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Leitura crítica e formação para a cidadania: uma experiência com alunos do
Ensino Médio
Terezinha dos Santos Daiprai
Cristiane Malinoski Pianaro Angelo (Orientadora)
Resumo: A leitura é fundamental para o processo de formação do aluno. É
responsabilidade da escola e, primordialmente da disciplina de Língua
Portuguesa, formar o leitor crítico, capaz de atribuir sentidos ao texto a partir das
condições histórico-sociais que ocupa, levando também em conta as condições
histórico-sociais do autor no momento da produção. Isso significa analisar as
imbricações que o texto contempla enquanto produto de relações sociais
carregadas de ideologias. No entanto, a leitura nessa perspectiva não ocorre nas
escolas ou ocorre de maneira pontual devido a vários entraves, sendo um deles a
formação da maioria dos professores na linha tradicionalista, que privilegia a
decodificação em detrimento da interação e do dialogismo que a leitura crítica na
perspectiva sociointeracionista pressupõe. Este artigo demonstra que é possível
ultrapassar as barreiras da leitura tradicionalista, por meio de práticas que
privilegiam a diversidade de gêneros textuais com temáticas próximas às
vivências dos alunos. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de intervenção em
uma turma de 2º ano do ensino Médio com os objetivos de favorecer aos alunos
o desenvolvimento da leitura crítica a fim de que possam ter mais condições de
participação ativa em sociedade e possibilitar por meio de práticas de leitura a
compreensão mais ampla acerca do conceito de política, percebendo-a como algo
intrínseco à participação do cidadão na comunidade em que está inserido.
Os resultados demonstram que por meio de estratégias simples, mas que
contemplam os diversos gêneros textuais que circulam socialmente, portadores
de temáticas significativas na comunidade, pode-se dinamizar as aulas de leitura
e colher respostas promissoras no processo da formação do cidadão participativo
e do leitor crítico dentro da escola.
Summary: The reading is basic for the process of formation of the student.
It’s responsibility of the school and, primordially of disciplines of Portuguese
Language, to form the reader critical, capable to attribute sensible to the text from
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the social conditions that occupies while reading, also taking in account the social
conditions of the author at the moment of the production. This means to analyze
the implications that the text contemplates while product of loaded social relations
of ideologies. However, the reading in this perspective doesn’t occur in the schools
or occurs in prompt way due to some impediments, being the one of them
formation of the majority them professors in the traditionalistic line, that privileges
the decoding in detriment of the interaction and the dialoque that the critical
reading in the social perspective estimates. This article demonstrates that it’s
possible to exceed the barriers of the traditionalistic reading, by means of practical
that they privilege the diversity of thematic literal sorts with next to the experiences
to the student. For in such a way, year of Average education with the objectives
was become fullfilled a research of intervention in a group of High School with the
objective to favor to the students the development of the critical reading so that
they can have more conditions of active participation in society and make possible
by means of practical of reading the understanding amplest concerning the politics
concept, perceiving it as something intrinsic to the participation it citizen in the
community where he is inserted.
The results demonstrate that by means of simple strategies, but that they
contemplate the diverse literal sorts that circulate socially, thematic carriers of
significant in the community, can improve the lessons of reading and spoon
promising answers in the process of the formation of the participativo citizen and
the critical reader of the school.
Palavras-chave: leitura; concepção sociointeracionista; língua materna; ensino
médio
Considerações iniciais
Melhorar a qualidade de leitura dos alunos é preocupação recorrente em
falas, debates, seminários, em qualquer situação em que se discuta o nível de
aprendizagem dos estudantes. Essa recorrência quase sempre aponta como uma
das possibilidades de ampliar o nível de compreensão da leitura, a utilização de
novas abordagens dessa prática por parte dos professores. Para que isso ocorra,
é necessário reconhecer que, entre os vários fatores que interferem no
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desenvolvimento efetivo da leitura nas escolas, a formação acadêmica e
continuada dos professores é um dos principais. Embora, as pesquisas acerca do
processo que envolve o ensino e aprendizagem da leitura já tenham décadas, a
formação da maioria dos professores que exercem o magistério ainda foi pautada
nos moldes “positivistas-estruturalistas” em que a leitura é tratada como um ato
mecânico de decodificação, sendo o texto detentor de único sentido possível a ser
depreendido pelo leitor, sem levar em conta as condições de produção que cada
gênero textual exige.
Para que uma nova abordagem da leitura seja realizada no ambiente
escolar, faz-se necessário, primordialmente, romper com a leitura apenas dos
manuais didáticos que, em sua maioria, apresentam atividades de leitura
pautadas na visão tradicionalista, com restrita variação de gêneros textuais. Silva
(2003) afirma que não existe leitor de um texto só, nem de um único gênero, pois
as informações escritas ocorrem de diferentes formas na sociedade. Em outro
momento, referindo-se ao papel do professor, afirma que o educador precisa
compartilhar com os alunos vivências e argumentos convincentes sobre o valor da
leitura na sociedade, as motivações ou necessidades, os interesses que estão em
jogo na formação de leitores e, sobretudo, os elementos que compõem os
diferentes tipos de práticas de leitura. O autor afirma ainda que, se o professor
não for capaz de fazer uma leitura crítica das contradições geradoras da pobreza,
miséria, injustiça, violência social etc., estará deixando de lado importantes
dimensões que fazem a ponte entre o ensino e a vida, escola e cidadania,
reflexões necessárias para que a leitura crítica venha a acontecer.
