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Cap tulo 21
MANEJO ECOLÓGICO E O DESENVOLVIMENTODE SOCIEDADES COMPLEXASNA ILHA DE MARAJÓ, BRASIL
DfNISE PAHl SCHAAN
Oepartdmellto ele ( ¡eHUnlvNClel:\ele f"eler al elo Pará
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Introdu~ao
o debate academico sobre o desenvolvimento de sociedades complexas nas
terras baíxas sul-americanas tem, historicamente, girado em torno das rela<;6es entre a
ecología tropical e as sociedades humanas (Carneiro 1995). A maior divergencia se localiza
nas avalia~6es que sao feitas sobre os sistemas de subsistencia tropicais no que tange ao
seu potencial para o sustento de popula~6es densas e para prover a base económica
necessária para o desenvolvimento de complexidade social.
Por um lado, há um grupo de pesquisadores que defende a idéia de que o
desenvolvimento cultural na fioresta tropical esteve limitado por fatores ecológicos e que
as sociedades etnográficas representam um exemplo de adapta~ao bem-sucedida aos
ecossistemas amazónicos. Há o entendimento de que as sociedades aborígines baseavam
suas economias em uma agricultura de subsistencia, obtendo proteína a partir de recursos
silvestres limitados e sazonais (Gross 1975, Meggers 1985, 1992, 200 la). Neste sentido,
tanto a limita<;aoprotéica como a pobreza dos solos amazónicos levaría estas popula~6es
a mover suas aldeias constantemente. Taís sístemas de subsistencia e padr6es de
assentamento limitariam, portanto, o desenvolvimento de sociedades complexas.
Por outro lado, existe um outro grupo menos homogeneo de estudiosos que
tem questionado esta visao ecológica a que as vezes chamam determinista, porque
entendem que avalia~6es independentes dos fatores ecológicos nao sao confiáveis se nao
for levada em considera~ao a habilidade das sociedades aborígines em melhorar solos e
mudar a paisagem com o fim de produzir alimentos para suprir suas necessidades (Balée
1989, Carneiro 1985, n.d., Denevan 200 1, Posey & Balée 1989, Smith 1995). Alguns
autores argumentam que os sistemas de subsistencia indígenas eram bastante produtivos
e que sociedades complexas emergiram de forma autóctone em diversas áreas da bacia
Amaz6nica (Carneiro 1998, n.d., Heckenberger et al. 1999, Neves 2003, Roosevelt
1991, 1999). Dentre as evidencias oferecidas para sustentar esta posi~ao, destacam-se
os solos de terra preta, frequentemente associados a sítios arqueológicos por toda a
regiáo, e que tem sido considerados por alguns autores como prova da capacidade das
sociedades pré-colombianas de alterar solos e praticar uma agricultura intensiva (Lehmann
et al, 2003).
Apesar das divergencias, parece claro que ambas as abordagens tem em comum
a idéia de que uma agricultura altamente produtiva teria sido necessária para alimentar
popula~óes densas, assim como para gerar um excedente que pudesse financiar institui~óes
sociopolíticas complexas.
POI' esta razáo, um dos desafios que os arqueólogos tem encontrado é o de explicar
o desenvolvimento de complexidade social nas savanas sazonalmente alagadas da IIha de
Marajó, onde se encontram algunsdos mais pobres e menos adequados solos para agricultura
em toda a bacia Amaz6nica (Meggers 200 Ib, OEA 1974, Schaan 2004, Sombroek 1966).
Neste trabalho, apresentamos um modelo, baseado em dados ecológicos,
etnológicos e arqueológicos, para explicar a emergencia de complexidade social na IIha
de Marajó, com base em uma economia de pesca intensiva. Sugerimos ainda que a
intensifica~áo da captura de recursos aquáticos pode ter estado na base do desenvolvimento
de cacicados em toda a bacia Amaz6nica no período que antecedeu a conquista, em vez
de uma agricultura intensiva'. Entendemos que as terras pretas sáo, em sua maioria,
resultado do descarte de matéria organica produzida por sociedades pesque iras e coleto ras
e que outras classes de dados seriam necessárias para provar que as terras pretas teriam
sido solos intencionalmente modificados para agricultura.
A IIha de Marajó
A IIha de Marajó é parte de um arquipélago localizado no delta do rio Amazonas, ao
norte da América do Sul, lago abaixo da linha do Equador. Tem uma área de cerca de
50.000 km2. A parte leste da Ilha, de origem Holocenica, com 23046 km2 em área, é
caracterizada pela presen~a predominante de savanas baixas e gramíneas (Figura 1), onde
as maiores eleva~óes sao os sítios arqueológicos, localmente chamados de tesos (Figura 2).
A parte sudoeste da Ilha, ao contrário, é caracterizada principalmente pela presen~a de
florestas de terra firme, apesar de haver aí também uma diversidade ecológica significativa.
O clima é marcado por duas esta~óes bem-definidas, um inverno chuvoso e um
verao seco. As savanas apresentam solos argilosos, com capacidad e de infiltra~ao limitada,
que permanece m alagados e sao severamente lixiviados durante os seis meses de inverno.
