reforma social, tm sido objeto de estudo de

diferentes disciplinas. Este interesse foi renovado nos finais do sculo XX, fruto das

mudanas que ocorriam no mundo ocidental e que pareciam fragilizar as estruturas

institucionais criadas. Quase parecia que era preciso inventar tudo de novo!

Para alm da vasta lista de publicaes de Eliana Gerso, sobre a histria do

direito de menores, da obra mais recente de Antnio Carlos Duarte-Fonseca sobre o

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3

internamento de delinquentes1, da publicao conjunta do Instituto da Habitao e

Reabilitao Urbana (IHRU) e Direo Geral de Reinsero Social (DGRS), sobre a

arquitetura dos estabelecimentos da justia2 e do livro coordenado por Joo Teixeira

Lopes sobre a Tutoria do Porto3, encontrmos nas cincias da educao, psicologia e

servio social, alguns trabalhos norteadores do projeto. Por um lado, todos tinham

uma orientao disciplinar e dirigida ao estudo de segmentos especficos do

atendimento infncia.

Por outro lado, os que fazem a anlise das instituies e seus modelos de

interveno, praticamente no referenciam a Tutoria da Infncia de Coimbra e o seu

Refgio anexo. Nenhum se centrou no estudo dos processos de observao que

precediam a interveno judicial e que se tornou o ponto de partida estratgico para

permitir a adequao do sistema aplicao de medidas indeterminadas aos jovens,

defendido na chamada nova criminologia e bem acolhida entre ns, como daremos

conta neste trabalho.

A observao era periodicamente efetuada por mdicos, psiclogos,

professores, peritos orientadores e delegados de vigilncia ou mais tarde, assistentes

e auxiliares sociais. Estes constituam o grupo profissional de observadores e

simultaneamente, de tratamento. Inicialmente integravam o coletivo de juzes dos

tribunais da infncia, como juzes adjuntos. A partir da reestruturao dos tribunais,

na lei de 1944, estes passaram para as equipas dos servios de administrao da

justia. Assim garantiram a permanente articulao entre observao e tratamento e

elaboravam os pareceres fundamentados sobre as necessidades/vantagens de manter

ou alterar a medida ou de restituir o jovem ao meio social livre. Os assistentes sociais

dos servios que tivemos oportunidade de entrevistar faziam parte dos quadros da

Direo Geral dos Servios Tutelares de Menores (DGSTM), mas funcionalmente,

estavam subordinados ao Tribunal.

Assim, a ideia de estudar as instituies judiciais para menores de Coimbra e,

especificamente o procedimento desenvolvido para a sua observao pareceu-nos

pertinente.

1 Cf. Internamento de Menores Delinquentes. A Lei Portuguesa e os seus Modelos. Um sculo de tenso entre proteo e represso, educao e punio, Coimbra, Coimbra Editora, 2005. 2 Cf. Arquitetura de Servios Pblicos em Portugal: Os Internatos na Justia de Menores. 1871-1978,

Edio da Direo-geral de Reinsero Social e do Instituto da Habitao e da Reabilitao Urbana,

2009. 3 A Tutoria do Porto: Estudo sobre a Morte Social Temporria, Porto, Edies Afrontamento, 2001.

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4

A partir dos anos 90 do sculo XX, surgiram estudos de Histria, essenciais

para ajudar a construir uma estratgia terica e metodolgica mais slida. O primeiro

