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LUANNY MARIA ALMEIDA VIDAL UM JOGO DE SEDUÇÃO E PERSUASÃO: figuras de retórica nas imagens veiculadas nos jingles das campanhas presidenciais de Dilma e Aécio em 2014 FRANCA 2016

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LUANNY MARIA ALMEIDA VIDAL

UM JOGO DE SEDUÇÃO E PERSUASÃO: figuras de retórica nas

imagens veiculadas nos jingles das campanhas presidenciais de Dilma e

Aécio em 2014

FRANCA

2016

LUANNY MARIA ALMEIDA VIDAL

UM JOGO DE SEDUÇÃO E PERSUASÃO: figuras de retórica nas

imagens veiculadas nos jingles das campanhas presidenciais de Dilma e

Aécio em 2014

Dissertação apresentada à Universidade de

Franca, como exigência parcial para a

obtenção do título de Mestre em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Aparecido

Ferreira

FRANCA

2016

DEDICO este trabalho a todos os pesquisadores que contribuem para

iluminar os estudos da linguagem, em especial, aos professores

Fernando Ferreira e Maria Flávia, por me apresentarem à Retórica e

me incentivarem na pesquisa da arte de persuadir e argumentar.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, quero agradecer a DEUS, que é a luz, que guia meus passos.

À minha mãe, Dileusa Almeida, que sempre me ajudou por meio da sua

dedicação, seu amor e orações. Obrigada por tudo!

Ao meu marido, Breno Santos, por ser a pessoa que me incentivou a fazer o

mestrado e também por ser tão importante na minha vida. Esteve sempre ao meu lado,

compartilhando todos os momentos. Obrigada por fazer parte dessa realização!

Ao meu filho, Brendo Samuel, por ser o meu mais puro amor e a minha maior

inspiração. Obrigada, filho amado, por tornar meus dias muito mais felizes!

Aos meus irmãos, Ane Luacy e José Carlos. Vocês estão em meu coração!

À minha tia, Dilma Almeida, que sempre foi como uma mãe para mim,

torcendo, se preocupando comigo. Meu muito obrigada.

A todos os professores do mestrado em linguística, principalmente a professora

Camila Ludovice pelas valiosas intervenções de forma tão competente e carinhosa dadas

durante o exame de qualificação, e também, as professoras Maria Flávia e Maria Eloísa pelas

contribuições realizadas a este trabalho durante a defesa pública. Vocês serão sempre

referências profissionais para a minha vida.

De maneira muito especial, minha gratidão ao meu orientador, Dr. Fernando

Ferreira, por acreditar em mim, pela paciência que teve comigo e pelo apoio dado nos

caminhos da pesquisa.

Gostaria de agradecer também aos meus amigos que conquistei no mestrado,

Farney Santos, Graciela Silva, Helena Madeira, Letícia Lovo, Márcia Granero, Vanéssia

Noronha, pelos momentos divididos. Agradeço por tornarem essa etapa da minha vida muito

mais prazerosa, foi muito bom poder contar com todos vocês!

Obrigada a todos!

Sempre que queremos expressar sentimentos ou ideias abstratas,

recorremos às figuras. [...] Falar sem figuras, sim, seria o verdadeiro

desvio, provavelmente mortal. O problema não é livrar-se das figuras

– o que equivale a livrar-se da linguagem, o problema é conhecê-las e

compreender seu perigoso poder, para não ser vítima dele; para tirar

proveito dele.

Reboul

RESUMO

VIDAL, Luanny Maria Almeida. Um jogo de sedução e persuasão: figuras de retórica nas

imagens veiculadas nos jingles das campanhas presidenciais de Dilma e Aécio em 2014.

2016. 122f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

As campanhas políticas utilizam diversas técnicas argumentativas com vistas a construir um

discurso eficiente, capaz de tocar as emoções do auditório. Assim, no discurso político, é

comum os eleitores se depararem com propagandas eleitorais que se valem das figuras de

retórica, empregadas como técnicas argumentativas. Este trabalho pretende identificar as

figuras presentes em dois vídeos de jingles veiculados no horário gratuito de propaganda

eleitoral televisiva durante as eleições presidenciais brasileiras, do ano de 2014. Nesse

sentido, busca compreender o papel das figuras nesses discursos para que seja verificada a

forma como elas reforçam a imagem – ethos – do orador, como contribuem na intensificação

de argumentos – logos – e de que maneira ativam paixões – pathos – no auditório. Como base

teórica, elegemos obras da linha teórica da Argumentação e da Retórica, como os trabalhos de

Aristóteles (2003), Reboul (2004), Meyer (2007), Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), Fiorin

(2014; 2015) e Ferreira (2015). A pesquisa aqui proposta toma como objeto de investigação

textos verbo-visuais, mais especificamente os jingles veiculados na TV. Selecionamos, como

corpus, dois jingles, os quais deram início às campanhas dos candidatos Dilma Rousseff (PT)

e Aécio Neves (PSDB). A análise, que é de cunho qualitativo e comparativo, revela que as

figuras contribuem significativamente no processo de persuasão, uma vez que tocam o

auditório emocionalmente. Esta investigação acadêmica busca contribuir para a compreensão

da presença e dos efeitos argumentativos do uso das figuras retóricas em campanhas políticas.

Palavras-chave: Figura de retórica; Campanhas políticas; Textos verbo-visuais;

Argumentação; Jingles.

ABSTRACT

VIDAL, Luanny Maria Almeida. A game of seduction and persuasion: figures of rhetoric in

the images conveyed in the Dilma’s and Aécio’s presidential campaign jingles of 2014. 2016.

122f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

Political campaigns use various argumentative techniques in order to construct an efficient

discourse that is able to touch the audience’s emotions. Thus, in the political discourse, voters

usually come across election advertising that use figures of rhetoric applied as argumentative

techniques. This paper aims to identify the figures of rhetoric present in two jingles broadcast

in election propaganda on TV during the Brazilian presidential elections of 2014. This way, it

intends to understand the role of figures of rhetoric in these discourses in order to verify the

way they reinforce the orator's image (ethos). We also intend to understand how they

contribute to the intensification of the arguments (logos), and in what ways they arouse

passions (pathos) in the audience. As a theoretical basis, we selected some works of Rhetoric

and Argumentation, such as the works of Aristotle (2003), Reboul (2004), Meyer (2007),

Perelman & Olbrechts-Tyteca (2014), Fiorin (2014; 2015) and Ferreira (2015). This proposed

research takes as its object of investigation verbal-visual texts, more specifically, the jingles

broadcast on TV. The corpus comprises two jingles, which started Dilma Rousseff's (PT) and

Aécio Neves’ (PSDB) political campaigns. The qualitative and comparative analysis showed

that the figures contribute significantly to the process of persuasion once they touch the

audience emotionally. This academic investigation seeks to contribute for the comprehension

of the presence and argumentative effects of the use of figures of speech in political

campaigns.

Keywords: Figures of rhetoric; Political campaigns; Verbal-visual texts; Argumentation;

Jingles.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Dilma discursando para a população brasileira. 71

Figura 2 – Dilma abraçando os eleitores. 71

Figura 3 – Dilma de mãos dadas com os eleitores 71

Figura 4 – Dilma com os trabalhadores. 72

Figura 5 – Crianças na escola. 73

Figura 6 – Família feliz com a aquisição de sua casa própria. 73

Figura 7 – Jovem estudando. 73

Figura 8 – Homem abrindo a porta de seu conjunto habitacional. 74

Figura 9 – População brasileira nas ruas contra a Ditadura Militar. 76

Figura 10 – Militares nas ruas 77

Figura 11 – Dilma sendo julgada pelos militares. 77

Figura 12 – População pedindo diretas já. 77

Figura 13 – Mulheres do campo. 79

Figura 14 – Mulher conduzindo o metrô. 80

Figura 15 – Mulher pilotando avião. 80

Figura 16 – Mulher dirigindo o ônibus. 80

Figura 17 – Mulher como feirante. 81

Figura 18 – Mulher como dona de casa. 81

Figura 19 – Cartaz principal da campanha de Dilma Rousseff em 2014. 83

Figura 20 – Senhor abrindo a porta de casa. 90

Figura 21 – Trabalhador abrindo a porta de seu comercio. 90

Figura 22 – Senhor abrindo a porta de seu lar. 91

Figura 23 – Mulher abrindo a porta de sua residência. 91

Figura 24 – Senhor abrindo as portas de sua banca de revistas. 91

Figura 25 – Senhora da região do Sul abrindo a porta de sua casa. 92

Figura 26 – Igreja católica. 94

Figura 27 – Sino tocando. 94

Figura 28 – Pessoas da religião do Candomblé. 94

Figura 29 – Imagem de Padre Cícero. 95

Figura 30 - Senhor acenando próximo de uma igreja católica. 95

Figura 31 - Mulher de braços abertos. 97

Figura 32 - Artesanato do Nordeste. 97

Figura 33 - Casal de braços abertos. 98

Figura 34 - Mulher negra de braços abertos. 98

Figura 35 - Homem branco de braços abertos. 98

Figura 36 - Agricultor retirando a macaxeira da terra. 100

Figura 37 - Senhor negro sorrindo. 100

Figura 38 - Agricultores com a colheita. 100

Figura 39 - Senhora com o alimento nas mãos. 101

Figura 40 - Agricultor feliz 101

Figura 41 - Senhor abrindo a porta. 102

Figura 42 - Aécio de mãos dadas com os eleitores. 103

Figura 43 - Aécio de mãos levantadas com os eleitores. 103

Figura 44 - Aécio fazendo o sinal de “legal”. 103

Figura 45 - Aécio confirmando a campanha. 104

Figura 46 - Aécio abraçando uma senhora eleitora. 104

Figura 47 - Aécio feliz. 104

Figura 48 - Aécio com o olhar no horizonte. 105

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Figuras de retórica utilizadas no jingle de Dilma Rousseff 2014. 88

Quadro 2 – Figuras de retórica utilizadas no jingle de Aécio Neves 2014 107

Quadro 3 – Comparação entre as Figuras de retórica usadas por Dilma Rousseff

e Aécio Neves nos jingles das campanhas presidenciais de 2014 110

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13

1 CAPÍTULO 1 – A RETÓRICA COMO FERRAMENTA TEÓRICA PARA

A INTERPRETAÇÃO DOS DISCURSOS ............................................................ 16

1.1 O PERCURSO DA RETÓRICA CLÁSSICA À NOVA RETÓRICA DE

PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA.................................................................. 16

1.2 CONCEITOS DA TRILOGIA DE ARISTÓTELES ................................................. 20

1.2.1 Ethos ........................................................................................................................... 21

1.2.2 Pathos ......................................................................................................................... 23

1.2.3 Logos .......................................................................................................................... 24

1.3 A NOVA RETÓRICA: CONCEITOS E APLICABILIDADE NO DISCURSO

POLÍTICO .................................................................................................................. 29

1.4 O SISTEMA RETÓRICO .......................................................................................... 33

1.5 A RETÓRICA DA IMAGEM .................................................................................... 37

1.5.1 A retórica da imagem para Barthes ............................................................................ 38

1.5.2 A retórica da imagem para Reboul ............................................................................. 40

2 CAPITULO 2 - O PAPEL DAS FIGURAS DE RETÓRICA NA EFICÁCIA

DOS DISCURSOS .................................................................................................... 42

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO .......................................................................................... 42

2.2 AS CLASSIFICAÇÕES DAS FIGURAS .................................................................. 44

2.3 A ANÁLISE FIGURATIVA POR MEIO DA RETÓRICA ...................................... 46

2.3.1 Tropos lexicais e por concentração semântica ........................................................... 47

2.3.1.1 Tropos por expansão semântica ................................................................................. 49

2.3.1.2 Tropos gramaticais: Tropos por difusão semântica .................................................... 51

2.3.2 Figuras não trópicas: figuras de aumento, de repetição e de conteúdos..................... 52

2.3.2.1 Figuras de acumulação ............................................................................................... 52

2.3.2.1.1 Figuras de diminuição ................................................................................................ 53

2.4 AS FUNÇÕES ARGUMENTATIVAS DAS FIGURAS DE RETÓRICA E SUA

UTILIZAÇÃO COMO TÉCNICA EMOCIONAL DO DISCURSO POLÍTICO ..... 55

3 CAPÍTULO 3 – DISCURSO POLÍTICO, O GÊNERO DELIBERATIVO E

O GÊNERO JINGLE NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2014 ................. 58

3.1 DISCURSO POLÍTICO ............................................................................................. 58

3.1.1 O ethos como estratégia do discurso político ............................................................. 61

3.2 O GÊNERO DELIBERATIVO.................................................................................. 63

3.2.1 O gênero jingle ........................................................................................................... 64

4 CAPÍTULO 4 – O USO DAS FIGURAS DE RETÓRICA COMO TÉCNICA

ARGUMENTATIVA DOS DISCURSOS DE DILMA E DE AÉCIO ................ 68

4.1 DILMA ROUSSEFF (PT) .......................................................................................... 68

4.1.1 Análise do jingle: “Dilma, coração valente” .............................................................. 69

4.2 AÉCIO NEVES (PMDB) ........................................................................................... 88

4.2.1 Análise do jingle: “Agora é Aécio, vamos lá!” .......................................................... 89

4.3 ANÁLISE COMPARATIVA DOS DISCURSOS DE DILMA ROUSSEFF E DE

AÉCIO NEVES ........................................................................................................ 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 113

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 116

13

INTRODUÇÃO

O presente trabalho está inserido no projeto de pesquisa do Prof. Dr. Fernando

Aparecido Ferreira, intitulado “Políticas e publicidade: explorações retóricas e

argumentativas”. O objetivo é investigar e compreender as estratégias argumentativas e os

procedimentos retóricos presentes em discursos, propagandas políticas, anúncios e vídeos

publicitários.

Buscaremos, nesta dissertação, apresentar o uso das figuras como estratégia

retórica e argumentativa em jingles veiculados em campanhas políticas. Para tanto, foram

selecionados dois jingles elaborados unicamente para as campanhas políticas, à presidência do

Brasil, dos candidatos Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), no ano de 2014.

Analisaremos o modo com que as figuras de retórica se manifestam na estrutura do corpus de

análise aqui elencado.

Na sociedade brasileira, o voto é livre e individual. As escolhas pelos

candidatos são feitas a partir das propostas apresentadas durante a campanha política, a qual

tem, como finalidade, comover e persuadir o auditório-eleitor. Com base nisso, os discursos

políticos vêm se moldando à velocidade das linguagens das mídias atuais, por meio das quais

a atenção dos votantes será angariada. Antes veiculadas somente no rádio e na televisão, as

campanhas, no século XXI, estão presentes também na internet, em sites, blogs, canais de

vídeos e redes sociais. Assim, os candidatos usam esses meios de comunicação para uma

melhor e mais rápida aproximação com o auditório.

Dentre os vários gêneros discursivos veiculados em épocas de campanha

política, selecionamos, em função de sua grande representatividade, o jingle, o qual se

estrutura nos moldes impostos pelo Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), na

televisão, e, mais recentemente, na internet.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (2016), o HGPE, no qual os

jingles estão inseridos, é um programa em que os candidatos e partidos políticos expõem as

suas metas e os seus projetos de trabalho, com a intenção de conseguir a simpatia e o voto

dos eleitores. Portanto, nesse momento da grade televisiva, o que é objetivado é a

demonstração de como será o mandato dos candidatos e, principalmente, as formas de se

14

conseguir a persuasão do público, isto é, fazer com que o eleitor vote no candidato em

questão.

As campanhas políticas que fazem uso dos jingles têm o seu discurso em

linguagem verbal transformado em discurso audiovisual. A imagem, vinculada à sonoridade,

é empregada para agradar, comover, convencer e incitar as paixões no auditório, o qual é

levado à persuasão devido ao fator racional e, majoritariamente, aos fatores afetivo e

emocional.

A investigação acadêmica aqui exposta tem como objetivo analisar as figuras

de retórica verbais e visuais presentes no corpus selecionado. Para tanto, as figuras utilizadas

serão identificadas. Na sequência, o papel que elas cumprem nos discursos em questão será

examinado. O foco estará no uso dos diferentes tipos de figuras, tais como: a metáfora, a

metonímia, a sinédoque, dentre outras, identificadas nas imagens e nos textos contidos nos

jingles das campanhas eleitorais dos candidatos à presidência do Brasil do ano de 2014.

A escolha dos candidatos se deu pela ida deles ao segundo turno das eleições e

pela relevância que as campanhas de Dilma Rousseff (PT) e de Aécio Neves (PSDB)

adquiriram no cenário político brasileiro, em 2014, como duas forças antagônicas que

dividiram o país e mobilizaram paixões durante e após as eleições. O interesse em realizar

esta pesquisa partiu da observação do trabalho desenvolvido por ambos os candidatos nas

mídias, durante a campanha presidencial, e pela vontade de compreender quais foram os

mecanismos adotados por eles no processo de obtenção de tamanha adesão por parte do

auditório.

Independentemente da campanha de 2014, os candidatos selecionados

destacam-se por já fazerem parte do cenário político atual, uma vez que já ocuparam cargos

públicos no país, como, por exemplo, Aécio Neves, no decorrer da campanha, estava afastado

da sua função de senador, e Dilma Rousseff estava tentando a reeleição à presidência da

república. Logo, ambos já eram líderes políticos.

Para sedimentar esta pesquisa, foram utilizados as contribuições dos estudos

retóricos e argumentativos, desde Aristóteles até a contemporaneidade, por meio das reflexões

desenvolvidas por autores como Citelli (2005), Meyer (2007), Abreu (2009), Perelman e

Olbrechts-Tyteca (2014), Fiorin (2014; 2015) e Ferreira (2015), além de outros estudiosos que

também farão parte do arcabouço teórico. Assim, no que se refere à retórica da imagem,

contaremos com o pensamento de Barthes (1990) e de Reboul (2004). No que concerne às

reflexões sobre a teoria das figuras de retórica, contaremos, singularmente, com Fiorin (2014).

15

Quanto ao gênero jingle, utilizaremos as proposições de Costa (2014) e, no que tange ao

discurso político, empregaremos os estudos de Osakabe (1999) e de Charaudeau (2006).

Quanto à metodologia, foi realizada uma revisão bibliográfica acerca das

figuras de retórica, com vistas a uma comparação de dados, a qual será mostrada no capítulo

de análise, de acordo com os autores supracitados para fins de apresentação.

Este trabalho foi organizado em quatro capítulos: o primeiro capítulo apresenta

algumas considerações sobre retórica e argumentação, e retórica da imagem. Nele, são

exposto o percurso histórico da teoria retórica, do seu início até a atualidade. Esse

levantamento é de fundamental importância para se chegar à análise do corpus. Abordamos

questões como as etapas do discurso retórico, os gêneros aristotélicos, o sistema retórico e a

concepção da retórica da imagem de acordo com Barthes (1999) e Reboul (2004).

No segundo capítulo, tratamos das considerações sobre as figuras de retórica

utilizadas mais precisamente na imagem publicitária. Dessa maneira, foi realizada uma ampla

pesquisa sobre os conceitos das figuras de retórica, bem como sua argumentatividade. Assim,

contamos com a contribuição de Fiorin (2014) para os estudos das figuras de retórica e

também das considerações de outros estudiosos, como: Reboul (2004), Citelli (2005), Meyer

(2007), Abreu (2009), Ferreira (2015), e Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014).

No terceiro capítulo, foi exposto o corpus selecionado. Apresentamos o

discurso político segundo Osakabe (1999) e Charaudeau (2006); fizemos uma breve

abordagem sobre o gênero deliberativo de acordo com os ensinamentos de Aristóteles (2005),

definimos gênero discursivo de forma mais ampla, de acordo com Bakhtin; e, por fim, foi

descrito o gênero jingle de acordo com as definições de Costa (2014).

No quarto capítulo, exibimos o contexto retórico do Brasil no período da

campanha presidencial do ano de 2014. Posteriormente, foi versado sobre os dois candidatos,

cujas propagandas são nosso objeto de estudo. Finalmente, apresentamos a análise do corpus

à luz das teorias expostas nos capítulos anteriores. Nesse intento, foi realizado, como já

exposto, uma investigação da presença e do papel das figuras de retórica empregadas como

recursos argumentativos. Buscamos definir a função e a relevância das figuras ao identificar

as estratégias de persuasão em sua formação.

Esperamos que essa pesquisa seja significante para os estudos retóricos no que

se refere ao entendimento das figuras de retórica, principalmente, inseridas na imagem

publicitária, bem como aos estudos do discurso político, em especial, no contexto brasileiro.

16

1 CAPÍTULO 1 – A RETÓRICA COMO FERRAMENTA TEÓRICA PARA A

INTERPRETAÇÃO DOS DISCURSOS

O discurso político presidencial brasileiro, do ano de 2014, é o tema desta

pesquisa. Devido à natureza do corpus, no presente capítulo, teceremos considerações em

torno dos componentes teóricos que darão suporte a sua análise. Todo discurso, inclusive o

político, contém singularidades que possibilitam a utilização de teorias de várias linhas. Para

esta pesquisa, elegemos a teoria da retórica e da argumentação, a qual conduzirá as leituras de

Reboul (2004), Aristóteles (2005), Citelli (2005), Meyer (2007), Abreu (2009), Fiorin (2014;

2015), Ferreira (2015), e Perelman e Olbrechts-Tyteca (2015), dentre outros.

1.1 O PERCURSO DA RETÓRICA CLÁSSICA À NOVA RETÓRICA DE PERELMAN

E OLBRECHTS-TYTECA

A primeira forma de comunicação entre os homens foi através das imagens, as

chamadas “pinturas rupestres”. Daí em diante, o ser humano veio aperfeiçoando a sua

comunicação, até chegar à linguagem atual. Todo indivíduo se comunica por meio da

linguagem, seja ela verbal ou não verbal. Aquele que sabe usá-la possui uma capacidade

imbatível, pois a linguagem é um poder absoluto da comunicação. Ela é dotada de

possibilidades de construção de sentidos, a partir das quais os sujeitos expõem as ideias. O

domínio sobre ela facilita a utilização de argumentos melhores por parte dos falantes.

Nesta pesquisa, iremos trabalhar com os pressupostos do poder e do

encantamento que a linguagem exerce sobre a sociedade. Conforme Petter (2014, p. 11), a

linguagem é para a sociedade algo quase primordial, pois é com ela que o ser humano se

comunica e interage:

O fascínio que a linguagem sempre exerceu sobre o homem vem desse poder que

permite não só nomear/criar/transformar o universo real, mas também possibilita

trocar experiências, falar sobre o que existiu, poderá vir a existir e até mesmo

imaginar o que não precisa nem pode existir. A linguagem verbal é, então, a matéria

do pensamento e o veículo da comunicação social. Assim como não há sociedade

sem linguagem, não há sociedade sem comunicação. Tudo o que se produz como

linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma

realidade material que se relaciona com que lhe é exterior, com o que existe

17

independentemente da linguagem [...] ela é orientada pela visão do mundo, pelas

injunções da realidade social, histórica e cultural de seu falante (PETTER, 2014, p.

11).

Neste trabalho, parte-se da premissa de que a linguagem é o instrumento

fundamental da retórica, pois, para que o indivíduo se comunique retoricamente, faz-se

necessária a utilização da linguagem, ou seja, é a partir dela que a comunicação acontece,

diante das possibilidades que a mesma nos oferece de poder analisá-la dentro do discurso

político, com vistas à observação do contexto social, histórico e cultural que o permeia. Para

alcançarmos o objetivo desse trabalho, apoiamo-nos, principalmente, nos fundamentos

teóricos da Retórica e da Argumentação. Assim, Fiorin (2015) nos afirma que:

O senso comum tem a concepção de que a argumentação é uma questão de

conceitos, servindo a linguagem para revesti-los. No entanto, essa concepção é

errônea, pois os conceitos são significados criados pela linguagem humana.

Portanto, a argumentação é uma questão de linguagem. Por isso nela o enunciador

trabalha com a pluralidade de sentidos de uma palavra (polissemia), com as

ambiguidades (FIORIN, 2015, p. 78).

Como exemplifica Fiorin (2015), a argumentação é um ponto da linguagem. A

retórica suscita da linguagem, pois se utiliza dela para expressar o seu poder persuasivo.

Dessa forma, sem a linguagem, a retórica não teria como exercer a sua potencialidade, tanto

como arte, quanto como ciência.

A retórica faz uso do poder que a linguagem exerce sobre o homem para

transformá-la em uma técnica a favor da persuasão, portanto, ela é utilizada como um método,

o que permite que o orador consiga elaborar um discurso bem estruturado e verossímil,

alcançando, assim, os seus principais objetivos: persuadir ou analisar os vários discursos que

se encontram na contemporaneidade. Nessa perspectiva é que a retórica e a argumentação se

tornam indispensáveis em nossa sociedade.

Para uma melhor compreensão desses fenômenos, faremos um breve trajeto do

nascimento da retórica até os dias atuais.

Segundo Meyer (2007a), a retórica clássica teve o seu início na cidade de

Sicília, na Grécia, por volta de 465 a.C., no âmbito do poder judiciário. Foi usada para

resolver uma questão de recuperação de bens. Sobre isso, Reboul (2004) afirma:

A retórica não nasceu em Atenas, mas na Sicília grega por volta de 465 a.C, após

expulsão dos tiranos. E sua origem não é literária, mas judiciária. Os cidadãos

despojados pelos tiranos reclamaram seus bens, e à guerra civil seguiram-se

inúmeros conflitos judiciários. Numa época em que não existiam advogados, era

preciso dar aos litigantes um meio de defender sua causa. Certo Córax, discípulo do

18

filósofo Empédocles, e o seu próprio discípulo, Tísias, publicaram então uma “arte

oratória” (tekhné rhetoriké), coletânea de preceitos práticos que continha exemplos

para uso das pessoas que recorressem à justiça. Ademais, Coráx dá a primeira

definição da retórica: Ela é “criadora da persuasão”. Como Atenas mantinha

estreitos laços com a Sicília, e até processos, imediatamente adotou a retórica

(REBOUL, 2004, p. 2, grifo do autor).

Depois de Tísias e de Córax, surgiram os sofistas, sendo que um dos mais

famosos entre eles era Górgias. Os sofistas levaram a teoria da retórica para a cidade de

Atenas, entretanto, de forma bem mais elaborada, como um método de debate entre eles ou

como um meio de aperfeiçoar a argumentação.

Nesse sentido, podemos dizer que os sofistas estavam fazendo uso de uma

linguagem mais elaborada para persuadir as pessoas, através de uma argumentação eloquente.

Dessa maneira, eles faziam uso das palavras de um jeito encantador e bastante persuasivo,

que transformava “o argumento mais fraco no mais forte, slogan que dominava toda essa

época” (REBOUL, 2004, p. 3, grifo do autor). Entretanto, ninguém se importava com os

conceitos de verdade ou de mentira, a questão, nesse momento, era a de persuadir os pares a

partir do que era verossímil (eikos), e não do que era verdadeiro.

Fiorin (2015, p. 77) esclarece que verossímil é uma estratégia de algumas áreas

do saber, pois, em certos campos da ciência, não há como empregar a verdade absoluta,

portanto:

O verossímil é o que parece verdadeiro, em virtude de um acordo numa dada

formação social numa determinada época. O verossímil é inerente ao objeto do

discurso argumentativo, pois, nas questões éticas, jurídicas, econômicas, filosóficas,

políticas, pedagógicas, religiosas, etc. não há o verdadeiro e o falso, mas trabalha-se

com o mais ou menos verossímil (FIORIN, 2015, p. 77).

Assim como mostra Fiorin (2015), a argumentação é realizada a partir do que é

verossímil, ou seja, daquilo que pode ser uma “verdade”. A conduta dos sofistas não agradou

a muitas pessoas, inclusive aquelas que tinham um grau de conhecimento mais elevado, no

que tange à ciência.

