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A MISSÃO DA MULHER PAUL TOURNIER

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  • A MISSODA MULHER

    PAULTOURNIER

  • TRADUORenira Cirelli Appa

    A MISSODA MULHER

    PAULTOURNIER

  • Tournier, Paul, 1898-1986

    A misso da mulher / Paul Tournier ; traduoRenira Cirelli Appa. Viosa, MG : Ultimato, 2008.

    208p.; 21cm

    Traduo de: La mission de la femme.Inclui referncia bibliogrfica.

    ISBN 978-85-7779-004-3

    1. Relaes humanas. 2. Self (Psicologia) 3. Papel sexual.4. Mulheres - Psicologia. 5. Emoes. I. Ttulo.

    CDD 22.ed.302

    Ficha catalogrfica preparada pela Seo de Catalogao eClassificao da Biblioteca Central da UFV

    T728m2008

    Copyright 1988, Delachaux et NiestlPublicado originalmente por Delachaux et Niestl, Paris, FranaTtulo original em francs: La Mission de la Femme

    Segunda Edio: Maio de 2008Traduo: Renira Cirelli AppaReviso: Bernadete Ribeiro

    Daniela CabralCapa: Caio Campana

    A MISSO DA MULHERCategoria: Famlia /Comportamento / Liderana

    PUBLICADO NO BRASIL COM A DEVIDA AUTORIZAOE COM TODOS OS DIREITOS RESERVADOS PELA

    EDITORA ULTIMATO LTDACaixa Postal 4336570-000 Viosa, MGTelefone: 31 3891-3149 Fax: 31 3891-1557www.ultimato.com.br

  • Apresentao edio brasileira 7

    1. Relao objetiva e relao pessoal 11

    2. O mundo das coisas e o mundo das pessoas 21

    3. A escolha da Renascena 33

    4. A mulher possui o sentido da pessoa 47

    5. O medo da emoo 61

    6. A mulher no lar ou no trabalho 73

    7. Promoo da mulher 85

    8. Hesitaes 97

    9. Valorizao 109

    10. Reflexes 121

    11. Palavras de mulheres 133

    12. Ser que o homem escuta? 147

    13. O desdm 161

    14. A lio da gentica 175

    15. Misso da mulher 189

    Bibliografia 201

    SUMRIO

  • Apresentao Edio Brasileira

    A ALMA FEMININACOMPANHEIRA DO HOMEM

    COMO POUCOS AUTORES, Paul Tournier mostra-seprximo e intrprete do universo feminino. Neste livro ecoaa voz da esposa e colaboradora, Nelly, com quem partilhoudiversas dimenses da intimidade. Aprendiz confesso, guiadopela mulher, desabrochou para uma rica vida de relaointerpessoal. Em texto escrito na primeira pessoa, entrega-sea si prprio, buscando estabelecer com o leitor uma relaopessoal. Escuta e d voz mulher, aos seus sentimentos, sua fora instintiva. Citando um texto de Franoise Dolto,podemos dizer que nestas pginas fluem a menstruao, o partoe o aborto, bem como os ricos simbolismos da subjetividadefeminina.

  • 8 A MISSO DA MULHER

    O autor um homem de bem com sua anima, em condiesde apontar para os outros homens o caminho da completude eda humanizao: baixar a guarda, questionar preconceitos,reconhecer a mulher como companheira e parceira dada porDeus.

    A Misso da Mulher brinda-nos com valiosos elementosextrados do cotidiano social e familiar que ilustramdesencontros, equvocos e o mal-estar nas relaes de gnero.Num estilo coloquial, ntimo e pessoal de observar e refletir,recolhe da histria, da biologia e da literatura amplo conte-do de fatos e verses que marcam as relaes homemmulherno Ocidente.

