livro de criticas
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SRIE CRTICA DAS ARTES
LEITURAS POSSVEIS NAS FRESTAS DO COTIDIANO
MILENA BRITTO DE QUEIROZ (ORG.)
FUNCEB
SalvadorBahia
2012
GOVERNO DO ESTADO DA BAHIAGovernador do Estado da Bahia
Jaques Wagner
Secretrio de Cultura do Estado da Bahia SecultBA
Antonio Albino Canelas Rubim
Diretora da Fundao Cultural do Estado da Bahia FUNCEB
Nehle Franke
FUNCEBChea de Gabinete
talo Pascoal Armentano Jnior
Procuradoria Jurdica
Celeste Maria S. Bezerra
Assessoria Tcnica
Cssia Maria Bastos Sousa
Assessoria de Relaes Institucionais
Kuka Matos
Assessoria de Comunicao
Paula Berbert
Diretoria de Administrao e Finanas
Maria Iris da Silveira (Lia Silveira)
Diretoria de Audiovisual
Marcondes Dourado
Diretoria das Artes
Alexandre Molina
Coordenao de Artes Visuais
Luciana Vasconcelos
Coordenao de Dana
Matias Santiago
Coordenao de Literatura
Milena Britto
Coordenao de Msica
Cssio Nobre
Coordenao de Teatro
Maria Marighella
Ncleo de Artes Circenses
Alda Souza
Coordenao de Editais
Ivan Ornelas
Centro de Formao em Artes
Beth Rangel
Teatro Castro Alves
Moacyr Gramacho
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Esta publicao rene as crticas premiadas no Concurso Estadual de Estmulo Crtica de Artes, ao integrante do Programa de Incentivo Crtica de Artes,lanado pela FUNCEB no ano de 2011.
Programa de Incentivo Crtica de Artes
Realizao: Diretoria das Artes da FUNCEB
Diretor: Alexandre Molina
Expediente
Organizao: Milena Britto
Reviso e Normalizao: Aristides Gomes
Produo Executiva: Rosalba Lopes
Arte e Design: Nila Carneiro
Impresso e Acabamento: Empresa Grca da Bahia
Ficha Catalogrca
Fundao Cultural do Estado da Bahia FUNCEB: Rua Guedes de Brito, 14 - Pelourinho - CEP. 40.020-260 -Salvador/Bahia - Tel: 71 3324-8500
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Antonio Albino Canelas Rubim
Como imaginar conexes entre crtica e polticas culturais? No
Brasil e talvez em muitos pases do mundo as polticas
culturais direcionam-se para a criao cultural. Tendnciae tentao naturais, pois ela instante vital da inovao da
cultura. O momento mgico da criao inaugura novos mundos,
inventa outros olhares, possibilita vivncias diversas, desvela
iderios e sentimentos, elabora subjetividades. Enm, traduz
o humano, demasiadamente humano.
A seduo deste processo de encantamento inevitvel, mas
as polticas culturais, como Ulisses na Odisseia, devem buscar
meios de saber da magia e, simultaneamente, proteger-
se da perigosa seduo. Polticas de cultura no podem
atentar apenas para a criao. Elas devem reconhecer seus
encantos, mas se abrir para toda a complexidade das outras
conguraes da cultura.
CRTICA EPOLTICAS CULTURAIS
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social e humana, com seus procedimentos conscientes
e inconscientes; interesses, sonhos, desejos, iluses,
imaginaes, contrastes e ambiguidades. S assim ela pode
ser conhecida com mais proundidade; explicitar detalhes e
relaes, diversas vezes no percebidos do prprio criador;
ter seus processos construtivos elucidados e vivenciar um
continuado processo de aprimoramento. Este ambiente de
debate anima e d vitalidade cultura. Ele imprescindvel
para seu enriquecimento.
Nesta perspectiva, polticas sintonizadas com a complexidade
e o desenvolvimento da cultura contemplam a refexo e a
crtica como instantes vitais. A Secretaria Estadual de Cultura
da Bahia tem esta compreenso como ponto de partida para
realizar projetos como este. Ele d crtica uma centralidade
como lugar de ala sobre a cultura e busca incentivar que
ambiente cultural baiano seja ertilizado pela atuao sempre
estimulante do debate e da crtica.
A dinmica da cultura viva requer ateno para esta inevitvel
complexidade. Ela exige que todos os momentos da cultura
sejam acolhidos e cuidados. Uma vida cultural rica necessita
de criao, mas tambm de produo, transmisso, ormao,
diuso, divulgao, distribuio, circulao, preservao,
organizao, ruio e discusso.
No cabe elucidar todos os os enumerados. Seria maante
e sem sentido para a escritura e seu tema. A listagem evoca
a complexidade da cultura e delimita ronteiras a seremtransitadas e enrentadas pelas polticas culturais. A cultura
viva requer ativa atuao das polticas culturais em todos estes
territrios.
A discusso um destes lugares de atuao. Ela aciona
um conjunto amplo e dspare de agentes e de expresses.
Proessores, pesquisadores, estudiosos e crticos debatem a
cultura, suas obras e atividades, atravs de pesquisas, estudos,
eventos, exposies e textos. Seu comum e singular lugar de
ala a refexo acerca da cultura. Ela submete as atividades e
obras culturais ao crivo iluminador do debate pblico.
Pode-se imaginar uma cultura viva e ativa sem uma prounda
discusso sobre seus imaginrios, sentidos, atividadese obras? A resposta tende a ser um contundente no. A
cultura necessita ser analisada e discutida como elaborao
Antonio Albino Canelas Rubim secretrio de Cultura do Estado da Bahia, proessortitular da Universidade Federal da Bahia, docente do Programa Multidisciplinar de
Ps-Graduao em Cultura e Sociedade e do Programa de Ps-Graduao em Artes
Cnicas, ambos da UFBA. Pesquisador I - A do CNPq.
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Alexandre Molina
A crtica de arte um dos temas da maior importncia no
contexto da produo artstica. Questes levantadas a partir
de um trabalho srio de refexo sobre as obras de arte podem
apontar caminhos antes no percebidos pelo artista, provocando
o pensamento sobre o seu azer e colaborando com possveis
desdobramentos estticos. Outra colaborao importante deste
campo a refexo temporal que pode ser produzida, na medida
em que o azer da crtica dialoga com a histria.
H alguns anos, o conceito de crtica de arte j aponta para a
superao do entendimento restrito que a localiza apenas na
suposta emisso de juzo de valor sobre a obra de arte. Outro
aspecto caro aos atuais prossionais ligados a este campo
o transbordamento da noo de uma produo textual
conservadora e voltada para um pblico elitizado. A entrada
deste tipo de refexo no meio virtual, especialmente pelaproduo de blogueiros, pode ser considerada uma iniciativa
que oerece maior acesso a este tipo de texto.
CRTICA DE ARTES E POLTICAPBLICANA BAHIA
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Foi atenta a estes e outros aspectos ligados ao campo da crtica
que a Fundao Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), rgo
vinculado Secretaria de Cultura do Estado (SecultBA), criou,
em 2011, o Programa de Incentivo Crtica de Artes.
Este Programa resultado da ampliao do Concurso Estadual
de Crtica Cinematogrca Walter da Silveira, realizado pela
Diretoria de Audiovisual da FUNCEB (DIMAS), e que j alcanava
em 2010 sua 3 edio. A ampliao proposta em 2011 deu-se
no apenas no nmero de setores que o Programa passou a ocar,atuando no audiovisual, artes visuais, circo, dana, literatura,
msica e teatro, mas tambm nas aes previstas. Desde ento,
alm de um Concurso, o Programa passou a contar com aes
que promovem a refexo no campo, a exemplo do Seminrio
Baiano de Crtica de Artes, a publicao da Srie Crtica das
Artes, ampliando o escopo de diuso da produo de crticas
s artes e, para a edio de 2012, a Ocina de Qualicao
em Crtica, com o propsito de ortalecer o campo da crtica no
estado e estimular o surgimento de novos prossionais na rea.
O objetivo do Programa promover a produo qualicada de
crticas de artes, provocando a percepo analtica do pblico em
geral, e contribuindo com o desenvolvimento das artes produzidas
na Bahia, uma das diretrizes da recm-criada Diretoria das Artes
(DIRART), atual responsvel pela gesto do Programa.
Em maio de 2011, a SecultBA passou por uma reorma
administrativa alterando as instncias de gesto de todas as
suas unidades. Com isto, a FUNCEB passou por importantes
mudanas internas e a criao do Centro de Formao em Artes
(CFA) e da Diretoria das Artes (DIRART) so consideradas das mais
signicativas. A DIRART rene as Coordenaes de seis setores
da FUNCEB: Artes Visuais, Circo, Dana, Literatura, Msica e
Teatro. Cada uma dessas Coordenaes tem a uno de propor,
executar e avaliar programas e aes especcas para seu
respectivo setor de atuao, tendo o dilogo com a sociedadeum dos principais mecanismos para o seu planejamento.
Neste contexto, a DIRART surge com a misso de provocar a
interao entre os diversos setores de atuao da FUNCEB,
identicando potencialidades comuns a mais de uma rea,
que isoladamente seriam diceis de se concretizarem,
propondo com isso aes e programas de carter transversais.
Desta orma, a FUNCEB objetiva avanar na ormulao e
consolidao de polticas pblicas especcas para as artes,
com ateno s especicidades de cada rea, s demandas
transversais e participao social.
A edio de 2011 do Programa de Incentivo Crtica de Artes
contou com participao de importantes prossionais no
cenrio nacional, como Jos Miguel Wisnik, Antnio Marcos
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Pereira e Ruy Gardnier. Alm destes, contamos tambm com
nomes de destaque no cenrio da produo de crtica local,
como Gideon Rosa, Chico Castro Jr, Milena Britto, Adalberto
Meireles, Eduardo Rosa e Alejandra Muoz.
O Concurso Estadual, na edio de 2011, recebeu 43 inscries
e premiou 20 textos em todas as reas de atuao do Programa.
Para avaliar o mrito dos textos inscritos, a FUNCEB contou com
o trabalho de importantes prossionais do campo da crtica no
Brasil. A comisso de seleo dos textos inscritos no Concursoteve a participao de nove prossionais, sendo dois deles
comuns a todos os setores Rachel Esteves Lima e Carlos Bonm,
que se debruaram na anlise dos materiais propostos nas sete
reas de atuao do Programa , e mais sete prossionais de
reas especcas Luiz Carlos Oliveira Jr (audiovisual), Ayrson
Herclito (artes visuais), Mrio Bolognesi (circo), Helena Katz
(dana), Antonio Marcos Pereira (literatura), Luciano Caroso
(musica) e Macksen Luiz (teatro) , que selecionaram os 20
premiados de 2011 e que tero agora seus textos publicados
neste primeiro volume da Srie Crtica das Artes.
