livro de criticas

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    SRIE CRTICA DAS ARTES

    LEITURAS POSSVEIS NAS FRESTAS DO COTIDIANO

    MILENA BRITTO DE QUEIROZ (ORG.)

    FUNCEB

    SalvadorBahia

    2012

    GOVERNO DO ESTADO DA BAHIAGovernador do Estado da Bahia

    Jaques Wagner

    Secretrio de Cultura do Estado da Bahia SecultBA

    Antonio Albino Canelas Rubim

    Diretora da Fundao Cultural do Estado da Bahia FUNCEB

    Nehle Franke

    FUNCEBChea de Gabinete

    talo Pascoal Armentano Jnior

    Procuradoria Jurdica

    Celeste Maria S. Bezerra

    Assessoria Tcnica

    Cssia Maria Bastos Sousa

    Assessoria de Relaes Institucionais

    Kuka Matos

    Assessoria de Comunicao

    Paula Berbert

    Diretoria de Administrao e Finanas

    Maria Iris da Silveira (Lia Silveira)

    Diretoria de Audiovisual

    Marcondes Dourado

    Diretoria das Artes

    Alexandre Molina

    Coordenao de Artes Visuais

    Luciana Vasconcelos

    Coordenao de Dana

    Matias Santiago

    Coordenao de Literatura

    Milena Britto

    Coordenao de Msica

    Cssio Nobre

    Coordenao de Teatro

    Maria Marighella

    Ncleo de Artes Circenses

    Alda Souza

    Coordenao de Editais

    Ivan Ornelas

    Centro de Formao em Artes

    Beth Rangel

    Teatro Castro Alves

    Moacyr Gramacho

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    Esta publicao rene as crticas premiadas no Concurso Estadual de Estmulo Crtica de Artes, ao integrante do Programa de Incentivo Crtica de Artes,lanado pela FUNCEB no ano de 2011.

    Programa de Incentivo Crtica de Artes

    Realizao: Diretoria das Artes da FUNCEB

    Diretor: Alexandre Molina

    Expediente

    Organizao: Milena Britto

    Reviso e Normalizao: Aristides Gomes

    Produo Executiva: Rosalba Lopes

    Arte e Design: Nila Carneiro

    Impresso e Acabamento: Empresa Grca da Bahia

    Ficha Catalogrca

    Fundao Cultural do Estado da Bahia FUNCEB: Rua Guedes de Brito, 14 - Pelourinho - CEP. 40.020-260 -Salvador/Bahia - Tel: 71 3324-8500

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    Antonio Albino Canelas Rubim

    Como imaginar conexes entre crtica e polticas culturais? No

    Brasil e talvez em muitos pases do mundo as polticas

    culturais direcionam-se para a criao cultural. Tendnciae tentao naturais, pois ela instante vital da inovao da

    cultura. O momento mgico da criao inaugura novos mundos,

    inventa outros olhares, possibilita vivncias diversas, desvela

    iderios e sentimentos, elabora subjetividades. Enm, traduz

    o humano, demasiadamente humano.

    A seduo deste processo de encantamento inevitvel, mas

    as polticas culturais, como Ulisses na Odisseia, devem buscar

    meios de saber da magia e, simultaneamente, proteger-

    se da perigosa seduo. Polticas de cultura no podem

    atentar apenas para a criao. Elas devem reconhecer seus

    encantos, mas se abrir para toda a complexidade das outras

    conguraes da cultura.

    CRTICA EPOLTICAS CULTURAIS

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    social e humana, com seus procedimentos conscientes

    e inconscientes; interesses, sonhos, desejos, iluses,

    imaginaes, contrastes e ambiguidades. S assim ela pode

    ser conhecida com mais proundidade; explicitar detalhes e

    relaes, diversas vezes no percebidos do prprio criador;

    ter seus processos construtivos elucidados e vivenciar um

    continuado processo de aprimoramento. Este ambiente de

    debate anima e d vitalidade cultura. Ele imprescindvel

    para seu enriquecimento.

    Nesta perspectiva, polticas sintonizadas com a complexidade

    e o desenvolvimento da cultura contemplam a refexo e a

    crtica como instantes vitais. A Secretaria Estadual de Cultura

    da Bahia tem esta compreenso como ponto de partida para

    realizar projetos como este. Ele d crtica uma centralidade

    como lugar de ala sobre a cultura e busca incentivar que

    ambiente cultural baiano seja ertilizado pela atuao sempre

    estimulante do debate e da crtica.

    A dinmica da cultura viva requer ateno para esta inevitvel

    complexidade. Ela exige que todos os momentos da cultura

    sejam acolhidos e cuidados. Uma vida cultural rica necessita

    de criao, mas tambm de produo, transmisso, ormao,

    diuso, divulgao, distribuio, circulao, preservao,

    organizao, ruio e discusso.

    No cabe elucidar todos os os enumerados. Seria maante

    e sem sentido para a escritura e seu tema. A listagem evoca

    a complexidade da cultura e delimita ronteiras a seremtransitadas e enrentadas pelas polticas culturais. A cultura

    viva requer ativa atuao das polticas culturais em todos estes

    territrios.

    A discusso um destes lugares de atuao. Ela aciona

    um conjunto amplo e dspare de agentes e de expresses.

    Proessores, pesquisadores, estudiosos e crticos debatem a

    cultura, suas obras e atividades, atravs de pesquisas, estudos,

    eventos, exposies e textos. Seu comum e singular lugar de

    ala a refexo acerca da cultura. Ela submete as atividades e

    obras culturais ao crivo iluminador do debate pblico.

    Pode-se imaginar uma cultura viva e ativa sem uma prounda

    discusso sobre seus imaginrios, sentidos, atividadese obras? A resposta tende a ser um contundente no. A

    cultura necessita ser analisada e discutida como elaborao

    Antonio Albino Canelas Rubim secretrio de Cultura do Estado da Bahia, proessortitular da Universidade Federal da Bahia, docente do Programa Multidisciplinar de

    Ps-Graduao em Cultura e Sociedade e do Programa de Ps-Graduao em Artes

    Cnicas, ambos da UFBA. Pesquisador I - A do CNPq.

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    Alexandre Molina

    A crtica de arte um dos temas da maior importncia no

    contexto da produo artstica. Questes levantadas a partir

    de um trabalho srio de refexo sobre as obras de arte podem

    apontar caminhos antes no percebidos pelo artista, provocando

    o pensamento sobre o seu azer e colaborando com possveis

    desdobramentos estticos. Outra colaborao importante deste

    campo a refexo temporal que pode ser produzida, na medida

    em que o azer da crtica dialoga com a histria.

    H alguns anos, o conceito de crtica de arte j aponta para a

    superao do entendimento restrito que a localiza apenas na

    suposta emisso de juzo de valor sobre a obra de arte. Outro

    aspecto caro aos atuais prossionais ligados a este campo

    o transbordamento da noo de uma produo textual

    conservadora e voltada para um pblico elitizado. A entrada

    deste tipo de refexo no meio virtual, especialmente pelaproduo de blogueiros, pode ser considerada uma iniciativa

    que oerece maior acesso a este tipo de texto.

    CRTICA DE ARTES E POLTICAPBLICANA BAHIA

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    Foi atenta a estes e outros aspectos ligados ao campo da crtica

    que a Fundao Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), rgo

    vinculado Secretaria de Cultura do Estado (SecultBA), criou,

    em 2011, o Programa de Incentivo Crtica de Artes.

    Este Programa resultado da ampliao do Concurso Estadual

    de Crtica Cinematogrca Walter da Silveira, realizado pela

    Diretoria de Audiovisual da FUNCEB (DIMAS), e que j alcanava

    em 2010 sua 3 edio. A ampliao proposta em 2011 deu-se

    no apenas no nmero de setores que o Programa passou a ocar,atuando no audiovisual, artes visuais, circo, dana, literatura,

    msica e teatro, mas tambm nas aes previstas. Desde ento,

    alm de um Concurso, o Programa passou a contar com aes

    que promovem a refexo no campo, a exemplo do Seminrio

    Baiano de Crtica de Artes, a publicao da Srie Crtica das

    Artes, ampliando o escopo de diuso da produo de crticas

    s artes e, para a edio de 2012, a Ocina de Qualicao

    em Crtica, com o propsito de ortalecer o campo da crtica no

    estado e estimular o surgimento de novos prossionais na rea.

    O objetivo do Programa promover a produo qualicada de

    crticas de artes, provocando a percepo analtica do pblico em

    geral, e contribuindo com o desenvolvimento das artes produzidas

    na Bahia, uma das diretrizes da recm-criada Diretoria das Artes

    (DIRART), atual responsvel pela gesto do Programa.

    Em maio de 2011, a SecultBA passou por uma reorma

    administrativa alterando as instncias de gesto de todas as

    suas unidades. Com isto, a FUNCEB passou por importantes

    mudanas internas e a criao do Centro de Formao em Artes

    (CFA) e da Diretoria das Artes (DIRART) so consideradas das mais

    signicativas. A DIRART rene as Coordenaes de seis setores

    da FUNCEB: Artes Visuais, Circo, Dana, Literatura, Msica e

    Teatro. Cada uma dessas Coordenaes tem a uno de propor,

    executar e avaliar programas e aes especcas para seu

    respectivo setor de atuao, tendo o dilogo com a sociedadeum dos principais mecanismos para o seu planejamento.

    Neste contexto, a DIRART surge com a misso de provocar a

    interao entre os diversos setores de atuao da FUNCEB,

    identicando potencialidades comuns a mais de uma rea,

    que isoladamente seriam diceis de se concretizarem,

    propondo com isso aes e programas de carter transversais.

    Desta orma, a FUNCEB objetiva avanar na ormulao e

    consolidao de polticas pblicas especcas para as artes,

    com ateno s especicidades de cada rea, s demandas

    transversais e participao social.

    A edio de 2011 do Programa de Incentivo Crtica de Artes

    contou com participao de importantes prossionais no

    cenrio nacional, como Jos Miguel Wisnik, Antnio Marcos

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    Pereira e Ruy Gardnier. Alm destes, contamos tambm com

    nomes de destaque no cenrio da produo de crtica local,

    como Gideon Rosa, Chico Castro Jr, Milena Britto, Adalberto

    Meireles, Eduardo Rosa e Alejandra Muoz.

    O Concurso Estadual, na edio de 2011, recebeu 43 inscries

    e premiou 20 textos em todas as reas de atuao do Programa.

    Para avaliar o mrito dos textos inscritos, a FUNCEB contou com

    o trabalho de importantes prossionais do campo da crtica no

    Brasil. A comisso de seleo dos textos inscritos no Concursoteve a participao de nove prossionais, sendo dois deles

    comuns a todos os setores Rachel Esteves Lima e Carlos Bonm,

    que se debruaram na anlise dos materiais propostos nas sete

    reas de atuao do Programa , e mais sete prossionais de

    reas especcas Luiz Carlos Oliveira Jr (audiovisual), Ayrson

    Herclito (artes visuais), Mrio Bolognesi (circo), Helena Katz

    (dana), Antonio Marcos Pereira (literatura), Luciano Caroso

    (musica) e Macksen Luiz (teatro) , que selecionaram os 20

    premiados de 2011 e que tero agora seus textos publicados

    neste primeiro volume da Srie Crtica das Artes.

