“lacunas da lei. diferenças entre interpretação e...
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Lacunas da lei. Diferenças entre interpretação e integração. A interpretação
integrativa
Sergio Matheus Garcez. Advogado, Mestre e Doutor em Direito
Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP.
É Professor Assistente Doutor do Departamento de Direito Privado da
Faculdade de Direito da Universidade Estadual Paulista - UNESP e
Professor Convidado do Curso de Pós Graduação Lato Sensu – Direito
Civil, da Universidade Estadual de Londrina – UEL (PR). É Consultor
do Comitê SCieLO-BIREME ( ONU), do Ministério do Trabalho e do
Conselho Estadual de Educação – CEE/SP
Resumo: O autor analisa um dos mais espinhosos problemas metodológicos no Direito, que aparece para os estudiosos ao
tentarem definir se a lacuna da lei, tão bem definida pela Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, é caso de interpretação
integrativa ou apenas de integração. No exame da questão, é inafastável a consulta à dogmática nacional e estrangeira, como
forma e se acharem os subsídios para o desenlace da questão. São chamas à colação as obras de Pedro Nunes, Paulo Dourado
de Gusmão e Maria Helena Diniz no direito nacional e as de Castanheira Neves, Luís Cabral de Moncada, Karl Engish e
Emilio Betti no direito estrangeiro.Conclui-se que não se admitem lacunas no direito, mas na norma positivada, pois o defeito
não é da ciência, mas do ordenamento e das suas normas jurídicas.
Palavras-chave: Metodologia do Direito; Filosofia do Direito; Lei de Introdução ao Código Civil – LICC; lacunas da lei;
norma jurídica; hermenêutica jurídica.
Sumário: 1. Lacuna legis: definições metodológicas. Posição da communis opinio doctorum em pedro nunes, paulo dourado
de gusmão, maria helena diniz, a. castanheira neves, luís cabral de moncada, karl engish e emilio betti. 2. Sede legal no
direito brasileiro: o art. 4º da licc. maria helena diniz e a sistematização do tratamento da questão. 3. A interpretação da lei: as
espécies, os sistemas e as regras, segundo o judicioso parecer de r. Limongi frança. Os sistemas de integração. 4. As lacunas
do direito positivo na visão de paulo dourado de gusmão. 5. O “espaço livre do direito” e o problema das lacunas - com
melhor definição (parece-nos) - para castanheira neves. 6. A “integração das lacunas da lei” e a sua aplicação à vida, segundo
cabral de moncada. 7. O preenchimento das lacunas e a correção do direito legislado em karl engish. 8. BETTI: as lacunas na
interpretação e integração do negócio jurídico do códice civile. Conclusões. Bibliografia.
1. Lacuna legis: definições metodológicas. Posição da communis opinio doctorum em
pedro nunes, paulo dourado de gusmão, maria helena diniz, a. castanheira neves,
luís cabral de moncada, karl engish e emilio betti.
Problema metodológico dos mais espinhosos aparece para os estudiosos ao tentarem
definir se a lacuna da lei, tão bem definida pela Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, é
caso de interpretação integrativa ou apenas e integração. No exame da questão, é inafastável a
consulta à dogmática nacional e estrangeira, como forma e se acharem os subsídios para o
desenlace de tão tormentosa questão.
Para PEDRO NUNES, em um certo sentido, lacuna é a “falta, omissão, falha da lei” 1,
podendo a mesma ser intencional ou até mesmo involuntária. Será intencional, se da parte do
1 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. 7. ed Rio-São Paulo: Livraria Fontes Bastos S.A, 1967, vol.
2, p.144.
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1
legislador houver o propósito de não mencionar particularizadamente certa matéria, por julgá-
la inoportuna ou desinteressante no momento. Será involuntária, se independentemente da
vontade do legislador, a omissão se deu.
Em DOURADO DE GUSMÃO, as lacunas devem ser verificadas para que o intérprete
não se entregue a um processo de livre interpretação do direito. Então, deverá se constatar se o
que existe é uma lacuna formal ou uma lacuna material. “Se formal, o intérprete socorrer-se-á
da analogia dos costumes e dos princípios gerais do direito. Mas, se material, terá que
livremente criar o direito” 2.
