mamulengo n.1 1973

Upload: tamandua-sem-bandeira

Post on 14-Jul-2015

51 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    1/50

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    2/50

    M A M U L E H G ORevisto trimestral do Associa~Qo B ra sileira d e T ea tro d e B on eco sJ ulh o/S etemb ro d e 1 97 3

    SumarioMAMULENGOEditoria lHistorico .I, II e ! II Festivais do Rio de [anei ro .Converse com Jurkowskio Teatro de Bonecos na Po l6nia .o Jogo do D r. Fausto .Mamu lengo e B abau .Nem solte ira nem casada nem viuva .UN IMAAssociacoo B rasile ira de Teatro de B onecos 42o B rasil na UN IMA ., . . . . . . . .. . . . . . 45Not ic ia s lnternacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 47

    346II1 51 82 13]39

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    3/50

    MAMULENGOPllblica~o da Assod~o Bras;leira de Teatro de BonecosJ .:edat ;: ii D - Rua Barata Ribeiro, 60 cOl - Guanabara - BrasilDiretor responsaveJ - Claudio FerreiraEditor - Virginia ValliSecrerarro - Claeys Daly

    Cape: BONECOS DE VJRGiNIA VALL(Capa 2: MAMl!LENGO

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    4/50

    MAMULENGO - Especie de divertimento po-pular em Pernambuco, que consiste em repre-senracoes dramaticas por meio de boneeos, emurn pequeno palco alguma coisa elevado, Pordetras de uma empanada, esconde-se uma auduas pessoas adestradas, e fazern que os bonecosse exibam COm movimento e fala. A esses dra-mas servern ao mesmo tempo de assunto cenasbiblicas e de atualidade. Tern lugar por ocasiaodas festividades de igreja, principalmente nosarrabaldes, 0 povo aplaude e se deleita com essadistracao, recompensando seus autores compequenas dadivas pecuniarias, (Dicionario doFolclore - Luis da Camara Cascudo ).

    MAMULENGO - Puppet theater that is folkart in the State of Pernambuco, Northeast ofBrazil. The puppets are operated on a small stageby one or more puppeteers hidden behind ascreen. The plays are about biblical or currentevents and are presented during church festivals,particularly in the outskirts of town. Deligh-ting in this entertainment the people cheer andreward the puppeteers with small cash dona-tions. (Folklore Dictionary - Luis da Ca-mara Cascudo).

    as artistas reunidos na UNIMA estiioconscientes de sua responsabilidade edu-cativa diante da geraciio jovem e dese-jam, conseqiientemente, incutir nas crian-cas 0 ideal da cooperaciio entre os povose, coniorme seus estatutos, buscar, atra-ves dos coraciies in/antis, a caminho queleva ao coraciio dos adultos. Isso padeparecer grandiloquence, mas e W1 proble-ma que, pela sua importdncia, merece anassa reilexiio,HENRYK JURKOWSKI

    3

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    5/50

    Lentamente, 0 boneco vai construindo seu caminho, estreito, mas com possi -bil idades de ampliaciio num leque de aplicacoes em diversas areas de ativ ida-des. As perspectivas esti io abertas nas salas de aula, como recurso diddtico,nas pracas e jardins, como recreaciio e em outros campos - 0 dramdtico, porexemplo, em que 0 estudante, 0 amador e 0 ator principiante poderiio ter muitaoportunidade de desenvolver suas aptidiies e seus recursos expressivos treinan-do VOZ, improvisaciio e deslnibicao atraves do boneco e, [inalmente, no campoartesanal quando diversas artes aplicadas encontram no titere utn centro deinteresse completo.Nao somas tiio otimistas (ou pressimistas?) de supor que est6 proxima a horada super-marion eta com que sonhava Gordon Craig . Nossa boneca e mascara,apenas. Nao abre a boca, niio mexe olhos ou orelhas, mas sua carga de alegriase concentra nessa pura imobilidade. E 0 resto, os gestos e. .. a alma (e precisaniio temer nem envergonhar-se da palavra ja que ela se repete dezenas de ve-zes no logo do Doutor Fausto, nas pdginas seguintes do MAMULENGO, e emercadoria muito valorizada pelo Diabo) sao com 0 titiriteiro. Este aiuda 0boneco, que the paga em dobra ao ter a coragem de dizer ao publico aquilaque 0 homem nao ousaria direr, sob pena de ser queimado, destruido au conde-nado ao eterno silencio que reina no baus.Em certas epocas, 0 recurso e 0 boneco. Vamos a ele , grupos de teatro, proies-sores, educadores e loucos de todo 0 mundo! 0 Bread & Puppet nao se enver-gonha de ombrear com ele em cena, nem a Theatre du Soleil , 0 Marcinek eoutros grupos de vanguarda. Manequim au titere, mascara ou automate, seumomenta e chegado de [alar ao homem - interprete barroco de nossos palcos- 0 que ele deseia ouvir. Deixemos, entao, que eles nos ajudem. Que elesse movam, se agitem e, subrepticiamente, inoculem em nossa imaginaciio adultaou injanti l sua !ir;aode sonho e sua dose de verdade.

    VIRGiNIA VALLI4

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    6/50

    Marionetes de Olga ObrY - Foto do Arquivo da Sociedade Pestalozzi do Brasil.5

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    7/50

    Aquele que desejar escrever a historia do teatro de bonecos no Bra-sil nao podera omitir 0 nome da Sociedade Pestalozzi do Brasilnem 0 papel que teve essa instituicao na implantacao e crescimentoda atividade titiriteira no Brasil. Incentivada por sua fundadora,Helena Antipoff, com a colaboracao de Olga Obry, a SociedadePestalozzi inaugurou seu primeiro curso de formacao de artist as titi-riteiros em 1946. 0 curso teve a colaboracao de Cecilia Meireles,Martim Gon..alves, Pascoal Carlos Magno, Orear Bellan, IolandaRebelo, Ivete Vasconcelos, Edna Robinson, Maria Amelia Medei-ros e Catarina Ferreira Reis que lecionaram as diversas materiasdesse programa de formacao dos primeiros titiriteiros diplomadosno Brasil.Tendo implantado 0 teatro de bonecos como uma atividade dentroda escola, com maiores ambicoes que os teatrinhos ambulantes oude pracas e jardins, ja conhecidos em algumas capitais brasileiras,a Sociedade Pestalozzi do Brasil, em 1945 estreara seu Teatro deFantoches, dirigido pela professora Elsa Moura. A partir dessa epo-ca 0 teatro de bonecos tornou-se uma atividade constante da SPB,atraves dos Iestivais mensais e de espetaculos itinerantes apresen-tados pelos professores e artistas que estagiavam nos cursos pestaloz-zianos. Pode-se Hear conhecendo a hist6ria do boneco atraves dostempos, a maneira de fabricar urn palco e urn cenario, como mani-pular urn boneco de fio (marioneta) ou urn fantoche (boneco deluva) e uma sombra. Olga Obry chegou a enviar urn dos persona-gens da peca 0 Menino Atrasado, de Cecilia Meireles para ser exi-bido numa exposi..ao internacionaI de titeres. 0 repertorio desseteatro cresceu: 0 Cavaleiro Verde, Pinoquio, Gata Borralheira, AsVitaminas, Pequenote e 0Pi de Feijiio Mdgico, A Festa de S. Joiio,A Estrela Maravilhosa, Nau Catarineta, Mofina Mendes e muitasoutras.o entusiasrno, pioneirismo e dedicacao desses artistas podem naoter tido continuadores a altura, nos anos subseqiientes, Contudo, arotina da atividade titiriteira nos cursos e espetaculos regulares naSociedade Pestalozzi provou que a semente era boa. Num dos ulti-mos cursos programados (1970), dedicado apenas ao teatro de bo-

    6

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    8/50

    necos, foram ensinadas as tecnicas mais modernas e 0 entusiasmodos participantes, entre os quais se contavam professores da Secre-taria de Educacao da Guanabara e artistas do Teatro Gibi, deupara fabricar mais de uma centena de bonecos (varas e fantoches).. de lamentar-se 0abandono das tecnicas que, na primeira fasedesse movimento, atingiram a perfei9ao - a sombra e a marioneta .Essa lacuna, devida a falta de professores, podera ser sanada coma retornada do interesse pelo boneco de Iios e de sombra, por serurna arte insubst itufvel na expressao e comunicacao de determi-nados textos. Urge, portanto, a criacao de nOVDScurses ou centrosde formacao de artesaos e artistes titiriteiros que possam tirar doesquecimento a rnarioneta e a sombra - que tern muito a dizera s plateias do Brasil.Uma segunda Iase desse movimento de estimulo ao teatro de bone-cos no Brasil seria representada pelos Encontros e Festivais reu-nindo grupos de titi riteiros da Guanabara e de outros Estados doBrasil.Em 1958, a Associacao Brasileira de Criticos Teatrais, patrocinadapelo antigo Service de Teatro e Diversoes do D. F ., realizou noRio de Janeiro 0 primeiro Festival Brasileiro de Teatro de Bonecoscom a finalidade de divulgar, incentivar a atividade tit ir iteira e pre-parar 0 I Congresso Brasile iro de Bonecos. Dos 16 grupos inscri-tos, 13 tomaram parte no festival apresentando as diversas tecnicasque funcionavam na Guanabara: 0 Teatro Gibi, com bonecos devara, 0Teatro de Malasarte (marionetes) , 0Teatro Monteiro Loba-to (marionete), 0 Teatro da Sociedade Pestalozzi do Brasil (sorn-bras) e diversos grupos de fantoches - Teatro Pinga-Fogo, TeatroCirandinha, Teatro da Lili e a Vagalume.A novidade nesse Festival foi 0 Teatro do Gesto, de Geraldo Case,que usou as maos nuas manipulando objetos dentro de diversosritmos. Paralelamente a esse Festival, apresentou-se tarnbern umgrupo alemao com 0 drama do Doutor Fausto, urn ciassico de mario-netes, alern das palestras e debates sobre os problemas do boneco.

    7

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    9/50

    A Secretaria de Educacao do Estado do Parana incentivou 0 tea-tro de bonecos atraves de Cursos e Encontros que tiveram a parti-cipacao de tit ir iteiros de diversos Estados. Realizou tarnbem con-cursos de textos para teatro de bonecos,Apos grande pausa entre 0IFestival Brasileiro de Teatro de Bone-cos e as ultimos festivais , realizados na Guanabara, por tit ir iteirosdo Rio de Janeiro - corn seus I, II e II I Festivais, 0 ultimo destesern 1968, com a participacao de grupos de diversos Estados, anun-cia-se 0 nosso IV Fest ival, programado para 1974 pela ABTB.A terceira fase da atividade titiriteira - seria a atual que, aposvarias tentativas de reuniao de todos os grupos numa entidade, coma primeira nao objetivada, da Federacao dos Tit iriteiros do Brasilque a Secretaria de Educacao do Parana tentou organizar, consegue,afinal, criar a Associacao Brasile ira de Teatro de Bonecos."A ABTB nasceu do sonho acalentado por muitos de n6s. Havianecessidade de uniao para ver nosso trabalho reconhecido a fimde que ao teatro de bonecos fosse at ribuida e dispensada a atencaoque merece tao dificil especialidade."Grupos e entidades de Portugal, Franca, Alemanha, Estados Uni-dos, Suica, entre muitos outros paises, pedem noticias do desenvol-vimento do teatro de bonecos no Brasil. A America do SuI des-perta para a importancia desse veiculo de comunicacao. 0 Brasilnao pode se omitir. Sinto-me orgulhoso de ser 0 presidente da 1 .ldiretoria da ABTB e ao mesmo tempo temeroso. A responsabili-dade e grande demais. Sei que conto com companheiros em todoo Brasil e muito de perto com a Carmosina Araujo (diretor-superin-tendente ) , Paulo Futscher (tesoureiro), e com os membros do Con-selho Deliberativo: Oscar Bellan, Virginia Valli, Clorys Daly, ElsaMilward Dantas e Daisy Schnabl."

    CLA.VDIO FERREIRA8

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    10/50

    9

    Boneco de Olga Obrv ~ Foto Arq. SPB.

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    11/50

    10

    Prof. Oscar BeHan (1945).

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    12/50

    I FESTIVAL DE MARIONETES E FANTOCHESDO R IO DE JANE IRO (1966)Realizou-se no Teatro do Aterro do Flamengo. Teve a patrocinio do GovernoEstadual e foi organizado par Clorys Daly e Claudio Ferreira.Tomaram parte as seguintes grupos de marionetistas:Girassol (fantoches) - GuanabaraSorriso (Iantoches) - GuanabaraTeatro Malasarte (marionetes) - Gua-nabaraZiguezague (fantoches) - GuanabaraRapadnra (fantoches) - GuanabaraE qu ip e B el/a n (fantoches) - GuanabaraTeatro Dada (fantoches) - ParanaEra U tna Vez (fantoches) - Guanabara

    Teatro lnjantil de Marionetes - Festival do Rio de Janeiro (1968).11

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    13/50

    II FEST IV A I. DE M ARIONETES E F ANTOCHESDO RIO D E JA NE IRO (1967)

    Este festival foi organizado por Clorys Daly e Claudio Ferreira, com 0patrocinio da Secretaria de Turisrno da Guanabara, Tornaram parte osseguintes grupos e solistas:Professor Serradinho - mamulengo, de Pernambuco (Solista)Furabolo (fantoches) da GuanabaraManuel Francisco da Silva - mamulengo , da Pa ra ibaTeatro tniantil de Marioneies - Rio Grande do SulTea/To de Bonecos Dodd - (fantoches) do ParanaTeatro de Bonecos Dadd (varas) - GuanabaraTeatro Iabuti (fantoches) - Est. do RioEquipe Be llan (fantoches) - GuanabaraMonteiro Lobato (marionetes) - GuanabaraTeatro Kika (fantoches) - GuanabaraTea /To de Bonecos llo e Pedro (fantoches e varas) - GuanabaraSad Perere (fantcches) - Sao PauloVovo leieie (fantoches) - Sao PauloXique-xique (fantoches) - BahiaSoliquinho (Iantoches) - GuanabaraGrupo dos Sete (fantoches) - GuanabaraPetit Theatre de Paris marionetes, de Alfa Berry, que se apresentou comoconvidado hors concuors,o 1." lugar coube ao Teatro de flo e Pedro.o II Festival realizou-se no Teatrinho do Aterro do Flamento.