Ao contrário, no verao, o solo se torna extremamente dissecado, argiloso e compacto,
A importancia dos recursos aquáticos para o desenvolvlmento cultural na várzea amaz6nICa fOI por divel'sas vezes enfatizada
por Lathrap (1970, 1973) e Carneiro (1970, 1998, n.d.).
Manejo ecológico e o desenvolvimento de sociedades 351
Figura I
Principais ecossistemas presentes na Ilha de Marajó
Figura 2
O sitio PA-p-21: Teso dos Bichos destaca-se sobre a planície, foto de Denise Schaan
352
formando fendas profundas - as chamadas terroadas - que dao a paisagem um ar de
deserto. A ilha tem recursos aquáticos e palmeiras em abundancia, especialmente buriti
(Mauritia flexuosa) e ac;aí (Euterpe oleracea) que sao exploradas comercialmente. A
economia atual centra-se na criac;ao de gado bufalino e bovino, tendo a pesca uma
importancia secundária e sazona!.
Figura 3
Pesquisas Anteriores
Pesquisasantenor-es haviarn estabelecido que a fase MaraJoarada Tradi<;:aoPoIicr-órnlca
Amazónica representana urna sociedade complexa que teria durado de AD. 400 a 1.300
(Meggers & Danon 1988, Meggers & Evans i 957, Roosevelt 1991). Complexidade
sociopolítica é sugerida por características tais como a constru<:;aode aterros para moradia e
cemitério, agrupamento e hierarquia entre os aterros definida pela ál'ea, altura e tipo de
cultura matenal, existenCia de ceramica cerimonial extremamente elaborada (Figura 3),
sugerindo trabalho especializado, e a plesen<:;ade objetos líticos que indicam trocas a longa
distancia, devido a ausencia de rochas na ilha (Meggers & Evans 1957) Entretanto, os autores
discordam quanto a interpretas;ao destas características, quanto a origem desta sociedade,
sua base económica, suas formas de organizas;ao soclopolítica e demografía.
Por um lado, Meggers & Evans 1957 explicaram o aparecimento de sociedades
complexas em Marajó corno resultado de difusao. Chegando a foz do Amazonas com
urna cultura altamente desenvolvida, populas;oes das terras altasteriam tido que adaptarem-
se as condi<;:oeslocais, sobrevivendo de recursos silvestres, tais corno o amido de palmeira
(Meggers 2.00 lb). Desta maneira, algumas das evidencias para complexidade social, tais
corno a construs;ao de aterros e a produS;ao de ceramica altamente elaborada foram
interpretadas corno tras;osculturais tl'azidos dos locais de ongem. Com o tempo, esta cultura
teria entrado em deciínio, urna vez que nao teria podido manter o mesmo nível de
complexidade ou evoluir sem urna agricultura altamente produtiva e permanente.
Roosevelt 1987, por outro lado, inicialmente propós que Marajó teria solos férteis e
que o cultivo de milho teria proporcionado as condis;oes económicas necessárias para a
emergencia de urna chefia centralizada. Entretanto, no seu estudo de um aterro Marajoara
(SítioTesodos Bichos), Roosevelt 1991 nao encontrou evidencias para o cultivo de milho, mas
uma economia baseada na pesca sazonal e coleta. Corno resultado, Roosevelt 1999 propós
um modelo diferente para dar conta das evidencias de complexidade social. Observando as
similaridadesem culturd material, padroes de assentamento e práticasfunerárias conhecidas para
váriosdos sítiosdafaseMarajoara, Roosevelt concluiu que todos os aterros seriam funcionalmente
similarese que associedades Marajoara nao eram centralizadaseconómica ou politicamente. Ao
ignorar 05 dados existentes sobre hierarquia de assentamentos apresentados por pesquisas
anteriores (Hilbert 1952.,Meggers & Evans 1957, Simoes 1967, Simoes & Figueiredo 1965),
e ao mesmo tempo considerar que realmente nao teria havido uma agricultura permanente na
IIha, Roosevelt 1999 pmpós que o conceito de "heterarquia" (Crumley 1987, 1995) poderia
melhor explicar a organizas;aopolítica dassociedades MaraJoara.
lodos estes trabalhos, apesar de terem contribuíudo enormemente para nosso
conhecimento da fase Mal-aJoara,nao explicaram de forma convincente o surgimento de
sociedades complexas, suasformas organizativas e suaevoluS;aocronológica Com o objetivo
de preencher esta lacunano conhecrmento realizamos um extenso levantamento e escavas;oes
354 Denlse Pahl Schaan
em sítios arqueológicos da regiao do alto rio Anajás, Ilha de Marajó (Figura 4). Os resultadosdestas pesquisas, discutidos em detalhe na Tese de Doutorado intitulada "The CamutinsChiefdom: Rise and Development ofSocial Complexity on Marajó Island" (Schaan 2004) sao
aqui sumarizados.
