lino de macedo - rede do saber · 2008. 2. 15. · lino de macedo capa uma questÃo de escolha 12...
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CAPA UMA QUESTÃO
DE ESCOLHA
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Ementos (o oxigênio) possibilita, do começo ao fim, a
nossa existência física. A vida social, só para ficar-
mos em um dos ensinamentos de Marcel Mauss, de-
pende de um eterno fluxo transitivo entre o dar, o
receber e o retribuir. Do ponto de vista biológico, a
gestação feminina depende, por causalidade, de uma
parte (o espermatozóide) que só se encontra no sexo
masculino. A mútua dependência ou a interdepen-
dência que nos caracteriza (apesar de nós) não se
verifica como necessária nos seres “imortais”. O cris-
tal, por exemplo, é um minério que pode sustentar –
“para sempre” — sua condição sólida, como um tipo
de vidro que só se parte ou se transforma por atua-
ção de agentes externos a ele (dentre os quais o ser
humano e todos os seus interesses).
O que isso tem a ver com escolha? Se uma par-
te de nós está fora e se queremos nos manter como
um todo, é necessário (em uma condição mínima ou
máxima) que escolhas sejam feitas (quaisquer que
sejam seus modos ou motivos de expressão). O que
escolher? Como escolher? Por que escolher isso ou
aquilo? A qualidade ou razão de uma escolha — cons-
ciente ou inconsciente — define, por antecipação, o
que será, para melhor ou pior, de nossa vida ou da
vida do grupo a que pertencemos. Não por acaso,
aprender ou poder fazer escolhas com liberdade é um
dos direitos mais requeridos pelos seres humanos.
Sofrimento, doença, morte, injustiça ou restrição de
qualquer ordem, nesse sentido, são manifestações
de um sentimento de que nossas possibilidades de
escolha tornaram-se negadas ou cerceadas. Contu-
do, ter de ou poder escolher é assumir riscos, é tor-
nar-se responsável por nossas escolhas e suas conse-
qüências. E se os outros escolhem por nós, inscre-
vem-se em nós seus interesses, hábitos ou valores
dá no mesmo, pois isso agora é parte de nós e requer
de nós novas formas de compreensão ou realização
daquilo que nos tornamos por suas escolhas.
Por que escolhas diárias? Uma razão particular
para isso é que escolhas são sempre feitas (mesmo
que não tenhamos consciência delas). A cada respi-
ração, por exemplo, nosso modo de fazê-la determi-
na um tipo de conseqüência. A cada vez que olhamos
Ilustração: Tatia
na Sperhacke/foto orig
inal:
©
iS
tockphoto.com
/M
ikhail
Lavrenov
Desenvolver a inteligência significa saber, poder e
querer exercitá-la infinitas vezes no contexto das
experiências de nosso cotidiano e dos contextos
genéticos e socioculturais que as possibilitam
m 1997, a Pátio publicou um número sobre
inteligência. Tive a oportunidade de escre-
ver o artigo Inteligência: todos podem apren-
der. Relendo-o agora, já que a Pátio, em seu
décimo ano, acertadamente decidiu voltar
ao tema, gostei da ênfase dada à inteligência como
abertura para todos os possíveis. Sobre isso, nada
me ocorre para acrescentar ou corrigir. De fato, se
entendermos ou praticarmos a inteligência em suas
infinitas formas de ser ou de se tornar, então, quem
sabe, nossa vida, por mais que limitada ou difícil,
haverá de encontrar ou criar um outro jeito de reali-
zar ou compreender os desafios e a ventura de sua
existência.
Naquela época, no entanto, só me ocorreu co-
mentar sobre um dos lados da questão. Busco com-
pletar minhas idéias agora analisando o tema como
necessário (e não só possível), ou seja, aquilo que
não pode não ser em um sistema, aquilo que deve
ser, seja por razões de coerência, antecipação, con-
seqüência ou causalidade. Em síntese, somos todos
inteligentes (porque devemos sê-lo em algum nível),
todos temos de ser inteligentes. Mas o que é inteli-
gência? Como compreendê-la em seu modo necessá-
rio? Por que será sempre um tema fundamental, so-
bretudo para nós, pais e educadores, comprometi-
dos com o favorecimento das melhores condições para
o desenvolvimento da inteligência de nossos filhos
ou alunos? Voltar ao tema neste ano é, por isso, mais
do que uma feliz coincidência com o aniversário da
Pátio; é algo necessário para todos nós que vivemos
no Brasil.