que nos chamou a ateno sobre Coimbra foi publicado por Irene Vaquinhas, em

19954. Foi muito importante a anlise que nos trouxe sobre as formas de poder e

violncia em Portugal e, particularmente o estudo relativo sociedade rural de

Coimbra, no perodo que antecede a criao da Tutoria Central de Coimbra. A vida

quotidiana da sociedade rural era extremamente violenta, afetando a vida das

crianas e jovens de forma muito particular. Vtimas de agresses no seio das suas

famlias, dos patres para onde iam trabalhar precocemente, de violncias sexuais e

outras, como a fome e a doena, por vezes aprendiam muito habilmente, a defender-

se tambm com violncia. Roubavam, fugiam de casa ou atiravam pedras s janelas,

um sem nmero de pequenas infraes que no eram perdoadas pelos adultos, como

nos mostra Irene Vaquinhas. Na consulta dos arquivos do Tribunal de Menores de

Coimbra encontrmos histrias muito parecidas na primeira metade do sculo XX. A

Albertina, por exemplo, roubou trs cravos ao padrinho para que a professora

pudesse enfeitar o crucifixo da escola. Deu-lhe um prejuzo de 10$00 e, por isso foi

presente ao juiz de menores de Coimbra!

Fundamental foi o trabalho de Maria Antnia Lopes, sobre a histria da

pobreza e das crianas em perigo, nos sculos XVIII e XIX e, com elas, a

categorizao feita sobre os problemas da pobreza, a definio dos critrios que

legitimavam a ajuda, o desenvolvimento das instituies em Portugal e em Coimbra5.

Ficou muito claro que parte dos problemas das crianas e jovens em risco, dos

problemas relativos inadaptao das crianas pobres e migrantes, a fuga e o

insucesso escolar, a aprendizagem na rua, etc., que tanto preocupam hoje as

instituies escolares, protetivas e judiciais, eram j bem conhecidos e identificados.

Tambm nos serviu de referncia o trabalho de Maria Jos Moutinho Santos,

sobre as prises do Porto e as lutas intersticiais do poder, protagonizadas por

responsveis pblicos e filantropos, para expandir as solues preconizadas e em

4 Sublinho o interesse particular de Violncia, Justia e Sociedade Rural. Os Campos de Coimbra,

Montemor-o-Velho e Penacova de 1858 a 1918, Porto, Afrontamento, 1995. 5 Cf. Referimo-nos particularmente a Os Pobres e a Assistncia Pblica, em Histria de Portugal,

dir. Jos Mattoso, vol. V O Liberalismo, coord. Lus R. Torgal, e Joo L. Roque, Editorial Estampa,

1998, pp. 427-437, Pobreza, Assistncia e Controlo Social, Coimbra (1750-1850). Viseu, Palimage

Editores, 2000 e Crianas e jovens em risco nos sculos XVIII e XIX. O caso Portugus no Contexto

Europeu, Revista de Histria da Sociedade e da Cultura, 2, Coimbra, 2002, pp.155-184.

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curso j em Lisboa, para o problema to premente das crianas e jovens que viviam

em circuito fechado de misria, entre a rua, a priso e os hospitais6 e, portanto as

dificuldades vividas para descentralizar as opes de poltica judicial, criadas no

final do sculo XIX.

Alcina Martins, no seu estudo publicado em 1999, oferece coordenadas

fundamentais sobre o processo de construo do servio social, em Lisboa em 1935 e

em Coimbra, em 1937, como disciplina profissional, historicamente reclamada para o

desenvolvimento de uma ao social, de controlo, ou reformadora, das famlias e

suas crianas. A Escola Normal Social de Coimbra, nascida em 1937 por influncia

de Bissaya Barreto, formou assistentes sociais para a ao direta nas obras da sua

organizao de luta contra a tuberculose e proteo grvida e criana7.

Apenas a partir de 1973, com a entrada de Libnia Rosa Lopes foi possvel

contar com a colaborao de assistentes sociais nos servios de justia de menores de

Coimbra, to reclamados desde a OTM de 1962, para o trabalho de assessoria ao

Tribunal de Menores de Coimbra, para o processo de observao do Refgio/CO

anexo, para o trabalho no semi-internato e no patronato. Entre 1927 e 1973, o

trabalho dos assistentes sociais foi exercido por delegados de vigilncia e estes, no

caso de Coimbra, durante grande parte deste perodo, no tinham qualquer formao

especfica para o desempenho das funes regulamentadas.