Um Modelo Ecológico-Económico
Sabe-se através de pesquisas anteriores que a iconografiafunerária e os conjuntos cerfunicosvariam singincativamente entre os sitiosda fase Marajoara (Magalis 1975, Palmatary 1950, Penna1885, Rooseveh: 1991 , Schaan 200 1).Os sitios sao compostos por grupos de aterras, em geralum ou dais aterras cerimoniais e diversos outros aterras para habitac;áo(Meggers & Evans 1957,Simóes 1967). Apesar dos estudiosos terem considerado as sociedades Marajoara como umaformac;áosocialúnica, os dados indicamque nao haveria apenas um, mas diversos cacicados na Ilha.
A localizac;áodos aterras, próximos a lagose cabeceiras de riosé bastante sugestivasobre ostipos de recursos que eram láexplorados, diferindo, neste aspecto, dos sitiosdas fases anteriores.Estas sao áreas de ah:aprodutividade de recursos aquáticos que hoje sao manejados e exploradospelas popula<;óesnativas locais.Durante a estac;áochuvosa, cerca de 70% da área de savannas (oucampo) ncam alagadas (OEA 1974), conectando os diversos rios e formando grandes lagos. Issoocasiona a dispersao das popula<;áesde peixes, que se alimentam da vegetac;áoaquática e de frutosque caem na água ou que se tomam acessíveisdevido a proximidade dos galhosdas árvores durante
Figura 4Localiza<;ao de sítios arqueológicos e área da pesquisa na Ilha de MaraJó
Manejo ecológico e o desenvolvimento de sociedades 355
asenchentes; enfim, toda a área de campos toma-se extremamente propícia paraa reprodu<;áodepeb<es(Smith2002).Ao final da esta<;áochuvosa, quando aságuascome<;am a baixar, quantidades
impressionantes de peixes sáo retidas nas áreas mais profundas em pequenos rios e lagossazonais. Atualmente, a popula<;áo aproveita-se para optimizar a coleta de peixes construindo
barragens, fechando os rios com redes ou cercas removíveis, construindo currais, ouenvenenando a água com "timbó" (Serjania fuscifolia).
Observando práticasatuaisde manejo, é possívelpropor a hip6tese de que popula<;áespré-coloniaisteriam migrado sazonalmente paraestasáreasde concentra<;áode recursos aquáticos,onde
poderiam aumentar a produ<;áo de alimentos usando técnicas simples tais como a de envenenar
pequenos lagos,e encurralar peixes em rios secundários, utilizando cercas removíveis e redes de
pesca. Um meio mais complexo para manejo de recursos, no entanto, seria a escava<;áode lagosartificiaisque poderiam reter quantidades massivasde peixes durante amaré baixa e meses sem
chuvas (FiguraS).Apesar das pesquisasanteriores náo terem se preocupado com asmodifica<;áesda paisagemefetuadasno passado, há informa<;áesde que diversos aterros teriam sido construídos
dentro do leito de pequenos rios, nestes casosfuncionando inicialmente como barragens. A1ém
disso, pesquisas anteriores freqüentemente relatam a existencia de "baixas" junto aos tesos, de
Figura 5Modelo hipotético para o manejo de recursos aquáticos
MARCO 1.'5:_-----~o.lto
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JUNHO r.50
Co.r'lpO o.lto
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Co.l"lOO olto
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onde teria sido retirado sedimento para sua constru\ao (Derby 1879). É razoável supor, portanto,
que a constru\ao de aterros nao teria sído uma estratégia para escapar das cheias sazonais, mas era
de fato parte de um sistema de manejo hidráulico.
Portanto, avaliando a ecología dos local s onde os sítios da fase MaraJOara se Iocalizam,
Juntamente com dados que indicam a pesca intensiva como fonte alimentar (Roosevelt 1991),
além das práticas de subsistencia atuais, parece razoável supor que as popular;6es MaraJoara
teriam desenvolvido uma economia baseada na explora\ao intensiva de recursos aquáticos,
em vez de agricultura. Vale ressaltar que os sítios cerimoniais da fase MaraJoara somente
apresentam tel-ra preta em áreas reduzidas, onde esta parece estar assoClada ao descarte de
matéria organica (algumas áreas de cemitério e áreas domésticas) e que os sítios-habltar;ao,
bem menores em tamanho, apresentam terra preta sempre associada a fragmentos ceramicos.
De qualquer maneira, parece-nos que a razao maior para o nao-desenvolvimento
de uma agricultura intensiva nao seria a pobreza dos solos, mas a abundancia dos recursos
aquáticos, que proporcionavam uma fonte de alimentos mais confiável, que poderia ser
explorada com baixo investimento de trabalho.
O modelo ecológico-econ6mico que apresentamos prop6e que a localizar;ao dos sítios
da fase Marajoara pode ser prevista com base na localizar;ao de recursos aquáticos. De acordo com
esse modelo, cacicados surgiram nas cabeceiras dos rios que drenam as savanas, onde o manejo
hidráulico era necessário para garantir suprimentos de água durante todo o ano e controlar recursos
aquáticos. Este sistema de manejo poderia ter emergido inicialmente com base na cooperar;ao entre
diversas famnias (e.g., Stanish 2004), sendo compreendido por uma série de construr;6es de terra
interconectadas, tais como barragens, lagos, canais, aterros e caminhos elevados para ligar;ao entre
os aterros. Com o tempo, houve oportunidade para que algumas famOiascontrolassem os recursos,
restringindo ou impondo condir;6es para o acesso de novas famílias.