MARIA HELENA DINIZ as lacunas só existem “quando, ao solucionar um caso, o
magistrado não encontra norma que seja aplicável, não podendo subsumir o fato a nenhum
preceito, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de certo comportamento,
devido a um defeito do sistema que pode consistir numa ausência de norma, na presença de
disposição legal injusta ou em desuso” 3.
No direito comparado, CASTANHEIRA NEVES pontifica que as lacunas são um
fenômeno que revela “a insuficiência do direito positivo constituído para dar resposta às
exigências da realização concreta da juridicidade”4. Também em terras portuguesas,
CABRAL DE MONCADA diz que a lacuna “é um vazio da lei ou dum sistema de leis, na
previsão e regulamentação da vida jurídica real e seus casos particulares”5.
De outra banda e ainda no direito alienígena, KARL ENGISH pontifica que as
lacunas são um conceito que se confunde com “incorreções do ordenamento jurídico, ao que à
estes se aplica a integração jurídica, atuando o aplicador da lei praeter legem, supplendi causa
- traduzindo o que os romanos diziam supplet praetor in eo quod legi deest. Já às incorreções
propriamente ditas, aplicar-se-iam as correções da lei, através da interpretação, atuando o
aplicador corrigendi causa ou até contra legem6.
2 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 134 e
ss. 3 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, v. 1, p. 46 e ss.
4 NEVES, A. Castanheira. Metodologia jurídica - problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, Boletim
da Faculdade de Direito – Stvdia Ivridica, Univ., Portugal, 1993, p. 207 e segs 5 MONCADA, Luís Cabral de. Lições de direito civil. 4. ed. Coimbra: Livraria Almedina Editora, 1995, p. 161 e
ss. 6 ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Portugal,
cap. VII, p. 273 e ss. (trad. de João Baptista Machado).
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2
2. Sede legal no direito brasileiro: o art. 4º da licc. maria helena diniz e a
sistematização do tratamento da questão.
No ordenamento jurídico brasileiro, a questão está sediada no art.4º da LICC ao
determinar que na omissão da lei, o aplicador deverá guiar-se de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito. A omissão da lei é referida por MARIA HELENA
DINIZ em duas situações: ou quando forma disposição legal injusta ou em desuso ou quando,
a um defeito do sistema jurídico, houver ausência de norma que denote conhecimento de um
certo comportamento ou fato da vida.
Dois problemas surgem, então: a) uma disposição legal injusta ou em desuso; b) ou um
defeito do sistema jurídico, na ausência de previsão legal sobre comportamento ou fato da
vida.
Para a autora, na lacuna deveria haver integração, “criando-se uma norma individual,
dentro dos limites estabelecidos pelo direito em consonância com certas determinantes: o
conteúdo da consciência jurídica geral e o espírito do ordenamento (este por ser mais rico que
a disposição normativa e por conter critérios éticos e jurídicos, além de idéias jurídicas
concretas ou fáticas)”. O órgão judicante deverá, portanto, ater-se a um subconjunto
valorativo do próprio ordenamento e da consciência jurídica geral.
MARIA HELENA DINIZ ainda trata especialmente da questão da ubiquação do
problema das lacunas, sistematizando o tratamento da questão em face da existência,
constatação e preenchimento das lacunas.Quanto à existência delas, estabelece que o critério
norteador será o da consideração judicial para as investigações sobre o problema. Então, para
uma primeira corrente, não há lacunas no sistema jurídico pois ele formaria um todo perfeito -
postulado da plenitude: “o que não é proibido, é permitido”, desafiando todos os
comportamentos. Quanto à existência das lacunas sustenta a autora que elas tem existência
ontológica, porque por mais perfeito que seja o sistema, este não pode prover todas as
situações de fato. Seria portanto, lacunoso o direito.
Considera, pois, as lacunas uma questão processual, pois só apareceriam por ocasião
da aplicação do direito num caso concreto, não previsto legalmente - feição pragmática.