O registro de nmeros ainda pouco expressivos de crticas
inscritas no Concurso de 2011 conrma, de certa maneira,
a necessidade de continuar investindo em aes de
ortalecimento deste campo. Os resultados puderam tambm
colaborar para o apereioamento do Programa de Incentivo
Crtica de Artes e para a elaborao de projetos estruturantes a
serem promovidos nesta rea. O setor da msica, por exemplo,
recebeu apenas uma inscrio e as reas de dana e circo
contaram com trs inscritos cada.
A partir de uma refexo sobre a edio de 2011 e de avaliaes
realizadas dentro e ora da equipe da SecultBA, contando
com a interlocuo com as Coordenaes dos principais
Programas de Ps-Graduao nas dierentes reas das artesem uncionamento na Bahia, a FUNCEB optou por substituir o
Concurso por uma ocina intensiva de qualicao no campo
da crtica de artes. Com isto, a Fundao Cultural busca reagir
de orma positiva ao pouco expressivo ndice de inscritos na
edio de 2011, dando oco na qualicao, na ormao de
novos crticos e na diuso das crticas produzidas no estado. A
ocina de qualicao buscar reunir prossionais de notria
relevncia no setor e com atuao nacional, avorecendo o
intercmbio com os participantes inscritos e omentando o
espao da discusso e refexo sobre a produo de crticas
nas diversas reas artsticas da FUNCEB. A culminncia desta
ocina de qualicao ser o estmulo para que o grupo
de participantes proponha a ormatao de um peridicodedicado diuso de textos crticos sobre as artes.
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No propsito de ormulao e consolidao de polticas
pblicas para as artes na Bahia, a crtica de artes , sem dvida,
um dos temas mais complexos. A natureza do seu ormato
avorece uma distribuio rpida e de longo alcance, porm, o
desao recuperar o espao para a crtica de artes nos meios
de comunicao de grande circulao. A visita a blogs ou a
disseminao via redes sociais ainda bastante restrita e reduzida
a um pblico especializado. preciso trabalhar para que a crtica
esteja ao alcance do cidado; que ela possa ser percebida como
uma outra orma de percepo da obra de arte, contribuindo,dialogando ou instigando o pblico nas suas prprias refexes
acerca do azer artstico. Ampliar as possibilidades de diuso
da produo de crtica de artes na Bahia torna-se, portanto, um
dos novos desaos deste Programa.
Alexandre Molina diretor das Artes da FUNCEB, doutorando em Artes Cnicas pela
Universidade Federal da Bahia, mestre e especialista em Dana PPG-Dana pela
mesma instituio e integrante do Coletivo Construes Compartilhadas (BA).
Milena Britto de Queiroz
Uma undao que centra sua atuao nas linguagens artsticas
no deve se limitar a omentar a criao, mas tambm colaborar
para que sejam abertos todos os caminhos necessrios para
a ampliao do acesso da sociedade a estas produes. O
produto artstico se realiza, eetivamente, quando absorvido
por um tempo, um contexto, um grupo, um sujeito.
Dessa orma, o olhar de um crtico importante no apenas
porque pode mediar ou traduzir aspectos do objeto artstico,
mas, sobretudo, porque, sendo um ponto de vista se advindo
de uma leitura bem undamentada , gera discusses, refexese debates que tanto podem provocar o artista sobre sua
produo quanto estabelecer um lugar para o receptor participar
O OLHAR, O TEMPO, A ARTE:PORQUE PRECISAMOS DA
CRTICA E O PROGRAMA DEINCENTIVO CRTICA DE
ARTES DA FUNCEB
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ativamente desse lugar da arte. As relaes passivas no
desenvolvem e nem ortalecem o ambiente artstico-cultural.
A Fundao Cultural do Estado da Bahia, ao entender a
complexidade do campo uma vez que geral a percepo de
que a crtica, sobretudo a local, esparsa , alia-se s polticas
culturais propostas pela Secretaria de Cultura e desenvolve o
Programa de Incentivo Crtica de Artes.
Esta iniciativa se insere no propsito de contribuir para o
estabelecimento de um ambiente mais rtil para a crtica e para
a presena de espaos e de prossionais qualicados, ou seja,
que aam a crtica a partir de lugares do saber, do conhecimento.
Assim, o Programa se apresenta, ao mesmo tempo, como
oportunidade de debate, espao de encontro e refexo, alm de
ormao, diuso e circulao da crtica de artes.
Desenvolvido pela Diretoria das Artes da FUNCEB, o Programa
de Incentivo Crtica de Artes teve seu lanamento em 2011
com seminrio, onde se discutiu o campo e a situao da
crtica, e lanamento do concurso de resenhas crticas.
O Seminrio contou com a participao, dentre outros, do
crtico Jos Miguel Wisnik, que debateu o problema da crticano Brasil, mostrando que sem esse olhar e esse espao
crtico h um empobrecimento no campo das artes. A perda
enorme uma vez que o olhar do artista traduz emoes,
sentimentos, estticas que, no raros, so metoras de um
tempo ou trazem uma inovao esttica relevante para a rea
e, sem a sua devida compreenso e recepo, podem passar
desapercebidos pela sociedade. Da a necessidade de um
mediador atento e bem preparado.
A crtica omenta tambm a curiosidade em torno do objeto
artstico, ajusta-o a um tempo, tanto por seu encaixe nele
quanto pelo seu deslocamento; suspendendo-o entre asideias e pensamentos, articula-o a outros modos de azer e de
pensar, a outras pocas; desasossega-o; a crtica prolonga ou
az ecoar o impacto de uma criao artstica.
A Bahia j teve tradio crtica e j operou em dilogo
com o resto do Brasil, contudo, nas ltimas dcadas, um
isolamento cultural se observa. Tanto o cenrio local oi
empobrecido com a diminuio de espaos de crtica quanto
a circulao e o debate da produo do estado oram ao
quase desaparecimento. Salvo raras excees, a arte local
no ultrapassa a nossa cidade, em veiculao e discusso, e
no porque no haja boa produo local, mas porque, sem a
crtica especializada, as discusses inexistem e os dilogos,
consequentemente, idem.
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A necessidade de ampliar a discusso levou-nos a articular
o local ao nacional; nenhum isolamento sinnimo de boa
estratgia, e as estratgias so vrias: seminrio, ocinas
e a publicao de livros que tanto oeream sociedade os
resultados dos concursos quanto permitam mais uma orma de
circulao da arte e do pensamento sobre a arte da Bahia para
ora de seus limites geogrcos, alcanando prossionais,
interessados e curiosos sobre o que produzimos aqui.
Como coordenadora de Literatura da Fundao Cultural,proessora de Literatura e pesquisadora, alio-me e coaduno com
os demais no que diz respeito necessidade de desenvolver
ormas de circulao do pensamento crtico no estado.
Assim, no apenas convido a todos, artistas e interessados, a
participarem conosco no Programa como tambm convoco-os a
lerem e diundirem os textos presentes neste livro: prossionais
do campo cultural e crtico analisam desde suas perspectivas o
campo da crtica e os ganhadores do concurso oerecem leituras
originais sobre produtos artsticos de nosso estado.
Nesse volume, uma ampla e variada discusso sobre o campo
da crtica acontece em textos de convidados que estiveram
conosco no primeiro Seminrio. Antonio Marcos Pereira,
crtico literrio, proessor e bom leitor, incursiona pelos
desaos de ormao e de caminhos a percorrer por quem
decide ser um crtico. Desde seu lugar de crtico literrio,
ele relaciona, atravs de sua experincia, o azer do crtico
ao conhecimento necessrio para eetivamente chegar a
praticar uma crtica que de ato seja pertinente no campo
artstico-cultural, discute ainda os ambientes ormais da
crtica, a internet como espao promissor, e analisa o olhar
de alguns crticos que lhe chamam a ateno. Rachel Esteves
Lima, pesquisadora do campo da crtica e proessora, debate
o papel do crtico e o espao da crtica no Brasil, chegando
tambm metacrtica e apontando as tensas relaes nessecampo. Carlos Bonm, pesquisador e proessor do campo
interdisciplinar, discute a crtica desde os prprios objetos
artsticos e seus autores, revelando, com diversos exemplos,
a impossibilidade de um nico olhar ou um nico mtodo.
Da msica s artes visuais, o autor mostra as incoerncias
e encontros entre crtica e arte, apontando tambm o lugar
da recepo. Alm dos convidados, esse exemplar traz as
resenhas crticas vencedoras de vrias linguagens como
msica, literatura, cinema, artes visuais, HQ, circo, dana e
teatro.
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O democrtico acesso cultura bem como o incentivo aos
criadores do estado so eixos das polticas da Secretaria
de Cultura, portanto, so parte da misso que temos, o que
nos leva ao constante dilogo sobre como melhor diundir
e incentivar todos os caminhos dessa produo. Para que o
discurso vire ato e as polticas modiquem positivamente a
realidade da recepo das artes na Bahia e por que no no
Brasil comecemos todos pelas pginas desse livro.
A aguda observao de um crtico pode mudar a histria de umartista e de sua obra. algo similar luz experimentada por
cada sujeito em um instante sublime de criao.
Milena Britto de Queiroz coordenadora de Literatura da Fundao Cultural do Estado
da Bahia, Doutora em Literatura Brasileira, Proessora Adjunta da Universidade Federal
da Bahia e colaboradora do Jornal A Tarde.
SUMRIO
29 ....................................................EU ERA UM CRTICO JUVENIL
Antonio Marcos Pereira
45 .................................................. QUEM PRECISADE CRTICOS?