    III FEST IVA L DE M ARION ETES E FANTOCHESDO RIO_DE JA N EIR O (196 8)

    realizado na Guanabara, no Teatro Novo, sob 0 patroci nio do Ministerio~a Educacao e Cultura e da Secretaria de Turismo, foi organizado pelosrnarionetistas Clorys Daly e Claudio Ferreira.[eve a participacao dos seguintes grupos de diversos Estados do Brasil:Grupo dos Sete (fantoches)Furabolos (fantoches)Iabuti (fantoches)Dada (varas)Monteiro Lobato (marionetes)Teatro de Fantoches de I/o e PedroBig lanes (fantocbes)Equipe Bellan (fantoches)Teatro Carambola (fantoches)Virginia Valli e Seu Grupo (vara s, f an toches e mascar as )Teatro Folclorico de Fantoches (varas)Teatro injantil de Murionetes.Apresentou-se hors cOlleours 0 mamulenguei ro Ginu (So li st a}, de Pe rnambuco.Foram c1ass ifi cados : 1 .0 Juga r: Virginia Valli e Seu Grupo com 0 espeteculcEsse boi e de Mor te , com aproveitamento do folclore de bumba-meu-boi,2. 0 lugar: Teatro Folclorico de Fantoches e 3." lugar: Tea/To de 110 ePedro. .

    12

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    14/50

    Boneco e Mascara, de Virginia Valli.13

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    15/50

    RETRATO DEHENRYK JURKO'VSKI

    SECRETARIO GERAL DA UNIMA

    Henryk Jurkowski14

    No Congresso de Charleville-Mezieres,passou-se mats uma pagina da UNIMA.Jan Malik, 0 inamovivel secretario-geralpassou 0cargo. JM marcou a nossa asso-ciacao com a sua personalidade. Ele erasecretario desde antes da ultima guerra.Em Charleville-Mezieres, 0 tcheco JanMalik cedeu 0 posto ao polones HenrykJurkowski.Foi urn momenta de grande emocao paratodos. Nosso novo secretario e jovemainda: 46 anos. Nasceu em Varsovia em1927. E urn homem culto. Estudou e ob-teve diploma de filologia polonesa naUniversidade de Varsovia. E poliglota.Terminados os estudos, obteve urn lugarno Ministerio da Cultura e foi ai que en-controu "As Marionetes", Ele diz:"Como chefe de service, cornprometi-rneprofundamente com a pratica teatral. Fizdirecao; dirigi 0Teatro de Marionetes daTelevisao ; colaborei na redacao da revis-ta Teatr Lalek; traduzi pecas para teatrode bonecos. 0que mais aprecio, contudo,e mcu trabalho critico e meus trabalhoscientificos. Publiquei cerca de 120 artigos,entre cles, estudos sobre a historia doteatro de honecos na Polonia, estudos so-bre as relacoes entre 0teatro de marione-tes e a arte Iolclorica, estudos sobre asrelacoes entre 0 teatro de martonetes, 0teatro de mascaras e 0de atores. Ocupei-me com a evolucao dos motivos literariosambulantes - a evolucao do motivo deSanta Doroteia nas lendas religiosas - aobra dramatica, 0 teatro de bonecos e ascancoes populares."Em 1969 defendi minha tese de dou-torado com 0 tema "0 Desenvolvimentodo Teatro de Marionetes da Antigiiidade

    ate 0 Romantismo, Atualmente sou pro-fessor na Escola de Marionetes de Wro-claw e trabalho na segunda parte do meulivro sobre 0 tema 0 Teatro de Marione-tes do Romantismo a Il Guerra Mun-dial."(Marionettes-UNIMA, Franca n. 45/1973).

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    16/50

    CONVERSA COM HENRIKJURKO\VSKI (*)KK: 0teatro de bonecos s6 e considera-do urna arte seria par duas categorias deespectadores: as muito [ovens e os cultu-ralmente reiinados, Quais as [atores queregem essa [ascinaciio que se veriiica en-tre uns e outros?Henryk Jurkowski: Apesar da opiniao queos pais geralmente tern da lnteliaencia deseus filhos, estes ultimos se entregam ailusao a ponto de confundir 0universo daIiccao com 0 mundo real. Assim, parauma crianca pequena a marionete e urnpequeno ator. Ela acredita na vida realde urn fantoche ainda que, em principio,reconheca sua verdadeira natureza mate-rial. Alem disso, a crianca deseja partici-par de quaIquer fic

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    17/50

    tau dai? Pode-se, agora, conjecturar comcircunspeccao, a sobrevivencia do ge-nero. A formula classica, isto e, 0autenti-co teatro de bonecos esta ganhando. A vi-toria de urn genero nao equivale, entretan-to, ao progresso artistico. EIa s~ tern umasignificacao psicologica, 0 que e bastante!- para aqueles que a praticam. Ela podeoferecer, igualmente, urn ponto de partidapara iniciativas artisticas avancadas, 0quenao e de se desprezar numa epoca em quese observa, entre nos e um pouco no mun-do todo, uma certa acomodacao por partedos marionetistas. Os teatros de marione-tes ja tern suas conquistas, seu publico eum repert6rio que foi testado; podem Ievaruma vida calma e prospera, 0 prestfgio so-cial garantido nao incita ao risco. Pudeverificar isso no recente festival internacio-naI de marionetes de Charleville-Mezieres,Entre os sessenta grupos que tomaram par-te, apenas alguns correram 0 risco de es-tabelecer um contatomais vivo com a pu-blico, quer abordando urn grande proble-ma de nossa epoca, quer renovando seusmeios de expressao.A situacao atual do teatro de marionetesse define nos seguintes termos: ele dispriede meios de expressao variados e de expe-riencia profissional; suas virtudes edu,:ati-vas para 0 publico infantil e recreatrvaspara 0 publico de adultos sao notaveis,Mas e raro que ele se comprometa nosgrandes problemas de nossa epoca, a ex-ceCao do Bread & Puppet Theatre, .~oteatro de Philippe Debuscher da regiaoparisiense e de alguns espetaculos polone-ses, tchecos e hungaros, 0 futuro do tea-tro de marionetes esta todo na questao dese saber se eIe podera juntar as suas fun-~6es educativas junto as criancas e recrea-.tivas junto ao publico adulto, a v':)fltad~ .dese empenhar nos problemas esrstencrars:colocar-se no mesmo nivel do teatro dra-matico e procurar atingir objetivos analo-gos pelos meios que the sao proprios.KK: Na minha pergunta anterior, tenteiassinalar um jato proprio do Seccdo Polo-nesa da Internacional Contempordnea de

    Marionetistas, isto e, 0 desabrochar doteatro de bonecos na ausencia da [orcamotora mas igualmente do lastro da tradi-rilo. Esse [enomeno se situa no tempo; detoto, se 0 esjorco de organizaciio corres-ponde it segunda metade dos anos quaren-ta, os sucessos artlsticos comecam a apa-recer em sua plenitude no meio da decadaseguinte. A natureza desse sucesso era, en-tretanto , dupla pelo iato de que trazia emsi mesma os gerrnes do suicidio, Esse su-cesso [oi 0das instituicoes, isto e, do me-cenato do Estado; e preciso lembrar as ins-tituiciies teatrais polonesas que se encon-traram na vanguarda do movmiento euro-peu de marionetes: "Groteska" da Craco-via, "Lalka", de Varsovia e "Arlekin", deLodz: A0mesmo tempo [oi tambem 0su-cesso do estetica marionetista naquilo queela extravasa do movimento e emprestaseus meios de expressiio 00 teatro drama-tico. Mas era wna vitoria de Pirro porqueat sojreu ela a conirontacao. Suas realiza-roes teatrais e suas potencialidades esteti-cas [oram medidas por criterios aplicadosao eonjunto das artes, 0que a levou a suaverdadeira proporciio, Estou errado aopensar que se reconheceu na marioneteurna disciplina perijerica do arte teatral?T'ambem erro 00 presumir que [oi em con-sequencia disso que 0teatro de marionetesdeva encontrar no escala das artes e na doprestigio social uma posicao andloga i1 quetinha em toda parte, no mundo?HI: 0 teatro de marionetes como discipli-na periferica da arte teatral? Para que taldassifica9iio e como esta e subjetiva! Po-deria citar pelo menos uma dezena degrandes autores e homens de teatro queacreditavam na superioridade do ator-ma-rionete em relacao ao ator vivo. Mas naoquero ser obstinado, fingirei estar do seulado. Estou de acordo: e uma disciplina pe-riterica da arte ateatral. Mas nao faltou su-cesso da estetica teatral das marionetes nosanos sessenta para dar-The consciencia. Foisempre assim: 0 boneco era a sornbra doator vivo, mas ninguem jamais falou deleem termos de disciplina "periferica". A

    16

    marionete era uma escapatoria para 0ator,o diretor, 0 diretor do "grande" teatro. NQseculo XVII e no seculo XVIII, epoca dornonopolio das grandes companhias fran-cesas e inglesas, 0 recurso as marioneresera 0 unico meio de contornar a interdi-gao gritante das companhias scm privile-gio real. Durante as guerras, quando osgrupos rareavam, recorria-se a marionetepara assegurar uma distribuicao completedas pecas, E quando urn diretor de gruponao conseguia contratar comediantes, usavaos bonecos e, com a ajuda da mulher edos filhos, podia ter seu proprio teatro. Ena epoca da Grande Reforma? Quando diretor nao conseguia dominar 0 ator-w-dete egoista, era ao boneco, 0 ator maisdocil e mais perfeito que ele recorria.Hoje, 0 teatro de bonecos njio e maisuma escapatoria para 0 "grande" teatro.Ele constitui uma disciplina que adquiriu,apesar de todos os obstaculos, uma auto-nomia artistica. Vive de sua propria ener-gia, sem toma-Ia emprestado do teatro vi-vo, testemunho disso e 0teatro de Obrazt-SOy e alguns espetaculos de teatros polo-neses, rumenos, hungaros ou suecos. Foina Suecia que se viu 0 excelente espeta-cuIo de UbuRoi de Jarry, numa direcao deMichael Meschke, com musica de Pende-recki e cenografia de Franciszka Therner-50n.Sua visao muito arbitraria da situacaoatual do teatro de marionetcs na Po16niaexige, tarnbern, uma retificacao Essa si-tuacao nao e a mesma de ourros paises.Ela e melhor financeiramente se se compa-ra com ados paises capitalistas mas me-nos favoravel do ponto de vista social doque na Uniao Sovietica, na Rurnenia, naHungria e na Checoslovaquia. E isso naoe culpa dos marionerisras mas dos crfticose dos riossos mecenas, Nao ha muito tem-po, h& apenas uma dezena de anos, 0 tea-tro de marionetes era tratado com serieda-de e cercado de cuidados pefa nossa poli-tica cultural. Hoje raramente ele e notado:tern passado de moda? 0 mesmo nao aeon-tece, Ielizmente nas cidades da provincia