Sobre o Tribunal de Menores de Coimbra e o Refgio/CO, nosso objeto de

interesse especfico, uma vez que nele se centrou quase toda a atividade protetiva em

favor das crianas e jovens, foi importante a consulta da monografia de Manuel

Liberato Faria Gerso, diretor do Refgio, com data de 1931, assim como os artigos

de Eliana Gerso e a dissertao de mestrado de Carla Lima, apresentada

Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao da Universidade de Coimbra, em

2003, sobre o estudo dos menores registados no Refgio da Tutoria, entre 1927 e

1939.

Estes trabalhos aprimoraram a curiosidade e o interesse do desafio em procurar

as articulaes que nos permitissem entender a relao entre a regio e o pas, o local

e o nacional. Assim, ficou definido que no iramos abandonar o estudo do caso de

6 Cf. A Sombra e a Luz. As Prises do Liberalismo, Porto, Afrontamento, 1999, pp. 161-177. 7 Gnese, Emergncia e Institucionalizao do Servio Social Portugus, Edio da Fundao

Calouste Gulbenkian-FCT, 1999.

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Coimbra e tambm que no pretendamos isolar o que s pode ser entendido como

um todo, no seu contexto espacial e temporal. Aquilo que para o pas aparecia como

significativo na histria da construo do liberalismo econmico, social e poltico,

institucionalizado na Repblica e desenvolvido no Estado Novo, aparecia em

Coimbra como uma histria do Estado Novo.

Tornou-se necessrio, ento, encontrar as fronteiras temporais que nos

permitissem enquadrar o problema na sua totalidade. O perodo de anlise foi

definido a partir do constitucionalismo vintista, pois s assim se entendia a criao

da infncia como categoria essencial do pensamento liberal era preciso prepar-la

para um trabalho til, cada vez mais especializado, o que exigia crianas saudveis.

Educao, sade e assistncia foram reconhecidas como necessidades e, portanto

como reas de interveno e, no princpio do sculo XX, como direitos de todas as

crianas. Este pensamento utilitarista e universalista colidiu contudo, com as

realidades sociais concretas, adversas ao desenvolvimento de modos de vida

adequados e saudveis.

Na rea judicial, a Repblica inaugurou o perodo de especializao do direito

de menores, com a publicao da Lei de Proteo Infncia em 1911, revista em

1925. As reformas seguintes foram introduzidas em 1962, com a Organizao

Tutelar de Menores revista em 1967 e democratizada em 1978. Definimos aqui o

limite temporal do nosso estudo. Assim, a nvel nacional, incide no perodo 1820-

1978, mas o estudo de caso de Coimbra comea com a sua histria judicial, isto ,

um sculo depois, em 1927.

Como foi possvel uma lei definida por todos os especialistas como

republicana, no sentido mais positivista do termo, sobreviver tanto tempo ao longo

do Estado Novo? Quais os fatores determinantes que provocaram a sua reforma nos

anos 60?

Estas questes conduziram-nos pelas bibliotecas da Universidade de Coimbra,

fundamentalmente da Faculdade de Direito que tinha acabado de receber o esplio

do Instituto de Criminologia, tantos anos preso do Estabelecimento Prisional de

Coimbra e onde encontrmos publicaes nacionais e internacionais, nomeadamente

o Boletim publicado pela Associao Internacional de Proteo Infncia (AIPI)

depois da I Guerra Mundial, chamada de Unio Internacional de Proteo Infncia

UIPI), atas dos congressos internacionais e revistas de direito especializadas na

rea criminal e dos menores. Outro ncleo fundamental foi o da Biblioteca

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Municipal, onde consultmos a Revista Infncia e Juventude desde o n. 1. Criada