    O registro de nmeros ainda pouco expressivos de crticas

    inscritas no Concurso de 2011 conrma, de certa maneira,

    a necessidade de continuar investindo em aes de

    ortalecimento deste campo. Os resultados puderam tambm

    colaborar para o apereioamento do Programa de Incentivo

    Crtica de Artes e para a elaborao de projetos estruturantes a

    serem promovidos nesta rea. O setor da msica, por exemplo,

    recebeu apenas uma inscrio e as reas de dana e circo

    contaram com trs inscritos cada.

    A partir de uma refexo sobre a edio de 2011 e de avaliaes

    realizadas dentro e ora da equipe da SecultBA, contando

    com a interlocuo com as Coordenaes dos principais

    Programas de Ps-Graduao nas dierentes reas das artesem uncionamento na Bahia, a FUNCEB optou por substituir o

    Concurso por uma ocina intensiva de qualicao no campo

    da crtica de artes. Com isto, a Fundao Cultural busca reagir

    de orma positiva ao pouco expressivo ndice de inscritos na

    edio de 2011, dando oco na qualicao, na ormao de

    novos crticos e na diuso das crticas produzidas no estado. A

    ocina de qualicao buscar reunir prossionais de notria

    relevncia no setor e com atuao nacional, avorecendo o

    intercmbio com os participantes inscritos e omentando o

    espao da discusso e refexo sobre a produo de crticas

    nas diversas reas artsticas da FUNCEB. A culminncia desta

    ocina de qualicao ser o estmulo para que o grupo

    de participantes proponha a ormatao de um peridicodedicado diuso de textos crticos sobre as artes.

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    No propsito de ormulao e consolidao de polticas

    pblicas para as artes na Bahia, a crtica de artes , sem dvida,

    um dos temas mais complexos. A natureza do seu ormato

    avorece uma distribuio rpida e de longo alcance, porm, o

    desao recuperar o espao para a crtica de artes nos meios

    de comunicao de grande circulao. A visita a blogs ou a

    disseminao via redes sociais ainda bastante restrita e reduzida

    a um pblico especializado. preciso trabalhar para que a crtica

    esteja ao alcance do cidado; que ela possa ser percebida como

    uma outra orma de percepo da obra de arte, contribuindo,dialogando ou instigando o pblico nas suas prprias refexes

    acerca do azer artstico. Ampliar as possibilidades de diuso

    da produo de crtica de artes na Bahia torna-se, portanto, um

    dos novos desaos deste Programa.

    Alexandre Molina diretor das Artes da FUNCEB, doutorando em Artes Cnicas pela

    Universidade Federal da Bahia, mestre e especialista em Dana PPG-Dana pela

    mesma instituio e integrante do Coletivo Construes Compartilhadas (BA).

    Milena Britto de Queiroz

    Uma undao que centra sua atuao nas linguagens artsticas

    no deve se limitar a omentar a criao, mas tambm colaborar

    para que sejam abertos todos os caminhos necessrios para

    a ampliao do acesso da sociedade a estas produes. O

    produto artstico se realiza, eetivamente, quando absorvido

    por um tempo, um contexto, um grupo, um sujeito.

    Dessa orma, o olhar de um crtico importante no apenas

    porque pode mediar ou traduzir aspectos do objeto artstico,

    mas, sobretudo, porque, sendo um ponto de vista se advindo

    de uma leitura bem undamentada , gera discusses, refexese debates que tanto podem provocar o artista sobre sua

    produo quanto estabelecer um lugar para o receptor participar

    O OLHAR, O TEMPO, A ARTE:PORQUE PRECISAMOS DA

    CRTICA E O PROGRAMA DEINCENTIVO CRTICA DE

    ARTES DA FUNCEB

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    ativamente desse lugar da arte. As relaes passivas no

    desenvolvem e nem ortalecem o ambiente artstico-cultural.

    A Fundao Cultural do Estado da Bahia, ao entender a

    complexidade do campo uma vez que geral a percepo de

    que a crtica, sobretudo a local, esparsa , alia-se s polticas

    culturais propostas pela Secretaria de Cultura e desenvolve o

    Programa de Incentivo Crtica de Artes.

    Esta iniciativa se insere no propsito de contribuir para o

    estabelecimento de um ambiente mais rtil para a crtica e para

    a presena de espaos e de prossionais qualicados, ou seja,

    que aam a crtica a partir de lugares do saber, do conhecimento.

    Assim, o Programa se apresenta, ao mesmo tempo, como

    oportunidade de debate, espao de encontro e refexo, alm de

    ormao, diuso e circulao da crtica de artes.

    Desenvolvido pela Diretoria das Artes da FUNCEB, o Programa

    de Incentivo Crtica de Artes teve seu lanamento em 2011

    com seminrio, onde se discutiu o campo e a situao da

    crtica, e lanamento do concurso de resenhas crticas.

    O Seminrio contou com a participao, dentre outros, do

    crtico Jos Miguel Wisnik, que debateu o problema da crticano Brasil, mostrando que sem esse olhar e esse espao

    crtico h um empobrecimento no campo das artes. A perda

    enorme uma vez que o olhar do artista traduz emoes,

    sentimentos, estticas que, no raros, so metoras de um

    tempo ou trazem uma inovao esttica relevante para a rea

    e, sem a sua devida compreenso e recepo, podem passar

    desapercebidos pela sociedade. Da a necessidade de um

    mediador atento e bem preparado.

    A crtica omenta tambm a curiosidade em torno do objeto

    artstico, ajusta-o a um tempo, tanto por seu encaixe nele

    quanto pelo seu deslocamento; suspendendo-o entre asideias e pensamentos, articula-o a outros modos de azer e de

    pensar, a outras pocas; desasossega-o; a crtica prolonga ou

    az ecoar o impacto de uma criao artstica.

    A Bahia j teve tradio crtica e j operou em dilogo

    com o resto do Brasil, contudo, nas ltimas dcadas, um

    isolamento cultural se observa. Tanto o cenrio local oi

    empobrecido com a diminuio de espaos de crtica quanto

    a circulao e o debate da produo do estado oram ao

    quase desaparecimento. Salvo raras excees, a arte local

    no ultrapassa a nossa cidade, em veiculao e discusso, e

    no porque no haja boa produo local, mas porque, sem a

    crtica especializada, as discusses inexistem e os dilogos,

    consequentemente, idem.

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    A necessidade de ampliar a discusso levou-nos a articular

    o local ao nacional; nenhum isolamento sinnimo de boa

    estratgia, e as estratgias so vrias: seminrio, ocinas

    e a publicao de livros que tanto oeream sociedade os

    resultados dos concursos quanto permitam mais uma orma de

    circulao da arte e do pensamento sobre a arte da Bahia para

    ora de seus limites geogrcos, alcanando prossionais,

    interessados e curiosos sobre o que produzimos aqui.

    Como coordenadora de Literatura da Fundao Cultural,proessora de Literatura e pesquisadora, alio-me e coaduno com

    os demais no que diz respeito necessidade de desenvolver

    ormas de circulao do pensamento crtico no estado.

    Assim, no apenas convido a todos, artistas e interessados, a

    participarem conosco no Programa como tambm convoco-os a

    lerem e diundirem os textos presentes neste livro: prossionais

    do campo cultural e crtico analisam desde suas perspectivas o

    campo da crtica e os ganhadores do concurso oerecem leituras

    originais sobre produtos artsticos de nosso estado.

    Nesse volume, uma ampla e variada discusso sobre o campo

    da crtica acontece em textos de convidados que estiveram

    conosco no primeiro Seminrio. Antonio Marcos Pereira,

    crtico literrio, proessor e bom leitor, incursiona pelos

    desaos de ormao e de caminhos a percorrer por quem

    decide ser um crtico. Desde seu lugar de crtico literrio,

    ele relaciona, atravs de sua experincia, o azer do crtico

    ao conhecimento necessrio para eetivamente chegar a

    praticar uma crtica que de ato seja pertinente no campo

    artstico-cultural, discute ainda os ambientes ormais da

    crtica, a internet como espao promissor, e analisa o olhar

    de alguns crticos que lhe chamam a ateno. Rachel Esteves

    Lima, pesquisadora do campo da crtica e proessora, debate

    o papel do crtico e o espao da crtica no Brasil, chegando

    tambm metacrtica e apontando as tensas relaes nessecampo. Carlos Bonm, pesquisador e proessor do campo

    interdisciplinar, discute a crtica desde os prprios objetos

    artsticos e seus autores, revelando, com diversos exemplos,

    a impossibilidade de um nico olhar ou um nico mtodo.

    Da msica s artes visuais, o autor mostra as incoerncias

    e encontros entre crtica e arte, apontando tambm o lugar

    da recepo. Alm dos convidados, esse exemplar traz as

    resenhas crticas vencedoras de vrias linguagens como

    msica, literatura, cinema, artes visuais, HQ, circo, dana e

    teatro.

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    O democrtico acesso cultura bem como o incentivo aos

    criadores do estado so eixos das polticas da Secretaria

    de Cultura, portanto, so parte da misso que temos, o que

    nos leva ao constante dilogo sobre como melhor diundir

    e incentivar todos os caminhos dessa produo. Para que o

    discurso vire ato e as polticas modiquem positivamente a

    realidade da recepo das artes na Bahia e por que no no

    Brasil comecemos todos pelas pginas desse livro.

    A aguda observao de um crtico pode mudar a histria de umartista e de sua obra. algo similar luz experimentada por

    cada sujeito em um instante sublime de criao.

    Milena Britto de Queiroz coordenadora de Literatura da Fundao Cultural do Estado

    da Bahia, Doutora em Literatura Brasileira, Proessora Adjunta da Universidade Federal

    da Bahia e colaboradora do Jornal A Tarde.

    SUMRIO

    29 ....................................................EU ERA UM CRTICO JUVENIL

    Antonio Marcos Pereira

    45 .................................................. QUEM PRECISADE CRTICOS?