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    18/50

    onde se corihcce de mais perto a atividu-de desses teatros e onde ela se cerca dorspeito de antigamente. Mas uma vez quese trata de mecenas, devemos anotar urnnovo: a Televisao das Mocas e dos Rapa-zes. Essa iniciativa provoca uma presencaconstante dos bonecos entre milhoes detelespectadores, 0que e importante para 0prestigio social do teatro.KK: A televisiio, sobretudo nas iniciativasde festival, dijunde mas 0 prestigio socialnem sempre e [unciio de uma grande dlju-sao, Ela e antes 0 [ruto de uma raridadebern dosada. Alem disso, os festivals detelevisdo nada mais sao que urn rellexo doteatro; apenas registrarn suas atividades.Mas talvez exista uma analogia a deduzirdai, porque 0 teatro de bonecos [oi, emsua iuventude, urn reilexo do teatro doator. Reli, antes desta conversa, a sua"Historia das Marionetes": T'odavia, detanto rejletir sobre a natureza do sentimen-to que live a sua leitura, chego a conclu-silo de que nao e nem 0metodo de investi-gaciio e nem 0 raciocinio que me apaixo-nararn nele, Encontrei ai uma ceria ener-gia moral propria as obras dos solipsistase niio posso excluir 0[ato de que sell.livroesteja dominado pelo proposito de regis-trar aquilo que quase niio existia ...Hl_: Com isso nfio estou de acordo! Mi-nha obra nao e uma mistificacaol Aindaque voce tenha razao de dizer que seu pon-to de partida foi minha conviccao do ca-rater derivado das marionetes em relacaoao teatro do ator, Isso era verdade para 0teatro de antigamente, cuja e=istencia naoera menos real. E quanta riqueza haviaapesar desse carater de derivado! Sua ri-queza e originalidade nao se deixam com-parar senao com as da arte popular quernuitos tern a tendencia tarnbern de quali-ficar de derivada. Em minha Historia dasMarionetes eu quis anotar 0que existia eo que tinha, para mim, importancia paraa evolucao da arte teatral tornada em con-junto. De fato, os marionetistas populates,o antigo teatro de bonecos, e que nos ensi-

    nam 0que ha de mais dif'ici l na arte - 0estilo.KK: E ndo e, contudo, sem. raziio que useio termo energia moral. Grotowski, quefez parte de seus estudos teatrais na UnidoSovietica, me contou que passou muitashoras no grupo de Obraztsov . Ele se sen-tia multo proximo da atmosfera moraldesse grupo, da seriedade e honestidadecom que se exercia ali a projissiio teatral.Niio acha que essa "seriedade" e 0 quediscrimina todo grupo social que chama-mos de "movimento dos marionetistas"?Seus sucessos repousam menos no que, deresto, serve as vezes para simular a arte:a beleza, 0jisico do que no penoso esior-,"0 que se tenta permanentemente para ul-trapassar os limites e vencer a inercia damateria que substitui 0 ser humano. Umtrabalho sem brilho visando a tirar 0md-ximo de ejeitos do minima pormenor ce-nico, Niio e inverossimil que esse espiritolaborioso inerente a projissiio seia a base.da Internacional de Marionetistas: aUN/MA. Niio hd muito tempo urn con-curso nacional reuniu em Bialystok solis-(as do teatro de bonecos, cam a participa-rlio de Jean Loup Temporal. Veriiiqueique esse artista niio se sentiu menos dvontade nos modestos locais do teatro des-sa cidade do que na Maison des Arts etLoisirs da Franca, onde, hd tres anos, navespera de Natal, nos marionetistas nosreunimos. Os marionetistas tem urn espi-rito de solidariedade proiisstonal e culti-vam 0 sentido de sua unidade. Recente-mente 0 senhor [oi eleito secretdrio geralda UNIMA e nessa ocasiiio apresentou 0sell programa em quatro linguas. Possoperguntar-lhe 0 que e a UN/MA, qual 0seu programa e como seria a mundo seeZaviesse a tomar 0poder em escala mun-dial?

    HJ: E verdade, os marionetistas ternsua mafia. Sua existencia se explica pelaameaca que pesa sobre todos aqueles que,como 0 senhor, procuram fazer crer naposicao periferica de sua arte. A solida-riedade dos titiriteiros e todavia pouca17

    coisa diante da dos adversaries que tam-bern aspiram ao poder, Consequentemen-te, nao penso que tenhamos a oportunicla-de de nos impor. De resto, nossa prof'is-sao mesma e de molde a estancar qualquersede de dominacao ; nossos suditos, as rna-rionetes, nos as criamos it vontade.Quanto it UNIMA, este movimento exis-te desde 1928 e agrupa membros de rnaisde 50 paises. Ele se prop6e trabalhar pa-ra 0desenvolvirnento da aete dos bonecosmultiplicando os contatos entre marione-tistas de todos os continentes no espiritode compreensao e de cooperacao intern a-cional, Os artistas agrupados na UNIJv1Atern a consciencia de sua responsabrlidadeeducativa diante da nova geracao, querem.portanto incutir nas criancas 0 ideal dacooperacao entre os povos e, como dizemseus estatutos, encontrar atraves dos cora-coes infantis 0 caminho do coracao dosadultos. Isso pode nos parecer grandilo-qiiente, mas 0problema e importante ain-da que se pense pouco nisso.kK: Creio fer compreendido: os bonecossiio uma atividade de compensaciio, Bre-cht disse uma vez a respeito de urn povoque perdeu a coniianca de seu governo,que este so teria que procurar urn outropovo . Os marionetistas escolheram gover-nar unt povo de suditos de papel que osseguem docilmente e lhes garantem umadominacdo absoluta, livre de temor,HJ: Bntao, 0senhor nao deixa de brincarquando pensava que todos os membros denosso movimento ja estivessem acomoda-dos.KK: Agradeco-lhe por esta conversa e pe-10 diagnostico, Tentarei refletir.

    ( *) Entrev ista concedida a Klemens Krzyza-gorski, pub!. ill The Theatre in Poland, 7 / 1973.

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    19/50

    JURKO~TSKI FALA SOBREDE BONECOS I)A POLONIA] a abordamos diversas vezes 0 teatro demarionetes polones c seu desenvolvimentodinamico e os traces que 0distinguem dosde outros paises, seus meios de expressaoproprios. Tados estao lembrados do suces-so dos grupos como Groteska, Arlekin,Lalka e Miniature. Hoje e a grupo Marci-nek, 0mais conhecido dos teatros polone-ses de bonecos, que rcpresenta nossa arteno exterior. Mas que e feito dos outrosteatros? Qual a sua atividade atualmente?A resposta parece simples, pelo menos aprimeira vista. Os grupos representam paraseu publico - criancas em idade pre-esco-Jar, escolar e adolescentes, a maior partedestinando-se a segunda das duas catcgo-rias de idade. Ncsses espetaculos eles re-correm a bonecos, mascaras e outros aces-sari os mas tambern ao ator vivo. 0 teatropoloncs combina, as vezes, no plano ~cum mesrno esoetaculo, meios de expressaodiversos. A base desses teatros sao contos etemas modern os para criancas e um vastorepertorio de pecas modern as, romanticasnolonesas e pe

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    20/50

    orrentacao inteiramente diferente, riao dei-xando de ter relacao com urn movimentoque, rra Polonia, acusa grande vitalidade:o "teatro de urn s6 atrsr'", Esse genera deteatro apela geralmente para a Iireratu rado fa to (texto de jornais, documentos, re-cordacoes) e para a poesia, mas surge prin-cipalmente como um teatro mais de reoita-cao do que de a~ao. Ora, os solistas mario-netistas nao se Iirnitarn it recitacao ; seuteatro e 0 da a

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    21/50

    Pecas para marionetes baseadas na tragi-ca hist6ria do dr. Fausto apareceram noseculo XVI. Esses dramas, provavelmenteinfluenciados pelo texto de Christophe"Marlowe aue os atores ingleses levaram aAlemanha, inspirararn-se numa lenda daepoca quando a alquimia e a astrologia co-mecavam a atingir 0 apogeu. Conta-se queurn certo George Sebel, que nasceu em1488 e adotou 0 nome de Faustus, estu-dou numa Universidade alema. Pareeeque ha provas de sua passagem pela Uni-versidade de Heidelberg, onde obteve 0ti-tulo de bacharel em 1509. Em seguida ob-tern 0diploma de doutor. Conversador, ca-botino, faz-se passar por grande persona-gem e tenta a sorte em varias cidades. Elee 0 tipo da Renascence, cetico e gozador.Morre em 1541, de miseria e desregra-mento. Segundo a lenda, ele avisa ao do-no do albergue onde chega, no Wurtenberg,que esta para morrer. Depois de uma noiteterrivel, em que se desencadeia uma tem-pestade, quando vao ao seu quarto, 0 en-contram caido ao chao, morto, a cama sujade sangue e escrementos, 0 pescoco rom-pido. Esse Iim espantoso enriqueceu-se naimaginacao popular e dai nasceu a lenda.A hist6ria comecou a ser contada em todaa Alemanha e f) primeiro Iivro baseadonela, c Faustbuch, apareceu em 1587. Le-vado a cena, surgiram dai diversos dramaspopulares que inspiraram 0poeta isabeli-no Marlowe em seu drama The TragicalHistory oi Doctor Faustus, restando esteultimo texto enquanto as antigos se perde-ram.Diversas obras, em diversas epocas, se ins-piraram na historia do doutor Fausto: LaVie, les Actes et la Descente aux Enters duDocteur Jean Faust. Le Docteur Wagnerou la Descente de Faust aux Enters ouInielix Sapientia; Le Docteur Faust ou IeGrand Neromancien.Como peca para marionetas, apareceu em1846 0Dr. Johannes Faust, em 4 atos e.em 1847, foram publicadas as cinco anti-gas vers6es para bonecos: (J Dr. LotioFausto (teatro de marionetes de VIm),

    20

    Joiio Fausto, do repertorio do teatro debonecos de Augsburg; Joiio Fausto ou aDoutor Mistiiicado, comedia; 0 DoutorCelebre do Mundo lnteiro, do teatro demarionetas de Strasburgo e Fausto, Histo-ria do Tempo Passado, em arranjo parabonecos (Colonia). Em 1850, foi publica-do, em Leipzig, urn novo Fausto rnaisaproximado da forma original. Ainda ho-je, diversas versoes para bonccos sao apre-sentadas com base na est6ria do doutorFausto. No Brasil, apresentou-se hoi algunsanos urn grupo alemao que encenou umaversao do doutor Fausto.:E certo que em nenhuma epoca uma pecatera suscitado tanta polemica e dado ori-gem a tantas vers6es, inspirado tantos au-tores, permanecendo viva e atual ate nos-sos dias.Quanto ao drama popular literario levadonas cenas das feiras, do seculo XVI emdiante, ele recebeu seu golpe mortal aocrescer a infIuencia do drama escrito outeatro, literario e as criticas a esse tipo deteatro, acentuadamente popular, com Les-sing a frente. Afastado dos tablados dasfeiras pela intolerancia erudita da epoca,Fausto se refugiou no teatro de bonecos,sobrevivendo nos seculos seguintes, e con-tinuando a exercer sua influencia sobre osautores alemaes, Goethe e 0exemplo maisnotavel com suas versoes do doutor Faus-to.(*) A versao inglesa de Marlowe representadana Alemanha pelos cornediantes estrangeirosrecebeu a inf'luencia da literatura popular alernfi,quando 0personagem mudo desse drama - queera 0 Clown que se comunicava com a ptateiacstrangeira ape nas par gestos, pelas dificuldadesda lingua pois 0 teatro isabc lino era repre-sentado em ingles, na Alemanha, esse palhacoacabou se transformando no Hanswurst - JoaoChourico, her6i conhecido das plateias alernae flamenga.Livros Consultados:The Theatre, Sheldon Cheney - Tudor Publ.Co. N. lorquel1943Histoire Ghlerale des Marionettes, Jacques Ches-nais - Bordas/1947.Theatre Populaire, n. 12/1955

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    22/50

    o JOGO DO DOUTOR FAUSTO

    PEC:A EM 3 PARTES E UM PROLOGOPARA BONECOSAdaptacao de MARTHEROBERT

    Personagens:FAUSTO, doutor em teologia e profes-sor em WittenbergWAGNER, estudante que vive em suacasa, seu [amulusHANSWURST, criado vagabundo, queentra a service de Fausto e setorn a vigia noturno.o DUQUEDE PARMAORESTES, conselheiro do DuquePLUTAO, deus do infernol\,fEPIST6FELES, demonicKRUMSCHAL,demonicVITZLIPUTZLI, demonicAUERHAHN, demonicASMODEU, demonioCHARONTEGENIOMAUDOIS ESTUDANTESAs FURIASA BELA HELENA DA GREClAPrologo

    CHARONTE- Plutao!PLUTAO- 0 que?CHARONTE- Bern, olha af. .PLUTAO- Olha ai 0que?CHARONTE- Nao quero mais ser teu es-cravo.PLUTAO- Meu eseravo, como?CHARONTE- 0 escravo de tuas galerasdo inferno. Aumenta meu orden ado oueu nao trabalho mais.

    21

    PLUTAO- 0 que, seu carne-de-forca doinferno! Sim, senhor, seu escravo, eu naote dei aurnerrto? Antigamente recebias umapataca por cada alma danada, agora re-cebes urn tostao! Juro que vais me passaras almas!CHARONTE- Sim, eu passo. Mas teus de-monios sao muito relaxados. Eles so tra-zem a minha barca poucas almas graudas,dignas de scrern conduzidas a teu Inferno.De que me serve de tempos em tempos urnbanqueiro falido? Gente desse tipo naocompensa 0 trabalho. Em Iugar de deixarteus diabos vagabundos se arrastarem atpelo inferno, farias melhor em envia-Ios aomundo de cirna, entre os hornens mortaisaos menos para ensinar-lhes a fazer todoo mal que puderem. Antigamente minhabarca estava cheia de almas, mas agoramulti does de feiticeiras fazem ida e voltaem suas vassouras num abrir e fechar olho,Se tu nao fiscalizas 0trabalho de teus ve-lhacos, meu trabalho de barqueiro serainiitil.PLUTAO- Meu velho servidor do reinoplutoniano, agradeco teu cuidado e 0 quedesejas sera feito. Convocarei irnediata-mente meus diabos - afinal eles estao sobrninhas ordens - e lhes comunico minhadecisao : eles te entregarao imediata-mente urn desses grandes da terra, cuja al-rna e rnais preciosa que urn rnilhar delasjuntas.CHARONTE(cantando):

    Nada me impede de eantardeixo de me chateargracas a ti, Plutao,tenho a barca a transbordar.

