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O financiamento do desenvolvimento local
Número 2 - Ano de 2005 Edição: Programa Delnet – Centro Internacional de Formação da OIT
• DESCENTRALIZAR O FINANCIAMENTO A necessidade de um novo modelo de desenvolvimento local
• AS REMESSAS DA EMIGRAÇÃO Sustento da economia familiar ou catalisador de projetos produtivos?
• BOAS PRÁTICAS DO DESENVOLVIMENTO LOCALTrês experiências africanas e latino-americanas
• 2005, ANO INTERNACIONAL DO MICROCRÉDITOEntrevista com Antonio-Claret García Presidente da CajaGRANADA, Espanha, e da Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social
• IV CÚPULA DAS AMÉRICASTrabalho, pobreza e gobernabilidade
Delnet
[email protected] - número 2, 2005
O Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Agência Especializada das Nações Unidas, desde 1998 apoia e fortalece os atores locais nos processos de desenvolvimento dos territórios em que atuam. É dirigido a técnicos, gestores e responsáveis de instituições públicas e privadas implicados nos processos de desenvolvimento local, fornecendo formação, informação, assessoria técnica e ferramentas para o trabalho em rede, através da utilização das tecnologias da informação e comunicação. Delnet conecta mais de 71 países e mais de 1.500 pessoas e instituições em todo o Mundo em português, espanhol e inglês.
As denominações usadas, conforme a prática seguida pelas Nações Unidas, e a forma de apresentação dos dados nas publicações da OIT não implicam uma consideração crítica por parte da Organização Internacional do Trabalho em relação à situação jurídica dos países, às áreas ou territórios citados ou às suas autoridades, nem sobre a delimitação das suas fronteiras. A responsabilidade das opiniões expressas nos artigos, estudos e em outras colaborações assinados pertence, exclusivamente, aos seus autores e a sua publicação não significa a aprovação da OIT. As referências a empresas ou a processos ou produtos comerciais não implicam qualquer aprovação por parte da OIT, assim como o fato de empresas ou processos ou produtos comerciais não serem mencionados não implica uma desaprovação.
ADVERTÊNCIAA utilização de uma linguagem que não discrimine nem marque diferenças entre homens e mulheres é uma das preocupações da nossa Organização. Porém, tal uso no nosso idioma apresenta soluções muito variadas, sobre as quais os lingüistas ainda não chegaram a um acordo. Neste sentido, e com o intuito de evitar a sobrecarga gráfica que implicaria utilizar “o/a” para marcar a presença de ambos os sexos, optamos por utilizar o clássico masculino genérico, considerando que todas as menções nesse gênero representam sempre todos, homens e mulheres, abrangendo claramente ambos os sexos.
Editado pelo Centro Internacional de Formação da OIT, Turim, Itália.
© 2005 Centro Internacional de Formação da OIT
Conselho Editorial
Emilio Carrillo – Especialista Internacional em Desenvolvimento Local e Professor de Economia na
Universidade de Sevilha. Vice-prefeito e Secretário de Urbanismo do Município de Sevilha, Espanha.
Jovelina Imperial – Assessora para Assuntos de Cooperação da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa
Martha Pacheco – Chefe do Programa para as Américas do Centro Internacional de Formação da OIT
David Valenzuela – Ex-Presidente da Fundação Interamericana
Angel L. Vidal – Manager do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT.
Coordenação
Alice Vozza - Equipe técnica do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT
Equipe de Redação
Equipe técnica do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT
Desenho editorial e grafismo dos separadores de seção
Marco Giacone Griva – Criações de Gráfica Computadorizada, Turim, Itália
Fotografia da capa
Cooperativa rural (projeto apoiado pela OIT) que reúne as mulheres da povoação de Kesavarayampatti
(Madras). Todos os meses, os membros da cooperativa distribuem os lucros do seu trabalho.
© Organização Internacional do Trabalho / [Crozet M.]
Secretaria de Redação
Programa Delnet CIF/OIT
Tel: +39 011 693 6365
Fax: +39 011 693 6477
E-mail: [email protected]
[email protected] - número 2, 2005
Índice
Editorial ............................................................................................................................................................... iii
I - O financiamento do desenvolvimento local
Descentralizar o financiamentoLuis Díaz-Cacho Campillo.................................................................................................................................... 2
Sustento da economia familiar ou catalisador de projetos produtivos? A importância das remessas para o financiamento do desenvolvimento local no MéxicoThomas Wissing ................................................................................................................................................... 6
O financiamento do desenvolvimento local na América Latina e África: três experiências de sucesso .....11Modelo de gestão social para programas de infra-estrutura urbana (Argentina) .................................................... 12A convergência dos fundos de crédito municipal e de investimento social (Bolívia) .................................................18O software livre facilitando o acesso das populações isoladas aos serviços micro-financeiros (Uganda) ................. 23
Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudançaEmilio Carrillo..................................................................................................................................................... 29
II - Entrevista
O microcrédito, uma ferramenta para a coesão social e o desenvolvimento sustentávelEntrevista com Antonio-Claret GarcíaPresidente da CajaGRANADA e da Fundação CajaGRANADA Desenvolvimento Solidário, EspanhaPresidente da Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social .............................................. 36
III - @global…@local
Cidades e Governos Locais UnidosVoz e representação mundial do governo local autônomo e democrático................................................................. 42
Desenvolvimento rural e gênero - Uma relação emergente na política mexicanaNorma Baca Tavira e Francisco Herrera Tapia .................................................................................................. 45
IV - Espaço aberto Inovações do Governo Local para a Economia Informal A criação de um clima positivo de investimentoFrances Lund e Caroline Skinner ....................................................................................................................... 50
O leitor opinaGuia para colaborações ......................................................................................................................................... 54
Resenha de livrosO papel do micro-crédito na prevenção e alívio de desastres................................................................................... 55
Organizações InternacionaisA OIT na IV Cúpula das Américas .......................................................................................................................... 57
O Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OITDescrição e objetivos do Programa Delnet.............................................................................................................. 62
[email protected] - número 2, 2005
Editorial
@ local.glob (Pensamento Global para o Desenvolvimento Local),
nasceu em abril de 2005 por iniciativa do Programa Delnet do
Centro Internacional de Formação da Organização Internacio-
nal do Trabalho e é avalada pelo seu Conselho Editorial, no qual estão
presentes pessoas com ampla experiência no mundo do desenvolvimento
local e entidades de reconhecido prestígio internacional.
Para esta publicação escolhemos como título @local.glob já que vamos
tentar prover, em cada número, um espaço aberto de opinião, intercâmbio
e pensamento em apoio aos processos de descentralização e desenvolvi-
mento local num mundo globalizado. O local e o global interagindo, sendo
causa e efeito do debate, da análise, da reflexão sobre a complexidade do
nosso mundo.
O desenvolvimento local surgiu há já muitos anos pela via prática,
quando os atores locais começaram a enfrentar problemas concretos de
gestão e crescimento do próprio território. Atualmente, a comunidade in-
ternacional reconhece oficialmente o papel crucial que os governos locais
desempenham na realização de políticas sustentáveis de desenvolvimen-
to econômico, social e ambiental.
Desde @local.glob, consideramos conveniente dar um passo mais e pôr
o desenvolvimento local na primeira fila, dando-lhe o papel que deve ter
no mundo globalizado. É necessário criar um pensamento sólido que sur-
ja da experiência dos atores locais de todo o mundo e que se traduza em
políticas concretas de desenvolvimento do território. Para que as políticas
de desenvolvimento local sejam eficazes, é preciso também um quadro
teórico. Porém, é igualmente crucial que este quadro teórico provenha de
experiências concretas, dos acertos e dos fracassos, do que foi aprendido
das melhores práticas, mas também dos erros do cotidiano.
Cada número desta revista é possível graças à colaboração de pessoas
e instituições que no seu trabalho cotidiano demonstram o seu forte com-
promisso com os processos de descentralização e de desenvolvimento
local e que, através dos seus artigos, colocam a sua grande experiência à
disposição, apostando neste espaço de diálogo construtivo, de reflexão e
participação.
[email protected] - número 2, 2005
Editorial
Prezados leitores,
A nossa revista @local.glob planeia, nos próximos números, percorrer os principais temas chave do desenvolvimento local pelo que decidimos começar por um dos assuntos mais importantes e controversos: o financiamento.
Este é um tema que a todos nos causa preocupação, mas que, ao mesmo tempo, definirí-amos como imprescindível: não é possível falar de desenvolvimento local sem considerar a forma de o financiar, como tampouco se pode falar de mecanismos de financiamento para o nível local, sem analisar profundamente os princípios e fundamentos dos processos de desenvolvimento levados a cabo no território.
Há já bastante tempo que deixamos de lado a idéia de analisar o financiamento como um conceito isolado: o financiamento é cada vez mais um instrumento que, a serviço de uma estratégia e de uma visão dinamizadora do território, contribui significativamente – ainda que não exclusivamente – a melhorar as condições de vida dos moradores.
As repercussões sociais das políticas econômicas e financeiras internacionais e nacionais ocupam um lugar de grande importância quando se deve considerar como financiar o de-senvolvimento local.
A abertura dos mercados de capitais favoreceu a consolidação de um sistema financeiro internacional regulado pelo conceito de vantagem competitiva, na qual poucos atores (banca internacional, bancos privados, sociedades de investimento, etc.) aumentaram consideravel-mente a sua margem de ação, exercendo, atualmente, grande influência nas políticas macro-econômicas de todos os países, mas principalmente dos países em desenvolvimento.
Se estivéssemos falando de mercados perfeitos, seguindo a pura lógica macro-econômi-ca, “a crescente influência dos atores privados no sistema financeiro global deveria permitir uma maior eficácia na distribuição mundial dos recursos financeiros, bem como o benefício ligado a uma maior, e essencial, disciplina de mercado sobre os governos dos países em desenvolvimento. Contudo, os mercados financeiros, inclusive do âmbito nacional, são tipi-camente um dos mercados mais imperfeitos.” 1
Para lutar contra os importantes desequilíbrios causados pela “imperfeição” –desequilí-brios que, em grande parte, recaem sobre o espaço local – torna-se indispensável assumir como idéia básica que os recursos endógenos do território são fatores chave para garantir o sucesso das políticas de financiamento e seu impacto em termos de eficiência e sustenta-bilidade.
Considerando, além disso, que os mecanismos tradicionais de financiamento nem sempre são os mais eficazes, neste número lhes apresentamos diferentes casos que ilustram tanto
1 Relatório do Diretor Geral da OIT, Juan Somavía, sobre a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização (Organização Internacional do Trabalho - OIT, 2004).
ß
número 2, 2005 - @local.glob
Editorial
iv
políticas de cunho clássico como iniciativas mais inovadoras em prol do desenvolvimento local: o papel das administrações públicas nas políticas de descentralização das respon-sabilidades na Espanha, os fundos de investimento social na Bolívia, as tecnologias da informação e comunicação em apoio ao micro-financiamento no Uganda, o micro-crédito como ferramenta de coesão social, o papel da economia informal na África, a gestão so-cial nos programas de infra-estrutura nas províncias urbanas da Argentina, o papel das remessas de dinheiro dos emigrantes no México, entre outros.
Denominador comum de todas as opiniões e experiências apresentadas neste número de @local.glob: a responsabilidade dos atores, sejam eles públicos, privados ou sim-plesmente cidadãos. O financiamento não é a única solução e muito menos uma solução mágica se não estiver inserido num terreno fértil, com um quadro legislativo adequado, um sistema de governo e gestão local transparente e participativo, um tecido sócio-eco-nômico local dinâmico e competitivo; em definitiva, com um forte compromisso de todos os atores para com a valorização dos recursos do próprio território.
Queremos agradecer a contribuição de todas as pessoas que colaboraram com este nú-mero e as instituições que tornaram possível esta publicação.
Esperamos que vocês, leitoras e leitores, respondam com o mesmo entusiasmo que foi manifestado no primeiro número, enviando-nos comentários, críticas, contribuições e reflexões, que consideramos como fundamentais para assegurar a qualidade deste espaço compartilhado com vocês e com os vossos territórios.
Ángel L. VidalManager de Delnet
Centro Internacional de Formação da OITTurim, novembro de dois mil e cinco
número 2, 2005 - @local.glob
Editorial
iv
Ofinanciamentododesenvolvimentolocal
• Luis Díaz-Cacho Campillo - Descentralizar o financiamento
• Thomas Wissing - A importância das remessas no México
• Experiências de sucesso na América Latina (Argentina e Bolívia)
e África (Uganda)
• Emilio Carrillo - Boas práticas, boas políticas
@local.glob
2 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Descentralizar o financiamento
O financiamento, depois de vinte e cinco anos do
novo modelo1, continua sendo uma das tarefas
pendentes do desenvolvimento local.
A priori, seria conveniente partir da premissa da escas-
sez de recursos econômicos suficientes para realizar todos
os projetos e ações do desenvolvimento local. Os recursos
econômicos são limitados e, por isso, a competitividade,
a priorização das ações e dos projetos, a validação dos
mesmos mediante a participação e colaboração de todos
os atores do território, adquire cada vez maior sentido na
consecução da estratégia.
O Finware, ou financiamento do desenvolvimento, é uma
das ações deste novo modelo (tão pouco nos equivocaría-
mos se falássemos de “modelos” do desenvolvimento local,
desde a singularidade e especificidade de cada um deles no
seio da base territorial que os suporta) de desenvolvimento
vinculado ao âmbito local, enquanto território, e onde o
público (ou administrativo) está jogando um novo e im-
prescindível papel.
Neste sentido, o papel das Administrações Locais mudou
profundamente nestes vinte e cinco anos.
Referindo-nos ao caso particular da Espanha, passamos
de um conceito de administração passiva, baseada no
cumprimento das tarefas estabelecidas na Lei de Bases de
Regime Local, uma administração baseada na arreca-
dação e na administração em si que pretendia cobrir
as necessidades básicas da população (iluminação pública,
pavimentação, abastecimento de água e saneamento bá-
sico); a administrações prestadoras de serviços co-
letivos (Cultura, Lazer e Esportes, Serviços Sociais, Meio
Ambiente, Educação, Saúde…); para chegar a um conceito
de administração preocupada pela atenção perso-
nalizada e individualizada aos cidadãos (Bem-estar
Social e Desenvolvimento Local).
É verdade que a Administração Local tem tido que atuar
em âmbitos que não lhe correspondiam a priori. Mas tam-
bém é certo que a proximidade ao cidadão obriga a intera-
gir com mais conhecimento de causa no nível local.
Apesar do caráter direcional deste novo papel do âmbito
local, a realidade é que cada Administração Local, de acor-
do com múltiplos fatores, se encontra em cada um dos três
estados antes definidos.
Podemos agora compreender que as Administrações
Locais, como diriam Roig i Martí, J. (1985)2 “pela primeira
vez enfrentam responsabilidades que antes lhes eram des-
O financiamento do desenvolvimento local - Descentralizar o financiamento
Luis Díaz-Cacho Campillo Diretor Geral de Emprego da Junta de Comunidades de Castilla La Mancha, EspanhaEx-Presidente da Federação de Profissionais do Desenvolvimento Local da Espanha (FEPRODEL)
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1 Modelo de financiamento autonômico resultado da Constituição espanhola aprovada em 31 de Outubro de 1978.2 J. Roig i Martí, O papel das administrações locais na política de reconversão e reanimação econômica, CEUMT, agosto-setembro, 1985.
2 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
conhecidas”. Este novo papel, como agente de desenvolvi-
mento do seu território, intervindo na política econômica,
era, até há alguns anos atrás, desconhecido a nível local.
O objetivo da estratégia de desenvolvimento local não é
outro que a criação de emprego, de empresas e o desen-
volvimento sócio-econômico, com o intuito de melhorar
o bem-estar social e a qualidade de vida de cada um dos
cidadãos do território. Nesse sentido, o financiamento do
desenvolvimento local não é um conceito isolado, ele leva
em conta os conceitos de dinamização e de territórios, es-
treitamente vinculados e inter-relacionados entre si.
Até agora, falar de financiamento do desenvolvimento
local equivalia a falar de financiamento oriundo da admi-
nistração pública. A União Européia, os Governos Estatais,
as Comunidades Autônomas, os Governos Provinciais e,
inclusive, os Governos Locais, têm sido até agora os verda-
deiros financiadores do desenvolvimento local. Cada um o
fez na medida de suas possibilidades, tendo em conta que
às vezes não era nada fácil encaixar isso nas receitas de
algumas dessas administrações. Não obstante, o financia-
mento do desenvolvimento local, muito ou pouco que seja,
sempre tem referências com as instâncias públicas.
Entendo que os agentes privados, procurando rentabili-
dade econômico-financeira e a maximização dos lucros,
tenham estado um pouco mais alheios a estes processos.
Contudo, o entendimento e a incorporação deste modelo
de desenvolvimento tem a ver com a participação dos
atores do território. As Caixas de Poupança, os Bancos, as
Cooperativas de Crédito, os agentes sociais e territoriais,
as empresas, os poupadores locais, juntamente com as Ad-
ministrações, têm de ser capazes de encaminhar todos os
recursos econômicos numa mesma direção, visando o pro-
gresso dos territórios e o financiamento do desenvolvimen-
to local. Sou consciente de que esta mudança de atitude é
fundamental e estratégica, sobretudo quando às vezes as
decisões sobre o financiamento, os pacotes econômicos e
as diferentes linhas, são estabelecidos a níveis macro.
Desde este espaço, reivindicamos um espaço para a
originalidade, para a improvisação, para a complementa-
ridade em termos de recursos econômicos à disposição do
financiamento do desenvolvimento local. O papel de todos
os atores do território se apóia, como num quebra-cabeça,
no papel desempenhado pelos demais atores. Não pode
faltar ninguém, todos são imprescindíveis. E, sobretudo,
quando partimos da premissa e da dualidade de interpretar
o financiamento do desenvolvimento local no mundo urba-
no ou no mundo rural, na cidade e na área metropolitana
ou num povoado e no aglomerado de municípios. Às vezes,
a consecução de uma massa crítica mínima da população
e/ou de território pode assumir um fator estratégico para
que se possa produzir uma opção de desenvolvimento.
Ora, o que não deveria surgir é uma opção de vantagem
econômica dependendo de que a estratégia se desenvolva
no mundo urbano em vez de no rural.
Agora eu gostaria, desde uma interpretação bastante
pessoal, tentar fazer uma divisão do financiamento do
desenvolvimento local em três estados ou fases: finan-
ciamento de grandes infra-estruturas, financiamento de
equipamentos e estruturas técnicas locais e financiamento
do empreendimento.
O financiamento das grandes infra-estruturas, es-
tratégicas para o desenvolvimento dos territórios, corres-
ponderia às Administrações superiores (União Européia,
Administrações Estatais e Administrações Autonômicas),
às grandes empresas e às entidades financeiras.
O financiamento dos equipamentos e das estruturas
técnicas locais refere-se a estratégias. Sem dúvida, na
base da iniciativa a favor de um determinado modelo de
desenvolvimento está a intencionalidade de estabelecer
uma estrutura técnica mínima. Ciente das dificuldades
econômicas pelas quais o âmbito local passa, conside-
ro imprescindível este primeiro passo como suporte das
estratégias. Sem querer entrar nas diferentes fórmulas
(públicas, privadas ou mistas), às vezes trata-se de uma
verdadeira proposta de engenharia financeira. Podemos
dar como exemplo a vinculação do Imposto de Atividades
Econômicas (IAE) que implementamos no município de La
Solana (província de Cidade Real) em Espanha, para finan-
ciar e consolidar uma equipe técnica de desenvolvimento
local. Naquela altura, consideramos que esse imposto, di-
retamente relacionado com a atividade econômica, era o
melhor instrumento para financiar a estabilidade de uma
equipe técnica.
Quanto ao financiamento dos equipamentos locais, ele
deve ser co-participado por vários agentes públicos e/ou
privados, desde a priorização e inter-relação dos projetos
resultado do máximo consenso participativo.
Por último, o financiamento do empreendimento dos
projetos de empresa, verdadeira pedra angular da capaci-
O financiamento do desenvolvimento local - Descentralizar o financiamento
4 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
dade de progresso de um dado território, deve ser possibi-
litado incluindo o maior leque de alternativas público-pri-
vadas possíveis. Os agentes privados devem desempenhar
um papel mais estratégico principalmente dotando de
recursos e assumindo os riscos. Não pretendo inventariar
aqui a gama de instrumentos existentes, mas sim chamar
a atenção para a cumplicidade, a originalidade, a aposta
estratégica coordenada, para que sejamos capazes de esta-
belecer procedimentos normalizados de financiamento do
empreendimento. Que nenhum projeto de empreendimento
fique sem ser executado por falta de financiamento quando
a idéia for viável.
O financiamento do desenvolvimento local passa por pôr
à disposição das economias locais os recursos econômicos
necessários para executar os projetos definidos na estraté-
gia local a partir do consenso e da sinergia.
Administrativamente, a aposta pela descentralização do
financiamento está na gênese da compreensão do modelo
de desenvolvimento local. Não obstante, a descentraliza-
ção do financiamento decorre muito mais lentamente do
que a incorporação de incumbências e de serviços desde
o âmbito local. Na Espanha, a relevância econômica das
administrações é dependente dos Governos Regionais
(Comunidades Autônomas) e Locais (Municípios) no qua-
dro da Constituição de 1978. Entretanto, esse papel prota-
gonista da economia não se materializa na realidade ao
mesmo nível de desenvolvimento do que é abrangido pela
normativa.
Apesar de que tenha havido, nesses anos, tímidas tenta-
tivas de descentralização, às vezes, porém, um processo
descentralizador da Administração Estatal volta a se cen-
tralizar na Administração Regional ou Provincial.
O denominado Pacto Local pretendia redistribuir a ges-
tão dos recursos econômicos do Estado nos diversos níveis
administrativos: 50% Administração Estatal, 25% Adminis-
trações Autonômicas ou Regionais e 25% Administrações
Locais. A realidade é que depois de vinte e cinco anos, as
Administrações Locais administram cerca de 12% dos re-
cursos econômicos e, apesar disso, as suas competências e
prestação de serviços aumentaram de maneira substancial.
O artigo 137 da Constituição Espanhola indica que “O
Estado se organiza territorialmente em Municípios, em Pro-
víncias e em Comunidades Autônomas que se constituam.
Todas elas desfrutam de autonomia para a gestão dos seus
interesses específicos”.
Da mesma forma, o artigo 142 avala a aposta na descen-
tralização dos recursos e, portanto, do financiamento: “As
Fazendas locais deverão dispor dos meios suficientes para o
desempenho das funções que a lei lhes atribui e se nutrirão,
fundamentalmente de tributos próprios e da participação nos
do Estado e nos das Comunidades Autônomas”.
A descentralização, como pudemos comprovar, está na
lógica do financiamento do desenvolvimento local. É fun-
damental colocar os recursos necessários à disposição das
Comunidades Locais para que elas possam ser protagonis-
tas, atores, do seu próprio desenvolvimento.
A Carta aberta da II Cúpula Ibero-americana pela
descentralização do Estado e o desenvolvimento
local3, ocorrida nos dias 20 a 22 de julho de 2005 em
São Salvador, aposta decididamente na descentralização
administrativa das tarefas e dos recursos econômicos.
Além disso, remete-se a algumas propostas que estão
diretamente relacionadas com o financiamento do desen-
volvimento local e que tem a ver com o fortalecimento
financeiro da gestão local, incrementando sua capacidade
de arrecadamento, possibilitando o acesso aos mercados
de capital e assegurando mecanismos para a superação
dos desequilíbrios territoriais. De alguma forma, estamos
falando de solidariedade territorial, de conciliar o urbano
com o rural, a cidade e o campo no acesso aos recursos
econômicos.
Também é verdade que o próprio orçamento local deve
mudar completamente a sua configuração e interpretação
para saber adaptar a nível orçamental e economicamente
o financiamento do desenvolvimento local.
Igualmente, e a partir da interpretação do modelo de de-
senvolvimento local, o acesso ao financiamento adminis-
trativo (sobretudo das administrações superiores) deveria
conceitualizar-se conforme critérios de maior flexibilidade,
no intuito de possibilitar o financiamento dos projetos e das
ações das estratégias definidas. Porém não a partir da dire-
cionalidade com que se concebem atualmente muitos dos
diferentes concursos públicos.
O financiamento do desenvolvimento local - Descentralizar o financiamento
3 Documento disponível em: http://www.iicumbreiberoamericana.org.sv.
4 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Sem dúvida, não é a mesma coisa falar da possibilidade
de financiamento do desenvolvimento local num território
urbano ou num território rural. Comentamos antes e fomos
conseqüentes com a necessidade de uma massa crítica mí-
nima de população e de empresas no território que possa
possibilitar a definição e a concretização de uma estratégia
de desenvolvimento territorial. A aposta, para que não se
produza uma verdadeira discriminação na possibilidade
de financiamento, passa ineludivelmente por projetos as-
sociativos ou aglomerados de municípios, que, na minha
opinião, não estamos a aproveitar com o suficiente entu-
siasmo até agora.
Às vezes, tratar-se-ia de simplesmente pormos certa
racionalidade na diversa e descoordenada variedade de
concursos existentes, e de sermos capazes de priorizar e
de ordenar em seqüência de importância os projetos para
definirmos o financiamento dos mesmos. Isso resultaria
numa maior cultura do desenvolvimento local e num con-
ceito mais lógico do planejamento estratégico.
De certa forma, alocar os recursos econômicos a nível
local, territorial, desde a interpretação da descentralização
administrativa e no quadro da possibilidade de uma sub-
venção global no território, seria uma vitória significativa
no que concerne a resolução dos problemas de financia-
mento do desenvolvimento local. Desde a Federação Na-
cional de Profissionais do Desenvolvimento Local (FEPRO-
DEL) em Espanha já se está progredindo nesse caminho
com propostas de Programas Quadro de Desenvolvimento
Local a nível da União Européia.
Mobilizar as poupanças locais, assumindo os riscos dos
empreendimentos e reinvestir essas poupanças locais nos
projetos do território geraria um efeito sinérgico de relação
e inter-relação que está na base do modelo de desenvol-
vimento local e na lógica do novo papel que as entidades
financeiras devem começar a cumprir no financiamento do
desenvolvimento local.
Avançar, a partir da participação associativa e da origi-
nalidade, da proximidade e do conhecimento, da reflexão e
da priorização, levaria à definição de instrumentos adapta-
dos e reais às necessidades de financiamento do desenvol-
vimento local.
Lembremo-nos que o financiamento do desenvolvimento
local não afeta somente questões produtivas ou econômicas,
mas também supõe um efeito dinamizador sobre o conjunto
da vida social da comunidade de um determinado território.
A criação de emprego e de empresas transcende o âm-
bito meramente econômico e tornou-se parte integrante
de um objetivo social baseado na utilização dos recursos
humanos para conseguir maior coesão. O emprego, como
os governos europeus apontam constantemente, tornou-
se a pedra angular da construção da coesão social e da
solidariedade 4.
O financiamento do desenvolvimento local, o finware, é
uma das ações básicas do modelo de desenvolvimento lo-
cal. Ele se sustenta em perfeito equilíbrio com o hardware,
o software, o orgware e o ecoware – cada ação como um pi-
lar que sustenta parte de uma mesma estrutura. A estraté-
gia, definida, acordada e participada deve ir-se construindo
a partir da inter-relação paralela e ao uníssono das cinco
ações. Uma sustenta a outra desde sua base de atuação
territorial, e a outra sustenta a seguinte num esquema de
malha ou rede na qual cada uma sustenta as demais e to-
das se apóiam entre si. Nenhuma pode falhar. Se isso acon-
tecesse, o “edifício”, a estratégia, iriam por água abaixo.
Sendo conscientes e conseqüentes com a escassez de
recursos, a rentabilidade máxima, desde parâmetros de efi-
cácia e eficiência, dos recursos econômicos, deve estar pre-
sente como critério de qualidade em cada atuação que reali-
zemos no cerne da estratégia de desenvolvimento local.
Falar de financiamento do desenvolvimento local é falar
de descentralização das tarefas administrativas e de des-
centralização do financiamento; de priorização de projetos;
de participação associativa e de busca do maior consenso
possível; de aposta coletiva na mobilização da economia
local; de acreditar na possibilidade de um território e dos
seus recursos humanos; de racionalidade e de originalida-
de; de equilíbrio entre o público e o privado; de proximida-
de, de conhecimento real e pessoal.
A possibilidade de desenvolvimento de um território con-
creto depende cada vez mais da aposta coletiva realizada
pelos habitantes desse território.
O financiamento do desenvolvimento local - Descentralizar o financiamento
4 Observatório Europeu LEADER - Cadernos LEADER II, O financiamento local nos territórios rurais, Associação Europeia de Informação sobre o Desenvolvimento Local, Direcção-Geral de Agricultura (DG VI), Setembro de 2000.
6 número 2, 2005 - @local.glob
O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México
[email protected] - número 2, 2005
O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México
Introdução: Volume e crescimento das remessas no
México
Há alguns anos atrás, o fluxo das remessas dos trabalhado-
res emigrantes mexicanos era um fenômeno pouco conhe-
cido pelos especialistas. Hoje em dia, o dinheiro transferido
por mexicanos no exterior para as suas comunidades de
origem representa a segunda fonte de divisas do país, de-
pois da receita das exportações petrolíferas. Com quase 17
bilhões de dólares registrados pelo Banco do México no
ano de 2004, as remessas superam o total do investimento
estrangeiro direto e superam também os dólares recebidos
pelos turistas que visitam o país. O México recebe mais
de um terço das remessas que chegam à América Latina
e capta quase 15% dos fluxos mundiais desses envios. Le-
vando em conta que as remessas cresceram mais de 26%
durante os últimos anos e que no primeiro semestre de
2005 já se havia recebido 9.3 bilhões de dólares, o México
poderá converter-se este ano no primeiro país receptor de
remessas do mundo superando, inclusive, a Índia.
