luciana da silva souza reino_dissertação_estudos de linguagens_2012
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS
LUCIANA DA SILVA SOUZA REINO
SLOGANS PUBLICITÁRIOS E SENTIDO: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA
Campo Grande – MS Fevereiro-2012
LUCIANA DA SILVA SOUZA REINO
SLOGANS PUBLICITÁRIOS E SENTIDO: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob a orientação do Prof. Dr. Geraldo Vicente Martins. Área de Concentração: Linguística e semiótica.
Campo Grande – MS Fevereiro-2012
REINO, Luciana da Silva Souza
Slogans publicitários e sentido: uma análise semiótica./Luciana da Silva Souza Reino - 2012 80f.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Departamento de Letras, 2012.
Orientação: Prof. Dr. Geraldo Vicente Martins, Departamento de Letras. 1.Slogan. 2. Sentido 3. Semiótica discursiva I. Título.
LUCIANA DA SILVA SOUZA REINO
SLOGANS PUBLICITÁRIOS E SENTIDO: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA
APROVADA POR: GERALDO VICENTE MARTINS, DOUTOR (UFMS) RITA DE CÁSSIA APARECIDA PACHECO LIMBERTI, DOUTORA (UFGD) MARIA LUCELI FARIA BATISTOTE, DOUTORA (UFMS) Campo Grande, MS, 31 de março de 2012.
Para meus pais, Valdomiro e Iolanda. Personificação do amor, da dedicação e do carinho.
Para meu irmão, André Luiz. Maninho, meu primeiro amigo.
Para meu marido Lucas Santiago.
Meu amor, meu companheiro, minha vida.
AGRADECIMENTOS
Aos professores do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos
de Linguagens da UFMS, que além da transmissão de conhecimento, tiveram
também paciência em lidar com muitas dúvidas dos alunos que, como eu, vieram da
área de comunicação e estavam abraçando novas teorias.
Às secretarias do PPGMEL, pelo carinho e atenção dispensados,
sanando nossas dúvidas sobre os aspectos burocráticos do curso.
Ao professor Dr. Geraldo Vicente Martins, cuja doçura e paciência – que
são tão maiores quanto a inteligência e conhecimento – tornaram possível a
produção deste trabalho.
À professora Maria Emília Borges Daniel, por todas as colaborações,
conselhos, conversas e dicas transmitidos desde o começo das aulas. Seu carinho e
presença são o coração do PPGMEL.
Aos meus amigos de Imperatriz/MA, em especial minha amiga Thaísa
Bueno, que também estudou semiótica discursiva e não me deixou sozinha nas
muitas divagações que fiz sobre o assunto, além de dividir algumas garrafas de
vinho nas horas em que eu precisava parar.
Aos colegas da turma 2010 do mestrado em Estudos de Linguagens,
pelas risadas, conversas, conselhos e lágrimas divididas; especialmente à amiga
Daniela Raffo Scherer.
Aos meus pais, parte do meu corpo e da minha alma, símbolo de amor,
carinho, perseverança, fé e paciência. Não cabe aqui o tamanho da gratidão e do
amor que tenho por eles.
Ao meu irmão, que tanto quanto eu sofreu com a distância dos últimos 12
meses e nunca me deixou desistir deste trabalho.
Ao meu marido, Lucas Santiago, amor da minha vida, por todos os
momentos divididos até aqui: as alegrias e as dores. E pelo futuro que estamos
construindo juntos.
viver é super difícil o mais fundo
está sempre na superfície
Paulo Leminski
RESUMO
REINO, Luciana da Silva Souza. (2012) Slogans publicitários e sentido: uma
análise semiótica. Campo Grande: UFMS. (Dissertação de Mestrado)
Este trabalho realizou a análise de dez slogans publicitários, veiculados na grande mídia, para a divulgação das marcas Omo e Coca-cola, com o objetivo de estudar a construção dos sentidos tomando como base o plano de conteúdo dos textos. Tendo em vista que se buscava verificar as relações entre os diversos componentes linguísticos dos slogans, recorreu-se à Semiótica Discursiva como teoria de fundamentação do trabalho, verificando-se como os níveis do percurso gerativo de sentido se articulam. Como o corpus escolhido pertence à esfera do discurso publicitário, buscou-se apoio teórico também nas pesquisas da área de comunicação. Com essa associação, foi possível identificar como se produzem os efeitos de sentido desses textos concisos, mas formas tão importantes na composição do discurso publicitário, descortinando-se a constituição de um modelo de interpretação eficaz para os slogans.
Palavras-chave: slogan; sentido; semiótica discursiva; publicidade; Omo; Coca-cola.
ABSTRACT
REINO, Luciana da Silva Souza. (2012) Advertising slogans and sense: a analysis
semiotics. Campo Grande: UFMS. (Master Dissertation)
This work conducted an analysis of ten slogans, conveyed in the mainstream media, to publicize the brands Omo and Coca-Cola, with the aim of studying the construction of the senses building upon the plan of the contents are. Given that sought to examine relationships between the various components of language slogans appealed to the discursive semiotics as a theory of reasoning to work, verifying how the levels of the generative routes of meaning are articulated. As the chosen corpus belongs to the sphere of advertising discourse, we sought theoretical support also in the area of communication research. With this association, it was possible to identify how they produce the effects of meaning of these texts concise, but important in the composition of advertising discourse, revealing the constitution of an interpretation model for effective slogans.
Keywords: slogan; sense; discursive semiotics; advertising; Omo, Coca-Cola.
LISTA DE TABELAS
TABELA 01 – OS SLOGANS DA ANÁLISE ............................................................. 49
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1. TRATANDO DAS TEORIAS ................................................................................. 15
1.1 COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA ......................................................................... 16
1.2 PERSPECTIVAS DO MARKETING.................................................................... 25
1.3 A PROPAGANDA ............................................................................................... 31
1.4 O SLOGAN .......................................................................................................... 33
2. O MÉTODO E OS OBJETOS DE ANÁLISE ......................................................... 36
2.1 O PERCURSO GERATIVO DO SENTIDO .......................................................... 36
2.1.1 NÍVEL FUNDAMENTAL .................................................................................... 38
2.1.2 NÍVEL NARRATIVO.......................................................................................... 40
2.1.3 NÍVEL DISCURSIVO ........................................................................................ 45
3. LENDO OS SLOGANS PELA ANÁLISE SEMIÓTICA ......................................... 48
3.1 OMO .................................................................................................................... 49
3.1.1 OMO FAZ, OMO MOSTRA. .............................................................................. 49
3.1.2 MELHOR QUE OMO SÓ OMO. ........................................................................ 52
3.1.3 SÓ OMO LAVA MAIS BRANCO. ...................................................................... 55
3.1.4 PORQUE NÃO HÁ APRENDIZADO SEM MANCHAS. ..................................... 57
3.1.5 PORQUE SE SUJAR FAZ BEM. ....................................................................... 59
3.2 COCA-COLA ....................................................................................................... 60
3.2.1 GOSTOSO É VIVER... ...................................................................................... 60
3.2.2 ESSA É A REAL ............................................................................................... 62
3.2.3 O LADO COCA-COLA DA VIDA. ...................................................................... 63
3.2.4 VIVA O LADO COCA-COLA DA VIDA. ............................................................. 64
3.2.5 SUA FELICIDADE TRANSFORMA................................................................... 66
3.3 A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS .................................................................... 67
3.3.1 DO NÍVEL FUNDAMENTAL ............................................................................. 67
3.3.2 DO NÍVEL NARRATIVO ................................................................................... 73
3.3.3 DO NÍVEL DISCURSIVO .................................................................................. 74
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 76
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 79
9
INTRODUÇÃO
A razão inicial deste trabalho encontra-se relacionada ao campo de
atuação da pesquisadora, que, inserida na atividade publicitária, buscava meios de
compreender como se organizava a construção de sentido nas mensagens
produzidas para diversos produtos, sobretudo no que se referia aos slogans,
elementos considerados centrais para as campanhas.
O interesse por estes tipos de textos se ampliou quando a pesquisadora
passou a fazer parte do corpo docente de uma instituição de ensino superior em
Dourados/MS, ao ministrar a disciplina de redação publicitária, oportunidade que se
estendeu depois para o município de Campo Grande/MS em outras duas
universidades, que oferecem o curso superior em publicidade e propaganda.
A elaboração dos conteúdos programáticos das disciplinas exigiu a
reunião de diversas técnicas e práticas comuns na produção de textos publicitários,
entre eles os de concepção, criação e justificativa na produção de um slogan. Mas a
maioria dos livros da área de publicidade e propaganda, especialmente os de
linguagem e redação publicitária, tratam sobre a construção frasal do slogan, sua
importância e seu papel no anúncio publicitário. Porém, nenhum deles se aprofunda
em aspectos que tratam dos efeitos de sentido contidos nos breves esquemas de
criação com que são ensinados.
Entre bibliografias específicas sobre o assunto, destacam-se os livros O
slogan, de Olivier Reboul, e A arte dos Slogans, de Luiz Carlos Iasbeck. O primeiro,
com edição de 1975, aborda as origens históricas dos slogans e apresenta muitas
opiniões com poucos argumentos científicos, sobre criação e efeito dos slogans na
comunicação; o segundo, com primeira edição publicada em maio de 2002, dedica-
se ao estudo do slogan e sua criação em propaganda, já com parte de seu parte de
seus objetivos voltados para a construção dos efeitos de sentido, fazendo uso,
porém, da Semiótica da Cultura em suas análises, tomando como objetos slogans
de instituições bancárias.
O slogan é um elemento pragmático de comunicação e resulta de um
trabalho esmerado do destinador sobre a linguagem, que possui como objetivo obter
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uma memorização da mensagem de forma mais rápida e profunda por parte do
destinatário.
Cabe à propaganda informar e despertar interesse de compra/uso de
produtos/serviços, nos consumidores, em benefício de um anunciante1. Conforme
atestam Gabrielli e Hoff (2004), em estudo a respeito de questões relacionadas à
publicidade, no desenvolvimento desse processo que visa a marcar presença junto
ao público, o slogan resume o conceito do produto/serviço/empresa e encontra-se
presente em todas as peças da campanha publicitária, tendo como uma de suas
funções o fazer aderir, o levar o destinatário da mensagem a uma ação.
Já no que se refere ao campo da significação, o slogan deve resumir
características do produto e conter um apelo emocional; precisa resumir todo o
conceito de uma marca de modo que, ao ser lido/visualizado, consiga levar à
presença do destinatário da mensagem toda a informação conceitual da empresa, a
imagem que ela deseja ter no mercado.
Para a pesquisadora, os materiais citados anteriormente não supriam a
carência de teorias ou métodos de análise que pudessem explicar como um texto
tão pequeno suporta a função de representar sentimentos, funções e obrigações de
uma marca. A partir da antiga curiosidade, alimentada pela necessidade do
aperfeiçoamento das teorias oferecidas no ensino de redação publicitária,
principalmente no que se refere aos pequenos textos intrigantes que acompanham
as marcas, a pesquisadora decidiu investigar os efeitos de sentidos profundamente
articulados nos slogans.
Um slogan acompanha o produto ou empresa durante sua vida, podendo
sofrer alterações ao longo do tempo, uma vez que se encontra submetido a
mudanças percebidas no mercado; dessa forma, o conceito de marca, por exemplo,
inicialmente apresentado em um slogan que destaca características específicas do
produto, pode deixar de atender uma necessidade inicial de a significação ir além da
marca; neste caso, a significação deve transcender o produto/serviço/empresa e
procurar elementos fundamentais no público-alvo.
1 Empresa, pessoa ou entidade que se utiliza da propaganda.
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Entre um sem-número de slogans conhecidos e utilizados nas maiores
campanhas publicitárias divulgadas no Brasil, é tarefa difícil escolher qual marca e
seus slogans seriam utilizados para realizar uma análise de como a significação se
constrói no interior do texto. Nesse sentido, as marcas Omo e Coca-Cola foram as
escolhidas em razão de seu desempenho na pesquisa denominada Top of Mind, que
é encomendada pelo Jornal Folha de São Paulo ao Instituto Datafolha, criada em
1991, com objetivo de identificar quais são as principais marcas do Brasil, em
diversos segmentos, de acordo com os consumidores.
Essa duas marcas ocuparam – Omo por 17 anos consecutivos e Coca-
Cola por 16 anos – o posto de marcas mais lembradas pelo consumidor brasileiro.
Em 2009, momento de construção do corpus desta pesquisa, o Datafolha divulgou
os resultados da decida sétima edição de pesquisa. Entre as principais perguntas da
pesquisa, estava “Qual a primeira marca que lhe vem à cabeça?”.
A partir das respostas foram conhecidas as marcas mais lembradas do
Brasil, entre todas as categorias de atuação. As mais citadas formam uma categoria
chamada Top do Top of Mind. A única marca que venceu em todas as edições do
Top do Top, desde quando a categoria passou a figurar na pesquisa Top of Mind em
1993, foi Omo. Coca-Cola esteve também em primeiro lugar por 16 vezes (só não
esteve entre as campeãs em 1999, quando Omo venceu isoladamente). (DataFolha,
2009, não paginado)
Tais marcas apresentam uma trajetória de sucesso mercadológico
acompanhada de campanhas eficientes e emocionalmente inesquecíveis para o
grande público, junto a quem sua lembrança pode ser avaliada graças ao grande
investimento que realizam em campanhas publicitárias, à veiculação sempre
constante nos principais meios de comunicação de massa e à criação de linhas
criativas para suas campanhas publicitárias.
Tanto Omo quanto Coca-Cola contabilizam um considerável número de
slogans, considerando seu tempo de existência (Omo surgiu na Inglaterra em 1940,
vindo para o Brasil em 1957; e Coca-Cola teve sua marca registrada em 1893, nos
EUA). Para o nosso estudo, foram selecionados os cinco últimos slogans de cada
marca, veiculados em campanhas publicitárias brasileiras lançadas entre 2000 e
2009.
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Para fundamentar a análise das diversas questões relacionadas ao
problema, elegeu-se a teoria semiótica discursiva, iniciada por Algirdas Julien
Greimas e, por ele, desenvolvida em parceria com diversos colaboradores ao longo
das últimas décadas.
A semiótica aborda a problemática da comunicação relacionando-a ao
contexto da enunciação, necessariamente pressuposto pelo enunciado; além disso,
tem como preocupação básica descrever e explicar “o que o texto diz e como faz
para dizer o que diz” por meio da construção de sua própria estrutura e da relação
entre suas unidades.
Greimas (1917-1992), a partir de formulações de Ferdinand de Saussure,
Louis Hjelmslev, Vladimir Propp e Claude Lévi-Strauss, começou a trabalhar mais
seriamente na direção de uma teoria do sentido quando elaborou o livro Semântica
Estrutural, obra fundadora da semiótica francesa (também conhecida como Escola
de Paris) publicada em 1966, com base em uma teoria de análise estrutural do texto
por meio do estudo de sua significação.
Para construir o sentido do texto, a semiótica concebe o seu plano do
conteúdo sob a forma de um percurso gerativo. Barros (2005a) explica que a noção
de percurso gerativo do sentido é fundamental para a teoria semiótica, constituindo-
se a partir do mais simples e abstrato rumo ao mais complexo e concreto. Assim,
estudar os slogans compreenderá um esforço do analista para evitar suposições de
sentido ou intenções do texto para trabalhar sobre a organização dos elementos
linguísticos que o compõem.
No percurso gerativo de sentido, encontram-se três etapas, podendo cada
uma delas ser descrita e explicada por uma gramática autônoma, muito embora o
sentido do texto dependa da relação entre os níveis. A primeira etapa do percurso, a
mais simples e abstrata, recebe o nome de nível fundamental ou das estruturas
fundamentais e nele surge a significação como uma oposição semântica mínima. No
segundo patamar, denominado nível narrativo ou das estruturas narrativas,
organiza-se a narrativa, do ponto de vista de um sujeito. O terceiro nível é o do
discurso ou das estruturas discursivas, em que a narrativa é assumida pelo sujeito
da enunciação.
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É importante observar a colocação de Barros (2005a) de que, com a
semiótica discursiva, houve uma mudança de posicionamento frente aos fatos de
linguagem que levou ao aparecimento de propostas teóricas diversas que concebem
o texto, e não mais a frase, como unidade de sentido e que consideram, portanto,
que o sentido da frase depende do sentido do texto.
Embora, inicialmente, o slogan apresente-se muito mais como uma frase,
pode-se dizer que, a partir das relações que mantém com o contexto linguístico das
campanhas e com outros slogans da marca, constitui-se como texto. Nesse sentido,
é importante recuperar a reflexão de Barros a respeito da necessidade de se inserir
o texto no contexto de uma ou mais configurações discursivas que lhe atribuem, no
fim das contas, o sentido:
pode-se caminhar nessa direção e executar a análise contextual, desde que
o contexto seja entendido e examinado como uma organização de textos
que dialogam com o texto em questão. Assim concebido, o contexto não se
confunde com o “mundo das coisas”, mas se explica como um texto maior,
no interior de que cada texto se integra e cobra sentido (BARROS, 2005a,
p. 83).
O slogan publicitário é parte, então, de um contexto, caracterizado pela
campanha publicitária, reforçando uma ideologia comunicativa, materializada nas
peças da campanha, ao mesmo tempo em que ganha status de texto independente,
já que consegue sozinho carregar uma importante mensagem sobre a marca, se
sobrepondo em significação e importância, para o público-alvo, o enunciatário.
Nesse sentido, por meio do percurso gerativo de sentido, simulacro
metodológico que a semiótica desenvolveu para mostrar como a significação vai se
construindo no interior do texto, pode-se analisar o slogan e entender como ele se
estrutura a partir de seu plano de conteúdo, na busca de um entendimento maior de
seu caráter inteligível (cognitivo).
