juventude e violência

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Texto a respeito da Violência Juvenil.

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Page 1: Juventude e Violência

JUVENTUDE E VIOLÊNCIA

José Aniervson Souza dos Santos1

Falar da presença juvenil em meio às práticas de extermínio existentes hoje no

Brasil é olhar para realidades diversas que influenciam e contribuem para o

crescente índice de mortes de jovens pelos grupos de extermínios e em causa da

violência. O jovem tanto se encontra como alvo dessas práticas exterminadoras

quanto agentes das mesmas, por fatores influenciadores e decisórios desse

processo. Sua presença nesses espaços e sua atuação resultam tanto na

qualidade como que são executadas quanto na crescente catástrofe de jovens

retidos juridicamente.

Hoje no Brasil tem crescido bastante o número de jovens mortos diariamente pelo

crime organizado, por envolvimento com o tráfico de drogas, pela pobreza, crises

econômicas, desemprego, armas, roubos e tantas outras causas. Esses e outros

fatores influenciam na busca, ou diria necessidade, do jovem pelo mundo do crime.

Ou seria o mundo do crime que busca o jovem pelo seu potencial, vigor, força

física e bruta, e principalmente por ausência de opções e oportunidades na vida?

Essa é uma boa pergunta para começar a reflexão da presença do jovem face ao

extermínio no Brasil.

Fazendo uma retrospectiva do grandioso “massacre” com que nossa Pátria vem

executando desde sua ocupação pelos portugueses, percebemos a crescente

procura na tortura e morte pelos índios, quilombos, os pobres, negros, os

homossexuais, as mulheres, entre outros grupos da sociedade. Esses

assassinatos podem contar com a participação de grupos organizados ou não,

profissionais ou amadores, grupos institucionais ou não, mas pelo que se parece

ao fazer uma leitura na literatura do tema é que o objetivo é “acabar” com esses

povos para conseguir atingir os interesses de organizações (CAMARA DOS

DEPUTADOS, 2005). Falar da presença juvenil nesses grupos sociais é dizer de

1 Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de Pernambuco – UPE e Pós-graduação em

Juventude no Mundo Contemporâneo pela FAJE. Atua na área de juventude há mais de 10 anos acompanhando e assessorando grupos juvenis e instituições que trabalham com jovens. Desenvolve acompanhamento a projetos governamentais que lidam com o público jovem. Já atuou na área social em projetos do governo federal, lindando com famílias vulneráveis e em situação de risco, coordenando atividades de aumento da autoestima, valorização pessoal, qualificação profissional e educacional, reaproveitamento e tecnologia. Coordenou durante muitos anos a Pastoral da Juventude na Diocese de Nazaré/PE,. Participou da comissão nacional de coordenação do Projeto da Pastoral da Juventude intitulado “A Juventude quer Viver”, representando o Regional Nordeste 2 (CNBB). Foi Diretor Presidente do Instituto de Protagonismo Juvenil – IPJ. Publicou 3 materiais de pesquisas desenvolvidos pelo IPJ. Atuou na Fundação de Atendimento Socioeducativo (FUNASE) e no Programa ATITUDE do Estado de Pernambuco. Foi Assessor Técnico do CMDCA e membro da Comissão Municipal Pró-Selo Unicef em Surubim/PE. Atualmente é Development Instructor no Institute for Internacional Cooperation and Development – IICD/Michigan/USA.

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seu extermínio nesses longos 500 anos de ocupação do Brasil pelos portugueses.

A busca pelo extermínio desses jovens tem, acredito eu, um motivo particular, pela

sua força física e bruta, capacidade intelectual e de envolvimento, vulnerabilidade

psicossocial, necessidade de afirmação e pertença na sociedade e pelo que já

chamei antes de falta de oportunidades. O jovem tem se tornado uma presa fácil

por sua construção identitária, pela busca do “eu”, a busca por possuir um corpo,

ser dono de si mesmo, e querer quebrar o paradigma da modernidade de viver

sem perigo, sem correr riscos (ORTEGA, 2006, PAIS, 2006).

A atuação de grupos organizados para o extermínio tem diversas causas e formas

de organização, nesse espaço irei me ater àqueles que segundo o documento da

Câmara dos Deputados

são constituídos em sua maioria por agentes públicos – policiais civis e militares,

agentes penitenciários, enfim, por um pessoal que tem uma força muito grande e

possui informações, armas e condições para agir. Ainda se incluem nessa

composição variável: ex-policiais expulsos da corporação, devido à participação

em atividades ilícitas; policiais na ativa, que utilizam estes grupos como um meio

de aumentar os seus salários; indivíduos contratados como segurança privada;

grupos que participam de organizações criminosas vinculadas ao tráfico de drogas

e outras atividades ilícitas; e grupos que não guardam relações específicas com o

crime organizado, mas exercem o controle de determinadas regiões com a

desculpa de garantir a ‘segurança’ de seus moradores – esse tipo é muito comum

em bairros periféricos das grandes cidades (CAMARA DOS DEPUTADOS, p. 25,

2005).