O inesperado aumento das remessas tem chamado a
atenção de instituições públicas, financeiras e acadêmicas
e provocado um polêmico debate sobre o volume real das
remessas e seu impacto nas finanças públicas e na popu-
lação receptora1. Apesar de representar 2.5% do Produto
Interno Bruto (PIB), é até hoje pouco claro quais são as
camadas da população que mais se têm beneficiado com
as remessas e de que forma essa renda está influenciando
a situação econômica e o desenvolvimento local: Estão
mitigando os efeitos extremos da pobreza ou não têm ne-
nhuma conseqüência significativa sobre ela? - Criam novas
fontes estáveis de emprego na comunidade? - Contribuem
para o desenvolvimento econômico local? - Servem para
impulsionar projetos produtivos? - Ou são subsídios que
só perpetuam a dependência econômica das famílias no
México, sem efeito algum no desenvolvimento local? - Ter-
Sustento da economia familiar ou catalisador de projetos produtivos?
A importância das remessas para o financiamento do desenvolvimento local no México
Thomas WissingFuncionário de Programas de Cooperação TécnicaEscritório da OIT para México e Cuba
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1 O debate está centrado, principalmente, no método de registro do Banco do México que, segundo a Secretaria do Desenvolvimento So-cial (SEDESOL) e o prestigioso Colégio da Fronteira Norte (COLEF), sobrevaloriza as remessas porque inclui também outras transações financeiras entre pessoas físicas como pagamentos de serviços contratados, pagamento adiantado de mercadorias e lavagem de dinheiro. Segundo os cálculos do SEDESOL e do COLEF, as remessas familiares só chegam a 9,6 bilhões de dólares. O Banco do México defende sua metodologia afirmando que se está baseando em registros administrativos e que se estão aplicando vários filtros antes de classificar uma transferência como remessa familiar. Alguns pesquisadores sublinham que não só pode existir uma sobrevalorização das remessas, mas também um sub-registro, já que muitos mexicanos no exterior transferem recursos a seus familiares através de canais informais (visitas de amigos, viagens ao México durante as férias e festas de fim de ano, etc.).
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O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México
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O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México
minam, inclusive, distorcendo a atividade econômica nas
comunidades, como afirmam alguns pesquisadores, acos-
tumando povoados inteiros a viver das remessas em vez de
empreender esforços próprios?
O impacto real das remessas além dos efeitos
macroeconômicos
Indiscutivelmente, as remessas causam um impacto ma-
croeconômico significativo, mantêm estável o câmbio do
peso face ao dólar, contribuem para controlar a inflação e
proporcionam uma renda importante para grande parte da
população do país. Também estão contribuindo para de-
senvolver o sistema financeiro em comunidades margina-
lizadas que antes haviam sido excluídas do acesso ao cré-
dito bancário. Mesmo assim, o nível de bancarização dos
migrantes e suas famílias continua sendo muito baixo, es-
pecialmente em grande parte das áreas rurais do país. Em
comunidades com menos de 15.000 habitantes é difícil en-
contrar uma agência de um banco comercial. A Associação
Mexicana de Uniões de Crédito do Setor Social (AMUCSS)
afirma que as remessas causam efeitos limitados devido à
sua atomização e sua permanência em formas ineficientes
de poupança e sugere melhorar a intermediação financeira
para criar capacidade de poupança e canalizar as remessas
em direção a investimentos produtivos: “Requere-se uma
organização bancária comprometida com o desenvolvi-
mento regional, com a poupança local e seu reinvestimento
nas mesmas regiões2”.
Se a captação bancária das remessas ainda é incipiente,
quem recebe, então, esses enormes volumes de dinheiro?
A SEDESOL acredita que, conforme a Pesquisa Nacional
Domiciliar de Rendas e Gastos, as remessas só alimentam
5% dos 24.6 milhões de domicílios no México e que só três
de cada dez dólares são dirigidos a domicílios pobres.
Segundo suas cifras, 20% da população vive em extrema
pobreza, mas só 6% dela recebe remessas. De acordo com
essa interpretação, a redução da pobreza que pode ser ob-
servada no México a partir de 1998 se deve à estabilidade
macroeconômica, à expansão do orçamento social e a pro-
gramas como “Oportunidades”3 mais que ao aumento das
remessas. Outras fontes como o Pew Hispanic Center em
Washington, um dos centros mais prestigiosos de pesquisa
sobre o fenômeno da emigração entre a América Latina e
os Estados Unidos e o Fundo Multilateral de Investimentos
do Banco Interamericano de Desenvolvimento (FOMIN)
asseguram que 18% dos domicílios mexicanos recebem
remessas e que esses recursos cumprem um papel impor-
tante na redução da pobreza e na criação de alternativas
produtivas nas comunidades mais carentes.
Em muitos Estados, as remessas superam os investi-
mentos públicos. As rendas por remessas são quatro ve-
zes maiores que o gasto federal destinado à superação da
pobreza de algumas entidades federativas4. Existem, sem
qualquer dúvida, disparidades entre as diferentes regiões
do México. Nos Estados de Michoacán, Guanajuato e Za-
catecas, por exemplo, as remessas representam entre 10
e 15% de suas respectivas economias5, enquanto que nos
Estados como Colima, Quintana Roo, Eucatán e Campeche
o impacto das remessas é marginal e apenas relevante para
as famílias que as recebem. A participação das zonas ur-
banas no recebimento das remessas já chega quase a um
terço, com uma tendência a crescer.
A maior parte dos estudos sobre o assunto e das insti-
tuições envolvidas no fluxo das remessas coincidem em
que pelo menos 80% das quantias recebidas se destina ao
consumo e que só uma parte marginal se dirige a projetos
produtivos ou a alguma iniciativa empresarial6. Muitos
autores tacitamente lamentam a baixa canalização das
remessas a projetos produtivos, mas se esquecem que em
última instância os envios de dinheiro não são mais que
salários legitimamente recebidos no exterior e transferidos
para gastos familiares de alimentação, saúde, educação,
roupa e habitação no México. Não existe argumento algum
para que se possa afirmar que os migrantes e seus fami-
liares devem investir uma parte maior do seu dinheiro em
projetos produtivos do que o resto da população.
O aumento do consumo familiar através das remessas
indubitavelmente se reflete numa maior demanda de pro-
2 I. Cruz Hernández, Diretora do AMUCSS, em: “El Financeiro”, 19 de julho de 2005, p.29.3 O “Programa de Desenvolvimento Humano Oportunidades” combina subsídios à renda familiar dos domicílios mais pobres com a super-visão da assistência escolar das crianças e a obrigação de visitas médicas periódicas; ver página http://www.sedesol.gob.mx.4 Somando o gasto realizado no Programa de Desenvolvimento Humano Oportunidades, o Programa Compensatório para a Educação e o Programa de Emprego Temporário.5 Porcentagem das remessas com referência ao Produto Interno Bruto (PIB) de cada um dos Estados.6 Entre 3% e 10% conforme autor e metodologia de registro.
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O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México
dutos e serviços, mas não necessariamente beneficia os
mercados e produtores locais. Em muitas ocasiões favore-
ce importadores ou empresas, distribuidores e oferentes de
serviços que operam a grandes escalas no âmbito nacional
e que vendem seus produtos e serviços na comunidade. A
“transmissão” das remessas em impulsores do desenvol-
vimento local depende da capacidade dos atores locais de
gerar um fluxo líquido de recursos para a comunidade, ou
seja, de criar condições atrativas de investimento, de me-
lhorar a infra-estrutura local, de dispor de mão-de-obra
qualificada e especializada e do aproveitamento dos recur-
sos locais para a produção e o comércio. Também depende
da superação de problemas com relação ao investimento
produtivo das remessas7:
• Fragmentação dos recursos disponíveis por iniciativas
individuais;
• Atitude de desconfiança nos esquemas associativos
• Visão limitada das oportunidades de investimento no
âmbito local;
• Insuficiente capacidade e liderança para realizar proje-
tos de investimento produtivo (capacidades empresa-
riais e de gestão);
• Escassa rentabilidade dos projetos concebidos a curto
prazo;
• Limitado acesso a serviços de assessoramento, apoio
técnico e financiamento
• Planejamento produtivo sem planejamento da comer-
cialização.
Neste contexto, surgiram alguns programas e iniciativas
institucionais interessantes que podem contribuir para
superar essas limitações e servir para outros países como
referência para a canalização de remessas para o desenvol-
vimento econômico, social e cultural das comunidades de
origem dos emigrantes.
Políticas públicas e ofertas institucionais para
o uso produtivo das remessas e o impulso do
desenvolvimento local
O programa “Três por um (3x1)” da Secretaria de De-
senvolvimento Social obriga por decreto que o Governo
Federal, Estadual e Municipal complemente cada dólar
de remessa coletiva enviada pelos clubes e associações
de mexicanos no Exterior com outros três dólares para
financiar obras de infra-estrutura social nas comunidades
de origem. Para 2005, este programa conta com um orça-
mento federal de 15 milhões de dólares, para apoiar, junta-
mente com os recursos estatais, municipais e dos emigran-
tes, 600 projetos de investimento, em sua maioria obras
públicas comunitárias (construção de pontes, poços para
irrigação, plantas de tratamento de água, estradas, ilumi-
nação, sistema de esgoto, praças, remodelação de prédios,
centros de saúde e educação, etc.), por uma quantia total
de aproximadamente 60 milhões de dólares8.
Este programa teve grande sucesso entre as comunida-
des de mexicanos no exterior porque permite a participa-
ção dos emigrantes na definição dos projetos e oferece uma
modalidade de contribuição ao desenvolvimento local no
México, a tal ponto que em alguns casos o dinheiro contri-
buído pelos clubes e associações de emigrantes supera a
capacidade orçamentária das três entidades do Governo no
âmbito federal, estadual e municipal. Não obstante, o efeito
do programa tem sido positivo em três sentidos: fortalece
a coesão dos próprios clubes e associações no exterior, ar-
ticula a organização social e a liderança nas comunidades
de origem e favorece a cooperação entre os conterrâneos
em ambos os lados da fronteira.
Um dos principais desafios do programa reside numa
maior orientação das remessas coletivas não só a obras
públicas, que em última instância são responsabilidade ex-
clusiva da administração pública, mas também a projetos
produtivos locais que geram empregos estáveis e rendas
adicionais nas comunidades. O programa pode ser utili-
zado para impulsionar novos esquemas de financiamento
binacionais que permitem que os clubes e associações de
emigrantes se tornem autênticos promotores do desenvol-
vimento local a médio e longo prazo, por exemplo ultrapas-
sando o horizonte de projetos meramente individuais, me-
diante formas associativas de produção, o impulso a redes
empresariais, o financiamento de infra-estrutura comercial
e a criação de cadeias produtivas9.
O Banco de Desenvolvimento “Nacional Financeira”
7 Baseado em R. Delgado Wise e H. Rodríguez Ramírez, El migrante colectivo frente a los desafíos del desarrollo local en México, em: “Seminário Internacional sobre a Transferência e Uso das Remessas” (Memória), Cidade de Zacatecas, 3-5 de outubro de 2001.8 http://www.sedesol.gob.mx/transparencia/transparencia_iniciativa_3x1.htm.9 R. Delgado Wise e H. Rodríguez Ramírez, op. cit., p. 141.
8 número 2, 2005 - @local.glob
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O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México
(NAFIN) está instrumentando desde 2001, juntamente com
o BID/FOMIN, o programa “Invista no México” cujo
principal mecanismo de promoção consiste na identifica-
ção de oportunidades produtivas nas regiões de expulsão
de mão-de-obra e a promoção dessas oportunidades entre
a comunidade empresarial dos emigrantes mexicanos nos
Estados Unidos, através do pagamento de estudos de pré-
viabilidade e a concessão de créditos para o investimento.
Até hoje, estão sendo financiados cerca de 51 projetos pro-
dutivos em três Estados (Hidalgo, Jalisco e Zacatecas) por
uma quantia de 18 milhões de dólares10.
Ainda é prematuro estimar o potencial desses projetos
nas comunidades. Não é fácil convencer os empresários
mexicanos no exterior a investirem nas suas comunidades
de origem, devido à falta de confiança nas contrapartes (co-
investidores) no México e à infra-estrutura comercial local
deficitária (estradas, lojas, elevados custos de transporte e
empacotamento, etc.). O programa provavelmente levará a
um maior investimento nas capitais e sedes de municipais
das regiões de migração, sem necessariamente influir no
desenvolvimento local das comunidades mais marginadas.
Uma limitação do programa consiste no seu enfoque em
investimento de caráter individual entre sócios, sem levar a
esquemas associativos de produção e comercialização que
pudessem superar as deficiências estruturais da produção
a pequena escala.
O setor financeiro, por sua vez, rapidamente reconhe-
ceu o enorme potencial das remessas como fonte de negó-
cio bancário e propulsor do desenvolvimento. Diversas ins-
tituições, como o Banco Nacional de Serviços Financeiros
(BANSEFI), bancos comerciais, uniões de crédito e socie-
dades financeiras de responsabilidade limitada (SOFOLES)
ampliaram sua gama de serviços financeiros e oferecem
novos esquemas de poupança e empréstimo aos emigran-
tes, assim como a utilização de remessas para financiar
gastos de saúde e sistemas de previdência, crédito hipo-
tecário para a compra de casa, para o consumo de bens
duráveis e para projetos produtivos, etc. A maioria desses
serviços ainda está desvinculada de assessorias técnicas,
comerciais e produtivas para o desenvolvimento local, mas
representam um primeiro passo em direção a um sistema
financeiro mais adaptado às necessidades específicas dos
emigrantes, suas famílias e comunidades.
Uma proposta da OIT para um maior impacto das
remessas no desenvolvimento local
No curto prazo, as condições de vida nas comunidades de
alta expulsão de emigrantes e a diferença salarial entre o
México e os Estados Unidos provavelmente não mudarão
os padrões da emigração. O Pew Hispanic Center projeta
que, incluindo os filhos dos migrantes, para o ano de 2050
um em cada três mexicanos viverá fora do seu território,
principalmente na União Americana11. O fluxo das remes-
sas provavelmente não aumentará ao mesmo ritmo, mas
para muitos povoados no México continuará a constituir
a principal fonte de rendas. Estima-se, além disso, que o
poder de compra dos hispânicos nos Estados Unidos cres-
cerá para mais de 950 bilhões de dólares no ano de 2010,
transformando o mercado hispânico na quinta economia
do mundo12. Assim sendo, é chegado o momento de con-
siderar os emigrantes não só como geradores de remes-
sas, mas também como aliados estratégicos que podem
impulsionar o desenvolvimento local enquanto também se
tornam distribuidores e consumidores de bens e serviços
produzidos nas suas comunidades de origem.
Neste quadro, o Escritório da Organização Internacional
do Trabalho no México, juntamente com o Departamento
de Migrações Internacionais (MIGRANT) e a Unidade de
Financiamento Social da OIT em Genebra, desenvolveram
uma proposta para impulsionar o desenvolvimento econô-
mico, social e cultural no México através de um esquema
inovador que conjuga os esforços e recursos da população
local com os conhecimentos dos emigrantes a respeito dos
mercados nos Estados Unidos13. A proposta se baseia na
identificação de oportunidades de negócios nas comuni-
dades de origem, aproveitando a disponibilidade local de
recursos e destrezas. Envolve, assim, os clubes e associa-
ções de emigrantes dessas comunidades na definição dos
projetos binacionais e na instalação de observatórios dos
10 http://www.nafin.com/portalnf/?action=content§ionID=5&catID=349&subcatID=350.11 http://pewhispanic.org/files/reports/22.pdf .Veja também as projeções do Conselho Nacional da População: http://www.conapo.gob.mx/mig_int/03.htm.12 M. Tron Campos, Presidente da Câmara Nacional de Comércio (CANACO) da Cidade de México, em: “Entrevista com El Financeiro”, 15de junho de 2005, p.10.13 M. López Espinosa, Remesas de mexicanos en el exterior y su vinculación con el desarrollo económico, social y cultural de sus comunidades de origen, International Migration Papers No. 59, OIT Genebra 2002.
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mercados hispânicos, entre outros.
Essa proposta, além disso, propõe a constituição de
um fundo alimentado por contribuições voluntárias dos
produtores e microempresários locais, remessas coletivas
dos emigrantes e recursos públicos de programas para o
desenvolvimento, em forma de fundos iniciais ou investi-
mentos temporários. Esse fundo é utilizado, por um lado,
para constituir uma empresa de serviços e para financiar a
prestação de assistência técnica que respalda a instrumen-
tação dos projetos produtivos (desenho e desenvolvimento
de produtos, assessoramento comercial, apoio tecnológico,
serviços de informação, etc.), inicialmente através de uma
pequena equipe multidisciplinar de especialistas nessas
questões. Por outro lado, constitui um fundo de poupança
que pode servir como garantia e veículo de pagamento
para respaldar a concessão de crédito por parte da ban-
ca comercial. Neste esquema, o papel das organizações
dos emigrantes não só consiste em enviar remessas, mas
também em participar como interlocutores e sócios comer-
ciais, observadores do mercado e assessores dos projetos
conjuntos.
Numa primeira etapa a proposta foi apresentada a umas
20 instituições do setor público e privado no México; de-
pois, a representantes das mesmas instituições em quatro
Estados escolhidos (Jalisco, Michoacán, Puebla e Zacate-
cas) e, finalmente, através do Instituto para os Mexicanos
no Exterior (IME) da Secretaria de Relações Exteriores
(SRE), a um grupo de representantes das mais importan-
tes confederações de emigrantes mexicanos nos Estados
Unidos. A proposta tem causado muito interesse entre as
comunidades dos emigrantes e depois de ter vencido algu-
mas resistências institucionais e limitações de cooperação
no âmbito local, iniciou-se a implementação dos primeiros
projetos pilotos binacionais com esta metodologia nas co-
munidades de San Lorenzo e San Juan Nuevo, no Estado
de Michoacán, respaldado, entre outros, pelo Instituto Mi-
choacano da Mulher, o Escritório de Coordenação-Geral
para o Cuidado ao Emigrante Michoacano do Governo Es-
tadual e clubes e associações de michoacanos nos Estados
Unidos.
Instituições que trabalham sobre o tema
Associação Mexicana de Uniões de Crédito do Setor Social: http://www.amucss.net
Banco Nacional de Serviços Financeiros: http://www.bansefi.gob.mx
Comissão Econômica para América Latina: http://www.eclac.cl/mexico
Colégio da Fronteira Norte: http://www.colef.mx
Fundo Multilateral de Investimentos (BID): http://www.iadb.org/mif/v2/spanish
Fundação Mexicana para o Desenvolvimento Rural: http://www.fmdr.org.mx
Fundação Solidariedade Mexicana-Americana A.C: http://www.fsma.org.mx
Nacional Financeira: http://www.nafin.gob.mx
OIT/MIGRANT: http://www.ilo.org/public/spanish/protection/migrant/index.htm
Pew Hispanic Center: http://www.pewhispanic.org
Rede Internacional de Migração e Desenvolvimento: http://www.migracionedesenvolvimento.org
Secretaria de Desenvolvimento Social: http://www.sedesol.gob.mx
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O financiamento do desenvolvimento local - A importância das remessas no México
[email protected] - número 2, 2005
@ local.glob oferece ao mundo local um espaço para que os seus protagonistas chave apresentem as experiências
mais bem sucedidas de desenvolvimento realizadas nos seus territórios. Conforme a definição de melhores prá-
ticas para o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida adotada pelas Nações Unidas1, são considera-
das “experiências de sucesso” e “boas práticas de desenvolvimento local”, todas aquelas iniciativas que contribuem para
melhorar as condições de vida dos habitantes de um determinado território e que apóiam os processos de desenvolvimen-
to local e descentralização, fortalecendo a capacidade e o reconhecimento dos atores locais e das suas comunidades.
Se estiverem interessados em publicar uma boa prática de desenvolvimento local nesta seção da revista, podem des-
carregar o modelo de documentação disponível na página web do Delnet ou entrar em contato com a equipe de redação:
Introdução
As boas práticas de desenvolvimento local levadas a cabo atualmente nos cinco continentes se centram, com freqüência,
na criação de infra-estruturas básicas para a comunidade, sejam as tradicionais (abastecimento de água e eletricidade;
coleta e tratamento de resíduos; transportes) ou as mais inovadoras (energias alternativas; serviços ligados às mesmas;
tecnologias). Essa tarefa geralmente vem acompanhada de vários ingredientes que determinam a qualidade dessas práti-
cas: participação cidadã e papel central da sociedade civil; descentralização e busca de mecanismos novos de colabora-
ção inter-institucional entre Estado e esfera local; fórmulas criativas de financiamento; e ação complementar no âmbito
dos serviços sociais.
As três experiências recolhidas aqui têm os itens anteriores como pano de fundo, embora essa homogeneidade não
deixe de lado as particularidades setoriais e idiossincráticas de cada caso e uma localização territorial díspar, que vai
desde a América Latina (Argentina e Bolívia) até à África (Uganda). Elas são provas contundentes de que a capacidade
de transformação da realidade social, econômica e cultural do território e da coletividade que o habita é o que, além das
diferenças temáticas e geográficas, conforma o eixo central das práticas de sucesso do desenvolvimento local que se acu-
mulam à escala planetária. Com base nessa capacidade de transformação, cada experiência concreta elabora e executa
sua própria estratégia de desenvolvimento.
Sobre esses pilares, e para aprofundar o exame da tríade de casos aqui apresentados, convém recordar que a força dos
acontecimentos foi deixando para trás as idéias de um “crescimento ilimitado” (ancorado na expansão indefinida das
forças produtivas e na inesgotabilidade dos recursos naturais), assim como de um “crescimento onipotente” (capaz de
resolver por si só os problemas de emprego, equilíbrio territorial, repartição da riqueza). Diante disso, o desenvolvimento
local aspira a desenhar e executar um “desenvolvimento integral”.
Isso significa um processo a longo prazo de objetivos múltiplos, como mostram os casos de Argentina, Bolívia e Uganda
que serão estudados a seguir.
O financiamento do desenvolvimento local na América Latina e África:três experiências de sucesso
1 Fonte: Programa de Melhores Práticas e Liderança Local de UN-HABITAT.
Boas práticas de desenvolvimento local - Introdução
12 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Modelo de gestão social para programas de infra-estrutura urbana
A construção de uma rede de gás natural na Argentina
INFORMAÇÕES CHAVE DA EXPERIÊNCIA
Localização
geográfica:
O projeto é desenvolvido nos bairros: Namuncurá, Anderson, Don Máximo, Leandro N. Alem e
José C. Paz – Região de Cuartel V, Município de Moreno, Grande Buenos Aires
Província de Buenos Aires, Argentina
Localização
temporal:
Início das atividades: Junho de 2000
Finalização prevista das atividades: Dezembro de 2013
Setor / âmbito de
atividades:
• Financiamento do Desenvolvimento Local
• Infra-estruturas
• Participação Cidadã e da Sociedade Civil
• Serviços Sociais e Saúde
Organização
executora
Comunidade Organizada, uma convergência interinstitucional de entidades locais
que reúne 45 organizações de diferentes bairros (educativas, de fomento do bairro,
mutuais, educativas, religiosas, etc.).
Organizações
patrocinadoras e/ou
colaboradoras:
Fundação Pro Vivienda Social (gestão técnica e financeira)
Entidade sem fins lucrativos surgida em 1992 por iniciativa de um grupo de dirigentes
empresariais comprometidos com valores de solidariedade e responsabilidade social.
Mutual “El Colmenar” (legitimidade territorial)
Associação da Província de Buenos Aires, criada em 1990. Sua atividade principal é a prestação
de serviços aos seus 80.000 sócios, principalmente o de transporte, unindo a mais de 40 bairros
entre si, e a estes com o centro urbano do município e a estação de trem mais próxima.
FONCAP (recursos econômicos)
Sociedade anônima cuja finalidade é a administração de fundos fiduciários. Administra o
Fundo de Capital Social, constituído em 1997 com contribuições do Estado Nacional.
Organizações da sociedade civil (legitimidade territorial e promoção)
79 organizações da sociedade civil existentes na área e 45 organizações membros da
Comunidade Organizada.
Responsáveis
e pessoas para
contato:
Fundação Pro Vivienda Social
Raúl Zavalía [email protected]
TEL: 155-029-6834
Comunidade Organizada
Silvia Ebis [email protected]
TEL: 155-029-6517
Fontes de informação sobre a experiência:• Fundação Pro Vivienda Social: http://www.fpvs.org/programas/iu/index.php • M.E. Longo, P. Forni, Origen de la red Comunidad Organizada, incluído na publicação: Argentina ¿Que perspectivas
económicas, políticas y sociales para la democracia después de diciembre del 2001? UNESCO, 2005
Boas práticas de desenvolvimento local - Argentina
12 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
SITUAÇÃO INICIAL, GRUPO META E FORMULAÇÃO
DE PRIORIDADES
Cuartel V é uma região do município de Moreno, localiza-
do no segundo círculo periférico da Grande Buenos Aires.
Nesta periferia urbana da Argentina, a população e os domi-
cílios que vivem abaixo da linha de indigência e de pobreza
duplicaram após a crise do ano 2002. A causa principal
dessa situação é, sem dúvida, por um lado, o desemprego,
que chega a níveis muito altos, e, por outro, o desafio que a
Argentina ainda enfrenta no que se refere ao acesso univer-
sal aos serviços básicos1.
A periferia noroeste do município de Moreno padece das
O financiamento
das obras
(Rede Externa
e Instalações
Internas
Domiciliares):
Financiamento de terceiros
62% através de um empréstimo inicial do FONCAP de 3.000.000 de pesos argentinos para
5 anos de prazo com uma taxa de referência de 12% anual.
14,5% através de um empréstimo em dólares sem juros, concedido pelo FPVS ao Fideico-
misso Redes Solidárias. Estes recursos foram obtidos com um prêmio de 250.000 dólares dos
Estados Unidos (equivalente a pouco mais de 700.000 pesos argentinos, conforme as datas de
realização dos desembolsos) atribuído pelo Banco Mundial à FPVS no concurso Development
Marketplace do ano 2002.
9,5 % através de um subsídio da Província de Buenos Aires, Ministério de Infra-estrutura,
Moradia e Serviços Públicos pela quantia de 462.000 pesos (equivalente a 15% do custo das
obras). Este subsídio foi gerado no âmbito da lei 8.474 que estabelece o destino do imposto de
9% - que todos os usuários de gás natural pagam na Província de Buenos Aires – e que deve ser
utilizado para financiar a construção de novas redes de gás.
13.6 % através da compensação estabelecida no quadro regulador das privatizações de redes
de distribuição de gás natural pela cessão das redes construídas pelo Fideicomisso pela
quantia de 660.000 pesos; a empresa concessionária da zona é Gás Natural BAN S.A. que já
desembolsou 400.000 pesos.
Financiamento próprio e quitação de compromissos financeiros
Em setembro de 2005, o projeto gerou fundos próprios de 850.000 pesos através das contribui-
ções dos moradores constituídos como fideicomitentes e beneficiários do fideicomisso. Esses
fundos são utilizados para completar a execução das obras e para quitar juros com a FONCAP
SA por uma quantia de 310.840 pesos.
Total do Volume Econômico
O valor do custo das obras e dos juros e os gastos de gestão do Fideicomisso até a finalização do
mesmo, em princípio no ano 2013, está estimado em aproximadamente 11.000.000 pesos. Supõe-
se que o total das contribuições geradas pelos moradores fideicomitentes chegará a 13.200.000
pesos. A diferença, 2.200.000 pesos ficará como capital para o conjunto dos moradores da
zona para a realização de novas obras que melhorem a qualidade de vida dos seus habitantes.
A quantia do investimento direto nas obras superará os seis milhões de pesos, com uma
receita total prevista por contribuições dos fideicomitentes de 13.2 milhões de pesos ao lon-
go do período (2003-2013).
1 30% da população urbana carecem de serviços de esgotos e de gás natural, enquanto que 15% da população metropolitana carece do serviço de água potável (Banco Mundial, Documento de Trabalho 5/03).
∗ Taxa de câmbio definida pelas Nações Unidas para o mês de novembro de 2005: dólar dos Estados Unidos em pesos argentinos = 2,97
Boas práticas de desenvolvimento local - Argentina
14 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
mesmas deficiências de infra-estrutura que qualquer outra
área de urbanização recente na Grande Buenos Aires (gás,
esgotos, linhas telefônicas, ruas, linhas de trem, etc.). Os al-
tos custos de acesso e conversão domiciliar que esses servi-
ços implicam representam uma barreira econômica impor-
tante para os domicílios pobres sem acesso ao crédito.
Através de atividades regulares de consulta e diálogo com
os moradores e suas organizações em termos de moradia
e hábitat, a Fundação Pro Vivienda Social (FPVS), detectou
em 2000 2, a necessidade e o interesse dos habitantes de
Cuartel V, de aproveitar um instrumento de crédito solidário
para o desenvolvimento da infra-estrutura urbana.
Particularmente em cinco bairros da área 3, reconheceu-
se como prioritário o acesso às redes de gás natural, que
contam com o atrativo de que as obras podem ser financia-
das pela poupança derivada da substituição de fontes ener-
géticas. A Argentina é um país produtor de gás natural, o
combustível mais econômico segundo uma relação preço/
calorias. Não obstante, as famílias pobres têm dificuldades
de acesso às redes de distribuição e utilizam um substituto
amplamente disponível: o GLP (Gás Liquefeito de Petróleo)
que além de ser mais caro para o consumo, é contaminador,
com um impacto negativo na qualidade de vida.
FORMULAÇÃO DE OBJETIVOS E ESTRATÉGIA
A FPVS começou a elaborar, a princípio do ano de 2001, um
projeto para a extensão da rede de gás natural, em associa-
ção com a Mutual El Colmenar 4 e em assessoria constante
com as associações comunitárias da área.
Cabe mencionar que o território de Cuartel V apresenta
um tecido organizativo bastante articulado, cujos antece-
dentes partem de meados dos anos oitenta, e está carac-
terizado por um número relevante de organizações comu-
nitárias de base, ONGs, associações bairristas e fundações
fortemente inter-relacionadas.
