[livro ufsc] introdução aos estudos da narrativa

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Introdução aos Estudos da Narrativa Liliana Reales Rogério de Souza Confortin Florianópolis, 2011. Período

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Introdução Aos Estudos Da Narrativa

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  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    Liliana RealesRogrio de Souza Confortin

    Florianpolis, 2011.

    2 Perodo

  • Governo FederalPresidente da Repblica: Dilma Vana Rousseff Ministro de Educao: Fernando HaddadSecretaria de Educao a Distncia (SEED/MEC)Universidade Aberta do Brasil (UAB)

    Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-reitor: Carlos Alberto Justo da Silva Secretrio de Educao a Distncia: Ccero BarbozaPr-reitora de Ensino de Graduao: Yara Maria Rauh MllerPr-reitora de Pesquisa e Extenso: Dbora Peres MenezesPr-reitora de Ps-Graduao: Maria Lcia de Barros CamargoPr-reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique

    Vieira SilvaPr-reitor de Infraestrutura: Joo Batista FurtuosoPr-reitor de Assuntos Estudantis: Cludio Jos AmanteDiretor do Centro de Comunicao e Expresso: Felcio Wessling MargottiDiretor do Centro de Cincias da Educao: Wilson Schmidt

    Curso de Licenciatura em Letras-Espanhol na Modalidade a DistnciaDiretor Unidade de Ensino: Felcio Wessling MargottiChefe do Departamento: Silvana de GaspariCoordenadoras de Curso: Maria Jos Damiani Costa Vera Regina de Aquino VieiraCoordenadora de Tutoria: Raquel Carolina Souza Ferraz DElyCoordenao Pedaggica: LANTEC/CEDCoordenao de Ambiente Virtual: Hiperlab/CCE

    Projeto GrficoCoordenao: Luiz Salomo Ribas GomezEquipe: Gabriela Medved Vieira Pricila Cristina da Silva

  • Equipe Coordenao Pedaggica Licenciaturas a DistnciaEaD/CED/UFSC

    Laboratrio de Novas Tecnologias - LANTEC/CEDCoordenao Geral: Andrea LapaCoordenao Pedaggica: Roseli Zen Cerny

    Material ImpressoCoordenao: Thiago Rocha OliveiraDiagramao: Paula Reverbel, Guilherme Andr CarrionIlustraes: Robson Felipe Perucci dos SantosReviso gramatical: Tony Roberson de Mello Rodrigues

    Design InstrucionalCoordenao: Isabella Benfica BarbosaDesigner Instrucional: Felipe Vieira Pacheco

    Equipe de Reedio - CCE Coordenao: Ane GirondiDiagramao: Letcia Beatriz Folster, Grasiele Fernandes HoffmannSuperviso do AVEA: Mara Tonelli SantosDesign Instrucional: Paula Balbis Garcia, Luiziane da Silva RosaIlustrao: Aurino Neto

    Copyright@2011, Universidade Federal de Santa Catarina/LLE/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada sem a prvia autorizao, por escrito, da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Ficha catalogrficaR2297Reales, Liliana Introduo aos estudos da narrativa / Liliana Reales, Rogrio de Souza Confortin . Florianpolis : LLE/CCE/UFSC, 2008.

    106 p. : 28cmISBN 978-85-61483-04-3

    1. Teoria da narrativa. 2. Narratologia. I. Confortin, Rogrio deSouza. II. Ttulo.

    CDD 808

    Elaborado por Rodrigo de Sales, supervisionado pelo setor tcnico da Biblioteca Universitria da Universidade Federal de Santa Catarina

  • Sumrio

    Introduo.........................................................9A. Narrativa .....................................................................................................9B. Narrativa literria ...................................................................................11

    Unidade I ......................................................... 15

    1 Histria, personagem, intriga e fbula .........................171.1 Histria ....................................................................................................171.2 Personagem ..........................................................................................181.3 Intriga ......................................................................................................341.4 Fbula ......................................................................................................38

    2 Tempo, espao, ao e caracterizao ...........................412.1 Tempo ......................................................................................................412.2 Espao .....................................................................................................472.3 Ao .........................................................................................................502.4 Caracterizao ......................................................................................51

    Unidade II ........................................................ 59

    3 Tempo do discurso e perspectiva narrativa .................613.1 Tempo do discurso ..............................................................................613.2 Perspectiva narrativa .........................................................................67

    Unidade III ....................................................... 71

    4 Narrao, nvel narrativo e narrador ............................734.1 Narrao .................................................................................................734.2 Nvel narrativo ......................................................................................764.3 Narrador .................................................................................................80

  • 5 Estratgia narrativa e composio ................................875.1 Estratgia narrativa .............................................................................875.2 Composio ..........................................................................................90

    Unidade IV ...................................................... 95

    6 Uma reviso dos conceitos de Autor e de Leitor ..........97

    Bibliografia comentada ..............................105

    Bibliografia terica e crtica .......................105

  • ApresentaoCaros alunos, o nosso objetivo apresentar alguns conceitos fundamentais

    que fazem parte do campo terico da narratologia para lhes oferecer

    uma introduo ao conhecimento de um instrumental conceitual que

    lhes permita reconhecer entidades, categorias e instncias da narrativa

    literria, a sua organicidade e sua especificidade prpria. A disciplina

    , como seu nome o indica, uma introduo ao tema, portanto, uma

    questo fundamental ficar pendente: o aprofundamento dos conceitos

    e a aquisio de outros, do denso campo conceitual que forma a teoria

    da literatura e, neste caso especfico, da teoria da narrativa literria. Para

    aprofundar seus conhecimentos, aconselhamos que consultem, ao menos

    em parte, a bibliografia recomendada no final do livro.

    Alguns, talvez, se perguntem o porqu de ter que estudar a teoria da narrati-

    va, se no seria suficiente ler os textos literrios e coment-los. Acontece que

    para poder produzir um comentrio sobre qualquer texto devemos conhe-

    cer os elementos, o tipo de composio e estratgias discursivas que fazem

    com que ele funcione de acordo com o seu gnero especfico. Para produzir

    um comentrio que fuja do senso comum, da psicologia popular e dos pre-

    conceitos necessrio debruar-se sobre, ao menos, uma parte da tradio

    terica, visitar seus conceitos, classificaes e exemplos. Isto nos ajudar a

    ler uma obra literria com os olhos de algum que inicia o longo (mas extra-

    ordinrio) percurso de entender a literatura como campo de conhecimento e

    como uma das formas de construo de cultura e, muitas vezes, profunda

    reflexo sobre a condio humana e o mundo.

    A literatura um campo de conhecimento como outros, alis, segundo Bar-

    thes, o nico campo de conhecimento capaz de absorver todos os outros.

    Para comear a entend-lo, agora com os olhos de um pesquisador inician-

    te, preparamos este material didtico para vocs, o qual consiste em uma

    seleo de conceitos da narratologia, elaborados principalmente pelo te-

    rico francs Grard Genette e retomados e aplicados por uma grande quan-

    tidade de pesquisadores e tericos da literatura.

    Acreditamos que esta seleo lhes dar a possibilidade de ingressar no

    rico universo da reflexo terica sobre a literatura, mais especificamente,

    a narrativa literria. Apresentamos os conceitos em uma linguagem clara,

    simples, mas tentando, sempre que possvel, manter a densidade terica

    Entre outros, o filsofo norte--americano Nelson Goodman defende a arte, e a literatura em particular, como uma importante forma de conheci-mento. Em seu livro Maneras de hacer mundos (Madrid, Visor, 2005), ele escreve: Dado que tanto la ciencia como el arte consisten, en gran parte, en tratar con smbolos, el anlisis y la clasificacin de los tipos de sistemas simbli-cos - lingsticos, notacionales, diagramticos, pictricos etc. - y de las funciones simbli-cas literales y figurativas - la denotacin, la ejemplificacin, la expresin, y la referencia a travs de cadenas de stas - proporcionan un fundamento terico indispensable (GOOD-MAN, 2005: 227). A arte, para ele, no teria por funo ex-clusivamente a fruio esttica ou a formao de nosso gosto esttico, tambm, e principal-mente, seria uma contribuio para a nossa compreenso e construo do mundo.

    Grard Genette, importan-te terico francs, um dos fundadores da narratologia, termo de Tzvetan Todorov para designar a nova teoria da nar-rao literria. Para saber mais sobre G. Genette, vocs podem acessar as pginas:

    http://es.wikipedia.org/wiki/G%C3%A9rard_Genette

    e http://www.elneto.com/his-pa/genette/Z2conceptos.htm

    Para consultar o Glosario de Narratologia do terico espa-nhol Dario Villanueva, entrem no endereo:

    http://faculty.washington.edu/petersen/321/narrtrms.htm

  • que, se em um primeiro momento poder se apresentar com certo grau

    de dificuldade, os motiva-los-, no entanto, a desejar continuar a pesqui-

    sa. No esqueam que a formao intelectual de uma pessoa nunca acaba.

    A instituio de ensino um espao de produo, criao, organizao e

    transmisso do conhecimento, porm, a rica aventura do saber no se es-

    gota num nico espao, h de se continu-la na formao, na medida do

    possvel, da biblioteca pessoal, aqueles livros que precisamos ter sempre

    mo para sucessivas consultas. Tambm, nas leituras e reflexes solit-

    rias e na escrita de fichamentos e de monografias, momento fundamental de

    organizao e posta prova do estudado, momento de amadurecimento

    indispensvel para o enriquecimento do dilogo com colegas e professores

    e, principalmente, de preparao para a misso de formar novas geraes

    que possam efetivamente redescobrir o prazer do texto.

    Aconselhamos vocs a ler com ateno cada item e navegar nas pginas

    de Internet que lhes propomos cada vez que acharmos necessrio ou in-

    teressante. Tomem nota dos conceitos que no conseguirem entender e

    perguntem a seu professor e/ou tutor. Desejamos ajud-los a todo o mo-

    mento, no entanto, vocs sabem bem que o esforo pessoal no processo de

    aprendizagem absolutamente indispensvel.

    Bom estudo!

    Agradecemos a leitura atenta do Prof. Dr. Wladimir

    Garcia e da Profa. Dra. Meta Zipser e suas preciosas

    consideraes. Tambm, a pesquisa de materiais

    realizada pelo tutor Santo Gabriel Vaccaro.

    Liliana Reales

    Rogrio de Souza Confortin

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    9

    Captulo 01

    Introduo

    A. Narrativa

    Narrar faz parte da vida dos homens, poderamos dizer que uma

    atividade fundamental da vida posto que, atravs da narrao, poss-

    vel organizar as experincias e torn-las comunicveis. Contar histrias

    uma atividade praticada por todos. Por esse motivo, todos sabemos

    produzir discursos narrativos, tendo noo dos elementos que consti-

    tuem um relato. Muitas pessoas, alguma vez, j praticaram algum tipo

    de narrativa escrita em cartas ou dirios pessoais. A narrativa, ento,

    no se concretiza apenas no plano literrio, podendo estar presente na

    comunicao oral ou escrita de qualquer pessoa em qualquer poca.

