mapeamento das rotas do tráfico internacional na região … · 2019-10-18 · uso de drogas pela...
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Mapeamento das rotas do tráfico internacional na região amazônica
tendo em vista a logística ilícita e as ações de fiscalização em áreas
marítimas
*Micheline Teixeira de Freitas Sousa; **Laura Maria da Silva; ***Daniele
Dionisio da Silva1
Este artigo é o resultado inicial do projeto de pesquisa do Grupo de
Gestão em Segurança e Defesa do Laboratório de Estudos de Segurança e
Defesa do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ. O projeto
tem por objetivo principal o mapeamento das vulnerabilidades no ambiente
marítimo brasileiro visando a construção e análise de conjunturas e cenários
dos ilícitos e suas logísticas.
A metodologia deste trabalho se dará por meio de pesquisa qualitativa,
de revisão bibliográfica e levantamento de informações sobre o tráfico de
drogas, através de dados opensource, extraídos de jornais, revistas, sites de
notícias e relatórios de órgãos de segurança publicados no marco temporal de
2014 a 2019.
Pretendemos dar enfoque a uma região específica da “Amazônia
Oriental” - o Estreito de Breves (Ilha do Marajó), Abaetetuba, Barcarena e
Belém - por onde acontece um fluxo considerável de entrada e distribuição de
drogas, por meio de um extenso caminho fluvial nas águas do Rio Amazonas.
A partir disso, propomos, ainda, um breve estudo inicial comparativo do
crescimento das apreensões e prisões nesse ambiente.
Historicamente, segundo Steiman (2006), desde 1984, o Brasil já vinha
sendo incorporado pelo Cartel de Medellín, como rota de trânsito, um caminho
alternativo as rotas tradicionais do Caribe (Colômbia - Jamaica ou República
Dominicana - Porto Rico, por exemplo). Essa inserção do Brasil, na rota do
tráfico, dos vários cartéis, se deu devido a entrada de tropas norte americanas
no Panamá, que passaram a controlar mais efetivamente o espaço aéreo do
Caribe. Sabe-se, por meio de estudos já consolidados por Steiman (2006), que
1 *Graduanda em Defesa e Gestão Estratégica Internacional – IRID/UFRJ. **Graduanda em Defesa e Gestão Estratégica Internacional – IRID/UFRJ. *** Professora da Graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional – IRID/UFRJ.
a entrada de drogas no Brasil acontecia, desde a década de 1980, pelo menos
pelos corredores Amazônicos.
Na década de 1990, além de espaço de trânsito, o Brasil passa a ter
relevância em praticamente todas as atividades da economia da droga, como
por exemplo: no processamento das folhas, facilidade de acesso aos produtos
químicos, laboratórios clandestinos, estocagem, plataforma de exportação e
um local ideal para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico.
Com um território de 7 milhões de km2, a região Pan-Amazônica
perpassa 9 países na América do Sul, incluindo o Brasil, onde se encontra
localizada 60% de toda sua bacia hidrográfica. De acordo com o Plano
Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA): 2020-2023, a nossa
Amazônia corresponde a 59% do território brasileiro, com cerca 5,1 milhões
de km2, abrangendo os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso,
Pará, Roraima, Rondônia, Tocantins e parte do Maranhão.
Em 2018, a região chegou perto de 27 milhões de habitantes, que vivem
nas cidades circunvizinhas aos principais rios. Segundo a Imazon, estas
pessoas pertencem a uma rede social complexa de povos distintos, e são o
resultado de um rico e complexo mosaico sociocultural.
O Pará é o estado mais populoso, e Roraima, o menos populoso. De
acordo com dados levantados pela Oscip Imazon, neste mesmo ano,
observou-se que a região amazônica continua com problemas que abrangem
questões como a precariedade no saneamento básico, acesso a água tratada,
deficiência na educação, pouca garantia dos direitos individuais, aumento
recente no desmatamento e agravamento nas questões de segurança pública.
