limites do negÓcio jurÍdico processual...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
FÁBIO RODRIGO DENICHEVICZ LOPES
LIMITES DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO
CURITIBA
2016
FÁBIO RODRIGO DENICHEVICZ LOPES
LIMITES DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO
Trabalho de conclusão de curso apresentado na Faculdade de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como quesito básico para a conclusão do curso de Direito. Orientador: Prof. Msc. Rafael Knorr Lippmann
CURITIBA
2016
TERMO DE APROVAÇÃO
FÁBIO RODRIGO DENICHEVICZ LOPES
Esta Monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de Bacharel em Direito
no Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, de de 2016.
Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: Prof. Rafael Knorr Lippmann
Prof. Dr.
Prof. Dr.
DEDICATÓRIA
Dedico o presente trabalho a todos as pessoas que contribuíram para a
formação do meu conhecimento jurídico e a superar os percalços do dia-a-dia desse caminho, em especial a minha querida e amada mãe me motivou em todos os dias.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por me acompanhar nessa trajetória desde o início propiciando a disposição e força necessárias para cada dia.
Aos professores da Universidade Tuiuti do Paraná por transmitirem o imenso conhecimento que possuem. Em especial ao professor orientador deste trabalho Prof. Rafael Knorr Lippman o qual, sem sombra de dúvida, teve participação especial na minha vida acadêmica.
RESUMO
Este estudo visa analisar o instituto do negócio jurídico processual atípico, bem como
a sua limitação. Sendo um tema novo, implementado pela lei 13.105 de 16 de março
de 2015 (código de processo civil), não há muitas diretrizes a serem seguidas na
jurisprudência. E esta será formada a partir da doutrina, de artigos e trabalhos
acadêmicos. Então, serão analisadas situações que são, em certa medida, mais
aceitáveis que outras. E também, quais os requisitos mínimos para celebração do
negócio processual.
Palavras-chave: Negócio Jurídico Processual; Negócio Processual; Limitação;
Hipóteses Aceitáveis; Requisitos Minímos.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10
2 NEGÓCIO JURÍDICO..............................................................................................11
2.1 DEFINIÇÃO..........................................................................................................11
2.2 REQUISITOS........................................................................................................12
2.2.1 EXISTÊNCIA.....................................................................................................12
2.2.1.1 AGENTE E DECLARAÇÃO DE VONTADE....................................................12
2.2.1.2 OBJETO.........................................................................................................13
2.2.1.3 FORMA...........................................................................................................13
2.2.2 VALIDADE.........................................................................................................14
2.2.2.1 AGENTE CAPAZ............................................................................................15
2.2.2.2 OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU DETERMINÁVEL..........16
2.2.2.3 FORMA PRESCRITA OU NÃO DEFESA EM LEI...........................................17
2.2.3 VÍCIOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS..............................................................17
2.2.4 EFICÁCIA..........................................................................................................18
2.2.4.1 CONDIÇÃO....................................................................................................19
2.2.4.2 TERMO...........................................................................................................19
2.2.4.3 ENCARGO......................................................................................................20
3 NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL....................................................................21
3.1 DEFINIÇÃO..........................................................................................................25
3.2 PRESSUPOSTOS................................................................................................27
3.2.1 PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS......................................................................27
3.2.2 PRESSUPOSTO OBJETIVO.............................................................................29
3.3 FORMA.................................................................................................................30
3.4 TEMPO.................................................................................................................30
3.5 VALIDADE............................................................................................................31
3.6 CAPACIDADE POSTULATÓRIA..........................................................................32
3.7 CONTROLE JURISDICIONAL..............................................................................33
3.8 ESPÉCIES DE NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL.........................................33
3.9 HIPÓTESES VIÁVEIS DE NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
ATÍPICOS...................................................................................................................35
3.10 HIPÓTESES INVIÁVEIS DE NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
ATÍPICOS? ................................................................................................................36
4 CONCLUSÃO..........................................................................................................39
BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................41
10
1 INTRODUÇÃO
O Negócio Jurídico Processual é um tema muito debatido, porém com poucas
diretrizes a serem realmente seguidas. O presente trabalho visa dar uma concretude
a algumas linhas de pensamento que julgamos corretas a fim de chegar a linhas
básicas de interpretação do presente tema.
O novo código de processo civil trouxe algumas inovações, e muitas
alterações que já estavam consolidadas na jurisprudência, mas que agora estão
reunidas num único documento. Entre essas alterações está a possibilidade de as
partes pactuarem, formarem assim o Negócio Jurídico Processual. Mas qual o limite
do que pode ou não ser pactuado?
Com o novo código, ressalta-se que a atuação do magistrado ganha outra
dinâmica, sendo essa uma posição mais ativa, o que influencia diretamente na quebra
de paradigma entre o Estado do direito clássico, o qual era incumbido de todo o poder,
por conseguinte, da decisão final, e o Estado Contemporâneo (exposto principalmente
pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o código de processo
civil de 2015) em que o Estado, de certa forma, reconhece não ter condições de dar
conta das inúmeras demandas que a cada dia crescem e abarrotam o judiciário, sendo
que muitos desses processos tem seu prazo elastecido por mero formalismo, o qual
não enseja em nenhum benefício para as partes que pretendem ter uma resposta
jurisdicional o mais breve possível. É para isso que vem o negócio processual, ou seja,
para tentar adequar o formalismo à real necessidade das partes.
O presente estudo visa analisar o instituto dos negócios jurídicos processuais,
dentro da nova sistemática. Com origens no direito material, será analisado se esse
instituto do direito material é transportado para o mundo processual de forma intocável
ou se há nuances a serem debatidas, visto que, principalmente, os negócios
processuais atípicos representam uma quebra de paradigma não só para o direito
processual civil, mas para todas as demais disciplinas que se socorrem em certa
medida de tal ramo do direito.
11
2 NEGÓCIO JURÍDICO
Para chegar ao Negócio Jurídico no plano processual e, por conseguinte,
discutir-se os seus limites, primeiro é necessário ir a origem do instituto, que é
substancialmente de natureza material, e descobrir se houve ou não modificação, por
exemplo, no tocante aos requisitos, aplicação, objeto, e demais aspectos, quando da
sua utilização para fins processuais. Logo será feita uma análise, primeiramente, do
instituto no seu plano material.
2.1 DEFINIÇÃO
Antes de conceituar o instituto, cabe salientar que este não estava expresso
no código civil brasileiro de 1916, elaborado por Clóvis Beviláqua, vindo a ser
trabalhado expressamente apenas no código civil de 2002, dando nome ao título I, do
livro III, da parte geral do código.
O Negócio Jurídico teve sua raiz positivada pelo Código Civil Alemão (BGB).
Desse modo, Karl Larenz extraiu a conceituação de que o
Negócio jurídico é um ato, ou uma pluralidade de atos, entre si relacionados, quer sejam de uma ou de várias pessoas, que tem por fim produzir efeitos jurídicos, modificações nas relações jurídicas no âmbito do Direito Privado.1
Nessa linha, Carlos Roberto Gonçalves preconiza que o instituto não está
disciplinado no “sentido comum de operação ou transação comercial, mas como uma
das espécies em que se subdividem os atos jurídicos lícitos”2.
O Negócio Jurídico não se confunde com o fato jurídico em sentido estrito,
pois estes “entram no mundo jurídico, sem que haja, na composição deles, ato
humano, ainda que, antes da entrada deles no mundo jurídico, o tenha havido”3. Logo,
compreende-se que o Negócio Jurídico é um fato jurídico, ou seja, relevante para o
universo jurídico, que tem por objetivo alcançar uma finalidade pré-determinada pela
vontade dos sujeitos envolvidos.
1 LARENZ, Karl. Derecho Civil: parte general. Caracas: Edersa, 1978. p.421 2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 319. 3 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Sistema de Ciência Positiva do Direito, tomo
II. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 1ª ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 102.
12
2.2 REQUISITOS
Estando clara a ideia de que, como sintetiza Orlando Gomes, o Negócio
Jurídico é “uma declaração de vontade de sujeito de direito, no âmbito de sua
autonomia, para alcançar resultado juridicamente protegido”4. Passa-se a analisar os
requisitos inerentes para que o negócio produza seus efeitos conforme foi pré-
determinado. Pontes de Miranda explica “o fato jurídico provém do mundo fático,
porém nem tudo que o compunha entra, sempre, no mundo jurídico”5. Então, antes de
produzir efeitos vale lembrar que deve primeiro existir e, ainda, ser válido.
2.2.1 EXISTÊNCIA
Os requisitos gerais do plano da existência, segundo Antônio Junqueira de
Azevedo, são: os sujeitos, bem como a sua manifestação de vontade, o objeto e a
forma6. Cabe ressaltar que, neste plano, não se discute se o agente é capaz ou não,
se o objeto é lícito ou não, se a forma é ou não prescrita em lei. Enfim, o que se discute
nesse plano são os requisitos mínimos para que um negócio jurídico possa existir.