Desse modo, Platão foi contra a prática da retórica. Ele começou a indagar

sobre o falar “enfeitado”, dizendo que era o oposto da filosofia, visto que a filosofia tinha em

seu cerne a liberdade de pensamento e pregava o que era justo, já a retórica, para Platão, era

uma inverdade, ou seja, uma mentira, um erro. Então, para Platão, ela era algo negativo.

Entretanto, nessa mesma época, Aristóteles deu para a teoria retórica um conceito positivo, o

que contribuiu como principal referência aos estudos retóricos.

19

De acordo com Reboul (2004), o filósofo Aristóteles nasceu em Estagira,

colônia jônica do reino da Macedônia, mais precisamente na região do norte da Grécia.

Aristóteles chegou a ser aluno de Platão, mas, como não iria poder sucedê-lo, abandona-o e

abre uma escola concorrente à escola de seu mestre, chamada de Liceu. Aristóteles tinha o

espírito de observar e de sistematizar. A partir da sistematização, ele vai dar à retórica uma

estruturação mais elaborada que a de seus antecessores:

Aristóteles falava que a retórica é o inverso necessário da ciência, pois esta confere

certeza em suas conclusões, mas um bom número de questões da vida cotidiana,

assim como da vida intelectual, não oferece certeza alguma. Devem estas, em

virtude disso, sair do campo da razão? (MEYER, 2007a, p. 20).

Portanto, para o mestre estagirita, a retórica era algo positivo para a ciência,

mesmo que com algumas peculiaridades. Aristóteles não pensava na retórica como os sofistas,

mas sim como uma ciência que vai ajudar o ser humano a organizar todo um discurso,

fazendo com que o mesmo se torne forte. Em relação à visão de Aristóteles para retórica,

Reboul (2004) enfatiza que, “em resumo, dando uma definição a retórica mais modesta que as

dos sofistas, ele a torna muito mais plausível e eficaz. Entre o ‘tudo’ dos sofistas e o ‘nada’ de

Platão, a retórica se contenta com ser alguma coisa, porém de valor certo” (REBOUL, 2004,

p. 24, grifos do autor).

Nesse contexto, ficam marcados os posicionamentos sobre a retórica. O

primeiro embate logo fica evidente: para uns, o conceito da retórica era algo estritamente

obscuro, já para outros, ela era um mecanismo de clareza no campo da argumentação.

Sabemos que nem todos os indivíduos pensam e agem da mesma forma, que é preciso

respeitar os diversos pontos de vista para que essas opiniões sirvam de partida para uma boa

convivência.

Alguns conceitos nortearam a retórica clássica na antiguidade. Meyer (2007a,

p. 21) classificou-a de acordo com os pensamentos de Platão, para quem “a retórica é uma

manipulação do auditório”; Quintiliano, o qual considerava a retórica a “arte de bem falar (ars

bene discendi)”; e Aristóteles, que afirmava que “a retórica é a exposição de argumentos ou

de discursos que devem ou visam persuadir”.

Desse modo, podemos perceber o quanto essas noções eram conflitantes (ou

mesmo complementares), pois existiam vários conceitos, tanto positivos, quanto negativos

sobre a retórica. Os primeiros versam sobre o poder de persuadir um auditório, até mesmo

considerando que este seja enganado. Nesse caso, a questão era usar a retórica como forma de

20

manipulação, por meio de qualquer argumento a favor de uma causa. O segundo discorre

sobre o poder das belas palavras, do deleitar, do agradar, do abrilhantar, ou mesmo do poder

que se tem em falar “enfeitado”. O terceiro diz respeito às escolhas dos argumentos e dos

discursos de forma bem estruturada, com o intuito de persuadir um auditório.

Nessa perspectiva, a criação de um único conceito para a retórica era algo

quase impossível, pois cada uma dessas três acepções privilegiava um campo distinto da

retórica. Esses campos dizem respeito ao ethos, ao pathos e ao logos, conhecidos como “tripé

retórico” ou “três provas retóricas” elencadas por Aristóteles.

Para um melhor entendimento, iremos tratar primeiramente dos conceitos de

orador, de discurso e de auditório, pois, quando se fala em retórica, essas noções são

fundamentais. Em seguida, iremos aprofundar as questões referentes ao ethos, ao pathos e ao

logos.

Consoante Aristóteles (2003), o orador é aquele que fala ou escreve para

convencer o outro a fazer alguma coisa, que deve e precisa passar credibilidade para aquele ao

qual discursa. O auditório é uma pessoa, ou um grupo de pessoas, que o orador quer persuadir

por meio de seu discurso. Para que o orador consiga atingir o público, faz-se necessário que

ele consiga seduzi-lo e convencê-lo. O discurso, em retórica, está presente na força da

palavra, ou seja, na argumentação.

1.2 CONCEITOS DA TRILOGIA DE ARISTÓTELES

Neste tópico, serão abordados os conceitos de ethos, pathos e logos

fundamentados nas ideias de Aristóteles (2005), Reboul (2004), Meyer (2007), Fiorin (2015),

Ferreira (2015), dentre outros, conforme será detalhado a seguir.

Segundo o pensamento de Aristóteles, o ethos e o pathos são de ordem afetiva,

já o logos é voltado para o campo racional. Nessa perspectiva, o discurso político, em grande

parte, insere-se principalmente no campo emocional, ou seja, é trabalhado em cima do ethos e

do pathos, pois ele está voltado para os sentimentos despertados no auditório. Porém, o

discurso deve ser muito bem estruturado a partir de seus respectivos argumentos: o logos

precisa ser elaborado com vistas às estratégias argumentativas para que possa atingir o pathos.

21

1.2.1 Ethos

De acordo com Aristóteles (apud FERREIRA, 2015, p. 90), ethos “é a imagem

que o orador constrói de si em seu discurso, corresponde a uma instância subjetiva do próprio

enunciador”. Reboul (2004, p. 48) conceitua o ethos como “o caráter que o orador deve

assumir para inspirar confiança no auditório, pois, sejam quais forem seus argumentos

lógicos, eles nada obtêm sem essa confiança”. Dessa maneira, podemos dizer que o ethos não

é propriamente a pessoa que discursa, mas sim o caráter que ela constrói de si mesma com o

seu discurso.

Vale ressaltar que, para que o auditório acredite no orador e adquira confiança

em seu ethos, quem discursa precisa levar em consideração alguns fatores primordiais. A

respeito disso, o filósofo Aristóteles (2003) salienta três fatores que, segundo ele, são

essenciais para gerar confiança: a prudência ou a sabedoria (phronesis), que se relaciona com

a característica de ser uma pessoa cautelosa e sensata, fator ligado ao logos; a virtude do ethos

(arete), que descreve uma qualidade moral particular1; e, por fim, a benevolência (eunoia),

que é uma vontade de ajudar o próximo, sendo mais ligada ao pathos, pois mostra um ethos

preocupado com o outro, ou está relacionada diretamente com o sentimento. Esses, portanto,

seriam os fatores de confiança do ethos.

Meyer (2007a, p. 34-35) apresenta o “ethos como a imagem gerada pelo

orador”, isto é, a forma pela qual ele irá apresentar o seu caráter para o auditório. Portanto, o

orador precisa passar um ethos de segurança para o auditório que ele pretende persuadir, pois

o mesmo é um forte argumento de autoridade capaz de construir uma imagem do orador, uma

vez que o auditório associa o que ele é e ao que ele representa. No entanto, sabemos que não é

o seu caráter efetivo, mas aquele que o orador criou para persuadir o seu auditório. Assim,

tomemos como exemplo:

O ethos explicita-se na enunciação enunciada, ou seja, nas marcas da enunciação

deixadas no enunciado. Portanto, a análise do ethos do enunciador nada tem do

psicologismo que, muitas vezes, pretende infiltrar-se nos estudos discursivos. Trata-

se de apreender um sujeito construído pelo discurso [...]. O ethos é uma imagem do

autor, não é o autor real; é um autor discursivo, um autor implícito (FIORIN, 2015,

p. 70, grifos do autor).

1 De acordo com Eggs (2005, p. 33), esses dois primeiros fatores fazem parte de atos positivos.

22

Fiorin (2015) mostra, mais uma vez, que o ethos não é algo que podemos ver,

mas que podemos inferir, pois ele está colocado implicitamente no discurso. Portanto, o

auditório precisa captar as inferências do orador, para que possa perceber se o ethos de quem

discursa é confiável ou não.

Vale lembrar que o ethos é produzido pelo orador a partir das escolhas que ele

faz de enunciação, em detrimento de outras. A respeito disso, Eggs (2005, p. 37) comenta que

o ethos é produzido “pelas escolhas competentes, deliberadas e apropriadas”. Nesse sentido,

podemos inferir que o ethos é sempre uma produção bem planejada de uma enunciação. Para

que possamos produzir uma imagem confiável, devemos saber para qual auditório iremos

discursar, para então objetivar um ethos de acordo com a cultura de um determinado público.

No que concerne ao ethos, vale ressaltar que existem vários tipos de ethe, por

isso é preciso distingui-los: ethos imanente, de acordo com Meyer (2007a, p. 35), é a

“projeção da imagem que deve ter o ethos aos olhos do pathos”, isto é, deve estar ligado ao

âmbito do que é possível, agindo na captação da realidade, no que tange aos sentidos; ethos

não-imanente, o qual está ligado ao que é efetivo; ethos projetivo, que é caracterizado pela

imagem que o auditório tem do orador; e ethos efetivo, que é a imagem que o orador constrói

durante a sua fala, com o intuito de persuadir o seu auditório.

Alguns autores, como Ferreira (2015, p. 91), falam do ethos prévio. Esse seria

uma imagem que o auditório já construiu em sua mente do ethos do orador a partir da

bagagem cultural que ele carrega consigo, ou ainda, é a constituição de uma “representação

construída pela opinião pública”. Para uma melhor explicação, tomemos como exemplo o

ethos prévio da mulher:

Uma mulher, por exemplo, tem por trás de si toda uma existência ligada a submissão

na sociedade patriarcal. Não poderia, então, a não ser pelo ato retórico, mesmo que

moderna e emancipada, se livrar do peso histórico desse ethos prévio do feminino

(FERREIRA, 2015, p. 91).

Ainda em relação aos tipos de ethe, podemos citar o ethos moral, entretanto é

preciso que se empregue o ethos “neutro, objetivo ou estratégico” para que se tenha com

precisão o ethos moral. Eggs (2005, p. 39) relata que esses três ethe citados acima ocorrem

quando o orador adapta o seu discurso de acordo com a sua idade e às condições sociais em

que ele se encontra. É necessário, ainda, valorizar a cultura do seu auditório como um ponto

crucial.

O ethos retórico, então, é um elemento estratégico ou “astucioso”, o qual o

orador tem nas mãos para convencer o seu auditório. Como relata Eggs (2005, p. 39), o ethos

23

moral é uma prova de “convencer pelo discurso”. Assim, podemos inferir que o orador,

quando precisa passar uma imagem que queira persuadir, escolhe um ethos para que consiga

alcançar o seu objetivo.

Alguns autores, como Aristóteles (2005) e Eggs (2005), afirmam que o ethos,

dentre os três elementos da prova engendrada pelo discurso (logos, ethos e pathos), é o mais

importante.

O orador, quando elabora o seu discurso, consegue mascarar a sua própria

identidade através da escolha de um ethos, pois o mesmo usa essa imagem como ferramenta

de manipulação. Assim, ele tem a oportunidade de usar um ethos imanente ou um ethos não

imanente, ou qualquer outro, com o objetivo de manipular o auditório. Entretanto, quando o

auditório já tem o ethos prévio daquele que discursa, fica mais difícil de deixar-se manipular.

1.2.2 Pathos

A noção de pathos, conforme Ferreira (2015, p. 103), é qualquer emoção,

paixão ou sentimento que o orador consegue provocar, ou mesmo causar, através de seu

discurso, no auditório. Logo, podemos inferir que o mais importante, quando se fala de

pathos, são os sentimentos provocados no auditório. Meyer (2007a, p. 36) diz que os

significados das paixões, em retórica, são o “temor, o ódio, o amor, o desespero, o desejo

entre outros”, ou seja, não são somente sentimentos eufóricos, mas também disfóricos.

Para Meyer (2007a), a paixão é um ponto fulcral para ganhar o auditório.

Dessa maneira, relata que:

A paixão é, portanto, um poderoso reservatório para mobilizar o auditório em favor

de uma tese. Isso reforça a identidade dos pontos de vista, ou a diferença em relação

à tese que procuramos afastar. A função da paixão consiste em comunicar o outro a

diferença que é a sua: é uma resposta sobre um problema que separa, e há paixão na

cólera que insulta, assim como no amor, que visa aproximação (MEYER, 2007a, p.

38).

Assim como mostra Meyer (2007a), a paixão ou a emoção são fortes recursos

de persuasão, pois, muitas vezes, podem superar os limites da própria razão, ela também é

uma resposta, no qual o auditório adianta ao orador.

Acerca das respostas advindas das paixões, Meyer (2007a, p. 39) enfatiza que o

auditório pode: (1) aderir, (2) acusar, (3) completá-las ou (4) modificá-las, (5) permanecer

24

silencioso, (6) aprovar ou (7) reprovar. Entretanto, o silêncio somente pode significar (8) o

desinteresse pela questão tratada. Logo, é comum sabermos que a paixão, quando se fala em

retórica, muitas vezes, é uma resposta que o auditório dá, ao orador, em forma de sentimento,

o qual pode ser explícito ou implícito. A esse sentimento, Aristóteles dedicou o livro II, no

qual explica a importância da paixão no auditório, ou seja, o pathos. Vale ressaltar que

Aristóteles elenca quatorze paixões, são elas: a cólera, a calma, o amor e o ódio, o temor e a

confiança, a vergonha e a impudência, o favor, a compaixão, a indignação, a inveja e a

emulação e o desprezo.

Ferreira (2015, p. 103) conceitua pathos como um argumento da área da

psicologia, pois ele está ligado aos sentimentos, os quais podem tocar o auditório, que é

despertado pelas emoções e pelas paixões provocadas por quem discursa.

Fiorin (2015, p.73) relata que o pathos, ou o estado de espírito do auditório,

vem a ser “a disposição do sujeito para ser isto ou aquilo”. Com base nisso, podemos afirmar

que o pathos é o conjunto de sentimentos que move ou comove o auditório.

Contudo, o pathos, em retórica, relaciona-se com a qualidade de um bom

discurso em virtude do auditório, visto que é este último que irá avaliar se o orador conseguiu

ou não a adesão do público à sua tese.

1.2.3 Logos

Aristóteles (2003) define logos como a instância do discurso e a força da

argumentação. É ele que manipula o auditório de forma emocional ou racional, ao passo que

Meyer (2007a, p. 40) argumenta que o logos é uma maneira de responder algo a alguém, ou

seja, é um discurso em forma de resposta a um enunciado. Para uma melhor abordagem,

vejamos:

Em conclusão, o logos é tudo aquilo que está em questão. Todo julgamento é uma

resposta a uma questão que se coloca e é composto de termos que são formados

como aderidos a questões que não mais se colocam e graças às quais é possível

comunicar. As respostas respondem a questões que por sua vez podem levantar

outras (MEYER, 2007a, p. 45).

25

Portanto, as várias respostas e as muitas questões suscitadas na sociedade

fazem parte da trilogia de Aristóteles, mais precisamente na instância do logos, de acordo com

Meyer (2007a).

Outro ponto de suma importância, no que tange ao logos, é a questão das

escolhas das palavras, pois as mesmas irão influenciar diretamente na aceitação da tese. Por

isso, o orador precisa escolher quais palavras ele poderá colocar em seu discurso em

detrimento de outras, para que este se torne potente.

Para que o logos seja influenciável, vale ressaltar que o orador precisa levar em

consideração o contexto retórico. Esse, por sua vez, diz respeito a uma soma de fatores que

contribuem para uma melhor aceitação da tese exposta ao auditório. Nesse sentido, Ferreira

(2015, p. 31) conceitua o contexto retórico como uma reunião de alguns fatores importantes,

tais como: o tempo, a história, a cultura, a sociedade, dentre outros. Todos esses fatores do

contexto retórico são fundamentais para a estruturação de um bom discurso. Dessa maneira, o

auditório levará em conta que o orador o conhece bem, tornando possível, assim, o despertar

do pathos.

A noção do contexto retórico é fundamental para o analista “desmistificar” um

discurso, levando em consideração os fatores externos que permeiam o discurso. Quando essa

noção é considerada em uma análise, ela se tornará mais transparente.

No que compete ao discurso retórico, Ferreira (2015) frisa que ele nasce do

contexto retórico para solucionar um “problema retórico”. O autor enfatiza que esse problema

é composto por três elementos: “uma questão, um auditório e um conjunto de limitações e

restrições”. Logo, podemos observar que todo discurso emana de um problema retórico, cuja

solução está no contexto retórico.

Portanto, quando o orador consegue reunir todos esses fatores do contexto em

uma determinada “resposta”, formatada como discurso (logos), a tese proposta será mais

facilmente aceita, pois ele irá elaborar o seu discurso visando a uma melhor aceitação por

parte do auditório. Nesse sentido, o orador consegue captar um pouco do mundo e dos valores

daquele para quem ele vai falar e, assim, realiza um discurso eficaz, capaz de mover as

paixões do auditório. Para ratificar o pensamento exposto acima, temos um discurso do ex-

presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no qual anuncia recursos do Programa

Minha Casa, Minha vida para alguns municípios do Brasil, em Brasília-DF, no dia 12 de

janeiro de 2010:

Lá no estado do Amazonas, você pegar um barco, tem que andar horas de barco,

depois descer do barco e andar horas no meio do mato. E para carregar um poste de

26

madeira, um poste de madeira bom custa... o peso dele significa, para cada poste,

390 quilos. Então, você imaginar as pessoas carregarem 390 quilos nas costas no

meio do mar [mato], ou para colocar em uma chatinha no rio, vai afundar, e ao

chegar lá tem que ter muita gente para levantar. Um poste de cimento, que a gente

fazia antes, pesa uma tonelada. Você imagine descer na margem de um rio e pegar

esse poste, andar mais três, quatro quilômetros a pé com ele, tentando carregar esse

poste. Então, está ficando difícil. Então, vai ser construída, agora, uma fábrica – ela

já existe no Paraná –, nós vamos fazer uma fábrica de postes... Não nós. O

Ministério acordou com o empresário, ele vai implantar uma fábrica de postes de lã

de vidro. Esse poste pesa apenas 130 quilos. Um cara como você, Vaccarezza, pesa

mais que o poste. Portanto, fica muito fácil a gente, agora, utilizar. E vamos agora

[...] (BIBLIOTECA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2016a).

O discurso do ex-presidente revela uma boa qualidade oratória, no que tange ao

tempo, à história e à cultura de um povo, pois o mesmo utiliza desses fatores contextuais para

se tornar persuasivo. Assim, ao discursar sobre a falta de luz em algumas comunidades

ribeirinhas do Amazonas e sobre como era a luta da população para a implantação dos postes,

ele aborda uma das necessidades mais precípuas do povo amazonense. Logo, seria comum

que o povo do Amazonas se reconhecesse nesse discurso de Lula, pois o orador utilizou o

contexto como forma de comover o seu auditório.

No que condiz ao logos, é preciso definir o ato comunicativo, pois o mesmo faz

parte da instância do logos. A respeito disso, Fiorin (2015, p. 76) comenta que é um processo

bastante complexo, pelo fato de que muitos confundem a comunicação recebida com a

comunicação assumida. Dessa forma, afirma que

Comunicar é agir sobre o outro e, por conseguinte, não é só levá-lo a receber e

compreender mensagens, mas é fazê-lo aceitar o que é transmitido, crer naquilo que

se diz, fazer aquilo que se propõe. Isso quer dizer que comunicar não é apenas fazer

saber, mas principalmente fazer crer e fazer. É o que diz Vieira, falando da eficácia

do sermão: não se deve falar ao vento (=não persuadir), mas ao coração

(=persuadir). Comunicar significa obter adesão. Esta depende de opiniões prévias,

de crenças, de aspirações, de valores, de normas, de emoções, de sentimentos, de

visão de mundo, etc. (FIORIN, 2015, p. 76).

Fiorin (2015, p. 76) comenta que o ato da comunicação só é realizado quando o

auditório é levado a fazer o que foi exposto pelo orador, pois, nesse aspecto, a comunicação

não é feita somente para ser comunicada e sim para ser realizada, ou seja, assumida,

concretizada. Ele ainda enumera alguns aspectos dessa comunicação para que ela alcance a

aceitação. Esses aspectos, como a religião, os valores, dentre outros, fazem parte daquilo que

é chamado, em retórica, de “lugar comum” ou de “doxa”.

Conseguinte Ferreira (2015, p. 12), todo ser humano é um ser retórico, pois

utiliza a palavra para manipular e influenciar o outro, com vistas a “guiar suas ações, a casar

interesses e estabelecer acordos”. Entretanto, é válido sabermos que não existe o “conceito de

27

certo” dentro de um ato comunicativo, o que há são opiniões construídas a partir de crenças,

de valores e de sentimentos. Porém, através dos lugares comuns, pertencentes à doxa, é

possível criar a acepção de “certo”. A doxa se encontra em um campo onde não existe “o

certo”, somente opiniões, entretanto, esse “certo” poderá ser construído a partir das escolhas

enunciativas que visam a uma boa argumentação.

Amossy (2005, p. 123) conceitua a doxa como um conhecimento comum, o

qual é partilhado pela maioria dos indivíduos de uma mesma sociedade. Dessa maneira, esse

conhecimento é tido como uma construção social, onde não existe “o certo”, uma vez que nele

é trabalhada a subjetividade para realizar a eficácia do discurso. Portanto, a doxa é um

elemento de suma importância na construção de uma argumentação.

Vale ressaltar, que esses três instrumentos de manipulação – o ethos, o pathos e

o logos – estão sempre imbricados uns aos outros: um só existe mediante a existência do

outro. Somente assim esse tripé estará bem estruturado.

Consoante o pensamento de Ferreira (2015, p. 26), para que o orador consiga

persuadir o seu auditório, precisa primeiramente conhecê-lo. Entretanto, aquele a quem o

orador discursa também tem como analisá-lo a partir da opinião de que o discurso é forte ou

não, ou seja, diante do discurso do orador, o auditório consegue captar até mesmo o que não

ficou explícito na enunciação.

A esse respeito, a hermenêutica irá figurar como uma ferramenta a mais para a

interpretação do discurso ou dos textos. Portanto, “para ser um bom orador, não basta saber

falar; é preciso saber a quem se está falando, compreender o discurso do outro, seja esse

discurso manifesto ou latente, detectar suas ciladas, sopesar a força de seus argumentos e

sobretudo captar o não dito” (REBOUL, 2004, p. 19). Como exemplo, temos o discurso de

Fernando Henrique Cardoso, em Brasília-DF, no dia 1 de janeiro de 1995:

O sentimento que move esse apoio de todos ao País tem um nome: solidariedade, É

ela que nos faz sair do círculo pequeno dos nossos interesses particulares para ajudar

nosso vizinho, nosso colega, nosso compatriota, próximo ou distante. Nós,

brasileiros, somos um povo solidário. Vamos fazer desse sentimento a mola de

grande mutirão nacional, unindo o Governo e a comunidade, para varrer do mapa do

Brasil a fome e a miséria. Vamos assegurar uma vida decente às nossas crianças,

tirando-as do abandono das ruas e, sobretudo, pondo um paradeiro nos vergonhosos

massacres de crianças e jovens. Vamos assegurar com energia direitos iguais aos

iguais; às mulheres, que são a maioria do nosso povo e às quais o País deve respeito,

oportunidades de educação e de trabalho; às minorias raciais e a algumas quase

minorias - aos negros, principalmente -, que esperam que igualdade seja, mais do

que uma palavra, o retrato de uma realidade; aos grupos indígenas, alguns deles

testemunhas vivas da arqueologia humana, e todos testemunhas da nossa

diversidade. Vamos fazer da solidariedade o fermento, da nossa cidadania, em busca

da igualdade. E a nossa esperança de ver um Brasil livre, próspero e justo há de

28

pulsar, cada vez mais forte, no peito de cada brasileiro, como uma grande certeza

(BIBLIOTECA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2016b).

O discurso de Fernando Henrique Cardoso nos mostra de que forma utilizou a

hermenêutica a seu favor. Primeiramente, o ex-presidente aparenta ser um bom orador, pois

demonstra que tem familiaridade com o povo brasileiro, seu auditório, quando aborda um

sentimento bastante conhecido na nação: a solidariedade. O político também discorre sobre

duas grandes angústias do povo – a fome e a miséria –, e ainda enfatiza os direitos que devem

ser assegurados às crianças, aos adolescentes, às mulheres, aos negros e aos índios, ou seja,

demonstra estar consciente dos vários problemas que emanam da diversidade cultural do

Brasil. Dessa maneira, passa para o auditório a impressão de que o conhece e que compreende

bem as suas mazelas. Assim, está implícito em seu discurso que não havia, naquele momento,

um melhor presidente para lutar em favor de seu povo. Portanto, a hermenêutica foi utilizada

no discurso de Cardoso como forma de persuadir o auditório.

Vale lembrar que, em todo discurso, a hermenêutica está presente, pois

sabemos que ela é de suma importância quando falamos em persuasão. Assim, ela é

conceituada como “a arte de interpretar textos” (REBOUL, 2004, p. 19).

Ferreira (2015, p. 51) contribui com esse estudo quando diz que a retórica

possui uma função hermenêutica de suma importância. Assim, essa função é descrita como a

forma como o orador vai demonstrar a realidade, porém, de um ângulo a ser escolhido por ele

por meio da seleção de recursos persuasivos. Em outras palavras, de que forma ele vai

construir os argumentos a serem proferidos e de que maneira ele irá conseguir que o seu

auditório seja persuadido.

Além da noção de hermenêutica em retórica, existe outra noção que é de igual

importância na argumentação: a eloquência. Eloquência significa a arte do bem falar, ou a

arte de persuadir pela palavra, por isso está bastante ligada ao termo ethos. Para Meyer

(2007a, p. 23), a eloquência “só ganha sentido se subordinar à castidade do ethos do orador, a

seus costumes exemplares, que são válidos para todos, independentemente da profissão ou

origem social”. Ela relaciona-se também ao logos pelo fato de determinar o seu estilo e, como

consequência, integra-se ao pathos, uma vez que toca as emoções através de um discurso

pautado em um falar mais elaborado.

Outro elemento também ligado à emoção e exposto na retórica clássica são as

figuras de retórica, principalmente a metáfora e a metonímia. Elas eram aplicadas no campo

literário, para seduzir e chamar a atenção, com o objetivo de deixar a linguagem mais

elegante.

29

No trabalho aqui apresentado, a compreensão das figuras de retórica auxiliará

significativamente na análise dos jingles dos candidatos à presidência do Brasil no ano 2014,

no sentido de apoiar a verificação de como os políticos se valeram desses recursos retóricos

para tocar nos sentimentos do auditório.

Como observamos, vários conceitos da retórica foram formulados desde a

época da retórica clássica.

Ferreira (2015, p. 45) trata dos fatores que levaram a retórica clássica ao

declínio. Primeiramente, o fato de ela ter passado a ser chamada de retórica da eloquência ou

de retórica das figuras. Nesse sentido, muitos acreditavam que a retórica tinha se

artificializado, questão que contribuiu para o sumiço dos ensinamentos de declamação nas

salas de aula. Outros contribuintes para o declínio da retórica foram o Positivismo, com a

ideia de acreditar na verdade científica; e o Romantismo, que pregava a sinceridade absoluta.

Dessa forma, a retórica perdeu espaço na sociedade por vários séculos.