Logo, os aterros cerimoniais, assim controlados por uma elite, estariam localizados perto
dos principais lagos para retenr;ao de recursos aquáticos, implicando controle religioso e político
sobre o sistema de subsistencia, movimentar;ao de excedente e trabalho. De acordo com este
modelo, estratificar;ao social teria surgido quando grupos familiares locais obtiveram controle sobre
o excedente produzido pela intensifica~ao da economia de pesca.
As condi~6es que entendemos necessárias para a forma~ao dos cacicados MaraJOara sao
aquelas especificadas por Carneiro 1981, 1998, ou seJa,concentra~ao de recursos, circunscri~ao
social e ambiental, e pressao populacionaL A idéia de que cooperar;ao esteve na origem de uma
intensifica~ao da produr;ao de alimentos encontra suporte no modelo que Stanish 2004, desenvolve
para a evolu~ao de chefaturas. Coopera~ao seria uma estratégia vantaJosa por levar a um aumento
da produ~ao de recursos alimentares sem aumento no número de horas trabalhadas. Dentro
deste modelo, considera-se importante levar em conta a circular;ao de excedente para entender
como as novas institui¡;6es sociais sao criadas e mantidas (Isaac 1975, 1988, Saitta & Keene
1990, Stanish 2004).
357
As eVidencias arqueológicas que sustentam este modelo seriam as construc;;óes de aterras
em áreas ótimas para a captura de recursos aquáticos, e a construc;;ao nestes locais de lagos e
barragens associadas com aterros para habitac;;aoe cerim6nias. A Iocalizac;;aodos aterros cerimoniais
Junto aos reservatórios para peixes indicaria o controle religioso e político sobre a economia.
o Cacicada dos Camutins
Para testar o modelo acima descrito e melhor entender as instituic;;óes sociopolíticas
que caracterizaram um dos cacicados MaraJoara, selecionamos para estudo um sítio
arqueológico composto por 34 aterros localizados ao longo do rio Camutlns, um tl'ibutário
do alto rio AnaJás. A pesquisa conslstiu em um estudo de arqueologia da paisagem,
realizando-se o mapeamento dos aterros e de todas as feic;;óes antrópicas do entorno,
combinado com o estudo da distribuic;;ao espacial da cultura material e das áreas de atividade
nos dois maiores aterros do conjunto. Como resultado, relacionou-se os locais de moradia,
cerim6nias e festas com as transformac;;óes antrópicas da paisagem e, ao mesmo tempo,
estudou-se as estruturas internas dos aterras cerimoniais, de forma a entender aqueles
indicadores de complexidade social considerados críticos para o estudo de cacicados -
especializac;;ao e controle sobre a circulac;;ao de bens de prestígio, hierarquia, centralizac;;ao
política, legitimidade (ideologia, religiao), militarizac;;ao, entre outros (Earle 1991).
De acordo com as feic;;óesculturais e estudo dos artefatos, os tesos foram c1assificados
em dois tipos funcionalmente diferentes, seguindo uma distinc;;aojá proposta anteriormente por
Meggers & Evans 19572 Foram identificados tesos com ceramica cerimonial e enterramentos,
que foram interpretados corno locais para moradia da elite e realizac;;aode cerim6nias e festas
comunais. Foram também identificados tesos com pouca ou nenhuma ocorrencia de ceramica
decorada, que parece m ter sido locais para a residencia da populac;;ao comum.
O estudo da distribuic;;ao espacial dos assentamentos indicou que os aterras estavam
dispostos em tres grupos espacialmente segregados ao longo do rio, nos cursos inferior (4
aterras), médio (15 aterros) e superior (15 aterras). Os maiores aterros da elite se localizavam
no curso inferior do rio (3 aterras cermoniais e um habitac;;ao), enquanto que no alto rio
Camutins foram identificados 3 tesos da elite e 12 tesos-habitac;;ao. No curso médio nenhum dos
15 aterras apresentou ceramica decorada em praporc;;óes significativas,o que parece indicar que
estes compunham urna comunidade da populac;;ao comum. A ocorrencia dos maiores aterras
cerimoniais no curso inferior do rio parece assinalar que lá se localizariam o núcleo cerimonial epolítico mais importante (Figura 6).
Meggers e tVJr15 dlstlngulr"arn entre tesos-hJ.oita,J.o e tesos- cerniténo, baseados nas propon;oes de eel-árnica decorada
encontradas f'm (JeJa local. Neste tr'abalho o,; tesoscerrllkno sao considerados corno l"esldelKld da elite e e5pa~o cel-irnonlJ.l,
enquanto os teso,; -hahlta~jo tellam Sido ocupados pela popula</Io cornum
· a:e-~~~~ao~~bami::lenbkadaspn:)Xlmas aos aterros cenÍ770nJáls H- /, H- /7 e /'1-/6, a tnalor de/as representando a rerT7Ofáo
de pe/o menos 27000 1713 de sedimentos. Um dos aterras do conjunto. M-/6. parece ter
sido originalmente construí do como uma barragem. acabando por desviar o curso do rio(Figura 7). Apesar de outras barragens, po~os e escava~óes de lagos e canais terem sido
identificados também nos outras grupos de aterras nos cursos médio e superior do rio, o
tamanho tanto dos aterras quanto das estruturas eram significativamente menores.