A terceira, da qual a autora é adepta, segunda a qual o sistema jurídico é aberto e
incompleto, uma vez que o direito é um fenômeno dinâmico, com uma dimensão normativa,
outra fática e outra axiológica. Dessa forma, por mais hábil que seja o legislador, não haverá
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como conter “as ondulações que as necessidades da vida coletiva exigem” 7.
Para a autora há três tipos de lacunas: 1ª) a normativa, quando houver a ausência de
norma sobre determinado caso; 2ª) ontológica, quando havendo norma, ela não corresponde
mais aos fatos sociais e 3ª) axiológica, quando houver ausência de norma justa. Outro tipo
de lacuna citada na obra desta autora, além da inerente no sistema jurídico, é o da lacuna
como problema de jurisdição, isto é, diante da ausência de norma jurídica pode haver
desacerto ou injustiça na decisão e os juízes não aplicariam o dispositivo legal que a certa
altura corresponderia àquela situação fática. Então, por força do art. 126 CPC, o juiz se
eximiria de julgar alegando lacuna da lei, devendo recorrer à analogia, dos costumes e dos
princípios gerais de direito.
A constatação das lacunas nada mais seria do que a sua identificação. MARIA
HELENA DINIZ afirma que a constatação e o preenchimento das lacunas são aspectos
correlatos, porém independentes, pois ao mesmo tempo em que a lacuna aponta a “falha”,
serviria também para completá-la com força no art. 4º da LICC. A título de preenchimento das
lacunas e os seus meios supletivos, a autora aponta no sentido da própria Lei de Introdução ao
Código Civil, acrescentando a equidade como forma do Juiz decidir a questão na falta da lei.
O recurso à analogia é o que pretensamente os juízes utilizam para realizar a integração,
consistindo num aspecto lógico decisional, e segundo a autora, “sua aplicação leva à decisão
do magistrado, sem contudo haver inferências lógico-silogísticas, implicando uma solução,
um juízo avaliativo, por parte do órgão judicante, dos elementos relevantes”8 . Da analogia,
decorre a lógica do razoável, que é a verificação da realidade segundo o “mundo” dos valores.
A analogia, lembra a autora citando REALE e CAMPOS BATALHA, “constitui um
raciocínio baseado em razões de relevante similitude, fundando-se na identidade da razão, que
é o elemento justificador da aplicabilidade da norma a casos não previstos, mas
substancialmente semelhantes, sem contudo ter por objetivo perscrutar o exato significado da
norma, partindo, tão só, do pressuposto de que a questão sub judice, apesar de não se
enquadrar no dispositivo legal, deve cair sob sua égide por semelhança de razão”. Para haver
aplicação analógica, requerer-se-ia então: a) “que o caso sub judice não estivesse previsto em
norma jurídica”; b) “que o caso não contemplado tenha como previsto, pelo menos uma
relação de semelhança”, e, c) “que o elemento de identidade entre os casos não seja qualquer
um, mas sim fundamental ou de fato que levou o legislador a elaborar o dispositivo que
7 DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito. Saraiva, São Paulo, 3. ed., 1995, p. 297.
8 Idem. Lei de introdução ao código civil interpretada. Saraiva, SãoPaulo, l994,p. 108.
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estabelece a situação a qual se quer comparar a norma não contemplada”.
O costume, também é outra fonte supletiva, situando-se “imediatamente abaixo da lei”
São formados por dois elementos: o uso e a convicção jurídica, sendo portanto a norma
jurídica que deriva da longa prática uniforme, constante, pública e geral de determinado ato
com a convicção de sua necessidade jurídica, sendo certo haverem três espécies deles:
secundum legem, quando previstos na lei, que reconhece sua eficácia obrigatória, o praeter
legem, quando se reveste de caráter supletivo, suprindo a lei nos casos omissos e contra
legem, o que se forma em sentido contrário ao da lei.