    Carlos Bonm

    59 ........................... RECONFIGURAES DA CRTICA LITERRIANA

    CONTEMPORANEIDADERachel Esteves Lima

    ARTES VISUAIS

    77 .................................... A POTICA-POLTICA DOS OUTDOORS

    Vladimir Oliveira

    83 ......................................................................O CORPO IMPVIDO

    Fbio Gatti

    89 ................................................A PINTURA DE MIKE SAM CHAGAS

    Ed Carlos Alves de Santana

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    AUDIOVISUAL

    95 .........................................................DA ARTE E SUAS TRUCAGENS

    Raael Carvalho

    99 .....................JOGO DE CENA NOS LIMITES DO DOCUMENTRIOAlex Hercog

    105 ............................A INSUSTENTVEL LEVEZA DA ARTE EM UMAVIDEOINSTALAO

    Albensio Fonseca

    111 ..........................................A ARTE DE DOCUMENTAR A FICO

    Amanda Aouad

    CIRCO

    117 ..................AS FULANAS, O CIRCO, O IMAGINRIO DO CIRCO E OGRAN CIRCUS

    Robson Mol

    123 .................................................... O PICADEIRO DO DIA A DIA

    Fabio Dal Gallo

    129 .................... DECOLAGEM COM DESTINO AO MUNDO DO CIRCO

    Cristina Macedo

    DANA

    135 ..............HIPERTEXTO PARA RTULO DE ESPETCULO DE DANA

    Mara Spanghero

    141........DA PELE ALVA AO NEGRO CARVO: ANTROPOFAGIAS DE UMCORPO MESTIO

    Laura Pacheco

    145 .......................................................... TRAVESSIA SINGULARRita Aquino

    LITERATURA

    149 ............................................ SINCRETISMO EM QUADRINHOS

    Tiago Canrio

    153 .................................... O INCIO DE UMA FESTAPROMISSORA

    Tom Correia

    157 ....................................LUNARIS: A EXTENSO DO VIVIDO, DAMEMRIA E DA IMAGINAO

    Jurandir da Cruz Rita

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    Antonio Marcos Pereira

    Como se az um crtico literrio? Como que algum se torna

    crtico literrio? Como que eu vou azer para me tornar um

    crtico literrio? Essas perguntas me interessavam muitoantes, quando eu almejava a condio de crtico. Projetava a

    condio idlica que seria essa, a de um prossional do campo

    literrio, uma pessoa que goza de privilgios, como os de

    receber livros de graa das editoras, ter seus textos impressos

    no jornal com seu nome, e tudo isso apenas consequncia de

    um luxo maior, que o ato de as pessoas se interessarem

    pelo que voc tem a dizer a respeito do que leu. Que trabalho

    poderia ser melhor que esse?

    Essas perguntas, claro, revelam a apreenso, necessariamente

    parcial (e algo caricatural) que prpria de um amador, de

    uma pessoa sem experincia diante da complexidade de um

    exerccio prossional. Amador sem dvida eu era na poca

    em que me azia essas perguntas: era muito jovem, estava

    ingressando na Universidade, e estava ainda meio atnito

    EU ERA UM CRTICO JUVENILMSICA163 ............................................VOIL: MADEMOISELLE RHAISSA

    Nvea Lzaro

    TEATRO

    169 .............................................A OUTRA VIAGEM DE PRSPERO

    Celso Jr.

    173 ............ALUGO MINHA LNGUAE A LIQUIDEZ DO QUE SE CRITICA

    Mnica Santana

    177 ............................................ HOMOSSEXUALIDADE EM PAUTAMateus Schimith

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    com relao a tantas coisas imponderveis e indecirveis,

    de Marx marijuana, do sexo ao sintagma. Era, com certeza,

    completamente alheio s vicissitudes que so, via de regra,

    to constitutivas do trabalho quanto a ponta de iceberg mais

    glamourosa que era para mim perceptvel; eu simplesmente

    no sabia direito o que signicava ser um crtico literrio,

    quais as implicaes desse trabalho. Mas sabia do desejo e

    isso era, ento, bastante para continuar desejando.

    Procuro trazer essas questes para a abertura do textodesejando azer algo que o ttulo do ensaio tambm intenta,

    que espicaar a curiosidade do leitor a respeito da ormao

    de uma pessoa interessada em abraar o comentrio de

    literatura como parte de um exerccio prossional. assim,

    portanto, que penso em me dirigir, de maneira mais direta,

    queles leitores que so, tambm, crticos juvenis, crticos

    em ormao, crticos que ainda tm no currculo mais

    desejo de azer que coisas eitas, mais projetos que carreira

    e publicaes. Esses so, imagino, alguns dos crticos que

    inscreveram suas propostas ao Concurso da FUNCEB realizado

    em 2011, e so tambm os alunos da Universidade, que volta

    e meia me perguntam algo sobre o trabalho de crtico, ou

    aqueles que azem questes no nal de uma palestra ou deuma apresentao a respeito de alguma aceta do trabalho do

    crtico tal como percebido e compreendido por mim.

    Claro: para todas as questes que proponho aqui, no tenho

    resposta geral, universal nem acho que ela seria interessante.

    Mas tenho uma resposta, a do meu caso, de um conjunto de

    experincias que me trouxeram at aqui e que, acho, podem

    ser teis para pensar a crtica literria de maneira mais

    contextualizada, imbricada na vida e se transormando diante

    dos nossos olhos e por ora de nossas aes, na dinmica

    prpria de nossa acelerada histria recente. Acredito que azer

    a resposta pras questes que abrem o texto passar por um

    relato de experincias pessoais uma maneira de valorizaro particular e o idiossincrtico que no termina a, que no

    se esgota em si mesma, em um esquema tipo Esta minha

    vida. O que vida, bios, biogrco aparece aqui como uma

    estratgia para dizer uma coisa muito simples, mas muito

    corriqueiramente esquecida: cada texto produzido ao mesmo

    tempo se inscreve e atravessado por uma histria que marca

    a pessoa que o produz de uma certa maneira. Fora dessa

    histria no h texto, no h leitor, no h escritor, no h

    literatura nem, evidentemente, sua crtica1.

    1 Essas consideraes so elaboradas com o devido detalhamento no

    livro Contingencies o Value: Alternative perspectives or critical theory (Cambridge:

    Harvard University Press, 1988).

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    33

    II

    No processo de preparao desse texto, ensaiando as ideias

    e possibilidades disponveis dentro dos limites de tempo e

    espao indicados a mim pelos editores, me ocorreu primeiro

    explorar uma opo de debate com um texto conhecido de um

    dos crticos e proessores de teoria literria mais importantes

    na histria desses temas aqui no pas, Luiz Costa Lima.

    Intitulado Da existncia precria: o sistema intelectual no

    Brasil2

    , nele Costa Lima critica com dureza o que julga seremhbitos constitutivos de nosso sistema intelectual, aspectos

    do que seria um jeito brasileiro de pensar. um trabalho que

    oi muito signicativo em minha ormao, que me conduziu

    a refexes importantes na construo de um entendimento

    de nossas particularidades como nao, traduzidas no legado

    intelectual de uma certa tradio brasileira. Um dos pontos

    centrais na crtica de Costa Lima o que ele chama de nossa

    cultura auditiva, e que seria perceptvel na maneira como

    certas ormas de produo textual oral terminaram, entre ns,

    por ter privilgio e preponderncia diante de maniestaes

    escritas, o que seria, em seu juzo, algo nocivo para o

    forescimento de um eetivo pensamento crtico local.

    2 Texto includo no livro de Luiz Costa Lima, Dispersa Demanda: Ensaios

    sobre literatura e teoria (Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1981).

    Minha ideia inicial era contrariar um pouco Costa Lima, e sugerir

    que h uma elaborao local de crtica cultural que realizada

    nessa matriz da oralidade, do exerccio da conversao, e que

    justamente nessa especidade que se encontra sua ortuna.

    Assim, meu interesse era redescrever a proposta crtica inicial

    de Costa Lima, sugerindo valor onde ele percebe carncia, e

    demonstrando como, em minha experincia, seria possvel

    constatar um grau de elaborao do pensamento critico que

    oi orjado em dilogos vagabundos no intervalo das aulas

    no ptio da Faculdade de Filosoa, ou em conversas de mesade bar espaos de sociabilidade sem nobreza e pouco

    explorados como ontes relevantes para esse tipo de discusso,

    a respeito da crtica, como e onde ela acontece. Tais espaos e

    tais prticas de interao totalmente ora do circuito do escrito

    oram cruciais inclusive para me levar ao escrito, para me azer

    compreender possibilidades retricas e para permitir que eu

    adotasse certas tticas argumentativas que, ao remontar a

    uma orma de desenvolvimento do raciocnio mais prxima da

    conversa, se mostravam ruteras.

    Outra ideia que contemplei oi a de explorar um captulo do

    conhecido livro de memrias de Claude Lvi-Strauss, Tristes

    Trpicos3 um livro que, sabemos, se ocupa muito do Brasil,onde o amoso antroplogo rancs lecionou, ez trabalho de

    3 Claude Lvi-Strauss, Tristes Trpicos (So Paulo: Companhia das Letras,

    1996. Traduo de Rosa Freire D'Aguiar).

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    4 35

    campo, e praticamente iniciou sua carreira. Em dois captulos

    seguidos, Olhando para trs e Como se az um etngrao,

    Lvi-Strauss expe um recenseamento de sua ormao,

    indicando como os vrios cursos que ez na Universidade, de

    Filosoa a Direito, o conduziram a uma espcie de revelao

    no momento em que, enm, leu um livro de Antropologia.

    Alm disso, ele diz que sua carreira oi decidida em um

    domingo [...] com um teleonema, no qual um proessor que

    conhecia oereceu-lhe a oportunidade de vir para o Brasil

    lecionar sociologia na USP e estudar os ndios. Os arredoresesto repletos de ndios, aos quais voc dedicar seus ns

    de semana, disse o proessor Clestin Bougl, de acordo

    com Lvi-Strauss, nesse teleonema. Mas preciso dar sua

    resposta denitiva [] antes do meio-dia. Sabemos, claro, que

    a resposta oi armativa: Lvi-Strauss diz comear a se tornar

    aquilo que az com que, hoje, discutamos seus trabalhos e seu

    legado intelectual, a, nesse momento, nesse teleonema, que

    vem a reboque de uma revelao anterior, de que seu interesse

    estava no na losoa, nem no direito, mas sim na etnograa.

    Minha ideia era contrastar essa narrativa do Lvi-Strauss com

    alguns paralelos que encontrava em minha prpria histria.

    Assim, exploraria como, partindo de um curso na Faculdadede Filosoa e Cincias Humanas, ui gradualmente migrando

    para questes ans rea de Letras primeiro para a losoa

    da linguagem, depois para o desenvolvimento histrico da

    lingustica e de suas relaes com a antropologia e, por

    m, para a crtica literria. Alm disso, contaria tambm

    como comecei a publicar em um jornal do Rio de Janeiro

    um evento importante para mim, que marca o abandono de

    certa condio amadorstica (escrevia de graa, quando e

    como queria) e sua substituio por um exerccio prossional

    (escrevendo sob remunerao, contrato, e obedecendo a

    prazos e limites de espao estabelecidos pela editoria). Em

    meu caso, no ocorreu a partir de um teleonema, mas de ume-mail, produzido por um editor que, atuando como olheiro

    em um site no qual eu costumava publicar minhas resenhas,

    perguntou se eu no desejava escrever para o jornal.