A proposta deste trabalho consistiu em buscar entender como se operam
estas diversas possibilidades, por meio dos estudos fundamentados na semiótica
discursiva. O objetivo não foi encontrar uma fórmula de criação dos slogans ou um
modelo engessado para a apreensão do sentido nestes textos publicitários, mas
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entender como aquele jogo de palavras consegue criar um texto tão compacto, mas
tão rico em sentidos e capacidade comunicativa. E também, colocar este elemento
tão importante na comunicação da sociedade atual, sob os estudos de uma ciência
complexa e que tem ampliado a compreensão dos mais diversos textos: orais,
escritos ou sincréticos.
Além disso, o ensino de redação publicitária carece de mais reflexões
sobre a importância do slogan e teorias que facilitem os processos de criação e
desenvolvimento de campanhas publicitárias eficientes e de slogans inesquecíveis.
Diante do exposto, elegeu-se, como objetivo geral deste trabalho, o de
interpretar e entender como se opera o sentido do slogan publicitário, tendo como
objeto os slogans criados para as marca Omo e Coca-Cola, e, como objetivos
específicos, os de verificar a aplicabilidade da semiótica discursiva ao estudar o
discurso dos slogans das marcas Coca-Cola e Omo; analisar, por meio daquela
teoria, os elementos que tornam os slogans eficazes no campo do discurso
publicitário.
O texto desta dissertação se organiza em três partes: a primeira trata das
teorias relacionadas à pesquisa, que tratam das relações entre comunicação e
semiótica, entre publicidade e marketing e de como se articula a comunicação
publicitária e, dentro dela, o slogan. A segunda parte expõe os principais aspectos
do percurso gerativo do sentido, eleito como método de análise desta pesquisa. A
terceira parte apresenta o corpus selecionado e, em seguida, as análises feitas por
meios do método de análise do percurso.
Além das três partes, o texto final comporta esta introdução, que as
precede, e as considerações finais, que as seguem. Por fim, apresentam-se, nas
referências, as obras consultadas durante a realização da pesquisa.
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1. TRATANDO DAS TEORIAS
No início deste capítulo, que expõe as relações entre comunicação e
semiótica, cumpre lembrar que o discurso publicitário é um dos diversos objetos do
vasto campo de estudos das ciências da comunicação. No interior de um grande
conjunto de teorias que estudam a comunicação, a semiótica se destaca como uma
teoria de análise de diversos tipos de textos.
Num primeiro momento será tratada a natureza da pesquisa em
comunicação. Depois, concentramo-nos em expor as relações entre comunicação e
semiótica, com destaque para a semiótica de Greimas. A partir daí, mostraremos a
estreita relação que se pode estabelecer entre a pesquisa em comunicação e a
semiótica discursiva.
A publicidade é forma de comunicação utilizada pelas sociedades com
caráter persuasivo evidente; mesmo se mais relacionado a instituições e marcas, o
discurso que a publicidade produz se mescla ao discurso das sociedades, tomando
parte na construção de processos culturais e ajudando a demarcar movimentos
sociais.
É importante também, para este estudo, mostrar a publicidade em sua
inserção em outro processo de natureza social, o marketing. É por meio das ações e
estratégias de marketing que a comunicação publicitária é posta em movimento nos
veículos, nas conversas e influencia outros discursos.
Não pretendemos aqui abordar todas as fases e aspectos do marketing,
porque não é o objetivo principal deste trabalho, mas não se pode deixar de tratar da
comunicação publicitária nesse contexto, já que estamos tratando de textos
produzidos por marcas de conhecimento notório e que fazem uso excessivo de
estratégias de marketing, recheadas de discursos publicitários.
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1.1 COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Para melhor entender como se processam os estudos da comunicação e
a formação das teorias que dela se ocupam, precisamos trabalhar “a partir de uma
análise das disciplinas que estudam o processo de comunicação” (MARTINO, 2001,
p. 25). Santaella e Nöth (2004) afirmam que o aparecimento e expansão dos meios
de comunicação de massa transformaram a comunicação em um problema a ser
pensado, despertando a curiosidade e formando objetos de estudo para diversas
ciências. Entende-se, então, que o que delimita os estudos em comunicação não
são apenas os fenômenos que a compõem, mas também esse complexo de
diferentes áreas do conhecimento que intervém na discussão do que se produz
nessa área e de como ela se constrói.
Assim, as teorias da comunicação são consideradas plurais, porque são
formadas por questões vindas do interesse de diversas ciências. Armand e Michèle
Matellard explicam que
a história das teorias da comunicação é a história das separações e das diversas tentativas de articular ou não os termos do que frequentemente surgiu sob forma de dicotomias e oposições binárias, mais do que níveis de análise. Invariavelmente, em contextos históricos diversos, sob formulações variadas, essas tensões e antagonismos, fontes de exclusão, não deixaram de se manifestar, dividindo escolas, correntes e tendências (1999, p.10).
Os estudos da comunicação começaram, então, a partir da relação desta
com outros saberes constituídos, formando um arcabouço teórico oriundo de várias
ciências. Apesar de muitas vezes não partilharem dos mesmos princípios, ou
enfocarem a comunicação sob diferentes pontos de vista, as teorias da comunicação
formam um grande campo de estudos, atravessado principalmente pela
interdisciplinaridade. Esta é uma, senão a maior, característica das teorias da
comunicação: reunir uma “síntese de saberes” (MARTINO, 2001, p. 31) e de
interesses específicos de disciplinas independentes que são diferentes e
heterogêneos; apontar “inúmeras facetas da comunicação” (SANTAELLA; NÖTH,
2004, p. 23).
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O recorte dado por cada teoria leva ao questionamento de qual seria o
principal objeto da pesquisa em comunicação. Fiorin (2004) defende que a
comunicação é a “ação dos homens sobre outros homens, criando relações
intersubjetivas e fundando a sociedade” (p.14). Para ele, isso estende o objeto dos
estudos da comunicação a uma gama de fenômenos, indo da conversação cotidiana
à internet.
Santaella e Nöth (2004) também observam que a rapidez na evolução dos
fenômenos comunicacionais, que vem se dando desde os anos 1920, permite
chegar a um consenso de que não há “um objeto” e sim “objetos” de estudo na
comunicação e reforçam esta afirmação:
O aumento de complexidade da comunicação abriu caminho à consciência crescente de seu estatuto transdisciplinar e da inexistência de uma estrutura explicativa única ou de objetos previamente recortados para a diversidade fenomênica da comunicação (SANTAELLA; NÖTH, 2004, p. 22).
Entretanto, muitas teorias que foram elaboradas para explicar os
processos e objetos da comunicação possuem um caráter mecanicista e linear, “não
examinam relações sócio-histórias e ideológicas da comunicação e não tratam da
reciprocidade” (BARROS, 2005b, p. 51). Outras, presas apenas aos efeitos, limitam
o estudo da comunicação a aspectos negativos das mudanças que os meios de
comunicação podem efetuar nas sociedades. Essas teorias não só limitam a
importância social e científica da comunicação, como também deixam de considerar
os processos de construção do sentido, além de deixar de lado o uso da linguagem,
os aspectos históricos, sociais e ideológicos dos indivíduos e grupos.
A visão mecanicista pode ser exemplificada por um campo de estudos
que se destacou entre os anos de 1920 e 1960, nos Estados Unidos, denominado
Mass Communication Research, composto por abordagens diversas (engenharia de
comunicações, psicologia, sociologia) preocupadas com aspectos operacionais dos
meios de comunicação.
Nesse contexto, um modelo do processo da comunicação foi apresentado
pelos engenheiros Claude Shannon e Warren Weaver, criado com a intenção de
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sistematizar o processo da comunicação numa perspectiva técnica, formando um
modelo linear, muito utilizado posteriormente por diversas outras teorias:
1) A fonte 2) O transmissor 3) O sinal 4) O receptor 5)O destinatário
Já no campo das teorias críticas, observa-se no mesmo período, na
Europa, o surgimento da Escola de Frankfurt, que se ocupou da crítica aos meios de
comunicação. Os teóricos dessa escola viam os meios de comunicação como
propagadores de uma ideologia imposta pelas classes dominantes (que estariam no
comando dos meios) às classes populares, que consomem as mensagens
produzidas pelos meios, empregando técnicas de persuasão e manipulação das
mensagens que colocariam em relevo o papel central de uma ideologia de
dominação.
Destaca-se, no período em tela, a idéia de indústria cultural, a qual pode
ser definida, de forma sucinta, como “o reforço de normas não discutidas, do
encorajamento do conformismo social e da marginalização do debate sobre
questões vitais da sociedade” por meio das mensagens produzidas nos meios de
comunicação de massa (COELHO, 1980, p. 30). Apesar de também ser criticada
pelo caráter excessivo de suas críticas e de seu cunho negativo, as afirmações da
Escola de Frankfurt ainda hoje ressoam fortemente nos estudos sobre o papel das
mídias na sociedade.
O portfólio de teorias da comunicação se estende muito além do que foi
exposto, mas, para fins de exemplificação, expusemos apenas algumas para
demonstrar que muitos destes estudos não dão conta da significação dos produtos e
reflexos gerados no âmbito da comunicação, que não seria possível senão mediada
pela linguagem e, consequentemente, por meio da produção de textos.
Muitas teorias baseiam-se em um universo alheio à significação, ficando
presas ao processo quase material de composição da comunicação, indo
diretamente aos efeitos negativos e positivos sobre indivíduos e grupos. Mas quem
produz os textos são estes indivíduos e grupos, com suas vivências, experiências e
anseios, todos reunidos em seus universos de signos, de catálogos de experiências
culturais e sociais.
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Entre as teorias que acabaram por adentrar o espaço dos estudos da
comunicação, destacam-se ainda as semióticas. Esse plural deve-se ao fato de que,
em diferentes partes do mundo, grandes pesquisadores fizeram o uso do termo para
representar suas teorias, com bases metodológicas vindas de inspirações bem
diferentes, mas que possuíam em comum o interesse no ambiente discursivo, nos
textos e mensagens, e seus significados e sentidos, aspectos que ficavam relegados
ao segundo plano da pesquisa em comunicação, pela carência de interesse de
alguns pesquisadores e de bases metodológicas que dessem conta de tais
questões.
As principais correntes semióticas que abordam a problemática da
comunicação em seus estudos são a semiótica discursiva e narrativa, ou de linha
francesa, desenvolvida por A. J. Greimas; a semiótica americana ou peirciana,
fundada pelo filósofo e matemático Charles Sanders Peirce; e a da Escola de Tartu,
também conhecida como semiótica da cultura, cujo principal expoente é o russo Yuri
Lótman.
Essas três matrizes de estudos semióticos tiveram as bases de sua
origem quase que sincronicamente no período entre o final do século XIX e meados
do século XX. Santaella e Nöth enfatizam que “as relações entre comunicação e
semiótica são íntimas”, porque além de se colocarem como mais uma teoria
disponível, com visões diferentes e específicas, as teorias semióticas são também
“instrumento de criação, apontamento, direcionamento do objeto a ser estudado.
Criando também métodos de análise que enriquecem e podem ser vistos como uma
evolução dos estudos já realizados.” (2004, p. 40).
Não pretendemos tratar dos interesses de cada uma das propostas
semióticas, porém, em um trabalho no qual textos publicitários são o objeto a ser
estudado, é importante lembrar de teorias que possam ser confundidas com a
adotada. A semiótica discursiva, além de estar relacionada ao programa de pesquisa
a que se vincula este trabalho, apresenta-se como uma teoria do texto, o que a
coloca como um método pertinente de análise da construção dos sentidos em
slogans publicitários. A aplicação do seu método de análise aos produtos midiáticos,
especialmente àqueles oriundos da comunicação publicitária, permite compreender
a teoria semiótica de Greimas como um importante método de análise.
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Juremir Machado da Silva, ao falar sobre o pensamento contemporâneo
francês, lembra que muitos intelectuais partilharam pontos de vista sobre mídia e
comunicação, mas que eles se dividiram em grupos diversos, com ideias e conceitos
divergentes. Por essa razão, para ele, não haveria dúvidas de que nunca houve uma
escola francesa que tratasse da comunicação (2001, p. 171-172).
Por outro lado, Armand e Michèle Matellard apontam o Centro de Estudos
das Comunicações de Massa (CECMAS) como uma escola francesa surgida na
década de 1960, por iniciativa de Georges Friedmann, com o objetivo de remediar o
atraso da pesquisa francesa na área. Destacam-se neste grupo Edgar Morin e
Roland Barthes e também outros pensadores franceses que participaram da
publicação criada pelo grupo, a revista Communications, entre eles Greimas,
linguista lituano que, como já se informou, viria a desenvolver uma semiótica
discursiva.
A semiótica discursiva, doravante somente semiótica, durante seu
desenvolvimento, demonstrou ser uma teoria capaz de estudar os discursos
oriundos da comunicação, aplicando seu modelo teórico para o entendimento da
construção dos sentidos nas mensagens. Nascida no interior dos estudos da
linguagem, com influência considerável das idéias saussurianas, a semiótica é uma
das teorias, ainda em evolução, capazes de complementar os estudos da
comunicação dos diversos gêneros de discursos. Os estudos da linguagem
apontaram novos caminhos, em especial no que se refere à produção dos sentidos
que ocorrem nos processos de comunicação.
Foi a partir de Ferdinand de Saussure e seus estudos sobre a
especificidade da língua, instaurando uma das principais rupturas nos estudos
linguísticos, que estudos sobre o sistema como instrumento de comunicação se
tornaram possíveis. No início do século XX, pouco antes de começarem as
discussões sobre a comunicação e seus objetos, Saussure iniciou seu trabalho de
construção daquilo que viria a ser conhecido como linguística moderna.
Para ele, “o fato linguístico é imperceptível e indeterminável sem a
adoção prévia de um ponto de vista linguístico”, apontando um caminho diferente de
outros domínios científicos, para os quais o objeto precede o ponto de vista (2006, p.
25), pois, na base de seus estudos, postulou que o ponto de vista vem antes do
21
objeto. Mendes conclui que "a adoção de um ponto de vista específico, seja o
linguístico, seja o comunicacional, remete-nos a um ponto de vista que precede toda
e qualquer perspectiva analítica: o da linguagem." (2006, não paginado)
A afirmação de Saussure de que a língua é essencialmente um
instrumento de comunicação constituiu-se como uma das grandes rupturas do
linguista francês. Assim, a linguagem verbal passa a ser considerada, então, matéria
do pensamento e veículo da comunicação social. Petter explica que
assim como não há sociedade sem linguagem, não há sociedade sem comunicação. Tudo que se produz como linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma realidade material que se relaciona com o que lhe é exterior, com o que existe independentemente da linguagem (2005, p. 11).
Essa visão saussuriana dos fatos da linguagem influenciaria Greimas,
que, ao determinar que a semiótica tem por objeto o texto/discurso, entendido em
seu aspecto global e por meio da análise de diversas questões, determina a
perspectiva da imanência como central para a teoria, uma vez que parte do
pressuposto de que o texto é um “todo de significação” que oferece, nele e por si
mesmo, as condições necessárias para sua leitura.
Na semiótica, o termo discurso também aparece empregado como
sinônimo de texto. Greimas e Courtés complementam a questão, ao afirmarem que:
(...) o termo texto é tomado como sinônimo de discurso (...) Os dois termos – texto e discurso – podem ser empregados indiferentemente para designar o eixo sintagmático das semióticas não-linguísticas: um ritual, um balé podem ser considerados textos ou discursos (2008, p.503).
Os textos criados pelos meios de comunicação são produtos de
linguagens e, conforme esclarece Fiorin, não existe nenhuma razão para que, nessa
condição, deixem de seja examinados pelas teorias linguísticas e semióticas:
Portanto, se os meios de comunicação podem ser estudados do ponto de vista da significação, uma teoria semiótica deve poder ser empregada no seu estudo, já que a Semiótica se propõe como teoria da significação. O
22
sentido gerado por um filme não é diferente daquele criado por um romance. O que distingue um objeto do outro é apenas a forma de manifestar essa significação, é o plano da expressão. No entanto, as teorias semióticas modernas estão buscando analisar as diferentes manifestações possíveis da significação e, portanto, não são alheias a nenhuma forma de exprimir o sentido (2004, p. 14).
É importante ressaltar a distinção entre os objetos a que se refere Fiorin.
Para a semiótica, um texto pode ser um livro, um edifício, um quadro, uma música,
um anúncio publicitário, uma matéria jornalística, um espetáculo de dança.
Materialmente, o que os diferencia está determinado no plano de expressão, quer
dizer, em sua natureza material e na manifestação de seu conteúdo.
A busca semiótica pelo sentido é feita pela proposição de uma análise
imanente: buscar as leis que regem o discurso subjacente ao objeto textual. É no
plano do conteúdo que se desenvolve o percurso da significação, gerador do sentido
do texto, dividido em etapas não exatamente claras, mas pressupostas em seu
interior, nas quais o analista deve buscar as principais articulações entre os níveis
para encontrar o sentido de um texto. Seu instrumental de análise, um simulacro
metodológico denominado percurso gerativo de sentido, mostra como a significação
se constrói no interior do texto.
Como o texto tem um plano de expressão (em que reside a materialidade)
e um de conteúdo (lugar do conceito), sendo o primeiro bastante flexível, visto que
há diferentes planos de expressão para um mesmo de conteúdo (por exemplo, as
obras de Shakespeare, que saíram da literatura para o teatro, o cinema e a
televisão), a ênfase dos semioticistas, em um primeiro momento, recaiu sobre este
último, devido a sua estabilidade que propiciava uma análise mais segura do texto.
Segundo Barros (2005a, p. 12), um texto define-se de duas formas que se
complementam: pela organização ou estruturação, que faz dele um “todo de
sentido”, e como objeto da comunicação que se estabelece entre um destinador e
um destinatário. Assim, o estudo do texto com vistas à construção de seus sentidos
só pode ser visto como o exame tanto dos mecanismos internos quanto dos fatores
contextuais ou sócio-históricos de fabricação do sentido.