2.2.1.1 AGENTE E DECLARAÇÃO DE VONTADE
Quanto a declaração de vontade é importante salientar que esta deve ser
exteriorizada. A vontade interna, que está na mente dos sujeitos, não pode ser
considerada nesse ponto. Caio Mario da Silva Pereira quando trata da vontade, expõe
(...) é sua exteriorização pela declaração que a torna conhecida, o que permite dizer que a produção de efeitos é um resultado da vontade mas que esta não basta sem a manifestação exterior.7
No tocante ao agente emissor da vontade, ou simplesmente os sujeitos da
relação jurídica, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, resumem a
ideologia do sistema ao descrever que
4 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 321. 5 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Sistema de Ciência Positiva do Direito, tomo
II. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 1ª ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 101. 6 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico. Existência, validade e eficácia. São
Paulo: Saraiva, 2000. p. 65. 7 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
p. 307-308.
13
(...) sem o sujeito, não poderá falar-se em ato, mas, tão somente, em fato jurídico em sentido estrito. A participação do sujeito de direito (pessoa natural ou jurídica) é indispensável para a configuração existencial do negócio jurídico.8
Então, torna-se imprescindível que haja sujeitos, independente destes serem
pessoas físicas ou jurídicas.
2.2.1.2 OBJETO
Em relação ao objeto, este “deve ser idôneo, isto é, deve apresentar os
requisitos ou qualidades que a lei exige para que o negócio produza os efeitos
desejados”9. A partir disso, Silvio Rodrigues exemplifica a idoneidade do objeto de
forma a não restar dúvidas
Assim, só será idôneo para o negócio da hipoteca o bem imóvel, o navio, ou o avião. Os demais bens são inidôneos para serem objeto de uma hipoteca; da mesma maneira, só podem ser objeto do mútuo as coisas fungíveis, e do comodato, as infungíveis.10
Desse modo fica clara a ideia de que o objeto é um elemento estrutural sob o
qual circundam os demais elementos do Negócio Jurídico.
2.2.1.3 FORMA
A forma também deve ser observada, seja ela: escrita, oral, silêncio, sinais
etc. A forma é como a declaração de vontade se exterioriza. Nessa linha, se não há
exteriorização da vontade, consequentemente, o negócio jurídico inexiste, pois, a
cogitação encerrada na mente do agente não produz nada, é irrelevante para o
direito.11 Nesse ponto, Vicente Ráo reforça
E é assim que a forma, conferindo existência à vontade, existência também confere ao ato jurídico, pois o ato jurídico se constitui e compõe pela exteriorização da vontade dos agentes, ou parte, observados os demais requisitos, isto é, os seus pressupostos e os outros elementos essenciais que a lei exige. Nesse sentido, é a forma um elemento essencial do ato jurídico, pois todo ato jurídico há de ter, necessariamente, uma forma.12
8 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume 1:
parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 376. 9 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 394. 10 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 171. 11 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume
1: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 377. 12 RÁO, Vicente. Ato jurídico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 153-154.
14
Mesmo não tendo o nosso código civil de 2002 tratado dos requisitos de
existência em um capitulo expresso, são esses de suma importância para que possa
se continuar analisando os pressupostos do negócio jurídico. Ainda, não se passa a
analisar o próximo plano (validade) sem que este (existência) esteja todo em
conformidade com o direito.
Ressalta-se que foram trazidos à baila os requisitos gerais para que o Negócio
Jurídico existisse. Não se pretendendo esgotar os elementos (sejam gerais ou
específicos), pois, por hora, estes bastam como alicerce para o que se abordará a
seguir.
2.2.2 VALIDADE
Nesse ponto Francisco Clementino de San Tiago Dantas preceitua que para
os atos produzirem efeitos
(...) é indispensável que reúnam certo número de requisitos que costumamos apresentar como os de sua validade. Se o ato possui tais requisitos, é válido e dele decorre a aquisição, modificação e extinção de direitos prevista pelo agente. Se, porém, falta-lhe um desses requisitos, o ato é inválido, não produz o efeito jurídico em questão e é nulo.13
Mas, não se pode esquecer que o plano da validade pode ensejar, além da
nulidade, a anulabilidade. Esta menos grave que aquela.14 Isto encontra-se
disciplinado nos artigos 145 e seguintes do código civil e se aplica, pelo menos
automaticamente, apenas ao direito privado. Logo, sendo o processo civil matéria
concernente ao direito público, aqueles defeitos dos atos jurídicos não se transportam
de forma automática. Teresa Arruda Alvim Wambier acrescenta “embora com efeito
haja comunhão de origens, a teoria das nulidades elaborada no plano do direito civil
não pode ser transplantada para o campo do direito público sem limitações”15. Então,
evidente é a não aplicação, ao menos integral, da teoria das nulidades, do direito civil,
no campo do processo civil.
13 SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Programa de Direito Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. p. 225. 14 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume
1: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 383. 15 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. São Paulo:
Revista dos Tribunais. 1998. p. 119.
15
Tendo o código civil previsto expressamente os requisitos de validade, fica
mais evidente a sua nomenclatura, bem como sua localização na doutrina. O artigo
104, do código civil traz
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Então, serão analisados cada um dos incisos, nos limites daquilo que importa
para o objetivo do presente estudo, para que se possa continuar a análise dos
requisitos.
2.2.2.1 AGENTE CAPAZ
Para a aferição da capacidade do agente deve-se observar o início do código
civil (artigos 3 e 4), onde se encontra as causas de capacidade e incapacidade para,
então, seguir adiante.
Salienta Carlos Roberto Gonçalves, quando trata sobre a capacidade do
agente, que agente capaz
(...) é o que tem capacidade de exercício de direitos, ou seja, aptidão para exercer direitos e contrair obrigações na ordem civil. Esta é adquirida com a maioridade, aos 18 anos, ou com a emancipação (CC, art. 5º). Incapacidade é a restrição legal ao exercício da vida civil e pode ser de duas espécies: absoluta e relativa.16
Vale lembrar que a lei 13.146/2015, também chamada de lei brasileira de
inclusão da pessoa com deficiência ou, simplesmente, estatuto da pessoa com
deficiência trouxe importantes alterações no código civil, principalmente no tocante as
causas de incapacidade relativa e absoluta. Por exemplo, antes da alteração, o rol de
absolutamente incapazes continha três incisos, após a alteração os incisos foram
revogados deixando como única causa de incapacidade absoluta a menoridade de 16
anos que é trazida no caput do artigo 3 do referido diploma legislativo. No que toca a
incapacidade relativa, está teve a redação de sua previsão legal alterada, também
pelo estatuto da pessoa com deficiência.
A incapacidade absoluta gera à pessoa, por si só, a impossibilidade do
exercício de qualquer direito sob pena de ocorrer em nulidade, conforme artigo 166,
inciso I, do código civil. Entretanto, essa incapacidade é suprida ou, ao menos,
16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 358.
16
contornada com o instituto da representação. Fenômeno este em que uma pessoa
capaz substitui pessoa incapaz na prática de determinado ato para que se atinja a
finalidade desejada.
Já na incapacidade relativa, explica Maria Helena Diniz
(...) embora possam participar pessoalmente dos negócios jurídicos, deverão ser assistidos pelas pessoas a quem a lei determinar, salvo nas hipóteses em que a norma, expressamente, permitir que ajam sem tal assistência.17
Conclui-se, então, que para cumprir o requisito legal da capacidade do ante,
este deve manifestar sua vontade livre e de boa-fé.
2.2.2.2 OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU DETERMINÁVEL
No que diz respeito ao objeto, esse deve ser, conforme preceitua o inciso II
do artigo 104 do código civil, licito, possível, determinado ou determinável.
Objeto lícito é aquele que “não atenta contra a lei, a moral ou os bons
costumes”18. Ou seja, não se trata apenas de estar em conformidade com a lei, mas
sim com o direito, este abrangendo, também, a moral e os bons costumes. Nesse
sentido, exemplificam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho,
Um contrato de prestação de serviços que tenha por objeto o cometimento de crime ou uma locação em que se objetive o uso do imóvel para o estabelecimento de um lupanar são exemplos de negócios que têm objetos ilícitos ou juridicamente impossíveis. (...) nessa esteira, também não se admitiria a celebração de um contrato de prestações de serviços sexuais – e, consequentemente, uma eventual cobrança judicial pelo inadimplemento da contraprestação pecuniária – pelo fundamento da imoralidade da avença. (...) não se admite que um particular celebre uma compra e venda que tenha por objeto um bem de uso comum do povo (uma praça, p. ex.).19
Nessa mesma esteira, o objeto deve ser possível, tanto física quanto
juridicamente. Fisicamente impossível é o objeto que não pode integrar qualquer
relação jurídica, dada a sua natureza. E, juridicamente impossível quando o bem,
sobre o qual as partes querem dispor, não estiver no comércio. Nesse tocante fazem-
se de exemplos clássicos: os anéis de saturno e a herança de pessoa viva (tratada no
artigo 426 do código civil) os quais não são disponíveis para tanto.
