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LENDAS PARANAENSES: ESTUDO DO GÊNERO ENCANTADO
Leitura e produção textual do gênero lenda
Artigo de Conclusão 2010-2012
PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional - PR
Professora PDE: Julie Francisco Rodrigues
Orientadora: Prof.ª Dra. Joyce Elaine de Almeida Baronas
RESUMO: Este artigo analisa o desenvolvimento de práticas de leitura, escrita e
oralidade na sala de aula que buscam colaborar com a aprendizagem da Língua
Portuguesa e despertar no estudante o gosto pela leitura através do conhecimento
de histórias criadas pelo povo. O projeto aborda a questão da valorização das
tradições culturais a partir do estudo de lendas do folclore paranaense,
especialmente as histórias que foram criadas pelos índios, refletindo sobre alguns
dos seus importantes aspectos, como os problemas identificados na prática escolar
sobre as concepções equivocadas sobre temas diversos. Percebeu-se então, a
necessidade e importância de conhecer outras culturas em sala de aula,
contribuindo para a formação humanística dos alunos e formação do leitor
proficiente, visto que as lendas envolvem todos os aspectos culturais pesquisados.
O gênero textual estudado é a “lenda”, que constitui uma narrativa breve, transmitida
anonimamente pela tradição oral, que lança mão do sobrenatural, do mágico para
criar representações simbólicas e, ao dar respostas e explicações lúdicas para os
acontecimentos que não têm explicação, abrindo espaço à imaginação deixando
sonho e razão dialogar, e assim desenvolvendo o caráter educativo. Considerando a
História e a Cultura Indígena, os trabalhos se desenvolveram a partir da
contextualização desta temática, constatando a grande falta de informação a
respeito da identidade cultural indígena e o preconceito expressos no cotidiano.
Palavras chaves: leitura; gênero lenda; folclore paranaense.
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ABSTRACT – This article examines the development of practices of reading, writing
and oral communication skills in the classroom that try to collaborate with learning
the Portuguese Language and emergence in student a taste for reading through the
knowledge of stories created by the people. The project addresses the issue of
valuation of cultural traditions from the study of legends folklore paranaense,
especially the stories that were created by the indians, reflecting on some of its
important aspects, such as the problems identified in the school practice on the
equivocal concepts on various topics. The textual genre studied and the "Legend",
which is a brief narrative, transmitted anonymously by the oral tradition, which spear
hand of the supernatural, magic to create symbolic representations, and to provide
answers and explanations entertaining for the events that have no explanation,
opening up space for imagination leaving dream and reason in dialog, and thus
developing the educational character. They realized then, the need and importance
of knowing other cultures in the classroom, contributing to the formation of
humanistic students and training of proficient player, since the legends involve all the
cultural aspects researched. Considering the history and the indigenous culture, the
work will be developed from the contextualisation of this thematic noting the great
lack of information about the cultural identity indigenous and prejudice expressed in
daily life.
Key Words: Reading; genre legend; folklore paranaense.
1. INTRODUÇÃO
O projeto ”Lendas paranaenses: estudo do gênero encantado” foi elaborado
tendo como principal objetivo a prática da leitura em sala de aula e desenvolver o
gosto pela leitura. Ao apontar a leitura como fonte de prazer e acesso à cidadania,
este trabalho pesquisou o acervo teórico que registra as histórias lendárias dos
nossos antepassados, na busca por despertar o interesse em histórias contadas
pelo povo, mostrando ao aluno a capacidade produtiva e criativa do povo. A
metodologia utilizada obedeceu à concepção de leitura chamada sociointeracionista
preconizada pelas DCEs – Diretrizes Curriculares Escolares da Rede Pública de
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Educação Básica do Estado do Paraná, nas quais a leitura é concebida como um
processo de produção de sentido que se dá a partir de interações sociais ou
relações dialógicas que acontecem entre o texto e o leitor. Através de sua execução
foi possível aprofundar os temas que compõem este artigo: a leitura e produção
textual do gênero lenda e a importância da cultura de outros povos, em destaque a
cultura dos Povos Indígenas para a formação do leitor.