Silva (2003) chama a atenção para a necessidade de se planejar a leitura
na escola a partir de textos encadeados, isto é, vários gêneros textuais com a
mesma temática, que permitam o refinamento da compreensão dos estudantes,
bem como o desenvolvimento de competências que possam levá-los à autonomia
e à maturidade em leitura.
Nessa perspectiva, a leitura é um processo que exige planejamento amplo
e bem definido, mas não apenas do professor. Essa prática deve fazer parte do
projeto político pedagógico da escola, o qual deve dimensionar o contexto escolar
em seus aspectos físicos, sociais, econômicos e culturais, que, por sua vez,
nortearão também as práticas do professor no momento da implementação de
suas estratégias de leitura numa determinada escola, sob determinadas
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condições e num tempo curricular normatizado pela rede de ensino à qual essa
escola pertence.
Ainda, Silva (2003) sugere que a leitura deve ser realizada em três
momentos para o desenvolvimento da competência leitora crítica: o constatar, ou
seja, o contato inicial do leitor com o texto; o constatar, a partilha coletiva dos
primeiros sentidos constatados; o transformar, que se refere à produção de mais
sentidos a partir de situações desafiadoras.
Nesse sentido, também Freire (2006) aborda a necessidade da leitura de
mundo, mostrando que a linguagem e a realidade se prendem dinamicamente de
forma indissociáveis, de modo que a leitura da palavra não pode ser dissociada
da leitura de mundo, isto é, a leitura crítica de um texto exige a percepção das
relações com o contexto tanto da produção escrita quanto da prática da leitura.
Cabe à escola a responsabilidade de formar esse leitor competente para
compreender e interpretar a diversidade de gêneros de textos que circulam
socialmente, sendo capaz de realizar inferências, discordar ou concordar com as
leituras que realiza. Nesse sentido é que se realizou a pesquisa de intervenção
com os objetivos de: a) favorecer aos alunos do 2º ano do Ensino Médio o
desenvolvimento da leitura crítica a fim de que possam ter mais condições de
participação ativa em sociedade; b) possibilitar por meio de práticas de leitura a
compreensão mais ampla acerca do conceito de política, percebendo-a como algo
intrínseco à participação do cidadão na comunidade em que está inserido.
Para tanto, o aporte teórico que baliza este estudo é o sócio-
interacionismo bakhtiniano (1992, 2003) cujos preceitos encontram-se
transpassados também nas obras de Silva ( 1998, 2003, 2005), Freire (2006),
Solé (1998), Conder (2005), Possenti (1998), Kleiman (1999), Antunes(2003),
Marcuschi (2007), Orlandi (1999) e outros autores, que defendem a leitura como
um processo interlocutivo que implica várias dimensões para além da
decodificação, pois incorpora o contexto histórico e social do texto e do leitor,
gerando assim um diálogo, que possibilita a criação de sentidos no ato da leitura.
Levando em conta que no ano de 2008 a sociedade viveu vários
momentos em que esteve defrontando-se com a polêmica temática da política:
eleições municipais, eleições para diretores de escola, eleições do sindicato dos
professores e funcionários das escolas estaduais e em algumas escolas, como é
o caso do Colégio onde o presente projeto foi desenvolvido, eleições para o
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grêmio estudantil, torna-se oportuno o trabalho escolar com a leitura de gêneros
textuais que abordem essa problemática, enquanto processo participativo que faz
parte da vida democrática, bem como enquanto processo eleitoral. Deste modo
significamos a leitura desse tema a partir das situações vivenciadas pelos alunos
e pela sociedade.
Por tratar-se de uma pesquisa de intervenção, este trabalho foi
desenvolvido, como parte integrante do eixo de leitura previsto no Plano docente
para o ano de 2008, com os alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio
Estadual Liane Marta da Costa, abrangendo 34 alunos da turma “B”. Salienta-se
ainda que o trabalho é requisito para conclusão de participação no PDE -
Programa de Desenvolvimento Educacional, incorporado à política de formação
continuada de professores da Educação Básica do estado do Paraná.
Fundamentação teórica.
Entende-se que um dos entraves para a formação de leitores competentes
seja a formação dos professores de Língua Portuguesa, uma vez que tiveram a
base formadora na linha estruturalista em que o texto aparece como um objeto
fechado em si mesmo. Para muitos docentes, a abordagem da leitura
contextualizada, com possibilidade dialógica só apareceu em cursos que fizeram
após a conclusão do ensino superior, e até por leituras que realizaram na busca
de melhorar sua prática pedagógica é que descobriram novos apontamentos para
outras possibilidades no ensino da leitura.
Os livros didáticos, com raras exceções, também apresentam a concepção
estruturalista no trabalho com os textos, sendo mais um agravante para a
formação do leitor competente que se deseja. Sabe-se que um leitor crítico
precisa ir muito além do texto, lendo o dito e o não dito, conforme aponta Orlandi
(1999), quando afirma que ler um texto é compreender os processos de produção
de sentidos que nele circundam e que nem sempre são transparentes. Segundo a
autora, é necessário enxergar os sentidos que se escondem e circulam num texto
em sua relação com a exterioridade, levar em conta o contexto de produção da
escrita e da leitura e os sentidos múltiplos que se escondem num texto. A
oportunidade que aqui se apresentou para estudar essa temática de maneira mais
ampla e aprofundar conhecimentos, certamente proporcionou condições de
trabalhar as aulas de leitura de maneira mais eficiente.