Durante a etapa de pré-viabilidade do projeto, a FPVS e
El Colmenar convocaram todas as organizações existentes
nos cinco bairros que, ao longo de vários encontros, cons-
tituíram a rede Comunidade Organizada, uma aliança de 45
organizações de bairro (educativas, religiosas, de fomento
bairrista, consórcios, etc.).
O Modelo de Gestão Social proposto pela FPVS está ba-
seado no papel central dos beneficiários que, à medida que
se envolvem, sustentam os aspectos técnicos, operativos e
legais do projeto controlando eles mesmos o processo de
promoção e execução de cada atividade prevista.
Estabeleceram-se alianças estratégicas entre diferentes
entidades públicas e privadas e fomentou-se a participação
das famílias, com garantia coletiva para o financiamento e
pagamento da obra. Este modelo de gestão associada defi-
niu o método de financiamento e gestão, o custo previsto
e estipulado, a modalidade de contratação das empresas,
a informação a ser fornecida pelos moradores, os modos
e termos de incorporação dos moradores aos arranjos em
torno à obra, a estrutura jurídica do programa, a seqüência
de construção da obra, etc.
MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS
Além da FPVS e das organizações comunitárias, participa-
ram na obra:
O secretariado de Comunidade Organizada juntamente com a Equipe de Promotores do projeto
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2 No âmbito de uma pesquisa qualitativa sobre o Programa de Melhoramento Habitacional.3 O programa foi posto em andamento nos bairros de Namuncurá, Anderson, Don Máximo, Leandro N. Alem e José C. Paz. Cuartel V, Mu-nicípio de Moreno. 4 Uma “mutual”, na Argentina, é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo legal é prover serviços e produtos aos seus membros, de modo que todos os que utilizaram o serviço são considerados sócios e proprietários do mesmo. El Colmenar, criada em 1990, presta serviços comunitários aos seus 80.000 sócios, principalmente o de transporte de passageiros (12.000 pessoas em 40 bairros).
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• A empresa Gás Natural BAN, distribuidora de gás, que
se comprometeu a realizar uma contribuição para o
pagamento parcial das obras a serem realizadas na
finalização da construção da rede externa;
• O governo da Província de Buenos Aires declarou isen-
to de impostos o consumo de gás durante o período de
pagamento das instalações;
• O FONCAP, organismo do Ministério de Desenvolvi-
mento Social da Nação, contribuiu com 65% do finan-
ciamento para a realização do fideicomisso;
• O Município de Moreno declarou o programa de inte-
resse municipal;
• O Banco Mundial atribuiu à FPVS um prêmio ao pro-
grama, cuja quantia foi incorporada nos recursos para
a execução da obra (35% do custo total).
A metodologia de financiamento aplicada utiliza dois
instrumentos: o fideicomisso 5 com fundo de garantia (rede
externa) e o micro-crédito individual (redes internas).
• A estrutura do fideicomisso é a seguinte:
° Os moradores são os beneficiários do fideicomisso.
° Os “fideicomitentes originários”, propostos pelas
organizações sociais participantes, designam uma
Comissão de Controle de Prestações de Contas e têm
o direito a solicitar informação sobre o programa e
obrigação de a comunicar aos aderentes 6.
° Os moradores que se incorporam ao programa se
tornam “fideicomitentes aderentes” e comprometem-
se ao pagamento da obra através de um mecanismo
de pro-rata dos custos, adquirindo o direito à utili-
zação da rede de gás natural desde que cumpram
com o convênio assinado. O fundo de seguro cobre
eventuais inadimplências na devolução do crédito 7.
° A FPVS, enquanto “administradora fiduciária”, brinda
assistência organizativa e administrativa ao empre-
endimento, recebe a propriedade fiduciária do fidei-
comitente e está obrigada a exercê-la e transmiti-la
ao fideicomissário ao término da obra.
° O fideicomissário é a empresa Gás Natural Ban S.A.
como futura receptora das obras de extensão da rede
externa de gás natural.
° Foi constituída uma “comissão assessora”, integrada
pelo FONCAP, a FPVS e a Comunidade Organizada.
• Os micro-créditos individuais são concedidos às fa-
mílias com responsabilidade partilhada, com prazos e
valores das mensalidades definidos conforme as possi-
bilidades de pagamento identificadas em cada família
e de estimativas de poupança a partir da substituição
dos combustíveis e em resposta às demandas dos mo-
radores, que tem a opção de pagar no prazo de um a
cinco anos 8.
VARIÁVEIS DO PROCESSO: METODOLOGIA
ADOTADA E PROBLEMAS ENCONTRADOS
O modelo aplicado para a execução deste projeto implica
um procedimento participativo, o desenvolvimento de uma
rede de relações sociais e uma organização que se suste-
nha no período de elaboração, construção e recuperação
dos custos.
Desde a constituição da Comunidade Organizada até o
desenho das obras, foram sendo convocadas reuniões entre
a Mesa de Gestão do programa e os moradores. A partici-
pação ativa dos moradores em cada evento de desenvolvi-
mento do programa fez com que se estabelecessem víncu-
los de confiança, se mantivesse o foco no desenvolvimento
das obras, se comprometesse com o pagamento regular das
contribuições e assegurasse uma maior porcentagem de
adesões.
Um exemplo do procedimento participativo foi a tomada
de uma decisão crítica sobre o andamento do programa: a
mesa discutiu o desenho da rede de gás de modo tal que,
concluída a rede central externa, todos os moradores fica-
ram a menos de 150 metros das tubulações, permitindo que
a segunda etapa fosse realizada nos setores onde se vai
conseguindo um maior nível de adesão. Esta relação sinér-
5 O fideicomisso é uma figura jurídica que permite a administração de recursos dirigindo-os a um objetivo determinado, impedindo a sua utilização para outro fim ou seu embargo por terceiros. Além disso, assegura aos credores o destino dos fundos. 6 Os fideicomitentes originais que assinaram o contrato de constituição eram 79 pessoas. Em junho de 2005, mais de dois mil e quinhentos moradores já haviam aderido ao fideicomisso. 7 Se o nível de cumprimento for alto, seus excedentes ficam disponíveis para outros empreendimentos.8 O morador começa a pagar a obra quando a rede externa chegar à sua casa e quando a rede interna tiver sido concluída. A estimativa do custo para cada morador é de 844 pesos argentinos, com mensalidades que variam entre 26,73 e 95,65 pesos com juros incluídos confor-me o prazo estipulado. A rede interna pode ser financiada através do fideicomisso ou em forma direta pelo morador, que deve devolver os empréstimos em cinco anos ao FONCAP e em sete à FPVS.
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gica entre o desenvolvimento da obra e o nível de participa-
ção é produto da certeza estabelecida entre os moradores
de que a obra depende da participação plena que, por sua
vez, estimula um maior envolvimento e participação dos
outros moradores de forma a alcançar o nível de adesão
básico, viabilizando ainda mais a obra.
A partir da constituição da Comunidade Organizada, o Se-
cretariado tem como tarefa a promoção do programa, sendo
apoiado por promotores elegidos entre postulantes sugeridos
pelas organizações integrantes da rede. A incorporação de
novos usuários é realizada através da promoção dos próprios
moradores, o que permite economizar gastos comerciais de-
mandados pelo andamento da construção da rede de gás:
os membros da comunidade são os que informam os mora-
dores, recebem a proposta de interesse e se encarregam de
incorporá-las ao programa. A contratação de mão-de-obra
local para a promoção e para a execução da obra (mais de
80% dos postos de trabalho) reforça o sentimento de que o
programa é feito pelos moradores e para os moradores.
Os diferentes ritmos de construção da obra e de par-
ticipação provocaram alguns problemas que levaram à
revisão do sistema de promoção. Criou-se, assim, o papel
do “morador organizador”, cuja função reside em informar
acerca dos programas, completar planilhas, encaminhar
documentação, convocar e organizar, junto ao Secretaria-
do, reuniões no seu quarteirão e visitas aos vizinhos, com o
intuito de ajudar no processo de decisão.
A obra de construção da rede externa foi executada atra-
vés de fornecimento de mão-de-obra e equipes por contra-
tos de empreitada global. Como administrador fiduciário,
a FPVS está à cargo da licitação e compra de materiais,
recepção dos mesmos em seus depósitos, a verificação de
normas de fabricação e sua adequação àquelas vigentes,
o cuidado e a organização dos envios à obra em tempo e
forma, e o controle da sua utilização correta. No referente
às obras das instalações internas, optou-se por realizá-las
através da Administração, de modo que o fideicomisso as-
suma a provisão de equipes, materiais e se encarregue da
contratação de pessoal.
RESULTADOS ALCANÇADOS
O projeto conta com múltiplos benefícios:
• Acesso de 100% da população de baixa renda à rede de
serviços públicos;
• Financiamento através da garantia solidária, sendo
desnecessários os requisitos solicitados pelos financia-
dores formais;
• Seleção da alternativa de financiamento por parte dos
beneficiários, através de um procedimento transparen-
te e desenhado à medida para cada família;
• Redução de 48% dos gastos em combustíveis alternati-
vos mais caros, com um fornecimento de maior quali-
dade (segurança, limpeza, acessibilidade), possibilida-
de de pagamento diferido, medição e pagamento exato
do consumo e um aumento no valor da habitação.
Em julho de 2005 haviam sido tendidos 68.000 metros de
redes de gás com três bocas gerais de alimentação, 2.300
instalações domiciliares e 1.300 redes internas 9. O total
do investimento supera os seis milhões de pesos, com
uma receita total de contribuições dos fideicomitentes esti-
mada em 13,2 milhões de pesos ao longo do período 10.
A recuperação do investimento permitirá satisfazer as
obrigações oriundas da constituição do fideicomisso, sal-
dar os gastos de administração do fundo e do projeto e
cobrir os custos da obra de extensão da rede de gás e das
instalações internas.
9 Essas porcentagens conformam 56 e 32% das metas estipuladas.10 Este projeto tem como objetivo abranger 202 quarteirões com uns 4.089 lotes de frente, com instalações internas (instalações domicilia-res) para 2.600 famílias, 10 estabelecimentos educativos, um posto de saúde, 10 organizações comunitárias e 20 comércios e atividades que utilizem o gás como combustível principal.
A bandeira da Comunidade Organizada com o lema do projeto
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SUSTENTABILIDADE
A participação e responsabilidade direta, voluntária e
organizada dos próprios beneficiários – que é o princípio
motivador do modelo proposto pela FPVS – é a base sobre a
qual se sustentam todos os aspectos técnicos, operativos e
jurídicos do projeto.
Um primeiro fator chave de sustentabilidade se materia-
lizou no momento de estabelecer o ritmo e modalidades
da construção da rede externa. Como todos os moradores,
ao cabo da primeira etapa, ficaram a uns 150 metros da
tubulação externa e, como tiveram que se organizar por
quarteirão para coordenar a extensão das redes internas,
a segunda etapa da obra teve de ser mantida à par do nível
de adesão, assegurando, assim, um desenvolvimento auto-
sustentável do ritmo do programa.
Em segundo lugar, o fideicomisso deixou para os morado-
res as decisões críticas e o controle acerca do: a) custo do
programa para cada morador, o que estiver associado com
o nível de adesão e com a possibilidade de pagamento; b) os
prazos e condições de pagamento considerando as diferen-
tes capacidades de pagamento dos moradores; c) o período
de incorporação, deixando a possibilidade de que cada mo-
rador se incorpore no momento que lhe resulte mais conve-
niente, e d) o sistema de incorporação de moradores.
Finalmente, o aceite da proposta de execução do progra-
ma por parte das pessoas sustentou-se, desde o começo,
no intercâmbio previamente existente entre a comunidade,
a Fundação e a “Mutual”. Esta base de confiança gerou um
apoio sólido para envolver outras organizações comunitá-
rias no projeto.
LIÇÕES APRENDIDAS
A preparação e execução do programa da rede de gás favo-
receram a elaboração de um extenso trabalho de estudo e
análise do território e das problemáticas que afetam seus
habitantes. Esse conhecimento representa os antecedentes
de futuros programas de desenvolvimento e de melhoria da
qualidade de vida na região.
Por exemplo, a rede de gás deu origem à construção de
uma base de dados sobre os moradores, sua condição eco-
nômica e suas habitações. A partir dos dados recolhidos,
percebeu-se que uma grande proporção dos terrenos está
em condição irregular de propriedade. Conseqüentemente,
a FPVS incorporou a suas linhas de trabalho a escrituração
da propriedade dos terrenos com título irregular.
Por sua vez, a partir dessa experiência, criou-se uma co-
missão de moradores organizadores que analisou diferen-
tes problemáticas da zona e iniciou uma tarefa de capaci-
tação sobre direitos cidadãos. Além disso, foram postas em
andamento algumas iniciativas de melhoramento do bairro,
com propostas apresentadas à prefeitura para a execução
de melhorias e formulação de um plano para a construção
de calçadas e para a sinalização das ruas e numeração dos
domicílios.
TRANSFERIBILIDADE
O modelo de gestão associada desenhado pela FPVS não
possui um quadro jurídico sobre o qual basear-se, nem an-
tecedentes similares aos quais se possa remitir para definir
a organização do empreendimento ou para desenhar seu
modo de operação. Constitui, portanto, uma inovação, cujo
desenvolvimento requer sistematização para conseguir sua
replicação. O modelo de gestão converte os moradores em
gestores do programa e em defensores dos próprios interes-
ses, permitindo minimizar o custo da obra e maximizar o
acesso ao serviço.
O território onde se queira reproduzir a experiência deve
contar com:
• Um tecido associativo e organizativo bastante sólido,
juntamente com um nível de autonomia capaz de suprir
a falta de atenção do poder público;
• Valores compartilhados entre os membros da comuni-
dade e os atores locais, que se reflitam num forte com-
promisso com o desenvolvimento do território;
• A presença consolidada de organizações sociais e fun-
dações que saibam ganhar a confiança da população e
dos outros doadores nacionais e internacionais.
O projeto executado através do Fideicomisso Redes So-
lidárias é a primeira iniciativa que visa utilizar o micro-
financiamento para a construção da infra-estrutura social
com participação ampla e integral dos beneficiários em
todas suas etapas. A partir disso, e mobilizando as alianças
estabelecidas em torno a ele, a FPVS está administrando
o financiamento para a replicação da experiência, com um
objetivo estipulado de atingir 20.000 famílias.
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A convergência dos fundos de crédito municipal e de investimento social
O caso da Bolívia apresentado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento
INTRODUÇÃO: INTERESSE DE UM CASO-PAÍS
O caso da Bolívia analisado aqui é um resumo de um do-
cumento publicado em junho de 2003, por José Brakarz,
especialista sênior em Desenvolvimento Social da Divisão de
Desenvolvimento Social, Departamento de Desenvolvimento
Sustentável, do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID).
A versão integral do documento original encontra-
se disponível em formato PDF na página Web do BID:
http://www.iadb.org/sds/doc/SOC134s.pdf
Por tratar-se de um caso-país, o formato utilizado para
apresentar esta experiência de desenvolvimento local não
respeita o modelo padrão utilizado habitualmente na revista.
De qualquer forma, considerou-se oportuna a sua publica-
ção, já que constitui um exemplo importante de um país que
tem tentado firmemente aperfeiçoar o seu sistema de trans-
ferências inter-governamentais, reconhecendo o papel cada
vez mais importante dos governos locais na formulação e
implementação de programas sociais.
A introdução e expansão dos Fundos de Investimento
Social (FIS) em vários países latino-americanos gerou um
debate sobre seu papel, seja como instrumento de política
social ou como elemento do sistema de transferências in-
ter-governamentais.
Em muitos casos os FIS concentram importantes recur-
sos públicos destinados ao investimento social, o que pode
ser interpretado positivamente como uma especialização
de funções, ou de outro modo, como um conflito de respon-
sabilidades com as entidades ministeriais setoriais.
Dado o seu perfil de investimento, caracterizado por obras
de cunho local e a tendência recente da descentralização
do ciclo de projetos, os FIS se integram cada vez mais aos
sistemas de transferências inter-governamentais. Porém,
em termos gerais, as regras dessas transferências não são
universais e transparentes, seguindo mais as prioridades
dos seus financiadores do que a lógica de um sistema bem
estruturado de transferências.
Outra questão relevante para o presente estudo é o uso
de instrumentos de crédito para o financiamento de proje-
tos municipais, em contraposição com as doações típicas
da atuação dos FIS. Mesmo que os instrumentos de crédito
incentivem a prudência no investimento, o endividamento
excessivo é um problema que deve ser evitado. O desafio
é conseguir um equilíbrio entre essas alternativas, onde
o crédito e as doações operem de forma complementar e
eficiente.
O caso da Bolívia abrange todos esses elementos e se lo-
caliza no contexto de um programa de redução da pobreza
que conseguiu uma ordem institucional fundamental para
a implantação da política social e de financiamento local
baseada em incentivos adequados aos governos munici-
pais.
A DESCENTRALIZAÇÃO NA BOLÍVIA, PROBLEMAS
E DESAFIOS
O início de uma política de descentralização decisiva na
Bolívia ocorreu em 1994 quando foi aprovada a Lei de Par-
ticipação Popular, também conhecida como lei da descen-
tralização.
Os governos municipais tiveram suas incumbências
ampliadas, incluindo, além dos serviços tradicionais de
gestão urbana, a administração e a manutenção da infra-
estrutura correspondente aos serviços de saúde, educação,
cultura e deportes, as vias de acesso municipais e as mi-
cro-irrigações. Para apoiar o financiamento desses servi-
ços, foram se consolidando dois tipos de recursos para os
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municípios bolivianos: as receitas próprias (especialmente
os impostos imobiliários e de veículos) e as transferências
(20% da renda nacional).
Enquanto os impostos de arrecadação própria municipal
dependem dos esforços da administração local em termos
de transparência e autonomia na gestão fiscal, o único cri-
tério sobre o qual os municípios se baseiam para repartir os
recursos de co-participação do governo central é o tama-
nho da população. Esta fórmula e a falta de atualização dos
dados da população desde o ano de 1991 impediram uma
implantação homogênea do processo de descentralização.
A maioria dos pequenos municípios ainda têm dificulda-
des institucionais para auto-financiarem seus serviços e
dependem quase totalmente da renda da co-participação
tributária. Esta disparidade nas bases tributárias entre os
municípios (70% do total dos recursos locais é recolhido
em 10 municípios) limita os estímulos à mobilização de
recursos próprios e provoca uma situação de desequilíbrio
entre os recursos recebidos por transferência e o esforço de
arrecadação própria dos governos locais.
Existem também transferências não sistemáticas efetua-
das principalmente por doações do Fundo de Investimento
Social (FIS), do Fundo de Desenvolvimento Camponês
(FDC) e do Fundo de Desenvolvimento Regional (FNDR),
cujas atividades estão dirigidas a apoiar a luta contra a
pobreza, o desenvolvimento social e a produção, através
do co-financiamento de projetos de investimento local. Es-
tima-se que 30% do investimento municipal seja financiado
pelos fundos. A fonte principal de recursos dos fundos são
os recursos de doação e de crédito externos.
Os problemas que o sector municipal enfrentou na Bolí-
via, assim que se adentrou no processo de descentraliza-
ção, estavam relacionados com:
• A disparidade entre as funções designadas aos gover-
nos locais e os recursos colocados à sua disposição;
• As deficiências técnicas e institucionais principalmente
dos municípios recém criados de pequeno e médio por-
te;
• Os problemas de gestão fiscal e de endividamento;
• A discrepância entre as atividades realizadas pelos três
níveis de governo (nacional, prefeituras e municipali-
dades) e sua relativa capacidade tributária e fiscal;
• A alta demanda de serviços básicos e a forte concen-
tração de pobreza nas zonas urbanas;
• O desequilíbrio de formas de transferência de recursos
entre as regiões ricas (as regiões mais produtivas, caso
forem penalizadas, podem prejudicar a economia na-
cional).
Esta situação representava um problema importante
para o governo central, tanto pelas pressões políticas para
aliviar a situação financeira dos municípios, como pelas
dificuldades concretas de investimento público e de presta-
ção de serviços locais que a situação gerava. A resposta do
governo foi o estabelecimento, dentro do contexto da nova
política de financiamento local, do Programa de Arrecada-
ção Financeira, mediante o qual os principais municípios
tiveram suas dívidas re-financiadas com o apoio do gover-
no central, com condições de ajuste fiscal apresentadas no
próximo capítulo.
A NOVA POLÍTICA DE FINANCIAMENTO LOCAL NA
BOLÍVIA
O 64% da população boliviana vive em áreas urbanas,
resultado da intensa migração interna que se acelerou du-
rante as crises econômicas dos anos oitenta e noventa. As
cidades sofrem uma alta concentração de pobreza, o que
gerou uma enorme pressão sobre os municípios para que
prestassem os serviços básicos de sua responsabilidade.
Acrescenta-se a isso o problema dos municípios menores
que devem apoiar a população rural empobrecida e com
poucas alternativas de subsistência, tendo uma base insti-
tucional e tributária deficiente.
A Estratégia Boliviana de Redução da Pobreza
(EBRP) foi concebida para tentar aliviar os problemas de
pobreza extrema, atribuíndo um papel importante aos go-
vernos locais. Um dos princípios sobre os quais a EBRP se
baseia é o de aprofundar o processo de descentralização
como forma de melhorar a eficiência e fazer com que os
serviços públicos essenciais, para além de favorecer o de-
senvolvimento local, cheguem aos pobres.
Em primeiro lugar, a estratégia estipulou que os recursos
de alívio de dívida (HIPC), correspondentes a aproxima-
damente 20 milhões de dólares dos Estados Unidos (US$)
anuais, seriam transferidos diretamente aos governos mu-
nicipais, com um cronograma definido de desembolsos e
aplicação restringida a certos setores prioritários escolhi-
dos a nível nacional, através de um processo de consultas
sociais denominado “Diálogo Nacional”: saúde; educação;
saneamento básico; infra-estrutura para a produção; es-
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tradas rurais; eletrificação rural; meio-ambiente e recursos
naturais e fortalecimento institucional.
A partir da Lei do Diálogo Nacional surgiu uma Po-
lítica Nacional de Compensação que estabeleceu uma
série de medidas sobre o ordenamento e a distribuição de
transferências fiscais aos municípios. O princípio do orde-
namento das transferências reside em dirigir todas elas,
quer as do governo quer as da cooperação internacional
em direção aos oito setores priorizados no diálogo nacio-
nal.
Deste modo, os recursos transferidos aos municípios
podem chegar por meio de três fontes: a) a co-participa-
Os fundos de investimento social e de desenvolvimento municipal na Bolívia
O Fundo de Investimento Social (FIS)
O FPS surgiu da evolução do primeiro FIS latino-americano, o Fundo Especial de Emergência (FES). O FES operou entre 1986 e
1989, e a sua criação deveu-se ao conceito de investimento compensatório no âmbito dos programas de ajuste fiscal (…). Seu
grande sucesso originou uma série de programas similares na América Latina e, mais tarde, na África, buscando a eficiência de
despesa social social. No período seguinte, coincidindo com um novo empréstimo do BID, o FES se transformou no Fundo de
Investimento Social (FIS). Nessa nova fase, a missão do FIS passou a ser a de tornar mais eficaz e eficiente o investimento social em
geral. Com isso, o Fundo passou a financiar projetos que normalmente eram executados pelos ministérios sociais, particularmen-
te os investimentos setoriais orientados ao alívio da pobreza nas populações urbanas pobres e da área rural. No período de 1990
a 1993 o FIS realizou investimentos chegando a uma quantia total de US$ 98 milhões (compromisso) dos quais US$ 42 milhões
foram efetivamente desembolsados. Foram 1.407 projetos, dos quais 80% na área rural. Numa terceira etapa, que foi de 1994 a
1998, o FIS orientou-se rumo ao aumento da cobertura nos serviços de saúde, educação e saneamento, atuando como um braço
construtor do governo central para a produção de equipamentos sociais. Seus investimentos nesse período chegaram a US$ 122
milhões em recursos comprometidos e US$ 94 milhões em desembolsos efetivados. Na terceira etapa (1999-2000), o FIS efetuou
mudanças importantes, principalmente em relação aos setores financiados (dando prioridade aos setores do Diálogo Nacional),
além de adotar o rumo da descentralização do ciclo de projetos. Isso significou uma transferência gradual das responsabilidades
pela execução de projetos – aquisições, contratações e supervisão de obras, etc. – aos municípios beneficiários (…).
O Fundo de Desenvolvimento Camponês (FDC)
O FDC foi criado em 1989 para atender especialmente às comunidades camponesas. Seus principais projetos são de apoio ao
desenvolvimento produtivo dessas comunidades, financiando infra-estrutura de irrigação, estradas locais e infra-estrutura de
caminhos e apoio à produção, entre outros. Nos seus 11 anos de existência (até sua incorporação ao FPS), desembolsou US$ 71
milhões para o financiamento de 1.738 projetos, abrangendo 242 municípios rurais (78% do total dos municípios bolivianos).
Com a nova política de compensação, e como forma de racionalizar as atividades dos dois fundos que operam a nível municipal,
o FDC se fusionou com o FIS, conformando o FPS.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR)
O FNDR foi criado em 1988 com a missão de fomentar o desenvolvimento regional, através do financiamento de programas e
projeto aos municípios e entidades de desenvolvimento departamental. O FNDR operava com empréstimos combinados com
transferências não reembolsáveis, dirigidos principalmente a projetos urbanos. Nas suas linhas mais tradicionais, ele trabalha
aproximadamente com os 50 municípios maiores do país. Os seus principais pontos fortes são a sua capacidade de avaliação de
projetos, administração de carteira, processos de aquisições e supervisão de consultoria. Até 2001, o FNDR administrou quatro
operações financiadas pelo BID, duas do Banco Mundial e duas do Governo do Japão. No total as suas operações de empréstimo
e subsídio totalizaram US$ 526 milhões em dezembro de 2001 e sua carteira de projetos nessa data era de US$ 195 milhões. Essa
quantia de recursos em carteira, que era assegurada integralmente pelo Tesouro da Bolívia e permitia ao FNDR se auto-sustentar
sem a necessidade de novas transferências do governo. O FNDR não enfrenta riscos de crédito por ter acesso privilegiado a ga-
rantias através da retenção automática da co-participação municipal pelo Banco Central em casos de inadimplência.
Fonte: BID
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ção tributária (de livre disponibilidade); b) os recursos do
HIPC, distribuídos pela fórmula NBI (Necessidades Básicas
Insatisfeitas), e c) os recursos da cooperação internacional,
distribuídos pela mesma fórmula e distribuídos pelo Fundo
de Investimento Produtivo e Social (FPS). Os recursos do
HIPC e do FPS são para aplicação nos setores prioritários
do Diálogo Nacional.
Ao novo FPS lhe compete administrar este sistema de
transferências, calculando e divulgando anualmente a
quantidade de recursos disponíveis para distribuição, tanto
das fontes do tesouro como da cooperação internacional.
Os recursos são designados a projetos específicos, sendo
que o FPS é o responsável pela sua análise técnica — ve-
rificando se são compatíveis com os setores prioritários,
se são viáveis e se seguem as diretrizes dos ministérios
setoriais correspondentes — e financiar a sua execução.
Desta maneira, são os municípios que definem seus
projetos prioritários para a utilização dos recursos
alocados pelo FPS1.
As medidas para a implantação efetiva dessa estratégia
incluíram: a) a fusão dos dois fundos de transferências (FIS
e FDC), que se transformam no Fundo Nacional de Inves-
timento Produtivo e Social (FPS) e b) a especialização de
funções nos mecanismos de financiamento sub-nacional
sob a coordenação do Diretório Único de Fundos, uma
entidade governamental criada pelo governo da Bolívia
para orientar as políticas, supervisar e fiscalizar o funcio-
namento dos principais fundos públicos de investimento
social e local.
O DUF define as políticas de financiamento dos fundos
e aprova suas diretrizes e planos anuais de trabalho, sem
tirar sua autonomia operativa. Ele é dirigido por um presi-
dente nomeado pelo Presidente da República e está inte-
grado por representantes dos ministérios da Presidência,
Fazenda e Desenvolvimento Sustentável e Planejamento,
três representantes dos municípios do país e três sindica-
listas sociais representantes dos comitês de vigilância e
das organizações da sociedade civil.
As solicitações de assistência financeira dos municípios
que chegam a cada um dos fundos — solicitações de fun-
dos não reembolsáveis ao FPS e de crédito ao FNDR — são
coordenadas pelo DUF. Em ambos os casos requer-se um
diagnóstico financeiro e institucional, o Plano de Ajuste
Institucional (PAI), que lhes permite identificar as necessi-
dades de fortalecimento, e estabelecer e dar seguimento às
metas de gestão para os municípios.
Os PAI são um instrumento de diagnóstico que permite
conhecer as necessidades reais dos municípios e estabele-
cer, juntamente com seus dirigentes, metas de gestão pru-
dentes e objetivos de política administrativa aos quais sua
gestão deve estar orientada. É especialmente importante o
apoio dado aos municípios no desenho de projetos de for-
talecimento institucional orientados à consecução desses
objetivos.
Um elemento importante da estratégia de financiamento
municipal foi o tratamento do endividamento de alguns
importantes municípios.
Nesse sentido, o governo criou um Programa de Reade-
quação Financeira para os municípios que haviam exce-
dido os parâmetros de endividamento existentes. Esses
planos de arrecadação financeira, assinados entre o Minis-
tério da Fazenda e cada um dos municípios participantes
do programa, determinam prazos de três a cinco anos para
atingir as metas fiscais claramente identificadas e medidas
por um conjunto de indicadores fiscais.
Além de assegurarem um comportamento fiscal res-
ponsável a longo prazo, esses planos criam um regime de
vigilância para os municípios mais endividados, e contêm o
forte incentivo de permitir a realização de novas operações
de crédito depois que os municípios tenham cumprido suas
metas correspondentes.
O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL E
RESPONSABILIDADE FISCAL
Em apoio ao esforço do governo para reformar e fortalecer
o setor municipal, o BID aprovou um empréstimo no come-
ço de 2001 para a execução de um Programa de Desen-
volvimento Local e Responsabilidade Fiscal.