Quem então serão os agentes, os “fazedores”, àqueles que aparecem, que são

chamados de mulas no tráfico de drogas, senão em sua grande maioria os jovens?

Sim, pois os chefes desses grupos não poderão aparecer, nem estar em

evidência, pois assim estariam se expondo. Dessa forma, são colocados nesses

espaços àqueles que muitas vezes até diante da lei não poderiam ser punidos, no

caso dos menores de 18 anos. Esses poderíamos dizer que são a preferência

desses atores do crime.

E dessa forma, sendo o jovem alvo e ao mesmo tempo agente desse processo de

extermínio e violência, como os mesmos se encontram e quais conseqüências são

impostas pelo regime judicial, social e familiar brasileiros? Gostaria de começar em

ordem inversa essa abordagem.

Segundo os parâmetros familiares tanto da busca quanto estadia desse indivíduo

no crime organizado ou não, tem a conotação quase que unânime de uma

desestruturação familiar, das mudanças dos moldes pelo qual tem passado a

constituição familiar: pai, mãe e filhos. Hoje, em face ao crescente bum

demográfico e econômico tem-se mudado constantemente a estrutura do que

chamamos de família. A grande incidência de adolescentes solteiras e grávidas,

rapazes desempregados com filhos para criar, a necessidade de morar com os

pais ou avós, a imposição social de conciliar escola e trabalho e agora também

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com a família são fatores geradores de ressignificação do “eu” e do “outro”. Em

conseqüência, temos a expulsão desses aprendizes de delinqüentes para fora de

casa. A mãe e/ou o pai não estão prontos para acolher esses jovens que começam

da sua maneira visualizar uma pequena oportunidade de empoderamento e

participação na sociedade através de sua atuação nesses grupos de extermínio,

de tráficos, furtos, entre outros. Esses seriam apenas alguns dos motivos ou

causas dessa presença jovem nessa esfera criminal partindo do princípio familiar.

Olhando para a sociedade e sua forte influência na construção e formação da

identidade do jovem podemos dizer que os mesmos se encontram a mercê das

oportunidades ofertadas, ou então a falta delas. O que dizer a um jovem pobre,

negro, morador de uma favela, que não tem dinheiro para comprar roupas que lhe

permitem participar de forma nivelada de uma entrevista de emprego com outros

jovens de classe média que moram em outras regiões da cidade? Confiar em sua

auto-estima? Isso resolveria? Segundo Abramo (1994) o emprego é para o jovem

passaporte para a aceitação e vivência na sociedade. É a forma de pertença, de

liberdade. A busca pelas roupas e sapatos de marcas famosas não significam

apenas o título de riqueza, mas principalmente de poder circular e se achar igual

aos demais jovens que freqüentam os mesmos espaços. Dessa forma, os jovens

que estão submetidos a essas condições sociais têm uma maior facilidade de

participação nesses mecanismos de violência e extermínio como forma de poder

experimentar os serviços que a sociedade moderna oferece e se sentir igual aos

demais jovens que detém de condições financeiras superiores.

Em se falando do regime judicial brasileiro os jovens estão submetidos a

conseqüências que penalizam e punem essas práticas de acordo com sua idade e

poderia acrescentar, principalmente por suas condições financeiras,

envergonhosamente. Os jovens menores infratores, como são chamados, estão

submetidos a medidas socioeducativas (ECA, Art. 112). De acordo com o Estatuto

da Criança e Adolescente (ECA) determina-se crianças e adolescentes aqueles

cuja idade vão até os dezoitos anos (Art. 2). Dessa forma, qualquer punição a

esses menores deve ser regida por esse estatuto que prevê formas específicas de

proteção e ressocialização dessas más condutas. No entanto, se tratando de

serem alvos desses grupos de extermínio, os jovens menores são usados como

mulas, transportadores, para desviarem a atenção daqueles que chefiam já que os

mesmos não poderão ser punidos de acordo com o código penal brasileiro. O alvo

é certeiro. A polícia apreende e de acordo com as faltas são executadas as

medidas cabíveis previstas nos Art. 112 a 130 do ECA que vão desde a

advertência a destituição da tutela.