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As concepções de leitura mais debatidas atualmente defendem a idéia de
que para formar o leitor crítico é necessário, entre outras coisas, trabalhar a
leitura dos diferentes gêneros textuais que circulam em sociedade, pois os
mesmos refletem as práticas sociais que se estabelecem entre indivíduos em seu
fazer histórico.
Os referenciais teóricos presentes na obra do lingüista russo Michael
Bakhtin (2003) mostram que todos os campos das atividades desenvolvidas pelo
ser humano estão ligados ao uso da linguagem e que esse uso é tão variado
quanto os campos da atividade humana. Portanto, o emprego da língua ocorre em
situações dialógicas, ou seja, a linguagem é palavra viva no emaranhado dos
discursos alheios com os quais interagem os sujeitos. Nesse sentido entende-se
que o estudo dos inúmeros gêneros que circulam em sociedade é indispensável
para o desenvolvimento da práxis interacionista de leitura que se pretende
desenvolver neste trabalho.
Diversos estudiosos da leitura vêem ao encontro das idéias bakhtinianas
ao procurarem problematizar a linguagem como fenômeno social que acontece na
interação entre os sujeitos e refletir a prática da leitura como um processo
dialógico entre autor-texto e leitor
Silva (2000; 2003) aborda questões relativas à leitura apontando para
uma visão mais ampla e mais integrada do ato de ler em todas as disciplinas da
grade curricular de uma escola. O autor faz uma explanação sobre a linguagem e
sua relação com o contexto social de cada pessoa, suas experiências, suas
emoções e as influências no ato da leitura.
Ao discutir a leitura na escola, Silva (2003) apresenta a construção de
uma unidade de leitura, destacando o compromisso do professor como base na
formação e no crescimento do leitor. Dessa forma, o professor deve levar em
conta as experiências vividas no cotidiano de suas aulas, relacionando a sua
formação política, social e econômica com a sua atuação na sociedade. O autor
lembra também a importância de se fazer uma avaliação diagnóstica do interesse,
aspirações e necessidades dos educandos para aprofundar o conhecimento. “O
processo de leitura requer a importância da diversidade de configurações textuais
que circulam na sociedade e que, por isso mesmo, são importantes durante a
montagem de uma unidade de leitura”. (Silva, 2003, p 24). O autor afirma também
que o espaço escolar deve ser um ambiente propício à produção de atividades
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voltadas para o uso da leitura e que as mesmas estejam próximas da realidade do
aluno para que o ato de ler o transforme em sujeito crítico.
Nesse sentido, Silva (2003) sugere atividades de leitura a partir de vários
gêneros sobre um mesmo tema, mostrando algumas observações para o
professor apresentar aos alunos, com o propósito de aprofundar e enriquecer as
unidades de leitura.
Silva (2005) apresenta fundamentos psicológicos e filosóficos para novas
metodologias vinculadas ao ato de ler, demonstrando que a compreensão do que
se lê não é apenas um ato racional porque a leitura é um processo contínuo de
atribuição de significados. Assim, Silva oferece a professores e interessados na
problemática da leitura um material riquíssimo, conclusões de seus vários anos de
reflexão, pesquisa e experiências no magistério.
Freire (1991) esclarece que a leitura de mundo precede à da palavra,
sendo que a importância da leitura na alfabetização é fundamental na construção
da história do indivíduo. Ele nos mostra isso através de sua experiência, quando
nos primeiros anos aprendeu a ler em sua própria casa. A leitura do mundo foi
fundamental para a sua compreensão da importância do ato de ler e escrever
como uma prática consciente. O autor mostra, ainda, que nas situações de
ensino-aprendizagem, ler implica a percepção crítica na reescrita do que foi lido e
afirma que o conjunto de situações concretas possibilita uma leitura crítica do
mundo antes da leitura da palavra, e que a alfabetização exige esforços de
compreensão da palavra escrita, mas é um ato de conhecimento criador e
político, um esforço da leitura de mundo e da palavra, que exige a compreensão
da linguagem, das relações do contexto de quem fala, lê e escreve, que são na
verdade relações entre leitura de mundo e leitura da palavra.
Assim, Freire (1991) leva-nos a repensar nossa prática e nossa maneira
de compreender a leitura na realidade em que vivemos e a buscar cada vez mais
melhorar a condição de ensino e aprendizagem dessa atividade, para melhorar o
nosso aluno em sua visão de leitor de textos e do mundo em que vive.
Ainda sobre o ato de ler, Solé (1998) o apresenta como um processo
complexo que exige estratégias bem definidas para que ocorra a interação
necessária entre o leitor e o texto, sendo que é o leitor que constrói o significado
do texto através de seus conhecimentos prévios, mas o professor tem que
mostrar claramente ao aluno as estratégias que utiliza para compreender o que lê.