Os princípios gerais de direito são, para esta autora, cânones que não foram ditados
explicitamente pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no
ordenamento jurídico; “o princípio geral de direito é uma diretriz para a integração das
lacunas estabelecidas pelo próprio legislador, mas é vago em sua expressão, reveste-se de
caráter impreciso, uma vez que o elaborador da norma não diz o que se deve entender por
princípio. Ao citar LIMONGI FRANÇA, a autora9 diz que o órgão judicante, “que emprega
deduções, induções, e, ainda, juízos valorativos, deverá seguir este roteiro, ao aplicar o
princípio geral de direito: 1º) buscar os princípios mostradores da estrutura positiva da
instituição a que se refere o caso sub judice; 2º) sendo inócua a primeira medida, deverá
atingir os princípios que informam o livro ou parte do diploma onde se insere a instituição,
depois os do diploma onde se encontra o livro, a seguir os da disciplina a que corresponde o
diploma, e assim por diante até chegar aos princípios gerais de todo o direito escrito, de todo o
regime jurídico-político e da própria sociedade de nações, embora estes últimos só digam
respeito às questões de direito internacional público; 3º) procurar os princípios de direito
consuetudinário, que não se confundem com as normas costumeiras, mas que são o ponto de
partida de onde aqueles advém; 4º) recorrer ao direito das gentes, especialmente ao direito
comparado, onde se descobre quais são os princípios do sistema jurídico das nações
civilizadas, desde que estes não contradigam os princípios do sistema jurídico interno, e, 5º)
invocar os elementos de justiça, isto é, os princípios essenciais, podendo para tanto penetrar o
campo da jusfilosofia.
Quanto ao quarto elemento - a equidade, a autora chega a citar A. Alvim que divide o
instituto em equidade legal e equidade judicial, sendo a primeira àquela contida no texto da
norma e a última, aquela em que o legislador, explícita ou implicitamente, permite ao órgão
jurisdicional a solução do caso concreto por equidade. Cita ainda a referida autora Serpa
9 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 116.
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Lopes, que em seu Curso, diz que a equidade tem grande importância na interpretação
das normas, podendo significar o predomínio da finalidade da lei sobre sua letra e a
preferência, dentre as várias interpretações possíveis de uma norma, pela mais benigna e
humana.
3. A interpretação da lei: as espécies, os sistemas e as regras, segundo o judicioso
parecer de r. Limongi frança. os sistemas de integração.
Para LIMONGI FRANÇA, hermenêutica e interpretação do direito são duas coisas
distintas, embora ligadas uma à outra. A hermenêutica antecede a interpretação e “é a parte da
ciência jurídica que tem por objeto o estudo e a sistematização dos princípios e das técnicas de
interpretação das leis e das demais formas de expressão do direito”. Já a interpretação, “é a
operação que tem por fim definir o sentido de uma determinada regra jurídica, mediante a
percepção clara e exata da norma estabelecida pelo legislador”. A hermenêutica é especulativa
na visão deste autor, ao passo que a interpretação é prática. O vocábulo “integração” seria
utilizado para designar o preenchimento das lacunas da lei, matéria ora em estudo. Então, a
interpretação seria para Limongi de três tipos: quanto ao agente, quanto à natureza e quanto à
extensão. Quanto ao agente poderia ser pública - quando provinda de órgãos públicos e
privado, quando de jurisperitos na interpretação da lei. Se pública, poderá ser autêntica (do
próprio órgão fautor da lei), judicial (se provinda de juízes) e administrativa (quando de
órgãos da Administração Pública). Quanto à natureza, a interpretação pode ser gramatical
(aquela que perquire o significado literal das palavras da lei), lógica (aquela que examina o
sentido das locuções e orações do preceito), histórica (a que indaga das condições do meio e o
momento de elaboração da norma legal) e a sistemática (que busca a intencionalidade objetiva
do legislador através da conexão da norma interpretada com os demais elementos do sistema).
Quanto à extensão, segundo Limongi França, a interpretação poderá ser declarativa (cujo
enunciado coincide na sua amplitude com aquele que, à primeira vista, parece conter-se nas
expressões do preceito interpretativo), extensiva (ou amplativa, em que a intencionalidade da
norma deduzida resulta mais ampla do que a fórmula interpretada) ou restritiva (cujo
resultado se mostra menos amplo do que as expressões utilizadas pelo legislador).