    Do mesmo modo, a narrativa encontra-se em diversas situaes

    comunicacionais tais como a imprensa ou os livros de histria. No

    plano esttico, a narrativa se d em diversos modos expressivos tais como

    o cinema ou as histrias em quadrinhos, misturando suportes verbais e

    imagens. Desse modo, a narrativa literria uma possibilidade dentro

    da diversidade de ocorrncias em que podem se dar as narrativas.

    Vejamos um exemplo de narrativa jornalstica:

    Las pelculas del seor Marshall

    Tres aos despus de haber vencido a los nazis, los norteamericanos se-

    guan preguntndose cmo convencer a los europeos de que seran sus

    campeones tanto en la paz como en la guerra. Sobre todo, se pregun-

    taban cmo hacer para que los alemanes del Oeste aceptaran la ocupa-

    cin militar, y que no slo la aceptaran sino que la agradecieran y com-

    prendieran que ellos eran los nicos que podan llevarlos de la muerte

    a la vida. Bueno: no eran los nicos, en verdad. Haba otros, detrs de la

    No vamos nos deter aqui no conceito de esttica e nas polmicas que sobre ele tm surgido ao longo do tempo. Quando usamos a expresso plano esttico, nos refe-rimos a produtos sobre os quais h um certo consenso na nossa sociedade de terem recebido um tratamento determinado que lhes permite ingresso e circulao dentro do mercado da arte.

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    10

    Cortina de Hierro, y eso le daba urgencia a su misin, los obligaba a ser

    ms convincentes que los comunistas y a convencer primero.

    Sin embargo, los primeros intentos fueron torpes. En 1948, el corto-

    metraje Hambre tuvo que ser retirado de cartel porque slo consegua

    provocar irritacin y furia. Haba sido realizado en Berln por la Oficina

    del Gobierno Militar de los Estados Unidos (Omgus, por sus iniciales en

    ingls) y segua la lnea dura del plan Morgenthau, abortado a tiempo y

    reemplazado por el Plan Marshall. La idea del secretario del Tesoro Hen-

    ry Morgenthau haba sido que Alemania solventara la recuperacin del

    resto de Europa. En Hambre se echa la culpa de la escasez mundial a los

    alemanes y se dice que para superar la situacin los campesinos alema-

    nes deben producir al mximo y entregar todo lo que producen.

    Hambre, que no tiene mencin de realizador ni ningn otro crdito, ser

    una de las pelculas que el Instituto Goethe de Buenos Aires presentar

    el prximo fin de semana, del jueves 21 al lunes 25, en la Sala Lugones,

    del Teatro San Martn, dentro del ciclo Selling Democracy (Vendiendo de-

    mocracia). En el panorama que brinda esa muestra, Hambre es el antece-

    dente desgraciado de una leccin que se aprendi muy rpido. Las con-

    secuencias son las pelculas del plan Marshall, muy diferentes de aquel

    comienzo rudimentario. (Trecho extrado de: http://www.lanacion.com.

    ar/edicionimpresa/suplementos/cultura/nota.asp?nota_id=917710, do-

    mingo, 17 de junho de 2007).

    Vejamos, agora, um belssimo exemplo de narrativa literria. Trata-

    se de um relato curto do escritor argentino Julio Cortzar:

    Continuidad de los parques

    Haba empezado a leer la novela unos das antes. La abandon por ne-

    gocios urgentes, volvi a abrirla cuando regresaba en tren a la finca; se

    dejaba interesar lentamente por la trama, por el dibujo de los personajes.

    Esa tarde, despus de escribir una carta a su apoderado y discutir con el

    mayordomo una cuestin de aparceras volvi al libro en la tranquilidad

    del estudio que miraba hacia el parque de los robles. Arrellanado en su

    silln favorito de espaldas a la puerta que lo hubiera molestado como una

    irritante posibilidad de intrusiones, dej que su mano izquierda acariciara

    una y otra vez el terciopelo verde y se puso a leer los ltimos captulos. Su

    memoria retena sin esfuerzo los nombres y las imgenes de los protago-

    nistas; la ilusin novelesca lo gan casi en seguida. Gozaba del placer casi

    perverso de irse desgajando lnea a lnea de lo que lo rodeaba, y sentir a

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    11

    Captulo 01

    la vez que su cabeza descansaba cmodamente en el terciopelo del alto

    respaldo, que los cigarrillos seguan al alcance de la mano, que ms all

    de los ventanales danzaba el aire del atardecer bajo los robles. Palabra a

    palabra, absorbido por la srdida disyuntiva de los hroes, dejndose ir

    hacia las imgenes que se concertaban y adquiran color y movimiento,

    fue testigo del ltimo encuentro en la cabaa del monte. Primero entraba

    la mujer, recelosa; ahora llegaba el amante, lastimada la cara por el chico-

    tazo de una rama. Admirablemente restallaba ella la sangre con sus besos,

    pero l rechazaba las caricias, no haba venido para repetir las ceremonias

    de una pasin secreta, protegida por un mundo de hojas secas y senderos

    furtivos. El pual se entibiaba contra su pecho, y debajo lata la libertad

    agazapada. Un dilogo anhelante corra por las pginas como un arroyo

    de serpientes, y se senta que todo estaba decidido desde siempre. Hasta

    esas caricias que enredaban el cuerpo del amante como queriendo rete-

    nerlo y disuadirlo, dibujaban abominablemente la figura de otro cuerpo

    que era necesario destruir. Nada haba sido olvidado: coartadas, azares,

    posibles errores. A partir de esa hora cada instante tena su empleo minu-

    ciosamente atribuido. El doble repaso despiadado se interrumpa apenas

    para que una mano acariciara una mejilla. Empezaba a anochecer.

    Sin mirarse ya, atados rgidamente a la tarea que los esperaba, se sepa-

    raron en la puerta de la cabaa. Ella deba seguir por la senda que iba al

    norte. Desde la senda opuesta l se volvi un instante para verla correr

    con el pelo suelto. Corri a su vez, parapetndose en los rboles y los

    setos, hasta distinguir en la bruma malva del crepsculo la alameda que

    llevaba a la casa. Los perros no deban ladrar, y no ladraron. El mayordo-

    mo no estara a esa hora, y no estaba. Subi los tres peldaos del porche

    y entr. Desde la sangre galopando en sus odos le llegaban las palabras

    de la mujer: primero una sala azul, despus una galera, una escalera al-

    fombrada. En lo alto, dos puertas. Nadie en la primera habitacin, nadie

    en la segunda. La puerta del saln, y entonces el pual en la mano. La

    luz de los ventanales, el alto respaldo de un silln de terciopelo verde, la

    cabeza del hombre en el silln leyendo una novela. (Extrado de http://

    www.literatura.org/cortazar/continuidad.html).

    B. Narrativa literria

    As narrativas literrias so textos de carter ficcional que contam uma

    histria de uma determinada maneira, ou seja, de acordo com certas prticas

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    12

    artsticas, e que se oferecem interpretao daqueles que as lero de acordo

    com sua poca. As narrativas literrias no tm o compromisso de refletir a

    realidade. Elas criam uma realidade atravs da organizao dos fatos den-

    tro do enredo, por meio de estratgias narrativas que garantem a coerncia

    interna da obra e de acordo com as tendncias literrias de cada poca, che-

    gando, muitas vezes, a provocar uma profunda renovao esttica.

    Segundo a teoria da representao, toda a narrativa ficcional com-

    posta de enunciados que representam os fatos ou contedos narrados de

    acordo com estratgias discursivas que mantm ou no uma relao de

    contiguidade com a realidade e com os modos de outros discursos nar-

    rarem essa realidade.

    Mesmo que uma narrativa ficcional remeta intencionalmente para

    o mundo real com propsitos de ndole didtica, sociolgica ou mora-

    lizante, no podemos perder de vista que a presena de um narrador, o

    tratamento esttico do texto e a sua funo potica deslocam-nos a uma

    leitura que dever conduzir-nos a uma anlise que leve em conta as co-

    ordenadas que fazem uma narrativa ser ficcional.

    Numa narrativa, fundamental observar o que se conta e como se

    conta. Ou seja, para efeitos de anlise, devemos distinguir dois planos

    fundamentais: o da histria e o do discurso, planos, no entanto, organi-

    camente articulados na narrao. No plano da histria, observaremos

    o que se conta; no plano do discurso, como se contam os fatos narrados.

    Para nossa disciplina, Introduo aos estudos da Narrativa, com

    carga horria de 60 horas/aulas, dividimos o material didtico em

    quatro Unidades:

    Na Unidade I, estudaremos categorias do plano da Histria tais

    como: personagem, intriga, fbula, tempo da histria, espao, ao e carac-

    terizao.

    Plato e Aristteles j pen-savam que os discursos po-ticos adotavam procedi-mentos imitativos. O termo mimese significa recriao da realidade na obra lite-rria. Segundo Plato, o artista imita o mundo das ideias ao dar forma mat-ria. Porm, na Potica de Aristteles que se encontra a primeira teorizao desse modo de entender a arte e, particularmente, a obra de arte verbal. Mas, diferente-mente de Plato, para Aris-tteles a mimese seria no a imitao do mundo das ideias e sim a imitao da vida interior dos homens.

    Funo potica um concei-to introduzido por Roman Jacobson para referir-se funo predominante da

    linguagem literria. Vocs podem saber mais sobre esse conceito acessando as pginas: http://ponto-

    -kom.blogspot.com/search/label/%5BJAKOBSON%5D e

    http://www.letralia.com/120/ensayo02.htm

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    13

    Captulo 01

    Na Unidade II, estudaremos procedimentos adotados para a arti-

    culao discursiva da histria narrada, ou seja, do plano do Discurso,

    tais como: o tempo do discurso e a perspectiva narrativa.

    Logo, na Unidade III, estudaremos categorias da Narrao, tais como:

    o nvel narrativo, os tipos de narrador, a estratgia narrativa e a composio.

    E, finalmente, na Unidade IV, apresentaremos uma breve reflexo

    sobre o problema do Autor e do Leitor.

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    14

  • Unidade IDa histria

  • 16

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    17

    Captulo 01

    Histria, personagem, intriga e fbula

    Neste Captulo, ser estudado o conceito de Histria na Teoria da Narrati-

    va. A histria, sendo o conjunto dos acontecimentos narrados, engloba, em

    sua significao geral para a narratologia, outros elementos ou conceitos

    que fazem parte da estrutura da narrativa enquanto unidade orgnica.