Por que temos de fazer escolhas diárias? Uma
razão geral para isso é a nossa própria condição de
ser vivo. Somos (incluindo-se aí os vegetais e todos
os outros animais) — para continuar vivos — seres de
complementaridade ou interação: uma parte de nós,
porque nos complementa como todo, está sempre fora
de nós (nos outros, na natureza, nas coisas). O oxi-
gênio de que precisamos depende, em nosso caso,
da respiração de um ar que o contenha. Ele é um
legado das estrelas que, ao explodirem, espargem
pelo universo suas cinzas, das quais um de seus ele-
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para uma pessoa ou coisa, a maneira
como o fazemos implica um modo
de agir ou reagir do outro ou de
nós mesmos. Inteligência,
então, é uma função que
caracteriza nossa condição
geral ou particular de,
como seres vivos, fazer-
mos escolhas que a deter-
minem ou possibilitem
sua conservação e, mais
que isso, sua transforma-
ção. A inteligência dos
seres humanos, ainda que
mantendo a mesma função,
se expressa por estruturas que
são próprias a eles e que vari-
am, como extensão, realização e
compreensão, segundo diferentes for-
mas. Para Piaget, por exemplo, essas for-
mas são ordenáveis em estádios qualitativamente
diferentes (sensório-motor, simbólico pré-operatório,
operatório concreto e formal ou hipotético-deduti-
vo). Outros autores quantificam, por meio de tes-
tes, as formas e as variedades de inteligência e a
imaginam como algo predeterminado e insensível à
experiência. Outros ainda pensam a inteligência
como um outro nome para nossa necessidade e pos-
sibilidade de aprender, sujeitas às contingências que
determinam nossas experiências, cujo contexto fa-
vorece ou perturba seu desenvolvimento em uma di-
reção ou em outra.
Agir em função das escolhas que
fazemos ou reagir às escolhas que
são feitas por nós supõe coor-
denar pontos de vista. Este é
o segundo aspecto que que-
ro enfatizar. Ou seja, ser
ou tornar-se inteligente
implica fazer escolhas e,
por extensão, coordenar
perspectivas. Escolher,
como já lembrei, é assu-
mir riscos, é ganhar algo
e, por isso, perder ou se
afastar daquilo que se lhe
opõe. É impossível ser dife-
rente. Quem escolhe perde, ao
menos por ora, aquilo que está
fora, no espaço e no tempo, dos
limites de sua escolha. Não podemos
ler ou assimilar tudo o que está escrito
em um texto, porque ele permite
diferentes interpretações, por-
que jamais podemos dominar
todas as significações que
seu autor quis lhe dar (até
porque ele mesmo não tem
consciência ou interesse
em todas elas), porque ler
é destacar partes de um
texto e reorganizá-las em
função de nosso objetivo
ou possibilidades de leitu-
ra. Mais que isso, quem es-
colhe tem, como conseqüên-
cia, o problema de se reorga-
nizar — como parte ou como todo
— em função daquilo que agora é
seu, em função do que foi escolhido.
Coordenar pontos de vista significa o tra-
balho de nossa inteligência em regular, transformar,
modificar-se face ao que escolhemos ou ao que as
circunstâncias de nossa vida e os outros escolhem por
e para nós. Escolher, nesse sentido, é tornar-se res-
ponsável. É considerar as conseqüências daquilo que
fazemos ou pensamos. É admitir que somos mobiliza-
dos, que mobilizamos e que colocamos em movimen-
to muitas coisas em função de nossas escolhas, mes-
mo que não saibamos ou que não tenhamos consciên-
cia disso. Livres e responsáveis — de preferência com
alegria e leveza, com calma ou clareza — eis o desafio
dos seres humanos que podem ser, graças à
sua inteligência, o melhor de si mesmos!
E pensar que a maioria de nós não
se sabe assim, não pode ou não
quer ser assim!
Passo agora ao último
ponto de minha reflexão.
Como desenvolver a inte-
ligência? Como favorecer,
como pais ou educadores,
a inteligência de nossos
filhos ou alunos? Quais
são os fatores que promo-
vem o desenvolvimento da
inteligência? Não vou con-
siderar aqui as questões ge-
nética e sociocultural que, de
fato, limitam ou amplificam as
possibilidades de desenvolvimen-
to e de expressão da inteligência.