As lendas são ricas em personagens mágicos e seres que habitam o mundo
dos mitos e elas geralmente estão associados à natureza. Há aquelas que são
contadas há décadas e que surgiram da necessidade que os povos tinham de
explicar e justificar fatos e acontecimentos, com características fantasiosas,
impressionantes e surpreendentes. Para incentivar o gosto pelo livro, este trabalho
buscou, na literatura folclórica paranaense, uma forma de aproximar o aluno de sua
identidade cultural. Nessa relação de convivência e interação com o outro e o
ambiente que o cerca, o adolescente pode construir sua personalidade e autonomia.
Também sua autoimagem é construída a partir da aceitação que percebe na relação
com o outro, dessa forma, sua autoestima é formada conforme a imagem que tem
de si mesmo. O adolescente que se percebe aceito, pode se desenvolver de forma
satisfatória e adotar uma conduta saudável nas relações com outras pessoas.
Algumas das características do folclore são a existência e a disseminação de
contos de lendas populares. Há muitas histórias ou “causos” de origem indígena,
contadas por escravos ou da época do tropeirismo. Essas lendas geralmente tratam
de temas como assombrações, milagres, manifestações religiosas, maldições,
histórias sobre o monge João Maria, visões de lobisomens e outros seres
fantásticos, tesouros escondidos, entre outros. Dentre as mais conhecidas no
Paraná, estão as lendas que tentam explicar a origem de alguns pontos turísticos
locais, como a Lenda de Vila Velha, Lenda das Cataratas do Iguaçu e a Lenda da
Lagoa Dourada.
Herança deixada por diversos povos, o folclore é um dos aspectos
responsáveis por criar uma identidade, baseando-se em todo um contexto histórico e
na própria população de uma localidade. E, apesar das dificuldades, é importante a
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transmissão de contos, músicas, danças e festas para garantir a contínua
valorização da cultura em uma sociedade.
Na pedagogia Histórico-crítica, segundo Vygotski, a educação é
compreendida como ação histórico-cultural. Com a psicologia, a educação é
entendida como ato de mediação no seio das práticas sociais de leitura e escrita que
produz, direta e intencionalmente em cada indivíduo. Esta prática social se põe,
portanto, como o ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa. Deste
ponto, decorre um método pedagógico no qual professor e aluno se encontram
igualmente inseridos, porém, ocupando posições distintas, condição para que
estabeleçam uma relação fértil na compreensão e encaminhamento da solução dos
problemas postos pela prática social. Desta forma, cabe a estes momentos
intermediários do método identificar as questões suscitadas (problematização),
dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução
(instrumentalização) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da
própria vida dos alunos.
De acordo com as Diretrizes Curriculares, em que as teorias críticas se
fundamentam, o conceito de contextualização propicia a formação de sujeitos
históricos – alunos e professores – ao se apropriarem do conhecimento,
compreendem que as estruturas sociais são históricas. Sendo assim, é na
abordagem dos conteúdos e na escolha dos métodos de ensino que advêm das
disciplinas curriculares que as contradições presentes nestas estruturas sociais são
compreendidas.
Este projeto se fundamenta na linha sociointeracionista de Bakhtin que
defende a inclusão efetiva do indivíduo no ensino de Língua Portuguesa. Com o
estudo das lendas paranaenses, pretendeu-se desenvolver um trabalho que levasse
os alunos a conhecerem as histórias do estado e seu significado histórico,
esperando contribuir neste processo de autoconhecimento e construção de um
cidadão crítico.
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2. LEITURA
Um dos problemas enfrentados na escola é a forma como acontece a leitura
no contexto escolar, ela é geralmente compreendida pelos alunos como tarefa
mecânica, para simples aquisição de informações, decodificando textos a fim de
responder a algum questionário imediato no cumprimento das tarefas que lhes são
peculiares. Agindo desta forma, o aluno não interage com o texto, não há reflexão
sobre o que é lido e pode até acreditar que sempre o que estiver registrado de forma
impressa será uma verdade inquestionável sem ao menos pesquisar sua origem.