    Desse modo, para ocorrer a histria, ser necessrio basicamente: persona-

    gens que vivenciem a histria e uma sequncia de aes que desenvolvam

    a intriga. Por esse motivo, neste Captulo vocs estudaro os seguintes con-

    ceitos: Histria, Personagem, Tipos de personagens, Intriga e Fbula.

    1.1 Histria

    A histria, entendida enquanto narrativa de eventos ficcionais, cor-

    responde aos acontecimentos narrados e vivenciados pelos personagens.

    Em seu livro Figuras III, Grard Genette chamou de diegese a histria de

    uma narrativa, sucesso de acontecimentos que constituem o contedo

    narrativo. A histria, ento, o conjunto de acontecimentos narrados: se-

    quncia de aes, relaes entre os personagens, localizao dos eventos

    num contexto espao-temporal. Desse modo, podemos dizer que a hist-

    ria corresponde ao contedo da narrao, ou seja, a seu significado, en-

    quanto que o discurso que veicula a histria seu significante.

    Segundo o Dicionrio Houaiss, significado, na terminologia de

    Saussure, a face do signo lingustico que corresponde ao conceito.

    O contedo. J significante a imagem acstica que associada a

    um significado numa lngua, para formar o signo lingustico. Se-

    gundo Saussure, essa imagem acstica no o som material, ou

    seja, a palavra falada, mas sim a impresso psquica desse som.

    1

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    18

    Porm, no devemos esquecer que no possvel operar uma di-

    viso dicotmica entre histria e discurso posto que a narrativa o re-

    sultado de uma profunda interao entre a histria que se conta e o

    discurso narrativo.

    Muitas vezes, a histria narrada no segue uma ordem cronolgica

    e uma sequncia logicamente ordenada dos eventos. Nesses casos, seria

    necessrio reconstituir a histria em termos de uma sequncia temporal.

    1.2 Personagem

    O personagem um importante elemento da narrativa, pois ele

    quem vivencia os fatos narrados, e em torno do qual, muitas vezes,

    organiza-se a economia narrativa. muito importante para o aluno

    que est se iniciando na anlise de narrativas entender que um perso-

    nagem um ser de papel e no de carne e osso e, por esse motivo,

    ao ser analisado necessrio levar em conta as outras instncias, cate-

    gorias e elementos que fazem parte da narrao onde este personagem

    est inserido. Tericos da narrativa insistem em frisar que um perso-

    nagem um signo e, por isso, para fins de anlise, devemos observar

    a sua caracterizao, o seu discurso, o seu modo de interligao com

    outros personagens e a sua funo dentro da economia narrativa em

    questo. Podemos delimitar um personagem para observ-lo e descre-

    v-lo isoladamente, mas no devemos perder de vista a sua integrao

    na rede de relaes semnticas dentro da narrativa.

    Signo a entidade constituda pela combinao de um conceito,

    denominado significado, e uma imagem acstica, denominada

    significante. Para entender melhor os conceitos de significante,

    significado e signo, recomendamos a leitura de Curso de lingustica

    geral, de Ferdinand de Saussure (So Paulo, Cultrix, USP, 1969).

    Segundo o Dicionrio Aurlio, signo a entidade constitu-da pela combinao de um

    conceito, denominado signifi-cado, e uma imagem acsti-ca, denominada significante.

    Segundo o Dicionrio Hou-aiss, num sistema lingustico

    semntica o componente do sentido das palavras e da

    interpretao das sentenas e dos enunciados.

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    19

    Captulo 01

    O personagem adquire seu sentido na intrincada malha de rela-

    es que se operam numa narrativa e, principalmente, por ser indis-

    socivel da temtica do relato e, ainda, algumas vezes, pelas relaes

    intertextuais com personagens de outras obras.

    O personagem de fico suscetvel s transformaes sociais, estti-

    cas e ideolgicas de cada momento histrico. Podemos observar, em certa

    herana literria do sculo XIX e incio do sculo XX, a valorizao de uma

    caracterizao forte do personagem que apresentava caractersticas indi-

    viduais slidas e muito marcadas. Essa tendncia, no entanto, foi logo se

    perdendo para dar lugar ao surgimento do que se conhece como crise do

    personagem. Tal crise pode ser observada na construo de personagens

    de contornos indefinveis, muitas vezes ambguos, com desdobramentos de

    personalidade, crises de identidade, dissoluo do eu, desdobramento em

    outros, testemunhas, enfim, da queda de uma poca - em que se acreditou

    na potncia do indivduo, na sua solidez e fora - e o incio de sua crise.

    Na Amrica Hispnica, as narrativas de Juan Carlos Onetti consti-

    tuem um bom exemplo dessa crise. Esse importante escritor do Ro de

    la Plata foi responsvel no somente pela renovao literria em seu pas,

    tambm foi um dos escritores que mais colaborou para o surgimento da

    nova narrativa hispano-americana do sculo XX, grande movimento

    que envolveu muitos escritores da Amrica Hispnica. As narrativas de

    Onetti inauguraram, no Uruguai, uma literatura urbana em que a frag-

    mentao do indivduo e a dissoluo do eu constituem uma de suas

    temticas preferidas num espao urbano fortemente transformado pela

    modernizao vertiginosa que sofreu o Ro de la Plata no incio do scu-

    lo XX. A crise de identidade do personagem um dos temas de Onetti e

    possvel observ-la em vrios dos seus personagens como, por exem-

    plo, o caso de Juan Mara Brausen, personagem principal do romance

    La vida breve, de 1950, que vivencia um processo de dissoluo do eu e

    desdobramento em outros. Tambm, podemos lembrar do personagem

    Intertextualidade um con-ceito introduzido por Julia Kristeva nos estudos literrios, mas que j estava presente na obra do clebre terico russo M. Bakhtin. Kristeva se refere intertextualidade em vrios textos. Segundo ela, (...) todo texto se constri como mosai-co de citaes, todo texto absoro e transformao de um outro texto.

    Para saber mais sobre o escritor uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994), vocs podem acessar o endereo: http://www.clubcultura.com/clubliteratura/clubescritores/onetti/index.htm

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    20

    de seu conto El posible Baldi que, fantasiosamente, vai transmutando

    a sua personalidade em vrias outras.

    Juan Carlos Onetti (1909-1994)

    1.2.1 Tipos de personagens

    De acordo com a importncia que os personagens tm dentro da

    narrativa, podemos dividi-los em: heri ou personagem protagonista, an-

    ti-heri e personagem secundrio ou personagem figurante. E, de acordo

    com sua composio e caracterizao, dividiremo-los em personagens re-

    dondos e personagens planos. Vamos estudar os casos mais importantes: a)

    heri, b) anti-heri, c) personagem redondo e d) personagem plano.

    a. Heri

    O heri a entidade literria que protagoniza uma obra narrativa ou

    dramtica, amplamente privilegiada ao longo da histria da literatura. De

    acordo com cada perodo literrio, a figura do heri tem mudado, porm

    podemos dizer que uma caracterstica se manteve. Sendo representante da

    condio humana, ou seja, de suas virtudes e defeitos, no entanto, o heri

    se destaca dos outros homens por apresentar qualidades que o homem co-

    mum no possui, mas que admira e gostaria de possuir. Sabemos que, na

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    21

    Captulo 01

    antiguidade grega, o heri se situava entre os deuses e os homens, apresen-

    tando caractersticas ambguas e muitas vezes, profundamente contradit-

    rias, como orgulho, vingana, paixes e dios desmedidos, fraquezas que,

    no entanto, eram seguidas de atos de valor altrusta, ou seja, de amor desin-

    teressado ao prximo, preocupao com o outro e capacidade de perdo.

    Na Ilada, o impressionante Aquiles o heri grego por excelncia,

    em quem a busca e conservao da honra valem at o sacrifcio. Supe-

    riores em fora, determinao, inteligncia, beleza e bravura, os heris

    mticos eram caracterizados, no entanto, com qualidades que a recepo

    do leitor interpretar de modos diversos conforme os padres morais e

    ticos de cada poca.

    Fazia parte da formao do heri mtico um ritual de passagem du-

    rante o qual este era submetido a duras provas, como lutas contra mons-

    tros e outras aes, que testavam a sua valentia e destreza e, se finalmen-

    te vitorioso, o heri conquistava a imortalidade. Do mesmo modo, esse

    heri lendrio ganhava o direito a liderar seu povo, ditar as leis, punir ou

    perdoar, fundar cidades, protegendo o povo contra invases ou epide-

    mias. Um exemplo importante do heri lendrio na literatura espanhola

    o caso de Rodrigo Daz de Vivar, o Cid campeador, cujas faanhas se

    contam na cano do sculo XIV chamada Cantar del Mio Cid.

    Como afirma Carla Silva Nadal:

    El Cid, es un buen ejemplo de lo que se puede definir como hroe: es fuerte,

    buen jefe militar, determinado, estratega, lleno de principios, leal, compae-

    ro, buen padre, buen marido, buen cristiano. Es un modelo de rectitud! En

    algunos momentos se muestra demcrata, lo que le confiere un matiz ms

    humano, como en el siguiente fragmento, en la ciudad de Alcocer, cuando

    estn cercados por los moros. El Cid reuni a los suyos y les dijo:

    Nos han cortado el agua y nos falta el pan. No podemos irnos por la noche porque no nos dejarn. Deberamos salir a luchar contra ellos, pero son muchos. As que decidme, caballeros, qu podemos hacer? (Dueas, 1996, cantar primero, p. 21).

    A Ilada, poema pico atribu-do a Homero, que teria vivido no sculo VIII a.C., na Jnia, hoje regio da Turquia, considerada, junto Odissia, obra fundadora da literatura ocidental. Vocs podem ler uma verso da Ilada em ln-gua espanhola no endereo: http://www.iliada.com.mx/index.html

    Vocs podem ler sobre Rodri-go Daz de Vivar e o Cantar del Mio Cid no endereo: http://web.jet.es/vliz/cid.htm

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    22

    E a autora continua:

    La exaltacin no est presente slo en la figura del hroe sino en todo lo

    que le circunda: en sus espadas Colada (quitada del conde Ramn Be-

    renguer, Conde de Barcelona, en la batalla contra los francos) y Tizona (con-

    quistada en un famoso encuentro con el rey Bcar de Marruecos, a quien

    vence despus de un magnfico combate individual) , en su caballo (Ba-

    bieca), en sus actitudes y hasta en su ropa, como en el siguiente fragmen-

    to, cuando El Cid y sus hombres se preparan para entrar en Toledo:

    El Cid llevaba una camisa de hilo, con presillas de oro y plata, y en-cima un manto de seda con cintas tambin de oro (Dueas, 1996, cantar tercero, p. 56).