Ser ou tornar-se
inteligente
implica fazer
escolhas
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Quero restringir-me ao problema da
experiência e do exercício como
dois outros fatores fundamen-
tais. Essa escolha decorre de
uma outra, que fiz aos 18
anos, cursando o primeiro
ano de um Curso de Peda-
gogia, graças aos profes-
sores Zélia Ramozzi
Chiarottino e Carlos
Funari Prósperi (em me-
mória), de devotar minha
vida profissional ao estu-
do da inteligência na pers-
pectiva de Piaget e da psi-
cologia do desenvolvimento.
Como aprender (melhor seria
apreender) ou desenvolver o ra-
ciocínio lógico? Como encontrar ra-
zão ou coerência em nossos modos de agir
ou compreender nas infinitas teias que caracterizam
o percurso de nossas vidas? Como não se perder ne-
las? Como se reencontrar nelas? Porque fazer esco-
lhas e coordenar perspectivas significa realizar um
caminho, decidindo ou sendo decidido nas muitas en-
cruzilhadas que o definem como modos de roteiro ou
de desfecho.
Se inteligência também se refere à lógica, como
a desenvolvemos (a lógica ou a inteligência) não ape-
nas como disciplina ou linguagem científica, mas como
forma de vida, cujas escolhas diárias definem quem
ou como somos? Piaget tinha uma maneira provo-
cativa, creio, de agradecer à experiência pelo que
nos possibilitava ou impedia a esse respeito. A expe-
riência, de fato, por mais intensa e duradoura que
seja, nem sempre nos ensina sobre suas próprias
contradições, que só sabem repetir e perpetuar nos-
so sofrimento e o sem sentido de nossas vidas e de
nossas escolhas. Para ele, a lógica e a matemática,
como construções humanas e necessárias, deviam a
algo que só podia ser “pseudoempírico”. Elas não
estão na experiência, ainda que só possam ser abs-
traídas ou generalizadas a partir dela. Uma escolha,
nesse sentido, se expressa por um agir, que é mais
um resultado da escolha do que ela própria. Onde
está, em uma experiência particular, a coordenação
de perspectivas? Isso nos remete ao exercício.
Desenvolver a inteligência significa saber, po-
der e querer exercitá-la infinitas vezes no contexto
das experiências de nosso cotidiano (bem como dos
contextos genéticos e socioculturais que as possibili-
Agir em função
das escolhas
supõe coordenar
pontos de vista
MACEDO, L. de. Ensaios pedagógicos: como
construir uma escola para todos? Porto
Alegre: Artmed, 2005.
MACEDO, L. de; PETTY, A.L.S.; PASSOS, N.C.
Aprender com jogos e situações-proble-
ma. Porto Alegre: Artmed, 2000.
tam). Por que exercício? Porque a inte-
ligência lógico-matemática, insis-
to, não está na experiência, ain-
da que seja adquirida nela. Ler,
no sentido que estou valori-
zando neste artigo, signifi-
ca, por exemplo, compre-
ender um texto e, mais
que isso, pouco a pouco e
em um processo sem fim,
aprender a fazer escolhas
e coordenar perspectivas
que tornam a leitura um in-
finito e eterno processo de
conhecer e saber o mundo. Em
uma perspectiva prática, pais
e mães, mesmo que não o sai-
bam, no cotidiano das relações com
seus filhos, exercitam — impedindo ou
favorecendo — um universo de escolhas e co-
ordenação de perspectivas. Os professores fazem o
mesmo no cotidiano de suas aulas, pelos modos como
agem e reagem às propostas e às condutas de seus
alunos. Estes observam, sentem, disputam, tentam
outras possibilidades, e quiçá consigam desenvolver
sua inteligência e, assim, como qualquer ser vivo,
realizem esse raro privilégio — nem sempre bem apro-
veitado — de desfrutar sua humanidade.
● Lino de Macedo é professor
do Instituto de Psicologia da USP.
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Maria Thereza Marcilio
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MÚLTIPLOS CAMINHOS
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Ilustração: Tatia
na Sperhacke
COMPREENSÃO E OS
PARA A APRENDIZAGEM
No marco didático ensinar para a compreensão,
o critério de êxito é o desempenho dos alunos,
definido a partir de uma concepção de aprendizagem
que significa compreender, ou seja, pensar,
agir e sentir flexivelmente
Diante desse cenário, no contexto institucional,
há que se fazer uma escolha: ignorar tais descobertas
ou reconhecê-las e buscar um novo modelo de escola.