A semiótica tem como preocupação básica descrever e explicar “o que o
texto diz e como faz para dizer o que diz” (BARROS, 2005a, p.11), por meio da
23
construção de sua própria estrutura e da relação entre suas unidades. Sua primeira
preocupação é explicitar as condições de apreensão e da produção do sentido,
condições estas inseridas no texto, não aquelas de quando o texto foi feito, do autor
de carne e osso, suas razões pessoais ou psicológicas. Dessa forma, a semiótica
terá que reunir todos os conceitos que, mesmo sendo eles próprios indefiníveis, são
necessários para estabelecer a definição da estrutura elementar da significação do
discurso.
A semiótica é um projeto científico em curso. Está longe de ser uma teoria
acabada e engessada em si mesma. Desde sua origem, configurada por meio da
união de diferentes, porém complementares, fontes teóricas, ela se refaz a cada
análise feita com suas bases. Indo além do modelo linear de Shannon e Weaver, ela
identifica os sujeitos da enunciação e destaca a importância dos dois “lados” da
comunicação, classificados como emissor e receptor por aquele modelo linear.
Também considera os valores históricos e sociais inscritos no texto, sem se perder
em discussões de caráter puramente ideológico ou de uma manipulação unilateral.
Os estudos semióticos apontam outros pontos de vista para a pesquisa em
comunicação.
A teoria semiótica procura apontar a necessidade de situar a
comunicação no quadro mais amplo das atividades humanas, as quais se
desenvolvem segundo dois eixos principais:
- o da produção ou da ação do homem sobre as coisas: por meio do qual
o homem transforma a natureza;
- o da comunicação ou da ação do homem sobre outros homens: criadora
das relações intersubjetivas, fundadoras, por sua vez, da sociedade.
No atual estágio das sociedades de consumo, a comunicação publicitária
tornou-se uma das mais importantes formas de comunicação, influenciando outros
discursos como o didático, o jornalístico, o literário, entre outros, e funcionando
como uma referência, senão um modelo a ser seguido. Tal lugar de destaque deve-
se a algumas características do seu fazer, da sua função e finalidade.
Harris e Seldon (apud VESTERGAARD; SCHRODER, 2004, p. 3) definem
propaganda como notícia pública, “destinada a divulgar informações com vistas à
24
promoção de vendas de bens e serviços negociáveis”. A comunicação publicitária é
transmissora de valores e crenças num discurso claramente manipulador, universo
onde habitam os enunciados que marcam um tipo tão rico e sempre fomentador de
discussões e teorias sobre manipulação de massa, mas que nunca deixou de
assumir seu caráter de comunicação planejada e persuasiva. Assim concebido, o
discurso publicitário é um campo fértil em elementos para os estudos semióticos.
A comunicação publicitária diferentemente da jornalística, da de
entretenimento ou da comunicação pessoal, apresenta-se, desde sua concepção,
como uma comunicação planejada, com um sujeito claro, compreendido como a
marca que anuncia e se apresenta nos anúncios.
Greimas, em importante observação, afirmam que nunca há ausência de
intenções no discurso, seja de qual natureza ele for. Mesmo a afirmação prévia de
uma “isenção perante fatos e informações” num discurso já antecipa uma proposta
de manipulação; de antemão, já há a intenção de manipular. Assim, para a semiótica
discursiva, toda comunicação é de natureza manipuladora.
Aquele que se dirige ao outro sempre tem a intenção de ser ouvido e
compreendido, enquanto o outro que ouve também precisa demonstrar o
entendimento da mensagem para que a comunicação se faça; essa demonstração já
representa que a manipulação ocorreu. Aqui o sentido de manipulação está muito
distante daquele da escola de Frankfurt, que trata de intenções manipulatórias feitas
de um grupo econômico-social para outro, que visa a “incutir e estimular”
comportamentos padrões e modificar as sociedades. O sentido de manipulação
apresentado pela semiótica é aquele que faz parte de qualquer discurso, que é
inerente à própria comunicação, porque esta só é possível quando o indivíduo
compreende e aceita o que o outro comunica.
E a elaboração de uma mensagem de comunicação sempre tem uma
intenção. Se é inegável o papel cultural que a comunicação publicitária assumiu nas
sociedades modernas, a análise semiótica proporciona uma visão mais ampla da
estruturação dos sentidos, sem transformar a manipulação numa proposta negativa
da comunicação, mas classificando-a como essencial e inerente a qualquer tipo de
comunicação.
25
A publicidade tem como principal objetivo a adesão ao que ela comunica.
Essa adesão se apresenta não só pela compreensão do que é dito no discurso, mas
pelo reconhecimento das marcas, pela compra dos produtos oferecidos, pela
lembrança que as pessoas mantêm dessas marcas e seus produtos.
A publicidade faz uso de estratégias retóricas e estilísticas, da repetição,
da exploração de imagens e textos em conjunto, mas o espaço que a publicidade
tem na sociedade atual nos mostra que sua capacidade de manipulação vai além de
recursos estilísticos, construindo-se no conhecimento adquirido sobre o que é e o
que pensa o público dos anunciantes e a clara ideia do que cada marca quer ser
para seu público.
Para a construção dessa percepção, a publicidade, além de ser um dos
componentes do universo comunicacional em que estão imersos os homens,
também compõe técnicas mercadológicas capazes de identificar o que é necessário
para uma empresa comunicar, como ela identifica seu público e como se faz o
caminho para chegar até ele.
Veremos a seguir como isso acontece.
1.2 PERSPECTIVAS DO MARKETING
Ainda que a origem dos termos propaganda e publicidade seja diferente,
eles são empregados basicamente como sinônimos. É interessante, então, apontar
a origem destes termos e a intersecção de seus significados, que aconteceu graças
às semelhanças entre as atividades relacionadas a eles, uma vez que ao longo
deste trabalho ambos os termos são usados indistintamente.
Propaganda é um termo que se define como a propagação de princípios e
teorias, tendo sido introduzido pelo Papa Clemente VII, em 1597, quando fundou a
Congregação da Propaganda, com o objetivo de propagar a fé católica pelo mundo.
Propagare deriva do latim e quer dizer mergulhar, plantar. Por fim, acabou
configurando-se como um conceito que remete ao processo de implantar, incutir
uma ideia, uma crença na mente alheia (SANT‟ANNA, 1999, p. 75). Já publicidade
26
deriva do termo em latim publicus, designando a qualidade do que é público. Ainda
segundo Sant‟Anna (idem), trata-se do ato de vulgarizar, de tornar público um fato,
uma ideia.
A intersecção entre os dois termos se dá na caracterização do “tornar
público”. Entretanto, é fácil notar que atualmente a publicidade cumpre um papel
bem mais complexo do que simplesmente tornar público um produto, uma ideia ou
um serviço, já que o principal objetivo de seus textos é despertar emoção no
leitor/consumidor, mediante certas estratégias que visam a convencê-lo e seduzi-lo.
Ambos os termos vêm sendo utilizados para definir o conjunto de atividades que
visam a divulgar idéias, empresas e produtos por meio de criação de campanhas
publicitárias, veiculadas em diferentes meios de comunicação e em materiais de
divulgação.
A publicidade pode, então, ser vista sob dois aspectos: o primeiro deles é
ser um dos principais recursos utilizados pelo marketing, este entendido como um
complexo processo que abrange estratégias administrativas, logísticas e
comunicacionais para alavancar o reconhecimento de ideias, marcas e o lucro de
empresas. Em segundo lugar, a publicidade é entendida como uma atividade
independente, como um dos objetos mais estudados nas pesquisas de
comunicação, geradora de imenso conteúdo, composta por mensagens ricas em
criatividade, às vezes com uma produção quase artística. É instrumento de
divulgação de marcas, produtos e ideias, por meio de um discurso que, ao longo do
tempo, tornou-se único e que criou regras próprias em sua produção.
Neste tópico, serão abordados alguns aspectos gerais sobre a
publicidade e sua importância para as marcas2, qual o papel daquela nas estratégias
de marketing e como se desenvolve o discurso publicitário.
A publicidade constitui um vasto corpus a ser observado; além do uso
conjunto de sons e imagens, é composta por textos curtos e diretos, porém
altamente polissêmicos, fazendo uso de inúmeros recursos estilísticos capazes de
encantar, conquistar e de refletir os anseios não só da ideia que se procura
representar, como também do público a que se dirige. A partir desse entendimento, 2 Quando utilizado, o termo “marca” será empregado durante o trabalho como sinônimo de empresas
e/ou produtos e instituições.
27
busca-se compreender o slogan como instrumento de representação de marcas e
um dos elementos mais importantes da comunicação publicitária.
A cada cinco anos, a AMA3 atualiza o conceito de marketing. A história do
marketing revela que, desde a década de 1960 até os dias atuais, diversas
orientações e técnicas de mercado foram desenvolvidas e aplicadas para a
lucratividade das empresas, e que cada uma delas possuía um foco específico para
os esforços de marketing. A mudança deste foco configura também modificações
nos conceitos e na função do marketing para as marcas e as empresas.
O conceito inicial era de que o marketing era uma atividade de
comercialização, com base no conceito de troca. Com o passar do tempo, houve
mudança no enfoque das funções do marketing, que variam de acordo com as
mudanças sofridas pelas marcas, pelas economias e pelas sociedades. Desde o
foco na elaboração do produto, passando pela preocupação apenas com a sua
produção, do conhecimento das necessidades dos clientes, dos segmentos de
mercado, até chegar à fase que reúne partes de todos esses interesses.
Assim, a atual definição abrange diversos setores da sociedade, que
fazem uso das estratégias de marketing não apenas para a venda de produtos e
serviços, mas também para divulgação de ideias. Segundo a AMA, a última
definição - redigida em 2008 - trouxe pela primeira vez o papel não-comercial do
marketing (incluindo, pela primeira vez o valor em sua definição), descrito, então,
desta forma: “marketing é a atividade, conjunto de regras e processos para criar,
comunicar, entregar e trocar ofertas que têm valor para os consumidores, clientes,
parceiros e sociedade em geral” 4 (tradução nossa).
Para Churchill Jr e Peter, marketing voltado para o valor “é uma
orientação para se alcançar objetivos desenvolvendo valor superior para os clientes,
que se apóia em vários princípios e pressupostos sobre aqueles” (2007, p. 10).
Philip Kotler defende que o marketing é elemento tão importante para as pessoas
3 Em todo o mundo, os estudos e pesquisas desenvolvidos sobre marketing têm como base a
definição fornecida pela AMA – A American Marketing Association é uma associação profissional americana envolvida na prática de ensino e estudo de marketing em todo o mundo. Em 1935, a National Association of Marketing Teachers, uma predecessora da American Marketing Association, concebeu a definição original para o marketing. A AMA revisita a definição de cinco em cinco anos. A próxima revisão está prevista para 2012. 4 “Marketing is the activity, set of institutions, and processes for creating, communicating,delivering,
and exchanging offerings that have value for customers, clients, partners, and society at large.”
28
quanto para as empresas, o que humaniza seu papel, e afirma que: “marketing é um
processo social por meio do qual pessoas obtêm aquilo de que necessitam e o que
desejam com a criação, oferta e livre negociação de produtos e serviços de valor
com outros” (2005, p. 30).
O conceito dos 4P‟s, desenvolvido por Jerome McCarthy5 em 1960
(CORRÊA, 2004, p. 67), é considerado o conceito-chave do marketing atual e vem
sendo amplamente utilizado e aprimorado pelos estudiosos da área. Este conceito,
também chamado de mix de marketing, condensou as principais premissas do
planejamento de marketing nos seguintes itens: produto, preço, ponto de venda e
promoção. Este último, segundo Corrêa (2004, p. 68), graças ao crescimento da
atividade e percepção de sua importância, também foi dividido em diferentes áreas
de atuação. Em razão disso, o item promoção também compôs um mix, chamado de
comunicação de marketing, sendo dividido em quatro aspectos: propaganda,
promoção de vendas, relações públicas e venda pessoal. É por meio deste processo
que
as organizações buscam informar seu público e influenciar suas atitudes e comportamento de compra. A comunicação de marketing eficaz pode aumentar as vendas ou lucros ou ajudar a realizar outros objetivos, como tornar as pessoas cientes sobre a organização e seus produtos, formar imagens positivas, identificar clientes potenciais, formar relações de canal e reter clientes (Churchill Jr; Peter, 2007, p. 467).
Vê-se que, no tocante às atividades de marketing, a propaganda é um
dos vários aspectos de atuação. É por meio da propaganda que as empresas
expõem seus produtos e os valores que compõem a marca. A propaganda deve
informar e despertar interesse de compra/uso de produtos/serviços nos
consumidores, em benefício de um anunciante (empresa, pessoa ou entidade que
se utiliza da propaganda). Ela recebe maior destaque entre os elementos do mix,
sendo muitas vezes confundida com toda e qualquer ação de marketing; é a parte
facilmente percebida pelo mercado, quando a marca expõe seus produtos e
serviços, fazendo uso de linguagem apropriada ao seu público nos meios de
comunicação que o público consome.
5 Jerome McCarthy (Edmund Jerome McCarthy) foi professor de marketing da Universidade Estadual
de Michigan nos EUA. Ele é autor de diversos livros considerados as bases das teorias de marketing.
29
Para Churchill Jr. e Peter (2007, p. 467), entretanto, cresce cada vez mais
a preocupação das empresas com o brand, ou seja, com a imagem que elas
transmitem ao público-alvo e qual o valor embutido nessa imagem. Branding é um
termo de língua inglesa de uso recorrente no âmbito mercadológico que, em linhas
gerais, significa o conjunto de ações ligadas à administração das marcas (Martins,
2000, p.77).
Esse conjunto de expressões e ações que caracteriza o branding
determina a imagem da marca para o público, uma imagem construída sobre um
conjunto de valores, sentimentos e atributos que constituem um catálogo de
qualidades de uma instituição, empresa, serviço ou produto. Uma marca é
reconhecida quando o público se lembra dela e atribui valor ao que ela representa
como produtos e serviços, reconhecendo a qualidade da atuação da empresa ou
instituição detentora da marca, alcançando maiores chances de consumo por ser
mais facilmente lembrada e por já ser familiar ao público-consumidor.
A imagem de marca, portanto, é entendida como um conteúdo construído
na dinâmica do mercado, como uma síntese do universo de experiências do público
com as formas de expressão da marca. A esse respeito, Sousa assevera:
O desenvolvimento da marca ocorre através de sua relação com o mercado como um todo, considerando os concorrentes, os distribuidores, os revendedores e, mais especificamente, os consumidores. Essa relação é determinada por tudo aquilo de que a marca dispõe para consumo, produtos, serviços e também as peças publicitárias, o merchandising, etc. porque esses últimos também são dispostos ao consumo (2001, p. 55).
Churchill Jr. e Peter afirmam ainda que “a função prioritária da
propaganda de negócios é informar os clientes potenciais sobre os produtos e
persuadi-los ou lembrá-los para que os comprem” (2007, p. 472). Quando se fala em
comunicação publicitária, fala-se também da “construção” de uma imagem de marca,
entendida aqui como uma imagem mental, um pensamento ou opinião formada junto
aos públicos-alvo das empresas, ultrapassando a função de informar e vender, para
chegar à função de criação e manutenção de imagens positivas e de ideologias das
marcas.
30
Para um produto mudar a sua marca ou uma marca mudar suas formas
de apresentação, são necessárias estratégias de marketing eficientes para que haja
a transferência dos valores anteriormente atribuídos e também a incorporação dos
valores propostos por novas concepções ideológicas. A imagem de marca é
dinâmica, sendo reforçada ou renovada a cada contato do público com os produtos,
serviços ou expressões da marca. Isso exige uma constante administração dos
modos de aparição de tudo que está ligado, em especial seu plano de marketing,
para garantir a continuidade e o desenvolvimento de uma imagem positiva, de
acordo com os propósitos da empresa.
Para construir a marca como um sinal forte e positivo, dentre outras
medidas, é preciso associá-la constantemente com experiências, percepções e
sentimentos positivos ao consumidor e, assim, garantir sua propagação e reputação
no mercado, porque “a base do brand equity é a memória do consumidor”
(MARTINS, 2000, p. 199).
A propaganda, dentre outras ações de mercado, visa, em primeiro lugar,
promover a constante interação entre as marcas e os valores do sistema cultural,
pois, por meio da propaganda, são acionadas formações discursivas instaladas na
memória do consumidor e buscam uma naturalização, para tornarem-se referências
ideológicas.
O contexto do mercado e a sociedade são cruzados por renovações
culturais e tecnológicas, mudando a todo momento os conceitos de qualidade e
relevância de marcas e produtos. Sousa acredita ainda que “os modismos também
alteram o gosto e as exigências do consumidor e, constantemente, ampliam suas
expectativas” (2001, p. 47). Tudo isso torna o mercado muito dinâmico, exigindo
rapidez nas reiterações da marca.
A construção de mensagens de caráter sincrético (anúncios com texto,
som e imagem), diferentes recursos estilísticos e a escolha correta dos veículos nos
quais serão exibidas as mensagens publicitárias criam um ambiente favorável para a
lembrança de uma marca por parte de seu público-alvo. Ainda segundo Churchill Jr.
e Peter, no seu sentido mais amplo de comunicação, “a propaganda é um
instrumento de ação do marketing, sendo uma das formas pela qual ele pode ser
aplicado” (2007, p.72).
31
Por outro lado, a propaganda se desenvolve para além de suas funções
mercadológicas em favor de produtos e serviços. Durante a criação da mensagem
publicitária, alguns métodos linguísticos e técnicas de escrita são usados
repetidamente e este conjunto de características acaba por configurar uma
linguagem da propaganda. Segundo Martins (1997, p. 33), algumas habilidades e
técnicas linguísticas em uso de anúncios e textos da propaganda acabaram
rotulando uma “linguagem publicitária”.