    PLUTAO- Vamos, vamos, diabos vaga-burrdos, onde estao voces? Estao dormin-do? Desgracados, voces nao querem pro-gredir? Nao se preocupam em aumentarmeu pocler infernal? (Ruidos de passersarrastados; vozes indistintas que se apro-xirnarn } . Bern, ate que enfirn! Escutem mi-nhas ordens: voces vao partir para 0mun-do de cima e lit ensinar todo 0mal possi-vel; ensinem as seitas a se querelarcm;aos comerciantes a roubarem no peso; en-

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    23/50

    sinem a vaidade as mulheres e tarnbemo deboche; van as Universidades e ensi-nem aos estudantes a se empanturrarem,se embebedarern, a praguejar e fazer rna-gia negra, a se disputarem e brigarem, afim de que venham com suas almas paranosso inferno.TODOS as DIABOS - Fica descan-sado, Plutao, que cumpriremos tuasor-dens.PLUTAO- Mas voces nao poderao fazernada sob essa forma atual. Depressa, vanse metamorfosearem para cumprirem mi-nhas ordens. 0 hornem diz que 0 diabotern mil truques no saco. Pois bern, vouIhes mostrar as mil maneiras de engana-lo.(Os diabos voltam) Bern, assim, estao rnaisapresentaveis, A caminho! Dirijam-se af10resta da Boemia, sob 0grande carvalho,Bu, bu.bulTODOS - Bu, bu, bu!

    PRIME IRA PARTEAto I

    Fausto em seu gabinete de trabalho.FAUSTO (so) Nao ha monte sem vale,nao ha rochedo sem pedra, nao ha estudossem trabalho. Dizem: Quod capita tot sen-sus - quem tern cabeca tern sentido. Urne atraido pela arte de pintar, outro pelaarquitetura; aquele e poeta, esse outro,born orador; este, urn grande f'Ilosofo,aquele Ia, medico. Este aqui se da ao estu-do da teologia e quando urn homem inse-guro se decide, afinal, a aprender urnaarte ou profissao, eIe se aplica em obter agloria nesse trabalho. Nemo sua sorte con-tentus est - ninguem esta contente comsua sorte. 0mendigo desprezivel dos ca-minhos sonha com os meios de sair de suaterrivel situacao e se tornar nem que sejaurn campones; 0campones deseja ser urnburgues, 0 burgues, urn nobre; 0nobre, urnprincipe; 0principe, urn rei; a rei, urn irnpe-

    rador. E se houvesse ria escala da felicidadehurnana urn grau mais alto ainda, todo mun-do sonharia atingi-Ia. E isso, justamente,que me impele a desejar urn estado maiselevado e maiores honrarius, Mas desdeminha mocidade, votei-rne ao estudo datcologia e, com a ajuda de meus mestres,conduzi-o tao bern que recebi aqui, emWittenberg. 0 grau de doutor cum laude.Mas que vale tudo isso? Apesar de tudo,a teologia nao me satisfaz ainda comple-ramente, porque tenho ouvido e lido mui-tas coisas a respeito das propriedades dosplanetas e do ceu, que seria - dizern -redondo ou em forma de esfera. E gosta-ria muito de me informar, por intermedinda astrologia, sobre a formacao dos pla-netas, do firmamento, seus aspectos e to-dos os demais elementos. Tudo ver e tocarcom as rnaos, eis 0que desejo. E por essarazao que resolvi completar, pelo estudoda necromancia, a soma insuficiente demeu saber e, se possfvel, solicitar 0auxiliodas potencias infernais de baixo. Fausto,ate onde te conduzem tuas ideias ambicio-sas! Tu, doutor, professor eRector Mag-nijicus, te separar da teologia sagrada e li-gar a tua sorte a terrivel magia! E todavia,urn desejo singular me impele, tao singularque me parece impossivel arrancar-medessa tentacao. Mas que f'aras, Fausto, meudoce Fausto, se a arte proibida obscure-cer tua honra e tua gloria, que faras quan-do tudo perderes? Se gracas a sua habili-dade, os espiritos infernais forem capazesde me satisfazer em tudo, eles tarnbemf'arao tudo para pre s e r v a r minhareputacao! Esta decidido e agora mesmo,que a detestada teologia seja banida demeu coracao e que ela seja, para minhaalegria e deleite, substituida pela magiapois que esta me seduz mais.GENIOBOM- Fausto, prossegue teu estu-do da teologia e abandona a necromanciaou, entao, estaras perdido para sempre,GENIOMAU - Prossegue teu estudo damagia e tu te tornaras 0doutor mais sabioque jamais tera vivido na Asia, na Africa,na America e em toda a Europa.

    22

    FAUSTO- Ouco duas vozes que se con-tradizem: uma a minha dire ita, outra aminha esquerda. A da direita me acenacom a teologia, a da esquerda me aconse-Iha a magia. Tu, a minha direita, quemes?GFNIOBOM -- Eu sou urn anjo born en-viado de cima para te guardar e te condu-zir a salvacao,FAUSTO- Tu, a minha esquerda, quemes?GENIOMAU - Eu sou urn espfrito dosmundos inferiores, venho para fazer-te fe-liz e te colocar acima de todos os homens.FAUSTO- Urn milagre, Fausto, nao terejubilas? Os anjos do ceu vern te conso-lar e os espiritos saem do mundo subter-ranee para te servir. Mas basta! Cornpre-endo: pois que resolvi amar a arte da rna-gia e rejeitar a teologia, a da direita naome sera de nenhuma utilidade. Tu, a rni-nha esquerda, segue-me!

    o GENIO MAU dd uma gargalhada.GENIOBOM - Desgracado de ti, Fausto!Cuidado! Tua sorte sera dura se venderestua alma, entregando-te aos tormentos doInferno!FAUSTO- Estas realizado, Fausto. Vivede agora em diante rnais feliz do que 0foste ate aqui. Vou ao Iaboratorio para co-mecar meus novos estudos. Ah, eis Wag-ner, meu fiel criado. Que queres, Wagner?

    Ato IIWAGNER- Senhor doutor, estao at foradois estudantes que desejam falar comVossa Excelencia.FAUSTO- Estudantes, dizes? Serao semduvida os enviados de urn de meus bonsamigos. Manda-os entrar.WAGNET- Ja vou.FAUSTO- Tudo que vive aqui em Witten-berg honra Fausto. Gostaria muito que es-ses dois senhores pudessem me ajudar emminha empresa.

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    24/50

    WAGNERentra com os Estudantes19 ESTUDANTE- Com vossa perrnivsao,se estamos de algum modo incomodandoo senhor doutor ...29 ESTUDANTE- Desejo a paz a VossaExecefencia e peco a Vossa Excelenciaque nos excuse por virmos importuna-Io.Fxus'ro - Obrigado, senhores. Vossa vi-sita me cumula. Fazei-me saber, peco-vos,o que desejais de mim. Wagner, cadei-ras ...] o ESTUDANTE Nao vos incornodeis,Se vimos ver Vossa Excelencia e que ouvi-mos dizer ultimamente que Vossa Exce-Ienoia e apaixonado por magia. Ora, rece-bi de maneira extraordinaria urn livro que'contern coisas singulares sobre a maneirade fazer escurecer 0sol, imobilizar as es-trelas e tirar a lua suas fases. Se 0 senhordoutor deseja te-Io, ele esta a sua disposi-cao.29 ESTUDANTE Eis aqui urn autor des-conhecido que encontrei na biblioteca demeu pai e que poderia ser util ao senhordoutor nos novos estudos que esta empre-endendo.FAUSTO- Nobres rapazes, v6s me pro-porcionais rnais alegrias que nenhum Ce-sar jamais teve. Fico-vos muito agradeci-do. Quero 0 rnais depressa abandonar es-sa atividade teologica, a que me dedicava,e embriagar-me com 0 conteudo destes li-vros e de outros semelhantes.19 ESTUDANTE- Meus votos, senhordoutor, .jao de poder servi-Io ainda maistarde.FAusTo - Consentireis, senhores em to-mar urn copo de vinho? Seria grande hon-ra para mim.19 ESTUDANTE Queremos expressarnossos agradecimentos ao senhor doutor epedirnos licenca para nos despedirmos.29 ESTUDANTE- Peco-vos excusas; per-miti que nos retiremos.FAUSTO - Adeus, senhores, guardareisempre a vossa lembranca em meu cora-

    "ao. Agora, posso dizer tudo que me agra-da dizer, tudo que alegra 0 coracao doshomens. Estes dois livros, eu os Ierei comatencao ainda que me custe a vida. Estefoi escrito pelo espanhol Runzifar e esteoutro, pelo espanhol Varth: dois grandesmestres na arte. Vou me esf'orcar por com-preende-Ios, quero ser urn vitorioso, naodesejo a derrota. (A Wagner, que perma-nece a seu [ado, esperando) Terias algumpedido a me fazer, amigo Wagner?WAGNER- Gostaria de fazer uma humil-de suplica.FAUSTO- Pede 0que quiseres. Nao te re-cusaremos nada do que possa ser conce-dido. Que deseja meu fiel Famulus?WAGNER - Gostaria que tomassemos anosso servico urn homem que se ericarre-garia do trabalho da casa, a fim de que eunao seja tantas vezes incomodado em meusestudos.FAUSTO- Claro, eu 0autorizo. Mas con-trata alguem que seja de natureza discrera,fiel e trabalhador. (Sai)

    Ato IIIHanswurst entra com sua bagagern

    HANSWURST (cantando):Omnia mea mecum porto!E assim que se viaja:hoje, morrendo de frio e de calor,amanha as pulgas te comendo!

    .Ah, especie de velha pele de ursa que sou!Se nao doesse, eu daria em mim mesmouma duzia de bofetadas. De resto, ja asrecebi, e isso nao muda nada minha situa-o;;aopor que estou sem dono e sem pouso.Eu tinha urn patrao, mas perdi. Era urnjovern, uma crianca e me empreguei paralevar seus livros a escola mas, infelizmen-te, ao lado dele, tambem virei crianca. Eparece que nao fiz born uso dos livrosdele, par causa de uma historia de coalha-da, que nao yOUcontar. S6 de me lembrarme dol dar de barriga. Tambem nao digocomo encontrei urn burro no caminho, aquem disse: "Born-dia, senhor Pegaso!" 0

    23

    que rnuito Ihe agradou. Assim que the per-guntei: "T'erei permissao para monta-lourn pouco?" ele respondeu: "Rim-ram".Ha, ha, pensei, esse senhor e arnavel e pa-ra nao desgosta-lo, montei imediatamente,Mas nao sei como 0diabo enviou em meuencalco 0moleiro que 0burro rrao queriamais, nem 0 que esse atrevido tinha nasmaos - da grossura de meu brace - comque me deu uma pancada na espinha queeu comi a poeira e perdi meu asno. Eis-meagora numa casa completamente vazia!Olaf Ninguern! Mas que vejo? Livros! E ateurn aberto! Ah, se eu soubesse ler! Vamosver, vamos ver, minha mae antigamenteme ensinou a soletrar urn pouco. Deixa verse lembro. Eis aqui uma letra grande feitouma porta de curral. S6 pode ser urn A.E, e urn A. (Soletra) A... tabaqueira,V . . . isqueiro. T. . . bolsa ... Ca. . . b ...e. ,. be... los. Cabelos. (De repente co-meca a ler) Primeiro capitulo: da arte defabricar puIgas e pulgoes. Muito obrigado,nao me faltam nem pulgas nem pulg6es.Tambem nao preciso nem de ratos nem decamundongos. Segundo capitulo: da artede transforrnar uma rnulher velha nurna jo-vern. Diabo! Tenho que aprender isso! Ve-jamos que ingredientes precisa. (Lendo)Olium babolium, audiurn et gugulum, ex-cruculus -ISla e urn.escaravelho corcunda- 0 coracao de uma bigorna, trezentaslinguas de pulgas virgens, seis dedais desangue de caranguejo, uma tonelada deneve seca, 2 Iib.ras de consciencia de ad-vogado; 30 mil dedais de honestidade dealfaiate, uma pitada de fidelidade de mu-lher (r'ai, por que somente uma pitada?),30 mil dedais de agua do Danubio, mistu-rada com seis libras de som de sino -tudo misturado e pulverizado.

    Wagner entra.WAGNER - Diga-me, maroto, como foique entrou aqui?HANWURST- Com rneus pes e pela por-ta.