Deparamo-nos, então, com um enorme problema no fun-
cionamento das instituições educativas: se elas são ins-
tituições coletivas, como organizar o ensino — as roti-
nas, os grupos, os currículos e os programas — conside-
rando as diferentes maneiras de aprender? O primeiro
passo é assumir que este é um desafio urgente, pois de
outra forma o modelo de ensino permanecerá alicerçado
em um pressuposto falso em relação à aprendizagem.
Em uma visão sistêmica, consideramos estar aí um dos
motivos do fracasso da escola: insistir em ensinar a to-
dos de uma só maneira e no mesmo ritmo.
COMO ORGANIZAR A PRÁTICA PEDAGÓGICA
CONSIDERANDO AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS?
Foi fazendo perguntas similares a esta que a equipe do
Projeto Zero, liderada pelo professor Gardner, iniciou
uma investigação que buscava estreitar a distância en-
tre as teorias sobre aprendizagem e os processos de
ensino. Assim, pesquisando o que faziam os professores
bem-sucedidos em suas aulas, nasceu o marco didático
denominado ensinar para a compreensão. O critério de
êxito é o desempenho dos alunos, e este é definido a
partir de uma concepção de aprendizagem que, na lin-
guagem dos pesquisadores, significa compreender, ou
seja, pensar, agir e sentir flexivelmente.
Este é um dos grandes desafios da escola contem-
porânea: assumir que diferenças nos estilos de apren-
dizagem não são problemas, mas forças e possibilidades.
É nesse ponto que a teoria das inteligências múltiplas
pode ajudar na proposição de um ensino mais eficaz.
Ensinar para compreensão é fruto de uma investigação
que procura a coerência entre essa concepção de in-
teligência e a prática pedagógica. Alguns princípios ser-
vem para nortear a prática:
As decisões sobre como ensinar que o pro-
fessor toma ao enfrentar a complexidade do
universo de uma sala de aula refletem suas
concepções, seus preconceitos, sua visão
de mundo. Elas respondem a questões como:
para que serve a escola? Qual a relevância daquilo que
ensino? Como o sujeito aprende? Todos podem apren-
der? Como lidar com tantas diferenças? Como posso en-
sinar aos alunos para que realmente aprendam? Este
artigo propõe analisar como os processos de ensino são
uma conseqüência — consciente ou não — das crenças
sobre o processo de aprendizagem, a partir de uma con-
cepção sobre inteligência, e como isso tem um impacto
na prática pedagógica.
As concepções sobre inteligência sofreram, ao lon-
go do tempo, muitas transformações. Na atualidade, ela
continua sendo objeto de estudos e pesquisas. Fare-
mos uma opção pela teoria das inteligências múltiplas
desenvolvida pelo professor Howard Gardner. Ele pro-
põe uma teoria que assume uma visão pluralista da men-
te, ou seja, a estrutura da mente humana é comum a
todos os indivíduos, mas o seu funcionamento é único.
Privilegia, ainda, um enfoque cultural: passa-se de uma
visão individualista da inteligência para uma visão
contextualizada. Segundo Gardner (2001), à medida que
uma capacidade é valorizada em uma cultura, ela pode
contar como uma inteligência; porém, na ausência des-
se endosso cultural ou de campo, a capacidade não
seria considerada uma inteligência, e a inteligência ou
inteligências são sempre uma interação entre as incli-
nações biológicas e as oportunidades de aprendizagem
que existem em dada cultura. Outra contribuição des-
sa teoria é a visão expandida da inteligência, o que sig-
nifica que ela existe também fora do corpo físico do
indivíduo. Os seres humanos não trabalham sozinhos,
usando vários elementos do seu entorno essenciais às
suas atividades. Assim, faz sentido pensar neles como
parte do equipamento intelectual do indivíduo.
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CAPA
1. Torne os alunos conscientes de suas forças e habili-
dades. Utilize as inteligências múltiplas para apóia-los e
não para classificá-los. Eles devem conhecer as diferen-
tes inteligências, identificando-as em suas preferências
e habilidades, nas formas como resolvem problemas. Se
tiverem essa consciência, também poderão apoiar os
professores na escolha das estratégias que melhor aten-
dam ao grupo e sejam geradoras de aprendizagem. Isso
implica uma nova relação de poder na sala de aula: o
professor assume o papel de guia e orientador, manten-
do uma interlocução permanente com os alunos.