1.3 A NOVA RETÓRICA: CONCEITOS E APLICABILIDADE NO DISCURSO

POLÍTICO

A sociedade do início do século XX precisava resgatar os estudos retóricos,

entretanto não era aquele conceito de retórica do passado, o qual se valia, muitas vezes, de um

falar rebuscado e repleto de figuras para conseguir o seu propósito. Depois de séculos

“desaparecida”, surge a “Nova retórica”, em meados do século XX, quando Chaïm Perelman

e Lucie Olbrechts-Tyteca publicam o livro Tratado de Argumentação. Essa obra, segundo

Meyer (2014), foi aclamada como um clássico da sociedade contemporânea, assim como as

obras de Aristóteles, Cicero, Quintiliano e Vico. Ferreira (2015, p. 45-46) também comenta

sobre o surgimento da nova retórica:

[A retórica] renasceu, vigorosa, na Europa, a partir dos anos 1960 com o advento da

nova retórica: a força da palavra saiu vitoriosa, ainda que menos embelezada com

suas roupas de festa. [...] A retórica contemporânea veio cheia de saúde: não mais

pretende, especificamente, ensinar a produzir textos, mas, sobretudo, objetiva a

oferecer caminhos para interpretar os discursos (FERREIRA, 2015, p. 45-46).

A esse respeito, Fiorin (2014) atesta que a retórica ressurgiu a partir de

algumas peculiaridades de condições discursivas que permeavam a sociedade na segunda

30

metade do século XX, o que possibilitou uma aproximação com a linguística, mas, para isso

acontecer, foram necessárias três etapas fundamentais. Faz-se necessário saber que

Na segunda metade do século XX, novas condições discursivas alteram, conforme

Bender e Wellberry (1990), as premissas culturais hostis à retórica e assiste-se,

então, a seu renascimento. Em primeiro lugar, o século XX liquidou o ideal de

objetividade e neutralidade científica do positivismo. Muitos teóricos (por exemplo,

Heiseberg e Godel) mostram que os dados de observação não são neutros. Por outro

lado, começa-se a verificar, conforme modelo difundido por Thomas Kuhn, que as

ciências são construções dentro de determinados paradigmas. Em segundo lugar, a

arte moderna solapa a noção de subjetividade fundadora da estética romântica. Com

o surrealismo e, mais ainda, o dadaísmo, a experiência estética é vista como um jogo

de forças inconsciente e linguísticas em relação a que o sujeito está descentrado. O

ideal de originalidade é relativizado. Em terceiro lugar, o modelo de comunicação

política é encarnado na publicidade, no marketing, nas relações públicas, em que a

racionalidade dos agentes não é mais um axioma. O que se pretende é persuadir, isto

é convencer ou comover, ambos meios igualmente válidos de conduzir à admissão

de terminada ideia. Com o advento das novas mídias, o modelo de comunicação

escrita sofre um abalo, pois, como mostrou McLuhan, há uma relação profunda

entre a nova cultura da imagem e a cultura oral pré-clássica (1969). Finalmente,

revalorizam-se o poliglotismo, os dialetos, os jargões. É no bojo dessas condições

discursivas que se produz uma mudança na linguística que possibilita sua

aproximação com a retórica (FIORIN, 2014, p. 13-14).

A retórica de Perelman e Olbrechts -Tyteca (2014) renasceu menos “enfeitada”

do que a retórica antiga, e com um objetivo bem mais específico: o de ser uma poderosa

ferramenta para interpretar os discursos que permeiam a sociedade contemporânea, ou seja,

uma nova retórica para uma nova sociedade, um novo tempo.

A Nova retórica chegou com outro conceito, mesmo a partir do resgate dos

fundamentos já formulados por Aristóteles. Ela veio para fazer a diferença não somente na

produção de discursos persuasivos, como também no oferecimento de meios para interpretá-

los. Dessa maneira, temos alguns conceitos de autores renomados que norteiam a Nova

retórica.

Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014, p. 8), a retórica é um recurso

discursivo a partir do qual se obtém a “adesão dos espíritos”, ou uma técnica que utiliza a

linguagem para persuadir e convencer. Para Meyer (2007a, p. 25), a retórica é a negociação da

diferença sobre uma questão dada entre os indivíduos. Além dessa noção mais ampla sobre a

retórica, Meyer (2007b) elaborou uma vasta lista das funções associadas a ela, a saber:

1) Persuadir e convencer, criar o assentimento;

2) Agradar, seduzir ou manipular, justificar (por vezes a qualquer preço) as

nossas ideias para as fazer passar por verdadeiras, porque o são ou porque

acreditamos nela;

3) Fazer passar o verossímil, a opinião e o provável com boas razões e

argumentos, sugerindo inferências ou tirando-as por outrem;

31

4) Sugerir o implícito através do explícito;

5) Instituir um sentido figurado, a inferir do literal, a decifrar a partir dele, e

para isso utilizar figuras de estilo <histórias>;

6) Utilizar uma linguagem figurada e estilizada, o literário;

7) Descobrir as intenções daquele que fala ou escreve, conseguir atribuir razões

para o seu dizer, entre outras coisas através do que é dito (MEYER, 2007b, p. 22).

Nesse sentido, temos várias definições sobre a retórica, colocadas por Meyer

(2007b), que não fogem dos conceitos de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), já

mencionados acima.

Reboul (2004) conceitua retórica como a arte de persuadir pelo discurso,

entretanto, não é qualquer discurso, somente aquele que pretende persuadir.

A retórica é sempre lembrada para interpretar os discursos que estão sendo

produzidos em nossa sociedade sob o ponto de vista da persuasão. Dessa maneira, é utilizada

como uma técnica que desmistifica os enunciados políticos, jurídicos, religiosos, publicitários,

dentre outros. Essa ciência veio para ajudar a sociedade a interpretar os discursos de forma

clara e precisa, pois o analista é capaz de captar até mesmo o não dito de uma enunciação,

basta ele utilizar os meios que a teoria retórica oferece para desvendar os discursos.

Dessa maneira, como já destacado, a retórica renasceu a partir da obra de

Perelman e Olbrechts-Tyteca, o Tratado da Argumentação (2014). Essa obra está estruturada

em três partes: a primeira versa sobre os âmbitos da argumentação; a segunda, sobre os pontos

de partida da argumentação; e a terceira, sobre as técnicas argumentativas. De acordo com

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014, p. 8), a obra mostra como um orador poderá trabalhar

com um acordo junto ao auditório, com vistas sempre à “adesão dos espíritos”.

Nessa pesquisa, iremos mostrar de que forma os políticos (oradores),

candidatos à presidência do Brasil, no ano de 2014, utilizaram as figuras de retórica no texto

verbo-visual, empregando-as como estratégias argumentativas com o intuito de obter a adesão

de seus eleitores (auditório).

A Nova Retórica de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014) detalha o processo da

argumentação, uma vez que considera a sua importância para um bom discurso, o qual visa à

aprovação de uma ideia. Veremos, na sequência, a definição de argumentação consoante o

pensamento de Abreu (2009); a definição de retórica, segundo Reboul (2004); e,

posteriormente, mostraremos a diferença entre as duas, de acordo com Meyer (2007a).

Abreu (2009, p. 25) explica que argumentar é a “Arte de convencer e persuadir,

convencer é saber gerenciar informação, é falar a razão do outro, demonstrando, provando.

32

Etimologicamente, significa vencer junto com o outro (com + vencer) e não contra o outro.

Persuadir é saber gerenciar a relação, é falar à emoção do outro”.

Reboul (2004) ressalta que: a) a retórica diz respeito ao discurso persuasivo; b)

persuadir é levar alguém a crer em alguma coisa; e c) convencer é fazer compreender. Em

outras palavras, convencer está ligado a levar as pessoas a pensarem segundo a nossa tese, ou

estar em convergência sobre um ponto de vista por meio do compartilhamento de uma mesma

ideia. Convencer está ligado ao campo da razão. Já persuadir se relaciona ao fazer, ou seja, a

pessoa, independentemente de pensar igual a quem apresenta a tese, é persuadida a fazer algo,

numa atitude que se manifesta no campo da emoção. Segundo Reboul (2004), a razão e o

sentimento são duas coisas inseparáveis.

Meyer (2007a) define a diferença entre retórica e argumentação através de uma

característica de respostas e de perguntas. O autor explica que a retórica sempre pergunta algo

utilizando, primeiramente, a resposta, isto é, expõe a resposta como se não existisse problema

nenhum; ao passo que a argumentação utiliza a própria pergunta para conseguir resolver

alguma diferença entre as pessoas.

Consoante Ferreira (2015), a função da retórica é mostrar quais os elementos

persuasivos, como são configurados os argumentos e de que forma os recursos de

convencimento são infiltrados no discurso para convencer o auditório. Para Abreu (2009), a

função da argumentação está calcada na questão do orador e de como ele pode gerenciar as

informações, pois, através da argumentação, ele irá tentar convencer o auditório. Diante disso,

é a força da argumentação que mostra a eficácia do discurso. Entretanto, para se trabalhar a

noção do convencimento de um auditório, é preciso identificar os auditórios, os quais podem

ser universais ou particulares, sendo de suma importância conhecê-los para que se tenha uma

boa argumentação.

Abreu (2009, p. 39) afirma que “o auditório é o conjunto de pessoas que

queremos convencer e persuadir”. O auditório universal é aquele sobre o qual o orador não

possui um poder de monitoração. Já o auditório particular seria aquele sobre o qual o orador

consegue ter um certo “domínio”, ou seja, ele tem como monitorar o pathos, pois esse

auditório se encontra mais “próximo” do orador.

Levando em consideração o trabalho de argumentação diante de um auditório

particular, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014) descrevem o seguinte:

Toda argumentação que visa somente a um auditório particular oferece um

inconveniente, o de que o orador, precisamente na medida em que se adapta ao

modo de ver de seus ouvintes, arrisca-se a apoiar-se em teses que são estranhas, ou

mesmo francamente opostas, ao que admitem outras pessoas que não aquelas a que,

33

naquele momento, ele se dirige. Esse perigo fica aparente quando se trata de um

auditório heterogêneo, que o autor deve decompor para as necessidades de sua

argumentação. Isso porque esse auditório, tal como uma assembleia parlamentar,

deverá reagrupar-se em um todo para tomar uma decisão, e nada mais fácil, para o

adversário, do que voltar contra o seu predecessor imprudente todos os argumentos

por ele usados com relação às diversas partes do auditório, seja opondo-os uns aos

outros para mostrar a incompatibilidade deles, seja apresentando-os àqueles a quem

não eram destinados. Daí a fraqueza relativa dos argumentos que só são aceitos por

auditórios particulares e o valor conferidos às opiniões que desfrutam uma

aprovação unânime, especialmente da parte de pessoas ou de grupos que se

entendem em muito poucas coisas (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2014,

p. 34-35).

Quando o orador apresenta argumentos para um auditório particular, precisa

levar em consideração a cultura, os costumes e as características desse auditório, pelo fato de

que o orador necessita elaborar um discurso convincente para um determinado público.

Entretanto, sabemos que o auditório também tem o papel de avaliar o discurso por meio da

atribuição de algum juízo de valor ao discurso proferido.

Já no auditório universal, a adesão unânime é bem mais difícil de ser

conseguida, devido ao fato de que, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), o orador usa

da coerção (estado de pensar a verdade) para convencer esse tipo de auditório. Dessa maneira,

podemos dizer que

Uma argumentação dirigida a um auditório universal deve convencer o leitor de

caráter coercivo das razões fornecidas, de sua evidência, de sua validade intemporal

e absoluta, independentes das contingências locais ou históricas. “A verdade”, diz-

nos Kant, “repousa no acordo com o objeto e, por conseguinte, com relação a tal

objeto, os juízos de qualquer entendimento devem estar de acordo”. “Válida para a

razão de todo homem”. Apenas uma asserção assim pode ser afirmada, ou seja,

expressa “como um juízo necessariamente válido para todos” (PERELMAN;

OLBRECHTS-TYTECA, 2014, p. 35, grifos dos autores).

Ainda em relação ao argumento moldado para o auditório universal, Perelman

e Olbrechts-Tyteca (2014, p. 36) enfatizam que “a retórica eficaz para um auditório universal

seria a que manipula apenas a prova lógica”, pois, dessa maneira, utilizando um argumento

racional, ficaria mais fácil para o orador conseguir a adesão dos indivíduos que compõem o

público dado.

1.4 O SISTEMA RETÓRICO

34

Com base nos ensinamentos de Aristóteles (2005), embora com uma grande

contribuição de novos teóricos, como é o caso de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), dentre

outros, iremos definir o sistema retórico, ou o edifício retórico, em quatro pilares. Esse

sistema, portanto, abrange as partes que constituem o discurso, a saber: a invenção (heurésis),

a disposição (taxis), a elocução (lexis) e a ação (hypocrisis).

Reboul (2004) salienta que, se algum orador deixar de cumprir alguma fase do

sistema retórico, o seu discurso será vazio, ou desordenado, ou mal escrito, ou impossível de

ser ouvido.

A invenção (heurésis, em grego), de acordo com Ferreira (2015), é uma

palavra originada do latim inventio, a qual se liga ao verbo invenire: descobrir, achar,

encontrar. Em retórica, refere-se ao momento de busca das provas que sustentarão o discurso,

ou seja, é a fase em que o orador faz a captação dos melhores argumentos a serem

apresentados ao auditório, ou mesmo o instante de se fazer um estudo minucioso dos

argumentos a serem proferidos. É nessa conjuntura, também, que o orador busca informações

sobre o auditório, pois, para pensar em argumentos fortes, ele deve saber para quem irá

direcionar os discursos.

No momento de pensar sobre os argumentos, é preciso que o orador saiba em

qual gênero são enquadrados os discursos dados. Aristóteles (2012) classifica os gêneros em

três classes: o judiciário, o deliberativo (ou político) e o epidíctico. Esses, por sua vez, estão

relacionados às características próprias de cada auditório. Para Aristóteles (2012), existem três

tipos de auditório, por isso, três gêneros.

O gênero judiciário diz respeito ao auditório que compõe um tribunal. Esse

gênero associa-se mais a uma ação que ocorreu no passado, pois ao auditório compete julgar

algo que já aconteceu. Já o gênero deliberativo (ou político) tem o seu auditório atuando como

uma assembleia. Dessa forma, esse gênero está ligado ao tempo futuro, pois está concatenado

ao ato de introduzir decisões e projetos ao auditório. Por fim, temos o gênero epidítico

(laudatório), o qual estabelece um relacionamento com o auditório por meio de um discurso

que enaltece, elogia, exalta e glorifica algo. Portanto, manifesta-se no tempo presente, mesmo

que o orador recorra a argumentos do tempo passado ou futuro. Ressalta-se que, nesse

trabalho, iremos lidar com o gênero deliberativo (ou político), mais precisamente as

propagandas políticas do horário eleitoral gratuito.

De acordo com Aristóteles (2012), aquele que vai tentar discorrer sobre algum

argumento precisa saber para que tipo de auditório irá se manifestar. Dessa forma, fixado na

etapa da invenção, o orador busca argumentos que serão considerados brilhantes para

35

determinado auditório. Para Aristóteles (2012), como já mencionado anteriormente, existem

três tipos de argumentos considerados fortes: o ethos, o pathos e o logos.

Ainda na etapa da invenção, além dos argumentos mencionados acima, existem

também as provas a serem explanadas pelo orador para tocar o pathos do auditório. Há dois

tipos de provas: as provas extrínsecas (atekhnai) e provas as intrínsecas (entekhnai).

As provas extrínsecas são todas aquelas apresentadas antes da invenção. De

acordo com Reboul (2004), são as testemunhas, as confissões, as leis, os contratos, dentre

outros. As provas intrínsecas são as que o próprio orador cria no momento em que está

discursando. Vale realçar que o orador, muitas vezes, utiliza a artimanha de converter uma

posição de desvantagem em vantagem para, assim, compor um discurso magnífico.

Outro fator na etapa da invenção é a questão dos lugares (topois). Eles dizem

respeito aos “lugares comuns”, isto é, um tipo de local onde se “guardavam” os argumentos a

serem utilizados pelos oradores. O seu principal objetivo é facilitar a escolha de um

argumento para que o orador possa persuadir o público.

Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), os lugares designam rubricas nas

quais se podem classificar os argumentos. Trata-se de agrupar o material necessário a fim de

encontrá-lo com mais facilidade em caso de precisão, daí a definição dos lugares como

depósitos de argumentos.

Nesse sentido, os lugares elencados por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014)

são os da quantidade, os da qualidade, os da ordem, os do existente, os da essência e os da

pessoa. Existem mais lugares (topois) que são apanhados nessa fase da invenção, pois é nessa

etapa que o orador vai buscar os melhores argumentos para compor o seu repertório. Para

sedimentar tal pensamento, Meyer (2007a p. 45) atesta que “todo e qualquer julgamento é

uma resposta às questões suscitadas pelo meio”. Assim, para que o orador consiga essas

respostas de forma consistente, ele precisa passar pela etapa da invenção, pois é nela que irá

buscar os argumentos considerados fortes. E, para que os melhores argumentos sejam

alcançados, é preciso considerar a trilogia de Aristóteles, já mencionada acima, de forma a

suprir as perguntas elaboradas pela sociedade.

A segunda parte do sistema retórico diz respeito à disposição (taxis). É

responsável por ordenar os argumentos, os quais são extraídos da invenção, ou seja, é o

elemento que vai organizar todo o discurso:

A dispositio (taxis) ou disposição é a etapa em que são organizados e distribuídos os

argumentos de maneira racional e plausível no texto, em busca de uma solução para

um problema em tela. Na inventio, o orador junta as provas e na dispositio coloca-as

36

no texto em ordem lógica ou psicológica de modo que constituam uma unidade que

atinja o objetivo de persuadir (FERREIRA, 2015, p. 110, grifos do autor).

Antigamente, a disposição era dividida em sete partes, entretanto, a maioria dos

autores contemporâneos a dividem somente em quatro, são elas: o exórdio, a narração, a

confirmação e a peroração.

Em um discurso retórico, o orador visa provocar paixões no auditório, e é na

fase do exórdio que ele irá suscitar esses sentimentos. É nela, também, que o orador irá

introduzir os seus primeiros argumentos para manter o auditório atento em seu discurso.

Sobre isso, Reboul (2004, p. 55) destaca que o “exórdio é a parte que inicia o discurso, e sua

função é essencialmente fática: tornar o auditório dócil, atento e benevolente”. Ao passo que

Ferreira (2015, p. 112) reitera que o “exórdio estabelece identificação com o auditório por

meio de um conselho, um elogio, uma censura, conforme o gênero do texto em causa”.

No que concerne à narração (diegésis), os argumentos são colocados em

ordem, com vistas aos interesses do orador. Nessa etapa, o logos ganha relevância, pois é o

discurso que irá ser trabalhado nessa fase. Para Meyer (2007a, p. 48), a narração “atinge-se o

campo da exposição propriamente dita. É o local do verossímil, portanto do possível”. Nessa

etapa, segundo Reboul (2004, p. 56), é preciso ter três qualidades: ser objetivo, nítido e

acreditável.

O orador vai se valer do elemento confirmação (pistis) para expor todas as suas

provas em razão de aniquilar os argumentos do seu adversário. Nesse sentido, Reboul (2004,

p. 56) expõe “que a confirmação é um conjunto de provas seguido por uma refutação”, ao

passo que Ferreira (2015, p. 114) argumenta que ela “é o ponto forte de sedimentação do

logos. Ao orador compete ordenar os argumentos em fortes ou fracos”. Logo, pode-se dizer

que o orador irá escolher onde pôr cada argumento de acordo com a necessidade do seu

discurso.

Ainda na etapa da disposição, o quarto momento é o da peroração. Para Citelli

(2005, p. 13), ela “é o epílogo, a conclusão”. Portanto, é a fase da conclusão do discurso, que

se faz pela união da paixão ao argumento para, então, finalizar a ação.

Retomando tudo o que foi aqui apresentado, vale evidenciar que é na

disposição, mais precisamente na peroração, que os oradores costumam usar as figuras de

retórica (metonímia, metáfora, comparação, dentre outras.) de modo a ampliar o seu discurso,

embora os oradores pensem em quais figuras vão utilizar já na etapa da invenção (inventio).

Assim, sobre as quatro etapas da disposição – exórdio, narração, confirmação e

peroração –, vale lembrar que, para que se tenha uma excelente argumentação, é preciso

37

organizá-las, com o intuito de se fazer uma oratória eficaz, por meio da união entre o ethos e o

logos, para suscitar o pathos no auditório.

A despeito da elocução (lexis), a qual caracteriza a terceira parte do sistema

retórico, podemos definir, consoante Ferreira (2015, p. 116), que “é a redação do discurso

retórico”. Portanto, infere-se que a elocução é a construção propriamente dita do texto. Nessa

fase, podemos detectar qual é o estilo do orador por meio do enfoque na imagem do ethos,

pois ele, o ethos deixa as suas marcas no decorrer do texto (oral ou escrito). É nessa fase que o

discurso fica transparente e podemos perceber as perfeições e as imperfeições do mesmo.

É também nessa etapa que o orador vai fazer uso de tudo o que ele imaginou na

fase da invenção e o que ele construiu na fase da disposição, logo, a elocução (lexis) é o

clímax de tudo que foi feito nas fases anteriores, mencionadas acima. É nesse momento,

ademais, que o orador irá escolher as palavras e organizar o enunciado internamente. Dessa

forma, o orador poderá fazer uso das figuras de retórica, as quais deixam o discurso mais

emocionante, marcante e prazeroso.

Finalmente, a ação (hypocrisis) compõe a última fase do sistema retórico.

Depois de fazer um apanhado de todas as fases anteriores (invenção, disposição e elocução), o

sistema concretiza a ação. Logo, ela vem a ser a conclusão do discurso. De acordo com

Ferreira (2015, p. 138), o discurso “trabalha com os componentes emotivos da emissão da

palavra: a gestualidade (kinésica) e a interação com o espaço (proxêmica)”. Assim, o orador

precisa estar impecável no que condiz ao seu estado de espírito ou, pelo menos, transmitir

para o auditório um ethos seguro para, assim, conseguir gesticular com maestria e interagir de

forma positiva com o auditório, pois, é nessa hora, que o auditório irá fazer um juízo de valor

sobre a eficácia do discurso do orador.

Contudo, se faz necessária a consideração de todas essas etapas (invenção,

disposição, elocução e ação) para se ter um discurso eficiente, forte, convincente e persuasivo,

no que concerne às bases da retórica e da argumentação.

1.5 A RETÓRICA DA IMAGEM

Noções teóricas acerca da retórica da imagem são fundamentais para o analista

que se presta a compreender o papel das imagens que compõem textos sincréticos ou

multimodais, especialmente aqueles com o intuito explícito de persuadir, como os textos

38

propagandísticos audiovisuais, nos quais a imagem, aliada à palavra, exerce um

importantíssimo papel no intento de promover a “adesão dos espíritos” (PERELMAN;

OLBRECHTS-TYTECA, 2014, p. 6). Portanto, neste tópico, serão abordados os conceitos da

retórica da imagem de acordo com Barthes (1990) e Reboul (2004), dentre outros.

1.5.1 A retórica da imagem para Barthes

Os estudos retóricos nos fornecem “ferramentas” para analisar e interpretar os

vários discursos produzidos em nossa sociedade, especialmente aqueles que consideram a

linguagem verbal, nas suas manifestações oral e escrita. Entretanto, faz-se necessário um

referencial teórico associado à retórica e que trate, também, dos potenciais argumentativo e

persuasivo da imagem.

De acordo com Reboul (2007), Roland Barthes foi o autor que iniciou os

estudos da retórica da imagem, na França, por volta de 1964, com um artigo intitulado

Rhétorique de l'image (“Retórica da imagem”), publicado na revista Communications. Nesse

artigo, o autor analisava mais precisamente a imagem publicitária, que é altamente persuasiva,

pois tem como objetivo fazer florescer o pathos no auditório, levando-o a se interessar pelo

produto oferecido.

Na análise, o autor utilizou um cartaz publicitário feito para a marca de massas

Panzani. Barthes mostra com detalhes que, além da denotação, as imagens contidas no interior

do cartaz – os legumes frescos e os pacotes de macarrão saindo de uma sacola – contêm uma

mensagem implícita ou conotada, a qual se torna persuasiva devido às associações que

sugerem e também pelas cores utilizadas – as mesmas cores da bandeira da Itália. Logo,

infere-se que a massa é tão boa quanto àquelas feitas na Itália.

Nesse sentido, é importante frisar que essa mensagem implícita só funciona se

as conotações forem compartilhadas pelo auditório. Geralmente, essas associações são

oriundas de informações partilhadas culturalmente, isto é, elas remetem a significados comuns

de uma sociedade. Com vistas à finalidade da persuasão e para se fazer entendida, a

propaganda usa tais associações.

Toda e qualquer imagem sugere alguma coisa. Tal pensamento pode ser

explicado por Barthes (1990) quando afirma que “uma imagem quer sempre dizer uma outra

coisa, e não aquilo que está sendo visto em primeiro grau”, ou seja, nenhuma imagem é

39

adâmica, todas são dotadas de significados implicados. É essa mensagem implícita que é

persuasiva. A partir disso, pode-se concluir que, apesar de toda a diversidade das imagens

contemporâneas, elas serão sempre retóricas, pois estão a serviço da persuasão devido ao fato

de que elas são inseridas no texto de forma a manipular o pathos do auditório.

De acordo com Barthes (1990), o texto publicitário é composto por três

mensagens: uma mensagem linguística, uma mensagem icônica codificada (denotada) e uma

mensagem icônica não codificada (conotada). Assim, iremos mostrar o conceito de cada uma

e evidenciar a relação existente entre as três mensagens para compor o sentido de um discurso

verbo-visual, principalmente o publicitário.

A mensagem linguística é aquela que se manifesta por meio do texto verbal

que acompanha as imagens (mensagens icônicas). De acordo com Barthes (1990, p. 32), a

mensagem linguística exerce, em relação à mensagem icônica, as funções de ancoragem

(fixação) ou de revezamento (relais). O autor enfatiza que toda imagem é polissêmica, isto é,

“uma cadeia flutuante de significados”, pois a mesma, dependendo da bagagem cultural de

cada pessoa, poderá produzir sentidos variados. Nesse contexto, usa-se a mensagem

linguística como meio de “ancoragem” do sentido à imagem, ou mesmo dos sentidos que o

orador deseja imprimir ao texto. Assim:

O texto conduz o leitor por entre os significados da imagem, fazendo com que se

desvie de alguns e assimile outros; através de um dispatching, muitas vezes sutil, ele

teleguia em direção a um sentido escolhido a priori. [...] o texto é realmente

possibilidade do criador (e, logo, a sociedade) de exercer um controle sobre a

imagem, a fixação é um controle, detém uma responsabilidade sobre o uso da

mensagem, frente ao poder de projeção das ilustrações (BARTHES, 1990, p. 33,

grifo do autor).

A função de revezamento (relais) é uma condição porque diz respeito a uma

sequência dialogal. Assim, o revezamento dá sentido aos textos nos quais somente a imagem

não tem como criá-lo. Nesse entrelaçar, a função de revezamento está mais voltada para as

imagens que não são de caráter fixo, ou seja, aquelas que são encontradas com mais facilidade

em histórias em quadrinhos, nas charges e na imagem publicitária, o que caracteriza o

revezamento como uma função de complementação mútua entre o verbal e o não verbal do

texto imagético.

A mensagem linguística se faz necessária nas imagens porque podemos inferir

um sentido, ao icônico, a partir do texto linguístico. Em conformidade com Barthes (1990, p.

32), as mensagens linguísticas são vinculadas à imagem através de um “título, de uma

40

legenda, como matéria jornalística, como legendas de filme”. Portanto, é comum uma imagem

vir com a mensagem linguística para ancorá-la, ou com a função de revezá-la.