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Também na perspectiva interacionista, Antunes (2007) faz uma severa
crítica à maneira como a leitura é abordada nas salas de aula e afirma que é
preciso fazer com que as aulas de língua sejam trabalhadas de modo que
funcionem como “encontro de pessoas em atividades de linguagem” e, mais
ainda, como “encontro de interação”, para que as pessoas ali envolvidas possam
ampliar suas capacidades lingüísticas para melhor participar da comunidade em
que vivem. A autora afirma ainda que a atividade da leitura completa a atividade
da produção escrita e que supõe muito mais que simples decodificação das
palavras. O leitor interage na tentativa de recuperar, interpretar e compreender o
conteúdo e as intenções apresentadas pelo autor. Não se pode ignorar os sinais
gráficos, mas apenas como indicadores para possíveis hipóteses, significados e
conclusões. Esses sinais superficiais do texto são fundamentais para a
compreensão, mas não se pode parar aí. O que se vê na superfície do texto, e o
saber prévio do leitor se completam na tentativa de se construir sentidos e buscar
as possíveis intenções. “A leitura é uma atividade de acesso ao conhecimento
produzido, ao prazer estético e, ainda, uma atividade de acesso às
especificidades da escrita” (Antunes, 2007, p 43)
Antunes (2007) discute, ainda, a partir desse princípio, três pontos sobre a
leitura: primeiramente, essa atividade aparece como “a ampliação dos repertórios
de informação do leitor”; segundo, a leitura possibilita “a experiência gratuita do
prazer estético, do ler pelo simples gosto de ler”; terceiro a atividade da leitura
possibilita que “se compreenda o que é típico da escrita formal dos textos da
comunicação pública”. É pela leitura que compreendemos o vocabulário
específico dos gêneros textuais. A autora aponta, também, para as implicações
pedagógicas que decorrem desses pontos. Chama a atenção do professor para
a necessidade da leitura de textos autênticos, para a leitura interativa, de duas
vias, levando em conta o todo, que será crítica, de reconstrução dos sentidos,
diversificada, de pura “curtição”, apoiada no texto, não só das palavras, nunca
desvinculada do sentido.
Ler criticamente, entendendo (ainda que inconscientemente) as
especificidades de cada gênero é uma atividade que se aproxima da experiência
de viver. Na vida, nos deparamos todos os dias com situações novas, que exigem
de nós uma postura, que é pautada em valores que adquirimos ao longo de nossa
existência, pela educação familiar, amizades, convivências na comunidade e
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outros. Ao depararmo-nos com novos textos, também acionamos conhecimentos
já adquiridos em outras leituras. Assim, vamos construindo a nossa capacidade
leitora todos os dias. E essa construção sempre terá matizes da leitura do mundo
associada à leitura da palavra. Sendo assim, uma prática de ensino que pretenda
formar o leitor crítico, deve, necessariamente, trabalhar com a maior diversidade
de gêneros possível. Os textos que circulam na sociedade são resultado das
práticas sociais que se estabelecem entre os indivíduos e trabalhar em sala de
aula com a leitura desses textos é possibilitar ao aluno compreender o papel da
leitura no dia-a-dia e na vida em suas inúmeras implicações dialógicas.
Especificamente acerca da leitura literária, Leandro Konder (2005) aborda
a leitura dos gêneros literários, que têm peculiaridades que devem ser
observadas para serem lidos de maneira competente. O autor também argumenta
que, pela leitura, os seres humanos podem se encontrar, ou seja, a leitura pode
ser uma troca de experiências entre os sujeitos.
O projeto “O viés da política nos diferentes gêneros – puxando esse
fio”
Perpassando pela conceituação de leitura como um ato que exige do leitor
a interação com o texto (Silva, 2003; Freire,2006), optou-se por produzir uma
unidade de leitura, abordando a temática da política a partir de variados gêneros
textuais. A escolha dessa temática deveu-se ao momento histórico, em que os
alunos estiveram mergulhados. No ano de 2008, vários eventos ocorreram, nos
quais o assunto política foi abordado. Foram eles: eleições do Grêmio do colégio,
eleições municipais, eleições da APP - sindicato, eleições para diretores das
escolas estaduais. Com essa contextualização, justificou-se a construção e
aplicação do referido material de leitura a duas turmas de 2º ano do Ensino
Médio, pertencentes a uma escola pública de Guarapuava-PR.
Para efeitos de organização, o trabalho foi dividido em módulos, sendo que
cada um contemplou um gênero textual.
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MÓDULO I – o viés da política no gênero enquete. Objetivos: Apresentar a enquete como um gênero discursivo que surge na sociedade
para levantar as opiniões das pessoas acerca de um determinado assunto; Diagnosticar a idéia que os alunos têm em relação à leitura e ao assunto
política. Verificar até que ponto o conceito que os alunos têm a respeito da leitura
aproxima-se da concepção teórica da leitura crítica que se pretende desenvolver no decorrer das atividades desta proposta.
Estratégias: 1) Leitura de enquete 2) Estudo da dimensão social do gênero Avaliação: Por meio da observação e análise das respostas, avaliar a capacidade de
leitura dos alunos do gênero enquete, mensurar em percentual as concepções da turma, considerando o total de alunos.
Número de aulas: 1 aula
Solicitamos aos alunos que realizassem a leitura da enquete:
Você acredita que o Programa Fome Zero do governo Lula, acabará com a
fome?
( ) sim 15,32%
( ) não 47,31%
( ) amenizará 37%
(Fonte: www.enquetes.com.br/categorias.asp.)
Na seqüência foram abordadas algumas questões que exploravam a
dimensão social do gênero enquete: Como manifestação da linguagem presente,
principalmente, nos meios de comunicação: jornais, revistas, internet, qual a
importância do gênero enquete para a sociedade? De que trata o texto? Por que o
assunto mereceu ser destacado? Em que momento histórico foi veiculado?Quem
são os possíveis leitores desse texto? Que lugar ocupam no meio social? Quais
os prováveis objetivos desse texto? Que tipo de comportamento o leitor deve ter
diante da leitura desse texto?