    Outros livros do autor j impactaram uma legio de leitoresem todo o mundo. citado pela maioria dos especialistas emaconselhamento e psicoterapia nos meios cristos, bem comopor autores seculares que lhe reconhecem o mrito de fundaruma psicologia da pessoa na prtica da medicina. Tournier um dos pioneiros no movimento de humanizao da medicinae foi um psicoterapeuta que levava em conta o sagrado.

    Seu olhar potico, sua atitude carinhosa, e sua posturaintelectual lhe permite reconhecer mritos em colaboradoresde distintas tendncias. orientado para a descoberta do que saudvel no outro, sem, contudo, perder a necessria objeti-vidade crtica e analtica.

    Mostra a mesma atitude em relao aos temas tcnicos deque trata em Tcnica Psicoanaltica e F Religiosa e Medicinada Pessoa. Imerso na graa de Deus, contribui para adesconstruo de culpas falsas e neurticas em Culpa e Gra-a. Com percia e propriedade, usa contribuies de vriasfontes para constituir e contextualizar sua fala. Quase trintaanos depois de seu lanamento, A Misso da Mulher, agoraem nova traduo em portugus, mantm sua relevncia para

  • APRESENTAO 9

    acompanharmos a evoluo de uma questo sempre atual: asrelaes homensmulheres. oportuno para nosso tempo, detantas incertezas e falta de referncias, em que milhes dehomens e mulheres se mostram confusos em suas identidadese seus papis.

    Tournier dialoga com filsofos e pensadores do Ocidente edo Oriente, alargando nossa compreenso sobre as relaeshomemmulher, o lugar do feminino na alma masculina e aevoluo das relaes de gnero em boa parte das sociedadesocidentais.

    Dialoga com feministas, reconhecendo o mrito das questessobre a opresso masculina, que lanou a mulher na periferiado sistema social, numa posio subalterna e indigna posioque, para muitos, seria da ordem da natureza, vontade divina;para as feministas e historiadores mais recentes, uma conjunode fatores enraizados na histria e com legitimao religiosae poltica. Tournier coloca-se na perspectiva da mulher e aescuta. A acontece algo novo, uma revelao de outra ordemdo saber: o saber do corao, da intuio, to rarefeitos emnosso mundo, moldado pela fora e pelo desejo masculinos.Porm, em diversos momentos, cutuca determinadas posturasde setores feministas como tendo assumido preconceitosmachistas e atitudes tipicamente masculinas, em detrimentoda mulher.

    Analisa o impacto de construes teolgicas na constituiodas imagens e idias sobre a mulher. Lamenta as distores eos prejuzos que o Ocidente sofreu com a misoginia grega as-sumida, que influenciava a leitura e compreenso das Escri-turas, e culpabilizava a mulher, contra as prprias Escritu-ras! Em certas consideraes inovadoras, deixa-nos a perguntasobre quem melhor teria compreendido Jesus: os homens ouas mulheres? Por ser a teologia quase inteiramente uma

  • 10 A MISSO DA MULHER

    obra de homens, o autor lamenta o estado de tantos textosteolgicos que so como escritos maquinais, movidos poruma razo sem alma, que exclui as emoes e a intuio,to natural nas mulheres.

    Chama-nos a ateno para os provocantes dilogos de Je-sus com mulheres. Da mente/ventre feminina, na relao comJesus, so concebidos insights profundos sobre a nossa huma-nidade e o reino de Deus. Cristo resgatou a mulher do despre-zo, da humilhao e do apagamento em todas as culturas. Sehoje, em boa parte do mundo, as mulheres e as crianas des-frutam de melhor condio, o parteiro da liberdade e dignida-de femininas o homem de Nazar. Ele matriz da esperan-a e justia para todos, homens e mulheres, para que vivamreconciliados.

    AGEU HERINGER LISBOAPsiclogo e mestre em cincia da religio

  • APRESENTAO 11

    1.

    RELAO OBJETIVAE RELAO PESSOAL

    SIM, CREIO em uma misso da mulher hoje. Durantemuitos sculos, o homem descartou a mulher da vida pblicae construiu sem ela nossa civilizao tcnica ocidental umasociedade masculina, ordenada de acordo com os valores mas-culinos , na qual falta tragicamente tudo aquilo que a mu-lher poderia oferecer.