Carlos Bonm
59 ........................... RECONFIGURAES DA CRTICA LITERRIANA
CONTEMPORANEIDADERachel Esteves Lima
ARTES VISUAIS
77 .................................... A POTICA-POLTICA DOS OUTDOORS
Vladimir Oliveira
83 ......................................................................O CORPO IMPVIDO
Fbio Gatti
89 ................................................A PINTURA DE MIKE SAM CHAGAS
Ed Carlos Alves de Santana
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AUDIOVISUAL
95 .........................................................DA ARTE E SUAS TRUCAGENS
Raael Carvalho
99 .....................JOGO DE CENA NOS LIMITES DO DOCUMENTRIOAlex Hercog
105 ............................A INSUSTENTVEL LEVEZA DA ARTE EM UMAVIDEOINSTALAO
Albensio Fonseca
111 ..........................................A ARTE DE DOCUMENTAR A FICO
Amanda Aouad
CIRCO
117 ..................AS FULANAS, O CIRCO, O IMAGINRIO DO CIRCO E OGRAN CIRCUS
Robson Mol
123 .................................................... O PICADEIRO DO DIA A DIA
Fabio Dal Gallo
129 .................... DECOLAGEM COM DESTINO AO MUNDO DO CIRCO
Cristina Macedo
DANA
135 ..............HIPERTEXTO PARA RTULO DE ESPETCULO DE DANA
Mara Spanghero
141........DA PELE ALVA AO NEGRO CARVO: ANTROPOFAGIAS DE UMCORPO MESTIO
Laura Pacheco
145 .......................................................... TRAVESSIA SINGULARRita Aquino
LITERATURA
149 ............................................ SINCRETISMO EM QUADRINHOS
Tiago Canrio
153 .................................... O INCIO DE UMA FESTAPROMISSORA
Tom Correia
157 ....................................LUNARIS: A EXTENSO DO VIVIDO, DAMEMRIA E DA IMAGINAO
Jurandir da Cruz Rita
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Antonio Marcos Pereira
Como se az um crtico literrio? Como que algum se torna
crtico literrio? Como que eu vou azer para me tornar um
crtico literrio? Essas perguntas me interessavam muitoantes, quando eu almejava a condio de crtico. Projetava a
condio idlica que seria essa, a de um prossional do campo
literrio, uma pessoa que goza de privilgios, como os de
receber livros de graa das editoras, ter seus textos impressos
no jornal com seu nome, e tudo isso apenas consequncia de
um luxo maior, que o ato de as pessoas se interessarem
pelo que voc tem a dizer a respeito do que leu. Que trabalho
poderia ser melhor que esse?
Essas perguntas, claro, revelam a apreenso, necessariamente
parcial (e algo caricatural) que prpria de um amador, de
uma pessoa sem experincia diante da complexidade de um
exerccio prossional. Amador sem dvida eu era na poca
em que me azia essas perguntas: era muito jovem, estava
ingressando na Universidade, e estava ainda meio atnito
EU ERA UM CRTICO JUVENILMSICA163 ............................................VOIL: MADEMOISELLE RHAISSA
Nvea Lzaro
TEATRO
169 .............................................A OUTRA VIAGEM DE PRSPERO
Celso Jr.
173 ............ALUGO MINHA LNGUAE A LIQUIDEZ DO QUE SE CRITICA
Mnica Santana
177 ............................................ HOMOSSEXUALIDADE EM PAUTAMateus Schimith
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com relao a tantas coisas imponderveis e indecirveis,
de Marx marijuana, do sexo ao sintagma. Era, com certeza,
completamente alheio s vicissitudes que so, via de regra,
to constitutivas do trabalho quanto a ponta de iceberg mais
glamourosa que era para mim perceptvel; eu simplesmente
no sabia direito o que signicava ser um crtico literrio,
quais as implicaes desse trabalho. Mas sabia do desejo e
isso era, ento, bastante para continuar desejando.
Procuro trazer essas questes para a abertura do textodesejando azer algo que o ttulo do ensaio tambm intenta,
que espicaar a curiosidade do leitor a respeito da ormao
de uma pessoa interessada em abraar o comentrio de
literatura como parte de um exerccio prossional. assim,
portanto, que penso em me dirigir, de maneira mais direta,
queles leitores que so, tambm, crticos juvenis, crticos
em ormao, crticos que ainda tm no currculo mais
desejo de azer que coisas eitas, mais projetos que carreira
e publicaes. Esses so, imagino, alguns dos crticos que
inscreveram suas propostas ao Concurso da FUNCEB realizado
em 2011, e so tambm os alunos da Universidade, que volta
e meia me perguntam algo sobre o trabalho de crtico, ou
aqueles que azem questes no nal de uma palestra ou deuma apresentao a respeito de alguma aceta do trabalho do
crtico tal como percebido e compreendido por mim.
Claro: para todas as questes que proponho aqui, no tenho
resposta geral, universal nem acho que ela seria interessante.
Mas tenho uma resposta, a do meu caso, de um conjunto de
experincias que me trouxeram at aqui e que, acho, podem
ser teis para pensar a crtica literria de maneira mais
contextualizada, imbricada na vida e se transormando diante
dos nossos olhos e por ora de nossas aes, na dinmica
prpria de nossa acelerada histria recente. Acredito que azer
a resposta pras questes que abrem o texto passar por um
relato de experincias pessoais uma maneira de valorizaro particular e o idiossincrtico que no termina a, que no
se esgota em si mesma, em um esquema tipo Esta minha
vida. O que vida, bios, biogrco aparece aqui como uma
estratgia para dizer uma coisa muito simples, mas muito
corriqueiramente esquecida: cada texto produzido ao mesmo
tempo se inscreve e atravessado por uma histria que marca
a pessoa que o produz de uma certa maneira. Fora dessa
histria no h texto, no h leitor, no h escritor, no h
literatura nem, evidentemente, sua crtica1.
1 Essas consideraes so elaboradas com o devido detalhamento no
livro Contingencies o Value: Alternative perspectives or critical theory (Cambridge:
Harvard University Press, 1988).
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No processo de preparao desse texto, ensaiando as ideias
e possibilidades disponveis dentro dos limites de tempo e
espao indicados a mim pelos editores, me ocorreu primeiro
explorar uma opo de debate com um texto conhecido de um
dos crticos e proessores de teoria literria mais importantes
na histria desses temas aqui no pas, Luiz Costa Lima.
Intitulado Da existncia precria: o sistema intelectual no
Brasil2
, nele Costa Lima critica com dureza o que julga seremhbitos constitutivos de nosso sistema intelectual, aspectos
do que seria um jeito brasileiro de pensar. um trabalho que
oi muito signicativo em minha ormao, que me conduziu
a refexes importantes na construo de um entendimento
de nossas particularidades como nao, traduzidas no legado
intelectual de uma certa tradio brasileira. Um dos pontos
centrais na crtica de Costa Lima o que ele chama de nossa
cultura auditiva, e que seria perceptvel na maneira como
certas ormas de produo textual oral terminaram, entre ns,
por ter privilgio e preponderncia diante de maniestaes
escritas, o que seria, em seu juzo, algo nocivo para o
forescimento de um eetivo pensamento crtico local.
2 Texto includo no livro de Luiz Costa Lima, Dispersa Demanda: Ensaios
sobre literatura e teoria (Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1981).
Minha ideia inicial era contrariar um pouco Costa Lima, e sugerir
que h uma elaborao local de crtica cultural que realizada
nessa matriz da oralidade, do exerccio da conversao, e que
justamente nessa especidade que se encontra sua ortuna.
Assim, meu interesse era redescrever a proposta crtica inicial
de Costa Lima, sugerindo valor onde ele percebe carncia, e
demonstrando como, em minha experincia, seria possvel
constatar um grau de elaborao do pensamento critico que
oi orjado em dilogos vagabundos no intervalo das aulas
no ptio da Faculdade de Filosoa, ou em conversas de mesade bar espaos de sociabilidade sem nobreza e pouco
explorados como ontes relevantes para esse tipo de discusso,
a respeito da crtica, como e onde ela acontece. Tais espaos e
tais prticas de interao totalmente ora do circuito do escrito
oram cruciais inclusive para me levar ao escrito, para me azer
compreender possibilidades retricas e para permitir que eu
adotasse certas tticas argumentativas que, ao remontar a
uma orma de desenvolvimento do raciocnio mais prxima da
conversa, se mostravam ruteras.
Outra ideia que contemplei oi a de explorar um captulo do
conhecido livro de memrias de Claude Lvi-Strauss, Tristes
Trpicos3 um livro que, sabemos, se ocupa muito do Brasil,onde o amoso antroplogo rancs lecionou, ez trabalho de
3 Claude Lvi-Strauss, Tristes Trpicos (So Paulo: Companhia das Letras,
1996. Traduo de Rosa Freire D'Aguiar).
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campo, e praticamente iniciou sua carreira. Em dois captulos
seguidos, Olhando para trs e Como se az um etngrao,
Lvi-Strauss expe um recenseamento de sua ormao,
indicando como os vrios cursos que ez na Universidade, de
Filosoa a Direito, o conduziram a uma espcie de revelao
no momento em que, enm, leu um livro de Antropologia.
Alm disso, ele diz que sua carreira oi decidida em um
domingo [...] com um teleonema, no qual um proessor que
conhecia oereceu-lhe a oportunidade de vir para o Brasil
lecionar sociologia na USP e estudar os ndios. Os arredoresesto repletos de ndios, aos quais voc dedicar seus ns
de semana, disse o proessor Clestin Bougl, de acordo
com Lvi-Strauss, nesse teleonema. Mas preciso dar sua
resposta denitiva [] antes do meio-dia. Sabemos, claro, que
a resposta oi armativa: Lvi-Strauss diz comear a se tornar
aquilo que az com que, hoje, discutamos seus trabalhos e seu
legado intelectual, a, nesse momento, nesse teleonema, que
vem a reboque de uma revelao anterior, de que seu interesse
estava no na losoa, nem no direito, mas sim na etnograa.
Minha ideia era contrastar essa narrativa do Lvi-Strauss com
alguns paralelos que encontrava em minha prpria histria.
Assim, exploraria como, partindo de um curso na Faculdadede Filosoa e Cincias Humanas, ui gradualmente migrando
para questes ans rea de Letras primeiro para a losoa
da linguagem, depois para o desenvolvimento histrico da
lingustica e de suas relaes com a antropologia e, por
m, para a crtica literria. Alm disso, contaria tambm
como comecei a publicar em um jornal do Rio de Janeiro
um evento importante para mim, que marca o abandono de
certa condio amadorstica (escrevia de graa, quando e
como queria) e sua substituio por um exerccio prossional
(escrevendo sob remunerao, contrato, e obedecendo a
prazos e limites de espao estabelecidos pela editoria). Em
meu caso, no ocorreu a partir de um teleonema, mas de ume-mail, produzido por um editor que, atuando como olheiro
em um site no qual eu costumava publicar minhas resenhas,
perguntou se eu no desejava escrever para o jornal.