No que concerne à mensagem codificada (denotada), podemos dizer que é a

imagem em seu estado de mera reprodução exata. Devido a isso, não podemos dar a ela

nenhum outro sentido a não ser aquele expresso no interior do texto (verbal), lembrando que

toda imagem é também considerada um texto. De acordo com Barthes (1990), a mensagem

denotada é um estado utópico ou adâmico da imagem, uma vez que ela não possui

conotações, portanto, é considerada “inocente”.

A terceira parte das funções estruturais da imagem diz respeito à mensagem

não codificada e conotada, a qual consegue ter uma projeção a mais quando comparada à

mensagem linguística e denotada, pois ela permite, a uma mesma imagem, algumas

possibilidades de leituras, de acordo com a cultura do auditório. Dessa forma,

A diversidade das leituras não é, no entanto, anárquica, depende do saber investido

na imagem (saber prático, nacional, cultural, estético); esses tipos de saber podem

ser classificados em uma tipologia; tudo se passa como se a imagem se expusesse à

leituras de muitas pessoas, e essas pessoas podem perfeitamente coexistir em um

único indivíduo: a mesma lexia mobiliza léxicos diferentes (BARTHES, 1990, p.

38).

Barthes (1990) explica que a conotação da lexia (imagem) vai depender das

possibilidades de leitura do auditório, pois a mesma é variável de acordo com cada indivíduo.

Essa riqueza, no que condiz aos significados extraídos da imagem, será sempre realizada pelas

associações possíveis que ela evoca no auditório. É na conotação que reside a retórica da

imagem.

1.5.2 A retórica da imagem para Reboul

De acordo com Reboul (2004, p. 83), a imagem é notável para amplificar o

ethos e o pathos, pois esses dois elementos da retórica estão sempre conotados nas imagens,

as quais, por sua vez, dizem respeito ao logos, de forma que o auditório precisa captar essas

artimanhas da imagem. Portanto,

Vivemos no século da imagem é o que se houve com frequência, clichê bem

contestável, pois os outros séculos comunicaram-se bem mais pela imagem que pelo

41

texto escrito. Além do mais, é raro que as nossas imagens possam prescindir do

texto escrito para serem legíveis (REBOUL, 2004, p. 83).

Assim, podemos concluir que os significados conotados estão inteiramente

relacionados com a bagagem cultural de cada indivíduo, podendo este inferir as suas escolhas

de significados no que tange à conotação. Ainda temos, de acordo com Reboul (2004, p. 84),

a relação entre a conotação da imagem e o nascimento do ethos e do pathos, pois o autor

enfatiza que a imagem faz suscitar um ethos ou sugeri-lo pela conotação da imagem. Portanto,

o ethos é criado a partir da conotação sugerida e também pela leitura do auditório. Vale

ressaltar que o pathos também pode ser criado através da conotação da imagem, levando-se

sempre em consideração a leitura de cada indivíduo. Contudo, podemos inferir que a retórica

é instaurada na imagem para facilitar a adesão do argumento, como mostra Reboul (2004), a

retórica da imagem desenvolve o oratório em favor do argumento e ainda explica que a

imagem não é suficiente, nem mesmo legível, sem um mínimo de texto, portanto a imagem é

retórica a serviço da persuasão, não em seu lugar.

Como veremos no capítulo da análise, os candidatos à presidência do Brasil, no

ano de 2014, lançaram mão de várias imagens como forma de facilitar o entendimento do

argumento, por meio da utilização das cores verde e amarelo, com ênfase em suas imagens, e

também usaram a imagem da bandeira nacional como forma de transmitir um ethos que

enaltece o país, metaforizando, dessa forma, a paixão pelo Brasil, ou demonstrando o quanto

eles têm amor e vontade de lutar em favor de nossa pátria. Entretanto, sabemos que existe

uma intenção ao utilizar essas imagens, uma vez que existe, em cada uma delas, mensagens

implícitas, as quais, muitas vezes, o auditório não consegue captar. O objetivo é fazer

florescer um ethos e um pathos positivo no auditório.

Dessa maneira, podemos entender que a imagem é sempre retórica, pois ela se

apresenta como meio de agradar e de ativar o pathos do auditório, através da difusão desses

diversos significados explícitos e, muitas vezes, implícitos e conotados, em busca do

convencimento e da persuasão.

42

2 CAPITULO 2 - O PAPEL DAS FIGURAS DE RETÓRICA NA EFICÁCIA DOS

DISCURSOS

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

Neste capítulo serão explanadas algumas concepções teóricas sobre as figuras

de retórica. Para isso, faremos um levantamento bibliográfico das figuras baseado,

principalmente, em suas inserções no discurso verbo-visual. O jingle, objeto de nosso estudo,

faz grande uso das figuras de retórica especialmente no que condiz à imagem. Contudo, as

definições aqui apresentadas serão levantadas a partir do campo teórico da retórica e da

argumentação, segundo Reboul (2005), Meyer (2007), Fiorin (2014), Perelman e Olbrechts-

Tyteca (2014), Ferreira (2015), dentre outros.

De acordo com Fiorin (2014), a retórica esteve na base do ensino por alguns

séculos, antes de seu declínio, como foi exposto no primeiro capítulo. Nesse período, a

retórica era conhecida somente como uma técnica de ornamentação do discurso, posto que o

que mais chamava a atenção nela era o ornamento, utilizado como forma de embelezamento e

de encantamento.

Segundo o mesmo estudioso, a figura foi idealizada por muitos autores como

um enfeite, algo desnecessário, ou mesmo como uma forma excessiva de linguagem. Desse

modo, a palavra ornamentação foi associada às figuras de retórica por alguns anos. Essa

ciência ficou conhecida como a retórica do ornamento. Fiorin (2014) estabelece mais

precisamente que

O ornatus latino corresponde ao grego Kósmos, que é contrário de caos.

Ornamentum significa “aparelho, tralha, equipamento, arreios, coleira, armadura”.

Só depois quer dizer “insígnia, distinção honorifica, enfeite”. No De Bello Gallico,

deve-se traduzir a passagem naves [...] omni genere armorum ornatissimae (III,

XIV, 2) como “navios equipadíssimos de todo tipo de armas”. Isso significa que o

sentido inicial de Ornatus em Retórica não era “enfeite”, mas “bem argumentado”,

“bem equipado para exercer sua função” o que quer dizer que não há uma cisão

entre argumentação e figuras, pois estas exercem sempre um papel argumentativo

[...] A Retórica a Herênio diz que a ornamentação serve para realçar, enriquecer

aquilo que se expõe (Exornatio est, qua utimur rei honestandae et colocupletandae

causa, confirmata argumentatione (II, 28, p. 118) (FIORIN, 2014, p. 27, grifos do

autor).

43

Nesse sentido, podemos inferir que a retórica passou a ser conhecida por um

longo período como a técnica do ornamento, ou mesmo como a retórica das figuras. Nessa

época, a Retórica tinha perdido força e credibilidade na sociedade, mas a linguagem não tinha

deixado de ser bem trabalhada, produzida ou recheada de figuras de retórica para não perder a

sua dimensão argumentativa. Logo, a Retórica ficou restrita somente aos estudos das figuras

trópicas e não trópicas. Nesse contexto, faz-se necessário saber que

A Retórica romana é a primeira a desenvolver uma teoria das figuras de estilo, assim

como a enfatizar a emoção na linguagem literária, poética e romana. Uma Retórica

da eloquência não poderia ignorar o auditório e a forma, assim como uma Retórica

reduzida à manipulação das paixões não poderia negligenciar os aspectos sofísticos

da linguagem aplicada e as intenções do retor. Com um pathos, centrado na

dominação, encontram-se, portanto um logos e um ethos, trabalhados sob medida (MEYER, 2007a, p. 23-24, grifos do autor).

Meyer (2007a) destaca que as figuras estão inseridas na retórica desde os seus

primórdios, principalmente, dentro do campo literário. Vale ressaltar que elas também são

utilizadas em outros campos do saber, tais como, o jurídico, o político e o religioso, dentre

outros, devido ao fato de que elas têm a intenção de tornar a linguagem mais emotiva,

eloquente ou vivaz, com o objetivo de fazer brotar as paixões no auditório, intensificar o ethos

e tornar o logos eficaz.

As figuras de retórica são elementos altamente argumentativos que estão a

serviço da persuasão. São utilizadas como técnica do discurso e inseridas tanto na linguagem

verbal quanto na linguagem não verbal.

Sobre isso, Fiorin (2014, p. 10) conceitua as figuras como “operações

enunciativas para intensificar o sentido de algum elemento do discurso. São assim,

mecanismos de construção do discurso. Para entender isso, é preciso vê-las dentro de um

contexto mais amplo”. Na visão de Abreu (2009, p. 109), as “figuras retóricas são recursos

linguísticos utilizados especialmente a serviço da persuasão”. Do ponto de vista de Citelli

(2007, p. 21) elas “são importantes recursos para prender a atenção do receptor naqueles

argumentos articulados pelo discurso”. Segundo Meyer (2007b, p. 105), “um tropo, ou figura

de estilo, é um desvio de sentido, um rodeio inabitual relativamente ao sentido literal”. Para

Reboul (2004, p. 114), as figuras são utilizadas sempre para expressar o prazer que elas

podem transmitir. Elas são do campo do delectare2 e pouco se relacionam com o movere. A

2 De acordo com Ferreira (2015, p. 16), o Docere faz referência ao ensinar e ao convencer. É onde se encontra o

argumento no discurso. O Movere tem por objetivo comover, falar ao sentimento. É onde se encontra o

emocional do discurso. O Delectare tem o intuito de agradar, fazer com que o auditório não se distraia. É o que

estimula o discurso.

44

figura seria, portanto, “uma fruição a mais, uma licença estilística para facilitar a aceitação do

argumento”.

As várias definições de figuras de retórica evidenciam o seu poder altamente

argumentativo dentro do discurso, pois elas causam no auditório uma forte atração, levando o

mesmo à persuasão. É importante frisar que as figuras de retórica fazem parte do momento da

invenção (inventio). É nessa etapa que o orador pensa no que vai dizer. Elas são

materializadas dentro do logos, no qual acontece o discurso nos campos verbal e não verbal.

2.2 AS CLASSIFICAÇÕES DAS FIGURAS

As figuras seguem uma classificação por categorias, sendo que há muitas

divergências entre os autores ao classificá-las, pois cada estudioso defende um ponto de vista

diferente. Dessa maneira, dentre outros autores, temos a classificação de Reboul (2004), o

qual as divide em figuras de palavras, figuras de sentido, figuras de construção e figuras de

pensamento.

As figuras de palavras dizem respeito à sonoridade do discurso. Podemos

observá-las na rima e no trocadilho. Reboul (2004) conceitua as figuras de palavras como

intraduzíveis, pois dizem respeito ao som, ou seja, à sonoridade. Elas estão presentes

principalmente na poesia e na música e o seu valor é argumentativo. Esse grupo de figuras

pode ser subdividido em outros dois: figuras de ritmos e figuras de som.

Já as figuras de sentido dizem respeito aos significados das palavras ou dos

discursos: “consistem em empregar um termo (ou vários) com um sentido que não lhe

habitual” (REBOUL, 2004, p. 120). Elas desempenham um papel lexical porque enriquecem

o sentido das palavras, isto é, cria-se um sentido.

No que compete às figuras de construção, podemos observá-las pela estrutura

do discurso. Reboul (2004) apresenta esse grupo como uma construção da frase ou do

discurso. Nesse grupo, há figuras que trabalham com a finalidade de subtração de ideia, outras

fazem o papel de repetição, e também há as figuras cujo único objetivo é o de permutação.

Como exemplo de figuras por subtração, temos a elipse, o assíndeto, a aposiopese ou

reticência, e a antítese.

Sobre o grupo das figuras de pensamento, Reboul (2004) comenta que os

antigos definiam as figuras de pensamento como independentes, pois afirmavam que elas se

45

diferenciavam das outras figuras pelo fato de não precisarem do som, do sentido e da ordem

das palavras. O mais importante nesse grupo, em outras épocas, era a relação entre as ideias.

No entanto, hoje, o que se considera seria a questão de levar em conta três aspectos

fundamentais para constituir esse grupo. Como ponto crucial, temos a referência ao discurso

como um todo e não mais a palavra ou a frase. Outra preocupação seria a relação entre o

discurso e o referente. Nesse caso, a verdade é contada através das figuras no discurso. E

outro aspecto seria a questão das figuras serem lidas tanto no valor figurativo, quanto no valor

literal. Assim, nesse grupo, existe uma relação direta entre o discurso e o orador ou a pessoa

para a qual o discurso foi direcionado. A esse respeito, podemos observar as figuras chamadas

de ironia, de alegoria, dentre outras.

Para Abreu (2004), a divisão das figuras é feita de forma parecida à divisão de

Reboul (2004). Abreu (2004) separa-as em figuras de som, figuras de palavras, figuras de

construção e figuras de pensamento. Logo, ele também as define em quatro grupos,

entretanto, o que ele chama de figuras de som, Reboul (2004) vai conceituar como figuras de

palavras, e o que ele nomeia como figuras de palavras, Reboul (2004) define como figuras de

sentido.

Já para a dupla Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), como também para

Ferreira (2015), as figuras estão categorizadas somente em três grupos: as figuras de escolha,

as figuras de presença e as figuras de comunhão. Notamos que esses grupos de figuras têm a

persuasão como finalidade. Assim, há a possibilidade de escolher dentre elas, por exemplo,

algumas figuras possuem a capacidade de aumentar a presença e outras de provocar uma feliz

comunhão com o auditório. Para a dupla de estudiosos, a classificação das figuras é algo

desnecessário, pois obscurece o conceito das mesmas ao invés de ajudar a esclarecer a questão

do emprego de cada uma.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014) ainda enfatizam que, por mais que uma

figura seja reconhecida pela sua estrutura, essa mesma figura nem sempre irá produzir o

mesmo valor argumentativo, pois o importante é o contexto de uso para que produza sentidos

retóricos a partir da sua dimensão figurativa, e não de sua classificação teórica. Nessa

perspectiva, temos na retórica, por meio da aplicação das figuras, alguns efeitos que estão

vinculados diretamente com o persuadir. Ressalta-se que os conceitos das figuras de acordo

com os autores supracitados não mudam, o que é diferente é o contexto onde elas estão

inseridas.

Fiorin (2014) utiliza uma tabela que consta de figuras trópicas e figuras não

trópicas para classificar os grupos das figuras de retórica. Assim, define o tropo como uma

46

mudança de sentido ou como uma operação de troca de sentido. O tropo está inserido em uma

classe chamada de figuras de sentido. Estudos mais antigos têm a palavra como representante

da unidade básica do tropo, embora as pesquisas mais recentes exemplifiquem que a unidade

do tropo não é mais a palavra, mas sim o discurso. Nele, o sentido literal de um termo é

substituído por um sentido figurado que visa intensificar ou suavizar o seu valor

argumentativo.

Em resumo, como foi exposto acima, a maioria dos autores faz a classificação

das figuras de formas diferentes. No presente trabalho, iremos seguir o exemplo de Fiorin

(2014) no que concerne à divisão dos grupos das figuras. Porém, sempre que for necessário,

recorreremos à teoria de outros autores para uma melhor compreensão e também como um

meio de observar um número mais variado de figuras, as quais poderão surgir no desenrolar

da pesquisa devido à natureza do corpus de análise.

2.3 A ANÁLISE FIGURATIVA POR MEIO DA RETÓRICA

O pesquisador contemporâneo José Luiz Fiorin é destaque em nosso trabalho

pelo fato de que ele vem pesquisando sobre retórica, mais precisamente no campo das figuras

de retórica e de argumentação. Prova disso são as obras, recentemente escritas, intituladas

Figuras de Retórica (2014) e Argumentação (2015). Nesta investigação acadêmica, iremos

abordar a obra Figuras de Retórica como uma das obras de maior importância sobre o

assunto.

Em Figuras de Retórica (2014), Fiorin recupera a classificação de uma base de

75 figuras com as suas respectivas funcionalidades no discurso persuasivo.

Para uma melhor exposição, selecionamos as figuras que possuem

características que podem se manifestar no discurso visual, ou verbo-visual. São elas:

metáfora, personificação ou prosopopeia, apóstrofe, oxímoro, hipálage, metonímia,

sinédoque, a antonomásia, ironia, lítotes, hipérbole, aposiopese, enálage, pleonasmo,

sinonímia, hipotipose, antítese, assíndeto, elipse, alegoria, preterição, conglobação, prolepse,

cleuasmo e ritornelo.

Para Meyer (2007a), as figuras impõem a sua presença ao se figurarem no

discurso. Elas conseguem fazer com que a resposta se torne irrefutável. Reboul (2004)

evidencia que cada figura tem uma estrutura conhecida, ou mesmo que pode ser repetível.

47

Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), por mais que elas tenham uma estrutura repetível,

poderão sempre mudar o seu valor argumentativo. Segundo Meyer (2007a, p.82), “a Retórica

– por lidar com a identidade e a diferença – precisa das figuras para acentuar e criar uma,

deixando a outra de lado e eliminando-a”.

As figuras que estão inseridas no grupo dos tropos, de acordo com Fiorin

(2014) são:

2.3.1 Tropos lexicais e por concentração semântica

a) Metáfora

A metáfora (do grego metaphorá) tem o seu significado em transporte, ou seja,

é capaz de transportar o sentido próprio da palavra para um sentido figurado. Para Fiorin

(2014, p. 34, grifo do autor), “a metáfora é uma concentração semântica. No eixo da extensão,

ela despreza uma série de traços e leva em conta apenas alguns traços comuns a dois

significados que coexistem”. Dessa forma, consegue passar uma ideia no plano abstrato,

aumentando, com isso, a intensidade de sentido do discurso. Para Reboul (2004, p. 120), a

metáfora enriquece o sentido das palavras, sendo uma comparação abreviada, que consiste em

“substituir o é como, por é”. Portanto, a metáfora consiste em empregar um termo (ou vários)

com um sentido que não é o seu significado apropriado.

Abreu (2009) conceitua a metáfora como sendo a figura da comparação

abreviada. Ele ainda realiza uma classificação das metáforas de acordo com o estudo de J. V.

Jensen, em Metaphorical Constructs for the problem-solving Process, dividindo-as em cinco

grupos diferentes, conforme segue:

1. Metáforas de restauração: dizem respeito a algo que precisa ser restaurado.

Nesse grupo existe uma subdivisão: metáfora médica, a qual pode ser definida como sendo

uma comparação dos males da sociedade e a metáfora nos traz o remédio de cura; metáfora de

roubo, que se refere a algo que foi tirado de alguém e é preciso recuperá-lo; metáfora de

conserto, a qual faz uma sugestão de que alguma coisa foi estragada e é preciso consertá-la; e

metáfora de limpeza, que mostra que é preciso manter o local limpo.

2. Metáforas de percurso: essas metáforas são as mais utilizadas porque

aparecem na resolução de problemas a uma jornada. Aqui também há sua subdivisão:

metáfora de percurso em terra, que utiliza estradas, encruzilhadas, caminhos tortuosos, entre

48

outros; metáfora do mar, a qual designa um naufrágio, podem ser utilizadas as palavras

“morte” ou “salvamento”; metáfora de cativeiro, que determina que uma pessoa pode ser

escrava de algum vício ou de outra coisa na qual esteja presa; metáfora de percurso no ar,

essa pode ser vista quando alguém cita as palavras “turbulências”, “decolar”, entre outras.

3. Metáforas de unificação: são divididas em: metáfora de parentesco, usada

para expressar as experiências familiares do orador; metáfora pastoral, a qual conduz ou guia

as pessoas; metáfora esportiva, aquela que está envolvida com algum esporte, por exemplo,

no Brasil, as pessoas falam muito em futebol, logo, elas usam palavras que estão inseridas no

campo linguístico do futebol para designar algo.

4. Metáforas Criativas: essas são divididas em cinco grupos: metáfora de

construção, usada em algumas comparações entre ações humanas e construções em geral;

metáfora de tecelagem, a qual equipara a sociedade a um tecido, pode ser usada no tocante ao

ato de costurar ou através da representação do rompimento de algo; metáfora de composição

musical, aquela que usa os conceitos da música, quanto à harmonia ou à melodia, dentre

outros conceitos do universo musical; e metáfora de lavrador, a qual diz respeito ao preparo

da terra, ao plantio e à colheita.

5. Metáforas Naturais: são divididas em: Claro-Escuro e de Fenômenos

Naturais, aquelas que fazem comparações a partir do dia e da noite, das tempestades junto à

bonança, das chuvas, dentre outros fenômenos; metáfora biológica, a qual faz paralelos entre

os seres humanos e os animais, procura trabalhar com as virtudes ou mesmo com os defeitos

humanos.

Vale lembrar que a maioria dos candidatos a cargos públicos utiliza de

argumentos metafóricos para se fazer presente frente ao seu auditório. Logo, eles lançam mão

de diversas metáforas para se tornarem persuasivos.

b) Personificação ou prosopopeia

Acerca da personificação (ou Prosopopeia, do grego prosopopoiía, que

significa “personificação”), Fiorin (2014, p. 51) conceitua-a como sendo um “alargamento do

alcance semântico de termos designativos de entes abstratos ou concretos não humanos pela

atribuição a eles de traços próprios do ser humano”. O autor apresenta a personificação como

um processo metafórico.

c) Apóstrofe

49

Sobre a apóstrofe (do grego apostrofé, que significa “afastamento, ato de

desviar-se, ação de mudar o curso de”), Reboul (2004, p. 133) argumenta que essa figura é

usada para tocar o sentimento do auditório de forma diferente, pois ela faz uso de personagens

não reais para expressar a sua força argumentativa. Por exemplo, ela faz uso de seres mortos,

Deuses, pátria, espécies sobrenaturais, etc., com a finalidade de para persuadir o público dado.

Dessa maneira, ela deixa o argumento mais potente.

d) Oxímoro ou Paradoxo

Com relação ao oxímoro (a palavra é formada de dois termos gregos: oxýs, que

significa “agudo”, “penetrante”, “inteligente”, “que compreende rapidamente”; e morós, que

quer dizer “tolo”, “estupido”, “sem inteligência”), Fiorin (2014, p. 59) conceitua-o como a

figura da contradição, cuja finalidade é a de apreender as incoerências de uma dada realidade.

Há, nessa figura, uma relação de conflito entre as suas partes, pois geralmente é construída a

partir de dois termos divergentes.

e) Hipálage

Hipaláge (do grego hypallagé, que significa “troca”, “transposição”,

“mudança”), segundo Reboul (2004, p. 124), é a figura na qual existe um deslocamento de

atribuição. Para Fiorin (2014), essa figura é utilizada para transpor um sentido que lhe é o

usual para outro local que não lhe é habitual.

2.3.1.1 Tropos por expansão semântica

a) Metonímia

A metonímia (do grego metonymía, que significa “além do nome, o que sucede

o nome”) “designa uma coisa pelo nome de outra coisa que lhe habitualmente associada”

(REBOUL, 2004, p. 121).

De acordo com Fiorin (2014), essa figura é caracterizada por uma difusão

semântica, pois o que acontece é uma transferência de significado a outrem. Geralmente

quando é enunciado o efeito, já se enuncia também a causa, realizando, assim, a eliminação de

fases da enunciação. Isso acontece por uma necessidade de velocidade da linguagem. O autor

defende a ideia de que a metonímia é a figura da contiguidade em relação entre dois sentidos,

50

como, por exemplo: causa e efeito, instrumento e autor, continente e conteúdo, lugar e objeto

que o caracteriza, símbolo e aquilo que ele simboliza, autor e obra, marca e produto, abstrato

e concreto, etc.

A metonímia é bastante utilizada nos discursos devido a sua força

argumentativa, entretanto, é preciso ter cuidado na hora de emprega-la pelo fato de que ela

vem de uma familiaridade, ou seja, essa força persuasiva se perde quando a figura é usada

conforme uma cultura que não é comum ao auditório dado.

b) Sinédoque

A sinédoque (do grego pars pro totó, que significa “parte pelo todo”), de

acordo com Fiorin (2014), é um tipo de metonímia, porém, as duas se diferenciam no que

condiz ao fato de a sinédoque designar uma coisa através de outra, uma vez que existe uma

relação de necessidade entre as duas orações.

c) Antonomásia

A antonomásia é, segundo Fiorin (2014), uma espécie de sinédoque, pois é

criada a partir da transferência do valor semântico de um nome próprio para um nome comum

que contém uma característica que marca o nome próprio.

Tal qual Fiorin (2014), Reboul (2009) afirma que ela vem a ser um tipo de

sinédoque, pois designa uma totalidade ou uma espécie pelo nome de um indivíduo,

considerando-o como seu representante.

d) Ironia (antífrase)

Para Fiorin (2014, p. 69-70), a ironia (do grego eironéia, que se significa

“dissimulação”), ou antífrase (do grego antíphrasis, que quer dizer “expressão contrária”), é a

figura do sentido contrário daquilo que é enunciado. Essa figura trabalha com um sentido

invertido, uma vez que sempre expressa o seu valor argumentativo em segundo plano. Reboul

(2004) chama atenção para as características da ironia quando afirma que ela pode ser amena

ou cruel, sutil ou grosseira, amarga ou engraçada.

e) Lítotes

Quanto à lítotes (do grego litótes, que significa “simplicidade”, “frugalidade”,

“exiguidade”), Fiorin (2014, p. 73) a descreve como a figura que trabalha com o contrário, de

51

forma a usar um discurso simples, sem exageros, ou seja, com mais austeridade. Essa figura

demonstra um ethos paciente, simples, confiável e prudente.

f) Hipérbole

Sobre a hipérbole (do grego hyperbolé, que significa “ação de lançar por cima

ou além”; depois, “ação de ultrapassar ou passar por cima”; daí, “excesso”, “amplificação

crescente”), Reboul (2004, p. 123) diz que é a figura do exagero, baseada em uma metáfora

ou em uma sinédoque. Ela é produzida a partir do aumento ou da supressão de alguns

elementos em excesso. Nessa figura, o significado é produzido para alcançar um determinado

sentido figurado, o qual não é atingido sem a sua utilização. Logo, usa-se a força

argumentativa da hipérbole para aumentar o significado daquilo que será expresso. Ela tem

por objetivo a amplificação do argumento.

g) Aposiopese

A aposiopese (do grego aposiópesis, “ação de interromper, quando se está

falando, parar de falar, silêncio”) é uma figura que precisa do auditório para ganhar sentido.

Reboul (2004, p. 127) afirma que essa figura é uma maneira de interromper a frase para que o

auditório a complete. O autor ratifica que essa figura é uma maneira de insinuação, despudor,

calúnia, pudor, admiração e amor. Ela tem por objetivo incitar no outro a retomada da palavra

por sua própria vontade.

2.3.1.2 Tropos gramaticais: Tropos por difusão semântica

a) Enálage

Acerca da Enálage (do grego enallagé, que significa “troca, permutação,

transposição”), Fiorin (2014, p. 96-97) descreve a figura como sendo o uso de uma categoria

no campo gramatical por outra, um número por outro, um gênero por outro, dentre outras

classes de palavras. Reboul (2004) destaca que ela é uma figura que torna as coisas presentes,

entretanto costuma confundir o auditório.

Dentre as figuras que são consideradas como tropos, Fiorin (2014) destaca a

metáfora e a metonímia, pois a primeira realiza um movimento de concentração semântica; e

a segunda, o de expansão.

52

2.3.2 Figuras não trópicas: figuras de aumento, de repetição e de conteúdos

a) Pleonasmo

O pleonasmo (do grego pleonasmós, que quer dizer “abundância”, “excesso”,

“amplificação”), segundo Fiorin (2014, p.136), é uma repetição de unidades idênticas, o que,

do ponto de vista semântico, é redundante. Entretanto, usa-se o pleonasmo com o intuito de

intensificação do sentido do argumento.

b) Sinonímia

Fiorin (2014) conceitua a sinonímia como a figura em que as imagens são

relativamente diferentes, mas semanticamente equivalentes, ou seja, mesmo que as imagens

sejam diferentes, elas irão transmitir o mesmo significado linguístico.

