l. frank baum · 2020. 6. 25. · o mágico de oz, de l. frank baum, está para os estados unidos...
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L.FrankBaum
OMÁGICODEOZEdiçãoComentadaeIlustrada
IlustraçõesoriginaisdeW.W.Denslow
Prefácio:GustavoH.B.Franco
Tradução:SérgioFlaksman
Notas:JulianaRomeiro
Sumário
Apresentaçãoaoleitorbrasileiro
Prefácio
Baseadoemfatosreais:“OMágicodeOz”comoalegoriapolíticaemonetária,porGustavoH.B.Franco
Introdução1.Ociclone
2.OencontrocomosMunchkins
3.ComoDorothysalvouoEspantalho
4.Aestradapelafloresta
5.OresgatedoLenhadordeLata
6.OLeãoCovarde
7.AviagemembuscadoGrandeOz
8.Ocampodaspapoulasdamorte
9.ARainhadosRatosdoCampo
10.OGuardadosPortões
11.AmaravilhosaCidadedasEsmeraldasdeOz
12.EmbuscadaBruxaMá
13.Asalvação
14.OsMacacosAlados
15.OsegredodeOzoTerrível
16.OspoderesmágicosdoGrandeImpostor
17.Comoobalãolevantouvoo
18.Rumoaosul
19.Atacadospelasárvoresquelutam
20.OdelicadoPaísdeLouça
21.OLeãosetornaReidosAnimais
22.OPaísdosQuadlings
23.ABruxaBoaconcedeodesejodeDorothy
24.Devoltaemcasa
AspranchascoloridasdeW.W.DenslowCronologia:VidaeobradeL.FrankBaum
Apresentaçãoaoleitorbrasileiro
OMágicodeOz,deL.FrankBaum,estáparaosEstadosUnidosassimcomoAlicenoPaísdasMaravilhasparaaInglaterra,ouoscontosdosirmãosGrimmparaaAlemanha.Desdeoinício,porsinal,olivrofoicomparadoaoclássicodeLewisCarroll–enãosemumfundodeverdade.BaumcriticavaononsensedoautordeAlice,masgostavadofatodeestarsempreacontecendoalgumacoisa,não raro algo inusitado ou meio maluco, o que levava as crianças a seremarrebatadas, e deliciadas, pela história. Era esse entusiasmo que o americanoprocurava inspirar com suas narrativas. Não encontramos em seus livros oshorrores tão comuns aos contos dos irmãosGrimm, que o assustavamquandopequeno;nemhistóriasdeprincesas,casamentosoulongaspassagensnarrativas,que o aborreciam. No lugar disso, o que temos são personagens definidos emoldados mais por ações e reações do que por descrições elaboradas, e umaincrível capacidadedecriar atmosferas.Comum texto certeiro,queelepoucorevisava, e no qual quase nunca desperdiça uma palavra, Baum escrevia paracrianças, mas nunca de modo infantil. Talvez por isso a históriaenganadoramentesimplesdasaventurasdeDorothynamaravilhosaTerradeOztenha sido um best-seller ao longo de todo o século XX, traduzido parapraticamentetodososidiomas,ecomeceoséculoXXInomesmocaminho.Lyman Frank Baum nasceu em 15 de maio de 1856, em Chittenango, no
estado de Nova York, cidadezinha pacata que, mesmo em 2010, não contavamaisque5.080habitantes.Foiumacriançasensíveledeimaginaçãofértil,queveio a ter muitos e diversos interesses. Adulto, era antes de mais nada umhomemdefamília.Forçadopelo trabalhoapassar longosperíodosafastadodamulheredosquatrofilhos,seusmomentospreferidosemcasaeramquandoliaparaascriançasoucontava-lheshistóriasqueelemesmocriavaoureinventava.Após tentativas profissionais diversas, começou a escrever incentivado pelasogra,queacreditavasobretudoemsuagrandehabilidadenarrativa.Repletas de imagens, as histórias de Baum praticamente pedem para ser
ilustradas. Após um primeiro livro em colaboração com o então estreante
MaxfieldParrish,escolheuW.W.Denslowcomoparceiroparaosegundotítulo.Oterceiro,OMágicodeOz,foipublicadoemagostode1900.Nãohavianadaparecido no mercado infantil. Eram inovadoras não apenas as ilustrações deDenslow,quedesdeoprincípiomereceramelogiosdopúblicoedacrítica,mastambémohumor,afantasia,averdadeeaintegridadedanaturezahumananospersonagensdeBaum.De fato,quando terminoudeescrevero livro,ele sabiaque tinha criado algo especial. Segundo o editor original da obra, GeorgeM.Hill,10mil exemplares foramvendidosemduas semanas, e80mil impressosemseismeses.A parceria com Denslow encerrou-se em 1901, e ambos continuaram
explorando, separadamente enão sembrigas, ospersonagens e aTerradeOz.Baumescreveumaistrezelivrosdasérie,alémdeterparticipadoativamentedaprimeiramontagemdomusicalparaaBroadway,que ficouemcartazporoitoanos.AforçadotextoedoslugarescriadosporBaumfezdaestradadetijolosamarelos um longo caminhomesmo após suamorte, em 6 demaio de 1919.OutrostítulosdeOzforamescritospostumamentecomautorizaçãodesuaviúva.Em1939,aMGM,umdosprincipaisestúdiosdeHollywood,lançouaprimeiraadaptação de sucesso deOMágico de Oz para o cinema, que transformou ajovemJudyGarlandnumaestrela.Em1978,dirigidoporSidneyLumet,estreouTheWiz, nova adaptaçãopara a tela grande, que apresentavaumolhar urbanosobreaobraetraziaMichaelJacksonnopapeldoEspantalho.Admirado e reverenciado por autores como Arthur C. Clarke, F. Scott
Fitzgerald,SalmanRushdieeGoreVidal,entremuitosoutros,OMágicodeOzéumclássicoindiscutívelentrecrianças,jovenseadultos.
Prefácio
Baseadoemfatosreais:OMágicodeOzcomoalegoriapolíticaemonetária
As histórias infantis contam com uma cumplicidade espontânea e inocente deseusleitores,naformadaconhecidaexpressão“suspensãodadescrença”,semaqual mágicos, dragões e macacos alados não poderiam existir. Curiosamente,algo semelhante sepassa comos adultosquando sedeparam,no iníciodeumlivro ou filme, com a expressão que dá título a este ensaio. Esse apelo aorealismo, ao contrário do que aparenta, promove um elastecimento depossibilidades, e desloca a narrativa para um terreno onde a realidade serásuperlativa,mesmosemoauxíliodafantasiaoudosobrenatural.Ediantedesseconvite,osadultos seveemestimuladosaumaexperiênciaassemelhadaàquetiveramquandojovensdiantedashistóriasdefadas.Essapodeseraexplicaçãoparaapopularidadetardiada“leituraalegórica”de
OMágicodeOz,queseinauguraem1964comumpequenoeinstiganteensaiodeHenryLittlefield, sempredescritocomoumprofessordehistóriadoensinosecundário, uma espécie de herói folk do mundo acadêmico, que fez umadescobertatalvezbombástica.Intitulado“OMágicodeOz:Umaparábolasobreopopulismo”,seutextoidentificavainúmeraschavesqueconectavamasagadeDorothyeseusamigosaquestõespolíticaseeconômicasaoredordeL.FrankBaum. Teria Littlefield revelado uma narrativa oculta e paralela, unida porcódigos sutis, invisíveis aos olhos das crianças? Teria o ardiloso e irrequietoBaumfeitousodepersonagensdavidarealaocomporaplêiadedecaracteresexóticosquecirculampelaTerradeOz?Littlefieldfoicuidadosoaoafirmarqueaalegoriaqueidentificoufoisempre
um“assuntomenor”equeBaum“nuncapermitequeaconsistênciadaalegoriatomeprecedência sobreo temadoentretenimento infantil”;masaconclusãoéinequívoca: “As relações e analogias [apontadas em seu texto] sãodemasiadoconsistentesparaseremapenascoincidência.”1
Oensaio foi recebidocomreservas,emesmocomumtantodemauhumor,pela imensa legião de admiradores de Baum, e apenas tardiamente celebradopela comunidade de eruditos associados à literatura infantil e à de L. FrankBaum em particular. Pouco mais de duas décadas depois o professor HughRockoff, daRutgersUniversity, emNova Jersey, um economista e historiadorespecializado em assuntos monetários, publicava no prestigioso Journal ofPoliticalEconomy, editado pelaUniversidade deChicago, um texto intitulado“OMágico deOz como alegoriamonetária”, elevando a estatura acadêmica econsagrandoainterpretaçãopropostaporLittlefield.OlivrodeBaum,segundoojulgamentodeRockoff,“nãoéapenasumahistóriaparacrianças,mastambémum sofisticado comentário sobre os debates políticos e econômicos da erapopulista”.2Comesseendosso,abriu-seemdefinitivoaportaparaaquelesquevisitaramo
reino de Oz quando crianças, e que agora, uma vez atestado que ele está“baseadoemfatos reais”,podemprocurarcódigosocultos,enredosparaleloseconspirações, como se tornou comum na literatura para gente grande. E queprazerosadescoberta,voltaraotextocomolhosdepescador,deixar-selevarpelamesma aventura, porém numa nova versão, extravagante, como era típico deBaum,econcebidaparaleitorescrescidos!No longoprefácioàediçãocomemorativadocentenáriodapublicaçãodeO
Mágico de Oz, o biógrafo de Baum, Michael Patrick Hearn, não esconde odesconforto com os desdobramentos dos achados do professor Littlefield:“Aindaquealgunspontosválidossejamlevantados,comdemasiadafrequênciaforçaacaracterizaçãodesímbolosqueotextonãoapoia.”AcrescentaqueBaum“nãoeraumescritor tãoprosaico”,reduzaautoridadeacadêmicadeLittlefieldao dizer que este teria admitido que as suas metáforas vinham dos própriosalunos em deveres de casa na escola secundária e oferece uma sentençaclaramenteenviesada:“Hoje,areputaçãodessateoriaultrapassadelongeoseuvalorcrítico.”3Paradoxalmente, todavia,Hearnobservaqueamelhor respostaparao“mito
populista” é oferecida em um texto de David B. Parker para o Journal ofGeorgiaAssociationofHistorians,umapublicação raramenteencontradaentreas mais eruditas, na qual o autor “rendese à alegoria” e explica a sua jáincontrolávelpopularidadepor trêscaminhos:o“númerodecorrespondências”(entre o texto e a história real), a sua indiscutível “utilidade no ensino” dehistória dosEstadosUnidos e, talvezmais importante que tudo, o fato de que“muitagentenosEstadosUnidospós-Watergateepós-Vietnãficoufascinadaaosedarcontadequeasuahistóriainfantilprediletaeraalgocomoumdocumento
subversivo,umcontodefadasanti-establishment”.4Naverdade,depoisdeOMágicodeOzteralcançadoumsucessocomparável
aodeAlicenoPaísdasMaravilhasePeterPan,detersidotraduzidoparaumainfinidade de idiomas sem perder sua identidade como um conto de fadasamericano,edesuaconsagradaversãocinematográficade1939 ter se tornadoumritualanualobrigatórioemmuitas televisõeseparamuitas famíliasmundoafora, as reservas deHearn sobre a solidez da “interpretação alegórica” ou dequalquer outra leitura perderam importância. A real intenção de Baum, ou deShakespeare,nãoéalgosuscetíveldeobservação,ouquesepossaterclaroemumcírculorestritodeespecialistas.Sãomuitasas formaspelasquaisumtextoclássicoencontraseulugarnoimagináriodopúblico,ousetornafolclore.Nadaobstante o incômododeHearn, é pertinente registrar a sua estranheza
diantedofatodequenenhumaresenhaoucomentáriocontemporâneoaotextofazmenção a qualquer associaçãodo enredo comomovimento populista: porqueanalogiassupostamentetãoevidentesteriamsidoredescobertasdepoisde64anosdapublicaçãooriginaldolivro?É bem sabido que a recepção de grandes clássicos da literatura pode se
modificar drasticamente no decorrer do tempo, e O Mágico de Oz já tinhaexperimentado esse fenômeno nos anos 1950, durante a época de maiorinfluência do senador McCarthy e seu famigerado e persecutório Comitê deAtividadesAntiamericanas.Eraumtempo,conformerelataopróprioHearn,emque“atémesmoalendadeRobinHooderavistacomoumpanfletomarxista”.5Nessedifícil e singular conjuntode circunstâncias, algumaspassagens sobreocotidiano do reino de Oz— as mesmas que alguns críticos eruditos haviamassinaladocomodefinidorasdeuma“utopiaamericana”—ensejarama“frágilsuspeita de que Oz poderia ser um estado socialista”.6 Foi a época em quediversas bibliotecas públicas determinaram o banimento do livro, como naFlórida, onde em 1959 as bibliotecas do estado receberam uma lista de livrospara não circular por serem “mal escritos, insinceros com a vida,sensacionalistas, tolamentesentimentaiseconsequentemente indigestosparaascriançasdenossopaís”.OMágicodeOzestavanotopodalista.Namesma linha, RalphUlveling, diretor da biblioteca pública deDetroit à
época,meteu-seemumapolêmicapúblicaem1957nãoapenasaoretirarolivrodas estantes de livre acesso da sua biblioteca, mas ao declarar que “essashistórias [da série Oz] não tinham valor”, incentivavam o “negativismo”, ou“arrastavammentesjovensparaoníveldacovardia”e“nãosecomparavamemqualidade aos contos de fadas de Grimm e Andersen”.7 Dentre as diversasrespostas, no mesmo ano, uma foi a “reedição crítica” do texto original
acompanhadodedoisqualificadosprefáciosemdefesadaobra:umaanálisedogêniocriativodeBaum,escritaporRusselB.Nye,eobeloecuidadoso textobiográficodeMartinGardner“OHistoriadorRealdeOz”.Valeobservarque,noespírito daqueles tempos difíceis, Gardner foi extremamente econômico noregistro das raízes da controvérsia—omacarthismo é daquelesmales de queninguémgostadefalar—, limitando-seàenigmáticaobservação,no início,dequetodosgostamdolivroexcetoosbibliotecárioseoscríticos.Diante da onda de comentários favoráveis ao livro, Ulveling alegava estar
sendo“citadodeformaequivocada”equea“supostacontrovérsiatinhatodososelementos de um golpe publicitário”, pois, segundo dizia, “não se tratava debanimento,masdeseleção”.Gardner,emtréplica,comparouUlvelingaHumptyDumpty:“Aspalavrassignificamoqueeuqueroquesignifiquem”;enumoutrotexto, intitulado “Os bibliotecários de Oz”, repete o exercício usando umpersonagem do próprio Baum, o Professor H.M.Woggle-Bug T.E. (ProfessorA.A.BesourãoM.E.—AltamenteAmpliado,MeticulosamenteEducado),umacaricaturadopedantismo(doqualfalatambém,longamente,noprimeirotexto,semcontudodizeraquemserefere).O próprio Baum, na incomum introdução aOMágico de Oz, com ares de
manifesto, e em outros raros escritos da mesma espécie, tratando de suasintenções literárias fala não apenas em “modernizar” os contos de fadaseuropeus, retirando-lhes “os incidentes medonhos e sinistros imaginados porseusautoresparaindicaramoralassustadoradecadahistória”,mastambémemhistórias que “estampam asmarcas de nosso tempo e retratam os espetáculosprogressistasdosdiasatuais”.Aoadaptara tradiçãodecontosde fadasparaogostoamericanodaviradadoséculo,muitoselementosdocotidianoamericanodeveriam desempenhar papel importante, a fim de que aquela fantasiamantivesse alguma correspondência comosEstadosUnidos.Assim, conformedescritoporRusselNye,“Ozéumacidadepequenadecontodefadas,ouumlarsuburbano,criadosegundoospadrõeseoimagináriodeumamenininha”.8Omacarthismo pode ter proporcionado um impulso inicial para a busca de
“outrasnarrativas”ou“mensagenssubliminares”emOMágicodeOz.Ofatodequeopróprioautoratulhousuahistóriadereferênciasàrealidadequeocercavaapenasserviuparatornarmaisfértilapescaria,porémemdireçõesnasquaisoscensoresdosanos1950nãose interessaram.E foiHenryLittlefield,em1964,quem coligiu as “marcas” do tempo deBaum e viu-se diante de uma enormeriqueza de detalhes sobre a vida americana na virada do século. Eis que ahistóriacomeçaeterminanoKansas,eamaiorpartedospersonagens,paisagense incidentes parece ter sido construída com o intuito expresso ou velado de
encontrar alguma referência no imaginário infantojuvenil da ocasião.Émenosclaroqueasomadessasreferênciasforneçaumateseouumanarrativaparalelaque apoie, reveja ou qualifique a visão populista das questões políticas eeconômicasdeseutempo.Oconjuntodealusõespermite,talvez,umaanalogiacom o trabalho de Raymundo Faoro sobre a obra de Machado de Assis,utilizandoaficçãopararecomporarealidadeaqueMachadosereferiaeassimobtendo um “comentário sofisticado” da sociedade brasileira que poucoshistoriadoresconseguiramalcançarpelasviasconvencionais.É claro que, nesse registro, a presença, a força e o teor da alegoria não
dependem da intenção expressa do autor. Conforme bem observa Ranjit S.Dighe, numa edição de 2002 de O Mágico de Oz, comentado “à luz dainterpretaçãoalegórica”,o livro“agora,nãoparece sernemumapeçadepuroescapismo escrita ‘apenas para o prazer das crianças de hoje’, como Baumargumenta em sua introdução, nem a representação altamente simbólica dequestõespolíticaseeconômicasdescritaporLittlefieldeoutros”.Nãoobstante,acrescentaque“osparalelosentrepersonagens,incidentesecenáriosnolivroeasquestõesdavidarealamericanadofinaldoséculoXIXsãoimpressionantes,intencionaisounão;olivrofuncionacomoumaalegoriapopulista”.9
Ahistóriareal
Ao buscar “americanizar”, ou “modernizar”, seu conto de fadas através dealusões a temas, lugares e personagens do cotidiano,Baum tinha diante de si,nos anos 1890, um panorama particularmente rico, na política como naeconomia.OsEstadosUnidos se transformavam, consolidando suas fronteiras,acolhendohordasde imigrantes, iniciandosuasatividades imperialistas—queculminaramnaGuerraHispano-americana(1898)enadecorrenteconquistadasFilipinas—,assistindoaagitaçõessociaisdetodotipo,greveseprotestoscontratrustes e monopólios, mormente associados a bancos e ferrovias e, maisimportanteque tudo isso,experimentandoumaprofundadepressãoeconômica,com seus piores anos em 1893-97, descrita então como a pior contraçãoeconômicadahistóriadopaís.AGuerraCivil, comocostumamseroseventosdaespécie, foiumpesadelo
monetário,surpreendentementesemelhanteparaosdois lados.AConfederaçãose sustentou sobre emissões de papel-moeda que foram varridas, ao final, poruma hiperinflação.AUnião também abusou das emissões de papel-moeda, as
quais, todavia, sobreviveram ao confronto e ficaram conhecidas comogreenbacks, trocadilhodifícilde traduzir: acoreraumverdevistoso,nosdoisladosdacédula,masnãohaviaoutrobacking(oulastro)quenãofossesuacor.Encerrado o conflito, a estabilização compreendeu acerbos debates sobre osistema monetário, e mais precisamente sobre os sacrifícios envolvidos nadisciplina inerente ao padrão-ouro, ou seja, em adotar-se a conversibilidade aumaparidadefixacomrelaçãoaoouroeàsoutrasmoedasinternacionaisligadasaometal. A opção pela ortodoxia levou o país a uma continuada restrição deliquidez e a uma deflação que permitiu que, em 1879, o país retornasse aomesmoníveldepreçosdeantesdaguerra,eassimvoltasseàconversibilidade,adespeitodemuitasdoresereclamações.É curioso,mas não surpreendente, que nos EstadosUnidos tenham surgido
partidos políticos de certa relevância cujos termos de referência estavamdiretamente ligados a questões monetárias. O Partido Papelista (GreenbackParty), cuja plataforma tinha as emissões de papel-moeda como principalobjetivo,adicionalmenteaalgumascausasprogressistas,tevepresençaeleitoral,ainda que como nanico, nas eleições de 1876, 1880 e 1884, o período maiscríticodavoltaaopadrão-ouro.Masfoiperdendosubstâncianamedidaemquea economia se fortalecia sob a disciplina prescrita pelo regimemonetário quebuscava antagonizar.Mais adiante, nas eleições de 1892, um novo partido seapresenta,herdandodiversasdasbandeirasdospapelistas:oPartidodoPovo,ouospopulistas,cujocandidato,JamesWeaver,deIowa,quejáhaviaconcorridoàpresidência pelos papelistas em1880, consegue9%dovoto popular e capturaquatroestados:oKansas,sededomovimento,etrêsoutrosestadosondejazidasdepratatinhamsidodescobertas(Colorado,IdahoeNevada).
SátiradavisãorepublicanasobreoPartidodoPovo,naRevistaJudge,junhode1891.
Weaver denunciava governos “deWall Street, por Wall Street e paraWallStreet”, e o impacto de suas ideias, que podem ser resumidas na chamada“plataforma deOmaha”, onde havia sido a convenção dos populistas, pareciabemmaiordoquesuavotaçãoindicavanessaprimeiratentativa.Àsemissõesdemoeda fiduciária para baratear o crédito para os agricultores, juntava-se umasériedeoutras causasprogressistas associadas ademandasde sindicatos edasmulheres,etambémaosproibicionistas(movimentoquelutavapelaproibiçãodavenda de bebidas alcoólicas). Mas os assuntos monetários não perderam suacentralidade, pois uma grande questão para os populistas era a adoção de umsistemamonetáriobimetálico,noqualogovernopoderiatambémemitirdinheiro
comlastroemprata,talcomofaziacomoouro.Éestranhoqueumassuntocomoessetenhaalcançadotamanharelevânciana
esferaeleitoral,maséfácilverqueobimetalismoeraumaformadeaumentaraoferta de moeda e crédito, como queriam os papelistas, porém através dainclusãodapratacomo“base”dosistemamonetário,aumaparidadefixacomoourojáfixadaemlei(naproporção16:1).A“monetização”daprata,oua“livrecunhagem de prata”, funcionava exatamente como uma descoberta de ouro, eseus efeitos seriam fortemente expansionistas, tendo em vista as enormesdescobertas de prata feitas a seguir, nos anos 1870, nos Estados Unidos. Eracomoseariquezaqueviessedasentranhasdaterrafosse“socializada”pelaviadaexpansãogeneralizadadamoedaedocrédito.Antesdessasdescobertas,contudo,aescassezdapratamantinhaoseupreço
detalsorteelevadoqueseusproprietáriospreferiamvenderometalacunhá-lonaparidadedalei,enessascondições,passou,semmaioresdificuldades,umaleique os populistas chamariam depois de “o crime de 1873”, pela qual a pratadeixou de ser cunhada na paridade da lei. Poucomais de uma década depois,num quadro de liquidez restrita e abundância de prata, essa proibiçãoestabelecidapareciadeslocada,eospapelistaspassarama lutarpelaadoçãodalivre cunhagem de prata, a fim de escapar dos preconceitos que se haviamerguidocontraopapel-moeda.Umatentativadecompromissofoiumaleide1890(TheSilverPurchaseAct
of 1890) pela qual o governo poderia ampliar suas aquisições de prata, o quefuncionava como uma forma “keynesiana” de monetizar prata e elevar ademanda agregada, porém criando certas complicações financeiras queacabaram,nainterpretaçãodealguns,ajudandoaprovocarumacorridabancáriae um pânico financeiro em 1893. As eleições do ano anterior tinham sidovencidas porGroverCleveland, umdemocrata de índole conservadora, adeptodolais-sez-faireclássico,hostilàstarifasprotecionistasesubsídios,porémvistocomosimpáticoaosbancoseferroviasesobretudoumhomemdopadrão-ouro.Opânicode1893fezaeconomiamergulharnumarecessãoprofunda;e,noqueparecetersidoumareaçãoortodoxaaumacrisedeliquidez,Clevelandrevogouoprogramadecompradeprata,assimtransformando,segundoavisãopopulista,arecessãoemdepressão.Odesempregofoide3%em1892para11,7%em1893eestonteantes18,4%em1894.Cleveland sofreu derrotas terríveis nas eleições intermediárias, a atmosfera
políticasedeterioroufortementeemarchasdedesempregadosacorriamrumoaWashington,emsucessão,trazendoasmaisvariadasreivindicações.Umadessas,talvez a mais famosa e importante para nossos propósitos, foi a que ficou
conhecida como “O Exército de Coxey”: um grupo de cerca de quinhentosdesempregados, vagabundos e indigentes liderados pelo “general” Jacob S.Coxey, um papelista deOhio que demandava o aumento dos gastos em obraspúblicas, a serem financiadas com papel-moeda ou bônus sem juros. Essekeynesianismoavant la lettre recebeu atençãoda imprensa, que registrou, nãoobstante,queogrupo incluíapersonagenscomoA.P.B.Bozarro,autointituladoWizardo Supreme de um grupo de nome Patriotas Americanos e que seapresentavacomoOGrandeDesconhecido,10etambémKirtland“Ciclone”,umaastróloga de Pittsburgh, tudo isso conferindo ao episódio o “caráter de umaópera-bufa”oumesmode“umcontodefadas”11—de todo jeito,ummaterialriquíssimo, provavelmente irresistível, para um contador de histórias comoBaum.Emboratenhahavidoalgumarecuperaçãoeconômicaemseguida,quandoos
democratas se encontraram em 1896 em Chicago, onde Baum mantinharesidência, para sua convenção nacional e para escolher o seu candidato àpresidência, a situação da economia era péssima e tendente a piorar. Aconvenção resultou das mais contenciosas e memoráveis da história políticaamericana, e o resultado, em si, indica as razões: o presidente em exercício,buscando a reeleição, perde a indicação para William Jennings Bryan, umcongressista de Nebraska, de 36 anos, da ala populista do partido, umextraordináriooradorqueeletrizouosconvencionaiscomumdiscursohistórico,cujapassagemmaisfamosa—umrecadoclaroparaosquequeriamopadrão-ouro—bemexplicaolugardostemasmonetários,edaprataemparticular,naeleição que estava por acontecer: “Vocês não vão empurrar sobre a fronte dotrabalhadoressacoroadeespinhos.Vocêsnãovãocrucificarahumanidadeemumacruzdeouro.”A oratória espetacular de Bryan não era desconhecida. No Congresso, no
decorrer dos debates sobre a abolição das compras de prata pelo governo em1893, já havia impressionado a todos com sua veemência na defesa dobimetalismo:“OCiclonedeNebraska”foiumdemuitosapelidosqueamealhounesses embates. O “Leão de Nebraska” veio depois, em muitas chargespublicadasduranteacampanhapresidencial.Seu discurso da “cruz de ouro” foi aplaudido durante quinze minutos, e o
jovem congressista em segundo mandato desceu do palco como líder de ummovimentonacional, tendoderrotadoninguémmenosqueoprópriopresidentenadisputapelaindicaçãoàcandidaturapresidencial.BryantambémfoiindicadopeloPartidodoPovo,apenascomumcandidatodiferenteàvice-presidência,eaeleição que se seguiu, onde concorreu com William McKinley, pelo Partido
Republicano, de Ohio, é sempre descrita como uma das mais acirradas emarcantes de todos os tempos. A coalizão democrata-populista, que tambémincluía papelistas, sindicalistas, proibicionistas, sufragistas e progressistas detodaordem, comovotodeclaradodeBaum,arrastouomeio-oeste eo sul, osestadosdasMontanhasRochosas,enquantoos republicanosconcentraramsuasvitórias nas grandes cidades do nordeste e da costa do Pacífico. McKinleyvenceuem23estados,Bryanem22.Novotopopular,McKinleyfez7,1milhõescontra 6,5 de Bryan. No colégio eleitoral, onde o resultado era decidido,McKinleyvenceupor271a176.Ambososcandidatosinovaram.Bryanporestabelecerrecordesdeviagense
discursos,edeentusiasmoemseuseleitores,numaépocaemqueoscandidatosraramente deixavam suas cidades de origem; McKinley, seguindo a tradição,manteve-se emOhio, e a campanha organizava romarias para vê-lo e ouvi-lo.Porsuavez,McKinleyinovounofinanciamentodecampanha,fatorcríticoparaessaeoutrascampanhasposteriores.Eleterialevantado,segundoasavaliaçõesmais ousadas, algo próximo a trinta vezes mais dinheiro que Bryan, além deintroduzirmétodosditosmodernosdemanobraraimprensaduranteacampanha,o que tem sido creditado a Marcus Alonso (“Mark”) Hanna, o bilionáriocoordenador financeiro da campanha republicana, ele próprio um postulante àpresidênciaanosdepois.É extraordinário que um tema complexo como o bimetalismo tenha sido a
questão mais discutida numa eleição presidencial. É claro que a percepçãopopulardadiscussãoera,possivelmente,ademaisumembateentredisciplina(talvez excessiva) e irresponsabilidade (talvez mero arrojo) monetária, apenasem altíssima temperatura face ao estado calamitoso da economia. Hoje sereconhecequeasideiasdeBryannãoeramtãoinconsequentesquantopareciam,inclusiveporqueapassagemdo tempo fezcomqueoestablishmentpartidárioabsorvesse as causas progressistas, dentre elas a necessidade de maispragmatismo na gestão da moeda. O Partido Democrata deslocou-se mais àesquerdanessa eleição, foiperdedor,masmuitasde suas reformas liberais (nosentido americano do termo) acabaram apropriadas pelas administraçõesseguintes.QuandoBryaneMcKinleysereencontraramem1900paraumnovoembate
presidencial, uma recuperação econômica — em boa medida bafejada pelaexpansãomonetária—haviasubtraídointeressedoassuntodamonetizaçãodaprata.Amaiorpartedasbandeirasdacampanhade1896emtornodaprata,quepermitiram o espantoso crescimento do movimento populista, havia perdidosubstância.Bryanprecisavaencontraroutros temas, e aescolha recaiu sobreo
imperialismo,umtemapolêmico,esobreoqualjáhaviatomadoposiçõesfortes,como nos casos da guerra Hispano-americana, de teor colonialista, e daanexaçãodasFilipinas.Com isso, todavia,angariavaantipatiasdosdois lados:osrepublicanosoacusandodecovardiadiantedeameaçasàsegurançanacional,eospopulistascismadoscomashesitaçõeseaperdadeênfasenotemarelativoàprataeàexpansãodocrédito.Bryanperdeunovamenteem1900,anodapublicaçãodeOMágicodeOz,por
uma margem um pouco mais larga, numa campanha morna, assinalando odesencanto e o declínio das ideias populistas e dos debates sobre a prata emespecial.McKinley, todavia,governariaapenaspor seismeses: foi assassinadopor um anarquista e substituído por TheodoreRoosevelt, de 42 anos, um dosmaisdinâmicoseadmiradospresidentesamericanos,eumaespéciederetratodoqueficouconhecidocomoaeraprogressista.Rooseveltseaproprioudaretóricapopulista ao identificar-se muito fortemente como “o homem comum” e aocombater trustes e hostilizar gente como J.D. Rockefeller. O populismo haviasidoamplamentedeglutidopelosgrandespartidos.
Aalegoriamonetária
Diante dos fatos acima descritos, o que é possível encontrar no texto de OMágicodeOzquetenhacorrespondênciacompersonagenseincidentesdavidarealequepossaescaparà“meracoincidência”?Quaisexatamenteasindicaçõesque sustentam a tese de que temos diante de nós uma alegoria para a sagapopulistanosEstadosUnidosdofinaldoséculoXIX?OKansas,inícioefimdasagadeDorothy,éumaespéciedealmamaterdo
movimento populista, um estado de fazendeiros em dificuldades como o tioHenry e a tia Em, vivendo em duras condições,mais claramente descritas nolivro que no filme, onde a rotina parece mais idílica, ainda que em preto ebranco. Antes do título definitivo, O Mágico de Oz teve alguns títulosprovisórios,entreelesDoKansasàTerradasFadas, comoqual ficavaaindamais clara a associação com a típica “rota da campanha” (campaign trail),seguida em todas as eleições presidenciais. Durante os debates em 1896, opróprio Mark Hanna teria determinado aos republicanos que circulassemnacionalmente um panfleto intitulado “Qual o problema com o Kansas?”(“What’s thematterwithKansas?”), deWilliamAldenWhite, que trazia umacrítica maliciosa aos fazendeiros da região, pela incapacidade de pensar
organizadamente sobre suas próprias dificuldades, um exemplo notável demalícia política ao culpar as próprias vítimas. Baum certamente conhecia opanfleto,quefoireproduzidonoChicagoEveningPost,ondeeletrabalhara.Naverdade,numrelatode1939,opróprioWhiteafirmouquesuasdiscussõescomBaumlevaramesteúltimoaescolheroKansascomosededesuaaventura.12Dorothy, a protagonista da aventura, representaria a América, “honesta, de
bomcoraçãoecorajosa”,ou“MissEveryone”(SenhoritaTodooMundo,numatraduçãoaopédaletra),oalteregodoleitoramericano,criançaouadulto.Seuirrequieto companheiro Totó é tomado como o símbolo do movimentoproibicionista, em razão da semelhança sonora com teetotaler expressão quesignifica total abstinência de bebida alcoólica. Além disso, os proibicionistaseramummovimentoemgeralaliadoàscausasprogressistas,masexcêntricoeirrequieto, como Totó, “sempre empurrando na direção errada e não para serlevadoasério”.13É interessantequeTotó,dequandoemvez,está“marchandosobriamente”,umapequenaprovocação.O ciclone evoca a agitação causada pela depressão iniciada em 1893 e
sobretudo pela rápida e fulgurante aparição do movimento populista, que noespaçodeumaeleiçãoparaoutrapassoudacondiçãodepartido“nanico”àderealopositordoPartidoRepublicano,poisseapossoudosdemocrataseliderava,naprática,acoalizão.Dorothy,TotóesuacasaaterrissamnoreinodeOz,eessenome,emsi,não
parece acidental. É fácil interpretá-lo como a abreviatura para onças, a antigamedidadepesoutilizadaparametaispreciosos,ouroeprata,detalsortequeoreino seriam os EstadosUnidos em si, hipnotizados pelamiragem do padrão-ouro.Baumcertavezteriaexplicadoaescolhadonomeapartirdeumarquivo,que continha assuntos de O até Z — uma explicação que, tal qual a teoriaonomatopaicamencionadaporGardner,nemHearnnemapróprianetadeBaumlevamasério.AcasaaterrissasobreaBruxaMádoLeste,quemorresoterrada,masseuspés
calçadoscomsapatinhosfeitosdeprata ficamparaforadacasa,aoalcancedeDorothy. Os sapatos são de rubi na versão cinematográfica, e assim ficaramimortalizadosnamentedemuitos;aopçãopelorubi,noentanto,decorredofatodequeoreinodeOzeramostradoemtechnicolor,umainovaçãoentãorecém-adotadanoscinemas,eovermelhosobressaíamuitomaisqueoprata.Eassimofilmefezseperderumdosmaisimportantessímbolosdaalegoria.ABruxaMádoLeste,agoramortaeincapazdeutilizarospoderesconferidos
pelos Sapatos de Prata, seria Grover Cleveland (nascido em Nova Jersey eestabelecido em Nova York, ambos na Costa Leste americana), morto
politicamenteaochegaràconvençãode1896eigualmenteincapazdeutilizarapratacomotemaparaasuacampanha—afinal,elenãohaviarevistoo“Crimede1873”,nemoperadoas comprasdepratademodoa reverter a recessão.ABruxa Boa do Norte, de mais difícil identificação, representaria os apoios noPartido Democrata à causa populista, que foram essenciais para derrotarCleveland na convenção e que resultaram na nomeação deArthur Sewall, doMaine, o estado mais ao norte da Nova Inglaterra, para concorrer à vice-presidêncianachapademocrata.O povo do Munchkins representava a gente comum sacrificada pela
insistência em semanter o padrão-ouro.Diziam-se “escravizados” pela BruxaMádoLeste, repetindoa linguagemradical-populistados sindicatosdaépoca,quefalavamem“wageslavery”(escravidãoassalariada,numatraduçãolivre)aodescrever as relações industriais naqueles dias. A Bruxa Má do Leste(Cleveland)tinhaopoderparareverterasituação,poistinhaosSapatosdePrata,masnãoosutilizou.OsMunchkinseaBruxaBoadoNorteexplicamaDorothyque,paravoltarao
Kansas e seguir seu destino, ela precisava ir à Cidade das Esmeraldas — acapital, Washington —, seguindo pela “estrada dos tijolos amarelos”. Amensagem seria, portanto, que Dorothy deveria calçar os Sapatos de Prata eseguir pela trilha do padrão-ouro para chegar a Washington, o centro dadiscussão sobre o dinheiro, os greenbacks. Era essa a mensagem básica dobimetalismo,ouseja,nãodesubversãoaopadrão-ouro,masdaadiçãodaprataao regime, com vistas a torná-lo melhor, mais flexível e mais propenso àexpansãodocréditoemrazãodaabundânciadeprataapreçosmenoresqueodaparidade.Nocaminho,DorothyeTotóencontramalgunspersonagensimportantespara
a narrativa e para a cena política americana. O primeiro é o Espantalho,representando os rústicos e bem-intencionados fazendeiros em dificuldades,inclusiveparalidarcomseusprópriosproblemas,ouparaentenderacomplexadiscussãosobrebimetalismo—porissooEspantalhoquerterumcérebro.Eleresolvejuntar-seaDorothyemsuamarchaparaacapital,pelaestradadostijolosamarelos,emboramalconseguisseseequilibraraocaminhar,poisaestradaerairregularefrequentementeolevavaatropeçar,assimcomoarigidezdopadrão-ouroocasionavanecessariamentemuitainstabilidadenaatividadeagrícola.O segundo é oLenhador deLata, representando o trabalhador urbano, uma
espéciederobô,certavezfeitodecarneeosso,masquefoiperdendopartedesuahumanidadefaceaosrigoresdavidanasfábricaseganhandoferrugememrazão da ociosidade, vale dizer, do desemprego. Desumanizado e imobilizado
pelaoxidação,oupelosmaus-tratosdaBruxaMádoLeste,oLenhadordeLataquerumcoração,umacausapelaqualseapaixonar,eprecisadelubrificante,oudeliquidez,pararecuperarseusmovimentos.EletambémsejuntaàmarchadeDorothy,naesperançadereaversuacondiçãohumanaplena,comoseesperavaaadesãodossindicatosindustriaisàscausasprogressistasemgeral.Oterceiropersonagem,oLeãoCovarde,éopróprioWilliamJenningsBryan,
cujaoratóriatempestuosatinhasidocomparadaaorugidodeumleão;o“LeãodeNebraska” era uma imagem comum em charges e a covardia foi um temafrequentedacampanhade1900,comojáobservadoacima,faceàsposiçõesanti-imperialistaseàshesitaçõescomrelaçãoàprata.OLeãoCovardeéoúltimoaentrar na marcha rumo à Cidade das Esmeraldas, portanto a sequência naaparição dos amigos de Dorothy faz todo o sentido: o populismo começa noKansas, com os agricultores ganhando em seguida o apoio dos trabalhadoresurbanos,eporfimconquistaodemocratapopulista,osupostoreidosanimais.Note-seque,noprimeirocontato,oLeãoCovardetentouarranharoLenhadordeLata, mas “não conseguiu nem arranhar a lata”, uma observação sempreassociadaaofatodequeaderrotaeleitoraldeBryanteriasidocausadaporsuaincapacidadedepenetrarnoseleitoradosurbanos.