O ato de ler sem refletir não gera ação intelectiva. A leitura deve ser uma
ação cultural, já que no texto está à representação da realidade, ela deve ser um
instrumento, um canal expressivo utilizado pelo autor. Portanto é necessário que o
nosso aluno compreenda que lemos para aprender algo, sobre o assunto de que o
autor fala, para escrever melhor, para abrir novos espaços imaginativos. A leitura
deve ser utilizada para ampliar nosso interesse intelectual, melhorar ou adequar
nossos posicionamentos em relação com o mundo ou com nós mesmos. É também
um ato de posicionamento político e deve ser compreendido como fonte de
crescimento do conhecimento.
A intervenção pedagógica, usando a prática da leitura na sala à
aprendizagem de Língua Portuguesa, se mostrou bastante relevante em
proporcionar ao estudante mais condições de desenvolvimento nas áreas que lhe
são mais necessárias. Um processo de ensino/aprendizagem que visa à formação
de leitores beneficia outras disciplinas, pois é através da leitura que o aluno amplia
seus conhecimentos e pode compreender melhor os textos do seu cotidiano. A
leitura não deve ser considerada mera decodificação, faz-se primordial perceber
que, quando realizada, atribuímos sentidos aquém da nossa própria vontade,
capazes de modificar uma visão sobre qualquer outro assunto. Assim também deve
acontecer com o nosso estudante, que precisa compreender esse processo e
beneficiar-se dele.
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A valorização da leitura como condição inerente à conquista de um bem
deveria ser comum a todos, é a verdadeira prática da leitura que leva o indivíduo à
compreensão das questões político-sociais, questões que deveriam ser trabalhadas
na escola, livre de ideologias, que, ao invés de incluir, excluem e fortalecem as
diferenças das divisões de classe. É necessário, e de suma importância,
compreender o direito ao acesso à informação, à leitura, à cultura escrita. A função
dos trabalhadores da educação não é neutra, o que é ensinado, o modo de trabalho,
tudo interfere na aprendizagem dos alunos, é preciso estar atento às práticas de
ensino, pois segundo Kleiman (1995, p. 262) “há estratégias pelas quais as relações
de poder, refletidas e sedimentadas nas práticas sociais e culturais hegemônicas,
materializam-se por intermédio de práticas discursivas institucionalizadas”. E
conforme Britto (2003, p.114):
“O reconhecimento da dimensão política do letramento obriga reconhecer que, através dele,
pode-se tanto reproduzir a ideologia dominante, que nas sociedades classistas implica a
submissão dos trabalhadores aos interesses do capital, como elaborar e reelaborar um
conhecimento de mundo que permita ao sujeito, enquanto ser social, a crítica da própria
sociedade em que está inserido, bem como da sua própria condição de existência.”
A leitura é fundamental em todo este processo, porém apenas saber
decodificar um texto não garante a sua compreensão, é preciso algo mais para
compreender as informações implícitas em um texto. Dois temas têm sido muito
pesquisados: a alfabetização e o letramento. O assunto é muito complexo e tem
sido alvo de vários estudos para compreender esse universo do mundo da leitura e
da escrita e quais implicações tem na vida de uma pessoa não letrada. O ato de ler
é um trabalho intelectual que não tem um fim em si mesmo, ele é construído a partir
de uma partilha de conhecimentos internos do interlocutor com o texto. Por menor
que seja a resposta à leitura de um texto ela sempre existirá. É uma atividade
comunicativa e cabe ao professor, através de encaminhamento metodológico
significativo, conduzir o aluno à percepção do seu lugar social no meio em que
interage. Cada vez mais o mundo torna-se ‘modernizado’ pelo avanço da tecnologia
que se materializa através de uma globalização, mudando o sujeito escolar e
influenciando sua forma de construir sua visão de mundo, a qual se potencializa ao
dominar as práticas sociais de leitura e escrita.