Algumas regras hipotéticas foram pensadas para explicar a distribuifáo espacialdos tesos, de acordo com sua funfáo dentro de sistema de assentamento. Observa-se
que os tesos da elite estao localizados nas duas extremidades. Enquanto que os tesos daelrte no curso inferior do rio estáo localizados próximos asmaiares escava~óesde lagos,o que
pode signfiicar controle sobre a economia pesqueira, a localiza~áo de tesos da elite no cursosuperior do río podem estar relacionados a uma estratégiageopolftica. Uma vez que o controle
do curso superior do rio poderia desafiar o manejo de recursos no curso inferior do rio, seria
importante ter um bra~o da elite lá.Vilas sem estruturas cerimoniais estariam localizadas no
médio curso do rio.
Figura 6Distribuic;ao dos tesos arqueológicos ao
langa do rio Camutins
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Manejo ecológico e o desenvolvimento de sociedades 359
Náo foi encontrada nenhuma correla<;áo entre a área e altura dos tesos. A1gunstesoshabita<;áosáo mesmo maisaltos do que tesos da elite. Neste caso,a altura pode estar indicandotempo de ocupa<;áoao invésde importancia polftica.A rela<;áoentre área e localiza<;áodos tesoslocalizados no médio curso do rio mostra que os aterros no centro desta concentra<;áo sáomaiores tanto em altura quanto área, o que parece sugerir serem estesos maisantigos e que, amedida que a popula<;áocrescia,novos aterros iam sendo construídos nasperiferias,expandindoo assentamento para os dois lados.
A própria forma dos aterros parece indicar esta possibilidade. Os tesos náo tem
uma plataforma muito extensa, mas duas ou tres plataformas em níveis diferentes. Algunsque sáo percebidos como apenas um aterro sáo na verdade dois aterros conectados por
uma passagem elevada de terra. Isto sugere que quando a popula<;áo crescia um novoaterro era construído ao lado do primeiro. Também sugere que os aterros náo foram
construídos de uma só vez, mas em vários episódios. A área plana no topo dos aterrosgeralmente náo é maior do que 20 metros, o que sugere a existencia de apenas uma casa
grande comunal, que, de acordo com padróes etnográficos poderia tertido uma área de 20 por
30 metros, abrigando de tres a 12famOiasnucleares. Considerando a área disponível no topodos aterros, sugere-se que o assentamento poderia tertido um mínimo de 28 e um máximo de
43 casas.Multiplicando estes números por uma média populacional por casa,calcula-se umapopula<;áohipotética de 2000 pessoas para os 34 aterros que compóe o assentamento (verdetalhes em Schaan 2004: 170- 171).
j1
!ZZ3 '- de/Cerime>niol
c::J Hobito.;ao
C:J Escovo~oo+p.;o Figura 7Núcleocerimonialdo sítioPA-jO-15:
L======~~==========~JCamutinsü 150
360 Denise Pahl Schaan
Estratigrafia dos Aterros Cerimoniais
Escava<;6es nos dois aterros maiores do assentamento (M-I e M-17) foram realizadas
com o objetivo de entender os processos de constru<;áo. assim como estudar as atividades
que caracterizaram cada um destes sítios e seu papel na economia política. Em M-l. o
estudo consistiu na limpeza de perfis em barrancos erodidos. e também em escava<;6es
realizadas na extremidade oeste do aterro, junto ao rio. a única parte do teso ainda
completamente preservada depois de anos de retirada indevida de material arqueológico.A estratigrafla mostrou que os tesos foram construídos através da adi<;áode areia tazida
de áreas adjacentes, indicando que a escava<;áo de lagos e constru<;áo de barragens eram
atividades ligadas a constru<;áo das plataformas de terra para moradia. Algumas estruturas
identificadas no processo de constru<;áo mostram que a areia era eventualmente encapsulada
por camadas compostas por fragmentos de cerámica e argila. que eram queimadas no local para
adquirir resistencia e prevenir contra erosao. Camadas espessas de areia depositadas em períodos
curtos de tempo foram interpretadas como um esfor<;o maior relacionado as escava<;6es de
lagos para reten<;áo de recursos aquáticos. enquanto que camadas finas representam manuten<;áo
anual do sistema. Camadas com carváo e argila que imada. por outro lado. foram interpretadascomo pisos de ocupa<;áo. Em dois perfis, quatro estratos contendo matéria organica carbonizada,
separados por camadas de areia de diferentes espessuras foram datadas. o que permitiu perceber
Figura 8Áreas escavadas e interpreta<;áo deáreas de atividade no teso Belém. sítioPA-JO-15: Camutins.