Bryan,o“LeãodeNebraska”,comooLeãoCovarde,acossadoporjornalistas—Kalidahs,manobradospelos
republicanosparaodifamarem.
Umavezjuntos,oestranhogrupo,comtonalidadesde“ExércitodeCoxey”,segueparaaCidadedasEsmeraldas, enfrentandoosmais estranhosepisódios.Para atravessarem um fosso, o Leão Covarde precisa pular com seuscompanheiros nas costas, e paradoxalmente o faz sem correr, uma alusão,segundo a interpretação populista, ao fato de que Bryan ganhou a convençãosem uma campanha − without a run, em inglês, num jogo de palavras. Láembaixo no fosso estão os Kalidahs, monstros terríveis comparados aosjornalistasmanobradospelosrepublicanosparadifamarBryan.Mais adiante na sua marcha, o grupo precisa ultrapassar o Campo das
PapoulasdaMorte,ondeoLeãoCovardenãoconseguesecontrolareadormece—eaexplicaçãoparaoepisódioéafiguradeBryaninebriadopelosassuntosorientais,soboefeitodoópio,queofazadormeceremplenamarcha,alienando-se da causa e domovimento que liderava.Mas oLeãoCovarde é salvo pelosratinhos do campo, uma representação para as bases do partido populista, amilitânciamaisorgânica,queoarrastapara terrenoseguroeparaos temasdocotidiano:Bryannãodeveriaseenvolvertantoassimcomosdebatesacercadoimperialismo,masvoltarsuasatençõesparaopreçodomilhoeparaasquestõesdeinteressedospequenosagricultores,suasbasesmaisfiéis.Osratosdocampo,ademais,possuemumaRainhaque,talcomoaCegonhaquesalvaoEspantalho,évistacomoreferênciaaomovimentosufragista,sempreacompanhandoacausapopulistaàdistância.O grupo chega à cidade, em cujo portão o guarda os faz pôr óculos verdes
atadosporbandasfeitasdeouro—comoseosantolhosdopadrão-ourofossema única forma de olhar para os eventos da Cidade das Esmeraldas. “OsfinancistasconservadoresqueadministramaCidadedasEsmeraldasforçamseuscidadãosaolharparaomundoatravésdeóculoscomascoresdodinheiro”,nodizerdeRockoff.14Overde, a cordodólar, comonosgreenbacks, na verdadenão era real, como o próprioMágico explicará adiante. A cidade não é maisverdedoqualqueroutra,“sóque,usandoóculosverdes,claroquevocêvêtudoverde”,comoesclareceoGrandeOz.Tudodependedaconfiança,oudomododever;acoisanãoéintrínsecaoulegitimamente“verde”.Amoeda,aofinaldascontas,dependedeconfiançamuitomaisdoquepropriamentedamatériadequeéfeita.Essatesepapelistaencontravamuitasimpatiaentreospopulistas,muitosdosquaistinhamsidogreenbackers.ParachegaraoMágico,odeusexmachinaqueatenderáosdesejosdetodose
levaráDorothydevoltaaoKansas,ogrupoprecisapassarporsetepassagensetrês lances de escada, uma alusão fácil ao “Crime de 1873”, que precisa sersuperado para que as coisas funcionem no “reino”.15 Há muitas pessoas sem
fazernadanasantessalasquelevamaoMágico,burocratassemfunção,segundoainterpretaçãopopulista,equandofinalmenteoGrandeOzrecebeogrupo,umde cada vez, mostra-se em diferentes formas: uma mulher adorável para oEspantalho,ummonstroparaoLenhadordeLata,umaboladefogoparaoLeãoCovarde e uma cabeça gigante paraDorothy. As interpretações são inúmeras,todasafeitasaomodocomoospolíticostratamospersonagensaírepresentados.Atodospretensamenteatende,ouprometeatender,eacadaumsemostradeumjeitodiferente,comoéprópriodepolíticos,esempredefinindoalgumacoisaemtroca de seus favores. Segundo explica oMágico: “Nomeu país, todomundoprecisa pagar pelo que receber.” Quem seria esse Mágico que se mostra emtantos formatos e adere a essa “visão de mundo puramente republicana”?,pergunta Rockoff. A resposta, de acordo com a mitologia populista, é MarkHanna, um político profissional particularmente velhaco, o cérebro dascampanhas republicanas, o homem dos bastidores, o impostor comandando asforças poderosas e o dinheiro que serve para enganar os eleitores e elegerMcKinley.MasoMágiconãolhesofereceumasoluçãoimediataeimpõecondições:diz
aosviajantesqueparateremoquequeremprecisammataraBruxaMádoOeste,que não pode ser outro personagem que não o próprio McKinley, o últimoobstáculoparaqueDorothyeseusamigosalcancemseusobjetivos.OMágiconão é necessariamente um inimigo da BruxaMá doOeste, e tampouco diz averdade,ou todaaverdade,o tempo inteiro, comoDorothy logoaprenderia, ecomocostumamserospolíticos.Masestavacorretoemapontar-lhesocaminho:vencerMcKinley.Ogrupopartenadireçãooesteeenfrentapragasbíblicas—lobos,corvose
abelhas—,quevencemseguidamente,paraasurpresaeirritaçãodaBruxa,quesevêforçadaalançarmãodoGorrodeOuro,outrosímboloparaopadrão-ouro,que permite a quem o possui convocar os Macacos Alados (cuja simbologiaveremos mais abaixo) em três oportunidades, para realizarem três desejos. ABruxa Má do Oeste já usou dois deles, um para afastar o Mágico de seusdomínios,outroparaescravizarosWinkiesAmarelos (umaalusãoàsFilipinasou aos trabalhadores orientais na Califórnia). O terceiro seria para capturarDorothyedeixarseustrêsamigosimóveiseaprisionados.Depois deutilizar os desejos permitidospeloGorrodeOuro, aBruxa tinha
Dorothy prisioneira,mas como amenina ainda calçava osSapatos dePrata, aBruxa não se atreveu a atacá-la, pois conhecia os poderes desses sapatos.McKinleynãoeraforteosuficienteparaatacarascausaspopulistaseaprataemparticular, mas seguia dizendo que o bimetalismo seria factível se fosse o
resultadodeumaconferênciainternacional,queeleestavadispostoaconvocar.Ascausaspopulistasestavamaprisionadas.ABruxaserve-sedeumestratagemapararetirardeDorothyumdosSapatosdePrata,queficamassim“desunidos”:Bryan hesitante e McKinley tergiversando. Dorothy, porém, irritada com aBruxa,atira-lheumbaldedeágua—eparaasuasurpresaoefeitodaáguasobrea Bruxa foi fazê-la derreter. Seria talvez a chuva que afastava as proverbiaisdificuldadesdosagricultores,aaridezdaterraeainclemênciadoselementos,ouainda, a “liquidez”quevinhadeuma fonte exógenade crédito, todos serviamparadiminuirospoderesdeMcKinley.ComaBruxaafastada,Dorothy,ajudadapelosWinkies,resgataseusamigos
dosrespectivoscativeiros.OLenhadordeLata,emparticular,éconsertadoporlatoeirosWinkieseganhaumnovomachadocomumcabodeouroeumalâminaquebrilhacomoprata.OsWinkiesdãoumacoleiradeouroaoLeãoeoutraaTotó,umabengaladeouroaoEspantalho,paraquenão tropecenocaminho,euma lata de óleo feita de prata, mas adornada de ouro e brilhantes, para oLenhador.DorothyganhaumapulseiracravejadadebrilhantesetomaparasioGorro de Ouro que achou no armário da Bruxa, sem saber de seus poderes.Estavamprontosparaavistar-secomoMágico,masaindateriamquechegaraatéele.Ogruposegueparaoleste,maspareceseperder,quandoDorothyselembra
doapitoquepoderiautilizarparachamarosRatosdoCampo.NãoeraomesmoapitodeprataqueaBruxaMáusarapara invocarasquarentapragas,mas fezapareceraRainhadosRatosdoCampo.Aexpressãowhistleblowers(aopédaletra,sopradoresdeapito)possuiumsignificadopolíticomuitoestabelecidonacultura americana: remete aos denunciadores de autoridades envolvidas ematividadesdesonestas.Umparde leisprotegendoessespersonagens tinha sidoaprovado durante a Guerra Civil, inclusive prometendo aos whistle blowerspercentagensdosdinheirosrecuperadosemcomprasfraudulentaspelogoverno.EisqueaRainhadosRatosdoCampo,umavezmobilizadapeloapito,sugere
aDorothyqueuseoGorrodeOuroechameosMacacosAladosparaajudá-la.Há várias interpretações para esses personagens. Alguns, como Littlefield, ostomam como índios da planície (os quais não contavam com a predileção deBaum, que havia escrito editoriais nada simpáticos à causa sioux): o Rei dosMacacos Alados conta a Dorothy que eles tinham sido, certa vez, “um povolivre”, até se tornarem servos do Gorro de Ouro por conta de um episódioobscuro onde não teria havido má intenção dos pobres macacos. Háinterpretações alternativas: os imigrantes irlandeses eram muito comumentedescritoscomomacacosemchargesdaépocaqueseassemelhamàsilustrações
utilizadasnaediçãooriginaldolivro.Masamaisplausíveléaqueostomacomopolíticos fisiológicos, prontos a servir qualquer liderança simpática aoestablishmentortodoxo,normalmentepró-ouro,edegrandepoderdestrutivo.Asiniciaispara“MacacosAlados”eminglês,WingedMonkeys,sãoasmesmasdeWilliam McKinley, que seria uma espécie de marionete do Grande Mágico,MarkHanna,overdadeirocomandantedapolíticarepublicana.16OgruporetornaansiosoàCidadedasEsmeraldasparacobraraspromessas,e
descobrequeoGrandeMágicoéum“homemcomum”,umclichêdepolíticosda época,mas com habilidades de ventríloquo, ou seja, com a capacidade defalaratravésdemuitasvozesepersonagens,equenaverdadevinhadeOmaha,onde estava num balão que foi trazido paraOz por um ciclone.Omaha era aalmamater da plataforma populista, e a imagem segundo a qual um ciclonetrouxeraessasideiasparaocentrodapolíticaeramuitocomum.OMágicoeraumimpostor—eminglês,humbug,numjogodepalavrascomgoldbugesilverbug, como eram chamados os adeptos do padrão-ouro e os do bimetalismo,respectivamente;eracomosetodosospolíticosfossemfarsantes.Mesmo diante da decepção inicial, os membros do grupo aceitam com
entusiasmoassoluçõespaliativaspropostaspeloMágico,quedáaoEspantalho,aoLenhadordeLataeaoLeãoqualidadesque,nofundo,elessempretiveram.Ospolíticos têmahabilidadedemágicosbaratos,quenosdãooque já temosfazendoparecerquefoisuadádiva.MasnahorademandarDorothydevoltaaoKansas,umpequenoacidentefaz
com que o balão que a levaria suba sem ela, carregando apenas o Mágico.Dorothy fica semalternativas.OEspantalho jáestánocontroledaCidadedasEsmeraldas,nadamauparaquemnãotinhacérebro.JáoLeãoCovarde,parasetornaroReidaFloresta, tevedematarummonstroparecidocomumaaranha,com oito enormes pernas, uma imagem que os populistas usavam comfrequênciaparasereferiràsferroviasebancos,edaqualopróprioBaumlançoumãoemoutrosescritosparasereferiraostrustes.A fim de voltar para casa, Dorothy precisará então buscar o conselho de
Glinda,aBruxaBoadoSul.Éumaviagemdifícil,passandopelodelicadoPaísde Louça, cercado por um grande muro: nova incursão pelo tema doimperialismo(chinaéapalavraeminglêsparaporcelana)etambémumaalusãoaoisolamentodosuldosEstadosUnidosnosanosposterioresàGuerraCivil.Aaventura a seguir consiste em chegar ao país dos Quadlings, mas seres comcabeça de martelo impedem a passagem do grupo. A interpretação populistaassocia os Cabeças-de-Martelo aos intelectuais sempre hostis às causaspopulistas. Como desabafa Dorothy: “Não adianta lutar contra pessoas com
cabeçasqueatacamassim,poisninguémpodeenfrentá-las.”Depois de usar o último desejo permitido peloGorro deOuro e apelar aos
MacacosAladosparapassarpelosCabeças-de-Martelo,ogrupochegaaoPaísdos Quadlings, onde todos se vestem de vermelho, uma alusão aos rednecks(“pescoços-vermelhos”), como são chamados os colonos do sul dos EstadosUnidos.AlisãolevadosfinalmenteaGlinda,dequemouvemaexplicaçãosobrecomovoltaraoKansas:bastavaunirosSapatosdePrataebatê-los trêsvezes.SegundoRockoff,“osonhopopulistadechegaraopodercomoauxíliodoSulestavarealizado”.17Dorothy entrega oGorro deOuroparaGlinda, que usa osseus três desejos para alojar apropriadamente o Espantalho na Cidade dasEsmeraldas,oLenhadordeLatajuntoaosWinkieseoLeãonafloresta.SegundoLittlefield: “Interesses agrícolas alcançam dimensão nacional, o industrialismochegaaooesteeBryancomandaapenasumaflorestadefigurasmenores.”18QuandoDorothyacordanoKansas,nopontodepartida,ossapatosseforam,
a“batalhadospadrões”ficounopassadoeaprata,esquecida,emboraaagitaçãotenha sidomuito interessanteparaosque seenvolveramnodebateeparaquealgumas das bandeiras populistas e progressistas entrassempara as pautas dosgrandespartidos.Em1900,osEstadosUnidosestavamfirmementedevoltaaopadrão-ouro.
GustavoH.B.Francoa
1HenryM.Littlefield,“TheWizardofOz:ParableonPopulism”,inHenningCohen(org.),TheAmericanCulture:ApproachestotheStudyoftheUnitedStates.Boston,HoughtonMifflinCo.,1968,p.373e381.Grifosmeus.2HughRockoff, “TheWizard of Oz asMonetaryAllegory”, Journal of Political Economy, vol.98, n.4,p.739.Traduçãominha.3MichaelPatrickHearn,“Introduction”,inTheAnnotatedWizardofOz:CentennialEdition.NovaYork,W.W.Norton,p.lxxxix-xc.4DavidB.Parker,“TheRiseandFallofTheWonderfulWizardofOzasa‘ParableonPopulism’”,JournalofGeorgiaAssociationofHistorians,vol.15(1994),p.49-63.5Hearn,op.cit.,p.xcvii.6 Ibid., p.xcvi. Martin Gardner relata que essa suspeita já tinha aparecido em 1938. Ver “The RoyalHistorianofOz”,inTheNightIsLarge.NovaYork,St.Martin’sPress,1996.7Ibid.,p.xcvii.8RusselNye,“AnAppreciation”,inMartinGardner&RusselNye(orgs.),TheWizardofOzandWhoHeWas.EastLansing,MichiganUniversityPress,1994(1957),p.1e12.9RanjitS.Dighe(org.),TheHistorian’sWizardofOz:ReadingL.FrankBaum’sClassicasaPoliticalandMonetaryAllegory.Westport,Praeger,2002,p.4-8.Grifosnooriginal.10Dighe,op.cit.,p.34e61.
11Rockoff,op.cit.,p.749.12Dighe,op.cit.,p.45.13Rockoff,op.cit.,p.745n8.14Ibid.,p.750.15AcoincidênciaétãoflagrantequediminuiaforçadacautelosaobservaçãodeRockoffsegundoaqual“ahistóriaéricaemreferênciasàcenacorrente,masnãoéumenigmamatemático”(op.cit.,p.745).16Dighe,op.cit.,p.102,n.47.17Rockoff,op.cit.,p.756.18Littlefield,op.cit.,p.381.aGustavoH.B.FrancoéprofessornoDepartamentodeEconomiadaPUC-Riodesde1986.Foidiretorepresidente do Banco Central do Brasil entre 1993 e 1999 e um dos criadores do Plano Real. É sóciofundadordaRioBravoInvestimentosetemvárioslivrospublicados,entreelesAeconomiaemMachadodeAssis, A economia em Pessoa, Shakespeare e a economia e As leis secretas da economia, todos elespublicadospelaZahar.
OMÁGICODEOZ
Estelivroédedicadoaminhagrandeamigaecompanheira:minhaesposa.
L.F.B.
Introdução
Ofolclore,aslendas,osmitoseoscontosdefadastêmacompanhadoascriançasatravés dos tempos, pois todo jovem saudável sente um amor instintivo porhistórias fantásticas, maravilhosas e manifestamente irreais. Nenhuma outracriaçãohumanatrouxemaisfelicidadeaoscoraçõesinfantisqueasfadasaladasdeAnderseneGrimm.1Aindaassim,ocontodefadastradicional,depoisdeserviramuitasgerações,
hojepodeserclassificadocomo“histórico”nabibliotecainfantil;poischegouahora de novos “contosmaravilhosos”,2 dos quais se eliminaram os gênios, asfadas e os anões estereotipados, junto comos incidentesmedonhos e sinistrosimaginadosporseusautoresparaindicaramoralassustadoradecadahistória.3Aeducaçãomoderna inclui amoral; por isso, a criançamoderna procura apenasdiversão em suas histórias fantásticas, dispensando alegremente todos osincidentesdesagradáveis.Comessa ideia emmente, a história deOMágico deOz foi escrita apenas
paraoprazerdascriançasdehoje.Pretendeserumcontodefadasmodernizado,emqueaadmiraçãoeaalegriaseconservameossofrimentosepesadelossãodeixadosdefora.
L.FrankBaum,Chicago,abrilde1900
1ReferênciaaosirmãosalemãesJacob(1785-1863)eWilhelm(1786-1859)GrimmeaoautordinamarquêsHansChristianAndersen(1805-75).Apesardeseuscontosnãoconteremdefatotantasfadasaladas,muitomais presentes na literatura francesa, os três permanecem como osmais populares autores de contos defadas.2 Em sintonia com as ideias propagadas pelo círculo literário de Chicago do final do séc.XIX, Baumdefendearupturadaliteraturainfantilamericanacomaliteratura“tradicional”europeia,criandoassimumnúcleodemitosepersonagensprópriosdomeio-oestedosEstadosUnidos.3Contosqueseencerramcomuma“moral”sãotípicosdaobradosfrancesesCharlesPerrault(1628-1703)eLaFontaine(1621-95),bemcomodasfábulasdogregoEsopo(c.620-564a.C.),maisdoquedeGrimmeAndersen.
1.Ociclone
Dorothy1 vivia nomeiodas grandespradarias doKansas,2 com seu tioHenry,que cuidava de uma fazenda, e a tia Em, mulher dele.3 A casa em que elesmoravam era pequena, porque a madeira para a sua construção precisava sertrazidadecarroçadesdemuitolonge.Eramquatroparedes,umchãoeumteto,queformavamumaúnicapeça;enestapeçaficavamumfogãoalenhacomumaaparênciabemenferrujada,umarmárioparaospratos,umamesa,trêsouquatrocadeiraseascamas.OtioHenryeatiaEmocupavamumacamadecasalnumdoscantos,eDorothy,umacamamenoremoutro.Acasanãotinhasótãoenemporão—tiranteumburaconãomuitograndecavadonaterra,quechamavamdeabrigodeciclone,4ondea famíliapoderiaseesconderparaocasodeaparecerumdessesimensosredemoinhosdevento,tãofortesquesãocapazesdeesmagarqualquercasaouconstruçãoqueencontremnocaminho.Aoabrigosechegavapor um alçapão que ficava no meio do piso da casa; do alçapão descia umaescadaatéoabrigoestreitoeescuro.QuandoDorothychegavaàportadecasaeolhavaemvolta,sóviaapradaria
cinzenta5 de todos os lados. Nenhuma árvore ou casa interrompia a paisagemtotalmenteplanaque,emtodasasdireções,seestendiaatéondeavistaalcança.O sol tinha transformado a terra cultivada numa extensão sempre igual, todacortadaporrachaduras.Nemmesmoarelvaeraverde,porqueosolqueimaraaspontasdasfolhaseelasficaramdamesmacorcinzaqueseviaemtodaparte.Acasa antes era pintada,mas o sol tinha descascado a tinta e as chuvas tinhamlavadooquesobrou,eagoraacasaeratãocinzentaesemcorcomotodooresto.Quando tia Em veio morar ali, era jovem e bonita. Mas ela também foi
modificadapelosolepelovento,queapagaramacentelhaquebrilhavanosseusolhos,hojedeumcinzaneutro.Desbotaramo rubordas suas facesedos seuslábios,quetambémficaramacinzentados.Eramagraeseca,enãosorriamais.QuandoDorothy, que era órfã, chegou à casa dela, tiaEm ficava tão surpresacomo risodameninaquegritavae levavaamãoaopeito todavezqueavozalegredeDorothychegavaaosseusouvidos;eolhavaadmiradaparaamenina,aoverqueelaconseguiaencontraralgummotivopararir.Já o tioHenry nunca ria. Trabalhava duro do amanhecer até a noite, e não
tinhaideiadoquesignificavaaalegria.Tambémeratodocinza,dalongabarbagrisalhaàsbotasgrosseirasqueusava.Tinhaumaaparência solenee severa,equasenuncadizianada.
EraTotóquemfaziaDorothyrir,enãodeixavaameninacrescertãocinzentaquanto tudo que existia à sua volta. Totó não era cinza; era um cachorrinhopreto,comopelolongoesedosoeolhinhosnegrosquereluziamsatisfeitosdosdoisladosdeseufocinhopreto,miúdoeengraçado.Totóbrincavaodiainteiro;Dorothybrincavacomeleeadoravaocachorrinho.Mas hoje não estavam brincando. O tio Henry, sentado na porta da casa,
olhavaansiosoparaocéu,quesemostravaaindamaiscinzentoqueonormal.Dorothy sentou-se ao lado dele na porta, comTotó no colo, e tambémolhavaparaocéu.TiaEmlavavaospratos.Demuito longe,aonorte,ouviramumgemidoprolongadodovento,e tanto
tioHenrycomoDorothyviramquedaquelesladosocapimaltoseabaixavaemondasdiantedatempestadequeseaproximava.Emseguidaouviramumassobioagudonoar,vindodosul,equandoviraramosolhosnessadireçãoviramqueocapim,naquelelado,tambémformavaondas.Derepente,otioHenryselevantou.—Estávindoumciclone,6Em—disseeleàmulher.—Vouverseosanimais
estãobem.Esaiucorrendonadireçãodoscurraisondeficavamasvacaseoscavalos.TiaEmlargouo trabalhoquefaziaeveioatéaporta.Umolharbastoupara
elaverqueoperigoestavabempróximo.—Depressa,Dorothy!—gritouela.—Corraparaoabrigo!TotópuloudosbraçosdeDorothyeseescondeudebaixodacama,eamenina
correu para ir buscar o cãozinho. Tia Em,muito assustada, abriu o alçapão edesceuaescadaatéoabrigoestreitoeescuro.DorothyfinalmentepegouTotóesaiuaoencontrodatia.Quandoestavanametadedocaminho,ouviu-seumgritofortíssimo do vento e a casa sacudiu com tanta força que Dorothy perdeu oequilíbrioecaiusentadanochão.Eentãoumacoisamuitoestranhaaconteceu.A casa rodopiou duas ou três vezes e começou a levantar voo devagar.
Dorothyteveasensaçãodequesubianoarabordodeumbalão.Osventosdosuledonorteseencontraramnopontoexatoondeficavaacasa,
precisamentenocentrodociclone.Nomeiodociclone,oolhodofuracão,oargeralmentequasenãosemove,masapressãoimensaqueoventocriavaemtodaavoltafezacasasubircadavezmais,atéchegaraopontomaisaltodociclone;ebemnoaltoelacontinuouenquantoeracarregadaparacadavezmaislonge,pormuitosemuitosquilômetros,comoumapenaplanandonoar.Escureceu muito e o vento soprava com sons horríveis à volta dela, mas
Dorothydescobriuqueviajavaatécomumcertoconforto.Depoisdosprimeirosrodopios, edeumoutromomentoemqueacasa sacudiucomforça, sentiu-seembalada,comoumbebênoseuberço.Totóéquenãogostounemumpoucodaquilo.Corriadeumladoparaooutro
dasala,parandoaquiealielatindoalto;masDorothyficousentadabemquietanochão,esperandoparaveroqueviriaemseguida.Numcertomomento,Totóchegoupertodemaisdoalçapãoecaiunoburaco,e
primeiroameninaachouque tinhaperdidoseuanimalzinho.Mas logoelaviuumadasorelhasdocachorroaparecendodedentrodoburaco,porqueapressãomuitofortedoarnãodeixouqueelecaísse.Elasearrastouatéaabertura,pegouTotópelaorelhaepuxouocachorrodevoltaparadentro;emseguida,fechouoalçapãoparaquenenhumacidentetornasseasuceder.Horasehorassepassaram,eaospoucosDorothyfoiperdendoomedo;mas
sentia uma grande solidão, e o vento uivava com tanta força à sua volta quequase ficou surda.Numprimeiromomento, ela se perguntou se a casa iria sedespedaçarquandotornasseacairnochão;mas,comopassardashoras,como
nadadeterrívelacontecia,paroudesepreocupareresolveuesperarcomtodaacalmaparaveroqueofuturoiria lhe trazer.Finalmente,arrastou-sepelochãoatéasuacamaedeitounela;Totófoiatráseseestendeuaoseulado.
Apesardobalançodacasaedobarulhodovento,empoucotempoDorothyfechouosolhoseadormeceuprofundamente.
1OnomeDorothy jáhaviasidoutilizadopeloautorparaaheroínadoúltimocontodeMotherGoose inProse (1897). No entanto, ao ser republicado na coletâneaL. Frank Baum’s Juvenile Speaker (1910), apersonagemseriarebatizadadeDoris.TantoaheroínadeDotandTotofMerryland(1901)quantoaRainhadeMerrylandtêmapelidoscomunsparaDorothy:DoteDolly.ÉprovávelqueBaumtenhaseinspiradonasobrinhadesuaesposa,DorothyLouiseGage,quefaleceuaindabebêem1898.2Estadonomeio-oestedosEstadosUnidoscaracterizadopelasplaníciesepeloclimatemperado.Estima-seque,apesardesituarDorothynoKansas,BaumestivessenaverdadeescrevendosobreoestadodeDakotadoSul,ondemorouentre1888e1891.3BaumteriabuscadoinspiraçãonossogrosHenryHillGageeMatildaJoslynGage(quecostumavaassinarseunomeapenascomainicial“M”)parabatizarostiosdeDorothy.4Em1900,opesquisadorWillisL.Morrisescreveuaoseditoresamericanosexigindoacorreçãodotermoabrangente “ciclone” para omais específico “tornado”,mas a correção nunca foi feita. Tanto o KansasquantoasduasDakotassãoconhecidosporseustornadoseabrigossubterrâneos.
5Oexcessode“gray”(“cinza”e“cinzento”)noprimeirocapítuloénormalmenteusadocomoreferênciaaoestilo direto e de descrições pouco elaboradas de Baum. Buscando sempre o máximo de clareza emdetrimentodaperfeição sintática,oautor raramente revisavaoualteravaosmanuscritos.AadaptaçãodaMGMparaocinematraduziumuitobemadescriçãodoautorfilmandoascenasambientadasnoKansasemsépiaeasambientadasemOznumvibrantetechnicolor.6Noartigo“TheWizardof the ‘Wizard’”,publicadoem1977naTheNewYorkReviewofBooks,GoreVidalsugerequeBaumsebaseounograndetornadode1893quearrasouduascidadesdoKansasematou31pessoas.
2.OencontrocomosMunchkins
Dorothyfoiacordadaporumchoque,7tãorepentinoeforteque,senãoestivessedeitadanacamamacia,poderiatersemachucado.Deitada,sólevouumsustoeseperguntouoqueteriaacontecido;Totóencostouonarizinhofrionorostodelaeganiucomamaiortristeza.Dorothysentou-senacamaepercebeuqueacasanãosemexiamais;enemestavamaisescuro,porquealuzdosolentravapelajanelaeinundavaocômodoúnicodacasinha.Ameninapuloudacamae,comTotóseguindodeperto,correuparaabriraporta.Deu um gritinho de espanto e correu os olhos ao redor, olhos que se
arregalavamcadavezmaiscomascoisasincríveisquecontemplavam.O ciclone tinha depositado a casa comgrande delicadeza—namedida em
que um ciclone pode ser delicado— no meio de um campo de uma belezaextraordinária.Havialindostrechosderelvadoverdeàtodavolta,comárvoresimponentescarregadasdefrutoscoloridosesaborosos.Tufosdeflorescresciamdetodolado,eavesdeplumagemraraebrilhantecantavameagitavamasasasnosramosdeárvoresearbustos.Umpoucomaisadianteficavaumriacho,quecorria e cintilava entremargens verdes,murmurando comuma voz que soavamuitogrataparaumameninaquetinhavividotantotemponaspradariassecasecinzentas.Enquanto devorava comos olhos aquelas estranhas emagníficas paisagens,
Dorothyreparouquevinhacaminhandonasuadireçãoumgrupoformadopelaspessoasmaisesquisitasquejátinhavistonavida.Nãoeramtãograndescomoosadultos comque estava acostumada;mas tampouco erammuito pequenos.Naverdade,pareciam termaisoumenosamesmaalturadeDorothy,queeraaltaparaaidadedela,sóquepareciammuitosemuitosanosmaisvelhos.8
Trêsdeleseramhomenseaoutraumamulher,etodossevestiamdeummodoforado comum.Usavamchapéus redondos emponta commais oumenosumpalmoemeiodealtura,trazendoemvoltadaabasinetasquetilintavambaixinhoquando andavam. Os chapéus dos homens eram azuis; o da mulherzinha erabranco,eelausavaumvestidobrancoquedesciaempregasdosseusombros;otecido era salpicado de estrelinhas, que brilhavam ao sol como diamantes.Oshomens vestiam azul, no mesmo tom dos chapéus, e usavam botas bemenvernizadas,comumabarraazulnoaltodocano.Oshomens,pensouDorothy,deviamsermaisoumenosdaidadedotioHenry,poisdoisdelesusavambarba.Masamulherzinhapareciamuitomaisvelha:seurostoeratodoenrugado,seuscabelos,quasebrancos,ecaminhavacomumacertadificuldade.Quandoessaspessoaschegarampertodacasa,comDorothysempredepéna
porta, pararam e conversaram baixinho entre elas, como se estivessem commedo de avançar mais. Mas a velhinha caminhou até Dorothy, fez-lhe umareverênciaprofundaedisse,comumavozmuitodoce:— Bem-vinda, nobre feiticeira, ao País dos Munchkins. Queremos lhe
agradecer por ter matado a Bruxa Má do Leste, libertando o nosso povo daescravidão.
Dorothy ouviu espantadíssima essas palavras.O que aquela velhinha queriadizercomaquelahistóriadeelaserumafeiticeira,edetermatadoaBruxaMádoLeste?Dorothyeraumagarotainocenteeinofensiva,quetinhasidoarrastadapor um ciclone para muito longe de casa, e nunca tinha matado nada e nemninguémavidainteira.Mas amulherzinhadava todosos sinais de estar esperandouma resposta; e
Dorothylhedisse,hesitandomuito:—Émuita bondade sua;masdeve ter havido algumengano.Eunãomatei
ninguém.Eavelhinharespondeucomumarisada:— A sua casa, pelo menos, matou, o que é a mesma coisa. Olhe só! —
continuouela,apontandoparaumdoscantosdacasa.—Aliestãoosdoispésdela,aindaaparecendodebaixodessapeçademadeira.Dorothyolhouedeuumgritodeespanto.Realmente,bemdebaixodocanto
ondeseapoiavaavigaprincipaldacasa,viam-sedoispés,calçandosapatosdepratadebicobemfino.— Minha nossa! Minha nossa! — gritou Dorothy, torcendo as mãos de
aflição.—Acasadevetercaídoemcimadela.Oqueagentepodefazer?—Nãohánadamaisafazer—dissecalmamenteavelhinha.—Masquemeraela?—perguntouDorothy.—ABruxaMádoLeste,comoeujádisse—explicouamulherzinha.—Os
Munchkins foram todos escravos dela por muitos e muitos anos, e eramobrigadosatrabalhardiaenoiteotempotodo.Agoraestãolivres,emuitogratosavocêpelofavorquefez.—QuemsãoosMunchkins?—perguntouDorothy.—AspessoasquemoramnestePaísdoLeste,eanteseramdominadaspela
BruxaMá.—AsenhoratambéméMunchkin?—perguntouDorothy.—Não; mas sou amiga deles, apesar de morar no País do Norte. Quando
viramqueaBruxadoLestetinhamorrido,osMunchkinsmandarammeavisareeuvimnamesmahora.EusouaBruxadoNorte.—Oravejam!—exclamouDorothy.—Umabruxadeverdade?—Sim,éclaro—respondeuavelhinha.—Massouumabruxaboa,etodo
mundo gosta de mim. Só não sou tão poderosa quanto era a Bruxa Má quereinavaporaqui,senãoeumesmaterialibertadoosseusescravos.—Massempreacheique todasasbruxaserammás—disseamenina,que
sentiaumpoucodemedoporseverdiantedeumabruxadeverdade.—Ah, não, este é um erro dosmaiores. Só havia quatro bruxas em toda a
TerradeOz,9eduasdelas,asquevivemnoNorteenoSul,sãoboas.Eseiqueissoéverdadeporqueumadelassoueumesma.AsdoLesteedoOesteéqueerambruxasmás;masagoravocêmatouumadelasesobrousóumabruxamáemtodaaTerradeOz:aquevivenoOeste.EDorothydisse,depoisdepensarumbocado:—MastiaEmmecontouquetodasasbruxasmorreramhámuitosemuitos
anos.—QuemétiaEm?—perguntouavelhinha.—AminhatiaquemoranoKansas,deondeeuvim.ABruxadoNortedeuaimpressãoderefletirporalgumtempo,comacabeça
baixaeosolhospostosnochão.Emseguida,levantouosolhosedisse:—NãoseiondeficaoKansas,poisnuncaouvifalardessepaís.Masmediga,
sãoterrascivilizadas?—Ah,sim!—respondeuDorothy.— Então isso explica tudo. Nas terras civilizadas, acho que não sobrou
nenhumabruxa;nemmágicos,nemfeiticeirasenembruxos.MasaTerradeOznuncafoicivilizada,porquevivemosseparadosdorestodomundo.Eéporissoqueaindatemosbruxas,feiticeirosemagos.—Quemsãoosmágicos?—perguntouDorothy.—OpróprioOzéoGrandeMágico—respondeuaBruxa,baixandosuavoz
aummurmúrio.—Eleémaispoderosoque todososoutros juntos, evivenaCidadedasEsmeraldas.Dorothy já ia fazer outra pergunta, mas exatamente nesse instante os
Munchkins, que até então estavam parados em silêncio, deram um grito eapontaramparaocantodacasaondeantesestavaestendidaaBruxaMá.—Oquefoi?—perguntouavelhinha.Depois ela olhou, e começou a rir. Os pés da bruxa morta tinham sumido
completamente,eagorasótinhamficadoosseussapatosdeprata.—Elaestavatãovelha—explicouaBruxadoNorte—quesecoudepressa
comocalordosol.Edesapareceu.Masos sapatosdeprata sãoseus,10evocêpodeusar.
Abaixou-se e pegou os sapatos, e depois de espanar a poeira que os cobriaentregouoparaDorothy.— A Bruxa do Leste tinha muito orgulho desses sapatos— disse um dos
Munchkins—eelestêmalgumpodermágico;masnuncasoubemosqualera.Dorothy levou os sapatos para dentro de casa e pôs em cima damesa. Em
seguida,saiudenovoesedirigiuaosMunchkins:—Estouansiosaparavoltarparaaminhatiaeomeutio,porqueseiqueeles
devemestarpreocupadoscomigo.Podemmeajudaraencontrarocaminho?Os Munchkins e a Bruxa primeiro trocaram olhares, depois olharam para
Dorothyeabanaramacabeça.—NoLeste, nãomuito longe daqui—disse umdeles—, fica umdeserto
imenso,queninguémjamaisconseguiuatravessaresairvivo.—ÉamesmacoisanoSul—disseoutro.—Jáestiveláevi.OSuléaterra
dosQuadlings.—Eeuouvidizer—disseoterceirohomem—queamesmacoisaacontece
noOeste.Equeessaregião,ondevivemosWinkies,égovernadapelaBruxaMádoOeste,queescravizatodomundoquepassaporlá.— Eu vivo no Norte— disse a velhinha.— E além de lá fica o mesmo
desertoquecercatodaestaTerradeOz.Infelizmente,minhaquerida,achoquevocêvaiterdeficarconosco.NissoDorothycomeçouasoluçar,poissevernomeiodetantagenteestranha
a fazia sentir-se muito só. E suas lágrimas pareceram comover os generososMunchkins, que imediatamente pegaram seus lenços e começaram a chorartambém.Quantoàvelhinha,tirouochapéu,queequilibrouviradoparacimanapontadonariz,enquantocontava“um,dois,três”numavozsolene.Namesmahora o chapéu se transformou numa lousa, em que aparecia escrito em letrasimensasdegiz:“DOROTHYDEVEIRPARAACIDADEDASESMERALDAS.”Avelhinhatiroualousadecimadonarize,depoisdeleraspalavrasescritas,
perguntou:—OseunomeéDorothy,querida?—É—respondeuamenina,erguendoosolhoseenxugandoaslágrimas.—EntãovocêprecisairparaaCidadedasEsmeraldas.TalvezOzpossaajudarvocê.—Eondeficaessacidade?—perguntouDorothy.— Fica exatamente no centro de toda essa terra, e é governada por Oz, o
GrandeMágicodequemeulhefalei.