1 Os recursos para os projetos financiados pelo FPS geralmente são do tipo não reembolsável, mas requerem proporções variáveis de con-trapartida municipal. A efeito de fixação das taxas de contrapartida local, os municípios se dividiram em cinco categorias, de acordo com seus níveis de NBI, dentro dos quais foram estipulados porcentagens de contrapartida por setor de investimento, conforme as necessidades acusadas pelo município. Ou seja, quanto maior necessidade de um determinado serviço, a porcentagem de transferência será maior e menor a contrapartida local.
Boas práticas de desenvolvimento local - Bolívia
22 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
O programa, cujo objetivo é “elevar a eficiência da gestão
municipal para ampliar e melhorar a qualidade dos servi-
ços prestados pelos governos locais a suas comunidades”,
consta de duas etapas por uma quantia total de US$ 87,3
milhões e sua execução por parte do governo boliviano foi
designada ao DUF.
O Programa possui três componentes:
• Financiamento de projetos de desenvolvimento
local. Com relação aos investimentos municipais (US$
40 milhões), financiam-se: a) projetos produtivos e so-
ciais, mediante transferências, nos setores prioritários
definidos no Diálogo Nacional, e b) projetos urbanos
em geral, mediante créditos do FNDR.
• Fortalecimento municipal. Este componente (US$
11 milhões) apóia: a) projetos de ajuste municipal, que
são os projetos de melhoria da gestão principalmente
fiscal dos municípios, identificados nos diagnósticos
municipais e b) cadastros imobiliários, que financia
pelo menos 10 projetos nas maiores cidades do país.
• Aperfeiçoamento do quadro institucional do se-
tor municipal. O desenvolvimento do setor (US$ 1,7
milhões) consiste no desenho e implantação de me-
didas estratégicas para o desenvolvimento da gestão
municipal, enfocadas em: a) relações inter-governa-
mentais (revisão da designação de funções entre os
distintos níveis de governo, do sistema de transferên-
cias e da normativa legal existente); b) um novo quadro
para o financiamento do setor, incluindo a promoção
do financiamento privado, e c) gestão fiscal que apóia
o Ministério da Fazenda na constituição e manutenção
de bases de dados atualizados sobre finanças e a re-
alização de qualificações periódicas de risco para os
municípios, contratando firmas privadas.
CONCLUSÕES: ASPECTOS RELEVANTES DO CASO
A experiência da Bolívia permite tirar algumas conclusões
sobre aspectos importantes das políticas e instrumentos
referentes às relações inter-governamentais.
Descentralização e as relações fiscais inter-gover-
namentais. Os progressos no processo de descentrali-
zação permitiram que a Bolívia melhorasse: as finanças
municipais, o controle do nível de endividamento local, a
redefinição dos esquemas de transferência para os municí-
pios, a transparência e coerência nas prioridades nacionais
e locais.
Relação entre fundos de crédito e fundos de doação.
O caso da Bolívia sugere que é possível e desejável que haja
uma coordenação entre as funções de doação e crédito
local. A unificação das instâncias de apoio municipal per-
mitiu uma melhor avaliação das necessidades individuais,
atribuindo-lhes doações ou créditos conforme as priorida-
des e capacidades de endividamento de cada município, e
que se combinaram as duas formas de financiamento local,
o que permite aproveitar melhor os recursos disponíveis e
ampliar o âmbito dos projetos.
Os FIS, como parte do sistema de transferências. O
exemplo da Bolívia ilustra uma estratégia que busca disci-
plinar o sistema de transferências, homogeneizando os cri-
térios para a concessão de subsídios por diferentes fontes
(particularmente os recursos da cooperação internacional,
que na Bolívia têm um peso muito importante), ao estabe-
lecer os critérios gerais para sua distribuição (baseado na
fórmula das NBI) e prioridades para seu investimento (os
setores do Diálogo Nacional).
Coordenação e controle dos fundos sociais. A criação
do Diretório Único de Fundos constitui uma solução inova-
dora, como forma de coordenar instituições relativamente
autônomas e fazer com que suas atividades sejam coeren-
tes entre si.
O PAI: a importância de um bom diagnóstico e
metas fiscais. A principal conclusão dessa experiência
é que a elaboração de um bom diagnóstico não é algo
extremamente complexo, que pode ser realizada por uma
pequena equipe especializada em finanças e administra-
ção municipal. Além disso, viu-se que os Planos de Ajuste
Institucional representam um instrumento muito útil para
o seguimento da despesa pública e da gestão fiscal no
âmbito local.
Boas práticas de desenvolvimento local - Bolívia
22 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda
INFORMAÇÕES CHAVE DA EXPERIÊNCIA
Localização geográfica: Uganda (áreas remotas e rurais com pouca ou nenhuma infra-estrutura local)
Localização temporal: Início das atividades: Julho de 2002 Finalização das atividades: Março de 2005
Setor / âmbito de
atividades:
• Financiamento do Desenvolvimento Local• Tecnologias e Telecomunicações• Responsabilidade Social Corporativa • Erradicação da Pobreza
Organização
executora
Grupo de Micro-desenvolvimento Financeiro - Microdevelopment Finance Team (MFT): consórcio de organizações públicas e privadas, incluindo especialistas técnicos, estrategistas de negócios e líderes em micro-financiamento, que lançaram o Sistema de Transação Remota (STR) para que os serviços financeiros ficassem disponíveis a larga escala. Participaram três provedores de serviços micro-financeiros na execução do projeto:• União Micro-financeira do Uganda (UMU), sócia da ACCION International.• FINCA Uganda, o primeiro programa africano do FINCA International.• FOCCAS, sócio colaborador de Freedom from Hunger no Uganda.
Organizações
patrocinadoras e/ou
colaboradoras:
Membros Fundadores do MFT (apoio técnico e financeiro):ACCION International; FINCA International; Freedom from Hunger; Pride Africa; eChange; Bizcre-dit; Grameen Technology Center; Hewlett-Packard Company (HP)
US-AID (apoio financeiro)Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
Universidade de Stanford (apoio técnico) Desenvolvimento de um modelo financeiro para avaliar o impacto tecnológico na lucratividade de cada Instituição Micro-financeira envolvida.
Cyndeo LLC (apoio técnico)Empresa de Software que reconheceu o potencial do STR enquanto produto comercial e contri-buiu com importantes recursos para o projeto
Responsáveis e
pessoas para contato:
Sevak Soluções Corporativas (fundada pelo MFT)http://www.sevaksolutions.orgJanine Firpo [email protected] Frederick [email protected]
Orçamento total e perfil
financeiro:
Uganda Projeto PilotoContribuições financeiras aos projetos piloto:US$ 250.000 (financiamento inicial da HP a MFT)US$ 1,2 milhões (USAID para um ano piloto no Uganda)Outras contribuições para o início do projeto: HP pôs um gerente sênior à disposição para liderar o MFT.Consultores administrativos concederam US$ 900.000 em trabalho pro bono. Membros do MFT contribuíram com US$ 148.200 através de contribuições em espécie.
Análise Financeira do STRUm documento de 50 páginas oferecendo análises financeiras detalhadas de cada um dos três mo-delos de negócios pilotos (inclui folhas de cálculo e descrições textuais dos resultados) se encontra disponível na seguinte página Web (em inglês):http://www.sevaksolutions.org/resources.htm
O software livre facilitando o acesso das populações isoladas aos serviços micro-financeiros
O Sistema de Transações Remotas no Uganda
Fonte de informação sobre a experiência: http://www.sevaksolutions.org
24 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
SITUAÇÃO INICIAL, GRUPO META E FORMULAÇÃO
DAS PRIORIDADES
Desde as primeiras experiências de Muhammad Yunnus
no Bangladesh em 1976 surgiu a idéia de que os serviços
financeiros podiam ser levados aos pobres, possibilitando,
assim, o desenvolvimento pessoal, a sustentabilidade indi-
vidual e a proteção contra os prestamistas informais e ex-
ploradores, o que no transcurso de 30 anos se transformou
numa indústria multimilionária.
A indústria micro-financeira hoje se depara com desafios
referentes à escala e ao alcance. Na verdade, dos 500 mi-
lhões de clientes potenciais no mundo todo, apenas 80 mi-
lhões têm acesso aos serviços oferecidos pelas instituições
micro-financeiras (IMFs), e destes, a maior parte vive em
áreas urbanas. Sem dúvida, a indústria micro-financeira
não dispõe de meios para chegar aos que moram em áreas
rurais isoladas, como é o caso dos países africanos. Além
disso, se uma IMF tenta se tornar um membro formal da
indústria financeira, os requisitos legais e administrativos
exigidos fazem com que seja necessária uma transforma-
ção do seu modelo de negócio.
A empresa Hewlett-Packard tem participado ativamente
na busca de alternativas através das quais seus serviços e
produtos possam promover o desenvolvimento econômico
dos países mais pobres. Em agosto de 2002, a HP convocou
sete organizações públicas e privadas1, com o intuito de
“progredir na eficácia, relevância e escala do micro-finan-
ciamento”. Para implantar um projeto piloto, escolheu-se
Uganda pelo dinamismo da sua indústria micro-financeira,
a presença ativa de membros do MFT, e uma boa cober-
tura nacional de redes de GSM (Global System for Mobile
communications, em português, Sistema Global para as
comunicações Móveis). Por último, a escolha do Uganda
supunha um grande desafio pois o país conta com uma
extensa população rural de baixa densidade.
FORMULAÇÃO DE OBJETIVOS E ESTRATÉGIA
O desafio mais importante da indústria micro-financeira é
superar as deficiências nos sistemas de concessão e nos
modelos de negócios, pois há sérias dificuldades para a
prestação de produtos e serviços financeiros lucrativos que
Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda
respondam às necessidades dos clientes mais pobres.
A missão do MFT consistiu, portanto, em explorar até
que ponto se pode melhorar a eficácia, relevância e escala
dos serviços financeiros para os pobres urbanos e rurais do
mundo.
Os membros do MFT estabeleceram quatro medidas ten-
tando chegar a uma solução:
1. Fomentar a colaboração, a inovação e a competitividade
a nível local;
2. Apoiar o desenvolvimento de procedimentos padrões e
protocolos para recolher dados dos clientes e aumentar o
fluxo de informação;
3. Empoderar os provedores de serviços de todos os ní-
veis do sistema financeiro global, conectando clientes e
provedores financeiros de crédito procedentes tanto de
fontes formais como informais;
4. Fomentar e possibilitar soluções inovadoras para reduzir
os custos de transação, aumentar os pontos de acesso, e
ampliar o alcance dos produtos e serviços financeiros aos
Panorama do Uganda
85% da população do Uganda vive em zonas rurais e se es-
tima que só 10% da população rural têm acesso a serviços
de crédito financeiro. Esta situação restringe o crescimen-
to econômico do Uganda, limitando a taxa de investimen-
to e a criação de emprego em áreas rurais. A este respeito,
foram lançadas políticas governamentais que buscam
aproveitar de forma sustentável os serviços financeiros ru-
rais baseados no mercado – o principal objetivo dessas po-
líticas é aumentar o acesso da população rural aos serviços
financeiros. Em 2003, o Governo do Uganda regularizou a
aceitação de depósitos por parte das Instituições Micro-
Financeiras. Tal medida está baseada no quadro regulador
do setor financeiro formal, e estipula a responsabilidade
do Banco do Uganda (BOU) para conceder autorizações,
regular, supervisar e controlar as IMF na aceitação de de-
pósitos. A conseqüência prática mais importante desses
regulamentos é que as IMF devem melhorar a velocidade
e precisão dos fluxos de informação interna, entre as insti-
tuições e com seus clientes. No início do projeto, duas das
três instituições micro-financeiras que o MFT elegeu como
sócias estavam prestes a cumprir com tal regulação, e atu-
almente ambas as instituições já adquiriram esse estatuto
por parte do Banco do Uganda.
1 O consórcio estava constituído por: Accion International, Bizcredit, FINCA International, Grameen Technology Center, Freedom from Hunger, Global eChange, PRIDE AFRICA e Hewlett-Packard Company.
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Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda
pobres de todo o mundo.
O MFT estipulou quatro linhas de ação para conseguir
uma maior escala através do uso das novas tecnologias:
1. Baixar os custos das operações em todos os processos cen-
trais das IMFs através da redução dos custos de transação;
2. Baixar os custos financeiros melhorando a transparência
no desempenho e os níveis de informação;
3. Aumentar os fluxos de capital para o setor, atraindo fon-
tes comerciais de financiamento;
4. Melhorar a dinâmica da indústria através da criação de
um quadro de cooperação entre IMFs.
MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS
A HP recorreu ao prestígio do seu nome para reunir um
grupo de empresas líderes que normalmente não estariam
motivadas a trabalhar num projeto comum. Os membros
do MFT foram motivados a participar pela expectativa
de conseguirem assistência técnica ou financeira, como
também pelo receio de ficarem fora de um grande projeto.
Com o passar do tempo, os membros compreenderam que
a colaboração com a HP lhes proporcionou credibilidade e
reconhecimento, bem como novos conhecimentos empre-
sariais.
O financiamento do MFT, em maio de 2003, se estruturou
da seguinte maneira:
• HP atribuiu US$ 250.000 em contribuição financeira
direta ao consórcio;
• HP pôs um gerente sênior à disposição para liderar o
MFT;
• Os consultores administrativos concederam US$ 900.000
em trabalho pro bono;
• Os membros do MFT deram US$ 148.200 através de
contribuições em espécie.
No final de 2003, a USAID atribuiu US$ 1,2 milhões para a
implementação do projeto no Uganda.
Para assegurar-se de que o tempo e os fundos fossem
utilizados de forma eficaz, antes de lançar o projeto piloto
em janeiro de 2004, o MFT realizou um trabalho prepara-
tório durante três meses. Uma equipe local implementou e
dirigiu o projeto piloto, do qual três IMFs ugandenses acei-
taram participar:
• União Micro-financeira do Uganda (UMU), sócia da AC-
CION International; uma instituição micro-financeira
fundada em 1997, que oferece empréstimos que variam
de US$ 25 a US$ 25.000 a clientes de todo o país. Ao
contrário de outras IMFs, os fundadores da UMU sempre
consideraram o micro-financiamento um empreendi-
mento comercial com fins sociais.
• FINCA Uganda, o primeiro programa africano do FINCA
International abriu suas portas em 1992 e desde então
cresceu até chegar a atender cerca de 50.000 clientes
com empréstimos de US$ 215 (em média). FINCA Uganda
está entre os primeiros programas piloto de transforma-
ção do FINCA, alterando o seu estatuto institucional de
organização não governamental a instituição financeira
credenciada e regulamentada.
• FOCCAS é o sócio colaborador do Freedom from Hunger
(Livre da Fome) no Uganda e atende aproximadamente
15.000 clientes rurais através do seu modelo de emprés-
timo grupal.
Cada uma dessas instituições utilizou a tecnologia inova-
dora do STR de acordo com suas necessidades e em circuns-
tâncias bem diversas. Implementar esta tecnologia em três
diferentes modelos de negócio agregou complexidade ao pro-
jeto piloto, por mais que a comparação de resultados tenha
revelado pontos importantes da missão original do MFT.
A fase piloto terminou dia 31 de março de 2005. Alguns
membros do MFT continuam trabalhando com suas insti-
tuições micro-financeiras para ajudá-las a crescer e a con-
quistar uma maior escala nos seus negócios.
VARIÁVEIS DO PROCESSO: METODOLOGIA
ADOTADA E PROBLEMAS ENCONTRADOS
A tecnologia desenvolvida e aplicada no Uganda é chama-
da Sistema de Transações Remotas (STR), baseada no uso
de aparelhos móveis que podem ser conectados através de
redes GSM de celulares (a cobertura da rede GSM é muito
elevada no Uganda a nível nacional). Juntamente com a uti-
lização de Cartões Inteligentes (Smart Cards) distribuídos
entre os clientes e provedores micro-financeiros, o sistema
permite que os agentes das IMFs recolham os dados essen-
ciais no terreno, transferindo-os, depois, diretamente para
os sistemas informáticos da administração financeira.
Para conseguir um maior impacto a maior escala, o STR
precisa baixar os custos, aumentar o fluxo de capitais, e
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Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda
facilitar a cooperação. A “espinha dorsal do processamen-
to de dados” – composta por três módulos – é o elemento
central da solução STR:
• Módulo 1: Processos iniciais. Desembolso/aceitação
de dinheiro e recolha dos dados do cliente diretamente
no terreno. Na maioria das IMFs, essas atividades são
realizadas no papel, e o erro humano aumenta enor-
memente à grande escala.
• Módulo 2: Serviços finais das agências e da sede
central. Um Sistema de Gestão da Informação (SGI) da
IMF permite obter os dados do cliente automaticamen-
te através da sua conta.
• Módulo 3: Relatórios padrão e informação com-
partilhada. Um software que vincula o fluxo de dados
do SGI da IMF a outros sistemas financeiros, tais como
switches centrais, bancos, escritórios de referência de
crédito e, em última instância, a mercados de capitais.
Inicialmente, o MFT se centrou nos Módulos 1 e 2, am-
bos atualmente operativos. Entretanto, o STR foi elaborado
visando o Módulo 3, prevendo um sistema no qual os clien-
tes das IMFs pudessem acessar serviços financeiros desde
qualquer lugar do Uganda, conectando-se a um sistema
de gestão de dados que transmite a informação a outros
atores da indústria.
As diferenças de tamanho e modus operandi para cada
IMF permitiu que o MFT avaliasse o valor do STR em com-
paração com uma ampla variedade de práticas atualmente
em vigência na indústria do micro-financiamento, incluin-
do clientes individuais, grupais e regionais.
Dos três modelos implantados no Uganda, dois deles ofe-
receram os resultados mais satisfatórios2:
Modelo de Campo (Agente Interno) (analisado pelo
FOCCAS)
FOCCAS concede empréstimos grupais e estava interessa-
da em recolher dados de cada cliente de forma individual
para melhor compreender os seus hábitos financeiros.
Cada grupo que solicitava um empréstimo era constituído
por 25 - 35 pessoas, e o STR potencialmente podia prover
uma solução coordenada e rentável para essa transição do
rastreamento de dados.
O projeto piloto foi implantado em setembro de 2004 com
sete grupos de prestatários que conformavam um total de
220 clientes. Todos eles receberam Cartões Inteligentes
que guardavam o histórico financeiro de cada indivíduo em
cada grupo de empréstimo. Os agentes de crédito levavam
terminais de PDV a cada reunião grupal para captar as
transações financeiras individuais. Depois das reuniões,
os Agentes de Crédito adicionavam os dados financeiros
armazenados no terminal de PDV, enviando os dados ao
servidor do STR e ao sistema de administração de informa-
ção. Durante a fase piloto, aproximadamente 100 transa-
ções foram captadas e enviadas semanalmente.
Inicialmente, quando o PDV foi introduzido nas reuniões
grupais, a recolha de dados se tornou numa tarefa a mais
que alongava muito as reuniões. Além disso, a equipe do
departamento contábil administrava inputs constantes no
STR que tinham de ser enviados diariamente. Desta forma,
a instituição micro-financeira teve que mudar seus proces-
O STR foi elaborado em resposta às necessidades mi-cro-financeiras dos clientes que moram em áreas rurais, introduzindo um quadro de transação de baixo custo que transmite informação desde as áreas onde a eletricidade e/ou conectividade são reduzidas. Os componentes do hardware do STR incluem: • Um aparelho de ponto de venda (PDV) composto por:
– Leitor do Cartão Inteligente para identificar os clientes e agentes
– Teclado numérico para permitir os pedidos de transa-ção
– Um aparelho com interface que requer uma alfabeti-zação mínima
– Impressora para dar recibos ao cliente e ao agente como comprovante da transação
– Bateria que dura mais de 12 horas• Capacidade de conexão através da infra-estrutura celu-
lar (GSM)• Servidor de transação que conecta ao escritório central
do MFI
A composição do STR minimiza o consumo de energia e a capacidade de armazenar transações na máquina de PDV. Um canal de comunicação vincula um servidor central ao sistema do escritório central da instituição micro-financei-ra. O departamento contábil das IMF utiliza uma interface de Internet para visualizar o histórico das transações e administrar as contas dos seus clientes.
O SRT permite que os titulares do Cartão possam realizar pa-gamentos de empréstimos, depósitos na poupança, saques e transferências de fundos, bem como consultar a movi-mentação da conta. Num futuro, os usuários poderão pagar contas e até mesmo transferir fundos a outros indivíduos.
2 Para uma descrição completa dos três modelos testados no Uganda, por favor, consulte: http://www.sevaksolutions.org.
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sos administrativos, caso contrário, a integração da nova
tecnologia teria aumentado o custo e a complexidade dos
processos, em vez de os reduzir.
Modelo Comercial (Agente Externo) (analisado pela
UMU)
A UMU desenvolveu sua fase piloto em janeiro de 2005
através da participação de dois comerciantes (gerentes de
postos de gasolina) que funcionaram como agentes exter-
nos. Cada agente recebeu um terminal PDV. Os Cartões
Inteligentes foram emitidos para 400 clientes já existentes
(prestatários individuais) que podiam realizar trâmites
bancários nos postos dos dois agentes externos em vez
de se deslocarem até às sucursais da micro-financeira que
estavam mais longe.
O software do PDV, desenvolvido para o modelo co-
mercial, difere da aplicação executada nos terminais de
PDV do modelo no terreno, pois inclui a possibilidade de
cobrar taxas de transações aos clientes pelo uso do agen-
te externo. Foram agregados vários itens de segurança
para mitigar os altos riscos aos quais as instituições que
usavam o modelo comercial estavam expostas, como por
exemplo, o número limitado de extrações por cliente e uma
quantidade mínima que tanto os agentes como os clientes
deviam manter nas suas caixas de poupança. Durante a
fase piloto, os agentes levaram a cabo umas 25 transa-
ções financeiras por semana. No final do projeto piloto, os
volumes de transação foram aumentando porque a micro-
financeira tinha aprendido mais acerca do comportamento
dos usuários durante o processo e estava tomando deci-
sões baseadas numa melhor informação acerca da locali-
zação dos agentes, a distribuição do cartão e a educação
do consumidor.
RESULTADOS ALCANÇADOS
O STR elimina a necessidade de preparar, redigir e trans-
ferir relatórios à mão, reduzindo os custos das operações
rurais. Para além disso, a recolha eletrônica de dados au-
menta a confiança do cliente nas IMFs, reduzindo também
o risco de fraude. Além disso, se o STR fosse utilizado por
todo o setor micro-financeiro, as sinergias geográficas e
financeiras latentes poderiam ser aproveitadas entre diver-
sas instituições.
Resultados do Modelo no Terreno (Agente Interno)
A análise financeira deste modelo mostrou benefícios po-
sitivos, apesar de nenhum Retorno sobre o Investimento
(ROI)3, já que o ROI é medido apenas a partir de uma pers-
pectiva quantitativa. Não obstante, os benefícios potenciais
parecem ser suficientemente significativos para justificar o
investimento de capital realizado pelas IMFs que têm planos
de seguir as transações de cada usuário, buscar alguma
forma de produto financeiro individual, ou vincular-se a ou-
tras instituições financeiras. Entre os benefícios observados
estão: uma maior confiabilidade dos dados recolhidos, me-
lhor compreensão do comportamento do usuário, especial-
mente do seu histórico de crédito e poupança, e aumento da
transparência na carteira de empréstimos da instituição.
Resultados do Modelo Comercial (Agente Externo)
A análise financeira mostra que este modelo oferece va-
lores positivos a todos os participantes na cadeia de va-
lores: agentes, IMFs e consumidores. Os consumidores já
existentes são atendidos com maior eficiência e com um
custo menor, enquanto que os novos podem ser detectados
através de uma crescente rede de agentes comerciais (ex-
ternos). Finalmente, pode-se oferecer uma maior varieda-
de de serviços financeiros mediante os equipamentos PDV,
aumentando, desta forma, a flexibilidade e a oportunidade
para os clientes.
O ROI para esta IMF depende do modelo de lucros utiliza-
do para compensar os agentes externos. Quando o modelo
recorreu à maximização do lucro para a instituição mi-
cro-financeira (por exemplo, cobrando aproximadamente
US$ 0,60 do cliente por transação, dividindo a taxa entre
os agentes, e fazendo com que os agentes pagassem pe-
los custos de comunicação), foi necessário que cerca de
12.700 clientes utilizassem o STR para gerar lucros para a
instituição financeira. Entretanto, este modelo pode limitar
a quantidade de agentes externos dispostos a oferecerem
seus serviços, pelo menos no início.
LIÇÕES APRENDIDAS E SUSTENTABILIDADE DO
PROJETO
Esta experiência permitiu, graças às aplicações inovadoras
da tecnologia, abordar questões de escala, alcance, sustenta-
bilidade financeira e responsabilidade. No geral, observou-se
3 O Retorno sobre o Investimento (ROI) é uma estimativa do lucro (o “retorno”) sobre o dinheiro gasto (o “investimento”) com uma alterna-tiva em particular, e consiste em determinar os lucros, calcular os custos e resumir os resultados.
Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda
28 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
que, para favorecer o crescimento da indústria micro-finan-
ceira, o desenvolvimento de novos modelos de negócio é tão
importante quanto a aplicação das novas tecnologias.
O projeto piloto gerou ensinamentos importantes acerca
da criação de soluções tecnológicas e sua aplicação em pa-
íses em desenvolvimento, e permitiu analisar até que ponto
a tecnologia pode ajudar (ou não) a aumentar a escala do
micro-financiamento:
• A melhoria do processo empresarial é tão impor-
tante quanto a inovação tecnológica
Aplicar uma nova tecnologia a processos existentes, sem
analisar previamente o procedimento, pode elevar o custo
e a complexidade do negócio em vez de os diminuir. Tal
efeito pôde ser observado no projeto piloto quando uma
das instituições optou por não realizar mudanças organi-
zacionais complementares enquanto o STR era adicionado
aos procedimentos e práticas existentes. A análise finan-
ceira dessa aplicação mostrou que a incorporação do STR
gerou escassos benefícios para os consumidores, pouco
valor agregado para os agentes internos, e um aumento
real do custo para a instituição micro-financeira que o es-
tava a implementar.
• As implantações tecnológicas inovadoras reque-
rem liderança e responsabilidade administrativa
em toda a organização
As equipes diretivas das três instituições percebiam a
utilização da tecnologia exclusivamente como uma “tarefa
informática”, enquanto que o sucesso da integração requer
uma equipe interna formada por representantes de todas
as unidades operacionais, liderada por um gerente de pro-
jeto altamente qualificado que possa sintetizar informação,
ações e resultados para toda a organização.
A incorporação de uma nova tecnologia deveria ser
vista como um motor de mudança que deve impactar em
todos os aspectos da empresa. A direção deve reconhecer
e perceber as implicâncias que extrapolam os aspectos or-
ganizacionais, sobretudo se a tecnologia cumpre um papel
fundamental no ROI, já que a tecnologia não só afeta os
sistemas de informação, mas também os funcionários, a
cultura, a estrutura e os processos de toda a organização.
• Para que uma MFI atinja níveis industriais é ne-
cessária uma padronização, uma infra-estrutura
compartilhada e competitividade
As organizações que não estão interessadas em compar-
tilhar informação, padrões ou soluções não podem atingir
a larga escala, já que é pouco provável que permitam a
evolução de um sistema financeiro fluído se que possa
expandir, vinculando, ao mesmo tempo, uma ampla va-
riedade de atores. Inclusive no mundo industrializado, o
setor financeiro só alcançou nível de escala e envergadura
significativos quando os seus atores financeiros concorda-
ram em combinar diversos padrões que permitiam que a
informação passasse de um sistema a outro.
TRANSFERIBILIDADE
Considerando os resultados e as lições aprendidas do STR
Uganda, outras comunidades locais podem beneficiar desta
iniciativa, levando em conta que as necessidades tecnoló-
gicas dos mercados emergentes não podem ser satisfeitas
simplesmente através da importação de soluções tecnoló-
gicas do mundo desenvolvido. A equipe que desenvolveu o
STR procurou um equilíbrio entre os produtos comercial-
mente disponíveis, a inovação e a infra-estrutura existente.
O STR utilizou um equipamento de hardware comer-
cialmente disponível que mostrou resultados satisfatórios,
mesmo que não ótimos, isto por diferentes razões: é difícil
ler a tela sob a luz direta do sol; a impressora usa papel
térmico que se descolora em poucos meses; o aparelho é
sensível a condições meteorológicas extremas e ao pó; etc.
Igualmente, a escala seria mais viável se o equipamento de
PDV tivesse um preço mais baixo. Portanto, os membros da
equipe do STR acreditam que existe uma oportunidade para
desenhar e construir um equipamento de hardware mais
adequado que possa resistir aos desafios físicos de operar
em áreas rurais remotas de países em desenvolvimento.
O software piloto foi desenhado e desenvolvido especi-
ficamente para as condições presentes no Uganda. Como
a maioria das IMFs não podem arcar com soluções caras,
tal software foi otimizado para manter um baixo custo. A
estrutura de custo considerou não só o software, mas tam-
bém os requerimentos de hardware e suporte técnico. Em
vez de oferecerem uma variedade de possibilidades, crité-
rio comum de desenho nos mercados desenvolvidos, o STR
foi eleito pela flexibilidade oferecida ao usuário final em
termos de flexibilidade, velocidade e preparação mínima,
fatores importantes no contexto ugandense.
Boas práticas de desenvolvimento local - Uganda
28 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
O desenvolvimento local responde a uma visão
rotundamente diversa do “modelo” desenvolvi-
mentista que prevaleceu em inúmeros lugares do
planeta durante várias décadas do século passado, até que
a crise da década de 70 o pôs em dúvida, emanando pau-
latinamente uma concepção “pós-crise” na qual se insere
o desenvolvimento local e que, com o passar do tempo, se
sobrepôs a esse modelo “pré-crise”.