Veja que h de ato certos paralelos que podemos explorar. Mas
minha motivao estava, justamente, em exibir as limitaes
desses paralelos, criticando coisas que me incomodam na
maneira como Lvi-Strauss descreve seus incios. Claro: os incios
so dele, e ele os descreve como quiser. Mas, indo um pouco alm
disso, no interesse de dialogar com a obra de algum que veio
antes e produziu uma obra de relevncia inegvel, poderamos
pensar naquilo que, em meu prprio caso, muito mais saliente
que os incidentes que relatei antes, que so os processos depreparao e desenvolvimento por trs de cada um deles.
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Assim, e apesar de uma certa atividade contempornea de
divulgao que busca avorecer mesclas e livre-trnsito entre os
campos do saber, construir uma carreira interdisciplinar, movida
antes pela curiosidade e pelo magnetismo irresistvel que certos
temas, debates e ormas de produzir saber exerciam sobre mim,
oi e continua sendo um processo que est longe de correr
tranquilamente. Ao mesmo tempo que tal trajetria me propiciou
muito do ponto de vista de alargamento de perspectivas, da
ampliao do repertrio de reerncias e do entendimento do
uncionamento das instituies contemporneas ligadas aoconhecimento, sua produo, preservao e divulgao , est
longe de ter sido um processo cil, que correu sem problemas,
ou teve lugar num espao puramente intelectual. Nada disso:
desde diculdades de manuteno pessoal e entraves para
assumir postos prossionais, passando pela questo das
aliaes e dinastias institucionais, e pelas estruturas que levam
muitos a desconar, mesmo sem qualquer evidncia eetiva de
incompetncia, de gente que sai mudando de rea, tudo isso oi
to parte do processo quanto seus aspectos mais especulativos e
imateriais. E pela mesma via, o e-mail que unciona como marco
de mudana, e que eetivamente muda uma condio, acontece
a reboque de inmeras investidas e preparaes: dezenas de
debates travados nas j antigas listas de discusso por e-mail,
inmeros textos produzidos e publicados em blogs, anzines,
publicaes alternativas, tudo isso constri a condio que o
editor-olheiro encontra ao ler a resenha que eu tinha produzido
sem qualquer conscincia de seu uturo valor dramtico. A partir
dela a partir da maneira como expunha meu juzo a respeito
de um objeto literrio, inserindo-o em determinado circuito
de provocaes e trabalhando para persuadir o leitor de que o
juzo ali estabelecido era justicvel outro sujeito, com outro
posicionamento no campo literrio, oerece uma possibilidade
que continuo aproveitando. Mas seria provavelmente ccionalizar
em demasia dizer que esse incidente, esse e-mail, o que decideuma carreira, o que az de mim um crtico literrio. Como diz o
crtico argentino Reinaldo Laddaga, h livros porque estes livros
oram escritos por indivduos cujos esoros constantes se dirigem
a constituir as ormas de organizao do tempo e do espao,
os sustentculos econmicos e emocionais necessrios para
que se possam executar, de maneira cotidiana, as operaes,
usualmente complexas, que resultam em seus textos. Do
mesmo jeito que isso unciona para os objetos privilegiados da
crtica literria, os livros, unciona tambm para as produes da
prpria crtica literria: preciso organizar o tempo e o espao de
uma dada maneira, preciso encontrar sustentculos materiais,
econmicos, emocionais para azer acontecer isso que chamamos
de critica. Caso houvesse escrito esse texto, comentando as
semelhanas e dierenas entre a narrativa de Lvi-Strauss e
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minha experincia, tentaria explicitar como descrever processos
dessa ordem desse jeito pode ser interessante e relevante para
que entendamos como a crtica unciona hoje.
III
Essas ideias, se colocadas em operao e transormadas
no ensaio que me havia sido solicitado, me permitiriam,
acredito, pelo menos duas coisas. Por um lado, me dariam
a oportunidade de lidar com textos importantes na minha
ormao, o que me levaria, ao mesmo tempo, a valorizar a
tradio crtica uma vez que eu teria de me esorar para
dialogar com as obras produzidas por aqueles que vieram
antes de mim, construindo uma exposio com argumentos na
medida do possvel persuasivos e a valorizar meu prprio
texto uma vez que, no processo de discutir o trabalho de
outros autores, tomo de emprstimo e ao uso de algo de sua
autoridade e do sedimento histrico que se agrega aos seus
nomes e, na medida em que me mostro capaz de dialogar com
eles, provo algo do meu valor tambm.
Entretanto, as condies de circunstncia pareciam trabalhar
contra essas ideias. No tinha tempo suciente, acossado
como de praxe por mil demandas do trabalho e do cotidiano.Tambm reconhecia ter pouca pacincia para estruturar os
argumentos com a devida meticulosidade e, ao mesmo tempo,
sabia que investir numa exposio mais meticulosa poderia
conerir ao texto um carter de argumentao mais cerrada e
tcnica, limitando talvez gratuitamente as possibilidades
de comunicao com a audincia, e isso no me interessava
desejava exatamente o contrrio, desejava ser lido e
compreendido sem a necessidade de muitos pr-requisitos
para isso. Assim, comecei a imaginar alternativas e terminei
por encontrar aquela que se expe no incio do texto, numa
tentativa de responder quelas questes ali expostas inclusive
para mim mesmo, de maneira que me parecesse ao mesmotempo ajustada a um propsito ilustrativo e estimulante o
suciente para gerar outras conversaes.
Nesse processo, recuperei um incidente ocorrido h muito tempo
e do qual no lembrava h anos. Ele tem lugar em um espao
particularmente ligado ao exerccio da crtica: a Biblioteca
Pblica, instituio que unciona como espao de socializao
e interao, mas que prioritariamente oerece os recursos
para o labor silencioso e concentrado da leitura, do encontro
privado com os textos. Lembro das inmeras visitas Biblioteca
Central dos Barris, quase sempre indo s, com meu carto de
biblioteca: era um caminho cil, bastava saltar na Estao da
Lapa, subir uma escadinha, andar uns dois quarteires e pronto.L podia usuruir de muito mais que os livros que tomava de
emprstimo: havia sossego, a possibilidade de passar o tempo,
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abundante na adolescncia, em umas cadeiras que cavam
ao redor do jardim interno e, nelas, no apenas car absorto
na leitura e esquecido de tudo como tambm, eventualmente,
executar aquele movimento de interrupo da leitura para
olhar ao redor e pensar no que havia lido. Era uma aventura
de instruo catica, pois no havia outro mtodo a no ser
passear pelas estantes, manuseando os volumes at encontrar
algo de interesse e, depois, por esse interesse prova na leitura,
ver se o livro valia a pena, se a leitura me prendia. Era melhor,
por inmeras razes, do que car em casa. Era bom.
Nessa poca, incio da adolescncia, digamos 1985 ou 86, eu lia
quase exclusivamente aquilo que poderia chamar hoje de co
de gnero: livros de co-cientca, horror, policiais. Ca
nessa literatura creio que por obra e graa da amosa Coleo
Vaga-lume, usada como paradidtico na escola, e da prossegui
por conta prpria. Assim, num dia qualquer, do qual no lembro
mais nada a no ser esse incidente, estava na biblioteca, entre
as estantes, procurando mais um livro de Julio Verne para ler.
J tinha lido vrios dos mais amosos e indubitavelmente
aventurescos e movimentados Volta ao mundo em oitenta
dias, Vinte mil lguas submarinas, Viagem ao centro da Terra
e restavam aqueles cujos ttulos me deixavam em duvida O nurago do Cinthia, Dois anos de rias, Tribulaes de
um chins na China. Ser que esses livros so bons?, me
perguntava. Ser que vai valer a pena tentar ler um desses?
Estava assim, hesitando h um tempo j, quando um rapaz
que estava perto de mim me abordou, perguntando algo como
Voc gosta de co, n? Entendi que ele se reeria co-
cientca: era assim tambm que meu pai se reeria ao gnero,
e eu mesmo, acho, caso algum me perguntasse a respeito
de minhas preerncias, poderia ter dito Gosto de co
querendo dizer Gosto de co-cientca. Mais de vinte anos
se passaram, e lembro muito pouco desse rapaz que estava ao
meu lado na biblioteca lembro que, como eu, usava culos,e talvez estivesse com um uniorme, ou com uma camisa de
uniorme escolar, no sei. Lembro que era negro, magro, mais
alto que eu, certamente mais velho e que, quando disse que
gostava, sim, de co, ele pegou um livro na prateleira e me
disse Pegue esse. bom.
bem possvel que eu no tenha gostado dessa interveno
voluntariosa em meu processo decisrio mas, seja como or,
decidi conar, peguei o livro e dele, ao contrrio do rapaz que
o recomendou, lembro muito bem: era uma edio de bolso,
provavelmente da Edies de Ouro, de alguns contos de
H. G. Wells, poucos contos um deles era A porta verde no
muro, que dava ttulo ao livro. Hoje, conerindo na edio quepossuo dos contos de Wells4, vejo que o ttulo original The
4 H. G. Wells, Selected Short Stories (London: Penguin Books, 1979).
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door in the wall, mas a porta da histria era de ato verde, e
o tradutor achou por bem incluir logo esse elemento no ttulo
uma licena que pode ser censurada, mas que eetivamente,
em minha imaginao juvenil, transormou o que seria uma
descrio do mais puro prosaico em algo que tinha um certo
poder evocativo. E a histria , toda, uma espcie de evocao
de uma experincia undamental que se repete algumas vezes
para o personagem principal: na inncia, ele tem acesso a uma
passagem miraculosa que o transere para um mundo mais rico.
Essa viso o magnetiza enormemente, e a experincia se repetealgumas vezes; os anos passam, at que sua possibilidade
desaparece e isso consome e derrota o protagonista.
Muito bem: essa leitura, ocorrida naquele momento por
obra e graa da recomendao de um estranho, representou
provavelmente meu primeiro encontro com uma alegoria em
literatura. Eu no sabia o que era uma alegoria, mas sabia sim
que aquilo que eu havia lido era dierente: era estranho, inslito,
parecia querer dizer alguma coisa que eu no sabia muito bem o
que era. Nos livros que estava habituado a ler sempre sabia o que
tinha acontecido na narrativa e, tambm, comigo mas, nesse
caso, no. A recomendao daquele rapaz tinha me dirigido
ao mundo da experincia esttica como uma experincia deestranhamento, de deslocamento de categorias habituais, de
renovao da percepo: a partir dali, e do enigma instalado por
essa leitura, a srie literria explorada por mim mudou, passou
a incluir coisas mais arriscadas, passei a requentar outros
corredores da biblioteca. Ele, com tranquilidade, localizou
meu espao de interesses e, aproveitando-se desse espao de
interesses, sugeriu um ligeiro deslocamento. Baseado em sua
experincia prvia de leitura e no que ele, por sua observao
e pela resposta que obteve pergunta, ineriu ser a minha, ele
empenhou seu juzo de valor para avorecer meu encontro com
aquele livro e esse encontro uncionou. Hoje um antasma
impreciso em minha memria, aquele rapaz annimo aomeu lado nos corredores da Biblioteca Central dos Barris oi o
primeiro crtico literrio que conheci, em quem conei e graas
a quem, de alguma maneira, estou aqui.