—Eeleéumhomembom?—perguntouDorothy,ansiosa.—Éumbommágico.Se éounãoumhomemnão seidizer, porquenunca
estivecomeleempessoa.—Ecomoeuchegolá?—perguntouDorothy.— Caminhando. É uma longa viagem, atravessando às vezes regiões
agradáveis e às vezes regiões horríveis e escuras.Masvouusar todas as artesmágicasqueconheçoparamantervocêasalvo.—Enãoquervir comigo?—perguntou agarota, paraquemavelhinha se
transformaranaúnicaamigaquepossuía.—Não,nãoposso—respondeuela.—Maslhedareiomeubeijo.Eninguém
seatreveafazermalaumapessoaquefoibeijadapelaBruxadoNorte.Aproximou-sedeDorothyedeu-lheumbeijosuavenatesta.Nopontoonde
tocaramapeledamenina,seuslábiosdeixaramumamarcaredondaebrilhante,comoDorothydescobriulogodepois.—AestradaparaaCidadedasEsmeraldasétodacalçadadetijolosamarelos11
—disseaBruxa.—Vocênãotemcomoseperder.QuandoestivercomOz,nãotenhamedo:conteasuahistóriaepeçaaajudadele.Adeus,minhaquerida.OstrêsMunchkinsfizeramumareverênciaprofundadiantedeDorothy,elhe
desejaramumaboaviagemantesdesaíremandandopelomeiodasárvores.ABruxa fezumgestoamigávelcomacabeçaparaDorothy, rodopiou trêsvezesem torno do calcanhar esquerdo e na mesma hora desapareceu, para grandesurpresadopequenoTotó,queficoulatindomuitoalto:comelaporperto,nemhaviatidocoragemderosnar.MasDorothy,sabendoqueelaeraumabruxa,jáesperavaquedesaparecesse
semaviso,enãoficounemumpoucoimpressionada.12
7AlgumaspessoaslevantaramahipótesedeDorothytermorridoetodaaviagemaOzseralgocomoumaexperiênciaextracorpórea.8EmboraBaumjamaistenhaespecificadoaidadedeDorothy,pelosdesenhosdeDensloweasdescriçõesem outros livros da série estima-se que ela tenha chegado a Oz com cerca de seis anos de idade. AodescreveradultosquetêmamesmaalturaqueDorothy,oautoracolocaempédeigualdadecomeles.9 Há diversas hipóteses para a origem e o significado do nome “Oz”. As explicações da família Baumoscilam entre o nome ter simplesmente ocorrido ao escritor e uma história segundo a qual ele teria seinspirado em gavetas de seu escritório, que traziam os rótulos A-N e O-Z. Teorias menos prosaicassugerem,entreoutrashipóteses,assemelhançasentreOzeabíblicaUz,ondeviveJó;umaderivaçãodeBoz, apelido de Charles Dickens, que Baum admirava; e uma grafia para os sons de “Ahs!” e “Ohs!”exclamadospelosmaravilhadosleitoresdolivro.10Naadaptaçãoparaocinemade1939,ossapatosdeprataviraramsapatosderubi,queofereciammelhorcontrasteemrelaçãoaostijolosamarelosquandofilmadosemtechnicolor.11 A estradamais famosa de Oz não é a única pavimentada com tijolos amarelos nessa terra. EstradassemelhantesaparecememAmaravilhosaTerradeOz(1904)eAmeninadosretalhosdeOz (1913),doisdos diversos títulos da série deOz escrita porBaum.Tijolos amarelos eramusados nosEstadosUnidoscomo material de construção durante o final do séc.XIX, e ruas pavimentadas com eles podem serencontradasemdiversascidadesamericanas.Estima-sequeainspiraçãodeBaumtenhavindodeumaruajuntoaorioHudsonemPeekskill,noestadodeNovaYork,ondeelefrequentouaescolamilitarpordoisanos.12Aocontráriodasheroínasmaispassivasdaliteraturaeuropeia,DorothyéumsímbolonãosódosEstadosUnidos,masdomeio-oesteamericano.Comaenergiaeavitalidadedealguémquesabeoquequer,nãoquestiona sua sorte e, sozinha, parte em busca de seu objetivo.Naturalmente, por sua determinação, foiapontada por feministas como uma delas, eOMágico de Oz como o primeiro livro infantil de cunhofeminista,noqualopoderdohomem,oMágico,nãopassadeilusório.
3.ComoDorothysalvouoEspantalho
QuandoDorothyficousozinha,começouasentirfome.Entãofoiatéoarmárioecortouuma fatia de pão, que cobriu demanteiga.DeuumpoucoparaTotó e,pegandoumbaldenaprateleira,foiatéoriachoencherdeáguapuraecristalina.Totócorreunadireçãodasárvoresecomeçoualatirparaospássarospousadosnos seus ramos. Dorothy foi atrás dele, e viu frutos tão deliciosos presos aosgalhos que colheu alguns, descobrindo que eram exatamente o que estavaquerendoparareforçaroseudesjejum.Emseguidavoltouparaacasa,etomandoelaeTotóumaboaquantidadeda
água frescae transparente, começoua seprepararparaaviagemàCidadedasEsmeraldas.Dorothysó tinhaumoutrovestido,queporacasoestava limpoependurado
numpregoaoladodasuacama.Eradeguingão,13quadriculadodebrancoeazule, mesmo com o azul meio desbotado de tantas lavagens, ainda era um belovestido.Ameninaselavoucomtodoocuidado,pôsovestidolimpoeamarrousuatoucacor-de-rosanacabeça.Pegouumacestinha,queencheucomopãodoarmário, e cobriu comumpanobranco.Emseguida,olhouparaos seuspés epercebeucomoossapatosestavamvelhosegastos.—Nãovãoaguentarumaviagemmaislonga,Totó—disseela.Totóolhouparaelacomseusolhinhospretosebalançouacaudaparamostrar
queentendiaoqueelaqueriadizer.Nesseexatomomento,Dorothyviuemcimadamesaossapatosdeprataque
tinhamsidodaBruxadoLeste.— Será que ficam bons nos meus pés? — perguntou a Totó. — Seriam
perfeitosparaumalongacaminhada,porquenãosegastamcomouso.Tirouseusvelhossapatosdecouroeexperimentouosdeprata,quecouberam
comosetivessemsidofeitossobmedidaparaela.Finalmenteelapegouacesta.—Venha,Totó—disseela.—VamosàCidadedasEsmeraldasperguntarao
grandeOzcomopodemosvoltarparaoKansas.Fechouetrancouaporta,eguardoucomtodoocuidadoachavenobolsodo
vestido. E assim, comTotó trotando calmamente ao seu lado, começou a suajornada.Haviainúmeroscaminhosnasproximidades,maselanãodemoroumuitopara
encontraraestradacalçadacomtijolosamarelos.Poucodepois,jácaminhavaapassos firmes na direção da Cidade das Esmeraldas, com os sapatos de prataproduzindoumtinidoalegrenoleitoduroeamarelodaestrada.Osolbrilhava,os passarinhos cantavam lindamente e Dorothy nem se sentia tãomal quantoseria de se esperar de uma garota de repente arrancada do lugar onde vivia etransportadaparaumaterradesconhecida.Ficou surpresa, enquanto andava, de ver como aquela região era bonita.As
cercasdosdoisladosdaestradaeramnovas,pintadasdeumazulalegre,eparaalém delas se estendiam plantações de cereais, hortaliças e legumes emabundância.EraóbviaacompetênciadosMunchkinscomoagricultores,capazesdemanterlavourasmuitoprodutivas.Detemposemtemposelapassavaporumacasa,easpessoassaíamparaolharesecurvaràsuapassagem:todossabiamquehaviasidograçasaelaqueaBruxaMátinhasidodestruída,eeles,libertadosdaescravidão. As casas dos Munchkins eram habitações curiosas, pois tinhamforma circular, comum telhado que era uma cúpula arredondada.Todas eramazuis,poisnaquelePaísdoLesteacorfavoritaeraoazul.14Lápelofimdatarde,quandoDorothyjáestavacansadadeandarecomeçava
apensaremondepoderiapassaranoite,chegouaumacasabemmaiorqueasoutras.Nogramadoàfrentedacasamuitoshomensemulheresdançavam.Cincopequenosviolinistastocavamomaisaltoquepodiam,etodosriamecantavam.Umaimensamesaalipertoestavacobertadefrutasenozesdeliciosas,alémdetortas,bolosemuitasoutrasguloseimas.Todos cumprimentaram Dorothy com alegria, e convidaram a menina para
jantar e passar a noite naquela casa; pois alimorava umdosMunchkinsmaisricosdetodoopaís,eseusamigosestavamreunidosparacomemorarofimdaservidãoàbruxamalvada.Dorothy jantoumuitobeme foi servidapelopróprioMunchkin rico,quese
chamavaBoq.Depoissentou-senumbancoeficouolhandoasdanças.Aoverseussapatosdeprata,Boqdisse:—Vocêdeveserumagrandefeiticeira.—Porquê?—perguntouamenina.—PorqueestáusandosapatosdeprataematouaBruxaMá.Alémdisso,o
seuvestidotemacorbranca,esóbruxasefeiticeirasusambranco.—Meuvestidoéquadriculadodeazulebranco—disseDorothy,alisandoas
pregasdaroupa.—Eémuitadelicadezadasuaparteusarumaroupaassim—disseBoq.—O
azul é a cor dosMunchkins, e o branco é a cor das feiticeiras; assim ficamos
sabendoquevocêéumafeiticeiraamiga.Dorothy não soube o que dizer, porque todo mundo parecia achar que era
mesmoumafeiticeira,enquantoelasabiaperfeitamentequeerasóumagarotacomumque,poracaso,umciclonehaviacarregadoparaumaterraestranha.Quandoelasecansoudeassistiràsdanças,BoqlevouDorothyparadentroda
casa,onde lhedeuumquartocomuma lindacama.Os lençóiseramde tecidoazul, e deitada nelesDorothy dormiu profundamente até demanhã, comTotóenrodilhadonotapetinhoazulaoladodela.Comeu muito bem no café, e ficou acompanhando um minúsculo bebê
Munchkin,quebrincavacomTotópuxandoseu raboe rindodeummodoqueDorothyachoumuitoengraçado.Totódespertavaacuriosidadedetodomundo,poisnuncaantestinhamvistoumcachorro.—QuantoaindafaltaatéaCidadedeEsmeraldas?—perguntouamenina.—Nãoseidizer—respondeuBoqemtomtriste—porquenuncaestivelá.
Aqui todomundoprefere ficar longedeOz, anão serquevocê tenha algumacoisaatratarcomele.MasaCidadedasEsmeraldasficamuitolonge,evocêvailevarmuitosdias.Nossopaíséricoeagradável,masvocêvaiprecisarpassarporlugareshostiseperigososantesdechegaraofimdasuajornada.IstodeixouDorothyumpoucopreocupada,maselasabiaquesóograndeOz
podiaajudá-laavoltarparaoKansas,entãoteveacoragemderesolverquenãodariameia-volta.
Despediu-se dos seus amigos e saiu andando novamente pela estrada dostijolos amarelos. Depois de percorrer vários quilômetros, achou melhor pararparaumdescanso.Subiunacercaaoladodaestradaesentou-senoalto.Haviaum enorme milharal do outro lado da cerca, e não muito longe ela viu umEspantalho, preso no alto de uma estaca fina para afastar os corvos domilhomaduro.Dorothy apoiou o queixo na mão e, pensativa, ficou contemplando o
Espantalho.Acabeçadacriaturaeraumsacopequenoestofadodepalha,comolhos, uma boca e um nariz pintados no pano para representar um rosto.Umvelhoepontudochapéuazul,quetinhasidodealgumMunchkin,seempoleiravanasuacabeça,eorestodoEspantalhoeraumconjuntoderoupasazuis,gastasedesbotadas,que também tinhamsidopreenchidascompalha.Ospéscalçavamvelhasbotascomumabarraazul,iguaisàsquetodososhomensusavamnaquelaregião,eafiguraseerguiaacimadospésdemilhograçasaumacompridaestaca
enfiadaemsuascostas.Enquanto Dorothy olhava interessada para o rosto pintado do Espantalho,
ficou surpresa de ver um dos olhos piscar lentamente para ela.Num primeiromomento pensou que estivesse enganada, pois nenhum dos espantalhos doKansas piscava o olho; mas em seguida a figura fez um simpático aceno decabeçapara ela.EntãoDorothydesceuda cerca e caminhouatéoEspantalho,enquantoTotócorriaemvoltadaestacasemparardelatir.—Bomdia—disseoEspantalho,numavozbemrouca.—Vocêfalou?—perguntouameninaadmirada.—Claro—respondeuoEspantalho.—Comovai?— Estou muito bem, obrigada— respondeu educadamente Dorothy.— E
você,comotempassado?—Nãoestoumesentindomuitobem—disseoEspantalhocomumsorriso.
—Émuitochatopassarnoiteediaempoleiradoaquiparaespantaroscorvos.—Masvocênãopodedescer?—perguntouDorothy.—Não, por causa dessa estaca que sustenta asminhas costas. Se vocême
fizesseofavordemesoltardela,euficariamuitoagradecido.Dorothyesticouosdoisbraçose levantouoEspantalho, até ele se soltarda
estaca.Comotinhasidorecheadodepalha,eleeramuitoleve.
—Muitoobrigado—disseoEspantalho,depoisque foipostonochão.—Agoraeumesintoumnovohomem.Dorothy ficou intrigada, porque era estranho ouvir um homem estofado de
palhafalando,alémdeveraquelafiguragesticulareandaraoladodela.—Evocê, quemé?—perguntou oEspantalho, depois de se espreguiçar e
bocejar.—Eaondeestáindo?—MeunomeéDorothy—respondeuamenina.—EstouindoatéaCidade
dasEsmeraldas,pediraograndeOzquememandedevoltaparaoKansas.—OndeficaaCidadedasEsmeraldas?—perguntouele.—EqueméOz?—Ora,masvocênãosabe?—devolveuela,espantada.—Averdadeéquenão;nãoseidenada.Équeeusourecheadodepalha,e
porissonãotenhocérebro—respondeuele,emtomtriste.—Ah—disseDorothy.—Eusintomuitovocêserassim.—Vocêacha—perguntouele—queseeufossecomvocêatéaCidadedas
EsmeraldasograndeOzpodiamedarumcérebro?—Nãoseidizer—respondeuela.—Masvocêpodevircomigo,sequiser.Se
Oznãolhederumcérebro,pelomenosnãovaificarpiordoqueestáagora.—Issoláéverdade—disseoEspantalho.Econtinuou:—Ofatoéqueeu
não me incomodo de ter as pernas, o corpo e os braços recheados de palha,porqueassimeunãomemachuco.Sealguémpisarnomeupéoumeenfiarumalfinete, não faz diferença, porque eu não sinto nada. Mas não quero que aspessoas digam que eu sou burro, e se a minha cabeça continuar recheada depalha em vez demiolos, como a sua, como é que eu vou conseguir aprenderalgumacoisa?—Euentendo—disseamenina,queestavacompenadeledeverdade.—Se
vocêquiservircomigo,eupeçoaOzparafazeroquepudernoseucaso.—Obrigado—respondeuoEspantalho,agradecido.Caminharamdevolta para a estradados tijolos amarelos.Dorothy ajudouo
Espantalhoapassarporcimadacerca,eosdoissaíramandandorumoàCidadedasEsmeraldas.No começo, Totó não gostou daquela novidade, mais uma pessoa. Farejou
todoohomemestofadocomosedesconfiassequepudesse trazerumninhoderatosnapalha,evoltaemeiarosnavaparaoEspantalhocomumaexpressãodepoucosamigos.—Não se incomode com ele—disseDorothy para o novo amigo.—Ele
nuncamorde.
—Ah, nem tenhomedo— respondeu oEspantalho.—Ele não tem comomachucar a palha.Deixe eu carregar essa cesta para você.Nãome incomodanemumpouco,porqueeununcaficocansado.Econtinuou,enquantocaminhavaaoladodela:—Voulhecontarumacoisaqueninguémsabe.Sóexisteumacoisaqueme
metemedo.—Oqueé?—perguntouDorothy.—OfazendeiroMunchkinquefabricou
você?—Não—respondeuoEspantalho.—Umfósforoaceso.
13Tecidoleveebaratofeitodealgodãotingidoedetramamuitofechada,formandoumpadrãodelistrasouxadrez.14EmboranãohajaumsignificadosimbólicoparaascoresdeOz,elasnãosãoaleatórias.Amudançadecor de uma região para a outra obedece aos princípios da teoria das cores. Cada um dos três paísesprincipaistemumacorprimária,eDorothyeosamigosnuncapassamdeumpaísdiretamenteparaoutro,havendosempreumestágiointermediário(eumacorsecundária)entreeles—porexemploaCidadedasEsmeraldas,localizadaentreaterraazuldosMunchkinseaterraamareladosWinkies.
4.Aestradapelafloresta
Algumashorasmaistardeaestradafoificandomaisacidentada,ecaminharsetornoutãodifícilqueoEspantalhotropeçavatodahoranostijolosamarelos,queaqui erammuito irregulares.Às vezes estavamquebrados ou faltavam alguns,deixandoburacosqueTotópulavaeDorothycontornava.QuantoaoEspantalho,comonãotinhamiolos,andavasemprereto,eassimenfiavaopénosburacosecaíadecaranostijolos.Sóquenuncasemachucava:Dorothypegavaobonecodepalhanochãoeoajudavaaselevantardenovo,enquantoeleriaalegrementecomeladasuaprópriafaltadejeito.Aliasplantaçõesnãoeramnemdelongetãobemcuidadasquantoasdeantes.
Ascasaserammaisespaçadaseasárvoresfrutíferastambém,equantomaiselesavançavammaisaterraficavatristeesolitária.Ao meio-dia eles se sentaram ao lado da estrada, perto de um riachinho;
Dorothy abriu a cesta e tirou umpedaço de pão.Ofereceu para oEspantalho,maselerecusou.
—Nuncasintofome—disseele.—Sorteaminha.Porqueaminhabocaésópintada,eseeuabrisseumburaconelaparapodercomer,apalhaquemerecheiasairiatoda,oqueiriaestragaroformatodaminhacabeça.Dorothy viu que era assim mesmo, então só fez que sim com a cabeça e
continuouacomerseupão.—Conte alguma coisa sobre você e a terra de onde você veio— pediu o
Espantalhoquandoelaacabouoalmoço.Então ela contou como era a sua vida no Kansas, como tudo por lá era
cinzento,ecomoociclonetinhacarregadoacasinhaparaaquelaestranhaTerradeOz.OEspantalhoouviucomatenção,edisse:—Nãoentendocomovocêpodequerer iremboradeste lindo lugarevoltar
paraolugarsecoecinzentoquevocêchamadeKansas.—Issoporquevocênãotemcérebro—respondeuagarota.—Pormaisque
as nossas casas sejam tristes e cinzentas, nós, as pessoas de carne e osso,preferimosvivernelasdoqueemqualqueroutrolugar,mesmoomaislindodomundo.Nãoexistelugarigualàcasadagente.OEspantalhosuspirou.— Claro que eu não entendo— disse ele. — Se as suas cabeças fossem
recheadasdepalhacomoaminha,omaisprováveléquetodosvocêsvivessemnoslugaresmaisbonitos,eaíoKansasficariasemnenhummorador.AindabemparaoKansasquevocêstêmcérebro.—Nãoquermecontarumahistória,enquantoagentedescansa?—pediua
menina.OEspantalhoolhouparaelacomardecensura,erespondeu.—Estouvivohátãopoucotempoquenaverdadenãoaprendinadadenada.
Sófuifabricadoanteontem.Nãoseidenadadoqueaconteceunomundoantesdisso. Felizmente, quando o fazendeiro fabricou a minha cabeça, uma dasprimeirascoisasqueelefezfoipintarminhasorelhas,eeucomeceiaouviroqueacontecia.UmoutroMunchkinestavacomele,eaprimeiracoisaqueeuouvifoiofazendeirodizendo:“—Quetalessasorelhas?“—Umaestádiferentedaoutra—respondeuoamigo.“—Nãotemimportância—disseofazendeiro.—Sãoorelhasassimmesmo
(oqueeraverdade).Agoraeuvoufazerosolhos—eaípintoumeuolhodireito.Assimqueele acabou, euenxergava tantoohomemcomo tudoàminhavoltacommuitacuriosidade,porqueeraaminhaprimeiravisãodomundo.“— O olho ficou muito bom — disse o Munchkin que acompanhava o
fazendeiro.—Tintaazulémesmoamelhorparapintarolhos.“—Acho que vou fazer o outro um poucomaior— disse o fazendeiro. E
quandoosegundoolhoficouprontoeuestavaenxergandomuitomelhordoqueantes.Depoiselefezminhabocaemeunariz;maseunãofalei,porqueàquelaalturaeunãosabiaparaqueserviaumaboca.Eumedistraímuitovendoosdoisfazeremomeucorpo,osmeusbraçoseasminhaspernas.Equandofinalmenteprenderamaminhacabeçanocorpoeufiqueimuitoorgulhoso,porqueacheiqueeraumhomemigualatodososoutros.
“—Estesujeitovaimetermuitomedonoscorvos—disseo fazendeiro.—Pareceumhomemdireitinho.“—Ora,masémesmoumhomem—disseooutro,eeuconcordeicomele.O
fazendeirome pôs debaixo do braço eme carregou para omilharal, ondemeprendeu numa estaca alta, como você me encontrou. Logo ele e o amigo seafastarameeufiqueisozinho.“Não gostei de ser abandonado daquela maneira. Tentei sair andando atrás
deles, mas meus pés não encostavam no chão e fui forçado a ficar preso naestaca.Eraumavidamuitosolitária,porqueeunãotinhanadaemquepensar,jáque tinha sido fabricado tão pouco tempo antes.Muitos corvos e outras avesapareceramsobrevoandoomilharal,masassimquemeviambatiamasaseiamembora,achandoqueeueraumMunchkin,oquemeagradoumuitoeme fezachar que era uma pessoa importante. Um poucomais tarde, um corvo velhopassou perto de mim, e depois de me examinar com todo o cuidado seempoleirounomeuombroedisse:“—Imagineofazendeirotentarmeenganardessamaneiratãotosca.Qualquer
corvo com algum juízo percebe que você é recheado de palha — então elepousou no chão abaixo dos meus pés e comeu todo o milho que queria. Osoutroscorvos,vendoqueeunãolhefaziamal,vieramcomeromilhotambém,edaliapoucotempoumbandotinhaseformadoàminhavolta.Fiqueitristecomisso,porquemostravaquenofimdascontaseunemeraumEspantalhotãobomassim,masovelhocorvomeconsolou,dizendo:—Sevocê tivessemiolosnacabeçaseriaumhomemtãobomquantoosoutros,emelhorquealgunsdeles.Umbomcérebroéaúnicacoisaquevaleapenaternestemundo,tantoparaoshomens quanto para os corvos. “Depois que os corvos foram embora fiqueipensandonisso,eresolviqueiafazeropossívelparaconseguirumcérebro.Porsortevocêapareceuemetiroudaestaca,e,peloquedisse,tenhocertezadequeo grande Oz vai me dar um cérebro assim que nós chegarmos à Cidade dasEsmeraldas.”
EDorothyrespondeu,comtodaasinceridade:—Esperoquesim,jáquevocêquertanto.—Quero,sim—respondeuoEspantalho.—Émuitoruimessasensaçãode
saberquevocêéburro.— Bem— disse a garota—, então vamos.— E entregou a cesta para o
Espantalho.Agora jánãohaviamaiscercasnabeiradaestrada, e a terraera irregular e
sem plantações. No final da tarde chegaram a uma grande floresta, onde asárvoreseramtãoaltas,ecresciamtãopertoumasdasoutras,queseusgalhosseentrelaçavam por cima da estrada dos tijolos amarelos. Estava quase escurodebaixodasárvores,porqueosgalhosnãodeixavampassaraluzdodia;masosviajantesnãopararamdeandar,eentraramnafloresta.— Se a estrada entra na floresta, em algum lugar precisa sair — disse o
Espantalho.—EcomoaCidadedasEsmeraldasficanaoutrapontadaestrada,temosdeseguirporela.—Issoqualquerumsabe—disseDorothy.— Sem dúvida, e é por isso que eu sei— respondeu o Espantalho.— Se
precisassedeumcérebroparadescobrir,eunãoteriaditonada.Depoisdemaisoumenosumahoraaluzsumiu,eelesandavamaostropeções
noescuro.Dorothynãoenxergavanada,masTotósim,porquealgunscachorrosenxergammuito bemà noite.E oEspantalho declarou que via tão claramentecomosefossedia.Entãoelasegurounobraçodele,eassimconseguiucontinuaravançando.—Sevocêenxergaralgumacasa,ouqualquerlugarondeagentepossapassar
anoite,nãodeixedemedizer—pediuela.—Porqueémuitodesconfortávelcaminharnoescuro.PoucodepoisoEspantalhoparou,edisse:— Estou vendo uma casinha à nossa direita, feita de troncos e galhos de
árvore.Vamosatélá?—Vamossim—respondeuamenina.—Estoumuitocansada.Então o Espantalho guiou Dorothy pelo meio das árvores até chegarem à
casinha. Dorothy entrou e encontrou uma cama de folhas secas num canto.Deitou-se na mesma hora, e com Totó estendido ao seu lado caiu num sonoprofundo.OEspantalho,quenunca secansava, ficoumesmodepénumoutrocanto,esperandopacienteachegadadamanhã.
5.OresgatedoLenhadordeLata15
QuandoDorothyacordou,osolbrilhavaporentreasárvoreseTotójáestavahámuitotempoperseguindoesquilosepassarinhos.Elasentounacamaeolhouàsuavolta.LáestavaoEspantalho,depénoseucanto,esperandopacientementeporela.—Precisamosprocurarporágua—disseamenina.—Eporquenósqueremoságua?—perguntouoEspantalho.—Paralavarapoeiradaestradadomeurosto,eparabeber:assimopãoseco
nãoficapresonaminhagarganta.— Deve ser meio incômodo ser feito de carne — disse o Espantalho,
pensativo.—Porqueapessoaprecisadormir,comerebeber.Poroutrolado,temumcérebro,epoderpensardireitobemquevaletodootrabalho.Saíramdacasinhaecaminharamentreasárvoresatéacharemumafontede
águaclara,ondeDorothymatouasede,tomoubanhoecomeuseudesjejum.Viuque não lhe restava muito pão na cesta, e ficou satisfeita de pensar que oEspantalhonãoprecisavacomernada,porquemalrestavapãoquedesseparaelaeTotópassaremodia.Depoisqueacaboudecomer,equandosepreparavaparavoltaràestradados
tijolosamarelos,Dorothyficouespantadaaoouvirumgemidofundobempertodeondeestava.—Oquefoiisso?—perguntouela,assustada.—Nãofaçoideia—respondeuoEspantalho.—Maspodemosirver.Enesseexatomomentoouvirammaisumgemido,eosompareciavirdetrás
deles.Viraram-seederamalgunspassospelaflorestaantesdeDorothydescobriralguma coisa rebrilhando à luz de um raio de sol que passava pelomeio dasárvores. Correu para esse lugar, e então parou de chofre, com um grito desurpresa.Umadasárvoresmaiorestinhasidocortadaamachadadasatéumcertoponto
e,aoladodela,comomachadoerguidonasmãos,via-seumhomemtodofeitodelata.Suacabeça,suaspernaseseusbraçoseramligadosaotroncoporjuntasdemetal,maseleestavaperfeitamenteimóvel,comosefosseincapazdemoverqualquerpartedocorpo.
Dorothyolhouparaelemuitoadmirada,assimcomooEspantalho,enquantoTotó latia bem alto e tentava abocanhar as pernas de lata, que acabarammachucandoosseusdentes.—Foivocêquegemeu?—perguntouDorothy.—Fuieumesmo—respondeuohomemdelata.—Fazmaisdeumanoque
estougemendoaqui,masatéagoraninguémtinhaescutadoouvindomeajudar.— E como eu posso ajudar? — perguntou ela baixinho, porque ficou
comovidacomavoztristedohomem.—Pegueumalatadeóleoelubrifiqueasminhasjuntas—respondeuele.—
Enferrujaram tanto que não consigo mexer nenhuma delas. Mas se eu forlubrificado de cima a baixo, logo volto a ficar bem. Tenho uma lata de óleonumaprateleiranaminhacasinha.Na mesma hora Dorothy correu até a casinha, encontrou a lata de óleo e
depoisvoltou,perguntandoansiosa:—Ondeficamassuasjuntas?—Primeiroponhaóleonomeupescoço—respondeuoLenhadordeLata.Dorothy pingou óleo no pescoço,mas como ele estavamuito enferrujado o
Espantalhoagarrouacabeçadelataecomeçouavirar,semfazermuitaforça,deumladoparaooutroatéelasesoltar,eapartirdaíoprópriohomemconseguiumovimentarsuacabeça.—Agoraponhaóleonasjuntasdosmeusbraços—disseele.DorothylubrificouasjuntasdosbraçoseoEspantalhodobroucadaumdeles
com todo cuidado, até se livrarem completamente da ferrugem e funcionaremcomonovos.OLenhadordeLatadeuumsorrisodesatisfaçãoebaixouseumachado,que
apoiounotroncodaárvore.—Quealívio—disseele.—Estousegurandoessemachadonoardesdeque
enferrujei, e finalmente posso me livrar dele por um tempo. Agora, se vocêlubrificarasjuntasdasminhaspernas,voltoaficarinteirinhobem.Então os dois puseram óleo nas suas pernas até ele conseguir mexer
totalmente com as duas; e ele não cansava de agradecer e agradecer pela sualibertação,poisdavaaimpressãodeserumacriaturamuitobem-educada,eumhomemmuitograto.— Eu podia ter ficado ali para sempre na mesma posição, se vocês não
tivessem aparecido— disse ele.— O que quer dizer que vocês sem dúvidasalvaramaminhavida.Comovierampararaqui?
—Estamos a caminho daCidade das Esmeraldas para ver o grandeOz—respondeuDorothy.—Eparamosnasuacasinhaparapassaranoite.—EporquevocêsqueremverOz?—perguntouele.—QueroqueelememandedevoltaparaoKansas;eoEspantalhoquerque
elearranjeumcérebroparaasuacabeça—respondeuamenina.O Lenhador de Lata pensou profundamente por alguns instantes. E então
disse:—VocêachaqueOzpodiamedarumcoração?—Ora,imaginoquesim—respondeuDorothy.—Devesertãofácilquanto
arranjarumcérebroparaoEspantalho.—Éverdade—respondeuoLenhadordeLata.—Então,sevocêsdeixarem
queeuvenhajunto,tambémvouàCidadedasEsmeraldaspediraajudadeOz.— Venha conosco! — respondeu animado o Espantalho. E Dorothy
acrescentouqueteriaomaiorprazernacompanhiadele.Então o Lenhador de Lata apoiou o machado no ombro e todos saíram
andandopelaflorestaatéchegaremàestradacalçadadetijolosamarelos.OLenhadordeLatapediuaDorothyqueguardassealatadeóleonacesta.E
explicou:—Seeupegarchuvaetornaraficarenferrujado,vouprecisarmuitodaminha
latinhadeóleo.E foi uma sorte seu novo amigo se juntar a eles, porque logo que
recomeçaram sua viagem chegaram a um lugar onde as árvores e os galhoscresciam tão emaranhados por cima da estrada que nenhum viajante poderiapassar.MasoLenhadordeLatapôs-seatrabalharcomoseumachado,eusavaasuaferramentatãobemquelogoabriuumapassagemparatodos.
Enquantocaminhavam,DorothyiatãoconcentradanosseuspensamentosquenempercebeuquandooEspantalho tropeçounumburaco e saiu rolando até abeiradaestrada.Tantoqueelefoiobrigadoapedirgritandoqueelaoajudasseaficardepé.—Masporquevocênãocontornouoburaco?—perguntouoLenhadorde
Lata.—Porburrice—respondeuoEspantalho,semseabalar.—Minhacabeçaé
recheadadepalha,entende?,eéporissoqueeuqueroprocurarOzepedirqueelemedêumcérebro.—Ah,entendi—disseoLenhadordeLata.—Masnofimdascontasnãoéo
cérebroamelhorcoisadomundo.—Vocêtemmiolos?—perguntouoEspantalho.— Não, minha cabeça é vazia— respondeu o Lenhador de Lata.—Mas
antigamenteeutinhaumcérebro,etambémumcoração.Comoexperimenteiosdois,prefiroterumcoração.—Porquê?—perguntouoEspantalho.—Voucontaraminhahistória,eaívocêvaientender.Então, enquanto caminhavam pela floresta, o Lenhador de Lata contou a
seguintehistória:—Nasci filhodeum lenhadorquederrubavaárvoresna florestaevendiaa
madeiraparaviver.Quandoeucrescivireilenhadortambém,edepoisquemeupaimorreu fiquei tomando conta daminha velhamãe enquanto durou a vidadela. Depois resolvi que, em vez demorar sozinho, eu iame casar, para nãovivermaissozinho.“UmadasmoçasMunchkin era tão linda que logome apaixonei por ela de
todocoração.Ela,peloseulado,prometeuquesecasariacomigoassimqueeuganhasse dinheiro bastante para construir uma casa melhor para ela; e eucomeceia trabalharmaisdoquenunca.Masamoçaviviacomumavelhaquenãoqueriaqueelasecasassecomninguém,poiseramuitopreguiçosaequeriaqueamoçacontinuassecomela,cozinhandoetomandocontadasuacasa.EntãoavelhaprocurouaBruxaMádoLeste,eprometeulhedardoiscarneiroseumavacaseelaconseguisseevitaronossocasamento.NamesmahoraaBruxapôsum feitiço no meu machado, e um belo dia, quando eu estava cortando umaárvoreomaisdepressaquepodia,poisqueriaconseguiracasanovaemecasaromais rápido possível, omachado escorregou dasminhasmãos e cortouminhapernaesquerda.“Numprimeiromomentoacheiqueogolpe tinhasido terrível,porquesabia
que um homem de uma perna só não podia trabalhar direito como lenhador.Entãoprocureiumlatoeiroepediqueelemefizesseumapernanovadelata.Aperna funcionoumuito bem, depois queme acostumei com ela;mas aminhaideiaenfureceuaBruxaMádoLeste,porqueelatinhaprometidoàtalvelhaqueeunão iriacasarcoma lindamoçaMunchkin.Quandocomeceia trabalhardenovo,meumachadoescorregouecortouaminhapernadireita.Volteiaprocuraro latoeiro, e ele me fez uma nova perna de lata. Depois disso, o machadoenfeitiçado cortou meus dois braços, um de cada vez; mas, sem perder acoragem, substituí os dois por braços de lata. A Bruxa Má fez o machadoescorregar e cortar aminha cabeça, enumprimeiromomento acheiquedessavezomeufimtinhachegado.Masolatoeiroporacasoestavapassandobemnahora,emefezumacabeçanovadelata.“AíeuacheiquetinhaderrotadoaBruxaMá,etrabalhavacadavezmais;mas
nãosabiaoquantoaminhainimigapodiasercruel.ElaimaginououtromododemataromeuamorpelalindamoçaMunchkin,efezmeumachadoescorregardenovo,cortandoomeucorpo,queficouseparadoemduasmetades.Maisumavezo latoeirome ajudou eme fez um corpo de lata, prendendo a ele, com essasjuntas,osmeusbraços, asminhaspernas e aminhacabeça,para eupodermemovimentarcomoantes.Mas,aidemim!Agoraeunãotinhamaiscoração,demaneira que perdi omeu amor pelamoçaMunchkin e parei de achar quemecasarounãocomelafaziaalgumadiferença.Eelaaindadeveestarvivendocom
atalvelha,esperandoqueeuumdiaapareçaàsuaprocura.“Meu corpo brilhava tanto à luz do sol que eume orgulhavamuito dele, e
agoranão importavamaisqueomeumachadoescorregasse,porquenãopodiamaismecortar.Operigoeraumsó:asminhasjuntasenferrujarem.Maseutinhasempreuma latinhadeóleonaminhacasa, e cuidavademe lubrificar sempreque precisava.Mas chegou o dia em que eume esqueci, e, quando caiu umatempestade, antes que eu pudesse me dar conta do perigo elas já tinhamenferrujado.Efiqueiláparadonaflorestaatévocêsaparecerem.Foramtemposterríveis,masduranteoanoquepasseiali tive tempoparapensarqueamaiorperdaqueeusofri foiadomeucoração.Enquantoeuestavaapaixonadoeraohomemmais felizdomundo;masninguémpodeamar semumcoração,eporissoresolvipediraOzquemedêumcoraçãonovo.Seelemeatender,euvoltoparaprocuraramoçaMunchkinemecasarcomela.”Dorothy e o Espantalho vinham acompanhando a história do Lenhador de
Lata com grande interesse, e agora sabiam por que ele queria tanto um novocoração.—Mesmoassim—disseoEspantalho—voupedirumcérebroemvezde
umcoração.Porqueumburro,mesmosetivesseumcoração,nãoiasaberoquefazercomele.—Eeuvouficarcomocoração—respondeuoLenhadordeLata.—Porque
umcérebronãofazninguémfeliz,eafelicidadeéamelhorcoisadomundo.Dorothynãodissenada,porqueestavatentandodescobrirqualdosseusdois
amigostinharazão,econcluiuque,seconseguissevoltarparaoKansaseatiaEm,davanomesmoseoLenhadornãotivesseumcérebroeoEspantalhonãotivessecoração,ouseosdoisconseguissemoquequeriam.Oquedeixavaameninamaispreocupadaéqueopãoestavaquaseacabando,
e a próxima refeição dela eTotó iria deixar sua cesta vazia.Claro que nemoLenhadornemoEspantalhocomiamnada,maselanãoerafeitadelatanemdepalha,esópodiacontinuarvivasetivesseoquecomer.
15UmadasmodificaçõesfeitaspelaMGMaoadaptarolivroparaastelasdecinemafoiareduçãodonomedopersonagemdeTinWoodmanparasimplesmenteTinMan,perdendo-seojogooriginaldeBaumsobreumlenhador,woodman(literalmente“homemdemadeira”),feitointeiramentedetin(“lata”).
6.OLeãoCovarde
Todoessetempo,Dorothyeseuscompanheirosatravessavamumaflorestabemfechada.Aestradaaindaeracalçadadetijolosamarelos,masaquielesestavamtotalmente cobertos de galhos secos e folhas mortas das árvores, o quedificultavamuitoacaminhada.Havia poucos pássaros nessa parte da floresta, pois os pássaros preferem
sempreterrenoaberto,ondeencontrammaissol.Masdevezemquandoouviamumrugidogrossovindodealgumanimalselvagemescondidoentreasárvores.Osomfaziaocoraçãodameninabatermaisdepressa,porqueelanãosabiadeondevinha;masTotósabia,chegoumaispertodeDorothyenemmesmolatiaemresposta.EameninaperguntouaoLenhadordeLata:—Quantotempoatésairmosdafloresta?— Não sei dizer — foi a resposta. — Eu nunca estive na Cidade das
Esmeraldas.Meupaifoiláumavez,quandoeueramenino,emecontouqueeraumaviagemlongaporumaregiãoperigosa,equeapaisagemficalindaquandochegapertodacidadeondemoraOz.Mascomaminhalatadeóleonãotenhomedo,enadapodeferiroEspantalho,enquantovocêaindatraznatestaamarcadobeijodaBruxaBoa,queprotegevocêdetodomal.—MaseTotó?—perguntouamenina,ansiosa.—Comovaiseproteger?— Nós é que vamos precisar proteger o cachorrinho, se ele correr algum
perigo—respondeuoLenhadordeLata.Eassimqueeleacaboudefalarouviu-seumrugidoterrívelsaindodafloresta,
enomomentoseguinteumLeãoimensopulouparaaestrada.ComumapatadaelefezoEspantalhosairrodopiandoatéabeiradaestrada,eemseguidatentoucravarasgarrasafiadasnoLenhadordeLata.Sóque,paragrandesurpresadoLeão, não conseguiu nem arranhar a lata, apesar de ter derrubado no chão oLenhador,queficouparado.O pequeno Totó, agora que precisava enfrentar diretamente o inimigo, saiu
correndo e latindo para o Leão, e a fera já abria a boca para morder ocachorrinhoquandoDorothy,commedodequeTotófossemortoesempensarnoperigo,correuparaafrenteedeuotapamaisfortequeconseguiunofocinhodoLeão,enquantogritava:
—NãoseatrevaamorderoTotó!Quevergonha!Umanimalenormecomovocê,tentandomorderumpobrecachorrinho!—Eunãomordi ninguém— respondeuoLeão, enquanto esfregava coma
pataopontodofocinhoondeDorothytinhaacertadooseutapa.—Não, mas bem que tentou— respondeu ela.—Você não passa de um
grandecovarde.— Eu sei— disse o Leão, baixando a cabeça de vergonha.— Eu sempre
soube.Masoqueeupossofazer?— Não sei. E pensar que você deu uma patada num homem recheado de
palha,comoopobreEspantalho!— Ele é recheado de palha? — perguntou o Leão surpreso, enquanto via
Dorothy pegar oEspantalho no chão, pô-lo de pé e lhe dar uns tapinhas pararestaurarassuasformas.—Claro que é recheado de palha— respondeuDorothy, que ainda estava
furiosa.—Por isso é que foi tão fácil de derrubar— comentou o Leão.—Fiquei
impressionado quando o vi rodopiando daquele jeito. E o outro, também érecheadodealgumacoisa?—Não—disseDorothy.—Maséfeitodelata—eajudouoLenhadorase
levantar.—Foiporissoqueelequasemefezperderapontadasminhasgarras—disse
oLeão.—Quandoelasarranharamalata,umarrepiomecorreupelascostas.Equeanimalzinhoéessedequevocêgostatanto?—Éomeucachorro,Totó—respondeuDorothy.—Eéfeitodelataourecheadodealgumacoisa?—perguntouoLeão.— Nenhum dos dois. Ele é… um… um… cachorro de carne — disse a
menina.16—Ah.Animalinteressante,emeparecemuitíssimopequeno,agoraqueestou
vendo melhor. Para pensar em morder uma coisinha dessas, só mesmo umcovardãocomoeu—continuouoLeão,entristecido.