Ainda segundo este autor, a mensagem publicitária moldou-se por
adequação, seguindo normas da língua falada, afastando-se da norma culta e
aproximando-se da coloquialidade para buscar a adesão, criar familiaridade com os
costumes, vivências e sentimentos do destinatário. A propaganda “aumenta em
eficiência, adaptando-se ao mercado e transformando-se conforme a evolução da
sociedade consumidora, como também da mídia e dos produtos” (MARTINS, 1997,
p. 41).
1.3 A PROPAGANDA
Para Hoff e Gabrielli (2004, p. 16), a comunicação publicitária tornou-se
uma das mais importantes formas de comunicação das sociedades, indo além de
sua função primeira de divulgar e vender produtos e serviços. Criada por
encomenda e executada (produzida) por profissionais especializados, trata-se de um
processo planejado, que precisa convencer, envolver, sensibilizar e seduzir o
consumidor a fim de levá-lo ao objetivo final.
Por ser uma mensagem dirigida para grupos específicos – público-alvo,
para os profissionais de comunicação –, dos quais se estudam o comportamento, as
expectativas, as necessidades e tendências, é possível construir mensagens
adequadas à visão de mundo do público-alvo e, por consequência, bastante
persuasivas. O elevado grau de persuasão se justifica pela proliferação de produtos
com poucas diferenças marcantes; na concepção dos publicitários, a propaganda é
o diferencial.
32
A comunicação publicitária geralmente se organiza em uma campanha. A
campanha publicitária é um conjunto de peças, criadas para divulgar um produto ou
serviço, que atendem ao mesmo objetivo de comunicação. Cada material criado a
partir da mesma solução criativa é considerado uma peça da campanha. Cada peça
tem características que devem ser seguidas e devem obedecer a uma das regras
básicas da comunicação publicitária: a linha criativa.
Linha criativa é o conjunto de ideias, estratégias, recursos e linguagens
empregados em uma campanha e que devem ser respeitados em sua aplicação em
todas as peças que a compõem. Isso quer dizer que as peças devem manter uma
isotopia, criar uma “linha de raciocínio” na qual cada peça lembra e fortalece a outra,
aumentando a capacidade de lembrança e identificação por parte do público,
formando uma parceria imbatível com os processos de repetição e redistribuição das
peças,
a repetição tem duas funções. Uma delas é ampliar as possibilidades de recepção e de apreensão do conteúdo da mensagem, já que há sempre elevados custos a se considerar na criação e veiculação de uma peça ou de uma mensagem para persuadir e conduzir o consumidor/interlocutor à ação proposta na comunicação (SANT‟ANNA, 1999, p. 88).
Para Martins (1997, p.41), a eficácia da mensagem publicitária depende
do ajuste a três fatores na composição da mensagem:
- ao mercado: com seu nível sociocultural, necessidades básicas, hábitos
e poder aquisitivo;
- aos veículos de comunicação: com seus códigos específicos, seu
alcance de audiência e receptividade;
- ao produto/serviço: objeto da mensagem, suas características, utilidade,
desempenho, custos e aceitação do público.
Para Sandmann (1997, p. 13), a propaganda deve valer-se de meios
estilísticos, que façam o público prestar atenção no texto; “a linguagem da
propaganda enfrenta o maior dos desafios: prender, como primeira tarefa, a atenção
33
do destinatário”. Não só prender a atenção, mas também realizar mudanças no
modo de ver produtos e ideias. Assim, a comunicação publicitária
produz-se mediante a elaboração de narrativas que operam afetando os modos de apreensão do mundo, como orientadores – não normativos, mas sugestivos – das condutas. A eficácia dessa comunicação não ocorre com base num argumento convincente, mas numa retórica que, postulando realidades, opera de modo performático (ALVES, 2003, p.205).
Escrever um anúncio publicitário é produzir tecnicamente um texto capaz
de “provocar mudança de opiniões e de sentimentos nos leitores e persuadi-los a
assumir comportamentos novos em relação a determinado produto ou serviço”
(Sant‟Anna, 1999, p. 14).
1.4 O SLOGAN
Um dos componentes da comunicação publicitária que se destaca neste
processo é o slogan; parte da campanha de propaganda, constitui-se em uma
máxima sobre o produto ou o fabricante que, mais do que as outras informações,
deve ser facilmente lembrada (CHURCHIL; PETER, 2007, p. 479). Tem a finalidade
de chamar a atenção, destacar qualidades e características do produto, recordar
marcas ou imagens de uma instituição.
O termo slogan não é proveniente do inglês. Sua origem é gaélica, língua
do povo céltico: sluagh-ghairm, que significava, na velha Escócia, “o grito de guerra
de um clã”. O inglês adotou o termo em meados do século XIX, em divisa de um
partido, e, a seguir, referindo-se a uma palavra de ordem eleitoral (REBOUL, 1975,
p. 7); foram os americanos que lhe deram sentido comercial.
O slogan deve resumir, de forma direta, a mensagem que se deseja
transmitir; uma palavra a mais pode destruir o efeito desejado. São duas as funções
do slogan: a adesão, ou seja, pela força da repetição deve ocorrer a memorização e,
como consequência, a lembrança na hora da decisão de compra; a associação à
34
informação ou identificação, seja do produto, do serviço, ou do segmento em que a
empresa atua (LUPETTI, 2003, p. 29).
O slogan acompanha o produto ou empresa ao longo de sua vida
comercial, podendo sofrer alterações ao longo do tempo, submetido que se encontra
a mudanças percebidas no mercado; dessa forma, o conceito de marca, por
exemplo, inicialmente apresentado em um slogan que destaca características
específicas do produto, pode deixar de atender uma demanda que deseje uma
significação que vá além da marca; neste caso, a significação deve transcender o
produto/serviço/empresa e procurar elementos fundamentais no público-alvo. O
slogan é um importante elemento da comunicação publicitária. É notório o poder que
ele tem de carregar o que é uma marca/empresa/produto e, ao mesmo tempo, a
capacidade que tem de envolver o público-alvo.
Alguns procedimentos na elaboração de um slogan sugerem a existência
de fórmulas ou modelos de elaboração, porém não existem fórmulas precisas para a
criação de um slogan eficiente, e também não existem conclusões precisas sobre o
porquê de sua efetividade. A criação de um slogan para as marcas implica em
trabalhar com palavras: significados e sonoridades. A escolha das palavras e a
forma de combiná-las vai da significação do texto ao uso de recursos sonoros e
visuais, um jogo entre conteúdo e forma, visando a efeitos característicos.
Não basta somente elaborar um slogan interessante e tentar associá-lo à
marca. Isso é necessário, mas não é suficiente, uma vez que o slogan também deve
ser coerente com a personalidade da marca, estando previamente em sintonia com
algum universo de valores do consumidor. Assim, o slogan terá a função de
sintetizar, relembrar, atualizar e reforçar uma relação que foi sendo previamente
construída entre os consumidores e a marca.
Reboul aponta três principais papéis do slogan: fazer aderir, prender a
atenção e resumir (1975, p. 11-39). Ele considera o slogan uma fórmula concisa e
marcante, facilmente repetível, polêmica e frequentemente anônima, destinada a
fazer agir as massas tanto pelo seu estilo quanto pelo elemento de autojustificação,
passional ou racional que ela comporta. Reboul aponta como uma das principais
características do slogan um sentido sempre explícito.
35
Ele acredita que o slogan não faz referência à propaganda devido à sua
origem histórica, porque há slogans que não são nem comerciais nem políticos, mas
ideológicos. Mas podemos discordar de Reboul e seguir o exemplo da definição de
marketing, que já não é mais a mesma desde sua elaboração, graças às mudanças
que o mercado faz de seu uso. Mesmo o que Reboul chama de slogan ideológico
nasce na característica do fazer aderir, do propagar uma ideia, o que nos lembra
que a propaganda nasceu com fins comerciais.
36
2. O MÉTODO E OS OBJETOS DE ANÁLISE
2.1 O PERCURSO GERATIVO DO SENTIDO
A semiótica, como a concebeu Greimas, tenta determinar as condições
em que um objeto se torna objeto significante para o homem. Herdeira das
concepções de Saussure e de Hjelmslev, avança da ideia de linguagem como
sistema de signos para a de sistema de significações, ou melhor, de relações, pois a
significação decorre da relação.
Para Barros (2002, p. 13), falar da significação é falar do sentido negativo,
decorrente do postulado saussuriano da “diferença”. Uma grandeza semiótica
qualquer é, então, uma rede de relações e nunca um termo isolado. O enfoque
semiótico procura organizar o texto como uma totalidade de sentido e determinar o
modo de produção desse sentido, isto é, compreender como o texto se estrutura
para dizer o que diz.
A análise semiótica vê a construção do sentido por meio de um percurso,
uma rede de relações que identifica e organiza o sentido depreendido do texto e
organizada em níveis. Estes se constroem a partir de estruturas profundas e
abstratas, nas quais se inicia a construção do sentido do texto, passa pelo nível em
que se organiza a narrativa sob o ponto de vista de um sujeito, e chega ao nível das
estruturas discursivas, em que se concretizam as bases abstratas, elevando o
sentido rumo à superfície, mais próximo à manifestação.
As estruturas profundas são as estruturas mais simples que geram as
estruturas mais complexas. A maior complexidade deve ser entendida também como
uma “complementação” ou um “enriquecimento” do sentido, porque novas
articulações são introduzidas a cada etapa do percurso e a significação nada mais é
que articulação. É assim que se considera o trabalho de construção do sentido, da
imanência à aparência, como um percurso gerativo.
É preciso entender o percurso gerativo como um percurso elaborado para
dar conta do conteúdo do texto, anterior à manifestação linguística e independente a
37
ela. O nível propriamente semiótico, imanente, compreende o percurso gerativo todo
e distingue-se do nível linguístico (ou pictórico, gestual, etc.) aparente, que se situa
fora do percurso gerativo e em que se reconhecem as estruturas textuais (BARROS,
2002, p. 15). O texto deve ser compreendido em diferentes instâncias de abstração
nas quais, por consequência, são determinadas as etapas entre a imanência e a
aparência e elaboradas descrições autônomas de cada um dos patamares de
profundidade estabelecidos no percurso gerativo, dos quais se fala a seguir.
O primeiro deles é o nível fundamental, instância mais profunda, simples
e abstrata, em que são determinadas as estruturas elementares do discurso e a
significação como uma oposição semântica mínima. O segundo é o nível narrativo,
no qual se organiza a narrativa do ponto de vista de um sujeito, e trata dos valores
inscritos nos objetos. Por fim, há o nível discursivo, mais próximo da manifestação
textual, em que a narrativa é assumida pelo sujeito – ou sujeitos – da enunciação.
São momentos diferentes de articulação do sentido, cada um deles a ser descrito e
explicado por uma gramática autônoma, embora o sentido do texto dependa da
relação entre os níveis. Estas gramáticas - fundamental, narrativa e discursiva – são
formadas, cada uma, por dois componentes: uma sintaxe e uma semântica,
conforme explica Fiorin:
cada nível é dotado de uma sintaxe, entendida como o conjunto de mecanismos que ordena os conteúdos, e de uma semântica, tomada como os conteúdos investidos nos arranjos sintáticos, sendo que a segunda tem uma autonomia maior que a primeira, o que implica a possibilidade de investir diferentes conteúdos semânticos na mesma estrutura sintática (2009, p. 21).
Para realizar uma análise semiótica, é preciso saber como se dá o
desenvolvimento de cada etapa do percurso e as relações entre a sintaxe e a
semântica de cada nível. É o que veremos a partir daqui.
38
2.1.1 NÍVEL FUNDAMENTAL
O nível fundamental comporta as estruturas elementares; nele, os
sentidos do texto são vistos, primeiramente, como uma categoria ou oposição
semântica mínima. Para descobrir a oposição de base, é preciso analisar quais
elementos que compõem o texto estão em oposição determinada por um traço
semântico em comum. Esses elementos formam a categoria de base de um texto e
dão sustentação a toda a análise.
Por exemplo: se um texto trata de questões relacionadas à vida, pode-se
postular que sua categoria semântica de base encontra-se na relação vida/morte;
isso é possível porque ambos apresentam um traço semântico comum, do estar ou
não vivo. Os termos opostos de uma categoria semântica mantêm entre si uma
relação de contrariedade, unidos por traços comuns, estabelecendo uma relação de
pressuposição recíproca: vida faz sentido ao pressupor a morte; a felicidade, a
infelicidade; o usufruto, o desperdício, etc.
No nível fundamental, a sintaxe explica as primeiras articulações
semânticas e as operações sobre elas efetuadas. O sentido nasce da
descontinuidade, da ruptura, da percepção da diferença. Ainda no nível fundamental,
é preciso estabelecer as operações sintáticas que põem em movimento as relações
de oposição.
Essas relações não acontecem diretamente entre os termos opostos,
mas, antes, devem passar pelas operações lógicas de negação e de asserção,
devendo a relação manifestar sua dupla natureza de conjunção e de disjunção; “se a
negação serve essencialmente para produzir termos contraditórios, a asserção é
capaz de reunir os termos situados no eixo dos subcontrários” (GREIMAS;
COURTÈS, 2008, p. 474). Ao aplicar uma operação de negação a cada um dos
contrários, obtêm-se dois contraditórios; cada um deles implicará o termo contrário
daquele de que é contraditório e, para distingui-los dos outros dois contrários, são
chamados de subcontrários.
A semântica do nível fundamental abriga as categorias de base e a
valorização axiológica dos termos que as compõem. As categorias semânticas são
39
organizadas por um quadrado que organiza logicamente os termos da categoria,
conforme explicam Greimas e Courtès:
compreende-se por quadrado semiótico a representação visual da articulação de uma categoria semântica qualquer. A estrutura elementar da significação, quando definida – num primeiro momento – como uma relação entre ao menos dois termos, repousa apenas sobre uma distinção de oposição. (2008, p.400)
As operações lógicas de negação e de asserção, que veremos se articularem
no quadrado semiótico podem ser exemplificadas assim, ainda usando como
exemplo a categoria vida/morte:
Vida Morte (contrários)
Não-vida Não-morte (subcontrários)
Assim, a semântica do nível fundamental se apresenta como um
inventário de categorias sêmicas cuja representação sintagmática é garantida pelas
operações sintáticas. As categorias semânticas podem ser axiologizadas na
instância das estruturas fundamentais pela projeção, sobre o quadrado que as
articula, da categoria tímica /euforia/ versus /disforia/. São elas que imprimem os
valores negativos ou positivos, determinando se a relação de um termo é de
conjunção ou de disjunção.
O termo aplicado à marca /euforia/ é considerado valor positivo; já o
aplicado à /disforia/ é visto como um valor negativo. Em um texto, esses valores
axiológicos não são pré-determinados pela análise; ela oferece o caminho para
reconhecê-los, mas eles estão inscritos no texto.
Os termos da categoria semântica são, dessa forma, investidos de
valores axiológicos, e não apenas valores descritivos, e surgem, em relação à
semântica narrativa, como valores virtuais, ou seja, não relacionados ainda a um
sujeito. A atualização só ocorre na instância superior da semântica narrativa, quando
tais valores são assumidos por um sujeito. A categoria tímica /euforia/ vs. /disforia/,
para Greimas, está por detrás, ou melhor, de acordo com a metáfora do percurso
40
gerativo, por baixo das organizações modais que definem as paixões (BARROS,
2002, p.25).
Fiorin (2009, p.24) enfatiza que a semântica e a sintaxe do nível
fundamental representam a instância inicial do percurso gerativo, responsável por
tentar explicar os níveis mais abstratos da produção, do funcionamento e da
interpretação do discurso.
2.1.2 NÍVEL NARRATIVO
O nível narrativo é a etapa do percurso em que se constroem as
estruturas narrativas. Nele, no lugar das operações lógicas vistas no nível
fundamental, ocorrem as transformações narrativas executadas por um sujeito. Aqui
entram em cena sujeito e objeto: as categorias semânticas fundamentais convertem-
se em valores dos sujeitos e são introduzidos nos objetos com os quais o sujeito se
relaciona.
No nível narrativo, a sintaxe direciona o fazer, uma espécie de
representação das ações do homem no mundo e das suas relações com o outro,
buscando mostrar e analisar como a especificidade de cada texto pode ser
contemplada por um modelo mais genérico e previsível, e não, como acreditam
alguns, criar uma camisa-de-força, uma fôrma, em que devam obrigatoriamente
entrar os mais diversos discursos.
Neste patamar do percurso, o ponto central é a narratividade, que se
define como uma transformação pela qual passa o sujeito, situada entre dois
estados sucessivos e diferentes. Isso significa que deve ocorrer uma narrativa
mínima, a qual comporta um estado inicial, uma transformação e um estado final.
Como transformação de conteúdo, a narratividade é um componente da teoria do
discurso e deve ser entendida como a sucessão de estados e de transformações,
responsável, nessa instância, pela produção do sentido.
Parte-se de duas concepções complementares de narratividade: a)
transformação de estados, de situações, operada pelo fazer transformador de um
41
sujeito, que age no e sobre o mundo em busca de certos valores investidos nos
objetos; b) sucessão de estabelecimentos e de rupturas de contratos entre um
sujeito e outro, de que decorrem a comunicação e os conflitos entre sujeitos e a
circulação de objetos-valor.
A narratividade concretiza-se por meio de um programa narrativo,
considerado a unidade operatória elementar da sintaxe narrativa. O que define um
programa narrativo são as transformações de estado, quer dizer, as mudanças na
relação entre sujeito e objeto ou entre um sujeito e outro sujeito. É importante neste
momento inicial em que tratamos do nível narrativo trazer o esclarecimento de Fiorin:
“não se pode confundir sujeito com pessoa e objeto com coisa. Sujeito e objeto são
papéis narrativos que podem ser representados num nível superficial por coisas,
pessoas ou animais” (2009, p. 29).