M-17 _ Topo~rcfia e Locolizo~Oo D¡stribuj~Oo E.paciol do, Áreas de •.tividode
do Esco"'o~6es
.(lcaYa~ll ••
""·¡tllÓt' em •••• tros
lIJ
que a velocidad e de corlstrLJc:;aodo aterro val~ioucronologicamente. O trabalho permitiu propor
uma cronologia para a cOrlstruc;ao de M-l. Segundo esta hipótese, tena havldo uma ocupac;ao
inicial, nao estudada por esta pesquisa, que pode remontar aAD 400, que é uma data iniCialjá
aceita para outros aten'os localizados na área sudeste da Ilha (Roosevelt 199 1). Houve uma
construc;ao mais intensa antes (provavelmente desde AD 400) e em torno de AD 700, pois é
neste período que tres metros de sedimentos foram adicionados ao topo do aterro. Isto indica
que o sistema de manelo hidráulico estava operando plenamente nesta época. /l.pósAD 850, M-
I cresceLJ a um ritmo menos aceiel-ado até pelo menos AD I I50
o Estudo de Áreas de Atividade
Em M-17, áreas domésticas, cer~imoniais e áreas ao ar livre foram estudadas Esse
aterro tem IJma forma alongada, e sua plataforma superior tem 25 metros de largura por
80 metros de comprimento (Figura 8). A área doméstica foi identificada pela presenc;a de
camadas bem preservadas na plataforma sul do teso, onde havia um fogao, com poucos
artefatos, próximo a uma ál~ea de descarte, com terra preta e remanescentes de artefatos
domésticos. Urna área com restos de produc;ao ceramica e ausencia de pisos de ocupac;ao
foi interpretada como urna área ao al~livre Outra área contendo sepultamentos e fogües
relativamente bem preservados foi interpretada como um templo cerimonial.
Foi constatado que a estratigrafía de M-17 era similar a de M-l. Os tres metros
superiores de M-17 foram também construídos a partir de AD 700, o que o coloca
contemporaneo a M- I No entanto, M-17 fOlam encontradas várias estruturas de argila
queimada, em forma de U, que parece m ter sido fogües de uso ritual, que nao
encontramos em M-l. Isso pode ser c:reditado, no entanto, a um problema de amostragem,
tendo em vista que as áreas escavadas er¡¡ M-I eram aquelas que restaram do teso após
décadas de saques de material arqueológico.
Os 25 m2 escavados na área de sepultamentos em M-17 revelaram a presenc;a de
24 urnas funerárias distribuídas em pelo menos quatro estratos distintos. As urnas continham
ossos humanos, em diferentes estados de preserva<;ao e alguns poucos itens nao perecíveis,
tais como tangas, pequenos vasos, pratos e objetos líticos. Seis urnas continham tangas e,
portanto, estes foram interpretados como sepultamentos femininos.
O estudo das práticas funerárias revelou mudan<;as diacrónicas importantes. Os
enterramentos mais antigos eram primários, enquanto que aqueles mais recentes foram
enterramentos secundários ou uemac;6es. Objetos líticos, denotando tracas a langa
distancia, foram encontrados somente nos dais enterramentos mais antigos. Análises
preliminares dos remanescentes humanos realizados pela Dra. Sheila Mendon<;a, da
FIOCRUZ, indicam que o sepultamento mais antigo, que estava associado com um machado
de basalto e um colar de cantas líticas, era de uma crianc;a de cerca de 10 anos de ¡dade. Outros
esqueletos eram adultos jovens, sem patologlas. Foi também identificado padrao de desgaste
362 Denisc Pahl Schailn
dentário (algo que já havia sido mencionado por pesquisas anteriores de Meggers & Evans e
Greene & Roosevelt) compatíveis com a ingestao de alimentos abrasivos. As análises ainda nao
foram completadas.
No terceiro período de uso da área de sepultamentos, as urnas funerárias aparecern
dispersas, reviradas, quebradas, corn seu conteúdo rernexido. Isto foi interpretado como conflito
e posterior abandono da área. Após certo período o local foi novamente usado para sepultarnentos.
Algumas das urnas mais recentes sao urnas grandes e bem elaboradas, o que nao
corrobora a tese defendida por alguns autores (Palmatary 1950) de que teria havido urna
decadencia nas práticas funerárias, com o uso de urnas menores e sem decora~ao nos
níveis superiores. Um dos sepultarnentos mais recentes foi datado em AD 1000, o que
significa que um pouco depois desta data a ocupa~ao do teso foi descontinuada.
Dados obtidos a partir do estudo das fei~6es culturais nao sao conclusivos sobre
uma rela<;ao hierárquica entre M-I e M-17. Os dados indicam, ao contrário, que atividades
similares eram realizadas em ambos os aterros. Tanto os métodos de constru~ao, observados
através da estratigrafia, assim como as estruturas funerárias (as de M-I descritas em Meggers
& Evans 1957) eram semelhantes.
Análise de Artefatos
Foi realizada análise dos artefatos coletados em ambos os aterros com o objetivo de
iden-tificar asatividades realizadas em cada local para que se pudesse avaliar padr6es de hierarquia.