    Antes de abordar os problemas da mulher, quero evocarminha prpria vida, infncia e juventude, da qual tenho fala-do constantemente em conferncias, mas pouco em meus li-vros. Para que voc, que hoje abre este livro, possa me acom-panhar e melhor compreender, vou seguir passo a passo mi-nhas experincias pessoais e tentar demonstrar por que elasdespertaram em mim a idia de que a mulher tem hoje umpapel particular e importante a desempenhar.

  • 12 A MISSO DA MULHER

    Meu pai nasceu em 1828, no mesmo ano em que HenriDunant, o fundador da Cruz Vermelha, e acho que no mesmoquarteiro da velha cidade de Genebra. Tinha setenta anosquando nasci.

    Certa vez, conheci uma senhora idosa que morou no prdioonde nasci. Na poca de meu nascimento, ela era uma meni-ninha de oito anos; obteve autorizao para me ver recm-nascido. Ela disse que guardava, sobretudo, a recordao demeu pai, louco de alegria por, naquela idade, ter um filho.

    Mas meu pai morreu dois meses mais tarde e pode-seimaginar o quanto minha me apegou-se a mim, o pequenoque o velho marido lhe deixara, e o quanto eu mesmo liguei-me a ela. Eu tinha uma irm de quatro anos e que, com razo,poderia muito bem ter cimes devido preferncia de nossame.

    Ainda mais que, aos seis meses, fiquei gravemente doente.Mais tarde, conheci muito bem o pediatra que cuidara de mim.Conduziu-me um dia a seu arquivo para me mostrar a fichana qual havia escrito: Esta criana est perdida. Felizmen-te, um velho professor sugeriu que me alimentassem com leitede jumenta. Correram a procurar uma, para grande prazerde minha irm, que dava voltas no prado montada no animal.Bela revanche! Assim, devo a vida medicina, se bem que osmeios fossem menos poderosos que os atuais, e a uma jumen-ta, animal evanglico por excelncia.

    Mas minha me morreu aps um longo perodo de doenae vrias cirurgias. Eu tinha seis anos. Minha irm e eu fomosrecolhidos por um casal de tios que nos educaram com a mai-or devoo. Devo lhes render aqui esta homenagem, princi-palmente ao meu tio, que respeitou minha prpria filiao:nunca me deixou esquecer que no era seu filho e que deviaser eu mesmo, o filho de meu pai.

  • RELAO OBJETIVA E RELAO PESSOAL 13

    No tenho, portanto, nenhuma reprovao a fazer a quemme educou com tanta afeio. Contudo, o que decisivo parauma criana o que ela mesma experimenta. Quando mamemorreu, tive a impresso de mergulhar num buraco negro, deno mais contar, daquele dia em diante, com ningum. Lem-bro-me muito mal da mame, menos que o normal para umacriana de seis anos. As boas recordaes do passado fo-ram, provavelmente, reprimidas com a tristeza, deixandosomente um sentimento de vazio. Ento fiquei doente de novo,introspectivo, solitrio, tmido, selvagem, incapaz de criar vn-culos com qualquer colega.

    De preferncia, subia em rvores para deixar meu mundobem isolado, ou ento tomava como confidentes os ces decaa dos meus tios. Os resultados escolares eram medocres.Naquele tempo, ignorava-se o papel dos fatores afetivos nodesenvolvimento da criana; se ela no fosse bem na escola,atribua-se somente preguia ou burrice. Ora, nunca meachei preguioso...

    Sabe-se hoje o quanto a escola pode ser impessoal paracom um aluno mal integrado. Foi muito mais tarde eu tinhaento dezesseis anos que um dos meus professores, mestrede grego, entendeu minha angstia e fez um gesto inslitopara derrubar o muro moral atrs do qual me escondia: con-vidou-me para ir casa dele. Ah! Como fiquei intimidado aoentrar naquele escritrio austero, forrado de livros! No sa-bia o que dizer e, mais tarde, achei que at meu mestre haviaficado sem graa.

