literatura brasileira
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FACULDADES INTEGRADAS DE JACAREPAGUÁ
DIRETORIA ACADÊMICA NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD
LITERATURA BRASILEIRA
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Sumário:
Módulo Conteúdo
I Constituição do objeto de estudo da Literatura
II Semiotização do texto literário
III Periodização Literária / Estilos de Época
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Módulo I: Constituição do objeto de análise da Literatura
O conhecimento que temos de nós mesmos e da realidade que nos cerca pode ser prático
e teórico.
Conhecimento prático produto da natural experiência da vida
Conhecimento teórico produto da elaboração mental dessa experiência, em
termos científicos e filosóficos.
No caso da literatura, sabemos que a poesia é lida de uma maneira e a prosa, de outra, e,
portanto pela prática distinguimos poesia de prosa. Mas se quisermos definir cada uma dessas
formas, teremos de abstrair delas as características que essencialmente as distinguem, e daí
chegar a uma definição geral e teórica de uma e outra.
Existe, portanto, um conhecimento prático e um conhecimento teórico dos fatos literários e
esse conhecimento teórico chamamos de denominado Teoria da Literatura.
Diante da obra literária podemos adotar cinco tipos de comportamento:
a) o de leitor - interessado apenas em compreender a obra;
b) o de analista - interessado em decompor a obra em seus elementos, com vistas à
compreensão profunda e rigorosa de sua forma e de seu conteúdo;
c) o de crítico - interessado em julgar a obra segundo determinadas escalas de valor,
como a artística, a moral, a intelectual;
d) o de historiador - interessado em determinar a situação da obra em seu sistema
histórico;
e) o de teórico - interessado em extrair da obra e de tudo o que com ela se relaciona,
idéias gerais, e em elaborar essas idéias tendo em vista formular uma teoria acerca do que é
essencial nos fenômenos literários.
Objeto de estudo o objeto primordial da Literatura é a o texto literário.
Todo e qualquer texto pode ser classificado, em consonância com as suas particularidades
como:
a) texto obra b) texto objeto
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texto = entrelaçamento de linhas, orações, períodos que formam sentido.
texto
expressa e manifesta a relação
dos homens entre si dos homens com as realidades circundantes, fictícias
ou não
Referentes do texto
O homem a realidade a expressão ( seu modo de manifestação)
Texto = resultado de uma leitura
Objetiva subjetiva
Texto objeto
1. Cotidiano
2. Técnico
3. Funcional
4. Linguagem automatizada
5. Transparente
6. Conceitual
7. denotativa
Texto obra
1. literário
2. ultrapassa a utilidade e a
funcionalidade do texto objeto
3. lança mão do discurso metafórico,
plurissignificativo
4. linguagem desautomatizada
5. opaca
6. conotativa
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Valor artístico de um texto
O valor artístico de um texto reside na maior ou menor apreensão que realiza na situação
do ser humano em confronto com a realidade.
O valor artístico de um texto não está em seu sentido literal ou manifesto, mas no seu
sentido profundo, nas entrelinhas.
Entrelinhas = vazios preenchidos pelo leitor
= o não-dito
= estrutura profunda
Arte = transformação simbólica do mundo
Artista= criador de mundos
= criador de ilusões
=criador de verdades
= transformador: o que rompe a barreira das regras
verossímil vs inverossímil
Literatura e ideologia
O fazer literário é uma realização ideológica plena.
Literatura = linguagem carregada de significado
= trapaça
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente. (Fernando Pessoa)
Ideologia = sistema de idéias peculiar a determinado grupo e condicionado, em última
análise, pelos interesses desse grupo. A função da ideologia consiste na conquista ou conservação
de um determinado status social do grupo e de seus membros.
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= conjunto de idéias próprias de um grupo, de uma época e que traduzem uma
situação histórica:
= conjunto de idéias , valores , intenções e aspirações que cada ser humano
possui em sua cabeça, com o qual almeja provocar mudanças .
Exemplo: estudar e trabalhar para melhorar de vida, para obter aquilo que se
deseja.
1.Expressão Literária e Não-Literária da Linguagem
1. Denotação e conotação
2. metáfora
3. metonímia
2. Texto literário e texto não-literário - distinção e características
2.1 valorização da forma
2.2 reflexão sobre o real
2.3 recriação da linguagem
2.4 plurissignificação
2.5 intangibilidade
Denotação e Conotação
Estes dois conceitos são muito fáceis de entender se lembrarmos que duas partes
distintas, mas interdependentes, constituem o signo lingüístico: o significante ou plano da
expressão - uma parte perceptível, constituída de sons - e o significado ou plano do conteúdo -
a parte inteligível, o conceito. Por isto, numa palavra que ouvimos, percebemos um conjunto
de sons ( o significante), que nos faz lembrar de um conceito (o significado).
A denotação é justamente o resultado da união existente entre o significante e o
significado, ou entre o plano da expressão e o plano do conteúdo.
A conotação resulta do acréscimo de outros significados paralelos ao significado de
base da palavra, isto é, um outro plano de conteúdo pode ser combinado ao plano da
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expressão. Este outro plano de conteúdo reveste-se de impressões, valores afetivos e sociais,
negativos ou positivos, reações psíquicas que um signo evoca.
Portanto, o sentido conotativo difere de uma cultura para outra, de uma classe social
para outra, de uma época a outra. Por exemplo, as palavras senhora, esposa, mulher denotam
praticamente a mesma coisa, mas têm conteúdos conotativos diversos, principalmente se
pensarmos no prestígio que cada uma delas evoca.
Desta maneira, podemos dizer que os sentidos das palavras compreendem duas
ordens: referencial ou denotativa e afetiva ou conotativa.
A palavra tem valor referencial ou denotativo quando é tomada no seu sentido
usual ou literal, isto é, naquele que lhe atribuem os dicionários; seu sentido é objetivo,
explícito, constante. Ela designa ou denota determinado objeto, referindo-se à realidade
palpável.
Denotação é a significação objetiva da
palavra; é a palavra em "estado de dicionário"
Além do sentido referencial, literal, cada palavra remete a inúmeros outros sentidos,
virtuais, conotativos, que são apenas sugeridos, evocando outras idéias associadas, de
ordem abstrata, subjetiva.
Conotação é a significação subjetiva da palavra; ocorre quando a
palavra evoca outras realidades por associações que ela provoca; está ligada à
ambigüidade, à polissemia e à metáfora
Palavra com significação restrita Palavra com significação ampla
Palavra com sentido comum do
dicionário
Palavra cujos sentidos extrapolam o sentido
comum
Palavra usada de modo
automatizado Palavra usada de modo criativo
linguagem comum Linguagem rica e expressiva
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A respeito de conotação, Othon M. Garcia (1973) observa: "Conotação implica, portanto, em
relação à coisa designada, um estado de espírito, uma opinião, um juízo, um sentimento, que
variam conforme a experiência, o temperamento, a sensibilidade, a cultura e os hábitos do falante
ou ouvinte, do autor ou leitor. Conotação é, assim, uma espécie de emanação semântica, possível
graças à faculdade que nos permite relacionar coisas análogas ou semelhadas. Esse é, em
essência, o traço característico do processo metafórico, pois metaforização é conotação".
Metáfora
A metáfora é uma figura de linguagem que consiste na alteração do sentido de uma palavra ou
expressão, pelo acréscimo de um segundo significado, quando entre o sentido de base e o
acrescentado há uma relação de semelhança, de intersecção, isto é, quando apresentam traços
semânticos comuns.
Conceito tradicional e essencial para a compreensão do processo de significação da linguagem
humana, a metáfora pode ser definida como uma transferência de significado que tem como base
uma analogia: dois conceitos são relacionados por apresentarem, na concepção do falante, algum
ponto em comum. A partir daí, amplia-se o campo de abrangência do vocábulo, instaurando-se a
polissemia, essencial para que se realize qualquer processo de mudança, que exige variação e
continuidade. Em termos cognitivos, os procedimentos analógicos apóiam-se em conceitos mais
concretos e mais próximos à experiência do indivíduo. Dessa maneira, ele pode estender sua
compreensão para níveis mais complexos e abstratos de apreensão e conhecimento da realidade.
Esse procedimento é altamente produtivo na ampliação e renovação do vocabulário de uma língua.
Embora seja um processo tradicionalmente encarado como eminentemente semântico, na
verdade ele opera com regras pragmáticas. Se entendida apenas no nível semântico, a analogia
metafórica pode não ser plenamente decodificada pelo receptor. As inferências são significações
pragmáticas não dedutíveis de regras lógicas, mas sim de regras conversacionais, do que é
verdadeiro ou relevante a partir das relações contextuais.
Metáfora "consiste na transferência de um termo para um âmbito de significação que não é o
seu". Fundamenta-se "numa relação toda subjetiva, criada no trabalho mental de apreensão."
Metonímia
A metonímia é a alteração de sentido de uma palavra ou expressão pelo acréscimo de um
outro significado ao já existente quando entre eles existe uma relação de contigüidade, de
inclusão, de implicação, de interdependência, de coexistência. Por exemplo, quando dizemos "As
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cãs inspiram respeito", estamos empregando cãs por velhice, porque as pessoas idosas possuem,
em geral, cabelos brancos.
Outros exemplos de metonímia:
• ser uma pena brilhante = ser um grande escritor
• ter cinco bocas para alimentar = ter cinco pessoas para alimentar
• foi movimentada a redonda no gramado = foi movimentada a bola
• ser o Cristo da turma = ser o culpado
• fazer mil sugestões = fazer muitas sugestões
• ter ótima cabeça = ter inteligência
• no Oriente Médio, não descansam as armas = ... não descansam os soldados.
Texto literário e texto não-literário
Relacionando o texto literário ao não-literário, devemos considerar que o texto literário
tem uma dimensão estética, plurissignificativa e de intenso dinamismo, que possibilita a
criação de novas relações de sentido, com predomínio da função poética da linguagem. É,
portanto, um espaço relevante de reflexão sobre a realidade, envolvendo um processo de
recriação dessa realidade. No texto não-literário, as relações são mais restritas, tendo em vista
a necessidade de uma informação mais objetiva e direta no processo de documentação da
realidade, com predomínio da função referencial da linguagem, e na interação entre os
indivíduos, com predomínio de outras funções.
A produção de um texto literário implica:
• a valorização da forma
• a reflexão sobre o real
• a reconstrução da linguagem
• a plurissignificação
• a intangibilidade da organização lingüística
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2.1 valorização da forma
O uso literário da língua caracteriza-se por um cuidado especial com a forma, visando a
exploração de recursos que o sistema lingüístico oferece, nos planos fônico, prosódico, léxico,
morfossintático e semântico.
Não é o tema, mas sim a maneira como ele é explorado formalmente que vai caracterizar um
texto como literário. Assim, não há temas específicos de textos literários, nem temas inadequados
a esse tipo de texto.
2.2 reflexão sobre o real
Em lugar de apenas informar sobre o real, ou de produzi-lo, a expressão literária é utilizada
principalmente como um meio de refletir e recriar a realidade, reordenando-a. Isso dá ao texto
literário um caráter ficcional, ou seja, o texto literário interpreta aspectos da realidade efetiva, de
maneira indireta, recriando o real num plano imaginário.
Refletindo a experiência cultural de um povo, o texto literário contribui para a definição e para
o fortalecimento da identidade nacional. Por isso, num país como o Brasil, onde as características
culturais precisam ainda ser revitalizadas e valorizadas, as artes desempenham um papel muito
importante.
A título de exemplo, citamos Platão e Fiorin (1991), que dizem: "Graciliano Ramos, em VIDAS
SECAS, inventou um certo Fabiano e uma certa Sinhá Vitória para revelar uma verdade sobre
tantos fabianos e sinhás vitórias, despossuídos de quase todos os bens materiais e culturais, e por
isso degradados ao nível da animalidade."
2.3 recriação da linguagem (desautomatização)
No texto literário, relacionada ao processo de recriação do real, ocorre a desautomatização da
linguagem. Assim, pela reinvenção dos procedimentos lingüísticos normalmente utilizados no
cotidiano, a expressão literária desconstrói hábitos de linguagem, baseando sua recriação no
aproveitamento de novas formas de dizer. O uso estético da linguagem pressupõe criar novas
relações entre as palavras, combinando-as de maneira inusitada, singular, revelando assim novas
formas de ver o mundo.
O literário possui um universo fictício, onde os elementos da realidade concreta entram em
tensão com o imaginário para riar uma nova realidade atrás da qual o autor desaparece.
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2.4 intangibilidade da organização lingüística
Uma das características do texto literário é a sua intangibilidade, sua intocabilidade. As
palavras que foram utilizadas e a maneira escolhida pelo autor para combiná-las são próprias de
cada texto, e não devemos alterá-las sob o risco de mutilar ou comprometer a intenção do autor.
Não podemos, portanto, num texto literário, mudar a posição em que as palavras foram colocadas,
suprimir ou acrescentar vocábulos, substituir vocábulos por sinônimos, resumir as idéias. A esse
respeito, o poeta francês Paul Valéry diz que, quando se resume um texto não-literário, apreende-
se o essencial; quando se resume um texto literário, perde-se o essencial.
Podemos, por exemplo, perguntar a diversas pessoas o que pensam sobre o tema da
separação amorosa. Poderão surgir, a partir de suas respostas, textos líricos, poéticos e textos
não-literários. No Soneto da Separação, Vinícius de Moraes revela a sua maneira peculiar de
tratar esse tema. Pelo trabalho com a linguagem, pelo uso de recursos poéticos, seu soneto é um
texto literário.
Soneto da Separação De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma E das mão espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.
No poema de Ferreira Gullar, podemos verificar que evidências da literariedade. = se
resume em todas as características que tornam o texto literário, em todos os recursos que
emprestam à obra valor artístico.
Meu povo, meu poema Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto a árvore nova
No povo meu poema vai nascendo
como no canavial nasce verde o açúcar
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No povo meu poema está maduro
como o sol na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete como a espiga se funde em Terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta do que planta
No texto, quanto à relevância do plano da expressão/ desautomatização da linguagem,
podemos observar:
a) a escolha de palavras que compõem as comparações do poema: o poema nasce
como o açúcar, o povo e o poema crescem como a árvore nova. Estas comparações levam às
metáforas: povo/terra onde brota poema/árvore.
b) o jogo entre as repetições de estruturas e a quebra dessas repetições : "Meu povo e
meu poema" , "no povo meu poema", "Ao povo seu poema."
c) a rima na última estrofe: canta/planta reforça as metáforas básicas do poema:
povo/terra, poema/árvore.
d) a personificação : "Como o sol na garganta do futuro."
Dois planos foram explorados -- o do real e o da recriação da realidade:
Real -> o campo da agricultura: plantar, crescer, terra fértil.
Recriação -> o poeta associa a germinação e a fertilidade à palavra poética; o poeta é
comparado a um plantador; o poema é o fruto que ele produz (metáfora).
2.5 recursos característicos da literariedade em um texto lírico
O escritor de um texto literário, ao explorar conteúdos, procura recriar a linguagem, e, para
essa recriação, utiliza recursos variados. São alguns deles:
1. musicalidade
2. antidiscursividade
3. desvio da norma culta
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5. construção paratática
1. musicalidade: obtida através do ritmo, da rima, das assonâncias, das aliterações, anáforas
a) Ritmo - evidencia-se pela alternância de sílabas que apresentam maior ou menor
intensidade em sua enunciação. Seja em prosa, seja em verso, o texto poético
contribui para o enriquecimento da linguagem, explorando a sonoridade e o ritmo
das palavras e atribuindo-lhes novos sentidos, mesmo quando essas palavras são as
do dia-a-dia.
b) Rimas e aliterações - fonemas que se repetem com uma freqüência maior que a
esperada podem contribuir para a harmonia do poema; muitas vezes essa repetição serve para
reproduzir o ruído daquilo de que fala o poema, como nestes versos de Murilo Araújo, em que
a insistência do [i] sugere o barulho provocado pelos grilos.
O trilo dos grilos, tímido, de aço fino,
esgrime, com o raiozinho dos astros, límpido, argentino.
No poema de Cruz e Souza, a repetição do fonema [v] contribui para o efeito sonoro dos
versos e evidencia, mais uma vez, o uso poético da linguagem.
Vozes veladas, veludosas vozes, Volúpias dos violões, vozes veladas, Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Desvio da norma gramatical
Característica da linguagem poética.
A norma do discurso poético é a antinorma.
A ambigüidade (característica de todas as obras literárias) decorre, muitas
vezes, da violação das normas.
Hipérbato
Infração mais freqüente
Usado, na maioria das vezes, para satisfazer exigências
da métrica da rima
do ritmo
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Muitas vezes o hipérbato é usado em prejuízo da clareza.
Entre os desvios da norma culta podemos citar:
1. hipérbato;
2. falta de consistência gramatical;
3. violação da regência e da concordância.
Hipérbato = quebra da sintaxe lógico-discursiva. Inversão da ordem natural das
palavras.
Falta de consistência gramatical = as palavras assumem funções inusitadas, mudam
a classe gramatical.
Alogicidade
Perda do raciocínio lógico que rege a vida prática dos homens.
Paradoxo junção de idéias contraditórias que conferem alogicidade ao
discurso.
Parataxe vs hipotaxe
A construção paratática caracteriza-se por predomínio das orações coordenadas em
detrimento das subordinadas.
A hipotaxe caracteriza-se pelo predomínio das orações subordinadas. A hipotaxe exige
maior elaboração mental.
Nas construções hipotáticas, a subordinação, há uma oração principal, estabele um nexo
lógico de dependência em oposição à liberdade da expressão das emoçõpes que envolvem o eu-
lírico.
A parataxe favorece o fluxo das emoções que brotam do eu-lírico.
Atividade:
Lembrança de morrer (Álvares de Azevedo)
Quando em meu peito rebenta-se a fibra,
Que o espírito enlaça a dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
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Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de Alegria
Se cale por meu triste pensamento.
Eu deixo a vida como quem deixa o tédio
Do deserto, o poente caminheiro
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro,
Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velas nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe! Pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!
.......................................................................
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro no seio treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
................................................................
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
- Foi poeta - sonhou - e amou a vida.
Roteiro:
1. Examinar cada estrofe, separadamente, identificando os fenômenos líricos predominantes,
apontando em que versos da estrofe são mais nítidos.
2. Indicar a função da linguagem predominante no poema.
3. Explicitar os fios condutores que serviram de base para a construção do poema.
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4. Transcrever da primeira estrofe o trecho em que o poeta fala, conotativamente, da sua
morte.
5. Explicitar os pedidos do eu-lírico feitos na segunda e terceira estrofes.
6. Explicitar a que o eu-lírico compara a vida.
7. Transcrever os versos em que o amor idealizado aparece nitidamente.
8. A idéia de morte está presente em todo o poema. Transcrever as palavras e expressões que
denotam diretamente essa idéia.
Módulo II Semiótização do texto literário
Semiótica = é o estudo do signo em geral, de todos os signos lingüísticos e não-lingüísticos,
verbais e não verbais.
Postulado básico literário é uma dinâmica que elabora a relação existencial entre o homem
com o mundo, no nível do imaginário, através da ficcionalidade do espaço, da
personagem e do acontecimento.
Entende-se semiótica como uma ciência que nos ensina a “ver” por intermédio da
exploração de todos os nossos sentidos, usando-os como “antenas” de captação de mensagens
verbais e não-verbais, visíveis e invisíveis na estrutura dos textos com que interagimos
diuturnamente. O texto precisava ser entendido em seu sentido global; o texto como um todo
significativo; o texto considerado independentemente da natureza do signo de que se constitui e
do veículo que o faz circular.
A semiótica vai fornecer meios de identificarem-se não só os signos com que se constrói o
código utilizado, assim como os esquemas de construção textual, analisando-lhe como imagem,
diagrama ou metáfora do mundo interpretado.
Dessa forma, o processo literário, convertido em discurso narrativo como prática semiótica,
estrutura o espaço, o personagem e o acontecimento, criando uma realidade ficcional.
Há, segundo a semiótica literária, três padrões literários, que privilegiam, cada um deles,
uma das partes da narrativa:
1. Narrativa de Semiotização do Espaço (NSE)- estrutura a narrativa a partir da
semiotização do espaço. Podemos citar como exemplo o romance O Cortiço, de Aluísio
Azevedo, que constrói sua narrativa a partir da influência do espaço nos personagens.
2. Narrativa de Semiotização da Personagem (NSP)- a narrativa se estrutura a partir da
semiotização do personagem. No romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, por
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exemplo, podemos notar que toda a narrativa gira em torno do personagem Bentinho e
de sua visão sobre os acontecimentos, sobre o mundo.
3. Narrativa de Semiotização dos Acontecimentos (NSA). – a narrativa se dá a partir da
semiotização dos acontecimentos, ou seja, toda a narrativa se estrutura a partir da
relação dos fatos narrados com os outros elementos da narrativa. Os Sertões, de
Euclides da Cunha, por exemplo, estrutura a sua narrativa a partir dos acontecimentos
que envolveram a Guerra de Canudos.
Tarefas:
1. Escolher um clássico da literatura e fazer um breve resumo, apontando o tipo de
semiotização efetuado.
2. (casa) Ler "Vidas Secas" de Graciliano Ramos, fazer um resumo e apontar o tipo de
semiotização que permeia a obra.
Módulo 3 Periodizacão da Literatura Brasileira / Estilos de Época
A literatura brasileira tem sua história dividida em duas grandes eras, que acompanham a
evolução política e econômica do país:
a) a era Colonial
b) a Era Nacional
Essas eras são separadas por um período de transição, que corresponde à emancipação
política do Brasil.
ERA COLONIAL ( 1500 a 1808)
Estilos de
época
Quinhentismo
(1500 a 1601)
Seiscentismo
ou Barroco(de
1601 a 1768)
Setentismo ou
Arcadismo (de 1768 a
1808)
Período de transição (de
1808 a 1836)
Panorama
mundial
Grandes
Navegações
Companhia de
Jesus
Contra-
Reforma
Portugal sob
domínio
espanhol
Iluminismo Revolução
Industrial
Revolução Francesa
Independência dos
EUA
Guerras Napoleônicas
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Panorama
brasileira
Literatura
informativa
Literatura dos
jesuítas 1500
Invasões
holandeses
Grupo Baiano
1601
Ciclo da mineração
Inconfidência Mineira
Grupo Mineiro
1768
Corte portuguesa no Rio
de Janeiro
Independência Regências
1808
ERA NACIONAL
Romantismo Realismo
Naturalismo Simbolismo Pré-Modernismo
Modernismo
Nazismo
Fascismo
Burguesia no
poder
Socialismo
Evolucionalism
o
Positivismo
Lutas
antiburguesas
2 Revolução
Industrial
Pré-Guerra
I Guerra Mundial
Freud e a psicanálise
Revolução Russa
Vanguarda artística
II Guerra Mundial
Guerra Fria
II Império
Guerra do
Paraguai
Lutas
abolicionistas
Literatura
nacional
1836
Abolição
República
Romance
realista
Romance
naturalista
Poesia
parnasiana
1881
Governo de Floriano
Revolta da Armada
Revolta de Canudos
1893
Ditadura de Vargas
Semana da Arte Moderna
As gerações modernistas
1955 - Nossos dias
Apesar de ser comum considerar o Quinhentismo nos estudos da Literatura Brasileira,
seguiremos as orientações de Antonio Candido, que admite que a Literatura Brasileira só teve seu
início, de fato, no Barroco. Antes disso, não era Literatura DO Brasil, mas NO Brasil.