em 1955, era um rgo oficial e de propaganda do Ministrio da Justia, da

Federao Nacional das Instituies de Proteo Infncia (FNIPI) e uma publicao

destinada divulgao da legislao oficial, regulamentao e despachos superiores

de aplicao geral e assuntos e problemas nacionais e internacionais que nos seus

mltiplos aspetos interessam proteo da infncia. Indicativo da preocupao que

pretendia divulgar, pode ler-se Pensemos portanto na infncia e na juventude, e

faamo-lo com a clara e alegre conscincia de que o homem nunca lhes pagar as

omisses e erros do passado8. Nela encontramos dados fundamentais compreenso

das influncias internacionais na reestruturao da legislao, das instituies, dos

instrumentos de avaliao e tratamento dos menores, bem como os dados mais

significativos das transformaes do pensamento poltico sobre a juventude no

Estado Novo. Esta revista foi uma das principais fontes para a compreenso da

histria recente dos servios sociais e judiciais de proteo infncia no sculo XX.

Nestas publicaes quase no encontramos referncias a Coimbra, no obstante

a notoriedade das figuras responsveis pela criao e dinamismo dos primeiros anos

de funcionamento da Tutoria Central da Infncia de Coimbra e Refgio anexo: o juiz

Beleza dos Santos, o deputado Joo Bacelar, o mdico Maximino Correia, o

professor Viana de Lemos e o padre Amrico, so alguns, entre outros que vieram

depois.

Um dos nossos primeiros passos foi solicitar autorizao Direo Geral de

Reinsero Social para consultar os arquivos do Centro Educativo dos Olivais

(CEO), onde est guardado todo o esplio do Refgio anexo Tutoria Central da

Infncia de Coimbra. A facilidade com que entrmos deve-se diretora na poca,

Dra. Ana Maria Matos que, depois de formalizada a autorizao, foi incansvel na

criao de condies de trabalho e na disponibilidade para olhar e conversar sobre a

instituio e sua histria. Foi tambm com muito gosto que conseguimos fornecer

informaes e dados para participar na organizao da memria da instituio, que

foi trazida festa de comemorao dos 70 anos da casa. Mas foi deveras difcil

construir esta histria, porque as fontes eram lacunares.

8 Cf. Infncia e Juventude, n. 1, janeiro/maro, 1955,pp. 3-4.

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Precisvamos de saber quem tinham sido as personalidades mais significativas

na criao e desenvolvimento da Tutoria e do Refgio, mas estas informaes no

estavam disponveis. Encontrmos casualmente em algum livro no identificado a

contratao de lvaro Viana de Lemos e do padre Amrico. Como saber quando

entraram, o que fizeram, quanto tempo l estiveram, qual o seu papel na criao e

desenvolvimento das instituies? Sobre o padre Amrico, a obra publicada forneceu

indicaes, mas sobre Viana de Lemos, a tarefa foi rdua e muito demorada. No

obstante a bibliografia da especialidade, s na biblioteca da Lous conseguimos

acesso ao nome da sua filha. Depois disso a lista telefnica permitiu estabelecer os

contactos. A partir da foi fcil, muito apaixonante, mas muito moroso ajudar a trazer

memria tempos de criana, de uma das crianas de chapu que est na fotografia

da capa deste trabalho e que quando conhecemos tinha 93 anos de idade.

Pretendamos tambm saber quem tinham sido os diretores, a durao dos seus

mandatos, dinmicas da sua gesto, etc. De Guardado Lopes, diretor nos anos 40,

conseguimos muitas informaes, sobretudo da sua atividade posterior, como diretor

do Reformatrio padre Antnio Oliveira e como Diretor Geral dos Servios

Prisionais, mas nada sobre a sua passagem por Coimbra, para alm da assinatura em

alguns Boletins Biogrficos ou atas do Conselho Administrativo.

Tentmos tambm entrevistar outras pessoas e algumas foram muito acessveis.