17 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil.. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 480. 18 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 360. 19 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume
1: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 394.
17
Deve ser também determinado ou determinável. Esta deve ser determinada
ao momento da execução da prestação, logo, é um objeto indeterminado
relativamente20. Alguns simples exemplos trazidos à baila pelo código civil são
disciplinados nos artigos: 243 (venda de coisa incerta) e 252 (venda alternativa).
Restando expressada todas as ideias de modo a ensejar na compreensão de
o que é objeto, passa-se a analisar as demais acepções.
2.2.2.3 FORMA PRESCRITA OU NÃO DEFESA EM LEI
Recorreremos mais uma vez ao que o legislador infraconstitucional
preceituou. O artigo 107 do código diz “a validade da declaração de vontade não
dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Logo,
conclui-se que o formalismo21 não é a regra e sim a exceção. A regra é a forma livre.
Clóvis Beviláqua chama atenção de que é
(...) a forma uma valiosa garantia dos interesses, quer individuais, quer sociais, não poderá ser eliminada do direito. O ritualismo excessivo, que empecia o movimento dos negócios jurídicos, contrariando as necessidades do progresso, que os requer rápidos; as palavras sacramentais, que não podem mais ter valor perante a cultura dos nossos tempos; as solenidades absurdas e ineptas, por terem desaparecido as razões, que as reclamaram, essas a ação simplificadora da evolução jurídica eliminou; porém, manteve as formas necessárias à segurança dos negócios realizados no domínio do direito, e, por um processo de remodelação da vida jurídica, foi criando solenidades novas ou reforçando as já existentes para determinados atos.22
Por conseguinte, o legislador brasileiro deixou ao bel prazer das partes para
que consintam (salvo em alguns casos específicos que o formalismo ainda prevalece,
mas que são a minoria) quanto a forma do negócio. Isso dinamiza o mercado e ajuda
a colocação em trânsito dos bens da vida, principalmente pelos contratos.
2.2.3 VÍCIOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Quanto ao prisma do direito material, é no plano da validade que ocorrem os
defeitos dos negócios jurídicos, a anulabilidade e a nulidade, e geram assim a
invalidade do mesmo. Quanto a perspectiva do direito processual, a invalidade do ato
20 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 361. 21 O termo “formalismo” foi empregado no sentido de o ato exigir uma forma para ser valido.
Ou, que sem a forma específica não produzirá efeitos. Um exemplo é o casamento, o qual a lei impõe uma formalidade – de certo modo até excessiva – para que o ato jurídico seja válido.
22 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Atualizada por Achilles Beviláqua e Isaías Beviláqua. 7ª ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1955. p. 225.
18
gera a nulidade, mas não sua ineficácia. A análise de cada espécie de nulidade e
anulabilidade previstas não será individual, então, é importante elencá-las e separá-
las, pelo menos, no que tange as características de seus gêneros.
Como ensina Carvalho Santos, a nulidade é um “vício que retira todo ou parte
de seu valor a um ato jurídico, ou o torna ineficaz apenas para certas pessoas”23.
Nesse tocante também é importante o pensamento de Grinover, Cintra e Dinamarco
que entendem o reconhecimento de um ato viciado ser uma forma de proteção e de
defesa do ordenamento jurídico24. Gagliano Stolze salienta que “é correto dizer-se que
o ato nulo (nulidade absoluta), desvalioso por excelência, viola norma de ordem
pública, de natureza cogente, e carrega em si vício considerado grave”25.
Já a chamada nulidade relativa (ou, simplesmente, anulabilidade) enseja em
um vício menos grave e, por isso, passível de convalidação (diferentemente da
nulidade absoluta – vide artigo 169 do código civil).
São hipóteses de nulidade absoluta as previstas no artigo 166 do código civil,
por exemplo, a incapacidade absoluta do agente. Já o artigo 171 do mesmo diploma
consagra as hipóteses (genéricas) de anulabilidade, dentre elas o erro, o dolo, a
coação, o estado de perigo, a incapacidade relativa do agente, lesão e fraude contra
credores.
2.2.3 EFICÁCIA
Superados os planos anteriores (existência e validade) cabe ser trabalhado o
plano da eficácia. Este é composto por alguns elementos, também chamado de
elementos acidentais, que podem ou não compor a esfera de obrigatoriedade do
Negócio Jurídico. Aqueles, devem sempre constar na relação jurídica, enquanto este
não necessariamente, mas se acordado pelas partes devem, obrigatoriamente, ser
observados. E são eles: a condição, o termo e o encargo. Como explica Maria Helena
Diniz
23 CARVALHO SANTOS, M. Código Civil Brasileiro Interpretado. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1949. p. 225. 24 GRINOVER, Ada Pellegrini. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 339. 25 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume
1: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 436.
19
As determinações Acessórias que modificam os efeitos jurídicos do negócio são: condição, termo e encargo ou modo. São cláusulas implícitas ou explícitas que se agregam a contratos e testamentos, embora não possam ser apostas em determinados atos como no casamento, pois ninguém pode se casar sob condição ou termo; na emancipação, ante os seus importantes efeitos, seria inconveniente que ela pudesse se desfazer pelo implemento de uma condição; no reconhecimento de filho (CC, art. 1.613), porque modifica o estado do indivíduo na família, estabelecendo uma situação que não pode, de modo algum, ser transitória; na aceitação ou renúncia de herança (CC, art. 1.808), pois as relações sucessórias não podem ficar sob condição ou termo, por trazerem essas cláusulas alteração patrimonial, e pela circunstância de que a sucessão deve ser estabelecida de maneira definitiva.26
2.2.3.1 CONDIÇÃO
Para Orlando Gomes condição é “a disposição acessória que subordina a
eficácia, total ou parcial, do negócio jurídico a acontecimento futuro e incerto”27.
Complementa Espínola Filho “Condição é a cláusula, derivada exclusivamente da
vontade dos declarantes, que subordina a eficácia ou a resolução do ato jurídico a
acontecimento futuro e incerto”28.
A condição pode ser suspensiva ou resolutiva. Suspensiva, aquela enquanto
a condição não sobrevir não se terá o direito visado (conforme artigo 125 do código).
Resolutiva, aquela em que o negócio está produzindo efeitos, porém quando da
condição, deixará de produzir (como estabelece o artigo 127 do mesmo diploma
legislativo).
2.2.3.2 TERMO
Outra subespécie de elementos acidentais se caracteriza por ser um
“acontecimento futuro e certo que subordina o início ou o término da eficácia jurídica
de determinado ato negocial”29. Logo, sabe-se o que irá acontecer no futuro, ou seja,
é encampado de futuridade e de certeza.
O termo pode ser inicial, utilizado apenas no caso de prestações de execução
diferida (e não na execução instantânea), é aquela em que a obrigação passa a ser
exigível apenas quando da data indicada pelos contratantes, ou pode o termo ser final,
26 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil.. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 562. 27 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 341. 28 LACERDA, Paulo de. Manual do Código Civil. Rio de Janeiro: J. Ribeiro Santos, 1918. p.
48. 29 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume
1: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 465.
20
caso em que dada a data acordada para extinção do contrato, este não mais produzirá
efeitos.
2.2.3.3 ENCARGO
Conceitua e exemplifica o professor Sílvio Venosa, deixando claro que é
(...) restrição imposta ao beneficiário da liberalidade. Assim, faço doação à instituição, impondo-lhe o encargo de prestar determinada assistência a necessitados; doo casa a alguém, impondo ao donatário obrigação de residir no imóvel; faço legado de determinada quantia a alguém, impondo-lhe o dever de construir monumento em minha homenagem.30
O encargo ou modo deve ser, ainda, lícito e possível, pois sem isso será
inexistente. E, ainda, se o objeto for a causa impreterivelmente em razão da qual a
liberalidade se constitui, esse negócio será nulo, pois o defeito o contaminará.31
Tendo analisado brevemente os institutos que compõe o Negócio Jurídico no
âmbito do direito material fazendo-o existir, ser válido e produzir seus efeitos, passará
a ser objeto de estudo, agora com a base necessária já trabalhada, o Negócio Jurídico
no âmbito do direito processual. Vale ressaltar que o alicerce deste é imperativamente
material, sendo trazido de forma já estabelecida para o campo do processo.
30 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2001. p. 440. 31 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 398.