1 - O Barroco
1 - Introdução
O termo barroco denomina genericamente todas as manifestações artísticas dos anos 1600 e
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inicio dos anos 1700. Além da literatura, estende-se à música, pintura, escultura e arquitetura da
época.
Mesmo considerado o Barroco o primeiro estilo de época da literatura brasileira e Gregório
de Matos primeiro poeta efetivamente brasileiro, com sentimento nativista o primeiro manifesto,
na realidade ainda não se pode isolar a Colônia da Metrópole. Ou, como afirma Alfredo Bosi:
“No Brasil houve ecos do Barroco europeu durante os séculos XVII e XVIII: Gregório de Matos,
Botelho de Oliveira, Frei Itaparica e as primeiras academias repetiram motivos e formas do
barroquinho ibérico e italiano.”
Além disso, os dois principais autores — Padre Antônio Vieira e Gregório de Matos —tiveram
suas vidas divididas entre Portugal e Brasil. Por essas razões, neste capítulo não separamos as
manifestações barrocas de Portugal e do Brasil.
A origem da palavra barroco é controvertida. Alguns etimologistas afirmam que está ligado a
um processo mnemônico (relativo à memória) que designava um silogismo aristotélico com
conclusão falsa. Segundo outros, designaria um tipo de pérola de forma irregular, ou mesmo um
terreno desigual, assimétrico. Em qualquer das hipóteses, é possível perceber relações com a
estética barroca: jogo de idéias, rebuscamento, assimetria.
O Barroco também é chamado de seiscentismo por ser a estética dominante nos anos de
1600 ( século XVII ).
No Brasil, o Barroco tem seu inicial em 1601 com a publicação do poema épico Prosopopéia,
de Bento Teixeira, que introduz definitivamente e modelo da poesia camoniana em nossa leitura.
Estende-se por todo o século XVII e início do século XVIII. O final do Barroco só se concretizará
em 1768, com a fundação da Arcádia Ultramarina e com a publicação do livro Obras, de Cláudio
Manuel da Costa. No entanto, já a partir de 1724, com a fundação da Academia Brasílica dos
Esquecidos, o movimento academista ganha corpo, assinalando a decadência dos valores
defendidos pelo Barroco e a ascensão do movimento árcade.
Característica do Barroco
O estilo barraco nasceu da crise dos valores renascentista, ocasionada pelas lutas religiosas
e pelas dificuldades econômica decorrentes da falência do comércio com o Oriente. O homem do
Seiscentismo vivia um estado de tensão e desequilíbrio, do qual tentou evadir-se pelo culto
exagerado da forma, sobrecarregando a poesia de figuras, como a metáfora, a antítese, a
hipérbole e a alegoria.
Todos o rebuscamento que aflora na arte barroca é reflexo do conflito entre o terreno e o
celestial, o homem e Deus (antropocentrismo e teocentrismo), o pecado e o perdão, a
religiosidade medieval e o paganismo renascentista, o material e o espiritual, dilema que tanto
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atormenta o homem de século XVII. A arte assume, então, uma tendência sensualista,
caracterizada pela busca do detalhe num exagerado rebuscamento formal.
Podemos notar dois estilos no barroco literário: o Cultismos e o Conceptismo.
Cultismo — é caracterizado pela linguagem rebuscada, culta, extravagante; pela valorização
do pormenor mediante jogos de palavras, com visível influência do poeta espanhol Luís de
Gôngora; daí o estilo ser também conhecido por Gongorismo.
Concepitismo — é marcado pelo jogo de idéias, de conceitos, seguindo um raciocínio lógico,
racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada. Um dos principais cultores do Conceptismo foi o
espanhol Quevedo, do qual deriva o termo Quevedismo.
Um exemplo de poesia cultista
Ao braço do Menino Jesus de Nossa Senhora das Maravilhas, A quem infiéis despedaçaram
O todo sem a parte não e todo;
Aparte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo.
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte fica o todo.
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todos,
Assiste cada parte em sua parte.
Não se sabendo parte destes todo,
Um braço que lhe acharam, sendo parte,
Nos diz as partes deste todo.
(Gregório de Matos)
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Uma crítica conceptista ao estilo cultista
“Se gosta de afetação e pompa de palavras e do estilo que chamam culto, não me leias.
Quando este estilo florescia, nasceram as primeiras verduras do meu; mas valeu-me tanto sempre
a clareza que só porque me entendiam comecei a ser ouvido. (...) Este desventurado estilo que
hoje se usa, os que o querem honrar chamam-lhe culto, os que o condenam chamam-lhe escuro,
mas ainda lhe fazem muita honra. O estilo culto não é escuro, é negro, e negro boçal e muito
cerrado. É possível que somos portugueses, e havemos de ouvir um pregador em português, e
não havemos de entender o que diz?”
(Padre Antônio Vieira)
d — Produção Literária
Padre Antônio Vieira
Podemos dividir a obra de Vieira em: profecias, carta e sermões.
Profecias
Constam de três obras: História do futuro, Esperanças de Portugal e Clavis prophetarum, em
que se notam o Sebastianismo e as esperanças de Portugal se tornar o Quinto Império do Mundo,
pois tal fato estaria profetizado na Bahia. Isso demostrar o caráter alegórico de sua interpretação
da Bahia, um nacionalismo megalomaníaco e uma servidão incomum, próprias dos jesuítas.
Cartas
São cerca de 500 cartas, que versam sobre o relacionamento entre Portugal e Holanda,
sobre Inquisição e os cristãos — novos e sobre situação da Colônia. Constituem importantes
documentos históricos.
Sermões
São quase 200 sermões, o melhor da a obra de Vieira. Em estilo barroco conceptista,
totalmente oposto ao Gongorismo, o pregador português usa a retórica jesuítica para trabalhar
idéias e conceitos. Segundo a análise do crítico Antônio Sérgio, Vieira seria conceptista pelo
processo mental, e clássico pela expressão clara e singela, contrária, portanto, à moda cultista.
Os sermões de Vieira dividem-se em três partes distintas:
• Intróito ou exórdio — a parte inicial, de apresentação.
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• Desenvolvimento ou argumento — a defesa de uma idéia com base em argumentação.
• Peroração — a parte final do sermão.
O Sermão da sexagésima
Um de seus principais sermões é ao Sermão da sexagésima, pregado na Capela Real de
Lisboa em 1655 e conhecido também como A palavra de Deus. Polêmico, esse sermão resume a
arte de pregar. Ao analisar” por que não frutificava a palavra de Deus na terra ‘, visava a seus
adversários católicos — os gongóricos dominicanos. No intróito, propõe-se a analise de quem era a
culpa por não frutificar Sua Palavra:
“(...) Ora, suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende deste três
concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devem entender a falta? Por parte
do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?”
Outros Sermões
Dentre suas obras mais conhecidas, destacam-se ainda:
• Sermão pelo sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, pregado na Igreja de Nossa
Senhora da Ajuda , Bahia, em 1640. Vieira incita o povo a combater os holandeses, falando
sobre os horrores e depredações que os protestantes fariam: “Entrarão por esta cidade com
fúria de vencedores e hereges; não perdoarão a estado, a sexo nem idade”.
• Sermão de Santo Antônio, também chamado de Sermão dos peixes, pregado em São Luis do
Maranhão, em 1654, versava sobre os colonos que aprisionavam índios.
Gregório de Matos Guerra
Apesar de ser conhecido como poeta satírico — dai apelido “Boca do Inferno” -, Gregório
também praticou, e com esmero, a poesia religiosa e a lírica. Cultivou tanto o estilo cultista como
o conceptista, apresentando jogos de palavras ao lado de raciocínios sutis, sempre com o uso
abusivo de figuras de linguagem.
“Eu sou aquele, que os passados anos
cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.”
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Assim se define Gregório no início da poesia “Aos vícios”. E, realmente, sua poesia satírica procura
criticar o brasileiro, o administrador português, EL-Rei, o clero e, numa postura moralista, os
costumes da sociedade baiana do século XVII. É patente um sentimento nativista quando ela
separa o que é brasileiro do que é exploração lusitana.
Na poesia lírica e na religiosa, transparece certo idealismo renascentista, bem como o
conflito entre o pecado e o perdão: busca a pureza da fé, mas ao mesmo tempo precisa viver a
vida mundana. São essas contradições que o situam perfeitamente na escola barroca.
Segundo o professor Segismundo Spina
“Gregório, como toda a massa devota de sua época, parece que trazia Deus mais nos lábios
que no coração. Condenou acerradamente a vaidade humana, o dinheiro a irreligiosidade dos
senhores da Igreja e muitas outras misérias terrenas, mas sua existência foi um rosário de culpas;
o meio envolvente, social e religioso, era a própria personificação do Pecado”.
Sua obra permaneceu inédita até o século XX, quando a Academia Brasileira de Letras, 1923
e 1933, publicou seis volumes, assim distribuídos: l Poesia sacra; II Poesia lírica; III Poesia
graciosa; IV e V Poesia satírica; VI Últimas.
A Arquitetura
A FORMA
Na forma percebe-se toda a herança do Renascimento: um soneto clássico de versos
decassílabos ( a “medida nova” dos renascentistas servindo de pano de fundo para o tema de
reflexão moral ), com rima em ABBA ABBA CDC DCD, no melhor estilo petrarquiano.
A Seleção de palavras
Evidente é o trabalho com a seleção, que resulta no rebuscamento característico dos textos
barrocos. Para uma melhor (e possível) compreensão do poema, segue um resumido vocabulário.
Lisonjeada: que recebeu lisonja, isto é, agrado ou elogio em excesso.
Púrpura: a cor vermelha.
Airosa: elegante, garbosa.
Presumida: vaidosa, presunçosa.
Soberba: orgulho excessivo, arrogância, presunção.
Desatada: desprendida, solta. Aqui, empregada no sentido de a galeota solta, destemida, por
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mares de soberba.
Galeota: embarcação a remo, de pequeno porte. É necessário Ter como referência a seguintes
gravação crescente: galeota, galé, galeão.
Empavesada: enfeitada.
Ufama: vaidosa, orgulhosa.
Nau: navio.
Presunção: juízo baseado nas aparências; vaidade, orgulho.
Galhardia: elegância, garbo.
Apresta: forma do verbo aprestar “preparar com rapidez”. Observe que Galhardia é complemento
de apresta.
Alentos preza : como no caso anterior, alentos é complemento da forma verbal preza; podemos
entender como “preza, gosta de receber ânimo, estímulo (em forma de elogio)”
As Figuras de Linguagem
O rebuscamento do texto é obtido, ainda, com um elaborado trabalho no uso de várias
figuras de linguagem:
• Metáfora - o próprio título do poema longos, e explicativo, adianta que o poeta fará uma
reflexão sobre os “desenganos da vida humana” ( a vaidade, em particular )“
metaforicamente”, isto é, por meio de metáfora, de símiles. As três metáforas que poderíamos
chamar de principais são:
a vaidade é rosa
a vaidade é planta
a vaidade é nau
• Hipérbato - inversão da ordem direta dos termos da oração:
“É a vaidade, Fábio, nesta vida Rosa...."
Os versos acima, na ordem direita ficariam, assim:
"Fábio, nesta vida, a vaidade é Rosa..."
A posição do vocativo Fábio e do adjunto adverbial nesta vida é opcional, mas dificilmente
aparecem na posição em que os colocou Gregório de Matos.
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Os dois últimos versos do primeiro quarteto ficariam assim:
“Airosa rompe com ambição dourada, púrpuras mil arrasta presumida.”
• Hipérbole - o exagero, como no caso de “púrpura mil”.
• Metonímia - o emprego de ferro por machado, isto é, a matéria (ferro) pelo objeto (machado).
A Mitologia
A referência mitológica é outro recurso comum em textos barracos; neste caso, a referência
à Fênix é fundamental para a compreensão do poema. Leia a caracterização da Fênix feita pelo
professor Segismundo Spina:
“Pássaro fabuloso que se faz nascer nos desertos da Arábia, e cuja existência atinge 500 a
600 anos. Os egípcios fizeram da Fênix uma divindade: figuraram-na do tamanho de uma águia
com um magnífico topete, as penas do pescoço douradas, a cauda branca mesclada da penas
vermelhas e com os olhos flamejantes. Era o único pássaro na sua espécie; fazia-se morrer numa
fogueira e renascia de suas cinzas: daí ser ela o símbolo da imortalidade.”
A Conjunção adversativa
Observe ainda a força expressiva da conjunção adversativa mas que inicia o último terceto,
de longo uso desde Camões. O poeta desenvolve toda uma argumentação ao lado das primeiras
estrofes para, ao final, lançar uma adversidade, uma contrariedade, provocando um forte impacto.
Realça-se, assim, o conflito presente no texto.
“Disseminação e recolha”
Finalmente, um outro aspecto da arquitetura do poema barroco, que, no caso do soneto
analisado, é de fundamental importância: a técnica da “disseminação e recolha” ou “semeadura e
colhelta”. Trata-se da forma como alguns conceitos e ou palavras são apresentados no texto:
inicialmente, esses conceitos e ou palavras são disseminados, isto é, espalhados, semeados,
plantados ao longo do poema (como é caso rosa, plante, nau no soneto apresentado) para, ao
final, realizar-se, a recolha, a colheita (o que é feito no último verso do soneto de Gregório de
Matos).
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A Temática
Como vimos, o soneto é representativo do seiscentismo, explorando questões filosóficas (os
estados contraditórios da condição humana, a transitoriedade da existência terrena) e
moralizantes (a vaidade, a arrogância) através de metáforas e construções rebuscadas.
Logo no primeiro verso,, o poeta define o público, o espaço e o assunto: a vaidade é o
desengano sobre o qual o poeta discorrerá; o vocativo Fábio indica-nos a quem são dirigidas as
reflexões, o ensinamento moral (Fábio é uma denominação genérica, aleatória; em vários outros
textos de Gregório encontramos esse vocativo); o adjunto adverbial nesta vida define e espaço,
isto é, a vaidade é uma desilusão da vida terrena, desta vida e não da outra, eterna, celestial.
A seguir, começa o jogo das metáforas. A vaidade é rosa. Uma rosa que, ao desabrochar de
manhã, rompe airosa, bela, vermelha, enfeitada por gotas de orvalho. Vaidosa, cresce, “incha”.
A Segunda metáfora traz à luz uma gradação crescente: a vaidade é planta (note que a rosa
é parte da planta), enfeitada, favorecida pelas flores de abril (aqui uma observação importante: no
século XVII não se tinha clareza das estações do ano do hemisfério norte para o hemisfério sul;
abril é o início da primavera em Portugal, quando as plantas florescem). A planta florida,
enfeitada, vaidosa, cresce, “incha” e se transforma em “florida galeota” (note que a planta é parte
da galeota, embarcação feita de madeira).
A gradação crescente continua:
Rosa - Planta - Galeota - Nau
Observe que nau é uma embarcação de maior porte que a galeota. Ora, essa gradação
simboliza, na verdade, o “inchaço” da pessoa vaidosa, que se deixa levar pelas aparências (o que
gera a vaidade são elementos aparentes, exteriores: o orvalho na rosa, a flor na planta, os
ornamentos da galeota, a imponência da nau).
E assim chegamos ao ultimo terceto, que se opõe às demais estrofes do soneto. Essa
oposição torna-se clara pelo emprego da conjunção adversativa: mas o que importa esse
crescimento, de que vale ser rosa, planta, nau, se aguardam indefesas o que vai destrui-las?
A nau é destroçada ao se chocar contra o rochedo; a planta é destruída ao primeiro golpe do
machado; a rosa, que desabrochou pela manhã, tem vida efêmera, morrendo ao entardecer. A
fragilidade da nau, da planta, da rosa é, descontadas as metáforas, a fragilidade da própria
vaidade (e, por extensão, da própria vida).
Se interrompermos a leitura neste ponto, concluiremos que o soneto assinala a derrota da
vaidade. Mas devemos atentar para a pontuação: o soneto encerra-se com uma interrogação,
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deixando a sensação de dúvida no ar. Nesse ponto é preciso lembra-se da última metáfora
trabalhada no poema:
Rosa - planta - galeota - nau - Fênix
A vaidade, como a Fênix, é frágil mas tem a capacidade de ressurgir das próprias cinzas.
E assim vive o ser humano (Fábio): tem a consciência do pecado, e sentimento da culpa, mas
peca; peca e procura redimir-se, busca o perdão. E ao primeiro apelo do pecado, deixa-se cair em
tentação novamente. Nessa ciranda infindável vive o homem do século XVII, dividido, em conflito.
Concluindo, note um maravilhoso trabalho utilizando a técnica da “semeadura e colheita”. Ao
semear, o poeta trabalhou com a gradação crescente (simbolizando o ‘inchaço’ da vaidade):
Rosa - planta - nau
E, ao colher, trabalhou com a gradação decrescente no último verso (simbolizando a
destruição da vaidade):
Nau - planta - rosa
Finalmente, juntando a “semeadora e a colheita “, temos:
Rosa - planta - nau - planta - rosa
Mas como a última comparação é aquela feita com a Fênix, que ressurge das próprias
cinzas, poderíamos imaginar o ciclo infindável:
R p n n p r r p n n p r
Um jogo de sobe desce, de alto baixo, de vida morte, de morrer renascer, de vida humana
vida eterna. Um poema barroco, sem dúvida
2 - O Arcadismo
1 - Introdução
O Arcadismo, Setecentismo (a estética dos anos 1700) ou Neoclassicismo é o período que
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caracteriza principalmente a Segunda metade do século XVIII, tingindo as artes de uma nova
tonalidade burguesa. Vive-se, agora, o Século das Luzes, o Iluminismo burguês, que prepara o
caminho para a Revolução Francesa.
A primeira metade do século XVIII marcou a decadência do pensamento barroco, para a
qual colaboraram vários fatores: a burguesia ascendente, voltada para as questões mundanas,
deixam em segundo plano a religiosidade que permeava o pensamento barroco; além disso, o
exagero da expressão barroca havia cansado o público, e a chamada arte cortesã, que se
desenvolvera desde a Renascença, Atingia um estágio estacionário e apresentava sinais de
declínio, perdendo terreno para a arte burguesa, marcada pelo subjetivismo.
A burguesia, tendo atingido a hegemonia a econômica, passa a lutar pelo poder político, até
então nas mãos da monarquia. Isso se reflete claramente no campo social e artístico: a antiga arte
cerimonial cortesã dá lugar ao gosto burguês; no combate aos valores da monarquia, a burguesia
cultua o ideal do “bom selvagem”, em oposição ao homem corrompido pela sociedade do Ancien
Régime (o velho regime monárquico). Surgem, então, as primeiras arcádias, que procuram a
pureza e a simplicidade das formas clássicas.
O Arcadismo tem espírito nitidamente reformista, pretendendo reformular o ensino, os
hábitos, as atitudes sociais uma vez que é a manifestação artística de um tempo e de uma nova
ideologia. Se no século XVI Portugal esteve influenciado pela cultura espanhola, no século XVIII a
influência vem da França; mais especificamente da burguesia francesa, responsável pelo
desenvolvimento da economia e politicamente forte. Sua força política se manifesta, a partir de
1750, nos constantes ataques dos filósofos burgueses aos poderes real e clerical e na denúncia da
corrupção dos costumes.
No Brasil considera-se como data inicial do Arcadismo o ano de 1768, em que ocorre dois
fatos marcantes: a fundação da Arcádia Ultramarina, em Vila Rica, e a publicação de Obras, de
Cláudio Manuel da Costa. A Escola Setecentista desenvolve-se até 1808, com a chegada da Família
Real do Rio de Janeiro, a qual, com suas medidas político — administrativas, permite a introdução
do pensamento pré- romântico no Brasil.
Importa, porém, distinguir dois momentos ideais na literatura dos Setecentos para não se
incorrer no equivoco de apontar contraste onde houve apenas justaposição destaque nosso]:
a) o momento poético que nasce de um encontro, embora ainda amaneirado, com a natureza e
os afetos comuns do homem, refletidos através da tradição clássica e de forma bem definidas,
julgadas de imitação (Arcadismo);
b) o momento ideológico, que impõe no meio do século, e traduz a crítica da burguesia culta aos
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abusos da nobreza e do clero (Ilustração).”
A reconstrução dos fatos
Cecília Meireles, em Romanceiro da Inconfidência, reconstruiu em pleno século XX o episódio
da Inconfidência Mineira, extraindo de um fato passado limitado geográfica e cronologicamente,
valores que são eternos e significativos para a formação da consciência de um povo. A respeito do
episódio, a própria autora afirma que é “uma história feita de coisas eternas e irredutíveis: de
ouro, amor, liberdade, tradição
E exatamente ao mais eterno desses valores — a Liberdade — a poetisa dedica uma das
mais belas estrofes de nossa poesia.
“Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidência.
Liberdade, ainda que tarde
Ouve-se redor da mesa.
E a bandeira já está viva
E sobe a noite imensa.
E os seus tristes inventores
Já são réus- pois se atreveram
A falar em liberdade
Liberdade, palavra essa
Que o sonho humano alimenta
Que não há ninguém que explique
E ninguém que não entenda.”
Característica do Arcadismo
Os modelos seguidos são os clássicos gregos-latinos e os renascentistas: a mitologia pagã é
retomada como elemento estético. Dai a escola ser também conhecida como Neoclassicismo.
Inspira na frase de Horácio Fugere urbem (“fugir da cidade”) e na teoria de Rousseau acerca
do “bom selvagem”, os árcades voltam — se para a natureza em busca de uma vida simples,
bucólica, pastoril. Ë a procura do locus amoenus, de um refúgio ameno em oposição aos centros
urbanos monárquicos; a luta do burguês culto contra a aristocracia se manifesta nessa busca da
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natureza. Mas é preciso salientar que esse objetivo configurava apenas um estado de espírito,
uma posição política e ideológica, uma vez que todos os árcades viviam nos centros urbanos e,
burgueses que eram, lá estavam seus interesses econômicos. Havia, portanto, uma contradição
entre a realidade do progresso urbano e o mundo bucólico por eles idealizado. Por isso se justifica
falar em fingimento poético no Arcadismo, fato que transparece no uso dos pseudônimos pastoris.
As características do Arcadismo em Portugal e no Brasil seguem a linha européia: a volta aos
padrões clássicos da Antigüidade e do Renascimento; a simplicidade; a poesia bucólica, pastoril; o
fingimento poético e o uso de pseudônimos. Quanto ao aspecto formal, temos o soneto, os versos
decassílabos, a rima optativa e a tradição da poesia épica.
A produção Literária no Brasil
Cláudio Manuel da Costa (Glauceste Satúrnio)
Cláudio Manuel da Costa cultivou a poesia bucólica, pastorial, na qual menciona a natureza
como refúgio:
“Sou pastor, não te nego; os meus montados
São esse, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados.”
Ou ainda sofrimento amoroso, as musas:
“Parece, que estes prados, e estas fontes
Já sabem, que é o assunto da porfia
Nise, a melhor pastora destes montes.”