No Arquivo do CEO estava tudo o que sobreviveu s intempries e fungos, em 70

anos de armrios, estantes e, por fim, na sala da cave, onde se amontoava o que no

era preciso mas que no podia ser deitado ao lixo por motivos inerentes burocracia

institucional, muito caraterstica de instituies judiciais. Assim, junto de

computadores fora de uso, tapetes velhos, caixas, outros objetos e muitos caros,

estavam Boletins de Observao dos menores, livros de atas de reunies do Conselho

Administrativo e Pedaggico, correspondncia recebida e expedida e muitos outros

documentos que guardavam uma histria silenciada de perodos da vida de muitas

crianas e jovens, bem como de uma dinmica da instituio muito prpria, porque

muito regulamentada. O Refgio era uma instituio total, conforme definio de E.

Goffman e, portanto, um complexo normativo e relacional, s afrontado, por vezes,

por algum funcionrio pouco conformista com a dinmica institucional que no

permaneciam muito tempo.

Mas havia ainda duas outras salas. Uma estava desinfestada e guardava um

conjunto de documentos e livros antigos da vida da instituio: livro de atas da

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Comisso Instaladora, do Conselho Administrativo, livros de contas, do pessoal,

entre outros, bem como da vida dos menores, dos instrumentos tcnicos usados na

observao, das pedagogias e outras dinmicas da vida interna, como registos da vida

em comunidade, dos castigos aplicados, das conquistas escolares ou profissionais dos

jovens, etc. Outra sala, identificada como Museu, guarda mobilirio antigo, calado e

vesturio dos jovens, equipamento mdico e antropomtrico do posto mdico do

refgio e outros objetos de interesse histrico.

Durante trs anos, o perodo das frias escolares foi l vivido, muito prximo

dos tcnicos, funcionrios e menores internos. Todos foram muito acolhedores e

facilitadores do trabalho, no obstante uma presena estranha provocar sempre um

forte rudo, dentro de uma instituio fechada.

No final desta tarefa tivemos a oportunidade de participar, durante o ms de

agosto de 2007, nas atividades do Ncleo da Criana e do Adolescente da ps-

graduao em Servio Social, na Pontifcia Universidade Catlica de S. Paulo (PUC-

SP). Com orientao da professora Doutora Myrian Veras Baptista, coordenadora do

Ncleo, foi muito profcuo o debate com os companheiros do curso de doutoramento

em Servio Social, investigadores informados sobre os problemas e polticas de

atendimento s crianas e adolescentes.

Quando j pensvamos que estavam recolhidos os materiais e consultadas as

fontes para passar fase de categorizao dos documentos e sua anlise, surgiu a

possibilidade de aceder aos processos de admisso de internos Obra de Proteo

Grvida e Criana, da Obra de Luta Contra a Tuberculose, criada pela Junta da

Provncia da Beira Litoral, do Arquivo da Assembleia Distrital de Coimbra,

depositado no Arquivo da Universidade de Coimbra, relativos aos anos 1932-1957.

Apesar de aproveitarmos essa oportunidade, temos conscincia que no tirmos dela

todo o proveito para o conhecimento local do problema das crianas e jovens de

Coimbra e suas instituies. Por obrigatoriedade de cumprimento de prazos, fizemos

um uso mais modesto, pois precisaramos de outro tanto tempo para compreender o

pensamento e a obra do seu fundador, a respeito desta matria, bem como do impacto

local das instituies criadas.

Por fim, explicite-se que, envolvidos nestes enredos e no nos deixando

confinar ao local, houve que alargar a investigao ao desenvolvimento das

instituies sociais e judiciais, no contexto nacional, procurar a participao de

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Portugal no debate dos congressos e movimentos internacionais, respeitantes aos

sistemas de proteo da criana.

Clarificadas que esto as opes tericas e metodolgicas, passamos a

identificar os eixos que nortearam o trabalho e a organizao do texto com que nos

apresentamos para a candidatura ao grau de doutor em Letras, na especialidade de

Histria Contempornea.