—Eporquevocêécovarde?—perguntouDorothy,olhandoadmiradaparaoanimal,porqueeleeraimenso,quasedotamanhodeumcavalo.—Éummistério—respondeuoLeão.—Imaginoquenasciassim.Todosos
outrosanimaisdaflorestaesperavamnaturalmentequeeufossecorajoso,porqueemtodaparteacreditamqueoLeãoéoReidosAnimais.Eentãoaprendique,seeu rugisse bem alto, todas as outras criaturas se assustavam e saíam do meucaminho.Toda vez que eu encontrava umhomemmorria demedo;mas rugiapara ele, e ele sempre saía correndo para omais longe que conseguia. Se umelefante,umtigreouumursoresolvessemeenfrentar,euéquesairiacorrendo,detãocovardequeeusou.Masassimqueelesouvemomeurugidotentamficarlonge,eéclaroqueeuprefiroassim.—Masnãoestádireito.OReidosAnimaisnãodeviasercovarde—disseo
Espantalho.—Eusei—respondeuoLeão,enxugandoumalágrimadoolhocomaponta
da cauda.—Por isso eu vivomuito triste, e aminha vida é tão infeliz.Massemprequeeuencontroalgumperigoomeucoraçãodispara.— Talvez você tenha algum problema no coração— disse o Lenhador de
Lata.—Podeser—respondeuoLeão.—Ese tiver,devia ficar feliz—continuouoLenhadordeLata.—Porque
pelo menos é a prova de que você tem um coração. Eu, pelo meu lado, não
tenho;eporissonãopossoterdessesproblemas.—Pois se eu não tivesse coração— disse o Leão pensativo— talvez não
fossecovarde.—Ecérebro,vocêtem?—perguntouoEspantalho.—Achoquesim.Nuncaolheiparaver—respondeuoLeão.— Eu vou procurar o grande Oz para lhe pedir um cérebro— lembrou o
Espantalho.—Porqueaminhacabeçaérecheadadepalha.—Eeuvoupedirumcoração—disseoLenhadordeLata.— E eu vou pedir que ele mande Totó e eu de volta para o Kansas —
completouDorothy.— E vocês acham que Oz podia me dar coragem? — perguntou o Leão
covarde.— Com a mesma facilidade com que vai me dar um cérebro — disse o
Espantalho.—Oumedarumcoração—disseoLenhadordeLata.—OumemandardevoltaparaoKansas—disseDorothy.—Então,sevocêsnãose incomodarem, tambémvoucomvocês—disseo
Leão.—Porquenãoconsigosuportaraminhavidasempelomenosumpoucodecoragem.— Pois é muito bem-vindo— respondeu Dorothy— e ainda vai ajudar a
espantar as outras feras selvagens. Imaginoque sejamaindamais covardesdoquevocê,jáqueseassustamtãofacilmentecomoseurugido.— São mesmo — respondeu o Leão. — Mas nem por isso eu sou mais
corajoso,eenquantoeumesmosouberquesoucovarde,vouserinfeliz.Eentãoopequenogruposepôsdenovoacaminho,comoLeãoandandoem
passosmajestososaoladodeDorothy.Numprimeiromomento,Totónãogostoumuito desse novo companheiro, pois não conseguia esquecer como tinha sidoquasetrituradopelasmandíbulaspoderosasdoLeão.Masdaliaalgumtempoelefoificandomaisàvontade,epoucodepoisTotóeoLeãoCovardeficarambonsamigos.Duranteorestodessedianãohouvemaisnenhumaaventuraparaperturbara
tranquilidadedaviagem.Numcertomomento,oLenhadordeLatapisounumbesouroquecaminhavapelaestradaematouapobrecriaturinha.Eissoodeixoumuito infeliz, pois sempre tomava o maior cuidado para não ferir nenhumacriaturaviva.Pelorestodocaminho,elederramoumuitaslágrimasdetristezaearrependimento. As lágrimas corriam devagar pelo seu rosto, passando pelas
juntas da sua boca, que ficaram enferrujadas. Quando Dorothy lhe fez umapergunta,oLenhadordeLatanãoconseguiamexeroqueixoporquesuasjuntastinhamenferrujado.Eleficoumuitoassustado,efezmuitosgestosparaDorothypedindo que ela cuidasse do problema, mas a menina não entendia. O Leãotambémficouintrigadocomaquilotudo.MasoEspantalhopegoualatadeóleonacestadeDorothyelubrificouoqueixodoLenhadordeLata,quedaliapoucojáeracapazdefalartãobemquantoantes.
—Que issomesirvade lição—disseele.—Precisoolharmuitobemporondeeuando.Semataroutrobesouro,ouqualquerinseto,vouchorardenovo,easlágrimasenferrujammeuqueixo,nãodeixandoqueeufale.Apartirdeentãoelesódavapassosmuitocuidadosos,comosolhosfixosna
estrada,equandoviaalgumaformiguinhaquepassavatrabalhandolevantavaospésparanão feriroanimalzinho.OLenhadordeLata sabiaperfeitamentequenãotinhaumcoração,eporissomesmotomavaomaiorcuidadoparanuncasercruelouinjustocomqualquercriatura.Edisse:—Vocês,quetêmcoração,podemsempreseguiarporele,enuncafazemmal
aosoutros.Maseunãotenhocoração,eporissoprecisotomarmuitocuidado.
QuandoOzmeder umcoração, claro quenãovouprecisarmais prestar tantaatenção.
16 Essa discussão ressalta que os amigos de Dorothy, além de representarem as virtudes de coragem,inteligênciaebondade,tambémrepresentamostrêsreinosdanatureza—animal,vegetalemineral.
7.AviagemembuscadoGrandeOz
Foram obrigados a dormir acampados aquela noite debaixo de uma árvoregrandeda floresta, porquenão encontraramcasanenhumaporperto.A árvoreserviacomoumbomtelhadocontraoorvalho,eoLenhadordeLatacortoucomseu machado uma pilha grande de lenha, que Dorothy usou para fazer umafogueiraesplêndida,capazdeesquentarseucorpoediminuirsuasolidão.ElaeTotó acabaram com o pão, e agora ela não sabia o que iria comer namanhãseguinte.—Sevocêquiser—disseoLeão—possosairematarumcervonafloresta
paravocê.Vocêpodeassaracarnedelenofogo,jáquevocêstêmessacoisadepreferir cozinhar o que comem, e com isso vocês poderão fazer um ótimodesjejum.—Não, não, por favor!— implorou o Lenhador de Lata.— Eu ia chorar
muitosevocêmatasseumpobrecervo,eomeuqueixoiaenferrujardenovo.Mas oLeão enveredoupela floresta e encontrou o que comer no seu jantar
sem ninguém nunca saber o que tinha sido, porque ele não tocou mais noassunto.OEspantalhoachouumaárvorecarregadadenozeseencheuacestadeDorothy com elas, para que a menina não tornasse a sentir fome tão cedo.DorothyachouaquelegestodoEspantalhomuitogentilegeneroso,masriudamaneira desengonçada como a pobre criatura colhia as nozes. Suas mãosrecheadasdepalhaeramtãosemjeito,easnozestãopequenas,queeledeixavacair pelo menos a mesma quantidade de nozes que guardava. Mas para oEspantalhonão faziadiferençao temponecessárioparaencheracesta,porqueassimpelomenospodiaficarlongedafogueira;tinhamedodequeumasimplesfagulha atingisse a sua palha seca e ateasse fogo ao seu corpo. Por isso elemantinha uma boa distância das chamas, e só se aproximou de Dorothy paracobrir seu corpo de folhas secas quando ela se deitou para dormir. As folhasaqueceram a menina e tornaram mais confortável a sua cama, e ela dormiuprofundamenteatédemanhã.Quandoodia raiou,amenina lavouo rostonumriachinhoe,poucodepois,
todosretomaramocaminhoparaaCidadedasEsmeraldas.O dia ia sermovimentado para os viajantes.Mal tinham andado uma hora
quandoviramàsuafrenteumfossoimensoquedividiaaflorestaatéondeelesconseguiamenxergar,tantoparaumladoquantoparaooutro.Eraumfossobemlargo,equandochegaramàbeiradeleeolharamparadentropuderamverque
era bastante profundo, forrado de pedras de ponta cortante. Os barrancos dosdoisladoseramtãoíngremesquenenhumdelesconseguiriachegaratéembaixo,eporummomentotodosacharamqueaviagemtinhachegadoaofim.—Oquevamosfazer?—perguntouDorothyemdesespero.—Nãotenhoamenorideia—respondeuoLenhadordeLata;oLeãosacudiu
ajubaemaranhadaeficoupensativo.MasoEspantalhodisse:—Ninguémaquisabevoar,issoégarantido;enemvamosconseguirdescer
atéofundodessefosso;senãoconseguirmospularporcimadele,vamosterdepararporaquimesmo.—Achoqueeuconsigopularporcimadele—disseoLeãoCovarde,depois
decalcularcuidadosamenteadistânciaemsuacabeça.— Então isso resolve tudo— respondeu o Espantalho.— Você pode nos
carregarnascostas,cadaumdeumavez.—Pelomenospossotentar—disseoLeão.—Quemvemprimeiro?—Eu—declarouoEspantalho.—Sevocêdescobrequenãoconseguepular
esseabismo,Dorothy iriamorrer, eoLenhadordeLata ficaria todoamassadonas pedras lá do fundo.Mas comigo nas suas costas não fazmuita diferença,porqueamimaquedanãoiamachucarnemumpouco.—Eupróprioestoucomummedohorríveldecair—disseoLeãoCovarde.
—Mas acho que temos de tentar. Suba nasminhas costas e vamos ver se dácerto.OEspantalhomontounoLeão,aferaseaproximoudabeiradoabismoese
encolheutoda.—Porquevocênãopegaimpulsoantesdepular?—perguntouoEspantalho.—Porquenãoéassimquenós,osLeões,fazemos—respondeuele.Em seguida, dando um salto tremendo, partiu pelo ar como uma flecha e
pousouasalvodooutrolado.Todosficarammuitosatisfeitosaovercomotinhasidofácilparaele,depoisoEspantalhodesmontoueoLeãosaltoudevoltaparaoladodecá.Dorothyachouquedeviairemseguida;pegouTotónocoloesubiunascostas
doLeão, agarrando-se com força na sua juba.Dali a ummomento sentiu quevoavapeloar,eemseguida,antesquetivessetempoparapensar,jáestavasãesalvadooutrolado.OLeãovoltoumaisumavezepegouoLenhadordeLata,depois ficaram todos sentados por algum tempo para lhe dar algum descanso,porquetinhaficadocomofôlegocurtodepoisdaquelesgrandessaltos,eofegavacomoumcachorrograndedepoisquecorremuito.
Descobriram que daquele lado a floresta era muito cerrada, e tinha um arsombrio e sinistro.Depois que oLeão acabou de descansar, seguiram viagempela estrada dos tijolos amarelos, pensando, cada um consigo mesmo, seconseguiriamrealmentechegaraofinaldaquelafloresta,sevoltariamaveraluzclara do sol. E pior ainda: logo ouviram sons estranhos que vinham dasprofundezasdafloresta,eoLeãosussurrouparaelesquenaquelaáreaviviamosKalidahs.—OquesãoosKalidahs?—perguntouamenina.—Sãocriaturasmonstruosas,comcorposqueparecemdeursoecabeçasque
parecem de tigre — respondeu o Leão. — Suas garras são tão compridas eafiadas que conseguiriamme cortar aomeio com amesma facilidade que euteriaparamataroTotó.TenhoummedotremendodosKalidahs.—Oquenãomeespantanemumpouco—respondeuDorothy.—Devemser
monstroshorrendos.OLeãosepreparavapararesponderquandoosamigoschegaramaumnovo
abismoatravessadonaestrada.Dessavez, era tão largoe tãoprofundoquenamesmahoraoLeãoviuquenãoconseguiriapularparaooutrolado.Então se sentaramparadecidiroque iam fazer, edepoisdepensarmuitoo
Espantalhodisse:—Alitemosumaárvorebemalta,crescendoaoladodofosso.SeoLenhador
deLataconseguirderrubaraárvoreefazê-lacairparaoladocerto,poderemos
atravessarporcimadelacomamaiorfacilidade.—Umaideiadeprimeira—disseoLeão.—Atéparecequevocêtemmiolos
nacabeça,emvezdepalha.OLenhadorcomeçouatrabalharnamesmahora,etãoafiadoeraogumedo
seu machado que logo cortou o tronco, de um lado ao outro. Então o Leãoapoiousuaspoderosaspatasdianteirasnaárvoreeempurrou-acomtodaasuaforça. Aos poucos a árvore foi tombando e caiu com um barulho fortíssimo,ficandoatravessadanofosso,comacopaeosgalhosmaisaltosdooutrolado.
Tinhamcomeçadoa cruzar essapontediferentequandoum rugido forte feztodos levantaremosolhos,ecomhorrorviramcorrendonadireçãodelesduascriaturasenormes,comcorpodeursoecabeçadetigre.—SãoosKalidahs!—berrouoLeãoCovarde,começandoatremer.—Depressa!—exclamouoEspantalho.—Corramparaooutrolado!Dorothyfoiaprimeiraachegar,comTotónosbraços;depoisveiooLenhador
de Lata, e em seguida o Espantalho.OLeão, apesar de estar certamente com
muitomedo,virou-separaenfrentarosKalidahs,soltandoumrugidotãoaltoeterrívelqueDorothydeuumgritoeoEspantalhocaiudecostas,eatéosterríveismonstrospararamdecorrereolharamparaelesurpresos.Sóque, vendoque erammaiores que aquele animal, e lembrandoque eram
dois contra um, os Kalidahs recomeçaram a correr. O Leão atravessou pelaárvoreesevirouparaolharoqueiamfazeremseguida.Sempararuminstante,osmonstrostambémcomeçaramaatravessaraárvore,eoLeãodisseaDorothy:—Estamosperdidos,porqueelesvãonosfazerempedacinhoscomaquelas
garras afiadas. Mas fique atrás de mim, bem perto, que vou lutar com elesenquantoestivervivo.—Esperemumminuto!—exclamouoEspantalho.Vinhapensandonoque
deviamfazer,eentãopediuaoLenhadorquebaixasseomachadonapontadaárvorequetinhacaídodaqueleladodofosso.OLenhadordeLatacomeçounamesmahora e, quandoosKalidahs já estavambempróximosdo ladodeles, aárvorecaiucomestrondonofundodoabismoeosdoismonstroshorrendossedespedaçaramgrunhindonaspedrascortantesládebaixo.—Ufa!—disseoLeãoCovarde,suspirandodealívio.—Estouvendoque
vamosvivermaisumpouco,eaindabem,porquenãoestarvivodevesermuitodesconfortável. Essas criaturasme deixaram tão assustado que omeu coraçãoaindaestádisparado.—Ah…—dissecomvoztristeoLenhadordeLata.—Quemmederaterum
coraçãoparadisparar.Essaaventuradeixouosviajantesmaisansiososdoquenuncaparasairlogo
dafloresta,eandavamtãodepressaqueDorothyficoucansadaeprecisouseguirmontada nas costas do Leão. Para grande alegria de todos, as árvores foramficandomais espaçadas quantomais eles avançavam, e de tarde chegaram derepenteàbeiradeumriomuitolargoquecorriacomáguasrápidasbemàfrentedeles.Naoutramargem,virama estradados tijolos amarelos continuandoporuma regiãomuito linda, comcampinas verdes salpicadas de flores coloridas etodaaestradaladeadaporárvorescarregadasdefrutosdeliciosos.Ficarammuitocontentesdeverumaregiãotãoencantadoraàsuaespera.—Ecomovamosatravessarorio?—perguntouDorothy.—Estaéfácil—respondeuoEspantalho.—BastaoLenhadordeLatanos
construirumajangada,parapodermosnavegaratéooutrolado.OLenhadorpegouseumachadoecomeçouaderrubarárvoresmenorespara
fazer uma jangada, e enquanto issooEspantalho encontrounamargemdo rioumaárvorecomótimosfrutos.EistofoiumafelicidadeparaDorothy,quetinha
passado o dia inteiro apenas com nozes, e comeu com gosto várias daquelasfrutasmaduras.Mas fazer uma jangada leva tempo, mesmo quando a pessoa trabalha tão
depressa e sem se cansar como o Lenhador de Lata, e quando a noite caiu otrabalho ainda não estava pronto.Então encontraramum lugarzinho acolhedordebaixo das árvores, onde dormiram até o meio da manhã seguinte. DorothysonhoucomaCidadedasEsmeraldas,ecomobondosoMágicodeOz,quelogohaveriadeajudá-laavoltarparacasa.
8.Ocampodaspapoulasdamorte
Nossopequenogrupodeviajantesacordounamanhãseguinterenovadoecheiodeboasexpectativas;Dorothycomeucomoumaprincesaospêssegoseameixasdasárvoresquecresciamàmargemdorio.Paratrásficavaaflorestaquetinhamcruzadoemsegurança,apesardetodasasdificuldadesporquepassaram.Maisàfrente ficava uma região linda e ensolarada que parecia convidar todos paraseguirematéaCidadedasEsmeraldas.É bem verdade que ainda precisavam atravessar um rio largo para chegar
àquelasparagenstãolindas.Masajangadaestavaquasepronta,edepoisqueoLenhador de Lata cortou mais alguns troncos e prendeu uns aos outros compinos de madeira, já podiam seguir viagem. Dorothy se instalou no meio dajangada,segurandoTotónocolo.QuandooLeãoCovardeembarcou,ajangadaficoumuitoinclinada,porqueeleeragrandeemuitopesado;masoEspantalhoeoLenhadordeLataficaramdepédoladoopostoparaacertaroequilíbrio,cadaumcomumavaracompridanasmãosparaempurrarajangadanaágua.A travessia começou muito bem, mas quando chegaram ao meio do rio a
correntezacomeçouacarregarajangadarioabaixo,cadavezmaisparalongedaestrada dos tijolos amarelos; e as águas ficaram tão profundas que as varas,mesmocompridas,nãoconseguiammaisalcançarofundo.—A coisa vaimal— disse o Lenhador de Lata.— Se não conseguirmos
chegardooutro lado,seremos levadosparaopaísdaBruxaMádoOeste,quevainosenfeitiçarereduziraescravos.—Eaíeunãovouconseguirmeucérebro—disseoEspantalho.—Enemeuaminhacoragem—disseoLeãoCovarde.—Enemeuomeucoração—disseoLenhadordeLata.—EeununcamaisvouvoltarparaoKansas—disseDorothy.—PrecisamosmesmochegarlogoàCidadedasEsmeraldas,omaisdepressa
quepudermos—continuouoEspantalho.Eempurrousuavaraparabaixocomtantaforçaqueelaficoupresanalama
dofundodorio,eantesqueeleconseguisselargaravara,oupuxá-ladevolta,ajangadaseguiuviagemeopobreEspantalhoficouagarradoàvaranomeiodorio.—Adeus!—gritoueleparaosoutros,quesentirammuitapenadedeixaro
amigo.OLenhadordeLatacomeçouatéachorar,masporsorteselembrouque
poderiaenferrujar,eenxugouaslágrimascomoaventaldeDorothy.ClaroqueasituaçãomaisadversaeraadoEspantalho.—AgoraestoupiordoquequandoconheciDorothy—pensouele.—Àquela
altura,euestavapresonumaestacanomeiodeummilharal,ondepelomenospodiafingirqueespantavaoscorvos;masumEspantalhopenduradonumavaranomeiodeumrionãotemamenorutilidade.Achoquenuncavouconseguirumcérebro,nofinaldascontas!E lá seguiaa jangada rioabaixo, enquantoopobreEspantalho ficavamuito
paratrás.EentãooLeãodisse:—Precisamosfazeralgumacoisaparanossalvar.Achoqueconsigonadaraté
amargem,puxando a jangada comigo.Basta alguémagarrar firme a ponta daminhacauda.
EntãoelepulounaáguaeoLenhadordeLatapegousuacauda,aoqueoLeãosaiunadandocomtodaasuaforçanadireçãodamargem.Foidifícil,mesmoelesendo grande como era; mas aos poucos foram sendo puxados para fora dacorrenteza, e então Dorothy pegou a vara comprida do Lenhador de Lata eajudouaempurrarajangadaparaaterrafirme.Estavamtodosmuitocansadosquandochegaramfinalmenteàoutramargem
dorioepisaramnolindorelvadoverde,etambémsabiamqueacorrentezahavia
empurradoajangadabemparalongedaestradadostijolosamarelosquelevavaàCidadedasEsmeraldas.—Eoquevamosfazeragora?—perguntouoLenhadordeLata,enquantoo
Leãosedeitavanarelvaparasecaraosol.—Precisamosdaralgumjeitodevoltarparaaestrada—disseDorothy.—Omelhorplanoéagenteirandandopelabeiradorioatéchegardenovo
naestrada—observouoLeão.Assim, depois que descansaram, Dorothy pegou a cesta e saíram todos
caminhando pela margem relvada, no rumo da estrada de que tinham sidoafastadospelorio.Apaisagemalieralinda,commuitasflores,árvoresfrutíferasealuzclaradosolparaalegraratodos,esenãoestivessemtãotristesporcausadopobreEspantalhopoderiamatéficarfelizes.Caminharampelamargemomaisrápidoquepodiam.Dorothysóparouuma
vez para colher uma linda flor; e depois de algum tempo oLenhador deLataexclamou:—Olhemali!TodosolharamparaomeiodorioeviramoEspantalhoaindapenduradona
suavaranomeiodaágua,comumarmuitoacabrunhadoesolitário.—Oquepodemosfazerparasalvaronossoamigo?—perguntouDorothy.Tanto o Leão como o Lenhador de Lata abanaram a cabeça, porque não
tinhamamenor ideia.Então todos se sentaramnamargemdo rioe lá ficaramolhando para o Espantalho com olhos tristes e compridos até uma cegonhapassarvoandoe,vendoogrupo,pararparadescansaràbeiradaágua.—Quemsãovocês,eaondeestãoindo?—perguntouaCegonha.—EusouDorothy—respondeuamenina.—Eestessãoosmeusamigos:o
Lenhador de Lata e o Leão Covarde. E estamos indo para a Cidade dasEsmeraldas.—Ocaminhonãoéporaqui—disseaCegonha,enquantoretorciaolongo
pescoçoeexaminavaoestranhogrupocomtodaaatenção.— Eu sei — respondeu Dorothy. — Mas é que o Espantalho ficou no
caminho,enãosabemoscomofazerparatrazê-lodevolta.—Eondeeleestá?—perguntouaCegonha.—Ali,nomeiodorio—respondeuamenina.—Seelenãofossetãograndeetãopesadoeupodiairlábuscar—observou
aCegonha.EDorothyrespondeuanimada:
—Mas ele não pesa quase nada, porque é recheado de palha; e se vocêtrouxernossoamigodevolta,vamosficarmuito,muitoagradecidosparatodoosempre.—Bem,semprepossotentar—disseaCegonha.—Masseeuacharqueele
épesadodemaisparamim,deixocairdenovonaságuasdorio.Entãoagrandeavelevantouvooporsobreaságuasatéomeiodorio,ondeo
Espantalho continuava encarapitado na vara. Com as suas grandes patas, aCegonhaagarrouoEspantalhopelobraçoesubiuaosarescomele,17deixando-odevoltanamargem,ondeDorothy,oLeão,oLenhadordeLataeTotóestavamàsuaespera.QuandooEspantalhoseviudenovonomeiodosseusamigos,ficoutãofeliz
que abraçou a todos, inclusive o Leão e Totó; e quando voltaram a andar,cantarolava“Tra-la-la-la-lá”acadapasso,detantaalegria.—Estavacommedodeficarpresonaquelerioparasempre—disseele.—
MasabondosaCegonhamesalvou,eseumdiaeuconseguirumcérebrovoutornaraencontraraCegonhaefazeralgumgestodebondadeemrecompensa.—Nemprecisa—disseaCegonha,quevoavaaoladodeles.—Eugostode
ajudargenteemdificuldade.Masagoraprecisoirembora,porquemeusfilhotesestão me esperando no ninho. Espero que vocês encontrem a Cidade dasEsmeraldas,equeograndeOzpossaajudaratodos.—Obrigada—respondeuDorothy.ACegonhabondosasubiunosareselogosumiudasvistasdosamigos.Continuaram caminhando, ouvindo o canto dos pássaros multicoloridos e
contemplandoaslindasflores,tantasqueagoraatapetavamtudoemvolta.Eramgrandes flores amarelas, brancas, azuis e violeta, ao lado de grandes trechoscobertosdepapoulasvermelhas,deumacor tão fortequequaseofuscavamosolhosdeDorothy.—Não são lindas?— perguntou a garota, enquanto aspirava o aroma das
flores.—Achoquesim—respondeuoEspantalho.—Quandoeutiverumcérebro,
imaginoquevougostarmais.—Se eu tivesse um coração, sei que ia amar essas flores—acrescentou o
LenhadordeLata.— Eu sempre gostei de flores — disse o Leão. — São tão frágeis e
desamparadas.Masnaflorestanuncaviflorestãocoloridascomoestas.Aospoucos,foramencontrandomaisemaispapoulasvermelhas,ecadavez
menosdasoutrasflores;edaliaalgumtemposeviramnomeiodeumaimensacampinatodafloridadepapoulas.Todomundosabeque,quandoessasfloressejuntam em grande quantidade, seu perfume fica tão forte que quem cheiraradormece namesma hora; e se a pessoa adormecida não for logo levada paralonge das flores, continua a dormir e dormir para sempre.18MasDorothy nãosabia disso, e nem conseguia ficar longe das lindas flores coloridas que seespalhavamà todavolta; então seusolhos foram ficandopesados, e ela sentiuqueprecisavasesentarparadescansarecochilarumpouco.
MasoLenhadordeLatanãodeixou.—Precisamosandardepressaevoltarlogoparaaestradadostijolosamarelos
antesdeanoitecair—disseele.EoEspantalhoconcordou.Assim,continuaramcaminhandoatéDorothynãoaguentarmais.Seusolhos
sefecharam,mesmocontraasuavontade,elaseesqueceudeondeestavaecaiunomeiodaspapoulas,profundamenteadormecida.—Oquevamosfazer?—perguntouoLenhadordeLata.
—SedeixarmosDorothyaqui,elavaimorrer—disseoLeão.—Eocheirodasfloresvaiacabarcomtodosnós.Eumesmomalconsigoficardeolhoaberto,eocachorrinhotambémjáestádormindo.Era verdade; Totó tinha caído ao lado da dona. Mas o Espantalho e o
LenhadordeLata,quenãoeramfeitosdecarneeosso,nãoeramafetadospeloperfumedasflores.—Corradepressa—disseoEspantalhoparaoLeão—esaiadomeiodessas
floresmortíferas omais rápido que puder. Nós carregamos a garota conosco,massevocêcairadormecidonãotemoscomoaguentaroseupeso.EntãooLeãofezquesimcomacabeçaesaiucorrendoomaisdepressaque
conseguia.Numinstante,jáestavaforadesuasvistas.—VamosfazerumacadeirinhacomasmãosparacarregarDorothy—disseo
Espantalho.EntãopegaramTotó,quepuseramnocolodamenina,depoisformaramuma
cadeirinha com as mãos e esticaram os braços para prender o corpo dela,carregandoassimagarotapelomeiodasflores.Andarammuitotempo,epareciaqueotapetedaquelasfloresmortíferasnunca
maisacabava.Seguiramacurvadorio,efinalmenteencontraramseuamigo,oLeão,ferradoemsonoprofundonomeiodaspapoulas.Elastinhamsidofortesdemais até para aquele bicho imenso, que tinha acabadopor desistir, caindo apoucadistânciadofimdocampodepapoulas,ondearelvamaciaseespalhavaemlindoscamposverdesàfrentedeles.—Nãopodemosfazernadaporele—disseoLenhadordeLataentristecido.
—Eleépesadodemaisparanósdois.VamosprecisardeixaroLeãodormindoaqui para sempre; pode ser que ele sonhe que finalmente encontrou a suacoragem.— Que tristeza — disse o Espantalho. — O Leão era um excelente
companheiro,paraalguémtãocovarde.Masvamosemfrente.Carregaramameninaadormecidaatéum lugarbonitoàbeirado rio, auma
distânciasuficientedocampodepapoulasparaqueparassederespirarovenenodas flores, e ali a estenderam suavemente na relvamacia e ficaram esperandoqueabrisafrescaafizesseacordar.
17AlendaocidentalquerelacionacegonhasaonascimentofoipopularizadaporHansChristianAndersennoconto “As cegonhas” (1839).EmDotandTotofMerryland (1910),L.FrankBaumdesenvolveu suaprópriaversãodalenda:umdossetevalesdeMerrylandéchamadodeValedosBebês,noqualbotõesdeflorcaemdocéueabremsuaspétalasbrancaspararevelarumacriançadormindodentrodecadaflor.As
crianças ficamentão sob o cuidadode cegonhas até que possam ser levadas por elas para omundodoshomens.18Abundantenohemisférionorte, apapoulavermelhaé tradicionalmente relacionadaàmorteeao sonotantoporsuacorquantoporserafonteparaobtençãodoópioeseusderivados(morfinaeheroínaentreeles).
9.ARainhadosRatosdoCampo
—Agoradevemosestarbempertodaestradadostijolosamarelos—observouoEspantalho,aoladodamenina.—Jávoltamosquasetudoqueacorrentezadorionoslevou.O Lenhador de Lata se preparava para responder quando ouviu um rugido
surdo,evirandoacabeça(quefuncionavalindamentecomjuntasedobradiças)viuumestranhoanimalquevinhapulandopelarelvanadireçãodeles.Eraumgrande gato selvagem amarelo, e o Lenhador de Lata achou que devia estarcaçandoalgumacoisa, porque avançava comasorelhas coladasna cabeça e abocabemaberta,mostrandoduas fileirasdedentesmuito feios,enquantoseusolhosvermelhosbrilhavamcomobolasde fogo.Quandochegoumaisperto,oLenhadordeLataviuque,àfrentedaqueleanimal,corriaumaratinhadocampo,cinzenta,e,mesmosemtercoração,soubequeeraerradoaquelegatoselvagemtentarmatarumacriaturatãobonitinhaeinofensiva.EntãooLenhadorlevantouomachadoe,quandoogatopassou,baixoucom
umgolperápido,cortandonamesmahoraacabeçadoanimal,quecaiuaospésdele,divididoemdois.A ratinha do campo, agora que estava livre do inimigo, parou de correr.
Aproximando-se devagar do Lenhador de Lata, disse, numa vozinha muitoesganiçada:—Ah,obrigada!Muitoobrigadamesmoporsalvaraminhavida!—Nemprecisaagradecer—respondeuoLenhadordeLata.—Eunãotenho
coração,sabe?,eporissotomoocuidadodeajudartodomundoquepossaestarprecisandodeumamigo,mesmoquesejasóumaratinha.
—Sóumaratinha!—gritouacriatura, indignada.—Ora,maseusouumaRainha!ARainhadosRatosdoCampo!—Émesmo?—disseoLenhadordeLata,efez-lheumareverência.—Eporissoasuafaçanhafoimuitoimportante,alémdecorajosa,aosalvara
minhavida—completouaRainha.Nessemomento,vários ratosapareceramcorrendoomaisdepressaquesuas
perninhascurtasconseguiam,equandoviramaRainhatodosexclamaram:— Oh, Majestade, achamos que Vossa Majestade ia ser morta! Como
conseguiuescapardograndeGatoSelvagem?—etodosfaziamreverênciastãoprofundasparaapequenaRainhaquequaseviravamdecabeçaparabaixo.—Esseestranhohomemdelata—respondeuela—matouoGatoSelvagem
esalvouaminhavida.Porisso,apartirdeagora,vocêstodossãocriadosdele,edevemobedecerqualquerdesejoqueeletenha.—Poisvamosobedecer!—gritaramtodososratosnumcoroagudo.Eemseguidaseespalharamemtodasasdireções,porqueTotótinhaacordado
doseusonoe,aover tantos ratosà suavolta, latiuencantadoepuloubemnomeio do bando. Totó sempre adorou correr atrás de ratos quando vivia noKansas,enãovianenhummalnaquilo.MasoLenhadordeLatasegurouocachorronocolocomfirmeza,edissepara
osratos:—Podemvoltar!Podemvoltar!Totónãovaifazernada!Ao que aRainha dosRatos pôs a cabeça para fora de um tufo de grama e
perguntou,comvozfraca:—Temcertezadequenãovaiabocanharnenhumdenós?
—Não vou deixar— disse o Lenhador de Lata.— Por isso não tenhammedo.Um a um os ratos foram reaparecendo, e Totó não voltou a latir, apesar de
tentar escapar dos braços do Lenhador de Lata. E até cogitou lhe dar umamordida,comosenãosoubesseperfeitamentequeerafeitodelata.Finalmente,umdosratosmaioresfalou.—Podemosfazeralgumacoisa—perguntouele—emretribuiçãoporvocê
tersalvadoavidadanossaRainha?—Nãomeocorrenada—disseoLenhadordeLata;masoEspantalho,que
vinha tentandopensarmasnão conseguia, por ter a cabeça recheadadepalha,dissedepressa:— Ah, vocês podem salvar nosso amigo, o Leão Covarde, que está
adormecidonomeiodaspapoulas.—UmLeão?—gritouapequenaRainha.—Maselevainoscomer!—Ah,não—respondeuoEspantalho.—EsteLeãoécovarde.—Émesmo?—perguntouela.—Éoqueelemesmodiz—respondeuoEspantalho.—Enuncahaveriade
ferir um amigo nosso. Se vocês nos ajudarem a salvá-lo, garanto que ele vaitratarvocêscomamaiorgentileza.—Muitobem—disseaRainha.—Vamosacreditarnoquevocêdiz.Maso
quedevemosfazer?— São muitos os ratos que chamam a senhora de Rainha e obedeceriam
qualquerordemsua?—Ah,sim;sãomilhares—respondeuela.—Entãomande chamar todospara cáomaisdepressapossível, e cadaum
precisatrazerumpedaçodebarbante.ARainhavirou-separaosratosqueaacompanhavamemandouquefossem
namesma hora chamar todo o seu povo. Assim que ouviram as ordens, elessaíramcorrendoemtodasasdireçõesomaisdepressaquepodiam.EoEspantalhodisseparaoLenhadordeLata:—Agora,vocêprecisairatéasárvoresàbeiradorioefabricarumacarroça
queaguenteopesodoLeão.NamesmahoraoLenhadordeLataseenfiouentreasárvoresecomeçoua
trabalhar; e em pouco tempo produziu uma carroça de troncos, dos quaisremoveuasfolhaseosramos.Prendeuostroncosunsaosoutroscompinosdemadeira e fabricou as quatro rodas com rodelas cortadas de um tronco mais
grosso. Trabalhou tão bem, e tão depressa, que nomomento em que os ratoscomeçaramachegaracarroçajáestavaprontaàesperadeles.Chegavamdetodososladoseerammuitosmilhares:ratosgrandes,pequenos
emédios;ecadaumtrazianabocaumpedaçodebarbante.FoimaisoumenosaessaalturaqueDorothyacordoudeseusonoprolongadoeabriuosolhos.Ficoumuitoespantadaaoseverestendidana relva,commilharesde ratosemvolta,olhandotímidosparaela.MasoEspantalholhecontouahistóriatodae,virando-separaaratinhadeportemaisdigno,disse:—QuerolheapresentarSuaMajestade,aRainha.DorothyfezumacenodecabeçasoleneeaRainhafezumareverência,depois
doqueelaeameninaficarambastanteamigas.OEspantalhoeoLenhadordeLatacomeçaramaatrelaros ratos à carroça,
usandoospedaçosdebarbantequeelestinhamtrazido.Umapontadobarbanteeraamarradaemvoltadopescoçodecadarato,eaoutrapresaàcarroça.Claroque a carroça eramil vezesmaior que qualquer dos ratinhos convocados parapuxar;masdepoisque todosforamatreladosconseguirampuxarseupesocombastantefacilidade.OEspantalhoeoLenhadordeLataseinstalaramnacarroça,quemesmoassimfoipuxadabemdepressaporseusestranhoscavalinhosatéolugarondeestavaoLeãoadormecido.Depoisdemuitotrabalhoduro,porqueoLeãoerabempesado,conseguiram
deitá-lonacarroça.EentãoaRainhamandouosseussúditoscomeçaremapuxardevolta,pois temiaque,seficassemmuitomais temponomeiodaspapoulas,elestambémacabassemdormindo.
Numprimeiromomento,ascriaturinhas,pormaisnumerosasquefossem,malconseguiammoveracarroçacomsuacargatãopesada;masoLenhadordeLatae o Espantalho ajudaram, ambos empurrando pela traseira, e então a carroçaandoumelhor.Empoucotempo,chegaramcomoLeãoatéorelvadoverde,ondeelepodiarespirardenovoarfresco,emvezdoperfumevenenosodasflores.Dorothy veio ao encontro deles e agradeceu muito os ratinhos por terem
salvadodamorteseucompanheirodeviagem.GostavatantodoLeãoqueficoumuitofelizquandoviuseuamigoemsegurança.Emseguidaosratosforamdesatreladosdacarroçaeseespalharamemtodas
asdireções,pelomeiodarelva,devoltaàssuascasas.EaRainhadosRatosfoiaúltimaairembora.— Se vocês voltarem a precisar de nós — disse ela — basta chamar de
qualquerlugardocampo,queouviremoselogoviremosajudar.Atélogo!—Até logo!—responderamtodos,e lásefoiaRainhacorrendo,enquanto
DorothyseguravaTotócomforçaparanãodeixarocachorrinhosairatrásdela.DepoisdissoficaramsentadosaoladodoLeãoatéeleacordar;eoEspantalho
trouxeparaDorothyalgumasfrutasdeumaárvorealiperto,queforamojantardamenina.
10.OGuardadosPortões
Foipreciso algum tempoparaoLeãoCovarde acordar, pois ele tinhapassadomuitashorasdeitadonomeiodaspapoulas,respirandosuafragrânciamortífera;mas quando ele abriu os olhos e desceu da carroça, ficoumuito satisfeito dedescobrirqueaindaestavavivo.Edisse,sentando-seebocejando:—Corriomaisdepressaquepodia,masasfloresforammaisfortesqueeu.