Investigou-se também aspectos da produ~ao cerarnica, tendo sido encontradas evidencias para
produ~ao ceramica nos dois aterros, indicando que tanto a ceramica doméstica como a cerimonial
era a1iproduzida. Estasevidencias consistem na matéria-prima, ou seja, argila trabalhada, artefatos
inacabados, restos de roletes e suporte de argila para a forma<;ao de vasos.
A área de grande ocorrencia de materiais relacionados a produ¡,;ao ce ram ica em M-17
estava localizada no topo do teso entre a casae a área de enterramentos. A presen<;ade brinquedos
de crian<;a(miniaturas mal-acabadas de argila)e a proximldade ao contexto doméstico sugere também
um contexto doméstico para a produ<;iio ceramica. Depósitos de argilaforam identificados ao lango
das margens do rio e em áreas escavadas para o sistema de manejo hidráulico.
Foi realizado um experimento com produ~ao ceramica usando material local e
reproduzindo tecnologia pré-colonial. A colora¡,;ao da ceramica queimada, tanto no seu núcleo
quanto no engobo foram observados ser igual aos exemplares arqueológicos, sugerindo a
origem local da argila. Dadas as condi~6es climáticas Iocais e tempo necessário para secagern é
razoável supor que a ceramica era produzida apenas nos meses sem chuva. Logo, a produ¡,;ao
ceramica era uma atividade sazona!.
A análise da ceramica mostrou que a ceramica decorada ocorria na propor¡,;ao de lOa
30% nos dois tesos. As maiores propor<;6es da ceramica decorada ocorreram na área de
sepultamentos em M-17. Comparando M-I e M-17 com respeito as propor<;6es dos tipos
rv1¡HiCjO('(ologl(O e o dC5envolv!lncnto de sOCiedades 363
cerámicos, foi observado que em M-17 a cerámica decorada era mais freqüente e tinha tipos
decorativos mais variados, Ambos os aterras tinham grandes prapon;;6es de cerámica utilitária,
indicando que as atividades domésticas eram importantes nos dois Iocais,
Com base nas amostras de fragmentos de ambos os aterras, foi concebida uma tipologia
cerámica com o objetivo de investigar os tipos de atividades relacionadas com a produ¡,;ao de
alimentos, festas e sua importáncia relativa na vida social. Foram concebidas a partir da amostra tres
categorias principais de vasilhas: 1)vasilhas para pracessamentos de alimentos; 2) vasilhas para
servir; e 3) vasilhas para bebidas e estocagem,
Comparando M-I e M-17 observou-se que as propor¡,;6es de cada categoria de
vasilhas nos dois aterras eram bastante semelhantes, o que indica que o processamento de
alimentos, festas e estocagem acontecia nos dois tesos, Entetanto, há varia¡,;6es dentro das
categorias e percebe-se preferencias locais quanto a formas e tamanhos, ainda que a maioria
dos tipos de vasilhas ocorriam nos dois aterras. Estas varia¡,;6es foram interpretadas como
possível especializa¡,;ao em certas atividades e varia¡,;ao entre os pradutores e preferencias
locais, já que as vasilhas eram produzidas localmente, Dada a proximidade dos dois aterras
é possível que as atividades, quando diferentes, tenham sido complementares,
A análise de outras objetos de ceramica, tais como bancos, estatuetas e tangas, mostrou
também diferen~as sutis entre os dois aterras, as quais também nao puderam ser correlacionadas
com hierarquia, Por exemplo, os banquinhos ceramicos de M-I sao menores em média do
que os de M-17, mas mais frequentemente decorados. Os banquinhos cerámicos de M-17
sao maiores em média, mas gel-almente nao-decorados, Uma vez que nao é possível avaliar
com certeza o significado social do tamanho ou decora~ao, e a amostra é pequena, nao é
possível concluir se estas observa~6es sao de fato relevantes para avalia~ao de hierarquia,
Os fragmentos de estatuetas coletadas de quatro dos aterros cerimoniais mostraram
uma variabilidade que é bastante comum em cole~6es museológicas, Os dados sugerem
que rituais envolvendo estatuetas eram realizados em todos os tesos da elite e nao apenas
nos dois que compreendem o núcleo cerimonial. Em M-17 a maior parte dos fragmentos de
estatuetas foi encontrada na área de sepultamentos, o que sugere seu uso ritual. No entanto,
estes fragmentos nao estavam associados a nenhum sepultamento em particular,
Fragmentos de tangas foram encontrados somente nos dois aterros maiores do núcleo
cerimonial, M-I e M- 17, estado ausentes dos tesos cerimoniais do curso superior do rio, As
tangas vermelhas eram as mais populares tanto em M-I como em M-17 e perfizeram cerca de
70% de todos os fragmentos de tangas coletados, Entretanto, observando-se a rela~ao entre
tangas decoradas com desenhos (do tipo Joanes Pintado) e tangas vermelhas observou-se a
maior freqüencia de tangas Joanes Pintado em M-17 do que em M-I , Esses dados parecem
indicar diferen~as importantes na composi~ao da popula¡,;ao de mulheres que habitavam cada
um desses aterras,
Foram encontradas diversas evidencias que indicam a realiza~o de festas nos dois aterros,
incluindo vasos grandes, vasos com formatos pouco comuns, pratos decorados e objetos rituais.Além
364 {)rIlISC Pah' )(ha,lO
dasvasilhasdecoradas,as propon;6es significativasde um tipo de vaso nao-decorado identificado
como uma vasilha para triturar alimentos chamam a atenr;;ao Esta pode ter sido uma vasilha
usadapara preparar amido e talvez produzir bebidasalcoólicéLspar-afestas
A análise dos artefatos demonstrou que atividades tais como preparo de alimentos,
atividades domésticas, festas e cerimonias ocorriam nos dois aterros Apesar de que cada
um destes aterros deve ter' desempenhado um papel diferente, mas complementar na
economia política, este papel nao pode ser determinado pela anállse de artefatos
Constatou-seque a iconografiafuneráriaem M-17 era bastantehomogenea, especialmente
durante o segundo período de uso da área de cemitério, quando quasetodos os enterramentos
consistiam-sede vasosglobularescom pintura em negativovermelha sobre branco, representado
uma face humana estilizadacom um grande sorriso.