    Veja que h de ato certos paralelos que podemos explorar. Mas

    minha motivao estava, justamente, em exibir as limitaes

    desses paralelos, criticando coisas que me incomodam na

    maneira como Lvi-Strauss descreve seus incios. Claro: os incios

    so dele, e ele os descreve como quiser. Mas, indo um pouco alm

    disso, no interesse de dialogar com a obra de algum que veio

    antes e produziu uma obra de relevncia inegvel, poderamos

    pensar naquilo que, em meu prprio caso, muito mais saliente

    que os incidentes que relatei antes, que so os processos depreparao e desenvolvimento por trs de cada um deles.

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    Assim, e apesar de uma certa atividade contempornea de

    divulgao que busca avorecer mesclas e livre-trnsito entre os

    campos do saber, construir uma carreira interdisciplinar, movida

    antes pela curiosidade e pelo magnetismo irresistvel que certos

    temas, debates e ormas de produzir saber exerciam sobre mim,

    oi e continua sendo um processo que est longe de correr

    tranquilamente. Ao mesmo tempo que tal trajetria me propiciou

    muito do ponto de vista de alargamento de perspectivas, da

    ampliao do repertrio de reerncias e do entendimento do

    uncionamento das instituies contemporneas ligadas aoconhecimento, sua produo, preservao e divulgao , est

    longe de ter sido um processo cil, que correu sem problemas,

    ou teve lugar num espao puramente intelectual. Nada disso:

    desde diculdades de manuteno pessoal e entraves para

    assumir postos prossionais, passando pela questo das

    aliaes e dinastias institucionais, e pelas estruturas que levam

    muitos a desconar, mesmo sem qualquer evidncia eetiva de

    incompetncia, de gente que sai mudando de rea, tudo isso oi

    to parte do processo quanto seus aspectos mais especulativos e

    imateriais. E pela mesma via, o e-mail que unciona como marco

    de mudana, e que eetivamente muda uma condio, acontece

    a reboque de inmeras investidas e preparaes: dezenas de

    debates travados nas j antigas listas de discusso por e-mail,

    inmeros textos produzidos e publicados em blogs, anzines,

    publicaes alternativas, tudo isso constri a condio que o

    editor-olheiro encontra ao ler a resenha que eu tinha produzido

    sem qualquer conscincia de seu uturo valor dramtico. A partir

    dela a partir da maneira como expunha meu juzo a respeito

    de um objeto literrio, inserindo-o em determinado circuito

    de provocaes e trabalhando para persuadir o leitor de que o

    juzo ali estabelecido era justicvel outro sujeito, com outro

    posicionamento no campo literrio, oerece uma possibilidade

    que continuo aproveitando. Mas seria provavelmente ccionalizar

    em demasia dizer que esse incidente, esse e-mail, o que decideuma carreira, o que az de mim um crtico literrio. Como diz o

    crtico argentino Reinaldo Laddaga, h livros porque estes livros

    oram escritos por indivduos cujos esoros constantes se dirigem

    a constituir as ormas de organizao do tempo e do espao,

    os sustentculos econmicos e emocionais necessrios para

    que se possam executar, de maneira cotidiana, as operaes,

    usualmente complexas, que resultam em seus textos. Do

    mesmo jeito que isso unciona para os objetos privilegiados da

    crtica literria, os livros, unciona tambm para as produes da

    prpria crtica literria: preciso organizar o tempo e o espao de

    uma dada maneira, preciso encontrar sustentculos materiais,

    econmicos, emocionais para azer acontecer isso que chamamos

    de critica. Caso houvesse escrito esse texto, comentando as

    semelhanas e dierenas entre a narrativa de Lvi-Strauss e

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    minha experincia, tentaria explicitar como descrever processos

    dessa ordem desse jeito pode ser interessante e relevante para

    que entendamos como a crtica unciona hoje.

    III

    Essas ideias, se colocadas em operao e transormadas

    no ensaio que me havia sido solicitado, me permitiriam,

    acredito, pelo menos duas coisas. Por um lado, me dariam

    a oportunidade de lidar com textos importantes na minha

    ormao, o que me levaria, ao mesmo tempo, a valorizar a

    tradio crtica uma vez que eu teria de me esorar para

    dialogar com as obras produzidas por aqueles que vieram

    antes de mim, construindo uma exposio com argumentos na

    medida do possvel persuasivos e a valorizar meu prprio

    texto uma vez que, no processo de discutir o trabalho de

    outros autores, tomo de emprstimo e ao uso de algo de sua

    autoridade e do sedimento histrico que se agrega aos seus

    nomes e, na medida em que me mostro capaz de dialogar com

    eles, provo algo do meu valor tambm.

    Entretanto, as condies de circunstncia pareciam trabalhar

    contra essas ideias. No tinha tempo suciente, acossado

    como de praxe por mil demandas do trabalho e do cotidiano.Tambm reconhecia ter pouca pacincia para estruturar os

    argumentos com a devida meticulosidade e, ao mesmo tempo,

    sabia que investir numa exposio mais meticulosa poderia

    conerir ao texto um carter de argumentao mais cerrada e

    tcnica, limitando talvez gratuitamente as possibilidades

    de comunicao com a audincia, e isso no me interessava

    desejava exatamente o contrrio, desejava ser lido e

    compreendido sem a necessidade de muitos pr-requisitos

    para isso. Assim, comecei a imaginar alternativas e terminei

    por encontrar aquela que se expe no incio do texto, numa

    tentativa de responder quelas questes ali expostas inclusive

    para mim mesmo, de maneira que me parecesse ao mesmotempo ajustada a um propsito ilustrativo e estimulante o

    suciente para gerar outras conversaes.

    Nesse processo, recuperei um incidente ocorrido h muito tempo

    e do qual no lembrava h anos. Ele tem lugar em um espao

    particularmente ligado ao exerccio da crtica: a Biblioteca

    Pblica, instituio que unciona como espao de socializao

    e interao, mas que prioritariamente oerece os recursos

    para o labor silencioso e concentrado da leitura, do encontro

    privado com os textos. Lembro das inmeras visitas Biblioteca

    Central dos Barris, quase sempre indo s, com meu carto de

    biblioteca: era um caminho cil, bastava saltar na Estao da

    Lapa, subir uma escadinha, andar uns dois quarteires e pronto.L podia usuruir de muito mais que os livros que tomava de

    emprstimo: havia sossego, a possibilidade de passar o tempo,

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    abundante na adolescncia, em umas cadeiras que cavam

    ao redor do jardim interno e, nelas, no apenas car absorto

    na leitura e esquecido de tudo como tambm, eventualmente,

    executar aquele movimento de interrupo da leitura para

    olhar ao redor e pensar no que havia lido. Era uma aventura

    de instruo catica, pois no havia outro mtodo a no ser

    passear pelas estantes, manuseando os volumes at encontrar

    algo de interesse e, depois, por esse interesse prova na leitura,

    ver se o livro valia a pena, se a leitura me prendia. Era melhor,

    por inmeras razes, do que car em casa. Era bom.

    Nessa poca, incio da adolescncia, digamos 1985 ou 86, eu lia

    quase exclusivamente aquilo que poderia chamar hoje de co

    de gnero: livros de co-cientca, horror, policiais. Ca

    nessa literatura creio que por obra e graa da amosa Coleo

    Vaga-lume, usada como paradidtico na escola, e da prossegui

    por conta prpria. Assim, num dia qualquer, do qual no lembro

    mais nada a no ser esse incidente, estava na biblioteca, entre

    as estantes, procurando mais um livro de Julio Verne para ler.

    J tinha lido vrios dos mais amosos e indubitavelmente

    aventurescos e movimentados Volta ao mundo em oitenta

    dias, Vinte mil lguas submarinas, Viagem ao centro da Terra

    e restavam aqueles cujos ttulos me deixavam em duvida O nurago do Cinthia, Dois anos de rias, Tribulaes de

    um chins na China. Ser que esses livros so bons?, me

    perguntava. Ser que vai valer a pena tentar ler um desses?

    Estava assim, hesitando h um tempo j, quando um rapaz

    que estava perto de mim me abordou, perguntando algo como

    Voc gosta de co, n? Entendi que ele se reeria co-

    cientca: era assim tambm que meu pai se reeria ao gnero,

    e eu mesmo, acho, caso algum me perguntasse a respeito

    de minhas preerncias, poderia ter dito Gosto de co

    querendo dizer Gosto de co-cientca. Mais de vinte anos

    se passaram, e lembro muito pouco desse rapaz que estava ao

    meu lado na biblioteca lembro que, como eu, usava culos,e talvez estivesse com um uniorme, ou com uma camisa de

    uniorme escolar, no sei. Lembro que era negro, magro, mais

    alto que eu, certamente mais velho e que, quando disse que

    gostava, sim, de co, ele pegou um livro na prateleira e me

    disse Pegue esse. bom.

    bem possvel que eu no tenha gostado dessa interveno

    voluntariosa em meu processo decisrio mas, seja como or,

    decidi conar, peguei o livro e dele, ao contrrio do rapaz que

    o recomendou, lembro muito bem: era uma edio de bolso,

    provavelmente da Edies de Ouro, de alguns contos de

    H. G. Wells, poucos contos um deles era A porta verde no

    muro, que dava ttulo ao livro. Hoje, conerindo na edio quepossuo dos contos de Wells4, vejo que o ttulo original The

    4 H. G. Wells, Selected Short Stories (London: Penguin Books, 1979).

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    door in the wall, mas a porta da histria era de ato verde, e

    o tradutor achou por bem incluir logo esse elemento no ttulo

    uma licena que pode ser censurada, mas que eetivamente,

    em minha imaginao juvenil, transormou o que seria uma

    descrio do mais puro prosaico em algo que tinha um certo

    poder evocativo. E a histria , toda, uma espcie de evocao

    de uma experincia undamental que se repete algumas vezes

    para o personagem principal: na inncia, ele tem acesso a uma

    passagem miraculosa que o transere para um mundo mais rico.

    Essa viso o magnetiza enormemente, e a experincia se repetealgumas vezes; os anos passam, at que sua possibilidade

    desaparece e isso consome e derrota o protagonista.

    Muito bem: essa leitura, ocorrida naquele momento por

    obra e graa da recomendao de um estranho, representou

    provavelmente meu primeiro encontro com uma alegoria em

    literatura. Eu no sabia o que era uma alegoria, mas sabia sim

    que aquilo que eu havia lido era dierente: era estranho, inslito,

    parecia querer dizer alguma coisa que eu no sabia muito bem o

    que era. Nos livros que estava habituado a ler sempre sabia o que

    tinha acontecido na narrativa e, tambm, comigo mas, nesse

    caso, no. A recomendao daquele rapaz tinha me dirigido

    ao mundo da experincia esttica como uma experincia deestranhamento, de deslocamento de categorias habituais, de

    renovao da percepo: a partir dali, e do enigma instalado por

    essa leitura, a srie literria explorada por mim mudou, passou

    a incluir coisas mais arriscadas, passei a requentar outros

    corredores da biblioteca. Ele, com tranquilidade, localizou

    meu espao de interesses e, aproveitando-se desse espao de

    interesses, sugeriu um ligeiro deslocamento. Baseado em sua

    experincia prvia de leitura e no que ele, por sua observao

    e pela resposta que obteve pergunta, ineriu ser a minha, ele

    empenhou seu juzo de valor para avorecer meu encontro com

    aquele livro e esse encontro uncionou. Hoje um antasma

    impreciso em minha memria, aquele rapaz annimo aomeu lado nos corredores da Biblioteca Central dos Barris oi o

    primeiro crtico literrio que conheci, em quem conei e graas

    a quem, de alguma maneira, estou aqui.