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    25/50

    WAGNER- Nao duvido muito que tenhasvindo pelos ares.HANSWURST - Entao, porque faz tantapergunta boba?WAGNER- Deixa, mas me diga: tens urndono?HNASWURST- Eu devo ter urn, como to-do mundo, mas nao tenho rnuita certeza,porque ate hoje ele nao fez muita coisapor mim.WAGNER- Imbecil! Nao e isso, perguntose tens urn patrao, urn emprego.HANSWURST- Nao, no mom ento nao te-nho, mas contratarei urn logo que se apre-sente a ocasiao.WAGNER- Idiota! E0patrao que te con-trata, pois e ele que te da cas a e comida.HANSWURST - Ele da casa e comida, edurante a seman a nao ha nada para mar-der, nao e isso?WAGNER - Escuta, queres entrar parameu servico?HANSWURST - Se depender apenas demim, sim, mas que e que 0senhor dara aalguern como eu se me empregar?WAGNER- Teras 20 cruzeiros por ano.HANSWURST- 20 cruzeiros? Nao,WAGNER - Por que?HANSWURST - Porque no antigo patraoeu tinha 30 centavos por mesoWAGNER- Mas isso so da 3 cruzeiros e60 por ano. 20 cruzeiros e muito mais!HANSWURST- Nao tente me fazer pen-sar que 20 e mais que trinta. Eu sei somar.WAGNER- Bern, teras 30 centavos a mais.Agora da urn jeito nesta mesa e nesta ca-deira e vern me encontrar na cozinha. Po-deras comer e beber a vontade. (SaO.HANSWURST (dando gritos de aiegria) Ale-luia! Vic tori Zicori Gregori! Consegui con-tratar urn patrao! Ouanto a cadeira e amesa vou logo me Iivrar delas ; a cadeiraeu atiro pela jane1a e a mesa eu derrubo,

    Faz: 0 que diz e sai.

    Ato IVUma iloresta. No chao urn circulo depano decorado corn numerosos sinaisde astrologia.

    FAUSTO- Encontrei nesses livros mais doque prazer. Nao renuncio ao meu desejo,esta decidido, you experimentar . Meia--noitel A hora da cornunhao com 0 Infer-no se aproxima! Nuvens carregadas de pa-vores correm no ceu, E aqui que 0 assas-sinato, a avareza e a mistificacao assenta-ram seu quartel. A Iua se oculta entre asnuvens como se nao quisesse ver 0 queacontece em baixo. As boas criaturas re-pousam. Somente os rejeitados, as apodre-cidas ossadas que pecaram no mundo deeima devem arrastar-se em desespero e fa-zer penitencia ate que uma alma caridosatenha piedade delas e as livre do tormen-to. Mas para urn negocio igual ao meu, ahora e favoravel. Estou sozinho, possocumprir aquilo a que me propus sem serperturbado. 0 cfrculo tern que ser colo-cado ali e a vara, aqui. E agora, Fausto,antes de entrar no circulo, coragem, a timde que nao te percas para sempre. Sim,meu desejo e tao violento como 0do noi-vo que vai ao encontro da bem-amada,Sinto-rne forte como uma rocha. Mas,cuidado, Fausto, para nao cairo Meus ca-belos se arrepiam de horror. (Entra no cir-culo, Troviia.) Estou de pe ou cal? Sinto-me esmagado como se todos as elemen-tos quisessem se lancar sobre mim. 56 meresta uma coisa: ousar fazer a mvocacaodos espiritos infernais. (V olta-se para 0in-terior do circulo e chama com voz terri-vel) Siste, siste, Phlegethontia, Styx! Hejus,hejus! Adeste, mali spiritus. Faustus voscitissime citat! (Ouvem-se os diabos ron-carem) Que significa isto? Ouco urn tu-multo, uma algazarra nos ares e nao apa-rece urn so demonic. Tenho que repe-tir a esconjuracao, (Repete como acima)Siste, siste, Phlegethontia, Styx! Hejus, he-jus! Adeste, mali spiritus! Faustus vos ci-tissime citat! (0 turnulto aumenta) Meuesconjuro parece ser forte. Depressa, mais

    24

    uma vez! (Repete) Eu te conjuro, Princi-pe da Obscuridade infernal de me enviarteus espfritos os mais velozes para queexaltar os meus votos. Satisfaz sem demo-ra esse desejo pela magia irresistivel doselementos mais poderosos. (T'roviio, Nomeio de uma algazarra internal, aparecemos demonios'y Oh, que figuras horriveis!Vou interroga-los. Demonic do Inferno aminha direita, diga-me quem es,KRUMSCHAL- Eu me chamo Krumschale vi-me forcado a aparecer a tua ordem.FAUSTO- Qual e tua velocidade?KRUMSCHAL- A de urn passaro nos ares.FAUSTO - Fora daqui, cao do inferno,nao tens nenhurna utilidade para mim. (0demonic sai resmungando). E tu, comote chamas?VITZLIPUTZLI - Sou urn espfrito voadore me chamo Vitzliputzli, demonic doamor.FAUSTO - Qual e tua velocidade?VlTZLIPUZLI - A da flecha.FAUSTO - Desaparece. Nao me serves denada. (0 demonic sal resmungando) E tu,como te chamas?AUERHAHN- Chama-me Auerhahn e sourapido como 0vento.FAUSTO - E bastante e eu poderia estarem pouco tempo no su1, no norte, a lestee a oeste. Mas es ainda lento para mim.Afasta-te. A page, spiritus! (0 demoniosai) Nao te apresses, Fausto, ainda ha ou-tros demonios aqui. Como te chamas?ASMODEU - Asmodeu.FAUSTO- Nao es 0demonic do orgulho?ASMODEU - Sim, sou eu,FAUSTO - Nao teras abrigo riern na mi-nha cabeca nem em men coracao, Apage,spiritus! (0demonio sai) Mas, diga-me,quem es tu?MEFISTOFELES - Sou urn espfrito aereoe me chamo Mefistofeles, 0 rapido.FAUSTO - Equal e tua velocidade?MEFISTOFELES - A do pensamento hu-mano.

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    26/50

    FAUSTO - Es rapldo. Serve. Mas, cfize-rne,queres me servir?MEFISTO - Fausto, isso nao depende dernirn, mas se Plutao, 0 deus do Infernocorisentir, estou pronto a obedecer-te,FAUSTO- Pois bem, ja que nao dcpendede 'ti, parte e traze-rne uma resposta deteu poderoso senbor.MEFISTO - Assim. farei.FAUSTO- Amanha a meia-noite en te es-perare.i em meu Iaboratorio, Bern, e bas-tante. Na verdade, derliquei-rne a umagrande coisa. Vejo agora a efeito desses Ii-vros. A caminho. Volto para casa e youesperar 0 diabo arderrdo de impaciencia.

    Ato VHANSWURST- E uma verdadeira maldi-

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    27/50

    FAUSTO- Mas, queres isto, Mefist6feles!Mas que pensarao, a nao ser que 0 dou-tor Fausto, outrora tao sabio, tenha esque-cido seus estudos? Nao, isto prejudicariamuito 0meu renome.MEFISTO - Previ tudo isso, Eu represen-tarei tua pessoa e, nas discussoes publicas,aumentarei tua gloria, mais do que pode-rias Iaze-lo tu pr6prio.FAUSTO- Se posso confiar em ti, conce-do-te tarnbern esta segunda condicao,MEFISTO- Alern disso, nao entraras maisem nenhuma igreja e renegaras 0ceu comtudo que ha dentro.FAUSTO- Que dizes, Mefisto? Tenho querenegar 0ceu, de que recebi tantos talen-tos e beneficios? Nao, lsso nao!MEFISTO - Se repelires esta condicao,teras que recorrer a outros de nossos ~spi-ritos, pois aquele que quer se bcneficiarde nosso poder tera necessariamente queodiar e maldizer 0 ceu como seu maiorinimigo.FAUSTO- Entao, se recusar esta condicao,nao poderei obter nada?MEFISTO - Nao, e ate inutil formularesqualquer desejo.FAUSTO- Neste caso, que isto tambemte seja concedido.MEFISTO - .Alem disso, e preciso que sai-bas que nao poderas contrair casamento.FAUSTO- E porque isso?MEFISTO - Porque nos, espiritos, temoshorror ao casamento.FAUSTO- Isto sera duro de manter ...Ha muito tempo acariciava 0 projeto detomar uma bela mulher por esposa.MEFISTO - Tudo que quiseres, menosisso!FAUSTO- Este ponto me parece demasia-do dificil de aceitar.MEFISTO - Sera necessario que abrasmao disso, Fausto. Escolheras cada diauma mulher a teu gosto, teras, errtao, umavariedade agradavel. Conta com minhaajuda, que ela nao f'altara na ocasiao,

    FAUSTO- Ja estou de agora em dianteem teu poder. Cedo.MEFISTO- Urn ultimo ponto: e que vashoje mesmo assinar um documento em quereconheceras a doacao de tua alma a Plu-tao.FAUSTO- Que a minha alma va ao dia-bo imediatamente. (Ergue-se) Eu assino.Voz DOGENIOBOM - Nao, Fausto, naofacas isto, esse negocio te custara caro.Pensa no ultimo Julgamento e no fogo in-fernal!FAUSTO- Que voz e esta? Ao ouvi-Ia,meu sangue arde!MEFISTO - E com que vais escrever?FAUSTO - Com que, sinao com pena etint a?MEFISTO - Nao e necessario, Nos, dele-gados do inferno, escrevernos tudo comsangue,FAUSTO- Com sangue? Mas onde acha-ras sangue a esta hora da noite, quandotodos os vizinhos estao dorrnindo?MEFISTO- Nao faz mal. Da-me tua mao.FAUSTO- Seja. Mas depressa e sem dor.MEFISTO- Sem dor nem perigo. Olha, 0sangue.FAUSTO- Ceu, que e isso? Mal estedernonio me toea, 0 sangue me corre dasveias e na palma de minha mao direitaduas letras se imprimem, urn H e urn F ...Que quer dizer? Homo [uge] Homem foge!Mas so f'ugirei diante de ti, miseravel, la-draa de almas!

    MEFISTO (estourando numa gargalhada)- Ha, ha, hal Pretendes ser urn homeminteligente e nao es capaz de interpretarmelhor estas duas letras na tua mao? Cer-tamente, significam homo fuge! Mas paraonde a nao ser para os braces de teu fielamigo, Mefist6feles?FAUSTO, (dando um profunda suspiro) Everdade, 0 sentido deve ser esse mesmo.(Escreve com 0 proprio sangue). Eis aminha assinatura.VOZ DO GENIOBOM - Fausto, nfio a desque estaras perdido para a eternidade!

    26

    FAUSTO-- Para tras, voz da perfidia! Eisa minha assinatura. De agora em dianteestas as minhas ordens.MEFISTO- Podes exigir de mim tudo quequiseres.VOZ DO GENIOBOM - Fausto, desgraca-do, tua alma corneca a sua queda. Mergu-lharas no mar de enxofre por toda a eter-nidade.MEFISTO- Perrnites que agora eu chamealguem para buscar a contrato?FAUSTO- A vontade.MEFISTO - Bern. Conjuro, imediatamen-te, pelo mais terrfvel de seus tormentos su-premos, urn demonio do Inferno a fim deque ele apareea e transmita este contrato aPlutao, nosso Principe.

    Um corvo aparece, toma 0 contratono bico e voa.

    FAUSTO- Desgracadol Que fiz? Qual aminha ohm? Prorneti ao Inferno a minhaalma, este bern que me e tao caro? oFausto, Fausto! Es rnais vil que urn ver-me, rnais vii que urn cao! Pois 0primeiroda pelo menos prova de sentimento quan-do 0 esmagam e 0 segundo afaga 0 donoem agradecimento por uma codeia de pao,Mas tu, tu es insensivel a todos os bene-Heios que teu Criador te dispensou dia adia. Calcas aos pes as suas leis e despre-zas seus mandamentos,MEFISTO - Coragern, queres uma alegria,urn raro prazer? Ordena! Todos os tesou-ros da terra estao a teus pes. Goza! Tenfiel Mefisto vela para que nada te falte.FAUSTO- Entao, que seja assim! Entre-guei-me ao diabo e quero gozar do mun-do e de seus prazeres pelo maior tempopossivel, Escuta M e f is t o. Ouvi dizerque 0 duque de Parma festeja neste mo-mento esplendidas rnipcias que ja duramhoi muitos meses. Gostaria de me encon-trar em Parma hoje. Podes em conduzirate la?

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    28/50

    MEFISTO- Certamente, em um quarto dehora, se queres. Vri a teu quarto, desdobrao teu manto e pronuncia a palavra "Va-mos" que estaras imediatamente em Par-ma.FAUSTO- Verei entao 0 que pode a tuaarte, Mas durante a viagern, corrduzc-rnelentamente para que eu possa adrriir'ar depassagem as diversas arquiteturas que saoo ornarnento do rnurido. Se for apresenta-do ao Duque e se ele espera de rneus ta-lentos que eu Ihe fiaca tal ou tal coisa, quernostre esse ou aquele hornern, qualquerque seja seu nome, estaras incumbido desatisfazer Imediatamente a esse desejo pa-ra que eu possa ter urn acrescirno de Iron-ras e de gloria. Vou agora confiar a W:tg-ner 0 cuidado de zelar pela minha casadurante minha ausencia. Quanto a Hans-wurst, ele ira cornigo a Parma, mas se forposto em prcsenca do Duque que nao metraia de maneira alguma e nao faIe demeus poderes, sinao perdera 0 emprego.Conheces minha vontade. Faze que meobedecam,MEFISTO- Podes contar cornigo inteira-mente.

    Fausto sal.

    MEFISTO Bern, regozija-te, Mefisto!Afinal apanhaste 0 grande hornem. Quan-tos dernonios nao tentaram a sorte comele, em vao. A avareza, a Iuxur-ia, 0 or-gulho, a calunia - todos foram repelidos.Foi-me reservada a ventura de poder atrai-10 na trarna infernal. Mas ha tambem 0criado, chamado H'answurst ; este tambernsera, quer queira quer nao, presa do dia-boo

    Ato VIIHANSWURST E eu que nao encontromeu putrfio! T'ambern rrao esta aquil On-de foi que ele se escondeu? So 0 diabopode saber! Senhor Faustino! Senhor Faus-tino!