2.3.2.1 Figuras de acumulação

a) Hipotipose

Sobre a hipotipose (do grego hypotypósis, que significa “representação”,

“modelo”, “imagem”, “quadro”; e energia, do grego enargéia, que indica “visão clara e

distinta, clareza, evidência, o que se deixa ver”), Fiorin (2014, p. 155) descreve que é a figura

da representação da realidade, ou quando se descrevem coisas passadas ou “irreais” no

discurso. Ela necessita de uma ênfase redundante, ou seja, ela é rica em detalhes, os quais são

manifestados pelo uso de adjetivos e de advérbios. Outra característica dessa figura é a

capacidade de levar o auditório para o universo descrito.

Segundo Fiorin (2014, p. 157), dentro dessa classificação, existem outras

figuras que também tratam da realidade descrita: a prosopografia, a etopeia, o paralelo, a

topografia e a cronografia.

A prosopografia (do grego prósopon, que quer dizer “figura”, quando se fala

de seres humanos, e graphé, “escrita”) é a descrição (gestos, traços físicos) do exterior de uma

pessoa ou de um personagem.

53

A etopeia (do grego ethopoiía, que significa “descrição do caráter”) tem por

objetivo descrever os costumes, as virtudes, as qualidades morais ou os defeitos de uma

pessoa ou de um personagem.

O paralelo é a figura do confronto, do ponto de vista físico e moral, entre duas

pessoas ou personagens. Geralmente, essa figura é utilizada para fazer um paralelo entre os

discursos dos candidatos de partidos adversários.

A topografia (do grego tópos, que quer dizer “lugar”, e graphé, “escrita”) tem

por finalidade a descrição de um lugar.

A Cronografia (do grego khrónos, tempo, e graphé, escrita) é a responsável

pelo tempo em que se desenrola um fato.

b) Antítese

Com referência à antítese (do grego anti, “em face de”, “em oposição a”, e

tésis, “proposição”, “afirmação”, “tese”), Fiorin (2014, p. 152) conceitua a figura como “um

acúmulo de significados, porque se explicitam as oposições implícitas na construção dos

sentidos”. No que tange à linguagem visual, o autor defende a ideia de que essa figura é

construída pelo contraste de elementos plásticos, como as cores, as formas, as posições, dentre

outros.

Como já foi mencionado, iremos recorrer a outros autores para exemplificar

algumas figuras que Fiorin (2014) deixou de citar em sua obra Figuras de Retórica, mas que

são de suma importância para o desenvolvimento desse trabalho. Podemos destacar:

c) Ritornelo

Ritornelo (do italiano ritornello, que significa “retomada”) é uma figura

marcada pela repetição de um verso ou de um grupo de versos. Fiorin (2014, p. 128) chama

essa repetição de refrão ou de estribilho. Dessa forma, a figura ritornelo serve para

intensificar o sentido de algum elemento do discurso.

2.3.2.1.1 Figuras de diminuição

a) Assíndeto

54

O assíndeto (em grego o prefixo a significa “sem”, e sýndeton, quer dizer

“ligação”) é conceituado, por Fiorin (2014, p. 164), como uma figura que omite a conjunção

entre elementos coordenados. Nesse sentido, o assíndeto diminui a extensão textual, aquela

que serve para separar significados, o que resulta na intensificação do sentido impresso ao

discurso. Reboul (2004) atesta que o assíndeto é uma elipse que suprime os termos

conectivos, tanto da ordem cronológica (esse pode ser antes ou depois), quanto da ordem

lógica (porém, pois, portanto). Essa figura deixa por conta do auditório a conclusão do

discurso, pois é o auditório que irá criar efeitos de sentido para a sua finalização.

b) Elipse

A Elipse (do grego eleípsis, que tem o sentido de “omissão”, “falta”,

“insuficiência”), para Fiorin (2014, p. 165), é um processo de construção do discurso. Na sua

construção, ela omite alguns elementos linguísticos que podem ser recuperados pelo contexto,

desde que a supressão não cause danos ao significado do enunciado ou do discurso. A elipse é

a figura que trabalha com a retirada de palavras do enunciado sem causar nenhum dano ao

significado.

Reboul (2004) remete à elipse como sendo uma figura que gera outras figuras

por conta da supressão linguística. Dessa forma, ela produz a metonímia, a enálage, o

oxímoro e a metáfora.

c) Alegoria

A Alegoria, segundo Reboul (2004), é uma espécie de descrição, ou mesmo

uma narrativa que busca enunciar realidades mais comuns. Assim, o autor afirma que ela

figura é marcada pelo uso da metáfora para expor verdades abstratas. Essa figura pode ser lida

tanto no sentido figurado como no sentido literal.

d) Preterição

Reboul (2004) conceitua preterição como a figura que procura explicar melhor

um argumento. É bastante usada pelos candidatos a cargos políticos, pois eles tendem a

enfatizar uma mesma proposta por meio do uso de muitos argumentos, mas sempre com a

finalidade de falar melhor.

De acordo com Reboul (2004), existe um grupo chamado de figuras de

argumentos. São, conforme o autor, difíceis de serem usadas, pois é necessário um argumento

para defini-las. São elas:

55

a) Conglobação

A conglobação é a figura que acumula argumentos para uma mesma conclusão

(REBOUL, p. 135).

b) Prolepse

Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014, p.191-192), a prolepse é a figura

na qual o próprio orador formula e responde uma pergunta.

c) Cleuasmo

Reboul (2004) enfatiza que o cleuasmo é a figura do ethos, pois demonstra um

orador que enaltece as suas qualidades.

Para fechar tanto a classificação, quanto o conceito das figuras, trazemos uma

citação de Meyer (2007a), na qual ele comenta o objetivo e a importância das figuras no

discurso persuasivo:

Em conclusão, o objetivo das figuras é instaurar uma identidade que salienta um

traço comum – para chamar a atenção sobre o que conta, no espírito de quem o

utiliza. Uma evidência, uma presença – especificava Perelman, mas, de qualquer

forma, uma substitutibilidade que diz o que está em causa, o que é sujeito a

discussão, mesmo que a título de resposta (MEYER, 2007a, p. 88).

2.4 AS FUNÇÕES ARGUMENTATIVAS DAS FIGURAS DE RETÓRICA E SUA

UTILIZAÇÃO COMO TÉCNICA EMOCIONAL DO DISCURSO POLÍTICO

Dados os conceitos das figuras expostos acima, iremos mostrar, de acordo com

alguns autores, a questão da validação do fator argumentativo das figuras. No centro da

discussão, está a questão do poder argumentativo das figuras, uma vez que alguns autores

defendem a ideia de que elas são, sem exceção, altamente persuasivas e que, por isso, estão

sempre a serviço da solidificação de argumentos e, em oposição a isso, outros autores

afirmam que algumas figuras são inseridas no discurso somente como “rodeio” ou como

“peça decorativa” da linguagem.

Fiorin (2014) levanta uma discussão sobre o papel argumentativo das figuras

de retórica. Para o linguista, todas as figuras, sem ressalva, exercem sempre a função

56

argumentativa. Entretanto, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014) atestam que nem todas as

figuras têm papel argumentativo, e sim figuram apenas como recursos de estilo. Já Reboul

(2004), a figura pode ser tanto retórica quanto não retórica (figuras poéticas, humorísticas e de

palavras). O mesmo autor enfatiza que as figuras só serão de retórica quando possuírem um

poder argumentativo.

Por exemplo, a metáfora é um instrumento que facilita a adesão do auditório,

pois está relacionada ao campo da emoção e não ao da razão:

O despertar de uma metáfora pode, claro, produzir temas diversos. A conivência

entre orador e ouvinte sempre é apenas parcial; nenhum dos dois tem, o mais das

vezes, uma ideia precisa da gênese de uma expressão metafórica. A força desta

provém ao mesmo tempo da familiaridade com ela e do conhecimento bastante

impreciso da analogia que está em sua origem (PERELMAN; OLBRECHTS-

TYTECA, 2005, p. 463).

Reboul (2004) considera que os tropos devem ser iguais eram as metáforas

para Aristóteles: clara, nova e agradável. O estudioso utiliza esses termos pelo fato de que os

tropos não podem perder o seu sentido argumentativo. Muitas vezes, uma figura poderá

perder o seu valor quando não é compreendida pelo auditório. Uma das causas é a falta de

referência cultural. Nesse caso, ela se tornará incompreensível e, por isso, deixará de ser

retórica.

Plantin (2008) realça a ideia de que as figuras de retórica estão inclusas em

todas as retóricas, tanto no campo verbal, quanto no campo não verbal, no consciente e no

inconsciente. Portanto, em todos os campos de estudo, as figuras de retórica estão inseridas,

até mesmo na imagem. Acerca disso, faz-se necessário saber que

Toda utilização estratégica de um sistema significante pode ser legitimamente

considerada como uma Retórica. Desse modo, existe uma Retórica do verbal e do

não verbal, do consciente e do inconsciente. A Retórica literária avança

paralelamente com uma teoria da emoção estética e uma ciência da literatura. A

análise estrutural das figuras é uma “Retórica geral”, na medida em que, buscando

repensar as figuras de estilo no quadro de uma metodologia linguística, ela inscreve

a Retórica “na língua” (PLANTIN, 2008, p. 9, grifos do autor).

Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), o orador, primeiramente, imagina

um possível auditório, de uma forma mais ou menos consciente. O enfoque é no público que

procura persuadir e para o qual dirige os seus discursos. Assim, o orador escolhe quais

argumentos irá utilizar para convencer os seus pares.

57

Nesse sentido, podemos inferir que as figuras de retórica são utilizadas de

acordo com cada auditório, ou seja, é preciso fazer um levantamento acerca do tipo de

auditório para que sejam escolhidas as figuras de retórica mais apropriadas, pois o público

precisa partilhar das mesmas informações, caso contrário, o principal objetivo das figuras, que

é o de facilitar a adesão do argumento, ficará prejudicado.

Após a verificação das informações sobre qual tipo de auditório é o alvo, o

orador precisa escolher quais figuras ele vai fazer “florir” em seu discurso. Com relação a

isso, faz-se importante saber o que será colocado em destaque: o ethos, o pathos ou o logos.

Existe uma figura específica para cada tipo de argumento, o que dará uma ênfase maior no

discurso.

Amossy (2010, p. 181) destaca que o uso das figuras deve-se ao cumprimento

do efeito argumentativo que cada orador quer suscitar no auditório, pois é sabido que existem

figuras que são mais usadas quando a função requerida é enfatizar o ethos, e outras mais

específicas para os campos do pathos e do logos. Assim, a autora ratifica que as figuras

produzem efeitos particulares, dando exemplo a hipotipose, a qual tem o seu valor

argumentativo na repetição, pois essa ideia toca os espíritos e suscita emoções vivas no

auditório. Dessa maneira, o orador usa, em seu discurso, determinada figura, obedecendo ao

seu efeito particular, para que possa seduzir o seu público. Assim, com o argumento das

figuras, o orador irá se tornar mais eficaz para conseguir o acordo e a adesão do seu auditório.

58

3 CAPÍTULO 3 – DISCURSO POLÍTICO, O GÊNERO DELIBERATIVO E O

GÊNERO JINGLE NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2014

Conforme já apresentado, o corpus da presente pesquisa constitui-se de dois

vídeos dos jingles inseridos nas campanhas políticas, de Aécio Neves e de Dilma Rousseff, à

presidência do Brasil, no ano de 2014. Esses vídeos foram transmitidos no Horário Gratuito

de Propaganda Eleitoral (HGPE) pelas emissoras de televisão para todo o país. Nesse horário

obrigatório, foram transmitidos os programas dos candidatos à presidência do Brasil com

vistas à apresentação das suas respectivas propostas políticas.

Neste capítulo, apresentaremos os materiais encontrados nos vídeos dos jingles

veiculados nas campanhas políticas dos candidatos supracitados, durante as eleições

presidenciais brasileiras, no ano de 2014. A escolha do corpus foi feita devido ao fato de que

os dois candidatos seguiram para o segundo turno, bem como os vídeos dos jingles terem sido

transmitidos tanto no primeiro, quanto no segundo turno das eleições. Essa seleção foi

realizada por meio do acesso ao YouTube, pela internet, fonte dos dados aqui utilizados. A

partir desses materiais, foram efetuados recortes para as análises posteriores.

É imprescindível destacar que essa análise é de cunho qualitativo e

comparativo, no sentido de verificar a incidência e o papel das figuras retóricas nas

campanhas presidenciais de 2014.

3.1 DISCURSO POLÍTICO

O discurso político tem a persuasão do auditório como objetivo maior. A esse

respeito, o orador busca mecanismos para facilitar a adesão de seus pares. De acordo com

Charaudeau (2013), o discurso político é o lugar da encenação, de um jogo de máscaras, no

qual a linguagem está cheia de intencionalidades. Ao se construir um discurso, o orador visa

trabalhar bem a linguagem, por isso, opta por usá-la de forma que possa persuadir seu

auditório. Entretanto, nessa mesma linguagem, sempre há algo implícito. Vale ressaltar, que

todo discurso político só tem valor se alcançar uma ação. Logo, todo discurso político

depende de uma ação, a qual irá levar o auditório a fazer algo. Portanto,

59

O discurso político não esgota, de forma alguma, todo o conceito político, mas não

há política sem discurso. Este é constitutivo daquela. A linguagem é o que motiva a

ação, orienta e lhe dá sentido. A política depende da ação e se inscreve

constitutivamente nas relações de influência social, e a linguagem, em virtude do

fenômeno de circulação dos discursos, é o que permite que se constituam espaços de

discussão, de persuasão e de sedução nos quais se elaboram o pensamento e a ação

políticos. A ação política e o discurso político estão indissociavelmente ligados, o

que justifica pelo mesmo raciocínio o estudo político pelo discurso

(CHARAUDEAU, 2013, p. 39).

De acordo com Charaudeau (2013), o processo político precisa não somente

da ação, mas também da linguagem para manifestar os seus discursos e, como consequência,

fazer com que eles circulem pela sociedade, uma vez que é nos discursos que a política

consegue os seus lugares de discussão, de persuasão e de sedução.

Para Osakabe (1999), o discurso político tem como objetivo fazer com que o

ouvinte realize uma ação. O autor chama esse fato de ato perlocucionário, o qual é uma reação

ou um efeito advindo de um discurso já realizado. O estudioso menciona que o discurso

político é focado na produção discursiva, pois é sabido que os sentidos produzidos em

determinados discursos não são iguais, nem para o orador, nem para aquele que escuta, o

ouvinte. Nesse jogo, o autor evidencia as formações ideológicas, uma vez que o discurso

político se insere no campo da subjetividade.

Vale lembrar que esse discurso, em épocas de campanhas políticas, é difundido

em forma de programas televisivos para todo o país, por meio do HGPE. Entretanto, ele não é

apresentado de forma impensada. Os candidatos, antes de gravarem os seus vídeos, criam os

seus discursos e seguem de forma consciente ou não as quatro fases já mencionadas no

primeiro capítulo desse trabalho: a invenção (heurésis), a disposição (taxis), a elocução (lexis)

e a ação (hypocrisis), sistematizadas por Aristóteles (2005). Dessa maneira, garantem, em

suas campanhas, um discurso bem estruturado e produzido, capaz de transmitir uma ideia que

promova uma aproximação com o seu auditório.

É notável frisar que este trabalho visa mostrar, através da linguagem figurativa,

o valor argumentativo dos discursos. Assim, iremos buscar, na linguagem implícita, a

argumentatividade das figuras, portanto, teremos o discurso político como objeto de análise.

Dessa maneira, para que o orador consiga alcançar determinados efeitos de

sentido, no discurso político e em outros discursos também, como seduzir e persuadir o seu

auditório, além do uso do edifício retórico de Aristóteles (2005), existem ainda outros meios,

como, por exemplo, as contribuições dos autores supracitados nesse capítulo.

Charaudeau (2013) descreve que a comunicação precisa ser realizada através

de um jogo, o qual abrange três tipos de componentes: o ato comunicacional, o ato

60

psicossocial e o ato intencional. Assim, o comunicacional, é aquele que visa uma interação

entre o orador e o auditório; o psicossocial, acontece através do reconhecimento entre as

partes, como a idade, o sexo, a profissão, dentre outros fatores; e o intencional, é estabelecido

por meio do conhecimento prévio do orador com relação ao auditório. Charaudeau (2013)

chama esse reconhecimento de imaginário ou compartilhado. O autor explica que, para

compor esse ato intencional, é preciso que duas questões sejam contempladas: a primeira é

saber com qual intenção a questão está sendo colocada; e a segunda diz respeito ao

reconhecimento da intenção estratégica de manipulação.

Osakabe (1999) entende que um discurso altamente argumentativo, como é o

caso do discurso político, precisa levar em conta a questão da relação entre o locutor (aquele

que fala) e o interlocutor (aquele para quem se fala). Isso se faz importante devido ao fato de

que o autor considera não somente o que o locutor faz ao dizer determinada sentença, mas

também prioriza o que se pretende com o seu ato de dizer. Nesse sentido, ele recupera a fala

de Pêcheux, criando um jogo de imagens, aliado aos atos da fala de Austin.

Observa-se também outro ponto importante no discurso político. Osakabe

(1999) coloca o ouvinte como determinante para a escolha dos atos da fala, pois, para que o

locutor escolha o seu discurso, ele precisa saber qual é o tipo de imagem que o ouvinte tem a

respeito dele, para que, enquanto orador, ele mesmo consiga realizar um discurso pautado nas

condições discursivas do momento. Portanto, é necessário que o orador reflita sobre a

questão: “que imagem penso que o ouvinte faz de mim para que eu fale dessa forma?”

(OSAKABE, 1999, p. 82). Nesse cenário, o ouvinte é inserido no discurso de forma implícita.

De acordo com Osakabe (1999), há um fator de suma relevância no que tange

ao discurso político em sua estrutura: o discurso do candidato adversário, o qual pode

influenciar o ouvinte. Nesse sentido, o orador faz referência a uma determinada resposta ou

argumenta a partir desse outro discurso. Assim,

Discursar constitui um ato de argumentar, ele deve revelar em sua totalidade as

marcas desse ato [...] o ato de argumentar parece estar fundado em três atos distintos

que guardam entre si uma relação aproximada à relação do tipo implicativo: um ato

de promover o ouvinte para um lugar de decisão na estrutura política; um ato de

envolvê-lo de forma tal a anular a possibilidade da crítica; e um ato de engajar o

ouvinte numa mesma posição ou mesma tarefa política (OSAKABE, 1999, p. 109-

110).

Com base nos argumentos acima, Osakabe (1999) determina que o discurso

político é altamente argumentativo, uma vez que pretende fazer com que o eleitor realize a

61

ação de votar, uma vez que o “jogo persuasivo cumpre função determinante” (OSAKABE,

1999, p. 2).

Podemos observar que, para um político conseguir persuadir o auditório, é

preciso que ele leve em consideração as propostas identificadas por Charaudeau (2013) e

Osakabe (1999), já mencionadas acima, pois, dessa maneira, através de uma linguagem

intencional, o locutor obterá a interação e o reconhecimento de seu auditório.

Charaudeau (2013) entende tal mecanismo como uma prática do discurso

político, o qual, mais tarde, irá colaborar para a formação ideológica de atores políticos,

conceito trabalhado também por Osakabe (1999). Os candidatos políticos, por sua vez,

querem tocar nos anseios da grande massa populacional. Para isso, irão discursar por meio

dos HGPE.

Nesse sentido, os políticos proferem discursos de benfeitoria em prol de todos

porque visam conquistar a confiança do auditório, trazendo-o para o seu lado. Muitas vezes,

esse discurso é trabalhado a partir do aspecto emocional do público, ou seja, prevalece um

trabalho focado no pathos.

É importante destacar que o discurso político por si só não consegue a adesão

do auditório, mesmo que ele seja bem elaborado. Existe outro fator que contribui na hora do

aceite do discurso por parte dos interlocutores: Osakabe (1999) e Charaudeau (2013) chamam

tal procedimento de “construção da imagem do sujeito político”, o qual chega a ser mais

importante do que o próprio discurso, uma vez que é de extrema magnitude que a identidade

do orador seja crível e legítima aos olhos do público.

3.1.1 O ethos como estratégia do discurso político

Como já foi mostrado anteriormente, os estudos sobre o ethos vêm da época de

Aristóteles e foram reiterados por autores contemporâneos. É válido lembrar que o ethos é

ligado ao campo dos sentimentos. Assim, é mais fácil emocionar o auditório quando se tem

um discurso pautado no ethos do orador, sobretudo quando se refere à tekhne, phronesis, arete

e eunoia.

De acordo com Aristóteles (2003), o ethos diz respeito aos traços de

personalidade que o orador deve mostrar para o auditório. Pouco importa se o orador esteja

62

sendo sincero, o que realmente vale é conseguir passar para o auditório um ethos que cause

uma boa impressão, ou seja, um ethos virtuoso, amável e sincero.

Charaudeau (2013) explica que o ethos é uma imagem que se liga ao orador no

momento em que fala. A partir do que é dito, o auditório consegue enxergar a personalidade

do locutor. A esse respeito, o autor chama a atenção para aquilo que o auditório já conhece

sobre a identidade do orador. Logo, faz-se necessário saber como ocorre a construção do

ethos em meios políticos:

O discurso político, que procura obter a adesão do público a um projeto ou a uma

ação, ou a dissuadi-lo de seguir o projeto adverso, insiste mais particularmente na

desordem social da qual o cidadão é vítima, na origem do mal que se encarna em um

adversário ou um inimigo, e na solução salvadora encarnada pelo político que

sustenta o discurso. [...] A solução salvadora consiste em propor medidas que

deveriam reparar o mal existente. De repente, o defensor dessas medidas aparece

crível, persuasivo e tenderá construir para si uma imagem mais ou menos forte de

salvador da pátria, dado que o objetivo é fazer o público encontrar o libertador de

seus males e voltar-se totalmente para ele. Isso mostra a que ponto a construção da

imagem de si (o ethos) é importante no discurso político (CHARAUDEAU, 2013, p.

91).

Para Charaudeau (2013), a elaboração do ethos de um político é marcada pela

construção de uma identidade social, que é igual aos personagens dos grandes desenhos

animados, como o Super-homem, o qual sempre tem como objetivo salvar alguém do perigo,

ou seja, um ethos de “salvador da pátria”. Segundo o autor, por meio de seus discursos, o

político promete acabar com as mazelas encontradas nos campos da educação, da saúde, dos

transportes, dentre outros, fazendo com que o auditório tenha a sua imagem criada como a de

um super-herói. Tal qual Charaudeau (2013), Maquiavel (2010) diz que a figura de um

político deve estar calcada em um modelo de virtudes, com muitas qualidades, força e

criatividade para cuidar dos interesses do Estado. A esse fato, lembramos Meyer (2007a),

quando o mesmo utiliza a retórica da sedução para expor como funciona a sedução no

discurso, pois é impossível descolar o discurso político midiático da retórica da sedução.

Assim, segundo Meyer (2007a), existe uma retórica da sedução, sobre a qual, nesse trabalho,

trataremos a partir do viés da vontade do candidato em querer ser eleito e, como

consequência, da utilização do argumento da sedução para conseguir persuadir o seu auditório

para esse fim.

Meyer (2007a) atesta que a sedução tem uma linguagem própria. Assim, ela faz

uso de um discurso indireto e figurado, em outras palavras, o não é dito de modo literal, mas

que foi dito implicitamente através das figuras. No que tange ao discurso político, como

explica o autor, a sedução tem como objetivo ser sincera, já no discurso publicitário, tem

63

como finalidade tocar os sentimentos por meio do despertar do desejo. Como o objeto de

estudo dessa pesquisa é o discurso político veiculado em meios publicitários, a sedução aqui

irá fazer esse duplo papel: tanto no que compete à sinceridade, quanto no que condiz ao

desejo.

3.2 O GÊNERO DELIBERATIVO

Em retórica, existem três gêneros do discurso descritos por Aristóteles: judicial

ou forense, deliberativo ou político, e demonstrativo ou epidíctico, conhecidos como grandes

gêneros retóricos.

Aristóteles (2012) enfatiza que para que esses gêneros se realizem há a

necessidade de um orador, um discurso e um auditório. Nesse tripé, o autor destaca o papel do

auditório, o qual é caracterizado como um juiz em um tribunal, ou como um espectador em

um conselho ou em uma assembleia.

O gênero judicial é caracterizado pelos discursos que visam acusar ou defender

ações realizadas no passado.

E o gênero epidíctico leva em consideração louvar ou censurar algo, dessa

maneira, visa enaltecer a virtude ou o defeito de alguém ou de alguma coisa.

Já o gênero deliberativo, possui características próprias, como todo e qualquer

gênero. Precisamente, diz respeito ao ato de um orador em dar conselhos, ligados aos tempos

presente e futuro. Aristóteles (2012,) esclarece que os discursos deliberativos ou políticos são

exortações que visam mostrar a vantagem ou a desvantagem de uma determinada ação. Dessa

maneira, o auditório atua como uma assembleia. É importante frisar que esse gênero está

ligado ao ato de propor decisões e projetos ao auditório. Dentre os gêneros, o mais próximo

de nosso corpus é o deliberativo.

Para Aristóteles (2012), o gênero deliberativo é claro, uma vez que lida com

assuntos que podem ter uma relação direta com o auditório e que dependem unicamente do

seu consentimento. O autor ainda ratifica que existem cinco temas mais importantes sobre os

quais todos deliberam por meio da exposição dos conselhos em âmbito público: finança;

guerra e paz; defesa nacional; importações; exportações; e legislação. Portanto, os políticos

trabalham com o gênero deliberativo, cujo foco é o auditório, formado por eleitores, daí o

64

interesse dos candidatos em propor resoluções de problemas e projetos com vistas à realização

de ações que irão melhorar a vida da comunidade.

3.2.1 O gênero jingle

É válido ressaltar que, inicialmente, apresentaremos um conceito de gênero

mais geral para, na sequência, aprofundá-lo. Tal atitude está justificada pela natureza do

corpus de análise aqui selecionado, o jingle.

Bakhtin (1997) define os gêneros discursivos como enunciados que, de alguma

forma, possuem certas semelhanças de conteúdo, de tema, de composição e de estilo, ou seja,

são tipos de enunciados parecidos entre si no que condiz ao tema, à forma, à estrutura e à

linguagem. Dessa maneira, os gêneros discursivos, dentro dos estudos linguísticos na

contemporaneidade, são relativamente infinitos. Sobre isso, compreendemos que

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre

relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os

modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade

humana, o que não contradiz a unidade nacional de uma língua. A utilização da

língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que

emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado

reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só

por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos

recursos da língua — recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também,

e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo

temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo

do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de

comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual,

mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de

enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. A riqueza e a

variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade

humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de

gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria

esfera se desenvolve e fica mais complexa. Cumpre salientar de um modo especial a

heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos), que incluem

indiferentemente: a curta réplica do diálogo cotidiano (com a diversidade que este

pode apresentar conforme os temas, as situações e a composição de seus

protagonistas) (BAKHTIN, 1997, p. 277).

Koch (2008) descreve que as pessoas, com o passar dos anos, desenvolvem

uma competência metagenérica. Essa competência faz com aconteça uma interação entre os

indivíduos, a qual é realizada de forma conveniente, a partir do momento em que exista um

envolvimento nas diversas práticas sociais. Dessa forma, é a partir dessa competência que os

65

gêneros textuais são compreendidos como práticas comunicativas. Ressalta-se a importância

de alguns fatores, tais como, composição, estilo, conteúdo, propósito comunicacional e

veiculação, na elaboração dos gêneros discursivos.

Já Cavalcante (2014) conceitua os gêneros como padrões sociocomunicativos,

cujas necessidades enunciativas são bem específicas. Dessa maneira, têm uma relativa

estabilidade para que possam atender às necessidades sociais de uma comunidade. Por isso, o

seu acabamento é sempre constituído historicamente, como, por exemplo, o gênero HGPE.