    Fomos nos ligando pouco a pouco. Escutava-me, no comoa um aluno que est sendo interrogado, mas como a um serhumano, uma pessoa. Interessava-se por mim, dava-me opor-tunidade de me expressar, de descobrir a mim mesmo ao meexpressar. Iniciou-me no dilogo, arrancou-me da solido. Foi

  • 14 A MISSO DA MULHER

    muito mais tarde que compreendi que ele havia sido para mimum psicoterapeuta. E continuei, durante muitos anos, a ir todasemana a sua casa, mesmo quando j no era seu aluno.

    O efeito foi mgico. No ano seguinte organizei a classe emuma associao e tornei-me o presidente. Tnhamos discus-ses apaixonadas. Era a poca da Primeira Guerra Mundial.A Sua estava dividida, os Confederados do Norte simpatiza-vam pela Alemanha e ns, pela Blgica invadida e pela Fran-a. Alm disso, promovamos noites teatrais e, com a ajudado mestre, interpretamos um ato de Eurpedes, em grego,um de Plato, em latim, e um de Molire, em francs. Logocomecei a escrever e, com um amigo, criamos uma peahistrica sobre Nicolas de Fle, o pacificador da Sua.

    Assim, havia-se aberto para mim um perodo de ao sociale de debates intelectuais e polticos que durou muitos anos.

    A revoluo russa veio inesperadamente, levantando na Ale-manha derrotada problemas que a Sua sofria como con-seqncia, sobretudo entre os estudantes. Eu presidia o prin-cipal e centenrio grmio de estudantes da Universidade deGenebra. Fazamos grandes discursos em Lausanne, Zuri-que e Lucerna.

    Depois parti para Viena, a servio do Comit Internacionalda Cruz Vermelha, para auxiliar no repatriamento de prisio-neiros de guerra russos, austracos e alemes. Em seguida,trabalhei no socorro internacional s crianas, principalmen-te as que sofriam fome na regio da Bacia do Volga. Criamosum secretariado internacional do movimento da juventudepara o socorro da infncia. Em Genebra, fundamos um sana-trio para os lactentes cujas mes haviam sido tomadas pelatuberculose. Enfim a igreja; entrei em um rgo diretor, comoporta-voz dos filhos inquietos da Igreja como ramos cha-mados , um grupo de jovens leigos e telogos que desejavam

  • RELAO OBJETIVA E RELAO PESSOAL 15

    reanimar o fervor e a fidelidade. Fiquei entusiasmado comCalvino e polemizava pela ortodoxia contra o modernismo.

    Tudo isso com um zelo e sinceridade inegveis, mas quedentro da igreja suscitava mais diviso que edificao. Tam-bm provei um certo mal-estar que no podia explicar nem amim mesmo. Foi ento que encontrei meu segundopsicoterapeuta, um holands perito financeiro, alto funcion-rio da ONU. Ele tambm, como meu mestre de grego, convi-dou-me para ir a sua casa. Eu estava, ento, com trinta equatro anos.

    Esse meu novo amigo conheceu um movimento religiosofundado por um pastor americano, Frank Buchman, que sechamava Grupo de Oxford, em referncia universidade in-glesa em que o grupo comeara. A tnica desse movimentono eram os dogmas e a teologia, mas sim a obedincia con-creta inspirao de Deus na vida cotidiana, pblica ou pri-vada. Fui tambm atingido por esse movimento. L pratic-vamos os testemunhos pessoais e o que chamvamos decompartilhamento, uma abertura profunda de uns para comos outros.

    J na minha primeira visita casa de Buchman, ele con-tou sobre sua vida ntima com uma simplicidade e uma co-ragem que eu nunca vira antes. Quando ele terminou, sentique no podia falar de minhas atividades, como acabei defazer, mas sim de mim mesmo, de minha histria pessoal.Foi assim que exprimi, pela primeira vez na vida, meu sofri-mento de rfo, tudo banhado em lgrimas.