    MEFISTO- Ola! que fazes no quarto derneu patrao?HANswuRsT - Cala-te imbeciI! Meu pa-trao so tern dois criados : eu e Wagner.MEFJSTO- E eu.HANSWURST Quem e.s?MEFISTO- Sou seu secretario particular,corrheco todos os seus segredos.HANSWURST- Acho ate que conheeemais algurna coisa,MEFISTO- Bern, ja que dizes estar a ser-vico do dr. Fausto, dize-rne onde ele seeneontra no rnornento, 0Dr. Fausto.HANSWURST- Onde ele esta? De certoesta no seu quarto de dormir.MEFISTO- Ob, nao! Ha muito tempo queele esta em Parma.HANSWURST Tens graca, Como pode-ria estar la onde dizes e aqui ao mesrnotempo?MEFISTO- Ele esta em Parma, digo-te;na Italia. Esra assistirido a grande festanupcial do principe Heitor.HANSWVRST Que e isso, urna festa riup-cial?MEFISTO- E urn casamento,HANSWURST- Hum. .. deve ter muitacoisa para comer e beber.MEFISTO- Tanto quanto queiras.HANSWURST Mulheres bonitas?MEPISTO - Tantas quantas teus olhos de-sejarern VCT.HANSWURST Bons mtisicos?MEFISTO- Todos que teus ouvidos qui-serem escutar.HANSWURST Mas s6 0 diabo sabe comomeu patrao conseguiu chegar ate Parma!MEFTSTO- En sei, fui eu quem 0 levouIa, gra~as a minha arte.fIANswuRsT - Diabo, mas que es?MEFISTO- Ego sum diabolus,HANSWURST Que? Es urn pe de corrro?MEFISTO- Por favor! Diz-se : 0 diabo!

    27

    HANSWURST Meu Deus! Sera que elee mesmo 0diabo?MEFISTO- Oueres i ao encontro de teupatrao?HANSWURST Sirn, peco-te, me leva atehi.MEFISTO- Mas antes e preciso que medes 0que tens dentro do corpo.HANS'VURST Entendido, mas nao ago-ra, s6 arnartha de rrrarrhfi,MEFISTO- Gr'osseirtlo! Nao tern vergo-nha? Esrou dizendo: tua alma.HANS'VURST Ah, bern! Mas eu nao te-nho alma, sou de madeira.MEFISTO- E preciso pelo menos que de-clares por escrito que desejas me perten-eer.HANSWURST Nao posso, nao sei escre-ver,MEFISTO- Eu seguro tua mao.HANSWURST S? Que e que vao dizerquando souberern que 0 diabo me ensinaessas coisas?MEFISTO- Da-me ao menos tua palavraoral que consentes em te reconhecer comomeu.HANSWURST(a parte) A minha palavra,eu posso dar. Ela nao tern valor peranteas autoridades e ele nao tern testemunha.Negarei tudo. (Alto) Esta bern, eu teprorneto.MEFISTO - Perfetto, entao, dol-me tuamao.HANSWURST(estende-lhe a milo) Ai, aireste me queimando. Es mais quente queurn fogao aceso, quermas como fogo. Por-que es Uio quente?MEFISTO- Sirn, estarnos sernpre nos es-quentando.HANSWURST Se es tao quente, podiasprestar service no inverno, Espera 0 inver-no chegar, que te meterei na chamine.MEFISTO- Nao entra em nossas atribui-'Soes aquecer os homens. Agora, vou ternandar urn cavalo voador. Mas antes, epreciso que te diga corno deveras te com-

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    29/50

    portar caso encontres 0Duque. Se ele teperguntar quem e teu patrao, nao digas demodo algum que estas a service do Dr.Fausto. Trairias teu senhor e perderias 0Iugar imediatarnente. Que dints se te per-guntarem?HANSWURST- Direi que sou 0criado doDoutor Fausto.MEFISTO - Basta! Tu 0 terias traido.HANSWURST- Compreendo: e isto quenao devo dizer.MEFISTO- Bern. Vou te mandar urn ca-valo voador,HANSWURST - Que e isso, urn cavalovoador?MEFISTO - Urn bode.

    Aparece urn bode.HANSWURST- Ah, ahl Minha cavalgadu-ra! (Manta, 0 bode cospe fogo par todosos lados, Hanswurst da gritos de degolado)Ouerido rocim do diabo, nao anda taodepressa, estou tonto ...

    SEGUNDA PARTEAto I

    Parque do Castelo de Parma. A DuquesaDUQUESA- Vedes em mim uma infelizduquesa de Parma. Hi algumas semanasestava casada com urn arnavel esposo. Maspoucos dias depois, ele mergulhou em me-lancolia e numa tristeza tal que nada po-de f'aze-Io reencontrar seu humor outroratao alegre. Dei Iestins atras de festins, or-ganizei comedias, bailes e outras festas -em vao, Ele permanece silencioso, solita-rio mergulhado em sombrios pensamentos.You ainda tentar distrai-lo dando uma ca-cada, porque dizern que a caca e a rainhados divertimentos. (SaO

    28

    Ato IIo DUQUE C ORESTE

    DUQuE - Bern, meu caro Oreste, que di-zeis da esposa que escolhi?ORESTE- Que deveis vos ccnsiderar felizde possuir uma esposa tao virtuosa. Prazaaos ccus que tenhamos a felicidade de sergovern ados durante muiro tempo por urncasal de principes tao perfeito.DUQl1E- Agradeco-vos os votos e esperoque conrinuareis a me ajudar com vossossabios conselhos, a fim de contribuir parao bern-estar de meus suditos,ORESTE- Esteja Vossa Excelencia certode que tentarei semprc ser digno de SuaGraca.

    Ouvem-se as gritos de Hanswurst noar.HANSWURST- Oh, oh, maldito, rocim dodiabo, cospe fogo e vai para 0 inferno!(Cai aos pes do Duque)DUQUE- Oh, que estranho acidente! Per-guntai a esse homem, caro Orestes, comoconseguiu cair do ceu.

    Hanswurst emile sons inarticuladosORESTE- Amigo, quem es?

    Hanswurst, rnesmo jogo.ORESTE- Como conseguiste cair do ceusem te rnachucares?

    Hanswurst continua com seus ruidosDUQUE-.- Ele parece mudo, no entanto, hoipoucos mstantes me parecia que falava.Meu amigo, es de fato mudo? Faze-mecompreender por sinais ha quanta tempoes mudo e porque. t Silencio y Ha quantotempo es mudo?HANSWURST- Estou mudo ha alguns rni-nutos.

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    30/50

    DUQUE - Ah , f'araarrte, falas Hio bernquanta eu. Conta-me como caiste do ceue dize-me se viajas a neg6cios au por con-ta de outra pesso a.HANSWURST- Nao hoi necessidade de meolhar duas vezes para ver que sou urn cria-do.DUQUE - De cerro, mas quando ha limcriado tern que haver urn patrao, Isto e con-sequencia 16gica.HANS"VURST E isto que eu acho as ve-zes.DUQUE- Dize-rne quem e teu senhor?HANSWURST- Justamente, eisto que naoposso dizer porque me torcerao 0pexcooo,DUQUE - Nfio corr'eras nenhum risco seme disseres,HANSWURST- Quem sois?DUQUE- Sou 0Duque de Parma.HANSWURST- Que! 0duque de Parma?Que horror, cai aqui como urn judeu nu-rna pocilga! Excusai-rne, que ainda nlio voscumprimentel. Sinto-rne muito feliz de tera honra de vas conhecer, Pec;o-vos, cobri-vos!DUQUE - Bern, bern, meu amigo. Masagora vais me revelar 0 nome de teu pa-tdio. Foi ele que te peoibiu de dize-Io?HANSWURST- Nao 0meu serihor; mas 0pe de corrio.DUQUE- Pe de corno? Quem e a pe decorrio? Nao 0 conheco.HANSWURST- Psst . .. par aqui, SenhorDuque, para que ele nlio escute, (Tom demisterio y E a diabo.DUQUE - E rnesrno? Mas 0 diabo naotern a palavra em meus dcimfn ios, Quemquer que seja ele, eu te farei prender ime-diatamente se nao me disseres quem e teupatrao.HANSWURST- Isso tinha que acontecer.Estou numa enrascada. (Com voz triste )Senhor Duque, nao posso, riao posso mes-mo, se nao 0pe de bode me torce 0pes-coco.DUQUE - Vai falar OU entao ...

    H"ANSWURST~ Meu Deus! Meu DeuslEsperai, Senhor Duque. Sois capaz de adi-vinhar?DUQUE - Claro.HANSWURST- Bern. Eoi-Isto.DUQUE- Que queres dizer? Que hoi paraadivinhar nisso?HANSWURST~ Nao posso dizer mais na-da. Foi-isto. Fausto-eree. Fausto-erre. (Re-pete rnuitas vezes a [rase acenruando a pa-.Iavra Fausto)DUQUE - Esper a. Ja sei. F'austo-erre, Se-ra . possivel? Teu patrao seria 0 doutor?.E isso?HANSWURST- Es ato. Mas eu nao dissenada.DUQUE (com ar rneditativo ) Quer dizeragora que sei que grande rnestre em feiti-I;aria abrigo eu em minha Corte. PorqueIS certo que 0doutor Fausto e 0maior fei-ticeiro de seu tempo. Vou mandar procu-d.-Io imediatamente a fim de que me reve-Ie os prodtgios de sua arte. Dize-vme ami-go, onde esta teu serihor?

    HANSWURSTse esqaiva e e FAUSTOque aparece

    Ato IIIFAUSTO- Serihor Duque, mandaveis meprocur ar? Em que posso vos servir?DUQUE, (admirado) Como, doutor Faus-to, podeis adivinhar os pensamentos dosourros?FAUSTO- E vos, senhor Duque, conhe-eeis meu nome?DUQUE~ Acreditais enrao que sois 0 'urn-co mestre na arte da magia? Eu tambernadquici algum conhecimento rresse domi-nio. Mas agora que sei que hospedo emminha Corte urn eminente artista, gostariade vos fazer uma pergunta.FAUSTO - FaIai, senhor Duque, apenasdesejo satisfazer vossos desejos,DUQUE - Doutor, Ii muitos Iivros sobreAlexandre 0Grande. Vossa arte e tao po-

    29

    derosa para faze-Io cornpar'ecer aqui, jun-tamente com a esposa? Sem que isso acar-rete rtscos, e claro?FAUSTO - Posso f'aze-lo sem risco nemperigos. Mefistofeles, apres s.a-re, faze viros dois!

    As silhuetas aparecern, Musica,MEFISTO (aD longe) Ei-Ios!DUQUE - Li que Padamora tinha umapinta no Iado esquer'do do pescoco.FAVSTO- V'ossa Bxcelerrcia a encontrarano lugar exato .DUQUE- Na verdade, ai esta ela. Deixai-os regressar ao local de onde vieram. Eagora desejo ver aqui a gigante Galias eo pequeno David.FAUSTO- Vossa Excelencia sera illledia-tamente satisfeito. Mefist6feles, ouviste?Faze aparecer sem dernor-a 0 gigante Go-lias e 0 pequeno Davi.

    Musica. Depots de alguns minutos, aDuque que conversa corn Fausto emvoz baixa, dd a enrender que ja viumuito bern as [iguras, e as aparicoessaern, A rruesica cessa,

    DUQUE- Na verdade, fostes alern da mi-nha espeotativa mostrando-me esses perso-nagens. Ja me indaguei muitas vezes co-mo eSSe gigante pode ter sido rrror'to poruma atiradeira por urn jovern tao pequ e-no.FAUSTO- E uma prova de que 0 fortenem sempre pode descansar em sua forca.Vossa Excelencia quer ver ainda mais al-guma coisa?DUQUE- A casta Lucrecia, no momentaern que ela feee a proprio seio com urnpunhal para que nao a possu.am it forca.FAUSTO Perf'eito, Vossa Excelencia!Ouvrsre, Mefist6feles? Faze aparecer ime-dratarnenre a casta Lucrecia.

    Adagio. Lucrecia aparece,

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    31/50

    DUQUE - Que maravilha! Sinto-me saris-feita. Por sua castidade, esta mulher sal-vou 0 trona imperial de Rorna, em peri-go. Ela brilhara para sempre na Hist6riacomo a pero'la de todas as virtudes femi-ninas.FAUSTO Vossa Excclencia disse bern.Deseja V. Excelencia ver mars algurnacoisa?DUQUE - Sansfio e Dalila no momentaem que esta the rouba a cabeleira.Fxrrs-ro - No mesmo instante, Excclen-cia! Mefistofeles, faze virem Sansao e Da-lila.

    Adagio, como acimaDUQUE - Vos me dais cada vez mais pro-vas de que sois verdadeiramente urn dosmagicos mais extraordinarios de nossotempo. Tenho ainda alguma coisa avospedir.FAUSTO - Que Vossa Excelencia ordene.DUQUE - Mostrai-rne Judith, a mulherheroica, com a cabeca de Holoferne.FAUSTO - Perfeitamente, Vossa Excelen-cia. Mefistofeles, ouviste? Que aparecaimediatamente Judith com a cabeca deHoloferne.