As próximas epígrafes servirão para marcar as diferen-
ças existentes entre as visões “pré-crise” e “pós-crise”,
enquanto se examinam as principais características, obje-
tivos e logros das boas práticas descritas nestas páginas.
Não é à toa que as três aproveitam essa mudança de visão
e realçam os sinais de identidade da concepção “pós-cri-
se”, com a descentralização, a conseguinte potencialização
da esfera local, a participação cidadã e a sustentabilidade
meio-ambiental e social do desenvolvimento como eixos
prioritários.
Cuartel Quinto (Argentina)
Nos países em vias de desenvolvimento (às vezes também
em regiões específicas de nações desenvolvidas) não é
raro encontrar territórios com importantes recursos en-
dógenos que são pouco usufruídos por grande parte da
população, essencialmente a de menor nível sócio-eco-
nômico.
Neste caso prático, o recurso em questão é o gás na-
tural, bem do qual a Argentina é produtor, mas ao qual
muitos dos seus habitantes não podem aceder, seja porque
as redes de distribuição não chegam aos bairros e áreas
de inferior nível de renda ou porque, se o fazem, os custos
de conexão e conversão domiciliar do serviço são dema-
siado elevados. Por isso, inúmeras famílias são forçadas a
utilizar combustíveis alternativos no seu cotidiano, como
o gás líquido do petróleo, que resultam ser bastante mais
caros. Gera-se, assim, uma flagrante contradição: os es-
tratos mais desfavorecidos da sociedade consomem com-
bustíveis substitutivos mais caros, mais contaminadores e
que, inclusive, esbarram com problemas de provisão por
não serem tão abundantes no território.
Diante disso, e apesar das inegáveis dificuldades, a ex-
periência de Cuartel Quinto (uma população com 20.000
habitantes e 4.103 famílias, localizada na província argen-
tina de Buenos Aires), demonstra que a coletividade local
pode reagir e pôr em andamento atividades que propiciem
o acesso das camadas de menor capacidade econômica ao
recurso em questão (neste caso, o gás natural). Isso pode
ser feito através de um modelo de gestão construído sobre
fatores que constituem uma interessante estratégia de
Boas práticas, boas políticasAs experiências concretas como dinamizadoras da mudança
Emilio Carrillo Especialista Internacional em Desenvolvimento Local e Professor de Economia na Universidade de SevilhaVice-prefeito e Secretário de Urbanismo do Município de Sevilha, Espanha
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Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
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Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
desenvolvimento local que abrange âmbitos tão centrais
como o das infra-estruturas para o desenvolvimento, a
participação cidadã, o financiamento do processo de de-
senvolvimento e os serviços sociais e de saúde integrados.
Tudo isso, com o trabalho dos moradores e organizações
de base no que se refere à difusão, adesão, compromissos
de pagamento, supervisão das contratações e desenvolvi-
mento e comercialização das obras de construção de redes
de gás natural em cinco bairros da localidade.
Concentrando-nos nos aspectos estritamente finan-
ceiros desta iniciativa, convém destacar a utilização da
assinatura de Fideicomissos, uma ferramenta que permite
a administração de recursos econômicos, dirigindo-os a
um objetivo determinado (sem poder ser utilizado para
outra finalidade, nem ser embargados por terceiros) para
financiar a construção de uma infra-estrutura básica.
Nesse sentido, em Cuartel Quinto os direitos e obrigações
de cada um dos agentes envolvidos no projeto (organiza-
ções promotoras, associações de moradores, entidades
financeiras, companhia de gás, empresas construtoras,
etc.) são determinados mediante a assinatura desses do-
cumentos. Depois de subscritos, os moradores se juntam a
eles através de Convênios de Adesão, pelos quais se com-
prometem ao pagamento da obra através do mecanismo
de pro-rata (obviamente, quanto maior for o número de
aderentes menor será o custo arcado por cada um, o que
estimula a captação de novos sócios).
O modelo de financiamento do projeto prevê, por sua vez,
dois instrumentos bem articulados e inter-relacionados: o
fundo de garantia e o micro-crédito individual. O primeiro
cobre, de forma partilhada, eventuais inadimplências das
obrigações de pagamento do crédito. O custo total da obra
por unidade domiciliar, incluindo um excedente destinado
ao fundo de garantia, é financiado mediante micro-crédi-
tos individualizados às famílias.
Para além disso, a iniciativa se completa com o apoio
financeiro do FONCAP, uma sociedade anônima cuja finali-
dade central é a administração de fundos fiduciários e cujo
capital social se encontra repartido entre o setor privado
(com 51%) e o Estado (com 49%).
A transparência dos procedimentos utilizados para es-
tender a rede de gás natural aos 202 quarteirões de domi-
cílios da região é outro dos elementos que mais chamam
a atenção desta iniciativa. Assim, torna-se num essencial
cumprimento dos requisitos exigidos para o início das
obras nos quarteirões (adesão formal de pelo menos 70%
das famílias) e para a prestação de contas aos moradores
(realizada trimestralmente através de uma Comissão de
Controle de Prestações de Contas), instrumentos que ge-
ram confiança entre os cidadãos, ajudando-os a adquirir
novos conhecimentos e capacidades, transformando-os
nos verdadeiros protagonistas do projeto e não só meros
receptores de recursos financeiros ou materiais.
Por tudo isso, e retomando o que foi mencionado na
introdução, a atual experiência abdica de vários sinais de
identidade do citado “modelo pré-crise”:
• Era totalmente centrífugo na origem e destino, pois se
apoiava em tecnologias pouco difusoras e carecia da
flexibilidade necessária para adaptar-se às variações
do contexto. Isso, juntamente com outras importantes
rigidezes do sistema então vigente, influiu na gênese e
posterior extensão da mesma crise.
• O exógeno predominava, ou seja, a procura desen-
freada de investimentos externos, às vezes alheios à
idiossincrasia econômica do lugar.
• Em relação direta com o anterior, o interesse prioritá-
rio residia no impulso de grandes projetos consideran-
do que o âmbito imediato do território indiretamente
se beneficiaria das consequências positivas.
Pelo contrário, o caso de Cuartel Quinto assume direta-
mente um conjunto de pontos chave da mencionada visão
“pós-crise” do desenvolvimento:
• Potencializa decididamente o endógeno, valorizando
a consideração e o aproveitamento das vantagens
comparativas da região.
• Porém, não exclui o exógeno, mas torna-o complemen-
tar do endógeno, sem tirar deste a posição privilegiada
na escala de valores do fomento sócio-econômico.
• Encontra sua base num desenvolvimento especial-
mente articulado, integrado por atuações setoriais
diversas e propulsoras de tecnologias preferentemente
difusas.
• Aposta intensamente na micro, pequena e média
empresa, que passa a ser considerada o pilar do de-
senvolvimento, da criação de postos de trabalho e da
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Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
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Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
inovação tecnológica. Além disso, apoia a economia
social, introduzindo-lhe novos elementos de viabilida-
de, rentabilidade, racionalidade e gestão empresarial.
São esses parâmetros que o caso de Cuartel Quinto
valoriza de maneira imaginativa, com um projeto que con-
tribui para uma gestão social, integral e local, ostentando
como prioridade o acesso das camadas sócio-economica-
mente desfavorecidas a uma infra-estrutura básica. Por
sua vez, isso é desenvolvido com o valor agregado do tra-
balho participativo dos moradores e comunidades de base,
a incorporação de novos mecanismos de gestão técnica e
financeira e a criação de emprego para comunidade atra-
vés do aproveitamento em rede de um recurso endógeno
do território.
Governos locais e programas sociais na Bolívia
Para começar a análise deste caso, deve-se retornar ao
“modelo pré-crise” e acrescentar às suas características
básicas mencionadas na parte anterior outras quatro que
ficaram guardadas:
• Sua concepção da localização industrial encontrava
apoio nos pólos de desenvolvimento, desde a fir-
me convicção no efeito multiplicador das grandes
concentrações industriais - como quem joga uma
pegra na água e espera que os círculos concêntricos
gerados pelo choque se propaguem aos poucos pela
totalidade da superfície -, em detrimento de uma vi-
são espacial menos intensiva e mais diversificada e
equilibrada.
• Uma concepção do planejamento claramente segrega-
cionista, que tomava corpo na marginação dos objeti-
vos de articulação espacial e na valorização exclusiva
de parâmetros setoriais e funcionais.
• Uma orientação centralista na atitude dos agentes so-
ciais, públicos e privados, de modo que qualquer ação
no âmbito local obedecia ora à mera descentralização
de atividades motoras principais, ora à implantação de
sub-setores de escasso potencial.
• E, por último, existia uma ignorância dos limites eco-
lógicos do crescimento econômico, que se manifestava
na despreocupação pela possível degradação da natu-
reza e na inconsciência acerca do caráter limitado dos
recursos naturais.
Esta última característica e a resposta a suas carências,
dada a partir do desenvolvimento local, foi objeto de aná-
lise nas experiências práticas de Thies e Kaolack (Senegal)
e Ouagadougou (Burkina Faso), compiladas e avaliadas no
número 1 desta revista.
Enquanto as três primeiras conformam uma visão muito
centralista do desenvolvimento e contra ela se reage com
vigor e inteligência a partir do desenvolvimento local, tal
como mostra o caso da Bolívia sobre o qual nos ocupare-
mos aqui.
Especificamente, a experiência boliviana mostra uma
nova maneira de fazer e entender o desenvolvimento com
base nas opções a favor da descentralização e da potencia-
lização do papel sócio-econômico dos órgãos territoriais
de menor entidade, sobretudo locais, acentuando dois per-
fis essenciais da visão “pós-crise” do desenvolvimento até
agora não mencionados:
• Estabelece um planejamento equilibrado e solidário
inter e intra-territorialmente, dando lugar ao uso de
instrumentos de promoção ligados à realidade socioe-
conômica do âmbito espacial em questão.
• Fornece uma clara visão descentralizada a partir da
qual se propugna e materializa a aptidão do setor local
para a promoção socioeconômica e, em consonância,
a dotação do mesmo com as incumbências e os meios
técnicos e financeiros precisos.
Concretamente, o caso prático sublinha a necessidade da
descentralização territorial e administrativa para enfren-
tar as demandas e requerimentos dos cidadãos; fomenta
o papel dos governos locais nos denominados fundos de
investimento social; e, coincidindo colateralmente com a
experiência argentina do ponto anterior, promove novos
programas de financiamento local.
Aprofundando este último aspecto, o caso da Bolívia
ilustra como avançar simultaneamente em três aspectos
relevantes e complementares do financiamento dos gover-
nos locais: reforço das finanças municipais, orientado ao
incremento do investimento público e a melhoria dos servi-
ços locais; implantação de mecanismos de disciplina fiscal
e de controle da dívida local no contexto de um programa
de combate à pobreza; e redefinição do esquema de trans-
32 número 2, 2005 - @local.glob
Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
[email protected] - número 2, 2005
Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
ferências de fundos nacionais e internacionais aos municí-
pios, canalizando o esforço do investidor local em direção
a um conjunto de setores específicos de forma coordenada
com as grandes prioridades do âmbito nacional.
De fato, a realização de diagnósticos financeiros institu-
cionais (PAI) para os 312 municípios do país e a unificação
dos guichês de apoio municipal permitiram uma melhor
avaliação das necessidades de cada localidade, atribuindo
doações ou créditos de acordo com as suas prioridades e
capacidades de endividamento.
Além disso, a homogeneização dos critérios para a dis-
tribuição dos fundos (particularmente dos fundos oriundos
de doadores internacionais), o estabelecimento de priori-
dades para seu investimento e a criação de uma oficina
(DUF) para a coordenação e controle dos fundos destina-
dos aos governos locais permitiram ao governo central
melhorar a contabilidade desses fundos, conhecer melhor
as contribuições realizadas aos municípios anualmente e
estabelecer indicadores de impacto social e urbano dos
investimentos.
Igualmente, a experiência boliviana deixa clara a rela-
ção de complementariedade existente entre as funções de
doação e crédito local, constituindo um bom exemplo de
como organizar e disciplinar o sistema de transferências
dos governos centrais aos governos locais em países em
desenvolvimento com processos de descentralização em
andamento.
Com base em tudo isso, convém realizar algumas refle-
xões acerca do financiamento das estratégias de desenvol-
vimento local baseadas no “Segundo Relatório sobre as
iniciativas locais de desenvolvimento e emprego (ILDE)”
da Comissão Européia1. Antes de mais nada, nele se esti-
ma o investimento realizado antes do começo da atividade
enquanto condição primordial para garantir a qualidade
dos serviços e a profissionalização dos postos de trabalho
criados. Enfatiza-se o fato de que tal investimento permiti-
rá, desta forma, que a iniciativa prescinda da colaboração
institucional local exclusiva para basear-se num apoio
local mais amplo. A partir disso, é essencial não perder de
vista uma série de investimentos imateriais iniciais, como
os seguintes:
• o tempo que os promotores devem dedicar à constru-
ção do projeto,
• a formação e o acompanhamento metodológico e
• a realização de estudos específicos para a criação da
atividade.
Depois do prazo de concepção, as iniciativas locais fre-
qüentemente passam por um período difícil de desenvolvi-
mento, pois devem, então, enfrentar-se a um desequilíbrio
entre custos e produtos. Além do mais, elas possuem suas
necessidades de financiamento diferentes: devem mobili-
zar fundos para realizar investimentos materiais cuja im-
portância varia conforme o tipo de atividade. Geralmente
isso faz com que os promotores se dirijam a outros inter-
locutores públicos, a redes de financiamento solidário ou,
com menor freqüência, às instituições bancárias.
Microfinanciamento do desenvolvimento no Uganda
Este caso apresenta o projeto levado a cabo no Uganda
por um consórcio público-privado dirigido à implantação
de instrumentos tecnológicos novos para os prestadores
de serviços microfinanceiros com o intuito de colocar o
acesso ao crédito ao serviço de pessoas com escassa capa-
cidade econômica e baixos níveis de formação.
A organização foi constituída para aproveitar as lições
extraídas de um programa piloto previamente realizado,
bem como da tecnologia testada e aprovada em âmbitos
estratégicos da indústria. Com essas bases surgiu o Sevak
Solutions como uma entidade sem fins lucrativos capaz de
prover uma versão “open-source” do denominado Sistema
de Transações Remotas (STR) à industria microfinanceira.
Essa é uma solução disponível para os que utilizam sof-
tware sem o pagamento de licenças, tornando factível o
uso de uma tecnologia sofisticada por parte dos setores
microfinanceiros e, conseqüentemente, uma maior eficácia
na prestação de serviços financeiros às comunidades ru-
rais isoladas e com baixa renda.
Com a liderança inicial da companhia Hewlett-Packard,
elaborou-se a idéia de aplicar a tecnologia STR que o sis-
tema bancário convencional utiliza à indústria microfinan-
ceira – um setor com 500 milhões de potenciais clientes, na
sua maioria em núcleos urbanos –, de modo a chegar até
1 Disponível em: http://europa.eu.int/comm/regional_policy/innovation/innovating/pacts/down/avr98/ilde2-es.pdf.
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Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
moradores de áreas remotas e reduzir sensivelmente seus
altos custos operativos.
O Uganda foi escolhido como a localização mais idônea
para o projeto piloto devido à dinâmica do campo micro-
financeiro no país, a presença de sócios membros do MFT
(consórcio de organizações públicas e privadas criado
com a finalidade de estudar a viabilidade de utilizar a larga
escala na indústria microfinanceira) e a elevada cobertura
nacional de redes de telefones móveis GSM. Além disso, a
extensa população rural do Uganda e a baixa densidade
populacional faziam desse país um lugar apropriado para
testar a nova tecnologia. Esta, em definitiva, baseia-se,
por um lado, no uso de aparelhos de telefonia móvel mui-
to potentes, capazes de comunicar através de redes GSM,
e, por outro, no uso de cartões inteligentes por parte dos
clientes e agentes microfinanceiros. O sistema permite
que seus usuários recolham dados financeiros essenciais
e os transmitam diretamente aos sistemas informáticos
de administração financeira.
Vale a pena sublinhar duas lições que os responsáveis
por essa iniciativa aprenderam:
• Incorporar uma nova tecnologia sobre processos pre-
viamente existentes, sem repensar tais procedimentos,
pode aumentar os custos e a complexidade do negócio
em vez de os diminuir.
Isso aconteceu em um dos testes realizados no Uganda:
a incorporação do STR gerou escassos beneficios aos con-
sumidores, pouco valor agregado aos agentes internos e
um aumento real do custo para uma das três instituições
microfinanceiras que o estavam implantando, já que ela
não desenvolveu, paralelamente, nenhuma mudança ad-
ministrativa complementar no seu modelo de negócio. A
incorporação de uma nova tecnologia provoca impactos
em todos os aspectos do negócio e afeta não só os sis-
temas de informação, mas também os funcionários e a
cultura, estrutura e processos de toda a organização.
• A busca de economias de escala através da aplicação
de novas tecnologias requer organizações interessa-
das em compartilhar informação, padrões ou soluções,
vinculando uma ampla gama de atores; e também que
os novos dispositivos se adaptem às condições de uso
locais.
Nesse contexto e, obviamente, com suas próprias sin-
gularidades, esta experiência apresenta indudáveis se-
melhanças em termos de objetivos e metodologia com a
West Godovari District (Índia) avaliada no número 1 desta
revista. Assim, o caso da Uganda, como o da Índia, mos-
tra como, para impulsionar as tecnologias, é indispensá-
vel fomentar a incorporação dos instrumentos operativos
-hardware e software- à sociedade e à trama econômico-
empresarial nos quais ela se baseia. É importante, porém,
não esquecer que com isso não se soluciona tudo e que
para progredir em direção a esse objetivo e introduzir o
território na sociedade da informação e conhecimento,
as estratégias de desenvolvimento local devem somar-se
aos esforços de incorporação das tecnologias centrados
em:
• alfabetizar tecnologicamente a população, com o
intuito de que as novas tecnologias sejam utilizadas
massivamente por empresas e cidadãos e propiciar
uma verdadeira distribuição social do conhecimento,
evitando, ao mesmo tempo, novas dualidades e segre-
gações sociais;
• conseguir que as tecnologias prestem serviços capazes
de tornar a nossa vida mais simples, pois só assim elas
serão amplamente utilizadas; essa tarefa corresponde
tanto às empresas privadas - pondo seus produtos e
serviços na Internet - como às administrações públicas
- oferecendo às pessoas a possibilidade de se relacio-
narem com elas (realizar trâmites, pagar impostos,
etc.); e
• criar as condições precisas para que o território assi-
mile e se beneficie de uma nova economia que, além
de um novo setor de atividade, representa uma nova
forma de entender e fazer a economia.
O leitor do Cartão Inteligente para identificar os clientes e agentes (caso Uganda)
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Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
Nessas tarefas e atividades reside a chave para atingir
dois objetivos irrenunciáveis para o desenvolvimento local
nesse campo: a alfabetização tecnológica da população e a
distribuição social do conhecimento.
A essas considerações, dados os conteúdos do caso
prático, devemos acrescentar outras relativas aos seus as-
pectos financeiros. Principalmente na avaliação dessa ex-
periência convém não esquecer que diversos relatórios de
organismos internacionais vêm destacando a necessidade
de uma colaboração positiva entre as autoridades públicas
e os organismos de crédito alternativos, que apresenta dois
âmbitos fundamentais:
• a concessão de ajudas para a criação de empresas em
âmbitos ainda novos (proteção ao meio-ambiente, ati-
vidades culturais ou serviços a domicílio) ou para cate-
gorias específicas da população (como as mulheres); e
• a formação, o acompanhamento do promotor do proje-
to e a auditoria de empresas, em colaboração com as
autoridades públicas.
De qualquer forma, deve-se levar em conta que o suces-
so das estratégias de desenvolvimento local depende enor-
memente de elementos intangíveis e não tipificáveis, aos
quais se deram atenção apropriada neste caso do Uganda:
detecção das necessidades, participação cidadã, enraiza-
mento local e capacidade criativa.
Conclusões
O crescimento econômico continua sendo um objetivo
prioritário nas estratégias de desenvolvimento local. Por
isso, possibilita a criação de postos de trabalho e renda e
aumenta a base econômico-financeira sobre a qual se de-
vem melhorar tanto os serviços públicos e as prestações
sociais como o maior equilíbrio na distribuição espacial
e pessoal da riqueza (conforme o célebre “é necessário
crescer para poder repartir”). De um tempo para cá, novos
“limites éticos” se somaram aos que sempre tinham sido
impostos ao crescimento desde diversos setores - a forma-
ção de riqueza não como um fim, mas como instrumento
para a consecução de um maior bem-estar e equidade.
Assim, estão os “limites ecológicos” que nos deixam
cientes de que produzir também pode levar a destruir,
relacionando estes dois termos, e cientes também de
que nenhum sistema econômico franqueia a fronteira
ecológica sem provocar a deterioração da qualidade de
vida e o risco sério de autodestruição. Igualmente, estão
os “limites estruturais”, definidos por um novo enquadra-
mento tecnológico e econômico que faz do crescimento
uma condição necessária, mas insuficiente, para alcançar
determinadas metas, por exemplo, a redução do desem-
prego, para atingir a qual se deve, inevitavelmente, im-
plementar outras atuações complementares e mudanças
profundas de atitudes sociais e comportamentais.
Tudo isso aumenta a relevância do âmbito microeco-
nômico, sem negar a importância do macroeconômico;
vincula a economia a outros parâmetros, como o meio-
ambiente, a tecnologia, o território e sua cultura; e marca
uma tendência à descentralização do sistema produtivo,
da tomada de decisões e da própria forma de promover a
economia a partir das instâncias públicas.
Trata-se, portanto, de um desenvolvimento integral no
qual se inclui, por direito próprio, o desenvolvimento local
em geral, e as experiências práticas sobre as quais essa
análise se baseou, em particular.
O desenvolvimento integral supõe uma concepção do
desenvolvimento que, logicamente, prevê a necessidade
de crescimento econômico, mas não a qualquer preço e,
dada a consciência plena da situação, longe de o sacrali-
zar ou evitar suas limitações. A partir disso, favorece-se
a inter-relação economia - meio ambiente - cultura lo-
cal – tecnologia - território; aposta-se firmemente num
desenvolvimento sustentado; pondera a importância do
desenvolvimento social, certo de que não há eficácia
econômica sem eficácia social; e instrumenta-se meca-
nismos de descentralização, participação e concertação,
aumentando o peso das entidades públicas locais e da
sociedade civil.
Esse seria, então, um enquadramento teórico e prático
no qual as considerações efetuadas sobre os casos práti-
cos aqui avaliados se inserem e devem ser compreendi-
das.
34 número 2, 2005 - @local.glob
Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança
Entrevista
Antonio-Claret García
Presidente da CajaGRANADA e da Fundação
CajaGRANADA Desenvolvimento Solidário, Espanha
Presidente da Associação Internacional de Entidades
de Crédito Hipotecário e Social
@local.glob
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Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha
[email protected] - número 2, 2005
Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha
Em primeiro lugar, gostaríamos de parabenizá-lo
pela recente adesão (no mês de fevereiro de 2005)
da CajaGRANADA (que aqui também será deno-
minada somente como Caixa) ao Pacto Global das Nações
Unidas, “uma iniciativa de compromisso ético para que as
empresas de todos os países acolham, como parte integral
da sua estratégia e operações, certos princípios de conduta
e de ação em matéria de Direitos Humanos, Trabalho, Meio
Ambiente e Luta contra a Corrupção” 1. A entidade bancária
CajaGRANADA, presidida pelo senhor, desde 2003 oferece
apoio a Delnet - através da Fundação CajaGRANADA - me-
diante um fundo de bolsas para facilitar a participação das
instituições com recursos econômicos limitados no sistema
de formação, comprometendo-se, através desta iniciativa,
a procurar a conciliação dos interesses e dos processos da
atividade empresarial com os valores e demandas da socie-
dade civil, bem como com os projetos da ONU, Organizações
Internacionais setoriais, sindicatos e ONGs.
São muitas as perguntas que gostaríamos de lhe fazer,
pois foram muitas também as ações adotadas por iniciati-
va da entidade que o senhor representa e cujos resultados
podem ser observados claramente no compromisso social
que estão exercendo: a realização de ações para impulsio-
nar a economia social, como motor de desenvolvimento na
Andaluzia, a criação da Fundação La General (agora Fun-
dação CajaGRANADA) para o Desenvolvimento Solidário,
o engajamento em uma diversidade de projetos com forte
implantação no território da Andaluzia, no sul de Espanha,
a presença inequívoca da entidade na sociedade, a tomada
da liderança através da Presidência da CajaGRANADA na
Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipote-
cário e Social…
...Quando o senhor chegou à Presidência da Caja-
GRANADA, como começou a tomar forma o “projeto
social”?
Antes de chegar à Caixa eu já conhecia o sistema dos
microcréditos e as atividades do Grameen Bank, o “Banco
dos Pobres”, criado por Muhammad Yunus no Bangladesh.
Além disso, a maioria das caixas foi originalmente criada
como Montes de Piedade2, sendo que uma das suas princi-
O microcrédito, uma ferramenta para a coesão social e o desenvolvimento sustentável
Entrevista com Antonio-Claret García Presidente da CajaGRANADA e da Fundação CajaGRANADA Desenvolvimento Solidário, EspanhaPresidente da Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social
1 Para mais informação sobre o Pacto Global das Nações Unidas podem-se consultar as seguintes páginas: http://www.pactomundial.org/ e http://www.unglobalcompact.org/Portal/Default.asp?.2 Instituições criadas pelos franciscanos na Itália no século XV, com um equivalente no Brasil, por exemplo, com um decreto assinado por D. Pedro II que criou a Caixa Econômica e o Monte de Socorro da Corte, atribuindo empréstimos às classes mais baixas tomando jóias e objetos como garantia de pagamento.
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Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha
[email protected] - número 2, 2005
Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha
pais finalidades era prestar serviço financeiro aos grupos
que estavam excluídos do mesmo. Entendi que, no começo
do século XXI, este objetivo permanecia vigente. Ainda
em nossos dias, há setores sociais excluídos do sistema
financeiro e com graves dificuldades para conseguir uma
integração social e trabalhista.
Talvez a introdução de novos modelos de gestão, o
surgimento de novos “produtos” como o microcrédito,
exigem também uma mudança cultural profunda. O
senhor poderia nos contar quais foram os principais
obstáculos encontrados? E quais foram as principais
ferramentas que utilizou para os superar?
O principal problema foi a mentalidade financeira e a ine-
vitável busca de rentabilidade econômica por parte desta e
de qualquer outra entidade financeira. Obviamente, para po-
der desenvolver qualquer projeto social é fundamental partir
de uma Caixa sólida e rentável já que a ação social se nutre
dos benefícios da própria entidade. Assim, a Fundação para
o Desenvolvimento Solidário realiza sua atividade com o
sustento dos fundos da Obra Social da Caixa. Em definitiva,
o que estava sendo feito até agora com nossa Obra Social
era conceder subvenções de fundo perdido. Com o sistema
de microcréditos, uma mesma subvenção pode ajudar a vá-
rios projetos que, quando em funcionamento, podem manter
e multiplicar seus efeitos no tempo. Considero mais eficaz
“dar varas e ensinar a pescar, que dar diretamente o peixe”.
A figura do microcrédito, até chegar a ser entendida
tal como é nos nossos dias, foi adquirindo diversas
formas ao longo da história. Assim, as iniciativas ado-
tadas pelo pioneiro Mohammad Yunus nos anos 70,
foram abrindo caminho para outras instituições de
características similares, que de diferentes cantos do
planeta apostaram firmemente no micro-financiamen-
to. Na Cúpula sobre o Microcrédito em Washington
(fevereiro de 1997) empreendeu-se uma ambiciosa
campanha a médio prazo, que culmina neste ano de
2005, Ano Internacional do Microcrédito, centrada no
desafio de expandir a capacidade e alcance do micro-
financiamento de forma significativa.
Das conclusões que podemos tirar desses impor-
tantes acontecimentos internacionais, uma delas nos
chama particularmente a atenção, e que talvez seja o
princípio que guia o microcrédito: os mais pobres são
um “bom risco”. O senhor concorda com esta afirma-
ção?
A experiência concreta no nosso âmbito de atuação nos
mostra que, realmente, os mais pobres são um bom risco,
pois em nosso caso as taxas de devolução chegam a 95%.
Porém, independentemente disso, entendo que esta ativi-
dade é inerente às caixas de poupança espanholas, já que
como disse anteriormente, elas nasceram para prestar ser-
viço financeiro a quem não tinha acesso ao mesmo.
Nesses últimos anos, estamos assistindo a um processo
contínuo em direção ao micro-financiamento sustentável e
à criação de setores financeiros inclusivos, a nível mundial.
Na Cúpula sobre o Microcrédito em Washington, em feve-
reiro de 1997, o microcrédito passou formalmente a fazer
parte do quadro da economia mundial, apresentando-se
como uma ferramenta eficaz e um direito que contribui
para a erradicação da pobreza. O ano de 2005, Ano In-
ternacional do Microcrédito, reconhece a importância do
micro-financiamento para cumprir com os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio.
Ora, existe um amplo debate sobre a sustentabilidade
dos programas de microcrédito, particularmente nos pa-
íses em desenvolvimento. Estou plenamente convencido
da sustentabilidade dos programas da nossa Fundação a
médio prazo; o que acontece é que no modelo econômico
no qual nos movemos, busca-se a rentabilidade ou o lucro
com um risco mínimo e no menor prazo possível.
Outra das conclusões tiradas da Cúpula de Washing-
ton deixa claro que os programas de microcrédito es-
timulam a poupança e a acumulação de ativos. Desde
uma ótica dupla, como Presidente da Associação Inter-
nacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social3
e como impulsionador de uma experiência de implan-
tação de um programa de microcrédito desde a Funda-
ção CajaGRANADA para o Desenvolvimento Solidário,
3 A Associação Internacional de Entidades de Crédito Hipotecário e Social, constituída em 28 de setembro de 1957, em Milão (Itália), é uma organização sem fins lucrativos que representa e coordena as entidades associadas que realizem atividades de crédito com garantia hipo-tecária ou de crédito social, considerado de forma abrangente, e as suas associações nacionais. Conta com personalidade jurídica própria e é regida por seus Estatutos, que foram aprovados em 24 de setembro de 2004.