A apresentação dessas questões teve a finalidade de contribuir na
ampliação da leitura dos alunos para além de simplesmente apresentar o
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resultado da pesquisa. Teve o propósito de situar o aluno diante do texto como
uma produção social que atende a objetivos específicos, pensados, planejados,
para interferir na sociedade. Também se pretendeu mostrar aos alunos essas
indagações como estratégias, que se utiliza no momento da leitura de um texto,
sendo as mesmas conscientes ou não.
De modo geral, os alunos apresentaram atitude de estranhamento à
idéia de que a enquete é um gênero textual, demonstrando entenderem como
texto apenas os enunciados maiores, de pelo menos, meia página. Porém, no
decorrer das demais questões, interagiram de modo satisfatório às indagações a
que foram submetidos.
Após essa atividade, passamos a abordagem do tema desta unidade: o
viés da política nos diferentes gêneros textuais, apresentando duas enquetes para
que os alunos respondessem: O que você entende por leitura? O que é política
para você?
Dos 32 alunos da turma, 17 (53.3%) achavam que leitura é quando
pegam livros na biblioteca nas aulas de português, 12 (37.5%) consideravam que
leitura é quando lêem textos na escola, 1 (3.1%) opinou que a leitura acontece a
todo momento, pois lê para fazer qualquer coisa: estudar, saber de algo, usar
uma receita etc. e 2 (6.1%) demonstraram que leitura é uma obrigação de quem
está na escola.
Em relação à política, 19 (59%) alunos achavam que política é coisa de
quem foi eleito e que os mesmos mentem e enganam, 11 (34%) entendiam que,
de alguma maneira, a política está presente em nosso dia-a-dia e 2 (6%) não
opinaram sobre o assunto.
Após a análise desses dados, passou-se à leitura de respostas de outros
estudantes à enquete “O que é política para você?”, na seqüência, em duplas, os
alunos debateram sobre as seguintes questões: 1 - Certamente, você já ouviu
essas frases, ou outras parecidas, sobre política em casa, na rua, na escola e em
outros lugares. Converse com seu colega ao lado: você concorda com as
afirmações dos estudantes que participaram da enquete? Por quê? 2- Os
estudantes que responderam à enquete demonstram conhecimento amplo sobre
a política? Justifique. 3- De que modo esses estudantes chegaram a construir
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uma opinião sobre a política? 4- Agora que você já debateu com o colega ao lado,
que tal expor o debate à turma toda?
No decorrer do debate percebeu-se o senso comum na maioria das
opiniões dos alunos. Em relação à capacidade de leitura crítica, os mesmos, em
sua maioria, demonstraram vícios da leitura tradicional, ficando bastante presos
ao texto escrito apenas. A conclusão a que a turma chegou, após a partilha das
respostas foi que o conceito de política que a maioria apresentou, tanto os
estudantes das respostas analisadas quanto eles próprios, é que política é uma
atividade apenas de quem exerce um cargo eletivo, algo contaminado por ações
erradas e distantes de suas vivências, formado, principalmente, pelos meios de
comunicação de massa e pelo o que ouvem falar no dia-a-dia.
Módulo II – O viés da política no gênero verbete Objetivo: Aprofundar a compreensão acerca do tema política. Estratégias: Leitura de verbetes. Consulta a dicionários. Comparações de verbetes e debate dos pontos convergentes e
divergentes. Avaliação: Por meio da observação da capacidade de leitura no momento de
comparar e debater os verbetes. Número de aulas: 1 aula
A partir das conclusões a que os alunos chegaram, apresentamos a
leitura de verbetes para que os alunos tivessem a oportunidade de comparar as
suas concepções com um verbete que conceitua a palavra política.
Contextualizamos esse estudo com a introdução já apresentada no primeiro
módulo, lembrando a eles que este ano, em especial, vivenciamos quatro
momentos importantes da política eleitoral, a qual os alunos mais remeteram suas
opiniões: eleição do grêmio da escola, eleição da diretoria do sindicato dos
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professores, eleições municipais e eleições para direção das escolas públicas
estaduais.
Na seqüência, solicitamos que os alunos pesquisassem em outros
dicionários a definição de política e comparassem com os verbetes já lidos: há
dados diferentes? Acrescentam ou retiram informações? Em seguida, solicitamos
que comparassem as suas definições de política com as definições dos
dicionários e registrassem para posterior discussão na classe, baseando-se nos
seguintes questionamentos: há semelhanças? A leitura dos verbetes ajuda a
ampliar a compreensão do que seja política? Você costuma consultar dicionários
quando tem dúvida em relação a uma palavra ou assunto? Por quê? Observe os
verbetes que você leu e identifique os elementos desse gênero textual. Qual a
importância desse gênero na sociedade?
Os alunos demonstraram surpresa em relação às definições de política
apresentadas pelos dicionários, bem como admitiram que raramente consultam
dicionários quando têm dúvidas em relação ao conceito de um assunto e
concluíram que suas opiniões sobre o assunto em questão estavam formadas
apenas pelo senso comum. Mas, a partir dessa leitura, ampliaram muito a
compreensão do que seja política e admitiram jamais terem visto o verbete do
dicionário como um gênero textual.
Módulo III – O viés da política no gênero texto didático Objetivo: -Identificar as especificidades do texto didático. -Estabelecer relações desse gênero com os demais já estudados. Estratégias: Leitura e indagações a partir do texto, que levem o aluno a estabelecer
relações deste com aqueles já estudados, visando a ampliação do tema em estudo.
