limitação de mandatos a decisão certa - expresso.pt

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Limitação de mandatos: a decisão certa A 24 dias das eleições, o Tribunal Constitucional decidiu finalmente que os candidatos às eleições autárquicas que tenham cumprido três mandatos se podem candidatar noutro município. A 24 dias das eleições, finalmente se sabe quem são os candidatos nas duas principais cidades do país. A 24 dias das eleições, ficou finalmente esclarecido o que já devia ser claro há pelo menos dois ou três anos. Sempre me pareceu que a limitação de mandatos faz todo o sentido para evitar que se possa criar uma relação de dependência entre eleito e eleitores. Demasiado tempo no cargo pode criar demasiadas oportunidades para manipular e controlar informação e viciar o debate público. Ou para criar redes clientelares que garantam a permanência no poder de forma aparentemente indefinida. Faz todo o sentido que um presidente da câmara que tenha sido eleito três vezes consecutivas não se possa candidatar novamente. Mas, como já escrevi aqui, "só faz sentido para uma câmara municipal em concreto. Querer impedir a candidatura a outra câmara municipal, é antidemocrático, perverso e absurdo. É antidemocrático porque demonstra uma grande desconfiança em relação a todos aqueles que desempenharam funções públicas numa câmara municipal durante um período prolongado. No fundo, considera-se que quem tenha sido eleito três vezes consecutivas para uma câmara só pode ter exercido o cargo de forma tão pouco transparente e ilegal que não poderá candidatar-se a outra câmara diferente, em que os eleitores serão diferentes. É perverso porque não deixa que os eleitores de um determinado município possam votar livremente numa pessoa que até então nunca se tinha candidatado nesse município. Não deixa de ser um atestado de incapacidade passado a esses eleitores. É como se lhes dissessem que não seriam capazes de reconhecer um vigarista profissional e, portanto, é melhor nem sequer arriscar em eleições livres, pois o vigarista poderia enganar um novo conjunto de ingénuos. E é absurdo porque se se levar este princípio ao limite, um deputado eleito três vezes consecutivas, também não poderia candidatar-se a uma câmara municipal." Foi preciso estarmos a 24 dias das eleições para saber aquilo que se deveria saber há muito mais tempo. Entretanto, propuseram-se providências cautelares, afrouxaram-se campanhas, interpuseram-se recursos para o Tribunal Constitucional, discorreu-se sobre os limites da linguagem, investigaram-se os recessos do percurso de uma lei, descobriu-se o que faz a Imprensa Nacional Casa da Moeda e garantiu-se que nunca mais ninguém hesita em descortinar a diferença entre um "de" e um "da". O essencial, que era garantir a normalidade destas eleições com regras claras para candidatos e

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  • Limitao de mandatos: a deciso certaA 24 dias das eleies, o Tribunal Constitucional decidiu finalmente que os candidatos s eleiesautrquicas que tenham cumprido trs mandatos se podem candidatar noutro municpio. A 24 dias daseleies, finalmente se sabe quem so os candidatos nas duas principais cidades do pas. A 24 diasdas eleies, ficou finalmente esclarecido o que j devia ser claro h pelo menos dois outrs anos.

    Sempre me pareceu que a limitao de mandatos faz todo o sentido para evitar que se possa criar umarelao de dependncia entre eleito e eleitores. Demasiado tempo no cargo pode criar demasiadasoportunidades para manipular e controlar informao e viciar o debate pblico. Ou para criar redesclientelares que garantam a permanncia no poder de forma aparentemente indefinida. Faz todo osentido que um presidente da cmara que tenha sido eleito trs vezes consecutivas no se possacandidatar novamente.

    Mas, como j escrevi aqui, "s faz sentido para uma cmara municipal em concreto. Querer impedira candidatura a outra cmara municipal, antidemocrtico, perverso e absurdo.

    antidemocrtico porque demonstra uma grande desconfiana em relao a todosaqueles que desempenharam funes pblicas numa cmara municipal durante umperodo prolongado. No fundo, considera-se que quem tenha sido eleito trs vezes consecutivaspara uma cmara s pode ter exercido o cargo de forma to pouco transparente e ilegal que no podercandidatar-se a outra cmara diferente, em que os eleitores sero diferentes.

    perverso porque no deixa que os eleitores de um determinado municpio possamvotar livremente numa pessoa que at ento nunca se tinha candidatado nessemunicpio. No deixa de ser um atestado de incapacidade passado a esses eleitores. como se lhesdissessem que no seriam capazes de reconhecer um vigarista profissional e, portanto, melhor nemsequer arriscar em eleies livres, pois o vigarista poderia enganar um novo conjunto de ingnuos.

    E absurdo porque se se levar este princpio ao limite, um deputado eleito trs vezesconsecutivas, tambm no poderia candidatar-se a uma cmara municipal."

    Foi preciso estarmos a 24 dias das eleies para saber aquilo que se deveria saber hmuito mais tempo. Entretanto, propuseram-se providncias cautelares, afrouxaram-se campanhas,interpuseram-se recursos para o Tribunal Constitucional, discorreu-se sobre os limites da linguagem,investigaram-se os recessos do percurso de uma lei, descobriu-se o que faz a Imprensa Nacional Casada Moeda e garantiu-se que nunca mais ningum hesita em descortinar a diferena entre um "de" e um"da".

    O essencial, que era garantir a normalidade destas eleies com regras claras para candidatos e

  • eleitores, no se fez. O Parlamento, que tinha a responsabilidade de esclarecer a lei, num sentido ounoutro, preferiu a balbrdia judicial. E no houve um nico projecto de lei de nenhum deputado pararesolver o assunto. As eleies l se faro, com uma desorganizao e um descuido imprprios para umpas que as organiza h quase 40 anos. Assuno Esteves j tem o seu lugar na histria. E no por causa de ter invectivado galeristas desordeiros com uma citao deslocada.

    [email protected]

    mailto:[email protected]