    Antonio Marcos Pereira nasceu em Salvador e estudou na UFBA (onde ez a graduao)

    e na UFMG (onde ez o mestrado e o doutorado). Desde 2007 trabalha como Proessor

    Adjunto no Departamento de Letras Vernculas do Instituto de Letras da UFBA, onde

    az parte do Ncleo de Estudos da Crtica, coordenado por Rachel Esteves Lima. Desde2008 escreve resenhas para o caderno Prosa e Verso do jornal O Globo, e desde 2009

    est trabalhando em um livro sobre o autor brasileiro Bernardo Carvalho e um estudo

    biogrco sobre o autor argentino Juan Jos Saer.

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    Carlos Bonm

    O disco do ano

    O cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro lanou no

    primeiro semestre de 2012 seu novo disco. Se voc ainda no

    o ouviu, saiba: tem tudo para se transormar no novo megahit

    do Youtube, no hype dos ringtones. Caetano Veloso e Nelson

    Motta alaram muito bem do lbum e agora alta apenas que

    a revista Rolling Stone o destaque em sua capa e que a Folha

    de S. Paulo e os demais meios de comunicao dediquem

    generosos espaos a este que , sem dvida, o disco do ano.

    Sim, o que voc leu no pargrao acima uma glosa da letra da

    cano Mame no Face, cano que encerra O disco do ano,

    de Zeca Baleiro. Como se adverte, tanto o ttulo do CD quanto a

    letra desta cano remetem, sua maneira, s ldicas ironias

    (ou ao sarcasmo?) presentes em outros trabalhos deste artista.

    Mame no Face pode ser entendida como mais uma daquelas

    recorrentes investidas artsticas contra a espetacularizao

    QUEM PRECISA DE CRTICOS?

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    exacerbada e a busca rentica pelo sucesso1, mas tambm - e

    sobretudo - contra mediadores de todo tipo:

    Mame / Eu z o disco do ano / E at mesmo Caetano

    / Parece que aprovou / Mame / Eu sigo na minha rota

    / Veja s o Nelson Motta / Disse que o disco show /

    S alta que a Folha de So Paulo / Comece a incens-lo

    / Dizer que eu sou o cara / Ou ento / Que os rapazes

    da Veja / Me chamem pruma cerveja / Veja s que coisa

    rara (...) S alta / Ser capa da Rolling Stone / O hype dosringtones /O megahit no youtube (...)

    (Mame no Face, Zeca Baleiro)

    Trilhado gesto blas que desdenha da crtica? Ou dardo atirado

    na direo dos anseios de criadores pouco inspirados? Ou

    ambos? Pensando no livro em que este texto ser publicado e

    nos objetivos que persegue, opto provisoriamente por explorar

    e discutir a primeira hiptese. Para que servem, anal, os

    mediadores? Quem so estas vozes percebidas muitas vezes

    como investidas de um poder que sejamos maniquestas por um

    1 Algum a se lembrou da melhor banda de todos os tempos da ltima

    semana, dos Tits, por exemplo?

    breve momento - consagra ou condena obras? Simultaneamente

    temido e desejado, o crtico atua no to necessrio e pouco

    compreendido espao do debate qualicado.

    Deste modo, mais ou menos consensual o entendimento de

    que o comentador de arte ou deveria ser um prossional

    que busca com seu trabalho contribuir no apenas para

    desvelar os sentidos plurais de uma determinada obra, mas

    tambm responder s interpelaes eitas por obras e por

    artistas. Subsidia, assim, como especialista, aproximaespossveis s obras de arte; e mais: contribui para as vitais

    refexes sobre as indagaes estticas e ticas de seu tempo.

    Anal, se recordamos o que diz Jacques Attali a respeito da

    msica e que podemos ampliar s demais linguagens

    artsticas , a arte se oerece como memria, como espelho

    e como proecia. Memria porque nela est contida parte de

    nossa histria cultural, espelho porque refete uma realidade

    em movimento, refete a abricao da sociedade; e proecia

    porque anuncia os rumos possveis de nossas sociedades,

    porque explora, dentro de um cdigo dado, todo o campo do

    possvel mais rapidamente do que a realidade material capaz

    de az-lo. Ela az ouvir o mundo novo que, pouco a pouco, se

    tornar visvel, se impor, regular a ordem das coisas2. Antes,

    2 Jacques Attali, Ruidos. Ensayo sobre la economa poltica de la msica.

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    porm de explorar um pouco mais estas categorias propostas

    por Attali, me parece oportuno trazer mais alguns elementos

    a esta discusso. E comeo evocando uma passagem de um

    artigo que publiquei h alguns anos a respeito da 26 Bienal

    de Artes de So Paulo.

    Algumas Bienais, para comear

    Isso aqui pra mim antes era lixo. Agora sagrado. Agora

    arte...

    A convite do programa Metrpolis, transmitido pela TV Cultura

    de So Paulo, o artista Marcelo Garcia realizou no nal de

    2004, um vdeo sobre a 26 Bienal Internacional de Artes de

    So Paulo. No vdeo, que tem uma durao aproximada de 3

    minutos, acompanhamos o trajeto de uma das uncionrias

    encarregadas da limpeza do edicio da Bienal. s imagens

    da vassoura e dos ps passeando pelo piso do edicio, so

    intercaladas algumas rases da uncionria. A rase que encerra

    o vdeo a que aparece transcrita acima, a modo de epgrae.

    Trata-se de uma rase que parece de certa orma ecoar o convite

    estampado na achada lateral do edicio da Bienal: Ns

    Mxico, Siglo XXI Editores, 1995, p. 15-22.

    queremos chocar voc logo na entrada... Embora o convite-

    slogan se aproxime bastante de um dos aspectos centrais

    do esprito neoliberal ainda em voga3, ambas rases a da

    uncionria e a do convite remetem ao que, supe-se, uma

    das tareas da arte: interpelar.

    O encontro com aquele monte de jornal velho, com latas e

    baldes enerrujados, gros de milho, entulhos diversos, com

    o lixo, enm, sendo contemplado como arte, provocou na

    uncionria da limpeza o comentrio (irnico, reconhea-se) que resume boa parte da percepo que uma parcela

    considervel do pblico tem da arte contempornea. Neste

    mesmo sentido, me parece oportuno voltar alguns anos e

    recordar ao menos um dos desdobramentos de uma outra

    edio da reerida Bienal (a 23, realizada em 1996). Tendo

    como tema A desmaterializao da arte no nal do milnio,

    aquela 23 edio estabelecia um dilogo com a Bienal

    imediatamente anterior, cujo tema havia sido Ruptura

    de Suportes. Pois bem, entre os diversos e polmicos

    desdobramentos derivados daquela 23 edio4, inclui-se e

    3 ...este ano a Bienal grtis, completa-se a rase no convite da

    achada.

    4 Sob a presidncia do amoso ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, a

    Fundao Bienal cou conhecida como Bienal-empresa e oi muito criticada, por

    exemplo, pelos altos custos de produo, pela opo prioritria por nomes consagra-

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    aqui voltamos a Zeca Baleiro a cano Bienal, gravada no

    CD V imbol (1999).

    A letra, que toma como mote o tema daquela edio e matrias

    a ela relacionadas, publicadas na imprensa, traz versos como

    estes:

    Desmaterializando a obra de arte no m do milnio

    Fao um quadro com molculas de hidrognio

    Fios de pentelho de um velho armnio

    Cuspe de mosca, po dormido, asa de barata torta

    Meu conceito parece, primeira vista,

    Um barrococ gurativo neo-expressionista

    Com pitadas de art nouveau ps-surrealista

    calcado na revalorizao da natureza morta (...)

    Trata-se, como se adverte, de uma cano cuja letra aponta ao

    mesmo tempo tanto para os modos de recepo da ar te quanto

    dos e pelas agressivas estratgias de marketing que terminaram por inserir no debatequestes que, como se viu poca, transcendiam em muito o mbito artstico.

    para o recorrente debate sobre os excessos da arte auto-

    reerente, eita por e para iniciados. E mais: aponta ainda para

    os esoros que azem determinados artistas e comentadores

    ao tentar escamotear inconsistncias com rocambolescas,

    incompreensveis e desnecessrias explicaes. E assim,

    tal como observa Monclar Valverde, os que no so bem

    inormados, que no azem parte do mtier, quando se

    deparam, num museu, com instalaes e objetos retirados

    de seus contextos prticos, no sabem como reagir, sentindo-

    se perdidos, quando no simplesmente enganados5.

    Mas no apenas os que no so bem inormados... Num artigo

    intitulado Ensaio sobre a raude, o jornalista Mino Carta se

    insurge indignado contra o que ele dene como globalizao da

    parvoce. Reere-se, em seu texto, por exemplo, consagrao

    miditica de ches dedicados cozinha molecular apresentada

    como obra de arte e ao modo como o undamentalismo

    neoliberal contribuiu para promover embustes e entorpecer

    o senso esttico e outros sentidos, em nome da moda, da

    novidade, do up-to-date6. No me parece casual, neste sentido,

    5 Monclar Valverde, Esttica da comunicao sentido, orma e valor nas

    cenas da cultura, Salvador: Quarteto, 2007, p. 274

    6 Carta Capital, no. 552, 1 de julho de 2009, p. 76-79.

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    que como num dilogo involuntrio com estas percepes o

    curador da recm inaugurada 30 edio da Bienal de So Paulo,

    o venezuelano Luis Prez-Oramas, anuncie sua aposta por uma

    Bienal inteligente, no bombstica...

    Acessrios prescindveis?

    Nesta mesma direo, valeria a pena recordar algumas das

    intervenes eitas por um grupo de escritores convidados para

    um encontro literrio promovido em 2003, em Sevilha, pela

    prestigiosa Editora Seix Barral. Apresentados ao pblico como

    jovens escritores latino-americanos, estes artistas dedicaram

    boa parte de suas intervenes a discutir cada um dos termos

    presentes no enunciado: o que signicaria ser jovem,

    escritor e latino-americano? Para o que nos interessa

    neste texto, destaco to somente o que disseram a respeito

    do segundo destes termos: nestes tempos to espetaculares,

    importa muito mais ser divertido, otognico ou polmico

    e irreverente; um escritor vale mais pelas anedotas que

    por sua obra, arma o argentino Rodrigo Fresn. O escritor,

    prossegue Fresn, deve transcender seus livros. Estes, por

    sua vez, se convertem em quase acessrios prescindveis7.

    7 Rodrigo Fresn. Apuntes (y algunas notas al pie) para una teora del

    estigma: pginas sueltas del posible diario de un casi ex joven escritor sudamericano.