Tomás Antônio Gonzaga (Dirceu)
Seu principal trabalho são as liras de Manha de Dirceu. Essa obra, inspirada em seu romance
com Maria Dorotéia, foi publicada em três partes nos anos de 1792, 1799 e 1812. Nela, Gonzaga
se posiciona como um abastado pastor que cultiva o ideal da vida campestre, vive intensamente o
momento ( carpe diem) e pinta, por meio de palavras, a natureza e Manha, a mulher amada. No
entanto, o tom do discurso poético sofre sensível alteração ao longo da obra, tendo como divisor
de águas a prisão do poeta. Antes da cadeia, discorre sobre a iniciação amorosa, o namoro, a
felicidade do amante, os sonhos de uma família, a defesa da tradição e da propriedade, sempre
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numa postura patriarcalista. Depois, vivendo os sofrimentos da prisão, faz uma série de reflexões
que abordam desde a justiça dos homens (ele se considera inocente, portanto, injustiçado) até os
caminhos do destino e a eterna consolação no amor que sente por Manha.
É interessante atentar para alguns aspectos da obra de Gonzaga. Embora Manha seja quase
sempre um vocativo e a obra tenha a estrutura de um diálogo, na verdade trata-se de um
monólogo — só Gonzaga fala, raciocina; Manha é apenas um pretexto: o centro do poema é o
próprio Gonzaga. Como bem lembra o critico Antônio Cândido, o melhor título para obra seria
Dirceu de Marília, mas o patriarcalismo de Gonzaga jamais lhe permitiria colocar-se como a coisa
possuída. Outro e aspecto curioso é o fato de o poeta cair constatemente em contradição, ora
assumindo a postura de pastor, ora a sua condição de burguês. Compare os trechos seguintes:
“Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos ainda não está cortado:
Os Pastores, que habitam este monte
Respiram o poder do meu cajado.”
“Verás em cima da espaçosa mesa
Altos volumes de enredados feitos;
Ver-me-ás folhear os grandes livros,
E decidir os pleitos.”
É patente a oposição entre Dirceu, o pobre pastor que cuida de ovelhinhas brancas e vive numa
choça no alto do monte, e o burguês Dr. Tomás Antônio Gonzaga, juiz que lê altos volumes
instalado em espaçosa mesa...
As Cartas chilenas completam a obra de Gonzaga. São poemas satíricos, escritos em
linguagem bastante agressiva, que circulam em Vila Rica pouco antes da Inconfidência Mineira.
Apresentam versos decassílabos e têm estrutura de uma carta, assinada por Critilo e endereçada a
Dorotéu, residente em Madri. Nessas cartas, Critilo, habitante de Santiago do Chile (na verdade
Vila Rica), narra os desmandos do governo chileno, um político sem moral, despótico e narcisista,
o Fanfarrão Minésio ( na verdade, Luiz da Cunha Meneses, governador de Minas Gerais até pouco
antes da Inconfidência). A autoria desses poemas foi discutida por muito tempo. A dúvida só
acabou após os estudos de Afonso Arinos e, principalmente, de Rodrigues Lapa, quando se
concluiu que Critilo é Tomas Antônio Gonzaga e Dirceu é Cláudio Manuel da Costa.
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Santa Rita Durão
Caramuru - poema épico do desenvolvimento da Bahia é o titulo que consta da capa da
edição original, já antecipando seu tema: o descobrimento e a conquista da Bahia pelo português
Diogo Álvares Correia, vítima de um naufrágio no litoral baiano. O poema caracteriza-se pela
exaltação da terra brasileira, incorrendo o autor em descrição de paisagem que lembram a
literatura informativa do Quinhentismo. O elemento indígena é visto sob o prisma informativo e,
no geral, Santa Rita paga um tributo ao século XVIII, valorizando a vida natural (mais pura e
distante da corrupção). É evidente a influência comoniana na distribuição da matéria épica e na
forma; por outro lado, Santa Rita não utiliza da mitologia pagã, como Camões em Os Lusíadas,
mas apenas de um conservadonismo cristão.
Quando à forma, o poema é composto de 10 cantos, versos decassílabos, oitava rima
camoniana. A divisão é a tradicionalmente usadas nas epopéias, constando de proposição,
dedicatória, narração e epílogo.
Seus heróis são: Diogo Álvarez Correia, o Canamuru; Paraguaçu, com quem Diogo se casa e
vai a Paris, Moema a bela amante preterida no casamento e que morre nadando atrás de Diogo;
Gupeva e Sergipe.
Caramuru
(Trechos do Canto VI, onde é narrado a morte de Moema. Diogo Álvarez, após definir-se por
Paraguaçu, embarca com esposa em um navio francês e parte rumo à Europa. Várias índias
nadam atrás do navio, mas uma se destaca: Moema.)
Copiosa multidão da nau francesa
Corre a ver espetáculo, assombradas,
E ignorado a ocasião da estranha empresa,
Pasma da turba feminil, que nada.
Uma que às mais precede em gentileza,
Não vinha menos bela, do que irada;
Era Moema, que de inveja geme,
E já vizinha à nau se apega ao leme.
(...)
"Bárbaro ( a bela diz: ) tigre e não homem..
Porém o tigre, por cruel que brame,
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Acha forças no amor, que enfim o domem;
Só ti não domou, por mais que eu te ame.
Fúrias, raios, conosco, que o ar consomem,
Como não consumis aquele infame?
Mas pagar tanto amor com tédio e asco....
Ah! Que conosco és tu... raio... penhosa!!
Enfim, tens coração de ver-me aflita,
Flutuar, moribunda, entre estas ondas
A um ai somente, com que aos meus respondas
Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,
Nem o passado amor teu peito incita
(Disse, vendo-o fugir) ah! Não te escondas
Dispara sobre mim teu cruel raio...’
E indo a dizer o mais, cai num desmaio.
(...)
Perde o lume dos olhos, pasma e treme,
Pálida a cor, o aspecto moribundo:
Com mão já sem vigor, soltando o leme,
Entre as salsas escumas desde ao fundo.
Mas na onda do mar, que, irado, freme,
Tornando a aparecer desde o profundo,
- Ah! Diogo cruel! — disse com mágoa,-
E sem mais cista ser, sorveu-se na água.
(Santa Rita Durão)
Basílio da Gama
O poema épico O Uruguai tem dois objetivos básicos : a defesa e a exaltação da política
pombalina e a crítica virulenta ao jesuítas, seus antigos mestres. São palavras de Basílio da Gama
nas notas ao poema. “Os jesuítas nunca declamaram contra o cativeiro deste miseráveis racionais
( os índios), senão porque pretendiam ser só eles os sues senhores”. Encontramos ainda
referencia aos ‘jesuítas, com suas restrições mentais”.
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O tema histórico do poema é a luta empreendida pelas tropas portuguesas, auxiliadas pelos
espanhóis, contra os índios dos Sete Povos das Missões, instigados pelos jesuítas; portanto, a
culpa caberia aos jesuítas e não aos índios. Em conseqüência do Trabalho de Madri (1750), a
missão dos Sete Povos passaria aos portugueses, enquanto a de Sacramento, em terras uruguaias,
seria concedida aos espanhóis. A partir de um tema não adequado ao gênero épico, por ser pouco
grandioso e contemporâneo do autor, Basilio da Gama consegui, criar uma obra de fôlego e de
certa elegância poética, além de quebrar a estrutura camoniana. Embora fizesse a exaltação da
natureza e do “bom selvagem”, soube fugir aos lugares comuns do bucolismo vigente.
O Uruguai
(trecho do canto IV, onde é narrada a morte de Lindóia. A índia, angustiada com a morte da
Cacambo, “ entrara no jardim triste e chorando”, “cansada de viver”; seu irmão, Caititu, a
encontra adormecida; enrolada em seu corpo, uma serpente venenosa.)
... Mias de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braço, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim, sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caititu, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo coa ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
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Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! No frio rosto
Os sinais de veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os, olhos em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes
Contou a larga história de seus males.
Os olhos Caititu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste,
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no rosto a morte!
(Basílio da Gama)
3- O Romantismo
Introdução
O Romantismo brasileiro, considerado por vários historiadores como o verdadeiro início de
uma literatura nacional, está intimamente ligado a todo o processo de independência política. Em
1822, D. Pedro 1 havia concretizado um anseio que se fazia sentir nas últimas décadas: a
independência do Brasil. A partir desse momento, o novo país necessitava ajustar-se aos padrões
de modernidade da época, acompanhando as nações independentes da Europa e da América.
Havia a necessidade de auto — afirmação da pátria que se formava; a imagem do português
conquistador deveria ser varrida.
O nacionalismo, o sentimentalismo, o subjetivismo, o irracionalismo —características
marcantes do Romantismo inicial — não podem ser analisados isoladamente, sem se mencionar
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sua carga ideológica. O historiador Nelson Werneck Sodré assim sintetiza o problema: “burguesia e
romantismo, pois, são como sinônimos, o segundo é a expressão literária da plena dominação da
primeira (...) O advento do romantismo, pois, só tem uma explicação clara e profunda, a
explicação objetiva quando subordinada ao quadro histórico em que se processou.’
No Brasil, o momento histórico em que o romantismo surge tem de ser visto a partir das
últimas produções árcades, caracterizadas pela sátira política de Gonzaga e de Silva Alvarenga,
bem como pelas idéias de autonomia comuns naquela época. Em 1808, com a chegada da corte, o
Rio de Janeiro passa por um processo de urbanização tornando-se um campo propício à
divulgação das novas influência européia; a Colônia caminhava rumo à independência.
Após 1822, crescem no Brasil independente o sentimento de nacionalismo, a busca pelo
passado histórico, a exaltação da natureza pátria; na realidade, eram tendências já cultivadas na
Europa que se encaixavam perfeitamente à necessidade brasileira de ofuscar profundas crises
sociais, financeiras e econômicas. De 1823 a 1831, o Brasil vive um período conturbado, como
reflexo do autoritarismo de D. Pedro 1: a dissolução da Assembléia Constituinte; a Constituição
outorgada; a Confederação do Equador; a luta pelo trono português contra seu irmão D Miguel, a
acusação de ter mandado assassinar Libero Badaró e, finalmente, a abdicação. Segue-se o período
regencial e a maioridade prematura de Pedro II. E nesse ambiente confuso e inseguro que surge o
Romantismo brasileiro, carregado de lusofobia e principalmente de nacionalismo .São palavras de
Gonçalves de Magalhâes:
“Não se pode lisonjear muito o Brasil de dever a Portugal sua primeira educação, tão
mesquinha foi ela que bem parece ter sido por mãos avaras e pobres.
No começo do século atual, com as mudanças e reformas que tem experimentado o Brasil,
novo aspecto apresenta a sua literatura. Uma só idéia absorve todos os pensamentos, uma idéia
até então desconhecida; é a idéia da pátria; ela domina tudo, e tudo se faz por ela, ou em seu
nome. Independência, liberdade, instituições sociais, reformas políticas, todas as criações
necessárias em uma nova Nação, tais são os objetivos que ocupam as inteligências, que atraem a
atenção de todos, e os únicos que ao povo interessam.”
As características do início do Romantismo são, em alguns casos, praticamente apostas
aquelas encontrada no final do movimento romântico, pois no decorrer do período houve uma
nítidas evolução no comportamento dos autores. Portanto, o primeiro passo para tentar identificar
as características românticas é entender o Romantismo como um estilo de época delimitado no
tempo, ou seja, como o período que se inicia no últimos anos do século XVIII e se estende até
meado do século XIX.
Inicialmente, romântico era tudo aquilo que se opunha a clássico. Os modelos da
Antigüidade Clássica são então substituídos pelos da Idade Média (notadamente de seus últimos
séculos, que coincidem com surgimento da burguesia); a uma arte de caráter erudito e nobre
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opõe-se uma arte de caráter popular, que valoriza o folclórico e o nacional ; o indivíduo passa a
ser o centro das atenções, voltando-se para a imaginação e para os sentimentos, do que resulta
uma interpretação subjetiva da realidade.
A arte romântica, ao romper as muralhas da corte e ganhar as ruas, liberta-se das exigências
dos nobres que financiavam a produção artística. As obras deixam de ter caráter prático dos
trabalhos de encomenda; o público agora é amplo e anônimos, o que leva a uma nova linguagem
na literatura, na pintura, na música, na arquitetura. Arnold Hauser assim comenta as
transformações vividas pela arte e pelos artista:
“A Revolução [Francesa] e o movimento romântico marcam o fim de uma época cultural em
que o artista se dirige a uma ‘sociedade’, a um grupo mais ou menos homogêneo, a um público
cuja autoridade, em principio, reconhecia absolutamente. A arte deixa, porém, agora, de ser uma
atividade social orientada por critério objetivos e convencionais, e transforma-se numa forma de
auto- expressão que cria os seus próprios padrões; numa palavra: torna-se meio empregado pelo
indivíduo singular para se comunicar com indivíduo singulares.”
De fato, um dos acontecimentos mais importante relacionado ao Romantismo foi o
surgimento de um novo público consumidor, representado pelas mulheres e pelos estudantes; com
isso, a literatura torna-se mais popular, o que não havia acontecido nos períodos anteriores. Surge
o romance, forma mais acessível de expressão literária; o teatro ganha novo impulso,
abandonando as formas clássicas e se inspirando em temas nacionais (o teatro de Almeida
Garrett, em Portugal, e o de Martins Pena, no Brasil, são bons exemplos). A prosa artística ganha
um espaço que sempre lhe fora negado nas manifestações clássicas.
No prefácio ao livro Suspiros poéticos saudades, de 1836, Gonçalves de Magalhães nos dá
uma ótima visão do que era o Romantismo para um autor romântico:
“É um livro de poesias escritas segundo as impressões dos lugares; ora assentado entra as
ruínas da antiga Roma, meditando sobre a sorte dos impérios; ora no cimo dos Alpes, a
imaginação vagando no infinito como um átomo no espaço; ora na gótica catedral, admirando a
grandeza de Deus, e os prodígios do Cristianismo; ora entre os ciprestes que espalham sua
sombra sobre os túmulos; ora enfim sobre a refletindo sobre a sorte da Pátria, sobre as paixões
dos homens, sobre o nada da vida. Poesia d’alma e do coração, e que só pela alma e pelo coração
devem ser julgadas. Quanto à forma, isto é, a construção, por assim dizer, material das estrofes,
nenhuma ordem seguimos; exprimindo as idéias como elas se apresentaram, para não destruir o
acento da inspiração; além de que, a igualdade, que jamais podem agradar.”
Realmente, Gonçalves de Magalhães define o Romantismo e suas características básicas sob
dois enfoques — conteúdo e forma — que como em qualquer outro movimento literário, devem se
harmonizar.
Quanto ao aspecto formal, a literatura romântica se desvincula completamente dos padrões
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e normas estéticas do classicismo. O verso livre, sem métrica e sem estrofação, e o verso branco,
sem rima, caracterizam a poesia romântica, prevalecendo, assim, o “acento da inspiração”. Repare
como a forma livre pregada pelo poeta casa-se perfeitamente ao ideal romântico do
individualismo, da expressão subjetiva, do primado da emoção.
Quanto ao conteúdo, os românticos cultivavam o nacionalismo, que manifestava na
exaltação da natureza pátria, no retorno ao passado histórico e na criação do herói nacional (no
caso das literaturas européias, esses heróis nacionais são belos e valentes cavaleiros medievais;
na literatura brasileira, os heróis são os índios, não menos belos, valentes e civilizados). Da
exaltação do passado histórico nasce o culto à Idade Média, que além de representar as glórias e
tradições do passado, assume o papel de negar os valores da Antigüidade Clássica, como o
paganismo. O romântico promove uma volta ao catolicismo medieval: “na gótica catedral,
admirando a grandeza de Deus, e os prodígios do Cristianismo”, como afirma Gonçalves de
Magalhães.
A natureza assume múltiplos significados: ora é uma extensão da pátria, ora é um refúgio à
vida atribulada dos centros urbanos do século XIX, ora é um prolongamento do próprio poeta s de
sue estado emocional.
Outra característica marcante do Romantismo, e verdadeiro “cartão de visita” de todo o
movimento, é o sentimentalismo, a supervalorização das emoções pessoais: é o mundo interior
que conta, o subjetivismo. E à medida que essa busca dos valores pessoais se intensifica, com o
culto do individualismo e do pessoalismo, perde-se a consciência do todo, do coletivo, do social. A
excessiva valorização do “eu” gera o egocentrismo: o ego como centro do universo.
Evidentemente, surge aí um choque entre a realidade objetiva e o mundo interior do poeta
inevitável do ego produz um estado de frustração e tédio, que conduz à romântica. Seguem-se
constantes e múltiplas fuga da realidade: o álcool, o ópio, as “casas de aluguel prostíbulos), a
saudade da infância, as constantes idealizações da sociedade , do amor, da mulher. O romântico,
enfim, foge no tempo e no espaço. No entanto, essas fugas têm ida e volta, exceção feita à maior
fuga romântica: a morte.
Já no final do Romantismo na década de 1860, desenvolve-se uma literatura de caráter
social, a partir das transformações econômicas, políticas e sociais que atingem toda a Europa (2º
Revolução Industrial, publicação do Manifesto do Partido Comunista, movimentos populares). A
literatura passa por grandes agitações, que, em Portugal, explodem na famosa Questão Coimbrã;
no Brasil, a luta abolicionista e a Guerra do Paraguai e o ideal republicano resultam na poesia
social de Castro Alves. No fundo, e transição para o Realismo.
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QUADRO COMPARATIVO ENTRE O CLASSICISMO E O ROMANTISMO
CLASSICISMO ROMANTISMO
Modelo clássico Não há modelo
Geral, universal Particular, individual
Impessoal, objetivo Pessoal, subjetivo
Antiguidade Clássica Idade média
Paganismo Cristianismo
Apelo à inteligência Apelo à imaginação
Razão Sensibilidade
Erudição Folclore
Elitização Motivos populares
Disciplina Libertação
Imagem racional do amor e da
mulher
Imagem sentimental e subjetiva
do amor e da mulher
Formas poéticas fixas Versificação livre
As gerações românticas
Primeira geração — geração nacionalista ou indianista
Foi marcada pela exaltação da natureza, a volta ao passado histórico , o mediavalismo e a
criação do herói nacional na figura do índio, de onde surge a denominação geração indianista. O
sentimentalismo e a religiosidade são outras características presente. Entre os principais autores
podemos destacar Gonçalves Dias de Magalhâes e Araújo Porto Alegre.
Produção Literária da primeira geração
Gonçalves Dias
Parta fins didáticos, podemos dividir sua obra poética em: lírica, medieval e nacional.
Poesia Lírica
Suas composições líricas enquadram-se na visão de amor próprio do homem romântico, com
profundos traços de subjetivismo e visível influência de seus vários casos amorosos,
principalmente de seu amor frustado por Ana Amélia, são poesias marcadas pela dor e pelo
sofrimento, chegando em alguns momentos beirar o ultraromantismo. Nelas, a razão sempre
perde terreno para o coração, embora o próprio poeta buscasse “casar o pensamento com o
sentimento, a idéia com a paixão”. “Se se morre de amor”, “Ainda uma vez adeus”, Como és tu?”
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e “Não me deixes” são algumas de suas poesias líricas mais famosas.
Poesia medieval
Gonçalves Dias deixou-nos uma série de poemas escritos em português arcaico, à moda dos
trovadores medievais. A respeito deles, afirma: “figuro terem sido compostos na primeira metade
de século XIII”. Todos os poemas estão reunidos sob o titulo Sextilhas de frei Antão.
Poesia nacionalista
Como típico da primeira geração romântica, Gonçalves Dias apresenta uma poesia
nacionalista que ora exalta a pátria distante, ora idealiza a figura do índio. As chamadas poesias
saudosistas são marcados pelo exílio e pela saudade da pátria distante, finalizando numa exaltação
da natureza brasileira, como bem atesta a famosa ‘Canção de exílio”. É interessante notar que,
nesse poema, ele nunca se refere ao elemento humano, mas apenas aos elementos naturais, pois,
se citasse o homem brasileiro, teria de ser referir às crises vividas pela nossa sociedade. Vários
artistas do século XX (Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Mário
Quintana, Chico Buarque e Tom Jobim, entre outros) retomaram o tema, mas com um
nacionalismo crítico e consciente, destacando a presença do homem e seus problemas.
É no indianismo que Gonçalves Dias atinge o máximo da sua arte, sendo considerado o
maior poeta indianista de nossa literatura. Colaborou para isto seu profundo conhecimento da
tradição, dos costumes e da língua dos nativos. Além de exaltarem a natureza, seus versos
desenham um índio portador de sentimentos e de atitudes artificiais, extremamente. Ainda assim,
o índio gonçalvino esta mais próximo da realidade que o índio de José de Alencar. Seus poemas
indianista valem sobretudo pela carga lírica, dramática e épica. Formalmente se caracterizam pela
perfeita utilização dos vários recursos da métrica, da musicalidade e do ritmo, como provam os
versos seguintes de — “Juca Pirama”, escritos em redondilha menor:
“Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho da selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiro, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por todo inconstante,
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Guerreiro, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiro, ouvi.”
Entre suas poesias indianista destacam-se “I — Juca Pirama”, ‘Marabá”, “O canto do Piaga”,
Canção do tamoio”, “Leito de folhas verdes”, além do poema épico inacabado “Os timbiras”.
Segunda geração - geração do mal-do-século
Fortemente influenciada pela poesia de Lord Byron e de Musset, é também chamada de
geração byroniana. Empregada de egocentrismo, negativismo, pessimismo, dúvida, desilusão
adolescente e tédio constante característica do ultra —romantismo, o verdadeiro, mal — do —
século -, seu tema preferido é a fuga da realidade que se manifesta na idealização da infância, nas
virgens sonhadas e na exaltação da morte. Os principais poetas dessa geração foram Álvares de
Azevedo, Casiano de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.
Produção Literária da Segunda geração - Álvares de Azevedo
Álvares de Azevedo foi responsável pelos contornos definitivos do mal-do-século em nossa
literatura produzindo uma obra influenciada por Lord Byron, de quem foi leitor assíduo e tradutor,
e por Musset, de quem herdou as característica do spleen* - o sarcasmo, a ironia e a
autodestruição. Suas poesias falam de morte e de amor, este sempre idealizado, irreal,
impregnado de imagem de donzelas ingênuas, filhas do céu, mulheres misteriosas, vultos que
habitam seus sonhos adolescentes, mas nunca se materializam. A morte foi presença constante,
assumindo também a conotação de fuga, pela sensação de impotência diante de um mundo
conturbado.
O livro de poemas Lira dos vinte anos revela-nos uma duplicidade de jovem Álvares de
Azevedo: de um lado poeta meigo, dócil, angelical; de outro, o poeta satânico, corrosivo, que
tanto ironizava os outros como a si mesmo. Ele próprio o dividiu em três partes, abrindo a
Segunda com um prefácio ao mesmo tempo didático e revolucionário.
“Cuidado leitor ao voltar esta página!
Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra
fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei (...).
Quase que depois de Anel esbarramos em Caliban.
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A razão é simples. E que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas que
moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro,
verdadeira medalha de duas faces.”
Noite na taverna, livro de contos fantásticos, constitui um dos mais significativos exemplos
da literatura mal-do-século. E um livro em prosa, em que seis estudantes, bêbados, narram suas
aventuras mais estranhas: são histórias marcadas por sexo, bacanais, incestos, assassinatos,
traições, mistérios e morte.