A uniformidade destes vasos parece sugerir que membros de uma mesma família
ou linhagem foram enterrados naquele sitio Juntamente com a falta de uma enfase em
identidades individuais, a iconografia refon;a e idéia de que um grupo ou Ilnhagem estava
no poder e que este poder nao era baseado somente em um indlvíduo.
Conclusóes
Paraconcluir, a pesquisa foi capaz de identificar felr;;6esda paisagem relacionadas a um
sistema de manejo hidráulico ao longo do rio Camutins, que estavafuncionando plenamente
em AD 700. Consistia de uma barragem e dois lagosconectados ao rio, com capaCidade para
reter recursos aquáticos, Os dois aterros maiores do assentamento, contendo evidencias
para festas, culto dos antepassados e atividades domésticas estavam localizados perto dos
viveiros de peixes, indicando controle sobre os recursos, Estecontrole envolvia a manipular;;ao
de uma ideologia religiosa, assim como a capacidade de reunir mao-de-obra para trabalhar na
manutenr;;ao do sistema de retenr;;aode peixes,
Os conjuntos de artefatos sugerem que uma fonte principal de amido era usada, que
pode ter sido obtida de palmeiras como sugere Meggers 200 1,ou ainda mandioca Dada a
ausencia de campos elevados para agricultura, a hipótese do uso de amido de palmelra surge
como a mais plausível. Em todo o caso, é possível que a elite tenha trocado peixe por
alimentos produzidos em outras regi6es. Neste caso, asfestaspodem ter sido oportunidades
para a feitura de trocas e outros produtos. assim como um meio para promover a integrar;;ao
e eaoperar;;ao dentro do grupo social (Dietler & Hayden 200 1, Hayden 200 1).
As diferenr;;asdentro do grupo da elite nao eram importantes, indicando que de fato
um grupo corporativo estava no poder e que indicadores de prestígio e poder pessoaltambém
nao eram importantes. Somente alguns poueas itens de trocas á longa distancia foram
encontrados, Em M-17 estes estavarn associados corn os enterTarnentos rnais antigos
escavados Ern M-l. dados de pesquisa prévia (Meggers & Evans 1957) indicam o rnesrno.
()(,(¡ 365
Logo, itens de troca a longa distáncia podem ter sido importantes dUI-ante o período de maior
desenvolvimento do sistema de cria~ao de peixes, mas tornal-am-se raros no final da seqüencia.
Produ~ao ceramica nao era uma atividade especializada no sentido que o termo
usualmente tem em sociedades complexas (Costin 1991). Cerámica era produzida para
consumo local dentro do domínio da elite e era urna atividade sazonal. É possível que a
produ~ao de poucos itens mais elaborados fosse urna atividade para poucüs, mas que
nao levava a especializa~ao de celios indivíduos no sentido de alÍJá-los de outras atividades
produllvas e criar uma c1asse especial na sociedade.
Os resultados apresentados aqui sao sugeridos corno um modelo para outros
cacicados a serem ainda estudados na Ilha. A pesquisa sugere que outros cacicados surgiram
em locais onde as condi<;óes ecológicas favorece ram a reprodu<;ao de sistemas de
subsistencia similares. Estes cacicados certamente interagiram entre si em um sistema que
envolvia trocas, alian~as matrimonials e guen'as. Futuras pesquisas devem ser capazes de
identificar e mapear este s outros cacicados e fornecer urna descri~ao de suas rela~óes
socio políticas em nivel supra-regional.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer a Dra. Betty Meggers por ter recomendado minha
participa~ao no Simpósio e a Gaspar Morcote Ríos pelo convite e esfor<;os para viabilizar
minha participa~ao. As pesquisas no alto rio Anajás foram financiadas pela National Science
Foundation (Grant N° 0233788), Earthwatch Institute e Universidade de Pittsburgh. Além
disso, recebi suporte financeiro da Funda~ao Heinz, de Pittsburgh. Durante a pesquisa
recebi tambérn bolsas de estudo e pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - CNPq e apoio institucional do Museu Paraense Emílio Goeldi.