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Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha
[email protected] - número 2, 2005
Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha
o senhor considera que esta equação é possível?
O microcrédito não deve jamais estar dirigido ao consu-
mo; pelo menos nos países desenvolvidos, sua finalidade
deve ser a realização de uma micro-empresa ou atividade
econômica auto-sustentável, e para que esta atividade se
sustente, é necessário que haja um mínimo de atividade
econômica. O que está claro é que uma pessoa que consiga
dar um primeiro passo com um microcrédito terá criado
uma atividade econômica sustentável, uma micro-empre-
sa, que será um ativo a mais na sociedade em que vive, pois
gerou, assim, seu próprio emprego. E se isso possibilitar a
sua integração no sistema financeiro tradicional, podere-
mos também dizer que se estimulou a poupança.
Acho que essa equação é aplicável em qualquer país,
porque o que é comum a todo tipo de sociedade, e um dos
pontos chaves do microcrédito, é que se ensina algo funda-
mental à pessoa, ou seja, confiar mais no seu esforço, cria-
tividade e trabalho, do que nas subvenções ou doações.
Por outro lado, não devemos nos esquecer que a susten-
tabilidade financeira só é alcançada a médio/longo prazo,
e para a conquistar é necessário alcançar um número sufi-
ciente de clientes, pois se trata de operações com pequenas
quantias. Segundo o Grupo Consultivo de Ajuda à População
mais Pobre do Banco Mundial (CGAP) que, por sua vez, conta
com um programa de micro-financiamento, as instituições
micro-financeiras deveriam reunir quatro condições: per-
manência, para prestar serviços financeiros a longo prazo;
escala, a fim de abranger um número suficiente de clientes;
focalização, para chegar à população pobre e, por último,
sustentabilidade financeira. No caso da nossa Fundação, es-
tas quatro condições são profundamente consideradas.
A CajaGRANADA, desde setembro de 2003, tomou
a liderança da Associação Internacional de Entidades
de Crédito Hipotecário e Social. Sabemos que entre
seus objetivos essenciais está o de motivar todas as
entidades de crédito que pertencem a essa Associa-
ção para que travem o compromisso de estimular
os programas de microcrédito existentes, bem como
impulsionar a criação de mais programas. Que atua-
ções estão sendo levadas a cabo nesse sentido? E, por
outro lado, o senhor considera que existem sinergias
favoráveis para alimentar este impulso?
No discurso de aceitação dessa nova responsabilidade,
insisti na necessidade de incorporar as entidades dedica-
das ao microcrédito e ao crédito social a esta instituição
e solicitar a que os Montes de Piedade desempenhassem
um papel mais ativo contra a exclusão financeira, buscan-
do novas fórmulas de atuação nesse campo. Juntamente
com o crédito hipotecário, deve-se abrir caminho para o
empréstimo social ou o microcrédito, para responder com
eficácia às novas demandas da sociedade. Os habitantes da
cidade de Granada e os andaluzes em general, já estão se
beneficiando desse esforço da CajaGRANADA para evitar a
exclusão financeira graças aos microcréditos com os quais
a Fundação está apoiando novos empreendedores que
criam novas micro-empresas e que superam dificuldades
econômicas com o auto-emprego.
Gostaríamos de conhecer mais profundamente a
Fundação CajaGRANADA e alguns pormenores da ges-
tão que está sendo realizada. A Fundação CajaGRA-
NADA para o Desenvolvimento Solidário nasce com
uma clara vocação de compromisso com a sociedade e
com a aspiração de converter-se num sólido referente
do “outro modo” de realizar as práticas financeiras.
O apoio que prestam pode ser visto através de vários
conceitos que foram traduzidos num fato real: o apoio
financeiro para consolidar as aspirações de muitas
pessoas que se encontravam fora dos circuitos tradi-
cionais e convencionais financeiros.
Que tipo de pessoas são atendidas prioritariamente?
Que requisitos devem cumprir? Que outras especifi-
cidades são consideradas para avaliar as solicitações
positivamente?
A Fundação procura financiar projetos de pessoas caren-
tes que tenham muita dificuldade para encontrar emprego
e que não tenham acesso ao sistema financeiro. Principal-
mente, atende mulheres com cargas familiares, imigrantes
e pessoas com mais de 45 anos. Um segundo requisito
refere-se ao caráter das pessoas: devem ser pessoas em-
preendedoras e lutadoras. Montar uma empresa (ou micro-
empresa) é um trabalho árduo e cheio de obstáculos, e se o
promotor acredita na sua idéia será muito mais fácil que o
negócio vá para frente.
Nas iniciativas empreendedoras, um dos obstáculos
principais é passar da idéia ao projeto real. Nesse sen-
tido, chegam muitas idéias aos seus escritórios que
38 número 2, 2005 - @local.glob
Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha
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Entrevista a Antonio-Claret García - Espanha
não conseguiram superar o passo seguinte na lógica
empresarial?
A maioria dos projetos apresentados à Fundação corres-
pondem a atividades bastante convencionais (comércios,
hotelaria...). As idéias mais inovadoras geralmente contam
com nosso apoio, ainda que seja mais difícil avaliar a sua
viabilidade. A Fundação financia aproximadamente 35%
dos projetos apresentados.
Os motivos mais comuns de rejeição se devem a:
• Perfis dos promotores que não cumprem com os requi-
sitos de acesso ao microcrédito;
• Projetos incompletos ou que não se ajustam às condi-
ções do microcrédito;
• Viabilidade econômica duvidosa do projeto devido à
localização geográfica do negócio, ao tipo de atividade
ou à capacitação dos promotores para a atividade.
Quando os microcréditos são aprovados e concedidos, e
salvo algumas exceções, os prazos necessários para pôr os
negócios em andamento são muito curtos.
Antes de conceder um microcrédito, avalia-se uma série
de parâmetros relativos aos projetos e aos seus promoto-
res. Os dados são obtidos através dos planos de empresa
apresentados, de várias entrevistas e de visitas aos locais
onde os promotores pretendem realizar a atividade. Com-
provamos a viabilidade dos negócios e a capacitação dos
seus promotores. Um projeto inovador apresenta mais ris-
cos devido ao desconhecimento do produto e sua possível
aceitação por parte do público. Para este tipo de projetos,
sempre consideramos positiva a contribuição de alguns
estudos de mercado realizados pelo promotor.
Concentrando-se agora sobre o microcrédito, gostarí-
amos que o senhor nos descrevesse como foi articulado
o sistema, e quais são os seus parâmetros de atuação.
Que metodologia é utilizada para a sua concessão, que
tipo de juros aplicam, prazos de devolução, índices de
inadimplência na devolução dos empréstimos, quantia
dos microcréditos, etc.?
O plano de empresa deve ser completo: contamos com
um “check-list” ou lista de dados e de comprovantes que
os solicitantes de um microcrédito devem oferecer. Além
disso, contamos com um modelo de entrevista para captar
uma série de dados sobre a idoneidade da pessoa e sua
possível capacidade de reembolso. Realiza-se um estudo
de viabilidade detalhado de cada projeto, abrangendo as-
pectos legais, financeiros, comerciais, técnicos, meio-am-
bientais, sociais…
Praticamente todos os micro-empresários optam pelo
prazo máximo de devolução do empréstimo (5 anos). O
tipo de juros é fixo e atualmente é de 4%. No caso de que se
estime que o negócio terá dificuldades para gerar recursos
durante os primeiros meses, dá-se uma carência de até 6
meses para a devolução do capital. A quantia máxima do
microcrédito chega a e 12.000 (euros). O menor micro-
crédito atribuído foi de e 2.500. A quantia média varia
ao redor de e 9.500. Sobre um total de 191 microcréditos
concedidos até hoje, temos 5% operações falidas (negócio
fechado) e 3% com algum recibo não pago.
A maioria dos projetos apresentados corresponde a ini-
ciativas individuais ou familiares. Já recebemos petições de
cooperativas sociais constituídas que atravessavam difi-
culdades financeiras, mas cujas necessidades superavam o
valor máximo do microcrédito (12.000).
Que objetivos foram estipulados para os próximos
anos? Há estimativas do volume de fundos que será
adjudicado ao microcrédito a curto e médio prazo?
A única atividade da Fundação é a concessão de micro-
créditos, portanto, a eles serão destinadas todas as contri-
buições de fundos realizadas pela Caixa, que, juntamente
com as devoluções recebidas dos beneficiários de micro-
créditos passam a integrar o Fundo constituído na Funda-
ção para a concessão de operações.
Algumas das finalidades da nossa Fundação são apoiar
o auto-emprego e o desenvolvimento profissional, median-
te ações de concessão de microcréditos, ações diretas de
formação e o fomento de estudos para descobrir novas
possibilidades econômicas para a comunidade, bem como
promover a melhoria de oportunidades para as camadas
mais desfavorecidas.
Até hoje, limitamosas nossas atuações à atribuição de
microcréditos. Há muitas entidades autônomas, provinciais
e locais que atualmente assessoram os empreendedores e
dão formação especializada de forma totalmente gratuita.
Avisamos os nossos micro-empresários sobre essas ofertas
40 número 2, 2005 - @local.glob
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bem como sobre as possibilidades de solicitar subvenções e
prêmios, concedidos por entidades públicas ou privadas.
Entre 2003 e 2004 a Fundação realizou dois Encon-
tros de Beneficiários de Microcrédito, com o intuito de
criar uma rede entre os beneficiários, para que se pres-
tem apoio mútuo no seu trabalho diário. Nesse sentido,
o senhor considera que as redes são imprescindíveis no
nosso cenário econômico? Que valor agregado a cons-
tituição de uma verdadeira rede de micro-empresários
pode oferecer?
Os encontros de beneficiários de microcrédito organiza-
dos pela Fundação tinham como objetivo principal a criação
de um espaço onde os micro-empresários se pudessem
conhecer e criar laços empresariais e de amizade entre si. O
perfil de uma boa parte dos micro-empresários correspon-
de a pessoas que não conhecem bem o meio empresarial e
que têm muitos problemas de adaptação (idioma, cultura,
costumes,..). Consideramos que este tipo de encontro é uma
possibilidade para se conhecer e dar apoio mútuo.
Qualquer fórum empresarial pode contribuir com uma sé-
rie de benefícios comerciais aos seus participantes. Ademais,
consideramos que o encontro dos beneficiários de microcré-
dito pode ajudar a fomentar a solidariedade entre pessoas
que tiveram ou têm dificuldades para seguir em frente.
A experiência de instituições como o Grameen Bank,
Triodos Bank, BancoSol, etc…., evidencia que o micro-
crédito em si não é suficientemente forte para poder
subsistir num contexto cada vez mais exigente. Por
isso, os microcréditos devem ser colocados em enqua-
dramentos mais amplos, inseridos em programas mais
integradores, como os de desenvolvimento local, onde
a capacitação técnica, a ação comunitária e o estímulo
à poupança sejam complementos significativos na pró-
pria vida do microcrédito.
Se aceitarmos esta suposição, o senhor acredita que
os programas de microcrédito estão dando uma res-
posta integradora, além do impulso financeiro?
Para nós, o microcrédito é a ferramenta mais eficaz
para integrar no sistema financeiro aqueles que dele estão
excluídos, que são precisamente os mais desfavorecidos.
Portanto, estamos contribuindo para o equilíbrio, a coesão
social e o desenvolvimento econômico.
Hoje em dia, falar de microcrédito é falar também de
igualdade de oportunidades de gênero. Não é à toa que
mais de 90% das pessoas beneficiárias deste tipo de em-
préstimos no mundo todo sejam mulheres. Isso porque, em
determinados setores sociais, a mulher continua sendo a
principal e mais direta responsável pela unidade familiar.
Além desse condicionante, existe outro fator concomitante,
pois as mulheres ainda encontram mais empecilhos para
entrar no mercado de trabalho.
Com base na experiência da Caixa, posso afirmar que
existe uma forte relação entre o microcrédito e o progresso
social. Se uma pessoa ou grupo se encontra excluída do
sistema financeiro tradicional por falta de garantias, há
muitas possibilidades de também sofrer exclusão social. Se
com este sistema pudermos evitar a exclusão financeira e
apoiarmos com nosso assessoramento o impulso empre-
endedor, não há dúvidas de que também estamos a contri-
buir para um progresso social.
Em 22 de setembro de 2005, realizou-se a cerimônia de entrega da sétima edição do Prêmio CajaGRANADA à Cooperação Inter-nacional. O Conselho de Administração da entidade financeira concedeu esse reconhecimento, na sua edição de 2004, a Maria Nowak, Presidente da Associação pelo Direito à Iniciativa Econômica (ADIE), em reconhecimento da sua trajetória como defensora e motivadora do microcrédito na Europa, como ferramenta de luta contra a pobreza e possibilitadora da integração social dos mais desfavorecidos.
Desde 1998, a CajaGRANADA concede este Prêmio à Cooperação Internacional para reconhecer o esforço e a dedicação de institui-ções e pessoas na busca de uma maior justiça social. A contribuição econômica é de 24.040 euros, e, em cada edição, os premiados decidem a que organização não-governamental destinam o prêmio citado.
Maria Nowak criou a ADIE na França, em 1989, para adaptar o conceito de microcrédito à realidade francesa, demonstrando que esta forma de empréstimo social serve para erradicar a pobreza, evitar a exclusão financeira e propiciar a integração social às pessoas em risco de exclusão, também nos países desenvolvidos. Maria Nowak converteu-se numa infatigável defensora do empréstimo social e, por sua experiência e conhecimento, um referente mundial para o desenho e criação de novos sistemas de concessão e gestão de microcréditos.
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• CGLU - Voz e representação mundial do governo local
autônomo e democrático
• Norma Baca Tavira e Francisco Herrera Tapía - Desenvolvimento
rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana
@local.glob
42 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
mundial do governo local autônomo e democrático, me-
diante a promoção dos seus valores, objetivos e interesses
perante a comunidade internacional; através da cooperação
entre governos locais”.
Com base nessa linha, um grande trabalho foi realiza-
do para fomentar o fortalecimento dos governos locais
autônomos e democráticos, apoiando a cooperação e o
intercâmbio entre os membros, assegurando a represen-
tação política eficaz desses governos locais perante a co-
munidade internacional e, especialmente, face às Nações
Unidas e suas agências. Três eixos principais demarcam
o raio dentro do qual se organizarão as atividades que
visam cumprir com os objetivos: “desenvolvimento sus-
tentável num mundo em globalização”; “descentralização
e democracia local” e “diplomacia, um desafio para nossas
cidades”.
A estrutura descentralizada e democrática do CGLU
facilita o trabalho nos âmbitos demarcados e representa
o conjunto de governos locais, grandes e pequenos, do
mundo todo, de maneira abrangente. As sete Seções Re-
gionais geográficas (África, Ásia-Pacífico, Eurásia, Europa,
América Latina, Oriente Médio e Ásia Ocidental e América
do Norte) permitem classificar os membros, de mais de 100
países, a nível nacional ou local, de forma a que cada uma
das entidades seja legalmente independente e suficiente-
mente representada quer pela sua Associação Nacional de
Governos Locais, quer por si mesma, como parte integran-
te de uma plataforma mundial.
Uma seção adicional e muito representativa do CGLU
está constituída pela Associação Mundial das Grandes
Metrópoles, a principal organização mundial que repre-
senta as grandes cidades, e que conseguiu um acordo com
o CGLU para administrar a sua seção metropolitana e es-
tar representada nos seus órgãos de governo. Metropolis
abrange, assim, o conhecimento e a experiência acumula-
“N ão devemos esquecer-nos que é a nível local
que os conceitos abstratos – tal como a soli-
dariedade, o desenvolvimento sustentável, a
coesão e o diálogo social – encontram aplicação concreta,
quando se trata de manter as escolas, de reformar os bair-
ros, de melhorar o transporte público ou de assegurar uma
boa gestão dos resíduos.” “Também é na cidade que cada ha-
bitante pode expressar-se, participar e ter voz nas decisões
que comprometem o futuro individual e coletivo; não faltam
exemplos: desde o orçamento participativo no Brasil, os
conselhos de bairro ou os conselhos da juventude ou de re-
presentantes dos residentes estrangeiros existentes em inú-
meras cidades, todos fazem com que a democracia local não
seja uma ilusão. A democracia local é ao mesmo tempo uma
escolha política, um método e um instrumento para respei-
tar os cidadãos e cidadãs, tornando-os atores da sua própria
vida e restabelecendo a confiança na nossa convivência e na
própria idéia de democracia”.
Transcorrido que está mais de um ano, as palavras pro-
nunciadas pelo prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, no seu
discurso durante a cerimônia inaugural do Congresso fun-
dador de Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU)
– realizado em Paris, de 2 a 5 de maio de 2004 – continuam
refletindo o espírito dessa nova Organização Internacional
nascida como resultado da unificação das duas maiores
associações gerais de governos locais do mundo: a União
Internacional de Autoridades e Governos Locais (IULA) e a
Federação Mundial de Cidades Unidas (FMCU).
A declaração oficial adotada no Congresso de Paris mos-
tra os principais temas de interesse e as áreas de atividade
para a nova organização mundial. Redigida em consulta
permanente com os membros, a declaração confirma que
o CGLU trabalhará em estreita cooperação com as Nações
Unidas para poder cumprir os Objetivos do Milênio. Ao
mesmo tempo identifica uma missão clara e bem definida
para a nova organização: “constituir a voz e representação
@global - Cidades e Governos Locais Unidos
Cidades e Governos Locais Unidos
Voz e representação mundial do governo local autônomo e democrático
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da durante mais de vinte anos de trabalho em rede com as
áreas metropolitanas.
Os membros de “Cidades e Governos Locais Unidos”
se reúnem numa Assembléia Geral que elege o Conselho
Mundial, de acordo com as eleições realizadas previamen-
te nas secções regionais e metropolitanas. O Conselho
Mundial está integrado por 318 prefeitos e autoridades
representantes de governos locais de todo tipo e de todas
as regiões do mundo.
Durante o seu primeiro ano de vida o programa de tra-
balho de CGLU foi muito ambicioso, apesar das limitações
existentes no seu mandato: ser a voz dos governos locais
no panorama internacional e dar apoio às Nações Unidas
no trabalho para os Objetivos do Milênio. No contexto da
primeira linha de ação, pôde-se progredir significativa-
mente, forjando relações sólidas com organizações
internacionais, como demonstram as seguintes conquis-
tas que, entre outras, gostaríamos de destacar:
• Em junho de 2004, recebeu um reconhecimento espe-
cial no “Relatório Cardoso” 1, no qual se apontava que
“as Nações Unidas deveriam considerar o CGLU como
uma instância consultiva em questões de governança
local”;
• Assinatura de um Acordo de Cooperação com o Banco
Mundial com o objetivo de colaborar na luta contra a
pobreza e na melhoria das condições de vida dos habi-
tantes de países em desenvolvimento;
• Assinatura de outro Acordo de Cooperação com o
Glocal Forum para realizar projetos conjuntos de pro-
moção da paz e outras atividades através das relações
cidade-cidade, do empoderamento da juventude e das
Tecnologias da Informação e Comunicação;
• Ainda no ano de 2004, trabalhou com o UN-Habitat
no Segundo Fórum Urbano Mundial em Barcelona
e organizou uma sessão plenária conjunta titulada:
“Governos Locais, parceiros para o desenvolvimento”.
Durante esta sessão, CGLU e UN-Habitat assinaram
um Acordo de Cooperação para consolidar um leque
de iniciativas conjuntas para o futuro próximo.
• Em novembro de 2004 em Durban, o Grupo Consultivo
da Aliança de Cidades se comprometeu a colaborar
mais estreitamente com CGLU tendo como objetivo
@global - Cidades e Governos Locais Unidos
assegurar uma maior participação das autoridades
locais na elaboração e gestão de programas de recu-
peração de assentamentos irregulares.
• Participação, pela primeira vez, na Academia Interna-
cional de Agrupamentos de Mulheres, organizada pela
Comissão Huairou em colaboração com CORDAID
(Organização Holandesa para o Desenvolvimento
http://www.cordaid.nl ).
Em prol dos Objetivos do Milênio, o Conselho Mundial
de CGLU, reunido em Pequim em junho de 2005, lançou
uma campanha de sensibilização visando a Cúpula de
Chefes de Estado e de Governo realizada em Nova Iorque
de 14 a 16 de setembro de 2005. Para apoiar o Secretário
Geral das Nações Unidas nos seus esforços e para pres-
sionar os Estados para que cumpram as suas promessas
de alcançar os Objetivos do Milênio, convidaram-se as
cidades de todo o mundo a ratificar a Declaração dos Go-
vernos Locais em prol dos Objetivos do Milênio de CGLU e
a pôr em andamento uma série de iniciativas sob o lema:
“Sem desculpas: 2015! O mundo deve ser um lugar melhor.
Nossa cidade apóia os Objetivos do Milênio das Nações
Unidas”.
Metropolis
Associação Mundial das Grandes Metrópoles e Seção
Metropolitana do CGLU
Criada em 1985, Metropolis opera como um fórum inter-
nacional para explorar questões e inquietudes comuns a
todas as grandes cidades, como o planejamento e desen-
volvimento urbanístico, economia, saúde, meio-ambiente,
transporte, infra-estruturas ou comunicações. Durante
todos estes anos, o trabalho de Metropolis fomentou a
cooperação internacional e os intercâmbios entre seus
membros: governos locais e metropolitanos tornaram-
se, assim, porta-vozes dos interesses das metrópoles nos
foros internacionais. Essa associação também possibilitou
o aumento da troca de conhecimentos, experiências e
políticas entre membros e colaboradores para solidificar
as capacidades institucionais, fortalecendo a influência
mundial dos governos metropolitanos, em colaboração
com outras associações de governos locais, organizações
internacionais e sociedade civil.
1 Resultado da colaboração entre o Instituto Norte-Sul (INS) e a Federação Mundial de Associações das Nações Unidas (FMANU), com a participação de centenas de organizações da sociedade civil de todo o mundo, o Relatório Cardoso “Nós os povos: a Sociedade Civil, as Nações Unidas e a Governança Global” é uma pesquisa sobre o compromisso da sociedade civil com a Declaração do Milênio e os seus objetivos de desenvolvimento.
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@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana
Nas vésperas da Cúpula de líderes mundiais, a delegação
de CGLU se reuniu com Kofi Annan, Secretário Geral das
Nações Unidas, e com Jan Eliasson, presidente entrante da
Assembléia Geral das Nações Unidas, com quem trocaram
opiniões acerca do papel dos governos locais no desen-
volvimento internacional. O Co-presidente de CGLU, Paco
Moncaeo, Prefeito de Quito, Equador, esteve à frente da de-
legação que manteve as reuniões e entregou a Declaração
dos Governos Locais pelos Objetivos do Milênio, assinada
por mais de 1.000 cidades, governos locais e associações
do mundo inteiro, afirmando um compromisso de apoiar
os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações
Unidas e solicitando, também, o reconhecimento oficial do
importante papel que os governos locais desempenham
para que tais objetivos possam ser atingidos.
Nessa linha de apoio ao desenvolvimento sustentável, si-
tua-se também o apoio prestado por CGLU à organização
da Segunda Cúpula Mundial de Cidades e Governos
Locais sobre a Sociedade da Informação que acaba
de ter lugar em Bilbao, Espanha (de 9 a 11 de novembro de
2005). CGLU facilitou a mobilização de todos os atores do
desenvolvimento local e internacional para que participas-
sem do evento, com o objetivo de contribuir para a redução
da barreira digital e com o reconhecimento do papel dos
governos locais no desenvolvimento da sociedade da in-
formação. Nessa cúpula, adotou-se uma Declaração e um
Plano de Ação nos quais se assentaram os compromissos
concretos adotados pelas Autoridades Locais e seus par-
ceiros para alcançar, num período de 10 anos (2005-2015),
uma Sociedade da Informação justa, diversa e facilitadora
de novas oportunidades de desenvolvimento, alicerçando
a capacidade dos governos locais para oferecerem servi-
ços essenciais acessíveis a todos e aprofundar a participa-
ção cidadã na tomada de decisão a nível local.
Entre os projetos futuros a serem destacados está a
participação no 4º Fórum Mundial da Água que será
realizado de 16 a 22 de março de 2006 no México, como
iniciativa do Governo do México e do Conselho Mundial da
Água. Com base no tema “Ações Locais para um Desafio
Global”, um dos principais componentes do Fórum será a
apresentação e difusão de experiências e ações implemen-
tadas a nível local em diversas regiões do mundo. CGLU,
através da sua Comissão Gestão da Água e Saneamento,
difundirá a posição dos governos locais na gestão local
dos recursos hídricos, além de propiciar o debate com os
representantes dos Estados e das grandes instituições
internacionais sobre o papel desempenhado pelos go-
vernos locais. CGLU como organismo central convidou
as Cidades e Associações nacionais de governos locais a
comunicarem ao Secretariado Mundial os temas sobre os
quais desejam fazer uma contribuição em termos de co-
nhecimentos e experiências realizadas e, assim, conseguir
que, graças ao fórum, sejam desenvolvidas ações locais
para melhorar a gestão da água e dar resposta ao desafio
de “reduzir pela metade, de agora até 2015, o número de
pessoas sem acesso a água potável”, o 7º Objetivo de De-
senvolvimento do Milênio.
À luz do trabalho iniciado no seu primeiro ano de vida,
pode-se afirmar que CGLU está consolidando-se de dia
para dia como a grande representação das entidades
locais a nível internacional, tal como o Secretário Geral
das Nações Unidas expressa nas suas palavras de fortale-
cimento e apoio para seguir trabalhando na linha seguida
até ao momento: “Não é só apropriado, mas fundamental,
que vocês que estão tão próximos da vida cotidiana e das
aspirações dos cidadãos do mundo, se tenham reunido para
nos oferecer as vossas opiniões e visão. Como podemos pen-
sar que poderemos alcançar os ODM e avançar com a ampla
agenda de desenvolvimento, sem progredir em áreas como a
educação, a fome, a saúde, a água e o saneamento e a igual-
dade de gênero? As cidades e os governos locais têm que
cumprir um papel chave em cada uma dessas áreas. Afinal, é
nas ruas das nossas cidades onde será possível avaliar o que
aqui ficar decidido. É na vida diária dos nossos cidadãos, na
sua proteção e segurança, na sua prosperidade e oportuni-
dades onde nossos progressos serão mais visíveis e nossos
tropeços mais graves. Apesar dos nossos Objetivos serem
globais, eles podem ser alcançados de forma mais eficiente
através da ação a nível local”.
CGLU e o Programa Delnet criaram um espaço virtual
compartilhado para facilitar o acesso à informação, ao tra-
balho em rede, colaboração e intercâmbio de experiências
entre os governos locais e os atores sócio-econômicos
de todo o mundo. Tanto neste espaço, disponível em
http://www.delnetitcilo.net/uclg , como nesta revista,
continuaremos dando voz e difusão às atividades e inicia-
tivas desta importante organização.
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@local - Desenvolvimento rural e gênero: uma relação emergente na política mexicana
Com base nos antecedentes históricos do desen-
volvimento rural, neste artigo problematiza-se
acerca da incorporação da perspectiva de gênero
nas políticas de desenvolvimento rural mexicanas; parti-
cularmente, enfatiza-se o vínculo entre a mulher rural e o
desenvolvimento.
Recapitulando o desenvolvimento rural
Desde suas origens o conceito de desenvolvimento rural
seguiu um padrão relacionado com a “teoria da moderni-
zação”. De acordo com Gardner e Lewis (2003) a indus-
trialização, a transição da agricultura de subsistência às
plantações mercantilistas e a urbanização são fenômenos
chaves de tal processo. A modernização é essencialmente
“evolucionista”; os países são concebidos como organis-
mos que transitam por diferentes etapas de um caminho
linear que conduz irremediavelmente a uma sociedade
industrializada, urbana e ordenada.
O modelo de desenvolvimento modernizador proposto
até o momento recebeu suas principais críticas na região
na década de setenta a partir do pensamento latino-
americano, encabeçado pela Comissão Econômica para
América Latina e Caribe (CEPAL). Mediante suas críticas
histórico-estruturais o CEPAL argumentava que a região,
e particularmente as suas estruturas agrárias eram parte
de um processo histórico que subordinava as economias
periféricas na divisão internacional do trabalho. A “teoria
da modernização” não conseguiu resolver ou explicar as
razões do subdesenvolvimento de maneira convincente, já
que a pobreza continuava crescendo de forma dramática e
o desenvolvimento na região se adiava cada vez mais.
No final dos anos oitenta, tanto as idéias “moderniza-
Desenvolvimento rural e gêneroUma relação emergente na política mexicana
Mulheres colhendo goiabas no sul do Estado do México
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Norma Baca TaviraPesquisadora do Centro de Pesquisa e Estudos Avançados da PopulaçãoUniversidade Autônoma do Estado do México
Francisco Herrera TapiaAssessor da Fundação Mexicana para o Desenvolvimento Rural, A. C. (Agência Estado do México) eProfessor da Faculdade de Ciências Políticas e Administração PúblicaUniversidade Autônoma do Estado do México
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doras” como as “dependentistas” estavam chegando a
um ponto de esgotamento enquanto paradigmas vigentes
para a compreensão do subdesenvolvimento e da pobreza.
Igualmente, o quadro socialismo versus capitalismo chega
ao seu término e abre-se o caminho para uma nova ordem
mundial denominada globalização.
O fim das teorias totalizadoras e dos paradigmas únicos,
bem como o surgimento de novos atores sociais criaram
um ambiente propício para formas renovadas de interpre-
tar a realidade social. Ao abandonar a teoria generalista
e determinista prevalece uma tendência cada vez maior
de concentrar-se em grupos e problemas específicos (“as
mulheres”, “os desfavorecidos”, etc.), uma atitude mais re-
flexiva em prol da ajuda e do desenvolvimento, e uma nova
ênfase em iniciativas “de baixo para cima”, organizadas
nas bases sociais (Gardner e Lewis, 2003). Neste contexto,
a linguagem e os discursos do desenvolvimento passam
por uma reviravolta em direção a conceitos que aludem à
pluralidade da sociedade.