Comovocêsmetiraramdelá?EseusamigoscontaramahistóriadosRatosdoCampo,decomotinhamsido
generososesalvadooLeãodamorte.OLeãoCovarderiuedisse:—Sempre achei que eu era um animal grande e assustador.Mesmo assim,
coisinhas tão miúdas como essas flores quase acabaram comigo, e bichinhospequeninoscomoosratossalvaramaminhavida.Comoavidaéestranha!Masamigos,eagora?Oquevamosfazer?—Precisamosseguiremfrenteatétornarmosaencontraraestradadostijolos
amarelos—respondeuDorothy.—DaíseguimosatéaCidadedasEsmeraldas.Assim,depoisqueoLeãodescansou tudoqueprecisavaevoltouasentir-se
perfeitamentebem,todosrecomeçaramaviagem,aproveitandooquantopodiamacaminhadapela relva frescaemacia; enãodemoroumuitoparachegaremàestrada dos tijolos amarelos e retomarem o rumo da Cidade das Esmeraldas,ondeviviaograndeOz.A estrada voltou a ser lisa e bem calçada, e a paisagem dos dois lados,
magnífica;osviajantesfestejavamterdeixadoaflorestaparatrás,ecomelaosmuitosperigosqueencontraramemsuassombrassinistras.Maisumavezviamcercas construídas ao lado da estrada; mas agora eram pintadas de verde, e,quandochegaramaumacasinha,emqueevidentementemoravaquemcuidavadaquelasplantações,tambémelaeratodapintadadeverde.Passaramporváriasdessascasasaolongodatarde,eàsvezesapareciampessoasnaportaeolhavampara eles como se pensassem em lhes fazer perguntas;mas ninguém chegavaperto e nem falava com eles por causa do grandeLeão, que lhesmetiamuitomedo.Todosusavamroupasdeumlindoverde-esmeralda,echapéuspontudoscomoosdosMunchkins.—AquideveseroPaísdeOz—disseDorothy—edevemosestarchegando
pertodaCidadedasEsmeraldas.—Issomesmo—respondeuoEspantalho.—Tudoaquiéverde,enquantono
País dosMunchkins a cor favorita erao azul.Mas aspessoasparecemmenossimpáticas que osMunchkins, e não sei se vamos encontrar algum lugar parapassaranoite.—Euadoraria comer algumacoisa alémde frutas—disse amenina.—E
imagino que Totó esteja morrendo de fome. Vamos parar na próxima casa econversarcomosmoradores.Assim, quando chegaram a uma casa de fazenda de tamanho razoável,
Dorothycaminhoudecididaebateunaporta.Umamulherabriusóumafrestaedisse:—Oquevocêquer,menina,eporqueestáandandocomessegrandeLeão?—Queremos passar a noite na sua casa, se a senhora deixar— respondeu
Dorothy.—EoLeãoémeuamigoe companheirodeviagem, enãovai ferirninguémpornadanestemundo.—Émanso?—perguntouamulher,abrindomaisumpoucoaporta.— Ah, sim — respondeu Dorothy. — E também é muito covarde:
provavelmentevaisentirmaismedodasenhoradoqueasenhorasentedele.Aoqueamulher respondeu,depoisdepensarumpoucoeolharnovamente
paraoLeão:—Bem,jáqueéassimvocêspodemirentrando,queeulhessirvoumjantare
lhesarranjoumlugarparadormir.Todosentãoentraramnacasa,onde,alémdamulher,moravamduascrianças
eumhomem.Ohomemtinhamachucadoaperna,eestavadeitadonumsofádecanto.Ficaramtodosmuitosurpresosdeverumgrupotãoestranho,eenquantoamulherbotavaamesaohomemperguntou:—Aondevocêsestãoindo?—ParaaCidadedasEsmeraldas—disseDorothy.—VeroGrandeOz.— Ah, é mesmo?— perguntou o homem.— E sabem se Oz vai receber
vocês?—Porquenão?—respondeuela.—Dizem que ele nunca deixa ninguém chegar perto dele. Já estivemuitas
vezesnaCidadedasEsmeraldas, queéum lugar lindoe cheiodemaravilhas;masnuncapudemeaproximardoGrandeOz,enemseideninguémquetenhaestadocomele.—Elenuncasai?—perguntouoEspantalho.
—Nunca.Passaosdiassentadonagrandesaladotronodopalácio,emesmooscriadosqueservemOznuncaestiveramfrenteafrentecomele.—Ecomoeleé?—quissaberamenina.—Difícil dizer— falouohomem,pensando.—Aquestão équeOzéum
grandeMágico,econsegueassumira formaquequer.Algumaspessoasdizemqueelepareceumpássaro,outrasqueéigualaumelefante,eoutrasaindaquelembraumgato.Paraoutroseleaparececomoumalindafada,ouumduende,19ouaformaquepreferir.MasqueméoOzdeverdade,quandoestánaformadelemesmo,ninguémsabedizer.20—Muito estranho— disse Dorothy. — Mas precisamos tentar, de algum
modo,falarcomele,ounossaviagemterásidopornada.—EporquevocêsqueremveroterrívelOz?—perguntouohomem.—Euqueroqueelemedêumcérebro—disselogooEspantalho.—Ah,issoOzpodefazercomamaiorfacilidade—declarouohomem.—
Eletemmiolosdesobra.—Eeuqueroqueelemedêumcoração—disseoLenhadordeLata.— Nenhum problema para Oz — continuou o homem. — Ele tem uma
coleçãoimensadecorações,detodosostamanhoseformatos.—Eeuqueroqueelemedêcoragem—disseoLeãoCovarde.—Oz guarda um pote imenso de coragem na sua sala do trono—disse o
homem.—Cobertocomumpratodeouro,paranãodeixarquetransborde.Evaiteromaiorprazeremlhedarumpouco.—EeuqueroqueelememandedevoltaparaoKansas—disseDorothy.—EondeficaoKansas?—perguntouohomem,surpreso.—Não sei— respondeu a menina, namaior tristeza.—Mas é lá que eu
moro,eseibemqueéumlugar.—Muitoprovavelmente.Poisbem,Ozécapazdetudo,eimaginoquepode
encontraroKansasparavocê.Masprimeirovocêsprecisamchegaraele,oquenãoénadafácil,poisograndeMágiconãogostadeverninguém,egeralmentesófazascoisasdoseujeito.Masevocê,oquequer?—continuouele,falandocomTotó.Totósóbalançouacauda;porque,estranhamente,nãosabiafalar.Amulherchamoudizendoqueojantarestavapronto,entãotodossereuniram
emtornodamesaeDorothydevorouumdeliciosomingaudeaveia,umpratodeovosmexidoseumacestadeótimopãobranco,egostoumuitodarefeição.OLeão comeu um pouco domingau,mas não gostou, dizendo que era feito deaveiaeaveiaeracomidadecavalos,nãodeleões.OEspantalhoeoLenhadorde
Latanãoquiseramnada.Totóprovouumpouquinhodecadacoisa,eficoumuitofelizdetornaracomerumbomjantar.EmseguidaamulherseparouumacamaparaDorothydormir,eTotósedeitou
ao lado dela, enquanto o Leão guardava a porta do quarto para ela não serperturbada. O Espantalho e o Lenhador de Lata ficaram de pé a um canto,quietosanoiteinteira,apesar,claro,denuncadormirem.Namanhãseguinte,assimqueosolnasceu, todossaíramacaminho,e logo
viramumesplêndidobrilhoverdenocéubemàfrente.—DeveseraCidadedasEsmeraldas—disseDorothy.Enquanto andavam nessa direção, o brilho verde foi ficando cada vezmais
forte,epareciaquefinalmenteestavachegandoofimdassuasaventuras.MasjáeradetardequandoalcançaramagrandemuralhaquecercavaaCidade.Eraalta,grossaedeumverdeforte.Diante deles, e no final da estrada dos tijolos amarelos, havia um imenso
portão, todocravejadodeesmeraldasquereluziamtantoaosolqueatémesmoosolhospintadosdoEspantalhoficaramofuscadosportodoaquelebrilho.Haviaumacampainhaaoladodoportão.Dorothyapertouobotãoeouviulá
dentro um som de sinetas de prata. Em seguida o portão se abriu lentamente,todosentrarameseviramnumenormesalãocomotetoemarco,cujasparedesbrilhavamcomincontáveisesmeraldas.Diantedelesestavaumhomenzinhodomesmo tamanhoqueosMunchkins.
Estavatodovestidodeverde,dacabeçaaospés,eatémesmosuapeletinhaumtomesverdeado.Aoladodeleficavaumagrandecaixaverde.QuandoviuDorothyeseuscompanheirosdeviagem,ohomemperguntou:—OquevocêsqueremnaCidadedasEsmeraldas?—ViemosveroGrandeOz—respondeuDorothy.Ohomemficoutãoespantadocomessarespostaqueprecisousentar-separa
pensar.—FazmuitosanosqueninguémpedeparaverOz—disseele,balançandoa
cabeçadesurpresa.—Eleépoderosoeterrível,esevocêschegaramaquiatrásde alguma coisa boba ou sem sentido para perturbar as sábias reflexões doGrandeMágico,elepodeficarirritadoedestruirvocêstodosnamesmahora.—Masnãoénenhumabobagemsemsentido—respondeuoEspantalho.—
Éimportante.EtodosdizemqueOzéummágicodobem.—Émesmo—respondeuohomemverde.—EgovernamuitobemaCidade
dasEsmeraldas,comgrandesabedoria.Masaspessoasquenãosãohonestas,ou
quevêmfalarcomelesóporcuriosidade,ele tratadamaneiramais terrível,epouca gente pede para ver o seu rosto.Eu sou oGuarda dosPortões, e comovocês estão pedindo para ver o Grande Oz, vou levá-los ao palácio. Masprimeirovocêsprecisampôrosóculos.
—Porquê?—perguntouDorothy.— Por que se não usarem os óculos podem ficar cegos com o brilho e o
esplendordaCidadedasEsmeraldas.MesmoaspessoasquevivemnaCidadeusamessesóculosdiaenoite.Eosóculossãopresosàspessoasporchaveparanãopoderemsertirados,porquefoiessaaordemdeOzdesdequeaCidadefoiconstruída,eaúnicachavecapazdedesprenderosóculosficacomigo.Destrancouacaixaverde,eDorothyviuqueestavacheiadeóculosdosmais
variados tamanhose formatos, todoscomlentesverdes.OGuardadosPortõesachouumparqueficavabememDorothyepôsosóculosnorostodela.Duasalças de ouro presas à armação se encontravam na parte de trás da cabeça epodiam ser trancadas com uma chavezinha na ponta de uma corrente que oGuarda dos Portões trazia em volta do pescoço. Depois que pôs os óculos,Dorothynãopodiamaistirá-losmesmosequisesse,maséclaroquenãoqueriaficarcegacomobrilhodaCidadedasEsmeraldas,eporissonãodissenada.Emseguida,ohomemverdeachouóculosparaoEspantalho,oLenhadorde
LataeoLeão,eatéparaopequenoTotó;ecadaparfoidevidamentetrancadocomachavezinha.EntãooGuardadosPortõespôsosseusprópriosóculosedissea todosque
iria levá-losatéopalácio.Pegandoumagrandechavedouradapenduradanumprego da parede, abriu outro portão e todos saíram atrás dele para as ruas daCidadedasEsmeraldas.
19Nooriginal,brownie:figuradofolcloreescocêsedonortedaInglaterra.Semelhanteaumgoblinouaum duende, os brownies vivem nas casas das pessoas e ajudam nas tarefas domésticas em troca deguloseimasoupresentes.Noentanto,nãogostamdeseremvistosesóseapresentamparatrabalharànoite.20Sãodiversasas formasdese tentarcompreenderodesconhecido,eosdeuses sabidamentemudamdeforma, como oMágico.Os contos de fadas atendem a uma necessidade humana de lidar comomundoespiritualoudaimaginação.Dorothytemumaincrívelhabilidadeempassardomundocotidiano,real,paraesseoutromundo.
11.AmaravilhosaCidadedasEsmeraldasdeOz
Mesmo com os olhos protegidos pelos óculos verdes, Dorothy e seus amigosficaramofuscadoscomobrilhodamagníficacidade.Asruaseramladeadasdecasas esplêndidas, todas construídas com mármore verde e cravejadas deesmeraldascintilantes.Elescaminhavamporcalçadasfeitasdomesmomármoreverde, e nas juntas entre os blocos havia fileiras de esmeraldas bempróximasumasdaoutras, refulgindoà luzdosol.Asvidraçasdas janelaseramtodasdevidroverde;atémesmoocéuquecobriaacidadeeraesverdeado,eosraiosdosoleramverdes.Haviamuitaspessoas,homens,mulheresecrianças,andandopelasruas,todas
usando roupas verdes e com a pele esverdeada. Olhavam paraDorothy e seuestranho grupo de cores variadas com olhos surpresos, e as crianças todas seescondiam correndo atrás das suas mães quando viam o Leão; mas ninguémfalavacomeles.Haviamuitas lojasna rua,eDorothyviuque,nelas, tudoeraverde.Haviadocesepipocasverdesàvenda,alémdesapatos,chapéuseroupasverdes de todos os tipos. Numa delas, um homem vendia limonada verde, equandoascriançasforampagarDorothyviuqueusavammoedasverdes.Não se viam cavalos nem qualquer outra espécie de animal. Os homens
transportavam as coisas em carrinhos verdes, que empurravam à sua frente.Todospareciamfelizes,prósperosesatisfeitos.OGuardadosPortõesconduziuogrupodeamigospelasruasatéchegarema
umaimensaconstruçãoqueficavanocentroexatodaCidade.EraoPaláciodeOz, o Grande Mágico. Um soldado estava postado junto à porta, usandouniformeverdeeumalongabarbaverde.—Estesaquisãoestrangeiros—disseoGuardadosPortõesaosoldado.—
QueremveroGrandeOz.—Entrem—respondeuosoldado.—Vouavisarqueestãoaqui.Passaram pelos portões do palácio e foram conduzidos a um imenso salão
forradodetapeteverdeecomlindosmóveisverdescravejadosdeesmeraldas.Osoldado fez com que todos limpassem os pés num capacho verde antes deentraremnosalão,edepoisquesesentaramdisseaeles,notommaisdelicado:—PodemficaràvontadeenquantovouatéaportadaSaladoTrono,dizera
Ozquevocêschegaram.Esperarambastante até o soldado voltar.Quando ele finalmente reapareceu,
Dorothyperguntou:—OsenhorestevecomOz?—Ah,não—retrucouosoldado.—NuncavioMágico.Masfaleicomele,
queestavasentadoatrásdoseubiombo,etransmitioseupedido.Eledizquevailhesdarumaaudiência,sevocêsquiserem:mascadaumdevocêsprecisaentrarsozinhoparaestarcomele,eelesóiráreceberumpordia.Portanto,comovãoprecisarficarváriosdiasnopalácio,eufareicomquesejamlevadosaosquartosondepoderãodescansardaviagemcomtodooconforto.—Obrigada—disseamenina.—ÉmuitagentilezadeOz.Osoldadosoprouumapitoverde,enamesmahorauma jovem,usandoum
lindovestidodesedaverde,entrounosalão.Tinhabeloscabelosverdeseolhosverdes,efezumagrandereverêncianafrentedeDorothyenquantodizia:—Venhacomigoquevoulhemostraroseuquarto.Então Dorothy se despediu de todos os amigos menos Totó e, pegando o
cachorrinho no colo, seguiu a moça verde por sete corredores, subindo setelancesdeescadaatéchegaremaumquartonafrentedopalácio.Eraoquartinhomaisbonitodomundo,comumacamaconfortávelemaciaforradacomlençóisde seda verde e uma colcha de veludo verde. Havia um pequeno chafariz nomeio do quarto, jorrando um fino jato de perfume verde que se erguia no ar,caindo em seguidanumabacia demármoreverde lindamente esculpida.Belasfloresverdesenfeitavamas janelas,alémdeumaprateleiracomumafileiradepequenos livros verdes. Quando Dorothy teve tempo de abrir esses livros,descobriu que todos traziamdiferentes gravuras verdes que a fizeram rir, poiserammuitoengraçadas.
Num guarda-roupa havia vários vestidos verdes, feitos de seda e veludo; etodoseramdotamanhoexatodeDorothy.—Fiqueinteiramenteàvontade—disseamoçaverde.—Esequiseralguma
coisa,toqueacampainha.Ozvaimandarchamá-laamanhãdemanhã.DeixouDorothynoquartoevoltouaoencontrodosoutros.Levoucadaum
deles para um quarto, e todos se viram hospedados numa parte especialmenteagradáveldopalácio.ClaroquetodaessadelicadezaeradesnecessárianocasodoEspantalho, que, quando se viu no seu quarto, ficou estupidamente paradonum ponto, logo depois da porta, à espera do dia seguinte. Deitar-se não odeixaria mais descansado, e não tinha mesmo como fechar os olhos; assim,passouanoiteinteiraolhandofixoparaumaaranhazinhaqueteciasuateianumcanto do quarto, como se nem estivesse num dos quartosmaismagníficos domundo.OLenhadordeLatadeitounacamapelaforçadohábito,poisaindaselembravadotempoemqueerafeitodecarne,mas,incapazdedormir,passouanoite movendo cada uma das suas juntas para cuidar de manter todas emperfeitascondiçõesdefuncionamento.OLeãoteriapreferidoumleitodefolhassecasnafloresta,enãogostoudeseverfechadonumquarto,masteveojuízodenãoseincomodarcomisso:pulounacama,seenroscoucomoumgatoedentrodeumminutojáestavaronronando,ferradonosono.Na manhã seguinte, depois do café, a moça verde veio buscar Dorothy, e
vestiuameninacomumdosvestidosmaisbonitosdoarmário—feitodecetim
verdecombrocados.DorothypôsumaventalverdeeamarrouumafitaverdeemtornonopescoçodeTotó,eforamparaaSaladoTronodoGrandeOz.Primeiro chegaram a um salão onde se reuniamvários fidalgos e damas da
corte,todosusandotrajesriquíssimos.Erampessoasquenãotinhamnadaafazeralémde passar o dia inteiro conversando,mas vinham todamanhã esperar doladodeforadaSaladoTrono,apesardenuncaseremautorizadosaverograndeOz.QuandoDorothyentrou,olharamparaelacuriosos,eumdelesmurmurou:—VocêvaimesmoolharorostodoTerrívelOz?—Claro—respondeuamenina.—Seelequisermereceber.—Ah,eleirárecebervocê—disseosoldadoquetinhalevadoorecadodela
aoMágico.—Maselenãogostaqueninguémpeçaparavê-lo.Averdadeéque,numprimeiromomento,eleficouirritado,edisseparaeumandarvocêdevoltapara o lugar de onde tinha vindo. Então ele me perguntou como você era, equandoeufaleidosseussapatosdeprataeleficoumuitointeressado.Depoiseufaleidamarcanasuatesta,eaíeledecidiuqueiriarecebê-la.Nesse momento uma campainha tocou, e a moça verde disse a Dorothy,
abrindoumaportinha:—Éosinal.VocêdeveentrarsozinhanaSaladoTrono.Dorothypassoupelaportasemmedo.Eseviunumlugardeslumbrante.Era
um salão imenso e redondo com um teto alto em forma de arco, e tanto asparedesquantootetoeochãoestavamcravejadosdegrandesesmeraldasmuitopróximasumasdasoutras.Nocentrodotetoresplandeciaumaluzfortecomoadosol,quefaziaasesmeraldasbrilharemcomumacintilaçãomaravilhosa.OquemaisinteressouDorothy,porém,foiograndetronodemármoreverde
que seerguianomeiodo salão.Tinhaa formadeumacadeirae refulgiacommilharesdepedraspreciosas,comotodooresto.NocentrodacadeirahaviaumaCabeçaimensa,semcorpoquelheservissedeapoioenembraçosoupernas.EessaCabeçanãotinhacabelo,masolhos,umnarizeumaboca,eeramaiorqueadomaiordosgigantes.Quando Dorothy olhou para a Cabeça com medo e espanto, os olhos se
viraramdevagareafitaram,firmeseagudos.Entãoabocasemexeu,eDorothyouviuumavozquedizia:—SouOz,GrandeeTerrível.Quemévocê,eporquemeprocura?Não era uma voz tão horrenda quanto ela esperava ouvir saindo da enorme
Cabeça;entãoelatomoucoragemerespondeu.—SouDorothy,PequenaeHumilde.Evenhoembuscadeajuda.
Osolhosfitaramamenina,pensativos,porumminutointeiro.Eentãoavozdisse:—Ondevocêconseguiuossapatosdeprata?—ComaBruxaMádoLeste, quandominha casa caiu emcimadela e ela
morreu—respondeuDorothy.—Eondeconseguiuessamarcanasuatesta?—continuouavoz.—FoiláqueaBruxaBoadoNortemebeijouquandosedespediudemime
dissequeeuviesseverosenhor—respondeuamenina.Maisumavezosolhos examinaramDorothy fixamente, e viramque estava
dizendoaverdade.EentãoOzperguntou:—Oquevocêquerdemim?—QuememandedevoltaparaoKansas,ondeestãominhatiaEmemeutio
Henry— respondeu Dorothy animada. — Não gosto do seu país, apesar deacharmuitolindo.EimaginoquetiaEmdeveestarmuitopreocupadacomigo,porestarforadecasahátantotempo.Os olhos piscaram três vezes, e então se virarampara o teto, depois para o
chão, girando de ummodo tão estranho que pareciam ver todos os cantos dosalão.EfinalmentetornaramasefixaremDorothy.—Eporqueeudeviaajudarvocê?—perguntouOz.— Porque o senhor é forte e eu sou fraca; porque o senhor é um Grande
Mágicoeeusouapenasumameninaindefesa—respondeuela.—MasvocêteveforçasparamataraBruxadoLeste—disseOz.— Foi sem querer — respondeu Dorothy com simplicidade. — Não pela
minhavontade.EaCabeçarespondeu:—Poisbem,voulhedaraminharesposta.Vocêsópodemepedirquemande
vocêdevoltaparaoKansassefizerumacoisaparamimemtroca.Nomeupaís,todomundoprecisapagarpeloquerecebe.Sevocêquerqueeuuseomeupodermágicoparamandarvocêdevoltaparacasa,antesprecisafazerumacoisaparamim.Sevocêmeajudar,euajudovocê.—Eoqueeuprecisofazer?—perguntouamenina.—MataraBruxaMádoOeste—respondeuOz.—Maseunãoposso!—exclamouDorothy,muitosurpresa.— Você matou a Bruxa do Leste e está usando os sapatos de prata, que
possuemumincrívelpodermágico.SórestouumaBruxaMáemtodoopaís,equando você me contar que ela está morta eu mando você de volta para o
Kansas;masnãoantesdisso.Ameninacomeçouachorardetãodesapontada;osgrandesolhosdaCabeça
piscarametornaramaolharansiososparaela,comoseoGrandeOzsentissequefazeroqueelepediasódependiadavontadedela.—Eununcamateininguémporminhavontade—soluçouela.—E,mesmo
queeuquisesse,comoéqueiamatarumaBruxaMá?Seosenhor,queéGrandeeTerrível,nãoconseguiu,comoéqueesperaqueeuváconseguir?—Issoeunãosei—respondeuaCabeça.—Masminharespostaéesta,eaté
a BruxaMámorrer você não poderá voltar a ver a sua tia e o seu tio. Bastalembrar que a bruxa émá,muitíssimomá, e que precisa sermorta.Agora válogo,enãovenhameprocurardenovoantesdecumprirasuatarefa.Dorothy saiu abatida da Sala do Trono e voltou para onde o Leão, o
EspantalhoeoLenhadordeLataestavamesperandoparasaberoqueOztinhadito.—Nãotenhonenhumaesperança—disseela,emtomtriste.—Ozsóaceita
memandardevoltaparacasadepoisqueeumataraBruxaMádoOeste,coisaqueeununcavouconseguir.Seus amigos ficaram com pena, mas não podiam fazer nada para ajudar
Dorothy. Então ela voltou para o quarto, deitou-se na cama e chorou atéadormecer.
Namanhã seguinte, o soldado das barbas verdes se dirigiu aoEspantalho edisse:—Venhacomigo,porqueOz.mandoubuscá-lo.OEspantalhoseguiuosoldado,efoiadmitidoàgrandeSaladoTrono,onde
viu,sentadono tronodeesmeraldas,umalindamulher.Estavavestidadegazedesedaverde,etraziaumacoroadepedraspreciosassobreseuslongoscachosverdes. Dos seus ombros saíam duas asas, de cores lindas e tão leves que seagitavamaomenorsoprodear.DepoisqueoEspantalho fezuma reverência,amelhorque lhepermitia seu
enchimento de palha, diante dessa linda criatura, ela olhou para ele com umaexpressãodedoçura,edisse:—SouOz,GrandeeTerrível.Quemévocê,eporquemeprocura?OEspantalho, que esperava ver aCabeça imensa de queDorothy lhe tinha
falado,estavamuitosurpreso;masrespondeucomtodaabravura:—SouumsimplesEspantalho,recheadodepalha.Porissonãotenhocérebro,
evimparalhepedirqueenchesseaminhacabeçademiolos,emvezdepalha,paraeupoderserigualaqualqueroutrohomemquevivenosseusdomínios.
—Eporqueeudevoatenderoseupedido?—perguntoualindamulher.—Porqueosenhorésábioepoderoso,enãohámaisninguémquepossame
ajudar—respondeuoEspantalho.—Eununca atendoumpedido sem receber nada em troca—disseOz.—
Mas posso lhe prometer o seguinte: se vocêmatar paramim a BruxaMá doOeste,eulheconcedoumbelocérebro,tãobomquevocêficarásendoohomemmaisinteligentedetodaaTerradeOz.— Achei que já tinha pedido a Dorothy para matar a Bruxa — disse o
Espantalho,surpreso.—Realmente. Paramim, tanto faz quemmate a Bruxa.Mas enquanto ela
estivervivaeunãovouatenderoseupedido.Agoravá,esóvolteameprocurarquandotiverfeitopormerecerocérebroquedesejatanto.O Espantalho voltou um tanto desanimado para junto dos seus amigos, e
contouoqueOz tinhadito.Dorothy ficou surpresa aodescobrirqueograndeMágiconãoeraumaCabeça,comoelatinhavisto,masumalindamulher.—Oqueeusei—disseoEspantalho—équeelanãotemmaiscoraçãoque
oLenhadordeLata.Namanhãseguinte,osoldadodasbarbasverdesveioprocuraroLenhadorde
Lata.—Ozmemandoubuscá-lo.Venhacomigo.OLenhadordeLataseguiuosoldadoechegouàgrandeSaladoTrono.Não
sabiaseiriaencontrarOznaformadeumalindamulheroudeumaCabeça,masesperavaquefossealindamulher.Epensou:— Se for a Cabeça, tenho certeza que não ganho um coração: nenhuma
Cabeçatemcoração,eporissomesmonãopodesentiromeuproblema.Mas,seforalindamulher,vouimplorarquemedêumcoração,porquedizemquetodasasmulherestêmocoraçãomole.MasquandooLenhadordeLataentrounaSaladoTrono,nãoviuaCabeçae
nem aMulher, pois Oz tinha assumido a forma de umMonstro terrível. Eraquase do tamanho de um elefante, e o trono verde nem parecia ser capaz deaguentar seu peso. O Monstro tinha uma cabeça que lembrava a de umrinoceronte, sóquecomcincoolhos.Cincobraçoscompridosseestendiamdoseu corpo, assim como cinco pernas finas e compridas. Era todo coberto depelos, e não se pode imaginar uma criatura mais horrenda. Felizmente oLenhador deLata ainda não tinha coração a essa altura, porque se tivesse elehaviadedispararebatermuitofortedeterror.Mas,sendosódelata,oLenhadornãosentiumedonenhum,apesardeficarmuitodecepcionado.
— Sou Oz, Grande e Terrível — disse o Monstro, numa voz que era umgranderugido.—Quemévocê,eporquemeprocura?—Souumlenhador,efeitodelata.Porissoeunãotenhocoração,enãosou
capazdeamar.Peçoquemedêumcoraçãoparaeupoder sercomoosoutroshomens.—Eporqueeudevoatenderoquemepede?— Porque estou pedindo, e só o senhor pode me dar o que eu desejo—
respondeuoLenhadordeLata.Ozrugiubaixinhoaoouviressaresposta,masdisse,emtomgrosseiro:—Sevocêquermesmoumcoração,primeiroprecisamerecer.—Como?—perguntouoLenhadordeLata.—AjudeDorothyamataraBruxaMádoOeste—respondeuoMonstro.—
DepoisqueaBruxamorrer,volteaquieentãolhedareiocoraçãomaioremaisamorosodetodooPaísdeOz.EassimoLenhadordeLatafoiobrigadoavoltarabatidoparajuntodosseus
amigos, a quem falou do Monstro terrível que tinha visto. Todos ficarampensandoemquantasformasoMágicopodiaassumir,eoLeãodisse:—SeelemeaparecercomoumMonstro,voudarorugidomaisaltoqueeu
puder,eomedodelevaisertantoqueseiquevaimedaroqueeupedir.Seforalindamulher,voufingirquedouumboteeataco,eelavaisesentirobrigadaafazeroqueeuquero.EseforaCabeçaenorme,vaificaràminhamercê,porquevou fazer essa Cabeça rolar pelo salão até ela prometer fazer o que estamospedindo.Entãonãodesanimem,meusamigos,porquetudovaiacabarbem.Namanhã seguinte, o soldadodasbarbasverdes levouoLeão até a grande
SaladoTrono,edissequeentrasseparaverograndeOz.OLeãonamesmahoraentroupelaportae,olhandoemvolta,viu,parasua
surpresa, que diante do trono estava uma Bola de Fogo, tão assustadora ebrilhantequeelemalconseguiaolharparaela.Suaprimeira impressãofoiqueOz, por acidente, tivesse se incendiado e ardesse em chamas. Mas, quandotentou chegarmais perto, sentiu um calor tão intenso que chamuscou os seusbigodes,eelerecuoutremendoparaumpontomaispróximodaporta.Então uma voz grave e pausada se ergueu da Bola de Fogo, e disse as
seguintespalavras:—SouOz,GrandeeTerrível.Quemévocê,eporquemeprocura?EoLeãorespondeu:— Sou um Leão Covarde, tenho medo de tudo. Vim lhe pedir que me dê
coragem,paraeupoderseroReidosAnimaisdeverdade,comomechamamoshomens.—Eporqueeudevialhedarcoragem?—perguntouOz.—Porquede todososmagosvocêéomaior,eoúnicoquepodeatendero
meupedido—respondeuoLeão.ABoladeFogoardeuviolentamenteporalgumtempo,eavozdisse:—NomomentoemquevocêmetrouxerumaprovadequeaBruxaMáestá
morta eu lhe darei coragem. Mas enquanto a Bruxa estiver viva, você vaicontinuarcovarde.OLeãoficoufuriosocomessaspalavras,masnãodissenadaemresposta,e
enquantoolhavacaladoparaaBoladeFogoestafoificandotãoquentequeeleenfiouoraboentreaspernasesaiudosalão.Ficousatisfeitodeverseusamigosà sua espera, e contou para eles como tinha sido seu terrível encontro com oMágico.—Oquevamosfazeragora?—perguntouDorothyentristecida.— Só temos uma coisa a fazer— respondeu o Leão.— Ir até a terra dos
Winkies,encontraraBruxaMáeacabarcomela!—Maseseagentenãoconseguir?—perguntouamenina.—Entãoeununcavoutercoragem—declarouoLeão.—Eeununcavoutercérebro—acrescentouoEspantalho.—Eeununcavoutercoração—disseoLenhadordeLata.—E eu nuncamais vou ver a tia Em e o tioHenry— lamentouDorothy,
começandoachorar.—Cuidado!—disseamoçaverde.—Aslágrimasvãocairemancharoseu
vestidodesedaverde.EntãoDorothyenxugouosolhosedisse:—Achoqueagenteprecisatentar.Maseuseiquenãoqueromatarninguém,
nemmesmoparatornaraveratiaEm.—Euvoucomvocê.MassoucovardedemaisparamataraBruxa—disseo
Leão.—E eu também— declarou o Espantalho.—Mas não vou ajudarmuito,
porquesoumuitoburro.—Eneméporcoraçãomolequenãoconsigomatarbruxanenhuma,porque
nemcoraçãoeutenho—comentouoLenhadordeLata.—Massevocêsforem,éclaroquevoucomvocês.
Então ficou decidido que começariam a viagem na manhã seguinte, e oLenhadordeLataafiouoseumachadocomumapedradeamolartodaverdeelubrificoumuitobemtodasassuas juntas.OEspantalhoserecheoucompalhanova,eDorothyretocouatintadosseusolhosparaeleenxergarmelhor.Amoçaverde,quefoimuitoboacomeles,encheuacestadeDorothycomcoisasboasdecomer,eamarrouumasinetinhaemvoltadopescoçodeTotócomumafitaverde.Foram para a cama bem cedo e dormiram profundamente até o amanhecer,
quando foram despertados pelo canto de um galo verde, que vivia no pátiotraseirodopalácio,eocacarejodeumagalinhaquetinhapostoumovoverde.
12.EmbuscadaBruxaMá
Osoldadodasbarbasverdescaminhoucomogrupopelas ruasdaCidadedasEsmeraldasatéeleschegaremaoalojamentoondemoravaoGuardadosPortões.O guarda destrancou os óculos de todos, colocou de volta na caixa grande, edepoisabriueducadamenteaportaparaosnossosamigos.— Qual é a estrada que leva para a Bruxa Má do Oeste? — perguntou
Dorothy.—Nãoexisteestradaparalá—respondeuoGuardadosPortões.—Ninguém
nuncapensaemirparaaquelelado.—Como,então,podemosencontraraBruxa?—perguntouamenina.—Éfácil—respondeuohomem.—Quandoelasouberquevocêsentraram
naTerradosWinkies,iráencontrarvocêsetransformá-losemescravosdela.— Talvez não— disse o Espantalho— porque a nossa ideia é destruir a
Bruxa.—Ah, isso émuito diferente— disse oGuarda dos Portões.—Ninguém
jamais destruiu a Bruxa antes, e por isso achei, naturalmente, que ela iriatransformar vocês em escravos, como fez com todos os outros. Mas tomemcuidado, porque ela é malvada e feroz, e pode não concordar com essadestruição. Andem sempre para o Oeste, onde o sol se põe, e não têm comodeixardedarcomela.AgradeceramaoGuardadosPortõesesedespediramdele, tomandoo rumo
oeste,caminhandoporcamposderelvamaciasalpicadaaquiealidemargaridasebotões-de-ouro.Dorothy aindausavaobelovestidode sedaverdeque tinhaposto no palácio,mas agora, para sua grande surpresa, descobriu que não eramaisverde,mastodobranco.AfitaemtornodopescoçodeTotótambémperdeuacorverdeeficoubrancacomoovestidodeDorothy.A Cidade das Esmeraldas logo ficou muito para trás. À medida que
avançavam, o terreno ia ficando mais acidentado e ondulado, pois não haviafazendasnemcasasnessePaísdoOeste,eosolonãoeracultivado.
Duranteatardeosolardeubemquenteemseusrostos,poisnãohaviaárvoresparafazersombra;tantoque,mesmoantesdeanoitecer,Dorothy,TotóeoLeãoestavam cansados, se deitaram na relva e adormeceram, guardados peloLenhadordeLataepeloEspantalho.ABruxaMádoOestepodia terumolhosó,maseleerapoderosocomoum
telescópioeenxergavatudo.Assim,sentadanaportadoseucastelo,elaolhouaoredor e viu Dorothy dormindo estendida no chão, cercada por seus amigos.Estavam bem distantes, mas a Bruxa Má ficou furiosa ao vê-los em seusdomínios;etocouumapitodeprataquetraziaemredordopescoço.Namesma hora, chegou correndo de todas as direções um bando de lobos
imensos.Tinhamopescoçolongo,olhosferozesedentesafiados.—Encontremessaspessoas—disseaBruxa.—Efaçamtodasempedaços.—Nãoquerescravizarninguém?—perguntouochefedoslobos.
—Não—respondeuela.—Uméfeitodelata,outrodepalha.Umaéumagarota, e outro um Leão. Nenhum deles presta para trabalhar, então podedespedaçartodoseles.—Muito bem— disse o lobo, e saiu correndo à toda velocidade, seguido
pelosoutros.FoiumasorteoEspantalhoeoLenhadordeLataestaremacordadoseterem
escutadoqueoslobosseaproximavam.— A luta é minha— disse o Lenhador. — Fiquem atrás de mim que eu
enfrentooslobosquandoforemchegando.Agarrou seumachado, que tinha afiado aomáximo, e, quando o chefe dos
loboschegou,oLenhadordeLatagolpeouseupescoçoe separouacabeçadocorpo,matandoa fera imediatamente.Assimque levantoudenovoomachadooutroloboapareceu,etambémfoimortopelogumeafiadodaarmadoLenhadordeLata.Eramquarentalobos,equarentavezesoLenhadorlevantouomachadoe matou um lobo. No final, estavam todos mortos e empilhados diante doLenhador.EntãoelebaixouomachadoesentouaoladodoEspantalho,quedisse:—Foiumaótimaluta,amigo.E esperaram Dorothy acordar no dia seguinte. A menina ficou bastante
assustada quando viu a pilha de lobos peludos, mas o Lenhador de Lata lheexplicouoque tinhaacontecido.Elaagradeceuoamigopor tersalvadoavidadelesesentouparatomarocafédamanhãantesdecontinuaremasuaviagem.Naquelamesmamanhã,aBruxaMáveioatéaportadoseucasteloeolhouem
volta com o olho que enxergava tudo. Viu todos os seus lobos mortos, e osestrangeiros ainda viajando pelas suas terras. Ficoumais furiosa ainda do queantes,etocouduasvezesoapitodeprata.Namesmahoraumbandoimensodecorvosferozeschegouvoandodetoda
parte,tantosqueatécobriamocéu.EaBruxaMádisseaoReidosCorvos:—Vá agora mesmo voando até esses estrangeiros, arranque os seus olhos
comobicoedepoisreduzatodosapedacinhos.Os corvos ferozes saíram voando juntos em busca de Dorothy e seus
companheirosdeviagem.Quandoameninaviuasavesseaproximando, ficoucommedo.MasoEspantalholhedisse:—Esta batalha éminha.Deite-se no chão atrás demimque não vai sofrer
nada.Todossedeitaramnochão,menosoEspantalho,que,depé,esticouosbraços.