Comea por ser necessrio clarificar um conceito principal, em torno do qual

se desenvolve todo o trabalho e aparece referenciado por vrios termos infncia,

menor, criana e jovem - uma vez que fundamental perceber desde o incio, que o

termo menor veio introduzir fronteiras ao de infncia, usado na legislao entre 1911

e 1962 (a Lei de Proteo Infncia [1911] foi reformada pela Organizao Tutelar

de Menores [1962]). por mera questo de convenincia e de simplificao da

apresentao do objeto de estudo, que o usamos. Para alm de sintetizar todo um

conjunto de vocbulos imprecisos e impregnados de indefinies, tais como criana,

jovem, infncia, juventude, o conceito menor impe os limites da ao do sistema

judicial de proteo e de tutela, segundo critrios etrios, definidos nos Cdigos Civil

e Penal.

Deste ponto de vista, a menoridade estendia-se at aos 21 anos entre 1867 e

1978 e, em 1911, a inimputabilidade foi atribuda aos menores de 16 anos. A este

estudo j dedicmos uma parte da dissertao de mestrado. Assim, sempre que nos

referimos a conceitos ou regras judiciais, no h qualquer dvida relativamente aos

vocbulos e seus significados. Contudo, a legislao para os menores, em vigor

desde 1999, substituiu o termo menor por criana e jovem e, certamente que uma das

motivaes para esta alterao, se prende com o facto de ter ficado cativo de um

preconceito, de um esteretipo. S o jovem com um processo no tribunal era

chamado menor. Em qualquer outro sistema, familiar, educativo, assistencial ou

mdico sanitrio o atributo significativo positivo: criana, filho, estudante,

Contudo, sem pretender esgotar esta discusso, o retomar desta terminologia

clssica (criana e jovem) leva-nos a revisitar alguns significados histricos que os

termos foram exprimindo.

A histria da infncia percorrida pela ambivalncia da representao da

criana entre a sua inferioridade fsica, moral, intelectual, ontolgica (pecado

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original) e a superioridade da sua inocncia e perfectibilidade. Reis Monteiro9

lembra-nos tempos impregnados de violncias, conceitos e preconceitos, parte dos

quais, no obstante um trabalho poltico de regulaes sucessivas, permanecem ainda

no inconsciente popular e afetam a vida das pessoas e as suas relaes sociais. No

sculo XIX e at meados do sculo XX, a histria das crianas e das mulheres

cruzou-se na histria da maternidade e da famlia (coisas de mulheres!) e um

conjunto de disciplinas (medicina, psicologia, pedagogia e sociologia) aprofundou

esta relao. Ao problema j muito conhecido da criana rf (de pai), acrescentou-

se o problema da criana sem me ou com uma m me, pois todas as reas do

saber conduziam ao reconhecimento da necessidade de uma famlia para o seu

desenvolvimento sadio. Tornou-se um imperativo do moderno tratamento da questo

da infncia, abrir as portas das instituies e privilegiar todo um conjunto de

intervenes no meio social, capaz de reforar as famlias para o cumprimento das

suas obrigaes socializadoras. Assim, o pensamento sobre o menor passou a ter

implcito o olhar clnico, comportamental, sistmico e sociolgico, muitas vezes

articulado num ecletismo formalizado nas leis e visvel nos documentos dos arquivos

registados na observao dos menores.

Todos os vocbulos esto impregnados do conhecimento e das representaes

sociais da poca em que so utilizados. Preferimos claramente a utilizao de criana

e jovem, ou de criana e adolescente, como usa a legislao brasileira, embora, por

vezes, fique facilitado o discurso com a utilizao de menor.

Debruamo-nos tambm sobre os movimentos sociais internacionais, o seu

dinamismo e a sua ao ao longo do sculo XIX, em prol da causa da criana. Nas

primeiras dcadas do sculo XX, surgem os tribunais da infncia e aps a I Guerra

Mundial a Carta dos Direitos da Criana, mais conhecida como Declarao de

Genebra, que constituem referncias, ainda hoje fundamentais, nos ordenamentos

jurdicos a nvel internacional.