Olhando aqui para os jovens na maioridade que estão inseridos seja pela

influência ou pela necessidade nesses grupos de extermínios as penas previstas

são um pouco mais severas, visto que os criminosos já são maiores de idade e

podem responder por seus atos. Faço uma pausa para destacar a situação

especialmente no Brasil dos jovens pobres, negros e mulheres. Esses são mais

penalizados. Talvez não pelo Código Penal, mas principalmente pelas mãos

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daqueles que deveriam guardar os princípios da Constituinte. Um jovem negro

abordado numa blitz policial não é interrogado da mesma forma que um jovem

branco e se ainda for de classe média alta. As diferenças sociais estão

infelizmente dentro, talvez caminhando junto do processo que pune as más

condutas na sociedade. É utópico me parece dizer, que da mesma forma que um

jovem rico, branco, morador de um bairro nobre, que freqüenta Shopping Center,

consome uísque, marcas de roupas como Coca-Cola, sapatos da Nike e óculos

Ray Bam, seja julgado mesmo que em tribunal da mesma forma que um jovem

pobre, negro, morador de favela, sem estudos, freqüentador de “pagodes na laje”

ou bailes funk, ambos tendo praticado o mesmo crime e tendo previsto na lei as

mesmas punições.

Segundo o Art. 32 do Código Penal Brasileiro as penas são: privativas de

liberdade, restritivas de direitos e multa. Fazendo uma crítica à pena de multa

como prevista na lei no Art. 49 como diz: “A pena de multa consiste no pagamento

ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa.

Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-

multa” me pergunto como esse mesmo jovem pobre citado acima poderia pagar

essa quantia e ter acesso à liberdade como o outro jovem rico? Será que os dois

foram julgados em iguais condições ou as condições dos dois não foram

suficientes para torná-los em dignidade de respeito aos direitos humanos? Até que

ponto os presídios brasileiros ressocializam os criminosos, se a realidade debaixo

dos nossos olhos é a de grupos de extermínio que atuam dentro dos presídios.

Volto ao já citado acima como atores constituintes desses grupos de extermínio, os

agentes públicos – policiais civis e militares e agentes penitenciários. É uma

contradição pensar que estamos formando agentes de defesa e da segurança do

povo brasileiro devendo guardar os princípios e direitos humanos como escritos na

Constituição Federal de 88 se esses são atores desse processo de violência.

É necessário então compreender que todo esse grande processo, essa grande

máquina que está sendo criada para produzir mais dinheiro e mais riqueza àqueles

que já possuem é um grande projeto daquilo que foi pensado na modernidade

como forma de emancipação da pessoa, a qualidade de vida, a ecologia, a paz, a

solidariedade internacional, a igualdade sexual e a democratização radical da

política, da vida pessoal e coletiva. Segundo Boaventura Santos “a modernidade é

um projeto ambicioso, revolucionário e rico, capaz de infinitas possibilidades e,

como tal, se torna muito complexo e sujeito a desenvolvimentos contraditórios [...]

com possibilidades muito amplas e, por serem amplas, são excessivas e difíceis

de serem cumpridas” (SANTOS. p. 77, 78). Como conseqüência da não realização

desse paradigma surge sinais evidentes de crise, pois não se confirmava o brilho

prometido da ciência, com soluções privilegiadas para a vida social e individual.

Assim, gerou uma crise de desigualdade social, que causou o aumento da miséria

social, com impacto sobre as questões econômicas, ambientais. O sonho foi

abandonado e não realizada a expectativa de suprir as desigualdades sociais

geradas, de garantir ao indivíduo humano possibilidades iguais de acesso a tudo

de bom e desejável que a sociedade pode oferecer. De acordo com alguns autores

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da modernidade se criou mecanismos de desencaixe como as fichas simbólicas:

dinheiro – que permitem trocas de diferentes coisas. Movimentado por meio de

circulação. Dinheiro é credito. Dinheiro bancário. Regula credito e dívida. Meio de

distanciamento entre tempo e espaço. Portanto uma ficha simbólica da

modernidade. Todo esse processo desencadeia busca, desejo a afirmação da

identidade, possuir, ter, poder. Os jovens em seu aspecto e em formato de

construção estão mais sensíveis a esse processo de modernidade e globalização

e atentos a toda essa proposta de emancipação da pessoa e a igualdade de bens

tendo que para isso submeter-se aos novos formatos de agrupamento, sendo esse

criminal, e talvez se agarrando como única oportunidade de pertença e

empoderamento do meio social e familiar tendo que muitas vezes sofrer com

algumas conseqüências jurídicas perdendo seu direito à liberdade, sua dignidade

humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMO, Helena. Cenas Juvenis – punks e darks no espetáculo urbano. São

Paulo: Ed. Scritta, 1994, pp. 55-79 – “Mudanças no cenário juvenil”.

ABRAMOVAY, Miriam. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América

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PAIS, José Machado. Buscas de si: expressividades e identidades juvenis. In:

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