Figura 1: Pan-Amazônia - nossa Amazônia corresponde a 59% do território brasileiro
Fonte: https://www.todamateria.com.br/amazonia-legal/
A droga, o consumo e a violência na Amazônia
De acordo com o Relatório mundial sobre drogas do Escritório das
Nações Unidas para Drogas e Crime - UNODC (2019), a produção mundial
estimada, apenas da cocaína, foi cerca 1976 toneladas em 2018, tendo
aumentado 25% em relação a 2017. A maior produtora mundial, continua
sendo a Colômbia, que em 2016, chegou a produzir cerca de 866 toneladas
de cocaína pura, em uma área aproximada de 150.000 ha. Juntamente com
Bolívia e Peru, são a origem de pelo menos 60% deste tipo de droga,
apreendida no mundo. Em 2017, 1275 toneladas foram apreendidas, no
mundo inteiro, sendo a maior quantidade já registrada pelo Escritório da ONU.
De um modo geral, ainda de acordo com a UNODC (2016), esta “indústria” da
droga, chegou a faturar 870 bilhões de dólares.
O relatório de 2019 afirma que 271 milhões de pessoas, ou seja, 5,5%
da população mundial, entre 15-64 anos usaram drogas, alguma vez, no
período de 1 ano. No Brasil, de acordo com o 3º Levantamento Nacional de
Uso de Drogas pela população, feito pela Fiocruz (2017), 4,9 milhões de
pessoas usaram substâncias ilícitas, pelo menos uma vez em 12 meses, ou
seja, 3,2% da população brasileira. Destes, 7,7% usaram maconha e 3,1%
usaram cocaína. O levantamento observou, que a maior prevalência de
consumo foi encontrada em áreas com maior ajuntamento de pessoas, regiões
urbanas, metropolitanas, capitais e municípios grandes, quando comparadas
aos municípios pequenos. Na região Norte, num universo de mais de 1 milhão
de pessoas, 9,9% delas já haviam usado algum tipo de droga alguma vez na
vida, e 0,9% ou 119 mil pessoas usaram nos últimos 30 dias.
De acordo com o Atlas da violência de 2019, devido ao seu tamanho e
posição, a Amazônia é território importante para a logística do narcotráfico. Os
rios desta região costumam ser utilizados para transportar cocaína pronta para
consumo ou para ser beneficiada. A região tem sido alvo de violentas disputas
entre facções criminosas ligadas ao narcotráfico. O Atlas aponta ainda, um
alto crescimento na letalidade na região Norte, assim como na região
Nordeste.
Em todo estado do Pará, por exemplo, o número de homicídios em 2017
ultrapassou 4570 mortes, perfazendo um aumento de 108% em 10 anos,
colocando este estado em 4° lugar no ranking nacional de estados mais
violentos. Toda essa violência, pode ter sido gerada pela ação criminosa
crescente do tráfico e também pela guerra entre os grupos narcotraficantes do
Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e seus
associados regionais: a Família do Norte (FDN), Guardiões do Estado, dentre
outros (Couto, 2017).
Couto (2018), diz que o narcotráfico está territorializado nas favelas e
periferias das grandes cidades brasileiras. Seus líderes conseguiram construir
uma estrutura de poder, que controla e disciplina suas forças de comando,
envolvendo um conjunto de sujeitos, por meio de redes. Redes estas que vão
desde o cruzamento de fronteiras, beneficiamento, até a distribuição,
principalmente da cocaína.
As regiões de fronteira, de acordo com a Secretaria de Estado de
Segurança Pública e Defesa Social do Pará, são extensas, com pouca ou
nenhuma vigilância, e com hidrovias, que sem o devido monitoramento tornam
a região geograficamente favorável ao tráfico de drogas. Couto (2017),
observa que os imensos vazios demográficos, de floresta latifoliada e fechada,
próximos às fronteiras - onde estão os produtores originários de drogas, são
uma forma mais simples de entrada pela região Amazônica e melhor acesso
às cidades que circunvizinham os principais rios.
Após navegar por uma extensa área, os criminosos se aproximam das
grandes cidades, sendo Manaus, o primeiro grande centro populacional onde
acontece a distribuição de drogas para consumo local. Manaus está inserido
ainda, na logística do tráfico nacional e internacional.
A região amazônica pode ser considerada uma “região-trânsito”, que
propicia oportunidade de expansão e articulação dos negócios dos
narcotraficantes, principalmente da droga que vem dos Andes, por onde a
criminalidade despacha a droga para mercado brasileiro, europeu e africano.
Machado (2009), diz que a Bacia Amazônica é um exemplo de sucesso de
redes de tráfico de cocaína, e de integração territorial, pois os narcotraficantes
formaram territorialidades que se estenderam para além dos limites dos
países.