Avaliação: Avaliar por meio das respostas às questões relacionadas ao texto. Número de aulas: 2 a 3 aulas
Apresentamos um texto didático de Marilena Chauí, com o título
“Ampliando horizontes”, retirado do livro “Convite à filosofia”, no qual a temática
![Page 14: Leitura crítica e formação para a cidadania: uma ... · para o ano de 2008, com os alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Liane ... discursos alheios com os quais](https://reader031.vdocuments.pub/reader031/viewer/2022022716/5c16d8b309d3f28f0a8d2012/html5/thumbnails/14.jpg)
política foi enfocada a partir da etimologia da palavra e dos desdobramentos que
atinge na vida em sociedade. Na partilha, os alunos participaram respondendo as
indagações que a própria autora faz no decorrer do texto: Afinal, a política é uma
profissão entre outras ou é uma ação que todos os indivíduos realizam quando se
relacionam com o poder? A política se refere às atividades de governo ou a toda
ação social que tenha como alvo ou como interlocutor o governo ou o Estado? Em
uma escola são realizadas ações políticas? Quais?
Também identificaram com surpresa e satisfação as ações políticas
presentes no dia-a-dia da escola, percebidas assim por eles, somente após a
leitura do texto de Chauí. Alguns alunos demonstraram interesse em ler outros
textos de Marilena Chauí, procurando o livro na biblioteca da escola.
Módulo IV – O viés da política no gênero poético Objetivo: Levar o aluno a reconhecer o diálogo do gênero poético apresentado com
os demais textos estudados até aqui. Debate acerca do conteúdo do poema e do dialogismo que se pode
estabelecer com os demais textos estudados. Avaliação: Avaliar por meio da observação das respostas às questões relativas à
leitura do poema, bem como, do envolvimento de cada aluno com o debate suscitado pelo conteúdo.
Número de aulas: 2 aulas
Na seqüência, trabalhamos com a leitura do poema “O analfabeto político”
de Berthold Brecht. Inicialmente, a leitura foi individual e, posteriormente,
realizada em voz alta por dois alunos. A maioria da turma manifestou-se dizendo
que esse poema era diferente, desde a estrutura até a linguagem, que a acharam
bastante direta por apresentar até “xingamentos”. Solicitamos também que, em
duplas, comentassem a respeito do que sentiram ao ler o poema e, em seguida,
compartilhassem com a turma seus sentimentos. Na exposição os alunos
relataram sentimentos de espanto, surpresa, constatação, referindo-se ao
conteúdo do poema que confirmava idéias apresentadas por outros textos já lidos,
principalmente, pelo texto de Marilena Chauí. Alguns disseram sentir vergonha
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por sentirem-se analfabetos políticos. Continuando, os alunos responderam,
individualmente e, posteriormente, debateram entre si, às seguintes questões: O
poema Analfabeto Político pode ser considerado também um texto de opinião?
Argumente sua resposta. Compare o poema com o texto de Marilena Chauí e
escreva o que eles têm em comum. No sentido tradicional, analfabeto é aquele
que não tem domínio da leitura e da escrita e, esse analfabetismo é considerado
um problema social. Considerando o poema, o analfabetismo político é também
um problema social?
Ainda, retomando Silva (2003), que aponta um possível caminho de
leitura como um movimento de compreensão que pressupõe as ações de
constatar, compreensão individual, passando pelo cotejar, comparação pela
partilha das constatações, chegando ao transformar, momento de apontar novos
sentidos, produzindo outros textos a partir da compreensão leitora construída,
elaboramos a seguinte proposta: Releia o poema e faça uma charge para
representar sua opinião a respeito do conceito de política que o mesmo
apresenta. Para isso, procure em jornais e revistas algumas charges e observe
sobre que assuntos tratam e de que modo são produzidas. Depois de produzir a
sua charge, discuta com a turma o seu trabalho e organize com os colegas e
professor (a) um varal onde ficarão expostas as charges da turma.
No momento do constatar e do cotejar foi unânime a afirmação de que o
poema é também um texto de opinião e, quase unânime, a afirmação dos alunos
de que nunca haviam pensado em analfabetismo político como problema social.
Mas, a partir das leituras deste estudo, entenderam que este sim é um problema
social muito grande e dá origem a vários outros problemas sociais. O dialogismo
do poema com o texto de Marilena Chauí foi identificado rapidamente, porém por
um número pequeno de alunos. Para muitos, foi necessária a insistência para que
utilizassem como estratégia (Sole 1998) retomar a leitura de ambos os textos.
Somente depois dessa orientação de leitura é que encontraram os pontos de
diálogo.
O momento do transformar, ou seja, a produção da charge, foi o ponto alto
desta prática de leitura. Os alunos observaram algumas charges em revistas e
jornais. Discutiu-se que a política governamental é sempre alvo dos chargistas,
justamente por ser um assunto ligado à vida de toda a sociedade. Após análise,
comparação e comentários de várias charges de revistas e jornais que foram
![Page 16: Leitura crítica e formação para a cidadania: uma ... · para o ano de 2008, com os alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Liane ... discursos alheios com os quais](https://reader031.vdocuments.pub/reader031/viewer/2022022716/5c16d8b309d3f28f0a8d2012/html5/thumbnails/16.jpg)
levados à sala de aula, os alunos passaram a produzir as suas charges com base
na leitura do poema. As produções, que tiveram por finalidade a partilha do
entendimento da temática em estudo para toda a escola, na maioria, foram
críticas, expressando satisfatoriamente a interpretação da leitura. A exposição das
charges no varal, também foi um momento de comparação, constatação e
recriação da realidade. Os alunos participaram de modo especial, com alegria e
entusiasmo, desta etapa da leitura.