    Musica, como acima.DUQuE - Ah, Fausto, vi 0 que meusolhos jarnais contemplaram! Entretanto, eindiscutfvel que isso c feiticaria e urn prin-cipe crente nao poderia tolerar essas coi-sas em. sua cidade. Em consequencia, tereisque deixar 0 territorio de Parma no espa-~o de vinte e quatro horas, senao serei obri-gado a deixar agir a colera popular e se-reis levado a forca.FAUSTO- Como, principe? Nao vos disselogo que sou urn professor alemao e naourn Ieiticeiro como 0 senhor me chama?DUQUE - Jamais ouvi dizer que se estu-dassem tais praticas nas Universidades ale-mas. Deixareis Parma, ou entao, tao cer-to como sou Duque, sereis queimado vivo.

    FAUSTO- Calma, Principe, nao vas pre-cipitcis. Deixarei Parma, nao para vosobedecer, mas par que me convcm faze-lo,DUQUE - Moleque, esqueces com quemfalas? (Mejisto se coloca diante de Fausto,que desaparece aos olhos do Duque) Que,ele desapareceu da minha vista? Tambernfui vencido por seu poder infernal! Dareiordens para que ninguem de agora emdiante penetre neste jardim porque os de-monies e os rnaus espiritos 0 tornaramimpuro.

    Ato IVMejisto chega rindo a s gargalhadas,

    Fxusro - Fala, Mefisto! Que quer dizeristo?MEFISTO - Estavas em perigo, tive quesalvar-te. Foge, Fausto, nao permanecemuito tempo aqui ; 0ar rifio te faz bem.FAUSTO- Oiga-me quem revelou meu no-me ao Duque?MEFISTO - Esse Idiota de Hanswurst.FAUSTO- Como castigo, ele Iicara aqui.Visto que ele me desobedeceu, eu 0 des-pec;o. Toma-me e me leva a Wittenberg.Abandona esse canalha ao seu destino.(Saem as dais. Silencio )

    Ato VMEFISTO (entra arrastando Hanswurst pe-10 braco ) Vern ca, seu patife, porque trais-te teu dono?HANSWURST - Oh, oh, esta me machu-cando. .. eu nao trai , .. Deixa-me partir,pe de como, gentil pe de corno, deixa-meir!MEFISTO - Por que deste 0nome do pa-trao ao Duque?HANSWURST - Nao Ihe disse nada, ape-nas falei: "foi-isto" e eLe logo cornpreen-deu quem e nosso patrao e como se cha-rna. .. Mas peco-te, querido pe cornudo,deixa-me ir desta vez e nfio me quebra 0pescoco, que ell nao farei mais isso.

    30

    MEFISTO ~ Bern, nao digo nada dessa vez.Mas como castigo, ficaras sozinho em Par-ma, porque teu dono te despediu. Arranjapara voltar com teus proprios pes. (Sai)HANSWURST - Pe cornudo, he, queridope de corno. .. Nao me deixa aqui sozi-nho. Pela minha alma, ele foi ernbora. Meabandonoul Se e assim, paga-me meu or-denado, pois me deves ainda dois meses!Tudo em vao, diabo 0 levou! Oh, pobreHanswurst, que vai ser de ti sem emprc-go e scm patrao?

    Auerhahn voa e cal aos pes de Hans-wurst.AUERHAHN- Hanswurst!HANSWURST- Alguem me chama?AUERHAHN - Hanswurst, porque estastao triste?HANSWURST- Nao tenho razao? Meu pa-trao me enxotou e me deixou sozinho numpais onde nao conheco ninguem!AAURHAHN- Estas mesmo numa situacaograve, coitado ...HANSWURST- Es a unica pessoa no mun-do que tem pena de mim.AUERHAHN - Sabes 0 que vamos fazer?o vigia noturno de Wittenberg acaba demorrer. Se me deres a tua alma assinandourn contrato comigo para que eu possa virbusca-Ia em doze anos, eu te transporto aWittenberg e te arranjo 0 lugar dele.HANSWURST- Nao, esse contrato c im-possivel!AUERHAHN- E porque?HANSWURST - Eu nao tenho alma. Es-queceram de me fazer uma.AUERHAHN- Nao seja tolo assim! Repre-sentas urn ser humana; em conseqiiencia,tens uma alma como todo mundo.HANSWURST- Achas que ell tenho mes-mo urna?AUERHAHN - Claro.HANSWURST (a parte) Deixemo-Io comsuas estupidas rlusoes. (Alto) Certo. Ago-

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    32/50

    ra me lembro, tenho uma alma. Nao seicomo me esqueci. Mas, como te cham as?AUERHAHN - Auerhahn.HANSWURST - Enti'io, meu caro Auer~hahn, dou-te a minha alma a fim de quevenhas busca-Ia em doze anos e me ar-ranjes 0 lugar de vigia noturno.AUERHAHN - Tu teras a lugar.HANSWURST - E me conduzes imediara-mente a Wittenberg?AUERHAHN - Estaremos la em alguns rni-nutos. Segura-rne,HANSWURST - Vamos! (Ele 0 agarra erecua dando gritos) Mas eu me queimei!Devo est.ar com as maos cheias de bolhas!AUERHAHN - Sim, estamos nos esquen-tando depressa.HANSWURST - Estou vendo! Refresca-teUrn pouquinho!AUERHAHN - Esta bern. Agora. segur a-te bern e diz com f'orca : Capo cnallo!TODOS DOIS (ajastando-se) Capo cnallo!

    TERCEIRA PARTEAto I

    Quarto de FaustoFxus ro - Em parte alguma, em nenhumIugar, encontro repouso. Se estou em casa,a Inq'uiet acao me faz sair. Se saio, desejoimediatamente voltar para cas a. Oh, umarna conscierrcia e uma hidra horrfvel, piorque urn cao hidr6fobo! 0 cao raivoso ternpelo merios alguns rnomerrtos de calma,rnas a rn a corrscionoi a nao nos deixa urnsegundo de descanso.MEFISTO - Errtflo, como vais, caro Faus-to? Porque estas tao s6 e tao triste? Que-res alguma alegria, urn prazer qualquer'!Da as ordens. Teu amigo Mefist6feles estupronto para te encorrtr ar os tesouros domundo.FAUSTO- Nao, nao quero que me tragasa alegr ia, mas desejo que tenhamos urnaconversa. Dri as rninhas perguntas uma res-posta categ6rica.

    31

    MEFISTO - Fala e eu responderei a tudoque puder.FAUSTO - Conta-me 0que e a prrsao doInferno, 0 abismo dos danados. Corita-rneos tormentas da coridenacao eterna.MEFlSTO - Posso f'aze-Io , Mas queresmesrno saber?FAUSTO - Quero.MEFISTO - Entao, se queres ... 0Infer-no e urn abismo sem fundo onde esta reu-nido tudo que provoca repulsa e pavor. Etarrrbern chamado 0 Inferno ardente, porque 0que hi se encontra queima e esbra-seia, sem todavia se consumir. 0 Lnf'crnotarnbern se chama tormento eterno que riaoconhece nem esperanc;;a nem fim, pois quedai nao se pode perceber nem a sol nerno esplendor de Deus. Mas 0 que as almascondenadas sofrem ai, n-enhurn ser Irurnn-no pode exprirnir ou descrever, S6 se ou-vern af gernidos daqueles que impIorampela rno rte, mas nao hi morte na eterrri-dade e a eternidade continua eternidade ...FAUSTO - Nao hi nenhuma redenC;;ao pos-sivel?MEFISTO - Nfio, nenhuma absolutamen-teo AqueIes que foram uma vez exc1uidosda graca de Deus ardem eternamente.FAUSTO - Dize-me, Mefist6feles, que fa-rias se ainda tivesses a esper anca de obtera salvacao?MEFISTO - Mais uma vez, Fausto, tu 0desejas ... pois bern, escuta. Se tivesse es-perant;;:a de alcancar a salvacao, gostariade suportar anos inteiros de suplicios osmais atrozes ; se 0universo inteiro estives-se forrado de ferros em br asa, quereriapercorre-Io milhares e milhares de vezes,sem. andar mais depressa que urn car acol.E se houvesse uma escada que Ievasse domais fundo abismo do Inferno ao apice su-premo do ccu e se cada degrau fosse cober-to de milhares e milhares de laminas cor-tantes, e se eu pudesse sentir todas as sen-sacoes humanas e ainda que estivessc aospedacos, reduzido a uma poeira fina comoareia do mar, ainda querer ia subir ess ... es-cada para atingir 0mais alto cume e corr-

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    33/50

    ternplar Deus uma unica vez. Depois dis-so, de boa vontade voJtaria a ser parasempre urn espirito entre as danados,FAUSTO (0 parte) E isto que farias? OhFausto, esse demorrio e tua vergorrha! El etentaria tudo para escapar ao tormento! Etu, homem, tu que nascestc para essa ale-gria, tu te precipitas espontaneamente noinferno! (Alto) Dize-me, caro Espfrito,nao me resta ainda uma oportunidade deentrar entre os Eleitos?MEFISTO- Isto eu nao sei.FAUSTO- Segundo nosso trato, tens queme dizer tudo.MEFJST6FELES - Isso eu nao tcnho 0dircito de revelar.FAUSTO- Eu te conjuro.MEFISTO- E eu, fujo. (Desaparece)FAUSTO- Vai, parte, maldito espectro in-fernal! Somente agora vejo a que pontofui enganado. Pobre Fausto, como Sata-nas te enganou, Ievando-te a ofender aDeus por todas as praticas proibidasl To-davia, 0 pr6prio ceu afirma que a maiordos pecadores, se ele se confessa, podeainda reencontrar a graca deixando correrIagrimas verdadeiras de arrependimento.Assirn, para escapar ao merecido castigo, 0melhor meio ainda e penitenciar-se,

    Ele ajoelha e camera a rezar. Musi-ca.

    Ah! Pai, pai, escuta, ajuda este pobreabandonado,em ti repouso minha alma e meu cor-po.Nao queres, pai, ter piedade do pc-cador?Se 0abandonas, que Iarao os hornens?Tu 0 disseste, tu prometeste :Aquele que se arrepender sinceramen-te tu ajudariasTu me ves a teus pes.vothos cheios delagrimas,Confio em tua palavra, creio e espe-[0 ainda,Serei paciente, me prostarei no po,

    A espera de uma resposta a rnirihnprece,Ajuda-rne, Senhor, ajuda-me!MEFISTO (reaparece) E, Fausto! Que fa-zes ai prostrado? Oueres acabar teus diascomo uma veIha? Vamos, deixa a oracaopara quem precisa. Olha, quero f'azer deti urn prfricipe, cobrir-te de roupas suntuo-sas, Seras mais respeitado que Alexandreo Grande e Julio Cesar. Teu destino e go-vernar 0 mundo!FAUSTO

    Outrora, 0 orgulhoso depravado rer-nava no ouro e na purpuraAgora esta no Inferno e desfalecePor uma pequena gota d'agua.Lazaro estava pobre e nu,Os caes 0 lambiam,Agora esta no seio de AbraaoTomando parte nas delicias celestes.Judas, que concluiu seu triste comer-cio,Ele tambem, comprometeu sua almaMas Deus afinal 0acolheu.o Iadrao se voltou para ele.Tambem eu me volto para ti, rncuDeus,Urn s6 pensamento teuUma parte de tua gracaE 0 que pecoPorque se nao me ajudaresNinguern podera fazer nada por rnirn,

    MEFISTO- 0 que? Todo 0 trabalho quetive com ele tera side em vao? Plutao, vernem meu socorro! Se Fausto orar mais nl-guns minutos, terei que abandonar a pra-ca! Mas porei 0 Inferno mteiro nisso an-tes de deixa-Io escapar' de minhas garrns,(Sai)FAUSTO

    O Deus, Deus milagroso, pai de to-dos os pais!Ve como correm minhas Iagrlmas, emeus remorsos,o rnaior dos criminosos a joelho ateus pes,32

    Ele clama, Senhor, por ti, prostradoa teus pes,Como urn animal na obscura caverriaGrita pedindo uma gota fresca deagua,Minha alma por ti anseia, 6 Deus,Por tua misericordia!PLUTAO(aparece com He/ena) A notfciada conversao de Fausto chegou ao meureino infernal. Ele toma 0caminho da pe-nitencia para fugir de minhas garras. Per-derei com isso urn bom prato, mas nao youdeixar. Ei-Io meruglhado em prece, (AFausto) Nao te envergonh as?FAUSTO- Para tras, f'antasma, f'uria mal-dita! Fora!PLUTAO- 0que, nada feito? A belezadas mulheres tem perdido muitos her6iscorajosos, e e 0que te acontecera tambem,Olha, Fausto, eis aqui Helena, a beleza gre-ga por amor de quem Troia foi destmida!Ela deseja te ver e te f'alar .FAUSTO- Para tras, espfrito demoniaco,nao perturba minha meditacao. Aventuraestranha e maldita! Como pode Helena es-tar presente, se ela morreu ha rnais de cernanos ja?PLUTAO- Levanta-te e julga tu mesrno.Olha. Apenas a contemplacao nao te expoea nenhum perigo.FAUSTO- Tens razao, (Levanta-se) Co-mo e bela! Mas que quer de mim?PLUTAO- Ela quer amar-te e te pertencer.FAUSTO- Ela me Iara feliz?PLUTAO - Sim, Fausto, feliz alem dequalquer medida.FAUSTO- Mas la em baixo, na eternida-de?PLUTAO- Deixa isso de lado. Quem vaipensar rrisso? Ela te chama.FAUSTO- Maravilhosa criatura! (Abrara--a) Vern comigo, bela Helena, que sereid'agora em diante 0 teu Paris (1) (Sai comHelena)PLUTAOdiabolus (caindo na gargalhada) Quodnon palest, mulier eificitl 0 que

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    34/50

    o diabo nao pode fazer a mulher conse-gue! Agora ele sera. meu eternamente. Ne-nhum poder terrestre podera arranca-lo deminhas garras.Sal.