LIMONGI fala também em sistemas interpretativos e regras de interpretação. Os
sistemas interpretativos são três: dogmático (ou exegético, que apenas funda-se na
interpretação gramatical ou lógica), sistema histórico-evolutivo (segundo o qual as quatro
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interpretações devem funcionar em conjunto: gramatical, lógica, histórica e sistemática) e o
sistema de livre pesquisa (que vai buscar no mundo do pensamento científico regras de valor
semelhante ao da lei, que a desenvolvem e a completam). As regras de interpretação para
LIMONGI FRANÇA, são de três tipos: de hermenêutica da lei (que estão nos arts. 4º e 5º da
LICC), de hermenêutica da jurisprudência (fazendo-se alusão do tema “inteligência da lei”
preferindo-se sempre aquela que faz sentido, à que melhor atenda à tradição do Direito,
afastando a que conduz ao vago, ao contraditório e ao absurdo) e, as regras do direito
científico (que se resumem na consecução da coincidência entre a lei e a intencionalidade do
legislador, aplicando-se esta última, preferindo-se os resultados consentâneos à natureza do
instituto e a realidade social).
Os meios de integração, para este autor, são somente dois: a analogia e a equidade,
pois “de ordinário, o sistema é hábil para a integração direta, isto é, para que a norma jurídica
(de lei, de costume ou de outra natureza) seja aplicada de imediato ao problema a ser
solucionado” 10
¹. A analogia, então, seu fundamento está na idéia de que os fatos de igual
natureza devem possuir igual regulamento, e a equidade seria também meio de integração,
sendo sua acepção mais aceita, segundo o autor, aquela do princípio semelhante à justiça,
concernente aos casos concretos.
4. As lacunas do direito positivo na visão de paulo dourado de gusmão.
Dourado de Gusmão cita autores como DONATI, ZITELMANN E BRUNETTI, os
quais ou negam a existência de lacunas no ordenamento jurídico por existir uma norma
fundamental a qual permitiria tudo que não é proibido, ou distinguem o ordenamento
legislativo do jurídico, dizendo só haver lacuna no primeiro (ao segundo caberia a missão de
suprir as lacunas do direito positivo). Mas não concorda com os mesmos, dizendo que tais
documentos são partes do liberalismo, “que deixa sem regulamentação jurídica relações que
podem criar um clima de insegurança para o indivíduo ou a sociedade...” 11
.
Para este autor, antes que o intérprete da lei se entregue à livre interpretação do direito,
é um dever verificar se o que existe é uma lacuna formal ou uma lacuna material, sendo que
no primeiro caso socorrer-se-á da analogia dos costumes e dos princípios gerais do direito e
se material “terá que criar livremente o direito” 12
. .Nesta criação do Direito, Dourado de
10
FRANÇA, R. Limongi. Instituição de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 39. 11
GUSMAO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 143. 12
Ibid., p. 144.
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7
Gusmão acaba por endossar a teoria da “revelação científica do direito” de François Gény, ao
admitir, por exemplo, que quando não houver costume ou “autoridade” (a reconhecida
competência de pessoas para que imponham soluções jurídicas), ou “tradição” (que é o selo
da antiguidade que confere prestígio ou tradição da origem remota do instituto), “só há uma
solução para o caso não previsto: a “livre investigação científica” do direito”.
5. O “espaço livre do direito” e o problema das lacunas - com melhor definição
(parece-nos) - para castanheira neves.
CASTANHEIRA NEVES, em sua Metodologia Jurídica, afirma que o chamado
“espaço livre do direito” e sua questão, são problemas dos limites do direito ou da
jurisprudência, resultando daí uma questão normativa e não uma questão conceitual ou
empírica, não se podendo relativizá-la diante de conceitos quaisquer de direito (é o que quer
Engish com seu conceito de direito como “soma de faculdades”), e também não se lhe
colocando, como quer Carbonnier, quando fala do non droit, ou seja, domínios que a rigor
seriam do direito numa perspectiva humano-social, mas em princípio foram excluídos do
campo e do objeto da normatividade.