O poeta fez uma “tentativa para o teatro” com um drama intitulado Macário, obra confusa,
como afirma o próprio autor: “ esse drama é apenas uma inspiração confusa, rápida, que realizei à
pressa, como um pintor febril e trêmulo”. O texto nos apresenta um jovem chamado Macário,
estudante de Direito, poeta, que vive uma dualidade: ora irônico e macabro, ora meigo e
sentimental — ou seja, o próprio Álvares, anjo e demônio.
Terceira geração — geração condoreira
Caracterizada pela poesia social e libertária, reflete as lutas internas da Segunda metade do
reinado de D. Pedro II. Essa geração sofreu intensamente a influência de Victor Hugo e de sua
poesia político — social, daí ser conhecida como.
geração hugoana. O termo condoreirismo é conseqüência do símbolo de liberdade adotado pelos
jovens românticos: o condor, ave que habita o alto da cordilheira dos Andes. Seu principal
representante foi Castro Alves, seguindo por Tobias Barreto e Sousândrade.
Produção literária da terceira geração Castro Alves
Enquanto os poetas das primeiras geração romântica se ocupavam de conflitos íntimos,
frutos de uma visão egocêntrica e de um universo limitado ao “eu” Castro Alves, poeta da última
geração, educado pela literatura de Victor Hugo, tem horizontes mais amplos, interessando-se não
pelos sentimentos e emoção pessoais (como bom romântico, Castro Alves cultivou o
egocentrismo), mas também pela realidade que o rodeava. Cantou o amor, a mulher, a morte, o
sonho, cantou a República, o abolicionismo, a igualdade, as lutas de classe, os oprimidos. Teve
muitos amores, amou e foi amado por várias mulheres, mas, como bem lembra Jorge Amado no
seu ABC de Castro Alves, a maior de todas as suas noivas foi a liberdade.
Castro Alves já apresentava em sua temática tendência do Realismo, a escola literária que
negaria o Romantismo; no entanto, foi perfeitamente romântico na forma, entregando-se a alguns
exagero nas metáforas, comparação grandiosas, antíteses e hipérboles, típicos do condoreirismo.
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A poesia Lírica - amorosa
A poesia lírica — amorosa de Castro Alves evolui de um campo de idealização para uma
concretização das virgens sonhadas pelos românticos: agora temos uma mulher de carne e osso,
sensual, individualizada em Eugênia Câmara. Esta paixão às vezes o torna irreverente:
"amar-te é melhor que ser Deus”
ou desesperadamente eufórico, arrebatado pela realidade material “Mulher! Mulher! Aqui tudo é
volúpia”
Entretanto, convivemos com esse sensualismo adulto, encontramos o adolescente meigo,
terno, de metáforas líricas:
“Tua boca era um pássaro escarlate.”
Ás vezes é afável prisioneiro de imagens eróticas:
“Boa-noite, Maria! Eu vou — me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa — noite, Maria! Ë tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa-noite!... E tu dizes — Boa-noite
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
- Mar de amor onde vagam meus desejos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escala de suspiros, belos atento!”
A poesia social
O tempo de Castro Alves foi ponteado de grandes transformações sociais: no plano
internacional, a questão Coimbra em Portugal, o positivismo de Augusto Comte, o socialismo
científico de Marx e Engels, o evolucionismo de Darwin e as primeiras lutas operárias; no plano
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interno, a decadência da Monarquia, a luta abolicionista, a Guerra do Paraguai e o pensamento
republicano.
Este é o momento histórico vivido pelos jovens acadêmicos de Direito de Recife e de São
Paulo, e que se reflete em suas manifestações:
“A praça! A praça é o povo
Como o céu é do condor.
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.”
Sousândrade
Na obra de Sousândrade, o primeiro aspecto a destacar é a originalidade de sua poesia,
inovadora e até mesmo revolucionária para o padrão romântico, sendo por isso difícil enquadra-
lo dentro desse movimento. Sousândrade iniciou sua produção artística no período
correspondente à 2ª geração romântica, mas atravessou toda a segunda metade de século XIX;
por suas preocupações sociais, aproxima-se da terceira geração.
Em seus poemas percebe-se uma ousadia de vocabulário —termos indígenas, palavras inglesas,
neologismos e um certo rebuscamento que beira, por vezes, o mau gosto — e também uma
exploração de sonoridade que rompe com a métrica e o ritmo tradicionais. Enfim, sua obra foi de
uma constante pesquisa.
Romantismo: prosa
1 - Introdução
A urbanização da cidade do Rio de Janeiro, agora transformado em corte, criando uma
sociedade consumidora representada pela aristocracia rural, profissionais liberais e jovem
estudantes, todos em busca de ‘ entretenimento “; o espírito nacionalista a exigir uma” cor local “
para os romances, e não a mera importação ou tradução de obras estrangeiras; o jornalismo
vivendo seu primeiro grande impulso e a divulgação em massa de folhetins; o avanço de teatro
nacional: estes são alguns dos fatos que explicam o aparecimento e o desenvolvimento do
romance no Brasil.
Respondendo às exigências do público leitor, surgem romances que giram em torno da
descrição dos costumes urbanos e de amenidade do campo, ou que apresentam imponentes
selvagens personagens concebidos pela imaginação e ideologia românticas com os quais o leitor se
identifica, pois uma “realidade” que lhe convém. Algumas poucas obras fugiram desse esquema; e
o caso de Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e mesmo de
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Inocência, do Visconde de Taunay.
Cronologicamente, o primeiro romance brasileiro foi O filho do pescador, publicado em 1843,
de autoria de Teixeira e Sousa (1812-1881). Romance sentimentalóide, de trama confusa, que não
serve para definir as linhas que o romântico seguiria em nossas letras. Dessa forma, pela
aceitação obtida junto ao público leitor, por ter moldado o gosto desse público ou correspondido
às suas expectativas, convencionou-se adotar o romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de
Macedo, lançando em 1844, como o primeiro romance brasileiro.
2 — Produção Literária
Manuel Antônio Almeida
Memórias de um sargento de milícias é uma obra totalmente inovadora para sua época,
exatamente quando Macedo dominava o ambiente literário, e pode ser considerado o verdadeiro
romance de costumes do Romantismo brasileiro, pois abandona a visão da burguesia urbana para
retratar o povo em toda a sua simplicidade. O romance é o documento de uma época, descrita
com malícia, humor a sátira: o período de O. João VI no Brasil, juntamente o momento das
maiores transformações, da mudança da mentalidade colonial para a vida da corte. Isso se
percebe já nos primeiros parágrafos do livro:
“Era no tempo do rei.
Uma das quarto esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda cortando-se
mutuamente chamava-se nesse tempo — Canto dos Meirinhos — e bem lhe assentava o nome,
porque era ai o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa (que gozava então de não
pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos
meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada;
formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no
tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os
desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o círculo dentro do
qual passavam os terríveis combates de citações, provarás, razões principais e finais e todo esses
trejeitos judiciais que chamava o processo.
Daí sua influência moral.
Manuel Antônio de Almeida não descreve apenas o ambiente, mas introduz juízos de valor. O
próprio conhecimento que tinha da época lhe vinha pela narrativa de um homem do povo: Antônio
César Ramos, português, funcionário do Correio Mercantil, ex—soldado na Guerra Cisplatina,
sargento de milícias, era quem, nas horas de folga, lhe contava sobre “o tempo do rei”.
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As memórias ferem a “sensibilidade romântica ;; já na figura de seu herói. Comparado aos
modelos românticos, Leonardinho é um anti-herói seria dizer um herói picaresco, aqueles que está
à margem da sociedade, que a vê mulher sob outro ângulo, de baixo para cima. Isso se percebe a
partir das origens de Leonardinho: filho de uma pisadela e de um beliscão. Seus pais - Leonardo
Pataca e Maria - da - Hortaliça - se conheceram numa viagem de Portugal ao Brasil; quando
desembarcaram, Maria já estava grávida. Ainda pequeno, foi abandonado pelos pais; sua
vagabundagem e as atitudes escandalosas contrariam os padrões românticos da época.
Como se trata de uma perfeita crônica de costumes, há sempre a preocupação do autor em
tudo datar e localizar, pois acima dos figurantes está o acontecimento. O acontecimento: esse é o
núcleo de tudo. Ou, como afirma Alfredo Bosi:
“Figurantes e não personagens movem-se no romance picaresco do nosso Manuel Antônio de
Almeida, que, ao descarta-se dos sestros da psicologia romântica, enveredou pela crônica de
costumes, onde não há lugar para a modelagem sentimental ou heróica.
Por tudo isso, Almeida é encarado como um precursor do Realismo, um pré-realista,
Apresenta, contudo, vários pontos de contato com o Romantismo, como, por exemplo, o estilo
frouxo, a linguagem por vezes descuidada e o final feliz do romance: Leonardo se regenera,
enquadra-se nas milícias como sargento e casa-se com Luisinha.
José de Alencar
Alencar aparece na literatura brasileira como o consolidador do romance, ficcionista que
responde às expectativas do grande público. Sua obra é um retrato fiel de sua posição política e
social: grande proprietário rural, político conservador, monarquista, nacionalista exagerado e
escravocrata (consta que em 1871 o Parlamento discutia a Lei do Ventre Livre; o deputado José de
Alencar subiu à tribuna e disse: “Não vou me dar ao trabalho nem de discutir essa lei. Ela é
comunista”). Todas essas posições, sobretudo o nacionalismo, transparecem em seus livros, de
início espontaneamente e mais tarde de modo premeditado: no prefácio a Sonhos d’ ouro, o
romancista anuncia seu objetivo: a tentativa de estabelecer uma linguagem brasileira e,
sobretudo, fazer um grade painel do Brasil, cobrindo-se por inteiro, o norte e o sul, o litoral e o
sertão, o presente e o passado, o urbano e o rural.
Alencar defende o “consórcio” entre o nativo e o europeu colonizador, como uma troca de
favores: uns ofereciam a natureza virgem, o solo esplêndido; outro, a cultura. Da soma desses
fatores resultaria um Brasil independente, Isto se percebe claramente em O guarani, na relação
entre Peri e a família de O. Antônio de Mariz, e em lracema (anagrama de América), na relação da
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índia com o português Martim Moacir, filho de lracema e Martim, é o primeiro brasileiro, fruto
desse casamento de colonizadores e colonizados.
Ao lado desse aspecto de sua obra, também se evidencia o medievalismo, bem explícito em
O guarani. A seguir, alguns trechos nos quais o uso de termos como Idade Média, vassalos e rico
homem é significativo:
O sertanejo e O gaúcho, as obras regionalista de Alencar, mostram o intimo relacionamento
entre o homem e o meio físico. Quando descreve o nordestino, o sertanejo, o autor consegue
montar um quadro mais próximo da realidade, conhecedor que era da região e do homem. Ao
tentar retratar o gaúcho e sua região, o autor incorre em falhas provocadas pelo desconhecimento
quase total da região Sul. Nos dois livros percebe-se a idealização; seus personagens são
moldados a partir do conceito de “bom selvagem”.
Romances rurais
Apesar de não totalmente imbuídos de caráter regionalista, Til e O tronco do pé são obras
que focalizam o meio rural; a primeira retrata as fazendas de café no interior de São Paulo; a
segunda, a fazenda Nossa Senhora do Boqueirão, banhada pelo rio Paraíba, no norte do Rio de
Janeiro.
Romances indianistas
São três os romances do gênero que o popularizou: O guarani, lracema e Ubirajara. Além do
indianismo, que reflete o nacionalismo e a exaltação da natureza pátria, essas obras revelam uma
preocupação histórica. Para O guarani, por exemplo, o autor pesquisou documentos quinhentistas,
neles encontrando referências à família de O, Antônio de Mariz, transformado em personagem do
livro. Há, no início do livro, uma preocupação muito grande em tudo definir em termos temporais e
espaciais. A natureza pátria aparece exaltada e nela vive o super — herói, um índio de cultura, fala
e modo de agir europeizados. Em O guarani, o índio, individualizado em Feri, é civilizado, vive em
contato com os brancos; Alencar chega a batizar Feri, para que o índio possa salvar Cecília
(capítulo X da 4 parte, intitulado “Cristão”). Em lracema, romance baseado numa lenda do período
de formação do Ceara, o navio brasileiro — no caso, a índia —experimenta seu primeiro contato
com o branco colonizador. Ubirajara — lenda tupi representa o índio em seu estado mais puro às
margens do Tocantins — Araguaia e relata a formação da “grande nação Ubirajara”.
4. O Realismo e o Naturalismo
Considera-se 1881 como o ano inaugural do Realismo no Brasil. De fato, esse foi um ano
fértil para a literatura brasileira, com a publicação de dois romance fundamentais, que modificaram
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o curso de nossas letras: O mulato, de Aluísio Azevedo, considerado o primeiro romance
naturalista brasileiro; e Memórias póstumas de Brás de Cubas, de Machado de Assis, o primeiro
romance realista de nossa literatura.
Na divisão tradicional da história da literatura brasileira, considera-se como data final do
Realismo o ano de 1893, em que são publicados Missal e Broquéis, ambos de Cruz e Sousa. É
importante salientar que essas obras registram o início do Simbolismo, mas não o término do
Realismo e suas manifestações na prosa, com os romances realistas e naturalistas, e na poesia,
com o Parnasianismo. Basta lembrar que O. Casmurro, de Machado de Assis, é de 1900; Esaú e
Jacó, do mesmo autor, é de 1904. Olavo Bilac foi eleito “príncipe dos poetas” em 1907. A
Academia Brasileira de Letras, templo do Realismo, foi fundada em 1897. Na realidade, nos
últimos vinte anos do século XIX e nos primeiros vinte anos do século XX , três estéticas se
desenvolvem paralelamente — o Realismo e suas manifestações, o Simbolismo e o Pré —
Modernismo —até o advento da Semana da arte Moderna, em 1922.
Característica do Realismo
As características do Realismo estão intimamente ligadas ao momento histórico em que se
insere esse movimento literário, refletindo, dessa forma, a postura do positivismo, do socialismo e
do evolucionalismo, com todas as suas variantes. Assim é que o objetivismo aparece como
negação do subjetivismo romântico e nos mostra o homem voltado para aquilo que está diante e
fora dele, o “não — eu”; o personalismo cede terreno ao universalismo. O materialismo leva à
negação do sentimentalismo e da metafísica. O nacionalismo e a volta ao passado histórico são
deixados da lado; o Realismo só se preocupa com o presente, com o contemporâneo.
Influenciados por Hypolite Taine e sua Filosofia da arte, os autores realista são adeptos do
determinismo, segundo o qual a obra de arte seria determinada por três fatores: meio, momento e
raça — esta, no que se refere à hereditariedade. No século XIX, o avanço das ciências influencia
sobremaneira os autores da nova estética, principalmente os naturalistas, razão por que se fala em
cientificismo nas obras desse período.
Ideologicamente, os autores desse período são antimonárquicos, assumindo uma defesa
clara do ideal republicano, como se observa na leitura do romance como O mulato, O cortiço,
ambos de Aluísio Azevedo, e O Ateneu, de Raul Pompéia. Negam a burguesia a partir da célula —
mãe da sociedade: a família; eis o porquê da presença constante dos triângulos amorosos,
formados pelo marido traído, pela mulher adúltera e pelo amante, que é sempre um “amigo da
casa”. Para citarmos apenas exemplos famosos de Machado de Assis, eis alguns triângulo:
Bentinho /Capitu/ Escobar; Lobo Neves! Virgília! Brás Cubas; Cristiano Palhaf Sofia Palha! Rubião.
São anticlericais, destacando-se em suas obras os padres corruptos e a hipocrisia de velhas
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beatas. Nesse particular, merece destaque o romance O maluco, de Aluísio Azevedo, no qual em
meio à sociedade conservadora e preconceituosa de São Luís do Maranhão, move-se com
desenvoltura a diabólica figura do padre Diogo, o grande vilão, que tem sobre suas costas o peso
de duas mortes.
Finalmente, é importante salientar que Realismo é a denominação genérica de uma escola
literária que abrange as tendência seguintes.
Romance realista
Cultivado no Brasil por Machado de Assis, é uma narrativa voltada para a análise psicológica
e crítica da sociedade a partir do comportamento de determinados personagens. É interessante
constatar que os cincos romances a partir da fase realista de Machado apresentam nomes próprios
em sues títulos — Brás Cubas: Quincas Borba; Dom Casmurro; Esaú e ,Jacó; Aires -‘ revelando
inequívoca preocupação com o indivíduo. O romance machadiano analisa a sociedade através de
personagens capitalista, ou seja, pertencentes à classe dominante: Brás Cubas não produz, vive do
capital, o mesmo acontece com Bentinho; já Quincas Borba era louco e mendigo até receber uma
herança; dos personagens centrais de Machado, o único que trabalhava era Rubião (professor em
Minas), mas quando a herança de Quincas Borba, muda-se para o Rio e deixa de trabalhar,
passando a viver do capital. O romance realista é documental, retrato de uma época.
Romance naturalista
Foi cultivado no Brasil por Aluísio Azevedo e por Júlio Ribeiro; o caso de Raul Pompéia é
muito particular, pois seu romance O Ateneu ora apresenta características naturalistas, ora
impressionistas.
A narrativa naturalista é marcada pela vigorosa análise social partir de grupos humanos
marginalizados, em que se valoriza o coletivo; interessa notar que também os títulos dos romances
naturalistas apresentam a mesma preocupação: O mulato, O Cortiço, Casa de pensão, O Ateneu.
Sobre o romance O cortiço, há inclusive uma tese de que o principal personagem não é João
Romão, nem Bertozela, nem Rita Baiana, nem Pombinha, mas sim o próprio cortiço; como afirma
Antônio Cândido, “O romance é o nascimento, vida, paixão e morte de um cortiço”. Por outro lado,
o naturalismo apresenta romances experimentais: a influência de Darwin se faz sentir na máxima
naturalista, que enfatiza a natureza animal do homem; isto é, antes de usar a razão, o homem
deixa-se levar pelos instintos naturais, não podendo ser reprimido em suas manifestações
instintivas — como o sexo — pela moral da classe dominante. A constante repressão leva às taras
patalógicas, tão ao gosto naturalista. Em conseqüência, esses romances, erroneamente tachados
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por alguns de pornográficos, são mais ousados, apresentando descrições minuciosas de atos
sexuais e tocando, inclusive, em temas então proibidos, como o homossexualismo, tanto
masculino, como em O Ateneu, quanto feminino, em O cortiço.
Produção Literária
Machado de Assis
Costuma-se dividir a obra de Machado de Assis em duas fases distintas: a primeira apresenta
o autor ainda preso a alguns princípios da escola romântica, sendo por isso chamada de fase
romântica ou de amadurecimento; a Segunda apresenta o autor completamente definido dentro
das idéias realista, sendo, portanto, chamada de fase realista ou de maturidade. Machado foi
romancista, contista e poeta; além disso, nos deixou algumas peças de teatro e inúmeras críticas,
crônicas e correspondência. Aqui, comentaremos apenas a poesia e a prosa machadianas.
A prosa de Machado de Assis — primeira fase
Transcrevemos a seguir, um trecho da “Advertência da nova edição”, que Machado fez para
um reedição do romance Ressurreição, datada de 1905.
Este foi o meu primeiro romance, escrito aí vão muitos anos. Dado em nova edição, não lhe
altero a composição nem o estilo, apenas troco dois ou três vocábulos, e faço tais ou quais
correções de ortografia. Como outros que vieram depois, e alguns contos e novelas de então,
pertencente à primeira fase da minha vida literária.”
Esta é a” Advertência” para uma das reedições de Helena:
"Esta nova edição de Helena sai com várias emendas de linguagem e outras, que não
alteram a feição do livro. Ele é o mesmo da data em que o compus e imprimi, diverso do que o
tempo me foi depois, correspondendo assim ao capítulo da história do meu espírito, naquele ano
de 1876.
Não me culpeis pelo lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era
particularmente prezado. Agora mesmo, que há tanto me fui a outras e diferentes páginas, ouço
um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. É claro que, em nenhum caso, lhes
tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo.”
Observa-se, portanto, que o próprio autor nos dá a dimensão exata das fases de sua obra,
assumindo uma posição paternal ao comentar e se desculpar pelas obras da primeira fase,
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nostalgicamente relembradas como uma época de fé ingénua, ingenuidade esta perdida ao trilhar
novos caminhos: “me fui a outras diferentes páginas”, ou seja, páginas realistas.
Apesar de romanesco, os romances e contos dessa época já indicavam algumas
características que mais tarde se consolidariam na obra da Machado : o amor contrariado, o
casamento por interesse, uma ligeira preocupação psicológica e uma ironia.
A prosa de Machado de Assis — Segunda fase
É nesse aspecto que Machado de Assis, mais nos interessa, pois à prosa realista pertencem
as verdadeiras obras — primas do romance e contista. A análise psicológica dos personagens, o
egoísmo, o pessimismo, o negativismo, a linguagem correta, clássica, as frases curtas, a técnica
dos capítulos curtos e do diálogo com o leitor são as principais características se seus textos
realistas, ao lado da análise da sociedade e da critica aos valores românticos.
No aspecto formal, cumpre destacar a técnica dos capítulos curtos: neles as idéias não se
perdem, pelo contrário: as entrelinhas são valorizadas e são permitidas observações paralelas à
narrativa. Assim os romances da primeira fase apresentam capítulos longos e em menor número:
Ressurreição tem 24; A mão e a luva, 19; Helena, 28; laiá Garcia, 17. Já os da Segunda fase
caracterizam-se por capítulos curtos e em maior número: Memórias póstumas de Brás Cubas tem
160; Quincas Borba, 201; Dom Casmurro, 148; Esaú e Jacó, 121.
Quincas Borba
Quincas Borba, romance narrado em terceira pessoa, é uma análise desagregação
psicológica e financeira de Rubião, humilde professor do interior de Minas Gerais que recebe a
herança de Quincas Borba, criador do sistema filosófico chamado Humanitismo. A desagregação
de Rubião — um dos raros personagens machadianos bons honestos e decentes — até a loucura
total e a miséria absoluta é, na prática, o Humanitismo em toda sua essência (em Memórias
póstumas de Brás Cubas temos a teoria do Humanitismo). Rubião morre pobre e louco,
acreditando ser Napoleão. No auge da loucura, também demostra extrema lucidez: sua última
frase resume sua visão de toda a sociedade e do Humanitismo — “Ao vencedor, as batatas...”.
Dom Casmurro
Dom Casmurro é um retorno de Machado de Assis à narração em primeiro pessoa: Bentinho
/ O. Casmurro é o personagem - narrador que tenta “atar as duas pontas da vida, e restaurar na
velhice a adolescência ‘. À primeira vista, o romance parece girar em torno de um provável
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adultério: Bentinho é casado com Capitu; desconfia que Ezequiel, o filho, seja de Escobar, amigo
do casal; o ciúme doentio de Bentinho leva à dissolução do casamento (eles se separam de fato,
mas não socialmente — Capitu e o filho vivem na Europa a pretexto de um tratamento de saúde
de Capitu). Entretanto, isso serve apenas de pano de fundo para a confecção de brilhantes perfis
psicológicos e análises de comportamento.