21
3 NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL
Antes de adentrar no tema em questão cabe fazer uma reflexão histórica para
que fique clara a ideia de que o direito material e o direito processual já foram, em um
momento remoto, indissociáveis. Com o tempo, o direito processual conseguiu sua
autonomia frente ao direito material. Contudo mesmo autônomas essas duas
disciplinas continuam ligadas. Pois, o que seria do direito processual sem o direito
material e, ainda, o que seria do direito material sem o direito processual?
Essa autonomia teve origem, por assim dizer, no pós século XIX, chamado de
“Século das Luzes”, conforme analisado pelo historiador paranaense Laurentino
Gomes (professor da Universidade de São Paulo – USP), foi assim denominado
(...) devido a uma série de inovações científicas e tecnológicas que mudaram de forma radical a vida das pessoas. Elas afetaram praticamente todas as atividades humanas, mas tiveram especial impacto nas áreas de transporte e comunicação. Seus efeitos podem ser observados ainda hoje na maneira como as pessoas viajam, estudam, trabalham ou se divertem. Um conjunto ainda mais notável de transformações ocorreu nas ideias, alterando radicalmente a forma como as sociedades se organizavam e se governavam até então. Foi um período marcado por guerras e revoluções que abalaram crenças e convicções, redesenharam fronteiras de países, derrubaram sistemas de governo e estabeleceram novos padrões de convivência entre os seres humanos.32
Este século foi de salutar importância para os doutrinadores vindouros, pois
influenciados por novas perspectivas de vida em sociedade e principalmente por
ideais políticos, puderam contribuir com a máxima de seus pensamentos.
Em meados do século XIX ainda quando a disciplina de processo era
substancialmente atrelada ao direito material, ou seja, enquanto aquela não existia
sem esta, várias teorias foram criadas a fim de separar uma disciplina da outra.
Marinoni, Arenhart e Mitidiero salientam ser “a ação é a contrapartida natural da
proibição da tutela privada, ou seja, é o instrumento de que o particular passou a fazer
uso diante da eliminação da “justiça de mão própria””33. É a partir dela que será
analisada a autonomia do processo frente ao direito material.
Por volta de 1900 as duas disciplinas eram quase que inseparáveis. A doutrina
romanista era muito influente nessa época. Os juristas se valiam de uma definição
32 GOMES, Laurentino. 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um
professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil. São Paulo: Globo, 2013. p. 150.
33 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: teoria do processo civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 189.
22
apresentada por Celso, na qual salientava, que “a ação nada mais é do que o direito
de alguém perseguir em juízo o que lhe e devido” (ius quod sibi debeatur in iudicio
persequendi), logo para Marinoni esse conceito “permitiu o esclarecimento de que a
ação privada não mais existia”34. Esse era o pensando da chamada teoria imanentista
ou civilista e tinha por principal expoente Savigny.
Por mais que as disciplinas (direito material e direito processual) fossem
coligadas, nesse período, os ideais contratualistas revigoravam os juristas trazendo-
lhes, mais uma vez, o Estado como ente necessário e, por que não, protagonista na
resolução dos conflitos.
Várias são as teorias que consagraram o direito processual como uma
disciplina autônoma. Tiveram especial relevância: a discussão entre dois alemães,
Windscheid e Muther, a teoria de Wach (mais um alemão), a teoria de Couture
(Uruguaio) e a teoria de Liebman (italiano). A princípio as teorias da ação como direito
autônomo seguiram duas correntes: a) ação como direito concreto a tutela jurídica e;
b) ação como direito abstrato de agir.
Windscheid, seguidor da doutrina/teoria imanentista, publicou em 1856 um
trabalho que foi controvertido por Muther, em alguns momentos muito rispidamente,
pouco tempo depois. O embate entre esses dois autores, principalmente delineado
pelo segundo, teve vários sustentáculos que permanecem até hoje. Conforme
Marinoni “para Muther, o direito de agir, embora não se confundindo com o direito
material, tem ele como pressuposto (...) ainda que isolando o direito de agir do direito
material, tem uma base de direito privado”35. Isto é relevante do ponto de vista que foi
nesse contexto, nesse embate entre autores alemães, que se solidificou a distinção
do direito processual e material.
O passo seguinte foi classificar a ação (instituto processual) como, além de
autônoma, independente do reconhecimento de um direito material, ou seja, é
abstrato, dependendo apenas do exercício consciente e de boa-fé. Isso segundo o
pensamento de Degenkolb e de Plósz. Por conseguinte, Lodovico Mortara acrescenta
34 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil: teoria do processo civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 189-190. 35 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil: teoria do processo civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 194.
23
que “a ação se funda na mera afirmação de existência do direito”36. Logo, a ação
independe da boa-fé da parte.
Adolf Wach não entendia que os pensamentos de Degenkolb e de Plósz
estavam corretos, pois para este a ação (direito de agir) era dirigida ao Estado
enquanto para aquele “a pretensão à tutela jurídica se voltava contra o Estado –
obrigado a concedê-la – e contra o adversário – que deveria suportá-la”, conforme
analisado por Marinoni.37
Chiovenda filiou-se à teoria concreta de Wach. Porém, acrescentou que a
ação não é um direito subjetivo, mas sim potestativo, pois não lhe corresponde uma
obrigação do Estado. Logo, como ensinado por Ada Pellegrini Grinover, Antônio
Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco
(...)a teoria de Chiovenda configura a ação como um direito – um direito de poder, sem obrigação correlata – que pertence a quem tem razão contra quem não a tem. Visando à atuação da vontade concreta da lei, é condicionada por tal existência, tendo assim um caráter concreto. Não deixa, portanto, de ser o direito à obtenção de uma sentença favorável.38
Eduardo Couture sustentava que a ação era um desdobramento típico do
direito constitucional de peticionar. Sintetiza Marinoni que “Couture entende que a
ação é o direito de o cidadão exigir, sobre aquilo que afirma ser seu direito, um
pronunciamento do Poder Judiciário”39. Nada mais é, senão, do que uma garantia
atribuída ao cidadão pela Constituição.
Enrico Tullio Liebman, italiano, professor titular da Universidade de Parma.
Com ligeira passagem por Argentina e Uruguai. Chegou ao Brasil em 1940, fruto das
intempéries causadas pela segunda guerra mundial, e retornou ao país de origem em
1946. Nesse período que esteve em solo pátrio deixou grandes marcas. Elaborador
da chamada Teoria Eclética a qual analisa a ação como um direito abstrato, mas
condicionado ao preenchimento de alguns pré-requisitos (as chamadas “condições da
ação”), explicitados pelos professores Talamini e Wambier
36 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil: teoria do processo civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 196. 37 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil: teoria do processo civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 197. 38 GRINOVER, Ada Pellegrini. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 273. 39 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil: teoria do processo civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 200.
24
De acordo com essa doutrina, todos têm direito de pedir a atuação jurisdicional (é a “ação constitucional”). Mas nem todos têm o direito de receber uma sentença de mérito (ainda que desfavorável). Para tanto, é preciso preencher as condições da ação. A ação, na sua dimensão processual, é definida, segundo esse entendimento, como o direito a uma sentença de mérito.40
Logo concluem que, a abstração, para a teoria eclética
(...) não é, todavia, absoluta, pois, para que se possa exercer o direito de ação, isto é, com possibilidade de se obter sentença de mérito (no processo de conhecimento), é preciso observar as condições da ação.41
Outrossim as condições da ação, para Marinoni, são “a princípio delineadas
por Liebman como legitimação para agir, interesse de agir e possibilidade jurídica do
pedido, e posteriormente por ele reduzidas apenas à legitimidade para agir e ao
interesse”42. E, continua
A possibilidade jurídica do pedido não mais constitui categoria autônoma capaz de obstaculizar o julgamento do mérito. O novo Código se afastou da regulação das condições da ação, peculiar ao Código de 1973, que não só falava em condições da ação, mas também previa, ao lado da legitimidade para a causa e do interesse de agir, a possibilidade jurídica do pedido. Contudo, a impossibilidade jurídica do pedido, além de rara, pode ser encartada na ausência de interesse de agir.43
É importante, novamente, salientar a influência de Liebman no código
processual civil brasileiro de 1973. Ademais pelo contato que teve com um dos
principais elaboradores deste código, Alfredo Buzaid.
No código de processo civil de 1973, no seu artigo 3, trazia “para propor ou
contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”. Acolhendo assim as
condições da ação de Liebman como pressuposto de existência da ação. Já com a lei
nº 13.105, de 16 de março de 2015 o direito de ação pode ser delineado como o
“direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva mediante processo
40 WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria
Geral do Processo e Processo de Conhecimento. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 172.
41 WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 172.
42 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: teoria do processo civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 201-202.
43 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: teoria do processo civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 205.