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O trabalho de leitura compartilhada tem como característica proporcionar
qualidade na interação, favorecendo diálogos entre professor – aluno e aluno –
aluno. A frequência e a repetição da história lida promovem a compreensão e
elaboração de hipóteses sobre o que é ler e o reconhecimento da linguagem
narrativa; possibilita o reconto oral e/ou escrito permitindo que os alunos façam
predições sobre a história. Incentivar a contação de histórias como recurso e
estratégia para formar leitores entusiasmados, é uma forma de disseminar a
literatura e as histórias populares na escola. A leitura compartilhada estimula os
alunos a participarem da atividade com um interesse em comum, vivenciando as
mesmas expectativas em relação ao desfecho das histórias e também as dúvidas.
A abordagem de uma história precisa ser significativa, abrangendo vários
aspectos. Ela não pode ser contada isoladamente, é preciso relacioná-la ao seu
exterior, não pode ser considerada apenas como um material verbal; a linguagem
não é transparente e as palavras não têm um único sentido, por isso é necessário
fornecer condições para sua leitura pressupondo sua informatividade e
intertextualidade. Segundo Costa Val (1999), a informatividade e a intertextualidade
dizem respeito à matéria conceitual do discurso, na medida em que lidam com
conhecimentos partilhados pelos interlocutores. A contextualização do tema de
estudo tem fundamental importância no processo de compreensão do texto assim
como a ativação dos conhecimentos prévios. Segundo Kleiman (2007) “O leitor, em
busca da construção do sentido do texto, utiliza vários níveis de conhecimentos
adquiridos ao longo de sua vida, como: conhecimento linguístico, conhecimento
textual e conhecimento de mundo”.
3. GÊNEROS
Nas duas últimas décadas, temos visto o crescimento significativo das
pesquisas sobre os gêneros do discurso na área da Linguística Aplicada que foram
impulsionadas pela mudança do objeto de ensino e de aprendizagem de línguas. No
Brasil e em outros países, as teorias de Bakhtin têm sido estudadas e citadas por
muitas pesquisas, suas concepções teóricas e sua relação com outros conceitos
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centrais, como ideologia, enunciado, texto, discurso e língua e a ordem
metodológica problematizada no estudo dos gêneros e o uso de categorias prévias
para analisar e estudar um determinado gênero.
Gêneros textuais são produtos culturais, sociais e históricos, que passam a
existir a partir de determinadas práticas sociais. (MARCUSCHI, 1996, p4, apud
NASCIMENTO, 2004). A variedade de gêneros textuais em circulação é muito vasta,
por isso não é tão simples encontrar uma definição única para a palavra “gênero”,
contudo podemos denominar um gênero observando suas características e
associando-o dentro de uma esfera de comunicação.
Bakhtin focalizou a sua atenção para a questão dos gêneros como objeto
central de análise. Para Mikhail Bakhtin, em sua concepção teórica, a
contextualização na linguagem é um elemento constitutivo da “contextualização
sócio histórico”. Este contexto estrutura o interior do diálogo da corrente da
comunicação verbal entre os sujeitos históricos e os objetos do conhecimento. E, de
acordo com esta concepção, no nosso currículo da Educação Básica, contexto é um
elemento fundamental das estruturas sócio históricas, voltados à abordagem das
experiências sociais dos sujeitos históricos produtores do conhecimento.
4. O GÊNERO LENDA
A lenda é um gênero textual de origem popular, constituído por um mundo
imaginário que tenta responder perguntas sobre a origem do universo, o
aparecimento do homem, os fenômenos da natureza, a existência do sobrenatural.
As lendas são contadas de geração em geração através de narrativas fantásticas.
Na escola este tipo de narrativa provoca a curiosidade que leva os alunos a
quererem saber mais sobre o que é contado. São indagações que continuam a ser
feitas e refeitas na busca contínua de conhecimento do espaço em que vive e de si
próprio (ROCCO, 1996, p.45). Segundo Rocco (1996), a lenda é uma narrativa
breve, transmitida anonimamente pela tradição oral, que lança mão do sobrenatural,
do mágico para criar representações simbólicas e ao dar respostas, explicações
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lúdicas para os acontecimentos que não têm explicação, abre espaço à imaginação
permitindo que o sonho dialogue com a razão desenvolvendo então, o caráter
educativo.