Antonio Marcos Pereira nasceu em Salvador e estudou na UFBA (onde ez a graduao)
e na UFMG (onde ez o mestrado e o doutorado). Desde 2007 trabalha como Proessor
Adjunto no Departamento de Letras Vernculas do Instituto de Letras da UFBA, onde
az parte do Ncleo de Estudos da Crtica, coordenado por Rachel Esteves Lima. Desde2008 escreve resenhas para o caderno Prosa e Verso do jornal O Globo, e desde 2009
est trabalhando em um livro sobre o autor brasileiro Bernardo Carvalho e um estudo
biogrco sobre o autor argentino Juan Jos Saer.
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Carlos Bonm
O disco do ano
O cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro lanou no
primeiro semestre de 2012 seu novo disco. Se voc ainda no
o ouviu, saiba: tem tudo para se transormar no novo megahit
do Youtube, no hype dos ringtones. Caetano Veloso e Nelson
Motta alaram muito bem do lbum e agora alta apenas que
a revista Rolling Stone o destaque em sua capa e que a Folha
de S. Paulo e os demais meios de comunicao dediquem
generosos espaos a este que , sem dvida, o disco do ano.
Sim, o que voc leu no pargrao acima uma glosa da letra da
cano Mame no Face, cano que encerra O disco do ano,
de Zeca Baleiro. Como se adverte, tanto o ttulo do CD quanto a
letra desta cano remetem, sua maneira, s ldicas ironias
(ou ao sarcasmo?) presentes em outros trabalhos deste artista.
Mame no Face pode ser entendida como mais uma daquelas
recorrentes investidas artsticas contra a espetacularizao
QUEM PRECISA DE CRTICOS?
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exacerbada e a busca rentica pelo sucesso1, mas tambm - e
sobretudo - contra mediadores de todo tipo:
Mame / Eu z o disco do ano / E at mesmo Caetano
/ Parece que aprovou / Mame / Eu sigo na minha rota
/ Veja s o Nelson Motta / Disse que o disco show /
S alta que a Folha de So Paulo / Comece a incens-lo
/ Dizer que eu sou o cara / Ou ento / Que os rapazes
da Veja / Me chamem pruma cerveja / Veja s que coisa
rara (...) S alta / Ser capa da Rolling Stone / O hype dosringtones /O megahit no youtube (...)
(Mame no Face, Zeca Baleiro)
Trilhado gesto blas que desdenha da crtica? Ou dardo atirado
na direo dos anseios de criadores pouco inspirados? Ou
ambos? Pensando no livro em que este texto ser publicado e
nos objetivos que persegue, opto provisoriamente por explorar
e discutir a primeira hiptese. Para que servem, anal, os
mediadores? Quem so estas vozes percebidas muitas vezes
como investidas de um poder que sejamos maniquestas por um
1 Algum a se lembrou da melhor banda de todos os tempos da ltima
semana, dos Tits, por exemplo?
breve momento - consagra ou condena obras? Simultaneamente
temido e desejado, o crtico atua no to necessrio e pouco
compreendido espao do debate qualicado.
Deste modo, mais ou menos consensual o entendimento de
que o comentador de arte ou deveria ser um prossional
que busca com seu trabalho contribuir no apenas para
desvelar os sentidos plurais de uma determinada obra, mas
tambm responder s interpelaes eitas por obras e por
artistas. Subsidia, assim, como especialista, aproximaespossveis s obras de arte; e mais: contribui para as vitais
refexes sobre as indagaes estticas e ticas de seu tempo.
Anal, se recordamos o que diz Jacques Attali a respeito da
msica e que podemos ampliar s demais linguagens
artsticas , a arte se oerece como memria, como espelho
e como proecia. Memria porque nela est contida parte de
nossa histria cultural, espelho porque refete uma realidade
em movimento, refete a abricao da sociedade; e proecia
porque anuncia os rumos possveis de nossas sociedades,
porque explora, dentro de um cdigo dado, todo o campo do
possvel mais rapidamente do que a realidade material capaz
de az-lo. Ela az ouvir o mundo novo que, pouco a pouco, se
tornar visvel, se impor, regular a ordem das coisas2. Antes,
2 Jacques Attali, Ruidos. Ensayo sobre la economa poltica de la msica.
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porm de explorar um pouco mais estas categorias propostas
por Attali, me parece oportuno trazer mais alguns elementos
a esta discusso. E comeo evocando uma passagem de um
artigo que publiquei h alguns anos a respeito da 26 Bienal
de Artes de So Paulo.
Algumas Bienais, para comear
Isso aqui pra mim antes era lixo. Agora sagrado. Agora
arte...
A convite do programa Metrpolis, transmitido pela TV Cultura
de So Paulo, o artista Marcelo Garcia realizou no nal de
2004, um vdeo sobre a 26 Bienal Internacional de Artes de
So Paulo. No vdeo, que tem uma durao aproximada de 3
minutos, acompanhamos o trajeto de uma das uncionrias
encarregadas da limpeza do edicio da Bienal. s imagens
da vassoura e dos ps passeando pelo piso do edicio, so
intercaladas algumas rases da uncionria. A rase que encerra
o vdeo a que aparece transcrita acima, a modo de epgrae.
Trata-se de uma rase que parece de certa orma ecoar o convite
estampado na achada lateral do edicio da Bienal: Ns
Mxico, Siglo XXI Editores, 1995, p. 15-22.
queremos chocar voc logo na entrada... Embora o convite-
slogan se aproxime bastante de um dos aspectos centrais
do esprito neoliberal ainda em voga3, ambas rases a da
uncionria e a do convite remetem ao que, supe-se, uma
das tareas da arte: interpelar.
O encontro com aquele monte de jornal velho, com latas e
baldes enerrujados, gros de milho, entulhos diversos, com
o lixo, enm, sendo contemplado como arte, provocou na
uncionria da limpeza o comentrio (irnico, reconhea-se) que resume boa parte da percepo que uma parcela
considervel do pblico tem da arte contempornea. Neste
mesmo sentido, me parece oportuno voltar alguns anos e
recordar ao menos um dos desdobramentos de uma outra
edio da reerida Bienal (a 23, realizada em 1996). Tendo
como tema A desmaterializao da arte no nal do milnio,
aquela 23 edio estabelecia um dilogo com a Bienal
imediatamente anterior, cujo tema havia sido Ruptura
de Suportes. Pois bem, entre os diversos e polmicos
desdobramentos derivados daquela 23 edio4, inclui-se e
3 ...este ano a Bienal grtis, completa-se a rase no convite da
achada.
4 Sob a presidncia do amoso ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, a
Fundao Bienal cou conhecida como Bienal-empresa e oi muito criticada, por
exemplo, pelos altos custos de produo, pela opo prioritria por nomes consagra-
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aqui voltamos a Zeca Baleiro a cano Bienal, gravada no
CD V imbol (1999).
A letra, que toma como mote o tema daquela edio e matrias
a ela relacionadas, publicadas na imprensa, traz versos como
estes:
Desmaterializando a obra de arte no m do milnio
Fao um quadro com molculas de hidrognio
Fios de pentelho de um velho armnio
Cuspe de mosca, po dormido, asa de barata torta
Meu conceito parece, primeira vista,
Um barrococ gurativo neo-expressionista
Com pitadas de art nouveau ps-surrealista
calcado na revalorizao da natureza morta (...)
Trata-se, como se adverte, de uma cano cuja letra aponta ao
mesmo tempo tanto para os modos de recepo da ar te quanto
dos e pelas agressivas estratgias de marketing que terminaram por inserir no debatequestes que, como se viu poca, transcendiam em muito o mbito artstico.
para o recorrente debate sobre os excessos da arte auto-
reerente, eita por e para iniciados. E mais: aponta ainda para
os esoros que azem determinados artistas e comentadores
ao tentar escamotear inconsistncias com rocambolescas,
incompreensveis e desnecessrias explicaes. E assim,
tal como observa Monclar Valverde, os que no so bem
inormados, que no azem parte do mtier, quando se
deparam, num museu, com instalaes e objetos retirados
de seus contextos prticos, no sabem como reagir, sentindo-
se perdidos, quando no simplesmente enganados5.
Mas no apenas os que no so bem inormados... Num artigo
intitulado Ensaio sobre a raude, o jornalista Mino Carta se
insurge indignado contra o que ele dene como globalizao da
parvoce. Reere-se, em seu texto, por exemplo, consagrao
miditica de ches dedicados cozinha molecular apresentada
como obra de arte e ao modo como o undamentalismo
neoliberal contribuiu para promover embustes e entorpecer
o senso esttico e outros sentidos, em nome da moda, da
novidade, do up-to-date6. No me parece casual, neste sentido,
5 Monclar Valverde, Esttica da comunicao sentido, orma e valor nas
cenas da cultura, Salvador: Quarteto, 2007, p. 274
6 Carta Capital, no. 552, 1 de julho de 2009, p. 76-79.
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que como num dilogo involuntrio com estas percepes o
curador da recm inaugurada 30 edio da Bienal de So Paulo,
o venezuelano Luis Prez-Oramas, anuncie sua aposta por uma
Bienal inteligente, no bombstica...
Acessrios prescindveis?
Nesta mesma direo, valeria a pena recordar algumas das
intervenes eitas por um grupo de escritores convidados para
um encontro literrio promovido em 2003, em Sevilha, pela
prestigiosa Editora Seix Barral. Apresentados ao pblico como
jovens escritores latino-americanos, estes artistas dedicaram
boa parte de suas intervenes a discutir cada um dos termos
presentes no enunciado: o que signicaria ser jovem,
escritor e latino-americano? Para o que nos interessa
neste texto, destaco to somente o que disseram a respeito
do segundo destes termos: nestes tempos to espetaculares,
importa muito mais ser divertido, otognico ou polmico
e irreverente; um escritor vale mais pelas anedotas que
por sua obra, arma o argentino Rodrigo Fresn. O escritor,
prossegue Fresn, deve transcender seus livros. Estes, por
sua vez, se convertem em quase acessrios prescindveis7.
7 Rodrigo Fresn. Apuntes (y algunas notas al pie) para una teora del
estigma: pginas sueltas del posible diario de un casi ex joven escritor sudamericano.
