leituras de bourdieu

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Leitura de Pierre Bourdieu A partir da leitura das obras "A Economia das Trocas Lingüísticas" e "Meditações Pascalianas", ambas de Pierre Bourdieu, é possível apreender alguns dos conceitos mais importantes desenvolvidos pelo autor em sua teoria social, assim como perceber exemplos cotidianos daquilo que o autor apresenta. Nesse trabalho, se buscará mostrar alguns desses conceitos, relacionando-os com exemplos ocorridos nos Comitês de Bacia Hidrográfica brasileiros, a partir da literatura específica. 1. Linguagem e dominação simbólica Pierre Bourdieu afirma, divergindo da lingüística clássica, que a linguagem é um produto das relações sociais: nela se pode identificar marcas de tais relações , ao mesmo tempo que favorece a reprodução das mesmas. Assim, aspectos como classe social, localização dentro do território nacional e situação de uso, por exemplo, são fatores que influenciam fortemente o tipo de linguagem que é ou deveria ser usada, como também as conseqüências de tal uso. A noção de habitus ajuda a compreender como se dá esse aspecto social da linguagem. Segundo o autor, habitus compreende um conjunto de disposições duráveis, formadas historicamente, que influenciam a ação dos corpos nas diversas

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Leitura de Pierre Bourdieu

A partir da leitura das obras "A Economia das Trocas Lingsticas" e "Meditaes Pascalianas", ambas de Pierre Bourdieu, possvel apreender alguns dos conceitos mais importantes desenvolvidos pelo autor em sua teoria social, assim como perceber exemplos cotidianos daquilo que o autor apresenta. Nesse trabalho, se buscar mostrar alguns desses conceitos, relacionando-os com exemplos ocorridos nos Comits de Bacia Hidrogrfica brasileiros, a partir da literatura especfica.

1. Linguagem e dominao simblica

Pierre Bourdieu afirma, divergindo da lingstica clssica, que a linguagem um produto das relaes sociais: nela se pode identificar marcas de tais relaes , ao mesmo tempo que favorece a reproduo das mesmas. Assim, aspectos como classe social, localizao dentro do territrio nacional e situao de uso, por exemplo, so fatores que influenciam fortemente o tipo de linguagem que ou deveria ser usada, como tambm as conseqncias de tal uso.

A noo de habitus ajuda a compreender como se d esse aspecto social da linguagem. Segundo o autor, habitus compreende um conjunto de disposies durveis, formadas historicamente, que influenciam a ao dos corpos nas diversas esferas da vida, campos ou mercados. Dessa forma, o habitus de um indivduo se forma no s por suas caractersticas sociais e situaes vividas, como tambm pelo processo histrico pelo qual sua famlia ou o grupo social ao qual pertence passaram ao longo dos sculos. Essas disposies, na forma de habitus lingstico, portanto, so capazes de influenciar os usos lingsticos que cada um faz.

Na seqncia, para que se entenda a dinmica social da linguagem, Bourdieu apresenta o conceito de mercado lingstico, no qual afirma que as trocas lingsticas so tambm trocas econmicas. Nesse sentido, o mercado seria o local de consumo do capital lingstico daquele que enuncia, sendo esse capital a concentrao de uma variedade maior ou menor de formas de expresso para que se possa escolher a mais adequada a cada situao. Tal qual o mercado econmico, o mercado lingstico funciona em funo dos lucros, nesse caso os lucros de distino. O autor afirma a ocorrncia de uma antecipao das sanes e dos lucros do mercado antes mesmo da enunciao, funcionando como uma autocensura que estabelece o que deve ser dito e a forma com a qual dever ser dito."Essa antecipao, que no tem nada a ver com um clculo consciente, o resultado dos habitus lingstico que , sendo o produto de uma relao primordial e prolongada com as leis de um certo mercado, tende a funcionar como um sentido de aceitabilidade e de valor provveis de suas prprias produes lingsticas e das dos outros em diferentes mercados." (BOURDIEU, 2008, p. 64)

Decorre tambm da idia de mercado lingstico o conceito de valor simblico do discurso, que seria a competncia lingstica do agente para enunciar, entender e apreciar os discursos no mercado. O valor simblico est estreitamente ligado ao conceito de capital simblico, que engloba no s tal competncia lingstica como o reconhecimento, institucionalizado ou no, que o agente recebe do grupo. Por sua vez, esse reconhecimento se traduz em poder simblico, ou seja, a legitimao de um discurso atravs da fala legtima, do emissor legtimo, em condies legtimas (como, por exemplo, o discurso de autoridade).

Dessa forma, levando-se em considerao os conceitos apresentados por Bourdieu at aqui, como habitus, mercado lingstico, valor e poder simblico, chega-se a um ponto fundamental da teoria do autor, no qual pode-se compreender a dominao simblica. Para ele, esse tipo de dominao se d quando o dominado apresenta uma forma de cumplicidade com a dominao, o que no quer dizer uma submisso passiva, dado que a dominao simblica no consciente e objetiva, mas sim resultado das disposies do habitus.

Em relao aos Comits de Bacia Hidrogrfica, podemos reconhecer esses conceitos nas descries das atividades deles e nas entrevistas com seus membros. Verifica-se, por exemplo, como o discurso formal e cientfico so legitimados dentro dos comits em detrimento dos demais. H relatos que descrevem falas que no se encaixam nesse padro formal-cientfico sendo desconsideradas e ignoradas nas assemblias. Da mesma forma, percebe-se uma dominao simblica do conhecimento tcnico-cientfico, tido como o nico vlido e neutro o suficiente para basear as decises dos comits, o que produz a imposio de uma viso de mundo cientificizada e independente de outras formas de conhecimento.

2. Fronteiras e discurso cientfico

Bourdieu discorre tambm sobre o processo de classificao, de criao de divises e fronteiras "naturais". Para ele, esse processo, seja com as fronteiras geogrficas, seja com as classificaes cientficas, no tem nada de natural, ele produto de uma diviso mais ou menos prxima da "realidade" de acordo com o grau de semelhana dos elementos em questo. Porm essa prpria realidade puramente social porque tais divises representam, na verdade, uma disputa pela legitimao de uma delimitao que , em grande medida, arbitrria."A fronteira, este produto de uma ato jurdico de delimitao, tanto produz diferena cultural quanto por ela produzida: basta pensar na ao do sistema escolar em matria de lngua para ver que a vontade poltica pode desfazer o que a histria tinha feito" (BOURDIEU, 2008, p.110)

De forma similar, o discurso cientfico no neutro ou natural, ele faz parte da esfera social ao participar das disputas pela legitimao de uma classificao ou viso cientfica especfica. Tambm, dado o carter poltico do discurso cientfico, na medida em que ele enunciado verifica-se que o prprio discurso modifica seu objetivo de estudo ao favorecer ou desfavorecer uma viso em relao ao objeto.

A delimitao das bacias hidrogrficas um exemplo clssico do carter poltico (e no puramente natural) da criao de fronteiras. Outro exemplo a delimitao das reas de trabalho de cada cmara tcnica dentro dos comits, uma determinao muito mais poltico-administrativa que natural. Por fim, podemos citar novamente a legitimao do discurso cientfico, visto como neutro, em clara oposio ao discurso poltico. Este tido como "interesseiro" e como uma dificuldade a mais a gesto dos comits.

3. Referncias bibliogrficas

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ABERS, R. N et al. Incluso, deliberao e controle: trs dimenses de democracia nos comits e consrcios de bacias hidrogrficas no Brasil. Ambiente e Sociedade, Campinas, v. XII, n. 1, p. 115-132, jan./jun. 2009.

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