Critica também, o que chama de panjurismo de DONATI, ZITELMANN e
RADBRUCH, que perfilhavam a tese de que se deve postular por um princípio universal
negativo, pelo qual, tudo o que não está proibido está juridicamente permitido.
Em outra obra sua, que cita na Metodologia, CASTANHEIRA diz que o sistema
jurídico não é nem pleno (sem lacunas), nem de todo consistente (sem equivocidades), nem
fechado (auto suficiente), “mas antes necessariamente poroso, de uma insuperável
indeterminação e permanentemente aberto, a exigir por isso uma contínua reintegração e
reelaboração constitutivas através da dialética de sua realização histórica”13
. Então, acaba
por dizer que o sistema jurídico não tem uma plenitude, que sempre haverá um “espaço livre
do direito”, que o direito positivo nem definirá finalmente, nem excluirá logicamente. É
reconhecimento da índole lacunosa de todo e qualquer sistema jurídico.
13
NEVES, A. Castanheira. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, Boletim
da Faculdade de Direito – Stvdia Ivridica, Univ., Portugal, 1993, p. 212.
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8
6. A “integração das lacunas da lei” e a sua aplicação à vida, segundo cabral de
moncada.
CABRAL DE MONCADA lembra em suas Lições de Direito Civil, a célebre questão
se as lacunas dum sistema jurídico serão realmente omissões ou a lei as excluiu
intencionalmente da tutela jurídica ? Trata-se de um autêntico caso, cita o autor lembrando
MANUEL DE RESENDE, de um caso “posto à margem do direito, situado extramuros da
cidadela jurídica”14
. Aqui, então, não se trata de lacunas, mas de fronteira, de limite no mundo
jurídico.Lacuna ocorrerá só quando houver problema de integração, ou seja, quando a matéria
está submetida à tutela jurídica mas não há lei aplicável ao caso, utilizando-se da analogia e
dos princípios do direito natural.
Os métodos para aplicação da integração das lacunas à vida prática, diz
CASTANHEIRA, são os já conhecidos: o exegético (dos comentadores do Código Civil
francês - DEMOLOMBE, TROPLONG, ou seja, a busca da vontade do legislador, aplicando-
se só a justiça da lei), o dogmático-objetivo (conhecido como jurisprudência dos conceitos, só
preocupada com a lógica e indiferente às necessidades da vida social), o da jurisprudência de
interesses (sendo certo se afirmar que aqui “o fim criaria o direito”, sendo função dele tutelar
os interesses, fins e bens) e o do direito livre (que não é outra coisa senão uma corrupção geral
dos poderes do juiz nas suas relações com a lei). No entanto, o autor os critica dizendo, ao
final, que todos os métodos poderão ser prudentemente apresentáveis, na medida em que
possam servir à lei portuguesa (seu Estatuto Judiciário), ou seja, surpreendendo os juízos de
valor legais, suspendendo-os na sua execução.
7. O preenchimento das lacunas e a correção do direito legislado em karl engish.
ENGISH fala que sob o mesmo conceito comum de deficiências, podemos reunir
“lacunas” e incorreções”, estamos na verdade em face de duas formas distintas de Direito
deficiente: a lacuna se afasta através da integração jurídica, atuando o juiz aqui praeter legem,
supplendi causa; já na incorreção, o juiz atuaria contra legem, corrigendi causa. E é só isso o
que nos cabe citar do pensamento alemão neste trabalho.
14
MONCADA, Luís Cabral de. Lições de direito civil: parte geral. 4. ed.Coimbra: Livraria Almedina Editora,
Portugal, 1995, p. 163.
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9
8. Betti: as lacunas na interpretação e integração do negócio jurídico do códice
civile.
BETTI ao estudar as lacunas no seu sentido mais aplicado, dentro de sua Teoria
Geral do Negócio Jurídico, dá verdadeiro sentido ao estudo da occasio legis quanto aos seus
efeitos mais civis.