Os contos
Em linhas gerais, os contos da fase realista seguem as mesmas diretrizes dos romances,
guardadas as diferenças de um gênero para o outro. Sempre aparecem a preocupação psicológica,
a fronteira entre a loucura e a lucidez, a ironia social e política.
O primeiro conto realista de Machado trata-se, a rigor, de uma novela: O alienista,
publicando em folhetins, de outubro de 1881 a março de 1882. Nesse mesmo ano, abriria o
volume intitulado Papéis avulsos. Entres os contos que se firmaram como verdadeiras obras —
primas citamos: O espelho (esboço de uma nova teoria da alma humana A cartomante, Missa do
galo, A igreja do diabo, A causa secreta, Entre santos, Um apólogo.
Raul Pompéia
Raul Pompéia, a exemplo de Manuel Antônio de Almeida, pertence a um grupo de autores
que entram para a história da leitura graças a um único livro: O Ateneu. Suas experiências
anteriores se perdem diante da importância desse livro.
O Ateneu — crônica de saudades, como o próprio subtítulo indica, é um livro de memórias,
ou seja, o tempo da ação é anterior ao tempo da narração. O personagem Sérgio, já adulto, narra
seu tempo de aluno interno no Ateneu; a narrativa é feita em primeira pessoa e Sérgio é o
personagem — narrador, o que permite ao autor entrar no complexo mundo das revelações que
só se fazem à consciência. E mais ainda: O Ateneu é um romance autobiográfico; a fronteira entre
a ficção e a realidade é muito frágil. As identidades são claras: Sérgio é Raul Pompéia; o Dr.
Aristarco Argolo de Ramos, Visconde de Ramos, do Norte, é na realidade o Or. Abílio César
Borges, Barão de Macaúbas, do Norte; o Ateneu é o Colégio Abílio; Sérgio, assim como Raul
Pompéia, entra no colégio com 11 anos de idade.
O Ateneu é uma obra que permite duas leituras: uma no plano individual, centrada na
vivência de Sérgio / Raul Pompéia como interno no Ateneu / Colégio Abílio, e que representa,
segundo Mário de Andrade, a “vingança” do autor conta a estrutura do internato; outra, no plano
político — social, em que o Ateneu é a representação da Monarquia decadente, e Aristarco, a do
governo.
Entretanto, essas leituras não devem ser feitas isoladamente, pois elas se interpenetram e se
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complementam. A própria definição do livro aparece no corpo da narrativa: “Não é o interno que
faz a sociedade; o interno a reflete”.
Ao se considerar o Ateneu o Colégio Abílio, percebe-se a crítica de Raul Pompéia a toda
aquela estrutura velha e viciada, um mundo fechado — um microcosmo -‘ moldador dos meninos
que lá estudaram e deformador de suas personalidades. O romance se inicia com a significativa
frase: ““Vais encontrar o mundo””, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. “Coragem para a luta!”.
O menino indefeso e despreparado vai enfrentá-lo, sentindo o choque provocado pelo
confronto da educação familiar (descrita como “estufa de carinho”) com a vida ao Ateneu.
Arrancados do contato e da proteção dos pais, os meninos sentem a necessidade de substitui-los.
Mas por quem? No Ateneu o único que poderia fazer as vezes de pai é Aristarco; no entanto, o
diretor não tem essa preocupação — além de egocêntrico, ele não é um pedagogo, mas um
comerciante:
“(...) Ateneu era o grande colégio da
época. Afamado por um sistema de nutrido
reclame, mantido por um diretor que de
tempos a tempos reformava o estabelecimento,
pintando-o jeitosamente de novidade,
como os negociantes que liquidam para
recomeçar com artigos da última remessa.”
A postura do diretor é bastante clara no trecho a seguir
“(...) Sua diplomacia dividia-se por escaninhos numerados, segundo a categoria de recepção
que queria dispensar. Ele tinha maneiras de todos os graus, segundo a condição social da pessoa.
As simpatias verdadeiras eram raras. No ângulo de cada sorriso morava-lhe um segredo de frieza
que se percebia bem. E duramente se marcavam distinções políticas, distinções financeiras,
distinções baseadas na crônica escolar do discípulo, baseadas na razão discreta das notas do
guarda — livros. Às vezes uma criança sentia a alfinetada no jeito da mão a beijar. Saía indagando
o motivo daquilo, que não achava em suas contas escolares... O pai estava dois trimestres
atrasados.”
Ainda assim, o diretor afirma demagogicamente:
“O meu colégio é apenas maior que o lar doméstico”.
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Os meninos sentem necessidade de substituir a mãe. Mas por quem?
No Ateneu a única mulher é Ema, esposa de Aristarco. E nela os meninos vêem a mãe, mas
também a mulher, o sexo. Aliás, o seu nome é um grande achado de Raul Pompéia: note que Ema
é anagrama de mãe e do imperativo afirmativo ame. Eis alguns trechos:
“(...) chegou a senhora de diretor, O. Ema. Bela mulher em plena prosperidade dos trinta
anos de Balzac, formas alongadas por graciosa magreza, erigindo, porém, o tronco sobre quadris
amplos, fortes como a maternidade; olhos negros, pupilas retintas, de uma cor só, que pareciam
encher o talho folgado dos pálpebras; de um moreno rosa que algumas formosuras possuem, e
que seria também a cor do jambo, se jambo fosse rigorosamente o fruto proibido. Adiantava-se
por movimentos oscilados, cadência de minueto harmonioso e mole que o corpo alterava. Vestia
cetim preto justo sobre as formas, reluzente como pano molhado; e o cetim vivia com ousada
transparência a vida oculta da carne. Esta aparição maravilhou-me.”
Mas adiante Sérgio afirma:
“(...) Olhei furtivamente para a senhora. Ela conservava sobre mim as grandes pupilas
negras, lúcidas, numa expressão de infinda bondade! Que boa mãe para os meninos, pensava eu.”
Está visto que Aristarco não faz as vezes de pai, pelo contrário: os meninos se frustram, se
decepcionam, Ema não faz apenas o papel de mãe; Ema personifica igualmente o sexo e nesse
aspecto não satisfaz às necessidades dos meninos; dar a frustração e a decepção quase edipianas.
Mas o sexo é um instinto natural, e se o sexo oposto (Ema) é inacessível, a tendência, numa
comunidade de indivíduos do mesmo sexo, é o homossexualismo e a “proteção” dos meninos mais
fortes aos mais fracos, a “lei da selva”. Eis algumas palavras do veterano Rabelo ao calouro
Sérgio:
“(...) Este que passou por nós, olhando muito, é o Cândido, com aqueles modos de mulher...
ali vem Ribas, está vendo? Primeira voz no orfeão, uma vozinha de moça...
Um tropel de rapazes atravessou-nos a frente, provocando-me com surriadas.
Viu aquele da frente, que gritou “calouro”? Se eu dissesse o que se conta dele...aqueles
olhinhos úmidos de Senhora das Dores... Olhe; um conselho; faça-se forte aqui, faça-se homem.
Os fracos perdem-se.
Isto é uma multidão; é preciso força de cotovelos para romper. Não sou criança, nem idiota;
vivo só e vejo de longe; mas vejo. Não pode imaginar. Os gênios fazem aqui dois sexos como se
fosse uma escola mista. Os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente impedidos
para o sexo da fraqueza; são dominados, festejando, pervertidos como meninos ao desamparo.
Quando, em segredo dos pais, pensam que o colégio é a melhor das vidas, com o acolhimento dos
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mais velhos, entre brejeiros e afetuosos, estão perdidos... faça-se homem, meu amigo! Comece
por não admitir protetores.”
Para os meninos submetidos à “lei da selva”, o Ateneu é “um mundo de brutalidades”;
Sérgio, levado pela necessidade, acha aceitando as regras do microcosmo; os avisos de Rebelo
não são suficientes:
“Perdeu-se a lição viril de Rebelo: .prescindir de protetores. Eu desejei um protetor, alguém
que me valesse, naquele meio hostil e desconhecido, e um valimento direto mais forte do que
palavras.
(...) eu notaria talvez que pouco a pouco me ia invadindo, como ele observara, a efeminação
mórbida das escolas.”
Sérgio encontra no microcosmo do Ateneu, como lhe dissera seu pai. Um mundo com regras
e leis próprias: o normal, no Ateneu é ser frustrado, complexado, homossexual. Se os meninos
vivessem eternamente naquele mundo, não teriam consciência de seus problemas. Mas um dia
abandonam o colégio e sentem o choque com o macrocosmo, o grande mundo, e aí percebem o
mundo sórdido, degradante, que é o regime de internato. Raul Pompéia, depois do Colégio Abílio,
estuda na Faculdade de Direito de Largo São Francisco: da sociedade mais fechada à sociedade
mais aberta da época.
Para os internos só há uma solução: a eternidade do Ateneu, nunca abandonar aquele
mundo e sua ““normalidade””. No entanto, ao final do livro, Raul Pompéia destrói o Ateneu: um
dos meninos, Américo, provoca um incêndio; é a “vingança” de Raul Pompéia, a destruição
daquele mundo e de seu criador, Aristarco. O romancista não perdoa o diretor nem no aspecto
humano: Ema o abandona (“desapareceu igualmente durante o incêndio a senhora do diretor”).
Podemos fazer uma Segunda leitura do romance, entendendo o Ateneu e sua moral falida
como a própria Monarquia decadente.
5. Parnasianismo
Características
Os poetas brasileiros tomam como fonte de inspiração os portugueses do século XVIII,
destacando, sobretudo, o trabalho de Bocage. Voltam-se, também, para Basílio da Gama, Cláudio
Manuel da Costa e Tomás Antonio Gonzaga. Cultuam a estética do Arcadismo, a correção da
linguagem, propiciadora de originalidade e imortalidade, buscando objetividade e impassibilidade
diante do objeto, cultivando a forma para atingir a perfeição.
A sintaxe, sob a influência do século XVIII, prima pela devoção à clareza, à lógica e à
sonoridade. Os parnasianos evitam as aliterações, homofonias, hiatos, ecos e expressões
arrebatadoras, mas apreciam a rima consoante, aplicada sob o jugo de regras rígidas,
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privilegiando a rima paroxítona, abjurando a interna e exigindo a rima em todas as quadras. Dão
ênfase às alternâncias graves, aos versos de rimas paralelas ou intercaladas. Apreciam as
metáforas derivadas das lendas e história da Antigüidade Clássica, símbolo do ideal de beleza.
O soneto ressurge juntamente com o verso alexandrino, bem como o trabalho com a chave
de ouro e a rima rica. A vida é cantada em toda sua glória, sobressaindo-se a alegria, a
sensualidade, o conhecimento do mal. A imaginação é sempre dominada pela realidade objetiva.
O universalismo se sobrepõe ao nacionalismo. Entretanto, o Parnasianismo inicial, ligado à
inspiração derivada dos temas históricos de Roma e Grécia, vai se deslocando, aos poucos, para a
paisagem brasileira, graças à ação do meio e das tradições poéticas, tendendo à busca da
simplicidade clássica. A recorrência ao arcadismo interno e ao português acaba dando ao
movimento uma configuração própria. O social perde a força do início, cedendo lugar ao princípio
da Arte pela Arte, postulado pelo poeta francês, Théophile Gautier, sem, entretanto, suprimir o
subjetivismo. Por isso, os poetas não obedecem com precisão o cientificismo e nem primam pela
objetividade, mas se orientam pelo determinismo, pessimismo e sensualidade, prevalecendo, com
freqüência, a exigência de precisão, a riqueza de linguagem e a descrição
6. Simbolismo
A Linguagem do Simbolismo
Os fundamentos de uma teoria do Simbolismo encontram razão de ser na própria
constituição da linguagem, no sentido de que a linguagem é uma estrutura simbólica. Quando a
linguagem fica mais próxima da realidade, representando-a metonimicamente, estamos no
realismo literário; e quando se afasta do real sensível e busca ou a realidade psíquica ou a pura
abstração, valendo-se para isso preferentemente da metáfora e dos símbolos, temos os períodos
românticos e simbolistas da histórias literárias.”
(Gilberto Mendonça Teles)
4 - Produção Literária Cruz e Sousa
Cruz e Sousa é sem dúvida a figura mais importante do nosso Simbolismo, chegando-se a
afirmar que sem ele nem teríamos essa estética em nossas letras. Como poeta, teve apenas um
volume publicado em vida: Broquéis. Os dois outros volumes de poesias são póstumos, indício de
uma produção intensa que poderia ter sido mais bem trabalhada, apesar de o poeta ser
considerado um dos maiores do Simbolismo universal. Sua obra apresenta uma evolução
importante, uma vez que abandona o subjetivismo e a angústia iniciais em nome de posição mais
universalizante. De fato, sua produção inicial fala da dor e do sofrimento do homem negro
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(evidentes colocações pessoais), mas evolui para sofrimento e a angústia de todo ser humano.
Está sempre presente a sublimação, a anulação da matéria para liberação da espiritualidade,
só conseguida na sua totalidade através da morte. Ao lado disso, percebe-se o uso de maiúsculas
valorizando as idéias (no sentido platônico) e uma angústia profunda, como bem atesta o soneto
“Primeira comunhão”:
“Grinaldas e véus brancos, véus de neve, Véus e grinaldas purificadores, Vão as Flores
carnais, as alvas Flores Do Sentimento delicado e leve.
Um luar de pudor, sereno e breve,
De ignotos* e de prônubos* pudores,
Erra* nos pulcros*, virginais brancores
Por onde o Amor parábolas* descreve...
Luzes claras e augustas, luzes claras Douram dos templos as sagradas aras*, Na comunhão
das níveas hóstias frias...
Quando seios pubentes* estremecem, Silfos* de sonhos de volúpia crescem, Ondulantes, em
forma alvadias*...
(Cruz e Sousa)
7 - A Vanguarda
Ao se iniciarem os anos de 1900, a Europa suportava a herança do final do século XIX,
caracterizada por duas situações antagônicas, mas complementares: euforia exagerada diante do
progresso industrial e dos avanços técnico — científicos — como a eletricidade, por exemplo — e
as consequências desse avanço no processo burguês — industrial: uma disputa cada vez mais
acirrada pelo domínio dos mercados fornecedores e consumidores, que resultaria na 1 Guerra
Mundial. Assim, contrastando com o clima eufórico da burguesia, também vamos encontrar o
pessimismo característico do fim do século, representado pelo decadentismo simbolista.
Essa contradição gera um clima propício para a efervescência artística, favorecendo o
aparecimento de várias tendências preocupadas com uma nova interpretação da realidade. A essa
multiplicidade de tendência, os vários - ismos Futurismo, Expressionismo, Cubismo, Dadaísmo,
Surrealismo -, convencionou-se chamar vanguarda européia, responsável por uma verdadeira
inundação de manifestos (só o Futurismo lançou mais de 30), escritos entre 1909 e 1924, ou seja,
durante a guerra e nos anos imediatamente anteriores e posteriores.
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A palavra vanguarda deriva do francês avant - garde, termo militar que designa aqueles que,
durante uma campanha, vão à frente da unidade. A partir do início do século XX, passou a ser
empregada para designar aqueles que, no campo das artes e das idéias, estavam à frente do deu
tempo. Ou seja, passou a definir artistas e intelectuais que, não satisfeitos com o que então se
produzia, buscavam novas formas de expressão artística, tanto na linguagem como na
composição.
O Futurismo
O primeiro manifesto do movimento foi publicado em 20 de fevereiro de 1909, assinado por
Filippo Tommaso Marinetti (1876 — 1944). Apresentava como pontos fundamentais a exaltação da
vida moderna, da máquina, da eletricidade do automóvel, da velocidade e uma inevitável ruptura
com os modelos do passado. Eis alguns de seus principais trechos:
"Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.”
"Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta.”
"Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós
queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto perigoso, a
bofetada e o soco.”
"Nós queremos glorificar a guerra — única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo,
o gesto destrutor dos anarquistas, as belas idéias que matam, e o menosprezo à mulher.”
"Nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e
todas as covardias oportunista e utilitárias.”
"Olhem-nos! Nós não estamos esfalfados... Nosso coração não tem a menor fadiga. porque
ele está nutrido pelo fogo, pelo ódio e pela velocidade!... Isso o espanta? É que você não se
lembra mesmo de ter vivido.”
Em 1912, surge o Manifesto Técnico da Literatura Futurística, propondo “a destruição da
sintaxe, dispondo os substantivos ao acaso, como nascem”, o uso de símbolos matemáticos e
musicais e o menosprezo pelo adjetivo, pelo advérbio e pela pontuação.
É importante salientar dois aspectos muito relevantes do futurismo: primeiro, a total
identificação entre o movimento e seu líder, a ponto de se tornarem quase sinônimas as palavras
Futurismo e Marinetti; segundo, a adesão de Marinetti ao fascismo de Mussolini, a partir de 1919,
dadas as evidentes afinidades ideológicas entre
eles. Assim, pode-se entender a repugnância dos principais modernista brasileiro pelo
movimento de Marinetti, apesar de apresentarem uma série de pontos comuns com seus
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seguidores; aceitavam suas idéias artísticas, mas repudiavam seu posicionamento político. Oswald
de Andrade tomou conhecimento do futurismo em suas viagens à Europa anteriores a 1919, não
relacionando , portanto o movimento com o fascismo. Por outro lado, a palavra Futurismo passou
a designar qualquer postura inovadora na arte, levando Oswald a saudar, em 1921, o jovem poeta
Mário de Andrade com um artigo intitulado “O meu poeta futurista”. Temendo uma identificação
com o fascismo, Mário de Andrade vem a público negar, mais do que o movimento futurista, a
figura de seu líder. No prefácio ao livro Paulicéia desvairada, afirma:
“Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contacto com o
futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, errou.”
Em Portugal, notadamente entre 1910 e 1920, houve uma maior identidade entre os
modernistas de primeira hora e o Futurismo. Já nos primeiros números da revista Orpheu (1915)
encontramos textos futuristas de Fernando Pessoa e de Mário de Sã —Carneiro. Em 1917, em
Lisboa, realizou-se “espetáculo futurista”, com a participação de Santa Rita — Pintor e Almada
Negreiro; em novembro do mesmo ano, saiu o primeiro e único número da revista Portugal
futurista, que continha texto de Almada Negreiro, Raul Leal, Mário de Sá — Carneiro, Apollinaire e
Blaise Cendrars, além do poema “Ultimatum”, de Álvaro de Campos.
O Expressionismo
O movimento expressionista surgiu em 1910, na Alemanha, trazendo uma forte herança da
arte do final do século XIX, preocupada com as manifestações do mundo interior e com uma forma
de expressá-la. Daí a importância da expressão, ou seja, da materialização, numa tela ou numa
folha de papel, de imagens nascidas em nosso mundo interior, pouco importando os conceitos
então vigentes de belo e feio. Como lembra Lúcia Helena em Movimentos da vanguarda européia,
“ao contrário de outras vanguardas, que refletem otimistamente sobre a técnica e o progresso,
como por exemplo os futuristas, os expressionistas são mais afetado pelo sofrimento humano do
que pelo triunfo”.
Por sua característica, o Expressionismo desenvolveu-se mais na pintura, dando continuidade
a um trabalho iniciado por Van Gogh, Cézanne e Gauguin. Van Gogh chegou a afirmar que essa
pintura, ao distorcer uma imanem para expressar a visão do artista, assemelhava-se à caricatura.
É o que se pode perceber, por exemplo, na pintura
O grito, de Munch, expressão da angústia do ser humano: a figura que grita não tem os
traços do rosto bem definidos; pelo contrário, é um rosto distorcido, uma máscara, uma
caricatura. E. H. Gombrich assim comenta a obra de Munch.
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O Cubismo
Nascido a partir das experiências de Pablo Picasso e de Georges Braque, o Cubismo
desenvolveu-se inicialmente na pintura, valorizando as formas geométricas (cones, esferas,
cilindros, etc.) ao revelar um objeto em seus múltiplos ângulos. A pintura cubista surgiu em 1907 e
conheceu seu declínio com a 1 Guerra Mundial. A proposta cubista centrava-se na liberdade que o
artista deveria ter para decompor e recompor a realidade a partir de seus elementos geométricos;
segundo Picasso, “o trabalho do artista não é copia nem ilustração do mundo real, mas um
acréscimo novo e autônomo” (o que teria levado o pintor espanhol a afirmar que “a arte é uma
mentira que nos faz perceber a verdade”).
O trabalho mais revolucionário de Picasso foi a tela Les Demoiselles d’ Avigon, de 1907,
considerada a primeira obra cubista. Influenciado pela cultura africana Picasso retrata cinco
mulheres de um bordel francês em poses sensuais (repare nos braços levantados realçando as
formas do busto): as duas mulheres ao centro têm expressões de andaluzas (sul da Espanha,
onde nasceu o pintor); as outras três têm feições que lembram máscaras africanas. A ruptura com
a forma de ver o mundo por uma única perspectiva pode ser exemplificada com a mulher sentada
à direita: seu corpo é visto de costas e seu rosto, de frente.
Na literatura, cubismo viveu seu primeiro momento com um manifesto — síntese assinado
por Guillaume Apollinaire (1880-1918) e publicado em 1913. A literatura valoriza a proposta da
vanguarda européia de aproximar o máximo as várias manifestações artísticas (pintura, música,
literatura, escultura), preocupando-se com a construção de texto e ressaltando a importância dos
espaços em branco e em preto da folha de papel e da impressão tipográfica. No Brasil, essa
característica viria a influenciar Oswald de Andrade, na década de 20, e a chamada poesia
concreta da década de 60. Apollinaire defendia as “palavras em liberdade” e a “invenção de
palavras”, e propunha a “destruição das sintaxes já condenadas pelo uso”, criando um texto
marcado pelos substantivos soltos, jogados aparentemente de forma anárquica, e pelo
menosprezo por verbos, adjetivos e pontuação. Pregava ainda a utilização do verso livre e a
conseqüência negação da estrofe, da rima e da harmonia. Assim como na pintura, as colagens e o
reaproveitamento de outros materiais passaram a ser incorporados pelos textos poéticos.
Como exemplo de texto cubista, temos o famoso poema de Apollinaire, “La colombe
poignardée et le jet d’ e au” (A pomba apunhalada e o jato d’ água). Ao lado, temos a tradução
realizada por Patrícia Galvão, a Pagu, no jornal Diário de São Paulo, edição de 18 de maio de
1947.
O Dadaísmo
Em 1916, em plena guerra, quando tudo fazia supor uma vitória alemã, um grupo de
refugiados em Zurique, na Suíça, inicia o mais radical movimento da vanguarda européia: o
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Dadaismo. A própria palavra dadá, escolhida (segundo eles, ao acaso) para batizar o movimento,
não significa nada. Negando o passado, o presente e o futuro, o Dadaísmo é a total falta de
perspectiva diante da guerra; daí ser contra as teorias, as ordenações lógicas, pouco se
importando com o leitor. Aliás, também éconta o manifesto, como afirma um de seus iniciadores,
Tristan Tzara (1896-1 963), em seu Manifesto Dadá 1918:
“Eu escrevo um manifesto e não quero nada, eu digo portanto certas coisas e sou por
princípio contra os manifestos, como sou também contra os princípios.”
Importante era criar palavras pela sonoridade, quebrando as barreiras do significado;
importante era o grito, o urro contra o capitalismo burguês e o mundo em guerra. A propósito, no
prefácio a Paulicéia desvairada, Mário de Andrade assim de manifesta sobre a leitura da poesia
“Ode ao burguês”: “Quem não souber urrar não leia ‘Ode ao burguês”.