Quandooscorvosoviramficaramcommedo,comosempreficamdiantedeumespantalho,enãoseatreveramachegarmaisperto.MasoReidosCorvosdisse:—Ésóumbonecorecheadonaformadeumhomem.Vouarrancarosolhos
delecomobico.E o Rei dos Corvos atacou o Espantalho, que agarrou a ave pela cabeça e
torceu seu pescoço, matando-a. Então outro corvo voou para cima dele e oEspantalhotorceuseupescoçotambém.Eramquarentacorvos,equarentavezesoEspantalhotorceuumpescoço,atéfinalmenteestaremtodosmortosaseuspés.Então ele disse a seus companheiros que se levantassem, e novamentecontinuaramsuaviagem.Quando a Bruxa Má olhou de novo e viu todos os seus corvos mortos e
empilhados no chão, ficou realmente furiosa e soprou três vezes seu apito deprata.Namesmahoraouviu-seumgrandezumbidonoar,eumenxamedeabelhas
negrasveiovoandonadireçãodela.—Procuremosestrangeiros,ematemtodosdeferroada!—ordenouaBruxa,
e as abelhas se viraram e saíram voando o mais depressa que podiam atéchegaremondeDorothyeseusamigosestavamcaminhando.MasoLenhadordeLatatinhavistoachegadadoenxame,eoEspantalhojá
tinharesolvidooqueiafazer.—Tiremaminhapalhaeespalhemtodaporcimadamenina,docachorroe
do leão—disse ele para oLenhador.—Assimas abelhas nãovão conseguirpicarnenhumdeles.FoioqueLenhadordeLatafez.DorothysedeitouaoladodoLeão,comTotó
nosbraços,eficaramostrêstodoscobertospelapalha.AsabelhaschegaramesóencontraramoLenhadordeLataparapicar,então
mergulharamsobreeleequebraramseusferrõesnalata,semnemarranharseucorpo. E como as abelhas não conseguem mais viver depois que perdem oferrão,foiofimdasabelhasnegras,quecaíramtodasamontoadasemvoltadoLenhadordeLata,comoumapilhadecarvãoempedacinhos.EmseguidaDorothyeoLeãoselevantaram,eameninaajudouoLenhador
deLataatornararechearoEspantalhocomasuapalha,atéelevoltaràmesmaformadesempre.Entãorecomeçaramsuaviagemmaisumavez.ABruxaMáficoutãoenfurecidaquandoviusuasabelhasnegrasamontoadas
comocarvãoempedacinhosquebateuopéerangeuosdentes.Entãochamouumadúziadosseusescravos,queeramosWinkies,eentregoulançasafiadasaeles,ordenandoqueatacassemosestrangeiros.
OsWinkies não eram um povo corajoso,mas precisavam obedecer às suasordens.EntãosaíramandandoatéchegaremaDorothy.MasaíoLeãosoltouumrugido terrível e saltou na direção deles, e os pobres Winkies ficaram tãoassustadosquecorreramdevoltaparaaBruxaomaisdepressaquepodiam.Quando chegaram ao castelo, a BruxaMá deu-lhes uma surra de correia e
mandou-osdevoltaparaotrabalho,antesdesentarparadecidiroquefariaemseguida. Não entendia como cada um dos seus planos para destruir aquelesestranhos tinha fracassado;mas era umaBruxa poderosa, além demá, e logoresolveuoqueiriafazer.No seu armário, ela guardava um gorro todo de ouro, enfeitado com uma
fileiradediamanteserubis.EoGorrodeOuroeraencantado.Seudonopodiaapelar três vezes para osMacacosAlados: qualquer ordem, eles obedeceriam.Mas essas estranhas criaturas só podiam ser chamadas em três ocasiões, e aBruxaMá já tinhausadoduasvezesopoderdoGorro.Aprimeira foiquandoescravizou os Winkies, e se transformou em rainha do país deles, o que sóconseguiucomaajudadosMacacosAlados.Asegunda,quandolutoucontraopróprioGrandeOz, que expulsou doPaís doOeste, também com a ajuda dosMacacosAlados. E só podia usarmais uma vez oGorro deOuro, e por issoresolveurecorreraelesomentequandotodososseusoutrospoderestivessemseesgotado.Masagoraquetinhaperdidoseuslobosferozes,seuscorvosselvagense suas abelhas negras, e seus escravos tinham sido espantados pelo LeãoCovarde,elaviuquesólherestavaummododedestruirDorothyeseusamigos.EntãoaBruxaMápegouoGorrodeOuronoarmárioepôsnacabeça.Emseguida,ficouapoiadasónopéesquerdoedisse,bemdevagar:—Ep-pe,pep-pe,kak-ke!Depoisseequilibrousóemcimadopédireito,edisse:—Hil-lo,hol-lo,hel-lo!Finalmente,plantouosdoispésnochãoegritou,comumavozbemforte:—Ziz-zy,zuz-zy,zik!E então o feitiço começou a funcionar. O céu escureceu, e um som de
trovoadaencheuosares.Ouviu-seofarfalhardemuitasasas;muitaalgazarraemuitosrisos;eosolsurgiudasombramostrandoaBruxaMácercadaporumaverdadeiramultidãodemacacosdotadosdeimensasepoderosasasasnoaltodascostas.Umdeles,muitomaior que os demais, parecia ser o chefe.Voouparamais
pertodaBruxaedisse:—Asenhoranoschamoupelaterceiraeúltimavez.Quaissãoassuasordens?
—Vãoatéosestrangeirosqueinvadiramasminhasterrasedestruamtodos,menos o Leão— disse a BruxaMá.— Tragam o Leão paramim, poismeuplano é colocar-lhe arreios, como se fosse um cavalo, e pôr o bicho paratrabalhar.— Suas ordens serão obedecidas — disse o chefe, e então, com muita
algazarraebarulho,osMacacosAladossaíramvoandoatéopontoondeestavamDorothyeosseusamigos.Parte dosMacacos agarrou o Lenhador de Lata e saiu voando com ele até
chegaraumaregiãocobertadepedraspontudas.ElásoltaramopobreLenhadorde Lata, que caiu de uma altura imensa até bater nas pedras, ficando tãoamassadoeretorcidoquenãoconseguiasemexerenemmesmodarumgemido.Outro grupo deMacacos agarrou oEspantalho e, comos dedos compridos,
puxouparaforatodaapalhaquerecheavaassuasroupasesuacabeça.Depoisembrulharamseuchapéu,suasbotasesuasroupasnumpacotequeatiraramnosgalhosmaisaltosdeumaárvoreimensa.OsoutrosMacacosjogaramcordasgrossasemcimadoLeãoeoamarraram
com várias voltas em torno do corpo, da cabeça e das patas, deixando a feratotalmenteincapazdemorder,arranharouresistir.Emseguida,levantaramvoocomeleeolevaramatéocastelodaBruxa,ondeoLeãofoideixadonumpátiopequeno rodeado por uma cerca alta de ferro, de modo que não tinha comoescapar.Mas com Dorothy eles não fizeram nada. Ela ficou parada, com Totó nos
braços, acompanhandoo triste destino dos seus companheiros e pensandoquelogochegariatambémasuavez.OchefedosMacacosAladosvoounadireçãodela,comosbraços longosepeludosestendidoseumsorriso terrívelnorostohorrendo;masfoisóveramarcadobeijodaBruxaBoanatestadameninaqueparounamesmahora, fazendo sinal aos outros para quenão tocassemnela, edisse:
—Nãopodemos fazernadacontraessameninaporqueelaéprotegidapeloPoderdoBem,queémaiorqueoPoderdoMal.SópodemosircomelaatéocastelodaBruxaMá,edeixá-lalámesmo.Então, com todo cuidado e delicadeza, levantaram voo com Dorothy nos
braçoseacarregaramempouco tempopeloaratéocastelo,ondedeixaramameninanaescadadiantedaportadafrente.EentãoochefedisseàBruxa:—Obedecemos até onde era possível. O Lenhador de Lata e o Espantalho
foram destruídos, e o Leão está amarrado no pátio do seu castelo. Não nosatrevemosafazermalnenhumàmenina,nemaocachorronocolodela.Oseupodersobrenóschegouaofim,enuncamaisvocêvainosver.Em seguida todos os Macacos Alados, com muitas risadas, algazarra e
barulho,levantaramvoonoarelogodesapareceram.A Bruxa Má ficou surpresa e preocupada quando viu a marca na testa de
Dorothy,porquesabiaquenemosMacacosAladosenemelaprópriapoderiamfazer qualquer mal àquela garota. Olhou para os pés de Dorothy e, vendo osSapatosdePrata,começouatremerdemedo,poissabiaqueeleserammágicos,e poderosos. Num primeiromomento, a Bruxa teve a tentação de correr para
longe deDorothy;mas olhou por acaso nos olhos damenina e viu como erasimplesaalmaportrásdeles,equeameninanãosabiadopoderincrívelqueosSapatos de Prata lhe davam. Então aBruxaMá riu para simesma, e pensou:“Ainda posso transformar essamenina em escrava, porque ela não sabe comousaroseupoder.”EentãodisseaDorothy,emtomduroesevero:—Venhacomigo.Eprestemuitaatençãoatudoqueeulhedigo,porquesenão
eudoucabodevocê,comofizcomoLenhadordeLataeoEspantalho.DorothyacompanhouaBruxapormuitosdosbelosaposentosdocasteloaté
chegarem à cozinha, onde a Bruxa mandou Dorothy lavar louças e panelas,esfregarochãoealimentarofogodelenhaparanãoapagar.Dorothy,humildemente,foitrabalhar,decididaafazeromelhorpossível,pois
tinhaficadocontentedeverqueaBruxadecidiunãoacabarcomela.Comameninaentregueaotrabalhoduro,aBruxaresolveuiratéopátiotentar
prenderoLeãocomarreiosdecavalo.Seriadivertido,imaginavaela,obrigaraferaapuxarsuacarruagemsemprequequisessesair.MasassimqueelaabriuaportaoLeãodeuumforterugidoesaltounadireçãodelacomumartãoferozqueaBruxaficoucommedo,saiucorrendoe tornouafecharaporta,dizendoatravésdasbarras:— Se eu não consigo prender você aos arreios, pelomenos posso deixá-lo
morrerdefome.Vocênãovaiganharnadaparacomeratéaceitarfazeroqueeuquero.DepoisdissoelanãolevoumaiscomidaparaoLeãoaprisionado;massempre
quedavameio-diavinhaatéaporta,eperguntava:—Estáprontoparausararreios,comoumcavalo?EoLeãorespondia:—Não,esevocêvierparaessepátioeuvoumordê-la.OLeãonãoprecisavaobedeceraBruxaporque todanoite, assimqueela ia
dormir,DorothylevavacomidadadespensaparaoLeão.Depoisqueelecomia,ficava deitado em sua cama de palha, e Dorothy se deitava ao lado dele eapoiavaacabeçaemsuajubamaciaeemaranhada,enquantoconversavamsobreos seus problemas e tentavam planejar algum modo de fugir. Mas nãoencontravam jeito de escapar do castelo, que era guardado o tempo todo porWinkies amarelos, escravos da Bruxa Má e amedrontados demais para nãofazeremoqueelamandava.A menina precisava trabalhar muito o dia inteiro, e várias vezes a Bruxa
ameaçavabaternelacomavelhasombrinhaquesempretrazianasmãos.MasaverdadeéquenãotinhacoragemdebateremDorothy,porcausadamarcaque
elatrazianatesta.Ameninanãosabiadisso,eviviacheiademedodoquepodiaacontecer a ela ou a Totó. Uma vez a Bruxa deu uma pancada com a suasombrinha e o corajoso cachorrinho atacou de volta e mordeu sua perna. ABruxa não sangrou no lugar damordida, porque era tãomá quemuitos anosantesosanguejátinhasecadonassuasveias.AvidadeDorothyficoumuitotriste,especialmentedepoisqueelaentendeu
queagora seriamaisdifícildoquenuncavoltarparaoKansasea tiaEm.Àsvezes ela passava horas e horas chorando, com Totó sentado aos seus pés eolhandoparaela,ganindomuitotristeparamostrarcomosofriacomadordasuapequenadona.ParaTotónãofaziadiferençaestarnoKansasounaTerradeOz,contantoqueestivessecomDorothy.Maselesabiadosofrimentodamenina,eporissotambémficavaabatido.OqueaBruxaMámaisqueriaeraroubarosSapatosdePrataqueamenina
usavasempre.SuasAbelhas,seusCorvoseseusLobostinhamsidodestruídos,eela tinhaesgotadoopoderdoGorrodeOuro.Mas sepelomenosconseguissepegarosSapatosdePrata,eles lhedariamumpodermaiorque tudoque tinhaperdido.VigiavaDorothycomtodoocuidado,paraverseemalgummomentoamenina tiravaos seus sapatos, pensandoquepoderia roubá-los.Mas ameninagostavatantodelesquenuncaostiravadospés,sódenoiteenahoradobanho.ABruxamorriademedodoescuro,eporissonãoseatreviaaentrarnoquartodeDorothyduranteanoite,eseumedodaáguaeramaioraindaqueomedodoescuro,enuncachegavapertoquandoDorothytomavabanho.AverdadeéqueavelhaBruxanuncatocavanaágua,enemdeixavaaáguatocarnelademaneiranenhuma.Masamalvadacriaturaeramuitoastuta,e finalmente imaginouumjeitode
conseguiroquequeria.Pôsumabarradeferronomeiodochãodacozinha,ecomsuasartesmágicastornouabarrainvisívelparaosolhoshumanos.Assim,quandoDorothypassou,tropeçounabarra,quenãoenxergava,ecaiuestendida.Nãosemachucoumuito,masnasuaquedaperdeuumdosSapatosdePrata,eantesquepudesserecuperaropédesapatoaBruxaveio,pegoueocalçounoseupémuitomagro.A malvada ficou muito satisfeita com o sucesso do seu plano, porque
enquantousasseumpédossapatostinhametadedoseupodermágico,eDorothynãopodiausá-locontraela,mesmoquesoubessecomo.Amenina, vendo que tinha perdido um dos seus lindos sapatos, ficou com
raivaedisseàBruxa:—Devolvaomeusapato!
—Nãodevolvo—respondeuaBruxa.—Agoraémeu,enãoseu.—Vocêémuitomalvada!—gritouDorothy.—Nãotemdireitodetomarum
dosmeussapatos!—Masmesmoassimvouusar—disseaBruxa,rindodela.—Ealgumdia
douumjeitodepegartambémooutro.EissodeixouDorothytãofuriosaqueelapegouobaldedeáguaqueestavaa
seuladoedespejouemcimadaBruxa,molhandoahorrívelcriaturadacabeçaaospés.
Namesma hora amalvada deu um grito forte demedo. E então, diante doolharadmiradodeDorothy,aBruxacomeçouaencolhereadesaparecer.—Estávendooquevocêfez?—gritouela.—Daquiaumminutovouestar
todaderretida.—Medesculpe!—disseDorothy, que estava realmente assustadadever a
Bruxasedissolvendodiantedelacomosefossefeitadeaçúcarmascavo.—Vocênãosabiaqueaáguaacabacomigo?—perguntouaBruxa,numavoz
queixosaedesesperada.—Claroquenão—respondeuDorothy.—Comoeuiriasaber?—Bom, daqui a poucosminutos acabo de derreter e você será a dona do
castelo.Eusemprefuimuitomá,masnuncaimagineiqueumagarotinhacomovocêiriaacabarcomigoecomasminhasmaldades.Pronto:agoraeufui!Com essas palavras a Bruxa se desfez numamassamarrom, aguada e sem
forma,ecomeçouaseespalharpelastábuasdopisodacozinha.Vendoquetinharealmentederretidopara sempre,Dorothyencheumaisumbaldede água,quejogou em cima daquela sujeira. E em seguida varreu tudo para fora da porta.Depoisdepegarosapatodeprata,tudoquerestavadavelhabruxa,elaolimpouesecoucomumpanoevoltouacalçarnopé.Então,finalmentelivreparafazeroquequisesse,correuparaopátioecontouaoLeãoqueaBruxaMádoOestetinhasidodestruída,equenãoerammaisprisioneirosnaquelaterraestrangeira.
13.Asalvação
O Leão Covarde ficou muito satisfeito ao ouvir que a Bruxa Má tinha sidodissolvida por um balde de água, e na mesma hora Dorothy destrancou osportões de sua prisão e libertou o amigo. Entraram juntos no castelo, onde aprimeiraprovidênciadeDorothyfoireunirtodososWinkiesedizer-lhesquenãoerammaisescravos.O regozijo foi grande entre os Winkies, pois fazia anos que vinham
trabalhando duro para a Bruxa Má, que sempre tratava todos com grandecrueldade.Decidiramqueaquelediaseriaferiado,dessavezeemtodososanosseguintes,epassaramotempotodocomendoedançandoparafestejar.EoLeãodisse:—Seosnossosamigos,oEspantalhoeoLenhadordeLata,estivessemaqui,
euestariamuitofeliz.—Você não acha que podemos ir salvar os dois?— perguntou a menina,
ansiosa.—Semprepodemostentar—respondeuoLeão.ChamaramosWinkiesamareloseperguntaramseelesajudariamasalvarseus
amigos.OsWinkiesresponderamqueteriamomaiorprazeremfazertudoquepudessem porDorothy, que tinha libertado seu povo da escravidão. Então elaescolheuosWinkiesquetinhamumjeitodesermaissabidos,epartiucomeles.Viajaramodia todoemaispartedodiaseguinteantesdechegaremàplanícieonde o Lenhador de Lata se encontrava, todo amassado e retorcido. Seumachadoestavaaliperto,masalâminatinhaenferrujadoeocaboestavasolto.Os Winkies levantaram o Lenhador nos braços com grande cuidado, para
carregá-lo de volta até o castelo. Pelo caminho, Dorothy derramou algumaslágrimas diante do destino do velho amigo, e o Leão tinha um ar tristonho epenalizado.Quandochegaramaocastelo,eladisseaosWinkies:
—Entrevocêsexistemlatoeiros?—Ohsim,emuitosdelessãobons—responderam.— Então tragam esses homens aqui — disse ela. E quando os latoeiros
chegaram,trazendosuasferramentasemcestas,elaperguntou:—VocêsconseguemtiraressesamassadosdoLenhadordeLata,devolvera
formaqueeletinhaantesesoldaraspartesqueestiverempartidas?OslatoeirosexaminaramoLenhadoremdetalhe,depoisafirmaramacreditar
que saberiam consertá-lo com perfeição, a tal ponto que ele voltaria a serexatamentecomoera.Começaramentãoatrabalharnumadassalasamarelasdocastelo, e se atarefaram por três dias e quatro noites, martelando, torcendo,vergando, soldando,polindoedesamassandoaspernas,ocorpoeacabeçadoLenhadordeLataatéelerecuperaravelhaforma,comasjuntasfuncionandotãobem quanto antes. É bem verdade que agora trazia vários remendos, mas oslatoeirosfizeramumótimotrabalhoe,comooLenhadornãoeranadavaidoso,nãoseincomodounemumpoucodeostentaraquelesconsertos.Quando, finalmente, ele entrounoquartodeDorothy e agradeceu amenina
por salvá-lo, ficou tão comovido que chorou lágrimas de alegria, e Dorothyprecisou enxugar cada uma delas com o avental para as suas juntas nãoenferrujarem.Aomesmotempo,elaprópriachoroumuitas lágrimasgrossasdefelicidadeportervoltadoaencontrarovelhoamigo,lágrimasquenãoprecisavaconter.QuantoaoLeão,enxugouosolhostantasvezescomapontadacaudaque
ela ficoumolhada,eeleseviuobrigadoa iratéopátiopara ficarcomo raboestendidoaosolatésecar.—Se pelomenos o Espantalho estivesse de novo com a gente!— disse o
LenhadordeLataquandoDorothyacaboudelhecontaroquetinhaacontecido.—Ah,comoeuficariafeliz!—Precisamostentarencontraronossoamigo—disseamenina.ChamounovamenteosWinkiesparaajudar,ecaminharamodiatodoemais
parte do dia seguinte até chegarem à árvore alta em cujos galhos de cima osMacacosAladostinhamatiradoasroupasdoEspantalho.Eraumaárvoreimensa,eotroncoeratãolisoqueninguémconseguiriasubir
atéacopa;masoLenhadordissenamesmahora:—Vouderrubaraárvore,eentãopoderemospegarasroupasdoEspantalho.Pouco antes, enquanto os latoeiros trabalhavam consertando o próprio
Lenhador,outrodosWinkies,queeraourives,tinhafeitoumcabodeouropuroeencaixadonomachadodoLenhador,parasubstituirocaboquebradodemadeira.Outros tinhamlimpadoa lâminaaté tirar todaa ferrugem,eagoraelabrilhavacomopratapolida.Assimqueacaboude falar,oLenhador começouamanejar seumachado, e
em pouco tempo a árvore desabou com muito barulho. Então as roupas doEspantalhocaíramnochão.DorothypegouasroupasemandouqueosWinkiescarregassemdevoltapara
ocastelo,ondeforamrecheadascompalhanovaelimpa.Epronto!LáestavaoEspantalho,tãobomcomoantes,agradecendomuitasemuitasvezesportersidosalvo.
Agora que todos voltaram a estar juntos, Dorothy e seus amigos passaramalguns dias felizes no Castelo Amarelo, onde encontraram tudo de queprecisavamparaoseuconforto.MasumdiaameninaselembroudatiaEm,edisse:—PrecisamosvoltaratéOz,ecobrarsuaspromessas.—Issomesmo—disseoLenhador.—Finalmentevouganharmeucoração.—Eeuvouganharomeucérebro—acrescentoualegreoEspantalho.—Eeu,aminhacoragem—disseoLeão,pensativo.—EeuvouvoltarparaoKansas—exclamouDorothy,batendopalmas.—
Ah,vamosamanhãmesmoparaaCidadedasEsmeraldas!Edecidiramsairdeviagem.Nodiaseguinte,reuniramosWinkiesefizeram
suasdespedidas.OsWinkiesnãoqueriamqueelesfossemembora,egostavamtanto do Lenhador de Lata que imploraram que ele ficasse lá, governando asterras amarelas do Oeste. Vendo que os amigos estavam mesmo decididos apartir,osWinkiesderamumacoleiradeouroaoLeãoeoutraaTotó;aDorothypresentearamumalindapulseiracravejadadediamantes;eaoEspantalhoderamumabengaladeouro,paraelenãotropeçarnocaminho.AoLenhadordeLata,ofereceramumalatadeóleotodafeitadeprata,adornadadeouroecravejadadepedraspreciosas.
Em retribuição, cadaumdos viajantes disse algumasbelas palavras para osWinkies,etrocaramapertosdemãocomelesatéficaremcomdornobraço.Dorothy foi atéoarmáriodaBruxaparaencher suacestadecomidaparaa
viagem,eviuoGorrodeOuro.Experimentounasuacabeçaedescobriuqueogorroeradoseutamanhoexato.NãosabiadopodermágicodoGorrodeOuro,mas viu que era bonito, e por isso decidiu que ia usá-lo e deixar a touca queusavaparaseprotegerdosolguardadanacesta.E então, devidamente preparados para a viagem, partiram de volta para a
Cidade dasEsmeraldas.OsWinkies gritaram três vivas e lhes desejaram umaótimaviagem.
14.OsMacacosAlados
Vocêlembraquenãohaviaestrada,nemmesmoumatrilha,quefossedocasteloda BruxaMá à Cidade das Esmeraldas. Quando os quatro viajantes saíram àprocura da Bruxa, ela tinha visto quando eles se aproximavam emandado osMacacosAladostrazeremoLeãoeDorothyparaocastelo.Poisfoimuitomaisdifícilencontrarocaminhodevoltaatravésdosimensoscamposdebotões-de-ouroemargaridasamarelasdoquesendocarregadospelosaresporcimadeles.Sabiam, claro, que precisavam seguir para o leste, rumo ao sol nascente; epartiram na direção certa.Mas ao meio-dia, quando o sol estava a pino bemacimadassuascabeças,nãosabiammaisdequeladoficavaolesteedequeladoeraooeste,eacabaramseperdendonavastidãodaquelescampos.Continuaramandando mesmo assim, e à noite a lua apareceu muito brilhante. Então sedeitaramemmeioàsperfumadasfloresamarelasedormiramprofundamenteatéamanhãseguinte—todos,menosoEspantalhoeoLenhadordeLata.Na manhã seguinte o sol estava encoberto pelas nuvens, mas ainda assim
partiram,comosetivessemcertezadorumoqueseguiam.EDorothydisse:— Se caminharmos bastante, em algum momento vamos chegar a algum
lugar,eutenhocerteza.Mas um dia passava atrás do outro, e nada aparecia diante deles além dos
camposamarelos.EoEspantalhocomeçouaresmungar:—Achoquenosperdemos—disseele.—Esenãotornarmosaencontraro
caminho,atempodechegarnaCidadedasEsmeraldas,nuncamaisvouganharomeucérebro.—Nemeumeucoração—declarouoLenhadordeLata.—Eumalposso
esperar para chegar a Oz, e vocês hão de concordar que essa viagem estádurandoalémdaconta.—Vocêsprecisamentender—disseoLeão,comumganido—queeunão
tenho coragem para continuar caminhando perdido para todo o sempre, semnuncachegaralugarnenhum.E então Dorothy desanimou. Sentou-se na grama, olhou para os seus
companheiros, que também se sentaram e olharam para ela, e Totó descobriuque, pela primeira vez na vida, estava cansado demais para perseguir umaborboleta que passou voando perto da sua cabeça; pôs a língua para fora,ofegante, e olhou para Dorothy como se lhe perguntasse o que fariam emseguida.
—E se nós chamássemos os Ratos do Campo?— sugeriu ela.— TalvezpudessemnosdizerondeficaaCidadedasEsmeraldas.— Claro que sim!— disse o Espantalho.— Por que não pensamos nisso
antes?
Dorothy soprou o apitinho21 que a Rainha dos Ratos lhe tinha dado, e quesemprecarregavapresoaopescoço.Daliapoucosminutosouviramotropeldasminúsculas patinhas, emuitos ratos cinzentos apareceramcorrendo.Entre elesvinhaaprópriaRainha,queperguntou,emsuavozinhaguinchada:—Oqueeupossofazerpelosmeusamigos?—Nósnosperdemos—respondeuDorothy.—Sabenosdizeronde ficaa
CidadedasEsmeraldas?—Claro—respondeuaRainha.—Masémuitolongedaqui,porquevocês
passaramessetempotodoandandodiretoparaooutrolado.—EntãoelaviuoGorro de Ouro de Dorothy, e perguntou: — Por que você não usa o podermágicodoGorroechamaosMacacosAlados?ElespodemcarregarvocêsatéaCidadedeOzemmenosdeumahora.—Eunãosabiadisso—respondeuDorothy,muitosurpresa.—Qualéesse
podermágico?—EstáescritodentrodoGorrodeOuro—respondeuaRainhadosRatos.—
MassevocêforchamarosMacacosAlados,espereprimeironósirmosembora,porqueelesgostamdefazermaldadeseachammuitoengraçadonosaborrecer.—Eamimelesnãovãoincomodar?—perguntouamenina,ansiosa.—Ah,não.ElessãoobrigadosaobedecerquemusaoGorrodeOuro.Adeus!
—eaRainhadosRatosdesapareceucorrendo,comtodososoutrosratosatrásdela.DorothyolhounapartededentrodoGorrodeOuroeviualgumaspalavras
escritas no forro. Então devia ser aquela a tal mágica, e a menina leu asinstruçõescomtodoocuidadoantesdepôroGorrodevoltanacabeça.
—Ep-pe,pep-pe,kak-ke!—disseela,equilibradanopéesquerdo.—O que você disse?— perguntou o Espantalho, que não sabia o que ela
estavafazendo.—Hil-lo,hol-lo,hel-lo!—continuouDorothy,dessavezequilibradanopé
direito.—Alô!—respondeucalmamenteoLenhadordeLata.—Ziz-zy, zuz-zy, zik!—disseDorothy, que agora estava comos dois pés
plantadosnochão.Eram as últimas palavrasmágicas.Depois delas, ouvirammuita algazarra e
baterdeasas,eobandodosMacacosaladosapareceuvoando.OreisecurvoudiantedeDorothy,edisse:—Quaissãoassuasordens?—QueremosirparaaCidadedasEsmeraldas—respondeuamenina.—E
nosperdemosnocaminho.—Nóscarregamosvocês—respondeuorei,eassimqueacaboudefalardois
dos Macacos pegaram Dorothy nos braços e saíram voando com ela. OutrospegaramoEspantalho,oLenhadordeLataeoLeão;umMacacoAladomenorpegouTotóe,mesmocomocachorrinho tentandomordê-lo,saiuvoandoatrásdosoutros.
Nocomeço,oEspantalhoeoLenhadordeLataficarambastanteassustados,pois se lembravamde como tinham sido tratados da outra vez pelosMacacosAlados;maslogoviramqueagoraelesnãoqueriamseumal,efizeramorestodaviagempeloarcomgrandealegria,esedivertirammuitoapreciandodoaltoosbelosjardinseflorestas.Dorothy viajava com conforto no meio de dois dos maiores Macacos, um
delesopróprioRei.Tinhamfeitoumacadeirinhacomosbraços,e tomavamomaiorcuidadoparanãomachucaramenina.—PorquevocêsprecisamobedeceraopodermágicodoGorrodeOuro?—
perguntouela.—Éumahistóriacomprida—respondeuoRei, rindo.—Mascomotemos
umaviagemdemoradapelafrente,possopassarotempocontandoparavocê,sequiser.—Escutareicomomáximoprazer—respondeuela.—Antigamentenóséramosumpovolivre—começouochefedosMacacos.
—Vivíamos felizesnagrande floresta,voandodeárvoreemárvore, comendonozese frutase fazendooquenosdavana telha, semqueninguémnosdesseordens. Pode ser que alguns de nós fizessem um pouco de arte de vez em
quando, descendo em terra para puxar a cauda dos animais sem asas,perseguindo passarinhos e jogando nozes nas pessoas que passeavam pelafloresta. Mas vivíamos despreocupados, felizes, nos divertindo, eaproveitávamoscadaminutododia.Issoaconteceumuitosanosatrás,bemantesdeOzdescerdasnuvensparagovernarestepaís.“Na época, bem ao norte, vivia uma linda princesa que também era uma
feiticeirapoderosa.Todooseupodermágicoerausadoparaprotegeropovo,enuncasesoubequeelatenhafeitonenhummalaqualquerpessoadobem.SeunomeeraGayelette,eelavivianumbelopalácioconstruídocomimensosblocosde rubi. Todo mundo gostava dela, que vivia triste por nunca ter encontradoninguémparaamar,poistodososhomenseramestúpidosefeiosdemaisparasecasar com uma mulher tão linda e ajuizada. Mas acontece que finalmenteencontrou um menino bonito, forte, muito sensato para a idade que tinha, eGayelette resolveu que quando ele se transformasse num homem ia ser o seumarido.Então levou o garoto para o seu palácio de rubi e usou todos os seuspoderesmágicospara fazerdeleohomemmais forte,bondosoe adorávelquequalquermulherpudessequerercomomarido.Quandoficouadulto,dizemqueQuelala, como ele se chamava, era o homemmais sábio e bondoso de todo opaís,comumabelezamasculinatãograndequeGayeletteeraapaixonadaporeleeseapressouemtomartodasasprovidênciasparaocasamento.“Nessetempo,meuavôeraoReidosMacacosAladosqueviviamnafloresta
pertodopaláciodeGayelette,eovelhopreferiapregarumaboapeçaatémesmoa comer um bom jantar. Um dia, pouco antes do casamento, meu avô estavapassando com seu bando quando viu Quelala caminhando pela beira do rio.Usava lindas roupas de seda cor-de-rosa e veludo roxo, emeu avô achou quedeviamostraraeleoqueeracapazdefazer.Deuaordemeobandodesceueagarrou Quelala, carregando o rapaz nos braços até o meio do rio, onde odeixaramcairnaágua.“—Agorasaianadando,meurapaz—gritouomeuavô.—Evamosversea
águanãomanchaassuasroupas.“Quelalaeraajuizadoecomeçouanadar,poistodooconfortoemquevivia
nãotinhafeitodeleumpreguiçoso.Riuquandovoltouàsuperfíciedaágua,efoinadandoatéamargem.MasquandoGayeletteveiocorrendo,veroquehavia,descobriu que a seda e o veludo de suas roupas tinham sido estragados pelaságuasdorio.“Aprincesaficoufuriosa,esabia,claro,quemtinhafeitoaquilo.Mandouque
trouxessem todos osMacacosAlados à sua presença, e primeiro disse que iamandaramarraremassuasasasparadaraelesomesmotratamentoquetinham
dado aQuelala, e jogar umde cadavezno rio.Masmeu avô implorou comopôde,poissabiaqueosMacacosiriamseafogarnoriocomasasasamarradas,eQuelala também saiu em defesa deles, de maneira que Gayelette finalmenteresolveupoupar todos,comacondiçãodequeosMacacosAlados,apartirdeentão, sempre atendessem a três desejos de cada dono do Gorro de Ouro. OGorrotinhasidocriadocomoumpresentedecasamentoparaQuelala,edizemquecustoumetadedoreinodaprincesa.ClaroquemeuavôeosoutrosMacacosconcordaramnamesmahoracomacondição,eéporissoquesomostrêsvezesescravosdequemestiverdepossedoGorrodeOuro,sejaquemfor.”—Eoqueaconteceucomeles?—perguntouDorothy,muitointeressadana
história.—QuelalafoioprimeirodonodoGorrodeOuro—respondeuoMacaco.—
E foi o primeiro a nosmandar cumprir os seus desejos. Como sua noiva nãosuportava nos ver, nos chamou na floresta depois de se casar com ela e nosmandouficarmossemprenumlugarondeelanuncamaispusesseosolhosnumMacacoAlado,oqueatendemoscomtodooprazer,poistínhamosmedodela.“E foi só isso que tivemos de fazer até oGorro deOuro cair nasmãos da
Bruxa Má do Oeste, que nos obrigou a escravizar os Winkies e, mais tarde,expulsar o próprioOzdoPaís doOeste.Mas agoraoGorrodeOuro é seu, evocêtemodireitodenospedirparacumprirtrêsdesejos.”QuandooReidosMacacos terminouahistória,Dorothyolhouparabaixoe
viuasmuralhasverdesecintilantesdaCidadedeEsmeraldasumpoucomaisàfrente.Perguntou-sequalseriaavelocidadedovoodosMacacos,masficoufelizdeteremterminadoaviagem.AsestranhascriaturaspousaramcuidadosamenteosviajantesnochãoemfrenteaosportõesdaCidade;oReisecurvoudiantedeDorothy,edepoissaiudepressabatendoasasas,seguidopeloseubando.—Aviagemfoiboa—disseamenina.—Foi,eumfimrápidoparaosnossosproblemas—respondeuoLeão.—
QuesortevocêtertrazidoesseGorromaravilhoso!
21Oapitoaindanãohaviaaparecidonahistória.AosedespedirdeDorothyaRainhadosRatosdisseraapenasquebastariachamarporelescasoprecisassemdesuaajuda.Apitos,noentanto,parecemserumaimportante formadecomunicaçãoemOz:naCidadedasEsmeraldas,osoldadousaumapitoverdeparachamar a jovemque conduzDorothy ao seuquarto, e aBruxaMádoOeste usaumapitodeprata paraconvocaroslobos,corvoseabelhascomqueatacaDorothyeseusamigos.
15.OsegredodeOzoTerrível
OsquatroviajantessedirigiramaoportãoprincipaldaCidadedasEsmeraldas,etocaram a sineta. Depois que tocaram várias vezes, o portão foi aberto pelomesmoGuardadosPortõesquetinhamconhecidodaoutravez.—Oquê?Vocêsestãodevolta?—perguntouele,surpreso.—Evocênãoestávendo?—respondeuoEspantalho.—MasacheiquevocêsestavamindoparaacasadaBruxaMádoOeste.—Efomosatéacasadela—disseoEspantalho.—Eeladeixouvocêssaírem?—perguntouohomem,muitoadmirado.—Nãopodiafazernada,porqueestavaderretida—explicouoEspantalho.—Derretida?Ora,estasemdúvidaéumaboanotícia!—disseoGuarda.—
EquemderreteuaBruxa?—Dorothy—respondeuoLeão,muitosério.—Minhanossa!—exclamouoGuarda,efezumareverênciamuitoprofunda
diantedamenina.Emseguidalevoutodosparaasuasalinhaecobriuseusolhoscomosóculos
que depois prendeu com sua chave, exatamente como da outra vez. Entãoatravessaram o portão e entraram na Cidade das Esmeraldas, e depois que oGuardadosPortõescontouqueelestinhamderretidoaBruxaMádoOestetodosseaglomeraramemtornodosviajanteseseguiramogruponumenormecortejoatéoPaláciodeOz.O soldado das barbas verdes ainda estava de sentinela diante da porta,mas
deixouosamigosentraremnamesmahora,emaisumavezelesforamrecebidospelalindamoçaverde,queimediatamentelevoucadaumparaomesmoquartodeantes,ondepoderiamdescansaratéoGrandeOzestarprontopararecebê-los.O soldado levou diretamente paraOz a notícia de queDorothy e os outros
viajantestinhamvoltadodepoisdedestruiraBruxaMá;masOznãorespondeu.Achavam que oGrandeMágicomandaria chamá-los namesma hora,mas elenãochamou.Nãomandoudizernadaaeles,nemnodiaseguinte,nemnooutroenem no outro. A espera era cansativa e desgastante, e eles acabaram ficandoaborrecidos de serem tratados daquela maneira tão desagradável por Oz, queafinal tinha feito todos eles passarem por tantas dificuldades e até pela
escravidão. Por fim, então, o Espantalho pediu àmoça verde que levasse umrecadoparaOz,dizendoqueseelenãorecebesseosamigosimediatamenteelesiriamconvocaraajudadosMacacosAlados,paraverseelecumpriaounãosuaspromessas.Quando oMágico recebeu esse recado, ficou com tantomedoquemandou avisar aos viajantes que eles iriam ser recebidos na Sala doTrono àsnovehorasequatrominutosdamanhãseguinte.JátinhaenfrentadoosMacacosAlados noPaís doOeste, e não tinha vontade nenhumade lutar de novo comeles.Osquatroviajantespassaramanoitesemdormir,cadaumpensandonoque
Ozlhestinhaprometido.Dorothysóadormeceubemtarde,esonhouqueestavano Kansas, onde a tia Em lhe dizia como estava feliz por ter de volta a suagarotinha.Pontualmente às novedamanhã seguinte, o soldadodas barbas verdes veio
procurarosviajantes,equatrominutosdepoistodosentraramnaSaladoTronodoGrandeOz.ClaroquecadaumdelesesperavaveroMágiconaformaquetinhaassumido
antes, e todos ficarammuito surpresos quando olharam em volta e não viramninguém no salão. Ficaram perto da porta e bem juntinhos uns dos outros,porqueosilênciodasalavaziaeramaisassustadorquequalquerdasformasqueOztinhaassumido.EmseguidaouviramumaVozquepareciavirdealgumpontopertodoaltoda
grandecúpuladoteto,eaVozdisse,emtomsolene:—SouOz,GrandeeTerrível.Porquevocêsmeprocuram?Olharam por todo o salão, e então, sem ter encontrado ninguém, Dorothy
perguntou:—Ondeosenhorestá?—Estouemtodaparte—respondeuaVoz.—Massou invisívelaosolhos
dos mortais. Agora vou me instalar no meu trono, para que vocês possamconversarcomigo.E realmente a Voz nesse momento parecia sair do próprio trono; eles se
aproximaramdeleeficaramemfilaenquantoDorothydizia:—Viemoscobrarsuapromessa,ógrandeOz.—Quepromessa?—perguntouOz.—OsenhorprometeumemandardevoltaparaoKansasdepoisqueaBruxa
Máfossedestruída—disseamenina.—Eprometeumedarumcérebro—disseoEspantalho.