Os textos são compostos por um ou mais programas narrativos,
classificados em dois tipos. O programa narrativo principal de um enunciado é
chamado programa de base; é ele que abrange todo o texto e contém a ideia central
da narrativa. Já os programas narrativos pressupostos e necessários aos de base
são chamados programas de uso.
Greimas e Courtés esclarecem que os programas narrativos de uso “são
em número indefinido, ligado à complexidade da tarefa a cumprir”, que é a de operar
as transformações de estado que auxiliam ou dificultam o programa de base; “no
nível discursivo os programas narrativos podem estar explícitos ou permanecer
implícitos: sua explicação é uma exigência da sintaxe narrativa de superfície” (2008,
p. 389-390).
Na sintaxe narrativa, há dois tipos de enunciados elementares:
- enunciados de estado: que estabelecem uma relação de junção
(disjunção ou conjunção) entre sujeito e objeto. Havendo dois tipos de enunciados
de estado, há também duas espécies de narrativas mínimas: a de privação e a de
liquidação de uma privação. Na primeira, ocorre um estado inicial conjunto e um
estado final disjunto; na segunda, o contrário, um estado inicial disjunto e um final
conjunto.
42
- enunciados de fazer: que efetuam a passagem de um estado a outro, ou
seja, de um conjuntivo a um disjuntivo e vice-versa. O objeto da transformação é,
portanto, um enunciado de estado. Os dois tipos de enunciado, de estado e de fazer,
marcam no discurso a diferença entre estado e transformação, cujo reconhecimento
e distinção constituem o primeiro trabalho da análise narrativa.
Todo enunciado que rege outro enunciado é um enunciado modal, e o
regido, um enunciado descritivo. No programa narrativo, o enunciado de fazer é um
enunciado modal, que “modaliza” o enunciado de estado descritivo. É preciso,
porém, lembrar que os enunciados de estado também podem ser enunciados
modais.
Fiorin (2009, p. 29) ressalta que os textos são uma série de enunciados
de estado e de fazer, passando de narrativas mínimas a complexas; o que organiza
tal série, tornando a narrativa complexa, é uma estrutura canônica que compreende
quatro fases: a manipulação, a competência, a perfórmance e a sanção.
Na manipulação, um sujeito age sobre o outro. É relevante, antes de
expor a importância deste aspecto da estrutura canônica para o percurso,
apresentar a afirmação de que “o percurso gerativo do sentido prevê um percurso
anterior ao fazer (transformação de estado) que corresponde justamente à
modalização do sujeito operador, a qual ocorre sempre numa relação entre sujeitos”
(LARA; MATTE, 2009, p. 24).
É na fase da manipulação que se instauram as modalidades que
virtualizam, que estabelecem o sujeito; as modalidades do querer e do dever-fazer,
que permitem constituir o sujeito da narrativa. A manipulação trabalha com a
persuasão ao articular o fazer persuasivo (do destinador-sujeito que oferece valores
modais ou descritivos desejados ou temidos) e o fazer interpretativo (do destinatário-
sujeito).
Na fase de competência, o sujeito que vai realizar a transformação central
da narrativa é dotado de um saber ou poder fazer. A competência também modaliza
o sujeito, mas não mais no nível do querer ou dever, mas em tornar possível o fazer,
isto é, está focada no saber-fazer e no poder-fazer.
43
No que se refere à dotação de competência semântica, esta deve ser
entendida como um contrato fiduciário, em que o destinador, graças a um fazer
persuasivo, busca a adesão do destinatário; pretende-se fazer que este, ao exercer
o fazer interpretativo que lhe cabe, creia ser verdadeiro o objeto apresentado, o
discurso do outro e o próprio destinador. Há estreita vinculação entre a confiança e a
crença, o que permite falar em contrato fiduciário. A confiança entre os homens
fundamenta a confiança nas palavras deles sobre as coisas e o mundo e,
finalmente, a confiança ou a crença nas coisas e no mundo.
A atribuição de competência modal ao sujeito, para levá-lo a fazer,
constitui a manipulação propriamente dita e pressupõe o contrato fiduciário acima
referido. Tal manipulação consiste na doação de valores modais, cuja organização
determina a competência do sujeito. A confiança estabelecida entre os sujeitos é, na
maior parte das vezes “(...) um contrato imaginário, um simulacro. Os simulacros não
têm fundamento intersubjetivo, embora determinem, mesmo assim, as relações
entre sujeitos” (BARROS, 2005a, p. 50).
A perfórmance é a fase em que se dá a transformação (mudança de um
estado a outro) central da narrativa. A perfórmance é o momento da transformação,
da mudança, quando um sujeito opera sobre outro que sofre a junção (disjunção ou
conjunção).
A manipulação do destinador distingue-se, pelos critérios vistos, da ação
do sujeito: o sujeito, pela perfórmance, altera estados, faz ser, e simula a ação do
homem sobre as coisas do mundo; o manipulador transforma o sujeito, ao modificar
suas determinações semânticas e modais, ou seja, faz-fazer, e representa a ação do
homem sobre o homem.
O destinador manipulador segue um percurso que se inicia como
estabelecimento do contrato, para, em seguida partir para a manipulação
propriamente dita; é o momento dos investimentos persuasivos e da interpretação. E
seu percurso se encerra no momento da recusa ou da aceitação do contrato.
(BARROS, 2002, p. 38)
Na sanção, ocorre a constatação de que a perfórmance se realizou e,
consequentemente, o reconhecimento do sujeito que operou a transformação. É na
44
fase da sanção que ocorrem as descobertas e as revelações, são atribuídas as
recompensas e os castigos (FIORIN, 2009, p. 29-31). A sanção pode ser positiva ou
negativa, dependendo de como se desenvolveu a competência do sujeito
manipulado.
As transformações podem ser pressupostas e as fases da estrutura
canônica podem ser ocultas ou mesmo não se realizarem. Tais fases, que regem a
narrativa complexa, pressupõem uma relação anterior entre sujeitos, um contrato
que permanece entre a tensão e o relaxamento de forma flexível, conforme se
articulam as fases da estrutura canônica.
Cumpre ressaltar: as fases não se encadeiam numa sucessão temporal
explícita apenas, mas também por relações de pressuposição lógica. Quando se
reconhece que uma transformação se realizou, a sua realização está pressuposta na
constatação. Assim, as fases da sequência canônica na narrativa não precisam
estar necessariamente arranjadas conforme sua descrição; algumas podem ficar
ocultas e são recuperadas a partir de pressuposição; além disso, algumas narrativas
não se realizam completamente e, ainda, podem relatar, preferencialmente, uma das
fases. As narrativas podem conter também mais de uma sequência canônica.
A comunicação entre sujeitos ocorre por meio de objetos de valor que
circulam entre eles e que os constituem como sujeitos. Barros, ao tratar da questão,
afirma que:
É preciso, assim, rever as noções e as denominações de “emissor” e de “receptor” da comunicação, pois, nessa perspectiva, os sujeitos da comunicação não podem mais ser pensados como caixas vazias de emissão e de recepção de mensagens. (2005b, p. 48)
Barros (2002, p. 36) classifica os sujeitos como Competentes, tanto o
destinador quanto o destinatário, porque possuem qualidades que permitem que se
comuniquem. Nessa perspectiva, trata das chamadas qualidades modais: o querer,
o dever, o saber e o poder fazer, as quais, ao dotarem os sujeitos da competência
citada pela autora, permitem que eles se comuniquem, a partir de valores
decorrentes das relações históricas, sociais e ideológicas.
45
Para persuadir e interpretar, é preciso comparar os conhecimentos,
valores e crenças que fundam a competência semântica dos sujeitos, com aqueles
que estão em jogo na comunicação, por meio de estratégias mudam historicamente,
de cultura para cultura:
Os conhecimentos, crenças, sentimentos e valores dos sujeitos são resultantes de outras tantas relações de comunicação-manipulação-interação anteriores e vão-se modificando e construindo, portanto, outros sujeitos a cada nova relação de comunicação (BARROS, 2005b, p. 49-50).
A partir daqui podemos verificar os elementos que dão concretude e
aproximam o enunciado da manifestação.
2.1.3 NÍVEL DISCURSIVO
No nível discursivo, as formas ainda abstratas do nível narrativo são
revestidas de termos concretos; é nesse nível que se produzem variações de
conteúdos narrativos invariantes. O percurso gerativo é composto de níveis de
invariância crescente, porque um patamar pode ser concretizado pelo patamar
imediatamente superior de diferentes maneiras, isto é, o patamar superior é uma
variável em relação ao imediatamente inferior, que é uma invariante (FIORIN, 1999).
Barros (2005a, p. 123) esclarece que o nível discursivo é o patamar mais
superficial do percurso, e o mais próximo da manifestação textual; as estruturas
discursivas são mais específicas e mais complexas semanticamente que as
estruturas narrativas e as fundamentais; e as estruturas narrativas convertem-se em
estruturas discursivas quando assumidas pelo sujeito da enunciação.
A análise discursiva opera sobre os mesmos elementos que a análise
narrativa, mas retomando aspectos que tenham sido postos de lado, como as
projeções da enunciação no enunciado, os recursos de persuasão utilizados pelo
enunciador para manipular o enunciatário ou a cobertura figurativa dos conteúdos
narrativos abstratos.
No nível discursivo, encontra-se uma sintaxe que trabalha com as
projeções da enunciação no enunciado. A enunciação projeta no enunciado os
46
atores, e as coordenadas de tempo e de espaço de sua realização. Essa projeção
se dá por meio dos mecanismos de debreagem e embreagem, que determinam
como as categorias de pessoa, espaço e tempo são construídas no enunciado.
Esses mecanismos são classificados de acordo com a relação que
estabelecem com as pessoas, os tempos e os espaços. Se num enunciado são
projetados os atores, espaços e tempos da enunciação pressuposta (eu/tu – aqui –
agora), diz-se que a debreagem é enunciativa. Aqui a intenção é produzir efeitos de
sentido de subjetividade e parcialidade. Já na debreagem enunciva os atores,
espaços e tempos do enunciado são ocultos (ele – lá – então), diz-se que é
enunciva, buscando produzir efeitos de objetividade e imparcialidade.
O outro mecanismo de projeção, a embreagem, decorre da suspensão
das oposições de espaço, tempo e pessoa. Ela acontece, por exemplo, quando se
emprega a terceira pessoa no lugar da primeira, para ressaltar o papel social do
enunciador e afastar os efeitos de subjetividade.
Fiorin (2009) explica, então, que existem dois níveis de concretização das
estruturas narrativas: a tematização e a figurativização. Se a concretização parar no
primeiro nível, teremos textos temáticos; se vier até o segundo, teremos textos
figurativos. Os primeiros são compostos predominantemente de temas, isto é, de
termos abstratos.
Figuras são os termos presentes no texto que remetem ao mundo real:
cor, altura, dançar, brincar, lavar, sujeira, etc.; já temas são categorias que
classificam e organizam os elementos figurativos: amor, vergonha, alegria,
satisfação, etc. Os textos são construídos em articulações entre figuras e temas;
alguns textos possuem em seu nível discursivo mais figuras, o que o torna um texto
figurativo; por meio das figuras presentes, é possível depreender o tema que trata o
discurso.
Lara e Matte (2010, p. 70) apontam uma perspectiva a partir desse
conhecimento, a de analisar a forma como as culturas abordam determinados
assuntos por meios das ligações entre os temas e figuras que transitam entre os
discursos produzidos em diversos momentos históricos. Esse caminho também
aponta outro, o da noção de isotopia, que é definida pela “recorrência de categorias
47
sêmicas ao longo de um texto, sejam elas temáticas (abstratas) ou figurativas”
(LARA; MATTE, 2010, p. 70).
Tal recorrência estabelece um plano de leitura para os textos, é o que
demonstra os valores que estão inscritos nele, determinando a interpretação do
texto por ele mesmo. Lara e Matte (2010, p. 81) observam que figuras e temas são
construções culturais: uma figura pode representar diferentes temas em diferentes
épocas sociais e culturais, ou variar de uma cultura para outra. As autoras ainda
defendem que a observação é muito importante para situar a análise temático-
figurativa em termos culturais, o que garante a eficácia da análise no momento de
apontar, corretamente, quais são os temas e as figuras de um texto e o que eles
representam.
Para a semiótica, a verdade é um efeito do discurso e resulta de uma
interpretação. Afirma Barros que o enunciador propõe um contrato que estipula
como o enunciatário deve interpretar a verdade do discurso:
O reconhecimento do dizer-verdadeiro liga-se a uma série de contratos de veridicção anteriores, próprios de uma cultura, de uma formação ideológica e da concepção, por exemplo, dentro de um sistema de valores, de discurso e seus tipos. O contrato de veridicção determina as condições para o discurso ser considerado verdadeiro, falso, mentiroso ou secreto, ou seja, estabelece os parâmetros, a partir dos quais o enunciatário pode reconhecer as marcas da veridicção. A interpretação depende, assim, da aceitação do contrato fiduciário e, sem dúvida, da persuasão do enunciador para que o enunciatário encontre as marcas de veridicção do discurso e as compare com seus conhecimentos e convicções, decorrentes de outros contratos de veridicção, e creia, isto é, assuma as posições cognitivas formuladas pelo enunciador. (2002, p. 94)
É a partir desse vasto campo de conhecimento e de prática que partimos
para as análises que irão revelar como se engendram os sentidos em slogans
publicitários. Tal pesquisa se dá por meio de um corpus selecionado a partir de
slogans das marcas Omo e Coca-Cola, como veremos a seguir.
48
3. LENDO OS SLOGANS PELA ANÁLISE SEMIÓTICA
O percurso gerativo de sentido é o instrumental de análise empregado na
interpretação dos slogans que compõem o corpus desta pesquisa.
Desde 1991, o Instituto Datafolha e o Jornal Folha de São Paulo realizam
anualmente a pesquisa Top of Mind, que visa a identificar as marcas mais
lembradas em todo o Brasil, em diversos seguimentos (DataFolha, 2009, não
paginado).
Os dados colhidos desde então servem para mensurar a força que as
grandes marcas possuem junto aos consumidores, para medir os resultados das
ações de comunicação delas; consequentemente, eles servem também como
importante instrumento para o desenvolvimento de novas ações de marketing e
propaganda. Em 1993, foi criada a categoria Top do Top, que busca saber qual
marca é a mais lembrada no ano pelo consumidor brasileiro, independentemente de
categoria.
A marca Coca-Cola figura na lista das marcas mais lembradas desde a
criação da categoria e apenas em 1999 ela não compôs a lista; já a marca de sabão
em pó Omo permanece entre as primeiras desde o início.
As marcas apresentam uma trajetória de sucesso mercadológico
acompanhada de campanhas eficientes e inesquecíveis para o grande público, junto
a quem sua lembrança pode ser avaliada graças ao grande investimento que
realizam em campanhas publicitárias, à veiculação sempre constante nos principais
veículos de comunicação de massa e à criação de linhas criativas para suas
campanhas publicitárias.
Em sua história, ambas as marcas apresentaram diversos slogans. O
número significativo de slogans registrados pelas marcas ao longo do tempo exige
um recorte para fins deste estudo. A delimitação do corpus compreende os slogans
apresentados pelas marcas em campanhas publicitárias veiculadas no período entre
2000 e 2009, período durante o qual, de um modo ou de outro, a pesquisadora
esteve envolvida com estudos que dariam origem ao projeto deste trabalho. Assim, a
partir dos elementos teóricos, serão analisados cinco slogans de cada marca:
49
Omo
1.Omo faz, Omo mostra.
2.Melhor que Omo só Omo.
3.Só Omo lava mais branco.
4.Porque não há aprendizado sem
manchas.
5.Porque se sujar faz bem.
Coca-Cola
1.Gostoso é viver...
2.Essa é a real.
3.O lado Coca-Cola da Vida.
4.Viva do lado Coca-Cola da Vida.
5.Sua felicidade transforma.
Tabela 01 – Slogans da Análise
3.1 OMO
3.1.1 OMO FAZ, OMO MOSTRA.
No primeiro slogan, verifica-se, inicialmente, a depreensão de sua
categoria semântica de base. A observação dos elementos do texto permite inferir
dois conteúdos: um primeiro que trata de competência e incompetência; e um
segundo que trata de atividade e passividade.
Uma vez que os termos da categoria devem ser organizados como uma
oposição, apresentam-se as categorias dispostas da seguinte forma:
Competência Incompetência
Não-competência Não-incompetência
Atividade Passividade
Não-passividade Não-atividade
Há uma relação entre as duas categorias que poderia, num primeiro olhar,
permitir apenas a identificação de termos relacionados à atividade e à passividade.
Entretanto, no momento em que a análise passa ao trabalho de marcação tímica dos
50
elementos dessa categoria, verifica-se a necessidade de apontar outros elementos
semânticos presentes na construção do texto. Assim, se este se articula sobre uma
estrutura elementar que trata da ação a ser realizada pelo sujeito, também revela um
outro sentido, que é o de ela se apresentar como uma ação superior a de outros, os
quais não possuem a capacidade de efetivá-la.
Na primeira categoria, é eufórico o termo atividade, que implica em ação,
somada à disposição de mostrar. Não é uma atividade qualquer que se expõe; trata-
se de uma ação superior, que demanda uma competência responsável por
demonstrar que se pode fazer melhor.
Se se pensar nos interesses que se encontram subjacentes a todo
discurso publicitário, pode-se inferir que esse discurso pressupõe que as atividades
aconteçam motivadas pela necessidade de demonstrar alguma coisa superior,
melhor que outras. A comunicação publicitária produz discursos com o objetivo de
atender à necessidade das marcas de divulgar o que fazem e oferecem, em
mercados povoados de concorrentes que fazem o mesmo.