• Conceito: a lenda é uma narrativa de cunho popular que é transmitida,
principalmente de forma oral, de geração para geração. As lendas não podem
ser comprovadas cientificamente, pois são frutos da imaginação das pessoas
que as criaram.
• Função: divertir, ensinar e fixar costumes e crenças de determinada região.
• Estrutura: Narrativa (introdução, desenvolvimento e conclusão). Esse modelo
de narrativa como objeto de leitura para os alunos é recomendado,
principalmente pela natureza alegórica de seu discurso e pela possibilidade
de discussão sobre a realidade e a fantasia, levando o leitor a questioná-la e
relacioná-la com o mundo real. (SARAIVA, 2001).
As lendas fazem parte do folclore, mas segundo Luís da Câmara Cascudo –
nem tudo que é popular é folclórico. Para um costume ser considerado folclore é
preciso ter origem anônima. Precisa resistir ao tempo e ser passado de geração em
geração e a transmissão acontece de boca em boca, ao pé do fogo, na beira do
fogão, nos encontros sociais. No folclore brasileiro há muitos personagens mágicos,
seres que habitam o mundo dos mitos e das lendas e geralmente estão associados
à natureza. Algumas destas histórias chegaram aqui com os povos colonizadores e
outras nasceram com os índios. Nelas estão as marcas de diferentes povos que
formaram a nossa nação, principalmente o indígena, o africano e o europeu
formando a nossa herança cultural.
A palavra “lenda” provém do baixo latim “legenda”, que significa o que deve
ser lido. O personagem central das lendas reflete os anseios de um grupo ou de um
povo, sua conduta depõe a favor de uma ação ou de uma ideia cujo objetivo é
arrastar outros indivíduos para o mesmo caminho. (Bayard, 1957, p.1). Neste
gênero, a ação maravilhosa se apresenta com exatidão; os personagens são
precisos e definidos. As ações se fundamentam em fatos históricos conhecidos e
tudo parece se desenrolar de maneira clara. Ela existe desde a formação dos povos
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e os temas se desenvolvem com preocupações semelhantes em todas as culturas.
Essa literatura coletiva pertence ao folclore, divulgadas oralmente foram registradas
para que suas mensagens fossem conservadas, todavia é verdade que a mesma
lenda possa ter algumas diferenças em seus textos, mas a base da criação continua
a mesma; contém as particularidades locais, muitas vezes morais, de valores e
forneçam preciosos ensinamentos sobre o povo e sua maneira de pensar. A lenda
utiliza o antagonismo entre o bem e o mal, a obediência e a desobediência, é a
dualidade da alma humana. Segundo BAYARD (1957, p.15), a lenda é “Transcrição
do pensamento do povo, os temas simbolizam suas aspirações. Transposição de
sentimentos humanos, a lenda abole o real”.
Esse modelo de narrativa como objeto de leitura para os alunos é
recomendado, principalmente pela natureza alegórica de seu discurso e pela
possibilidade de discussão sobre a moral, levando o leitor a questioná-la e relacioná-
la com o mundo real. As histórias relacionam-se às religiões, são cosmogônicas,
divinas ou folclóricas com personagens que agem de forma quase divina influindo
nos destinos dos humanos. Elas chamam atenção devido à quantidade de
ensinamentos humanos; contraria frequentemente o real quando um homem toma
forma de animal ou um elemento da natureza toma forma humana, contudo estas
ficções não são grotescas, nos deslumbram, pois põe em questionamento o mundo
real. Ao contar uma história, a lenda no caso, aspira-se secretamente por uma busca
espiritual de um mundo maravilhoso onde impere o valor do homem, onde as leis tão
rígidas sejam abolidas e nos remete ao encantamento da volta ao Paraíso Terrestre.
(BAYARD, 1957, p.13).