    O dilogo com o professor de grego fora sempre e tosomente intelectual. Sabia tudo de sua vida: que havia se di-vorciado, recasado, mas tudo de ouvir dizer. Ele mesmo nun-ca me dissera nada. Eu tambm s exprimia idias, jamaissentimentos. Falvamos de problemas religiosos, mas era em

  • 16 A MISSO DA MULHER

    termos filosficos. Eu era cristo; ele, espiritualista. Ele criaem um esprito universal, mas no em um Deus pessoal. Ne-nhum de ns suspeitamos na poca que fora esse Deus pessoalquem se serviu de meu amigo para, pela primeira vez, fazer-me sair da solido.

    Ento meu amigo holands fez com que eu me abrisse parao mundo pela segunda vez: descobri uma outra forma de di-logo, o emocional, verdadeiramente pessoal. No fundo, duran-te todos aqueles anos de discusses e ao social, continuava,sem saber, um solitrio dentro de minha alma. Tanto que, umdia de madrugada, na calada, ao sair de uma alegre reu-nio de estudantes, um colega aproximou-se de mim e dissegentilmente: Soube que voc foi rfo. Na mesma hora ex-perimentei de novo aquela bola de angstia bem conhecida,que subia at a garganta. Com medo de chorar, escondi-mena escurido da noite sem responder uma palavra.

    Pode-se discursar diante de multides, dar conferncias,exercer uma ao diante da sociedade sem nada revelar de simesmo.H dois modos de se relacionar com os outros: um in-telectual e objetivo, e outro emocional e pessoal. Faleifreqentemente de dois nveis de dilogo: um superficial e outroprofundo. Mas hoje me parece mais apropriado falar em doisplos. Pois o dilogo de idias tambm tem sua importncia,pode ser profundo, depende das opes fundamentais daqueleque fala. Nada nos permite declarar que um dos tipos de rela-cionamento seja superior a outro; so simplesmente diferen-tes e complementares.

    H quase vinte anos, eu experimentara, alternadamente,um dos tipos de relacionamento com o mestre de grego, umaexperincia decisiva, exemplar; depois, o outro tipo com oholands; bem distintos um do outro, mas ambos to claros econvincentes quanto uma experincia de laboratrio. Eis

  • RELAO OBJETIVA E RELAO PESSOAL 17

    por que um amigo aconselhou-me a comear este livro pelanarrao de minha prpria vida. Pois esses dois modos derelao correspondem respectivamente s qualidades domi-nantes do homem e da mulher: a relao objetiva refere-se tendncia racional do homem; e a relao pessoal, tendn-cia afetiva da mulher.

    Ora, todos sabemos que a relao objetiva nos ensinadadesde o maternal, que ela domina nossa concepo de mundoe da vida, no apenas dentro das cincias naturais, masdentro das cincias econmicas, sociais e humanas; que elaconstitui a norma, universalmente divulgada e reconhecidaem todos os domnios. Enquanto que a relao pessoal extremamente rara e depreciada. Tambm o homem est merc dessa sociedade racional. Ele pouco consciente doque lhe falta. Ao passo que a mulher experimenta com issouma certa inquietao. Sua vida afetiva e sua necessidade decontato pessoal no encontram reciprocidade.

    verdade que a mulher capaz de se adaptar a este mundomasculino. Ela demonstrou isso muito bem no decorrer dossculos e pode assumir hoje eficazmente qualquer posto reser-vado outrora aos homens. Mas isso no resolve o problema.No somente desenvolvendo atitudes masculinas que ela podeencontrar seu desabrochar, mas sim re-introduzindo em nossoOcidente moderno a relao pessoal que falta. Mas no f-cil, dentro do ambiente de objetividade que caracteriza nossacivilizao, tomar a atitude do compromisso pessoal.