O objetivo do discurso publicitário não é o de apenas mostrar o que faz
uma marca; a ampliação dos mercados exigiu a construção de discursos que não
mais “avisam” o que as marcas oferecem, mas que demonstrem porque, entre tantas
outras semelhantes, uma merece ser escolhida. Além disso, tal discurso pretende
conduzir o público para a percepção dessa superioridade e capacidade: qual, dentre
tantas marcas que oferecem o mesmo benefício, irá chamar mais atenção ao
demonstrar que pode fazer mais e melhor do que a similar?
No enunciado “Omo faz, Omo mostra”, manifesta-se uma narrativa
mínima: de um estado inicial de inércia e desconhecimento passa-se para um
estado final do realizado e de sua revelação. A transformação se dá claramente no
texto; o estado inicial e o final subjazem e são recuperados pelo exercício de
análise. No nível das transformações, a ideia principal da narrativa se encontra no
sujeito que se apresenta como capaz de fazer alguma coisa e que reafirma isso.
No nível narrativo, precisamos depreender as algumas instâncias que estão
pressupostas. A manipulação não é clara, mas é pressuposta pela afirmação de que
o sujeito “faz e mostra”; o mostrar é quase uma espécie de sanção à performance
51
implicada no fazer. O destinatário é manipulado por um destinador transcendente.
Por sua vez, assim manipulado, o destinatário não possui outro caminho a não ser
realizar a ação, entrar em conjunção com o objeto desejado – o qual, nesse
enunciado, se encontra totalmente pressuposto: não há como saber o que é feito.
Destaca-se, na estrutura canônica que organiza este enunciado, a perfórmance e a
transformação decorrente dela; porém, não fica claro a quem ela afeta.
A competência do sujeito que realiza é reforçada pelo enunciado uma vez
que ele parece não precisar apresentar maiores argumentos para afirmar sua
capacidade, porque, além de simplesmente se dispor a fazer (sem medo da sanção
negativa, porque não apresenta nenhuma explicação), ainda quer mostrar do que é
capaz. Pelo enunciado, infere-se também a percepção de que fazer e mostrar
constitui-se como uma ação importante para o sujeito. Assim, mesmo não ficando
claro na afirmação qual é, afinal, a competência do sujeito, esta é valorizada quando
ele realiza sua performance e mostra o que faz.
No terceiro momento da análise semiótica, chega-se ao nível mais
superficial, o do discurso. É aqui que se identifica a projeção dos sujeitos da
enunciação por meio de termos que os concretizam.
Nesse sentido, identifica-se um enunciador delegado – composto pelos
produtores do anúncio – que se instalam no discurso por meio do mecanismo de
debreagem actorial enunciva: a figura Omo representa um ele, recurso empregado
para conferir ao enunciado objetividade, buscando alcançar um efeito de sentido
final de que aquilo que se expressa, no enunciado, constitui uma verdade absoluta,
inquestionável, a partir do seu próprio conteúdo.
Contudo, ao se verificar a categoria de tempo no discurso, parece que
existir uma contradição, uma vez que se identificam elementos no enunciado que
apontam para uma temporalidade enunciva: a ação posta no presente, “faz/mostra”.
Logo se constata que a contradição é apenas aparente, pois o presente a que tais
formas remete é um presente atemporal, recurso utilizado com a pretensão de
reforçar o efeito de verdade criado pela debreagem enunciva, ao se considerar que
o enunciado não vale apenas para o tempo específico em que se simula essa
enunciação.
52
É o que se nota também na categoria do espaço; por esta, o slogan não
pertence a um anúncio ou a um lugar, atribuindo-se o sentido de que a ação do
sujeito se realiza em um espaço objetivante do lá, de modo que, onde quer que tal
ação seja realizada pelo sujeito, “ela faz acontecer”.
Como o slogan é um texto curto, um percurso temático principal se
destaca e está relacionado à posição mercadológica do sabão Omo. O produto
demonstra (age) o que faz ao seu público e que isso é o que mais importa para a
marca na sua relação com o público: necessidade de que o sujeito seja ativo, para
poder ter algo a mostrar. Isso, pelo menos, durante o período em que utiliza este
enunciado como seu lema mercadológico, antes de substituí-lo por outro.
3.1.2 MELHOR QUE OMO SÓ OMO.
Se o slogan anterior se apresentou com uma ação, este se apresenta
como uma simples afirmação, da qual se extraem as categorias de base que
sustentam o pequeno texto.
Dessa forma, percebe-se uma “exclusividade da competência”, o caráter
de ser único e de ser melhor naquilo que faz; depreendem-se, dessa leitura, duas
categorias:
Superioridade Inferioridade
Não-inferioridade Não-superioridade
Singularidade Pluralidade
Não-pluralidade Não-singularidade
Em um primeiro momento, os elementos presentes no texto (“melhor
que”) apresentam uma comparação, demonstram tratar de algo que é superior, e
esta última característica chama atenção para outra dinâmica importante para a
construção do texto, a de que essa superioridade não é dividida, não tem como
53
comparar porque ela é única, singular. Assim, sustentam a construção do sentido
deste texto, respectivamente, os termos superioridade e singularidade.
Ambos são qualificados como termos eufóricos, porque no texto se
apresentam como valores positivos. Não interessa, por exemplo, o valor semântico
não-superioridade, que podemos chamar também de “mediano”. . Ao enunciado só
interessa o valor de ser superior. Além disso, reforça-se a superioridade ao
apresentar o valor de comparação, inscrito na oposição singular versus plural. O
mercado poderia ter outras marcas de sabão, mas nenhuma supera Omo.
Inicialmente, a dificuldade encontrada nesta análise deve-se ao fato de o
texto do slogan não possuir um verbo. Assim, de início, parece, considerando-se
uma perspectiva gramatical mais restrita, não haver um sujeito que desenvolve a
ação; também não há o sujeito a quem ele deveria dirigir a sua ação. Mas o slogan
“Melhor que Omo só Omo” é, sim, uma frase, é um enunciado capaz de comunicar,
uma vez que se apresenta como um conjunto de palavras que forma um enunciado
coerente, responsável por transmitir uma ideia, dispensando-se a exigência da
presença de um sujeito ou de um verbo.
Nesse sentido, ainda que, ao explicar a sintaxe narrativa em semiótica,
Barros lembre que esta “não é uma sintaxe de sujeito-predicado, como as da
gramática gerativa ou da sintaxe distribucional, mas uma sintaxe semelhante à de
Tesnière ou Fillmore, em que o núcleo é o „verbo‟, que define a relação entre
actantes” (2002, p.31), deve-se deixar claro que há sempre a possibilidade, de
recorrendo-se ao exercício de pressuposição, recuperar essa relação entre os
actantes.
Assim, o que estabelece a narratividade do texto é a sucessão de estados
e de transformações, responsável, nessa instância, pela produção do sentido. É na
sintaxe narrativa que se analisa esta sucessão responsável pela produção dos
sentidos, e o que viabiliza os estados e as transformações é a relação entre os
actantes presentes no enunciado.
Em suma, embora sem o verbo, não possamos ver claramente quem são
os actantes envolvidos nas ações implicadas pelo enunciado, podemos trabalhar no
campo das pressuposições lógicas e tentar encontrar os actantes do enunciado.
54
Como não temos um verbo de ação, nem um verbo de estado, vamos
pressupor o momento anterior à criação do texto analisado. Podemos pressupor um
momento de comparação entre sujeitos, onde Omo está sendo comparado com
outro sabão em pó. Dessa forma, visualizaremos o nosso slogan como parte
recortada de um enunciado maior, que provavelmente se iniciou com uma pergunta:
existe sabão em pó melhor do que Omo? Com essa pressuposição, encontramos
nosso verbo e podemos identificar nossos actantes.
Num nível estritamente discursivo, a pressuposição ajudaria a completar a
análise, mas se considerarmos o contexto em que o slogan se insere, sabemos que
o sujeito que enuncia é a marca Omo e isso não fica claro no enunciado que
produzimos. Para transportarmos isso para a análise, transformamos então a nossa
pressuposição não em uma pergunta, apenas reforçamos a afirmação: “Não existe
melhor sabão em pó do que Omo: melhor que Omo, só Omo”. Com esta construção,
identifica-se um sujeito.
Temos, portanto, uma narrativa mínima, um enunciado de estado, já que
não há ação aparente no texto. Este é conduzido por um sujeito que pretende
convencer outro de que Omo é o melhor sabão em pó. Aqui a manipulação não se
encontra num querer ou fazer alguma coisa, mas pretende levar o outro destinatário
a um crer.
Nesse contexto, o objeto de valor é a crença que se sustenta em um
poder fazer e um fazer a partir do qual o sujeito se constrói. O destinatário encontra-
se disjunto desse conhecimento, e modaliza-se no enunciado pela ação/afirmação
feita pelo sujeito-destinador, que modaliza um crer. Quem realiza a transformação
central, a afirmação de que Omo é o melhor sabão, é o destinador, que possui
competência, fundamentada num saber prévio; um saber que não dá margem a
dúvidas.
Com verbo ou sem o verbo, o slogan apresenta o mesmo mecanismo de
debreagem actorial enunciva utilizado em “Omo faz, Omo Mostra”, que confere
objetividade e expressa como uma verdade absoluta demonstrada no enunciado.
Sob a máscara do recurso enuncivo empregado no enunciado, porém, instalam-se
marcas enunciativas, quando se apresentam marcas de um julgamento de valor,
como em “melhor” e “só”. Assim, procura-se manter, no texto objetivo, um aspecto
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subjetivo, que objetiva reforçar a presença do produto anunciado e de sua
importância no slogan.
Sobre a organização do tempo, ainda que não haja, efetivamente, um
verbo que demonstre a instância da enunciação pode-se postular também a
existência de um presente atemporal pressuposto - “Melhor que Omo, só Omo (é)”,
ajudando a garantir o efeito de verdade presente no texto.
O tema reafirmado no slogan é o da superioridade do produto em relação
aos outros. O texto não possui outras figuras, a não ser o próprio Omo, que além de
ser tomado como sujeito da ação, apresenta-se como o objeto que concretiza as
invariantes do nível narrativo e materializa a superioridade e a singularidade
identificadas nas instâncias mais profundas.
3.1.3 SÓ OMO LAVA MAIS BRANCO.
No terceiro slogan de Omo, percebemos traços de singularidade
encontrados também no slogan anterior. Mas, dessa vez, extraímos apenas uma
categoria de base, semelhante àquela que trata de singularidade/pluralidade, mas
que se diferencia semanticamente por alguns detalhes pertinentes: exclusividade x
ordinarismo.
Exclusividade Ordinarismo
Não-ordinarismo Não-exclusividade
O que estabelece uma verdadeira categoria semântica é a relação de
contrariedade. A princípio, a categoria de base acima apresentada pode gerar
dúvidas sobre os traços semânticos que as tornam contrárias, então é preciso
esclarecer quais pontos conectam estes termos.
A exclusividade possui dois significados próximos, porém distintos: um
que trata de capacidade e poder de exclusão; outro que trata do que é especial,
56
único e restrito. Se estabelecermos uma relação contrária entre exclusivo e
inclusivo, esta se dará apenas no que diz respeito à capacidade de incluir ou excluir,
deixando a oposição ao que é único e restrito incompleta. Se tomarmos estas
últimas características na busca pelas oposições básicas, veremos que elas se
opõem ao que é comum, medíocre e frequente. O que é ordinário trata do habitual,
daquilo que todos, igualmente, possuem, características contrárias ao que é
especial, único, ao que é exclusivo.
O uso dessa categoria semântica como base na construção de textos
publicitários é muito comum. Em um mercado povoado de marcas e empresas
oferecendo o mesmo serviço, as marcas precisam chamar a atenção do consumidor
por meio da oferta de elementos diferenciais, que vão da qualidade ao preço, isto é,
de valores abstratos a valores concretos.
Os valores abstratos têm poder de lembrança e permanência maior do
que a transitividade da alteração de preços. A exclusividade é característica daquele
que tem poder de excluir os outros, que possui força de realizar a exclusão, além de
ser algo especial e restrito; caracteriza o que é único e incomparável. O que é
ordinário envolve o conjunto, trata do que é comum e pouco notável. Nossa
categoria de base se forma, então, recorrendo a outros vocábulos, pela oposição
entre o único e o comum.
Este slogan é um enunciado de fazer. Há um sujeito que realiza a ação,
relacionada a outros programas narrativos pressupostos, O destinatário é
modalizado na manipulação pelo destinador; aqui a relação não se estabelece
apenas no querer, mas também no crer. O objeto-valor visado na perfórmance é o
atributo de lavar mais branco.
Já no nível discursivo, mais uma vez, Omo é uma das figuras que
concretizam os termos abstratos do texto, é ele que veste a qualidade de ser
exclusivo, dessa vez dividindo o espaço do enunciado com outra figura: o branco.
Essas figuras concretizam o tema da eficácia, do que é ser eficaz, além da posse
exclusiva dessa capacidade.
Também vemos se repetir o emprego da debreagem actorial enunciva,
em que a pessoa aponta para um actante do enunciado, mais uma vez figurativizado
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por Omo. Repete-se, igualmente, a inserção de traços enunciativos, ao se
reproduzirem termos de natureza qualificativa, como “só” e “mais branco”, a
recuperar juízos de valor construídos na instância de enunciação. A identificação do
tempo, no nível discursivo desse slogan, mantém a proposta dos outros para se criar
um efeito de verdade, já que o verbo está num presente atemporal.
O tema do slogan diz respeito à superioridade de Omo, figurativizada pela
expressão “mais branco” e pelo “lavar” que a pressupõe.
3.1.4 PORQUE NÃO HÁ APRENDIZADO SEM MANCHAS.
Um detalhe da análise deste slogan se destaca antes mesmo de
chegarmos à fase discursiva, comumente trabalhada após a descrição das duas
primeiras fases do percurso. Aqui, a figura Omo não se insere mais no enunciado.
Houve uma clara mudança das articulações internas e profundas no texto do slogan,
e vamos investigar por meio do percurso como ela aconteceu.
Primeiramente, percebe-se que os valores anteriores, sempre ligados à
qualidade e eficiência, não se fazem mais presentes. Da observação dos
componentes desse slogan, podemos inferir uma categoria de base que trata da
aquisição de conhecimento, a articulação principal deste texto está no aprendizado.
Construímos, então, a categoria de base:
Conhecimento Ignorância
Não-ignorância Não-conhecimento
Mesmo sendo construído a partir de uma negação, nesse enunciado, o
termo conhecimento é o de valor eufórico, é ele que recebe a qualificação positiva
no texto.
Observa-se que o enunciado trata de aprendizado; este se relaciona a
atividades que devem ser realizadas para alcançar algum tipo de saber; por meio do
aprendizado se adquire experiência, e ele pode ser visto também como um processo
58
contínuo de soma de experiências, as quais se tornam possíveis graças aos
diversos momentos que o compõem. Trata-se de um processo que pressupõe uma
construção semântica maior, faz parte do universo de construção do conhecimento;
o fim último de uma situação de aprendizado é o conhecimento que se adquire por
meio dele.
Não há no texto nenhuma referência ao não-conhecer, à ignorância, mas,
na construção das categorias de base, podemos depreender que a construção do
sentido do texto é feita sobre uma categoria que nega a ignorância e afirma o
conhecimento.
Para realizar a análise no nível narrativo, é preciso verificar os elementos
do texto para buscar seus os actantes. Pelo enunciado, resta evidente que há um
sujeito que precisa passar pelo aprendizado, aprender algo ainda que marcado
pelas manchas que acompanham esse processo. Manipulado por um querer-fazer, o
destinatário adquire competência modal que torna possível o fazer, a transformação
central da narrativa.
Verifica-se, portanto, que a perfórmance fica pressuposta pelo percurso
indicado: ao sujeito que deseja entrar em conjunção com o conhecimento, é preciso
arriscar a passagem pelo vale das manchas. Estas não são negativas, ao contrário:
são parte inseparável do processo e, pode-se dizer, servirão como prova da ação
realizada.
No nível discursivo, a afirmação é de novo construída com base na
debreagem enunciva de atores, aproveitando-se da impessoalidade construída a
partir do emprego da forma verbal “há”, indicando que o “conselho” serve para
qualquer pessoa. Já no que se refere ao tempo, o mesmo verbo, de novo em uma
espécie de presente atemporal, sugere que se trata, também, de uma verdade válida
para qualquer tempo: o aprender é sempre acompanhado pelas manchas.
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3.1.5 PORQUE SE SUJAR FAZ BEM.
Nesse slogan, apresentam-se correlacionadas duas diferentes categorias
semânticas, que são construídas a partir dos termos sujeira/limpeza e bem/mal. A
afirmação, a exemplo do slogan anterior, apresenta-se como a resposta a uma
pergunta e, mais à frente, poderemos supor qual sua origem.
Abaixo, seguem os termos mencionados e seus subcontrários dispostos
no quadrado semiótico:
Sujeira Limpeza
Não-limpeza Não-sujeira
Bem Mal
Não-mal Não-bem
Ao aplicar a qualificação semântica ao termo sujeira, este recebe, no texto
analisado, uma qualificação eufórica, assim como o termo bem, presente na outra
categoria encontrada.
Já no segundo nível da análise, o slogan “Porque se sujar faz bem”
caracteriza-se como um enunciado de fazer. Assim, o texto do slogan caracteriza-se
como uma liquidação de privação porque pressupõe que o sujeito está disjunto com
o bem-estar e torna-se conjunto a ele ao sujar-se; também mostra que o sujeito, ele
mesmo, é capaz de proporcionar a conjunção com o objeto sujeira. Então, a busca
do bem-estar caracteriza o programa de base, que contém a idéia central do slogan,
do sentir-se bem; e o sujar-se se caracteriza como um programa de uso, que auxilia
na realização do programa de base.