    En lo que concierne a nuestro hroe (ya estoy convencida de que de

    hecho lo es) hay un elemento que an no fue mencionado y que en la

    poca era muy importante: la barba. En muchos trechos de la obra el

    Cid habla de su barba (smbolo muy importante en la Edad Media), la

    coge cuando va a tomar alguna decisin importante como si le ayu-

    dara a reflexionar y dice que no la cortara, que nadie la haba tocado

    y tampoco la tocara. Por el siguiente fragmento es posible verificarlo:

    Por amor al rey Alfonso, que me ech de la tierra, en mi barba no entrar ninguna tijera! (Dueas, 1996, cantar primero, p. 29).

    Por esta barba, que nunca nadie mes, poco a poco ir vengando a doa Elvira y doa Sol (Dueas, 1996, cantar tercero, p. 58).

    A ejemplo de Sansn (caudillo, juez de Israel dotado de fuerzas maravillo-

    sas), cuya fuerza resida en su cabellera, la fuerza del Cid estaba en su bar-

    ba. Era el smbolo de su hombra, su virilidad, por eso nadie poda acercar-

    se a ella. El Cid no se muestra omnipotente. Antes y hasta en el momento

    de sus batallas le pide a Dios Su ayuda para triunfar. La religiosidad est

    presente en toda la obra como la fuerza que le mueve hacia la victoria.

    Adems de hroe, el Cid representa el orgullo de toda una nacin. Es

    como si l impidiera a todos los que quieran quedarse en su tierra y all

    construir una cultura distinta a la suya. Es la lucha para la preservacin

    de lo que es espaol. Es muy posible que en eso resida su xito. El Cid

    resume el sentimiento de una nacin (o por lo menos de parte de ella)

    harta de ser invadida por otras.

    Considerando el contexto de la obra bajo otro prisma, es posible que El

    Cid no tuviera mucho en contra de los moros. sos, simplemente, estaban

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    23

    Captulo 01

    en el camino que lo aislaba del rey Alfonso. El Cid quera enviarle caballos,

    oro y plata al rey y, tambin, conquistarle tierras. Los moros le impedan

    hacerlo porque queran lo mismo. Como en esos casos difcilmente al-

    guien renuncia a sus objetivos, la batalla es inevitable. Si el Cid fuera un

    intolerante con los moros no tendra un amigo de esta raza y adems con-

    fiaba en l, lo que se puede comprobar por el siguiente fragmento:

    Estad preparados, porque quiz tendris que luchar. Pasad por Moli-na, donde est mi amigo el moro Abengalbn y decidle que os acompae con otros cien hombres ms (Dueas , 1996, cantar segundo, p. 33).

    El Cid consigui transformar su sino, es decir, el infortunio al que le haba

    sometido el rey Alfonso en una vida llena de batallas, de aventuras, de

    conquistas y de glorias. Recuper su honra, conquist el reconocimien-

    to del pueblo y el respeto del rey Alfonso a costa de sacrificios. Veng a

    sus hijas doa Elvira y doa Sol y las cas con nobles, hacindolas

    personas importantes (su deseo). Volvi a casa rico, querido y admirado

    por todos. El Cid es un hroe por excelncia.

    (Disponvel em:

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    24

    mento protagonizou, em linhas gerais, o homem que se destacava pelas

    suas qualidades, sua valentia, sua capacidade de liderar, em luta contra

    as adversidades, contra os deuses ou os elementos. As qualidades desse

    heri no deixavam espao a qualquer tipo de dvidas quanto a suas

    caractersticas superiores em relao s de seu grupo.

    Mais tarde, o heri romntico protagonizou um tipo de luta diferente.

    Muitas vezes solitrio, esse heri levou uma vida atormentada, em con-

    flito com as restries sociais de sua poca, afastando-se para iniciar um

    percurso difcil que, no raro, se deu em forma de viagens a terras estra-

    nhas onde viveu experincias ao limite. Esse heri romntico encontrou

    no romance histrico, por um lado, a representao ideal da nova socie-

    dade burguesa, em processo de industrializao, e, por outro, o drama do

    indivduo voltado ao sofrimento e perseguio. Esse perodo literrio foi

    marcado por uma intensa subjetividade, pela procura de originalidade,

    O Renascimento foi um importante movimento de renovao e re-

    vitalizao da cultura na Europa Ocidental nos sculos XV e XVI.

    Essa revitalizao se deu principalmente no campo das artes plsticas

    e tambm nas letras e cincias naturais e humanas. O renascimento

    props uma nova forma de ver o mundo e o ser humano, rejeitando

    o teocentrismo da Idade Mdia e valorizando o antropocentrismo.

    O Romantismo foi um movimento artstico e filosfico surgido na

    Europa no final do sculo XVIII e que se manteve durante quase todo

    o sculo XIX. Este rico perodo se caracterizou pelo lirismo, pela sub-

    jetividade, pela valorizao do eu, por propor uma viso do mundo

    centrada no indivduo, pelos temas de fortes tendncias nacionalis-

    tas, pela superioridade do sentimento frente razo. Os temas prefe-

    ridos dos autores romnticos foram amores trgicos, ideais utpicos,

    liberdade, nacionalismo, exaltao do eu, da natureza e das paisagens,

    obsesso pela morte, as runas e a noite etc.

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    25

    Captulo 01

    pela exaltao do campo, do subconsciente e dos sonhos, pela busca da

    liberdade contra a rigidez das normas morais da poca e pelos amores

    contrariados do heri romntico com um desenlace muitas vezes trgico.

    J os heris realistas e naturalistas protagonizaram um conflito di-

    ferente. Em linhas gerais, podemos dizer que o heri realista, fortemente

    influenciado pelas ideias positivistas e pelo cientificismo que caracteriza-

    ram o sculo XIX, teve como preocupao a tragdia da herana gentica

    e o melhoramento da espcie. Esse heri se apresenta como um objeto

    de estudo no qual deve ser observada a sua hereditariedade, somada

    sua educao e ao meio social do qual faz parte. No raro, na Amrica

    Hispnica esse tipo de heri aparece j transmutado em anti-heri, como

    o caso de Fortunato, protagonista do romance La aritmtica del amor,

    do escritor chileno Alberto Blest Gana, personagem que deseja ascender

    socialmente por meio de um casamento por interesse.

    Alberto Blest Gana (1830 1920)

    J o naturalismo explorou um heri em luta desigual contra a nature-

    za. Os escritores hispano-americanos que melhor exploraram a luta con-

    tra as foras indomveis da natureza foram o uruguaio Horacio Quiroga

    (1878-1937) e o colombiano Eustasio Rivera (1889-1928). O heri do

    nico romance de Rivera, Arturo Cova, enfrenta uma natureza selva-

    gem onde a nica lei a da sobrevivncia dos mais fortes.

    Recomendamos a leitura de Maria, o belo romance do escritor colombiano Jorge Isaacs (1837 - 1895) consi-derado pela crtica a melhor obra da literatura romntica da Amrica Hispnica, no en-dereo: http://www.analitica.com/Bitblio/isaacs/maria.asp

    Leiam sobre Horacio Quiroga no endereo: http://www.patriagrande.net/uruguay/horacio.quiroga/

    Leiam sobre La vorgine, ro-mance de Eustasio Rivera, no endereo: http://www.letelier.org/actas/catastro/ensayos/article_15.shtml .

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    26

    Horacio Quiroga (1878 1937)

    Em luta contra os deuses ou os elementos da natureza, em luta con-

    tra as adversidades ou simplesmente em luta solitria contra a sociedade

    ou consigo mesmo, o heri literrio uma figura central em torno da

    qual se organiza a diegese. Ele apresenta qualidades que o destacam das

    outras personagens e inicia um percurso de busca e de provaes para,

    muitas vezes, encontrar o trunfo na superao dos conflitos e noutras,

    porm, ir ao encontro de um desenlace fatal.

    b. Anti-heri

    As grandes transformaes econmicas e sociais do sculo XX, as

    grandes guerras, o existencialismo francs e o legado de Nietzsche so

    alguns dos acontecimentos que influenciaram fortemente para o ques-

    tionamento do prprio conceito de heri.

    Se no perodo anterior a figura do heri literrio estava em sintonia

    com os valores humanistas e a afirmao do homem, no sculo XX ve-

    Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um importante filsofo,

    poeta e fillogo alemo cujo pensamento considerado dos mais radicais e revolucionrios

    do sculo XIX. Vocs podem ler sobre Nietzsche e textos dele

    no endereo eletrnico: http://www.nietzscheana.com.ar/

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    27

    Captulo 01

    mos surgir uma desvalorizao profunda desse conceito concomitante

    com a prpria decadncia dos valores humanistas. O homem surge como

    um ser que perdeu o sentido num mundo mutilado pelas grandes guer-

    ras, pelo feroz avano do capital e pelo aperfeioamento e crescimento

    das mquinas na produo desse capital. O mundo torna-se um lugar ab-

    surdo, fragmentado e sem esperana, de explorao da fora de trabalho

    barata para a produo de uma riqueza que ficar nas mos de poucos.

    Nesse contexto histrico, revitaliza-se a figura do anti-heri, tipo

    de personagem que, no entanto, tem precedentes na literatura dos s-

    culos anteriores, como o caso paradigmtico do famoso Don Quijote,

    de Miguel de Cervantes, autor de El ingenioso hidaldo Don Quijote de la

    Mancha (1614), personagem que, de tanto ler romances de cavalaria,

    enlouquece e decide sair pelo mundo vestido de cavaleiro, confundindo

    a realidade com a fico. Anti-heri pode ser considerado tambm o

    Lazarillo de Tormes, perambulando entre aventuras vulgares, mesqui-

    nharias, traies e intrigas.

    Don Quijote

    Para saber mais sobre El la-zarillo de Tormes e o roman-ce picaresco, vocs podem acessar o endereo: http://www2.ups.edu/faculty/velez/Span_402/Lazaro.htm

    O escritor espanhol Mi-guel de Cervantes Saave-dra(1547-1616) considerado a mxima figura da litera-tura espanhola. Seu famoso romance El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha considerado o fundador da narrativa moderna e uma das melhores obras da narrativa mundial. Don Quijote se desta-ca por ser o primeiro romance polifnico, ou seja, um roman-ce que apresenta vrias vozes e pontos de vista superpostos, tornando a realidade algo complexo e impossvel de ser reduzido a uma voz mono-fnica e a um ponto de vista centrado em alguma verdade e fechado. Vocs podem saber mais sobre Cervantes e sua obra acessando as pginas: http://www.donquixote.com/ e http://www.cervantesvirtual.com/bib_autor/Cervantes/au-tor.shtml

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    28

    O anti-heri pode ser caracterizado como uma entidade da narra-

    tiva que, tal como o heri, cumpre o papel de protagonista, ou seja, de

    personagem mais importante da histria. Sua singularidade consiste em

    que o anti-heri protagoniza a narrativa a partir de suas caractersticas

    negativas em relao ao heri. Sua conduta tica ou moral , de certo

    modo, desqualificada, suas aes podem movimentar a histria a partir

    de uma posio de desvio em relao a padres de conduta estabelecidos

    e aceitos na sociedade.