Sobre territorialidade, MACHADO (2005) explica que este termo está
relacionado ao poder sobre os territórios, que podem afetar, influenciar, e
controlar o uso social do espaço físico.
Ao contrário do território, que de alguma forma define “nós” e os “outros”, “próprio” e o “não-próprio”, ou seja, carrega um sentido de
exclusividade, a territorialidade é um processo de caráter ‘inclusivo’, incorporando velhos e novos espaços de forma oportunista e/ou seletiva, não separando quem está ‘dentro’ de quem está ‘fora’. Por isso mesmo, a territorialidade de algum elemento geográfico dificilmente coincide com os limites de um território, embora possa justificar a formação de novos territórios. (p.55 e 56)
Portanto, para ela, as redes de tráfico de cocaína não formam regiões
e sim territorialidades que podem se estender muito além das divisões
regionais oficiais e oficiosas e mesmo dos limites internacionais. A Bacia
Amazônica sul-americana é um caso exemplar, onde essas redes do tráfico
foram as primeiras a obterem êxito na 'integração' territorial.
Figura 2- Rotas por hidrovias, meio terrestre e aéreos que atravessam a Amazônia
Fonte: Couto (2017)
Do Estreito de Breves a Belém – análise de uma microrregião
O Estado do Pará tornou-se um potencial mercado consumidor de
drogas, e o tráfico de drogas em regiões como Belém e Manaus tendem a
crescer muito mais. Estas cidades se destacam porque são “nós” de ligação
das redes, conforme Couto (2010). Belém exerce, hoje, um papel no circuito
global das redes do narcotráfico, como mercado consumidor e distribuidor para
os Estados Unidos, África e Europa. Para chegar até seu objetivo final, como
vimos, o narcotráfico usufrui de uma das maiores redes fluviais do mundo,
entre rios, baías e bacias, e por meio de ambientes permeáveis - estaduais e
entre cidades, com pouca presença do Estado.
Nosso objeto de estudo que compreende uma “pequena” parte do
caminho do rio Amazonas, que vai do Estreito de Breves a Belém, região por
onde os narcotraficantes perpetram suas atividades com certo sucesso. Couto
(2010) sinaliza que a incorporação de cidades como Breves, Abaetetuba,
Barcarena dentre outras, à rota do tráfico se dá justamente por causa da
fiscalização que é incipiente. Por causa de sua dimensão, e da crescente
atividade do modal hidroviário, essa “pequena” região (comparada a toda
extensão do rio Amazonas), apresentado um número crescente de atividades
criminosas, de todos os tipos, principalmente o tráfico.
Figura 3- Demonstração da rota do tráfico do Pará, que passa pelo Estreito de Breves até
Belém, por meio dos modais: Fluvial (roxo), terrestre (vermelho) e aérea (verde)
Fonte: Couto (2010)
A partir do Estreito de Breves, nos ateremos às cidades de Abaetetuba,
Barcarena e Belém, por onde as drogas seguem para o exterior, como
demonstra a figura acima. Queremos então, chamar atenção aqui, para estas
cidades chave, que estão na rota do tráfico internacional, e pontuar as
características que elas possuem a atuação do tráfico via hidrovias, e as ações
do Estado para tentar coibir a criminalidade gerada por ele
.
Breves/Ilha do Marajó - Pertencente ao arquipélago do Marajó, que tem cerca
de 2500 ilhas e ilhotas. Breves cresceu a partir de seu porto, onde durante
muito tempo, as atividades da cidade ficaram concentradas. Seu estreito é um
canal fluvial que dá acesso também a Ilha do Marajó. Sendo região estratégica
para o escoamento de todo tipo de mercadoria. Está dentre os lugares onde
há maior frequência de crimes (juntamente com o rio Madeira e o rio Solimões)
na região Norte.
Por causa do número elevado de crimes - roubos de carga, combustível, óleo;
sequestro, dentre outros, é considerada área vermelha pelo Sindarma
(Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial do Amazonas),
principalmente, por causa da ligação que o roubo armado da região, tem com
o tráfico de drogas, sendo portanto, um dos trechos mais perigosos do
percurso hidroviário, dados também apontados pelo Sindarpa (Sindicato das
Empresas de Navegação Fluvial e Lacustre e das Agências de Navegação no
Estado do Pará).