Há uma inversão do usualmente esperado, de que a limpeza que
proporciona o bem-estar, porque, no slogan, a sujeira assume esse papel. Nesse
caso, a limpeza está presente só que pressuposta na ação de Omo. Há inicialmente
uma valorização da sujeira e do bem que ela proporciona. Este bem-estar é
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pressuposto nas ações que levem à sujeira, como brincar, divertir-se, comer, entre
outras atividades cotidianas que podem provocá-la. Omo valoriza esta sujeira,
porque nela está pressuposto o bem-estar buscado; já a limpeza virá posteriormente
com o trabalho de Omo.
No nível discursivo, os esquemas narrativos são assumidos pelo sujeito
da enunciação e este os converte em discurso. Nesse slogan, a pessoa é instalada
por meio de uma debreagem enunciva, uma vez que a forma verbal “sujar-se”
aponta para uma pessoa do enunciado, actante indeterminado, mas que pode ser
tomado como qualquer um disposto a sujar-se. No que se refere ao tempo, o
presente em “faz”, tempo constante na publicidade, permite que se construa o efeito
de valor e de verdade permanente para a ideia que o slogan pretende veicular.
Quanto à temática, o slogan apresenta como tema a questão do bem-
estar e de como ele pode ser experimentado, ao expor uma das formas de fazer isso
(se sujar); concretiza o tema a figura da sujeira, presente na expressão “se sujar”,
mesmo que não haja a exposição de elementos concretos, que mostrem como é ou
de que tipo de sujeira se trata. A sujeira, de certa forma, pode assumir um papel de
elemento figurativo porque representa algo do mundo natural, porém é inespecífico,
ficando pressuposto, e de certa forma livre, que o destinatário deve escolher e
entender de qual tipo de sujeira valer-se para figurativizá-la.
3.2 COCA-COLA
3.2.1 GOSTOSO É VIVER...
O primeiro slogan da Coca-Cola a ser analisado propõe o desafio de
realizar uma análise do percurso gerativo num texto mais curto ainda do que aqueles
que analisamos até agora.
A categoria de base que sustenta este texto está relacionada ao viver.
Construímos, então, o quadrado:
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Vida Morte
Não-morte Não-vida
A vida é eufórica e a morte é disfórica. Disfórica e distante; não há espaço
nesse enunciado para a lembrança do outro termo que compõe a categoria de base.
A marca Coca-Cola não elabora, nesse slogan, nenhum grande trabalho de
construção da significação, não escolhe uma base complexa ou mais elaborada para
construir-lhe os sentidos, mas transforma o termo vida no destaque desse texto.
Encontra-se, no slogan, um enunciado de estado. Há um sujeito
pressuposto que diz que “gostoso é viver”. O “viver” é objeto valor do enunciado,
vivido de forma prazerosa, e o sujeito já se encontrado em conjunção com esse
objeto. Podemos pressupor que o que levou o sujeito a entrar em conjunção com a
vida, o objeto de valor, foi um enunciado de fazer pressuposto, realizado por um
sujeito que possibilitou a conjunção, um sujeito que, no nível discursivo, será
concretizado por Coca-Cola.
No nível discursivo, o tema aparente é viver a vida de forma prazerosa,
mas o enunciado trata desse tema apenas afirmando esta necessidade; não se
apresenta nenhuma figura que dê concretude à afirmação. Ainda no nível discursivo,
a conjugação do verbo ser no presente confere à vida um valor
permanente/absoluto, praticamente condicionado e inseparável de vivê-la de um
jeito gostoso.
Este slogan se apresenta na forma sintática indireta (Gostoso é viver), quando
o usual é a forma direta (viver é gostoso/é gostoso viver), enfatizando uma qualidade
do viver, já que este pode ser percebido de diversas formas: bom, ruim, gostoso,
desagradável, etc. A forma indireta produz um efeito de sentido de escolha, já que
entre tantas coisas que podem ser classificadas como gostosas, a vida é posta em
destaque como aquilo que é mais gostoso.
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3.2.2 ESSA É A REAL
O segundo slogan da Coca-Cola selecionado para esta análise apresenta
uma articulação entre os termos real e imaginário.
Realidade Imaginário
Não-imaginário Não-realidade
Para chegar a essa construção, é preciso refletir sobre qual o sentido de
realidade para este texto. O real trata da existência de algo, da presença de algo no
mundo das coisas, de maneira concreta e perceptível. Para se opor a esse termo
categoria, é preciso um termo que apresente características contrárias ao real, mas
seja a ele ligado pela mesma natureza semântica. O imaginário é a percepção da
existência de algo, mas apenas em pensamento; o que é do imaginário é abstrato
pode até ser descrito e falado, mas não está concretizado, não está no mundo real.
Mas, a princípio, apresentam-se dificuldades para encontrar o objeto
desse enunciado. O que é real? O que é “essa” para qual o sujeito aponta e afirma
que é real? O que vemos aqui é apresentação de um enunciado de estado, que
apresenta uma constatação de uma coisa que é “a real”; isso que é classificado
como real é o objeto de valor com o qual o sujeito da narrativa se encontra em
conjunção.
Num quadro de pressuposições, já se considerando a cena enunciativa,
pode-se prever um sujeito afirmando que alguma coisa é “a real”, visando a, desse
modo, persuadir o enunciatário de que, somente em companhia de Coca-cola, terá
condições de adentrar essa realidade.
No que diz respeito às projeções das categorias enunciativas, verifica-se
a presença de uma debreagem actorial enunciva, pela qual a terceira pessoa,
representada pelo pronome essa, domina o enunciado. Já a percepção do tempo
concretiza um presente constante, relacionando-se a um agora que permanece, pois
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sua relação com o presente se renova a cada momento em que o enunciado é
repetido, por meio de um recurso enunciativo.
3.2.3 O LADO COCA-COLA DA VIDA.
O terceiro slogan da marca de refrigerantes em análise apresenta
características semelhantes ao segundo slogan da marca Omo. Temos aqui uma
frase sem verbo e que, a primeira vista, não nos oferece caminho para encontrar os
actantes que a enunciaram; o que não significa, conforme esclarecimento anterior,
que não é possível realizar a análise semiótica.
Diferentemente do slogan de Omo que realizava uma afirmação, este
parece ser mais uma definição, um apontamento. Por meio da observação dos
elementos do enunciado, pode-se depreender a categoria semântica vida/morte, em
um quadrado construído conforme segue:
Vida Morte
Não-morte Não-vida
O slogan parece apontar para um lado da vida. Para fortalecer o
estabelecimento dos sentidos de base desse slogan, é preciso observar os termos
eufóricos e disfóricos vistos a partir do quadrado, que irão auxiliar a compreender o
nível narrativo. O termo vida é que recebe os valores positivos, consequentemente,
o valor negativo se aplica à morte.
Se o slogan se apresenta como a indicação de um lado da vida,
pressupomos a existência do outro. Não caberia aqui dizer “direito” ou “esquerdo”,
porque o uso o do termo lado parece representar algo além de quesitos de
lateralidade, referindo-se a aspectos gerais da vida, diversas facetas dela, seus
vários lados para vivência. Não é possível, no nível narrativo, depreender
exatamente qual é o lado oposto ao apresentado. Pode-se supor, por meio da
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construção feita na categoria de base apresentada, que o outro lado representa um
aspecto negativo, em que morte e não-vida são os valores disfóricos.
No nível discursivo, destaca-se a figurativização do lado da vida que é
apontado pelo enunciado. Coca-Cola é a figura principal do discurso, ao materializar
um lado da vida pode ser o mais valorizado da vida.
Essas observações servem de base para a análise que vem a seguir, em
que o lado Coca-Cola da vida passa a fazer parte de um enunciado no qual, já a
partir da observação do nível discursivo, há a instauração de pessoa e tempo.
3.2.4 VIVA O LADO COCA-COLA DA VIDA.
Em “Viva o lado Coca-Cola da vida”, a categoria de nível fundamental que
podemos perceber é usufruto versus desperdício. O slogan se apresenta como a
definição de algo; poderíamos supor que seria do que é o produto Coca-Cola.
Contrapor usufruto/desperdício é perceber a existência de algo a ser consumido,
aproveitado e, partindo dessa observação, podemos extrair também a oposição vida
versus morte e felicidade versus infelicidade. Viver o lado bom da vida em oposição
ao lado mau, à morte, ao não viver, ao não usufruir. Vida faz sentido ao pressupor a
morte, a felicidade, a infelicidade, o usufruto, o desperdício.
Vida Morte
Não-morte Não-vida
Usufruto Desperdício
Não-desperdício Não-usufruto
No slogan da Coca-Cola, usufruto, vida e felicidade são eufóricos e
desperdício, morte e infelicidade são disfóricos. O slogan, especialmente, como
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parte do discurso persuasivo publicitário carrega valores da marca, valores que
devem ser compreendidos pelo público. Em “Viva o lado Coca-Cola da Vida”,
percebe-se, claramente, o lado eufórico dos termos até aqui percebidos, porque é
para se viver um lado apenas, o lado Coca-Cola da vida, ser feliz e aproveitá-lo.
O slogan caracteriza-se como uma narrativa mínima. Ao convidar o
público, por meio do slogan, para que “viva o lado coca-cola da vida”, o enunciado
efetiva a marca realiza um enunciado de estado, procurando estabelecer uma
relação de disjunção de liquidação da privação entre o sujeito (pressuposto no
enunciado: você (o público) deve viver...) e o objeto, o lado Coca-Cola da vida, a
felicidade. O sujeito está em disjunção com o objeto, com a vida; pressupõe-se que
ele não vive, não conhece este lado, então ele e é convidado, por meio do lado
Coca-Cola deste objeto, a entrar em conjunção com ele.
A análise possibilita a pressuposição algumas fases no slogan “Viva o
lado Coca-Cola da vida”. Antes, observamos claramente a fase de manipulação; o
sujeito Coca-Cola age sobre o público, pretendendo levá-lo a querer viver o lado
Coca-Cola da vida. Neste caso podemos colocar dois conceitos de Coca-Cola: ela
como sujeito e ela como objeto (a felicidade, o usufruto, materializado no “lado
Coca-Cola da vida”).
A fase de competência é pressuposta, porque se pressupõe que o sujeito,
o público, é dotado do poder de consumo, de viver e de usufruir. As fases de
perfórmance e sanção poderiam ser constatadas numa esfera além do texto,
pressupondo o programa narrativo maior que o slogan estaria inserido, no caso a
peça/campanha publicitária, ao apresentar elementos que demonstram as fases de
perfórmance e sanção.
Do slogan “Viva o lado Coca-Cola da vida” podemos extrair o tema “viver
o lado bom de algo”. Os termos que dão concretude a este tema são “o bom” e
“Coca-Cola” que são utilizados na invariante: viver algum aspecto da vida; podemos
ainda condensar num tema mais geral ainda, que é “viver a vida”. Num espaço tão
pequeno, o slogan conseguiu traçar um breve, mas bem construído percurso
temático, que não seria identificável somente em uma análise de superfície, mas
graças à identificação das outras fazes do percurso.
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O slogan opera com um verbo no imperativo (viva), o qual supõe uma
perspectiva futura para o sujeito efetivar essa vivência, implica também a presença
do destinatário (tu), conduzindo-o a fazer parte da mensagem que veicula e
inserindo-o, como ator.
3.2.5 SUA FELICIDADE TRANSFORMA.
Duas categorias de base podem ser extraídas da análise desse slogan:
Felicidade Tristeza
Não-tristeza Não-felicidade
Mudança Conservação
Não-conservação Não-mudança
No primeiro quadrado, o termo valorizado positivamente no enunciado é a
felicidade, o que, consequentemente caracteriza a infelicidade como disfórica. No
segundo, aplicamos o valor eufórico ao termo mudança.
No nível narrativo, percebe-se que o destinador busca modalizar o
destinatário por meio da constatação que se enuncia; é como se essa afirmação já
fosse suficiente para mover o sujeito para a ação. O destinatário é modalizado com
um saber, com o conhecimento e a certeza de que o estado de espírito que o
acompanha pode transformar.
Dessa transformação, pode-se pressupor a passagem de um estado
inicial de disjunção com a felicidade e, portanto, de conjunção com a tristeza, para
um final conjunto com a alegria e com o viver. O certo é que se reforça a importância
do sujeito destinatário ao afirmar que é ele que pode transformar a vida, as coisas,
por meio de sua felicidade.
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No nível discursivo, a categoria de pessoa é projetada por meio de uma
debreagem actorial cujo estatuto é bastante ambíguo, uma vez que o pronome
“sua”, responsável por identificar a pessoa no enunciado, tanto pode ser atribuída ao
ele (de quem se fala) como ao tu (com quem e fala): no primeiro caso, teríamos uma
pessoa enunciva; no segundo, enunciativa. Esse procedimento, aliado ao caráter
sintético do slogan, amplia a margem de interpretação do texto pelo enunciatário.
Quanto à categoria de tempo, a exemplo dos demais slogans analisados,
projeta-se o presente, por meio de uma debragem enunciativa, a apontar sempre
para a condição de permanência e duratividade da ação implicada no verbo.
3.3 A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS
Desmembrar os elementos que edificam a construção dos sentidos em
slogans amplia os caminhos que podem ser trilhados para compreender de que
forma marcas e empresas articulam os sentidos na elaboração de seus lemas
mercadológicos.
Os slogans aqui analisados – extraídos de pesquisa realizada no contexto
sócio-econômico da sociedade brasileira – apresentaram diversos aspectos comuns
e determinantes na formação de seus significados e, ao mesmo tempo, a análise
possibilitou encontrar quais diferenças foram essenciais para justificar as
substituições que as marcas fizeram de um slogan por outro.
Vejamos a seguir, neste segundo momento da análise, quais são estes
aspectos.
3.3.1 DO NÍVEL FUNDAMENTAL
Aproveitando que o primeiro nível do método de análise proporciona a
exposição dos termos básicos de significação do texto, podemos montar uma
simples tabela para reunir os elementos eufóricos identificados nos slogans, para
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que possamos melhor visualizar as transformações ocorridas e auxiliar no que será
tratado.
Vejamos, primeiro, os elementos eufóricos das categorias do sabão em
pó Omo:
Omo:
1. Atividade/competência
2. Superioridade/singularidade
3. Exclusividade
4. Conhecimento
5. Sujeira/bem(bem estar)
Durante muito tempo, Omo desenvolveu suas campanhas com base na
qualidade que seria proporcionada por ele e pela superioridade que o sabão
afirmava ter frente à concorrência.
Como primeiro sabão em pó do Brasil, teve uma larga vantagem em
relação às marcas posteriores, numa época em que se associava a propaganda às
demonstrações públicas da eficiência do produto, feitas por todo o Brasil.
Os slogans desta pesquisa estiveram presentes em suas campanhas
entre os anos 2000 e 2009. Os três primeiros slogans da análise representam
diversos valores ligados a Omo, e que carregaram traços semânticos que
corroboram as demonstrações públicas que Omo descreve em sua história.
Conforme vimos anteriormente, é na semântica do nível fundamental que
se encontram as categorias de base e onde estão os valores axiológicos dos termos
de um texto. Quando se fala de valores axiológicos, trata-se de valores virtuais, ou
seja, valores que “resultam da articulação semiótica” (GREIMAS E COURTÉS, 2008,
p. 252) que constitui parte do universo de um coletivo de atores, no nosso caso o
público-alvo, que serão concretizados e atualizados no nível narrativo.
Para Greimas, o ser humano não se relaciona com as categorias sem
nelas imprimir sua marca sensível, sua afetividade. As categorias que compõem os
discursos são construções semânticas portadoras de valores que podem ser
marcados como disfóricos ou eufóricos. Daí a importância de visualizar as
oposições, para ver quais caminhos os valores podem assumir dentro de um
discurso.
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Os valores positivos de Omo, inicialmente, foram concentrados em suas
próprias qualidades, partindo de “dentro pra fora”, falando de seu caráter único e
superior como sabão em pó, se mostrando sempre disposto a fazer e mostrar essa
característica. Aqui também se revelam os valores de base, e também os do
marketing, quando este se concentrava mais no produto do que no consumidor, em
como convencer o consumidor com uma argumentação baseada em aspectos mais
figurativos e concretos.
Porém, a partir do quarto slogan apresentado nesta análise, Omo
modificou a construção de suas bases e passou a valorizar outros termos, construiu
novas relações semióticas que revelaram valores alheios às suas próprias
qualidades e mais voltados ao sentimento de seu público-alvo. Ao valorizar o bem-
estar e o conhecimento, concentrou a importância de seu discurso não mais para
potencialidades de Omo, mas para a liberdade de viver, aprender e “se sujar” que
seu público já estaria “autorizado” a ter, já que o conhecimento da superioridade e
exclusividade de Omo já estaria fixado.
Isso ocorreu porque os valores de que tratavam as categorias de base
dos três primeiros slogans já podiam ser consideradas como valores ideológicos
permanentes. Greimas e Courtés tratam da relação entre axiologia e ideologia e,
entre outros aspectos, apontam a última como “uma estrutura actancial que atualiza
os valores que ela seleciona no interior dos sistemas axiológicos” (2008, p. 253).
Além disso, os autores lembram que ideologia é uma busca permanente de valores,
materializada na estrutura actancial que deve ser recorrente nos discursos
ideológicos. Em relação a Omo, uma vez que os valores axiológicos que tratavam de
seus atributos práticos já estariam finalmente atualizados – fato explicado pela
presença recorrente de Omo entre as marcas mais lembradas do Brasil – abriu
caminho para Omo explorar novos valores em sua “conversa” com seus públicos,
mediada pela propaganda.