2. Estimule a cooperação e a autonomia dos alunos. É
necessário que se construa um ambiente cooperativo, o
qual estimule o desenvolvimento da autonomia. Mais uma
vez, retoma-se a idéia de protagonismo: o professor apóia
o aluno, criando condições para que este tenha ferra-
mentas que lhe permitam alcançar determinadas metas
de aprendizagem, que se sinta comprometido com seu
próprio processo, além de compreender que pode apren-
der com a diferença, muitas vezes personificada em seus
colegas, que têm formas de aprender diferentes das suas.
3. Compartilhe as metas de aprendizagem. Uma das ta-
refas importantes do professor é selecionar o que é
central na abordagem de um conteúdo e direcionar o
ensino para esses aspectos. Na sociedade con-
temporânea, o essencial não é a quantida-
de de informações, mas sim saber
encontrá-las e utilizá-las, o que sig-
nifica perguntar, duvidar, analisar,
experimentar, errar, imaginar; em
resumo, aprender a aprender.
Traçar metas orienta o cami-
nho, tanto no que se refere
ao alcance quanto à profun-
didade e direção da inves-
tigação. Além disso, compar-
tilhar essas metas com os
alunos ajuda-os a se com-
prometer com seu próprio
processo de aprendizagem,
além de tornar possível sua
auto-regulação.
4. Elabore atividades (desempe-
nhos) que vão além da informação,
sejam diversificadas e apresentem
níveis progressivos de profundidade. Co-
locar o conhecimento em prática, em dife-
rentes situações e de maneiras diversas, constitui o pi-
lar da aprendizagem para a compreensão. A prática pe-
dagógica deve privilegiar tarefas intelectualmente esti-
mulantes, envolvendo os alunos para que possam ex-
pandir, reconfigurar e aplicar seus conhecimentos, tal
como explicar, demonstrar, dar exemplos, fazer analo-
gias, estabelecer relações. Devem fazê-lo de maneira
reflexiva, recebendo retroalimentação que lhes permi-
ta progredir. Esta pode ser oferecida pelo professor,
pelos colegas, por materiais ou fichas de auto-avalia-
ção. As atividades devem variar desde aquelas que colo-
cam em jogo as concepções iniciais dos alunos até aque-
las que exigem sínteses e elaborações mais profundas.
5. Utilize diferentes estratégias e recursos de ensi-
no. Realizar uma prática que envolva múltiplas estra-
tégias de ensino conduz a melhores resultados na
aprendizagem A complexidade do ato de aprender
exige tempo, múltiplas experiências e apoio constan-
te. Além disso, considerando que compreender é usar
o conhecimento flexivelmente, a variedade de situa-
ções permite que se estabeleçam diferentes cone-
xões. Trazendo novamente a visão expandida da inte-
ligência, podemos inferir que a possibilidade de com-
preender bem algo está intimamente relacionada aos
recursos disponíveis.
6. Utilize diferentes “pontos de entrada” para a apren-
dizagem. Um dos grandes desafios do professor, segun-
do Meirieu (1998), é gerar no aluno a necessidade de
aprender, fazer com que nasça o desejo de aprender.
Uma maneira de conquistar isso é elaborar diferentes
formas de ensino para um mesmo conceito. Decidir qual
é a melhor forma de apresentar um conteúdo é muito
importante.
Um professor competente, além de do-
minar o conteúdo, conhece os melho-
res meios de alcançá-lo. Por isso,
está sempre atento para buscar
recursos que ajudem os alunos
a acessar os conteúdos de múl-
tiplas maneiras. Se eles vêem
um tópico através de uma
única perspectiva, é prati-
camente certo que esse
conceito terá uma dimen-
são rígida e o seu uso será
limitado.
Gardner (2000) iden-
tificou pelo menos seis
“pontos de entrada” ao co-
nhecimento, que ajudam os
alunos na aprendizagem de de-
terminados conteúdos. São eles:
● narrativo: o conteúdo é acessado
pelos elementos narrativos do tema
(vídeos, filmes, histórias, entrevistas, etc.);
● lógico-quantitativo: enfoca-se o conceito recorren-
do a considerações de ordem numérica ou de proces-
sos dedutivos;
● experiencial: envolve habilidades ou experiências fí-
sicas, como usar o corpo, manusear os materiais que
incorporam ou transmitem o conceito;
Diferenças
nos estilos de
aprendizagem
não são problemas,
mas forças e
possibilidades
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+GARDNER, H. Estruturas da mente: a teo-
ria das inteligências múltiplas. Porto Ale-
gre: Artmed, 1994.