São palavras de Tristan Tzara:
“Que cada homem grite: há um grande trabalho destrutivo, negativo, a executar. Varrer,
limpar. A propriedade do individuo se afirma após o estado de loucura, de loucura agressiva,
completa, de um mundo abandonado entre as mãos dos bandidos que rasgam e destroem os
séculos.”
Que terminam assim:
“Liberdade: DADÁ DADÁ DADÁ, uivos das dores crispadas, uivos das dores crispadas,
entrelaçamento dos contrários e de todas as contradições, das inconseqüências: A VIDA.”
O Surrealismo
O Manifesto Surrealismo foi lançado em Paris, em 1924, por André Breton (1896-1970), um
ex-participante Dadaísmo que rompera com Tzara. Ë importante salientar que o Surrealismo é um
movimento de vanguarda iniciado no período entre guerras, ou seja, foi criado sobre as cinzas da
1 Guerra Mundial e sobre a experiência acumulada de todos os outros movimentos. Entretanto,
suas origens estão mais próxima do Expressionismo e da sondagem do mundo interior, em busca
do homem primitivo, da liberação do inconsciente, da valorização do sonho. Como afirma EH.
Gombrich, em sua História da arte:
“(...) Ficaram altamente impressionados com os escritos de Sigmund Freud, os quais
demonstram que, quando os nossos pensamentos em estado de vigília são entorpecidos, a criança
e o selvagem que existem em nós passam a dominar. Foi essa idéia que fez os surrealista
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proclamarem que a arte nunca pode ser produzida pela razão inteiramente desperta. Admitem que
a razão pode dar-nos a ciência mas afirmam que só a não — razão pode dar-nos a arte.”
Em Salvador Dali, o mais extravagante dos surrealistas, a influência de Freud é marcante.
São temas recorrentes em suas obras: o sexo (e todas as suas atribuições:
angústia, medos, frustrações, traumas), a memória (sua permanência ou dissipação por
relógio que se diluem), o sono e o sonho..
9 - O Pré-Modernismo
Historicamente, há quem afirme que o século XX só se inicia, de fato, com a eclosão da 1
Guerra Mundial. No Brasil os, primeiros vinte anos do século apresentaram uma vasta e
diversificada produção literária. De fato, essas duas décadas marcam um longo período de
transição entre o que era o passado (representado pelas manifestações que se prolongavam desde
o século XIX) e o que seria chamado de moderno (a arte posterior às tendências de vanguarda).
Aí vamos encontrar as mais variadas tendências e estilos literários, desde os poetas parnasianos e
simbolistas, que continuavam a produzir, até os escritores que começavam a desenvolver um novo
regionalismo, além daqueles mais preocupados com uma literatura política e outros, ainda, com
propostas realmente inovadoras.
O que se convencionou chamar de Pré — Modernismo, no Brasil, não constitui uma “escola
literária”, ou seja, não temos um grupo de autores afinados em torno de um mesmo ideário,
seguindo determinadas características. Na realidade, Pré — Modernismo é um termo genérico que
designa a produção literária de alguns autores que, não sendo ainda modernos, já promovem
rupturas com o passado.
Por apresentarem uma obra significativa para uma nova interpretação da realidade brasileira
e por seu valor estilístico, limitaremos o Pré — Modernismo ao estudo de Euclides da Cunha, Lima
Barreto, Graça Aranha, Monteiro lobato e Augusto dos Anjos. Assim, abordaremos o período que
se inicia em 1902, com a publicação de dois importantes livros — Os sertões, de Euclides da
Cunha, e de Canãa Graça Aranha -e se estende até o ano de 1922, com a realização da Semana
de Arte Moderna.
Características
Apesar de o Pré- Modernismo não constituir uma “escola literária”, por apresentar
individualidades muito fortes, com estilos às vezes antagônicos — como é o caso, por exemplo, de
Euclides da Cunha e de Lima Barreto -, podemos perceber alguns pontos comuns às principais
obras desse período:
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- Ruptura com o passado, com o academicismo — Apesar de algumas posturas que podem ser
consideradas conservadoras, há esse caráter inovador em determinadas obras. A Linguagem
de Augusto dos Anjos, por exemplo, ponteada de palavras “não —poéticas” (como cuspe,
vômito, escarro, vermes), era uma afronta à poesia parnasiana ainda em vigor. Lima Barreto
ironiza tanto os escritores “importantes” que utilizavam uma linguagem pomposa, quanto os
leitores que se deixavam impressionar: “Quanto mais incompreensível é ela [a linguagem],
mais admirado é o escritor que a escreve, por todos que não lhe entenderam o escrito”(Os
bruzundangas).
- Denúncia da realidade brasileira — Nega-se o Brasil literário herdado do Romantismo e do
Parnasianismo; o Brasil não — oficial do sertão nordestino, dos caboclos intenioranos, dos
subúrbios, é o grande tema do Pré — Modernismo.
- Regionalismo — Monta-se um vasto painel brasileiros: o Norte e o Nordeste com Euclides da
Cunha; o Vale do Paraíba e o interior paulista com Monteiro Lobato; o Espírito Santo com
Graça Aranha; o subúrbio carioca com Lima Barreto.
- Tipos humanos marginalizados — O sertanejo nordestino, o caipira, os funcionários públicos,
os mulatos.
- Ligação com fatos políticos, econômicos e sociais contemporâneos — Diminuiu a distância
entre a realidade e a ficção. São exemplos: Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto
(retrata o governo de Floriano e a Revolta da Armada), Os sertões, de Euclides da Cunha (um
relato da Guerra de Canudos), Cidade Mortas, de Monteiro Lobato (mostra a passagem do café
pelo Vale do Paraíba Paulista), e Canãa, de Graça Aranha (um documento sobre a imigração
alemã no Espírito Santo).
Como se observa a “descoberta do Brasil” é o principal legado desses autores para o
movimento modernista, iniciado em 1922.
Produção Literária
Euclides da Cunha
Embora apresente uma visão de mundo profundamente determinista — no prefácio de Os
sertões cita Hypolite Taine, o “pai do determinismo” -, cientificista e naturalista, Euclides da Cunha
deve ser estudado como um pré — modernista pela denúncia que faz da realidade brasileira,
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trazendo à luz, pela primeira vez em nossas letras, as verdadeiras condições de vida do Nordeste
brasileiro. Daí o caráter revolucionário de Os sertões, como se pode ver na apresentação da obra,
feita pelo autor:
“Intentamos esboçar, palidamente embora, antes o olhar de futuros historiadores, os traços atuais
mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil.”
Para tanto, trata em sua obra da Campanha de Canudos, documento vivo dos contrastes
entre o Brasil que “vive parasitariamente à beira do Atlântico” e aquele outro Brasil dos
“extraordinários patrícios” do sertão nordestino. Ao mesmo tempo, para ele Canudos é um símbolo
dos erros cometidos pela República, que avaliou de forma equivocada os problemas nacionais — a
revolta no sertão baiano foi considerada um foco monarquista que colocava em risco a vida
republicana.
Em seus primeiros artigos sobre Canudos, quando estava na relação de O Estado de São
Paulo, Euclides da Cunha tachava a revolta liderada por Antônio Conselheiro de “foco
monarquista”, embora já demostrasse preocupação com as condições sub-humanas do povo da
região. Nessa época, sua visão era influenciada pelas informações que recebia, as quais
primeiramente passavam por um “filtro” no Rio de Janeiro. Só quando pisou o solo baiano, como
correspondente de guerra do jornal paulista, é que compreendeu o drama de Canudos em toda a
sua extensão e o porquê daquela rebelião: percebeu que não se tratava de uma luta por um
sistema de governo, mas sim contra uma estrutura que já se arrastava por três séculos. Afirma o
autor:
“(...)Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da
palavra, um crime. Denunciemo-lo.”
Este é um outro aspecto do livro - a denúncia do extermínio aproximadamente 25 mil
pessoas no interior baiano. Se a princípio pretendia apenas fazer um relato da luta, Euclides da
Cunha acabou realizando um verdadeiro painel do sertão nordestino. A obra é dividida em três
partes:
- A terra — Uma detalhada descrição da região respaldada em seus amplos conhecimentos das
Ciências Naturais: a geologia, o clima (há um capítulo intitulado Hipótese sobre a gênese das
secas”) e o relevo. Essa parte é ilustrada por mapas do relevo e da hidrografia feitos pelo
próprio Euclides da Cunha.
- O homem — Um elaborado trabalho sobre a etnologia brasileira: a ação do meio da fase inicial
da formação das raças, a gênese dos mestiços; uma brilhante análise de tipos distintos, como
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o gaúcho e o jagunço; nesse cenário introduz a figura mística de Antônio Conselheiro. Ao falar
sobre o homem do sertão, Euclides da Cunha criou um verdadeiro bordão: O sertanejo é,
antes de tudo, um forte.”
- A luta — Só nesta terceira parte da obra Euclides relata o conflito; nas duas primeiras descreve
o cenário e os personagens. Dessa forma, justifica a luta. Seu relato do dia —a dia da guerra é
a denúncia de um crime.
Assim, Euclides da Cunha vai colocar-nos diante de um país diferente do que até então se
costumava retrata: a um Peri, a uma Iracema, a um tupi de “I - Juca Pirama”, contrapõe o
sertanejo, o jagunço, a “sub-raça”. Sem dúvida, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, por
conseguir sobreviver em condições tão adversas.
10 — O Modernismo
O Modernismo teve início com a Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de
São Paulo nos dias 13,15 e 17 de fevereiro de 1922. Idealizada por um grupo de artistas, a
Semana pretendia colocar a cultura brasileira a par das correntes de vanguarda do pensamento
europeu, ao mesmo tempo que pregava a tomada de consciência da realidade brasileira. Nada
melhor que as palavras de Mário de Andrade em sua formosa conferência “O Movimento
Modernista”, promovida pela Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, em 30 de abril de
1942, para dimensionar o acontecimento:
“Manifestado especialmente pela arte, mas manchado também com violência os costumes
sociais e políticos, o movimento modernista foi prenunciador, o preparador e por muitas partes o
criador de um estado de espírito nacional. A transformação do mundo, com o enfraquecimento
gradativo dos grandes impérios, com a prática européia de novos ideais políticos, a rapidez dos
transportes e mil e uma outras causas internacionais, bem como o desenvolvimento da consciência
americana e brasileira, os progressos internos da técnica e da educação, impunha a criação de um
espírito novo e exigiam a reverificação e mesmo a remodelação da Inteligência nacional. Isto foi o
movimento modernista, de que a Semana de Arte Moderna ficou sendo o brado coletivo principal.”
Portanto a Semana de Arte Moderna deve ser vista não só como um movimento artístico,
mas também como um movimento político e social. Para compreendê-la melhor, façamos uma
rápida análise de situação socioeconômica do Brasil nas duas primeiras décadas do século XX.
O Primeiro Momento Modernista
“E vivemos uns oito anos, até perto de 1930, na
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maior orgia intelectual que a história artística do
pais registra.”
(Mário de Andrade)
Realizada a Semana de Arte Moderna e ainda sob os ecos das vaias e gritarias, tem início
uma primeira fase modernista, que se estende de 1922 a 1930, caracterizando-a pela tentativa de
definir a marcar posições. Constitui, portanto, um período rico em manifestos revistas de vida
efêmera: são grupos em busca de definição.
Nessa década, a economia mundial caminha para um colapso, que se concretizaria com a
quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929. O Brasil vive os últimos anos da chamada
República Velha, ou seja. O período de domínio político das oligarquias ligadas aos grandes
proprietários rurais. Não por mera coincidência, a partir de 1922, com a revolta militar do Forte de
Copacabana, o Brasil passa por um momento realmente revolucionário, que culminaria com a
Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas.
Nelson Werneck Sodré, ao analisar as décadas de 1920 e 30 em História da literatura
brasileira, explica:
“Nesse processo verificamos a seriação das manifestações político —militares iniciadas com
os disparos dos canhões de Copacabana, em 1922, e encerradas com es o internamento da Coluna
Prestes na Bolívia. Tais manifestações, inequivocamente de classe média, assinalavam o crescendo
na disputa pelo poder. Nele verificamos, ainda, a seriação de manifestações de rebeldia artística a
que se convencionou chamar Movimento Modernista, também tipicamente de classe média.”
De 1930 a 1945, o movimento modernista vive uma segunda fase, a qual reflete as
transformações por que passou o pais, que inaugura uma outra etapa de sua vida republicana.
Características
O período de 1922 a 1930 é o mais radical do movimento modernismo, justamente em
conseqüência da necessidade de definição e do rompimento com todas as estruturas do passado.
Dai o caráter anárquico dessa primeira fase e seu forte sentido destruidor, assim definido por
Mário de Andrade:
“(...) se alastro pelo Brasil o espírito destruidor do movimento modernismo. Isto é, o seu
sentido verdadeiramente específico. Porque, embora lançado inúmeros processos e idéias novas, o
movimento modernista foi essencialmente destruidor (...)
Mas esta destruição não apenas continha todos os germes da atualidade, como era uma
convulsão profundissima da realidade brasileira. O que caracteriza esta realidade que o movimento
modernista impôs é.. a meu ver, a fusão de três princípios fundamentais: o direito permanente à
pesquisa estética; a atualização da inteligência artística brasileira e a estabilização de uma
consciência criadora nacional.”
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Ao mesmo tempo que se procura o moderno, o original e o polêmico, o nacionalismo se
manifesta em suas múltiplas facetas: uma volta às origens, a pesquisa de fontes quinhentista, a
procura de uma língua brasileira” (a língua falada pelo povo nas ruas), as paródias — numa
tentativa de repensar a história e a literatura brasileira —e a valorização do índio verdadeiramente
brasileira. É o tempo do Manifesto da Poesia Pau — Brasil e do Manifesto Antropófago, ambos
nacionalistas na linha comandada por Oswald de Andrade, e do Manifesto do Verde — Amarelismo
ou Escola da Anta, que já traz as sementes do nacionalismo fascista comandado por PIínio
Salgado.
Como se percebe já no final da década de 20, a postura apresenta duas vertentes distintas:
de um lado, um nacionalismo crítico, consciente, de denúncias da realidade brasileira,
politicamente identificado com as esquerdas; de outro, um nacionalismo ufanista, utópico,
exagerado, identificado com as correntes políticas de extrema direita.
Dentre os principais nomes dessa primeira fase do Modernismo e que continuariam a
produzir nas décadas seguintes, destacam-se Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel
Bandeira, Antonio de Alcântara Machado, além de Menotti deI Pichia, Cassiano Ricardo, Guilherme
de Almeida e Plínio Salgado.
As revistas e os manifestos
• Klaxon
Eis alguns trechos do “manifesto” que abriu o primeiro número da revista:
“Klaxon sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente. Klaxon não se
preocupará de ser novo, mas de ser atual. Essa é a grande lei da novidade.
(. .. )
Klaxon sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado, caminha para diante,
sempre, sempre.(...)
Klaxon não é exclusivista. Apesar disso jamais publicará inéditos maus de bons escritores já
mortos.
Klaxon não é futurista.
Klaxon é Klaxista.
(. .. )
Klaxon cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época de 1920 em diante. Por
isso é polimorfo, onipresente, inquieto, cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado, feliz.”
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• Manifesto da Poesia Pau-Brasil
“Oswald de Andrade, numa viagem a Paris, do alto de um atelier da Place Clichy —umbigo
do mundo -‘ descobriu, deslumbrado, a sua própria terra. A volta à pátria confirmou, no
encantamento das descobertas manuelinas, a revelação surpreendente de que o Brasil existia.
Esse fato, de que alguns já desconfiavam, abriu seus olhos à visão radiosa de um mundo novo,
inexplorado e misterioso. Estava criada a poesia “pau —brasil’.”
• A Revista
“(...) Somos, finalmente, um órgão político. Esse qualificativo foi corrompido pela
interpretação viciosa a que nos obrigou o exercício desenfreado da politicagem. Entretanto, não
sabemos de palavra mais nobre que esta: política. Será preciso que temos um ideal? Ele se apóia
no mais decidido nacionalismo. A confissão desse nacionalismo constitui o maior orgulho da nossa
geração, que não pratica a xenofobia nem o chauvinismo, e que, longe de repudiar as correntes
civilizadoras da Europa, intenta submeter o Brasil cada vez mais ao seu influxo, sem quebra de
nossa originalidade nacional.”
• Verde — Amarelismo
O grupo verde — amarelista também faria publicar um manifesto no jornal Correio
Paulistano, edição de 17 de maio de 1929, intitulado “Nhengaçu Verde — Amarelo —Manifesto do
Verde — Amarelismo ou da Escola da Anta’, que, entre outras coisas, afirmava:
“O grupo ‘verdamarelo’, cuja é a liberdade plena de cada um ser brasileiro como quiser e
puder; cuja condição é a cada um interpretar o seu país e o seu povo através de si mesmo, da
própria determinação instintiva; - o grupo ‘verdamarelo’, à tirania das sistematizaçôes ideológicas,
responde com a sua alforria e a amplitude sem obstáculo de sua ação brasileira(...)
Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que faremos a
inevitável renovação do Brasil, como o fez, através de quatro séculos, a alma da nossa gente,
através de todas as expressões históricas.
Nosso nacionalismo é ‘verdamarelo’ e tupi. (...)
• Manifesto Regionalista de 1926
Os anos de 1925 a 1930 marcam a divulgação do Modernismo pelos vários estados
brasileiros. Assim é que o Centro Regionalista do Nordeste, com sede em Recife, lança o Manifesto
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Regionalista de 1926, em que procura “desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste” dentro
dos novos valores modernistas. Apresenta como proposta “trabalhar em prol dos interesses da
região nos seus aspectos diversos: sociais, econômico e culturais”. Além de promover
conferências, exposições de arte, congressos, o Centro editaria uma revista.
Vale lembrar que, a partir da década de 1930. O regionalismo nordestino resultou em
brilhantes obras literárias, com nomes que vão de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José
Américo de Almeida, Rachei de Queiroz e Jorge Amado, no romance, a João Cabral de Meio Neto,
na poesia.
• Revista de Antropofagia
A Revista de Antropofagia teve duas fases (ou “dentições”, segundo os antropófagos). A
primeira contou com 10 números, publicados entre os meses de maio de 1928 e fevereiro de
1929, sob a direção de Antônio de Alcântara Machado e a gerência de Raul Bopp. A Segunda
apareceu nas páginas do jornal Diário de São Paulo — foram 16 números publicados
semanalmente, de março a agosto de 1929, e seu “açougueiro” (secretário) era Geraldo Ferraz.
O movimento antropofágico como uma nova etapa do nacionalismo Pau — Brasil e como
resposta ao grupo verde — amarelista, que criara a Escola da Anta.
Em janeiro de 1928, Tarsilia do Amaral pintou uma tela para presentear seu então marido
Oswald de Andrade pela passagem de seu aniversário. A tela impressionou profundamente Oswald
e Raul Bopp, que a batizaram com o nome de Abaporu (oba, ‘homem”; poru, “que come”), daí
nascendo a idéia e o nome do movimento.
O Segundo Momento Modernista: Poesia
Recebendo como herança todas as conquistas da geração de 1922, a Segunda fase do
Modernismo brasileiro se estende de 1930 a 1945.
Período extremamente rico tanto em termos de produção quanto de prosa, reflete um
conturbado momento histórico: no plano internacional, vive-se depressão econômica, o avanço do
nazifascismo e a lI Guerra Mundial; no plano interno, Getúlio Vargas ascende ao poder e se
consolida como ditador, no Estado Novo. Assim a par das pesquisas estéticas, o universo temático
se amplia, incorporando preocupações relativas ao destino dos homens e ao “estar — no mundo”.
Em 1945, ano do fim da guerra, das explosões atômicas, da criação da ONU e no plano
nacional, da derrubada de Getúlio, abre-se um novo período na história literária do Brasil.
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Características
A poesia da Segunda fase do Modernismo representa um amadurecimento e um
aprofundamento da geração de 1922: é possível perceber a influência exercida por Mário e Oswald
de Andrade sobre os jovens que iniciaram sua produção poética após a realização da Semana.
Lembramos, a propósito, que Carlos Drummond de Andrade dedicou seu livro de estréia, ALGUMA
POESIA (1930), a Mário de Andrade. Murilo Mendes, com seu livro História do Brasil, seguiu a
trilha aberta por Oswald, repensando nossa história com muito humor e ironia, como ilustra o
poema “Festa familiar”:
"Em outubro de 1930
Nós fizemos - que animação!
Um pic-nic com carabinas."
Formalmente, os novos poetas continuam a pesquisar estéticas iniciadas na década anterior,
cultivando o verso livre e a poesia sintética, de que é exemplo o poema “Cota zero”, de
Drummond:
"Stop.
A vida parou
Ou foi o automóvel?"
Entretanto, é na temática que se percebe uma nova postura artística: passa-se a questionar
a realidade com mais vigor e, fato extremamente importante: o artista passa a se questionar como
indivíduo e como artista em sua “tentativa e de interpretar o estar — no — mundo”. O
resultado é uma literatura mais construtiva e mais politizada, que não quer e não pode se afastar
das profundas transformações ocorridas nesse período; daí também de uma corrente mais voltada
para o espiritualismo e o intimismo caso de Cecilia Meireles, de Jorge de Lima, de Vinícius de
Moraes e de Murilo Mendes em determinada fase.
É um tempo de definições, de compromissos, de aprofundamento das relações entre o “eu”
e o mundo, mesmo com a conseqüência da fragilidade do “eu”. Observando três momentos de
Carlos Drummond de Andrade em seu livro Sentimento do mundo (o título é significativo), com
poesias escritas entre 1935 e 1940:
“Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo”
Mais adiante, em verdadeira profissão de fé, declara:
“Não, meu coração não é maior que o mundo.
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E muito menor.
Nele não cabem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
Por isso me grito,
Por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
Preciso de todos.”
Essa consciência de ter “apenas” duas mãos e de o mundo ser tão grande, longe de
significar derrotismo, abre como perspectiva única para enfrentar esses tempos difíceis a união, as
soluções coletivas:
“O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”
Produção Literária
Murilo Mendes
Sua trajetória no Modernismo brasileiro é curiosa: das sátiras e poemas — piadas ao estilo
oswaldino, caminha para uma poesia religiosa, sem perder contato com a realidade social: o
próprio poeta afirma que o social não se opõe ao religioso. Essa convicção lhe permite
acompanhar todas as transformações vividas pelo século XX, quer no campo econômico e político
— a guerra foi tema de vários de seus poemas -, quer no campo artístico — Murilo Mendes foi o
poeta modernista brasileiro que mais se identificou com o Surrealismo europeu.
Já em seu livro de estréia — Poemas (1930) — apresentava novas formas de expressão,
versos vivíssimos e livre associação de imagens e conceitos, características presentes em toda a
sua poética:
“Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo, ando debaixo da pele e sacudo os
sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
Todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
Destelho as casas penduradas na terra,
Tiro o cheiro dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
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a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatros cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigos.
Sou o espírito que assiste à Criação
E que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo,
Nada me fixa nos caminhos do mundo.”