É assim que, ao permear-se a sua teoria, vemos a diferença que positiva entre
interpretação e ou valoração jurídica e interpretação ou integração do negócio. A interpretação
se destina a desenvolver na sua coerência lógica, a fórmula da declaração ou a estrutura do ato
em busca da idéia mais apropriada. Já na chamada interpretação integrativa, esta incide sobre
pontos do regulamento de interesses que embora não tendo sido abrangidos pela fórmula, está
todavia compreendido na idéia que ela exprime e portanto estão enquadrados no negócio.
Um ponto fundamental nesta matéria, é o que BETTI assinala quando diz que “é
certo que entre a interpretação destinada a esclarecer o significado objetivo e a integração com
normas supletivas ou dispositivas, há o seguinte aspecto comum: ambas tomam por base a
causa do tipo abstrato do negócio em questão e aplicam em conformidade com ela, critérios
deduzidos de fontes comuns, como a boa-fé (arts. 1366 e 1375 CC italiano). Mas a
interpretação pressupõe, conceitualmente, um dado conteúdo do negócio concreto, quer
explícito, quer implícito, uma idéia (preceito) do negócio, expressa ou não com fórmula
adequada. Pelo contrário, a integração com normas supletivas ou dispositivas pressupõe,
precisamente, a falta de um preceito dedutível da fórmula, portanto uma lacuna não só nesta,
mas também na própria idéia (preceito), no regulamento de interesses”15
e ela diz respeito não
à fattispecie do negócio, mas unicamente aos seus efeitos: é integração dos efeitos”. Então,
diz o autor, só é lacunosa a fórmula do negócio quando se recorre à interpretação integrativa,
que é a reconstituição da idéia concreta do negócio, decorrente do conteúdo lógico e prático
do negócio concreto - a correção se realiza através de uma transformação da qualificação
jurídica (precedência lógica da interpretação).
15
BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Coimbra: Coimbra Editora, Portugal, 1969, t. 2, p. 278-279
(trad. de Fernando de Miranda).
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10
Conclusões
1. Não se admitem lacunas no direito, mas na norma positivada, pois o defeito não é da
ciência, mas do ordenamento e das suas normas jurídicas;
2. Não se apresenta uma doutrina unânime sobre o que seja lacuna legis. Neste
particular estamos com MARIA HELENA DINIZ que considera a lacuna uma aporia, isto é,
uma questão aberta uma vez que recebe várias respostas, conforme as premissas que adotem
as diversas posições ideológicas;
3. Ao preencher as lacunas, o aplicador da lei não cria direito novo, mas apenas
preenche o direito positivado in casu e desvenda as normas que implicitamente estão contidas
no sistema jurídico;
4. Ao interpretar as normas para preencher a occasio legis, o aplicador deverá se
vincular a cânones de integração, resultando no que BETTI afirmou sobre a interpretação
integrativa que incide sobre pontos do regulamento de interesses, que embora não
compreendidos na idéia que a norma exprime, estão também enquadrados no conteúdo do
negócio;
5. Quanto aos cânones interpretativos, volvemo-nos à obra de CASTANHEIRA
NEVES, que diz dever haver um cânone (metódico), com origem remota em Aristóteles, que,
aliás, seria um tópico de legitimação da criação normativo-jurídica em concreto. O sentido de
um cânone, portanto, só pode ser o de um princípio de generalização como na razão kantiana,
para dar validade à razão prática.
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11
Bibliografia
Leis.
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro nterpretada. São Paulo:
Saraiva, 1994.
Dicionários.
NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. 7. ed. Rio-São Paulo: Livraria Fontes
Bastos, 1967, v. 2.
Obras Consultadas.
BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Coimbra: Coimbra Editora Ltda, Portugal,
1969, t. 2, (trad. de Fernando de Miranda).
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, v.1.
ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, Portugal, cap. VII, (trad. de João Baptista Machado).
FRANÇA, R. Limongi. Instituição de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1988.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1960.
MONCADA, Luís Cabral de. Lições de direito civil: parte geral. 4. ed. Coimbra: Livrada
Almedina Editora, Portugal, 1995.
NEVES, A. Castanheira. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Editora,
Boletim da Faculdade de Direito - Stvdia Ivridica, Univ. de Coimbra, Portugal, 1993.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1990, v. 1.