    Na literatura brasileira, um anti-heri clssico Macunama, per-

    sonagem principal do romance homnimo de Mrio de Andrade.

    Macunama, o heri sem nenhum carter, na verdade representa,

    com suas caractersticas fsicas e psicolgicas, muito alm de um perso-

    nagem mau carter, vil ou pernicioso, um complexo de variveis sim-

    blicas e alegricas que representam toda uma perspectiva crtica sobre

    a cultura brasileira. Nesse sentido, Macunama ironicamente um heri

    descaracterizado, ou melhor, um estranho heri que aglutina em sua

    personalidade traos que formam de maneira geral um personagem que

    encarnaria a pluralidade da cultura brasileira. Ao mesmo tempo, esse

    personagem representa uma crtica aos modelos de conduta importados

    do estrangeiro. Macunama, ironicamente e de forma cmica e inteligen-

    te, o anti-heri que caracteriza a complexidade das relaes culturais,

    polticas e econmicas do Brasil.

    Mrio de Andrade (1893 1945)

    Mrio de Andrade um dos mais importantes escritores, poetas e crticos brasileiros.

    Macunama foi publicado em 1928 e marcou profunda-

    mente a crtica e a histria da literatura brasileira por seu carter crtico e renovador

    da linguagem. Podemos citar algumas outras importantes obras de Mrio de Andrade, dentre muitas: H uma gota de sangue em cada poema, 1917, Paulicia desvairada,

    1922, Amar, verbo intransitivo, 1927, Remate de males, 1930, Aspectos da literatura brasilei-

    ra, 1943, Lira paulistana, 1945, O carro da misria, 1947, Con-tos novos, 1947, O banquete, 1978, Ser o Benedito!, 1992.

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    29

    Captulo 01

    O personagem anti-heri pode significar ou representar historica-

    mente, a partir de seu papel como entidade na narrativa literria, e em

    funo de seus traos psicolgicos, morais e sociais, uma certa desagre-

    gao e transformao culturais gerais da sociedade. Nesse sentido, o

    anti-heri, justamente a partir de seus caracteres ou traos desviados

    de um determinado padro de conduta dito ideal, poder operar uma

    forte crtica s complexas relaes de poder e de conduta, cultura e

    ao comportamento de grupos sociais particulares ou mesmo de uma

    sociedade como um todo.

    A literatura hispano-americana do sculo XX apresenta uma rica

    galeria de famosos e diversos tipos de anti-heris. O personagem Silvio

    Astier, do escritor argentino Roberto Arlt, um jovem numa cidade que

    nada pode lhe oferecer a no ser frustraes e misrias, submetendo-o a

    humilhaes que faro dele um rebelde social mas tambm um traidor

    de seu prprio grupo. Considerado pela crtica como um dos escrito-

    res que inauguraram a literatura urbana na Amrica Hispnica, Roberto

    Arlt foi um escritor experimental e inovador que, como poucos, soube

    trabalhar esteticamente personagens representantes da decadncia mo-

    ral, da falta de f e esperana do subrbio de Buenos Aires do incio de

    sculo XX.

    Roberto Arlt (1900 1942)

    Para saber mais sobre Rober-to Arlt, vocs podem acessar o endereo: http://www.cer-vantesvirtual.com/bib_autor/Arlt/index.shtml

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    30

    Outro anti-heri marcante da literatura hispano-americana Larsen.

    Esse impressionante personagem do uruguaio Juan Carlos Onetti o pro-

    tagonista de dois de seus romances mais importantes: Juantacdaveres e

    El astillero. Proxeneta, este homem envelhecido, cnico e decadente, apre-

    senta todas as caractersticas de um anti-heri, porm tem conquistado,

    ao longo dos anos, uma estranha afeio dos fiis leitores onettianos.

    Leiamos, na seguinte passagem, a imagem que o mdico da cidade,

    o doutor Diaz Grey, tem de Larsen:

    Este hombre envejecido, Juantacadveres, hipertenso, con un resplan-dor bondadoso en la piel del craneo que se le va quedando desnuda,

    despatarrado con una barriga redonda que le avanza sobre los muslos.

    E, mais adiante, continua:

    Este hombre que vivi los ltimos treinta aos del dinero sucio que le

    daban con gusto mujeres sucias, que atin a defenderse de la vida sus-

    tituyndola por una traicin, sin origen, de dureza y coraje; que crey de

    una manera y ahora sigue creyendo de otra, que no naci para morir sino

    para ganar e imponerse, que en este mismo momento se est imaginan-

    do la vida como un territorio infinito y sin tiempo en el que es forzoso

    avanzar y sacar ventajas (ONETTI, 1979: 99).

    c. Personagem redondo

    O termo personagem redondo foi introduzido por E. M. Forster e se

    refere a personagens que apresentam uma personalidade forte e um des-

    taque muito marcado dentro da narrativa. Esses personagens se caracte-

    rizam por serem, muitas vezes, imprevisveis, de contornos ambguos ou

    pouco definidos. So personagens complexos e apresentam uma variedade

    de caractersticas que vo se revelando aos poucos. A esses personagens

    atribuda uma rica variedade de caractersticas psicolgicas, fsicas, morais

    e ideolgicas, chegando, muitas vezes, a serem ambguas e surpreendentes.

    Um bom exemplo de personagem redondo Horacio Oliveira, prota-

    gonista de Rayuela, romance de Julio Cortzar, personagem que ao longo

    Edward Morgan Forster foi um importante escritor e

    crtico ingls cuja obra, do sculo XIX, contribuiu para a renovao literria no s-

    culo XX. Leiam sobre Forster no endereo: http://www.booksfactory.com/writers/

    forster_es.htm

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    31

    Captulo 01

    da narrativa se debate entre prerrogativas de ordem tica e ideolgica e vai

    revelando gradualmente suas obsesses, vacilaes, paixes e sofrimentos.

    So redondos muitos dos personagens de, por exemplo, Juan Car-

    los Onetti, Juan Rulfo, Mario Vargas Llosa e Ernesto Sbato, importan-

    tes escritores de Amrica Hispnica.

    Julio Cortzar (1914 1986)

    Escritor argentino, autor de romances, contos e poemas e clebre por Rayuela, con-siderado pela crtica como um precedente do livro digital pela sua estrutura. Para saber mais sobre esse importante escritor, acessem o site oficial sobre Cortzar: http://www.juliocortazar.com.ar/

    Juan Rulfo (1917 -1986)

    Escritor mexicano, ficou clebre depois da publicao, em 1955, de Pedro Pramo, seu nico romance, considerado uma das obras mais importantes da literatura ocidental. Alguns crticos consideram Juan Rulfo, Jorge Luis Borges e Juan Carlos Onetti os grandes renovadores da literatura de lngua espanhola e trs dos mais importantes escritores do sculo XX. Para saber mais, recomendamos as seguintes pginas: http://sololiteratura.com/rul/rulfoprincipal.htm e http://www.clubcultura.com/clubliteratura/clubescritores/juanrulfo/home.htm

    Mario Vargas Llosa(1936)

    Escritor peruano, autor de vrias obras de fico e ensaios, dentre os quais se destacam seus excelentes romances La casa verde, Conversacin en la catedral e La guerra del fin del mundo. Para saber mais sobre Vargas Llosa, acessem: http://www.clubcultura.com/clubliteratura/clubescritores/vargasllosa/home.htm

    Ernesto Sbato(1911)

    Romancista e ensasta argentino, publicou vrias obras das quais se destacam El tnel (1948), Sobre hroes y tumbas (1961) e Abaddn, el exterminador (1974). Sbato um dos escritores mais destacados da Argentina e alguns crticos europeus consideram Sobre hroes y tumbas o melhor romance argentino do sculo XX. Para saber mais sobre esse escritor, acessem: http://www.geocities.com/leerasabato/relatos.htm

    Juan Rulfo (1917 - 1986)

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    32

    Vamos ler agora um trecho de Rayuela, em que o protagonista, Ho-

    racio Oliveira, retornando de Buenos Aires depois de uma longa tempo-

    rada em Paris, faz escala em Montevidu com a esperana de saber algo

    sobre Maga, mulher que ele amou e perdeu em Paris. Oliveira retorna a

    seu pas, totalmente transformado, para viver uma srie de acontecimen-

    tos que aprofundaro a sua crise existencial. Tentemos distinguir no tex-

    to as expresses que reforam a caracterizao do personagem redondo:

    Por supuesto Oliveira no iba a contarle a Traveler que en la escala de

    Montevideo haba andado por los barrios bajos, preguntando y mirando,

    tomndose un par de caas para hacer entrar en confianza a algn mo-

    rocho. Y que nada, salvo que haba un montn de edificios nuevos y que

    en el puerto, donde haba pasado la ltima hora antes de que zarpara el

    Andrea C, el agua estaba llena de pescados muertos flotando panza arri-

    ba, y entre los pescados uno que otro preservativo ondulando despacito

    en el agua grasienta. No quedaba ms que volverse al barco, pensando

    que a lo mejor Lucca, que a lo mejor realmente haba sido Lucca o Peru-

    ggia. Y todo tan al divino cohete.

    Antes de desembarcar en la mam patria, Oliveira haba decidido que

    todo lo pasado no era pasado y que solamente una falacia mental como

    tantas otras poda permitirme el fcil expediente de imaginar un futuro

    abonado por los juegos ya jugados. Entendi (solo en la proa, al amane-

    cer, en la niebla amarilla de la rada) que nada haba cambiado si l decida

    plantarse, rechazar las soluciones de facilidad. La madurez, suponiendo

    que tal cosa existiese, era en ltimo trmino una hipocresa. Nada estaba

    maduro, nada poda ser ms natural que esa mujer con un gato en la

    canasta, esperndolo a lado de Manolo Traveler, se pareciera un poco a

    esa otra mujer que (pero de qu le haba servido andar por los barrios

    bajos de Montevideo, tomarse un taxi hasta el borde del Cerro, consul-

    tando viejas direcciones reconstruidas por una memoria indcil). Haba

    que seguir, o recomenzar o terminar: todava no haba puente. Con una

    valija en la mano, enderez para el lado de una parrilla del puerto, donde

    una noche alquien medio curda le haba contado ancdotas del payador

    Betinoti, y de cmo cantaba aquel vals: Mi diagnstico es sencillo: S que

    no tengo remedio. La idea de la palabra diagnstico metida en un vals le

    haba parecido irresistible a Oliveira, pero ahora se repeta los versos con

    un aire sentencioso, mientras Traveler le contaba del circo, de K.O. Lausse

    y hasta de Juan Pern. (CORTZAR, Julio. Rayuela, Captulo 39. Disponvel em: ).