25
justo”44. Sem estar condicionado a pressupostos de existência, como na teoria de
Liebman. Sendo totalmente abstrato e passível de existir mesmo sem qualquer
correlação ao direito material pleiteado.
3.1 DEFINIÇÃO
Tendo clara a ideia de que o Negócio Jurídico Processual é um fato jurídico,
ou seja, algo relevante para o universo jurídico e, ainda, que o Negócio Jurídico é uma
de suas espécies, a qual é substancialmente forjada à base da vontade das partes
que predeterminam efeitos jurídicos lícitos embasados na boa-fé. Alguns autores
começam a formular um conceito ou uma teoria, propriamente dita, do fato jurídico
processual.45
Para Liebman o Negócio Processual é algo impensável para o mundo do
processo, pois
O formalismo, necessário para assegurar o movimento regular e expedito do processo e consequentemente a certeza e precisão dos atos em particular, que se sucedem e sobrepõem uns aos outros, não consente que se dê qualquer relevância à real vontade do sujeito. O cumprimento das prescrições formais estabelecidas em lei (entendidas em sentido amplo) confere ao ato, desde logo, condições para operar os efeitos que lhe são próprios, sendo irrelevante a intenção íntima do sujeito que o realiza e ficando excluída qualquer investigação destinada a perquiri-la.46
Nesse sentido Cândido Rangel Dinamarco acrescenta que, diferentemente do
direito romano, a característica principal do Estado-Juiz e, por conseguinte, da
jurisdição é a inevitabilidade, ou seja, os atos independem da voluntariedade das
partes. A relação entre Estado-Juiz e as partes são, então, de sujeição.47
A professora Paula Sarno Braga, da Universidade Salvador, dentro das suas
reflexões sobre o fato jurídico processual diz que existirá Negócio Jurídico Processual
simplesmente
44 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de
Processo Civil: teoria do processo civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 205. 45 BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual
– Plano da Existência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 19. 46 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985.
p. 226-227. 47 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. volume. 2. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 212.
26
(...) quando existir um poder de determinação e regramento da categoria jurídica e de seus resultados (como limites variados). Há vontade de praticar o ato e vontade de ingressar na categoria e produzir o resultado — enquanto que no ato jurídico processual em sentido estrito basta a vontade em praticar o ato, pois a categoria e seus resultados são invariavelmente definidos na lei.48
Logo, dentro dessa teoria do fato jurídico processual também há diferenciação
entre negócios jurídicos e atos jurídicos em sentido estrito. Sendo que este os efeitos
são regulamentados em lei e aqueles os efeitos são formulados pelas partes.
Contudo, sendo o processo matéria de direito público, a autonomia da vontade
deve ser vista de uma forma muito mais restrita do que no direito material. Ainda,
majoritariamente na doutrina alemã, a possibilidade do Negócio Jurídico Processual
(principalmente atípico) é admissível, salvo se contrariarem normas cogentes.49
Então, em síntese, os Negócios Jurídicos Processuais são os negócios que
contém efeitos processuais50. Ou, também, são atos processuais, negociáveis, que
constituem, modificam ou extinguem uma relação processual51. Também, conforme
Fredie Didier Jr e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira, nada mais são do que um fato
(...) jurídico voluntário em cujo suporte fático, esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais.52
Ainda, Leonardo Greco ao entender que é plenamente possível as partes
pactuarem sobre o processo dispõe que
48 48 BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual
– Plano da Existência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 24. 49 49 BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual
– Plano da Existência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 30-31. 50 NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios Jurídicos Processuais: Análise dos
Provimentos Judiciais como Atos Negociais. 2011. Tese (Mestrado em Direito). Universidade Federal da Bahia, Salvador. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10743/1/Pedro%20Henrique.pdf>. p. 124., Acesso em: 10/08/2016 às 11:50h.
51 SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o Novo Processo Civil. Lisboa: Lex, 1997. p. 193.
52 DIDIER JR, Fredie. NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos Fatos Jurídicos Processuais. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 59.
27
(...) esses atos de disposição, encontram-se as convenções das partes, assim entendidos todos os atos bilaterais praticados no curso do processo ou para nele produzirem efeitos, que dispõem sobre questões do processo, subtraindo-as da apreciação judicial ou condicionando o conteúdo de decisões judiciais subsequentes. O que caracteriza as convenções processuais ou é a sede do ato – ato integrante da relação processual, praticado no processo -, ou é a sua finalidade de produzir efeitos em determinado processo, presente ou futuro.53
Indubitável é a autonomia da vontade das partes em estabelecer verdadeiros
contratos sobre o que ocorrerá no processo. Mas, para que isso aconteça alguns
requisitos devem ser observados conforme se verá a seguir.
3.2 PRESSUPOSTOS
Não será trabalhada a transposição de requisito por requisito dos negócios no
plano material para o negócio processual. Pois, em suma, seria repetir mais do
mesmo, haja vista que àqueles requisitos são gerais para qualquer negócio54. Então,
a partir do que há de mais atual na doutrina, será analisado, para estabelecer
parâmetros para a celebração de tal instituto. Ter-se-á por base o artigo 190, de código
de processo civil que estabelece os pressupostos para a celebração de tal ato.
Egas Dirceu Moniz de Aragão expõe ser impossível a transposição de
conceitos e elementos de direito material para a seara processual, exceto se houvesse
uma minuciosa adaptação para tal.55
Então, Eduardo Talamini trabalha sobre duas óticas (principalmente no que
toca a Negócios Jurídicos Processuais Atípicos): pressupostos objetivos e subjetivos.
E é essa classificação que seguiremos para trabalhar este tópico.
3.2.1 PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS
Continua-se a análise frente a literalidade do artigo 190, do código de
processo civil, no qual apenas as partes plenamente capazes, ou devidamente
representadas, é que podem negociar processualmente. Torna-se necessária a
53 GRECO, Leonardo. Atos de Disposição Processual: Primeiras Reflexões. in: MEDINA, José
Miguel Garcia e outros (coord). Os Poderes do Juiz e o Controle das Decisões Judiciais – Estudos em Homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 07.
54 Nesse sentido o enunciado nº 403 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A validade do negócio jurídico processual, requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei”. Disponível em: http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf. Acesso em: 19/09/2016 às 11:30h.
55 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 05.
28
observação dos artigos referentes a capacidade processual do novo código. Pois,
diferentemente dos requisitos do negócio jurídico do plano material, no âmbito
processual não basta a parte ser capaz civilmente, deve, também, ser capaz de ser
parte e de estar em juízo, conforme o artigo 70, do código de processo civil de 2015.56
Logo, é necessário que a parte seja, materialmente, capaz (ou esteja
devidamente representada) e tenha capacidade de estar em juízo. Geralmente essa
pressupõe aquela, porém há exceções. O menor incapaz, por exemplo, pode celebrar
negócio processual desde que representado por seus pais, curadores ou tutores.
Outrossim, a pessoa jurídica poderá também praticar tal negócio desde que
representada por quem designe o ato constitutivo ou, se esses forem omissos, pelos
seus diretores57.
Quase sempre a capacidade do plano material enseja na capacidade do plano
processual (capacidade de estar em juízo), porém há hipóteses em que isso não
acontece. Exemplifica Talamini
(...) é o que acontece no polo ativo do mandado de segurança. Admite-se que entidade ou órgão público não revestido de personalidade jurídica própria impetre essa ação constitucional, para atacar ato de poder exercido por outro órgão ou ente público, ao qual esteja submetido. O mandado de segurança funciona, então, como instrumento de proteção da competência de um órgão público, lesada ou ameaçada pelos excessos praticados por outro órgão. Nessa hipótese, muitas vezes o mandado de segurança é empregado para atacar ato praticado por outro órgão que integra até a mesma pessoa jurídica que o órgão impetrante (há casos de impetração do writ por assembleia legislativa ou por sua mesa diretora, para atacar ato do governador; por câmara municipal ou sua mesa diretora, para atacar ato do prefeito; por tribunal de contas estadual, para atacar ato do governador ou da assembleia legislativa; por setores, faculdades ou departamentos da universidade, para atacar ato de seu reitor etc.). Portanto, tais órgãos públicos despersonalizados detêm capacidade de ser parte, ao menos especialmente em relação ao mandado de segurança (como concluí em “Partes e terceiros no mandado de segurança individual, à luz de sua nova disciplina (Lei 12.016/09)”, em Revista Dialética de Direito Processual, v. 80, 2009, n. 2.6). Em consequência, detêm, nesse âmbito, capacidade jurídica para celebrar negócios jurídicos processuais (cabendo, por óbvio, aferir também a presença dos pressupostos objetivos para tanto).58
56 TALAMINI, Eduardo. Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos
processuais. p. 04. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/10/art20151020-17.pdf. Acesso em: 07/08/2016 às 09:50h.