(Cantiga de Malazarte’)
A partir de Tempo e eternidade (1935), escrito em parceria com Jorge de Lima, Murilo passa
a cultivar a poesia religiosa, mística, de “restauração da poesia em Cristo”. Sua obra ganha em
densidade, uma vez que, apesar do dilema entre a Poesia e a Igreja, o finito e o infinito, o
material e o espiritual, o poeta não abandona a temática social. Surge dai a consciência do caos,
de um mundo esfacelado, de uma civilização decadente, tema constante em sua obra. A tarefa do
poeta é tentar ordenar esse caos, utilizando-se para isso da lógica, da criatividade e do poder
libertação do trabalho poético. São significativos os títulos de suas obras: A poesia em pânico, O
visionário, As metamorfoses. Mundo enigma, Poesia liberdade.
O Período de 1930 a 1945
O período de 1930 a 1945 registrou a estréia de alguns dos nomes mais significativos do
romance brasileiro. Assim é que, refletindo o mesmo histórico e apresentando as mesma
preocupações dos poetas da década de 30, encontramos autores como José Lins do Rego,
Graciliano Ramos, RacheI de Queiroz, Jorge Amado e Érico Veríssimo, que produzem uma
literatura de caráter mais construtivo, mais maduro, aproveitando as conquistas da geração de
1922 e sua prosa inovadora.
As transformações vividas pelo país com a Revolução de 1930 e o conseqüente
questionamento das tradicionais oligarquias, os efeitos da crise econômica mundial e os choques
ideológicos que levaram a posições mais definidas e engajadas formavam um campo propício ao
desenvolvimento de um romance caracterizado pela denúncia social — verdadeiro documentos da
realidade brasileira -, em que as relações “eu” / mundo atingiam elevado grau de tensão.
José Lins do Rego, na conferência “Tendência do Romance Brasileiro”, pronunciada em
1943, destaca com muito vigor e emoção o encontro do escritor com seu povo, uma das
característica do moderno romance brasileiro:
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“Nós, no Brasil, queremos, acima de tudo, nos encontrar com o povo, que andava perdido. E
podemos dizer que encontramos este povo fabuloso, espalhados nos mais distantes recantos de
nossa terra. O romance de nossos dias está todo batido nesta massa, está todo composto com a
carne e o sangue de nossa gente. O mestre Manuel Antônio de Almeida, em 1850, nos dera o
roteiro. O segredo era chegar até o povo. Ele tinha todo o oiro, toda a alma, todo o sangue para
nos dar a verdadeira grandeza. Sem ele não haveria eternidade. Sem o povo não haveria
eternidade. O nosso romance tem um século. Justamente em 1854 publicava-se no Brasil o
primeiro romance. Levamos uns anos para chegar ao povo. Hoje, podemos dizer, já podemos
afirmar: o povo é em nossos dias herói de nossos livros. Isto equivale a dizer que temos uma
literatura.”
Nessa busca do homem brasileiro “espalhado nos mais distantes recantos de nossa terra”, o
“regionalismo” ganha uma importância até então não alcançada na literatura brasileira, levando ao
extremo as relações do personagem com o meio natural e social: “A culpa foi minha, ou antes, a
culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste”, afirma Paulo Honório, personagem —
narrador do romance São Bernardo de Graciliano Ramos.
Destaque especial merecem os escritores nordestinos que vivenciaram a passagem de um
Nordeste medieval para uma nova realidade capitalista e imperialista. Jorge Amado assim se
manifesta no prefácio ao romance São Jorge dos Ilhéus.
“Em verdade este romance e o anterior, Terras do sem —fim, formam uma única história: a
dos terras do cacau no sul da Bahia. Nesses dois livros tentei fixar, com imparcialidade e paixão, o
drama da economia cacaueira, a conquista da terra pelos coronéis feudais no princípio do século, a
passagem das terras para as mãos ávidas dos exportadores nos dias de ontem. E se o drama da
conquista feudal é épico e da conquista imperialista é apenas mesquinho, não cabe culpa ao
romancista.”
Poderíamos acrescentar ainda outros temas abordados por esses autores: nas regiões de
cana, decadência dos bangues e engenhos, devorados pelas modernas usinas — ponto
fundamental dos romances de José de Lins do Rego -, o poder político nas mãos de interventores,
as constantes secas acirrando as desigualdades sociais e gerando mão-de-obra baratíssima, o
intenso movimento migratório, a miséria, a fome.
O primeiro romance representativo do regionalismo nordestino, que teve seu ponto de
partida no Manifesto Regionalista de 1926, foi A bagaceira, de José Américo de Almeida, publicado
em 1928. Verdadeiro marco na história literária do Brasil, sua importância deve-se mais à temática
(a seca, os retirantes, o engenho) e ao caráter social do que a seus valores estéticos.
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Produção Literária
Rachel de Queiroz
A obra de Rachei de Queiroz é marcada pelo caráter fortemente regionalista dos romances
modernista: o Ceará, sua gente, sua terra, as secas são referências constantes em seus romances,
escritos numa linguagem fluente e de diálogo fáceis, o que resulta em uma narrativa dinâmica. Em
seus primeiros romances — O Quinze e João Miguel — os aspectos social e psicológico coexistem,
embora o primeiro superponha-se ao segundo. Em Caminhos de pedras atinge o ponto máximo da
literatura engajada e esquerdizante:
é seu romance mais social, mais político; foi publicado em 1937, no início do Estado Novo de
Getúlio Vargas.
A partir de então, em decorrência da situação adversa, a romancista abandona pouco a
pouco o aspecto social, passando a valorizar a análise psicológica, diretriz que pode ser percebida
no romance As três Marias.
O romance mais popular de Rachei de Queiroz é, sem dúvida O Quinze, cujo título refere-se
à grande seca de 1915, vivida pela escritora em sua infância. Na narrativa, destacam-se duas
situações: primeira, a seca e as conseqüências acarretadas tanto para o vaqueiro Chico Bento e
sua família, como para Vicente, grande proprietário e criador de gado: em outro plano, a relação
afetiva entre Vicente, moço mas rude, e Conceição, moça culta da capital. Embora o romance
denuncie as condições adversas em que vive o nordestino, é interessante notar que não apresenta
a má distribuição das terras como o problema maior do Nordestino: grandes proprietárias e pobres
trabalhadores são pintados com as mesmas cores: são ambos heróicos e igualmente batidos pelo
inimigo comum — a seca.
José Lins do Rego
José Lins do Rego apelou constantemente para as recordações da infância e da adolescência
para compor seu ciclo da cana — de — açúcar série de romance de caráter memorialista que
retratam a Zona da Mata nordestina num período crítico de transição: a decadência dos engenhos,
esmagados pelas poderosas usinas. Em todo o ciclo, o cenário é o engenho Santa Rosa , do velho
coronel Zé Paulino, avô de Carlos de Meio (o narrador de Menino de engenho, que, em muitas
passagens, é o próprio José Lins do Rego). Além deles, povoam o Santa Rosa o tio Juca, os
moleques — filhos dos empregados — que vivem soltos pelos engenhos e brincam com os
meninos filhos dos proprietárias — na ingênua igualdade da infância, apesar dos preconceitos dos
adultos:
Voc6e está um negro, me disse Tia Maria. Chegou tão alvo, e nem parece gente branca. Isto
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faz mal. Os meninos de Emilia já estão acostumados, você não. De manhã à noite, de pés no
chão, solto como um bicho. Seu avô ontem me falou nisto. Você é um menino bonzinho, não vá
atrás destes moleques para toda parte. As febres estão dando por aí. O filho do seu Fausto, no
Pilar, há mais de um mês que está de cama. Para a semana vou começar a lhe ensinar as letras.”
O próprio José do Rego, no prefácio ao romance Usina, pinta um excelente painel desse ciclo
em toda a sua evolução:
“Com Usina termina a série de romances
que chamei um tanto enfaticamente de ‘ciclo
da cana-de-açúcar’.
A história desses livros é bem simples:
- Comecei querendo apenas escrever umas
Memórias que fossem as de todos os meninos
Criados nas casas — grandes dos engenhos
nordestinos. Seria apenas um pedaço da vida o que
eu queria contar. Sucede, porém, que um romancista
é muitas vezes o instrumento apenas de forças
que se acham escondidas no seu interior.
Veio, após o Menino de engenho, Doidinho, e em seguida, Bangue. Carlos de Meio havia
crescido, sofrido e fracassado. Mas o mundo do Santa Rosa não era só Carlos de Meio. Ao lado dos
meninos de engenho havia os que nem o nome de menino podiam usar, os chamados ‘moleques
de bagaceira’, os Ricardos, Ricardo foi viver por fora do Santa Rosa a sua história que é tão triste
quanto a do seu companheiro Carlinhos. Foi ele do Recife a Fernando de Noronha. Muita gente
achou-o parecido com Carlos de Meio. Pode ser que se pareçam. Viveram tão juntos um do outro,
foram tão íntimos na infância, tão pegados (muitos Carlos beberam do mesmo leite materno dos
Ricardos) que não seria de espantar que Ricardo e Carlinhos se assemelhassem. Pelo contrário.
Depois de Moleque Ricardo veio Usina, a história do Santa Rosa arrancado de suas bases,
espatifado, com máquinas de fábrica, com ferramentas enormes, com moendas gigantes
devorando a cana madura que as suas terras fizeram acamar pelas várzeas. Carlos de Meio,
Ricardo e Santa Rosa se acabam, têm o mesmo destino, estão tão intimamente ligados que a vida
de um tem muito da vida do outro. Uma grande melancolia os envolve de sombras. Carlinhos foge,
Ricardo morre pelo seus e o Santa Rosa perde até o nome, se escraviza.”
Esses titulas foram lançados entre 1932 e 1936. Entretanto, em 1943, José Lins publicaria
um romance que é considerado síntese de todo o ciclo Fogo morto, ponto máximo de sua obra.
Além do ciclo da cana, José do Rego abordou outros aspectos típicos da vida nordestina,
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como o misticismo e o cangaço, presentes em Pedra Bonita e Cangaceiros. A provável fonte
temática, bem como a oralidade da narrativa, nesses casos, teria sido a literatura de cordel, como
afirma o próprio autor:
“(...) Os cegos cantadores, amados e ouvidos pelo povo, porque tinham o que dizer, tinham
o que contar. Dizia-lhe então: quando imagino meus romances, tomo sempre como modo de
orientação o dizer as coisas como elas surgem na memória, com ajeito e as maneiras simples dos
cegos poetas.”
Água-mãe e Eurídice são os únicos romances de José Lins ambientados fora do Nordeste e,
nas palavras do próprio autor, “desligados da cana — de — açúcar e do cangaço, misticismo e
seca”.
Graciliano Ramos
Graciliano Ramos é hoje considerado por grande parte da crítica nosso melhor romancista
moderno. Além disso, é tido como o autor que levou ao limite o clima de tensão presente nas
relações homem x meio natural, homem x meio social, tensão essa geradora de um conflito
intenso, capaz de moldar personalidade e de transfigurar o que os homens têm de bom. Nesse
contexto violento, a morte é uma constante; é o final trágico e irreversível, decorrente de
relacionamento impraticáveis. Assim, encontramos suicídios em Caetés e São Bernardo, um
assassinato em Angústia e as mortes do papagaio e da cadela Baleia em Vidas secas.
Em seus romances, a lei maior é a da selva. Portanto, a luta pela sobrevivência parece ser o
grande ponto de contato entre todos os personagens. Em conseqüência, uma palavra se repete
em toda a obra do escritor: bicho, ou ainda, como no inicio de Vidas secas, viventes, aqueles que
só têm uma coisa a defender — a vida:
“Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia
do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por
ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça os ossos do amigo, e não guardava
lembrança disto.”
As condições sub-humanas nivelam animais e pessoas. Pensemos um pouco nessa curiosa
“família”: dois humanos adultos, identificados pelos nomes Fabiano e Sinhá Vitória (ales não têm
sobrenome), dois humanos infantis sem nome, identificados como “o mais velho” e “o mais novo”,
e dois bichos — o papagaio e a cachorra Baleia -‘um identificado pela espécie, outro nome próprio.
O papagaio é sacrificado, devorado canibalisticamente, em nome da sobrevivência dos demais; a
cadela Baleia também é sacrificada em nome da sobrevivência dos demais — doente, ela atrapalha
a caminhada da família.
A tensão permeia toda a obra de Graciliano Ramos: evolui de Caet é até Vidas secas, num
crescendo que passa por São Bernardo e Angústia. Acentua-se ainda mais na passagem da ficção
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à realidade, atingindo o ápice no livro em que relata suas experiências na cadeia, o qual,
entretanto, ultrapassa o plano pessoal para retratar o Brasil em importante momento histórico,
quando a convivência homem! meio social torna-se impossível. A obra é universal se consideramos
que descreve as humilhações sofridas por todos os prisioneiros políticos na ausência de um estado
de direito.
O critico Antônio Cândido divide a obra de Graciliano em três categorias:
a) Romance narrados em primeira pessoa (Caet é, São Bernardo e Angústia), nos quais se
evidencia a pesquisa progressiva da alma humana, ao lado do retrato e da análise social.
b) Romance narrado em terceira pessoa (Vidas secas), no qual se enfocam os modos de ser
e as condições de existência, segundo uma visão distanciada da real idade.
c) Autobiografias (Infância e Memórias do Cárcere), em que o autor se coloca como
problema e como caso humano; nelas transparece uma irresistível necessidade de depor.
E o crítico conclui:
“(... )no ângulo da sua arte, há um desejo intenso de testemunhar sobre o homem, e que
tanto os personagens criados quanto, em seguida, ele próprio, são projeções deste impulso
fundamental, que constitui a unidade profunda dos seus livros.
Graciliano Ramos é autor de enredos que envolvem a seca, o latifúndio, o drama dos
retirantes, a caatinga, a cidade. Seus personagens são seres oprimidos, moldados pelo meio —
Luis da Silvam, pela cidade; Paulo Honório e Fabiano, pelo sertão. E dentro das estruturas
vigentes, não há nada a fazer a não ser aceitar a força do “inevitável”. Dai Rolando Morei Pinto,
em brilhante tese sobre o autor, afirmar que as construções de Graciliano Ramos acabam sempre
em palavras de sentido negativo e, principalmente, na palavra inútil:
“Parece que, dentro da posição pessimista e negativista do autor, segundo a qual as pessoas
nunca fazem o que desejem, mas o que as circunstâncias impõem, gestos, intenções, desejos e
esforços, tudo se torna inútil.”
O Romance da Geração de 30
A única salda seria mudar as estruturas e o sistema que geram Paulo Honório e sua
ambição, o burguês Julião Tavares e os prepotentes soldados amarelos, estes últimos símbolo da
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ditadura Vargas.
Do ponto de vista formal, Graciliano Ramos talvez seja o escritor brasileiro de linguagem
mais sintética. Em seus textos enxutos, a criação atinge seu clímax: não há uma palavra a mais ou
a menos. Trabalha a narração com a mesma mestria, tanto em primeira como em terceira pessoa.
Mudança
(Fragmentos da Vidas secas)
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham
caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas
como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia
horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos
pelados da caatinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e
o baú de folha na cabeça. Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa
correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a
cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se
no chão.
Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno
esperneou acuado, depois sossegou, deito-se, fechou os olhos. Fabiano ainda deu algumas
pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos,
zangado, praguejando baixo.
Jorge Amado
Jorge Amado representa o regionalismo baiano da zona rural do cacau e da zona urbana de
Salvador. Sua grande preocupação foi fixar tipos marginalizados para, através deles, analisar toda
uma sociedade. Seus romances, vazados numa linguagem que retrata o falar do povo — o que lhe
tem valido críticas dos mais puristas -, são marcados pelo lirismo e pela postura ideológica. Acerca
deste último aspecto, Jorge
Amado nunca fez segredo de suas posições políticas, seja como homem público, seja como
escritor, e não só dedicou alguns livros a Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, como
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escreveu uma biografia do líder comunista brasileiro.
Podemos notar, no entanto, posições mais amenas em seus romances posteriores à década
de 50. De Seara vermelho, por exemplo, para Dona Flor e seus dois maridos, há uma distância
clara e evidente, embora negada pelo autor em suas entrevistas. O primeiro é mais político,
revolucionário, ao passo que o último é mais lírico, caracterizado por um certo humorismo extraído
do cotidiano.
Esse fato tem levado as críticos a compartimentar sua obra em:
a) romances proletários — retratam a vida urbana em Salvador, com forte coloração social, como
é o caso de Suor, O país do Carnaval e Capitães de areia.
b) Ciclo do cacau — seus temas são as fazendas de cacau de Ilhéus e ltabuna, a exploração do
trabalhador rural e os exportadores — a nova força econômica da região. Cacau, Terras do
sem — fim e São Jorge dos Ilhéus pertencem a esse ciclo. O próprio autor afirma “A luta do
cacau tornou-me um romancista”.
c) Depoimentos Líricos e crônicos de costumes — essa fase, iniciada com Jubiab áe Mar morto, se
consolidaria com Gabriela, cravo e canela (que, apesar de apresentar a zona cacaueira como
cenário, é uma crônica de costumes), estendendo-se às últimas produções do autor.
Evidentemente, essa divisão encerra apenas uma finalidade didática.
Finalmente, se há uma palavra — chave que perpassa toda a obra de Jorge Amado, essa
palavra é liberdade, tanto no plano individual como no plano social. Como exemplo maior,
verdadeiro hino dessa procura de liberdade em todos os níveis, citaríamos a pequena obra —
prima que é a novela A morte e a morte de Quincas Berro d’água
Érico Veríssimo
E rico Veríssimo é o representante gaúcho do regionalismo modernista. Parte de seus
romances — desde Clarissa até Saga, passando por Música ao longo, Caminhos e Olhai os Lhos do
campo —retrata a vida urbana da provinciana Porto Alegre, a crise da sociedade moderna, cuja
nota marcante é a falta de solidariedade, o cotidiano caótico. Seus personagens, com destaque
para Clarissa e Vasco, reaparecem em várias situações e em Vários momentos, o que levou o
crítico Wilson Martins a reconhecer um ciclo de Clarissa. Como seu eixo se repete ao longo de
vários romances, o autor tem sido acusado de ser redundante, o que vai evidenciar seu maior
defeito: a superficialidade, tanto na abordagem psicológica como na social. Entretanto, esses
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primeiros romances são responsáveis pela popularidade alcançada pelo autor, igualando-o, em
termos de aceitação pública, a Jorge Amado.
Entre suas obras inclui-se ainda a trilogia épica O tempo e a vento, que remonta ao passado
histórico do Rio Grande do Sul dos séculos XVIII e XIX e aborda as disputas de terra e poder pelas
famílias Amaral, Terra e Cambará. Desse painel saltam alguns personagens heróicos, como Ana
Terra e o Capitão Rodrigo. O tempo e o vento aparece dividido em O continente, que cobre o
período histórico de século XVIII até 1895, com as lutas do início da República. O retrato, que
enfoca as primeiras décadas do século XX, e 1- O arquipélago, narrativa mais contemporânea, que
chega até o governo Vargas.
À última fase da produção de Veríssimo, mais dedicada aos temas da atualidade, pertencem
os romances O senhor embaixador, O prisioneiro e Incidente em Antares.
11- O Pós-Modernismo
1945. fim da Guerra Mundial, início da Era Atômica com as explosões de Hiroxima e
Nagasáqui. A crença numa paz duradoura manifesta-se na criação da Organização das Nações
Unidas (ONU). Mais tarde, é publicado a Declaração dos Direitos do Homem. Logo depois, tem
início a Guerra Fria, período marcado pela hostilidade e permanente tensão política entre as
grandes potências mundiais.
1945. Fim da ditadura de Getúlio Vargas, início da redemocratização brasileira. convocam-se
eleições gerais, os candidatos apresentam-se os partidos são legalizados, sem exceção. Logo
depois, inicia-se um novo tempo de perseguições políticas, ilegalidades, exílios.
A literatura brasileira também passa por profundas alterações, surgindo manifestações que
representam muitos passos adiante e, outras, um retrocesso. O tempo, excelente crítico literário,
encarrega-se da seleção.
A prosa, tanto nos romances como nos contos, segue o caminho já trilhado por alguns
autores da década de 30, em busca de uma literatura intimista, de sondagem psicológica,
introspectiva, como destaque para Clarice Lispector. Ao mesmo tempo o regionalismo adquire uma
nova dimensão com a produção fantástica de João Guimarães Rosa e sua recriação dos costumes
e da fala sertaneja, penetrando fundo na psicologia do Brasil Central.
Na poesia, a partir de 1945 ganha corpo uma geração de poetas que se opõe às inovações
dos modernistas de 1922. A nova proposta é defendida inicialmente pela revista Orfeu, cujo
primeiro número, lançado na primavera de 1947, afirma, entre outras coisas:
“Uma geração só começa a existir no dia
em que não acredita nos que a precederam, e
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só existe realmente no dia em que deixam de
acreditar nela”
Assim é que, negando a liberdade formal, as ironias, as sátiras e outras “brincadeiras’
modernistas, os poetas de 45 se dedicam a uma poesia mais “equilibrada e séria”, diante do que
eles chamam de “primarismo desabonador” de Mário de Andrade e Oswald de Andrade. A
preocupação primordial é o “restabelecimento da forma artística e bela”, os modelos voltando a
ser parnasianistas e simbolista. Esse grupo, chamado de Geração de 45, é formado, entre outros
poetas, por Lêdo Ivo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Geir Campos e Darcy Damasceno.
Entretanto, o final dos anos 40 revela um dos mais importantes poetas da nossa literatura,
não filiado esteticamente a nenhum grupo e aprofundador das experiências anteriores: João
Cabral de Meio Neto. Contemporâneo a ele e apresentado alguns pontos de contatos com sua
obra, devem ser citados ainda Ferreira GuIIar e Mauro Mota.
Produção Literária
Guimarães Rosa
Publicando seu primeiro livro — Sagarana — em 1946, um ano após a queda de Getúlio
Vargas e início das produções da chamada Geração de 45, Guimarães Rosa apontaria novos rumos
para a literatura brasileira. Passada a primeira fase do Modernismo e já vivida a experiência da
prosa regionalista da década de 30, os contos de Sagarana abririam uma nova perspectiva para o
regionalismo. A princípio, percebe-se uma revalorização da linguagem; a seguir, a universalização
do regional. O valor da linguagem particular de Guimarães Rosa não está no rebuscamento das
palavras ou no uso de arcaísmos, mas sim nos neologismo, na recriação das palavras, sempre
tendo como ponto de partida a fala dos sertanejos, suas expressões, suas particularidades. Com
isso, as palavras recriadas ganham força e significado novos, como afirma o crítico português
Oscar Lopes:
“As metáforas de Guimarães Rosa são tantas e tão originais que produzem um efeito poético
radical: o efeito de ressaca do significado novo sobre o significado corrente. A gente lê, por
exemplo, que ‘o sabiá veio molhar o pio no paço, que é bom ressoador’, e não apenas com uma
admirável vocação acústica; as palavras ‘molhar’ e ‘poço’ descongelam-se, libertam-se da sua
hibernação dicionarística ou corrente, e perturbam como um reachado todavia surpreendente.”