    In: Palabra de Amrica. Barcelona, Seix Barral, 2004, p. 47-74.

    De modo anlogo, o peruano Fernando Iwasaki observa que a

    obra de arte contempornea j no vale por quem a criou, mas

    sim pelo grupo de comunicao que a promove ou representa.

    Que tipo de criador pode ser quem no entrevistado no radio

    e na televiso, quem no aparece nas capas de suplementos

    culturais e dominicais ou quem no tem nenhuma coluna num

    meio de comunicao?8

    Assim, entre egotrips, melindres e vaidades, entre meditadas

    indagaes estticas e embustes, entre pesquisassistemticas, apelos miditicos e pirotecnias, situa-se o

    debate sobre a experincia esttica. Um desao e tanto para

    quem se dedica prossionalmente ao comentrio crtico sobre

    as artes...

    Crtica de artes: demandas (est)ticas

    Interessada em omentar a produo de crtica de artes, a

    Fundao Cultural do Estado da Bahia promoveu em 2011 uma

    srie de aes articuladas em torno do Programa de Incentivo

    Crtica de Artes. Alm do concurso que premiou as crticas

    publicadas neste volume, realizou-se tambm o I Seminrio de

    Crtica de Artes, que contou com a participao de destacados

    8 Fernando Iwasaki. No quiero que a m me lean como a mis antepasa-

    dos. In: Palabra de Amrica. Barcelona, Seix Barral, 2004, p. 47-74.

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    prossionais dedicados s mais dierentes linguagens

    artsticas.

    Entre as diversas questes discutidas por cada um dos

    palestrantes convidados, oi possvel advertir alguns pontos

    mais ou menos consensuais a respeito do exerccio prossional

    da crtica. Embora aparentemente bvias por sua recorrncia

    nestes runs, trata-se de questes que, justamente por serem

    recorrentes, apontam para a atualidade e para a pertinncia

    do debate. Assim, entre os elementos incontornveis numarefexo sobre a crtica incluem-se aspectos como a necessria

    articulao entre a anlise ormal e as relaes que aquelas

    obras estabelecem com seu contexto (artstico, cultural e

    social), o necessrio domnio de um repertrio - o que equivale

    a dizer da necessidade de um conhecimento aproundado sobre

    a linguagem artstica que se avalia, assim como a trajetria

    num campo artstico especco. Do mesmo modo, tambm

    consensual o entendimento do carter sempre circunstancial,

    provisrio, de nossos juzos: os sentidos de uma obra de arte,

    assim como as leituras que azemos dela, esto longe de serem

    universais e perenes. E se alamos de nossos juzos, estamos

    alando tambm de outro aspecto que termina muitas vezes

    por receber ateno apenas tangencial: o gosto, a dimensosubjetiva de nossa aproximao s artes. Sabemos: nossas

    crenas, nossas preerncias e nossos (des)conhecimentos

    denem o modo como nos aproximamos, como entendemos

    os atos de cultura sobre os quais nos pronunciamos. Anal,

    como adverte de modo muito oportuno Antonio Marcos Pereira

    em seu artigo, includo neste volume, cada texto produzido

    ao mesmo tempo se inscreve e atravessado por uma histria

    que marca a pessoa que o produz de uma certa maneira.

    Desta orma, ao lado das depuradas refexes sobre indagaes

    estticas, dos esoros por estabelecer critrios claros de

    julgamento e por discutir os impasses da linguagem, estotambm a requentemente esquecida dimenso passional

    da experincia esttica9 e o contexto scio-cultural em que

    circulam os objetos artsticos e seus leitores. Privilegiar o

    debate entre iniciados, entre especialistas e sob o argumento

    de uma pretensa objetividade e de uma especicidade

    - debruar-se to somente sobre os elementos estticos,

    implica arquivar a dimenso tica. Da que num livro publicado

    recentemente, Jaime Ginzburg chame a ateno para o ato de

    que o trabalho interpretativo exige uma conscincia crtica

    elaborada, por parte do sujeito investigador, a respeito de

    seus interesses e seus critrios de valor. Sem essa conscincia

    crtica, valores no so discutidos, apenas reproduzidos, e com

    9 Monclar Valverde, id, ibid, p. 274

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    isso conservados10. E aqui retomo, para nalizar, a reerncia

    eita acima a Jacques Attali a respeito da arte como espelho,

    como memria e como proecia.

    A considerar os exemplos apresentados ao longo deste texto

    e os contextos scio-culturais pelos quais nos movemos

    (contextos nos quais alar em cidadania cultural, por exemplo,

    soa ora a utopia ou anacronismo, ora a chacota...), no resta

    dvida de que o trabalho de um mediador assume, como

    vimos, contornos que transcendem a dimenso esttica. Aoemitir juzos sobre criaes artsticas, ao denir o que pode ser

    considerado relevante artisticamente, o que estamos azendo

    os atores envolvidos nestes processos escrever nossa

    histria cultural. E no nos altam exemplos de como essa

    histria cultural eita de sistemticas omisses, excluses,

    silenciamentos... Da que os espaos de refexo, do debate

    10 Jaime Ginzburg, Crtica em tempos de violncia, S.Paulo: Edusp, 2012, p. 37.

    qualicado, da ormao continuada em crtica sejam mais do

    que bem vindos.

    Carlos Bonfm coordena, produz e apresenta o programa de rdio Latitudes Latinas,

    dedicado msica e cultura latino-americana (Rdio Educativa FM, Macei, Alagoas,

    e Rdio Educadora FM, Salvador). Doutor em Comunicao e Cultura pelo Programa

    de Ps-graduao em Integrao da Amrica Latina da Universidade de So Paulo,

    possui graduao em Letras pela Faculdade de Filosoa, Letras e Cincias Humanas/USP e mestrado em Estudos da Cultura - Universidad Andina Simn Bolvar - Equador.

    Atualmente proessor do Instituto de Humanidades, Artes e Cincias Pro. Milton

    Santos, da Universidade Federal da Bahia.

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    Rachel Esteves Lima

    Em artigo publicado em 2005, Alberto Dines anunciava,

    inconormado, o m da era do rodap na imprensa1

    . Reeria-se o jornalista ao aastamento dos crticos Aonso Romano

    de SantAnna e Wilson Martins das pginas do caderno

    semanal Prosa & Verso, do jornal O Globo, ocorrida a partir

    da edio de 06 de agosto de 2005. A quebra na tradio

    dos rodaps literrios, herdada da imprensa oitocentista

    europeia, seria atribuda, no caso do jornal que acabava de

    completar 80 anos, conteno dos gastos. A perda dos

    dois ltimos baluartes da crtica de rodap evidenciaria,

    segundo Dines, a desimportncia conerida pela imprensa

    brasileira a um exerccio capaz de oerecer suporte erudito

    ao renascimento da cultura carioca e, por extenso, do Pas. A

    insatisao de Alberto Dines, embalada por um sentimento

    1 DINES, Alberto. Mais uma vitria dO Globo. Acabou a era do rodap

    cultural. Disponvel na internet: www.observatoriodaimprensa.com.br, edio n.341,

    de 09 de agosto de 2005.

    RECONFIGURAES DACRTICA LITERRIANA

    CONTEMPORANEIDADE

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    de cunho nacionalista, coincide com a de inmeros crticos

    literrios, que, nos ltimos anos, vm apontando a perda do

    espao nos jornais como resultante de uma poltica editorial

    baseada na lgica da inormao em detrimento do estmulo

    refexo. Longe do sucessodos suplementos literrios, cujo

    auge ocorrera nos anos 1960 e 1970, a crtica produzida hoje

    nos cadernos culturais teria se colocado a servio das editoras,

    mostrando-se muito mais empenhada em divulgar e promover

    a mercadoria livro do que em analisar e julgar as obras

    segundo parmetros rigidamente construdos com o auxlio dapesquisa acadmica. A consagrao das resenhas no mbito

    dos cadernos culturais, recheadas de otos e ilustraes, nada

    mais seria do que um refexo dessa situao, agravada pela

    substituio dos especialistas em literatura por prossionais

    da rea do jornalismo.

    Paralelamente a esse quadro, na era da subsuno de todas as

    eseras da vida ao capital2, multiplicam-se no Pas os lanamentos

    de revistas culturais, algumas delas direcionadas tambm a

    um pblico consumidor de literatura3. A predominncia da

    imagem no lugar da palavra, insistentemente registrada para

    2 C. JAMESON, Fredric. Ps-modernismo: a lgica cultural do capitalismo

    tardio. Traduo Maria Elisa Cevasco. So Paulo: tica, 1996.

    3 Como exemplos podem ser citadas as revistas Cult, Bravo, Literatura e

    Entrelivros, a ltima, inelizmente, com vida curta.

    conrmar a existncia de uma sensibilidade ps-moderna,

    atingiria com essas publicaes o espao residual at ento

    demarcado para os cultores da literatura. Ocorre, no caso da

    crtica literria e cultural, o que j vinha se passando com a

    poesia e a co, cujos canais de diuso oram, a partir dos

    anos 1990, bastante ampliados, com o investimento editorial

    em revistas como Inimigo Rumor, Azougue, Babel, Poesia

    sempre, etc., e em antologias diversas, com a publicao de

    autores consagrados e iniciantes4.

    Longe de signicar, simplesmente, um desprestgio da

    literatura, o que atualmente ocorre, por conseguinte, a

    perda de um lugar para a interveno do crtico especialista

    nos dirios e peridicos em circulao. E o rodap quem

    4 O investimento nas antologias, que oi bastante intenso na virada do

    sculo, segue seu curso na atualidade. So exemplos de maior sucesso: OLIVEIRA,

    Nelson de. Gerao 90: manuscritos de computador. So Paulo: Boitempo, 2001;

    OLIVEIRA, Nelson de. Gerao 90: os transgressores. So Paulo: Boitempo, 2003;

    OLIVEIRA, Nelson. Gerao 00: rices em rede. Rio de Janeiro: Lngua Geral, 2011;

    HOLLANDA, Helosa Buarque de. Esses poetas: uma antologia dos anos 90. Rio de

    Janeiro: Aeroplano, 1998; MORICONI, talo. Os 100 melhores poemas brasileiros do

    sculo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001; MORICONI, talo.Os 100 melhores contos brasi-

    leiros do sculo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000; RUFFATO, Luiz. 25 mulheres que esto

    azendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2004; RUFFATO, Luiz. Mais30 mulheres que esto azendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record,

    2005; SANTOS, Joaquim Ferreira. As 100 melhores crnicas do sculo. Rio de Janeiro:

    Objetiva, 2007.