A incorporação do gênero ao desenvolvimento rural
De acordo com Kirsten Appendini (2002), Ester Boserup,
com o seu livro Women in Development publicado em 1970,
foi a pioneira em chamar a atenção sobre o impacto dife-
rencial que os processos de desenvolvimento econômico
tinham sobre homens e mulheres, e que pôs em evidência
vários assuntos importantes que abriram o campo para a
pesquisa e as políticas das agências internacionais de de-
senvolvimento.
A Boserup refere-se ainda ao trabalho extra-doméstico,
entendido como o trabalho produtivo que as mulheres
realizam em afazeres que contribuem para a reprodução
econômica da unidade doméstica, e foi uma das primeiras
pesquisadoras a contribuir para a abertura do campo de
estudo das mulheres no desenvolvimento, centrando-se na
divisão sexual do trabalho e suas transformações dentro
da agricultura tradicional no momento de se integrar às
atividades de mercado.
A partir de 1975, data em que se realiza, na cidade do
México, a Primeira Conferência Mundial sobre as Mulheres
das Nações Unidas, países de diversas regiões do mundo
se comprometeram a empreender ações para que os bene-
fícios do desenvolvimento fossem compartilhados na mes-
ma proporção por homens e mulheres. Esta conferência
também deu o pontapé inicial à denominada “Década das
Nações Unidas para as Mulheres”, durante a qual os gover-
nos de vários países levaram a cabo ações para melhorar
as condições de vida das mulheres. Desta forma, em todo o
mundo, leis foram modificadas, foram criados departamen-
tos, instituições e ministérios específicos para as temáticas
de gênero e chegou-se ao auge de uma série de projetos
produtivos, destinados a elevar a renda das mulheres e,
desta forma, melhorar a sua condição e posição na socie-
dade (Razavi e Miller, citado em Cos-Montiel, 2001).
A perspectiva de gênero na elaboração de políticas pú-
blicas traz consigo o reconhecimento de que as relações
socioculturais entre mulheres e homens vêm-se transfor-
mando de forma significativa durante as últimas décadas.
Aborda-se a função familiar, econômica, educativa, profis-
sional e pública da mulher, e ainda mais nas implicações
para o exercício do poder na esfera familiar e de trabalho.
Algumas das tarefas pendentes para que a mulher possa
incorporar-se ao desenvolvimento têm a ver com a discri-
minação de práticas culturais, políticas e sociais sobre a
percepção das mulheres e sua função além do âmbito do-
méstico. É assim essencial progredir na inclusão feminina
para as estratégias de desenvolvimento rural.
Durante os anos oitenta, a mulher se incorporou mais
rapidamente no mercado de trabalho, porém as estatísticas
e censos não davam conta das condições trabalhistas nas
quais se encontravam. É nesse contexto que os estudos
pioneiros de cunho qualitativo do trabalho rural das mu-
lheres desvelam parte do âmago das relações de gênero na
economia camponesa, e nos centros de trabalho da agri-
cultura empresarial.
Mais recentemente os estudos sobre o trabalho por conta
própria e a flexibilidade de trabalho, também se somaram
a esta prolífica produção intelectual, e é conveniente men-
cionar que esses estudos ofereceram uma contribuição
importante ao tema da mulher e desenvolvimento. A tese
central desses estudos, grosso modo, considera que o de-
senvolvimento desigual encontra-se estreitamente vincu-
lado à designação de papéis produtivos diferenciados por
sexo, classe ou etnia. Levando isso em conta, o discurso e a
prática do desenvolvimento ficariam incompletos se não se
reconhece a necessidade de considerar o gênero como par-
te fundamental na estratégia de desenvolvimento rural.
A incorporação da categoria analítica de gênero ao
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discurso do desenvolvimento permitiu entender que os
problemas e soluções das mulheres deviam ser entendidos
a partir de um complexo e intrincado sistema de papéis e
relações estabelecidos com os homens numa determinada
sociedade. Dito sistema, por sua vez, está permeado por
outros eixos de desigualdade como a classe social, a ori-
gem étnica, a idade e a orientação sexual. Durante a IV
Conferência Internacional sobre as Mulheres, realizada em
Pequim, China em 1995, os países reconheceram a pers-
pectiva de gênero como uma ferramenta útil para construir
a equidade. Ao assinar a plataforma de ação da Conferên-
cia, o México se compromete a incorporar a perspectiva de
gênero no planejamento do seu desenvolvimento nacional
(Cos-Montiel, 2001).
Tem-se, assim, um longo caminho percorrido e outro
tanto a fazer sobre os estudos de gênero nas políticas de
desenvolvimento. Interessa-nos trabalhar mais a fundo
esta relação necessária (mulher-homem e desenvolvi-
mento). De acordo com Appendini (2002), hoje em dia a
discussão está centrada, principalmente, na participação,
o desenvolvimento desde baixo e o empoderamento das
mulheres. Os diversos paradigmas econômicos estão sub-
jacentes a um ou outro enfoque, mas a compreensão das
relações de gênero necessariamente articula as relações
sociais e culturais numa visão multidisciplinar.
A mulher, enquanto integrante de uma comunidade
rural, é sujeito e agente que presencia e forma parte das
mudanças registradas no âmbito rural. É assim que, diante
de fenômenos como a emigração de mexicanos para os
Estados Unidos, os trabalhos “abandonados” pelos homens
em suas comunidades de origem recaem sobre a mulher,
da mesma forma que a ampliação dos espaços nos quais
a mulher interage além do seu âmbito puramente domés-
tico, nos leva a acreditar efetivamente nos processos de
empoderamento passíveis de serem aproveitados para o
desenvolvimento rural.
No México, o discurso oficial mantém certo grau de
congruência com a inclusão da mulher rural ao desenvol-
vimento dos lugares onde moram, como no caso da Lei de
Desenvolvimento Rural Sustentável (LDRS) criada em 2001
e que, dentro dos seus preceitos, indica qual deverá ser o
papel da mulher no desenvolvimento rural. Tal lei, no seu
Artigo 6, assinala textualmente:
“Terão caráter prioritário as ações que o Estado,
através das três instâncias de governo e nos ter-
mos das leis aplicáveis, realize no meio rural. Em
tais ações, que se efetuarão segundo critérios de
equidade social e de gênero, integralidade, produ-
tividade e sustentabilidade, poderão contar com a
participação dos sectores social e privado”.
Com este mesmo propósito de incorporar a mulher ao
desenvolvimento rural e comunitário, os programas de
governo dirigidos ao desenvolvimento rural identificam as
mulheres rurais como grupos prioritários na atenção de
demandas sociais para o combate à pobreza e busca do
desenvolvimento. Um caso sem precedentes é a criação
da figura associativa chamada Unidade Agrícola Industrial
da Mulher (UAIM), introduzida na Lei Federal de Reforma
Agrária em 1971 e que sobreviveu à derrogação da Lei
Agrária decretada em 1992.
A UAIM é uma figura jurídica que atribui valor de pessoa
moral às mulheres integrantes dessa associação, possibili-
tando, assim, uma maior participação produtiva e um me-
lhor acesso a mercados e crédito. Segundo Marta Mercado,
et al (1996) as UAIM se tornaram o programa governamental
de maior envergadura dirigido à população feminina rural.
Em relação ao funcionamento efetivo das UAIM, vários
estudos, entre os quais destacamos os de Emma Zapata,
et al, (1995) sobre os avanços e problemas das UAIM, re-
gistram uma clara ineficiência econômica destas Unidades,
associada aos direitos de propriedade diferenciados entre
homens e mulheres, acesso desigual à terra e pouca ou nula
articulação com outras organizações.
Apesar disso, também se observam alguns benefícios
para as mesmas, já que permitem que as mulheres partici-
pem em atividades extra-domésticas como lazer ou parti-
cipação comunitária, e visualizam-se claramente algumas
mudanças nas relações de gênero a favor da mulher.
Conclusões
Quando, nos seus primórdios, o desenvolvimento, na sua
versão modernizadora, era considerado como o único ca-
minho para atingir o bem-estar social e, conseqüentemen-
te, o progresso em direção a uma sociedade “perfeita”, o
modelo linear e evolucionista resultou em graves contradi-
ções, que fizeram que este fosse repensado de acordo com
uma população em transformação, mas com os mesmos
problemas de injustiça social.
48 número 2, 2005 - @local.glob
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A chegada de atores sociais e movimentos reivindicado-
res como os direitos humanos, feministas e ecologistas,
bem como as organizações não governamentais, incitou
na sociedade o questionamento a respeito de um tipo de
desenvolvimento excludente e desigual, que teria de ser
redimensionado para os novos contextos sociais e retomar
os grandes assuntos pendentes do desenvolvimento, entre
os quais se sobressai a pobreza.
Por outro lado, os indivíduos por si mesmos continuam
imersos em processos sociais que, apesar de não resolverem
a sua condição social no desenvolvimento, manifestam, isso
sim, mudanças que dão conta de uma nova sociedade. No
México, tornam-se cada vez mais visíveis as formas emer-
gentes de vida nos espaços rurais e as mudanças que sur-
gem com uma caracterização social, econômica e cultural
com poucos referentes em épocas passadas. A globalização,
enquanto força externa, se manifesta na implementação
de uma ordem mercantil que também causa impactos nos
espaços locais (rurais), os usos de tecnologia, a ampliação
da infra-estrutura urbana, as mudanças culturais através
das diferentes gerações, e as migrações entre regiões, são
fenômenos que necessariamente devem ser considerados
nos modelos atuais de desenvolvimento rural.
Uma parte fundamental desses processos sociais do
âmbito rural se encontra nas relações intra-familiares,
comunitárias e institucionais que ocorrem entre os gêne-
ros. As mulheres, vistas como agentes de mudança social
dentro dos seus próprios domicílios e também no âmbito
extra-doméstico, começam a receber constante menção
no discurso político. Os resultados, porém, distam muito
de serem congruentes com o tipo de desenvolvimento com
uma perspectiva de gênero. A mudança institucional e de
atitude perante a questão da mulher e o desenvolvimento
não consegue romper com o estilo desenvolvimentista no
qual apenas os homens são centrais no planejamento das
políticas públicas, fazendo que a função da mulher no de-
senvolvimento rural se torne invisível.
Como pudemos analisar neste artigo, podem ser registra-
dos importantes avanços na incorporação da perspectiva
de gênero nas instituições que fomentam o desenvolvi-
mento, mas eles ainda não são suficientes. Trata-se de
uma tarefa permanente com a qual todos e todas temos
um compromisso adicional, começando pelas instituições
promotoras de um desenvolvimento rural com perspectiva
de gênero.
Sabe-se que no meio rural é onde se desenvolvem prá-
ticas sociais e culturais onde a desigualdade de gênero
adquire uma relevância ainda maior do que nos âmbitos
urbanos, o que nos obriga a estudar esses processos so-
ciais em maior profundidade, já que eles têm a ver com a
construção social e simbólica dos gêneros; só assim esta-
remos diante da possibilidade de gerar maiores elementos
para que logo os programas de desenvolvimento rural com
perspectiva de gênero tenham uma maior eficiência. Tal
não exime aos e às integrantes das instituições de desen-
volvimento rural de assumirem uma atuação congruente e
comprometida com a inclusão da mulher na construção e
nos benefícios do desenvolvimento.
Bibliografia
K. Appendini, La perspectiva de género en la teoría económica y en los estudios de desarrollo, em Umbrales, Revista de Posgrado en Ciencias del Desarrollo, CIDES-UMSA, No. 11, México, 2002.
D. Barkin, El Desarrollo Sostenible: La construcción de alternativas autónomas frente al ajuste estructural, em Manuel Parra, “Retos y posibilidades del desarrollo sustentable: Tierra, bosque y agua”, Capítulo II, Congreso Nacional sobre el Ajustes Estructural en el Campo Mexicano, Efectos y Respuestas, (H. C. de Grammont, coordenador), México, 1998.
CEPAL, Equidad desarrollo y ciudadanía, Nações Unidas, CEPAL, Chile, 2000.
M. Cernea, Primero la gente, Variables sociológicas en el desarrollo rural, Fondo de Cultura Económica, México, 1995.
F. Cos-Montiel, Políticas públicas con perspectiva de género: ¿Qué son y qué pueden hacer por nosotras?, Documento para la Red, America on Line, México, 2001.
F. Entrena, Cambios en la construcción de lo rural. De la autarquía a la globalización, Técnos, Espanha, 1998.
K. Gardner e D. Lewis, Antropología, desarrollo y el desafío posmoderno, El Colegio Mexiquense, México, 2003.
F. Geilfus, 80 herramientas para el desarrollo participativo, SAGARPA, INCA-RURAL, IICA, México, 2002.
E. Zapata, et al., La Unidad Agrícola Industrial de la Mujer. Un espacio para la mujer rural, em E. Zapata, et al. (coordinadoras), “Desarrollo rural y género. Alcances y problemas de proyectos microeconómicos de mujeres”, Colegio de Posgraduados, México, 1995.
48 número 2, 2005 - @local.glob
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Espaçoaberto
• Frances Lund e Caroline Skinner - Inovações do Governo
Local para a Economia Informal
• @local.glob - Opiniões e colaborações
• Resenha - O papel do micro-crédito na prevenção e alívio de
desastres
• Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das
Américas
• O Programa Delnet
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Escreveu-se…
[email protected] - número 2, 2005
Escreveu-se…
O apelo do Relatório de Desenvolvimento Mun-
dial 2005 para criar “um melhor clima de in-
vestimento para todos” (Banco Mundial, 2004)
inclui levar em consideração tanto as empresas como os
trabalhadores informais. O trabalho informal tornou-se a
modalidade de trabalho mais comum nos países em de-
senvolvimento: “O emprego informal abrange metade e
até três quartos do emprego em áreas fora da agricultura
nos países em desenvolvimento: especificamente, 48 por
cento na África do Norte, 51 por cento na América Latina,
65 por cento na Ásia e 72 por cento na África sub-saharia-
na” (OIT, 2002:7). Também se pode afirmar que o trabalho
não convencional é um fenômeno crescente nos países
desenvolvidos.
Uma ampla variedade de medidas afeta o clima de in-
vestimento para a economia informal, entre elas estão as
medidas macro-econômicas, as trabalhistas, legislativas
e de padrões, e as medidas de proteção social (Chen et al,
2002). Neste artigo, vamo-nos concentrar sobre a África
do Sul e tratar do papel específico que o governo local
deve cumprir. Dados estatísticos a nível nacional mostram
que entre 25 e 30 por cento da mão-de-obra sul-africana
trabalha na economia informal e essa tem sido uma das
poucas áreas onde o emprego tem crescido no período
pós-apartheid. A Constituição de 1996 atribuiu ao gover-
no local uma variedade de novas tarefas, incluindo a pro-
moção do desenvolvimento econômico a nível local. Os
municípios tiveram diferentes atuações no que concerne a
interpretação do seu mandato constitucional relativamen-
te à economia informal. Aqui selecionamos alguns exem-
plos positivos de inovações recentes, vários baseados na
segunda maior cidade sul-africana, Durban. Omitimos
deste resumo duas áreas muito importantes – educação e
capacitação e o acesso ao crédito; um debate mais com-
pleto sobre estes aspectos pode ser encontrado em Lund
e Skinner (2004). Aqui descreveremos as intervenções
menos convencionais, factíveis, economicamente viáveis
e que produzem impactos.
Há dois temas centrais. Primeiro, as necessidades das
empresas formais e informais de um clima de investimen-
to favorável são bastante parecidas. Segundo, várias das
intervenções que tiveram sucesso foram possíveis porque
Durban, sendo uma cidade relativamente bem administra-
da e pró-ativa, decidiu não vender ou terceirizar diversas
funções e bens da prefeitura.
Regulamentos municipais
Os regulamentos municipais moldam de forma significa-
tiva o ambiente dentro do qual os trabalhadores e as em-
presas informais operam. Leis municipais para o comércio
ambulante podem ser punitivas como, por exemplo, con-
fiscar as mercadorias sem um aviso prévio, ou a imposição
de multas para o comércio em determinadas áreas. Nesse
processo, a precária condição de vida dessas pessoas é ra-
pidamente destruída. Por outro lado, ditas leis podem criar
um ambiente vantajoso para os ambulantes, mediante um
Inovações do Governo Local para a Economia Informal
A criação de um clima positivo de investimento
Frances Lund e Caroline SkinnerEscola de Estudos do DesenvolvimentoUniversidade de KwaZulu-Natal, África do Sul
Artigo publicado em:WBI Development Outreach, “Putting Knowledge to Work for Development”, Instituto do Banco Mundial, setembro de 2005
As autoras estão intimamente vinculadas à rede internacional de pesquisas e apoio, WIEGO, sigla em inglês para Mulheres no Emprego Informal: Globalizando e Organizando
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Escreveu-se…
[email protected] - número 2, 2005
Escreveu-se…
regime regulador no qual se estabelecem os papéis e as
responsabilidades das partes envolvidas.
As cidades sul-africanas têm abordagens diferentes
quanto a esta questão. As autoridades de Joanesburgo de-
clararam todo o centro como uma zona não-comercial e
foram construídos mercados para acomodar uma pequena
parte dos 10.000 comerciantes da região. Durban conta
com uma abordagem muito menos
restritiva: foram demarcados espa-
ços para o comércio ambulante em
todo o centro da cidade e o quadro
legal que rege o comércio ambulan-
te está sendo mudado do direito cri-
minal para o direito administrativo.
Algumas cidades pequenas no
Cabo Leste estabeleceram um sis-
tema prático para resolver conflitos
surgidos entre as autoridades locais
e os vendedores ambulantes. Um vendedor que se sinta
prejudicado por qualquer decisão municipal pode recorrer
a um comitê de cinco membros, do qual pelo menos um
membro deve ser um vendedor ambulante.
Impostos e taxas
Muitos acreditam que as pessoas escolhem entrar para a
economia informal para evadirem impostos. A renda mí-
nima para o pagamento do imposto de renda pessoal na
África do Sul é de 2500 Rand por mês e, de acordo com a
Pesquisa da Força de Trabalho de 2003, 95 por cento dos
que trabalham na economia informal declararam rendas
mensais de 2500 Rand ou inferiores (a taxa de câmbio no
momento do levantamento dos dados, em Setembro de
2003: 11.82 Rand uma libra esterlina; 7.37 Rand um dólar
americano). Além disso, mais de dois terços declararam
rendas de 1000 Rand ou inferiores, bastante menos que a
metade do limite mínimo de renda. Também é importante
assinalar que as mulheres ganham significativamente me-
nos que os homens (Estatísticas da África do Sul, 2004).
Enquanto poucos trabalhadores informais pagam seu
imposto de renda, os vendedores ambulantes na maioria
das cidades têm de pagar taxas mensais pelo espaço que
utilizam para trabalhar, da mesma maneira que as em-
presas formais devem pagar taxas ou aluguéis. Tanto na
África do Sul como internacionalmente, os trabalhadores
informais tendem a pagar tributos demasiado elevados
para os mais pobres e demasiado baixos para os que estão
em melhores condições. Durban cobra bastante menos do
que outras cidades pelo uso do espaço no centro e cobra
também uma taxa geral. Uma nova medida recomenda
um sistema de aluguéis diferenciados, para que tanto as
empresas informais como as formais sejam cobradas ta-
xas e aluguéis diferentes para diferentes níveis de serviço.
Os aluguéis estariam relacionados
com o tamanho do local, o grau de
atração da locação, e o nível dos
serviços prestados. Para os vende-
dores ambulantes, estipular-se-ia
um aluguel básico de um local e,
a partir daí, aluguéis diferencia-
dos para a prestação de diferentes
serviços. Deve-se dispor de um
conjunto de serviços composto por
uma estrutura básica coberta, re-
moção dos resíduos sólidos, água,
banheiros, e lugares de armazenagem (Durban Unicity,
2001:11).
Um número cada vez maior de pessoas tem usado suas
próprias casas como local de trabalho. Durban conta com
duas medidas que podem ajudar diretamente os traba-
lhadores mais pobres que trabalham em suas casas. Nas
taxas tarifárias de sustento, os trabalhadores cujas casas
tenham um valor de menos de 20.000 Rand não pagam
taxas; as de valor entre 20.000 e 50.000 Rand pagam ape-
nas 20 Rand por mês. Numa tarifa progressiva de água, as
pessoas mais pobres pagam muito menos pela água, e a
primeira quantidade consumida é gratuita; a decisão da
prefeitura de não privatizar a água possibilitou a aplicação
dessa medida a favor dos mais pobres.
Participação na governabilidade local
Os interesses das empresas formais são representados
no governo municipal através de associações como as
câmeras de comércio. Os trabalhadores informais e suas
empresas deveriam ter direito à possibilidade de ter fó-
runs para expressarem seus interesses. Todavia, poucas
cidades oferecem oportunidades para uma interação con-
tínua acerca de decisões como, por exemplo, a localiza-
ção de novos mercados, prioridades do desenvolvimento,
participação em feiras de comércio ou mecanismos de
debate.
“Os trabalhadores informais tendem a pagar tributos
demasiado elevados para os mais pobres e demasiado
baixos para os que estão emmelhores condições.”
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Escreveu-se…
Em Durban, os vendedores ambulantes são representa-
dos como atores nas iniciativas piloto na administração
regional. Num prédio municipal na Warwick Street, no
principal terminal de transferência de transportes e zona
de comércio para milhares de pessoas no centro da cidade,
são realizadas reuniões diárias nas quais se negociam e
debatem o uso do espaço público, e onde as organizações
de vendedores ambulantes (tais como Vendedores Contra
o Crime, mencionada abaixo) se encontram.
Acesso aos mercados
O documento no qual nos baseamos dá vários exemplos
de assistência a empresas informais com acesso aos
mercados. Selecionamos aqui apenas um apoio que foi
dado ao importante setor da medicina tradicional. Mais
de 30.000 pessoas da província tra-
balham nesse setor; grande parte
deles colhe plantas medicinais e são
pessoas muito pobres, e a maioria
são mulheres (Instituto para Recur-
sos Naturais [INR, em sua sigla em
inglês], 2003:7).
O INR tem trabalhado em conjun-
to com o governo local e provincial,
vendedores de plantas medicinais e curandeiros para
identificar as intervenções que podem promover a sus-
tentabilidade, a eficiência e o potencial econômico para a
indústria. Esse trabalho gerou uma série de intervenções
de diversas partes:
• Em Durban, o governo local construiu um mercado
dedicado aos vendedores da medicina tradicional com
tendas, locais de armazenagem, água e banheiros;
• O governo provincial capacitou colhedores no cultivo
de produtos e em técnicas sustentáveis de colheita;
• Um projeto de parceria entre os governos provincial
e local está atualmente estabelecendo uma empresa
de empoderamento informal que se incumbirá de
conseguir as plantas com plantadores existentes, pro-
cessá-las em parceria com uma firma farmacêutica e
comercializar os produtos.
O objetivo desse projeto de apoio é garantir a sustenta-
bilidade do setor a longo prazo, servir melhor os clientes
existentes, atingir mais consumidores da classe média sul-
africana, assim como chegar ao mercado internacional de
medicina natural e ervanária.
Acesso à infra-estrutura
As necessidades de infra-estrutura tanto de empresas
formais quanto informais são, em essência, similares.
Ambas precisam de um espaço seguro, com contratos
transparentes que garantam o acesso a esse lugar, e que
seja acompanhado por uma série de serviços reconheci-
dos e confiáveis, tais como iluminação, água, instalações
sanitárias, coleta de lixo, segurança e espaço de armaze-
nagem.
De 1997 a 2000, Durban gastou cerca de 45 milhões de
Rand em infra-estrutura para vendedores informais. Fo-
ram construídos novos mercados no centro da cidade e em
áreas adjacentes, assim como foram
melhoradas as estruturas dos merca-
dos existentes e construídas novas
tendas para os vendedores ambulan-
tes e isso, sem dúvida, fez uma dife-
rença importante no que concerne à
qualidade do ambiente de trabalho
dos vendedores. Também foi feito um
progresso importante na concessão
de habitações de baixo custo, servi-
ços de água, saneamento básico e eletricidade a áreas que
anteriormente não dispunham dessas vantagens. Esse é
um componente crucial no apoio aos trabalhadores que
trabalham em suas casas.
Proteção contra o crime
A alta taxa de criminalidade da África do Sul é considerada
um dos obstáculos principais ao crescimento econômico
e ao investimento externo direto, afetando o potencial de
crescimento tanto das empresas formais como informais.
Quando as mercadorias das empresas são roubadas ou
quando os empresários ou trabalhadores sofrem agressões
físicas pode-se dizer que um ambiente é inseguro.
Os trabalhadores informais mostram-se bastante preo-
cupados acerca de como a criminalidade afeta seus negó-
cios. Alguns deles, constituíram o Comerciantes Contra o
Crime em Durban, em parceria com o Serviço de Polícia
Sul-Africano e a Polícia Metropolitana de Durban. Os seus
300 sócios operam em todas as áreas da cidade onde há
“As necessidades de infra-estrutura tanto de
empresas formaisquanto informais são, em
essência, similares.”
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Escreveu-se…
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Escreveu-se…
um comércio intenso, alertando as autoridades quando
for necessário atuar na região. A organização parece ter
contribuído a reduzir de pequenas ocorrências e também
crimes mais graves no centro da cidade, especialmente na
área de Warwick Junction.
Conclusão
A nossa análise indica que há amplas oportunidades para
intervenções simples e viáveis para tornar o ambiente
de trabalho mais seguro para aqueles que trabalham na
economia informal. As intervenções e os procedimentos
devem estar institucionalmente ancorados na prática co-
tidiana de governo, porém, isso depende fortemente dos
seguintes aspectos:
• Um reconhecimento da parte dos funcionários e do se-
tor público que as necessidades das empresas formais
e informais são muito similares. Isso se torna possível
quando os trabalhadores informais e suas empresas
forem avaliados em termos de atores econômicos que
contribuem de forma significativa para a economia
local, e quando as desvantagens para formalizar as
empresas forem reconhecidas e solucionadas.
• A criação de estruturas e espaços institucionais du-
radouros e estáveis nos quais se possam estipular as
prioridades do desenvolvimento, negociar as regras
de ação e realizar um debate em busca de soluções.
Esses espaços podem ser úteis para estabelecer vín-
culos entre os interesses das empresas formais assim
como das informais.
• A existência de fortes organizações de trabalhadores
informais, com uma liderança responsável, e que
reflitam uma composição de gênero entre seus mem-
bros.
Bibliografia:
Banco Mundial, World Development Report 2005: A Better Investment Climate for Everyone, Washington DC, Banco
Mundial, 2004.
M. Chen, R. Jhabvala, e F. Lund, Supporting Workers in the Informal Economy: a Policy Framework, em: “Working Pa-
per on the Informal Economy 2”, Organização Internacional do Trabalho, Genebra, 2002.
Durban Unicity, Informal Economy Policy, Memo, Economic Development Department, Durban, 2001.
Institute for Natural Resources, Strategy and Business Plan for Development of the Thekwini Medicinal Plants Industry,
Relatório elaborado para o Conselho da Unidade de Durban, 2003.
F. Lund e C. Skinner, The Investment Climate for the Informal Economy. The Case of Durban, South Africa, Documento
de base para o Relatório de Desenvolvimento Mundial 2005, Durban, 2004.
OIT, Men and Women in the Informal Economy: a Statistical Picture, Organização Internacional do Trabalho, Genebra,
2002.
Statistics South Africa, Labor force survey 2004, Relatório estatístico PO210, setembro de 2003.
54 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Opiniões e colaborações
O leitor opinaEstimados leitores,
Queremos, antes de mais nada, agradecer-lhes por todas as mensagens de felicitações e apoio que chegaram à redação após
a publicação do primeiro número de @local.glob. Tanto os correios recebidos, como a grande quantidade de descargas da
revista a partir da nossa página Web, representam sinais importantes, que nos motivam a seguir consolidando este espaço
de expressão dedicado ao desenvolvimento local.
Com o objetivo de facilitar o intercâmbio de experiências e a participação de todos, convidamos a que continuem a escre-
ver-nos para estimular o debate. Enviando um correio eletrônico para [email protected], poderão comunicar-nos a
vossa opinião sobre os artigos apresentados, assim como sobre os temas tratados nestes primeiros números.
Além disso convidamos, a quem deseja participar ativamente na redação dos próximos conteúdos, a que consultem, em cada
número, o “GUIA PARA COLABORAÇÕES”, em que serão avançados âmbitos temáticos e tipologia de colaborações requeridas.
Saudações cordiais,
Equipe de Redação - @local.glob
GUIA PARA COLABORAÇÕES
Está interessado em publicar opiniões, artigos e/ou experiências? Por favor, leia com atenção as instruções indicadas em seguida para que as suas contribuições sejam enviadas corretamente1:
IdiomasSerão aceitos textos e artigos em português, inglês, espanhol, francês e italiano.
Formatos e quantidade de textoCartas dos leitores: até 500 palavras (em formato Word ou e-mail)Artigos: de 1.500 a 2.500 palavras (em formato Word)Resenhas de livros: de 500 a 1.000 palavras (em formato Word)Documentação de experiências: baixar o modelo de documentação disponível na Web de Delnet ou solicitá-lo em [email protected]
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Critérios de avaliação O Conselho Editorial avaliará os artigos recebidos em função do conteúdo, atualidade, visão inovadora, proposta de divulgação e relação com os temas abrangidos na revista. A equipe de redação entrará em contato para informar ao autor/a se o artigo enviado será publicado ou não.
Âmbitos temáticosEm cada número de @local.glob serão dedicadas duas seções da revista a um tema monográfico de especial interesse e atualidade. As restantes páginas permanecerão abertas a todos os tipos de artigo, resenha ou experiência sobre temas, conceitos teóricos e/ou problemáticas concretas do desenvolvimento local. Tema monográfico do número 3: Gestão do Risco e Alívio de Desastres a Nível Local.