A lenda corresponde a uma ação de linguagem realizada sobre outro
interlocutor, determinado por um meio social específico, no que diz respeito,
principalmente, à forma típica que pode ser produzido naquele meio, seu foco de
composição textual, no modo de organização das informações deste gênero. A sua
seleção possibilita a construção de uma ação de linguagem que propicia a
comparação entre os recursos de linguagem que os alunos já usam e os que estão
sendo apreendidos de modo a ampliar-lhes o conjunto de experiências com a
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linguagem, adequadas às suas possibilidades de apreensão, suas vivências e
gostos.
5. ESTRATÉGIAS DE AÇÃO E METODOLOGIA
O caderno pedagógico destinou-se a estudantes de 6ª Série do Ensino
Fundamental, parte integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional –
PDE, da Secretaria de Educação do Estado do Paraná.
Os textos selecionados do gênero lenda foram: Lenda das Cataratas do
Iguaçu; Lenda de Vila Velha; Lenda da Lagoa Dourada. O critério para a escolha
desses textos foi a textualidade e sua apresentação como conhecimento de mundo.
O trabalho realizado com os alunos consistiu-se na construção de sentidos dos
textos, a partir das questões elaboradas, cuja mediação do professor foi ponto
fundamental para o desenvolvimento do projeto, indispensável este papel,
destacando e discutindo os aspectos textuais. Os recursos utilizados foram a TV
multimídia, vídeo, filme e textos informativos sobre a temática indígena e sobre o
conteúdo “lenda”; os textos de leitura; mapa do Paraná; caderno pedagógico
produzido para este fim.
A primeira unidade foi sobre a temática indígena. Os alunos assistiram ao
vídeo “Índios no Brasil – Quem são eles”? (17 min). Fonte:
http://www.youtube.com/watch?v=HA_0X2gCfLs. Após a discussão acerca dos
conhecimentos prévios dos alunos sobre este tema, questão polêmica devido a
nossa falta de compreensão no que se diz respeito às outras culturas, pode-se
perceber um grande preconceito em relação ao modo de vida destes povos. A leitura
de uma reportagem atual sobre o assunto e estudo deste texto proposto na Unidade
I, permitiu a conscientização sobre os problemas enfrentados por esta população,
revelando conceitos e ideias equivocadas da sociedade em geral. Com este gênero
de texto, a reportagem, pode-se apresentar um paralelo entre textos reais e fictícios,
mostrando aos alunos a diferença entre um gênero e outro.
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Na Unidade II, trabalhou-se a lenda do surgimento das Cataratas do Rio
Iguaçu. A leitura da lenda abriu o espaço para a arte literária paranaense. Alunos
com mais gosto para leitura procuraram conhecer sobre outras lendas buscando na
biblioteca livros do mesmo gênero. No estudo do vocabulário do texto, os alunos
ficaram admirados em saber que muitas das palavras usadas no nosso cotidiano
são de origem indígena, reconhecendo assim a importância e influência da língua
indígena na língua portuguesa.
Nas propostas de atividades pretendeu-se também refletir sobre a história dos
índios, que pouco aparece nos livros didáticos. O conhecimento sobre esta temática
pretende mostrar que antes da chegada dos colonizadores, havia uma vida cultural
organizada e ativa e que seus valores tradicionais eram transmitidos de geração em
geração. E no segundo momento refletir a vida dos índios sob a dominação dos
colonizadores que foi uma guerra cotidiana naquela época e que ainda persiste nos
dias de hoje.
Através das atividades do caderno pedagógico buscou-se despertar o senso
crítico do educando por meio da leitura e compreensão das lendas folclóricas de
origem indígena do estado do Paraná, levando-o a pensar a respeito dos processos
de transformação social, e também refletir acerca da estrutura linguística do texto. O
sentido dos textos narrativos foi construído, levando-se em conta o seu contexto
cultural. Neste processo, foram trabalhados fatores de coerência do texto tais como
conhecimento de mundo, conhecimento partilhado e a intertextualidade. Também
foram discutidas as diferenças culturais a partir do uso de palavras de origem
indígena encontradas no texto.