In: Palabra de Amrica. Barcelona, Seix Barral, 2004, p. 47-74.
De modo anlogo, o peruano Fernando Iwasaki observa que a
obra de arte contempornea j no vale por quem a criou, mas
sim pelo grupo de comunicao que a promove ou representa.
Que tipo de criador pode ser quem no entrevistado no radio
e na televiso, quem no aparece nas capas de suplementos
culturais e dominicais ou quem no tem nenhuma coluna num
meio de comunicao?8
Assim, entre egotrips, melindres e vaidades, entre meditadas
indagaes estticas e embustes, entre pesquisassistemticas, apelos miditicos e pirotecnias, situa-se o
debate sobre a experincia esttica. Um desao e tanto para
quem se dedica prossionalmente ao comentrio crtico sobre
as artes...
Crtica de artes: demandas (est)ticas
Interessada em omentar a produo de crtica de artes, a
Fundao Cultural do Estado da Bahia promoveu em 2011 uma
srie de aes articuladas em torno do Programa de Incentivo
Crtica de Artes. Alm do concurso que premiou as crticas
publicadas neste volume, realizou-se tambm o I Seminrio de
Crtica de Artes, que contou com a participao de destacados
8 Fernando Iwasaki. No quiero que a m me lean como a mis antepasa-
dos. In: Palabra de Amrica. Barcelona, Seix Barral, 2004, p. 47-74.
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prossionais dedicados s mais dierentes linguagens
artsticas.
Entre as diversas questes discutidas por cada um dos
palestrantes convidados, oi possvel advertir alguns pontos
mais ou menos consensuais a respeito do exerccio prossional
da crtica. Embora aparentemente bvias por sua recorrncia
nestes runs, trata-se de questes que, justamente por serem
recorrentes, apontam para a atualidade e para a pertinncia
do debate. Assim, entre os elementos incontornveis numarefexo sobre a crtica incluem-se aspectos como a necessria
articulao entre a anlise ormal e as relaes que aquelas
obras estabelecem com seu contexto (artstico, cultural e
social), o necessrio domnio de um repertrio - o que equivale
a dizer da necessidade de um conhecimento aproundado sobre
a linguagem artstica que se avalia, assim como a trajetria
num campo artstico especco. Do mesmo modo, tambm
consensual o entendimento do carter sempre circunstancial,
provisrio, de nossos juzos: os sentidos de uma obra de arte,
assim como as leituras que azemos dela, esto longe de serem
universais e perenes. E se alamos de nossos juzos, estamos
alando tambm de outro aspecto que termina muitas vezes
por receber ateno apenas tangencial: o gosto, a dimensosubjetiva de nossa aproximao s artes. Sabemos: nossas
crenas, nossas preerncias e nossos (des)conhecimentos
denem o modo como nos aproximamos, como entendemos
os atos de cultura sobre os quais nos pronunciamos. Anal,
como adverte de modo muito oportuno Antonio Marcos Pereira
em seu artigo, includo neste volume, cada texto produzido
ao mesmo tempo se inscreve e atravessado por uma histria
que marca a pessoa que o produz de uma certa maneira.
Desta orma, ao lado das depuradas refexes sobre indagaes
estticas, dos esoros por estabelecer critrios claros de
julgamento e por discutir os impasses da linguagem, estotambm a requentemente esquecida dimenso passional
da experincia esttica9 e o contexto scio-cultural em que
circulam os objetos artsticos e seus leitores. Privilegiar o
debate entre iniciados, entre especialistas e sob o argumento
de uma pretensa objetividade e de uma especicidade
- debruar-se to somente sobre os elementos estticos,
implica arquivar a dimenso tica. Da que num livro publicado
recentemente, Jaime Ginzburg chame a ateno para o ato de
que o trabalho interpretativo exige uma conscincia crtica
elaborada, por parte do sujeito investigador, a respeito de
seus interesses e seus critrios de valor. Sem essa conscincia
crtica, valores no so discutidos, apenas reproduzidos, e com
9 Monclar Valverde, id, ibid, p. 274
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isso conservados10. E aqui retomo, para nalizar, a reerncia
eita acima a Jacques Attali a respeito da arte como espelho,
como memria e como proecia.
A considerar os exemplos apresentados ao longo deste texto
e os contextos scio-culturais pelos quais nos movemos
(contextos nos quais alar em cidadania cultural, por exemplo,
soa ora a utopia ou anacronismo, ora a chacota...), no resta
dvida de que o trabalho de um mediador assume, como
vimos, contornos que transcendem a dimenso esttica. Aoemitir juzos sobre criaes artsticas, ao denir o que pode ser
considerado relevante artisticamente, o que estamos azendo
os atores envolvidos nestes processos escrever nossa
histria cultural. E no nos altam exemplos de como essa
histria cultural eita de sistemticas omisses, excluses,
silenciamentos... Da que os espaos de refexo, do debate
10 Jaime Ginzburg, Crtica em tempos de violncia, S.Paulo: Edusp, 2012, p. 37.
qualicado, da ormao continuada em crtica sejam mais do
que bem vindos.
Carlos Bonfm coordena, produz e apresenta o programa de rdio Latitudes Latinas,
dedicado msica e cultura latino-americana (Rdio Educativa FM, Macei, Alagoas,
e Rdio Educadora FM, Salvador). Doutor em Comunicao e Cultura pelo Programa
de Ps-graduao em Integrao da Amrica Latina da Universidade de So Paulo,
possui graduao em Letras pela Faculdade de Filosoa, Letras e Cincias Humanas/USP e mestrado em Estudos da Cultura - Universidad Andina Simn Bolvar - Equador.
Atualmente proessor do Instituto de Humanidades, Artes e Cincias Pro. Milton
Santos, da Universidade Federal da Bahia.
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Rachel Esteves Lima
Em artigo publicado em 2005, Alberto Dines anunciava,
inconormado, o m da era do rodap na imprensa1
. Reeria-se o jornalista ao aastamento dos crticos Aonso Romano
de SantAnna e Wilson Martins das pginas do caderno
semanal Prosa & Verso, do jornal O Globo, ocorrida a partir
da edio de 06 de agosto de 2005. A quebra na tradio
dos rodaps literrios, herdada da imprensa oitocentista
europeia, seria atribuda, no caso do jornal que acabava de
completar 80 anos, conteno dos gastos. A perda dos
dois ltimos baluartes da crtica de rodap evidenciaria,
segundo Dines, a desimportncia conerida pela imprensa
brasileira a um exerccio capaz de oerecer suporte erudito
ao renascimento da cultura carioca e, por extenso, do Pas. A
insatisao de Alberto Dines, embalada por um sentimento
1 DINES, Alberto. Mais uma vitria dO Globo. Acabou a era do rodap
cultural. Disponvel na internet: www.observatoriodaimprensa.com.br, edio n.341,
de 09 de agosto de 2005.
RECONFIGURAES DACRTICA LITERRIANA
CONTEMPORANEIDADE
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de cunho nacionalista, coincide com a de inmeros crticos
literrios, que, nos ltimos anos, vm apontando a perda do
espao nos jornais como resultante de uma poltica editorial
baseada na lgica da inormao em detrimento do estmulo
refexo. Longe do sucessodos suplementos literrios, cujo
auge ocorrera nos anos 1960 e 1970, a crtica produzida hoje
nos cadernos culturais teria se colocado a servio das editoras,
mostrando-se muito mais empenhada em divulgar e promover
a mercadoria livro do que em analisar e julgar as obras
segundo parmetros rigidamente construdos com o auxlio dapesquisa acadmica. A consagrao das resenhas no mbito
dos cadernos culturais, recheadas de otos e ilustraes, nada
mais seria do que um refexo dessa situao, agravada pela
substituio dos especialistas em literatura por prossionais
da rea do jornalismo.
Paralelamente a esse quadro, na era da subsuno de todas as
eseras da vida ao capital2, multiplicam-se no Pas os lanamentos
de revistas culturais, algumas delas direcionadas tambm a
um pblico consumidor de literatura3. A predominncia da
imagem no lugar da palavra, insistentemente registrada para
2 C. JAMESON, Fredric. Ps-modernismo: a lgica cultural do capitalismo
tardio. Traduo Maria Elisa Cevasco. So Paulo: tica, 1996.
3 Como exemplos podem ser citadas as revistas Cult, Bravo, Literatura e
Entrelivros, a ltima, inelizmente, com vida curta.
conrmar a existncia de uma sensibilidade ps-moderna,
atingiria com essas publicaes o espao residual at ento
demarcado para os cultores da literatura. Ocorre, no caso da
crtica literria e cultural, o que j vinha se passando com a
poesia e a co, cujos canais de diuso oram, a partir dos
anos 1990, bastante ampliados, com o investimento editorial
em revistas como Inimigo Rumor, Azougue, Babel, Poesia
sempre, etc., e em antologias diversas, com a publicao de
autores consagrados e iniciantes4.
Longe de signicar, simplesmente, um desprestgio da
literatura, o que atualmente ocorre, por conseguinte, a
perda de um lugar para a interveno do crtico especialista
nos dirios e peridicos em circulao. E o rodap quem
4 O investimento nas antologias, que oi bastante intenso na virada do
sculo, segue seu curso na atualidade. So exemplos de maior sucesso: OLIVEIRA,
Nelson de. Gerao 90: manuscritos de computador. So Paulo: Boitempo, 2001;
OLIVEIRA, Nelson de. Gerao 90: os transgressores. So Paulo: Boitempo, 2003;
OLIVEIRA, Nelson. Gerao 00: rices em rede. Rio de Janeiro: Lngua Geral, 2011;
HOLLANDA, Helosa Buarque de. Esses poetas: uma antologia dos anos 90. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 1998; MORICONI, talo. Os 100 melhores poemas brasileiros do
sculo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001; MORICONI, talo.Os 100 melhores contos brasi-
leiros do sculo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000; RUFFATO, Luiz. 25 mulheres que esto
azendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2004; RUFFATO, Luiz. Mais30 mulheres que esto azendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record,
2005; SANTOS, Joaquim Ferreira. As 100 melhores crnicas do sculo. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2007.