Ribeiro (2018), em seu estudo sobre a região do Estreito de Breves,
afirma que a criminalidade, nos rios que fazem parte desta área, tem
aumentado por causa do grande tráfego de embarcações que navegam
carregando produtos de alto valor agregado, atraindo “piratas”, em áreas mais
vulneráveis. O Grupamento Fluvial de Segurança Pública no Pará (GFLU)
formado por agentes públicos de diversas áreas observou que, geralmente,
pelo menos uma pessoa da tripulação das embarcações está envolvida nas
ações de roubo armado.
Além do GFLU, outros grupamentos policiais, como por exemplo, o NIP
- Núcleo de Inteligência Policial da Polícia Civil e o NAI - Núcleo de Apoio às
Investigações, também da PC, a Superintendência Regional das Ilhas (Polícia
Civil), dentre outras agências, trabalham em conjunto com a PM para coibir, e
apreender criminosos. Apesar de, aparentemente, haver constantes ações
policiais e operações conjuntas das forças de segurança pública, as mesmas
ainda não têm sido suficientes, principalmente em lugares sem meios de
comunicação ou com passagem estreita, onde geralmente acontecem os atos
criminosos mais ousados e perigosos. Os sindicatos portuários dessa região
sinalizam a necessidade de se criar uma Polícia Hidroviária Federal, nos
moldes da PRF, pois a demanda de pessoal especializado para combate deste
tipo de crime é frequente.
Figura 5- Pontos hidroviários vulneráveis e perigosos que necessitam de maior
suporte da segurança pública segurança. Região: Rio Amazonas a Belém.
Fonte: Fenavega/Sindarpa (2018)
Abaetetuba - Desmembrado do território da capital do Estado, Belém, em
1880, o município de Abaetetuba possui uma rede hidrográfica bastante vasta,
navegável em quase toda a sua extensão, com cerca de 72 ilhas que
constituem a chamada Região das Ilhas. O município tem predominância de
florestas de terra firme e florestas de várzea, e população de mais de 350 000
habitantes, sendo a sétima mais populosa cidade do estado. A cidade
proporciona fácil acesso aos portos de Belém e de Vila do Conde e ao sul do
Pará. Segundo Pinto (2016), Abaetetuba, historicamente esteve ligada ao alto
consumo de álcool, por causa de sua herança da cultura da cana de açúcar e
de sua produção de cachaça. A isso, somou-se práticas criminosas de
contrabando de todo tipo, e ainda o tráfico de cocaína.
De acordo com o Jornalista da Folha de SP, Sergio Torres, o apelido de
“Medellín brasileira”, foi dada a Abaetetuba pela Fundação Giovanni Falcone
(IBGF, 1997), à época, ela seria o principal entreposto brasileiro usado pelos
cartéis colombianos da cocaína para o envio da droga para Europa. Esse
apelido indica a importância do lugar para o narcotráfico. A região recebia
cocaína provenientes da Colômbia pelos rios Negro e Amazonas, facilitadas
pela fiscalização policial quase inexiste.
Segundo levantamento feito em jornais regionais de grande circulação
no Pará, uma das rotas mais atuais é aquela que traz da Colômbia, Bolívia e
Venezuela, a droga, já transformada em pó, peteca ou pasta, e chega ao Brasil
via Tabatinga, no Amazonas e enviada ao Pará. A droga é transportada por
rio até Abaetetuba, e distribuída para todo o país. Chegando em Belém, o
produto vem pela baía de Guajará até o rio Guamá onde é feita a distribuição
local e ou enviado para exterior.
Hoje, Abaetetuba continua sendo um entreposto do tráfico, mas as
atividades do narcotráfico têm sido dificultadas pela presença do Estado, por
meio da ação das várias forças de segurança pública que atuam localmente.
E esta é uma das razões pelas quais, esta cidade deixou de ser a Medellín
paraense.
Barcarena - A 80 quilômetros da capital Belém, o município de Barcarena está
integrado à sua região metropolitana. Próximo do distrito de Vila dos Cabanos,
está o porto de Vila do Conde, um dos maiores polos de exportação de minério
do Norte do Brasil.