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    33

    Captulo 01

    Julio Cortzar (1914 - 1986)

    d. Personagem plano

    Ao contrrio do personagem redondo, o plano apresenta menos

    complexidade e menor nmero de atributos, no revelando mudan-

    as significativas ao longo da narrativa, nem tampouco fortes contur-

    baes psicolgicas. Normalmente, esse tipo de personagem apresenta

    comportamentos repetitivos, tiques ou manias que o tornam facilmente

    reconhecvel dentro da narrativa. Quando as caractersticas do persona-

    gem tornam-se visivelmente marcadas e este apresenta comportamen-

    tos muito repetitivos e previsveis, alguns autores o identificam com o

    nome de personagem tipo, aquele que apresenta caractersticas invari-

    veis, sejam elas morais, ideolgicas, sociais etc., chegando, s vezes,

    caricatura, ou seja, apresentando caractersticas estticas e ridculas.

    importante, porm, levar em conta que a distino entre persona-

    gem redondo e personagem plano no deve ser operada de forma rgi-

    da. Tericos da narrativa nos recomendam certa cautela nessa distino

    posto que, muitas vezes, certas personagens oscilam entre caractersti-

    cas planas e redondas.

    Consultem uma lista de per-sonagens tipo no endereo: http://es.wikipedia.org/wiki/Personaje_Tipo

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    34

    1.3 Intriga

    A intriga, conceito da teoria da narrativa que tambm chamado

    enredo, o conjunto dos fatos, dos eventos, que formam a trama de um

    romance, de uma pea de teatro ou de um filme de cinema ou de televi-

    so. A intriga o modo como uma histria pode ser desenvolvida nos

    termos da sequncia, linear ou no, das aes dos personagens entre si.

    Essas aes tambm podem ser influenciadas pelo ambiente que con-

    textualiza a histria em termos espaciais e temporais.

    O conceito de intriga permite que pensemos como se processa o

    desenvolvimento ou o desenrolar da histria a partir da complexidade

    maior ou menor dos acontecimentos que so produzidos pelo encontro

    dos personagens na narrativa.

    Aristteles chama de peripcia o momento onde um determinado

    acontecimento transforma o curso da histria. A peripcia , portanto,

    um elemento dentro da intriga, o elemento que indica que, concomi-

    tantemente e a partir do embate entre os personagens, algo como um

    evento se organiza e gera uma reorganizao no curso de outros eventos

    que constituem a totalidade dos acontecimentos da histria narrada.

    A intriga tambm pode variar em termos do nvel de complexidade

    de sua influncia na histria. Ou seja, a partir das mltiplas possibilidades

    de relaes entre os personagens, os quais tm, cada um, caractersticas

    psicolgicas, fsicas, morais e socioculturais singulares, que podem entrar

    em ressonncia ou turbulncia. H tambm a ambincia, ou o contexto

    espao-temporal, onde se desenrola a intriga e que pode influenciar de

    modo decisivo a complexidade do relacionamento entre os personagens.

    A intriga ou o enredo o conjunto de peripcias que ocorrem numa

    narrativa. A intriga representa todos os encontros e embates possveis na

    trama da histria. O modo como os personagens, ao exercerem seus papis

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    35

    Captulo 01

    na histria, resolvem seus conflitos, tomando atitudes e ocasionando re-

    verberaes imediatas ou posteriores ao andamento da prpria intriga.

    Os contos ou romances policiais so um exemplo modelar do con-

    ceito de intriga. Vejamos o quadro a seguir.

    Nesses romances ou contos - e existe uma diferena bsica em ter-

    mos da complexidade do desenvolvimento da intriga no romance ou

    no conto - a histria que contada tem seu interesse principal ligado ao

    modo como a complexidade da intriga desvelada ou resolvida. Alm

    disso, esse modo de desenvolvimento da intriga o elemento funda-

    mental para a qualidade da narrativa policial. O nvel de suspense, ou a

    forma como os fatos entram em ressonncia ou turbulncia uns em re-

    lao aos outros, ou seja, o modo como esses fatos esto relacionados s

    caractersticas e ao carter dos personagens que exercem seus papis no

    O romance (e o conto) policial um gnero literrio cuja intriga se

    d em torno de um enigma, geralmente um assassinato, que deve ser

    esclarecido. Esse gnero nasceu no sculo XIX como resultado de

    uma poca industrial e urbana. O conhecido escritor norte-america-

    no Edgar Allan Poe (1809 - 1849) considerado o precursor do g-

    nero policial. O inspetor Dupin um de seus famosos personagens.

    Recomendamos a leitura de seu breve e belo conto La carta roba-

    da, numa verso do escritor argentino Julio Cortzar, no endereo:

    http://www.lamaquinadeltiempo.com/Poe/carta01.htm. A narrativa

    policial alcana seu auge com escritores anglo-saxes como Arthur

    Conan Doyle, criador do famoso Sherlock Holmes, e Gilbert Keith

    Chesterton, criador do padre investigador Brown. Grande destaque

    alcanaram tambm dentro desse gnero escritores como Agatha

    Christie, Georges Simenon (criador do famoso inspetor Maigret),

    John Le Carr, Raymond Chandler (criador do inesquecvel Philip

    Marlowe), Dashiell Hammett e Graham Greene.

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    36

    todo da histria uma resultante direta da qualidade e das motivaes

    que so produzidas a partir de uma certa densidade da intriga.

    Nos romances policiais de Agatha Christie, por exemplo, sempre h

    um crime que ocorre em algum lugar em algum momento, uma srie de

    suspeitos, que so os vrios personagens, um heri que muitas vezes

    identificado com aquele que procura solucionar o mistrio do crime, e

    um vilo. Pois bem, todas as circunstncias em que so narrados os fatos

    e as aes de cada personagem fazem parte da construo da intriga que

    , para alm do encadeamento narrado desses fatos, a prpria relao

    elaborada das relaes interdependentes entre os embates das aes na

    narrativa. Todas as nuances e os possveis sentidos e resolues que vo

    se dando no decorrer dos fatos do crime fazem parte do grau de com-

    plexidade e de arranjo da intriga, o que determinante para o sucesso

    de uma ambincia de suspense.

    Faz parte de uma intriga eficiente num romance policial construir

    um encadeamento de fatos que no deixe o mistrio ser desvelado ra-

    pidamente. A arte de encadear os fatos e as aes dos personagens no

    decorrer da narrativa cria a densidade necessria da intriga que corres-

    ponde ao jogo interno complexo das aes dos personagens, da ambin-

    cia espacial e temporal da narrativa, e da construo nuanada e elabo-

    rada dos detalhes dos fatos no sentido de encaminhar a histria para seu

    desfecho, que geralmente inesperado. Ou seja, a resoluo do crime e

    descoberta do responsvel pelo delito, nos romances e contos policiais,

    conclui ou desenlaa a densa elaborao de todos os embates de aes

    entre os personagens que so a prpria matria da intriga, ou enredo.

    Vamos ler agora um trecho do desfecho final do famoso romance

    de Agatha Christie intitulado Asesinato en el Expreso Oriente prestando

    ateno ao modo como se tece o desenlace final:

    Agatha Christie (1890 1976) uma das mais famosas e

    lidas escritoras do gnero po-licial. Para saber mais sobre

    essa escritora acessem o en-dereo: http://www.fanreal.

    com/fav/agatha.html

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    37

    Captulo 01

    - Hay otra posible solucin del crimen. He aqu cmo llegu a ella: Una

    vez que hube escuchado todas las declaraciones, me recost, cerr los

    ojos y me puse a pensar. Se me presentaron ciertos puntos como dignos

    de atencin. Enumer esos puntos a mis dos colegas. Algunos los he

    aclarado ya, entre ellos una mancha de grasa en un pasaporte, etctera.

    Recordar ligeramente los dems. El primero y ms importante es una

    observacin que me hizo monsieur Bouc en el coche comedor, duran-

    te la comida, al da siguiente de nuestra salida de Estambul. En aquella

    observacin me hizo notar que el aspecto del comedor era interesante,

    porque estaban reunidas en l todas las nacionalidades y clases sociales.

    Me mostr de acuerdo con l, pero cuando este detalle particular volvi

    a mi imaginacin, me pregunt si tal mezcolanza habra sido posible

    en otras condiciones. Y me contest... slo en los Estados Unidos. En los

    Estados Unidos puede haber un hogar familiar compuesto por diver-

    sas nacionalidades: un chfer italiano, una institutriz inglesa, una niera

    sueca, una doncella francesa, y as sucesivamente. Esto me condujo a mi

    sistema de conjeturar..., es decir, que atribu a cada persona un determi-

    nado papel en el drama Armstrong, como un director a los actores de

    su compaa. Esto me dio un resultado extremadamente interesante,

    satisfactorio y con visos de realidad. Examin tambin en mi imaginaci-

    n la declaracin de cada uno de ustedes y llegu a curiosas deduccio-

    nes. Recordar en primer lugar la declaracin de monsieur MacQueen.

    En mi primera entrevista con l no hubo nada de particular. Pero en

    la segunda me hizo una extraa observacin. Le haba hablado yo del

    hallazgo de una nota en que se mencionaba el caso Armstrong y l me

    contest: Pero si deba...; pero hizo una pausa y continu: Quiero decir

    que seguramente fue un descuido del viejo. En seguida me di cuenta de

    que aquello no era lo que haba empezado a decir. Supongamos que lo

    que quiso decir fuese: Pero si debi quemarse!. En este caso, MacQue-

    en conoca la existencia de la nota y su destruccin. En otras palabras,

    era el asesino verdaderamente o un cmplice del asesino. Vamos ahora

    con el criado. Dijo que su amo tena la costumbre de tomar un somn-

    fero cuando viajaba en tren. Eso poda ser verdad, pero se explica que

    lo tomase Ratchett anoche? La pistola automtica guardada bajo su al-

    mohada desmiente esa afirmacin. Ratchett se propona estar alerta la

    pasada noche. Cualquiera que fuese el narctico que se le administrara,

    tuvo que hacerse sin su conocimiento. Por quin? Evidentemente, sin

    lugar a ninguna duda, por MacQueen o el criado.

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    38

    Agatha Christie (1890 1976)

    1.4 Fbula

    A fbula tem duas acepes na teoria da narrativa. Se a intriga o modo

    como o tema da histria desenvolvido a partir de uma srie elaborada de

    acontecimentos e de embates entre os personagens, seu meio e a ambincia

    temporal que contextualiza a histria, a fbula simplesmente a histria em

    seu sentido bruto. Ou seja, a fbula o esqueleto da histria. O motivo

    que preside a narrativa da histria. Os tericos formalistas se referem fa-

    bula nos seguintes termos: [...] conjunto dos acontecimentos comunicados

    pelo texto narrativo, representados nas suas relaes cronolgicas e causais.