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diria acabou virando revista produzida por e dirigida aos
universitrios, numa paradoxal tentativa de manter e ao
mesmo tempo negar a tradio5. claro que no altam aqueles
que ainda procuram argumentos que orneam sustentao ao
exerccio da crtica literria, uma rea que, segundo Alberto
Moreiras, teria perdido sua uno hegemnica na produo
ideolgica do valor social6. o caso, por exemplo, de Aonso
Romano de SantAnna, cujas palavras militam em prol da
recuperao do lugar eetivamente ocupado, at h pouco
tempo, no apenas por ele, mas por vrios de seus pares, nosjornais brasileiros:
necessria a manuteno de crticos especializados no
apenas porque isto retira a atividade do amadorismo, do
compadrismo, do ocasionalismo, mas porque o crtico mais
5 Rodap era, sintomaticamente, o nome de uma revista que, no incio
da dcada de 2000, pretendia, ainda que por denegao, recuperar o espao perdido
pela crtica literria iniciada como parte do projeto undacionista de Machado de Assis
e levado adiante pelos modernistas. Na tentativa de romper com o movimentadssimo
marasmo da indstria cultural e ao mesmo tempo com o investimento no cnone j
consolidado, seus editores pretendiam operar como mediadores entre a crtica acad-
mica e o release jornalstico. A revista, entretanto, teve vida curta. C. Rodap. Crtica
de Literatura Brasileira Contempornea. So Paulo: Nankim Editorial, v.1: 2001, v.2:
2002.
6 MOREIRAS. A exausto da dierena.Trad. Eliana Loureno de Lima Reis
e Glucia Renate Gonalves Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001, p.23.
que uma pessoa, uma instncia, uma memria viva e atuante
em sua rea. Ele pode estabelecer melhor que os comentadores
eventuais, nexos entre obras anteriores dos artistas, porque
tem obrigao de inormar-se sobre a trajetria e a ormao
de cada autor dentro de uma viso de conjunto da prpria
cultura nacional. Alm do mais, o crtico constri tambm uma
obra que um sistema de ideias. E a leitura da cultura tem
tanto na obra dos artistas quanto na obra dos crticos dois
pilares reerenciadores para mtuo entendimento7.
Observamos, entretanto, que os libis apresentados por
SantAnna dicilmente se sustentariam em tempos de
globalizao dos mercados. Isto porque a expanso da
esera da cultura no chamado capitalismo cognitivo corre
em sentido contrrio preservao de patrimnios culturais
essencializados com base no conceito de nao, como quer o
crtico. Tal projeto s se mostraria cabvel na ase de construo
de uma sociedade disciplinar, para usar o conceito de Michel
Foucault, enquanto que, no capitalismo tardio, estaramos,
7 SANTANNA. Paradigmas do jornalismo cultural no Brasil. Artigo publi-
cado na Revista Veredas, do Banco do Brasil. Disponvel na internet: http://www.
bb.com.br/portalbb/page251,138,2517,0,0,1,6.bb?codigoMenu=5253&codigoNoticia=6725&codigoRet=5257&bread=3. Acesso em: 16 set. 2012.
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segundo a leitura de Gilles Deleuze, entrando na sociedade
do controle, baseada em uma organizao ps-ordista da
economia, na qual a principal ora seria o trabalho imaterial,
que no respeita ronteiras e demarcaes de tareas8.
Mas poderamos ir ainda alm, perguntando-nos se, realmente,
a especializao da atividade crtica teria chegado a romper, no
caso brasileiro, com o compadrio e a parcialidade, como quer
Aonso Romano de SantAnna. A julgar pelas alas recolhidas
em uma recenso das mais recentes querelas travadas nomeio literrio nacional, certamente responderamos que no.
A ausncia de uma crtica isenta, baseada prioritariamente em
critrios estticos, tem sido apontada com insistncia como
um dos males da ormao de nosso sistema intelectual. De
Machado de Assis nova gerao de escritores, passando
por crticos como Arnio Coutinho e Luiz Costa Lima, dentre
outros, reitera-se, com grande requncia, a predominncia da
lgica do avor e a preservao do espritdescorps. E mesmo
as eventuais polmicas, que seguiram a trajetria da crtica
dos rodaps produzidos a partir dos anos 1920 aos tratados,
que dominaram a cena durante a ase urea da autonomia do
literrio nos anos 1970, e retomada da dico ensastica,
8 C. NEGRI, Antonio. 5 lies sobre Imprio. Traduo Alba Olmi. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
a partir dos anos 1980 , tm sido s vezes consideradas
muito mais como estratgias de autolegitimao no espao
intelectual do que propriamente como um esoro para a
promoo de um dilogo travado em nome das ideias 9. Num
diagnstico nada animador apresentado pelo Proessor
Paulo Franchetti10, l-se que a crtica publicada no Brasil
tanto a da imprensa quanto a da universidade no passa
de colunismo social, baseado em critrios de amizade que
seriam responsveis pelo tom de glosa e propaganda nela
predominantes. Qualquer tentativa de ugir a essa prtica,segundo Franchetti, acaba por ser repudiada, seja atravs
de abaixo-assinados de celebridades do meio intelectual,
atitude considerada essencialmente antidemocrtica, seja
atravs de uma estratgia de apagamento, que atinge tanto
o crtico quanto o criticado. Isso porque a solidariedade ao
criticado apenas ocorre no espao privado, sendo-lhe negada
a oportunidade de uma deesa em arena pblica, na qual o
conronto de ideias seria exposto de orma transparente.
9 C. SSSEKIND, Flora. Literatura e vida literria. 2 ed. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 2004; SSSEKIND, Flora. Rodaps, tratados e ensaios. In: Papis colados.
Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1993, p.13-34; VENTURA, Roberto. Estilo tropical; histria
cultural e polmicas literrias no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1991.
10 FRANCHETTI, Paulo. A demisso da crtica. Disponvel na pgina do
escritor na internet: . Acesso realizado em 16 set. 2012.
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Mas o mais interessante da argumentao de Franchetti diz
respeito s razes da situao de descrdito da crtica na
atualidade. Segundo ele, essa situao no seria decorrente
da alta de talentos e da eliminao dos embates crticos pelo
aparelhamento ideolgico das universidades, em nome da
luta pelos pequenos poderes. Esses atores constituiriam, na
verdade, epienmenos, que deixariam na sombra um outro,
considerado por ele crucial e que seria o ortalecimento e a
internacionalizao da indstria do livro e do entretenimento
literrio no Brasil, e a consequente valorizao do campo daliteratura, que, pela primeira vez, se constitui em mercado
importante do ponto de vista dos resultados de vendas11.
Toca-se, aqui, na hiptese que constitui o ponto central desta
anlise: a demisso do crtico especialista do espao do
jornal seria correlata ao nascimento de uma intelectualidade
de massa, que hoje constitui um signicativo mercado para
os bens simblicos, expandindo-se enormemente o pblico
leitor; esse, por sua vez, alimentado pelo discurso andino
de uma crtica cujos objetivos requentemente se limitam ao
marketing junto aos consumidores das obras. Um discurso que
assume caractersticas pop e que orma, conorma e, s vezes,
11 PCORA, Alcir. Momento crtico: meu meio sculo. Disponvel na inter-
net: . Acesso realizado
em 16 set. 2012.
deorma o pblico, pelas estratgias publicitrias utilizadas
no apenas nos peridicos e cadernos culturais, mas tambm
nas eiras de livros, que tm na FLIP o exemplo de maior
sucesso, e nos concursos realizados por empresas antenadas
com a necessidade de associar a sua marca a uma esera que,
ao menos residualmente, ainda mantm uma certa aura. A
espetacularizao das Letras constitui, assim, uma aca de
dois gumes.
Para Franchetti, cujos argumentos so dirigidos deesada autonomia do pensamento e do prazer que provm do
exerccio livre da razo, o que acaba por denunciar o vis
ainda iluminista de seu posicionamento, no h lugar para
otimismo em relao ao exerccio da crtica. Para um dos
porta-vozes da nova gerao de escritores-crticos, Nelson
de Oliveira, caminhando em sentido contrrio, a crtica s
recuperar o seu emprego se se abstiver dos raciocnios
cartesianos que amparam a leitura imanente das obras. Em
lugar da nase judicativa, o autor prope a incorporao
dos mtodos ccionais pela crtica literria, que passaria a
assumir-se como um gesto capaz de abarcar o que est ora
do texto, os dilemas existenciais tanto do sujeito que escreve
quanto do que critica. Dessa orma, a crtica se transormaem arma, a ser utilizada de orma despudorada na arena
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dos interesses partidrios12. O mesmo carter perormtico
deendido por Silviano Santiago, para quem a crtica literria
jornalstica no deveria se limitar mera divulgaodas obras,
cabendo-lhe o exerccio da vigilncia intelectual, em tempos
que, paradoxalmente, se querem mais e mais democrticos.
Utilizando-se da mesma metora de Oliveira, Santiago prope
uma crtica literria que teria o sentido de interveno, a razo
de ser e a utilidade dos partidos de oposio13.
A visada agora seria, portanto, no mais voltada parao consenso, esse, sim, quase sempre considerado
participante do jogo de um mercado antidemocrtico, no qual
se preservam os interesses daqueles que detm a hegemonia
no universo intelectual. A metora utilizada tanto por Nelson
de Oliveira quanto por Silviano Santiago traduzem, em sentido
inverso, uma compreenso da cultura como um recurso, uma
convenincia passvel de ser produzida e recebida, como quer
George Ydice14, de uma orma dispersa mas potente para
intervir no campo dos confitos polticos. Ou, antes, a cultura se
12 OLIVEIRA, Nelson. Uma cajadada no cocoruto da crtica. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 25 jun. 2005. Idias. No paginado.
13 SANTIAGO, Silviano. Fico moderna e poltica: leitor e cidadania. In: O
cosmopolitismo do pobre. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004, p.168-193.
14 YDICE. YDICE, George. A convenincia da cultura. Traduo Marie-
-Anne Kremer. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.
transorma em cultura poltica. A partir dessa perspectiva, cada
palavra do crtico constituiria um lance em uma guerra cultural
travada como um jogo de linguagem (Wittgenstein), um jogo
no qual ela (a linguagem) deixa de ser apenas linguagem para
se transormar em prtica discursiva.
Mas onde estariam se travando hoje essas batalhas? Ocorrida
a demisso do crtico do mercado editorial, restaria apenas
universidade, agora responsvel pela ormao desse General
Intellect, acolh-lo, preserv-lo? Ou seria possvel pensar emoutros espaos para o conronto de ideias, espaos que, no
lugar da uni-versidade, se proporiam como critrio de valor a
di-versidade e, concomitantemente, a di-verso, o prazer da
luta com as palavras?