O mesmo estranhamento que a linguagem de Guimarães Rosa provocou no crítico lusitano,
podemos perceber em passagens como:
“Joãozinho Bem — Bem se sentia preso a Nhô Augusto por uma simpatia poderosa, e ele
nesse ponto era bem — assistido, sabendo prever a viragem dos climas e conhecendo por instinto
as grandes coisas. Mas TeófiIo Sussuarana era bronco excessivamente bronco, e caminhou para
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cima de Nhô Augusto. Na sua voz:
-Êpa Nomopadrofilhospritossantamêin Avança, cambada de filhos — da — mãe, que chegou
minha vez!...
E a casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, escurecidas à fumaça dois tiros, com
os cabras saltando e miando de maracajás, e Nhô Augusto gritando qual um demônio preso e
pulando como dez demônios soltos.
- Ô gostosura de fim - de — mundo!..”
(A hora e a vez de Augusto Matraga)
Ainda para salientar a poesia, o ritmo e sonoridade de sua linguagem, transcrevemos um
trecho de conto “O burrinho pedrês”, em que o autor narra a caminhada da boiada, intercalando
quadrinhas populares cantadas pelo vaqueiros. Observe como Rosa reproduz a sonoridade da
marcha da boiada por meio de aliterações:
“As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas,
mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e
baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade
dos campos, querência dos pastos de lá do sertão...
‘Um boi preto, um boi pintado, cada um tem sua cor.
Cada coração um jeito
De mostrar o seu amor.
Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando, dá de duro, dá de dentro, dá direito..
Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando...
‘Todo passarinh’ do mato
tem seu pio deferente.
Cantiga de amor doido
Não carece ter rompante...”
Pouco a pouco porém, os rostos se desempanam e os homens tomam gesto de repousa nas
selas, satisfeitos. Que de trinta, trezentos ou três mil, só está quase pronta a boiada quando as
alimárias se aglutinam em bicho inteiro — centopéia -, mesmo prestes assim para surpresas más.
-Tchou!...Tchou!... Eh, booôi!...
E, agora, pronta de todo está ela ficando, cá que cada vaqueiro pega o balanço de busto,
sem — querer e imitativo, e que os cavalos gingam bovinamente. Devagar, mal percebido, vão
sugados todos pelo rebanho trovejante — pata a pata, casco a casco, soca soca, fasta vento, rola
e trola, cabisbaixo, mexe lama, pela estrada, chifres no ar...
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A boiada vai, como um navio.”
(João Guimarães Rosa)
O misticismo, outro aspecto relevante da obra de Guimarães Rosa, está sugerido na última
das interrogações de Drummond em seu poema — homenagem:
‘Tinha parte com. ..‘o diabo? Ou era ele a “ponte entre o sub e o sobre”, dividido entre os
que lutam “de antes do princípio”, Deus e o diabo, o Bem e o Mal? Em Guimarães Rosa
transparece todo o misticismo do sertão, uma religiosidade quase medieval, baseada apenas nos
dois extremos e marcada pelo medo, pelo pavor, em que há até mesmo a preocupação de não
invocar e demo, para que ele não “forme forma”; daí o diabo ser tratado por” o que não existe” ou
“o que não é mas finge ser” e expressões semelhantes.
Assim o sertão de Rosa: ora particular, pequeno e próximo; ora universal e infinito, pois” o
sertão é o mundo “ou, melhor ainda, “o sertão é dentro da gente”. Por isso, logo na abertura de
Grande sertão: veredas, o autor nos situa diante do problema:
“O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os
campos — gerais a fora dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima.
Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão
se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem
topar com casa de morador, e onde criminosos vive seu cristo — jesus, arredado do arrocho de
autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes. Mas hoje, que na beira dele, tudo dá — fazendões
de fazendas, almargem de vargem de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em
mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais
são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprovar o senhor sabe: pão ou pães, é questão de
opiniões... O sertão está em toda a parte.”
Clarice Lispector
Clarice Lispector é o principal nome de uma certa tendência intimista da moderna literatura
brasileira. O principal eixo de sua obra é o questionamento do ser, o” estar —no — mundo”, a
pesquisa do ser humano, resultando dai o chamado romance introspectivo. “Não tem pessoas que
cosem para fora? Eu coso para dentro”, assim explicava a autora seu ato de escrever. Nesse
eterno questionar a obra da romancista apresenta uma certa ambigüidade, um jogo de antíteses
entre o” eu” e o” não eu”, entre o ser e o não - ser, já notado, de outra forma, na obra de
Guimarães Rosa. Significativa é a epígrafe do romance A paixão segundo G.H..
“Uma vida completa pode acabar numa identificação tão absoluta com o não — eu que não
haverá mais um eu para morrer.”
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No plano da linguagem, também se percebe em Clarice Lispector uma certa preocupação
com a revalorização das palavras: dá-lhes uma roupagem nova, explorando os limites do
significado, trabalhando metáforas e aliterações. Manifesta, inclusive, uma preocupação muito
grande com aquilo que não está escrito em palavras, mas sim nas entrelinhas. A própria dance
escreveu:
“Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as
entrelinhas.
O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas.”
Ainda segundo a autora:
“O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando
falha a construção é que obtenho o que ela conseguiu.”
Essa literatura introspectiva, intimista, busca fixar-se na crise do próprio indivíduo, em sua
consciência e inconsciência. No entanto, em A hora da estrela,
Clarice Lispector trilha outros caminhos ao produzir um texto que apresenta dois eixos; o
drama de Macabéa , pobre moça alagoana engolida pela cidade grande, e o drama do narrador,
duelando com as palavras e os fatos. Poderíamos afirmar que se trata de uma narrativa de caráter
social e, ao mesmo tempo, uma profunda e angustiada reflexão sobre o ato de escrever. O crítico
Eduardo Portella chegou a questionar se A hora da estrela não estaria revelando uma nova Clarice
Lispector, “exterior e explícita”, para concluir que “a moça alagoana é um substantivo coletivo” por
personificar um drama em que ela deixa de ser o transeunte anônimo, solitário e inconseqüente,
para adquirir o sentido incômodo de uma provocação em aberto.
João Cabral de Meio Neto
A poesia de João Cabral se caracteriza pela objetividade na constatação da realidade e, em
alguns casos, pela tendência ao surrealismo. No nível temático, podemos distinguir em sua poética
três grandes preocupações, apresentadas a seguir.
O Nordeste com sua gente: os retirantes, suas tradições, seu folclore, a herança medieval e
os engenhos; de modo muito particular, seu estado natal, Pernambuco, e sua cidade, o Recife.
São objeto de verificação e análise os mocambos, os cemitérios e o rio Capibaribe, que
aparece, por mais de uma vez, personificado.
A Espanha e sua paisagens, em que se destacam os pontos em comum com o Nordeste
brasileiro. “Sou um regionalista também na Espanha, onde me considero um sevilhano. Não há
que civilizar o mundo, há que “sevilhizar” o mundo “, afirma o poeta.
A Arte e suas várias manifestações : a pintura de Miró, de Picasso e do pernambucano
Vicente do Rego Monteiro; a literatura de Paul Valéry, Cesário Verde, Augusto dos Anjos,
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Graciliano Ramos e Drummond; o futebol de Ademir Meneses e Ademir da Guia; a própria arte
poética.
Um aspecto fundamental na obra de João Cabral é seu constante refletir sobre a própria
poesia seguindo um caminho já trilhado por Drummond. Murilo Mendes e outros poetas surgidos
nos anos 30. Em sua famosa Antiode (Contra a poesia dita profunda), o poeta repensa sua poesia:
“Poesia, te escrevia: extinta de flor, flor
flor! Conhecendo não de todo flor,
que és fezes. (fezes mas flor, bolha
como qualquer, aberta no maduro).
gerando cogumelos Delicado, evitava
raros, frágeis, coou- o estrume do poema,
meio) no úmido seu caule, seu ovário,
calor de nossa boca. Suas intestinações.
Delicado, escrevia: Esperava as puras,
flor! (Cogumelos transparentes florações
serão flor? Espécie nascidas do ar, no ar,
estranha, espécie como as brisas.”
A partir de 1050, o poeta pernambucano apresenta uma poesia cada vez engajada,
aprofundando assim a temática social. É o caso de O cão sem plumas, ou seja, o próprio rio
Capibaribe, que recolhe os detritos do Recife:
“Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul, da fonte cor — de — rosa,
da água do corpo de água, da água de cântaro,
dos peixes de água, da brisa na água.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
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Devia saber dos polvos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.”
O rio Capibaribe voltaria a ser tema- e personagem — de outro poema: “O rio ou relação da
viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife”. Entretanto, a poesia
participante só traria o reconhecimento popular a João Cabral a partir do poema dramático Morte
e vida severina (Auto de Natal pernambucano), musicado por Chico Buarque de Holanda e
encenado no TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo) na década de 60. O espetáculo
percorreu várias capitais européias e brasileiras, ganhou inúmeros prémios e aproximou, pela
primeira vez, do grande público a obra de João Cabral de MeIo Neto.
12— Vanguarda Poética Contemporânea Introdução
Acompanhado o progresso de uma civilização tecnológica e
respondendo às exigências de uma sociedade impelida pela rapidez das
transformações e pela necessidade de uma comunicação cada vez mais
objetiva e veloz, as décadas de 1950 e 1960 assistiram ao lançamento
de tendências poéticas caracterizadas por inovação formal, maior
proximidade com outras manifestações artísticas e negação do verso
tradicional. Procurava-se assim, o “poema — produto: objeto útil”.
A poesia concreta
A poesia concreta foi lançada oficialmente em 1956, com a Exposição Nacional de Arte
Concreta, realizada no Museu de Arte Modera de São Paulo. Entretanto, os três poetas que
iniciaram as experiências concretistas — Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de
Campos — já se encontravam agrupados desde 1952, quando do lançamento da revista — livro
Noigandres (foram publicados cinco números de antologias sob essa denominação). Os irmãos
Campos afirmam que:
“A poesia concreta é o primeiro movimento internacional que teve, na sua criação, a
participação direta, original, de poetas brasileiros. Como no caso anterior o movimento de
renovação que houve neste século na literatura brasileira — o Movimento Modernista de 22 -,
também a POESIA CONCRETA se constitui em São Paulo.”
Entre os precursores dessa tendência são citados Oswald de Andrade (que produziu poemas
radicais, rompendo com “ o vício retórico nacional”, herdado, principalmente, do século XIX;
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segundo os concretistas, Oswald de Andrade escrevia “em comprimidos, minutos de poesia”) e
João de Meio Neto (“linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso”).
Partindo da assertiva de que o verso tradicional já havia encerrado seu ciclo histórico a
poesia concreta propõe o poema — objeto, em que se utilizam múltiplos recursos: o acústico, o
visual, a carga semântica, o espaço tipográfico e a disposição geométrica dos vocábulos na página.
Os concretistas perceberam uma “crise do verso”, que correspondia a uma crise geral do
artesanato diante da revolução industrial. Daí defenderem
“(...) a abolição da tirania do verso e a proposta de uma nova sintaxe estrutural, na qual o
branco da página, os caracteres tipográficos e sua disposição no papel assumam relevo, embora
se mantenha ainda o discurso e mesmo o verso, apenas dispersado (...)“
Um dos traços mais importante da modernidade da poesia concreta é aquele que procura
mexer com o leitor, exigindo dele uma participação ativa, uma vez que o poema concreto permite
uma leitura múltipla. Dessa forma, o poema constitui-se num desafio e o leitor transforma-se em
co-autor.
Sobre isso, assim explicam os irmãos Campos:
“(...) uma ordenação não — linear do poema, com valorização integral do branco da página
e uma possibilidade aberta de leitura múltipla, dando importância tanto aos elementos visuais
como aos sonoros.”
Apresentamos, a seguir passagens do Plano — piloto para poesia concreta, documento —
programa do movimento, publicado em 1958:
• poesia concreta: produto de uma evolução crítica de formas dando por encerrado o ciclo
histórico do verso (unidade rítmico — formal), a poesia concreta começa por tomar
conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural.
• poesia concreta: tensão de palavras — coisas no espaço — tempo.
• estrutura dinâmica: multiplicidade de movimentos concomitantes.
• o poema concreto comunica a sua própria estrutura: estrutura — conteúdo. o poema
concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ ou
sensação mais ou menos subjetivas, seu material: a palavra (som, forma visual, carga
semântica).
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• poesia concreta: uma responsabilidade integral perante a linguagem, realismo total.
conta uma poesia de expressão, subjetiva e hedonística. o poema — produto: objeto útil.
Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos
Além de Décio Pignatari e dos irmãos Campos, integram a corrente concretista José Lino
Grüinewald, Ronaldo Azeredo, Edgar Braga e Pedro Xisto. Alguns poetas que cultivam o tradicional
verso discursivo produziram ocasionais experiências concretistas, como Manuel Bandeira, Ferreira
Gullar, José Paulo Paes e Cassiano Ricardo.
A poesia — práxis
Em conseqüência de uma dissidência no grupo concretista, no final doa anos 50 surge uma
nova tendência de vanguarda: a poesia — práxis, que, no entanto, só em 1961 lançaria seu
Manifesto Didático, assinado por seu principal poeta: Mário Chamie.
Partindo do princípio de que a “palavra é uma célula do discurso”, o texto — práxis valoriza a
palavra dentro de um contexto extralingüistico, caracterizando-se pela “periodicidade e repetição
das palavras, cujo sentido e dicção mudam”, conforme sua posição no texto. Leia-se, por exemplo,
o texto “Crime 3”, de Mauro Gama, incluído no livro Anticorpo:
“Fuma fuma tabaque
bate: que pança?
Dança curtido corpo de charque charco
em corruto beiço tensão
charuto e seu sangue
soca seu peito soca e
eis que ao lado o
outro
caboclo bate: disputa
um ataque à bronca (ou
em bloco) de ronco e
lata. E
na mão do primeiro o
punhal se empunha
ergue chispando e en
pando desce: se crav
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cavo, na caixa
de som
(colchão murcho coração).”
Além de Mário Chamie e Mauro Gama, filiam-se ao grupo da poesia- práxis os poetas Yone
Gianetti Fonseca, Armando Freitas Filho e Antônio Carlos Cabral.
Produção contemporânea
O que chamamos, neste capítulo, de produção contemporânea são obras e movimentos
surgidos nas três últimas décadas e que refletem um momento histórico caracterizado pelo
autoritarismo, por uma rígida censura e enraizada autocensura, só amenizados a partir de meados
da décadas de 80, quando se verificou uma progressiva normalização da vida democrática no país.
As condições adversas desse período não mergulham o país numa calmaria cultural. Pelo
contrário, assistimos a uma produção cultural bastante intensa em todos os setores.
Poesia
Na poesia, duas constantes: o aprofundamento da reflexão sobre a realidade e a busca de
novas formas de expressão. Mantendo a tradição da poesia discursiva, temos a permanência de
nomes consagrados como João Cabral, Adélia Prado, Mário Quintana, Ferreira Gullar e José Paulo
Paes, ao lado de novos poetas que procuram aparar arestas em suas produções.
Verifica-se ainda a permanência da poesia concreta. O aproveitamento dos espaços em
brancos na folha de papel e dos recursos gráficos, a sonoridade das palavras, as relações entre
significado e significante continuam a desafiar tanto poetas consagrados quanto jovens talentos.
Deve-se salientar ainda a importância da poesia marginal, que se desenvolve fora dos
grandes esquemas industriais e comerciais de produção de livros.
Manoel de Barros: quando o nada é tudo
Embora tenha publicado seu primeiro livro em 1937, o reconhecimento e a consagração
vieram apenas ao longo das décadas de 80 e 90. Dessa forma, ao completar oitenta anos (em
dezembro de 1996), Manoel de Barros tornou-se o maior candidato a todos os prêmios literários
com o seu recém — publicado Livro sobre nada. Aliás, titulo muito adequado, como veremos mais
adiante.
Manoel de Barros é semente, flor e fruto do Pantanal mato-grossense, como já denota sua
“autobiografia”:
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“Não sou biografável. Ou, talvez seja.
Em três linhas.
1. Nasci na beira do rio Cuiabá
2. Passei a vida fazendo coisas inúteis.
3. Aguardo um recolhimento de conchas. (E que seja sem dor, em algum banco de praça,
espantando da cara as moscas mais brilhantes).”
Inúteis, nada, coisa, bichos. Essas são algumas das palavras — chaves de uma obra que
tenta reconstruir o mundo. Alguns poetas passam, em suas obras, uma de terminada visão de
mundo; outros não se contentam com isso e vão além: tentam reconstruir o mundo. Manoel de
Barros é um deles. Por isso mesmo, como afirma o editor Ênio Silveira, “guiados por ele, vamos
abrindo horizontes de uma insuspeitada nova ordem natural, onde as verdades essenciais,
escondidas sob a ostensiva banalidade do óbvio e do cotidiano” vão se revelando em imagens
surrealistas descritas com absoluta concisão. No texto que abre o Livro sobre nada, o poeta afirma
que “o nada de meu livro é nada mesmo. É coisa nenhuma por escrito: um alarme para o silêncio,
um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo, etc., etc. O que
eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desúteis. O nada mesmo. tudo que
use abandono por dento e por fora”.
Carlos Drummond de Andrade, em uma fase de sua produção, “coisificou” o mundo
industrial em plena Guerra Fria; Manoel de Barros faz exercícios poéticos no sentido de
“descoisificar” o mundo, buscando uma nova forma de organizá-lo, que respeite a leitura daqueles
que só têm “entidade casal”.
Prosa
No romance, o regionalismo continua um filão muito rico produtivo na pena consagrada de
Mário de Palmério, Bernardo Élias, Antônio Callado, José Montello e José Cândido de Carvalho.
Trabalhado com maior ou menor intensidade, também tem servido como pano de fundo a alguns
escritores que se consagraram recentemente, como é o caso de João Ubaldo Ribeiro, Márcio de
Souza, Roberto Drummond e Ana Miranda.
Mas quem roubou a cena nos últimos anos, utilizando uma estrutura de romance policial e /
ou histórico, foi Rubem Fonseca.
Ainda na prosa, as últimas décadas assistiram à consagração das narrativas curtas — a
crónica e o conto. O desenvolvimento da crônica está intimamente ligado ao espaço aberto a esse
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gênero na imprensa; hoje, não há grande jornal ou revista de circulação nacional que não inclua
em suas páginas crónicas de Fernando Sabino, Lourenço Diaféria, Luís Fernando Veríssimo ou
RacheI de Queiroz, entre outros.
Perdas irreparáveis nos últimos anos: os cronistas Carlos Drummond de Andrade, Rubem
Braga, Paulo Mendes Campos, António Callado, Otto Lara Resende, linha de frente de
primeiríssimo time, que deixou de habitar as páginas de nossos jornais.
Menção especial merece Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que, com suas bem —
humoradas e cortantes sátiras políticas — sociais, escritas na década de 60, tem servido de mestre
a muitos cronistas.
Por outro lado, o conto, analisado no conjunto das produções contemporâneas, situa-se em
posição privilegiada tanto em quantidade como em qualidade. Entre os contista mais significativo,
citam-se Dalton Trevisan, Moacyr Scliar Rawet, Luis Fernando Veríssimo, Domingos Pellegrini Jr.,
João António, Lígia Fagundes Telles, Luís Vilela, Nélida Piñon e Rubem Fonseca. Este último
lançou, em 1995, o seu mais recente livro de contos: O buraco na parede, coletânea de oito
histórias que, explorando técnicas modernas de narrativa, retrata personagens que vivem “alguns
degraus abaixo do Brasil oficial”.
Tarefas
Analise os textos a seguir, a partir do conhecimento adquirido sobre os estilos de época aos
quais pertencem.
Texto I
Pecador contrito aos pés de Cristo crucificado - Gregório de Matos
Ofendi-vos, meu Deus, é bem verdade, Verdade é, meu Senhor, que hei delinqüido, delinqüido vos tenho, e ofendido, ofendido vos tem minha maldade. Maldade, que encaminha a vaidade, Vaidade, que todo me há vencido, Vencido quero ver-me e arrependido, Arrependido a tanta enormidade. Arrependido estou de coração, De coração vos busco, dai-me abraços, Abraços, que me rendem vossa luz. Luz, que claro me mostra a salvação, A salvação pretendo em tais braços, Misericórdia, amor, Jesus, Jesus!
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Texto II Soneto - Cláudio Manoel da Costa
Já rompe, Nise, a matutina Aurora O negro manto, com que a noite escura, Sufocando o sol a face pura, Tinha escondido a chama brilhadora. Aque alegre, que suave, que sonora, Aquela fontezinha aqui murmura! E nestes campos cheios de verdura Que avultado o prazer tanto melhora? Só minha alma em fatal melancolia, Por te não poder ver, Nise Adorada, Não sabe ainda que coisa é alegria; E a suavidade do prazer trocada, Tanto mais aborrece a luz do dia, Quanto a sombra da noite mais lhe agrada.
Texto III Canção do Exílio – Gonçalves Dias
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves que aqui gorjeiam, Não gorgeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar, sozinho, à noite mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá Não permita Deus que eu morra. Sem que volte para lá Sem que desfrute dos primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Texto IV Se Eu Morresse Amanhã! – Álvares de Azevedo Se eu morresse amanhã, viria ao menos
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Fechar meus olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã! Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã! Que sol! que céu azul! que dove n'alva Acorda a natureza mais loucã! Não me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanhã! Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã... A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanhã! Texto V Navio Negreiro (trecho) – Castro Alves Era um sonho dantesco... O tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho, Em sangue a se banhar, Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães; Outras, moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irónica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doidas espirais... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais.
Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que de martírios embrutece, Cantando, geme e ri!
No entanto, o capitão manda a manobra, E após, fitando o céu que se desdobra Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: “Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!...”
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E ri-se a orquestra irónica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doidas espirais... Qual num sonhos dantesco as sombras voam! Gritos, ais, maldições, preces ressoam E ri-se Satanás!...
Texto VI
"Naquela mulata estava o grande mistério e a síntese das impressões que ele recebera chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que não se torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em trono do idade da terra, piscando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca." – fragmento de O Cortiço, de Aluísio Azevedo Texto VII Vaso Grego – Alberto Oliveira Esta, de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que a suspendia Então e, ora repleta ora esvazada, A taça amiga aos dedos seus tinia Toda de roxas pétalas colmada. Depois. Mas o lavor da taça admira, Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa a voz de Anacreonte fosse. Texto VIII Cárcere das Almas - Cruz e Souza
Ah! Toda a alma num cárcere anda presa, Soluçando nas trevas, entre as grades Do calabouço, olhando imensidades, Mares, estrelas, tardes, natureza. Tu se veste de uma igual grandeza Quando a alma entre grilhões as liberdades Sonha e, sonhando, as imortalidades Rasga no etéreo Espaço da Pureza. Ó almas presas, mudas e fechadas Nas prisões colossais e abandonadas, Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
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Nesses silêncios solitários, graves, Que chaveiro do Céu possui as chaves Para abrir-vos as portas do Mistério?!
BIBLIOGRAFIA
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CIDADE, Hernani. A literatura portuguesa e a expansão ultramariana. 2ed. Coimbra: Armenio
Amado, 1963
GOMES, Álvaro Cardoso. O simbolismo. São Paulo: Ática, 1994
HELENA, Lucia. Movimentos de vanguarda européia. São Paulo: Scipione, 1993
NICOLA, José de. Literatura brasileira: das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1998
SARAIVA, A. J. & LOPES, Oscar. História da literatura portuguesa. 9ed. Porto: Porto Ed, 1976.