    Fiz isso, a despeito de mim mesmo; optei pela pessoalidadeaos trinta e quatro anos de idade. Oscilei bruscamente de umplo a outro e hoje me dou conta de que foi excessivamente,como acontece quando se oscila. Descobri a relao pessoal eo quanto isso foi proveitoso para mim mesmo, para o prximoe para a unio de ambos. Era muito mais fecundo exprimir

  • 18 A MISSO DA MULHER

    um ressentimento ou mgoa do que discutir sobre umassunto lanado em livros, na escola ou mesmo nas reflexesintelectuais.

    Descobri um contato novo e emocionante com os outros:primeiro com Nelly, minha mulher. Ns nos entendamos beme nos amvamos. Mas eu havia sido at ento, como ela mes-ma diz agora, mais professor do que marido; um professor,um psiclogo, mesmo um pastor, querendo sempre ensinar eexplicar tudo intelectualmente, sem perceber que tinha tudopara aprender dela em matria de relacionamento pessoalverdadeiro. Tambm ela se tornou rapidamente minha ter-ceira psicoterapeuta e confessora. Minha relao com osfilhos e amigos e, por fim, a relao com meus pacientes,tambm se enriqueceu. Isso sem sombra de dvida trans-formou minha carreira profissional.

    Minha relao com Deus tornou-se totalmente diferente.Pois at ento a religio havia sido para mim um debate deidias; de idias verdadeiras ou falsas sobre Deus, sobre Je-sus, sobre o homem e sobre doutrinas. Aprendi a me recolher,a escutar Deus, a reencontr-lo e a aprofundar minha intimi-dade com ele. De repente, descobri o quanto havia gravemen-te faltado com amor e caridade durante as discusses parti-drias.

    Fiz ento uma srie de visitas a antigos adversrios, paralhes pedir perdo. Primeiro, a um velho pastor que eu haviacriticado duramente; depois, ao meu prprio pastor, sucessorde meu pai, que havia cuidado de mim durante toda a minhajuventude, como rfo daquele que fora seu mestre. Vale di-zer o quanto isto nos aproximou, muito mais do que convic-es teolgicas, pois quando nos encontrvamos numa as-semblia, encarnvamos respectivamente duas tendncias:ele, a tradio e a prudncia; eu, a mudana e a audcia. E

  • RELAO OBJETIVA E RELAO PESSOAL 19

    nos dirigamos um ao outro como lderes de dois partidosopostos. Ficamos de joelhos em seu escritrio, implorandojuntos o perdo de Deus.

    Mas o que me espantou mais ainda foi ver outros antigosadversrios tomarem a iniciativa de entrarem em meu con-sultrio a fim de pedirem minha ajuda em seus problemas pes-soais. At ento s prestara ateno neles para combater suasidias teolgicas, sem jamais olhar para as pessoas que eram.Ento eles revelaram perante mim seus sofrimentos, seus con-flitos ntimos, seus dramas secretos, escondidos por anos, comoeu mesmo escondera os meus, atrs da fachada de polmicasintelectuais.

    Rapidamente ficamos amigos. Eu partilhava de suas an-gstias, compreendia seus comportamentos. E eles tinham con-fiana em mim. Minhas novas experincias haviam desperta-do neles a esperana de encontrar em mim a ajuda que nohaviam encontrado em parte alguma. Eu descobri a solidoneles. Medi a grande distncia que h, para todo mundo, en-tre a relao intelectual e a relao pessoal.

    No entanto, h um vnculo entre nossas idias e nossosproblemas pessoais, um elo do qual geralmente no temosconscincia e que os outros ignoram, tanto que ns no nosabrimos sobre nossa vida afetiva. As idias so impessoais,so coisas com as quais podemos jogar e negociar como sefossem mercadorias. Elas at nos servem de munio dentrodo combate da vida. E permanecemos to ss que no con-seguimos estabelecer com o outro um modo diferente derelao.