57 TALAMINI, Eduardo. Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos processuais. p. 04. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/10/art20151020-17.pdf. Acesso em: 07/08/2016 às 10:20h.
58 TALAMINI, Eduardo. Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos processuais. p. 04-05. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/10/art20151020-17.pdf. Acesso em: 07/08/2016 às 11:00h.
29
Assim, o plano processual bebe na fonte do direito material, mas não o segue
por completo. Faz suas devidas adaptações para que seja possível a adoção de tal
instituto no processo.
Não é necessária a homologação judicial, salvo quando expressamente
exigida por lei, segundo o enunciado nº 133 do Fórum Permanente de Processualistas
Civis, acontecido em 1º, 2º e 3º de maio de 2015, o qual dispõe
133. (art. 190; art. 200, parágrafo único) Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial. (Grupo: Negócios Processuais).59
3.2.2 PRESSUPOSTO OBJETIVO
Nesse tocante, o limite vem da própria legislação. O código de processo civil
de 2015 no seu artigo 190 dispõe que sendo o processo referentes a “(...)direitos que
admitam autocomposição(...)” é possível que as partes convencionem.60
Direitos que admitem autocomposição são aqueles em que as partes possam
convencionar a seu respeito. Desta forma, a autocomposição abarca todas as formas
de solução extrajudicial do litígio61. Pois, se as partes podem inclusive retirar o litígio
do poder judiciário (caso da convenção de arbitragem, por exemplo), por que não
poderiam modificar atos dentro do próprio processo? Desse modo prevalece a
máxima de que quem pode o mais pode o menos.
Sendo assim, a título de exemplo, processos coletivos podem ser objeto dos
Negócios Jurídicos Processuais, pois admitem o chamado TAC (termo de ajustamento
de conduta).62
Ainda, a indisponibilidade do direito material, tão somente, não descarta a
possibilidade da celebração do negócio.63
59 http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf. p.
26. Acesso em: 16/08/2016 às 11:00h. 60 Faz-se um parêntese nesse ponto para explicar o que o código quer dizer quando utiliza a
palavra autocomposição. O sentido empregado é de que podem ser objeto de Negócio Jurídico Processual os processos que possam ser resolvidos fora do judiciário como, por exemplo, a inadimplência de uma dívida, a responsabilidade civil de danos causados em um acidente de veículos. Não poderiam ser objetos de negócio jurídico processual, pelo menos não a fim de afastar a jurisdição do Estado, por exemplo, a decretação de falência (a qual só pode ser declarada na via judicial – conforme artigos 75 a 82 da lei 11.101 de 2005).
61 TALAMINI, Eduardo. Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos processuais. p. 05. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/10/art20151020-17.pdf.
62 TALAMINI, Eduardo. Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos processuais. p. 06. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/10/art20151020-17.pdf.
63 Assim, o enunciado nº 135: “(art. 190) A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual. (Grupo: Negócios Processuais)”.
30
3.3 FORMA
O contrato que versará sobre o negócio jurídico processual deverá conter o
maior aspecto de clareza e, conforme explica Marco Paulo Denucci Di Spirito “deverá
ser destacado das demais disposições, independentemente da natureza da relação
contratual e ainda que não seja o caso de incidência do art. 54, §§ 3º e 4º, do CDC”
e, continua, que deva ser “precedido de títulos indicativos, com o escopo de facilitar a
sua identificação, na linha de preocupação que inspirou a recente reforma do BGB”64.
Portanto, deve ser escrito e contar com cláusulas em separado, e em
destaque, para não haver prejuízo, pelo menos quanto a formação do Negócio
Jurídico, para nenhuma das partes envolvidas. Ainda que manifestada em audiência
(oralmente) deverá ser reduzida a termo ou algum outro modo que permita a
reprodução65. A ENFAM salienta ser inválida a “convenção pré-processual oral”,
conforme seu enunciado nº 3966. Porém não é um tema cediço. Mas ambos
concordam que deve ser observado os direitos de transparência e informação na
prática deste ato.67
3.4 TEMPO
O Negócio Jurídico Processual pode ser elaborado, segundo o próprio artigo
190 do código de processo civil, antes ou durante o processo. No caso de ser antes
do processo, ou seja, de forma extraprocessual, as partes terão uma amplitude maior
no que tange ao que poderá ser convencionado, por exemplo, como será analisada a
futura ação judicial, bem como será a instrução preliminar, as provas, dentre outras.
Já se ocorrer durante o processo o escopo diminui, pois, por exemplo, não há que se
convencionar sobre provas se o momento da instrução já se passou, ou ainda,
http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf. Acesso em: 16/08/2016. p. 26.
64 DI SPIRITO, Marco Paulo Denucci. Controle de Formação e Controle de Conteúdo do Negócio Jurídico Processual. In: Revista de Direito Privado. v. 63. Ano 16. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 151.
65 VENDRAMINI, Bruno. O negócio jurídico processual no Novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://brunovendra.jusbrasil.com.br/artigos/315807487/o-negocio-juridico-processual-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 13/08/2016 às 11:25h.
66 Disponível em: http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf. p. 4. Acesso em: 26/08/2016 às 11:40h.
67 MELO, Diogo L. Machado de. Cláusulas contratuais gerais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 103.
31
convencionar o número de dias para uma eventual impugnação de decisão de
saneamento se esta fase já ocorreu.68
3.5 VALIDADE
Como visto em tópico referente aos vícios e defeitos dos negócios jurídicos a
teoria dos vícios do direito material não se reflete no direito processual. Mas, se um
contrato processual for celebrado por um menor, de 10 anos por exemplo, que não
esteja representado não surtirá efeitos processuais por violar frontalmente dispositivo
de lei. Logo, expõem Lucas Buril de Macêdo e Ravi de Medeiros Peixoto que é
imprescindível, para que o negócio jurídico seja válido, “a presença de agentes
capazes, objeto licito e forma admitida ou não defesa em lei”69. No mesmo sentido foi
aprovado o enunciado nº 132 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC),
o qual dispõe:
132. (art. 190) Além dos defeitos processuais, os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos atípicos do art. 190. (Grupo: Negócios Processuais)70
Também, o enunciado nº 38 da Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) dispõe que “somente partes
absolutamente capazes podem celebrar convenção pré-processual atípica”71.
Outra discussão que toca a doutrina é quanto a parcela do negócio que será
invalidada caso alguma(s) cláusula(s) do(s) contrato(s) esteja(m) viciada(s), mas não
o contrato por inteiro. Destarte o FPPC no enunciado nº 134 deixou clara a
possibilidade de o Negócio Jurídico Processual ser invalidado parcialmente, sem
prejuízo daquilo que for legal.72
Então, se o negócio jurídico infringir os requisitos gerais do artigo 104 do
código civil, bem como haja defeito, conforme o previsto nos artigos 166 e 167, do
68 VENDRAMINI, Bruno. O negócio jurídico processual no Novo Código de Processo Civil.
Disponível em: http://brunovendra.jusbrasil.com.br/artigos/315807487/o-negocio-juridico-processual-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 13/08/2016 às 11:55h.
69 MACÊDO, Lucas Buril De. PEIXOTO, Ravi de Medeiros. Negócio Processual acerca da distribuição do ônus da prova. in: Revista de Processo. v. 241/2015. 2015. p. 6. Acesso em: 15/08/2016 às 17:30h.
70 http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf. p. 26. Acesso em: 16/08/2016 às 11:00h.
71 Disponível em: http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf. p. 4. Acesso em: 26/08/2016 às 09:15h.
72 Assim, o enunciado nº 134: “(Art. 190, parágrafo único) Negócio jurídico processual pode ser invalidado parcialmente. (Grupo: Negócios Processuais)”. http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf. p. 26. Acesso em: 16/08/2016 às 11:50h.
32
mesmo diploma, e os requisitos previstos no artigo 190 do código de processo civil, o
negócio estará eivado de uma nulidade, desde que reste prejuízo (conforme o
enunciado nº 16 do Fórum Permanente de Processualistas Civis73 e o enunciado nº
42 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados74).