O primeiro passo deste trabalho se constituiu em apresentar aos alunos o
projeto, apontando um planejamento geral das atividades desenvolvidas no trabalho.
O segundo passo deu-se com a pesquisa prévia sobre o conhecimento dos
alunos, averiguando o que já sabiam sobre o que é uma lenda. A partir deste
primeiro momento, estes saberes foram sistematizados em forma de definições,
características e especificidades do gênero escolhido.
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No terceiro passo, foram apresentados os temas das lendas. As três lendas
são de origem indígena. Elas tentam explicar o surgimento de três pontos turísticos
do nosso estado: “Lenda das Cataratas do Iguaçu”, “Lenda de Vila Velha” e “Lenda
da Lagoa Dourada”. Elas foram trabalhadas separadamente e para auxiliar a
compreensão, fez-se necessário novamente ativar conhecimentos prévios sobre o
assunto a ser estudado. Para realização de uma leitura compreensiva das histórias,
foi importante analisar o contexto de produção assim como seus interlocutores,
dando referências sobre o local e época em que foi produzido o texto para que a
contextualização ajudasse na compreensão do conteúdo que se pretendia trabalhar.
Após esta abordagem, foram apresentados vídeos sobre os locais turísticos aos
quais as lendas se referiam e apontados no mapa do nosso estado.
No quarto passo, as atividades se desenvolveram da seguinte forma: a
história foi contada oralmente, depois com o texto escrito em mãos foi realizada a
leitura coletiva; em seguida atividades pra a compreensão do texto: estudo do
vocabulário sobre palavras novas e palavras de origem indígenas e seus
significados; questões relativas às informações explícitas (personagens, ambiente,
fatos) e implícitas (crenças, ideologias, mensagem, ensinamentos). Através destas
atividades analisaram-se as características do gênero lenda: conteúdo temático,
estilo verbal e a estrutura composicional. E para o desenvolvimento da produção
textual, os alunos reescreveram o texto, pois se entende que através da reescrita o
autor aperfeiçoa sua produção. Ela resulta da autonomia que o texto escrito tem; diz
respeito a toda a elaboração do texto. Desse modo, a reescrita faz parte do
processo de escrita, sendo uma prática essencial para o ensino da produção textual.
A reescrita é muitas vezes confundida com a revisão. Segundo Koch (KOCH,
PAVANI, BOOF, 2004) “A revisão é a correção que ocorre durante a escrita do texto,
e a reescritura é a que acontece depois do texto”.
Por fim, em grupos pequenos, os alunos criaram ilustrações em cartazes para
a lenda trabalhada, que foram expostas no pátio. Para isto tiveram que discutir
ideias, combinar estratégias de trabalho e organização dos grupos. Esta atividade
teve como finalidade estimular a cooperação e a responsabilidade individual para
alcançar o sucesso do grupo.
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A atividade cultural culminou em uma apresentação de teatro, recurso
pedagógico capaz de humanizar, desenvolver a emoção e o intelecto e despertar no
aluno o gosto por uma boa leitura. Um grupo de alunos, direcionados, ensaiaram a
lenda transformada em texto teatral. Nesta atividade o grupo participou ativamente
com muito empenho e dedicação. Pode-se observar em sala de aula que o
comportamento e atitudes destes alunos também melhoraram em relação às suas
responsabilidades diárias.
A avaliação aconteceu durante todo o processo o qual serviu como
instrumento que possibilitou analisar criticamente a prática educativa, e também
como instrumento que apresentasse ao aluno a possibilidade de saber de seus
avanços, dificuldades e possibilidades. A avaliação foi compreendida como conjunto
de ações organizadas com a finalidade de obter informações sobre o que o aluno
aprendeu, de que forma e em quais condições. Para tanto se fez necessário um
conjunto de procedimentos investigativos como provas escritas, apresentações
orais, textos escritos, pesquisas escritas, cartazes com pequenos parágrafos sobre
os temas apresentados e discutidos com os alunos em sala de aula, ações que
possibilitaram o ajuste e a intervenção pedagógica para tornar possível o ensino e a
aprendizagem de melhor qualidade.