GARDNER, H. e COLS. Utilizando as compe-
tências das crianças. Porto Alegre: Artmed,
2001. (Projeto Spectrum, v. 1.)
GARDNER, H. e COLS. Atividades iniciais de
aprendizagem. Porto Alegre: Artmed,
2001. (Projeto Spectrum, v. 2.)
GARDNER, H. e COLS. Avaliação em educa-
ção infantil. Porto Alegre: Artmed,
2001. (Projeto Spectrum, v. 3.)
● estético: a ênfase recai nas características sensoriais
(cores, linhas, formas, expressão e composição);
● fundacional ou existencial: aborda a face filosófica
dos conceitos;
● social cooperativo ou interpessoal: privilegia as expe-
riências sociais (debater, argumentar, apresentar alter-
nativas distintas, desempenhar diversos papéis).
Fica evidente que, assim como as diferentes inte-
ligências relacionam-se, isso também acontece com os
“pontos de entrada”: é possível identificar aspectos
predominantes de um ou outro, mas sempre há uma
relação entre os elementos.
7. Comprometa-se com uma avaliação diversificada. Qual-
quer prática comprometida com os processos de aprendi-
zagem deve centrar-se na busca de evidências de que os
alunos estão aprendendo. A avaliação é um componente
do processo de aprendizagem, sua função é oferecer sub-
sídios para que os alunos monitorem e aprofundem sua
compreensão. Para isso, é necessário que ela seja contí-
nua, que ofereça momentos de retroalimentação, que es-
teja estreitamente articulada com as metas de aprendiza-
gem, que tenha critérios claros e compartilhados e que
seja composta de instrumentos diversificados, com ênfase
nas forças dos alunos, e não em suas fraquezas. A padroni-
zação dos instrumentos é incoerente com a concepção
das inteligências múltiplas.
Na verdade, o que essa abordagem didática pre-
tende é uma transformação da escola, não apenas no
campo didático, como mais uma “novidade” para que
tudo permaneça igual. Ela pressupõe uma mudança na
cultura institucional, englobando valores, crenças, lin-
guagem, papéis representados pelos diferentes atores
sociais e nas relações de poder. É preciso que a escola
coloque-se como agência responsável pelo desenvolvi-
mento de homens e mulheres capazes de entender o
mundo em que vivem, de enxergar os problemas que
afligem a humanidade e de encontrar soluções que per-
mitam a continuidade da história e a convivência solidá-
ria e cooperativa. É preciso que ela se comprometa
com a formação de sujeitos sensíveis às limitações da
condição humana, que possam construir sistemas soci-
ais mais justos. Sem alterar a dimensão profunda da cul-
tura institucional, os processos educativos e a organi-
zação da escola permanecerão inalterados ou mudarão
apenas na forma.
Em síntese, um dos caminhos para uma escola de
qualidade é encurtar as distâncias entre teoria e práti-
ca, entre professor e aluno, entre ensino e aprendiza-
gem, entre informação e compreensão, entre escola e
vida. Aceitar esse desafio significa comprometer-se com
uma tarefa que é descrita por Meirieu (1998) como ge-
rir a escola para que todos os alunos aprendam, man-
tendo a riqueza das suas diferenças.
REFERÊNCIAS
BLYTHE, T. La enseñanza para la comprensión: guia para el
docente. Buenos Aires: Paidós, 1999.
GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Por-
to Alegre: Artmed, 2000.
GARDNER, H. Inteligência: um conceito reformulado. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.
MEIRIEU, P. Aprender... sim, mas como? Porto Alegre: Artmed,
1998.
POGRÉ, P.; LOMBARDI, G. Escuelas que enseñan a pensar,
enseñanza para la comprensión: um marco teórico para la
acción. Buenos Aires: Papers, 2004.
POGRÉ. P. Ensinar para a compreensão. Pátio — Revista Peda-
gógica, Porto Alegre, ano IX, n.
35, p. 16-19, 2005.
WISKE, M.S. La enseñanza para la comprensión: vinculación
entre la investigación y la práctica. Buenos Aires: Paidós, 1999.
● Maria Thereza Marcilio é mestre em
Educação pela Harvard Graduate School
of Education e coordenadora do Núcleo
de Educação da Avante — Educação
e Mobilização Social.
www.avante.org.br
● Mônica Samia é pedagoga,
psicomotricista e responsável pelo Grupo
de Formação de Educadores do Núcleo
de Educação da Avante — Educação
e Mobilização Social.
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