Ainda, seriam nulas as disposições em negócios processuais tendentes a
afetar os poderes e deveres do magistrado tais como os que:
(...) a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei.75
3.6 CAPACIDADE POSTULATÓRIA
Não se faz mister a capacidade postulatória quando da celebração do contrato
processual. Mesmo porque a celebração pode ocorrer extraprocessualmente. Porém,
por envolver, em alguns casos, grande complexidade é aconselhável a assistência de
um profissional do direito. Um exemplo trazido por Bruno Vendramini é muito
oportuno, tendo por base
(...) um sujeito que já teve orientação por advogado, já demandou várias vezes o Poder Judiciário e faz constantemente um determinado tipo de contrato. Diante disso, este sujeito chegou à conclusão que o melhor para ele é que a sentença transite em julgado imediatamente, não sendo possível a apelação. Chegando a esta conclusão, este sujeito começa a estipular neste determinado tipo de contrato esta cláusula de irrecorribilidade da sentença. Portanto, chega-se à conclusão que seria abusivo para esse sujeito a presença do advogado toda vez que firma-se seus contratos, tendo de arcar com honorários de advogado.76
Então, a capacidade postulatória não é um pressuposto do negócio jurídico
processual, mas não raras as vezes é indispensável para evitar futuros e eventuais
73 Disponível em: http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-
Vit%C3%B3ria.pdf. p. 10. Acesso em: 26/08/2016 às 10:50h. 74 Disponível em: http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-
VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf. p. 4. Acesso em: 26/08/2016 às 10:30h. 75 Enunciado nº 36 da ENFAM. Disponível em: http://www.enfam.jus.br/wp-
content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf. p. 4. Acesso em: 25/08/2016 às 17:55h.
76 VENDRAMINI, Bruno. O negócio jurídico processual no Novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://brunovendra.jusbrasil.com.br/artigos/315807487/o-negocio-juridico-processual-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 16/08/2016 às 11:10h.
33
prejuízos. Nesse sentido o enunciado nº 18 do FPPC “Há indício de vulnerabilidade
quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica”77.
3.7 CONTROLE JURISDICIONAL
Fica claro que com o século XX, que sofreu muita influência do século das
luzes, a principal carência do cidadão, num primeiro momento, era poder pedir a tutela
jurisdicional do Estado. Para resolver isso os doutrinadores se colocaram a discutir
sobre isso, ou seja, debruçaram seus estudos sobre a ação. Porém passado esse
primeiro “embaraço processual”, o segundo enfoque dos juristas foi quanto a
Jurisdição, e mais especifico, quanto aos poderes a ela conferidos, ou ainda melhor,
conferidos ao juiz que é representante do Estado e por sua vez da Jurisdição.78
Como visto em tópico anterior o magistrado não necessita homologar o
negócio para que produza efeitos. Porém, pode controlá-lo caso haja nulidade ou
inserção abusiva em contrato de adesão ou, ainda, se alguma das partes se encontrar
em manifesta situação de vulnerabilidade, conforme dispõe o artigo 190 do código de
processo civil. Marco Paulo Denucci Di Spirito enfatiza que é plenamente possível ao
magistrado sem “pedir qualquer autorização ao art. 190, parágrafo único, do
CPC/2015, para outorgar ao magistrado a prerrogativa de controlar um requisito do
plano da existência, pois essa é a regra para todo negócio jurídico”79.
No entanto, alguns posicionamentos já estão sendo editados em vários fóruns
pelo país. É o caso da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados (ENFAM) e do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) que
trazem algumas diretrizes como se verá a seguir.
3.8 ESPÉCIES DE NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL
Estabelecidos os requisitos para que um negócio processual produza efeitos
passaremos a sua análise quanto as espécies, bem como sua correspondência com
77 Disponível em: http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-
Vit%C3%B3ria.pdf. p. 10. Acesso em: 26/08/2016 às 10:50h. 78 ATAÍDE, Vicente de Paula. Processo Civil Pragmático. p. 19-40. Disponível em:
http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/31921/R%20-%20T%20-%20VICENTE%20DE%20PAULA%20ATAIDE%20JUNIOR.pdf?sequence=1. Acesso em: 27/08/2016 às 17:10h.
79 DI SPIRITO, Marco Paulo Denucci. Controle de Formação e Controle de Conteúdo do Negócio Jurídico Processual. In: Revista de Direito Privado. v. 63. Ano 16. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 152.
34
o código de processo civil de 1973. O Negócio Jurídico Processual pode ser
subdividido em: a) negócios típicos e b) negócios atípicos.
Os negócios típicos, ou seja, aqueles previstos na própria legislação, já eram
previstos no código de processo civil de 1.973, porém esses negócios tiveram uma
amplitude muito maior com o novo código de processo civil. Com o atual código
podemos citar como exemplos: modificação do réu na nomeação à autoria (arts. 65 e
66), sucessão do alienante ou cedente pelo adquirente ou cessionário da coisa
litigiosa (art. 42, § 1º), acordo de eleição de foro (art. 111), prorrogação da
competência territorial por inércia do réu (art. 114), convenções sobre prazos dilatórios
(art. 181), convenção para suspensão do processo (arts. 265, II, e 792), desistência
da ação (art. 267, § 4º; art. 158, parágrafo único), convenção de arbitragem (art. 267,
VII; art. 301, IX), revogação da convenção de arbitragem (art. 301, IX, e § 4º),
reconhecimento da procedência do pedido (art. 269, II), transação judicial (arts. 269,
IlI, 475-N, IlI e V, e 794 II), renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação (art. 269,
V), convenção sobre a distribuição do ônus da prova (art. 333, parágrafo único),
acordo para retirar dos autos o documento cuja falsidade foi arguida (art. 392,
parágrafo único), conciliação em audiência (arts. 447 a 449), adiamento da audiência
por convenção das partes (art. 453, I), convenção sobre alegações finais orais de
litisconsortes (art. 454, § 1º), liquidação por arbitramento em razão de convenção das
panes (art. 475-C, I), escolha do juízo da execução (art. 475-P. Parágrafo único),
renúncia ao direito de recorrer (art. 502), requerimento conjunto de preferência no
julgamento perante os tribunais (art. 565, parágrafo único), desistência da execução
ou de medidas executivas (art. 569), escolha do foro competente pela Fazenda
Pública na execução fiscal (art. 578, parágrafo único), opção do exequente pelas
perdas e danos na execução de obrigação de fazer (art. 633), desistência da penhora
pelo exequente (an. 667, III), administração de estabelecimento penhorado (an. 677,
§ 2º), dispensa da avaliação se o exequente aceitar a estimativa do executado (art.
684, I), opção do exequente pelo por substituir a arrematação pela alienação via
internet (art. 689-A), opção do executado pelo pagamento parcelado (art. 745-A),
acordo de pagamento amigável pelo insolvente (art. 783), escolha de depositário de
bens sequestrados (art. 824, I) e acordo de partilha (art. 1.031).80
80 VENDRAMINI, Bruno. O negócio jurídico processual no Novo Código de Processo Civil.
Disponível em: http://brunovendra.jusbrasil.com.br/artigos/315807487/o-negocio-juridico-processual-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23/08/2016 às 11:25h.
35
Negócios atípicos, aqueles que não estão expressos na legislação, por outro
lado, são uma grade inovação no mundo processual brasileiro. Não encontra
correspondência no antigo código. E ao contrário do que acontece na arbitragem,
onde as partes já estavam habituadas a contratar de forma a que tivessem a melhor
resolução possível para sua lide, no processo isso não era (e continua não sendo,
pelo menos por enquanto) habitual. Muito pelo fato de não se saber qual o limite de
tal negociação (ponto este que se verá mais adiante). Outra questão que causa
desconfiança é: qual a razão para que duas partes opostas e com interesses
conflitantes que não se “acertam” no tocante ao direito material possam negociar
questões processuais?
Vários são os óbices impostos por quem vê com maus olhos o instituto, porém
tendo o novo código de processo civil uma perspectiva de que as partes possam
construir (juntamente com o magistrado) o processo, o que não acontecia com o
código passado, é de se analisar com mais cautela e não cair em empecilhos rasos.
3.9 HIPÓTESES VIÁVEIS DE NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ATÍPICOS
Mesmo em casos simples que trariam celeridade ao processo e visariam
garantir o contraditório mais efetivo a doutrina não está segura de ratificar
completamente a possibilidade, pois o medo é abrir precedentes que dificilmente
seriam limitados.
Contudo vale trazer à baila alguns casos em que os negócios processuais que
admitiriam mais adeptos: a dispensa de caução no cumprimento provisório de
sentença81, inclusive a impossibilidade de cumprimento provisório já é bem aceita,
ausência da audiência de conciliação (este seria muito útil caso o réu esteja realmente
com intuito de resolver a controvérsia e não apenas postergar o prazo para
pagamento), intimação ser apenas por meio eletrônico (note-se que essa regra
somente seria válida para os processos físicos, pois os processos eletrônicos
dispensam esse tipo de intimação – outrossim, o que poderia ser levado em conta
nesse sentido seria a citação já ser feita por meio eletrônico, fato que nos levaria a
crer que o Negócio Jurídico Processual deveria ter sido feito antes da demanda ser
proposta), acordo de impenhorabilidade até o transito em julgado da decisão,
ampliação e redução de prazos das partes (sejam eles de resposta, recurso,
81 Enunciado nº 262 do FPPC: É admissível negócio processual para dispensar caução no
cumprimento provisório de sentença.