Além de assimilar permanentemente sua superioridade, o público
consumidor também sofreu mudanças ocorridas na sociedade; com o passar de
tantos anos, desde a inserção de Omo no mercado até a atualidade, a sociedade
brasileira viveu muitas transformações, tanto internas quanto aquelas que dividiu
com o resto do mundo.
70
Na década de 1950, Omo encontrou um Brasil que estava saindo da vida
rural para descobrir as cidades. O espaço das mulheres fora dos limites do lar ainda
era uma pretensão que poucas se arriscavam a ter. Entre as atividades que a
mulher deveria desempenhar bem, além de ser mãe e esposa, estava a de cuidar do
lar e da casa com afinco. Lavar roupas era sinônimo de árduo trabalho, não só em
manter as roupas limpas, mas livres de sujeiras permanentes, lindamente passadas
e engomadas. Uma roupa bem limpa era a prova de um bom desempenho como
dona de casa.
Omo mirou suas estratégias de inserção no mercado nessas usuárias em
potencial, que desconheciam o sabão vendido em pó, e a capacidade que ele tinha
de diminuir o trabalho e aumentar o desempenho.
No início da década de 1990, Omo estabeleceu o reconhecimento deste
público, ao se tornar uma das marcas mais lembradas e usadas pelas famílias
brasileiras. Os anos revelaram que tanto o produto quanto a sociedade evoluíram.
Valores mudaram, novas pretensões e metas de vida emergiram. As mulheres
conquistaram mais espaço e ampliaram ainda mais seu leque de responsabilidades.
Além de continuarem tendo de dar conta do lar, precisavam cuidar dos filhos,
identificar-se com uma profissão e auxiliar (ou mesmo assumir) o sustento da casa
por meio dessa profissão, conquistas materiais e pessoais que revelavam uma
sociedade preocupada com outros valores.
Outro aspecto que sofreu modificações é o de que, enquanto as crianças
de antigamente sofriam castigos por sujar a casa ou por encardir as roupas na rua
ou na escola, as atividades lúdicas atuais estão cada vez mais diversificadas: tinta,
terra e comida fazem parte da brincadeira e do aprendizado. A escola não é mais
espaço para castigos e sim para estímulos; há o aprendizado por meio de jogos e
brincadeiras que sujam.
Até aqui a descrição tratou de valores sociais, que foram se
transformando com o passar das décadas, cada momento tomando emprestado o
que há de melhor do anterior e buscando novas vivências, novos parâmetros.
Mas as categorias de base que articulam este processo, que estão na
base da geração do sentido, são também fator importante na determinação dos
valores expostos num anúncio publicitário.
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As categorias dos três primeiros textos revelam valores materiais, de
ordem prática, de estabelecer uma superioridade de Omo para garantir esses
valores. A partir do momento em que essas categorias mudam, são trocadas por
aquelas que valorizam a visão do público e Omo se coloca como coadjuvante, já que
se considera parte do catálogo de valores já estabelecidos na sociedade.
Já a marca Coca-Cola conquistou a preferência, e lembrança do
consumidor brasileiro, articulando categorias de base bem diferentes. Primeiro
porque, é óbvio, trata-se de um produto completamente diferente de sabão em pó.
Em segundo lugar, sua inserção no mercado brasileiro ocorreu bem antes de Omo.
Além disso, a bebida não está associada a nenhum aspecto elementar da vida
prática, não marca, essencialmente, uma diferença nas ações cotidianas.
Suas categorias de base se articulam, partindo do que foi extraído das
análises, sobre elementos distantes de questões práticas e bem mais próximas de
valores abstratos, de sentimentos e sensações. Vejamos os elementos eufóricos de
suas categorias:
Coca-Cola:
1. Vida
2. Realidade
3. Vida
4. Vida
5. Felicidade/mudança (transformação)
Entre os slogans analisados, três foram elaborados a partir da valorização
do termo vida, exposto nos quadrados das análises e articulado juntamente com seu
termo contrário, a morte.
Além de ser uma das marcas mais lembradas, Coca-Cola pode ser
considerada uma bebida de públicos diversificados. Seu consumo não é restrito a
uma faixa etária, já que qualquer pessoa, sem maiores restrições alimentares, pode
beber. Porém, por meio da análise da categoria de base vida/morte, vimos que a
marca Coca-Cola procura manter em seu discurso publicitário os sentidos que
remetam a um viver constante. É como se renovasse sempre seu discurso, porque
mesmo mudando as articulações, a modalização dos sujeitos e a apresentação dos
objetos, seu discurso apresenta em suas bases a valorização da vida, do prazer e
da felicidade, reafirmando a juventude.
72
Na categoria de base que trata de realidade/imaginário também
predomina a valorização de algo ligado à vida. Mesmo sem demonstrar
completamente qual é o objeto “real” para que aponta, pressupomos que se trata da
Coca-Cola, não só porque pronome e artigo são femininos, mas também por se
tratar de uma pressuposição que leva em consideração o contexto: o slogan é
vinculado à marca em anúncios publicitários de qualquer suporte.
Como a passagem de um elemento a outro das categorias somente se
realiza por meio das relações que os tornam contrários, antes de chegar ao termo
imaginário é preciso passar pelo termo não-imaginário e, então, encontrar a
realidade. Tais termos estão unidos por traços que determinam, de um lado, o que
pode ser pensado e falado, mas que ainda não está realizado e, de outro, o que está
concretizado, que está presente, que pode ser sentido.
Coca-Cola é a concretização do que estaria apenas no imaginário. O
slogan construído a partir dessas bases é cercado temporalmente por outros que
têm vida como seu valor positivo. Apontar o que é real, especialmente no slogan,
pode demonstrar apenas uma “licença” temporária do uso da articulação vida/morte,
porém mantendo-se uma relação com algo que faz parte da vida, no universo das
coisas imaginárias e no universo das coisas reais.
Na categoria de base encontrada no último slogan analisado, a felicidade
que transforma também pode ser considerada um “gancho” com o termo eufórico
vida, tão bem utilizado nos três outros slogans. Os termos de base dessa categoria
irão se destacar ainda mais no nível narrativo, no momento em que são identificados
os sujeitos que irão colocar os termos em movimento no enunciado.
Os valores axiológicos de Coca-Cola parecem se apresentar como um
catálogo do que já faz parte de valores bem arraigados na sociedade. Viver a vida
não é um processo estático, é constante movimento. Esse movimento trata de
interesses objetivos e práticos de sobrevivência, mas também de aspectos que
determinam como se deve sentir a vida, em meio aos processos de sobrevivência.
As categorias do refrigerante Coca-Cola refletem a intenção da marca em colocar o
público em movimento, o que acontece na articulação entre sujeitos, já no nível
narrativo. Não basta “apenas” viver, é preciso viver de um jeito gostoso, transformar
73
o mundo com a felicidade e viver o lado bom das coisas, concretizado por Coca-
Cola.
3.3.2 DO NÍVEL NARRATIVO
No nível narrativo, em que os valores virtuais vistos no nível fundamental
se tornam valores para sujeitos, as marcas exploraram diversos tipos de articulação
entre sujeitos e objetos. O que antes era virtualizado em termos abstratos, passa a
ser atualizado e realizado na relação entre sujeitos e entre estes e os objetos
modais e de valor do texto.
Assim, ambas as marcas trabalham tanto com enunciados de estado
quanto os de fazer. Os enunciados de fazer são predominantes nos slogans de Omo
e marcam primeiramente a intenção de colocar em movimento objetos que tratam de
sua qualidade e eficiência. O enunciado de estado apresentado em “Melhor que
Omo só Omo” só vem a reforçar o slogan anterior que se apresentava como uma
ação, e posteriormente foi substituído por outro enunciado de fazer, que reforçou
mais uma vez o aspecto prático de Omo. Já nos dois últimos slogans, que
apresentaram toda uma nova estrutura de base, Omo também faz uso de
enunciados de fazer, só que, dessa vez, centrados num fazer relacionado ao
destinatário.
Enquanto Omo e sua capacidade eram objetos de valor nos três primeiros
slogans, nos dois últimos, ausenta-se da descrição desses objetos abrindo caminho
para objetos que tratam de alegria, da felicidade, do bem estar e do aprendizado,
que envolvem processos que sujam.
Por outro lado, os slogans da Coca-Cola são, em sua maioria, enunciados
de estado, apresentando um sujeito que já se encontra em conjunção com o objeto
de valor, revelando instâncias pressupostas que realizaram essa conjunção. Entre
eles, “Viva o lado Coca-Cola da vida” se apresentou como único enunciado de fazer,
se apresentando como uma frase imperativa, reforçando os estados conjuntivos dos
slogans anteriores.
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A comunicação é um jogo de persuasão. Esse jogo é realizado por meio
da narratividade que se articula dos discursos; é o “simulacro do fazer do homem no
mundo” (BARROS, 2002, p. 28). A autora ainda complementa que é no nível
narrativo que buscamos como “descrever e explicar as relações e funções do
espetáculo, assim como em determinar seus participantes”.
Pela comunicação, visa-se firmar um contrato fiduciário, uma relação de
fé e confiança. No nível narrativo, se estabelece uma espera fiduciária, destinador e
destinatário mantêm uma relação fundamentada na confiança. O que sustenta as
relações apresentadas nos slogans, entre os sujeitos dos enunciados é um contrato
imaginário
“em que o destinador, graças a um fazer persuasivo, busca a adesão do destinatário. Pretende fazer com que o destinatário, ao exercer o fazer interpretativo que lhe cabe, creia ser verdadeiro o objeto apresentado, o discurso do outro e o próprio destinador. Há estreita vinculação entre a confiança e a crença, o que permite falar em contrato fiduciário. A confiança entre os homens fundamenta a confiança nas palavras deles sobre as coisas e o mundo e, finalmente, a confiança ou a crença nas coisas e no mundo”. (BARROS, 2002, p. 37)
As narrativas que formam os textos constituem-se como sucessão de
estados e de transformações; sucessão de estabelecimentos e de rupturas de
contratos, mas é a não ruptura dos contratos que mantém a estabilidade da
comunicação entre os sujeitos. É a partir desse contrato que se constrói um contrato
de veridicção.
3.3.3 DO NÍVEL DISCURSIVO
O nível discursivo é o que recebe maior destaque no discurso publicitário,
por estar mais próximo da manifestação. Se considerarmos os elementos de
superfície que compõem o nível discursivo e a riqueza da figurativização dos temas
escolhidos, encontramos o grande chamariz da comunicação publicitária. O uso das
figuras de pensamento e de linguagem e a adjetivação excessiva são mesmo parte
da efetividade de um bom anúncio.
75
Só percebemos essa superfície claramente porque em suas bases as
marcas procuraram demonstrar não só suas pretensões como destinadores do
discurso, mas também quais valores eram importantes para o destinatário, seus
consumidores.
Entre os elementos que constituem o parecer verdadeiro no nível
discursivo, estão as operações de inserção de pessoas, espaços e tempos no
discurso e na visualização dos temas e das figuras que concretizam o texto.
Todos os textos apresentam o mesmo mecanismo de projeção de
pessoa: a debreagem actorial enunciva. Todos pretendem manter o discurso em
terceira pessoa, de certa forma, garantindo o discurso impessoal, mas indicando
claramente que o produtor do discurso são as marcas.
Outro aspecto muito importante é a projeção do tempo em todos os
slogans. O tempo é projetado para simular o presente constante, para criar o efeito
de verdade permanente. Não interessa a uma marca dizer o que ela foi ou teria sido,
interessa falar de um presente constante, um presente que se repetirá no amanhã e
que só mudará a partir de outras articulações de sentido, mas que, provavelmente,
também serão apresentadas num tempo presente permanente.
A análise dos slogans reforça a afirmação de Fiorin que “os estudos do
espaço ocupam uma posição secundária” (2005, p. 258). Essa categoria,
diferentemente das categorias de pessoa e de tempo que são necessárias para o
processo de discursivização, pode passar despercebida porque um discurso pode se
realizar sem dar nenhuma indicação de seu espaço. Nossos slogans não
apresentam nenhum elemento que demonstre a projeção do espaço do enunciado,
que pressupomos se realizar em cada anúncio, em que serão veiculados, ou a cada
momento em que são lembrados.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No momento em que se retomam os objetivos iniciais da pesquisa para
confrontá-los aos resultados obtidos, é importante ressaltar o caráter de permanente
abertura e ampliação dos interesses que motivaram este trabalho, já que ele envolve
a relação entre duas grandes teorias, comunicação e semiótica, que nunca se
apresentam fechadas ou limitadas, mas que mantém seu conjunto de práticas e
teorias científicas, permanentemente, abertos para a inserção de outros saberes.
A publicidade é parte importante da grande área da comunicação. Seus
discursos despertam curiosidade por conta de seu caráter altamente persuasivo e do
estabelecimento de “regras” ou de “normas” que facilitam a persuasão. Porém,
poucas teorias ultrapassam o limite dessas regras e tentam encontrar as
articulações mais profundas da construção destes discursos; uma delas é a
semiótica discursiva, teoria de que se utilizou o modelo metodológico de análise foi
utilizado neste trabalho.
O objetivo principal deste trabalho foi buscar a compreensão de como se
constroem e organizam os sentidos em slogans publicitários. Eles fazem parte dos
fenômenos comunicacionais e culturais da sociedade, porque ultrapassam os limites
do anúncio publicitário, passando a serem falados e usados pelo público como forma
de lembrança permanente das marcas. A produção publicitária concentra seus
esforços em criar slogans rápidos, curtos e que ainda consigam carregar muitos
sentidos. Este é um trabalho muito complexo que vai além de simples regras
gramaticais adaptadas; assim, é preciso passar os slogans pelo crivo de uma teoria
que explique como os sentidos se articulam de maneira a chegar ao caráter
persuasivo que lhes dão personalidade.
Por meio das análises apresentadas, tornou-se possível interpretar e
entender as operações de sentidos que navegam nas profundezas pequenos textos.
O resultado das análises possibilitou que se interpretasse a presença de
determinados termos linguísticos na superfície do texto, como o porquê do uso dos
tempos verbais no presente e a recorrência de certas figuras, e ainda auxiliou na
interpretação os temas subjacentes nos slogans. Foi possível também entender os
aspectos mais profundos, mais arraigados em questões históricas, humanas e
77
mercadológicas de que o slogan faz uso antes mesmo de se ocupar dessa
superfície.
A pesquisa revelou que não é apenas a organização dos elementos de
superfície a mais importante na construção de um slogan eficiente. As articulações
de base são cruciais, porque catalogam os valores axiológicos que podem organizar
os elementos ideológicos vistos na superfície, além de oferecer um rico universo
semântico de possibilidades de combinação, ao apresentar quadrados ricos e
complexos, a despeito do tamanho dos slogans. Além dos aspectos profundos, a
pesquisa mostrou o crescimento do sentido do texto quando assumidos por
destinatários ora ocupados em levar o destinador à conjunção com os objetivos de
valores positivos, ora já apresentados em conjunção com seus objetos de valor.
A escolha das marcas Omo e Coca-Cola, feita com base em dados de
natureza quantitativa, mostrou-se uma excelente escolha qualitativa, pois possibilitou
a visão dos efeitos de sentido presentes em slogans de marcas totalmente
diferentes, com objetivos e públicos diversos, mas que apresentam o importante
traço comum de serem as marcas mais lembradas pelos brasileiros.
E isso não acontece ao acaso. Poder-se-ia falar do caráter repetitivo da
propaganda, uma de suas principais características na divulgação de marcas e
produtos. Mas a repetição de textos vazios de sentido não se sustentaria por muito
tempo; somente textos elaborados em meio à tensão, afinidade e conhecimento
entre as marcas e público-alvo poderiam manter-se permanentes. Os sentidos mais
profundos conseguem alcançar os anseios dos consumidores, por meio da série de
articulações que trabalham no interior do texto, percorrendo um percurso de
construção e articulação de níveis que entrelaçam todos os aspectos importantes
para a elaboração de textos eficientes.
Foi possível perceber que o simulacro metodológico do percurso gerativo
de sentido pode facilmente ser aplicado aos textos publicitários, especialmente
slogans de diferentes marcas, associando a análise tanto a um interesse de buscar
a compreensão dos sentidos, como método facilitador nos processos de criação de
slogans.
É importante dizer que este trabalho não se encerra nesta pesquisa, mas
auxilia a encontrar outros caminhos da análise da construção de sentidos nos
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slogans, seja com foco maior no nível discursivo, seja com foco no nível narrativo.
Pode auxiliar também em pesquisas futuras que tratem do slogan inserido no
contexto do anúncio, abrindo caminho também para os estudos de semiótica
discursiva que tratam de textos sincréticos. Pode, ainda, ajudar no trabalho de novas
técnicas de criação de slogans, contribuindo para apresentar a elaboração de
programas de base como pontos de partida para a construção de slogans, o que,
muitas vezes, se apresenta um dos trabalhos mais difíceis para o redator
publicitário.
Por fim, é importante ressaltar o relacionamento harmonioso entre
campos distintos. A semiótica discursiva mostrou-se metodologia adequada de
análise e compreensão dos processos da comunicação, pois pode atender a outras
partes dos estudos da comunicação, interessados em compreender a natureza dos
discursos, e não somente criticá-los ou rotulá-los indiscriminadamente.
O discurso publicitário se mostrou um rico catálogo de textos para
se aplicar o modelo metodológico da semiótica, numa relação que não só
possibilita desvendar as intenções dos textos publicitários, como também
estreitar relações entre as pesquisas em comunicação e semiótica discursiva.
Por fim, este trabalho constituiu-se como mais uma busca de
contribuir para os caminhos que tornam a semiótica discursiva acessível a
pesquisadores e profissionais da área da comunicação, os quais encontram,
nela, um instrumental adequado para tratar dos sentidos nos textos com que
trabalham.
79
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