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    diria acabou virando revista produzida por e dirigida aos

    universitrios, numa paradoxal tentativa de manter e ao

    mesmo tempo negar a tradio5. claro que no altam aqueles

    que ainda procuram argumentos que orneam sustentao ao

    exerccio da crtica literria, uma rea que, segundo Alberto

    Moreiras, teria perdido sua uno hegemnica na produo

    ideolgica do valor social6. o caso, por exemplo, de Aonso

    Romano de SantAnna, cujas palavras militam em prol da

    recuperao do lugar eetivamente ocupado, at h pouco

    tempo, no apenas por ele, mas por vrios de seus pares, nosjornais brasileiros:

    necessria a manuteno de crticos especializados no

    apenas porque isto retira a atividade do amadorismo, do

    compadrismo, do ocasionalismo, mas porque o crtico mais

    5 Rodap era, sintomaticamente, o nome de uma revista que, no incio

    da dcada de 2000, pretendia, ainda que por denegao, recuperar o espao perdido

    pela crtica literria iniciada como parte do projeto undacionista de Machado de Assis

    e levado adiante pelos modernistas. Na tentativa de romper com o movimentadssimo

    marasmo da indstria cultural e ao mesmo tempo com o investimento no cnone j

    consolidado, seus editores pretendiam operar como mediadores entre a crtica acad-

    mica e o release jornalstico. A revista, entretanto, teve vida curta. C. Rodap. Crtica

    de Literatura Brasileira Contempornea. So Paulo: Nankim Editorial, v.1: 2001, v.2:

    2002.

    6 MOREIRAS. A exausto da dierena.Trad. Eliana Loureno de Lima Reis

    e Glucia Renate Gonalves Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001, p.23.

    que uma pessoa, uma instncia, uma memria viva e atuante

    em sua rea. Ele pode estabelecer melhor que os comentadores

    eventuais, nexos entre obras anteriores dos artistas, porque

    tem obrigao de inormar-se sobre a trajetria e a ormao

    de cada autor dentro de uma viso de conjunto da prpria

    cultura nacional. Alm do mais, o crtico constri tambm uma

    obra que um sistema de ideias. E a leitura da cultura tem

    tanto na obra dos artistas quanto na obra dos crticos dois

    pilares reerenciadores para mtuo entendimento7.

    Observamos, entretanto, que os libis apresentados por

    SantAnna dicilmente se sustentariam em tempos de

    globalizao dos mercados. Isto porque a expanso da

    esera da cultura no chamado capitalismo cognitivo corre

    em sentido contrrio preservao de patrimnios culturais

    essencializados com base no conceito de nao, como quer o

    crtico. Tal projeto s se mostraria cabvel na ase de construo

    de uma sociedade disciplinar, para usar o conceito de Michel

    Foucault, enquanto que, no capitalismo tardio, estaramos,

    7 SANTANNA. Paradigmas do jornalismo cultural no Brasil. Artigo publi-

    cado na Revista Veredas, do Banco do Brasil. Disponvel na internet: http://www.

    bb.com.br/portalbb/page251,138,2517,0,0,1,6.bb?codigoMenu=5253&codigoNoticia=6725&codigoRet=5257&bread=3. Acesso em: 16 set. 2012.

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    segundo a leitura de Gilles Deleuze, entrando na sociedade

    do controle, baseada em uma organizao ps-ordista da

    economia, na qual a principal ora seria o trabalho imaterial,

    que no respeita ronteiras e demarcaes de tareas8.

    Mas poderamos ir ainda alm, perguntando-nos se, realmente,

    a especializao da atividade crtica teria chegado a romper, no

    caso brasileiro, com o compadrio e a parcialidade, como quer

    Aonso Romano de SantAnna. A julgar pelas alas recolhidas

    em uma recenso das mais recentes querelas travadas nomeio literrio nacional, certamente responderamos que no.

    A ausncia de uma crtica isenta, baseada prioritariamente em

    critrios estticos, tem sido apontada com insistncia como

    um dos males da ormao de nosso sistema intelectual. De

    Machado de Assis nova gerao de escritores, passando

    por crticos como Arnio Coutinho e Luiz Costa Lima, dentre

    outros, reitera-se, com grande requncia, a predominncia da

    lgica do avor e a preservao do espritdescorps. E mesmo

    as eventuais polmicas, que seguiram a trajetria da crtica

    dos rodaps produzidos a partir dos anos 1920 aos tratados,

    que dominaram a cena durante a ase urea da autonomia do

    literrio nos anos 1970, e retomada da dico ensastica,

    8 C. NEGRI, Antonio. 5 lies sobre Imprio. Traduo Alba Olmi. Rio de

    Janeiro: DP&A, 2003.

    a partir dos anos 1980 , tm sido s vezes consideradas

    muito mais como estratgias de autolegitimao no espao

    intelectual do que propriamente como um esoro para a

    promoo de um dilogo travado em nome das ideias 9. Num

    diagnstico nada animador apresentado pelo Proessor

    Paulo Franchetti10, l-se que a crtica publicada no Brasil

    tanto a da imprensa quanto a da universidade no passa

    de colunismo social, baseado em critrios de amizade que

    seriam responsveis pelo tom de glosa e propaganda nela

    predominantes. Qualquer tentativa de ugir a essa prtica,segundo Franchetti, acaba por ser repudiada, seja atravs

    de abaixo-assinados de celebridades do meio intelectual,

    atitude considerada essencialmente antidemocrtica, seja

    atravs de uma estratgia de apagamento, que atinge tanto

    o crtico quanto o criticado. Isso porque a solidariedade ao

    criticado apenas ocorre no espao privado, sendo-lhe negada

    a oportunidade de uma deesa em arena pblica, na qual o

    conronto de ideias seria exposto de orma transparente.

    9 C. SSSEKIND, Flora. Literatura e vida literria. 2 ed. Belo Horizonte:

    Ed. UFMG, 2004; SSSEKIND, Flora. Rodaps, tratados e ensaios. In: Papis colados.

    Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1993, p.13-34; VENTURA, Roberto. Estilo tropical; histria

    cultural e polmicas literrias no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1991.

    10 FRANCHETTI, Paulo. A demisso da crtica. Disponvel na pgina do

    escritor na internet: . Acesso realizado em 16 set. 2012.

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    Mas o mais interessante da argumentao de Franchetti diz

    respeito s razes da situao de descrdito da crtica na

    atualidade. Segundo ele, essa situao no seria decorrente

    da alta de talentos e da eliminao dos embates crticos pelo

    aparelhamento ideolgico das universidades, em nome da

    luta pelos pequenos poderes. Esses atores constituiriam, na

    verdade, epienmenos, que deixariam na sombra um outro,

    considerado por ele crucial e que seria o ortalecimento e a

    internacionalizao da indstria do livro e do entretenimento

    literrio no Brasil, e a consequente valorizao do campo daliteratura, que, pela primeira vez, se constitui em mercado

    importante do ponto de vista dos resultados de vendas11.

    Toca-se, aqui, na hiptese que constitui o ponto central desta

    anlise: a demisso do crtico especialista do espao do

    jornal seria correlata ao nascimento de uma intelectualidade

    de massa, que hoje constitui um signicativo mercado para

    os bens simblicos, expandindo-se enormemente o pblico

    leitor; esse, por sua vez, alimentado pelo discurso andino

    de uma crtica cujos objetivos requentemente se limitam ao

    marketing junto aos consumidores das obras. Um discurso que

    assume caractersticas pop e que orma, conorma e, s vezes,

    11 PCORA, Alcir. Momento crtico: meu meio sculo. Disponvel na inter-

    net: . Acesso realizado

    em 16 set. 2012.

    deorma o pblico, pelas estratgias publicitrias utilizadas

    no apenas nos peridicos e cadernos culturais, mas tambm

    nas eiras de livros, que tm na FLIP o exemplo de maior

    sucesso, e nos concursos realizados por empresas antenadas

    com a necessidade de associar a sua marca a uma esera que,

    ao menos residualmente, ainda mantm uma certa aura. A

    espetacularizao das Letras constitui, assim, uma aca de

    dois gumes.

    Para Franchetti, cujos argumentos so dirigidos deesada autonomia do pensamento e do prazer que provm do

    exerccio livre da razo, o que acaba por denunciar o vis

    ainda iluminista de seu posicionamento, no h lugar para

    otimismo em relao ao exerccio da crtica. Para um dos

    porta-vozes da nova gerao de escritores-crticos, Nelson

    de Oliveira, caminhando em sentido contrrio, a crtica s

    recuperar o seu emprego se se abstiver dos raciocnios

    cartesianos que amparam a leitura imanente das obras. Em

    lugar da nase judicativa, o autor prope a incorporao

    dos mtodos ccionais pela crtica literria, que passaria a

    assumir-se como um gesto capaz de abarcar o que est ora

    do texto, os dilemas existenciais tanto do sujeito que escreve

    quanto do que critica. Dessa orma, a crtica se transormaem arma, a ser utilizada de orma despudorada na arena

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    dos interesses partidrios12. O mesmo carter perormtico

    deendido por Silviano Santiago, para quem a crtica literria

    jornalstica no deveria se limitar mera divulgaodas obras,

    cabendo-lhe o exerccio da vigilncia intelectual, em tempos

    que, paradoxalmente, se querem mais e mais democrticos.

    Utilizando-se da mesma metora de Oliveira, Santiago prope

    uma crtica literria que teria o sentido de interveno, a razo

    de ser e a utilidade dos partidos de oposio13.

    A visada agora seria, portanto, no mais voltada parao consenso, esse, sim, quase sempre considerado

    participante do jogo de um mercado antidemocrtico, no qual

    se preservam os interesses daqueles que detm a hegemonia

    no universo intelectual. A metora utilizada tanto por Nelson

    de Oliveira quanto por Silviano Santiago traduzem, em sentido

    inverso, uma compreenso da cultura como um recurso, uma

    convenincia passvel de ser produzida e recebida, como quer

    George Ydice14, de uma orma dispersa mas potente para

    intervir no campo dos confitos polticos. Ou, antes, a cultura se

    12 OLIVEIRA, Nelson. Uma cajadada no cocoruto da crtica. Jornal do

    Brasil, Rio de Janeiro, 25 jun. 2005. Idias. No paginado.

    13 SANTIAGO, Silviano. Fico moderna e poltica: leitor e cidadania. In: O

    cosmopolitismo do pobre. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004, p.168-193.

    14 YDICE. YDICE, George. A convenincia da cultura. Traduo Marie-

    -Anne Kremer. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.

    transorma em cultura poltica. A partir dessa perspectiva, cada

    palavra do crtico constituiria um lance em uma guerra cultural

    travada como um jogo de linguagem (Wittgenstein), um jogo

    no qual ela (a linguagem) deixa de ser apenas linguagem para

    se transormar em prtica discursiva.

    Mas onde estariam se travando hoje essas batalhas? Ocorrida

    a demisso do crtico do mercado editorial, restaria apenas

    universidade, agora responsvel pela ormao desse General

    Intellect, acolh-lo, preserv-lo? Ou seria possvel pensar emoutros espaos para o conronto de ideias, espaos que, no

    lugar da uni-versidade, se proporiam como critrio de valor a

    di-versidade e, concomitantemente, a di-verso, o prazer da

    luta com as palavras?