6. CONCLUSÃO
Os alunos muitas vezes se isolam em seus mundos virtuais, por isso faz-se
necessário um resgate de valores culturais tais como ouvir histórias que nossos pais
ou avós contavam ou ler histórias deste gênero. Esta interação familiar é, sem
dúvida, muito importante para o aprendizado deles e quando os pais se envolvem na
vida escolar de seus filhos há muito mais chances de alcançarem o sucesso na
escola. Resgatar estas histórias que os familiares mais antigos têm é uma forma,
t0ambém de aproximação entre as gerações.
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A importância do folclore está descrita em inúmeros documentos. O folclore é
parte integrante do nosso legado cultural, da cultura viva, é meio de aproximação
entre os povos e de afirmação de sua identidade cultural (BONAMIGO, SILVA,
2010). Portanto é preciso valorizar a prática da cultura tradicional e promover a
pesquisa sobre suas expressões, colaborando para a difusão desses saberes,
sobretudo no ambiente escolar. Durante a pesquisa foi encontrado um livro muito
rico sobre o folclore "Folclore no Paraná", faz parte de um acervo que a SEED
enviou para as escolas seu autor é Inami Custódio Pinto, pesquisador que mostra
profundo amor pela nossa terra e pela nossa gente. Pesquisando para ensinar,
aprende-se muito mais do que se pode imaginar. É necessário valorizar a prática da
cultura tradicional e promover a pesquisa sobre suas expressões, colaborando para
a difusão desses saberes, sobretudo no ambiente escolar.
Despertar no aluno o interesse pela leitura é o objetivo e o professor deve ser
o exemplo, o incentivador, o mediador entre o seu aluno e o livro. Mostrar prazer e
encanto diante de um livro, como se fosse um mistério a ser desvendado, um novo
mundo a ser explorado, novas experiências a serem conhecidas. O papel do
professor, neste momento é muitíssimo importante.
A leitura é o canal de acesso ao mundo do letramento e se ela não for
transformadora não tem sentido, contudo se o primeiro livro, lido por "obrigação",
não agradar o leitor, é quase certo que não haverá o segundo... Realmente não há
uma fórmula para despertar no aluno interesse pela leitura, mas sim estratégias,
formas atrativas de apresentá-lo aos livros para que ele possa gostar e se descobrir
neles. Mas é necessário deixar claro para o aluno a diferença entre ler por prazer e
ler por dever. A palavra em destaque é "estratégia" de leitura e há muita pesquisa
nesse campo.
A valorização e o resgate da cultura regional através do estudo das lendas do
folclore paranaense é também, uma forma de mostrar as belezas do estado de uma
forma descontraída e prazerosa de se ouvir, o que pode suscitar a curiosidade pela
história e o folclore. O trabalho com a leitura, a compreensão, a interpretação, a
reprodução deste gênero textual visou ao desenvolvimento da prática da escrita, da
reprodução e produção textual através da literatura folclórica paranaense.
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O ser humano é criativo e está sempre buscando novos modos de adquirir
conhecimento para compreender e atuar no mundo em que vive. A escola é um
meio para atingir este objetivo. Para Freire (2005, p.50) “todos nós sabemos alguma
coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre”. Contudo,
é a escola que, sistematicamente, representa o local onde se buscam os saberes
científicos para que, através deles, para tomar mais consciência do poder que se
tem de agir sobre a própria vida e transformá-la. Segundo Freire (2005, p.71),
“Precisamos conhecer melhor as coisas que já conhecemos e conhecer outras que
ainda não conhecemos”.
7. REFERÊNCIAS
AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas / Vera Teixeira de Aguiar /e/ Maria da Glória Bordini. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BARROS, Maria Helena Toledo Costa de. Leitura mediação e mediador / Maria Helena Toledo Costa de Barros, Rovilson José da Silva, Sueli Bortolin. – São Paulo: Ed. Fa, 2006. 160p.
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