Envio de colaborações Todas as colaborações devem ser enviadas a: [email protected]
1 A disparidade de pontos de vista e o debate aberto são bem-vindos, obviamente dentro de um âmbito de respeito e espírito crítico que estimule a liberdade de expressão. Por esta razão, a equipe de redação escolherá periodicamente as opiniões a serem publicadas, com o objetivo de criar um espaço construtivo de reflexão e intercâmbio em torno dos conceitos chave e das problemáticas que afetam o mundo do desenvolvimento local.
54 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Resenha de livros
Introdução
Segundo o relatório publicado pela Direção de Prevenção
de Crises e de Recuperação do PNUD, “aproximadamente
75% da população mundial vive em zonas que já foram
assoladas pelo menos uma vez, entre 1980 e 2000, por um
terremoto, um ciclone, uma inundação ou uma seca”, e há
milhões de pessoas que, em mais de 100 países, encon-
tram-se expostas periodicamente à ameaça de um desas-
tre natural.
O ano de 2005 deixou clara a necessidade de uma re-
flexão mais profunda sobre os conceitos de “prevenção” e
“alívio” deste tipo de riscos. Registrou-se, entre os níveis
mais pobres da sociedade, um forte aumento em termos
de vulnerabilidade aos desastres naturais que, de fato,
está constituindo um dos principais obstáculos para o de-
senvolvimento humano sustentável e o cumprimento dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
O ano de 2005 será lembrado também por outro acon-
tecimento à escala internacional, aparentemente desvin-
culado do anterior: a proclamação do Ano Internacional
do Micro-crédito, declarado pela Assembléia Geral das
Nações Unidas, para avançar no processo de promoção
do micro-financiamento sustentável e para criar setores
financeiros inclusivos.
As potencialidades do micro-crédito foram detalhada-
mente analisadas enquanto instrumento útil para con-
tribuir à redução da pobreza. Porém, ainda não foram
explorados suficientemente os possíveis benefícios do
micro-financiamento para diminuir o impacto dos desas-
tres de origem natural. No dia 12 de outubro de 2005, Dia Internacional para a Redução de Desastres, proclamado pela
Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD, também conhecido pela sua sigla em inglês como ISDR)
1 A versão integral do documento está disponível em inglês na página: http://www.yearofmicrocredit.org/docs/Disasterguidefinal.pdf.
Os Anos Internacionais das Nações Unidas
“O Ano Internacional do Micro-crédito 2005, sublinha a importân-cia do micro-financiamento como parte integral do nosso esforço coletivo para cumprir com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O acesso sustentável ao micro-financiamento ajuda a mitigar a pobreza mediante a geração de renda e a criação de empregos, permitindo que as crianças freqüentem a escola, que as famílias obtenham assistência sanitária e empoderando as pessoas para que tomem decisões que se adaptem melhor às suas necessidades. O grande desafio que temos em frente é eliminar os entraves que excluem as pessoas e que lhes impedem de participar cabalmente no setor financeiro. Juntos, podemos e devemos criar setores financeiros inclusivos que ajudem as pessoas a melhorarem suas vidas.”
Secretário Geral da ONU Kofi Annan, 29 de dezembro de 2003.
Em 1998, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou 2005 como o Ano Internacional do Micro-crédito visando reconhecer a contribuição do micro-crédito à mitigação da pobreza. Em dezembro de 2003, os Estados Membros aprovaram o Programa de Ação do Secretário Geral e convidaram o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Capitalização (FNUDC) e o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (DAESNU) a se incorporarem como coordenadores con-juntos para o Ano Internacional. Desde 1959, as Nações Unidas proclamam os Anos Internacionais como uma oportunidade para chamar a atenção dos governos e dos organismos internacionais sobre temas considerados críticos e de importância global. Este Ano foi uma oportunidade para combinar uma maior conscienti-zação e o compromisso global substantivo e existente para criar setores financeiros inclusivos. O micro-crédito e o micro-finan-ciamento estão mais avançados na sua aplicação do que muitos temas de anos internacionais passados. A observância deste Ano deve ser vista como parte de um processo contínuo para formular abordagens efetivas em prol do micro-financiamento sustentável e não como um acontecimento isolado.
Fonte: http://www.yearofmicrocredit.org
O papel do micro-crédito na prevenção e alívio de desastres
Resenha do Documento de Trabalho do Banco Mundial:Miamidian, E.; Arnold, M.; Burritt, K.; Jacquard, M. Surviving Disasters and Supporting Recovery: A Guidebook for Microfinance Institutions The World Bank, Washington, 2005 1
56 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Resenha de livros
lançou-se oficialmente o debate que pretendia aumentar a capacidade de
resposta diante dos desastres utilizando o micro-financiamento e as redes
de proteção.
A interação entre estas dois eventos que marcam a atualidade, entre ame-
aças e oportunidades para o desenvolvimento, levaram-nos a apresentar
neste número um Documento de Trabalho recém publicado pelo Banco
Mundial, que explica o papel das Instituições Micro-financeiras (IMFs) na
prevenção e alívio dos desastres.
“Surviving Disasters and Supporting Recovery: A Guidebook for Microfi-
nance Institutions” (Sobreviver os desastres e apoiar a reconstrução: um
guia prático para as Instituições Micro-financeiras) é um documento, atu-
almente disponível em inglês, que tem como objetivo orientar as IMFs na
preparação de uma estratégia integral de gestão de riscos de desastres e apoio aos seus clientes na recuperação rápida
e redução sustentável do risco futuro.
O quadro institucional
Este Documento de Trabalho foi elaborado no âmbito do ProVention Consortium, uma colaboração contínua entre a
Unidade de Gestão de Risco do Banco Mundial, o Fundo de Desenvolvimento de Capital (UNCDF) e o Programa de De-
senvolvimento das Nações Unidas (PNUD) que se propõem o objetivo de desenvolver mecanismos para que os domicílios
e as comunidades mais pobres possam melhorar o seu nível de gestão de risco de desastres naturais.
Anos de estudos, pesquisas e intercâmbios com outras organizações locais, nacionais e internacionais – realizados se-
parada e conjuntamente pelas três instituições desde o ano 2000 – constituem os antecedentes teóricos e práticos deste
manual, que conta com o apoio financeiro dos Governos da Noruega e do Reino Unido.
Micro-financiamento e alívio de riscos
Dado que os progressos das IMFs são internacionalmente reconhecidos no que toca à sua capacidade de oferecer servi-
ços financeiros sustentáveis e lucrativos aos pobres, deve-se reconhecer também que os seus objetivos a médio e longo
prazo estão cada vez mais ameaçados pelos desastres naturais. Seus clientes, os mais desfavorecidos da sociedade,
representam um grupo meta de alto risco já que, depois de um desastre natural, são incapazes de cumprir com o pa-
gamento das suas dívidas. Por outro lado, a experiência demonstra que um maior acesso aos serviços financeiros pode
favorecer a prevenção e o alívio de desastres, reduzindo a vulnerabilidade do cliente.
A capacidade de oferecer e garantir o acesso aos serviços micro-financeiros ao longo do tempo requer um alto nível
de preparação; uma IMF que não esteja suficientemente preparada para o risco, não será capaz de proteger seus clientes,
além de correr o risco de os perder. Se uma IMF decide se preparar para um possível desastre natural, necessita conside-
rar a elaboração de um plano integral de ação que comece com a estimativa dos riscos potencias e termine com a oferta
de produtos específicos que possam mitigar o efeito de uma crise.
No guia são apresentados vários exercícios e ferramentas que facilitam o desenho e a realização de uma estratégia glo-
bal de gestão do risco: medição de risco, análise das necessidades dos clientes de alto risco, fortalecimento institucional
em resposta ao desastre, diretrizes para a preparação, alívio e reconstrução.
Micro-crédito e alívio de desastres:
análise de experiências concretas
Na página Web da campanha “Investir para
prevenir o desastre”, lançada pela Estratégia
Internacional para a Redução de Desastres,
apresentam-se estudos de campo que
documentam o impacto do acesso a ser-
viços micro-financeiros sobre a prevenção,
gestão e alívio de desastres naturais nos
seguintes países: Quênia, Vietnam, Bangla-
desh, Filipinas e Índia:
http://www.unisdr.org/eng/public_aware/
world_camp/2005/2005-case-studies.htm
56 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas
A geração de trabalho decente: um desafio político
nas Américas
Os Chefes de Estado e de Governo dos países democráti-
cos das Américas, reunidos, entre 4 e 5 de novembro de
2005 na cidade de Mar del Plata, Argentina, para celebrar a
Quarta Cúpula das Américas, reafirmaram o seu com-
promisso no combate à pobreza, à desigualdade, à fome e
à exclusão social, para elevar a condição e vida dos povos,
reforçando a governabilidade democrática em todos os pa-
íses do hemisfério.
Tanto a Declaração Final como o Plano de Ação
aprovados neste fórum internacional, estipulam objetivos
importantes a favor do desenvolvimento, que podem con-
tribuir de forma decisiva para melhorar a qualidade de vida
da população na região.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) -
através da participação direta do seu Diretor-Geral, Juan
Somavía, e do Presidente do Conselho de Administração,
Carlos Tomada - teve um forte envolvimento no evento
e na definição de uma agenda social que concentre a sua
atenção nos postulados da Declaração da OIT sobre os Prin-
cípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (OIT, 1998) no
que concerne a geração de trabalho decente como fator
essencial no fomento do desenvolvimento sustentável,
crescimento e respeito da igualdade de oportunidades e
direitos.
A integração internacional é uma dimensão constante
na história dos países americanos e o multilateralismo,
como forma cooperativa de entender as relações entre os
Estados, esteve sempre presente nas agendas regionais,
desde o final do século XIX até hoje. Apesar das inúmeras
rupturas dos equilíbrios internacionais, causadas por guer-
ras e desequilíbrios econômicos, as Cúpulas das Américas
tiveram uma evolução constante no fomento da concerta-
ção internacional, de modo tal que podem ser consideradas
entre as agendas regionais mais avançadas do mundo.
Neste artigo, descreve-se brevemente como foi sendo
elaborado este importante fórum político, com o objetivo
de apresentar o papel que as Organizações Internacionais
desempenham no seu processo de afirmação, remitindo di-
retamente à intervenção da OIT na última Cúpula, dedicada
ao tema: “Criar trabalho para enfrentar a pobreza e fortalecer
a governabilidade democrática”.
O processo das Cúpulas das Américas
As Cúpulas das Américas reúnem 34 Chefes de Estado e de
Governo do Hemisfério Ocidental para discutir acerca de
consensos comuns, busca de soluções e desenvolvimento
de uma visão compartilhada para o futuro da região nas
áreas econômicas, sociais e políticas.
Na base deste processo – que implica a responsabilida-
de direta dos governos e organismos internacionais no
cumprimento dos mandatos, declarações e planos de ação
– encontram-se princípios políticos compartilhados e me-
canismos institucionais estabelecidos e consolidados ao
A OIT na IV Cúpula das AméricasCriar trabalho para enfrentar a pobreza e fortalecer a
governabilidade democrática
As “organizações de caráter internacional” são aquelas que transcendem as fronteiras nacionais e podem ser definidas – se-gundo o direito internacional – como associações voluntárias de estados, estabelecidas por acordo internacional, dotadas de ór-gãos permanentes próprios e independentes, encarregados de administrar interesses coletivos e capazes de expressar um dese-jo juridicamente distinto do de seus membros. As organizações internacionais cumprem um papel determinado e fundamental no desenvolvimento e na cooperação e, nas últimas décadas, o número de acordos e iniciativas que estimulam a colaboração transnacional com esse intuito cresceu enormemente.
@local.glob quer dedicar um espaço de reflexão nas suas páginas para analisar o papel que as organizações internacio-nais vêm assumindo, cada vez mais diretamente, no apoio aos processos de descentralização e desenvolvimento local, con-siderando tanto os sistemas de agências das Nações Unidas, como todas as outras organizações de caráter internacional cujo trabalho esteja orientado ao desenvolvimento sustentável das comunidades de todo o mundo.
58 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
longo de todo um século.
Desde a Primeira Conferência Internacional Americana,
no ano de 1890, até a criação da Organização de Estados
Americanos em 1948, os fóruns de debate na região tive-
ram como objetivo prioritário impulsionar a evolução do
Direito Internacional Interamericano, através da ratificação
de convenções e acordos sobre temas tão diversos como
“comércio, águas internacionais, direito de asilo, arbitragem,
adoção de tratados sobre princípios, práticas e procedimen-
tos de direito internacional privado e público, Convenção de
Correios, Convenção Consular colocando, inclusive, em vi-
gência um Código de Direito Internacional Privado”.1
Durante os anos da Guerra Fria, a tutela dos princípios e
direitos que caracterizam a democracia, estiveram subor-
dinados a questões de segurança regional. A última con-
ferência interamericana desse período (1967) estabeleceu
a criação de um Mercado Comum Latino-americano para
o ano de 1980, bem como muitos projetos de cooperação
multilateral para o desenvolvimento de infra-estruturas,
da agricultura, do controle de armas e da educação, que
nunca foram cumpridos, tirando credibilidade à eficácia
das Cúpulas como instrumento de intercâmbio e desenvol-
vimento da região.
Em 1994, com a Primeira Cúpula de Miami, instituciona-
lizou-se a idéia de reorganizar as relações interamericanas
pondo em andamento um “processo” que, com o passar do
tempo, pudesse dar respostas às questões que realmente
afetam a população das Américas. Esta importante con-
quista foi resultado de uma mudança drástica no cenário
latino-americano: o clima de tensão e desconfiança, ali-
mentado nos anos de crises e rupturas do sistema inter-
nacional, fomentou o consenso na região em torno a três
conceitos fundamentais: a democracia, o livre mercado e
a necessidade de fortalecer o multilateralismo na região,
como resposta ao fenômeno da globalização. Lançou-se
uma etapa de cooperação política e integração econômica
no hemisfério, que culminou com a decisão dos próprios
Chefes de Estado e de Governo de se reunirem periodica-
mente e definirem as orientações fundamentais de uma
Agenda para as Américas.
“Essa decisão de institucionalizar as Cúpulas, configurou a
idéia de um processo onde se acumulam experiências, forjan-
do uma linguagem comum, programando mandatos e ações
coletivas, multilaterais e nacionais, sistematizando as novas
referências teóricas e práticas das relações hemisféricas, em
resposta aos problemas que afetam a população das Améri-
cas. Como conseqüência desse processo, impulsionou-se a
modernização e o fortalecimento da institucionalidade intera-
mericana e, particularmente, do seu principal fórum político,
a Organização dos Estados Americanos”.2
Princípios políticos e mecanismos institucionais
Os princípios políticos do processo de Cúpulas determi-
nam que se deve incluir nele as 34 nações das Américas
“com governos eleitos democraticamente que operem com
economias de mercado livre, que realizem negociações inter-
nacionais multilaterais com bases igualitárias e que tomem
decisões por consenso”.
Diversos mecanismos institucionais de participação de-
finem os órgãos responsáveis pela liderança do processo,
pela tomada de decisões, pela implementação e seguimen-
to dos mandatos estipulados nas Declarações e Planos de
Ação:
• O Grupo de Revisão da Implementação das
Cúpulas (GRIC), constituído pelos governos dos 34
membros da OEA, representados pelos Coordenadores
Nacionais, é o órgão político incumbido de monitorar
os mandatos das Cúpulas, coordenar a agenda e prepa-
rar futuras Cúpulas.
• O Grupo de Trabalho Conjunto das Cúpulas
(GTCC), conformado por 12 instituições do Sistema
das Nações Unidas e do Sistema Interamericano, ofe-
rece apoio técnico aos governos para a implementação
dos mandatos das Cúpulas e na preparação de futuras
Cúpulas. Formam parte do GTCC: a Organização dos
Estados Americanos (OEA); o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID); a Comissão Econômica
para a América Latina e Caribe (CEPAL); a Organiza-
ção Pan-americana da Saúde (OPS); o Instituto Inte-
ramericano de Cooperação para a Agricultura (IICA);
o Banco Mundial (BM); o Banco Centro-americano de
Integração Econômica (BCIE); a Corporação Andina de
Fomento (CAF); o Banco de Desenvolvimento do Caribe
(BDC); a Organização Internacional para as Migrações
(OIM); a Organização Internacional do Trabalho (OIT)
1, 2 Fonte: http://www.summit-americas.org.
Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas
58 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
e o Instituto de Conectividade das Américas (ICA).
• As Reuniões Ministeriais oferecem continuidade e
consolidação na implementação dos mandatos ao Pro-
cesso de Cúpulas das Américas.
• Os atores sociais se tornaram, nestes últimos anos,
peças fundamentais: a sociedade civil, o setor pri-
vado, os acadêmicos e os meios de comunicação
contribuem na formulação, implementação e avaliação
das políticas públicas adotadas pelos distintos níveis
de governo.
• A Secretaria das Cúpulas das Américas da OEA
tem como responsabilidade ser a memória institucio-
nal e secretaria técnica do Processo.
As Organizações Internacionais nas Cúpulas das
Américas
O Processo de Cúpulas das Américas foi vital para a trans-
formação que a OEA e o sistema interamericano sofreram
nos últimos onze anos. Na Primeira Cúpula das Américas
(Miami, 1994) a OEA, da mesma forma que as outras Or-
ganizações Internacionais, contribuiu com recomendações
nas quais se sugeria a adoção de determinadas políticas
para que o processo tivesse sucesso. Desde esse momento
e nas seguintes Cúpulas realizadas, a OEA se revitalizou
e constituiu o principal fórum para o diálogo hemisférico,
cumprindo um papel essencial no seguimento dos seus
mandatos e na celebração de futuras Cúpulas.
O papel das Organizações Internacionais se consolidou
com o Plano de Ação de Santiago (1998) no qual se estabe-
leceu que “as Organizações Internacionais, de acordo com as
decisões da Cúpula, teriam responsabilidades na implemen-
tação dos mandatos do processo, como corresponda”. Além
da OEA, a Comissão Econômica para América Latina e Ca-
ribe (CEPAL), o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), a Organização Pan-americana da Saúde (OPS) e o
Banco Mundial (BM) foram consideradas as principais or-
ganizações multilaterais envolvidas na implementação de
temas específicos.
Durante a Terceira Cúpula das Américas, estas mesmas
instituições apresentaram um relatório regional conjunto
de atividades realizadas em cumprimento dos mandatos
de Santiago.
O papel das instituições passou a ser ainda mais relevan-
te depois da Cúpula de Québec (2001), cujo Plano de Ação
estabelece que os organismos internacionais coordenem o
seu trabalho e se envolvam em todas as etapas do Processo
de Cúpulas. Em resposta a este mandato, OEA, BID, OPS,
CEPAL assinaram uma Carta de Entendimento no dia 21 de
junho de 2001 (que estabeleceu a constituição do GTCC)
para conseguir uma maior coordenação no apoio à imple-
mentação e ao monitoramento dos mandatos das Cúpulas
das Américas.
Posteriormente, também se convidou o Banco Mundial, o
Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
(IICA), a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco
Caribenho de Desenvolvimento (BCD) e o Banco Centro-
americano para a Integração Econômica (BCIE) para par-
ticiparem desta instância de coordenação. Nas atividades
do GTCC de 2004, também participaram a Organização
Internacional para as Migrações (OIM) e a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), enquanto que o Instituto
para a Conectividade nas Américas (ICA) solicitou a sua
participação em 2005.
O papel da OIT na IV Cúpula das Américas
O Governo da Argentina deu um espaço fundamental ao
trabalho na agenda do continente, com o objetivo de defi-
nir políticas e ações concretas para a “criação de trabalho
decente, no quadro de um novo paradigma que dote as trans-
formações econômicas de um forte conteúdo ético próprio do
sistema democrático”.
A promoção do trabalho, do combate contra a pobreza e
do fortalecimento democrático emana das Cúpulas prece-
dentes, enquanto que a recente publicação do Panorama
do Trabalho Latino-americano (OIT, 2005) contribuiu para
definir os temas de discussão em Mar del Plata, registrando
que o desemprego e o emprego informal continuam sendo
altos na região, a proteção social permanece baixa e o de-
semprego continua afetando principalmente as mulheres e
os jovens.
Na reunião preparatória do GRIC, se destacou a parti-
cipação dos organismos internacionais nas discussões e
a importância de engajar outros participantes, como as
organizações sindicais e as pequenas e médias empre-
sas. Nestas sessões preliminares a OIT foi representada
pelo seu Diretor Regional Adjunto para a América Latina e
Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas
60 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Caribe, Virgilio Levaggi, que reafirmou o compromisso da
Organização em “acompanhar os esforços realizados na pre-
paração da Cúpula, no seu desenvolvimento e – o que é mais
importante – no seu seguimento para construir um futuro
com trabalho, democracia e dignidade para as Américas”.
Lembrando que, na região, 300 milhões de latino-ameri-
canos vivem debaixo da linha de pobreza, que a taxa de de-
semprego regional superará os 10% no final de 2005, sendo
que 7 de cada 10 postos de trabalho foram criados no setor
informal desde 1990, Levaggi sublinhou que a pobreza e a
desigualdade diariamente põem à prova a capacidade das
democracias para responder às necessidades básicas da
população.
“A OIT elaborou o conceito de trabalho decente numa tenta-
tiva de captar – numa unidade de sentido e coerência – a con-
vergência das diferentes dimensões que compõem um bom
trabalho: emprego de qualidade que respeite os direitos traba-
lhistas fundamentais, com níveis de proteção social e direito à
representação e participação adequados. Gerar emprego sem
considerar sua qualidade e os níveis de proteção social a que
permite aceder não leva ao progresso. Promover os direitos
no trabalho sem preocupar-se pela existência de empregos
para os que necessitam é igualmente infrutífero. O diálogo
social é necessário para assegurar que as pessoas possam
contribuir para a elaboração e execução de uma agenda de
desenvolvimento, para cujo seguimento a democracia é o
melhor sistema. Cada um dos elementos do trabalho decente
cumpre uma função na conquista de objetivos mais amplos
como a inclusão social, a erradicação da pobreza, o fortaleci-
mento da democracia e a realização pessoal.”
O Diretor-Geral da OIT, Juan Somavía, na sua interven-
ção em Mar del Plata, declarou que novas oportunidades
estão-se abrindo para desenhar estratégias de melhoria
das condições sócio-econômicas na América Latina e que
a OIT apoiará diretamente os esforços dos países da região
para o cumprimento dos objetivos definidos.
As conclusões publicadas na Declaração Final da IV Cú-
pula, refletidas no seu respectivo Plano de Ação apresen-
tam um enquadramento sólido para a criação de trabalho
decente, o fortalecimento da democracia e crescimento
com emprego, através da formação da força de trabalho, a
participação das micro, pequenas e médias empresas como
motor do desenvolvimento, o compromisso dos governos e
dos atores sociais numa nova agenda política.
A Declaração faz um chamamento à OIT para que du-
rante a próxima reunião para a região da América Latina e
Caribe, prevista para início de 2006 “considere ações gover-
namentais e tripartites” para cumprir os compromissos da
Cúpula, e se solicita que se trate o tema “As pessoas e seu
trabalho no centro da globalização”.
O Plano de Ação pede ainda à OIT que “amplie seu apoio e
assistência técnica aos países com o intuito de promover mais
e melhores empregos”, compromisso que foi reafirmado com
força pelo Diretor-Geral da OIT no decorrer da sua partici-
pação na última Cúpula:
“Estaremos apoiando com todas as nossas capacidades os
esforços dos países da região para pôr em prática este com-
promisso político sem precedentes com o trabalho decen-
te.”[…] “Para as pessoas o trabalho não é uma mercadoria,
mas um instrumento fundamental para garantir um futuro
melhor juntamente com as suas famílias.” 3
3 Fonte: OIT, comunicado de imprensa (OIT/05/45).
Documentos conclusivos da IV Cúpula das Américas:http://www.summit-americas.org
Declaração de Mar del PlataDisponível em formato .pdf em: Português Espanhol Inglês Francês
Plano de Ação de Mar del Plata Disponível em formato .pdf em: Português Espanhol Inglês Francês
Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas
60 número 2, 2005 - @local.glob [email protected] - número 2, 2005
Desde a institucionalização do Novo Processo até os dias de hoje, os líderes das Américas se reuniram nas seguintes Cúpulas:
Primeira Cúpula das Américas (Miami, EUA - 1994)
Em Miami, os Chefes de Estado e de Governo estabeleceram uma Declaração de Princípios para o desenvolvimento e a prosperidade das Américas basea-da na preservação e no fortalecimento democrático. Um dos objetivos mais importantes foi a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Cúpula sobre o Desenvolvimento Sustentável (Santa Cruz de la Sierra, Bolivia - 1996)
Com o intuito de articular uma política comum em matéria de proteção am-biental e adotar uma estratégia compartilhada em torno dos compromissos acordados no Rio de Janeiro na Cúpula da Terra, esta Cúpula especializada definiu uma visão comum para a inclusão de elementos ambientais, econô-micos e sociais dentro da abordagem do desenvolvimento sustentável.
Segunda Cúpula das Américas (Santiago do Chile, Chile - 1998)
Em Santiago a Educação foi o tema central da Cúpula. Os líderes da região também discutiram acerca da preservação e o fortalecimento da democracia, a integração econômica e o livre comércio, e tomaram medidas para erradi-car a pobreza e a discriminação.
Terceira Cúpula das Américas (Québec, Canadá - 2001)
A Cúpula de Québec afirmou as bases para uma estratégia de desenvolvi-mento da região e para a adoção da Carta Democrática Interamericana, rati-ficada em setembro de 2001. Nessa Cúpula foram impulsionadas atividades para fortalecer a democracia, promover gestões de governo eficientes, prote-ger os direitos humanos, aumentar as oportunidades econômicas bem como fomentar a justiça social e desenvolver o potencial humano.
Cúpula Extraordinária das Américas (Monterrey, México - 2004)
O propósito da Cúpula de Monterrey foi fomentar e facilitar a cooperação com uma visão renovada e fortalecida da solidariedade no Hemisfério. Os três te-mas principais foram o crescimento econômico com equidade para reduzir a pobreza, o desenvolvimento social e a governabilidade democrática.
Quarta Cúpula das Américas (Mar del Plata, Argentina - 2005)
Na IV Cúpula das Américas foram definidas políticas e ações concretas para a “criação de trabalho decente, no quadro de um novo paradigma que dote as transformações econômicas de um forte conteúdo ético próprio do sistema democrático”.
Fonte: www.summit-americas.org
Organizações Internacionais - A OIT na IV Cúpula das Américas
62 número 2, 2005 - @local.glob
Em 1998 o Delnet, acrônimo de Rede de Desenvolvimento Local, nasce como um programa de apoio ao desenvolvimento local do Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Tra-balho, agência especializada das Nações Unidas. Nestes sete anos de atividade, foi tecendo uma rede de mais de mil e quinhentas pessoas e instituições em 71 países de todo o mundo.
A descentralização e a devolução de competências dos poderes centrais às administrações de âmbi-
to local tem sido uma tendência constante nos últimos tempos. Como conseqüência, os níveis locais estão assumindo responsabilidades cada vez maiores no desenvolvimento do território e na melhoria da qualidade de vida das pessoas que o habitam. Levar a cabo estas tarefas exige, porém, capacidades humanas e institucionais para uma gestão eficaz considerando não só as questões econômicas, mas também sociais. O objetivo do Delnet é facilitar o acesso ao conhecimento global e local de forma a que os atores locais possam oferecer soluções de maior solidez aos problemas comuns dos cidadãos.
O Delnet destina os seus serviços a um amplo número de técnicos, gestores e responsáveis de ins-tituições públicas e privadas envolvidas no desenvolvimento local, como por exemplo, municípios,
governos provinciais e regionais, organizações empresariais, ONG’s, centros de pesquisa, universidades, etc.. Concretamente, o Delnet oferece quatro
tipos de serviços: formação a distância, informação e publicações atualizadas, assessoria técnica, e o fomento do intercâmbio de
experiências a nível local, nacional e internacional graças ao tra-balho em rede.
Todos esses serviços pretendem apoiar os participantes no seu trabalho cotidiano no campo do desenvolvimento local, oferecendo
tanto um quadro teórico como ferramentas práticas, como, por exem-plo, uma biblioteca virtual, publicações técnicas especializadas, guias práticos,
ou linhas diretas de informação.
Esta abordagem tem sido possível graças à utilização das Tecnologias da Informação e da Comuni-cação que permitem chegar, em tempo real, a lugares onde antes era difícil, senão impossível, levar a informação. É crucial que as pessoas que operam a nível local tenham acesso ao conhecimento e sejam capazes de utilizá-lo com o intuito de participarem, aproveitarem e serem criativas no novo contexto globalizado. Fomentando a utilização das TIC, o Delnet trabalha a favor da inclusão digital e da supera-ção das desigualdades no acesso à utilização e usufruto das mesmas.
Foi justamente este um dos pontos fortes do Delnet desde os seus primórdios, a criação de redes de intercâmbio que permitem romper o isolamento geográfico de diversas comunidades locais dispersas. Deste modo, os participantes tornam-se simultaneamente receptores e provedores de conhecimento e experiências de utilidade, por compartilharem publicações e boas práticas e o contínuo intercâmbio de idéias com colegas situados em outros lugares do mundo.
Este mesmo espírito e filosofia de trabalho é a que fez com que o Delnet ousasse criar mais um instru-mento de trabalho, editando uma revista que dê voz a todas as pessoas que trabalham dia a dia a favor do desenvolvimento local, facilitando ainda mais a comunicação e fomentando a democratização da informação.
O Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT
O Programa Delnet
Notícias na Web:http://www.itcilo.org/delnet
As últimas novidades em linha sobre atividades, projetos e iniciativas
do Programa Delnet
@local.glob é publicada graças ao apoio financeiro e técnico de:
• Município da Cidade de Sevilha, Espanha
• CajaGRANADA, através da sua Fundação CajaGRANADA
• Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
• Fundação Interamericana
• Centro Internacional de Formação da OIT, Programas Técnicos e Regionais
Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho
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