    FAUSTO, (volta preeipitadamente) Quefoi? Que era? Que dem6nio infernal abra-cei num amplexo? Diab61ica raca de vibo-ras, mais uma vez cai em tua armadilha.Enquanto acariciava Helena, vi surgir derepente uma serpente que se esquivou aomeu abraco e desapareceu. Agora, agora,estou condenado ao inferno, nem suplicasnem preces podem me salvar mais, Fora,para fora... Minha vista escurece, estatudo negro... Para fora... Ao ar li-vre ... (SaO

    Ato IIUrna rua, Noite.HANSWURST- Gretel! Acaba de bater no-ve horas, Levanta-te e me dol a luz quevou fazer a ronda. Eis-me, depois de lon-ga ausencia, Estou bern contente de terconseguido esse posto de vigia, pois estoucansado de viagens principal mente quandoelas se passam nos ares ou quando nao setern oportunidade de encontrar nenhum al-bergue. Mas e preciso trabalhar, jol e hora.Hoje tocarei a minha trompa pela prirnei-ra vez. (Toea na trompa)

    Escutai, Senhores e tende por ditoo sino vai tocar nove horasCuidai atencao com 0 fogoPara que urn criado safadoNao se aproveite da criada.Toea mais uma vez e sai.

    FAUSTO- Em nenhuma parte encontrodescanso. A irnagem do Inferno me perse-gue passo a passo. As horas fogem em dis-parada. Oh porque nao pude perseverar noborn caminho? Par que me deixei levar [>e-la Ioucura? 0 mau espfrito quis me sedu-

    zir atacando-me no ponto fraco. Estou ir-revogaveImente condenado ao Inferno.Nao tenho rnais Iagrimas, 0 Eterno naoescuta meus gemidos. Nada mais sou queurn rniseravel Iancado na angustia do mal-dito! 0 proprio Metistofeles me abandonounesta hora infeliz quando preciso tanto dedistracao, Mefistofeles! Mefist6feles, ondeestas?Meiisto aparece sob a forma de diabo,Muska.

    FAUSTO- Que significa essa aparencia?MEFISTO - Fausto, querido Fausto, seraque te agrado sob essa forma?FAUSTO- Estas cacoando comigo? Esque-ceste que tens que me aparecer sob formahumana?MEFISTO - De agora em diante nao soumais obrigado a isso.FAUSTO- Espirito, espfrito do diabo, tume desafias! Eu te conjuro a cumprir teudever de acordo com nosso contrato!MEFISTO - Nada mais me obriga a isso.Teu tempo acabou, Fausto. Em tres horas,tu seras meu para sempre e, entao, deixareide te servir.FAUSTO (admirado) Que? Que dizes? Che-gou tua hora? Mentes! So passaram dozeanos. Ainda te restam bem doze anos maisde service.MEFISTO - Eu te servi durante vinte equatro anos.FAUSTO- Mas como pode ser? Nao tensa pretensao de mudar 0curso do tempo?MEFISTO - Nao, nao tenho esse poder.Mas escuta-me sem te irritares. Exigesmais doze anos?FAUSTO A justo titulo. Nao fixamos emvinte e quatro anos 0termo do nosso con-trato?MEFISTO - Incontestavelmente. Mas naocombinamos que tinha de te servir dia enoite? Ora, tu me sobrecarregaste nao medeixando descansar nem de dia nem denoite. S6 tens que fazer 0 calculo contan-

    33

    do as noites e veras que nosso contrato es-Hi no fim.FAUSTO- Assim tu me enganaste!MEFISTO - De modo algum. Tu mesmote enganaste,FAUSTO- Deixa-me mais urn ano.MEFISTO - Nem urn dia mais.FAUSTO- Urn mes somente.MEFISTO - Nem uma hora.FAUSTO- Urn so dia apenas, para que eupossa me despedir de meus bons amigos.MEFISTO - Nao tenho esse direito! Soouenfim a hora da vinganca com que sonheitanto! Aqui mesmo eu te despojo de teuspoderes de feiticeiro e virei buscar-te den-tro deste circulo estreito que trace em re-dor de ti. Aqui e que me pertenceras, ui-vando e tremendo! Da sombra arrancarcitodos os horrores e revelarei as conseqtien-cias de teus atos e te matarei em lento de-sespero. Festejo meu triunfo, porque tevenci. N6s nos veremos a meia-noite. (FIesai voando, rindo)FAUSTO- A maldicao caiu sobre mim! Aque estou reduzido? Desgracado Fausto,em que Iabirinto tu te perdeste? 0 deses-pero e 0 salario que paga este destinocruel. Perdi tudo aqui e alern tumulo, naoha esperanca, nem perdao, nem misericor-dia!UMAVoz - Fausto!FAUSTO- Quem me chama?A Voz - Prepara-te!FAUSTO- Pois bern, Fausto, prepara-te.Mas para que? Para torturar-te e gerner.Teu Iugar e na camara de tortura. 6, co-mo poderei suportar-te longa etcrnidade?Como suportarei 0que nao tern mais fim?

    Hanswurst passa com a lanterna e alanca.

    HANSWURSTV6s, hornens, escutai-rne.Quando 0 sino bater rlez horasVigiai bern vossas mulheresFechai bern vossa porta.

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    35/50

    Dez horas acabam de baterE vas mulhercs, escutai-me.Quando os maridos vos batemSuportai-o com paciencia,Dez horas acabarn de soar.Ele passa sem ver Fausto. Ouvetn-seas ultimas batidas das dez.

    UMA Voz - Fausto!FAUSTO- Quem me chama?UMA Voz - Accusatus est!FAUSTO- Eis-te acusado pelos teus peca-dos. Onde encontrarei consolacao, corise-Iho e socorro? E verdade, sou acusado pm:meus pecados,HANSWURST (mesmo jogo) Diabo se com-preendo 0 que esta acontecendo. Esse re-logic voa como se 0proprio Sata estivessedentro do carrilhao, Ta na hora de gritarde novo.

    Auerhahn desce do chi. Hanswurstesbarra nele com a lanterna e prague-. l a .

    HANSWURST- Ola, quem vern la?AUERHAHN- Nao me reconheces, Hans-wurst?HANSWURST - Nao, nao te conheco.Quem es, amigo?AUERHAHN- Eu sou Auerhahan!HANSWURST- Ahn, ahn, deixa-me te ilu-minar um pouco para ver tua cara. Ah,sim, e verdade, es mesmo Auerhahn. Quedeseja 0 senhor? Mas depressa, por favor,porque nao tenho tempo a perder. Tenhourgentes negocios de Estado.AUERHAHN- Serei breve. Esta semana,teu tempo acaba, Depois, tu me pertencesde corpo e alma.HANSWURST- Quanto a mirn serei aindamais breve. Primeiro, de nada te valera tera minha alma porque ela e de pau e noinferno vai virar carvao logo. Segundo,nao fizemos nada por escrito e terceiro, 0diabo nao pode pegar urn vigilante notur-

    no, pois c contra os regulamentos da poll-cia.' Quarto, quinto e sexto, porque eu tebato ja com a minha lanterna,AUERHAHN- Ele e mais esperto que 0seu doutor Fausto.HANSWURST- Ainda nao foste embora?Espera urn pouco que vou te ajudar a cor-rer (A uerhahn tenta agarrd-lo y Nao meencosta sinao nossa amizade sera apenasuma boa recordacao, (Grita a plenos pul-m8es) Perlocke!

    Auerhahn bate as dentes e desapare-ceoHANSWURST- Ho, ho, velho companhei-ro, nao me metes medo. Respeita a auto-ridade! Agora vou cantar meus versos de-pois vou para casa, Se 0diabo vier me bus-car, minha velha sabera trabalhar com 0cabo de vassoura para Iaze-Io sair.

    Deixai-me dizer, 0 donzelas,Quando alguem vos perguntarSe sois mesmo virgens,Respondei apenas: sim senhor, sintomuito,Onze horas estao batendo.Deixai-me dizer aos rapazes,Quando se arriscarem junto a umamocaCuidado, pisa de mansinhoQue 0 soalbo pode rangerOnze horas esta batendo.Ele passa. Soam onze horas. Faustoentra.

    UMA Voz - Fausto!FAUSTO- Ah, quem me chama?A Voz - ludicatus est.Fxusro - Sim, Fausto, foste julgado e asentenca proferida. 13. vejo 0 inferno es-cancarado a meus pes! 6 longa eternidade,que sera de mim?HANSWURST- Vejam! Boa noite, senhorFaustino, boa noite! Na rua a esta hora?FAUSTO- Ai de mim, Hanswurst, nao te-nho mais sossego em lugar algum, nem narua nern em casa.

    34

    HANSWURST- Mas nao roubastes. Espe-rai, meus negocios nao sao muito bonsno mornento, e ainda me deveis 0 tantode minha comida do ultimo mes, quandome deixastes cair nessa cidade onde se fa-briea presunto. Me dai meu dinheiro ago-ra, que estou muito precis ado.Fxus'ro - Ab, Hanswurst, nao tenho na-da. 0 diabo me empobreeeu. Nao possuosenao 0 que tenho sobre 0 corpo.HANSWURST- Mas njio roubastes, Por-que haveis transado com 0 diabo?Quanto a mim, nao 0 achei muito inteli-gente para mim. E ate Ihe subtrai algumacoisa ainda por eima.FAUSTO (d parte) Tenho que me servirdesse idiota para enganar 0 diabo e mesalvar, (Alto) Hanswurst, e certo que naotenho dinheiro vivo, mas nao quero deixaro mundo sem te pagar. Eis 0que te pro-ponho; tira tua roupa e veste a minha. As-sim recuperaras teu dinheiro e eu ficareiquites.HANSWURST~ Nao, nao, isso nao me in-teressa, 0diabo seria capaz de se enganare de nao levar 0bom. Nao, prefiro fazer-vos presente do dinheiro do que arriscarminha pele por urn engano, Em troca vospet;o urn favor.FAUSTO-- De todo coracao, diz 0 que c.HANSWURST(*)- Saudai a minha avo. Elahabita 0 Inferno n. II, it direita logo naentrada. Bern, senhor Fausto, desejo-vosboa noite e tambern uma boa viagern. Ese por aeaso voltardes it terra, sede maisesperto e nao entrai em negociatas com 0diabo. E urn tratante, ele vos quebra 0pescoco e nem pergunta se esta doendo.(A [asta-se cantando)

    Escutai, senhores, e tendo por ditoo sino vai dar meia-noiteVigiai 0fogo e as brasas.o diabo nao tardaA vir buscar 0velho feiticeiro.Ele se ajasta cantando, Bate meia-noi-teo

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    36/50

    UMA VOz - Fausto!FAUSTO - Ah, quem me chama?A VOZ -_. In erernurn darnriat us est!FAUSTO - Sim, Fausto, es danado parcausa de teus pecados. Escuto a mor teprocJamac a sentenca, Seja, viride, vinde,dem6nios do Inferno, levai esta alma hamuito tempo perdida. Rasgai, Iacerai estecorpo, triturai as membros, lancai ao veri-to este corpo ha muito amaldico.ado. Le-vai-o, finalmente, atraves abismos de hor-ror rrrats fazei-o depressa a fim de que elenao demore a alcaricar 0lugar de sua da-nacao. Sirn, sim, ele se apr'essa, ele acor-re uivando para aplacar a raiva infernalem meu sangue; estou perdido para sem-pre. este e 0 salario do pecado. Pobre al-ma, minha pobre alma. votada a desgra-ca para a eternidade! Rompe, ceu, estre-las, explodil Charnas brotai em azul de en-xof're, luzes do Dutro mundo! E v6s, mori-tanh as, desmoronai de uma vez e engoli 0solo duro da Terra... Horror, ja estoucaindo ...

    as diabos vern bu scar Fausto.

    1) 1 "will be Paris, and for love of thee,Instead of Troy shall W'ertenberg be sacked.(Em The T'ragica] History of Doctor Faus-tus, de Marlowe)

    ("') "Como em outros paises, a marioneta criaseus her6is. No inicio, encontramos na Confe-deracao GerITlanica, urn personageITl tipico coma nome de HANSWURST, que significa JosoChour ico, cuja popularidade e depois ultra-passada pela do pequeno personage III austriacoKASPERLE, que ainda e, na bora atuaI, 0principal personagem de todo 0 teatro alcrnfio'",(Jacques Chesnais).

    35

  • 5/12/2018 mamulengo n.1 1973

    37/50

    MAMULENGO