—Eprometeumedarumcoração—disseoLenhadordeLata.—Eprometeumedarcoragem—disseoLeãoCovarde.—ABruxaMáfoirealmentedestruída?—perguntouaVoz,eDorothyachou
queelaestavaumpoucotrêmula.— Foi— respondeu amenina.—E derretida pormim, com um balde de
água.—Minhanossa—disseaVoz.—Tãoderepente!Bem,venhammeprocurar
amanhã,precisodetempoparapensarnoassunto.—Poisjátevetempodesobra—respondeuoLenhadordeLata,irritado.—Nãovamosesperarnemmaisumdia!—disseoEspantalho.—Osenhorprecisacumpriraspromessasquenosfez!—exclamouDorothy.OLeãoachouquepodiaserocasodeassustaroMágico,eentãosoltouum
rugido longo e muito alto, tão feroz e assustador que Totó pulou para longealarmadoetropeçounobiomboqueficavanumdoscantosdosalão.Quandoobiombo caiu, num estrondo, eles olharam naquela direção e ficaram muitoadmirados. Porque viram de pé, bem no lugar que o biombo escondia, umvelhinhomiúdo,carecaecomo rosto todoenrugado,queparecia tãosurpresoquanto eles. O Lenhador de Lata, erguendo o machado, correu para ohomenzinho,gritando:—Quemévocê?—SouOz,Grande eTerrível—disse o homenzinho comvoz trêmula.—
Masnãomeacerte comessemachado, por favor!Eu façoqualquer coisaquevocêsmepedirem.Nossosamigosolharamparaele,surpresoseadmirados.—EuachavaqueOzeraumaCabeçaimensa—disseDorothy.—EuachavaqueOzeraumalindaDama—disseoEspantalho.—EuachavaqueOzeraumMonstroterrível—disseoLenhadordeLata.—EuachavaqueOzeraumaBoladeFogo—exclamouoLeão.—Não,estãotodoserrados—disseohomenzinhoemtomhumilde.—Eusó
estavafazendodeconta.
— Fazendo de conta! — exclamou Dorothy. — Você não é um grandeMágico.—Falebaixo,querida—disseele.—Nãofaletãoalto,ouvãoouviroque
diz;evaiseraminharuína.TodomundoachaqueeusouumGrandeMágico.—Enãoé?—perguntouela.—Nemumpouco,querida;souumsimpleshomemcomum.—Maisdoqueisso—disseoEspantalho,emtomcontrariado.—Vocêéum
farsante.— Exatamente!— declarou o homenzinho, esfregando as mãos como que
satisfeito.—Eusouumafarsa.—Masquecoisaterrível!—disseoLenhadordeLata.—Eagora,comoeu
consigomeucoração?—Oueuaminhacoragem?—perguntouoLeão.—Oueuomeucérebro?—lamentouoEspantalho,enxugandoas lágrimas
dosolhoscomamangadopaletó.EOzrespondeu:—Meus caros amigos, não vamos perder tempo falando dessas bobagens.
Pensem em mim, nos problemas terríveis que ser descoberto pode criar paramim.
—Ninguémmaissabequevocêéumimpostor?—perguntouDorothy.—Não, só quem sabe são vocês quatro, e eu próprio— respondeuOz.—
Enganei todo mundo por tanto tempo que achei que nunca iriam descobrir averdade.FoiumgrandeerrorecebervocêsnaSaladoTrono.Geralmenteeunãorecebonemosmeussúditos,eassimelescontinuamaacreditarqueeusouumacriaturaterrível.—Masnãoestouentendendo—disseDorothy,perplexa.—Como foique
vocêapareceuparamimcomoumaCabeçagigantesca?—Ésóumdosmeustruques—respondeuOz.—Venhaatéaqui,porfavor,
queeulhemostro.CaminhouatéumapequenacâmaranofundodaSaladoTrono,seguidopor
todos.Apontouparaumcanto,emqueseviaaGrandeCabeça,feitadeváriascamadasdepapelecomumrostocuidadosamentepintado.—Eupenduravaessacabeçanotetocomumarame—disseOz.—Ficava
por trásdobiomboepuxavaum fio,que faziaosolhos semoveremeabocaabrir.—Maseavoz?—insistiuela.—Ah,eu souventríloquo22— respondeuohomenzinho—e seiprojetaro
somdaminhavozparaondeeuquiser.Por issovocêachavaqueelavinhadaCabeça.Eaquiestãooutrascoisasqueuseiparaenganarvocês.MostrouaoEspantalhoovestidoeamáscaraquetinhausadoparafingirque
era aLindaDama; e oLenhador deLata viu que o seuMonstroTerrível nãopassavadeummontedepeles costuradasumasnasoutras, comumaarmaçãoparamanter tudono lugar.QuantoàBoladeFogo, tambémeraumacessório,penduradodo tetopelo falsoMágico.Naverdade, a bola erade algodão,masquandosederramavaóleoemcimadelaabolaardiaemchamasviolentas.—Francamente!—disseoEspantalho.—Vocêdeviatervergonhadetanta
mentira.—Eeutenho, tenhodeverdade—respondeuohomenzinhoemtommuito
triste.—Maseraaúnicacoisaqueeupodiafazer.Sentem-se,porfavor,tenhomuitascadeiras;evoulhescontaraminhahistória.Todossesentarameficaramouvindoenquantoelecomeçavaacontar:—NasciemOmaha…—Ora,nemficamuitolongedoKansas!—exclamouDorothy.—Não,masficaaindamaislongedaqui—disseele,sacudindoacabeçacom
tristeza.—Quando eu cresci fui ser ventríloquo,muito bem treinado por um
grandemestre.Seiimitarqualquertipodeanimalouave—emioutãoigualaumgatinhoqueTotólevantouasorelhasesaiuprocurandopelobichano.Eemseguidacontinuou:—Depoisdealgumtempo,mecanseidessetrabalho,evireibalonista.—Oqueéisso?—perguntouDorothy.—Umhomemquevoadebalãonosdiasdecirco,paraatrairmuitagentee
fazercomquecomprementradas23—explicouele.—Ah—disseela.—Jásei.— Pois bem, um dia levantei voo no meu balão, mas as cordas se
emaranharamenãoconseguimaisdescer.Obalãosubiumaisaltoqueasnuvensdocéu,tãoaltoqueentrounumacorrentedearqueolevoupormuitosemuitosquilômetros. Passei um dia e uma noite viajando pelos ares, e na manhã dosegundodiaacordeiedescobriqueobalãoflutuavaacimadeumaterraestranhaemuitolinda.“O balão foi descendo aos poucos, e não sofri nenhum ferimento.Masme
encontravanomeiodepessoasdesconhecidasque,aomeveremdescendodasnuvens,acharamqueeusópodiaserumgrandeMágico.Claroqueeudeixeiquecontinuassemaacreditarnisso,porqueficaramcommedodemimeprometeramfazertudoqueeuquisesse.“Sóparamedivertir,emanteraspessoasocupadas,mandeiqueconstruíssem
estaCidadeeomeupalácio;eaceitaramdeboavontadeasminhasordens,quecumpriramcomperfeição.Eentãopensei:comoaterraaquiéverdeetãobela,vou lhe dar o nome de Cidade das Esmeraldas, e para tornar o nome maisadequado obriguei todas as pessoas a usarem óculos verdes, para verem tudocomessacor.”—Mastudoaquinãoéverde?—perguntouDorothy.— Não mais que em qualquer outra cidade— respondeu Oz.— Só que,
usandoóculosverdes,claroquevocêvê tudoverde.ACidadedasEsmeraldasfoiconstruídamuitosemuitosanosatrás,poiseuaindaeraumjovemquandoobalão me trouxe para cá e hoje sou muito velho. Mas meu povo usa óculosverdeshátantotempoqueamaioriadelesacreditarealmentequeacidadeédeesmeraldas, e o lugar é sem dúvida uma beleza, rico em joias e em metaispreciosos,e todasascoisasdequeumapessoaprecisaparaser feliz.Fuibompara o meu povo, e eles gostam de mim; mas desde que este Palácio foiconstruídoeumefecheiaquienãoaceitorecebernenhumdosmeussúditos.
“Umdosmeus grandesmedos era dasBruxas, porque apesar de eu não ternenhumpodermágicologodescobriqueasBruxaseramrealmentecapazesdefeitiçarias.Haviaquatronestepaís,governandoaspessoasqueviviamnoNorteenoSul, noLeste enoOeste.Felizmente, asBruxasdoNorte edoSul eramboas,eeusabiaquenuncamefariamnenhummal.MasasBruxasdoLesteedoOesteerammuitíssimomáse,senãoachassemqueeueramaispoderosodoqueelas próprias, acabariammedestruindo semamenorpiedade.E assimeuvivicomgrandemedodelasporanoseanos,evocêspodemimaginarcomofiqueisatisfeitoquandoouvidizerqueacasadeDorothytinhacaídoemcimadaBruxaMá do Leste. Quando vocês me procuraram, eu estava disposto a prometerqualquercoisaparamelivrardaoutraBruxa;masagoraqueeladerreteu,commuita vergonha, devo confessar que não tenho meios de cumprir minhaspromessas.”
—Achoquevocêéumapessoahorrível—disseDorothy.— Ah, não, minha querida. Na verdade sou um homem muito bom, mas
admitoquesouumpéssimoMágico.—Enãovaimedarmeucérebro?—perguntouoEspantalho.—Vocênãoprecisa.Acadadiavocêaprendeumacoisanova.Umbebêtem
cérebro mas não sabe muita coisa. A experiência é a única coisa que traz oconhecimento,equantomaistempovocêpassanaterra,maisexperiênciavocêacumula.EoEspantalhorespondeu:—Podeserverdade,masvouficarmuitoinfelizsevocênãopudermedarum
cérebro.OfalsoMágicoolhouparaelecomtodoocuidado,edisse,comumsuspiro:— Bem, não sou grande coisa comoMágico, como já disse. Mas se você
voltaramanhãdemanhãeurecheioasuacabeçacommiolos.Sónãopossodizercomovocêvaiusaroseunovocérebro:vocêvaiterdedescobrirporsuaconta.—Ah, obrigado, obrigado!— exclamou o Espantalho.—Vou encontrar a
maneiracertadeusarmeucérebro,nãosepreocupe.—Eaminhacoragem?—perguntouoLeão,ansioso.
—Euseiquevocêtemmuitacoragem—respondeuOz.—Sóprecisaédeconfiançaemsimesmo.Nãoexistecriaturavivaquenãosintamedoquandosevê diante do perigo. A verdadeira coragem consiste em enfrentar o perigomesmocommedo,eessetipodecoragemvocêtemdesobra.—Podeser,masaindaassimmorrodemedo—disseoLeão.—Evouficar
muito infelizsevocênãomedero tipodecoragemquefazapessoaesquecerqueestácommedo.—Muitobem.Entãolhedareiessetipodecoragemamanhã—respondeuOz.—Eomeucoração?—perguntouoLenhadordeLata.Ozrespondeu:—Ora,achoumenganovocêquererumcoração.Elesótrazinfelicidadepara
amaioria das pessoas. Se você soubesse como tem sorte por não possuir umcoração…—Deveserquestãodeopinião—disseoLenhadordeLata.—Pormim,eu
aceitaria suportar todaessa infelicidadesemdarumpio, sevocêmedesseumcoração.—Poismuitobem—respondeuOzemtomhumilde.—Volteameprocurar
amanhãqueeulhedouumcoração.FaçoopapeldeMágicohátantosanosquepossocontinuararepresentarmaisumpouco.—Eeu?—perguntouDorothy.—ComoconsigovoltarparaoKansas?—Sobre issovamos terdepensar—respondeuohomenzinho.—Sevocê
mederdoisoutrêsdiaspararefletir,voutentarencontrarummeiodelevá-laatéooutro ladododeserto.Enquanto isso,vocêscontinuarãoa ser tratadoscomomeus hóspedes, e enquanto morarem no Palácio serão atendidos pelo meupessoal,queirásatisfazerosseusmínimosdesejos.Sópeçoumacoisaemtrocadaminhaajuda,pormenorqueelaseja:vocêsprecisamguardaromeusegredo,enãocontaraninguémqueétudoumafarsa.Concordaramquenãocontariamnadadoque tinhamdescoberto,evoltaram
para os seus quartos bastante animados.MesmoDorothy tinha a esperança deque “OGrande e Terrível Impostor”, como passou a chamar Oz, encontrassealgummododemandá-ladevoltaparaoKansas;seeleconseguisse,ameninaestavamaisquedispostaaperdoar-lhetudo.
22A arte de falarmovendopoucoos lábios remonta à IdadeAntiga.Egípciosdavamsuavoz a estátuassagradasesacerdotesgregos“conversavam”comosmortos.DuranteaIdadeMédia,apráticafoiassociadaàfeitiçaria.Apenasapartirdoséc.XIXéquetalhabilidadepassouadominarospalcosdevaudevillecomoformadeentretenimento.
23Balõeseramumaatraçãocomumnofinaldoséc.XIXemfeiraspelointeriordosEstadosUnidos,alémdeumaimportanteformadepublicidade.
16.OspoderesmágicosdoGrandeImpostor
Namanhãseguinte,oEspantalhodisseaosamigos:—Podemmedarosparabéns.VouverOzefinalmenteganharomeucérebro.
Quandovoltar,vouserigualaosoutroshomens.— Eu sempre gostei de você do jeito que era mesmo — disse Dorothy,
simplesmente.—Muita bondade sua, gostar de umEspantalho— respondeu ele.—Mas
você há de pensar mais em mim depois que ouvir as ótimas ideias que vãoaparecer nomeu cérebro novo— em seguida, despediu-se de todos com vozanimadaefoiatéaSaladoTrono,ondebateubaixinhonaporta.—Podeentrar—respondeuOz.O Espantalho entrou e encontrou o homenzinho sentado junto à janela,
mergulhadoemseuspensamentos.—Euvimpelomeucérebro—disseoEspantalho,umpoucoencabulado.—Ah,sim;sente-senessacadeira,porfavor—respondeuOz.—Desculpe
euterdetirarasuacabeça,masprecisodissoparapoderpôroseucérebronolugarcerto.—Nenhumproblema—disse o Espantalho.—Pode tirarminha cabeça o
quantoquiser,contantoquemedevolvamelhordoqueantes.EntãooMágicotirouacabeçadoEspantalhoepuxouparaforatodaapalha
do recheio. Depois disso, entrou na salinha dos fundos e pegou uma boaquantidade de farelo de trigo, que misturou com vários alfinetes e agulhas.Depoisdesacudirbemamistura,encheuoaltodacabeçadoEspantalhocomelaepreencheuoespaçorestantecompalha,paramanteramisturanolugar.DepoisdetornaraprenderacabeçadoEspantalhonocorpo,oMágicolhedisse:—Apartirdeagoravocêvai serumgrandehomem,porqueeu lhedeium
cérebronovinhoemfolha.O Espantalho ficou satisfeito e orgulhoso com a realização do seu maior
desejoe,agradecendomuitoaOz,saiuaoencontrodosseusamigos.Dorothyolhouparaele,curiosa.Oaltodasuacabeçaestava inchadocomo
cérebronovo.
—Comovocêestásesentindo?—perguntouela.— Bastante inteligente — respondeu ele animado. — Depois que eu me
acostumarcomomeucérebrovousabertudo.—Eporqueessasagulhasealfinetesbrotandodasuacabeça?—perguntouo
LenhadordeLata.—Sãoaprovadequeeletemumraciocínioagudo—observouoLeão.—Bom,voufalarcomOzparareceberomeucoração—disseoLenhadorde
Lata.FoiatéaSaladoTronoebateunaporta.—Podeentrar—disseOz.OLenhadorentrouedisse:—Vimreceberomeucoração.—Muito bem— respondeu o homenzinho.—Mas vou precisar abrir um
buraconoseupeito,paracolocarocoraçãonolugarcerto.Esperoquevocênãosintador.—Ah,não—respondeuoLenhadordeLata.—Eunãosintonada.EntãoOzpegouumpardetesourasdelatoeiroecortou
um buraco quadrado do lado esquerdo do peito do Lenhador de Lata. Emseguida, dirigiu-se a uma cômoda e lá pegou um lindo coração, feito de sedapuraerecheadodeserragem.—Nãoéumabeleza?—perguntouele.
—Ésim!—respondeuoLenhadordeLata,muito satisfeito.—Maséumcoraçãobondoso?—Ah,muito!—respondeuOz.AcomodouocoraçãonopeitodoLenhador
deLataedepoisfechouoseupeitocomoquadradodelata,quesoldoudevoltanolugardeondefoicortado.—Pronto—disseele.—Agoravocêtemumcoraçãoquedeixariaqualquer
homemmuito orgulhoso. Desculpe ter precisado fazer um remendo, mas nãohaviaoutrojeito.—Nemsepreocupecomoremendo—exclamoufelizoLenhadordeLata.
—Ficomuitoagradecido,enuncameesquecereidasuabondade.—Nemprecisadizernada—respondeuOz.Então o Lenhador de Lata voltou para perto dos seus amigos, que lhe
desejaramtodaafelicidadedomundoapartirdaquelegrandepresente.
AgorafoioLeãoquetomouocaminhodaSaladoTronoebateunaporta.
—Podeentrar—disseOz.—Euvimreceberaminhacoragem—anunciouoLeão,entrandonasala.—Muitobem—respondeuohomenzinho.—Voupegarparavocê.Foiatéumarmárioe,estendendoamãoparaumaprateleiraalta,pegouum
frascoverdequadrado,derramandooseuconteúdonumpratoverdecomfrisosdeouro,lindamentelavrado.PondoopratodiantedoLeãoCovarde,quecheirouolíquidocomardequemnãotinhagostado,oMágicodisse:—Beba.—Oqueé?—perguntouoLeão.EOzrespondeu:—Bem,seestivessedentrodevocêseriaasuacoragem.Vocêsabe,éclaro,
queacoragemestásempredentrodaspessoas,eentãoistosópodeserchamadodecoragemdepoisquevocêengolir.Eporissodevetomartudooquantoantes.OLeãonãohesitoumais,ebebeuatéesvaziaroprato.—Comoestásesentindoagora?—perguntouOz.
—Cheiode coragem— respondeuoLeão, que retornoumuito alegre parajuntodosseusamigoselhescontouafeliznovidade.Oz, sozinho, sorriu ao lembrar do seu sucesso em dar ao Espantalho, ao
LenhadordeLataeaoLeãoexatamenteoqueelesachavamquequeriam.—Comoéqueeupoderiadeixardeserumfarsante?—pensouele.—Essas
pessoasmepedemcoisasque todomundo sabeque são impossíveis.Foi fácilsatisfazeroEspantalho,oLeãoeoLenhadordeLata,porqueelesimaginamqueeupossofazerqualquercoisa.MasprecisodemaisqueaimaginaçãoparalevarDorothydevoltaaoKansas,enãoseimesmocomoissopoderiaserfeito.
17.Comoobalãolevantouvoo
Dorothy passou mais três dias sem notícias de Oz. Foram dias tristes para amenina, mesmo na companhia dos seus amigos tão felizes e satisfeitos. OEspantalho falava dos lindos pensamentos que andavam pela sua cabeça;masnão contava quais eram, porque sabia que ninguémmais poderia entendê-los.Quando o Lenhador de Lata caminhava de um lado para o outro, sentia seucoraçãosechocandocontraopeito;ediziaaDorothyquetinhadescobertoqueeraumcoraçãoaindamaisbondosoecarinhosodoqueoantigo,dequandoerafeitodecarne.OLeãodeclaravaquenãotinhamedodenadanomundo,equesedisporia a enfrentar todoumexército de homensouumadúzia dos terríveis eferozesKalidahs.Assim, todososmembrosdogrupoestavamsatisfeitos,menosDorothy,que
maisdoquenuncaansiavaemvoltarparaoKansas.No quarto dia, para sua grande alegria,Ozmandou chamá-la e, quando ela
entrounaSaladoTrono,disse,emtomsatisfeito:— Sente-se, minha querida; acho que encontrei a maneira de levar você
emboradestelugar.—DevoltaparaoKansas?—perguntouela,ansiosa.—Bem, quanto aoKansas não tenho certeza— disseOz.—Não tenho a
menorideiadeondefica.Masaprimeiracoisaafazeréatravessarodeserto,edepoisdeveserfácilencontrarocaminhodecasa.—Mascomoeuvouatravessarodeserto?—perguntouela.—Bem, vou lhe contar o que planejei— disse o homenzinho.—Quando
chegueiaestepaís,foinumbalão.Evocêtambémchegoupeloar,carregadaporumciclone.Entãoachoqueamelhormaneiradecruzarodesertoserápeloar.Estámuitoalémdosmeuspoderescriarumciclone;masandeipensandomuito,eachoqueconsigofabricarumbalão.
—Como?—perguntouDorothy.—Umbalão— respondeuOz—é feitode seda, coberta de colaparanão
deixar o gás escapar. Tenhomuita seda no Palácio, demodo que não vai serdifícilfabricarobalão.Masemnenhumlugardessepaísexistegásparaencherobalãoefazê-losubirnosares.—Senãotemcomosubir—observouDorothy—nãovainosservirdenada.—Verdade—respondeuOz.—Masexisteoutramaneirade fazerobalão
levantarvoo: enchê-lode arquente.Oarquentenãoé tãobomquantoogás,porque se o ar esfriar o balão começa a descer no deserto, e aí nós estamosperdidos.24—Nós?—perguntouamenina.—Vocêvaicomigo?—Ora,claroquesim—respondeuOz.—Jácanseidetantamentira.Seeu
deixarestePalácio,meupovologovaidescobrirqueeunãosouMágicocoisanenhuma, e então vão ficar aborrecidos comigo por ter enganado todos eles.Entãoprecisofazertodospassaremodiainteirotrancadosemcasa,oqueacabasendomuito cansativo. Prefiro voltar para oKansas com você, e trabalhar denovonumcirco.
—Poiseuvouficarfelizcomasuacompanhia—disseDorothy.—Obrigado—respondeuele.—Agora,sevocêquisermeajudaracosturar
aseda,podemoscomeçaratrabalharnonossobalão.EntãoDorothypegouagulhaelinhae,tãodepressaquantoOzcortavaastiras
desedanaformacerta, iacosturandoumasnasoutras.Aprimeirafaixaeradeseda verde-clara, a segunda verde-escura e depois uma faixa verde-esmeralda,poisOztinharesolvidofazerobalãoemváriostonsdacorquedominavaàvoltadeles. Levaram três dias para costurar todas as tiras, mas quando terminaramtinhamumbojoimensodesedaverde,commaisdecincometrosdealtura.Em seguida,Oz cobriu a parte de dentro da seda comuma camada fina de
cola,paranãodeixaroarvazarparafora,depoisdoqueanunciouqueobalãoestavapronto.—Mas precisamos fazer uma cesta para nós—disse ele.Entãomandouo
soldadodas barbas verdes ir buscar uma cesta grandede roupas, que amarroucommuitascordasàpartedebaixodobalão.Quandotudoficoupronto,Ozavisouaseupovoqueiafazerumavisitaaum
grande irmão Mágico que morava acima das nuvens. A notícia se espalhoudepressapelacidade,etodosvieramcontemplaraquelamagníficavisão.Oz mandou que o balão fosse carregado para a frente do Palácio, e todos
ficaram olhando para ele com muita curiosidade. O Lenhador de Lata tinhacortadoumagrandepilhadelenha,comaqualfezumafogueira,eOzmanteveabocadobalãonadireçãodo fogo,paraqueoarquenteque subiadaschamas
fossetodoparadentrodoinvólucrodeseda.Aospoucosobalãofoiseenchendoeseerguendonoar,atéfinalmentesuacestamalencostarnosolo.EntãoOzentrounacestaedisseatodosemvozbemalta:—Agora vou sair de viagem para fazer uma visita. Naminha ausência, o
Espantalho équemvaigovernaropaís.Vocêsdevemobedecer àsordensdelecomosefossemminhas.Aessaaltura,obalãopuxavacomforçaacordaqueoseguravanochão,pois
oardentrodeleestavabemquente,eissodeixavaseupesotãomenorqueodoardoladodeforaqueobalãoforcejavaparasairvoandopeloscéus.
—Vamos,Dorothy!—exclamouoMágico.—Depressa,ouobalãovaivoarparalonge.—NãoestouachandoTotóemlugarnenhum—respondeuDorothy,quenão
queriadeixarseucãozinhoparatrás.Totótinhacorridoparaomeiodamultidãoatrásdeumgato, eDorothy finalmente encontrouo cachorrinho.Pegou-onosbraçosecorreudevoltaparaobalão.Estavaapoucospassos,eOzestendeuosbraçosparaajudá-laasubirnacesta,
quando—crraac!—ascordasse romperameobalãosaiuvoandopelosaressemela.—Volte!—gritouela.—Eutambémqueroir!—Nãotenhocomovoltar,querida—gritouOzdacesta.— Adeus! — Adeus! — gritaram os presentes, e os olhos de todos se
ergueramparaondeoMágicolevantavavooabordodacesta,cadavezmaisaltonoscéus.E foi a última vez que alguma pessoa viu Oz, o Mágico Maravilhoso —
mesmoque, peloque sabemos, elepossa ter chegadoemsegurança aOmaha,onde estará neste exatomomento.Mas todos lembravam dele com carinho, ediziamunsaosoutros:—Ozfoisemprenossoamigo.Quandoesteveaqui,construiuparanósessa
magníficaCidadedasEsmeraldas,eagoraquesefoideixouoEspantalhoSábioparanosgovernar.Aindaassim,passaramváriosdiastristescomapartidadoGrandeMágico,e
nadalhestraziaconsolo.25
24AdescriçãodeBaumcondizcomosbalõesusadosemsuaépoca,feitosdesedaecobertoscomborrachaderretida,eogásaqueeleserefereémuitoprovavelmenteogáshélio.Atualmente,agrandemaioriadosbalõestripuladosutilizaarquenteparaflutuareéfeitadenylonetecidoslevesnãoinflamáveis.25OzretornaàCidadedasEsmeraldasemDorothyandtheWizardinOz(1908),noqualéconvidadoasernovamenteoMágicodeOz.
18.Rumoaosul
Dorothy chorou amargamente com o fim da sua esperança de voltar para oKansas;mas,semprequepensavamelhor,achavabomnãotersaídovoandonumbalão. Ficou triste também por ter perdido Oz, assim como os seuscompanheiros.OLenhadordeLataseaproximoudelaedisse:—Na verdade, seria uma ingratidão eu não ficar triste de me despedir do
homemquemedeumeuadorável coração.VouchorarumpoucoapartidadeOz, se você tiver a bondade de enxugar as minhas lágrimas, para eu nãoenferrujar.—Comtodooprazer—disseela,enamesmahorapegouumatoalha.Então
oLenhadordeLatapassouváriosminutoschorando,enquantoelaacompanhavacom todo cuidado as suas lágrimas, que enxugava uma a uma com a toalha.Depoisqueeleterminou,agradeceumuitoaDorothyeselubrificouinteirocomsualatadeóleocravejadadepedraspreciosas,paraprevenirqualqueracidente.
OEspantalhoeraagoraquemgovernavaaCidadedasEsmeraldase,emboranãofossemágiconemfeiticeiro,opovosentiaorgulhodele,dizendo:
—Nenhumaoutracidadedomundoégovernadaporumhomemrecheadodepalha.Atéondequalquerumsabia,estavamcertos.NamanhãseguinteàpartidadobalãocomOzabordo,osquatroviajantesse
encontraramnaSaladoTronoparadiscutirasituação.OEspantalhosentou-senograndetronoeosoutros,respeitosamente,ficaramempéàsuafrente.—Atéquenosdemosbem—disseonovogovernante.—EstePalácioea
Cidade das Esmeraldas nos pertencem, e podemos fazer o que quisermos.Quando penso que pouco tempo atrás eu estava pendurado num poste, nomilharaldeumfazendeiro,equeagoraestougovernandoestalindaCidade,ficomuitosatisfeitocomaminhasorte.—Eutambém—disseoLenhadordeLata—estoubemcontentecommeu
coraçãonovo;e,naverdade,erasóissoqueeudesejavanomundo.— Pelo meu lado, fico satisfeito de saber que sou tão corajoso quanto
qualqueranimalquejáexistiu,ouatémais—disseoLeão,commodéstia.EoEspantalhocompletou:— Se Dorothy ficasse feliz de viver na Cidade das Esmeraldas, todos
poderíamosestarcontentesjuntos.—Mas eu não quero viver aqui— exclamouDorothy.—Quero ir para o
Kansas,emorarcomatiaEmeotioHenry.—Eentão,oquepodemosfazer?—perguntouoLenhador.OEspantalhodecidiuqueiriapensar,epensoucomtantadeterminaçãoqueos
alfinetes e as agulhas começaram a apontar para fora do seu cérebro. E,finalmente,eledisse:—PorquenãochamarosMacacosAlados,epedirqueelescarreguemvocê
atéooutroladododeserto?—Nuncatinhapensadonisso!—disseDorothy,muitosatisfeita.—Éaideia
perfeita.VouagoramesmobuscaroGorrodeOuro.QuandochegoucomoGorroàSaladoTrono,disseaspalavrasmágicasedali
apoucoobandodosMacacosAladosentrouvoandoporumajanelaabertaesepostouàfrentedela.— É a segunda vez que você nos chama — disse o Rei dos Macacos,
curvando-sediantedamenina.—Qualéoseudesejo?—QueroquevocêsmelevemvoandoparaoKansas—respondeuDorothy.MasoReidosMacacosabanouacabeça.—Nãotemoscomoobedecer—disseele.—Vivemossónestasterras,enão
podemos sairdaqui.NuncaapareceuumMacacoAladonoKansas, e imaginoquenuncaváaparecer,porquenãoéolugardeles.Teremosomaiorprazerematenderaseusdesejosquandoestiveremaonossoalcance,masnãotemoscomoatravessarodeserto.Adeus.E commaisuma reverênciaoMacacoAlado abriu suas asas e saiuvoando
pelajanela,seguidopeloseubando.Dorothyquasecomeçouachorardedecepção.—GasteiospoderesdoGorrodeOuroparanada—disseela.—OsMacacos
Aladosnãopodemmeajudar.—Éumapenamesmo!—disseoLenhadordecoraçãomole.OEspantalhoestavapensandodenovo,esuacabeçafoiinchandodemaneira
tãohorrívelqueDorothyficoucommedoqueexplodisse.—Vamoschamarosoldadodasbarbasverdes—disseele—eperguntaro
queeleacha.Entãochamaramosoldadoeeleentrou timidamentenaSaladoTrono,pois
enquantoOzestavavivonuncatinhapermissãodepassardaporta.— Esta menina — disse o Espantalho ao soldado — precisa atravessar o
deserto.Comoelapodefazer?—Nãoseidizer—respondeuosoldado.—Ninguémnuncacruzouodeserto,
alémdopróprioOz.—Ninguémpodemeajudar?—perguntouDorothy,ansiosa.—Glinda,talvez—sugeriuosoldado.—QueméGlinda?—perguntouoEspantalho.—ABruxadoSul.ÉamaispoderosadasBruxas egovernaosQuadlings.
Alémdisso,oseucasteloficaàbeiradodeserto,entãopodeserqueelaconheçaumcaminhoparaooutrolado.—Glindaéumabruxaboa,nãoé?—perguntouamenina.—OsQuadlingsdizemquesim—respondeuosoldado.—Eelatratatodo
mundobem.Ouvidizerqueéumalindamulher,quesabeamaneiradecontinuarjovemapesardosmuitosanosquejáviveu.
—Ecomoeuchegoaocasteloondeelamora?—perguntouDorothy.
—Aestradaseguediretoparaosul—respondeuosoldado.—Dizemquetemmuitos perigos para os viajantes.As florestas têm feras selvagens, e umaraçadehomensesquisitosquenãogostamqueestrangeirospassempelas suasterras.Porisso,nenhumQuadlingnuncaveioatéaCidadedasEsmeraldas.Osoldadoseafastou,eoEspantalhodisse:—Pareceque,mesmocomtodososperigos,amelhorcoisaqueDorothytem
afazeréviajarparaoPaísdoSulepediraajudadeGlinda.Porque,éclaro,seDorothyficaraqui,nuncavaiconseguirvoltarparaoKansas.—Vocêdeveterandadopensandodenovo—observouoLenhadordeLata.—Foi—respondeuoEspantalho.—EuvoucomDorothy—declarouoLeão.—Estoucansadodasuacidade,
comsaudadedasmatasedoscampos.Vocêsabequenaverdadesouumanimalselvagem.Alémdisso,Dorothyprecisadeproteção.
—Éverdade—concordouoLenhadordeLata.—Meumachadopodeserútilparaela.Porisso,tambémireicomelaparaoPaísdoSul.—Equandopartimos?—perguntouoEspantalho.—Evocêvemtambém?—perguntaramtodos,admirados.—Claro.SenãofosseporDorothy,eununcateriaumcérebro.Elametirou
do poste no milharal e me trouxe até a Cidade das Esmeraldas. Tudo queconseguieudevoaela,enuncasaireidoladodelaatéelaconseguirvoltarparaoKansasdeumavezportodas.—Obrigada— agradeceuDorothy.—Émuita bondade de vocês.Mas eu
queriapartiromaisdepressapossível.— Saímos amanhã de manhã— respondeu o Espantalho. — Então agora
vamosnospreparar,porquevaiserumalongaviagem.
19.Atacadospelasárvoresquelutam
Namanhãseguinte,Dorothydeuumbeijodedespedidanalindamoçaverde,etodostrocaramapertosdemãocomosoldadodasbarbasverdes,quecaminhoucom eles até o portão.Quando oGuarda dos Portões viu novamente o grupo,pensouquepodiamestardeixandosualindacidadeparasemeterememnovasencrencas.Masnamesmahoradestrancouosóculosdecadaum,quetornouaguardarnacaixaverde,edesejouatodosumaótimaviagem.— Você é quem nos governa agora — disse ao Espantalho. — Por isso,
precisavoltarparanósomaiscedopossível.— Volto mesmo, assim que puder — respondeu o Espantalho. — Mas
primeiroprecisoajudarDorothyavoltarparacasa.EquandosedespediudobomGuardadosPortões,Dorothylhedisse:—Fuimuitobemtratadanasualindacidade,etodosforammuitobondosos
comigo.Nemseilhedizeroquantoeusouagradecida.—Nemprecisa,querida—respondeuele.—Preferíamosquevocê ficasse
conosco,masseoquevocêquerévoltarparaoKansas,esperoqueencontreojeitodefazeraviagem.Em seguida, abriu a porta damuralha exterior e os amigos começaram sua
novatravessia.OsolbrilhavacomforçaquandoosquatroviraramorostonadireçãodoPaís
doSul.Estavamtodosanimados,rindoeconversandomuito.Dorothysentiadenovoaesperançadeirparacasa,eoEspantalhoeoLenhadordeLataestavamcontentesporpoderajudá-la.QuantoaoLeão,encantado, farejouoar frescoeabanou a cauda de um lado para o outro, de tão alegre por se encontrarnovamenteemcampoaberto,enquantoTotócorriadandovoltasemtornodelesatrásdasborboletasedasmariposas,latindoalegrementeotempotodo.— A vida na cidade não combina comigo — observou o Leão, enquanto
avançavamapassosrápidos.—Emagrecidepoisdeteridomorarlá,eagoramalposso esperar uma oportunidade de mostrar aos outros animais como eu metorneiumbichocorajoso.Viraram-seeolharampelaúltimavezparaaCidadedasEsmeraldas.Sóviam
um aglomerado de torres e campanários do outro lado dasmuralhas verdes e,
bemmaisaltasdoqueeles,asagulhaseacúpuladoPaláciodeOz.—OznemeraumMágicotãoruim,nofimdascontas—disseoLenhadorde
Lata,sentindoseucoraçãochacoalhardentrodopeito.— Ele conseguiu me dar um cérebro, e ainda por cima um cérebro muito
aguçado—disseoEspantalho.—SeOztivessetomadoumadosedamesmacoragemquemedeu,virariaum
homemsemmedo—completouoLeão.Dorothynãodizianada.Oznão tinhacumpridoapromessa feitaaela,mas
bemquetinhatentado,eporissoelaperdoavaoMágico.Comoeledisse,eraumbomhomem,apesardemauMágico.No primeiro dia de viagem, atravessaram os campos verdes e de flores
coloridas que se estendiam em todas as direções em torno da Cidade dasEsmeraldas. Dormiram essa noite na relva, cobertos apenas pelas estrelas, edescansarammuitobem.Aoamanhecer,seguiramviagematéchegaraumaflorestamuitocerrada.Não
havia maneira de contornar aquelas matas, que pareciam se estender para adireita e para a esquerda até onde a vista alcançava. Além disso, eles não seatreviamamudardedireção,pormedodeseperderem.Porisso,procuraramolugarporondeseriamaisfácilatravessarafloresta.O Espantalho, que caminhava à frente do grupo, descobriu finalmente uma
árvoreimensacomgalhostãoespalhadosquedeixavalugarparaogrupopassarpor baixo. Caminhou na direção da árvore, mas no instante em que chegoudebaixodosprimeirosgalhoselesabaixarameseenrolaramemvoltadele.Nomomentoseguinte,foilevantadodochãoeatiradodecabeçanomeiodosseuscompanheirosdeviagem.O Espantalho não se machucou, mas ficou muito surpreso, e parecia tonto
quandoDorothyoajudouaselevantar.—Aliestouvendooutroespaçoentreasárvores—disseoLeão.—Deixemeutentarprimeiro—disseoEspantalho.—Nãomemachucose
forjogadolonge.Caminhou na direção de outra árvore enquanto falava,mas os ramos desta
tambémoagarrarameojogaramnovamentedevolta.—Quecoisaestranha!—exclamouDorothy.—Oquevamosfazer?— Parece que as árvores resolveram lutar conosco e interromper a nossa
viagem—disseoLeão.—Achoqueéaminhavezdetentar—disseoLenhadordeLata,e,pondoo
machadonoombro,caminhounadireçãodaprimeiraárvorequetinhatratadooEspantalho demaneira tão bruta. Quando um galho grande semoveu para seenrolar em volta dele, o Lenhador de Lata deu umamachadada tão forte quecortouogalho aomeio.Namesmahora a árvore começou a sacudir todososramos, como se estivesse sentindo dor, e o Lenhador de Lata passou emsegurançaporbaixodela.—Venham!—gritoueleparaosoutros.—Depressa!Todos saíram correndo e passaram por baixo da árvore sem sofrer nada,
menosTotó,quefoiagarradoporumramofinoesacudidoatécomeçarauivar.MasoLenhadorcortouoramocomseumachadoelibertouocachorrinho.As outras árvores da floresta nem tentaram impedir o avanço deles. Então
concluíramquesóaprimeirafiladeárvoresconseguiacurvarosseusgalhos,eque eram como as sentinelas da floresta, usando o seu poder mágico paraimpediraentradadedesconhecidos.Os quatro viajantes caminharam com facilidade pelo meio das árvores até
chegaràoutramargemdafloresta.Eentão,muitosurpresos,viramàfrentedelesuma muralha alta que parecia feita de porcelana branca. Era lisa, como asuperfíciedeumprato,emaisaltaqueassuascabeças.
—Oquefazemosagora?—perguntouDorothy.EoLenhadordeLatarespondeu:—Vou construir uma escada, porque certamente vamos precisar passar por
cimadomuro.