Módulo V - O viés da política no gênero letra de música Objetivo: Desenvolver a sensibilidade para compreender a letra de uma música
como mais um suporte para a formação de opinião. Estratégias: Ouvir e cantar tendo em mãos a letra da música. Ler a música enquanto gênero textual. Retomar a leitura destacando pontos de diálogo com os outros textos. Avaliação: Por meio de questões orais e escritas, observando a capacidade de
diálogo estabelecida entre a música e demais textos já estudados sobre a temática em questão.
Número de aulas: 2 a 3 aulas.
Ouvimos e cantamos a música “Que país é esse?”, de autoria de Renato
Russo. Na seqüência, para ampliar a criticidade os alunos passaram a trabalhar
com algumas questões relacionadas à temática da letra da música: 1- Você
concorda com as afirmações acima? Será que as músicas também formam
opinião?Escreva sobre o você pensa sobre a influência das músicas na formação
das opiniões que circulam na sociedade. 2- Quanto à letra da música “Que país é
esse?”, o que você observa em relação à política? 3- Que crítica pode ser
depreendida das entrelinhas da afirmação no final da primeira parte da música? E
do título, que é também o refrão? 4- A música pergunta: “Que país é esse?”.
Observando o seu dia-a-dia, que perguntas você gostaria de fazer? Escreva-as e
justifique suas indagações. 5- Marilena Chaui diz em seu texto que mesmo
quando as pessoas optam por isolar-se, ficando longe de tudo quanto lembre
política, estão praticando-a, pois permitem que as coisas continuem exatamente
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como estão. À qual estrofe da música podemos associar essa afirmação de
Chauí?
A maioria dos alunos teve facilidade em responder e debater as questões
propostas. Ainda, a partir do estudo da letra da música, propusemos aos alunos
uma pesquisa em jornais e revistas de fatos políticos que confirmassem a relação
entre decisões políticas e custo de vida. Essa pesquisa também foi debatida com
a turma toda em clima de muita participação.
Módulo VI – O viés da política no gênero Carta do leitor Objetivo: Reconhecer as especificidades do texto Carta do leitor, tanto na leitura
quanto na escrita. Escrever uma carta do leitor mostrando domínio dos elementos desse
gênero textual. Reconhecer a postura política, os aspectos ideológicos que perpassam a
produção e leitura desse gênero. Estratégias: Leitura de Cartas do leitor de diferentes jornais e revistas. Escrever individualmente uma carta à Marilena Chauí, autora do texto
didático estudado. Em grupos analisar as cartas, levantar pontos semelhantes e
complementares de cada carta. Escolher uma carta ou reescrever coletivamente a partir dos pontos
observados nos grupos, para representar a turma e enviar à Marilena Chauí. Avaliação: Análise da escrita da carta, se a mesma reflete o conteúdo dos textos
estudados sobre a temática em questão. Número de aulas: 2 a 3 aulas.
Como transformação final, propusemos aos alunos a produção de uma
carta argumentativa à Marilena Chauí, mostrando a autora a importante
contribuição que teve a leitura de seus textos na formação de suas opiniões em
relação à verdadeira política.
Retomamos com os alunos a dimensão social e estrutural do gênero carta
e levamos exemplos de várias cartas para que eles, em grupos, analisassem-
nas. Depois de sanarem dúvidas, escreveram uma carta individualmente. Na
seqüência, em grupos novamente, partilharam as produções e selecionaram os
pontos comuns mais relevantes, fazendo uma síntese para expor a turma toda.
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Por fim, chegou-se ao consenso de se elaborar uma carta coletiva a ser enviada
a Chauí:
Guarapuava, 23 de junho de 2008. Prezada senhora Somos alunos do colégio Estadual Liane Marta da Costa. Estamos cursando o 2º
ano do Ensino Médio e somos da turma “B”. No segundo bimestre (maio e junho), estudamos textos seus retirado do livro Convite à Filosofia, em um projeto de leitura nas aulas de português, juntamente com letras de música, poemas, verbetes de dicionários e enquetes, sendo que todos abordaram a temática política.
Nesse estudo realizamos debates interagindo com os textos, com a professora e um com o outro e, dessa forma, ampliamos nossas idéias, pois entendemos que a política não é só o que aparece na mídia, geralmente ligada a ações de corrupção. Seus textos nos mostraram que a política está presente na vida da comunidade organizada formada pelos cidadãos, isto é, todos praticam e fazem política.
Por causa de seus textos muitos de nós mudamos de opinião sobre esse assunto. Agora estamos mais críticos e saímos da alienação: entendemos que a política não se restringe aos cargos públicos (governantes) e está presente em nosso dia-a-dia em todos os sentidos: desde a divisão de tarefas em casa, as normas da escola até a escolha de nossos representantes governamentais.
Com esse projeto de leitura em que estudamos seus textos, pudemos perceber ainda, que o analfabetismo político deve ser combatido para que nós, por meio da ação política possamos encontrar maneiras de melhorar o mundo.
Sabemos que a senhora é uma pessoa muito ocupada, mas se puder responder nossa carta ficaremos felizes.
Um abraço carinhoso de todos.