Segundo o PPA - Plano Plurianual (2018-2021) de Barcarena, a cidade
tem 73 anos e cerca de 118.537 habitantes. A cidade vivenciou diversas
atividades que movimentaram a economia local. Da agricultura tradicional, que
durou várias décadas, passou a ter atividades industriais com a chegada dos
grandes projetos amazônicos, por volta de 1970. Várias indústrias como a de
bauxita e as de cimento, adubo e outras aproveitaram o porto de Vila do Conde
para escoar seus produtos para o Brasil e para o exterior, trazendo certo
desenvolvimento para a cidade.
Enquanto a exportação pelos portos do Brasil, aumentaram 22%, os da
região norte aumentaram 28% e a tendência é aumentar cada vez mais,
justamente pelo fato das hidrovias serem abundantes pela região, conforme o
site Diálogo Chino (2019).
Com o progresso do porto, surgiram também problemas sociais graves
como: prostituição infanto-juvenil, abuso sexual de crianças e adolescentes,
envolvimento de adolescentes no uso e tráfico de drogas, adolescentes em
conflito com a lei, violência doméstica contra mulher, poluição ambiental,
dentre outros.
De acordo com a PF, o Porto de Vila do Conde, em Barcarena, tem
atraído as redes criminosas de tráfico de drogas. Os narcotraficantes utilizam
a técnica criminosa de colocar drogas ou qualquer componente ilícito em carga
lícita. Esta técnica é denominada de 'rip-on/rip-off'. Geralmente ela é feita sem
que os proprietários da carga lícita tenham conhecimento. O porto de Vila
Conde passou a ser, nas palavras de Couto (2018) um nó importante para as
redes de tráfico a nível regional e uma nova rota, por causa da fluidez que o
porto tem para escoar mercadorias e a droga.
Belém - De acordo com o IBGE (2019), a história de Belém se confunde com
a história do próprio Pará. Fundada no ano de 1616, hoje tem população de
cerca de 1.492.745 pessoas. De acordo com censo de 2017, a quantidade de
pessoas ocupadas (com registro em carteira de trabalho - CTPS) é de 29,7%
do total, e estes com renda de cerca de 3,4 salários mínimos. Já 39%
população possui um rendimento nominal mensal, de meio salário mínimo.
Couto (2010) diz que o processo de evolução da cidade de Belém, se
deu concomitantemente, a um processo de favelização de suas áreas de
baixada e sua orla. Para sobreviver, as pessoas pobres encontram maneiras
diversificadas para conseguir o sustento, sejam elas ligadas às atividades
legais ou ilegais, incluindo aí, o próprio tráfico de drogas, atuando direta ou
indiretamente nele. O pesquisador ainda ressalta que, a organização do
narcotráfico, em rede, acaba por criar, uma estreita relação, com a periferia de
Belém. Isso se dá pelo fato de as próprias estratégias de distribuição e
transporte da droga, naquelas áreas, serem feitas por meio de relações com
diversos atores sociais e com a organização espacial do lugar, criando assim
uma relação em teia. Isso faz com que a periferia de Belém, esteja envolvida
na trama de redes do narcotráfico, de escala regional e global.
A Cocaína vem dos países andinos, e que, como já assinalamos, o
Brasil atua como beneficiador, área de trânsito, tendo como mercado
consumidor, primordialmente, a região sudeste (SP e RJ). A navegação pelo
rio Amazonas tem para distribuição e circulação da droga tem papel
estratégico, e a logística para o transporte da droga costuma incorporar direta
ou indiretamente as cidades que banham este rio.
A questão dos Portos
Dentre as metas do projeto de pesquisa do Grupo de Gestão em
Segurança e Defesa do LESD/UFRJ está pontuar, na região selecionada,
como o crime organizado pode se apropriar do Ecossistema de Negócios das
Infraestruturas Críticas (no nosso caso, os portos), para manutenção do tráfico
nacional e internacional de armas e drogas.
Em 1993, James Moore descreve “ecossistema de negócios” como uma
comunidade econômica, um organismo vivo do mundo de negócios, onde
organizações e indivíduos interagem. Conforme seu entendimento, a visão do
sistema como um organismo biológico possibilita que se estude o ecossistema
de negócios por meio das relações recíprocas entre as empresas e os
ambientes de negócios circundantes; no caso deste estudo, as estruturas
portuárias que tem a finalidade de promover atividades licitas.