A Carta dos Direitos da Criana define a vida, a segurana, a sade, a

educao, o bem-estar e a no discriminao, como princpios orientadores da ao

poltica e judicial. Estes conceitos tornaram-se operativos e permitem analisar a

qualidade e quantidade do perigo a que crianas e jovens estavam e esto sujeitos.

9Cf. A Revoluo dos Direitos da Criana, Porto, Campo das Letras, 2002.

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A legislao de proteo infncia, na maioria dos pases do mundo ocidental,

integrou o enunciado da Declarao de Genebra como conjunto de princpios

norteadores da ao dos tribunais de menores.

Como foi acolhido e como se desenvolveu e configurou este processo em

Portugal? Como foi articulado o processo de proteo social e judicial para a

prossecuo dos direitos das crianas em Portugal? Eis algumas das questes a que

procuramos responder.

Consideramos tambm pertinente desbravar os abalos e os embalos dados s

crianas e jovens portugueses, pelos seus salvadores e as relaes que

estabeleceram com eles, bem como o dinamismo na criao da regulamentao e

instituies, exemplares a nvel internacional: as Comisses de Proteo de Menores,

em Lisboa e Porto, em janeiro e fevereiro de 1911, logo extintas pela Lei de Proteo

Infncia, de maio do mesmo ano.

Os fruns internacionais de estudiosos, filantropos e grupos religiosos criaram

canais de comunicao que permitiram a rpida difuso dos estudos e experincias

realizadas, bem como dos seus resultados e propostas de ao. Assim, definiram

reas de reflexo, de interveno e ainda os atores importantes para a defesa da

causa da infncia, com traduo na criao de instrumentos e procedimentos para o

estudo, avaliao/julgamento e tratamento de menores. A anlise das publicaes e

da participao portuguesa nos congressos internacionais, bem como a descoberta

dos canais de difuso internos das ideias e concluses importantes para influenciar as

dinmicas sociais e institucionais em Portugal, tornou-se fundamental para este

estudo.

De uma forma geral, a complexidade dos problemas era enfrentada numa

relao articulada entre os recursos privados (asilos, internatos, creches, lactrios,

cantinas e outros) e os recursos pblicos, desenvolvidos por diferentes reas

ministeriais, como educao, assistncia, sade e justia. Mobilizou tambm a

criao de cursos especializados para a interveno junto das crianas e suas

famlias. Enfermeiras, delegados de vigilncia, professores e mestres foram

chamados em auxlio de mdicos e juzes, profissionalizando os atores para substituir

as ordens religiosas, os filantropos e voluntrios, cuja importncia passou a ocupar

um lugar cada vez mais residual nos textos polticos e jurdicos.

Face ao exposto, apresentamos o trabalho dividido em trs partes.

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A primeira relativa aos quadros internacionais do pensamento e instituies

da infncia. A discusso do sistema penal para jovens de menor idade introduz-nos

na criao da categoria social e poltica da infncia e da sua consciencializao,

como ponto de partida fundamental para tirar as crianas da priso. Esta aparecia

definida como um local onde tudo o que era mau podia piorar: as crianas doentes

ficavam enfezadas, as maldosas ou de mau carter podiam especializar-se naquela

que j era considerada uma verdadeira escola do crime, onde as artes da

sobrevivncia faziam desenvolver todas as formas de violncia. Devia ser mais

difcil entrar para uma priso, do que sair dela, diziam vozes informadas sobre o

quotidiano infeto que nelas se vivia. Tirar as crianas das prises e construir

reformatrios e colnias correcionais especificamente para o seu tratamento

regenerador, foi a soluo apontada num perodo em que o tratamento dos problemas

e das pe