    Fbula ope-se intriga, (sjuzet) termo que os formalistas reservaram para

    designar a representao dos mesmos acontecimentos segundo determina-

    dos processos de construo esttica (REIS, 1988: 208).

    Nesse sentido, a fbula representa, como conceito da teoria da nar-

    rativa, uma inteno pr-literria, anterior ao desenvolvimento da nar-

    rativa e elaborao da prpria intriga. Ou seja, segundo os tericos

    formalistas, trata-se igualmente de um nvel de descrio do texto nar-

    rativo, constitudo pelos materiais antropolgicos, temas e motivos que

    determinadas estratgias de construo e montagem transformam em

    intriga. (Reis e Lopes, 1988, p. 208).

    Para saber mais sobre esse tema acessem o endereo: http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/F/formalismo_rus-

    so.htm

  • Histria, personagem, intriga e fbula

    39

    Captulo 01

    Outra acepo do conceito de fbula est relacionada ao conceito

    de gnero literrio, por exemplo, as Fbulas de Esopo ou As fbulas de

    La Fontaine. A fbula como gnero literrio uma narrativa curta que

    tem a preocupao de instruir moralmente a partir de uma estrutura

    alegrica. Geralmente representando os fatos e as situaes de instruo

    a partir da personificao de animais ou objetos em situaes excepcio-

    nais, a fbula se utiliza da alegoria para representar situaes especficas

    da vida coletiva humana, onde narrado um embate de opinies, um

    desafio de posies sobre um tema ou um objeto de conquista, ou ainda,

    na prpria relao intrnseca da caracterstica prpria a cada animal ou

    objeto e sua analogia ao tema de ensinamento moral.

    Resumo

    Estudamos, neste Captulo, que a Histria o conjunto de aconteci-

    mentos narrados, ou seja: sequncia de aes, relaes entre os perso-

    nagens, localizao dos eventos num contexto espao-temporal. Tam-

    bm estudamos o conceito de Personagem e os tipos de personagens,

    prestando ateno desvalorizao da figura do heri e valorizao da

    figura do anti-heri ocorridas no sculo XX. Ao estudarmos o conceito

    de Intriga, observamos como os elementos da histria vo se traman-

    do dentro da narrativa para produzir uma determinada intriga. Vimos

    que a intriga, tambm chamada de enredo, o conjunto dos fatos, dos

    eventos, que formam a trama de um romance. Estudamos que a intriga

    o modo como uma histria pode ser desenvolvida nos termos da se-

    quncia, linear ou no, das aes dos personagens. Vimos, tambm, que

    se a intriga o modo como o tema da histria desenvolvido a partir de

    uma srie elaborada de acontecimentos e de relaes entre os persona-

    gens, a Fbula simplesmente a histria em seu sentido bruto.

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    40

  • Tempo, espao, ao e caracterizao

    41

    Captulo 02

    Tempo, espao, ao e caracterizao

    Neste Captulo, continuaremos estudando conceitos da Teoria da Narrati-

    va relacionados Histria, tais como: Tempo, Tempo da histria, Espa-

    o, Ao e Caracterizao. Tempo e Espao so as coordenadas essenciais

    onde se desenvolvem os fatos narrados ou as aes dos personagens. A

    caracterizao dos personagens de grande importncia numa narrativa

    posto que por meio dela que estes cobram vida e se inserem de modo

    orgnico na narrativa da qual fazem parte.

    2.1 Tempo

    O conceito de tempo uma questo to complexa como o prprio

    sentido da existncia humana em sua mais vasta significao filosfica.

    J vimos que a atividade narrativa uma experincia fundamental da

    vida humana, indissocivel das prticas coletivas que a todos nos envol-

    vem desde um espectro que vai das experincias mais singulares de cada

    um at a dimenso pluralizada da existncia social e cultural dada pela

    linguagem de um modo geral.

    Na teoria da narrativa, poderamos, a princpio, diferenciar de modo

    metodolgico, apenas como estratgia de compreenso, dois planos do

    conceito de tempo. O plano do tempo da histria e o plano do tempo do

    discurso. Trataremos do conceito de tempo da histria um pouco mais

    adiante, na Unidade II, ao abordarmos o plano do tempo em termos

    discursivos, que de certa forma potencialmente mais abrangente que o

    conceito de tempo da histria.

    2

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    42

    2.1.1 Tempo da histria

    O tempo da histria o tempo mais rgido da histria que narrada

    segundo um determinado modo discursivo. o termo, diramos, ma-

    temtico propriamente dito, ou seja, a sucesso cronolgica de eventos

    datveis com maior ou menor rigor. Por cronolgico compreenderemos

    justamente a dimenso do tempo, em sua forma narrada, com referncia

    a certos marcos temporais, como datas e referncias mais ou menos ex-

    plcitas a um determinado momento histrico que narrado. Reis e Lo-

    pes (1988) citam um trecho de Temps e rcit, esclarecedor livro de Paul

    Ricoeur que traz uma reflexo das mais importantes sobre a relao da

    atividade de narrar e a condio da existncia humana, eminentemente

    temporal: existe entre a atividade de contar uma histria e o carter

    temporal da experincia humana uma correlao que no puramente

    acidental, mas apresenta uma forma de necessidade transcultural. Em

    outras palavras, que o tempo torna-se tempo humano na medida em

    que articulado num modo narrativo, e que a narrativa atinge a sua

    significao plena quando se torna uma condio da existncia tempo-

    ral (RICOEUR, 1983: 85). Isto quer dizer que contar uma histria, ou

    seja, narrar - que no uma atividade entre outras, algo constitutivo

    da experincia humana - est estreitamente relacionada experincia

    temporal que tambm essencial condio humana.

    Poderamos ter em mente, como exemplo de narrativas que par-

    ticularmente operam com essa dimenso do tempo da histria, o ro-

    mance e as narrativas biogrfica ou autobiogrfica. Nessas narrativas, h

    uma relao direta com a inteno de se localizar o objeto de narrao,

    ou seja, a descrio de uma histria de vida em uma certa sequncia

    temporal datvel. De incio, porm, devemos ter em mente que essa

    relao da narrativa com certos marcos temporais datveis no uma

    necessidade absoluta, podendo se dar na forma especfica de estratgias

    narrativas e/ou discursivas denominadas tempo psicolgico.

  • Tempo, espao, ao e caracterizao

    43

    Captulo 02

    O tempo psicolgico, enquanto conceito de um tipo especfico de

    temporalidade na narrativa, o tempo que passa pela experincia subje-

    tiva dos personagens. Esse tempo ou essa forma de experincia narrati-

    va do tempo se d nas vivncias subjetivas dos personagens por meio de

    estratgias especficas do discurso vinculadas capacidade de recriao

    da memria. Essa operao de um tempo psicolgico opera como pos-

    sibilidade de complexificao ou dinamizao interior narrativa do

    tempo da histria.

    No conto do escritor argentino Jorge Luis Borges, El milagro se-

    creto, publicado em seu livro Ficciones, encontramos um exemplo do

    que estamos tratando. O protagonista, Jaromir Hladik, um escritor ju-

    deu de Praga, detido no entardecer do dia 19 de maro de 1939 pelo

    exrcito nazista do Terceiro Reich. Condenado a morrer fuzilado no dia

    29 de maro s nove horas da manh, Hladik - que, no momento de sua

    deteno escrevia uma obra que considerava a redeno de seu ln-

    guido passado de escritor, o drama em verso em trs atos Los enemigos

    - mergulha durante dez dias em pensamentos e sonhos que revelam as

    indagaes e especulaes quase filosficas sobre o tempo que tinham

    ocupado sua mente durante a escrita de sua obra. At o momento de

    sua deteno, Hladik tinha escrito apenas o primeiro ato de seu drama.

    Angustiado, o escritor pede a Deus que lhe conceda um ano a mais de

    vida para poder concluir a obra que poderia justific-lo e ainda justi-

    ficar o prprio Deus. No dia 29 de maro, s nove horas da manh, tal

    como o programado, Hladik enfrenta o peloto de fuzilamento, porm

    no tempo que leva entre a ordem do sargento e a descarga dos fuzis

    vivencia, exatamente, o ano que tinha pedido a Deus para concluir a

    sua obra, escrevendo o segundo e terceiro atos. Hladik finalizou seu

    drama exatamente nos dois minutos que se passaram entre a formao

    dos soldados, a ordem do sargento e o disparo das armas: dois minutos

    que, para ele, para seu tempo psicolgico, significaram um ano.

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    44

    Vejamos alguns trechos dos pargrafos finais do conto de Borges,

    El milagro secreto:

    Un ao entero haba solicitado de Dios para terminar su labor: un ao

    entero le otorgaba su omnipotencia. Dios operaba para l un milagro

    secreto: lo matara el plomo alemn, en la hora determinada, pero en

    su mente, un ao transcurra entre la orden y la ejecucin de la orden.

    (...) No dispona de otro documento que la memoria. (...) Rehizo el tercer

    acto dos veces. Borr algn smbolo demasiado evidente: las repetidas

    campanadas, la msica. Ninguna circunstacia lo importunaba. Omiti,

    abrevi, amplific; en algn caso, opt por la versin primitiva. (...) Di

    trmino a su drama: no le faltaba ya resolver sino un solo epteto. Lo en-

    contr; la gota de agua resbal en su mejilla. Inici un grito enloquecido,

    movi la cara, la cudruple descarga lo derrib.

    Jaromir Hladik muri el veintinueve de marzo, a las nueve y dos minutos de

    la maana.

    (BORGES, 1989 :512-513)

    O tempo psicolgico tambm pode operar uma certa dinamizao

    interna do tempo da histria, alargando ou condensando a experincia

    vivida do tempo, aglutinando ou diluindo a matria subjetiva.

    O tempo da histria tambm pode estar estreitamente relaciona-

    do dimenso do espao. O espao, sendo uma categoria pluridimen-

    sional, tratado de forma operativa a partir da dinmica temporal da

    narrativa. Nesse entrecruzamento ou nessa posio de tratamento do

    espao pelo discurso narrativo pode-se ler o conceito de cronotopo, de

    Mikhail Bakhtin.

    O conceito de cronotopo, como o prprio termo indica - tempo cro-

    nolgico (Cronos) associado a espao ou lugar (Topos) - marca concei-

    tualmente a dinmica ou a dialtica interna que o discurso narrativo

    opera entre o espao e o tempo da histria. Ou seja, no cronotopo h

    a fuso dos elementos descritivos do espao com o tempo objetivo ou

    subjetivo (psicolgico) da histria.