Segundo a Antaq, a movimentação dos portos públicos e terminais
privados brasileiros cresceu 2,7%, em 2018 em comparação a 2017,
totalizando 1,117 bilhão de toneladas. O transporte marítimo, por meio dos
portos, ainda é o caminho mais seguro e de baixo custo para milhares de
relações e trocas comerciais, evidencia que estes não estariam isentos de
serem infiltrados e utilizados pelo crime organizado para envio e recebimento
de suas cargas ilícitas. Tal atividade criminosa nos portos, têm funcionado de
modo paralelo, como um “parasita” estando formando um ecossistema com o
mesmo.
De acordo com a Associação Brasileira dos Terminais Portuários
(ABTP), há deficiência e necessidade de reforçar o desenvolvimento do setor
por meio de regras claras, governança portuária, boas práticas de gestão,
reforma estruturante e medidas emergenciais. A Associação também assinala
que, há suspeitas de corrupção, pagamento de propinas e lavagem de dinheiro
por parte de empresas portuárias, o que nos sinaliza uma brecha aberta para
instalação e aproveitamento das redes do crime organizado.
Nesse contexto de ecossistema, levantamos a hipótese de que assim como
“sistemas se sobrepõem, entrelaçam e interagem uns com os outros” o mesmo
tem ocorrido nos portos do Brasil e as redes de crime organizado com suas
atividades criminosas.
Comparativo do crescimento das apreensões e prisões dessas cidades
Para fins de observação e análise inicial, fizemos um levantamento de
apreensões relacionadas ao tráfico de drogas nas cidades estudadas, e um
levantamento dos postos das forças de segurança pública da região para
verificarmos se a hipótese de que a ausência do Estado realmente é um fato
primordial para a prosperidade do crime de um modo geral, e do tráfico de
drogas em particular.
Sobre as apreensões:
Observamos por meio dos dados levantados que no período de 2014-
2019, as agências que mais operaram, no combate ao tráfico e ilícitos, nessa
região selecionada, foram a Polícia Civil, a Polícia Militar com a cooperação
do Ministério Público, Marinha do Brasil e Polícia Federal, algumas vezes, por
meio de operações conjuntas. Observamos que muitas operações foram feitas
interagência, isto é, com a cooperação efetiva e ou troca de informações entre
as agências. Identificamos 10 operações, neste período, sendo que algumas
delas tiveram duração de mais de um ano, tendo um aspecto primordial de
inteligência e investigação. Cerca de 3 toneladas de cocaína foram
apreendidas neste período, além de cerca de 2 toneladas de maconha, grande
quantidade de oxi1, armamentos, munições e contrabandos de vários tipos,
principalmente cigarros.
Cabe pontuar aqui, um detalhe recorrente, o crescente número de
mulheres envolvidas com o tráfico, sejam como as conhecidas "mulas", como
líderes de pontos vendas de drogas, auxiliando seus companheiros no tráfico
ou na aliciação de menores para prostituição.
Notamos que algumas das prisões em flagrante, foram feitas devido a
denúncias anônimas, mas grande parte foram oriundas de mandados de
prisão, resultando na desarticulação de várias quadrilhas e pontos de
distribuição, nas cidades estudadas. Algumas buscas não resultaram em
prisões, pois os suspeitos fugiram pelo rio ou pela mata. Dentro do universo
limitado de 40 notícias que levantamos, observamos que as apreensões com
grandes quantidades de drogas, foram feitas com auxílio da PF e da Marinha
do Brasil. Interessante ressaltar também que uma apreensão de 2 toneladas
de cocaína foi despachada para França, de Belém, em um navio pesqueiro
originário de Abaetetuba. A droga foi encontrada pelos franceses e as
autoridades brasileiras foram avisadas para fosse instaurada uma
investigação.
Observamos que essas regiões tem sido utilizadas para o fluxo de saída
e entrada de drogas, por hidrovias e rodovias, prioritariamente, enquanto a via
aérea tem sido menos utilizada, por receberem atualmente um monitoramento
tecnológico mais ostensivo.
Sobre a presença do Estado por meio da Segurança Pública
Como já foi dito antes, e o levantamento de informações opensource
reforça, a Polícia Civil e a Polícia Militar com seus grupamentos e setores
especializados são bastante ativos nas regiões das cidades estudadas, apesar
do pequeno contingente especializado. Como meio de exemplificar a presença
destas agências na região, trouxemos um mapa com levantamento dos postos
da Polícia Militar, dentro da área estudada (Breves a Belém).