    Paradoxalmente, tal espao parece estar surgindo justamente

    a partir do mercado. O que nos leva a pensar que, conorme

    teoriza Garca Canclini, o consumo serve para pensar. Como

    se sabe, em sua obra mais polmica15, o socilogo analisa

    como se podem constituir circuitos de comunicao a partir

    do consumo de bens simblicos, que serviriam no apenas

    para separar os indivduos em classes sociais, mas tambm

    para reuni-los em comunidades responsveis pela ormao

    15 CANCLINI, Nstor Garca. Consumidores e cidados. 4 ed. Traduo

    Maurcio Santana Dias. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999.

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    de valores. Longe da deesa de uma noo hierarquizada de

    cultura, que separa o popular, o erudito e o massivo, com

    base em pressupostos de pureza e autenticidade, trata-se de

    pensar tais eseras, portanto, como espaos de contaminao

    recproca, de confitos e negociaes incessantes. Ao que

    parece, justamente na ormao dessas comunidades de

    sentido que parecem estar surgindo novas possibilidades para

    o exerccio das polticas da escrita16. Colocando-se sempre

    em trnsito no mundo bem mais democrtico das inovias,

    novos atores sociais vm revitalizando os debates sobre aliteratura e a crtica literria, transormando o espao virtual em

    uma gora ps-moderna, na qual as anidades eletivas deixam

    de ser escamoteadas em nome da pretensa objetividade e

    imparcialidade da crtica acadmica, instaurando-se uma

    indissociao entre as eseras pblica e privada. Atravs das

    revistas eletrnicas, dos blogs e runs de discusso, novas

    subjetividades vm sendo ormadas, novas possibilidades

    interpretativas se tornam visveis e os confitos ideolgicos

    encontram um lugar para serem encenados.

    A metora teatral cumpre aqui a uno de resgatar o sentido

    espetacular e simulado de tais intervenes crticas, uma vez

    16 RANCIRE, Jacques. Polticas da escrita. Traduo Raquel Ramalhete et

    al. So Paulo: Ed. 34, 1995.

    que no se trata mais de operar a partir de uma posio de

    exterioridade em relao ao sistema, mas, sim, nos espaos

    liminares que azem esboroar as dicotmicas categorias de

    real e ccional, nacional e estrangeiro, subjetivo e objetivo,

    pblico e privado. Como arma Eneida Maria de Souza, para

    a maioria letrada essa situao insuportvel, por abalar

    orientaes estticas unicadoras e universalistas, alm de

    retirar dos objetos contemporneos traos de proundidade e

    perenidade17. [e aqui ela se reere ao echamento de alguns

    ainda hegemnicos deensores da alta cultura no meioacadmico] Tal posicionamento explicaria a incapacidade de

    grande parte dessa classe letrada em perceber a novidade

    da produo literria da nova gerao de escritores, que

    integra setores da sociedade antes mantidos margem do

    sistema intelectual. A insistncia de grande parte da crtica

    em associar a literatura produzida pelas minorias esttica

    naturalista desenvolvida nos anos 1960 e 1970 evidencia uma

    incompreenso quanto s motivaes e s consequncias da

    crise da representao ora em curso. Fixar nas obras que na

    contemporaneidade abordam a violncia da desigualdade

    social do pas mais um rtulo capaz de promover, em torno de

    um estilo de poca (o neonaturalismo) empobrecer o debate.

    17 SOUZA, Eneida Maria de. Janelas indiscretas. Margens/mrgenes, Belo

    Horizonte, Buenos Aires, Mar del Plata, Salvador, n.5,p.101, jul.-dez.2004.

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    Anal, o que tal produo, codicada como testemunhal ou

    documental, parece desconstruir a prpria possibilidade de

    apreenso do real, de qualquer perspectiva disciplinar, seja ela

    literria, antropolgica ou histrica. Da a impossibilidade de

    se dissociar vida e obra, de se separar a co da autobiograa,

    to presente nos livros recentemente publicados18. A escrita

    se mostra como gesto, como estratgia do subalterno para

    alterar a dinmica das relaes de poder. Para que esse gesto

    seja acolhido com respeito diversidade, undamental que

    os crticos abandonem no apenas o discurso que valoriza ouniversalismo no estabelecimento do cnone, mas tambm

    o que celebra o multiculturalismo liberal. Para tanto, h

    que se reconhecer que menos que uma hermenutica de

    base paternalista, tais textos demandam, como prope John

    Beverley, uma hermenutica da solidariedade, uma aliana

    ttica entre os estratos da classe mdia prossional e os

    pobres locais/globais19 para lutar contra o projeto excludente

    do neoliberalismo. Como lembra o crtico, s pode haver

    solidariedade numa relao de igualdade e de reciprocidade

    18 Citem-se como exemplos as obras de Paulo Lins (Cidade de Deus) ,

    Ferrz (Capo pecado, Manual prtico do dio) e Marcelino Freire (Angu de sangue,

    Contos negreiros), etc.

    19 BEVERLEY, John. Subalternidade y representacin. Madri: Iberoameri-

    cana, 2004, p.125

    entre as pessoas implicadas20. Assim, trata-se de um

    posicionamento que visa pensar a atividade crtica menos em

    sua uno judicativa, pautada nos critrios de hierarquizao

    de valores (que muitas vezes escamoteiam a lgica do avor),

    do que no potencial desse tipo de discurso para criar um

    novo ethos, undado sobre uma noo de amizade que no

    inclui os pactos da lisonja, mas que, como deseja Michel

    Foucault, envolve um processo de incitao mtua e luta,

    tratando-se no tanto de uma oposio rente a rente quanto

    de uma provocao contnua21. Estaramos, ns, os crticos,preparados para isso? Certamente, ainda cedo para se

    responder a essa pergunta. Mas, talvez se possa enxergar uma

    luz no m do tnel se o investimento no desenvolvimento de

    refexes sobre a importncia da atividade crtica persistir.

    Nesse sentido, vale destacar o papel cumprido pela Fundao

    Cultural do Estado da Bahia, que, com editais abertos a todos os

    que desejem se lanar nessa aventura da crtica, como ocorre

    com o Programa de Incentivo Crtica de Artes, no apenas

    incentiva o surgimento de jovens crticos, como tambm abre

    caminho para que eles possam diundir suas interpretaes

    em espaos mais amplos que aqueles nos quais eles j vm

    atuando. Pelo que se v, o uturo j est a.

    20 Idem, p. 113.

    21 Apud ORTEGA. Amizade e esttica da existncia em Foucault. Rio de

    Janeiro: Graal, 1999, p.168.

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    Rachel Esteves Lima ez Ps-doutorado na Universidade Paris XIII, Doutorado em

    Estudos Literrios/Literatura Comparada (1997) na Universidade Federal de Minas

    Gerais e Mestrado em Estudos Literrios/Literatura Brasileira (1987), tambm na

    UFMG. Proessora Associada da Universidade Federal da Bahia, atuando no curso

    de Graduao em Letras, no Programa de Ps-Graduao em Literatura e Cultura e

    no Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade. Seus trabalhos ocalizam,

    principalmente, o estudo das teorias crticas da Literatura Comparada, a crtica

    literria e cultural brasileira e latino-americana, as representaes do trabalhointelectual, os discursos memorialsticos e autobiogrcos e a anlise das narrativas

    da modernidade e da ps-modernidade. Atualmente, coordenadora do Programa de

    Ps-Graduao em Literatura e Cultura da UFBA.

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    Vladimir Oliveira

    O conjunto de otograas apresentadas pelo otogro e artis-

    ta visual Pricles Mendes, notabiliza dois interesses em sua

    investigao no campo da otograa: o ascnio pelo urbano e,

    mais recentemente, pelos dispositivos de comunicao publi-

    citria chamados outdoors. Sua mostra apresenta otograas

    coloridas no ormato de 50x70 cm, pequena dimenso em

    relao aos 9x3 metros, padro dos outdoors, e prope um

    dilogo esttico com os outdoors abandonados e em processo

    de decomposio, espalhados pelo espao urbano da cidade

    de Salvador e autoestradas das regies circunvizinhas.

    Considerando o desmantelamento daquele meio publicitrio

    que irrompe na paisagem urbana, o artista dene, pelo ato

    otogrco, uma potica de subverso do discurso miditico

    eito de palavra-imagem veiculado pelos outdoors, retratan-

    do a incapacidade persuasiva do massivo signo de comuni-

    cao. Congura um jogo potico-poltico no qual produz

    A POTICA-POLTICADOS OUTDOORS

    ARTES VISUAIS

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    imagens (otograas) de imagens (outdoors), sendo que a oto-

    graa, pelo seu discurso histrico de representao do real,

    ortemente cobiada pela publicidade, assume uma lgica

    inversa, na medida que serve como dispositivo de captura do

    seu contrrio, exatamente o apagamento das imagens-oto-

    graas visibilizadas pelos outdoors.

    Movido por entusiasmo na investigao da cidade como espao

    visual, outras sries otogrcas do artista, como Autmatos e

    Voo Geomtrico1

    , demarcam seu interesse pelas plasticidadesdas estruturas do meio urbano. No entanto, na composio da

    srie Subtrados o artista articula potica e poltica, ampliando

    o enoque das sries anteriores, mais concentradas em valores

    plsticos presentes na cidade, quando, alm da composio de

    uma esttica visual, opta por conrontar a imposio imagti-

    ca dos outdoors e sua prolierao na paisagem urbana. Suas

    otograas no permitem esquecer, e de certa orma at denun-

    ciam, que seu objeto de interesse visual, o outdoor, ainda que

    transgurado para condio de objeto artstico, um instrumen-

    to publicitrio que carrega consigo um histrico voltado para a

    lgica do capital e de suas erramentas de coero.

    1

    Examinando o titulo da srie otogrca, inevitvel recordar a

    obra Esttica do Desaparecimento (1989) do lsoo e urbanista

    rancs Paul Virilio. Segundo ele, a esttica do desaparecimento

    acenaria com a constituio de imagens e de ormas instveis,

    presentes por sua prpria uga e refetir-se-ia na revelao de

    um mundo orientado pelos vetores do movimento, dos meios

    de locomoo, dos veculos dinmicos e dos veculos estti-

    cos, tambm compreendidos como audiovisuais.

    Para capturar suas imagens, o artista envereda por Autoestra-das e BRs rodovias com seu automvel, mas ao contrrio do

    olhar de passagem, da paisagem em movimento, aspectos

    sustentados pela noo da sociedade do automovel em

    que os vidros dos veiculos so similiares a uma tela de TV,

    onde tudo passa em rao de segundos e pela supremacia

    dos vetores do movimento, das tecnologias de locomoo

    mencionados por Virilio, o artista precisa parar e caminhar,

    contemplar, enquadrar e capturar seus outdoors em desapare-

    cimento. Na busca de eternizar pela otograa o que est por

    desaparecer, Pricles Mendes, ao captar imagens de outdoors

    desprovidos de propaganda, reivindica um retorno contem-

    plao cognitiva da paisagem, prtica escassa na contempo-

    raneidade, ao mesmo tempo em que denuncia a usurpao deum espao pblico.

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    Em termos artstico-politicos sua srie aprox