Costa (2014) completa a ideia quando afirma que o HGPE tem por objetivo

transmitir uma exposição escrita ou oral de intenções, planos e projetos de uma chapa

eleitoral, de um candidato ou de um partido político. Ele enfatiza que o HPGE precisa dos

meios de comunicação para ser transmitido aos eleitores brasileiros. Os meios de

comunicação referem-se ao conjunto de quadros (programação) em que se divide o tempo nas

transmissões radiofônicas ou televisivas, com características e assuntos próprios.

Vale lembrar que os oradores visam apresentar propostas para melhorar ou

solucionar problemas que existam em sua comunidade. Os políticos têm a percepção do

quanto é importante o papel do HGPE nas mídias, aliado a um bom e estruturado discurso

político. O HGPE é um meio que os candidatos têm de mostrar as mais diversas propostas

para o seu auditório.

Dentro desse gênero, encontramos o gênero jingle, sobre o qual este trabalho

trata. Esse gênero surgiu a partir da necessidade da publicidade de ser transmitida de forma

rápida e altamente persuasiva. Assim, para Marcuschi (2007),

Hoje, em plena fase da denominada cultura eletrônica, com o telefone, o gravador, o

rádio, a TV e, particularmente o computador pessoal e sua aplicação mais notável, a

Internet, presenciamos uma explosão de novos gêneros e novas formas de

comunicação, tanto na oralidade como na escrita (MARCUSCHI, 2007, p.19).

De acordo com Costa (2014), jingle é uma canção de cunho publicitário,

relativamente pequena, veiculada no cinema, no rádio e na televisão. O autor menciona que

esse gênero é uma mensagem publicitária, cujo fundo é musicado por uma canção simples e

de curta duração. Para ser efetiva quanto ao seu objetivo, a música deve ser lembrada e

cantarolada com facilidade. Conforme o autor, quando o jingle é veiculado no cinema ou

mesmo na televisão, o texto vem sempre acompanhado de imagem.

Como mencionamos acima, os jingles, primeiramente atrelados ao HGPE e

posteriormente transmitidos “sozinhos” (por meio da televisão, do rádio, da internet, dentre

66

outros veículos), têm como objetivo levar as propostas das campanhas eleitorais dos

candidatos até o auditório de forma cativante, pois os mesmos são como um trailer de um

filme. Nas propagandas, os candidatos utilizam várias imagens e, de fundo, uma letra musical,

a qual ancora as imagens e, por conseguinte, encanta, seduz e convence o auditório.

Os jingles que estão atrelados às campanhas eleitorais acontecem em meios

publicitários com o intuito de expor as diversas propostas dos candidatos, ou mesmo os

argumentos que eles têm em seus discursos. Os jingles transmitidos via televisão são expostos

por meio da sonoridade atrelado as imagens. Assim, os candidatos têm por objetivo persuadir

o auditório, fazendo com que ele, além de se lembrar da letra e das imagens do jingle, realize

a ação de votar em sua proposta de campanha.

Como as questões que permeiam a retórica da imagem já foram mostradas no

primeiro capítulo, agora iremos somente relembrar alguns pontos sobre a mesma.

Demonstraremos, mais precisamente, alguns fatores importantes da música atrelada à

propaganda política, dada a importância do jingle em campanhas eleitorais.

Barthes (1990) dissertou sobre a retórica da imagem. A partir disso, definiu

fundamentos que ajudam a compreender o poder persuasivo que as imagens podem exercer

sobre o auditório, como já foi mostrado neste trabalho. Meyer (2007a), a esse respeito, afirma

que o poder de aproximação entre o orador e o público gerado pelas imagens faz com que

uma cena seja vista como real. Dessa maneira, o ethos de um político frente às mídias,

particularmente em vídeos de propagandas políticas, como é o caso do jingle, é altamente

persuasivo em consequência da força que imagem, atrelada à sonoridade, exerce. Nesse

sentido, o ethos do político, aliado à imagem, passa a ser “um jogo sobre identidade e

diferença, portanto, uma manipulação daquilo que somos, queremos e podemos ser”

(MEYER, 2007a, p. 120).

Meyer (2007a) defende a ideia de que, na propaganda – infere -se aqui o jingle

como uma forma de propaganda – , existe um ocultamento entre o que é transmitido e o que o

auditório realmente espera. Assim, podemos deduzir que, muitas vezes, o ethos do político

frente aos jingles simula uma eventual defesa de interesses do auditório. A publicidade joga,

durante todo o tempo, com o desejo que o auditório tem por alguma coisa ou produto.

Normalmente, esse desejo é realizado através das figuras de retórica, mais precisamente pela

metáfora. Meyer (2007a) menciona que os políticos também jogam com o desejo para realçar

o ethos imaginário, nos momentos em que aparecem em cenas ao lado de seus familiares, o

que cria uma ideia de aproximação com o auditório. Como resultado, o discurso vende a

imagem de um ethos de alguém dedicado à família, ou seja, metaforiza, através das imagens

67

do discurso publicitário, uma quebra do distanciamento com relação ao público, o qual irá

acreditar que o candidato é uma pessoa que respeita, cuida e valoriza a família, produzindo o

sentido de que ele também cuidará da família brasileira.

Com referência à música no discurso político, ela é de importância primordial,

pois o candidato, ao utilizar em sua campanha um jingle bem estruturado, apresentará mais

um argumento positivo ao seu público. Nesse sentido, é imprescindível destacar que o jingle

precisa estar acessível para o seu auditório universal, ou seja, para todos os eleitores. É

importante frisar, ainda, que o nosso propósito, neste trabalho, não é analisar a matéria sonora da

música, bem como a sua estrutura fonética, com exceção da figura de repetição, mas sim os

efeitos persuasivos das figuras empregadas no discurso imagético. Por isso, iremos nos deter na

mensagem imagética transmitida pelo jingle dos dois candidatos.

Cano (2000) afirma que as figuras retóricas utilizadas na música ou na literatura

têm um efeito sublime no discurso, pois a mesma desvia a expressão verbal usada

gramaticalmente quando a troca por um sentido que não lhe é o habitual. Dessa maneira, realiza

um processo de transgressão à regra comum. A esse respeito, o autor enfatiza que o efeito, no

ouvinte, será mais persuasivo.

Cano (2000) dá um lugar de destaque para as figuras de retórica inseridas nas

músicas. O autor afirma que, a partir da escolha de determinadas figuras empregadas na melodia,

elas darão um estilo diferente à música, com o qual o ouvinte irá se identificar. Portanto, as

figuras empregadas na música irão determinar o seu estilo e a sua elegância, o que faz com que o

auditório seja contaminado com um toque afetuoso. Assim, “um dos objetivos fundamentais da

aplicação de princípios retóricos na música foi o de proporcionar ao discurso musical a

possibilidade de despertar, mover e controlar os afetos do público, tal como os oradores

faziam com o discurso falado” (CANO, 2000, p.43).

Por fim, é importante salientar que os estados emocionais são argumentos fortes

em retórica, e a música, como um bom mecanismo persuasivo, mexe com os sentimentos do

auditório.

68

4 CAPÍTULO 4 – O USO DAS FIGURAS DE RETÓRICA COMO TÉCNICA

ARGUMENTATIVA DOS DISCURSOS DE DILMA E DE AÉCIO

Neste quarto e último capítulo, apresentaremos as análises do corpus

selecionado à luz das teorias expostas nos capítulos anteriores. O procedimento metodológico

de análise, a partir dos jingles dos candidatos selecionados, será realizado através da

investigação das figuras de retórica encontradas nos textos verbo-visuais. Dessa forma,

buscaremos compreender a função e a relevância das figuras ao identificar as estratégias

discursivas de persuasão e de argumentação presentes no corpus.

No dia 19 de agosto de 2014, iniciou-se o HGPE dos candidatos à presidência

do Brasil no rádio e na televisão. Segundo as informações colhidas na internet e nos jornais, o

cenário político brasileiro de 2014 apontava para a maior disputa eleitoral à presidência do

país em todos os tempos.

No primeiro turno das eleições do ano de 2014, os candidatos que concorreram

à presidência do Brasil foram: Aécio Neves (PSDB), Dilma Rousseff (PT), Eduardo Jorge

(PV), Everaldo Dias (Pastor Everaldo) (PSC), José Maria Eymael (PSDC), José Levy Fedelix

(PRTB), José Maria de Ameida (Zé Maria) (PSTU), Luciana Genro (PSOL), Marina Silva

(PSB) e Mauro Lasi (PCB). Em nosso trabalho, selecionamos apenas os dois candidatos que

foram para o segundo turno: Dilma Rousseff e Aécio Neves.

Enfatizamos que as análises foram realizadas a partir da ordem cronológica de

apresentação de cada jingle.

4.1 DILMA ROUSSEFF (PT)

De acordo com os dados da Biblioteca da Presidência da República (2014),

Dilma Vana Rousseff nasceu em 14/12/1947, na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Seus pais eram o imigrante búlgaro Pedro Rousseff e a professora Dilma Jane da Silva,

nascida em Resende, no Rio de Janeiro. O casal teve três filhos: Igor, Dilma e Zana. Dilma

iniciou os estudos no tradicional Colégio Nossa Senhora de Sion e cursou o ensino médio no

Colégio Estadual Central, em Minas Gerais. Aos 16 anos, ela deu início à vida política

quando se integrou a uma organização de combate ao regime militar.

69

No ano de 1969, Dilma casou-se com o advogado Carlos Franklin Paixão de

Araújo. Juntos, sofreram perseguições durante o Regime Militar. Mais tarde, ela foi

condenada por subversão (ato de tumulto ou perturbação), passou quase três anos, de 1970 a

1972, no presídio Tiradentes, na cidade de São Paulo. Quando saiu da prisão, em 1973, foi

morar em Porto Alegre. Retomou os seus estudos na Universidade Federal do Rio Grande do

Sul. No ano de 1975, começou a trabalhar como estagiária na Fundação de Economia e

Estatística (FEE), órgão do governo gaúcho. No ano seguinte, deu à luz a filha do casal, Paula

Rousseff Araújo. Após alguns anos, o então prefeito da capital gaúcha, Alceu Collares,

escolheu Dilma para ocupar o cargo de Secretária da Fazenda.

Quando o Brasil voltou a ser um país democrático, Dilma, na época diretora-

geral da Câmara Municipal de Porto Alegre, participou da campanha de Leonel Brizola ao

Palácio do Planalto, em 1989, ano da primeira eleição presidencial direta após a ditadura

militar. No segundo turno, ela foi às ruas defender o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do

Partido dos Trabalhadores (PT).

Em sua trajetória política, Dilma foi nomeada por Lula ministra de Minas e

Energia. Em meados de 2003, criou o programa “Luz para todos”. Lula a escolheu para

ocupar a chefia da Casa Civil e coordenar o trabalho de todo ministério em 2005.

Em 13 de junho de 2010, o PT oficializou a candidatura da ex-ministra. No

segundo turno das eleições que disputava com o candidato José Serra, realizado em 31 de

outubro de 2010, aos 63 anos de idade, Dilma Rousseff é eleita à primeira mulher presidente

da República Federativa do Brasil, com quase 56 milhões de votos.

Em 26 de outubro de 2014, foi reeleita, novamente no segundo turno

das eleições. Essa foi a eleição mais disputada da história do Brasil. Em 12 de maio de 2016,

Dilma foi afastada de seu cargo por até 180 dias, devido a uma instauração de processo de

impeachment que culminou no seu afastamento definitivo.

4.1.1 Análise do jingle: “Dilma, coração valente”

A candidata Dilma Rousseff, durante a campanha de 2014, passava pelo

processo de reeleição, fato que distingue os tipos de discurso dos dois candidatos aqui

analisados. Por isso, é comum que a candidata priorizasse os temas que ela mais trabalhou

70

durante o seu mandato, portanto, o seu discurso era pautado em pontos positivos de seu

governo.

O jingle foi transmitido dentro do HGPE, durante a campanha da candidata

Dilma Rousseff, nos dois turnos das eleições presidenciais. Vale ressaltar, que a transcrição

completa da letra está no anexo A.

O vídeo começa com a imagem de Dilma em uma plateia, acenando para um

grupo de pessoas, prosseguindo com uma reiteração da imagem da candidata acenando,

cumprimentando, abraçando, conversando e, outras vezes, discursando para várias pessoas.

Em um segundo momento, são exibidas imagens de pessoas em seu ambientes

de trabalho, nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, e para um grupo de mulheres da

região nordeste. Esse conteúdo do vídeo está ancorado pela letra do jingle “você nunca

desviou o olhar do sofrimento do povo”. As imagens de homens e de mulheres sorrindo e

fazendo o sinal de “estou curtindo” ou de confirmação vêm acompanhadas pela letra de fundo

que diz “por isso eu te quero outra vez”.

Em um terceiro momento do jingle, existe uma ênfase dada ao passado da

candidata Dilma, pois as fotos estão em preto e branco, fato que as diferencia das outras

imagens, todas coloridas. Lula, ex-presidente da república, aparece de mãos dadas e

abraçando a candidata Dilma. Notamos a reiteração da imagem da candidata por várias vezes

no vídeo. Assuntos sobre saúde, educação, agricultura, agronomia, construção civil, esporte e

mulheres foram abordados em toda a propaganda.

Os momentos finais do jingle são realizados a partir das imagens da candidata

junto ao texto escrito “coração valente”

Apresentamos agora os valores argumentativos das figuras de retórica

implicadas no corpus e o jingle da campanha da candidata Dilma Rousseff (PT) do ano de

2014, usado para abrir o programa da candidata no HGPE. O jingle tem duração de dois

minutos e dez segundos (02min10s).

71

Figura 1 – Dilma discursando para a população brasileira.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Figura 2 – Dilma abraçando os eleitores.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Figura 3 – Dilma de mãos dadas com os eleitores

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

72

Figura 4 – Dilma com os trabalhadores.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Nas Figuras 1, 2, 3 e 4, as cenas mostram as imagens da candidata Dilma

Rousseff durante a sua campanha. Podemos perceber que, durante o jingle, a figura sinonímia

aparece chamando a atenção para o exagero de imagens da candidata Dilma Rousseff contidas

logo no início do vídeo do jingle. Lembramos que foram mais de 20 aparições em um curto

espaço de tempo, assim também como a cor vermelha que simboliza o partido trabalhista,

além da mensagem linguística: “Dilma, coração valente”. A causa do exagero na utilização de

imagens da candidata e do vermelho é a metaforização de um ethos mais popular, mais

próximo do “povão”, já que o PT tem, em sua ideologia, um trabalho voltado para as classes

trabalhadoras. A imagem da candidata, no início do ano de 2014, não estava nada positiva em

razão das manifestações realizadas contra o governo por grupos de estudantes e de

trabalhadores em todas as regiões do Brasil. Nesse sentido, relembramos Aristóteles (2013)

para assinalar que o ethos é mais ligado ao campo da emoção, o que torna mais fácil seduzir o

auditório.

O jogo político tem por finalidade a construção de um ethos frente ao auditório.

Nas imagens, notamos o uso da metáfora pastoral, a qual tem como objetivo conduzir as

pessoas para algum lugar seguro, dando a ideia de um ethos de autoridade, de alguém que

sabe o que vai fazer durante o próximo mandato de quatro anos, já que tem experiência.

Dilma ressalta tal argumento com o áudio do jingle, que diz: “O que tá bom vai continuar [...]

o quê não tá a gente vai melhorar...”. Portanto, a ênfase dada à imagem da candidata Dilma se

deu em decorrência de tornar o ethos da candidata mais popular e, dessa maneira, as análises

demonstram que ela tenta tocar o sentimento do povo.

73

Figura 5 – Crianças na escola.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Figura 6 – Família feliz com a aquisição de sua casa própria.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Figura 7 – Jovem estudando.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

74

Figura 8 – Homem abrindo a porta de seu conjunto habitacional.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

As Figuras 5, 6, 7 e 8 exibem imagens de uma família feliz em primeiro plano,

de fundo, provavelmente sejam as casas do Programa “Minha casa, minha vida”. A outra

imagem traz uma pessoa abrindo as portas de seu conjunto habitacional, adquirida por meio

do mesmo programa. Na sequência, temos crianças estudando em uma escola com a presença

de uma professora e de um jovem, em primeiro plano, com um sorriso vasto no rosto. No

segundo plano, é apresentado um laboratório de algum Instituto Federal, com vistas a

valorizar o programa “PRONATEC”. O discurso textual que ancora essas imagens é: “Vamos

viver uma nova esperança, Com muito mais futuro, E muito mais mudança”.

Nesse texto sincrético, podemos observar o uso de várias figuras, uma delas é a

metonímia. Essa figura é utilizada para mostrar que, no governo de Dilma, o Brasil avançou,

tanto no setor da economia, quanto no setor da moradia e da educação. Pelo fato de que a

metonímia é uma figura que elimina algumas etapas da enunciação, podemos inferir que o seu

valor argumentativo está na ideia de que o país evoluiu no setor da inclusão social.

Outra análise possível se dá através da metáfora: já que temos um avanço no

setor da inclusão social, metaforicamente, temos um governo que está saciando os anseios da

sociedade, então, é possível afirmar, segundo essas imagens, que o ethos da candidata Dilma é

competente e responsável. Mais uma vez, podemos observar a metáfora nas imagens, agora

apresentada por meio da utilização das cores para chamar a atenção do eleitor: o vermelho na

camisa da criança que está nos braços do pai, no uniforme das crianças da escola e no

uniforme do jovem. A esse respeito, podemos inferir que o vermelho é uma cor viva e que

chama a atenção dentre as outras. Além disso, o vermelho é a cor que simboliza o Partido dos

Trabalhadores, do qual a candidata Dilma Rousseff é membro. Logo, nas imagens, temos uma

predominância do vermelho, metaforicamente utilizado para dizer que foi o governo do PT

que proporcionou todos esses avanços no setor de inclusão social.

75

A hipérbole, figura que aumenta o significado expresso, pode ser visivelmente

recuperada pelo contexto da figura 7, pois temos no jingle “Dilma, coração valente” várias

imagens de pessoas que foram beneficiadas pelos programas federais, o que hiperboliza a

ideia de um governo eficaz, levando a uma imagem positiva da candidata Dilma Rousseff.

Vale aqui retomar a Charaudeau (2013). O autor afirma que o ethos que sempre

está ligado em meios políticos é o de “salvador da pátria”. Então, nessas imagens, podemos

ver que a candidata, por meio da metáfora, mostra, em seu discurso, um ethos de salvadora da

pátria, uma vez que ela prioriza o auditório de classe baixa e enfatiza que, a partir de seus

programas de governo, a família humilde tem uma casa para morar e pode receber visitas, já

que as portas de casa estão sendo abertas para alguém; as crianças têm uma escola; a

professora tem emprego garantido; e o negro tem onde fazer um ensino técnico de qualidade,

já que a imagem de fundo é de um laboratório.

A aposiopese é a figura que precisa do auditório para ganhar sentido. Reboul

(2004) afirma que essa figura é caracterizada por uma interrupção na frase para que o

auditório complete-a, dentre outros fatores, a aposiopese é a figura do amor. Essa figura faz

com que o outro retome um discurso já realizado em outro momento. Nesse sentido, podemos

observar que, para que se compreenda o contexto da figura 7, é preciso que o auditório

recupere outros discursos, como, por exemplo, o fato de o negro não ter incentivo para estudar

antes do governo petista. Logo, através da figura aposiopese, o auditório resgata esse

conteúdo e infere que, hoje, durante o governo petista, existe o auxílio “Bolsa família”, que

garante a presença do aluno na escola; as cotas para negros e para pessoas de baixa renda, as

quais facilitam a entrada dessa parcela social nas universidades públicas do país.

A sinonímia é utilizada, na figura 7, para expressar a repetição de ideias ou um

mesmo sentido no discurso. Embora imagens diferentes tenham aparecido no jingle da

candidata Dilma, elas sempre estão vinculadas, o que transmite um mesmo significado:

ressaltar a mensagem de que é o governo do PT que está proporcionando uma ascensão da

classe de menor poder aquisitivo para a classe média, e que, hoje, no Brasil, quase não

existem analfabetos e pessoas na zona da miséria.

O essencial da figura hipotipose está na representação da realidade. A

característica mais marcante dessa figura é introduzir o auditório ao universo descrito ou no

discurso. Podemos perceber, na figura 7, a técnica argumentativa da figura hipotipose quando

parte do auditório é chamado para compor o discurso de Dilma. Dessa maneira, faz com que o

cidadão brasileiro se enxergue nesse discurso. Sobre isso, Meyer (2007a, p. 11, grifo do autor)

76

lembra que “pela imagem, nos sentimos sempre mais próximos da realidade, como se

‘estivéssemos ali’ e de igual modo, como se as diferenças pudessem ser abolidas”.

Essa técnica argumentativa ainda faz com que não existam mais diferenças

entre o orador, que aqui se faz na pessoa da candidata Dilma, e o eleitor brasileiro, seu

auditório.

A figura preterição ou paralipse foi utilizada, nesse discurso, com o intuito de

enfatizar que o governo tem tomado as decisões corretas, já que está conseguindo erradicar

com as mazelas no país. Dessa maneira, as imagens são usadas para dizer uma outra coisa,

pois, querem realmente dar ênfase em outro discurso. Nesse caso, o valor argumentativo da

figura está vinculado à ideia de que, antes do governo do PT, a população não tinha um

programa de cunho social adequado às suas necessidades e agora, após o PT assumir o poder,

esse quadro social mudou. Ela atenua o discurso.

Na dimensão do texto escrito já mencionado acima, podemos afirmar que o

discurso prioriza a ideia de que o brasileiro tem um futuro esperançoso dado por mais

mudança, metaforicamente dizendo que existe um futuro promissor para o país, pois o

governo que, outrora, ofereceu mudanças, irá continuar proporcionando um futuro melhor, já

que a candidata tem quatro anos de experiência como presidente da república, portanto, está

preparada para um novo mandato.

Figura 9 – População brasileira nas ruas contra a Ditadura Militar.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

77

Figura 10 – Militares nas ruas

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Figura 11 – Dilma sendo julgada pelos militares.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Figura 12 – População pedindo diretas já.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

No jogo político, os candidatos utilizam muitos argumentos para tentar

persuadir o eleitor. Um argumento bastante usado é a sedução, pois, ao conseguir seduzir um

78

determinado auditório, fica mais fácil fazer com que ele aceite realizar aquilo que se objetiva.

Sabemos que, muitas vezes, as figuras de retórica são usadas para manipular o auditório de

forma diferente, pois utilizam uma linguagem figurada e sedutora para persuadir o outro. A

linguagem que se utiliza das figuras não é a mais comum, dado pelo seu valor argumentativo.

Sendo assim, nas figuras 9,10,11 e 12 notamos imagens que fazem parte do passado de

Dilma, elas estão no jingle da candidata por algum motivo. A esse respeito, relembramos

Barthes (1990), que afirma que a conotação da imagem vai depender das possibilidades de

leitura do auditório, pois a mesma é variável de acordo com cada indivíduo. Essa riqueza, no

que tange aos significados extraídos da imagem, será sempre realizada pela conotação de cada

ser humano, assim temos a conotação, onde, de fato está a retórica da imagem.

Portanto, através da conotação que imerge dessa imagem, notamos a presença

de hipotipose para fazer uma representação da realidade ou para descrever coisas que já

aconteceram. Nesse sentido, a candidata usou do valor argumentativo dessa figura para

mostrar, frente ao auditório, como foi o seu passado de luta pelo país. Vale ressaltar que o

contexto histórico no Brasil, em meados de 2013, foi marcado por grandes manifestações,

lideradas por jovens, contra o governo de Dilma Rousseff. Por essa razão, a candidata

resgatou o seu passado de luta para mostrar para a juventude que ela era igual a eles, pois

também ia para as ruas lutar a favor do país. Nesse momento, representou “um caráter jovem”

na propaganda como forma de aproximação ao auditório. A esse respeito, lembramos

Aristóteles (2015) quando enfatiza que o caráter do orador precisa estar adaptado à emoção

dos ouvintes.

A figura topografia é utilizada para descrever um lugar. Notamos, na figura 12

a descrição das ruas onde Dilma participou, em seu passado, de manifestações a favor da

democracia por meio da imagem de uma faixa com o dizer “Diretas já”. Pode-se observar

também que ela era contra o regime militar quando aparece sentada no banco dos réus. Assim,

a sua história, entendida por muitos como anarquista, foi transformada em uma trajetória de

luta, isto é, foi revertida em estratégia argumentativa positiva em sua campanha. Dessa

maneira, através da topografia, exaltou-se o ethos de combatente da candidata.

A antítese, dentro da linguagem visual, é construída pelo contraste de

elementos plásticos, como, por exemplo, as cores. Sendo assim, repara-se que, no vídeo do

jingle “Dilma, coração valente”, todas as imagens são coloridas, o contrário somente acontece

quando o passado da candidata é transmitido em cenas em preto e branco. Portanto, o poder

argumentativo da antítese foi utilizado para enfatizar o passado da candidata.

79

Outra figura utilizada foi a preterição ou paralipse. O valor dessa figura está

na fixação do argumento, pois ela procura explicá-lo melhor. Portanto, várias imagens do

passado de Dilma foram utilizadas com o objetivo de fixar na mente do auditório que ela é a

melhor opção para presidir o país. A preterição marca um enaltecimento do ethos da

candidata.

O cleuasmo, de acordo com Reboul (2007), é a figura do ethos, pois demonstra

um orador que quer enobrecer as suas qualidades. Nessa esteira, o que mais observamos nesse

discurso é a transformação de passagens negativas do passado da candidata em algo

estritamente positivo. Essas imagens evidenciam o uso da figura etopeia, pois descrevem os

costumes da candidata Dilma quando era mais jovem.

Fiorin (2014) relata que a figura hipálage é utilizada para transpor um sentido

que não é habitual à palavra. Dessa maneira, podemos observar, no momento em que Dilma

está sentada no banco dos réus, uma estratégia argumentativa que não é comum em uma

campanha política: ter sido presa. Entretanto, a finalidade dessa imagem é fazer com que o

ethos da candidata se torne ainda mais popular em consequência de ter lutado contra a

ditadura.

Figura 13 – Mulheres do campo.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

80

Figura 14 – Mulher conduzindo o metrô.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Figura 15 – Mulher pilotando avião.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Figura 16 – Mulher dirigindo o ônibus.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

81

Figura 17 – Mulher como feirante.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Figura 18 – Mulher como dona de casa.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

Nas figuras 13, 14, 15, 16, 17 e 18, podemos constatar a presença de várias

mulheres, as quais praticam ações diferentes em lugares distintos, mas todas estão em seus

respectivos ambientes de trabalho. Sendo assim, há a presença da figura de retórica chamada

de metonímia, a qual consiste em suprir algumas etapas de sentido. Nesse caso, a figura foi

aplicada como argumento para evidenciar que o governo petista também está trabalhando em

prol de políticas voltadas para a inserção social das mulheres.

A sinédoque também pode ser facilmente recuperada pelo contexto do jingle

no momento em que são veiculadas as imagens de mulheres trabalhando em vários setores, e

não somente como donas de casa, como acontecia em outros tempos. Assim, um grupo de

mulheres representa todas as mulheres do Brasil a partir do argumento de que houve avanço

no setor das políticas públicas para o gênero feminino. Em forma da conotação, é passada, ao

82

auditório, a mensagem de que agora, depois do PT no poder, a mulher tem os seus direitos

adquiridos e preservados no Brasil.

A aposiopese também foi empregada como argumento nessas imagens em

razão do fato de que o auditório precisa acionar a sua memória acerca da trajetória feminina,

no Brasil, para que essas imagens façam algum sentido. Sabemos que as mulheres,

antigamente, eram praticamente invisíveis aos olhos da sociedade, pois não tinham direito à

educação e ao voto, eram criadas para serem mães e cuidar dos afazeres domésticos.