Figura 6 - Quadro de Batalhões da PM, Batalhões da Marinha e Exercito.
Fonte: Lucas Barreto (2019)
Cruzando as informações
Como observamos neste trabalho, o Estado, aparentemente, tem
estado presente por meio de mecanismos como as Polícias Civil, Militar,
Federal, juntamente com as Forças Armadas, representados pelos seus
Grupamentos e Delegacias que atendem às especificidades e demandas das
hidrovias e dos portos das cidades estudadas.
O que se observa pelos dados coletados, é que o número de
apreensões e desarticulação de redes criminosas tem acontecido, mas, devido
às grandes extensões territoriais, o número restrito de agentes, e a habilidade
que os narcotraficantes possuem para articular suas redes e logística, a ação
de combate e prevenção ao crime, não tem dado conta de impedir que a droga
chegue e seja despachada por terra para o sul do estado, por rio para outros
entrepostos como Marajó, Barcarena, e Belém.
A tendência que observamos é que, na medida que o Estado, se
organiza, ocupa, os vazios territoriais, investe em inteligência, e em seus
agente de segurança pública - como por exemplo, com um maior contingente
de pessoal e capacitações para áreas específicas, como a capacitação em
Operações Fluviais - mais difícil fica o trânsito para o crime organizado.
Ressaltamos também que as atividades que são feitas em cooperação entre
as diversas agências, são as mais complexas e as que sugerem ter melhores
resultados.
Observamos também que a questão social, conforme sinalizado por
Couto (2018), é imperativa para que o crime organizado amplie sua rede e
consiga prosperar em seus objetivos. Há, nesse caso, necessidade primordial,
de maior atenção do poder público, por meio de políticas públicas, que
alcancem a diversidade de situações, em que a população possa estar
envolvida.
Referências
COUTO, A. C. - Narcotráfico na Metrópole: das redes ilegais a “territorialização perversa” na periferia de Belém / Dissertação de Mestrado - UFPA. – 2010. Disponível em: http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/2692 - Acesso 15/08/19 COUTO, A. C. - A geografia do narcotráfico na Amazônia - Geographia Opportuno Tempore, Londrina, Vol. 3, Nº 1, pp. 52 - 64, 2017. Disponível em:http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/Geographia/article/view/31774 - Acesso em: 15/08/19 COUTO, A. C. - Territórios-rede e territórios-zona do narcotráfico na metrópole de Belém - GeoTextos, vol. 14, n. 1, pp. 61-82, julho 2018. Disponível em: https://portalseer.ufba.br › index.php › geotextos › article › view - Acesso em: 15/08/19 DIÁLOGO CHINO - Demanda china de soja empuja el agronegocio hacia la Amazonia - febrero 18, 2019 - Disponível em:
https://dialogochino.net/23265-soy-demand-pushes-agribusiness-to-the-banks-of-the-amazon/?lang=es - acesso em 10/09/19 EM TEMPO - Rota do tráfico: Manaus, a cada esquina um ponto de drogas
- Disponível em: https://d.emtempo.com.br/amazonas/103222/rota-do-trafico-manaus-a-cada-esquina-um-ponto-de-drogas - Acesso em 11/09/19 ESTADÃO - Piratas saqueiam 100 milhões por ano na Amazônia -
Economia e Negócios -. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,piratas-saqueiam-r-100-milhoes-por-ano-na-amazonia,70001900595 - Acesso 10/09/19 EXECUTIVE SUMMARY CONCLUSIONS AND POLICY IMPLICATIONS - World Drug Report 2018 (United Nations publication, Sales No. E.18.XI.9).
Disponivel em: https://www.unodc.org/wdr2018/prelaunch/WDR18_Booklet_1_EXSUM.pdf - Acesso: 02/09/19 FIOCRUZ - III Levantam Nacional de uso de drogas na popul brasileira 2017 - Disponível em:
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/34614/1/III%20LNUD_PORTUGU%c3%8aS.pdf e https://portal.fiocruz.br/noticia/pesquisa-revela-dados-sobre-o-consumo-de-drogas-no-brasil - Acesso em 02/09/19 G1 - Pesquisa sobre rota do tráfico na Amazônia receberá recursos federais - Disponível em
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