Paradoxalmente, tal espao parece estar surgindo justamente
a partir do mercado. O que nos leva a pensar que, conorme
teoriza Garca Canclini, o consumo serve para pensar. Como
se sabe, em sua obra mais polmica15, o socilogo analisa
como se podem constituir circuitos de comunicao a partir
do consumo de bens simblicos, que serviriam no apenas
para separar os indivduos em classes sociais, mas tambm
para reuni-los em comunidades responsveis pela ormao
15 CANCLINI, Nstor Garca. Consumidores e cidados. 4 ed. Traduo
Maurcio Santana Dias. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999.
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de valores. Longe da deesa de uma noo hierarquizada de
cultura, que separa o popular, o erudito e o massivo, com
base em pressupostos de pureza e autenticidade, trata-se de
pensar tais eseras, portanto, como espaos de contaminao
recproca, de confitos e negociaes incessantes. Ao que
parece, justamente na ormao dessas comunidades de
sentido que parecem estar surgindo novas possibilidades para
o exerccio das polticas da escrita16. Colocando-se sempre
em trnsito no mundo bem mais democrtico das inovias,
novos atores sociais vm revitalizando os debates sobre aliteratura e a crtica literria, transormando o espao virtual em
uma gora ps-moderna, na qual as anidades eletivas deixam
de ser escamoteadas em nome da pretensa objetividade e
imparcialidade da crtica acadmica, instaurando-se uma
indissociao entre as eseras pblica e privada. Atravs das
revistas eletrnicas, dos blogs e runs de discusso, novas
subjetividades vm sendo ormadas, novas possibilidades
interpretativas se tornam visveis e os confitos ideolgicos
encontram um lugar para serem encenados.
A metora teatral cumpre aqui a uno de resgatar o sentido
espetacular e simulado de tais intervenes crticas, uma vez
16 RANCIRE, Jacques. Polticas da escrita. Traduo Raquel Ramalhete et
al. So Paulo: Ed. 34, 1995.
que no se trata mais de operar a partir de uma posio de
exterioridade em relao ao sistema, mas, sim, nos espaos
liminares que azem esboroar as dicotmicas categorias de
real e ccional, nacional e estrangeiro, subjetivo e objetivo,
pblico e privado. Como arma Eneida Maria de Souza, para
a maioria letrada essa situao insuportvel, por abalar
orientaes estticas unicadoras e universalistas, alm de
retirar dos objetos contemporneos traos de proundidade e
perenidade17. [e aqui ela se reere ao echamento de alguns
ainda hegemnicos deensores da alta cultura no meioacadmico] Tal posicionamento explicaria a incapacidade de
grande parte dessa classe letrada em perceber a novidade
da produo literria da nova gerao de escritores, que
integra setores da sociedade antes mantidos margem do
sistema intelectual. A insistncia de grande parte da crtica
em associar a literatura produzida pelas minorias esttica
naturalista desenvolvida nos anos 1960 e 1970 evidencia uma
incompreenso quanto s motivaes e s consequncias da
crise da representao ora em curso. Fixar nas obras que na
contemporaneidade abordam a violncia da desigualdade
social do pas mais um rtulo capaz de promover, em torno de
um estilo de poca (o neonaturalismo) empobrecer o debate.
17 SOUZA, Eneida Maria de. Janelas indiscretas. Margens/mrgenes, Belo
Horizonte, Buenos Aires, Mar del Plata, Salvador, n.5,p.101, jul.-dez.2004.
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Anal, o que tal produo, codicada como testemunhal ou
documental, parece desconstruir a prpria possibilidade de
apreenso do real, de qualquer perspectiva disciplinar, seja ela
literria, antropolgica ou histrica. Da a impossibilidade de
se dissociar vida e obra, de se separar a co da autobiograa,
to presente nos livros recentemente publicados18. A escrita
se mostra como gesto, como estratgia do subalterno para
alterar a dinmica das relaes de poder. Para que esse gesto
seja acolhido com respeito diversidade, undamental que
os crticos abandonem no apenas o discurso que valoriza ouniversalismo no estabelecimento do cnone, mas tambm
o que celebra o multiculturalismo liberal. Para tanto, h
que se reconhecer que menos que uma hermenutica de
base paternalista, tais textos demandam, como prope John
Beverley, uma hermenutica da solidariedade, uma aliana
ttica entre os estratos da classe mdia prossional e os
pobres locais/globais19 para lutar contra o projeto excludente
do neoliberalismo. Como lembra o crtico, s pode haver
solidariedade numa relao de igualdade e de reciprocidade
18 Citem-se como exemplos as obras de Paulo Lins (Cidade de Deus) ,
Ferrz (Capo pecado, Manual prtico do dio) e Marcelino Freire (Angu de sangue,
Contos negreiros), etc.
19 BEVERLEY, John. Subalternidade y representacin. Madri: Iberoameri-
cana, 2004, p.125
entre as pessoas implicadas20. Assim, trata-se de um
posicionamento que visa pensar a atividade crtica menos em
sua uno judicativa, pautada nos critrios de hierarquizao
de valores (que muitas vezes escamoteiam a lgica do avor),
do que no potencial desse tipo de discurso para criar um
novo ethos, undado sobre uma noo de amizade que no
inclui os pactos da lisonja, mas que, como deseja Michel
Foucault, envolve um processo de incitao mtua e luta,
tratando-se no tanto de uma oposio rente a rente quanto
de uma provocao contnua21. Estaramos, ns, os crticos,preparados para isso? Certamente, ainda cedo para se
responder a essa pergunta. Mas, talvez se possa enxergar uma
luz no m do tnel se o investimento no desenvolvimento de
refexes sobre a importncia da atividade crtica persistir.
Nesse sentido, vale destacar o papel cumprido pela Fundao
Cultural do Estado da Bahia, que, com editais abertos a todos os
que desejem se lanar nessa aventura da crtica, como ocorre
com o Programa de Incentivo Crtica de Artes, no apenas
incentiva o surgimento de jovens crticos, como tambm abre
caminho para que eles possam diundir suas interpretaes
em espaos mais amplos que aqueles nos quais eles j vm
atuando. Pelo que se v, o uturo j est a.
20 Idem, p. 113.
21 Apud ORTEGA. Amizade e esttica da existncia em Foucault. Rio de
Janeiro: Graal, 1999, p.168.
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Rachel Esteves Lima ez Ps-doutorado na Universidade Paris XIII, Doutorado em
Estudos Literrios/Literatura Comparada (1997) na Universidade Federal de Minas
Gerais e Mestrado em Estudos Literrios/Literatura Brasileira (1987), tambm na
UFMG. Proessora Associada da Universidade Federal da Bahia, atuando no curso
de Graduao em Letras, no Programa de Ps-Graduao em Literatura e Cultura e
no Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade. Seus trabalhos ocalizam,
principalmente, o estudo das teorias crticas da Literatura Comparada, a crtica
literria e cultural brasileira e latino-americana, as representaes do trabalhointelectual, os discursos memorialsticos e autobiogrcos e a anlise das narrativas
da modernidade e da ps-modernidade. Atualmente, coordenadora do Programa de
Ps-Graduao em Literatura e Cultura da UFBA.
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Vladimir Oliveira
O conjunto de otograas apresentadas pelo otogro e artis-
ta visual Pricles Mendes, notabiliza dois interesses em sua
investigao no campo da otograa: o ascnio pelo urbano e,
mais recentemente, pelos dispositivos de comunicao publi-
citria chamados outdoors. Sua mostra apresenta otograas
coloridas no ormato de 50x70 cm, pequena dimenso em
relao aos 9x3 metros, padro dos outdoors, e prope um
dilogo esttico com os outdoors abandonados e em processo
de decomposio, espalhados pelo espao urbano da cidade
de Salvador e autoestradas das regies circunvizinhas.
Considerando o desmantelamento daquele meio publicitrio
que irrompe na paisagem urbana, o artista dene, pelo ato
otogrco, uma potica de subverso do discurso miditico
eito de palavra-imagem veiculado pelos outdoors, retratan-
do a incapacidade persuasiva do massivo signo de comuni-
cao. Congura um jogo potico-poltico no qual produz
A POTICA-POLTICADOS OUTDOORS
ARTES VISUAIS
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imagens (otograas) de imagens (outdoors), sendo que a oto-
graa, pelo seu discurso histrico de representao do real,
ortemente cobiada pela publicidade, assume uma lgica
inversa, na medida que serve como dispositivo de captura do
seu contrrio, exatamente o apagamento das imagens-oto-
graas visibilizadas pelos outdoors.
Movido por entusiasmo na investigao da cidade como espao
visual, outras sries otogrcas do artista, como Autmatos e
Voo Geomtrico1
, demarcam seu interesse pelas plasticidadesdas estruturas do meio urbano. No entanto, na composio da
srie Subtrados o artista articula potica e poltica, ampliando
o enoque das sries anteriores, mais concentradas em valores
plsticos presentes na cidade, quando, alm da composio de
uma esttica visual, opta por conrontar a imposio imagti-
ca dos outdoors e sua prolierao na paisagem urbana. Suas
otograas no permitem esquecer, e de certa orma at denun-
ciam, que seu objeto de interesse visual, o outdoor, ainda que
transgurado para condio de objeto artstico, um instrumen-
to publicitrio que carrega consigo um histrico voltado para a
lgica do capital e de suas erramentas de coero.
1
Examinando o titulo da srie otogrca, inevitvel recordar a
obra Esttica do Desaparecimento (1989) do lsoo e urbanista
rancs Paul Virilio. Segundo ele, a esttica do desaparecimento
acenaria com a constituio de imagens e de ormas instveis,
presentes por sua prpria uga e refetir-se-ia na revelao de
um mundo orientado pelos vetores do movimento, dos meios
de locomoo, dos veculos dinmicos e dos veculos estti-
cos, tambm compreendidos como audiovisuais.
Para capturar suas imagens, o artista envereda por Autoestra-das e BRs rodovias com seu automvel, mas ao contrrio do
olhar de passagem, da paisagem em movimento, aspectos
sustentados pela noo da sociedade do automovel em
que os vidros dos veiculos so similiares a uma tela de TV,
onde tudo passa em rao de segundos e pela supremacia
dos vetores do movimento, das tecnologias de locomoo
mencionados por Virilio, o artista precisa parar e caminhar,
contemplar, enquadrar e capturar seus outdoors em desapare-
cimento. Na busca de eternizar pela otograa o que est por
desaparecer, Pricles Mendes, ao captar imagens de outdoors
desprovidos de propaganda, reivindica um retorno contem-
plao cognitiva da paisagem, prtica escassa na contempo-
raneidade, ao mesmo tempo em que denuncia a usurpao deum espao pblico.
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Em termos artstico-politicos sua srie aprox