O paralelo chama a atenção para dois significados diferentes, nas imagens

podemos notar a utilização da figura feminina junto a cor azul. Nesse sentido, podemos dizer

que a mulher usa a força da cor azul para dizer que ela não é um sexo frágil, pois a mesma

pode trabalhar onde ela quiser “antes lugares prioritariamente masculino”, e também enfatizar

que ela pode usar azul, assim como qualquer outra cor.

Na dimensão do texto escrito, temos a letra do jingle: “Mulher de mãos limpas

(tô com você)”, “Mulher de mãos livres (tô com você)”, “Mulher de mãos firmes, vamos

viver uma nova esperança”. No fragmento, podemos perceber o uso da hipérbole, dado pela

repetição da palavra mulher, a qual não é “qualquer uma”, pois esta tem as mãos limpas,

livres e firmes, o que metaforiza, por meio da conotação, que Dilma não está envolvida em

escândalos de corrupção, em consequência, ela está livre para pleitear um novo mandato e

firme para lutar em prol da sociedade. Dessa maneira, o ethos da candidata Dilma Rousseff é

aliado a um sentimento positivo: “para construir a imagem do sujeito que fala, esse outro se

apoia ao mesmo tempo nos dados preexistente ao discurso – o que ele sabe a priori do locutor

– e nos dados trazidos pelo próprio ato de linguagem” (CHARAUDEAU, 2013, p. 115).

A sinonímia, que consiste na repetição ideias parecidas por meio de imagens

diferentes, está posta claramente no jingle de Dilma quando é reiterada a imagem da figura

feminina no discurso. A sinonímia serve para tornar o discurso mais marcante. Nesse sentido,

o discurso de Dilma mostra mulheres que vivem em um país onde o governo, através de

programas voltados para o gênero feminino, consegue inseri-las no mercado de trabalho.

Assim, infere-se que a mulher está construindo o seu espaço no setor social e traçando um

perfil dentro do mercado de trabalho. Portanto, o discurso da candidata trabalha a ideia de que

a mulher contemporânea está cada vez mais buscando uma melhor colocação social, o que

desmistifica o ethos prévio de mulher na sociedade. Dessa maneira, compreendemos que

essas figuras foram colocadas para ressaltar o logos da campanha, o ethos da candidata e,

assim, influenciar o pathos de um auditório particular, o feminino.

83

Figura 19 – Cartaz principal da campanha de Dilma Rousseff em 2014.

Fonte: Jingle: Dilma, coração valente.

As figuras de retórica, como vimos, são utilizadas nos discursos persuasivos

para facilitar o aceite do auditório. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014) afirmam que o

importante é verificar a sua função argumentativa nos discursos proferidos. Vejamos as

funções argumentativas retiradas da figura 19.

Na imagem acima, no campo da linguagem verbal, a mensagem “coração

valente” metaforiza um ethos positivo da candidata por meio da criação da imagem de alguém

que não receia o perigo e que tem espírito de luta, e, acima de tudo, tem amor pela pátria. Já

no campo da linguagem não verbal, a cor vermelha está posta ao fundo, a qual é sinedóquica

da bandeira do PT, e, ao mesmo tempo, metafórica, pois representa energia, vivacidade,

combate e coragem.

Podemos notar que a imagem nos traz um brilho em verde e amarelo, o que

configura a sinédoque de nossa bandeira, a qual, por sua vez, é uma metonímia já que

representa todo o Brasil.

Com base em tais constatações, observa-se o emprego da figura sinédoque para

construir o ethos da candidata Dilma através das várias imagens contidas na cena do vídeo:

Dilma lutando contra o Regime Militar. A cena traz uma parte da história da candidata para

representá-la no todo com o objetivo de transmitir um ethos de mulher guerreira, audaz e

batalhadora.

É válido destacar que o ethos retórico tem como característica um caráter

confiável, assim como Ferreira (2015, p. 21) diz: “o ethos retórico é um aglomerado de traços

de caráter que o orador mostra ao auditório para dar uma boa impressão. Incluem-se nesses

traços as atitudes, os costumes, a moralidade, elementos que aparecem na disposição do

orador”. Nessa imagem, podemos verificar a atitude, o costume e a moral da candidata, o que

84

passa, para o auditório, confiabilidade, já que ela sempre esteve à frente de movimentos que

buscavam conquistas para o Brasil.

Nesse momento, relembramos Fiorin (2014), que afirma que uma espécie de

sinédoque é a antonomásia, a qual transfere o valor semântico de um nome próprio para um

nome comum por meio da associação com uma característica que marca o nome próprio.

Nesse caso, ao utilizar a antonomásia como técnica argumentativa na transferência da

expressão “coração valente” para o ethos de Dilma, o efeito alcançado produz a ideia de um

ethos confiável. Há, também, prosopopeia quando a expressão “coração valente” é

empregada, uma vez que o coração, por ser um órgão, não tem como receber tal adjetivo,

assim, o que acontece é a atribuição de uma característica humana a uma parte do corpo.

Outra figura bastante usada é a hipérbole. Ela chama a atenção devido ao

excesso no aumento da intensidade semântica. Na imagem, há o brilho em verde e amarelo, o

que hiperboliza o esforço da candidata em prol da nação brasileira. Há a reiteração de quatro

imagens de Dilma dentro de um único cartaz, o que configura o excesso na exposição, ou seja,

a hipérbole.

O pleonasmo, como já mostramos, é uma repetição de unidades idênticas com

vistas a intensificar o sentido. Logo, há, nesse cartaz, três vezes a reiteração da mesma

fotografia, como consequência, está o pleonasmo posto como uma forma de reforçar o

discurso e manter uma ênfase maior no ethos de Dilma.

Em Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), na prolepse, o próprio orador formula

e responde uma pergunta. Sendo assim, há prolepse na imagem da candidata Dilma em seu

tempo de juventude (o que não é o usual em uma campanha política), pois as imagens

perguntam ao auditório e elas mesmo responde através dos vários enunciados inserido no

mesmo cartaz, pois queriam enfatizar o passado da candidata, onde ela lutava contra o

Regime Militar, o motivo pelo qual foi colocado a imagem de jovem da candidata, dessa

forma, caracterizando a figura de retórica prolepse.

A hipotipose é a figura que faz uma representação da realidade ou uma

descrição de coisas passadas ou “irreais”. Nesse sentido, notamos a imagem de Dilma mais

jovem e a presença de registro policial ao fundo em segundo plano. Tal registro configura a

hipotipose, pois foram usados fatos passados da vida da candidata como argumentos de

intensificação do sentido do discurso.

A antítese também foi utilizada no campo da linguagem visual. Essa figura é

construída pelo contraste de elementos plásticos, como, por exemplo, as cores, as formas e as

posições. No cartaz, existe uma predominância de preto e branco, contrastadas com o

85

vermelho do fundo, o que configura a antítese. Nesse caso, essa figura foi utilizada para

destacar o logos, pois a construção da imagem chama a atenção para o enunciado.

A elipse, como já mostramos, é a omissão de um elemento linguístico que pode

ser recuperado pelo contexto. Essa figura é um processo de construção do discurso. No texto

linguístico, existe a omissão do verbo “ter” e do artigo indefinido “um” na frase “Dilma tem

um coração valente”. Entretanto, os termos podem ser rapidamente recuperados pelo

contexto. Nesse caso, a figura foi utilizada para intensificar o logos, uma vez que o auditório

precisou acessar o seu conhecimento linguístico para entender o sentido pretendido. Reboul

(2004) acrescenta que o assíndeto é um tipo de elipse. Essa figura deixa por conta do

auditório a conclusão do discurso, pois é ele que irá criar os efeitos de sentido para a sua

finalização. No cartaz, há várias imagens de partes da biografia da candidata. Entretanto, os

efeitos de sentido serão completados pelo auditório, mesmo que as imagens sejam

tendenciosas.

Fiorin (2014) conceitua sinonímia como a figura em que as imagens são

relativamente diferentes, mas semanticamente equivalentes. Há, no cartaz, duas imagens

distintas, porém, semanticamente, querem dizer a mesma coisa: Dilma sendo injustiçada pelas

pessoas que mantém o poder.

A alusão também é uma figura que é reconhecida através do contexto, da

cultura, ou do passado. Essa figura é altamente argumentativa, pois, de acordo com Perelman

e Olbrechta-Tyteca (2014), ela parte da comunhão entre as partes. No cartaz, é pela alusão ao

passado de Dilma que conseguimos entender o sentido pretendido pelo locutor, sentido esse

relacionado por meio das imagens. Reboul (2004) exemplifica que essa figura é usada para

tocar o sentimento do auditório de forma diferente, pois emprega personagens não reais para

expressar a sua força argumentativa. Por exemplo, ela faz uso da pátria para persuadir o

ouvinte. Nesse sentido, essa figura, colocada nesse contexto, deu destaque ao pathos do

auditório.

A preterição é a figura que explica várias vezes o mesmo argumento. É

bastante manipulada pelos candidatos, pois eles explicam várias vezes uma mesma proposta

usando outras palavras, mas sempre com o teor de melhor falar. As imagens trazidas no cartaz

têm essa função argumentativa, pois querem enfatizar o mesmo argumento por meio do

emprego de imagens diferentes e, outras vezes, da mesma imagem.

Reboul (2004) diz que a conglobação é a figura que acumula argumentos para

uma mesma conclusão. Nesse sentido, o cartaz da candidata traz várias imagens a serviço de

sua argumentação para uma mesma conclusão. As várias imagens mostram que Dilma é uma

86

mulher capaz de enfrentar qualquer coisa a favor de seus ideais. Portanto, a conglobação,

nesse texto, teve seu valor argumentativo amparado no ethos da candidata.

De acordo com Reboul, (2004), O cleuasmo é a figura do ethos pois demonstra

um orador que enaltece as suas qualidades. As imagens mostram que o ethos da candidata foi

exaltado e engrandecido a partir da história de sua vida. É importante frisar que, para

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), em algumas figuras, o objetivo é somente o de dar

movimento ao pensamento, de simular paixões, de criar uma situação dramática que não

existe. Podemos observar, nessa cena, a imagem de Dilma mais jovem, sentada no banco dos

réus como uma criminosa, o que simula uma situação dramática.

A letra do jingle de Dilma Rousseff, “Dilma, coração Valente”, trata de uma

mensagem de apelo emocional. Logo na primeira frase: “Dilma, coração valente, força

brasileira, garra desta gente”, é perceptível a metáfora da palavra coração, a qual remete o

interlocutor ao símbolo do amor. Esse, por sua vez, lembra a parte mais íntima do ser

humano, onde se encontram vários sentimentos e emoções, tais como: a coragem, a bondade,

a generosidade, a proteção e o afeto.

A palavra coração não vem sozinha, ela é acompanhada pelo adjetivo valente.

A esse respeito, segundo a análise, podemos dizer que é uma palavra que conota uma virtude

do ser humano, pois valente significa a pessoa que tem espírito de luta e que não receia o

perigo. Metaforicamente, o sentido pretendido está associado a pessoas que têm força e vigor,

ou seja, que são corajosas. Portanto, a primeira frase do jingle nos mostra que Dilma é uma

mulher que tem um coração, mas que esse mesmo coração não representa somente o amor, e

sim o sentimento de coragem no qual guarda força para lutar em prol do povo brasileiro.

Na frase “você nunca desviou o olhar do sofrimento do povo”, podemos

deduzir o valor de proteção implicado através de tal discurso. Lembramos a palavra “mãe”,

pois somente uma mãe tem instinto protetor, logo, metaforicamente, o discurso nos remete à

ideia de que a candidata é a mãe do povo brasileiro, pois a mesma nunca deixou de olhar

pelos seus “filhos”.

Nas frases “Por isso, eu te quero outra vez”, “por isso, eu te quero de novo”,

“por isso eu tô juntinho, do seu lado”, “com você e Lula pra seguir em frente”, o auditório é

colocado dentro do discurso de Dilma por meio da utilização do pronome pessoal “eu”, o qual

marca a presença do eleitor no discurso. Nesse sentido, ele deixa o seu voto de confiança no

ethos da candidata e menciona que irá segui-la, juntamente com Lula, o qual, em outro

momento, foi posto como o “pai” da nação brasileira. Portanto, não é somente uma

confirmação do governo de Dilma, mas sim do PT.

87

Já nas frases “Mulher de mãos limpas (tô com você)”, “Mulher de mãos livres

(tô com vc), Mulher de mãos firmes, vamos viver uma nova esperança”, “com muito mais

futuro e muito mais mudança”, a palavra “mulher” foi bastante evidenciada através da figura

sinonímia, dada pela reiteração da palavra no decorrer do texto, fato já comentado em análises

anteriores.

De acordo com Osakabe (1999), para nos comunicarmos no discurso político,

precisamos colocar o auditório em nosso discurso. Notamos que, nesse fragmento, a candidata

Dilma responde ao auditório, de forma implícita, que ela não está metida em corrupções,

diferentemente de outros membros do PT. Sobre isso, ainda reiterando Osakabe (1999), um

tipo de argumento do discurso político é o fato de que os candidatos têm de responder ao

discurso do adversário, portanto, esse discurso pode ser uma resposta a afirmações de outros

candidatos, os quais inferem que Dilma não tem as mãos limpas para concorrer às eleições

presidenciais. Entretanto, a candidata responde que ela tem não só as mãos limpas, mas que

também é livre para lutar em favor dos brasileiros.

A figura ritornelo é utilizada para marcar o refrão do jingle, pois existe a

repetição do verso: “Dilma, coração valente, força brasileira, garra desta gente”, “Dilma,

coração valente, nada nos segura pra seguir em frente”. No refrão, por meio da figura da

metáfora natural, que exalta virtudes, a candidata reitera a ideia que é a melhor opção para

governar o país para que, assim, o Brasil continue se desenvolvendo.

Nos versos: “O que tá bom, vai continuar”, “O que não tá a gente vai

melhorar”, a candidata faz uma reiteração das duas frases, portanto por meio da figura

hipérbole, a qual consiste na repetição idêntica. Esse fato marca o sentimento de humildade

que a candidata demonstra através de seu discurso, pois menciona que aquilo que ela ainda

não conseguiu melhorar, vai reparar no próximo mandato para que todos os brasileiros

tenham maiores oportunidades.

O jingle termina com o verso: “Coração Valente”, no qual estão presentes as

figuras litotes e elipse. A litotes demonstra um ethos cauteloso, onde a mesma retira o

substantivo próprio “Dilma”, mas deixa nas marcas do enunciado e a elipse aparece quando

reitera esse discurso por meio do contexto, logo o auditório infere o substantivo próprio

“Dilma”.

Ao concluir tais análises, podemos perceber uma presença considerável das

figuras de retórica na campanha de Dilma Rousseff, como mostra o Quadro 1. Elas são

inseridas no discurso como argumentos para reforçar o ethos de mulher guerreira da

candidata, enfatizar a instância do logos e suscitar um pathos favorável no auditório. Dessa

88

maneira, através de uma linguagem figurada, elas tornam o discurso mais elaborado, fazendo

com que o auditório, no caso, o eleitorado brasileiro, sinta-se atraído por esse jogo de sedução

que é próprio das figuras de retórica.

Quadro 1 – Figuras de retórica utilizadas no jingle de Dilma Rousseff 2014.

Figuras Trópicas Figuras não Trópicas Figuras Argumentativas

Metáfora Sinonímia ou Metábole Cleuasmo

Metáfora Pastoral Pleonasmo Prolepse

Metáfora Natural Ritornelo Alusão

Hipérbole Hipotipose Conglobação

Aposiopese Topografia -

Personificação ou Prosopopeia Antítese -

Antonomásia Elipse -

Metonímia Assíndeto -

Preterição ou Paralipse Etopeia -

Sinédoque - -

Hipálage - -

Litotes - -

4.2 AÉCIO NEVES (PMDB)

De acordo com o site do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB

(2014) Aécio Neves da Cunha nasceu na cidade de Belo Horizonte, do dia 10 de

março de 1960. É formado em economia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Atualmente, exerce a função de político, mais precisamente no Senado Brasileiro,

sendo filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Foi o décimo sétimo

governador de Minas Gerais, entre 1º de janeiro de 2003 e 31 de março de 2010. É senador da

República pelo mesmo estado desde fevereiro de 2011. Ele é pai de três filhos e casado com a

modelo Letícia Weber.

89

Sabemos que Aécio utilizou o parentesco com Tancredo Neves3 para construir

a sua imagem pública. Em 1987, iniciou o seu primeiro mandato como deputado federal pelo

estado de Minas Gerais, exercendo o cargo até 2002, totalizando quatro mandatos. Foi

presidente da Câmara dos Deputados no biênio de 2001 a 2002, renunciando ao cargo em

dezembro de 2002, para assumir o governo de Minas Gerais.

Em 2002, Aécio foi eleito governador de Minas Gerais e, mais tarde, foi

reeleito, com a maior votação do estado. Em meados de 2010, renunciou ao governo para

tentar a eleição ao Senado Federal. Ganhou as eleições para o Senado com a maior expressão

já tida em Minas Gerais. Em 2013, o senador foi eleito presidente do PSDB, que foi tido

como maior partido de oposição ao governo do PT.

No ano de 2014, Aécio foi candidato à Presidência da República por seu

partido, teve, como principais adversárias, as candidatas Dilma Rousseff e Marina Silva. O

candidato foi para o segundo turno com a candidata à reeleição Dilma Rousseff. Esta

conseguiu a reeleição, naquela que foi noticiada como a eleição mais disputada da história do

Brasil.

4.2.1 Análise do jingle: “Agora é Aécio, vamos lá!”

Apresentamos agora as estratégias persuasivas construídas por meio do

emprego das figuras de retórica no jingle denominado: “Agora é Aécio, vamos lá!”4, o qual

contempla o discurso do candidato Aécio Neves durante a campanha presidencial de 2014.

Vale lembrar que a transcrição completa da letra se encontra no anexo B.

O jingle foi transmitido dentro do HGPE, durante a campanha do candidato

Aécio Neves, tanto no primeiro, quanto no segundo turno das eleições. O vídeo começa com a

chegada de um novo dia, o que marca uma nova era. Ele se concentra em mostrar o maior

número possível de brasileiros de todas as regiões do país abrindo as portas de casa e do

comércio, sempre com sorrisos no rosto, o que chama a atenção dado o ar de felicidade e de

reciprocidade. As pessoas estão, na maioria das vezes, em primeiro plano, com uma música

3 Tancredo Neves, em 1984, atuou ativamente no Movimento das Diretas. Esse movimento marcou a transição

entre a ditadura militar e a retomada da democracia no país após 20 anos de autoritarismo.

4 PSDB YouTube. Jingle - Agora é Aécio. Vídeo (1min03s). Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=T0ct12bWyn8>. Acesso em: 05 jan 2016.

90

de fundo, como é próprio do gênero jingle. O vídeo também mostra brevemente algumas

igrejas católicas, o artesanato do nordeste com a frase “seja bem-vindo”, pessoas trabalhando

na indústria, na agricultura e na agropecuária.

Os segundos finais do vídeo são dedicados à imagem do candidato Aécio

Neves, marcados pela letra da música “Agora é Aécio”. O candidato aparece de braços

abertos, envolvendo os brasileiros, e, ao final do vídeo, olhando o horizonte. O jingle é

amparado pela linguagem audiovisual e dura 1min e 3s.

Figura 20 – Senhor abrindo a porta de casa.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 21 – Trabalhador abrindo a porta de seu comercio.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

91

Figura 22 – Senhor abrindo a porta de seu lar.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 23 – Mulher abrindo a porta de sua residência.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 24 – Senhor abrindo as portas de sua banca de revistas.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

92

Figura 25 – Senhora da região do Sul abrindo a porta de sua casa.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

O texto sincrético da campanha de Aécio Neves utilizou várias figuras de

retórica, tanto trópicas, quanto não trópicas, como formas de emocionar e também de

persuadir o auditório. Nesse momento, iremos mostrar as figuras de retórica utilizadas nas

imagens acima e apresentar o seu papel argumentativo nessa análise.

Nesse contexto, nas figuras 20, 21, 22, 23, 24 e 25, o discurso emprega a figura

trópica da metáfora. Essa figura apresenta certa riqueza de significados e se destaca dentre as

outras pelo fato de ser bastante utilizada em discursos persuasivos e, principalmente, no

gênero deliberativo, dado o seu valor argumentativo. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca

(2014), a metáfora é um instrumento que facilita a adesão do auditório, pois está relacionada

mais ao campo da emoção do que ao da razão.

As análises demonstram que o jingle de Aécio deu um lugar de destaque para a

metáfora em seu discurso, no qual podemos perceber um valor argumentativo ao analisar que

o texto visual cria um clima de aconchego oferecido pelo povo brasileiro ao novo governo,

metaforizado pelas portas que se abrem, o que dá a ideia de acolhimento e de recebimento

dessa nova era no Brasil. Nas imagens, também temos os sorrisos nos rostos de cada

brasileiro, cujo sentido metafórico está na felicidade do povo com a chegada do governo de

Aécio.

A metonímia, nesse discurso, parte de uma compatibilidade entre causa e

efeito. Nesse sentido, podemos observar o seu valor argumentativo ao enunciar a causa, dada

pela “oportunidade da chegada de Aécio à presidência da república”, o que gera o efeito de

“povo feliz, abrindo as portas de casa”. Assim, tem-se uma supressão de etapas de sentido,

nas quais está anunciada a possibilidade de um novo governo chegar ao poder.

93

No que compete às figuras não trópicas, as análises demonstram a utilização da

sinonímia.

Uma estratégia argumentativa bastante frequente nos discursos do corpus

analisado é a figura da sinonímia ou metábole, que consiste em sinônimos visuais ou na

repetição de uma mesma ideia. Conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), a sinonímia

ou a metábole é a repetição de uma mesma ideia mediante o uso de termos diferentes. No

texto, as imagens são diferentes: são pessoas diferentes abrindo as portas, mas,

semanticamente, são equivalentes, uma vez que todas representam o povo brasileiro. Assim,

podemos dizer que a sua força argumentativa está na repetição de imagens: são 23 ocorrências

da imagem – pessoas abrindo as portas de casa para o novo governo – em um vídeo de curta

duração. Logo, tal mecanismo enfatiza a ideia de confiança no ethos do candidato, já que

várias pessoas estão com portas de casa abertas para Aécio.

O pleonasmo também aparece na repetição da imagem de um senhor abrindo as

portas de cassa no decorrer do texto visual.

A sinédoque, como já foi exposto, é um tipo de metonímia na qual a relação

estabelecida é a de contiguidade, ou seja, é a parte pelo todo. Nesse sentido, podemos

observar o emprego da figura sinédoque para intensificar o logos e o pathos, através do uso

das imagens contidas nas cenas do vídeo. As imagens demonstram uma parte da população

feliz, com as portas de casa abertas, o que representa todo o povo brasileiro em favor da

campanha do candidato Aécio.

Na letra do jingle, temos a frase: “Brasil chamou, pode vir, pode chegar”, a

qual é repetida por várias vezes. Nesse caso, a estratégia argumentativa está vinculada tanto à

metáfora, quanto à sinonímia e à metonímia, pois a frase nos remete à ideia de um país que

está clamando por um governo novo, o qual está no tempo certo de vir, ou seja, já é hora de

trocar o governo. No que compete à estratégia da sinonímia, temos a repetição de frases com

o objetivo de tornar marcante tal frase. Em relação à metonímia o texto utiliza a palavra

“Brasil” como argumento para chamar a atenção do auditório, uma vez que “Brasil”

representa todos os brasileiros.

94

Figura 26 – Igreja católica.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 27 – Sino tocando.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 28 – Pessoas da religião do Candomblé.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

95

Figura 29 – Imagem de Padre Cícero.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 30 - Senhor acenando próximo de uma igreja católica.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Nas figuras 26, 27, 28, 29 e 30, podemos verificar que o candidato Aécio

valoriza, em seu jingle, uma ideologia religiosa, dando destaque ao sincretismo religioso,

prioritariamente à religião católica. Tal assertiva é facilmente identificada pelo uso das várias

imagens de igrejas católicas e do santo Padre Cícero5, “o santo do sertão nordestino”, o qual,

provavelmente, está cercado por devotos e o candomblé.

No jingle, nota-se claramente a utilização de outro argumento: o uso de um

sino da igreja tocando, o que metaforiza o anúncio do “Brasil chamando” o novo governo.

5 De acordo com Della Cava (1985), o Padre Cícero Romão Batista foi um importante líder religioso brasileiro.

Nasceu em 1844 na cidade de Crato, situada na região do nordeste. É conhecido carinhosamente por “padinho

ciço”, principalmente, na região de Juazeiro do Norte.

96

Dessa maneira, temos o emprego, mais uma vez, da metáfora, a qual é utilizada

para mostrar um ethos que é temente a Deus, pois se preocupa em destacar as imagens

religiosas. Como consequência, o discurso consegue convencer um auditório particular,

embora saibamos que toda e qualquer imagem nunca é adâmica, ela sempre quer mostrar algo

além daquilo que está em primeiro plano (BARTHES, 1990). Vale ressaltar que o país é tido

como católico, portanto, a maioria da população brasileira é católica. Logo, essas imagens não

foram colocadas sem intenção: Aécio sabia que iria conseguir persuadir muitos brasileiros

através da sedução religiosa. Além do mais, destaca-se o fato de que Aécio advém de uma

família católica.

Ferreira (2015, p. 130) esclarece que para a metáfora estabelecer uma produção

de sentido eficiente, ela precisa ter o seu conteúdo cultural partilhado junto ao auditório, pois

assim ganhará força argumentativa. Sabe-se que ela é utilizada principalmente com o intuito

de aproximação de alguns campos de conhecimento, ou seja, a metáfora funciona como

recurso de amplificação de significados. Dessa maneira, através do uso da metáfora, Aécio

não atingiu somente o povo católico, mas, de alguma forma, conseguiu aproximar pessoas que

também compartilham da mesma ideologia, isto é, pessoas que valorizam a religião, seja ela

católica ou não.

Ressalta-se o uso da sinédoque, cujo valor argumentativo pode ser depreendido

pelo uso das imagens de alguns brasileiros como representantes de todos os que, de alguma

forma, temem a Deus. Dessa maneira, Aécio lançou mão de uma estratégia retórica associada

à religião, com vistas à criação, em seu discurso, “de pontos de interesse comuns com o

público” (HALLIDAY, 1988, p.38). No caso, o ponto comum é o uso do argumento religioso

identificado pelas imagens das igrejas católicas, pela devoção ao santo Padre Cícero, e do

Candomblé além da região do nordeste, pois a mesma tem pouca aceitação ao candidato

Aécio Neves.

Outro argumento que utiliza a sinédoque é o encaixe da imagem do santo Padre

Cícero. A escultura do padre está situada na cidade de Juazeiro do Norte, no Estado do Ceará,

na região do Nordeste, assim como na mesma região temos a presença da imagem de pessoas

que seguem a doutrina do Candomblé que também é oriunda da região do nordeste, mais

precisamente da “terra de todos os santos” a cidade da Bahia. Portanto, o candidato aproxima

a sua imagem de político à cultura do povo nordestino, uma vez que utiliza em seu jingle um

argumento que pode ser facilmente partilhado com essa parcela social. A esse respeito,

lembramos Osakabe (1999) quando diz que tipo de imagem penso que o auditório faz de mim

para que eu fale dessa forma?. Dessa maneira, o candidato coloca o seu auditório dentro de

97

seu discurso e, assim, leva em consideração o que o público pensa sobre ele. De forma

implícita, o candidato responde: “eu sou o candidato que se preocupa não só com a religião,

mas com todos os devotos do padre Cícero, inclusive com você, nordestino”.