20.OdelicadoPaísdeLouça
EnquantooLenhadordeLata fabricavaumaescadacommadeiraquebuscavanafloresta,Dorothysedeitouedormiu,poisestavacansadadeandar tanto.OLeãotambémseenrodilhouparadormir,eTotósedeitouaoladodele.OEspantalhoficouvendooLenhadordeLatatrabalhar,edisseaele:—Nãopossoimaginarporqueessemuroestáaqui,nemdoqueeleéfeito.— Deixe o seu cérebro descansar e nem se preocupe com o muro —
respondeuoLenhadordeLata.—Depoisquepassarmosporcimadele,vamossaberoquehádooutrolado.Daliapoucoaescadaficoupronta.Tinhaumjeitotosco,masoLenhadorde
Latagarantiuqueeraforteeiriacumprirseuobjetivo.OEspantalhodespertouDorothy,oLeãoeTotó,edisseaelesqueaescadaestavapronta.OEspantalhofoioprimeiroasubir,maseratãodesajeitadoqueDorothyprecisavaseguirbematrás para não deixar que ele caísse. Quando sua cabeça passou por cima domuro,oEspantalhodisse:—Minhanossa!—Andelogo!—disseDorothy.OEspantalhosubiumaisesesentounoaltodomuro,eDorothy levantoua
cabeçaeexclamou:—Minhanossa!—exatamenteigualaoEspantalho.EntãoTotósubiuecomeçouimediatamentealatir,masDorothymandouque
ficassequieto.OLeãofoiopróximoasubiraescada,eoLenhadordeLataveioporúltimo.
Mas todos os dois gritaram “Minha nossa!” assim que conseguiram olhar porcimadomuro.Quandotodosestavamsentadosemfilanoaltodomuro,olharamparabaixoeviramumacenamuitoestranha.Àfrentedelesseestendiaumavastaregiãoemqueosoloeraliso,reluzentee
brancocomoofundodeumatravessadelouça.Espalhadasporele,haviamuitascasas,todasfeitasdeporcelanaepintadasdascoresmaisvivas.Ascasaseramtodasbempequenas,eamaiordelasmalchegavaàcinturadeDorothy.Aolado,haviapequenosceleirosrodeadosporcercasdelouça,reunindogruposdevacas,carneiros,cavalos,porcosegalinhas,todosfeitosdeporcelana.
Mas o mais diferente de tudo eram as pessoas que viviam naquela terraestranha. Eram camponesas que tiravam leite das vacas, ou pastorinhas comvestidosde cores vivas e aventais debordasdouradas; e princesas com lindostrajes prateados, dourados e púrpura; e pastores usando suspensórios e calçascurtascomlistrascor-de-rosa,amarelaseazuis,efivelasdeouronossapatos;epríncipescomcoroasnacabeça,cravejadasdepedraspreciosas,usandomantosdearminho26ecalçõesdeseda;epalhaçosengraçadoscomroupasenfeitadaspormuitasrendas,commanchasvermelhaspintadasnosrostosechapéuscompridose pontudos.27 E, o mais estranho de tudo, essas pessoas eram todas feitas deporcelana,inclusiveassuasroupas,eeramtãopequenasqueamaiordelasnãopassavadaalturadojoelhodeDorothy.Ninguémsequerolhouparaosviajantesnumprimeiromomento,anãoserum
cachorrinhominúsculodelouçacomumacabeçagrandedemais,quechegouaopédomuroecomeçoualatirparaelescomumavozfininha,saindodepoisnacorrida.—Ecomovamosdescer?—perguntouDorothy.Aescadaeratãopesadaquenãotinhamcomopuxá-laparaoaltodomuro,e
entãooEspantalhodespencoudomuroeosoutrospularamemcimadeleparanãomachucaremospésnochãoduro.Claroquefizeramopossívelparanãocairemcimadasuacabeçaeferirospéscomosalfinetes.Quandotodosestavamasalvo no chão, pegaram o Espantalho, cujo corpo estava bastante achatado, ebateramapalhaparaelerecuperaraformacerta.—Precisamosatravessaresselugarestranhoparachegarmosaooutrolado—
disseDorothy.—Nãovaleapenaavançarmosemqualquerrumoquenãosejadiretoparaosul.Começaram a caminhar pelo país do povo de louça, e a primeira coisa que
encontraram foi uma camponesadeporcelanaordenhandoumavacade louça.Quando chegaram perto, a vaca de repente soltou um coice e derrubou obanquinho, o balde e até a própria camponesa, que caíram todos com muitoestardalhaçonochãodeporcelana.Dorothyficouchocadaaoverqueapernadavacasepartiuequeobaldese
espatifou em vários pedacinhos, enquanto a pobre camponesa ficou com umarachaduranocotoveloesquerdo.—Pronto!—gritouacamponesacomraiva.—Viramoqueforamarranjar?
Agora minha vaca quebrou a perna, preciso levá-la à oficina de conserto emandar colar. Que história é essa de aparecer aqui de repente, assustando aminhavaca?
—Sintomuito—respondeuDorothy.—Porfavor,nosperdoe.Mas a bela camponesa ficou aborrecida demais para dar qualquer resposta.
Pegouapernadavaca,muitocontrariada,esaiudalipuxandooanimal,queiamancando com as três pernas que lhe sobraram. Enquanto se afastava, acamponesa lançou muitos olhares de reprovação por cima do ombro aosdesajeitadosestrangeiros,segurandoocotovelotrincadobempertodocorpo.Dorothyficoumuitotristecomesseacidente.—Precisamostomarbastantecuidadoporaqui—disseoLenhadordeLata
de coraçãobondoso.—Senãopodemos ferir essaspessoinhas, quenuncavãoconseguirserefazer.Um pouco mais além, Dorothy encontrou uma jovem princesa lindamente
trajada,queparoudechofreaoverosdesconhecidosecomeçouacorrerdeles.Dorothyqueriaveraprincesamelhor,esaiucorrendoatrásdela.Masamoça
deporcelanagritou:—Nãocorraatrásdemim!Nãocorraatrásdemim!TinhaumavozinhatãoassustadaqueDorothyparouedisse:—Porquenão?Eaprincesarespondeu,parandotambém,aumadistânciasegura:—Porqueseeucorrerpossocairemequebrartoda.—Masnãoteriaconserto?—perguntouamenina.—Ah,sim;masdepoisdecoladosnuncamaisvoltamosaserbonitoscomo
antes—respondeuaprincesa.—Imaginoquenão—disseDorothy.—Aquelealiéosr.Coringa,umdosnossospalhaços—continuouamoçade
porcelana.— Está sempre tentando se equilibrar de cabeça para baixo. Já sequebrou tantas vezes que está remendado em mais de cem lugares, e ficoubastantefeio.Estáchegando,evocêsvãopoderverdeperto.Erealmenteumpalhaçoalegreveiocaminhandonadireçãodeles,eDorothy
viuque,apesardasbelasroupascoloridas,vermelhas,amarelaseverdes,estavacobertoderachadurasquecorriamemtodasasdireções,mostrandoclaramentequetinhasidocoladoemmuitoslugares.Osr.Coringaenfiouasmãosnosbolsose,depoisde incharasbochechase
acenarmaliciosamenteparaeles,disse:—Minhadama,quantoespanto!
Porqueéquemiratanto
Esteseupobrepalhaço?Eestámuitoesticada,
maisretaeempertigadaQueumabarradeaço!
— Ora, cale a boca! — disse a princesa. — Não está vendo que sãoestrangeiros,eprecisamsertratadoscomrespeito?—Bom,poiserarespeito,sóquedomeujeito!—declarouosr.Coringa,e
imediatamenteseequilibroudecabeçaparabaixo.—Não se incomode com o sr. Coringa— disse a princesa a Dorothy.—
Rachoutantoacabeçaqueficoucomamentemeioavariada.—Ah,nãomeincomodonemumpouco—disseDorothy.—Masvocêétão
linda—continuou—queestoucomeçandoaadorarvocê.NãoquervoltarparaoKansas comigo e irmorar nas prateleiras da tiaEm?Podia viajar naminhacesta.—Mas issomedeixariamuito infeliz—respondeuaprincesade louça.—
Aquinonossopaísvivemoscontentes,epodemosconversareandarparatodolado.Massemprequeumdenósélevadoembora,nossasjuntasseendurecemnamesmahora,esóconseguimosficarparados,fazendobelafigura.Claroquenãoesperamoutracoisadenósquandonospõemnumaprateleira,numarmárioouemcimadeumamesa,masasnossasvidassãomuitomaisinteressantesaquinanossaterra.—Pornadanessemundoeuqueriavervocêinfeliz!—exclamouDorothy.—
Então,adeus!—Adeus—respondeuaprincesa.ContinuaramaatravessaroPaísdeLouçacomomaiorcuidado.Osbichinhos
e as pessoas saíam do caminho dos viajantes, com medo de que aquelesestranhosacabassemporquebraralguém,edepoisdemaisoumenosumahoraeleschegaramaooutrolado,dandocommaisummurodelouça.
Masnãoera tãoaltoquantooprimeiro,esubindonascostasdoLeão todosconseguiramchegar ao topo.EmseguidaoLeão se encolheu sobre as patas epulouatéoaltodomuro;masnomomentoemquesaltouesbarroucomacaudanumaigrejinhadelouça,quesedesfezempedacinhos.—Quepena!—disseDorothy.—Masachoquetivemossortedenãocausar
maisprejuízosaessaspessoasdoquequebrarapernadeumavacaeumaigreja.Sãotãofrágeis!—Émesmo—disseoEspantalho.—Eaindabemquesoufeitodepalhae
não quebro com facilidade. Existem coisas piores no mundo do que ser umespantalho.
26Mustela erminea, mamífero carnívoro da família das doninhas encontrado nas regiões de tundra daEuropa e dos Estados Unidos. Durante o inverno, sua pelagem perde os tons castanho-avermelhados,
tornando-sebrancacomumamanchanegranacauda.Porestemotivo, suapeleéconsideradadegrandevalor,tendosidoutilizadaemmantosdefigurasdarealezaeuropeiaeincorporadaàheráldicacomoumdospadrõesdaconfecçãodebrasões.27BaumdescreveaquiaporcelanadascidadesalemãsdeMeisseneDresden.Pintadoscomcoresvivaserepresentandosofisticadasfigurasdomeiorural,essesbibelôscomeçaramaserproduzidosnaAlemanhaapartirdoséc.XVIII.
21.OLeãosetornaReidosAnimais
Depois de descerem do muro de louça, os viajantes se viram numa regiãodesagradável,cheiadecharcosepântanosecobertadeumarelvaaltaecerrada.Eradifícilavançar semcairemalgum lamaçal,porquea relvaera tão fechadaqueescondiasualocalização.Aindaassim,escolhendoocaminhocomcuidado,osviajantesconseguiramavançaremsegurançaatéchegaremaumterrenomaisfirme.Masaliaáreaeramaisselvagemdoquequalqueroutra,eaofinaldeumacaminhada longaepenosapelomeiodaquelasmacegas,chegaramamaisumafloresta, onde as árvores eram asmaiores emais antigas de todas que tinhamvisto.—Estaflorestaéumlugarencantador—declarouoLeão,correndoosolhos
emvoltacomalegria.—Nuncaviumlugarmaislindo.—Acheiumpoucosombrio—disseoEspantalho.—Nem um pouco— respondeu o Leão.— É aqui que eu devia passar a
minhavida.Vejamcomoochãotemumforromaciodefolhassecas,ecomoécheirosoeverdeomusgoquecrescenotroncodessasvelhasárvores.Nãopodeexistirlugarmelhorparaumanimalselvagemviver.—Talvezessaflorestajásejacheiadeferas—disseDorothy.—Imaginoquesim—respondeuoLeão.—Masnãoestouvendonenhuma
delasporaqui.Caminharampelaflorestaatéficarescurodemaisparaavançar.Dorothy,Totó
eoLeãosedeitaramparadormir,enquantooLenhadordeLataeoEspantalho,comosempre,ficavamdesentinela.Quandoamanheceu,recomeçaramajornada.Antesdechegaremmuitolonge,
ouviramumsomsurdo,comoorugidodemuitosanimaisselvagens.Totóganiuumpouco,masnenhumdosoutrosficoucommedo.Continuaramandandopelatrilha bem pisoteada até chegarem a uma clareira na mata, onde se reuniamcentenas de animais de todos os tipos. Havia tigres, elefantes, ursos, lobos,raposasetodososoutrosdahistórianatural,eporummomentoDorothyficouassustada.Mas o Leão explicou que os animais estavam participando de umareunião,equepelosgrunhidoserosnadoscalculavaquehaviaalgumproblema.Assimqueacaboudefalarváriosdosanimaisoviramchegando,enamesma
hora toda a assembleia se calou, comoquepormágica.Omaior dos tigres sedirigiuaoLeãoefezumareverência,dizendo:—Bem-vindo,óReidosAnimais!Chegoubemnahoraparaenfrentarnosso
inimigoevoltaratrazerapazparatodososanimaisdafloresta.—Qualéoproblema?—perguntouoLeãocomvozcalma.Eotigrerespondeu:— Fomos todos ameaçados por um inimigo feroz que se mudou para essa
floresta.Éummonstroterrível,parecendoumaaranhaimensa,comumcorpodotamanhodeumelefanteepernascompridascomotroncosdeárvore.Temoitodessas pernas compridíssimas e, enquanto caminha pela floresta, essemonstropodeagarrarumanimalcomumadaspernaselevaratéaboca,comendocomoumaaranhadevoraumamosca.Nenhumdenósestáasalvocomessacriaturahorrendaporaí,econvocamosessareuniãoparadecidircomonosproteger.Aívocêapareceu.OLeãopensouporuminstante.—Existealgumoutroleãonessafloresta?—perguntouele.—Não; havia alguns,mas omonstro já comeu todos.Alémdisso, nenhum
deleseratãograndeoucorajosoquantovocê.—Eseeudercabodoinimigo,vocêsmeobedecememereconhecemcomo
ReidaFloresta?—quissaberoLeão.— Reconhecemos, com a maior satisfação— respondeu o tigre, o que os
outrosanimaisapoiaramcomumgranderugido:—Reconhecemos!—Eondeestáagoraessaaranhagigantesca?—perguntouoLeão.—Logo ali, nomeio daqueles carvalhos—disse o tigre, apontando coma
patadianteira.—Entãotomemcontadessesmeusbonsamigos—disseoLeão—enquanto
vouenfrentaromonstro.Despediu-se dos seus camaradas e marchou orgulhoso para combater o
inimigo.AaranhaimensaestavadormindoquandooLeãoaencontrou,eeratãofeia
queoLeãotorceuonarizderepulsa.Suaspernaserammesmodocomprimentoque o tigre tinha dito, e seu corpo era coberto de grossos pelos negros.Tinhaumabocaenorme,comumafileiradedentesafiadosmedindoumpalmoemeiocadaum;massuacabeçasejuntavaaocorporobustoporumpescoçofinocomouma cintura de vespa. Isto deu uma ideia aoLeão sobre amelhormaneira de
atacaracriatura,ecomosabiaqueeramais fácilatacá-laantesqueacordasse,deuumgrandesaltoecaiudiretonascostasdomonstro.Então,comumúnicogolpedasuafortepata,armadadegarrasafiadas,separouacabeçadocorpodaaranha. Pulando de volta para o chão, ficou olhando enquanto as pernascompridasparavamdeseagitar,efinalmenteconcluiuqueomonstroestavabemmorto.
OLeãovoltouparaaclareiraondeosanimaisdaflorestaoestavamesperandoedisse,comgrandeorgulho:—Nãoprecisammaistermedodesseinimigo.EntãotodososanimaissecurvaramdiantedoLeão,quereconheceramcomo
Rei,eeleprometeuvoltarevirreinarsobreelesassimqueDorothyestivessea
caminho,devoltaparaoKansas.
22.OPaísdosQuadlings
Os quatro viajantes atravessaram em segurança o resto da floresta e, quandodeixaram a sombra da mata, viram diante deles uma encosta bem inclinada,cobertadecimaabaixodegrandesrochedos.— Vai ser uma escalada difícil — disse o Espantalho. — Mesmo assim,
precisamoschegaraooutroladodessamontanha.Saiu andando na frente, seguido pelos outros. E tinham quase chegado ao
primeirorochedoquandoouviramumavozroucaavisando:—Nãoavancemmais!—Quemévocê?—perguntouoEspantalho.Entãoumacabeçaapareceupor
trásdorochedoeamesmavozdisse:—Essamontanhaénossa,enãodeixamosninguémpassar.—Masprecisamospassar—disseoEspantalho.—EstamosindoparaoPaís
dosQuadlings.—Poraquinãopassam!—respondeuavoz,ede trásdo rochedosurgiuo
homemmaisestranhoqueosviajantesjátinhamvisto.Erabaixoecorpulento,etinhaumacabeçaenorme,chatanotopoesustentada
porumpescoçogrossoetodoenrugado.Masnãotinhabraçose,vendoisto,oEspantalhonãoimaginouqueumacriaturatãodesarmadapudesseimpedi-losdesubiramontanha.Edisse:—Sintomuitonãoobedecerassuasordens,masprecisamospassarpelasua
montanha,concordevocêounão—e,combravura,deuumpassoàfrente.Comarapidezdeumraio,acabeçadohomemseprecipitouparaafrenteeo
pescoçoseesticouatéotopodasuacabeçachataatingiroEspantalhonaalturada barriga e derrubá-lo rolando no chão encosta abaixo. Quase tão depressaquanto atacou, a cabeça voltou para o corpo, e o homem deu um risodesagradávelenquantodizia:
—Nãoétãofácilquantovocêpensa!Umcoroderisadaszombeteirasseergueudosoutrosrochedos,eDorothyviu
centenasdeCabeças-de-Martelosembraçosportodaaencosta,umatrásdecadapedra.OLeãoficoufuriosocomasrisadasprovocadaspelofracassodoEspantalho,
esoltandoumrugidofortequeecooucomoumtrovãocomeçouacorrerencostaacima.NovamenteumacabeçaseprojetoucomvelocidadeeograndeLeãodesceu
rolandoaencostacomosetivessesidoatingidoporumabaladecanhão.DorothycorreuparaajudaroEspantalhoaficardepé,eoLeãoseaproximou
dela,cheiodedoresemanchasroxas,edisse:— Não adianta lutar contra pessoas com cabeças que atacam assim, pois
ninguémpodeenfrentá-las.—Eentão,oquepodemosfazer?—perguntouela.—ChameosMacacosAlados—sugeriuoLenhadordeLata.—Vocêainda
temodireitodechamá-losmaisumavez.—Muitobem—respondeuelae,pondonacabeçaoGorrodeOuro,disseas
palavrasmágicas.OsMacacoschegaramdepressa,comosempre,edaliapoucos
instantesestavamtodosàsuafrente.—Quaissãoassuasordens?—perguntouoReidosMacacos,fazendouma
reverênciadiantedela.—QuenoslevemparaoPaísdosQuadlings,dooutroladodamontanha—
respondeuamenina.—Assimserá—disseoRei,enamesmahoraosMacacosAladospegaram
osquatroviajantesemaisTotónosbraçosesaíramvoandocomeles.Quandopassaram por cima da montanha, os Cabeças-de-Martelo gritaram de ódio, eprojetaram suas cabeças bem alto no ar, mas não conseguiram alcançar osMacacosAlados, que carregaramDorothy e seus companheiros em segurançaporcimadamontanhaeospousaramnochãonolindoPaísdosQuadlings.—Foiaúltimavezquevocêpodianoschamar—disseochefeaDorothy.—
Entãoadeus,eboasorteparavocês.—Adeus,emuitoobrigada—respondeuagarota.OsMacacosbateramasasasedesapareceramnumpiscardeolhos.O País dos Quadlings parecia rico e feliz. Era um campo atrás do outro
plantadodetrigomaduro,comestradasbemcuidadaspassandopelomeiodelese lindos riachos murmurantes atravessados por pontes bem construídas. Ascercas,ascasaseasponteseramtodaspintadasdevermelhoforte,assimcomoeramamarelasnoPaísdosWinkieseazuisnoPaísdosMunchkins.OsprópriosQuadlings,queerambaixosegordos,comumarrechonchudoebem-humorado,sevestiamtodosdevermelho,corquesedestacavacomclarezacontraoverdedarelvaeoamarelodotrigomaduro.OsMacacostinhamdeixadoosquatroamigospertodasededeumafazenda,e
os viajantes bateram à porta da casa. A porta foi aberta pela mulher dofazendeiro, e quando Dorothy lhe pediu alguma coisa para comer a mulherpreparouumótimojantarparatodos,comtrêstiposdebolo,quatrodebiscoitoeumatigeladeleiteparaTotó.
—OCastelodeGlindaficamuitolonge?—perguntouamenina.—Nemtanto—respondeuamulherdofazendeiro.—Peguemaestradapara
osulelogochegarãolá.Agradecendoàboamulher,retomaramaviagem,caminhandopeloscampose
atravessandoasbelaspontes,atéveremàsuafrenteumbelíssimocastelo.Diantedasportashaviatrêsbelasjovensvestindouniformesvermelhoscomenfeitesealamares28dourados;e,assimqueDorothychegouperto,umadelasdisse:—Oqueveiofazernasterrasdosul?—VeraBruxaBoaquereinaaqui—respondeuela.—Podemmelevaraté
ela?—DigamosseusnomesquevouperguntaraGlindaseelarecebevocês.Elesdisseramosnomeseamoça-soldadoentrounocastelo.Depoisdealguns
momentos, voltou para dizer que Dorothy e os outros iam ser recebidos semdemora.
28Adornodeuniformesmilitaresformadoporcordõesentrelaçados.
23.ABruxaBoaconcedeodesejodeDorothy
Antesde iremverGlinda,porém,osamigos foram levadosparaoutra saladocastelo,ondeDorothylavouorostoepenteouocabelo,oLeãosacudiuapoeirada juba, o Espantalho bateu sua palha para assumir sua melhor forma e oLenhadorpoliusualataepôsóleonasjuntas.Quandoestavamtodosapresentáveis,seguiramamoça-soldadoatéumsalão
imensoondeaBruxaGlindaestavasentadanumtronoderubis.Elaera lindae jovem.Seuscabeloseramdeumvermelhoforteecaíamem
cachos abundantes pelos ombros. Seu vestido era todo branco;29mas os olhoseramazuis,econtemplavamameninacomgrandedoçura.—Oquepossofazerporvocê,minhacriança?—perguntouela.DorothycontoutodasuahistóriaàBruxa;comotinhasidotrazidapelociclone
para a Terra deOz, como tinha encontrado os seus companheiros, e sobre asmaravilhosasaventurasquetinhamvivido.—Eagora,omeumaiordesejoévoltarparaoKansas—disseDorothy.—
MinhatiaEmdeveestarpensandoquealgumacoisahorrívelaconteceucomigo,e vai ter de vestir luto. E se a colheita não for melhor esse ano que no anopassado,euseiquetioHenrynãovaiterdinheiroparapagar.30Glindadebruçou-separaafrenteebeijouodocerostodamenina.—Quecoraçãoamoroso,oseu—disseela.—Tenhocertezaquevousaber
lhedizeralgummododevoltarparaoKansas—eacrescentou:—Mas,paraisso,vocêprecisamedaroGorrodeOuro.—Comtodooprazer!—exclamouDorothy.—Porqueagoranãomeserve
maisdenada,equandoeulhedervocêpoderácomandarosMacacosAladosemtrêsocasiões.— E acho que só vou precisar dos serviços deles essas três vezes —
respondeuGlinda,sorrindo.DorothyentãolheentregouoGorrodeOuro,eaBruxadisseaoEspantalho:—Oquevocêvaifazer,depoisqueDorothyforembora?— Vou voltar para a Cidade das Esmeraldas— respondeu ele.— Oz me
passouogovernodacidade,eopovodelágostademim.AúnicacoisaquemepreocupaécomoatravessardevoltaamontanhadosCabeças-de-Martelo.
—UsandooGorrodeOuro,voumandarosMacacosAladoslevaremvocêdevolta até os portões daCidade dasEsmeraldas—disseGlinda.—Seria umapenadeixaropovodelásemumgovernantetãomaravilhoso.—Soumesmomaravilhoso?—perguntouoEspantalho.—Foradocomum—respondeuGlinda.E,virando-separaoLenhadordeLata,elaperguntou:—Eoquevaiserfeitodevocê,depoisqueDorothydeixaronossopaís?Ele se apoiou no seumachado e passou alguns instantes pensando. Depois
disse:— Os Winkies foram muito gentis comigo, e queriam que eu ficasse no
governode ládepoisque aBruxaMámorreu.GostomuitodosWinkies, e seconseguirvoltarparaoPaísdoOestetudoqueeuqueroégovernarosWinkiesparatodoosempre.—MinhasegundaordemparaosMacacosAlados—disseGlinda—seráque
levemvocêemsegurançaatéoPaísdosWinkies.SeucérebropodenãosertãograndequantoodoEspantalho,masnaverdadevocêémaisbrilhantedoqueele,quandoestábempolido.TenhocertezadequevaigovernarosWinkiesmuitobem,ecomsabedoria.EmseguidaaBruxaolhouparaoLeãoimensoedescabelado,eperguntou:—DepoisqueDorothyvoltarparaacasadela,oquevaiserdevocê?EoLeãorespondeu:— Do outro lado da montanha dos Cabeças-de-Martelo fica uma floresta
grandeeantiga,etodososanimaisquevivemlámenomearamseuRei.Seeupudessevoltaratéessafloresta,passariaorestodosmeusdiaslámuitofeliz.—MinhaterceiraordemparaosMacacosAlados—disseGlinda—vaiser
levarvocêatéasuafloresta.Eentão,depoisdeusartodosospoderesmágicosdoGorrodeOuro,voudá-loparaoReidosMacacos,e libertarseupovoparasempre.OEspantalho,oLenhadordeLataeoLeãoagradecerammuitoàBruxaBoa
pelasuagentileza,eDorothyexclamou:—Vocêrealmente,alémdelinda,émuitobondosa!Masaindanãomedisse
comoeuvouvoltarparaoKansas.—Os seus Sapatos de Prata vão levar você até o outro lado do deserto—
respondeu Glinda. — Se você conhecesse o poder mágico deles, podia tervoltadoparaasuatiaEmdesdeoprimeirodiaquechegouaqui.31—Masaíeunãoteriaomeuesplêndidocérebro!—exclamouoEspantalho.
—Epoderiaterpassadoaminhavidainteiranaquelemilharal.
—Eeuficariasemomeuadorávelcoração—disseoLenhadordeLata.—Paradonafloresta,enferrujandoatéofimdomundo.—Eeu teriacontinuadoasercovardeatémorrer—declarouoLeão.—E
nenhumdosanimaisdaflorestaterianadadebomadizersobremim.—Tudoissoéverdade,eficofelizdeterpodidoajudarosmeusbonsamigos
— disse Dorothy. — Mas agora que eles todos já conseguiram o que maisqueriam,ecadaumaindaganhouumreinoparagovernar,achoquequerovoltarparaoKansas.—OsSapatosdePrata—disseaBruxaBoa—têmpoderesmaravilhosos.E
umadascoisasmaiscuriosaséquepodemlevarapessoaparaqualquerlugarnomundo em três passos, e cada passo só dura uma piscadela de olho. Você sóprecisa bater os calcanhares dos sapatos três vezes, e dizer a eles aonde vocêquerir.32—Seéassim,voupedirquemelevemdevoltaparaoKansasagoramesmo
—disseameninacomgrandealegria.
AbraçouopescoçodoLeãoelhedeuumbeijo,acariciandodocementeasuacabeçorra.EmseguidadeuumbeijonoLenhadordeLata,quechoravadeummodomuitoarriscadoparaassuasjuntas.MasabraçoucomforçaocorpomacioerecheadodoEspantalhoemvezdebeijarseurostopintado,edescobriuqueelaprópriaestavachorandocomatristedespedidadosseusqueridoscompanheiros.Glinda,aBruxaBoa,desceudotronoderubisparadarumbeijodedespedida
namenina, eDorothy agradeceu a bondade que havia demonstrado para comseusamigoseelaprópria.
EmseguidaDorothypegouTotósolenementenocoloe,depoisdeumúltimoadeus,bateutrêsvezesoscalcanharesdosseussapatos,dizendo:—Melevemparaacasa,paraatiaEm!
Nomesmoinstanteelarodopiavapeloar,tãodepressaquesóouviaousentiaosoprodoventonosseusouvidos.
Os Sapatos de Prata só precisaram de três passos, e então ela parou tãobruscamentequerolounarelvaváriasvezesantesdedescobrirondeestava.Masdepoisdealgumtempoelasentoueolhouàtodavolta.—Minhanossa!—disseamenina.PoisestavasentadanapradariadoKansas,ebemàfrentedelaestavaacasa
nova que o tio Henry tinha construído depois que o ciclone levou embora aantiga.TioHenryestavaordenhandoasvacasnoceleiro,eTotópuloudocolodelaesaiucorrendonaqueladireção,latindonamaiorfelicidade.Dorothy se levantou e descobriu que estava só de meias— os Sapatos de
Prata tinham caído durante o voo pelo ar, e se perderam para sempre nodeserto.33
29Poisbrancoéacordasfeiticeiras,comoexplicadonocapítulo3.30 Para além do custo das roupas do luto, um funeral conforme as tradições domeio-oeste dosEstadosUnidosnofinaldoséc.XIXpoderiachegaramaisde100dólares,montantequehojeequivaleriaaquase3mildólares,deacordocomoFederalReserve,bancocentralamericano.31Talcomoseuscompanheiros,Dorothytinhaemsimesma,desdeoinício,ospoderespararesolvertodososseusproblemas,esuajornadaéemessênciaumprocessodeaprendizadoeautoconhecimento.32Nocapítulo2,aBruxaBoadoNorteentregaosSapatosdePrataaDorothy.Aqui,nopenúltimocapítulo,aBruxaBoadoSulexplicaàmeninacomoutilizá-los.Trata-sedeapenasumadasmuitasdicotomiasquepermeiamameticulosaestruturadolivro:doiscapítulosdedicadosaoKansas,oprimeiroeoúltimo;duasbruxasboas(NorteeSul)eduasbruxasmás(LesteeOeste);doisobjetosmágicosdeixadosparaameninapelasbruxasmás(umpardesapatosdeprataeumgorrodeouro);eoencontrocomoterrívelOzbemnomeiodolivro,jáqueelemoranumacidadebemnomeiodaTerradeOz.33TalcomoosMacacosAlados,quenãopodempraticarsuamágicaforadeOzelevarDorothyparacasa,opoderdosSapatosdePratatambémserestringeàsfronteirasdeOz.
24.Devoltaemcasa
AtiaEmtinhaacabadodesairdacasapararegarosrepolhosquandolevantouosolhoseviuDorothycorrendonadireçãodela.—Minhaqueridacriança!—exclamouela,envolvendoameninanosbraços
ecobrindooseurostodebeijos.—Deondevocêestávindo?—DaTerradeOz34—respondeuDorothycomtodaaseriedade.—ETotó
tambémvoltoucomigo.Eah,tiaEm,comoestoufelizportervoltadoparacasa!
34Umadasprincipaismodificaçõesfeitaspelaadaptaçãocinematográficade1939foiadequeasaventurasdeDorothyemOz teriamsidoapenasumsonho, tal comoasvividasporAlicenoPaísdasMaravilhas.Baum,noentanto,descreveuOzinquestionavelmentecomoumlugarreal—aoqualDorothyvoltarianoslivrosseguintesdasérie.
AspranchascoloridasdeW.W.Denslow
Frontispício
“PegouTotópelaorelha.”
“—EusouaBruxadoNorte.”
“—Vocêdeveserumagrandefeiticeira.”
“DorothyficoucontemplandooEspantalho.”
“—Sófuifabricadoanteontem—disseoEspantalho.”
“—Quealívio—disseoLenhadordeLata.”
“—Quevergonha!”
“Aárvorecaiucomestrondonofundodoabismo.”
“ACegonhaagarrouoEspantalhoesubiuaosarescomele.”
“—QuerolheapresentarSuaMajestade,aRainha.”
“OLeãocomeuumpoucodomingau.”
“Osolhosfitaramamenina,pensativos.”
“Osoldadodasbarbasverdescaminhoucomogrupopelasruas.”
“OsMacacosoamarraramcomváriasvoltasemtornodocorpo.”
“Oslatoeirostrabalharamportrêsdiasequatronoites.”
“MacacospegaramDorothynosbraçosesaíramvoandocomela.”
“—Exatamente!Eusouumafarsa.”
“—Eumesintobastanteinteligente—respondeuoEspantalho.”
“OEspantalhosentou-senograndetrono.”
“Osgalhosabaixarameseenrolaramemvoltadele.”
“Aspessoaseramtodasfeitasdeporcelana.”
“AcabeçadohomemseprecipitouparaafrenteeatingiuoEspantalho.”
“VocêprecisamedaroGorrodeOuro.”
Cronologia:VidaeobradeL.FrankBaum
1856|15mai:NasceemChittenango,NovaYork,LymanFrankBaum,filhodeCynthia Stanton Baum e Benjamin Ward Baum, empresário da indústriapetrolífera.
1861: A família Baum se muda para Rose Lawn, grande propriedade deBenjaminBaumemSyracuse,NovaYork.
1866:Frankéeducadoemcasaporumtutoringlês.
1868:AosdozeanoséenviadoparaaAcademiaMilitardePeekskill,ondeficapordoisanos.
1873: Produz o panfleto Baum’s Complete Stamp Dealers Directory, parafilatelistasamadores.
1873-74: Frequenta a Syracuse Classical School, mas não segue para auniversidade.Começaatrabalharcomoatordeteatro.
1875:AbreumagráficaemBradford,Pensilvânia,ondefundaosemanárioNewEra.
1876:Dedica-seàcriaçãodeavesexóticas,emespecialdeumaraçadegalinhas,ahamburguesa.
1880:PassaaeditaroperiódicomensalThePoultryRecord.Torna-segerentedarededeteatrodeseupai,comcasasemNovaYorkenaPensilvânia.
1881:Abandonaacriaçãodeaves.Alcançaseuprimeirosucessoliteráriocomacomédia musical The Maid of Arran, que estreia em Gilmour, Pensilvânia, esegueparaumatemporadaemManhattan.
1882|9nov:Casa-secomMaudGage,filhadeumafamosafeministaeativistadosufrágiouniversal,MatildaJoslynGage.
1883|4dez:NascimentodeFrankJoslyn,primeirofilhodocasal.
1886|1ºfev:Nascimentodosegundofilho,RobertStanton.Aos30anos,lançaseuprimeirolivro,TheBookoftheHamburgs,umbrevetratadosobreacriaçãodasgalinhashamburguesas.
1887|14fev:Mortedopai.
1888 | jun: Baum,Maud e os dois filhos do casal semudam paraAberdeen,atualDakotadoSul.1ºout:AbrealojadevarejoBaum’sBazaar.
1889|17dez:Nasceoterceirofilho,HarryNeal.
1890: Chega ao fim a Baum’s Bazaar. Baum, então, se lança em um novoempreendimento e adquire o semanário The Dakota Aberdeen, que renomeiacomoAberdeenSaturdayPioneer.Nele escreve a coluna “OurLandlady”, emquetratadepolítica,entreoutrosassuntos.
1891|21mar:PublicaçãodaúltimaediçãodoAberdeenSaturdayPioneer.24mar:NasceKennethGage,oquartofilho.BaumsemudacomafamíliaparaChicago,Illinois,ondepassaatrabalharcomojornalistaparaoChicagoEveningPost,ecomovendedorambulante.
1897:Incentivadoporsuasogra,escreveepublicaMotherGooseinProse,seuprimeirolivroinfantileoprimeirolivroilustradoporMaxfieldParrish.FundaopioneiroTheShowWindow, periódicomensal para vitrines. Passa a integrar aSociedadeTeosófica.
1898:LançamentodeBytheCandelabra’sGlare.
1899: Inicia parceria com o ilustrador W.W. Denslow para publicar FatherGoose:HisBook,quesetornabest-sellerinfantildoano.
1900: Decide se dedicar integralmente à literatura. Lança um manual sobredecoração de vitrines e interiores, The Art of Decorating. Nesse mesmo ano,escreve outros livros infantis: The Army Alphabet, The Navy Alphabet e, emparceriacomW.W.Denslow,OMágicodeOz.OimensosucessodolivrolevariaBauma transformarOzemumasérie,comoutrosquatorze títulosescritosporeleeexploraçõesposterioresàsuamorte.
1901:EscreveaóperacômicaTheOctopus,orTheTitleTrust.
1902: PublicaThe Life and Adventures of SantaClaus. Baum,Denslow, PaulTietjens (compositor) e Julian Mitchell (produtor) se unem para uma versãomusicaldeOMágicodeOz,cujaestreiaocorreemChicago.
1903:OMágico deOz em cartaz naBroadway, por dois anos. Publicação deEnchantedIslandofYew,semmuitosucesso.
1904: Publicação deAmaravilhosaTerradeOz, único título da série sobre aTerradeOzemqueDorothynãoaparece.
1905: É produzida em Chicago The Woggle-Bug, opereta baseada em AmaravilhosaTerradeOz.Baumadquire uma ilha,Pedloe Island, e revela seuprojetode torná-laumaminiaturadaTerradeOz.TambémlançaTheWoggle-Bug,QueenZixiofIxe,porfim,sobopseudônimodeSchuylerStaunton,TheFateofaCrown.14dez:Mortedamãe.
1906:Viagem, acompanhadopela esposa, paraEgito, norte daÁfrica,Grécia,Itália,SuíçaeFrança.
1907:PublicaFatherGoose’sYearBookeOzmadeOz.
1910:Muda-separaHollywood,Califórnia.PrimeiraadaptaçãodeOMágicodeOzparaocinema,comocurta-metragem.
1911: Decreta falência, após aproximadamente dois anos de investimento naproduçãodecurtas.
1913: Estreia emLosAngeles, seguido de temporadas bem-sucedidas emSãoFranciscoeChicago,omusicalTheTik-TokManofOz.
1914: Baum decide investir novamente no cinema e funda a Oz FilmManufacturingCompany.
1919|6mai:Emmeioadívidasedoente,morreemHollywoodaos62anos.
1920:PublicaçãopóstumadaúltimaobradeBaum,GlindadeOz.
1925: Uma adaptação muda de O Mágico de Oz é lançada pela ChadwickPictures.
1939: Lançamento da consagrada adaptação deOMágico de Oz pelaMGM,comJudyGarland,RayBolgereJackHaley,entreoutros.
1955:UmexemplardaprimeiraediçãodolivroOMágicodeOzévendidonumleilão,emManhattan,porseiscentosdólares.
1978: Lançamento do musical O mágico inesquecível, uma coproduçãoUniversal Pictures/Motown com direção de Sidney Lumet e tendo no elenco,entre outros,Michael Jackson interpretando o Espantalho eDianaRoss comoDorothy.
CLÁSSICOSZAHARemEDIÇÃOCOMENTADAEILUSTRADAPersuasãoseguidodeduasnovelasinéditasemportuguêsJaneAusten
PeterPan*J.M.Barrie
OMágicodeOz*L.FrankBaum
Tarzan**EdgarRiceBurroughs
Alice*AventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas&AtravésdoespelhoLewisCarroll
SherlockHolmes*contoseromancesem9vols.ArthurConanDoyle
OcondedeMonteCristo*AmulherdagargantilhadeveludoeoutrashistóriasdeterrorRobinHood**Ostrêsmosqueteiros*AlexandreDumas
OmelhordoteatrogregoÉsquilo,Sófocles,EurípideseAristófanes
OcorcundadeNotreDameVictorHugo
OLobodoMarJackLondon
ReiArthureoscavaleirosdaTávolaRedondaHowardPyle
OsMaias**EçadeQueirós
Contosdefadas*MariaTatar(org.)
20milléguassubmarinasJulesVerne
*DisponíveltambémemEdiçãoBolsodeLuxo|**Empreparação
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