    Terico russo traduzido em vrias lnguas, muito influente

    na teoria literria francesa e de lngua inglesa. Autor

    de vrios livros importantes traduzidos para o portugus e para o espanhol como, por exemplo, Questes de Litera-tura e de Esttica e A cultura popular na Idade Mdia e no Renascimento. O contexto de

    Franois Rabelais. Vocs po-dem conhecer sua biografia e bibliografia comentadas em: http://es.wikipedia.org/wiki/

    Mijail_Bajt%C3%ADn

  • Tempo, espao, ao e caracterizao

    45

    Captulo 02

    O escritor brasileiro Raduan Nassar, em Lavoura Arcaica, faz uma

    descrio do quarto de Andr, protagonista da histria, onde esse espa-

    o, a partir de estratgias estticas precisas de sua narrativa, cria numa

    forma lrica e novelstica uma relao cronotpica. Na verdade, nesse

    exemplo possvel observar tambm como procede o tempo do discur-

    so, que veremos logo adiante na Unidade II.

    Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; rseo, azul ou violceo, o

    quarto inviolvel; o quarto individual, um mundo, quarto catedral,

    onde, nos intervalos da angstia, se colhe, de um spero caule, na palma

    da mo, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quar-

    to consagra esto primeiro os objetos do corpo; eu estava deitado no

    assoalho do meu quarto, numa velha penso interiorana, quando meu

    irmo chegou pra me levar de volta; minha mo, pouco antes dinmica

    e em dura disciplina, percorria vagarosa a pele molhada do meu corpo,

    as pontas dos meus dedos tocavam cheias de veneno a penugem in-

    cipiente do meu peito ainda quente; minha cabea rolava entorpecida

    enquanto meus cabelos se deslocavam em grossas ondas sobre a curva

    mida da fronte; deitei uma das faces contra o cho, mas meus olhos

    pouco apreenderam, sequer perderam a imobilidade ante o vo fugaz

    dos clios; o rudo das batidas na porta vinha macio, aconchegava-se

    despojado de sentido, o floco de paina insinuava-se entre as curvas si-

    nuosas da orelha onde por instantes adormecia; e o rudo se repetindo,

    sempre macio e manso, no me perturbava a doce embriaguez, nem

    minha sonolncia, nem o disperso e esparso torvelinho sem acolhimen-

    to; meus olhos depois viram a maaneta que girava, mas ela em movi-

    mento se esquecia na retina como um objeto sem vida, um som sem

    vibrao, ou um sopro escuro no poro da memria. (NASSAR, 1989: 4)

    Lavoura Arcaica, o primeiro romance de Raduan Nassar, marcou

    profundamente por sua qualidade e singularidade esttica a literatura

    brasileira. Como possvel ler na nota introdutria da reedio do li-

    vro pela Editora Schwarcz / Companhia das Letras de 1989: Lavoura

    Arcaica um texto onde se entrelaam o novelesco e o lrico, atravs

    de um narrador em primeira pessoa, Andr, o filho encarregado de

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    46

    Raduan Nassar (1935)

    Narrativa que poderamos relacionar a uma prosa potica ou que

    utiliza recursos lricos numa proposta novelstica, Lavoura Arcaica

    uma narrativa ficcional em primeira pessoa que tem o tempo da hist-

    ria cifrado a partir de um uso da linguagem literria que complexifica

    muito a diviso metodolgica do conceito de tempo narrativo em tempo

    da histria e tempo do discurso. Existe um tempo da histria, mas ele

    estabelecido numa intrnseca relao ao modo como o discurso literrio

    utiliza estratgias estticas precisas, nas quais esse tempo mais rgido de

    uma histria na verdade no pode ser identificado sem uma reflexo do

    modo como a prpria narrativa desenvolvida discursivamente.

    revelar o avesso de sua prpria imagem e, consequentemente, o aves-

    so da imagem da famlia. Lavoura Arcaica sobretudo uma aventura

    com a linguagem: alm de fundar a narrativa, a linguagem tambm

    o instrumento que, com seu rigor, desorganiza um outro rigor, o

    das verdades pensadas como irremovveis. Lanado em dezembro

    de 1975, Lavoura Arcaica imediatamente foi considerado um cls-

    sico, uma revelao, dessas que marcam a histria da nossa prosa

    narrativa, segundo o professor e crtico Alfredo Bosi.

  • Tempo, espao, ao e caracterizao

    47

    Captulo 02

    A partir desse fragmento de Lavoura Arcaica pretendemos introdu-

    zir uma certa relativizao da diviso entre o tempo da histria e o tempo

    do discurso. No fragmento apresentado, o tempo da histria como que

    suspenso medida que o narrador narra de forma potica sua relao

    com o espao do quarto e toda a intimidade e subjetividade que a se pro-

    jeta. Como participante da histria, o narrador est envolvido no tempo

    da histria, mas discursivamente na forma do monlogo interior do

    narrador-personagem que podemos perceber que um tempo psicolgico

    se infiltra por toda a narrativa, relativizando, no prprio decorrer da his-

    tria, tanto o tempo do discurso como o tempo da histria.

    Nesse sentido, o tempo do discurso teria a ver com o modo como

    uma narrativa lida em termos formais. J o tempo da histria diz res-

    peito, como j foi dito, ao tempo em que se passa a ao.

    Ou seja, para alm da metodologizao objetiva e de uma diferen-

    a clara entre o tempo da histria e o tempo do discurso, procuramos

    nos aproximar de uma reflexo que relativizasse essa distino, introdu-

    zindo uma relao entre as estratgias discursivas e o prprio trabalho

    potico com a linguagem. O exemplo de Lavoura Arcaica nos aproxima

    em termos da problematizao do tempo na narrativa de tendncias li-

    terrias modernas ou ps-realistas, como por exemplo, para citar ape-

    nas alguns autores cannicos, Franz Kafka, Virginia Woolf, James Joyce,

    Marcel Proust e Samuel Beckett, dentre outros.

    2.2 Espao

    O espao o lugar onde se passa a ao, por isso uma das ca-

    tegorias mais importantes de uma narrativa. Alguns tericos dividem

    espao e ambiente. Preferimos, no entanto, considerar ambos uma s

    categoria. Isto quer dizer que entendemos por espao no s o lugar

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    48

    onde se passa a ao como tambm os ambientes sociais, psicolgicos,

    morais e culturais que fazem parte da narrativa.

    Podem constituir o espao de uma narrativa lugares geogrficos ex-

    tensos como, por exemplo, uma grande cidade como So Paulo, Buenos

    Aires ou Paris, uma grande plancie como os pampas gachos e argenti-

    nos, um pequeno quarto de convento ou a cela de uma priso. Tambm

    constituem o espao de uma narrativa os objetos, os mveis, a decora-

    o em geral, bem como todas as aluses possveis aos componentes e

    ambientaes que caracterizam um espao interior ou os exteriores de

    uma casa, por exemplo.

    O espao tambm pode ser entendido como o espao socioecon-

    mico e psicolgico, ou seja, as atmosferas culturais, sociais, psicolgicas

    e morais que integram o contexto da histria. Esse sentido de espao

    muito importante porque relaciona os conceitos de tempo e de espao

    como vimos anteriormente, quando falamos do conceito de cronotopo

    de Bakhtin. Ou seja, relembramos aqui que o conceito de espao est

    sempre relacionado ao modo como o discurso narrativo o descreve e o

    desenvolve em funo ou em relao intrnseca ao conceito de tempo.

    Ao conceito de espao podemos acrescentar a categoria de clima, ou

    seja, a ambientao socioeconmica, moral e psicolgica que envolve a

    ao e que descreve, de algum modo, a relao do espao e do tempo na

    narrativa.

    O espao numa narrativa, quando entendido como o espao social,

    o lugar amplo onde coexistem tipos e figuras que ajudam a caracterizar

    uma ambincia social no sentido s vezes crtico dos vcios e deforma-

    es da sociedade representada na narrativa. Tambm pode ser enten-

    dido como o espao ou ambiente psicolgico onde o protagonista e/ou

    os personagens sofrem, so felizes, especulam, sonham ou vivenciam

    certos estados espirituais.

  • Tempo, espao, ao e caracterizao

    49

    Captulo 02

    Mesmo que em uma narrativa a descrio do espao fsico seja mi-

    nuciosa, sempre haver zonas de indeterminao posto que a descri-

    o no poder dar conta de todos os elementos que o conformam. A

    construo do espao numa narrativa depende da perspectiva do narra-

    dor. Seremos, ento, conduzidos pela perspectiva narrativa e estaremos

    vendo o espao com os olhos do narrador. Desse modo, a construo

    do espao numa narrativa nunca dar como resultado uma viso est-

    tica de um lugar, de um objeto, de uma decorao, de uma paisagem.

    Por mais que o narrador objetive descrever fielmente uma paisagem,

    um lugar ou um objeto, essa descrio obedecer, em ltima instn-

    cia, aos movimentos de seu estado de esprito, ao seu ponto de vista, a

    sua focalizao e a suas pretenses. J Roland Barthes nos ensinou que

    nem sequer uma fotografia pode ser considerada cpia fiel da realidade

    porque o ngulo escolhido e o recorte operado pelo visor, por exemplo,

    estaro fotografando mais que a realidade, a focalizao operada pelo

    fotgrafo. Uma leitura que recomendamos para se entender isso a do

    clebre conto de Julio Cortzar, Las babas del diablo

    Recomendamos, tambm, a leitura do conto de Juan Carlos Onetti,

    Avenida de Mayo - Diagonal Norte - Avenida de Mayo, no qual o seu

    protagonista percorre as agitadas ruas de uma Buenos Aires em pleno

    processo de modernizao que deflagram nele uma viagem mental a lon-

    gnquos espaos literrios. Vejamos, agora, um breve trecho do romance

    La vida breve, do mesmo autor, em que o protagonista e narrador, Juan

    Mara Brausen, relata um momento de viglia junto a sua esposa, Ger-

    trudis, que acabara de retornar ao pequeno apartamento onde moram,

    aps uma cirurgia que lhe extirpara uma mama (pensem nos conceitos

    e categorias mencionados: espao, clima, ambiente, lugar). Observem o

    efeito da luz da luminria, no criado-mudo, sobre a mo do personagem

    e sobre a ampola de morfina, nico objeto alegre num espao tomado

    pela doena fsica da mulher e mergulhado numa madrugada invadida

    pelo cheiro de remdios e gua de colnia.

    possvel ler o conto no endereo: http://www.ju-liocortazar.com.ar/cuentos/babas.htm

  • Introduo aos Estudos da Narrativa

    50

    Estir la mano hasta introducirla en la limitada zona de luz del velador,

    junto a la cama. Haca unos minutos que estaba oyendo dormir a Ger-

    trudis, que espiaba su cara, vuelta hacia el balcn, la boca entreabierta y

    seca, casi negra, ms gruesos que antes los labios, la nariz brillante, pero

    ya no hmeda. Alcanc en la mesita una ampolla de morfina y la alc

    con los dedos, la hice girar, agit un segundo el lquido tansparente que

    alz un reflejo alegre y secreto. Seran las dos o las dos y media; desde

    medianoc