Por fim, além do ethos e do logos trabalhados através das figuras utilizadas, o

pathos também foi um argumento bem mencionado, pois a emoção, sentimento vinculado à

religião, foi bastante exaltada nessas imagens, o que proporciona um estado afetivo no

auditório, tornando-o dócil.

Figura 31 - Mulher de braços abertos.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 32 - Artesanato do Nordeste.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

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Figura 33 - Casal de braços abertos.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 34 - Mulher negra de braços abertos.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 35 - Homem branco de braços abertos.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

99

As figuras 31, 32, 33, 34 e 35, mostram que as mulheres, o casal e o jovem

estão de braços abertos. Há aqui a utilização de sinédoque, metáfora e sinonímia para desvelar

que o povo brasileiro se encontra de braços abertos para receber o novo. Há, ainda, destaque

ao artesanato do nordeste com o intuito de proclamar a frase “seja bem-vindo”, pois o “país

inteiro”, inclusive a região do Nordeste, clama por essas mudanças.

Está estampada, no vídeo, a ideia do senso comum de que o brasileiro é um

povo bastante acolhedor. Aécio, sabendo disso, usa esse argumento para demonstrar

aproximação com o auditório. Nesse caso, ele utilizou os valores argumentativos das figuras

de retórica para entrar no coração de cada eleitor brasileiro. Sendo assim, podemos observar

no texto escrito: “Brasil chamou, pode vir, pode chegar” o entendimento de que o eleitor está

à vontade para fazer parte dessa nova era, da qual Aécio é líder.

No tocante às figuras de retórica, lembramos que elas têm uma funcionalidade

própria em nossa mente: provocam um efeito altamente persuasivo de forma que o auditório,

muitas vezes, não consegue detectar as suas causas. Citelli (2005, p. 21) comenta que as

figuras de retórica conseguem redefinir um determinado campo de informação, criando novos

efeitos, os quais são capazes de atrair a atenção do auditório, pois as mesmas conseguem

“quebrar a significação inicial, própria e esperada daquele campo de palavra”. Abreu (2013)

diz que as figuras retóricas funcionam em nossa mente como uma técnica persuasiva, cuja

função é ativar as nossas emoções. Assim,

As figuras retóricas possuem um poder persuasivo subliminar, ativando nosso

sistema límbico, região do cérebro responsável pelas emoções e participa dos

processos de aprendizagem do ser humano; Elas funcionam como cenas de um

filme, criando atmosferas de suspense, humor, encantamento, a serviço de nossos

argumentos (ABREU, 2009, p. 109).

No jingle, nota-se claramente a utilização das figuras retóricas nas imagens. A

sinonímia é posta para encantar o auditório por meio da fixação de ideias oriunda da repetição

das imagens. Portanto, o jingle do candidato, ao fazer uso desses mecanismos no decorrer do

texto, consegue sensibilizar o público. Dessa maneira, o pathos se faz presente em seu

discurso, assim, ele encanta o seu auditório, levando-se à persuasão por meio de dois tipos de

ethe: o moral, o qual valoriza a cultura de seu auditório por meio da imagem do artesanato

nordestino; e o ethos de acolhedor, que afasta qualquer ideia de diferença entre o político

Aécio Neves e o auditório, o eleitorado brasileiro.

100

Figura 36 - Agricultor retirando a macaxeira da terra.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 37 - Senhor negro sorrindo.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 38 - Agricultores com a colheita.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

101

Figura 39 - Senhora com o alimento nas mãos.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 40 - Agricultor feliz

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Por considerarmos oportuno, relembramos Abreu (2009, p. 126-125) quando

argumenta sobre as metáforas criativas. O autor nos explica que elas são um grupo. Um dos

tipos é a metáfora de lavrador (imagens ligadas ao preparo da terra, ao plantio e à colheita).

Com base nesse conceito, podemos observar, nas figuras 36, 37, 38, 39 e 40, que Aécio usa a

imagem de agricultores preparando a terra e, logo em seguida, mostra-nos a colheita nas mãos

de dois trabalhadores. Portanto, o que podemos inferir é que, metaforicamente, Aécio está

preparando o seu espaço e, para isso acontecer, ele irá contar com a ajuda de cada eleitor

brasileiro para, mais tarde, depois que ele assumir a presidência, colher frutos juntamente com

o povo, os quais, segundo o seu discurso, não são colhidos há tempos.

É cabível salientar que, no texto escrito: “Juntando o país inteiro ninguém vai

nos segurar”, está impressa a ideia de que o candidato sozinho não poderá fazer nada, mas,

com a ajuda de todos os brasileiros, o país nunca irá parar de produzir. Essa produção não está

102

vinculada somente à agricultura, mas também a todas as outras esferas, tais como, à

economia, à saúde, à educação e à mesa farta de cada cidadão brasileiro.

Barthes (1990) ratifica a importância da imagem. Nesse sentido,

compreendemos a denotação da imagem quando são trazidas as figuras de vários agricultores

com o valor argumentativo da sinonímia para realçar a ideia de que a classe dos agricultores e

a agricultura irão ser priorizadas em seu governo.

As análises comprovam que o candidato Aécio infere que, para a mudança

acontecer, é preciso “arrancar o mal pela raiz”, esse fato pode ser facilmente recuperado pelo

contexto, pois há, no vídeo, a imagem de um trabalhador arrancando a raiz da macaxeira da

terra, o que conota que esse mal representa os governantes do PT. Logo, é preciso retirar o PT

da presidência para que a mudança aconteça.

A sinonímia é utilizada na construção de dois argumentos: primeiramente,

podemos observar uma reiteração de imagens de agricultores. Em segundo lugar, o jingle

apresenta várias imagens de brasileiros sorrindo, mais de 17 vezes, trazendo-os com ar de

felicidade, o que metaforiza a noção de que todos podem fazer parte dessa felicidade que

chegou para alegrar os brasileiros.

Figura 41 - Senhor abrindo a porta.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

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Figura 42 - Aécio de mãos dadas com os eleitores.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 43 - Aécio de mãos levantadas com os eleitores.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 44 - Aécio fazendo o sinal de “legal”.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

104

Figura 45 - Aécio confirmando a campanha.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 46 - Aécio abraçando uma senhora eleitora.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Figura 47 - Aécio feliz.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

105

Figura 48 - Aécio com o olhar no horizonte.

Fonte: Jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Nas figuras 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48, temos a presença de metáfora,

metáfora de restauração, metáfora natural, elipse, sinédoque, hipérbole e apóstrofe. No

campo da linguagem verbal, temos a frase “Muda Brasil”, escrita em um cartaz, essa metáfora

foi identificada como metáfora de restauração, pois o cartaz diz que o Brasil precisa passar

por uma restauração. Por meio da metáfora natural, o candidato enfatiza que ele seria o

melhor governante para que essa mudança possa acontecer. É notável, através do texto do

cartaz, o seguinte discurso: o atual governo não está indo bem, daí a necessidade de mudança.

Um fator importante que percebemos ao analisar tal jingle é a aplicação das

figuras de retórica como técnicas emocionais do discurso político, uma vez que o discurso do

candidato Aécio está repleto de figuras utilizadas com o objetivo de seduzir o eleitor. A

retórica da sedução também é uma aliada no que compete à diminuição da distância entre o

orador e o seu auditório. O político, ao seduzir o auditório, quebra todas as barreiras entre

eles, fazendo com que exista uma aproximação: “a sedução promete a abolição da distância”

(MEYER, 2007a, p. 126). Podemos identificar essa sedução nos momentos em que Aécio

divide espaço com a massa populacional. Dessa maneira, utiliza a hipérbole para transmitir a

noção de que ele sempre vai estar próximo do povo: há um excesso de imagens do candidato

abraçando, acenando e sorrindo para a população.

Identificamos, por meio da elipse, um ocultamento linguístico. Nesse caso, a

palavra “hora” foi omitida em razão das imagens de Aécio estarem sempre relacionadas com

o atual momento. A frase, sem a elipse, ficaria assim: “agora é hora de Aécio!”.

Charaudeau (2013) diz que, com relação à construção da imagem do sujeito

político, ela chega a ser mais importante do que o próprio discurso. Pode-se depreender,

através das análises, que Aécio associa a sua imagem junto à população através de imagens

106

em que aparece de mãos dadas com o povo, na presença de crianças e posando para fotos,

sempre com uma expressão de felicidade estampada no rosto, tal qual pose de super-herói:

“cheguei, agora vou salvar a nação”. Portanto, o que ele fez foi construir, com a ajuda das

figuras de retórica, uma imagem de um político crível, mas que tem como principal objetivo a

edificação de um discurso baseado em um jogo de sedução e de persuasão.

A letra do jingle “Agora é Aécio!” nos remete a várias figuras de retórica,

como a metáfora, a personificação ou prosopopeia, a ritornelo. mas, prioritariamente, ao

paralelo. Essa figura diz uma coisa, querendo dizer outra. Nesse sentido, podemos percebê-la

inserida na conotação do texto, como descreve Osakabe (1999), e fomentada pelo discurso do

adversário, o qual nos remete ao discurso de Dilma Rousseff. Portanto, através da análise

podemos perceber que Aécio por meio da letra de seu jingle faz uma crítica ao atual governo

de Dilma Rousseff , esse, segundo ele, “não serve para governar o país”, já que o Brasil está

chamando outro governante e também pelo fato de membros do Partido dos Trabalhadores

(PT) estarem envolvidos em enriquecimento ilícito e em desvio de verbas federais, fato

bastante grave já que esse é o partido da adversária de Aécio. Tal assertiva pode ser

recuperada pelas frases: “Brasil chamou, pode vir, pode chegar”, “Olha o Brasil chamando”,

“E o futuro já mandou chamar”. Esse texto evidencia a construção de uma imagem negativa

do adversário e, por outro lado, chama a atenção para o ethos do candidato Aécio Neves.

Ainda em relação aos trechos acima citados, temos dentro da denotação a

personificação na palavra Brasil quando ele “chama” Aécio, isto é, um país não tem boca nem

língua, logo não tem como chamar por ninguém.

A apóstrofe, de acordo com Reboul (2004, p. 133), é usada para tocar o

sentimento do auditório de forma diferente, pois ela faz uso de personagens não reais para

expressar a sua força argumentativa para um auditório real. Nesse sentido, em relação a

conotação foi utilizada a palavra “Brasil” para designar a pátria, portanto, para persuadir o

auditório, pois, ela deixa o argumento mais forte de maneira a tocar no sentimento do

auditório.

Já com relação ao contexto retórico, temos a possibilidade de outro discurso

provável, o qual pode ser recuperado pelas noticias da época, conforme as quais membros do

PT estavam envolvidos com escândalos políticos. Nas frases: “Quem quer o país melhor” e

“Funcionando vem também, vem cá”, o sentido dado é de que o Brasil não está nada bem, ou

seja, o país está parado em diversos setores: saúde, educação, economia, saneamento básico,

dentre outros.

107

Na frase “Fazer o gigante levantar”, há uma metáfora, pois, o discurso mostra

que o país está dormindo devido às “falcatruas do atual governo”, por isso é preciso que ele

acorde. Podemos observar também a metáfora de cativeiro, essa figura está associada ao fato

de alguém estar preso por alguma circunstância. O “Brasil”, o qual representa os eleitores

brasileiros, precisa acordar, levantar e sair “desse cativeiro” através do voto confiado a Aécio

Neves, pois, segundo a metáfora, o povo brasileiro está “preso pelos governantes do PT”, daí

a necessidade de mudança, argumento relembrado pelas frases “É o país inteiro querendo

mudar” e “Agora é Aécio!”.

O ritornelo é a repetição de algum verso do discurso ou a retomada de versos.

É encontrado na letra do jingle de Aécio no uso repetido do verso: “Agora é Aécio!”. O nome

do candidato foi bastante intensificado, com o propósito de fazer com que o auditório

relacionasse, de forma sólida, Aécio à possibilidade de mudança requerida pelo povo.

Podemos perceber a presença das figuras de retórica no discurso de Aécio

Neves no Quadro 2. O candidato usou várias figuras com o objetivo de tornar marcante o seu

discurso para persuadir o seu auditório, o eleitorado brasileiro.

Quadro 2 – Figuras de retórica utilizadas no jingle de Aécio Neves 2014

Figuras Trópicas Figuras não Trópicas

Metáfora Sinonímia ou Metábole

Metáfora de Restauração (roubo) Pleonasmo

Metáfora Natural Ritornelo

Metáfora de Percurso (Cativeiro) Elipse

Metáfora Criativa (Lavrador) x

Hipérbole x

Sinédoque x

Paralelo x

Personificação ou Prosopopeia x

Metonímia x

Apóstrofe x

108

4.3 ANÁLISE COMPARATIVA DOS DISCURSOS DE DILMA ROUSSEFF E DE

AÉCIO NEVES

O jingle de Dilma Rousseff teve por objetivo ressaltar a retórica do governo,

utilizando as figuras para enfatizar esse argumento. Dessa maneira, faz-se necessário saber

que a retórica do governo destaca tudo que a candidata fez de positivo durante o seu mandato

e, consequentemente, mostra as propostas que irão dar continuidade aos programas que estão

sendo desenvolvidos, como, por exemplo, as campanhas de saúde, os projetos em educação, a

melhoria na economia. “Essa retórica procura celebrar o casamento dos interesses do governo

(continuar no poder) com os interesses do povo (beneficiar-se do poder)”, conforme expõe

Halliday (1990, p.18).

O jingle de Dilma Rousseff enfatiza, em sua campanha, os resultados de seus

programas de governo, sempre utilizando a imagem de pessoas que foram beneficiadas pelos

programas de inclusão social. Dessa maneira, dá exemplos positivos de ações do governo

petista. Essa afirmação pode ser comprovada quando são mostradas, em seu jingle, imagens

dos programas “Mais médicos”, “Minha casa, minha vida”, “PRONATEC”, “Bolsa família”,

“Bolsa atleta”, dentre outros.

Alguns temas, que chamamos em Retórica de “lugares comum”, como

educação, saúde, moradia, agricultura, esporte e papel da mulher no governo petista, foram

abordados no jingle de Dilma para facilitar o aceite por parte do auditório.

Com relação ao auditório, podemos inferir que Dilma deu prioridade às pessoas

de classe menos favorecida, pois a ênfase de sua campanha está nos programas de inclusão

social de seu governo, como exposto acima, os quais favoreceram as classes sociais menos

favorecida, essa estratégia é bastante persuasiva se pensarmos no tipo de eleitor que vota no

PT.

De maneira genérica, a intenção da campanha de Dilma é que ela continuasse

no poder, por isso mostrou tantos benefícios criados em seu mandato para que povo

compreendesse a importância de tais benefícios e votasse novamente na candidata. Assim,

novos programas poderiam ser implementados. Com esse intuito, percebemos que Dilma

enfatizou os seus programas de cunho social no jingle “Dilma, coração valente” e que também

buscou reforçar seu ethos de mulher competente para continuar governando o país, assim ela

utilizou do significado da palavra valente e também da ideia que iria continuar cuidando dos

brasileiros, fazendo uso do sentido que conota da palavra coração. Entretanto, a candidata

109

silenciou outros temas, tais como a crise econômica mundial, o setor empresarial, dentre

outros.

Já o discurso do candidato Aécio Neves se diferencia quanto ao teor de

argumentação com relação aos discursos da candidata Dilma Rousseff, pelo fato de que Aécio

tinha, em seu discurso, os argumentos que refletem a retórica da oposição. Essa retórica visa

um discurso voltado para a “efetuação de mudanças” (HALLIDAY, 1990, p. 19), por isso

acentua os erros do adversário, fazendo com que o outro não seja digno de legitimidade,

autoridade e credibilidade.

Aécio Neves, durante a sua campanha em 2014, fez algumas escolhas de

argumentos em detrimentos de outras. Assim, podemos perceber que os “lugares comuns” de

seu discurso estavam nos temas: da gestão pública, principalmente no tocante à economia do

país; da crise econômica, com vistas a culpar o atual governo; da corrupção entre os membros

do PT. Ele ainda ressalta os lugares da: mudança, esperança, religião, alegria, pátria, união e

da coragem.

Observa-se que os argumentos utilizados tinham por maior finalidade atacar a

adversária. Entretanto, misturado a esses argumentos, houve o emprego do argumento da

mudança, sustentado pelo seu slogan de sua campanha.

Ressalta-se o fato de Aécio Neves priorizar o auditório universal, formado por

todas as classes sociais. No entanto, o seu discurso mostra com ênfase o auditório de classe

alta, o seu público elitista, fato pouco comum para um discurso político. O discurso de Aécio

deixa isso evidente devido à escolha das temáticas abordadas: economia do país, a crise

mundial, a classe empresarial, dentre outras. Quase não há menção a temas relativos à

inclusão social em seu projeto político no jingle em análise. A respeito disso, lembramos

Aristóteles (2012, p. 34), quando afirma que o orador vai estimular a emoção no auditório por

meio das paixões, portanto precisa tocar o sentimento do auditório que ele prioriza e fazer

com que sinta algo. Aécio, com o argumento da mudança, fez com que o seu auditório fosse

tocado de forma prazerosa por meio do uso de determinada figura em seu discurso.

Em meio aos seus discursos, Aécio metaforizou a imagem de um “super-herói”

que veio para salvar a nação. Outras vezes, abraçou os brasileiros, imagem que cria a ideia de

proteção. Ao final do vídeo, o candidato olha o horizonte, o que nos permite inferir que o foco

é Planalto Central, já que é candidato à presidência da República.

O jingle do candidato Aécio utilizou as figuras de retórica como meio de

enaltecer as suas propostas de governo, mais precisamente fazendo com que o argumento de

mudança se faça não somente presente, mas evidente em todo o seu discurso. O discurso do

110

candidato pretendeu passar para o auditório um ethos de alguém que pode ser a esperança do

amanhã.

Essas duas análises corroboram para uma definição situacional, na qual cada

candidato usa de retóricas diferentes, mas sempre com o mesmo objetivo: o de se fazer

presente no coração de cada eleitor brasileiro.

Em relação à escolha dos jingles dos candidatos, podemos perceber que o

jingle de Dilma Rousseff priorizou o apelo emocional, através de uma música original e do

ritmo do xote, com vistas a ganhar a confiança dos brasileiros das regiões Norte e,

principalmente, Nordeste, do Brasil. Vale ressaltar que, na campanha, Dilma utilizou somente

um jingle, o que facilitou a memorização por parte do auditório.

Já o candidato Aécio Neves não fez um apelo muito emocional: o discurso dele

foi voltado para o campo da razão, discursado por meio de uma música popular, esta, por sua

vez, feita a partir de uma paródia da música “Festa”, de Ivete Sangalo. O objetivo foi

transmitir uma paixão eufórica ao auditório, principalmente, o nordestino, já que o ritmo axé é

típico da Bahia, estado da região Nordeste. Aécio utilizou três jingles, o que culminou em

uma dificuldade maior, por parte do público, em memorizar a canção.

Em relação ao ritmo da música, observamos que a campanha dos dois

candidatos escolheram ritmos da mesma região, o Nordeste brasileiro. Assim, também,

notamos que os jingles dos dois candidatos utilizaram a força argumentativa da figura

Ritornelo. Apesar da dualidade, os dois jingles apresentam claramente uma mesma figura de

retórica musical, que é a repetição em sequência de um mesmo fragmento melódico. Essa

figura retórica é considerada extremamente persuasiva pelo fato que ela fixa a ideia na

memória do público, de forma inconsciente.

Por fim, é importante destacar que a análise do corpus evidencia o contraste

existente entre as retóricas utilizadas pelos candidatos à presidência da república, em 2014.

Além disso, percebeu-se uma utilização produtiva e variada das figuras de retórica pelos dois

candidatos, o que está ilustrado no Quadro 3.

Quadro 3 – Comparação entre as Figuras de retórica usadas por Dilma Rousseff e Aécio

Neves nos jingles das campanhas presidenciais de 2014

FIGURAS DE RETÓRICA DILMA ROUSSEFF AÉCIO NEVES

Figuras Trópicas

Metáfora x x

111

Metáfora de Reconstrução - x

Metáfora Pastoral x -

Metáfora Natural x x

Metáfora Criativa (Metáfora de Lavrador) - x

Metáfora de Percurso (Cativeiro) - x

Hipérbole x x

Sinédoque x x

Paralelo - x

Personificação ou Prosopopeia x x

Metonímia x x

Aposiopese x -

Antonomásia x -

Preterição ou Paralipse x -

Apóstrofe x x

Hipaláge x -

Litotes x -

Figuras não Trópicas

Sinonímia ou Metábole x x

Pleonasmo x x

Ritornelo x x

Elipse x x

Hipotipose x -

Topografia x -

Antítese x -

Elipse x x

Assíndeto x -

Figuras Argumentativas

Cleuasmo x -

Prolepse x -

Alusão x x

Conglabação x -

112

Nesse sentido, percebemos mais figuras de retórica no discurso de Dilma

Rousseff em razão de que o seu jingle é mais duradouro, tem 2min10s. Já o jingle do

candidato Aécio tem 1min5s. Porém, ambos os candidatos utilizaram as figuras de retórica

como técnicas argumentativas em favor da persuasão no discurso político.

113

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de nossos conceitos nos levarem a pensar que as figuras de retórica

estão voltadas somente para o campo literário, no qual encontramos uma linguagem mais

embelezada, cheia de rimas e bastante sedutora, este trabalho demonstra o poder persuasivo e

argumentativo das figuras de retórica, em especial no discurso político.

Conforme foi possível perceber, neste trabalho, os discursos de Dilma Rousseff

e de Aécio Neves orientam-se a partir de uma argumentação sedutora, na qual são utilizadas

as figuras de retórica com vistas à adesão do eleitorado.

A partir das figuras de retórica conceituadas por Fiorin (2014) e das leituras de

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), Reboul (2004) e Meyer (2007b) sobre as figuras,

compreendemos que, por meio de uma linguagem indireta, figurada, sedutora e bastante

persuasiva, a construção dos discursos dos dois candidatos aqui mencionados foi viabilizada.

Meyer (2007b) afirma que a retórica precisa das figuras para acentuar e criar uma identidade,

portanto, acabar com as diferenças. Assim, os jingles de Dilma e Aécio utilizaram as forças

argumentativas das figuras para se aproximarem do auditório – os eleitores brasileiros – como

se as diferenças entre eles fossem abolidas.

Em uma perspectiva teórica acerca da retórica e da argumentação, utilizamos,

como já mencionado, o referencial teórico as obras de Fiorin (2015), Reboul (2004), Perelman

e Olbrechts-Tyteca (2014), Aristóteles (2003), Abreu (2009), Ferreira (2015), Meyer (2007),

dentre outras como forma de evidenciação das figuras de retórica como uma técnica

argumentativa presente implicitamente nos jingles de Dilma Rousseff e Aécio Neves.

Ao observarmos o discurso político, conseguimos entender que as técnicas

argumentativas estão, na maioria das vezes, implícitas nos discursos. Entretanto, através do

processo analítico, conseguimos exteriorizá-las. Vale ressaltar que o corpus foi abordado com

base em uma perspectiva linguística. Assim, neste trabalho, identificamos as figuras de

retórica usadas como técnicas argumentativas, em cenas de dois jingles que compõem o

corpus. Dessa maneira, a reflexão se deu sobre o efeito persuasivo que as figuras exercem

dentro do discurso político.

A análise textual nos possibilitou compreender parte dos mecanismos de

manipulação contidos nos jingles do HGPE, do ano de 2014. A utilização das figuras de

retórica tinha como finalidade intensificar os argumentos nos discursos dos candidatos à

114

presidência do Brasil, com vistas a seduzir e a persuadir o auditório. Assim, mostramos, por

meio das análises, as significações implícitas induzidas, na maioria das vezes, por metáforas,

metonímias, ironia, paralelismo, dentre outras, no texto sincrético.

Ao observarmos os discursos políticos, verificamos que se trata de um jogo,

essencialmente, de sedução, uma vez que os agentes políticos utilizam o discurso para

despertar as mais variadas emoções no auditório. Dessa maneira, consideramos que as figuras,

presentes nos discursos desses líderes políticos, demonstraram eficácia retórica, o que justifica

o seu uso como ferramentas, por parte dos candidatos, para obter o convencimento e a

persuasão da população. Portanto, para os aspirantes ao cargo de presidente da república, a

competência retórica das figuras é fundamental no processo da adesão dos eleitores.

A retórica de Dilma e de Aécio, a partir da observação dos jingles, faz uso de

imagens, gestos e fundo musical para tornar o discurso mais envolvente. Dessa maneira,

possibilitou-nos compreender a maneira pela qual os candidatos fazem uso das figuras de

retórica como uma estratégia argumentativa que dá ao discurso um toque agradável e

sensibilizador, fazendo com que a arte de convencer e de persuadir seja mais prazerosa.

A partir da verificação dos resultados obtidos nas análises, podemos afirmar

que o uso das figuras de retórica serviu para despertar o pathos do auditório por meio das

paixões envolvidas nos discursos dos candidatos, sobretudo no discurso da candidata Dilma

Rousseff. O discurso da candidata possui forte apelo emocional, o que se traduz pela

utilização das palavras “coração” e “valentia”, cujos sentidos remetem a instinto materno, ou

seja, à proteção de uma mãe a sua prole (mãe do povo brasileiro).

O candidato Aécio Neves também explorou o campo emocional, mas priorizou

a racionalidade por meio da figura alusão a um futuro promissor, oferecido pela mudança

conclamada em seu discurso. Podemos notar que Aécio utilizou as figuras de retórica,

entretanto, é perceptível que ele não as usou em sua essência, a qual é movida pelo docere e

pelo delectare, fatores envolvidos na eficácia dos discursos por meio das figuras, conforme

Fiorin (2014), afirma: as figuras são verdadeiras técnicas argumentativas que trabalham muito

no campo emocional, e pouco no campo racional.

Por meio dos sentimentos de confiança, humildade, esperança e atenção, as

paixões foram despertadas nos discursos de ambos como uma forma de exaltação do ethos.

Como conclusão, podemos afirmar que o trabalho apresentado atingiu o

objetivo de apontar e analisar as figuras de retórica empregadas nos textos sincréticos

selecionados. Dessa maneira, nossos estudos confirmaram uma presença considerável de

115

figuras, as quais foram inseridas, no discurso político, como argumentos para enriquecer os

ethe dos candidatos, reforçar o logos e incitar o pathos no auditório.

116

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120

ANEXO A

Letra do Jingle: Dilma, coração valente.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=3k8YQCSs8es

Dilma, coração valente, força brasileira, garra desta gente.

Dilma, coração valente, nada nos segura pra seguir em frente

Você nunca desviou o olhar do sofrimento do povo

Por isso, eu te quero outra vez

Por isso, eu te quero de novo

Você nunca vacilou em lutar em favor da gente

Por isso eu tô juntinho, do seu lado

Com você e Lula pra seguir em frente

Mulher de mãos limpas (tô com você)

Mulher de mãos livres (tô com você)

Mulher de mãos firmes, vamos viver uma nova esperança

Com muito mais futuro e muito mais mudança

Dilma, coração valente, força brasileira, garra desta gente

Dilma, coração valente, nada nos segura pra seguir em frente

O que tá bom, vai continuar

O que não tá, a gente vai melhorar (2x)

Coração valente!

121

ANEXO B

Letra do jingle: Agora é Aécio, vamos lá!

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=T0ct12bWyn8

“Brasil chamou, pode vir, pode chegar

Por esse país inteiro a mudança está no ar

Olha o Brasil chamando

Pode vir, pode chegar

Juntando o Brasil inteiro ninguém vai nos segurar

Quem está querendo crescer

Quem está querendo mudar

Quem quer o país melhor

Funcionando vem também, vem cá

Fazer o gigante levantar

E a mudança começou

E o futuro já mandou chamar

Avisou, avisou, avisou, avisou

Agora é Aécio, Vamos lá!

É o Brasil inteiro querendo mudar

Agora é Aécio, vamos lá

É o Brasil inteiro querendo mudar.

Agora é Aécio!”