36
diligencias, entre outros), dispensa de assistente técnico82, número máximo de
testemunhas em audiência, julgamento antecipado do mérito convencional.
3.10 HIPÓTESES INVIÁVEIS DE NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
ATÍPICOS?
Nesse ponto a doutrina começa a fugir um pouco da normalidade até então
vista no processo civil. Surgem discussões sobre hipóteses esdrúxulas de
contratualismo processual que colocariam todo um sistema em cheque (e não só no
tocante ao processo, mas no tocante ao próprio mundo do direito em si – poderiam as
partes contratar sobre garantias constitucionais? E sobre a produção probatória – que
interferiria na razão de decidir do magistrado – poderiam convencionar?).
Então surgem teorias do que pode e o que não pode ser tocado pelo Negócio
Jurídico Processual. Uma delas é trazida pelo Professor Leonardo Greco, quando
analisa os Negócios Processuais que tenham por objeto normas dispositivas (e não
cogentes), admite algumas limitações: a) a disponibilidade do próprio direito material
posto em juízo; b) o respeito ao equilíbrio das partes e na paridade de armas; e c) a
observância das normas fundamentais do processo83. A professora Rogéria Dotti e o
professor Gilberto Andreassa Junior entendem que “o princípio do autorregramento
da vontade não pode atingir normas processuais voltadas à proteção de direitos
indisponíveis. Nesse sentido não é possível negócio processual que afaste o reexame
necessário ou que trate de qualquer outro tema reservado à lei”84. A Escola Nacional
de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) realizou um evento em
2015 no qual aprovou enunciados sobre tais limites, por exemplo, o nº 36, que analisa
algumas hipóteses que não poderiam ser objeto de negócio processual85, e também
o nº 37 que dispõe:
82 Disponível em: http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-
Vit%C3%B3ria.pdf. p. 10-11. Acesso em: 26/08/2016 às 11:20h. 83 GRECO, Leonardo. Atos de Disposição Processual: Primeiras Reflexões. in: MEDINA, José
Miguel Garcia e outros (coord). Os Poderes do Juiz e o Controle das Decisões Judiciais – Estudos em Homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 290-292.
84 DOTTI, Rogéria. JUNIOR, Gilberto Andreassa. Normas Fundamentais e negócios processuais no novo CPC. Dísponivel em: http://www.conjur.com.br/2016-jan-20/normas-fundamentais-negocios-processuais-cpc. Acesso em: 25/08/2016 às 22:40h.
85 Enunciado nº 36 da ENFAM: A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o
37
São nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modifiquem o regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação.86
Ainda assim, continua um tanto quanto subjetivo o entendimento do que é ou
não possível convencionar. Mas, o papel de limitar casuisticamente essas hipóteses
cabe a doutrina e a jurisprudência. O que por certo que uma vez formado um rol de
“precedentes negociais” saber-se-á a diretriz aceita pelo direito brasileiro. Então, os
primeiros passos já estão sendo dados. Para uma primeira análise de hipóteses
inviáveis de Negócios Jurídicos Processuais, salienta-se a importância de observar as
diretrizes adotadas pelo novo código e, tais aspectos, são muito bem resumidos na
seguinte explanação:
Em um primeiro momento, vale recordar as principais tendências do novo código: priorização do mérito, cooperação real entre as partes e o juiz da causa, fortalecimento do dever de fundamentação, amplo contraditório, busca efetiva pela conciliação entre as partes litigantes, respeito aos precedentes judiciais, e, por fim, a valorização da vontade
das partes em relação aos atos do processo.87
A partir disso, trazemos ao debate o que já foi discutido e aprovado no Fórum
Permanente de Processualistas Civis. Lembramos que esses enunciados não contêm
força normativa, mas direcionam o pensamento da doutrina.
O enunciado nº 06 diz: “O negócio jurídico processual não pode afastar os
deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”88. Então não seria possível convencionar,
por exemplo, que ambas as partes pudessem utilizar da má-fé processual para obter
êxito.
julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei. p. 4. Disponível em: http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf. Acesso em: 25/08/2016 às 23:00h.
86 Disponível em: http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf. Acesso em: 25/08/2016. p. 4. Acesso em: 25/08/2016 às 17:30h.
87 DOTTI, Rogéria. JUNIOR, Gilberto Andreassa. Normas Fundamentais e negócios processuais no novo CPC. Dísponivel em: http://www.conjur.com.br/2016-jan-20/normas-fundamentais-negocios-processuais-cpc. Acesso em: 25/08/2016 às 23:00h.
88 Disponível em: http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf. p. 08. Acesso em: 26/08/2016 às 11:50h.
38
O enunciado nº 254 diz ser inadmissível a exclusão do ministério público na
sua intervenção como fiscal da ordem jurídica89. Pois, além de ser um preceito do
código de processo civil, este dever, está elencado na constituição federal.
Uma discussão arraigada entre o FPPC e a ENFAM é no tocante a
possibilidade ou não da convenção com a finalidade de criar a sustentação oral,
quando não houver, ou ampliar o tempo, quando já prevista. O FPPC em seu
enunciado nº 21 diz ser admitida tal hipótese90, enquanto o enunciado nº 41 da
ENFAM veta tal hipótese por se tratar de estrutura do julgamento91.
As discussões não param por aí, mas essas são, atualmente, as questões
mais debatidas no tocante a possibilidade, ou não, da prática de Negócio Jurídico
Processual.
89 Enunciado nº 254, FPPC: É inválida a convenção para excluir a intervenção do Ministério
Público como fiscal da ordem jurídica. 90 Enunciado nº 21, FPPC: São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para
realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais.
91 Enunciado nº 41, ENFAM: Por compor a estrutura do julgamento, a ampliação do prazo de sustentação oral não pode ser objeto de negócio jurídico entre as partes.
39
4. CONCLUSÃO
Não resta dúvida de que o novo código de processo civil veio para facilitar o
processo e melhorar, tanto a qualidade quanto a velocidade, da prestação jurisdicional
por parte do Estado-Juiz. Porém, o processo não é construído tão somente pelo
magistrado. As partes (autor e réu) passam a ter uma posição muito mais ativa no
processo e assim também é para o juiz.
Chega-se então a algumas conclusões decorrentes da ideologia do novo
código, por exemplo, a diminuição do rigor do formalismo em detrimento da
flexibilidade em se adequar cada procedimento, trazendo uma possível melhora na
velocidade do feito. Há também que se destacar o reconhecimento cada vez maior da
importância da figura do advogado, que passa a poder declarar peças como
autênticas (artigo 425, inciso IV, código de processo civil), além de que para a
realização do Negócio Jurídico Processual Atípico Extraprocessual será sua presença
de suma importância (não como requisito), mas de modo a evitar uma possível
discussão quanto a nulidade por se tratar, a parte, de um vulnerável.
No que tange ao Negócio Jurídico Processual Típico pode-se dizer que sua
perspectiva foi ampliada em relação ao código de 1973. No Negócio Jurídico
Processual Atípico o código inovou trazendo esse instituto do direito comparado, mas
também analisando algumas leis que funcionam muito bem no direito pátrio, como é
o caso da lei 9.307/1996 (lei da arbitragem).
A atipicidade dos contratos processuais vem mais com a ideologia de
fomentar uma nova ferramenta para a resolução de conflitos, do que propriamente
dito uma ferramenta que viesse para consertar algo que estava errado no antigo
código.
Também é de se salientar a adoção de uma cláusula geral para controle
judicial, que é o caso do artigo 190, parágrafo único, do código. Isso em certa medida
é muito bom, pois o magistrado não seria, com o novo código, deixado de lado por um
pacto das partes que poderia lhe condicionar à decisão do feito.
Logo, a limitação se dá pela cláusula geral do artigo 190, parágrafo único,
porém a casuística de cada caso será analisada, ao menos até se formarem os
precedentes necessários para dirimir tais dúvidas. Desse modo, no início da aplicação
desse instituto tudo será analisado no caso concreto (no caso a caso propriamente
dito).
40
Outrossim, no todo o processo civil brasileiro passa a ser visto com ar de
modernidade. Mas alguns institutos, e dentre eles o Negócio Jurídico Processual
Atípico, são uma novidade tão grande que passam a ser objeto de dúvida e receio dos
operadores do direito. Se bem utilizado poderia sem dúvida nenhuma revolucionar o
direito pátrio. No entanto, está mais para se dizer que entrará no esquecimento pela
sua inutilização do que o contrário, seguindo os mesmos passos, a exemplo, do antigo
agravo retido. Logo, não se pode afirmar que o instituto irá ou não “pegar” na prática.
Resta acreditar que a possibilidade de êxito caso utilizado será enorme.
41
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