(A carta foi passada a limpo por uma aluna e assinada por todos os alunos
da turma.)
Nessa atividade mereceu destaque a preocupação dos alunos com a
adequação da linguagem e a afetividade, na gentileza das palavras que
procuraram utilizar. Com algumas exceções, a turma realizou essa atividade com
muito prazer e zelo intelectual, o que também nos trouxe muita realização
profissional. Enviamos a carta e ficamos torcendo para que tivéssemos resposta e
pudéssemos constatar a atitude responsiva que a linha interacionista de leitura
pressupõe, ou seja, a interação da autora com seus leitores de maneira efetiva.
Para alegria e satisfação de todos, a resposta aconteceu:
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Discussão dos resultados
Pudemos constatar no início da pesquisa que alguns alunos já tinham
(ainda que inconsciente) algum grau de criticidade em suas leituras. Mas, a
maioria trazia os vícios da leitura tradicionalista, vendo o texto como algo
estanque que deve ser apenas decodificado e que não oferece possibilidades
para interação. Nossa proposta era desenvolver a leitura crítica a partir da
concepção sociointeracionista, a qual considera que os textos estão inseridos em
práticas sociais, sendo produzidos por alguém e para alguém em um determinado
tempo e espaço social de acordo com as condições histórico-sociais daquele
momento. E, o leitor deve atribui sentidos ao texto também levando em conta as
condições de produção da escrita e da leitura. Portanto, a leitura crítica na
perspectiva sociointeracionista exige um leitor ativo que lê para além do que está
escrito a partir das pistas que o texto apresenta.
Tínhamos portanto, o desafio de reforçar a leitura crítica de alguns alunos
e, ao mesmo tempo, iniciar o desenvolvimento desse processo com a maioria da
turma. Para tanto, propusemos atividades que permitiram o trabalho em grupo,
propiciando a interação e a partilha dos sentidos atribuídos aos textos no
momento de constatar, cotejar e transformar, ou seja,compreender, interpretar e
criar a partir da leitura. Chegamos assim àquilo que Silva (2003), denomina leitura
crítica. Mas, por ser a leitura crítica, na perspectiva sociointeracionista um
processo, não se esgotou a formação desses alunos com essa unidade de leitura.
Evidentemente as práticas de leitura apresentadas a eles na seqüência de seus
estudos precisam ter a mesma perspectiva. Caso contrário, corre-se o risco de
voltarem aos velhos vícios apresentados no início desta pesquisa.
Foi solicitada avaliação dos alunos em relação às leituras em três
momentos: após o estudo da enquete, verbetes e texto didático, após o estudo do
poema e da música e após a produção da carta. Em síntese, os alunos
manifestaram satisfação em ler os textos porque os mesmos tiveram uma nova
abordagem, os atividades permitiram que se movimentassem e fizessem
atividades diferentes e não ficassem “só respondendo perguntas” e, a carta foi um
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momento muito relevante para eles, pois puderam “falar” com alguém muito
importante e mostrar que também “sabem das coisas.”
Considero pertinente destacar algumas precauções a serem tomadas
pelos professores ao desenvolverem uma proposta semelhante a esta: ter amplo
conhecimento da temática a ser abordada, consciência de que muitos alunos não
têm nenhum domínio para realizar atividades sob esse viés e, necessitarão de
muita ajuda e persistência, planejar o número de aulas a ser utilizada com
margem maior devido a imprevistos que surgem no decorrer do tempo. Nesta
experiência, foram previstas 12 aulas para a realização. Esse número não foi
suficiente. Foram necessárias 20 aulas para concluir o estudo. E, também que a
leitura de uma temática pode levar a outros desdobramentos, além daqueles
planejados: No decorrer dos trabalhos, ficamos sabendo através de uma rádio
da cidade a existência de uma campanha coordenada por várias entidades, entre
elas, a CNBB-Conferência nacional dos bispos do Brasil e OAB- Ordem dos
advogados do Brasil, que visa, através de um abaixo-assinado propor um projeto
de lei popular para impedir que políticos que tenham ligação com crimes de
corrupção e outros, sejam impedidos de ser candidatos. Comentamos com os
alunos.Um deles, também já sabia da campanha. Imediatamente, vários alunos
sugeriram que, também assinássemos esse documento. Então, informamo-nos
melhor, conseguimos cópias do abaixo-assinado e, os alunos que já possuíam
título eleitoral e os professores do colégio o assinaram. Assim, esta passou a ser
mais uma atividade de socialização e uso efetivo da linguagem escrita na
sociedade e o texto abaixo-assinado mais um gênero que integrou essa unidade
de leitura.
Considerações finais
A pesquisa intervenção realizada com os objetivos de favorecer aos alunos
do 2º ano do Ensino Médio o desenvolvimento da leitura crítica a fim de que
possam ter mais condições de participação ativa em sociedade; possibilitar por
meio de práticas de leitura a compreensão mais ampla acerca do conceito de
política, percebendo-a como algo intrínseco à participação do cidadão na
comunidade em que está inserido, demonstrou resultados motivadores.
Constatou-se que, a cada gênero apresentado para a leitura, os alunos tinham
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mais argumentos para interagir a respeito da temática em estudo, o debate
tornava-se mais empolgante, a participação maior e mais qualificada.
Enfim, a criticidade do aluno pode ser ampliada por meio de atividades
que priorizaram o trabalho em grupo e permitiram a interação, possibilitando o
desenvolvimento da compreensão e interpretação leitora dos alunos.
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